Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí

Transcrição

Antologia - Fundação Cultural de Paranavaí
FEMUP
45º
Festival de Música e Poesia
42º
Concurso Literário de Contos
de 14 a 20
de novembro de 2010
Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa
Paranavaí – Cidade Poesia
Paranavaí – PR
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Capa
Fundação Cultural de Paranavaí
Revisão
David Arioch
Desenhos
Darlan Alves e Kreslen Matsumoto
Troféu (idealização)
Saulo Suguimati
Composição e Impressão
Gravil Artes Gráficas Ltda
FEMUP – 45º Festival de Música e Poesia
42º Concurso Literário de Contos
Paranavaí - PR
Fundação Cultural de Paranavaí
Novembro, 2010
144 páginas
Poesias, Contos e Músicas Brasileiras
1ª edição: 1.000 exemplares
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PARANAVAÍ – CIDADE POESIA
Não foi por acaso que se escolheu o codinome “Cidade-Poesia” para definir
Paranavaí no que diz respeito as artes plásticas, as músicas de diversos timbres,
notas, ritmos; as poesias soltas, livres e emocionantes; aos contos concisos,
precisos e densos. E que nasce já com uma história linda e contagiante de ser
contada.
Poesia no sentido da arte de criar imagens, de sugerir contentamento por meio
de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados múltiplos,
oportunidade em que a cultura do povo é realçada, ganha vida, faz vibrar os
corações e se fixa em deleites de emoções.
Não é a toa que afluem para cá artistas de todo o Brasil que quando não podem vir
pessoalmente, por motivos vários, mandam suas obras que compõem o acervo rico
das músicas, poesias e contos do nosso FEMUP – Festival de Música e Poesia que
neste ano completa sua 45ª edição.
Cidade-Poesia que tem a capacidade de congregar diversas ações no campo
das artes-aprendizados e nas artes-diletantes não menos nobres que as artes
profissionais dos grandes centros, porque tudo o que aqui se faz tem na receita a
temperança, o prazer e o respeito. Por isso é sempre bem feito.
De 1966 para cá, os vários tropeços (financeiros, políticos e administrativos) – se
é que possamos chamar de tropeços as dificuldades vencidas – não tiveram força
suficiente para superar a vontade de fazer, o desejo de realizar e de mostrar que
quando se quer os passos, mesmo que miúdos, têm dimensão maior que a medida
das pernas de gigante, porque são dados com a certeza de que a caminhada tem o
princípio que é seu propósito, o meio que são ações empreendidas para realizá-lo
e o fim que é o balanço lucrativo no fim de cada evento.
Parabéns ao senhor de meia-idade, o FEMUP. Parabéns a cidade que o abriga, a
Cidade-Poesia. Parabéns a quem nele se insere independente de função. Parabéns
a quem dele participa, afinal, a poesia, a música e as peças literárias pouco servem
se não forem expostas ao público.
Renato Benvindo Frata, advogado, contador, atual presidente da Academia de
Letras e Artes de Paranavaí.
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COMISSÃO JULGADORA
ELMITA SIMONETTI PIRES, graduada em Letras, com mestrado
em Estudos Literários. É docente das disciplinas de Teoria da Literatura,
Metodologia do Ensino da Literatura e Literatura Infanto Juvenil, da Faculdade
Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA). Coordena
a pesquisa Literatura, Memória e Oralidade: práticas narrativas da região
Noroeste do Paraná.
ROSI SANGA, graduada em História, com especialização em História da
Cultura e da Arte pela FAFIPA. É atriz, professora, diretora do Grupo de Teatro
Cia.Oficinas , Coordenadora da Casa da Cultura de Paranavaí e membro da
Associação dos Artistas (Asas).
RITA DE CÁSSIA FURLAN, graduada em Letras (FAFIPA/2003),
especialista em Literatura Brasileira, professora de Língua Portuguesa e
Língua Inglesa da Rede Estadual de Educação. Apreciadora de poemas e
contos e incentivadora da arte da declamação na escola.
GLAUCIA MINCOFF DE CASTRO PALMA PERON BERNARDO,
Arte Educadora, pós graduanda em Patrimônio Cultural. Professora de arte
na rede pública e privada e integrante do projeto Viva a Escola. Participou
durante anos em vários corais. Apreciadora da poesia e da literatura.
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FRAGMENTOS
QUARESMEIRAS E OUTRAS
PAIXÕES QUE NÃO ROXEAM
Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
Éder Rodrigues
Belo Horizonte - MG
ABÁ-PE ENDÉ?
Altair Cirilo dos Santos
Paranavaí - PR
RASANTE
Ricardo Viola
Lambari - MG
AMOR vs VIDA
Valdeci Alves de Almeida
Cruzeiro do Sul - PR
RITO DE PASSAGEM
Angra
Belém - PR
DES/ESPERANÇA
Maria A. S. Coquemala
Itararé - SP
BRINCO DE LEMBRAR
Daniel Retamoso Palma
Santa Maria - RS
DIONÍSIO, UMA TRAGÉDIA
Felipe Figueira
Paranavaí - PR
EU VÔ FIÁ NO MEU FUSO
MIÃ LIÃ D’HORIZONTE
ECCE HOMO!
Joilson Melo
Ibotirama - BA
Gabriel Bicalho
Mariana - MG
OS ÁTILAS
Adriano Wintter
Porto Alegre - RS
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FRAGMENTOS
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Roberto Gonçalves
Paranavaí - PR
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O poeta é o traficante da liberdade
(Júlio Barroso)
Amanheço
fragmentos
e durmo
ilusão de conjunto
na mais total
incompletude (2008 - Sérgio Bernardo)
Em meio à madrugada
Amanheço
Procuro em meio às palavras (e madrugadas)
Expressar as madrugadas que ainda não vieram
Há uma madrugada que ainda nasce em mim
Acordo (insisto)
Procuro (em meio às palavras)
Libertar as várias madrugadas
Que os poetas ainda verão nascer
“Quantas madrugadas teremos que nascer
Para que os poemas acordem dentro de nós?”
Meu gato
Era rajado
De madrugada
vivia no teto
lambendo as estrelas (1987 - Marco Aurélio Cremasco)
“Quantos poemas teremos que tecer
Para que as madrugadas nasçam dentro de nós?”
Tecer o poema
Como quem vai tecendo
Os fragmentos do cordão umbilical (1989 - Hélder Louis Rodrigues)
“Quantas almas teremos que silenciar
Para que o poeta (fragmentado) escute a alma tecida no silêncio?”
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Eu não me escuto
Quando todas as almas falam juntas
Oh peso da pura existência! (1989 - Adriana Cristina Pazia)
Escutar a alma do poeta
Como quem busca A sobriedade de um silêncio
Insano
Bêbado
Que grita em meio às palavras
Que ainda não vieram
(nas madrugadas)
Meu silêncio
É feito de palavras
Expor-me
É o jeito que encontrei
De me esconder (1995 - Nailor Marques Júnior)
Ah, silêncio de todas as almas
Ah, silêncio insano
Que tece poetas
Expõe nas madrugadas
Fragmentos de gritos
Libertos
Nos caminhos que insistimos
Buscar
(precisamos)
Há uma criatura em mim que
Sempre que há silêncio
Me faz querer gritar (1996 - João Anzanello Carrascoza)
Ruas vazias
Almas repletas de caminhos
Caminha
Passos lentos
Trôpegos
Em busca do desequilíbrio da alma
(nas madrugadas)
Toda vez levanto o pé
E logo vem o caminho
Apressado colar de novo
Em minha sola (1998 – Thaís Nogueira Camargo)
“Quantos caminhos teremos que descobrir
Para equilibrar a alma do poeta?”
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Desde que se ergueu sobre duas patas
o homem é um ser desequilibrado (2001 – Oriomar Skalinski Júnior)
“Quantas almas teremos que equilibrar
Para descobrir o caminho da existência do poeta?”
Pelos caminhos sem volta
De tantas sendas abertas,
Fui a múltiplos lugares
E descobri, de repente:
Nunca saí de mim mesmo. (2002 – Luiz Francisco Guill)
Na madrugada
(descoberto por si mesmo)
Envolto em silêncios o poeta se encontra no abrigo da solidão
- chove solidão dentro de mim (1995 - Sérgio Bernardo)
Lentamente abre sendas
E colhe poemas expostos à fúria do mar do abandono
(fendas?)
Deixa que à luz dos teus olhos
Eu navegue e vague
Pelo tenebroso mar do abandono! (2001 – Pedro Dias de Souza)
“Quantos mares teremos que navegar
Para chegar ao cais da alma do poeta?”
O que ontem valeu
Hoje é vento
Não procure respostas
Os navios não esperam no cais. (1997 – Sérgio Napp)
“Quantos ares teremos que voar
Para abrigar o poema escondido no cais da alma do poeta?”
Vou pra onde voam pássaros e estrelas
Muito além do velho cais. (2000 - Cláudio Souza Farias)
“Quantas noites teremos que amanhecer
Para encontrar num vôo os versos insones Abrigados nos fragmentos do poeta?”
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(insanos)
E agora, as andorinhas?
Voltarão para a noite
À procura de abrigo?
Ou correrão aos bares,
Como eu, em busca de nada. (2001 – Paulo Campos)
Em transe
(só)
O poeta navega em terra firme
E na busca incessante
(do nada)
Encontra o toque sublime do poema
Estou só
e me faço multidão
no vazio dos sentidos (2007 - Delermando Vieira Sobrinho)
Só
Na madrugada
Fragmenta seus pensamentos
Em versos que brilham
Na imensidão que vem do céu
(em terra firme)
O poeta e o tempo são dois irmãos
Vaga-lumes que brilham na escuridão
Em versos o tempo se esvai
Poesia são muitos quintais
A nos guardar... (2004 - João Aluá)
Deita na relva
(só)
Vê refletir
(na madrugada)
As cores do poema
Que o tempo (entre muros e quintais) fez questão de lhe guardar
Revisto-me
Não incólume, o tempo é um bêbado
Encostado nos muros
da vida da gente (1988 - José Marinho do Nascimento)
“Quantas luas teremos que inventar
Para moldar (na madrugada) a alma reticente do poeta?”
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Coloca na tela branca da minha imagem
A transparente e volátil divindade
Das tuas mãos de artista
E teus pincéis de mago
Para fazer-me inteira
E esculturar minha alma... (1986 – Linda Brandão Dias)
“Quantos poemas teremos que moldar
para iluminar o sono precioso da alma do poeta?”
Por favor não me acorde
Prefiro
(preciso)
Dormir ao relento...
À luz do luar... (2003 – Kellen Wiginescki)
Na madrugada
(no tempo)
Nos olhos abertos do poeta (que sonha acordado)
Poemas que pululam
Saltam da alma
Sonhos que ainda não foram sepultados
(os mortos não sepultados
não morrem por inteiro) (1993 - José Ubirajara Galli Vieira)
Os passos do passado
Insistem revisitar
Em fragmentos
A alma insone do poeta
(na madrugada)
(re-inventar)
O poeta in-venta
Pelas frestas
um coro
De sonâmbulos
Uivando a senha
Dos teus passos (2007 - Daniel Retamoso Palma)
Passos
Paz (sós)
O poeta e a madrugada
Juntos
(a sós)
Buscam no passado
Passo a passo
Fragmentos
Frag (mo) mentos
Que a alma anseia buscar
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“o passado é uma duna
e nada há que possa ser feito” (2008 - Altair Cirilo dos Santos)
O passado é morto
Mas não se deixa enterrar (2008 - Roberto Gonçalves)
Na madrugada
O poeta desenterra
Fragmentos insepultos
Mortos para alguns
Vivos para ele
Reconstrói-se libertando o poema
(de sua alma)
Eu, insepulto,
sou um cadáver no tempo (2004 - Márcio Davie Claudino da Cruz)
Na madrugada o poeta empunha
A navalha que corta o passado
(do fundo da alma)
“Quantos passados teremos que cortar
Para consolar a alma do poeta?”
O poema é navalha que corta e consola;
O poeta, um maestro de facas! (2000 - Carlos William Leite)
O poeta é um herói
Insone
Em busca de palavras que venham libertar
As madrugadas que ainda verá nascer
(que luta)
“Quantas madrugadas teremos que libertar
Para empunhar a palavra que conjugue a alma do poeta?”
Não tenho a palavra na mão,
Na mão apenas sopeso o futuro
Esse verbo
que não aprendi a conjugar (1992 - Hélder Louis Rodrigues)
Tece o poema com as palavras
Que a madrugada
Conjuga dentro de sua alma
Vivifica o verbo esquecido
Que não se fez carne
Mas habita entre os tempos
Que aprendeu conjugar
(em silêncio)
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A gramática da vida
Me ensinou a conjugação
De um verbo obsoleto
Que tentei conjugar
Em mais de um tempo
Sem saber que ele flexiona bastante
Mas é inconjugável no futuro
E inconquistável no presente (1985 - Sérgio Rubens Sossélla)
Reinventa verbos
Re-inventa versos
Sopra de sua alma
(in)venta
A sonoridade de cada verso
Se os versos que inventei parecem tolos
Que dirão na hora que não canto? (2000 - Roberto Simões)
Em meio à madrugada
O poeta canta
Um canto sem rima
(in) venta
Instaura
A brisa que consola sua alma
(na madrugada)
Eu instauro meu canto
E encontro
Oceanos... (1973 - Antônio de Pádua Basseto Carvalho)
O poeta canta
(e chora)
O choro dos felizes
Dos que cantam
(na madrugada)
Insones
Sem dor
Mas com lágrimas
Ninguém chorará a dor das águas,
Que por si só
Se nutrem de lágrimas (1982 - José Marinho do Nascimento)
Bebe o cálice (de lágrimas)
Que borbulha
Na (in) consciência de seus poemas
“Quantas lágrimas teremos que chorar
Para lavar a alma do poeta?”
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Lágrimas...
O refúgio dos fracos
A coragem dos fortes
(...) Atemporais
Sem convite
Surgem...
E forte como são
Deixam suas marcas
Por onde passam (2001 - Kellen Wiginescki)
Na madrugada o poeta está só
Sorri e chora
Ao mesmo tempo
Embriagado de poemas
Fragmentos
Recolhidos de outros tempos
Exploram sua mente
Frag(mo)mentos
“Quantos momentos teremos que explorar
Para borbulhar a alma embriagada do poeta?”
Grávida de sonhos,
Na madrugada escura,
A consciência borbulha (2007 - Roseli Broering dos Santos)
E o poeta na madrugada que viu nascer
Boêmio
Gira em torno da lua
Dança
Por dentro da alma
Embriagado
Pelos poemas que libertou
Dança com a madrugada
Dorme com o dia
“Quantos poemas teremos que dormir
Para acordar a alma boêmia do poeta?”
(na madrugada)
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Os poêmios bebem a noite inteira
(...) até que a noite tire do bolso o dia
E a poemada toda em algaravia
Pára no caminho pra comer bombom
Onde justamente outro poêmio dorme
Como a pedra enorme
De Drummond. (1992 - Antônio de Pádua Barreto Carvalho.)
“Na colagem de cada poema
Fiz um mosaico das almas
Que por aqui passaram...”
Todos os fragmentos referem-se à FEMUPs anteriores
Natural de Paranavaí, é servidor Público Estadual desde 1997. Graduado em Letras (2001 –
FAFIPA) e pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura (2002). Escreveu os primeiros
contos e poesias em 1999. No FEMUP, já ganhou oito barrigudas e uma “barrigudinha” pelo
oitavo lugar em 2002 no Festival Zé Maria de declamação.
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ABÁ-PE ENDÉ?
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Altair Cirilo dos Santos
Paranavaí - PR
O espelho me devolve
os deuses antigos
e suas efígies na face do mar
que mantêm longe
o dragão do fim do mundo.
O espelho me devolve
um navio negreiro, um rinoceronte,
um ponto de santo,
palavras d’água
que me enraízam,
gingantes,
ao chão, à erva, ao peixe.
Também devolve uma cimitarra,
uma lua crescente,
um numeral.
O espelho me devolve
a dança da chuva,
a planta sagrada,
os signos de origem e fim,
o fluir infinito de animais,
árvores, lugares
que escorrem da língua
e através dos ventos e rios
atingem a todos,
até bem depois do pó,
do sonho, da lembrança.
O espelho me devolve
o perdão setenta vezes sete,
a culpa por ser tão eu
que fracasso em ser outro
mais perfeito,
o remorso pelo que não foi,
ou sendo não devesse,
a expiação sempre avara e tardia.
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Devolve a secreta esperança
de que tudo seja mínimo
e o saldo favorável.
O espelho me devolve
correnteza, pântano,
arbusto,
pássaro, nuvem,
grão, tumulto.
E sedimento,
policromia,
rebelião.
Me devolve shamizen,
Marais e a viola da gamba,
Harry Partch e sua
diamond marimba.
Notas:
Aba-pe endé: Quem és tu? Em tupi-guarani.
Shamizen ou shamísen: intrumento musical da tradição japonesa.
Marin Marais (1656 – 1728): compositor francês do período barroco, notável por peças para a
viola da gamba.
Harry Partch (1901 – 1974): compositor de vanguarda norte-americano.
Diamond Marimba: instrumento musical inventado por Harry Partch.
Policial militar, graduado em Letras e Direito, o autor é veterano em participações no FEMUP e
em outros concursos nacionais de poesia e contos. Tem várias obras publicadas.
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AMOR vs VIDA
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Valdeci Alves de Almeida
Cruzeiro do Sul - PR
“Tu apareceste com tua boca fresca”
Mario Quintana
Dos dez ou doze
morri por Rose!
Dos doze aos quinze
por Denise!
Dos quinze aos dezessete,
Elizabete!
Dos dezessete aos vinte
Fabiane foi
minha morte seguinte...
E crendo já
o Tártaro profundo
não ter saída,
surgiste, enfim, Beatriz,
e, com um beijo, transplantaste
teu coração no oco do meu peito!
E me deste uma nova vida...
Graduado em Letras, nasceu em Nova Esperança, mas reside em Cruzeiro do Sul.
Já participou e foi premiado em diversos concursos literários, entre os quais o FEMUP. Pela
conquista, agradece a Deus, a todos os envolvidos na produção do festival, aos familiares e a
sua namorada e musa inspiradora Ângela Maria Cipriano.
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DES/ESPERANÇA
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Maria A. S. Coquemala
Itararé - SP
Nenhum reflexo do sol
no fio das enxadas, foices e facões.
Não brilham os olhos dos fabianos
na retirada dos meios urbanos,
expulsos pela globalização...
Urubus em círculos pontilham o céu sem nuvens.
A paisagem é graciliana.
Mãos encardidas caçam piolhos aninhados
nos emaranhados dos cabelos infantis...
Na terra seca se ajeitam, com pouco sobrevivem.
Uma voz comanda, António Conselheiro.
Biblicamente faz brotar esperanças,
do árido chão há de brotar o verde...
Terra para os Sem-Terra
Canaã.
O sol é uma bola dourada no poente.
Trilham os caminhos, os poucos trastes carregando...
O calor não ameniza, chuva nenhuma.
Se chovesse, uma copa de árvore bastaria,
habituados à vida sob as pontes...
António Conselheiro sabe incluí-los, sem conflitos.
Teto para os Sem-Teto...
O canavial farfalha verdes esperanças...
Canaã.
Calor sufocante... Estrada poeirenta...
Abre sulcos, o suor, na poeira dos rostos, queimados pelo sol...
Miragem? Os olhos se espantam!
Lá o verde das lavouras, o azul do lago, pomares, flores nos jardins...
Trabalho sobrando para quem chegar munido de vontade.
Nenhum contrato, papel nenhum, confiança é documento bastante.
Folhas verdes são mensagens de esperança.
Emprego para os Sem-Emprego.
Canaã.
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Pela ardência dos caminhos, vêm os marginalizados,
mendigos, meninos abandonados, mulheres desvalidas...
Repete-se o milagre da multiplicação dos pães.
Jorra o vinho de tonéis nunca esgotados...
Vinho e pães igualmente repartidos.
Canaã
E vieram de carro os profissionais liberais,
e a cidade se encheu de doutores;
vieram de avião os empresários
e o azul do céu foi se tornando cinza;
vieram de helicóptero os banqueiros
e cifrões se infiltraram até nos corações;
vieram nos mais variados veículos, os políticos
e com eles a corrupção;
vieram os corretores
e os bens anônimos tiveram possuidores:
Com-Terra, Com-Teto, Com-Emprego.
O farfalhar dos canaviais se enfraquecia
entre as vozes midiáticas...
Canaã?
Casebres, fumaça, urubus, lixões,
crianças na rua, pedintes nas esquinas...
António Conselheiro é uma pálida lembrança...
Flores do campo crescem na sua humilde sepultura,
onde pousam borboletas azuis.
Canaã?
Nenhum reflexo do sol
no fio das enxadas, foices e facões...
Não brilham os olhos dos fabianos
na anti-retirada dos meios urbanos,
expulsos pela globalização.
Urubus em círculos pontilham o céu sem nuvens.
A paisagem é graciliana...
Paranaense, professora de Língua e Literatura Portuguesa, especializada em Linguística.
Colunista de “O Guarani”, jornal de Itararé, São Paulo, cidade onde reside. É autora de
poemas, crônicas e contos premiados no Brasil e exterior.
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DIONÍSIO, UMA TRAGÉDIA
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Felipe Figueira
Paranavaí - PR
e alguma coisa
dentro dele
iluminou-se para sempre
Sossélla
I)
Sinto-me como um jardineiro
cuidando de flores que não são suas,
como um marinheiro velejante nessa balsa inglória
chamada história
a traçar horizontes e construir castelos que
não serão seus... nem teus.
(virei minha ampulheta)
II)
Bebi a trilogia da angústia:
solidão, companhia e tédio.
Brindei os momentos e as ausências,
as formas e as carências.
Minha ampulheta se volta sempre
à “poeirinha da poeira”.
(virei minha ampulheta)
III)
Narrarei o teu amanhã
em cima duma ruína augusta
em que somente pássaros avessos à luz
habitarão...
(virei minha ampulheta)
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IV)
Que trágico destino
tens gerado em tua vida.
Nos moinhos da existência
vejo o eterno retornar sempre o mesmo.
Fatalidade de muitos...
(virei minha ampulheta)
V)
Goethe, Kaspar Hauser, Hölderlin,
Schopenhauer, Wagner, Nietzsche,
Benjamin, Adorno, Horkheimer,
Álvares de Azevedo, Machado de Assis, Clarice Lispector,
Drummond, Mário Quintana, Sossélla.
Assim me tornei o que sou.
(virei minha ampulheta)
VI)
Nas cicatrizes do meu espelho
verdade e dor sinonimizam-se em Esfinge:
“Decifra-me ou te devoro”.
Eis minha essência, eis também
minha aparência, um pecado original.
(virei minha ampulheta)
VII)
Se a minha dignidade se perder
num abismo de mil e uma solidões,
que Hermes a encontre para Ariadne.
Sou Dionísio... tupiniquim.
(virei minha ampulheta)
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VIII)
Entre parênteses vejo o enredo atuar
como um diretor de filmes de cowboy
que contracena Claire Trevor e John Wayne
no velho saloon mascarado.
(virei minha ampulheta)
IX)
O santo, o artista e o filósofo
saúdam de longe o gênio
em seu segredo mais profundo,
em sua inocência mais íntima,
em seu instante mais derradeiro.
“Quem acreditará que nós acreditamos nisso?”
(virei minha ampulheta)
X)
No itinerário político,
fascismo e comunismo
encontram seus discípulos,
constroem seus pactos,
destroem seus críticos...
são dois lados duma mesma miragem?
(virei minha ampulheta)
XI)
Sinto-me como um réu envergonhado
que desfila de costas
em cima dum burro,
mas, que agradece a Deus cada segundo
por não ter de se preocupar
com o Império Romano.
Sino da vergonha!
(virei minha ampulheta)
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XII)
Devemos existir em nós mesmos
se quisermos existir em outros.
Nada de novo aparece
neste jogo de baralho.
A vida, sem a música,
continua um erro...
(virei minha ampulheta)
XIII)
Ariadne, cruze os braços
àquele que não lhe tratar com respeito.
Deita-te, não fique em pé!
Colocá-la de ponta-cabeça
é optar pela cicuta,
vício dos suicidas.
(virei minha ampulheta)
XIV)
Vivo hoje, mas não apenas hoje.
Entre crises, risos e crimes
nasce um manancial de destinos
nesta ave de rapina assassina.
Forjo minha máscara,
torno-me meu carrasco.
(virei minha ampulheta)
XV)
Abismo, penhasco, paciência,
tumba, ilha, aparência,
distância, labirinto, clemência,
aurora, crepúsculo, ausência,
Ariadne, Dionísio, essência.
(virei minha ampulheta)
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XVI)
Afasto-me; ela me encontra.
Corro; ela está sempre na frente.
Tramas, destinos, encontros, abismos.
Metafísica real
da Ariadne leal.
Tragédia; mil vezes vivida.
(virei minha ampulheta)
XVII)
Vejo um horizonte imenso
nesta linha asfixiando-se.
Vejo uma canoa em movimento
e, tão logo,
uma fatalidade,
uma ponte não encontrada.
(virei minha ampulheta)
XVIII)
Nos versos do poeta,
amizades e máscaras
tornam-se acordes de solidão.
Ai daquele que não afinar o violão!
Ai daquele que não souber dançar!
Ai daquele que viver da ampulheta...
e não se aguerrir!
(virei minha ampulheta)
XIX)
A ampulheta cansou de ser “artista”,
de se mascarar
e prosseguir as viras da vida.
Suas poeirinhas se perderam...
na poeira.
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XX)
A ampulheta que se virava
perenemente esgotou-se,
sua função exauriu-se.
O destino de Dionísio, pelo contrário,
continuamente reaparece:
“Garanta-se – lute -, lembre-se!”
Estes labirintos
trazem uma brisa agradável e perene,
esteticamente vista,
tragicamente vivida...
Autor de “O corporativismo acadêmico” e “Amplitude e complexidade da ação pedagógica”. É
editor da revista Pontes e tem publicações em diversos periódicos de História, Pedagogia e
Filosofia. Estuda o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
26
ECCE HOMO!
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Gabriel Bicalho
Mariana - MG
quando
o último pôr-do-sol
cruzar o nosso horizonte
eu vos indagarei
:
a que servem
tantas flores?
há verde muito verde
pelos caminhos vossos
e de mim não teríeis
mais que um instante
de plena e louca
poesia
:
e
deixais-me ainda
conduzir os vossos passos
de livre e leve bailarina
sobre as pétalas tantas
de vossas primaveras?
no entanto
é chegado o inverno
e minh’alma permanecerá
gelada:
tempo de solidão!
é quando
de repente
e sem um vivo aviso
cessa a insólita ceifa
de nossas estações
e
frutos sazonados
murchamos esquecidos
e caímos do galho
para o apodrecimento final
em retorno ao ventre da terra:
27
morrer é cultuar o sonho
que se acaba no reverso!
então:
quantas borboletas
ornamentarão
as nossas vidas?
tempo de abandono
e quereis a mim?
ouvi-me:
“agora
que vos tenho conquistada
afastai-vos de mim:
talvez zaratustra
vos tenha traído!”
ainda ficaríeis
à cata de flores
em nosso inóspito
e sombrio jardim?
quando o último pôr-do-sol
cruzar o nosso filme
eu vos devolverei
todas as primaveras!
mas
a que vos servirão
tantas flores?
zaratustra impreciso
preciso outonar-me
na gaia ciência
entre
o que se faz efêmero
e a nossa permanência!
Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) de Mariana, Minas Gerais. Membro
correspondente da Academia Brasileira de Trova (ABT), do Rio de Janeiro, e da Academia
Municipalista de Letras de Minas Gerais. Fundador e Presidente da Aldrava Letras e Artes; Jornal
Aldrava Cultural e Editora Aldrava Letras e Artes. Já publicou cinco livros.
28
OS ÁTILAS
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Adriano Wintter
Porto Alegre - RS
até o fim
seremos hunos, caçando
a presa do sexo
(o terno
antílope do afeto
sequer interessa)
por estepes de ouro
tundras de prata e de cetros
cavalgamos, saqueadores
a pisar (oh prazer!)
o crânio flébil das flores
somos os broncos que nas grutas
sob espessa neblina
de frituras, nicotina
ao recordar o Eterno
(porque cansados ou ébrios)
“o Eterno!”
“o Eterno!”
correm ao totem da web
ou adoram dvds
que amenizam o tédio
iluminado, talvez
algum de nós vira místico
monge, poeta
– um
dentre milhões! –
então, maior que a chibata
e melhor que o desprezo
a incompreensão
é o castigo
com que o banimos
até o fim mijaremos
no cadáver das preces
e diarreias poremos
na goela dos versos
29
para nós um arbusto
será sempre um arbusto
uma pedra uma pedra
a mulher a mulher
não importa o crepúsculo
o perfil níveo da árvore
um voo vermelho
de pássaro
lua e estrelas, para nós?
são referências geográficas
só tememos os olhos
de nossas crianças
por isso violamos
sua carne tão cedo:
que se pervertam
que cresçam
a pureza
a pureza
é o inimigo!
só vencemos fraquezas
com delícias e vícios
- eis o segredo
da rudeza perpétua até o fim seremos: átilas
Gaúcho de Porto Alegre, onde reside, o autor permanece inédito e participa pela primeira vez
deste grande festival.
30
QUARESMEIRAS E OUTRAS PAIXÕES
QUE NÃO ROXEAM
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Éder Rodrigues
Belo Horizonte - MG
As quaresmeiras de outrora sentenciavam aqueles tempos
: cobriam o chão de roxo bordando rastros nos meus pés.
I - Ramos
A barba de vovô crescia naquela época
e encobria os cantos-desertos do seu rosto todo.
Devia ter areia demais na vida dele.
(Quando os rastros desaparecem no chão
e a saudade pesa no corpo,
falta já não faz a terra
que tão logo sepultará àqueles que caem
pela cruz enraizada nas costas.)
Vovô tinha silêncios de doer quaresmas inteiras.
As palavras em abscessos morriam na sua boca.
Eu ainda não tinha pelos na face
e os que vingavam eram arrancados à força.
(Medo em deixar de ser menino)
Por isso demorei o quanto pude nos alçapões,
nas rolimãs, no gude das bolinhas de vidro,
nas pipas que prendia em linha com cerol ralo
para que voltassem sempre para mim.
Gostava de pedir a benção
e sentir o frescor dos ramos e dos domingos
que banhavam o resto daquela infância.
II - Da paixão
Tardei a deixar de chorar naquelas sextas.
Noturno por não saber quem era,
apalpava meu corpo
olhando fundo no peito de São Sebastião.
Verde na moldura e sozinho no olhar.
(O retrato dele e os sorrisos
envelheciam pregados na parede).
Eu já sentia na coxa uma fisgada que lembrava fogo
Um sopro no coração que encharcava a cama
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Uma cruz que pingava morte nas raízes frouxas
do que parecia amor.
Num desses dias santos, de palha seca no quintal,
vovô resmungou que toda mulher escondia
no dentro dela um gosto de vinho seco.
Falou isso e caiu ébrio por sobre o vinil,
que tocou mais tarde Dio como ti amo no meu ouvido.
Na frente de casa, uma quaresmeira roxeava
a sola de quem por ali passasse.
Tempo de jejuar do corpo.
Tempo em que menino acendia o fogão de barro,
para tocar no dolorido da memória
coisas que já não ardiam.
(Desejo-mingante em pegar pirilampos com as mãos)
Na quaresma de nossa família
: parentes vinham de todos os cantos.
O cheiro de Minas vindo da cozinha,
temperava minha vontade em provar do mar.
Forjava saudades no gosto que eu achava que tinha.
(Mas do mar mesmo: só a salmoura dos peixes)
Vinham todos chorar a morte do Cristo
que já sabiam vivo no terceiro dia.
O viço daquelas noites rasgava meus olhos,
que cediam aos limites de minhas calças curtas.
Do fogaréu, eu guardava a distância,
frente ao medo de inundar a cama
ou de matar os sonhos com a ardência do querosene.
Mamãe espremia os seios fartos de solidão
e arregalava os olhos quando Verônica
no agudo que nina acalmava seu ventre vazio.
A procissão arrastava velas e discórdias
O véu vedava ainda mais o silêncio das mulheres
E os homens fingiam respeito na missa,
enquanto coçavam na barba
o gosto pelo resto de cachaça amoitada no assoalho.
Menino, eu provava destes esconderijos.
Já sabia das latas amarradas nos pés das vacas,
dos mistérios do joio e do trigo.
Só não sabia ainda como chorar a tristeza dos homens
sufocada no cortejo dos carros de boi.
Alegria em ver gente andando sem saber porquê.
Em ver gente rezando sem saber o quê.
Andava espiando mantos, imaginando o gosto da hóstia,
sentindo o corpo de Deus derreter na minha boca.
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Não sabia pedir perdão.
Nunca soube o ato de contrição de cor
(Para mim: Deus largava de tudo e ia ser menino
quando o incomodavam com tanto choro).
E todos nós, depois dos pés lavados
Esquentávamos o corpo, como se lá fora fizesse frio.
Enganávamos o sono com as carrancas do caminho.
Na parede o sagrado coração aguardava o jejum desfeito
para se calar no sepulcro inviolável daquelas noites.
Iam dormir, enquanto eu bicava aguardente no céu
e provava do inferno do corpo.
O menino que tinha medo de deixar de ser
Não teve berço. Não beijou mulher.
Não sangrou no primeiro dia do gozo.
III - Da aleluia
Na casa de vovô, quase não se falava nessa época.
(Nem em qualquer outra)
O farpado da cerca afastava os bichos
A matraca impunha medo.
O peixe da sexta era o mesmo de sábado.
Reproduziam a ceia, como se a fartura que sacia
pudesse ser servida à mesa.
E não havia sangue.
(Só naquela sexta em que Rosinha virou mulher)
E não se comia carne.
(Só naquela paixão de quando amanheci homem)
A fumaça completava o cio num caminho próprio,
adentrando chaminés e deixando cinzas,
rumo ao avesso da terra.
Para apagar o fogo, vovô cuspia silêncios
e limpava com a língua a falta dos dentes.
(Não entendiam a loucura dele).
Os feixes gritavam a inquisição próxima
e morriam junto ao que me era incerto,
e que ainda nem sabia o nome.
Jejuei do corpo que me molhou os pêlos
Dos parentes que aliviavam a febre no escuro
De Sodoma que ardeu no fogão rasteiro
movido à lenha molhada.
(Paixão que vinha em lábios sem batom)
Lá todos dormiam cedo, enquanto eu esperava
as aleluias encherem o céu de salvas
33
para que sozinho ousasse arrepios pelo corpo afora.
Era essa minha maneira de ser devoto.
Esta a sacra via do distante para o fundo de mim.
O que não era grito. O que não era choro.
Os pecados que escorriam por medo de não morrer.
Cor sanguínea a daqueles tempos!
Em que a pão e água descobria
morrer nas barbas de vovô e no baldio de mim
a falta que eu ainda não tinha.
Sumidouro dos primos.
Semana santa a esperar no corpo,
uma ciranda ainda sem leito.
Judas ardendo pelo fogo que enlutei por ele.
Saudade para mim tinha gosto de ferrugem
e a forma de violetas pisoteadas ao chão.
IV – Da ressurreição
Quaresmeiras de dias mansos
sulcadas pela primavera que não conhecem.
No terceiro dia, eu sempre subia aos céus,
e lá de cima perdia no dentro de mim
a enfermidade do meu corpo-causa,
o prazer do meu catecismo-amém.
O cansaço das minhas mãos perpétuas
pelos domingos sem espuma.
(Alegria de manhãs sem chocolate)
Tempos que não cicatrizam o esfolado
da meninice em vão.
No derradeiro silêncio a gente encharca pomada,
senão a chaga alastra em carne viva.
Acenos à fumaça onde embarcamos as marias
que aliviam nossos desejos deixados para depois.
(E eu querendo continuar menino
nessa memória fraturada
em pecados que viveram por mim)
A barba de vovô foi migrando aos poucos.
E o silêncio dele, já morava em mim,
quando bempertim ele deixou escapar
naquele derradeiro sopro
“que paixão era o pior trem da vida”.
34
V – Nos tantos domingos do tempo comum
O menino morreu numa sexta
que agora chega sem ninguém.
O desejo envelheceu ao dormir sem sono
naqueles quarenta dias das mesmas rezas,
junto às cinzas do fogão em brasas.
Será que também deixei a areia matar meus passos
ou desertar meu rosto?
Após o terceiro dia de tantos tempos,
ressuscitam ainda as chamas
que sangravam na paixão das sextas.
O impossível de toda crença vasculha solidão
no quase branco de minhas próprias barbas.
Tantos domingos enterrados a sete palmos
no berço que vovô levou para colecionar
a sua maneira íntima de rezar assim.
Eu devia dizer tudo que ele calava
naquele tempo de deserto e outros escuros.
Mas cansado por tanta vida, paixão e sorte
Foi migrando da minha boca um silêncio vivo,
como se palavra fosse.
Sufocando a voz rouca e cansada,
que morre pedindo benção ao dizer:
“Você viu a minha infância por aí?”
***
As quaresmeiras de antes hoje não dão mais flor
: cobrem o chão de nada e roçam as paixões que não chorei.
Poeta, contista, dramaturgo e ensaísta. Recebeu os prêmios: SESC de Literatura (2008), Josué
Guimarães de Literatura (2009) e foi três vezes finalista do FEMUP na categoria poesia.
35
RASANTE
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Ricardo Viola
Lambari - MG
De Heliodora a Grão-Mogol,
de Jesuânia ao Urucuia,
da Serra das Almas a Lambari,
aquela noite todo mundo viu.
o quê ?
no céu ?
Metade rezou,
um terço estava de fogo
e parecia habituado
a ver Mãe-do-Ouro passar.
Um sexto correu
a comparar estrelas.
Na Mata da Sanfona
e na Pedra do Tatu,
todo mundo viu.
O prefeito pensou que era o Dilúvio,
Simeão gritou que era gol,
e Rita Maria me mostrou a lua,
me pegou pela mão.
Um bando de violas disparou.
E oito relógios-cuco também.
A chaminé pensou que era greve,
o general achou que era chuva.
O gato miou.
A estrelidão toda piscou,
cúmplice,
e pegou a rir.
A estrelitude toda de Minas,
e diz-que do mar também.
O invencivel Padre Getulio
continuou a jogar xadrez,
mas supôs que finalmente era o dia
de levar o primeiro xeque mate, só sobrarem os bispos.
Se os cavalos fugiram,
e a rainha badalando sem parar
não estava na Capital.
36
-1As montanhas rugiram.
As meninas sonharam com sapos.
Os vereadores tropeçaram.
Os deputados se delataram
ao sair da festa
com garfos no bolso.
Na Toca do Urubu
e na Residência Oficial,
o termômetro excedeu
todos os graus do mercúrio.
“Começou lá na roça”,
alguém boatou.
E as bancas de bicho pagaram em dobro,
num superavit comercial.
“Começou lá na selva”,
alguém cochichou.
E o batuque ferveu.
A cruz se tornou espada
e a espada virou borracha.
O canário cantou.
“Em plena noite ?”,
perguntaram.
E se olharam, vendo assombração,
vendo assombração,
vendo assombração.
Súbito,
o crioulinho se levantou,
e, angelicalmente calmo,
disse:
“Uai, gente, não é nada.”
E desligou o radio,
bem na Hora do Brasil.
-2É compositor e canta, toca flauta, violão, viola caipira, bandolim e teclado. Já gravou um disco
e está preparando um novo álbum. Executa há mais de 25 anos um trabalho de pesquisa do
folclore musical do Sul de Minas Gerais. É integrante de grupos de congada e folia de reis.
Também é poeta, contista, cronista e tem dois livros inéditos.
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RITO DE PASSAGEM
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Angra
Belém - PA
Passei horas diante
do espelho
não por mim
(mas) por ele
vi que meus olhos
estavam tristes
rasos d´água
me planteirepintei-me
raiz
me fiz bonita
ao pé da noite
até sorri
estanquei lágrimas
veio o frio, veio o negror
nebulosasnão por mim
as estrelas cadentes
(mais) por ele
os presságios
(voltas quando?)
me entregava, amante
ecoa ainda
penélopepela casa
ao vaziopelo espelho
que a distância impelia
aço
entrem em casagolpe
voltei ao espelho
relógio
(quando voltas?)
imantou-se na noite
mergulheiespera e sonho
De Belém, Pará, a poeta que também é letrista já participou como compositora de alguns festivais
de música.
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BRINCO DE LEMBRAR
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Daniel Retamoso Palma
Santa Maria - RS
Venho do interior do menino que já fui...
fui... fui desmaiar pandorgas bem longe do arraial
fui dono de circo de miniaturas
e carcereiro de impérios de quintal
menino fui... fui caçador e fui refém
mas por Júpiter, que fui imperador também!
e daqueles que dão pão e circo ao povo imaginado
Aliás, para o meu circo, não havia lonas
para os meus prisioneiros, não havia celas...
fazia meus templos em vidros de café
cortando cheiro às travessuras
que a mãe da gente tem faro farol e pouca fé
nos santos milagres que a gente esconde
Apanhava cigarras quais frutas cantantes
às árvores do pátio – onde meus cortes e minha corte
em palmo de terra plantava arenas
para colher, das formigas, meus gladiadores
caçava borboletas, libélulas em bando
caçoava do sol que me roubava os dias
com lampiões de vaga-lumes
a respirarem luz
dentro das noites de betume
Por fim, brinco de lembrar
que fui carcereiro de impérios de quintal
prendia cigarras e formigas
prendia até a res-piração do sol
e de poças rasas eu pescava pérolas
Brinco de lembrar
que eu também sabia libertar
meus helicópteros das libélulas
Brinco de lembrar
que o meu império virou ruínas
e um menino vem de mim
prender o choro, confesso...
Brinco de lembrar
que à tua orelha, menina
foi que eu prendi meu primeiro verso.
De Santa Maria, Rio Grande do Sul, já foi premiado várias vezes no Concurso Literário Felippe
D’Oliveira. Teve um poema finalista do 42º FEMUP em 2007; duas menções honrosas no Prêmio
Nacional de Poesia, em Ipatinga, Minas Gerais, em 2007 e 2009. Ficou em 2º lugar no Prêmio Sesc de
Poesia Carlos Drummond de Andrade, de Brasília, Distrito Federal, em 2008. Também recebeu outras
premiações.
39
EU VÔ FIÁ NO MEU FUSO MIÃ LIÃ D’HORIZONTE
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Joilson Melo
Ibotirama - BA
Eu sô caboco andario
Sei dos camim do sertão
Faço calo em miã mão
Construino um novo trio
Versos do meu istribio
São da miã vida a fonte
Nasce o sol distrais do monte
Miã mente in parafuso
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Sô da caatinga sufrida
Lumiada em candiêro
No açoite derradêro
Duma alma disvalida
Tem coraje distimida
Qui desse suó da fronte
Cum as nutiça de onte
Soluço triste e confuso
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Água mina dos meu zoi
Eita qui vida marvada!
Na panela quase nada
No peito sodade dói
A seca qui nus distrói
Tem força de mastodonte
E antes qui me confronte
Com um palpite de intruso
Eu vô fiá no meu fuso
Miã lia d’horizonte
O meu ferrão istradêro
Duma navaia afiada
Será o fim da jornada?
Num galope bem ligêro
Foi o canarim chapadêro
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Qui vivia aqui cantante
Cum essa água zoante
Pescadô fica confuso
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Pote seco da sodade
Gamela,cuia e bruaca
Cala te boca,matraca!
Viveno sem vaiadade
Mesmo cum toda verdade
Dá natureza gigante
Teço balaio e barbante
As veis eu cunsulto os buso
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Ocê nunca sintiu fome?
Nem muito meno trumento?
Pergunte eu,meu jumento!
Sofro martiro,seu homi!
Eu nem tenho um sobrenome
Mas nun vô pulá da ponte
E quando fico difronte
Isperto,as veis eu fujo
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Inquanto tivé istrada
Inquanto raiá o dia
Vô rasgano a noite fria
Infrentano essa jornada
Abro portêra e picada
Carregano o meu simonte
Antis qui a gripe disponte
Pra vacina ser incluso
Eu vô fia no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Onde panela num freve
O fio chora cum fome
E a mãe ali não drome
Burocracia num serve
Tomara qui a morte leve
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Todo esse povo irritante
Arriscá,sonhá,mutante
Acho lindo,sô cafuso
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Natureza né curpada
Das demanda do sertão
Os home fais da razão
Binifiço da iscalada
Sem sintido da risada
Do sonho de Zé do monte
Mas isso ai foi dontonte
Honradez ta in disuzo
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Quem tem fé um dia tem
E vive cumo cristão
Ispantano a solidão
Procuro fazê o bem
Nessa terra de ninguém
Nunca penso em remonte
Nunca gostei de turbante
Mas chapéu de côro eu uso
Eu vô fiá no meu fuso
Miã liã d’horizonte
Poeta, compositor, coordenador do Ponto de Cultura Tarrafa Cultural. Possui premiação em
vários festivais de música e poesia na Bahia.
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43
COMISSÃO JULGADORA
ANDRÉ FRANCO, mestre em Direito Processual. Professor adjunto do
Curso de Direito da Universidade Paranaense – Unipar. Membro fundador da
Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Autor de livros e artigos científicos.
DAVID ARIOCH, graduado em jornalismo, é especialista em crítica de
cinema, documentarismo, jornalismo online, jornalismo cultural, jornalismo
literário e novas tecnologias da comunicação. Coordena a página DN Cultura,
da Fundação Cultural, publicada aos domingos no Diário do Noroeste. Também
é jornalista freelancer e proprietário do blog de temáticas regionais David
Arioch – Jornalismo Cultural. O endereço é http://davidarioch.wordpress.com.
MARIA ESTHER FEREZIN CAMARGO, graduada em letras pela
Universidade de Caxias do Sul (UCS). Tem pós-graduação em Métodos
e técnicas de ensino pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR) e Universidade Aberta do Brasil (UAB). Sempre atuou na área
de educação como professora ou coordenadora pedagógica. Também
desenvolve atividades de formação de grupos de
contadores de estórias.
RAFAEL PETERMANN, natural de São Carlos do Ivaí (PR), é acadêmico
do curso de Letras da FAFIPA e professor da rede municipal de educação de
São Carlos do Ivaí e da rede privada de ensino de Paranavaí. Atua como
pesquisador do projeto “Literatura, Memória e Oralidade: práticas narrativas
da região noroeste do Paraná”, coordenado pela Professora Elmita Simonetti
Pires. Também é bolsista do PIBIC (FAFIPA-Fundação Araucária) com o
projeto “Literatura e Oralidade: do causo à história e ao conto”.
FRANCIS DE LIMA AGUIAR, professor de Língua Portuguesa e
Literatura no Ensino Médio, graduado em Letras (FAFIPA), especialista em
Literaturas de Língua Portuguesa (FAFIPA) e mestre em Literatura Comparada
(UEL), com enfoque nos contos de Lygia Fagundes Telles.
44
A PEROBA VIVE
Parreiras Rodrigues
Santa Izabel do Ivaí - PR
CONTO NÚMERO QUATRO
Ubiratan Moreno Soares
Santos - SP
SAMARICA ENROLADEIRA DE PITO
Ernesto Silva
Dianópolis - TO
ÚLTIMO DOMINGO AO MAR
Éder Rodrigues
Belo Horizonte - MG
UM QUASE SOLITÁRIO
Gustavo Cardoso
Paranavaí - PR
FLORAÇÃO DAS GABIROBAS
J. H. Henriques
Uberaba - MG
ELA NÃO ERA MARIA-CHUTEIRA
Cristina Leite Goetten
Paranavaí - PR
O DENTE E A FRUTA
Marcelo Biar
Rio de Janeiro - RJ
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A PEROBA VIVE
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Parreiras Rodrigues
Santa Izabel do Ivaí - PR
Uma viagem de jardineira da Aza Branca de Santa Isabel do Ivaí até Paranavaí
demorava quase um dia inteiro, isso em 1954.
Tinha até parada de almoço no hotel da família Sirena, em Planaltina.
Quem não almoçava, a maioria, engolia um arregala-zóio ou um engasgagato, uns bolinhos secos que para descerem goela abaixo precisavam da
ajuda de um guaraná Garoto.
Em cima do ônibus, que tinha uma escadinha na traseira, se amontoavam
sacos e malas de fibra que eram recheados de tudo quanto era coisa de uso
pessoal e mais moinho e torrador de café, panela, frigideira, caldeirão, penico,
foice, machado, enxada, gaiola de papagaio, cachorro amarrado, cartucheira
de dois canos, quadros de santos, corotes d’água, mantas de jabá, rolos de
fumo e tonéis de pinga.
O chofer era autoridade e o cobrador bastante respeitado quando exigia mais
um passinho prá trás.
Tempo seco, areiões de cinco quilômetros.
Chuvoso, Deus nos livre da subida do córrego do Paixão, logo depois da
Jurema, hoje, Amaporã.
Pontas de eixo, feixes de molas, parafusos de centro quebrados, eram a
alegria do nosso Koike e do patrão do Trajano, o velho Bergamini, o pioneiro
de auto-peças na antes Fazenda Brasileira.
Radiador fervia, viajantes solidários na busca da água nas minas e nos
córregos da beira da estrada.
Ônibus encalhado, todo mundo, “inté muié buchuda”, descia prá empurrá-lo.
O converseiro dentro da jardineira era quase um só: “Vô buscá a véia e os
meninos que ficaram em Teofótoni”, “Toinho sarô da caganeira e danô cume.
Tá gordo qui nem um cachaço”.
Prosa correndo solta e jardineira comendo chão.
Quando pegava quarenta, os passageiros se espantavam: “Virge Nossa
Senhora da Aparecida, agora danou-se!”.
O homem no último banco – a chamada cozinha, pensou: “Na volta, depois
de levá Lelo pro dotô Zé Vaiz, vô metê o trançador naquela peroba no meio
do terrerão”.
Apagou a brasa do palheiro entre o polegar e o indicador, ajeitou a bituca
na orelha encostada no cabelo pixaco, abraçou o menino, fechou os olhos e
cochilou.
Cochilou e sonhou com o moleque lhe pedindo: “Pai, derruba a peroba não...
nela tem um ninho de maritaca e uma abeiarada de mé”.
Pacheco Preto acordou, esfregou os olhos, encostou a mão calo só na testa
46
do filho e sentiu febre não.
Beijou a medalhinha de Nossa Senhora de Fátima que trazia pendurada no
pescoço e pensou um graças a Deus para a sua devoção.
Lá do fundo da jardineira, o negrão gritou pro Mané Dantas, motorista da Aza
Branca: “Breca a jardineira aí, cumpadi. Vô apiá aqui mesmo!”.
O ônibus já estava no Córrego do Joaquim das Éguas, pertinho de Paranavaí.
Desceram pai e filho.
Andaram uns quilômetros a pé quando pegaram carona num caminhão de
toras até chegarem ao café do Domingão na beira do Todos os Santos.
A peroba está lá até hoje: seca, preta, desfolhada.
Sem ninho de maritacas, nem colmeia de abelha jataí.
Ninguém meteu o machado nela não.
Jornalista e ambientalista. Autor dos livros “2 de julho” e “Coco”. É idealizador dos projetos
Cultivo do coco no Noroeste do Paraná, Muralhas Verdes, Bebedouro e Plantio de bambu
para erradicação de voçorocas. Escreveu o poema “A árvore e eu”, transformado em peça e
apresentado no Teatro Guaíra, em Curitiba, em setembro de 1983. Com a obra “Terra Pelada”
obteve um 5º lugar no FEMUP e um 3º em concurso literário em Pato Branco, no Sudoeste
Paranaense.
47
CONTO NÚMERO QUATRO
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Ubiratan Moreno Soares
Santos - SP
Quando mudamos para o dois quartos da Pedro Américo, os americanos
acabavam de descer na Lua com a Apolo 11. Considerando as condições do lugar
de onde eu vinha, morar próximo ao Gonzaga era para mim um salto equivalente
àquele dado pelos norte-americanos ao pisar naquele nosso satélite. No início,
um dos quartos era inteiramente meu, era o máximo, eu me perdia nele. Agora
teria onde me masturbar seguidamente sem ser incomodado, por isso, colei
nas paredes os vários calendários que resgatei no lixo duma oficina mecânica,
apesar de sujos de graxa eles continham imagens celestiais.
O meu imenso quarto tinha uma janela, dessas que se abre puxando uma
fita de lona. Ela dava para o imenso quintal de um casarão antigo, vizinho ao
nosso prédio. O número do prédio de dois andares era 74 e do nosso apartamento
no primeiro, 34. Foi aí que eu passei a implicar e gostar do número 4. Em meus
lúbricos sonhos solitários comecei a imaginar, teria quatro mulheres, com cada
uma delas teria quatro filhos e cada um deles me daria quatro netos, e por aí
vai. Uma coisa legal que havia no tal quintal era um frondoso pé de carambola
plantado logo abaixo de minha janela retrátil. Lembro-me de ter perdido noites
inteiras maquinando uma forma de pegar pelo menos umas das suculentas
carambolas que teimosamente amadureciam inalcançáveis bem na direção da
minha janela. Tentei de tudo, mas desisti, meu esforço nunca rendeu sequer
uma carambola daquele pé. Hoje, é só eu ver carambolas a venda, seja na feira
ou num mercado, não resisto e compro. É um fruto que me atiça a memória e
me traz muitas lembranças, algumas doces, outras nem tanto. É lógico que eu
também não consegui ainda ter as quatro mulheres que planejei, talvez por isso,
eu continue me apaixonando tanto.
O sonho de meu quarto exclusivo durou pouco. Minha mãe, alegando
estar colaborando com a sobrinha de uma colega de trabalho e ao mesmo tempo
aliviando-se do peso do aluguel do apartamento, resolveu sublocá-lo. Claro que
percebi que o segundo argumento era muito mais consistente que o primeiro.
Afinal, o aluguel de um apê como aquele, próximo ao Gonzaga, era muito pesado
para uma comerciária que vivia de parcos salários e irrisórias comissões. Por
isso, me resignei e sem reclamar aceitei transferir-me para o sofá da sala, sem
meus calendários, que retornaram para o baú de tranqueiras.
Francamente, a primeira impressão que tive de Ana não foi muito
satisfatória. Acho que o fato de ela ser nove anos mais velha que eu pesou
muito. Naquela época, nove anos era uma diferença e tanto, eu tinha acabado
de sair da puberdade, fazia pouco que experimentara o primeiro orgasmo.
Sentia-me quase um super-homem, minhas tensões não dependiam mais das
involuntárias e incontinentes pululações que em alguns casos me deixaram em
48
maus lençóis. Agora eu tinha em minhas mãos o controle do mundo. Por isso
talvez eu me interessasse e me excitasse muito mais pelo corpo carnudo e
bem definido de Maria Rita, uma negra de dezoito anos que costumava fazer
faxina, a cada quinze dias, no “apê”. Eu ficava esgotado nesses dias, ela
costumava usar roupas de algodão fino e, provavelmente, por sentir-se mais
a vontade, dispensava as peças de baixo a medida que a faxina avançava.
O tecido de sua saia e blusa grudava no corpo molhado de água do tanque
ou do seu próprio suor, eu enlouquecia maravilhado com a exuberância das
curvas insinuantes da bela negra. Não preciso dizer que eu acompanhava
minuciosamente todos os gestos e movimentos de Maria Rita, com pequenos
intervalos no banheiro pra descarregar a tensão acumulada. Eram esgotantes
essas faxinas quinzenais.
Ana não me empolgou. Era branca. Mais que isso, pálida. Cabelos
ruivos descoloridos, usava roupas simplórias e largas, quase desleixadas.
Suas vestes impediam que eu pudesse fazer qualquer avaliação abusada
do conteúdo. Como disse, não me interessei muito por ela. Muito pelo
contrário, havia algo nela que me incomodava, não pelo fato de ocupar
o meu quarto, mas o seu olhar. Ana tinha olhos claros e tristes, mais que
tristes, melancólicos, amedrontados. Assim, mesmo com a chegada de Ana,
minha atenção continuou dirigida para as grossas coxas e seios rijos de bicos
saltados da bela negra Maria Rita que perambulava faceira por minhas orgias
imaginárias.
No final daquele ano o sacrifício de dormir no sofá da sala finalmente
foi recompensado, minha mãe comprou uma televisão, uma maravilhosa
Colorado RQ. Até hoje não sei o que significa esse RQ, mas era o máximo
ter uma televisão. Agora eu poderia ver TV na minha própria casa. Outra
maravilha tecnológica que minha mãe adquiriu naquele mesmo final de
ano foi uma geladeira, uma Gelomatic. Esta, além de refrescar meus dias,
contribuiu com meus lúbricos sonhos eróticos, pois passei a dividir meu tempo
assistindo a TV e admirando excitado o enrijecimento dos bicos dos seios de
Maria Rita toda vez que ela abria a geladeira pra pegar a garrafa de água.
Impressionante a sede que eu sentia naquele tempo. Foi a partir dessa época
que comecei a reparar com um pouco mais de atenção nossa triste inquilina.
Ana era muito estranha, não assistia aos dramáticos capítulos do
faroeste nacional Irmãos Coragem, mas bastava o Cid Moreira anunciar com
sua indefectível voz que em Brasília já eram vinte horas, ela pedia licença e
acompanhava atenta o “Jornal Nacional”, decididamente uma atitude pouco
feminina. Era costume nessa época assistir televisão com as luzes apagadas.
Assim, de meu canto, na ponta do sofá bem em frente da poltrona de curvim
onde ela geralmente se acomodava, eu aproveitava a penumbra e olhava ela
com bastante atenção. Um dos poucos luxos que Ana se dava era o longo
tempo que gastava no chuveiro, coisa que irritava minha mãe, incomodada
com a conta de luz. Já a minha preocupação era outra, conseguir desobstruir
a fechadura da porta do banheiro para que eu pudesse fazer uma avaliação
49
mais precisa dos atributos físicos dela. Infelizmente, repeti o insucesso do
caso das carambolas, não consegui superar esse desafio. Decididamente,
me convenci que engenharia não era o meu forte.
Aconteceu numa noite calorenta de abril, eu assistia um episódio do
“M.A.S.H.”, série imperdível que passava no Canal 4, Ana veio até a sala,
acabara de sair do banho, por isso recendia a sabonete Palmolive, e sem
dizer palavra sentou-se na poltrona em frente ao sofá em que eu estava
espalhado. O Alan Alda e outros malucos conseguiram arrancar sorrisos
comedidos dela que, ao terminar o filme, inesperadamente perguntou-me:
- Você gosta desse seriado?
Desconfiado, respondi:
- Gosto, esse é o meu preferido.
Minha resposta agradou Ana que, de forma ágil, cruzou as pernas
na poltrona. Um ligeiro arrepio percorreu meu corpo, ela vestia um short
de flanela bem largo, isso me permitiu vislumbrar, apesar da penumbra, as
dobras internas de suas coxas. Ela continuou:
- Você sabe qual guerra que essa série trata?
A série se passava num acampamento médico em meio a uma guerra
que eu não sabia exatamente qual era, mesmo assim arrisquei:
- Acho que é na Coréia.
Respondi inseguro. Ela se impressionou com a resposta, e antes
de fazer nova pergunta fez outro movimento com as pernas, alguma coisa
começou a crescer em mim:
- Isso! Agora, você sabe quando e por que aconteceu essa guerra?
Menos preocupado com a guerra, e mais interessado em manter
aquela conversa esperando outros movimentos de minha interlocutora fui
bem franco:
- Não tenho a menor idéia.
Naquela calorenta noite de abril, eu fui informado que o mundo estava
a beira de uma terceira guerra mundial, isso por conta do imperialismo
norte-americano que em sua sanha de defender os interesses das grandes
corporações multinacionais, ameaçava o mundo livre. Fui informado também
que a guerra da Coréia tinha ocorrido entre 1950 e 1953 quando os EUA,
liderando uma força multinacional de países fantoches, reagiram a tentativa
de libertação promovida pelo grande líder da socialista Coréia do Norte,
Kim Il Sung. Ana me explicou que essa guerra foi o primeiro embate entre
o mundo livre e o império capitalista dominado pelos ianques, um conflito
que, segundo ela, era chamado de Guerra Fria. Acompanhei com bastante
atenção o discurso empolgado de minha vizinha de cômodo. A televisão
ficou ligada apenas para iluminar com seu brilho os movimentos cada vez
mais descontraídos dela. A descontração foi tanta que eu não consegui
acompanhar seu entusiasmo ao falar sobre o que tinha ocorrido em Cuba e
de um cara com nome de gaúcho, acho que um tal de Tchê. Mas naquelas
alturas eu não cabia em mim.
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Foi então que comecei a perceber que Ana, apesar de não ter as
curvas fortemente delineadas de minha musa Maria Rita, tinha outro tipo de
atrativo, eu não sabia bem ainda qual era, mas ela tinha sim algo especial,
algo que aprendi a gostar, ou melhor, a desejar, mesmo sabendo que ela
tinha idade pra ser minha mãe. Resolvi então dar mais atenção ao Cid
Moreira e menos atenção ao João Coragem. A cada episódio do M.A.S.H.
que eu e Ana assistíamos no escurinho da sala, eu ficava embriagado pelo
cheiro de sabonete Palmolive e pela visão delicada das pernas brancas dela
displicentemente cruzadas na poltrona. E a cada noite dessa eu aprendia um
pouco mais sobre a tal guerra fria.
Interessei-me muito sobre a questão do Vietnã. Ana contou-me que
naquela região chamada de Indochina, em 1955, o povo liderado pelo partido
comunista conseguiu libertar-se do domínio colonial francês, mas novamente
a cavalaria Ianque, a serviço do capitalismo internacional e contra a liberdade,
resolveu meter o bedelho e criou no sul da península um Estado tutelado, o
Vietnã do Sul, isso explicava a guerra que estava acontecendo por lá. Mas,
segundo Ana, os gringos não perdiam por esperar, o grande Ho Chi Min iria
dar uma lição neles.
Fiquei fascinado com a explicação dada por minha colega de poltrona
sobre o que estava acontecendo no Vietnã. Naquela época, era comum eu
ver nos telejornais imagens de uma guerra que estava ocorrendo naquele
outro lado do mundo. Eram imagens dramáticas, não pareciam em nada com
os empolgantes filmes de guerra que eu gostava muito. Neles, os soldados
vestindo belas fardas eram leais e nunca morriam, ao contrário, sempre
voltavam pra casa, onde bonitas namoradas os esperavam. As reportagens
sobre a Guerra do Vietnã não eram bem assim, nelas apareciam em imagens
confusas, soldados maltrapilhos fumando cigarros amassados, com caras
de bobos e, em geral, estavam sempre correndo e carregando em macas
corpos ensangüentados para dentro de helicópteros sem portas. E misturado
em meio a estes soldados, eu via crianças magérrimas com cara de chinês,
e chineses magérrimos com cara de criança. Aquela guerra não seguia os
roteiros dos filmes de guerra.
Com o passar do tempo, meu interesse por Ana aumentou muito.
Desisti de resolver o problema da fechadura do banheiro e me dispus a fazer
de tudo pra agradá-la, e pra isso eu percebi que precisaria fazer o que ela
fazia e muito, ler. Ela sempre trazia livros consigo e enquanto assistíamos
novelas e filmes, Ana ficava trancada em seu quarto. Eu sabia que ela estava
lendo. Então eu precisava ler e aprender sobre as coisas, pois não queria que
ela me visse como um garoto babaca adolescente que estivesse, somente
interessado em suas delicadas pernas. Eu queria que ela gostasse de estar
comigo naquela sala tanto quanto eu gostava de estar com ela.
Neste ponto, é importante explicar que além de assistir televisão,
acompanhar as faxinas de Maria Rita e descarregar as tensões acumuladas
em sucessivas sessões no banheiro, não necessariamente nessa ordem, eu
51
também estudava, quero dizer, eu ia a escola. Entretanto, no ano anterior,
ano de importantes mudanças, afinal, além dos americanos terem caminhado
na Lua e eu ter mudado pra perto do Gonzaga, eu também tinha mudado de
escola, e outra coisa, a escola também mudou, ou seja, foi muita mudança
pra minha cabeça.
Depois de fazer o exame de admissão fui estudar no Ginásio Marquês
de São Vicente, um prédio antigo de janelas enormes voltadas para o canal 2.
Para ir a escola, eu pegava um ônibus, o Circular 21, e quando chegava perto
dela, eu dormia e quando acordava estava em São Vicente. Eu aproveitava
pra ficar passeando na praia do Gonzaguinha. Acompanhava os pescadores
perto da Ponte Pênsil ou subia o Morro dos Barbosas e ficava lá de cima
admirando a bela paisagem. O ano foi passando e eu passeando em São
Vicente, lógico que tomei bomba.
Neste ano que começava, eu estava disposto a levar as coisas mais
a sério, mas surgiu outro problema. Logo no primeiro dia de aula a diretora
da escola explicou que por causa da nova lei, aprovada no ano anterior, uma
tal de LDB, não entendi muito o que ela explicou, só sei que a partir daquela
tal lei não era mais ginásio o nome do nosso curso, era Primeiro Grau, e que
também não teria mais o tal de Exame de Admissão. Mas o que percebi de
cara foi que meu número na chamada, que sempre ficara entre 28 ou 29,
passou a ser 53. Quer dizer, não dava mais pra arrumar um canto na sala
de aula pra dormir sossegado, muito menos pra prestar atenção nas aulas,
então resolvi colaborar. Eu descia no ponto da escola e ficava sentado na
mureta do canal 2 olhando o amontoado de alunos dentro da sala de aula.
Aos poucos, me enturmei com um pessoal e, juntos, passávamos agradáveis
horas naquela mureta vendo de longe as aulas acontecerem lá dentro. Não
preciso dizer que estava a caminho de tomar outra bomba.
Decididamente, se eu quisesse aprender alguma coisa, não seria
na escola que isso iria acontecer, eu teria que me virar por conta própria.
Resolvi mergulhar de cabeça na literatura. Até que eu me considerava um
cara letrado, eu colecionava gibis, guardava satisfeito alguns números do
“Mandrake”, do “Fantasma”, do “Tarzan”, do “Billy de Kid”, e, meus prediletos,
três edições especiais dos “Sobrinhos do Capitão” lia-os e relia-os, era
divertido. Na sessão de obras raras, a grande relíquia que eu possuía era
um pequeno “catecismo”, nome dado a uma sagrada e caríssima revistinha,
muito requisitada em determinadas horas, desenhado por um tal de C. Zéfiro.
Meu catecismo eu guardava com muito cuidado, e sempre que me sentia
vazio, era nele que eu buscava inspiração. Entretanto, como disse, o mundo
estava mudando e eu já tinha visto estupefato que os dias de glória da
pequena obra-prima de C. Zéfiro estava chegando ao fim. Recentemente, o
dono da banca que ficava próxima a escola tinha me mostrado umas revistas
suecas com fotos coloridas que eram uma loucura, dava pra caminhar na Lua
com elas.
Porém a questão era outra, não era esse o tipo de leitura que eu
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precisava, por isso fui um pouco mais fundo em meu baú de revistas usadas
e retirei dele uns números antigos de Seleções que eu também mantinha
guardado. Achei que aquela era a leitura que eu carecia e me pus avidamente
a devorar aquelas revistinhas de formato estranho. Depois de ter digerido
os quatro exemplares, cheguei a algumas conclusões, as piadas escritas
neles não tinham graça nenhuma e, como Ana, as Seleções também citavam
muito a sociedade norte-americana, a diferença é que, enquanto as revistas
exaltavam as qualidades, Ana falava muito mal dos gringos. Por via das
dúvidas, pra não contrariar minha companheira de jornada televisiva, resolvi
omitir os conhecimentos que obtive lendo as Seleções do Reader’s Digest.
Passei então a fuçar o guarda-roupa de minha mãe, pois sabia que
nele haviam alguns livros guardados, pra não dizer escondidos. Era isso
que eu precisava, livros, leitura séria adulta que me garantisse formação e
informação. Encontrei uma coleção com quatro livros de um cara chamado J.
G. de Araújo Jorge, li algumas páginas e logo os abandonei, pois percebi que
o assunto tratado neles não era a Guerra Fria. Mas os outros dois, eu li com
avidez, um cujo título era “Eu e o Governador”, de uma escritora chamada
Adelaide Carraro. No início, pensei que através de sua leitura eu iria aprender
sobre política, mal e rápido percebi que o assunto era sacanagem, o que
dava no mesmo. O outro que também li com muito interesse foi “O Retrato
de Dorian Gray”, de um autor chamado Oscar Wilde, esse, por sinal, me
impressionou muito. Cheguei à conclusão que o C. Zéfiro, autor dos disputados
“catecismos”, provavelmente tinha lido aqueles dois livros também. Cumprida
minha epopéia literária, inseguro, achei que eu ainda não estava preparado
para conversar com Ana sobre livros. Mas não demorou muito pra eu ver que
meu esforço não havia sido em vão.
Naquela quarta-feira eu estava muito agitado, tanto que apesar de
ser dia de faxina quase não dei atenção para Maria Rita. Eu disse quase.
Cheguei afobado do colégio e fiquei grudado no rádio, atento aos boletins
que interrompiam a programação normal trazendo informações diretamente
do México. Assim, entre as interjeições pseudofilosóficas emitidas em tom
intimista pelo narrador de voz exuberante, eu ficava sabendo o que estava
acontecendo com a seleção brasileira. Hélio Ribeiro era um campeão de
audiência, suas traduções livres, narradas em sincronia e ritmo, dos clássicos
da World Music, eram impagáveis. Foi ouvindo sua transcrição de “Me and
Ms Jones” que passei a ver o adultério como algo tremendamente excitante.
A seleção brasileira iria estrear na Copa do Mundo enfrentando a
temida Tchecoslováquia. Lembro-me que minha preocupação, pra não dizer
medo dos tchecos, somente foi atenuada quando pouco antes do início do
jogo fui comprar pão, mortadela e tubaína na padaria da Rua Amazonas. Ali,
pra meu alívio fiquei sabendo que os nossos adversários não eram de nada
e que naquela noite o Brasil faria um passeio no Estádio de Guadalajara.
Foi o que bastou, fiquei tranqüilo e confiante, pois aquela informação tinha
legitimidade cartorial e aqueles que a emitia eram exímios estudiosos de
53
vários assuntos. Entre um jogo de palitinho e muitos copos de cerveja,
não raro, eles encontravam consensualmente soluções simples e óbvias
para as questões mais complexas e controversas, inclusive futebol. Este
por conhecimento e causa, eles eram titulares no veterano do Palmerinhas
da Arnaldo de Carvalho. Todos os finais de tarde, eles se debruçavam no
balcão da padaria e discutiam acaloradamente sobre os vários problemas
que afligiam o mundo, da corrida armamentista, passando pelo terrorismo
internacional protagonizado pelas Brigadas Vermelhas ou pelos Tupamaros,
chegando até a grave situação do Corinthians que há dezesseis anos não
ganhava um título sequer. Assim, eu as médias, a mortadela e a tubaína
voltamos satisfeitos, apesar de o mundo estar sob sérias ameaças, pelo
menos o jogo daquela noite estava ganho.
Aquela Copa do Mundo prometia ser inesquecível, e foi. Eu achava
que seria inesquecível porque eu iria assistir aos jogos em casa e ao vivo,
coisa que, segundo o “Amaral Neto, o Repórter”, nós brasileiros deveríamos
agradecer e exaltar o governo militar brasileiro que havia nos introduzido
na era do satélite e logo, segundo o mesmo e bem informado repórter, um
foguete partiria direto da “Barreira do Inferno” para a Lua. Sempre achei esse
nome “Barreira do Inferno” bem sugestivo. Mas foi inesquecível porque foi
quando eu me apaixonei por Ana.
Naquela noite enchi-me de coragem e bati na porta do quarto de Ana,
quando ela abriu, o aroma de sabonete Palmolive envolveu-me e eu tonteei.
Ela estava escovando os cabelos, ainda úmidos, vestia um pijama curto e
uma fina camiseta de meia, não usava sutiã, eu enlouqueci. Ainda escovando
os cabelos ela disse displicentemente:
- Oi, entra.
Eu fiquei paralisado na porta, não sabia o que fazer, a visão de Ana que
havia sentado descontraidamente com as pernas cruzadas sobre a cama de
solteiro junto à janela retrátil me hipnotizou. Percebendo meu embaraço, com
um sorriso que eu nunca tinha visto em seu rosto, ela insistiu gesticulando:
- Entra, eu quero mostrar umas coisas pra você.
Eu entrei, um pouco sem jeito, então percebi que além dela e dos móveis
que eu já conhecia, havia outras coisas naquele quarto, como um pôster
colado na parede. Nele, havia a foto em preto e branco de um homem barbudo
usando uma boina esquisita com uma estrelinha na ponta. Ela explicou-me
que era seu ídolo, um grande homem. Eu não quis me aprofundar muito
sobre o tal cara por ciúmes e pra não demonstrar minha completa ignorância
sobre coisas que ela gostava. Só depois eu fiquei sabendo que o nome do tal
cara não se escrevia Tchê e também que ele não era gaúcho.
Confirmou-se aquilo que eu já desconfiava, livros, ela os tinha e muitos,
e pelo que pude perceber, vendo vários deles empilhados sobre o criadomudo ao lado da cama, ela lia mais de um ao mesmo tempo. Ana recostou-se
na cabeceira da cama, eu me sentei na outra ponta, tímido. Foi a primeira vez
que eu fiquei num quarto e na mesma cama com uma mulher. A partir daquele
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momento entendi que ela era uma das quatro mulheres que eu desejava ter.
Esses pensamentos enrubesceram meu rosto, acho que ela percebeu, pois
me encarou com um sorriso divertido antes de perguntar:
- Você gosta de ler?
Procurei recuperar a calma e respondi:
- Gosto. Leio muitos gibis.
Não tive tempo de me arrepender da bobagem que havia dito. Ana
completou:
- Legal! Eu também gosto de gibis. Mas gosto mais ainda de livros.
Quando leio um bom livro me sinto com se estivesse viajando.
Aproveitando a deixa, e tentando desviar o assunto, pois, abobado do
jeito que eu era, logo ia acabar falando do Carlos Zéfiro ou, o que seria pior,
da Seleções de Reader’s Digest, eu desconversei:
- Eu também gosto muito de viajar, dia desses, eu e a mãe fomos
numa colônia de férias na Vila Mirim. – e emendei – Você é daqui de Santos
mesmo?
Percebi que Ana incomodou-se por ter que falar de si mesma.
- Não, sou do interior. – sem entrar em detalhes ela retomou o tema –
Mas e livros, você já leu algum?
Preocupado por ter que enveredar por um terreno tão perigoso,
instantaneamente vieram a minha mente os livros do J. G. de Araújo Jorge e
da Adelaide Carraro, seguidos de uma luz vermelha piscando, eu os descartei,
só me restou citar:
- Li o “Retrato de Dorian Gray”.
A demonstração de surpresa na face de Ana, imediatamente após o
meu anúncio, deixou-me preocupado, mas em seguida fiquei muito orgulhoso
quando ela completou:
- Oscar Wilde! Nossa, um clássico, muito bem. Ela se levantou, abriu
a porta do guarda-roupa e de uma mala retirou alguns livros e entregou-me:
- Então acho que você vai gostar dos meus, escolhe um desses.
Colocou os livros sobre a cama ao meu lado. Eram quatro volumes,
dois de um mesmo autor. De Jorge Amado, “Capitães de Areia” e “Seara
Vermelha”, um outro de John Reed, “Dez Dias Que Abalaram o Mundo”, e
ainda um com uma capa marrom sem título, ao abrir na folha de rosto estava
escrito em letras grandes e estilizadas, “Crime e Castigo”, este último chamou
minha atenção. Ana ainda escovando os cabelos, aprovou com um sorriso
que a deixava cada vez mais bonita:
- Dostoiévski?! Muito bom, pelo jeito você gosta mesmo de clássicos.
E “Crime e Castigo” é um desses. Acho que vou ter com quem discutir sobre
a avareza humana e a gênese da sociedade burguesa.
Sem compreender “lhufas” de seu comentário final, mas satisfeito
com a reação de Ana, fiquei segurando o livro e não confessei a ela que o
meu interesse por ele fora despertado pelo nome do autor, escrito em letras
menores abaixo do título, parecia com os nomes de alguns jogadores da
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seleção da Tchecoslováquia.
Convencer Ana a assistir a estréia da seleção na Copa do Mundo
não foi muito difícil. Do jeito que ela narrou o episódio ocorrido dois anos
antes, quando o povo tcheco resistiu bravamente a uma tentativa de golpe
patrocinada pela agência norte-americana, a CIA, e foram salvos pelos
tanques soviéticos saudados entusiasticamente por eles em sua capital,
Praga, cheguei a pensar que ela até torcia para os nossos adversários. Por
isso preferi não informá-la que nós daríamos uma surra neles.
No começo da transmissão, Ana parecia pouco entusiasmada, pra não
dizer irritada com as demonstrações de patriotismo explícita do narrador, e eu
não entendia por que. Era emocionante ver que até os mexicanos cantavam
“Eu ti amo meu Brasil, eu ti amo...”. Ouso dizer que ela até sorriu quando um
daqueles brancarrões com nome esquisito marcou o primeiro gol da partida.
Mas ao final quando Jairzinho chapelou o goleiro e marcou o último dos
quatro gols do Brasil ao som de “Pra Frente Brasil” nós pulamos e gritamos,
eu, Ana, minha mãe e Maria Rita. Foi uma sensação de alegria espontânea
e indescritível.
Ao fim daquela quarta-feira eu me sentia duplamente satisfeito, pela
vitória do Brasil no jogo de estréia e, principalmente, pela intimidade cúmplice
compartilhada com Ana. Ficamos os dois na penumbra da sala até tarde
da noite, fui dormir sabendo que “Cortina de Ferro” não era uma grande
persiana metálica, mas uma expressão criada maldosamente pra impedir
que o mundo sob o jugo do capitalismo ianque tivesse oportunidade de ver
como viviam em harmonia e paz os povos de toda a Europa Oriental, da
Tchecoslováquia, da Bulgária, da Hungria, da Polônia e da Romênia. Nessa
noite, eu peguei no sono pensando como seria maravilhoso viajar com Ana
para a Tchecoslováquia e lá, quem sabe, ter com ela os primeiros quatro
filhos, a um deles daríamos o nome de Fiódor Dostoiévski.
As duas semanas em que transcorreram as Oitavas de Final e Quartas
de Final foram incríveis, a cada jogo o Brasil dava um show. Lógico que
pouco antes das partidas começarem eu sempre arrumava um jeito de ir a
padaria da Rua Amazonas para me inteirar das análises técnicas emitidas
com propriedade e imparcialidade inquestionável pelos ilustres veteranos
do glorioso Palmeirinhas da Arnaldo de Carvalho. Essa estratégia, além de
aplacar minha ansiedade quanto ao resultado da partida, me municiava de
informações que depois, sem citar as fontes, eu orgulhosamente repassava
para a assistência de casa, formada por minha mãe, por Maria Rita, que
escolhera nosso “apê” pra acompanhar os jogos do Brasil na Copa, e
principalmente por Ana. Depois de cada jogo e vitória do Brasil eu me
encantava com o sorriso cada vez mais cintilante e com as pernas cada vez
mais irresistíveis de Ana. Ela descrevia com entusiasmo a situação política,
econômica e social de cada um dos países cujas seleções se curvavam ante
a destreza de Pelé e companhia.
Na sexta-feira anterior ao domingo em que o Brasil jogaria com a
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Inglaterra, eu finalmente tinha terminado a leitura de “Crime e Castigo” e as
coisas começaram a mudar. Não sei se por causa do depressivo e angustiante
universo criado por Dostoiévski ou do medo do jogo que iria ocorrer no
domingo, neste o Brasil enfrentaria a campeã do mundo, a poderosíssima
Inglaterra, não sei exatamente por que, mas eu me sentia incomodado com
um mau pressentimento.
Na tarde daquela sexta-feira uma coisa estranha ocorreu, um homem
apresentando-se como funcionário do DNER, o Departamento Nacional de
Estrada de Rodagem, bateu à porta procurando por um fulano chamado
Marcos. Depois de eu explicar que naquela casa não havia nenhum Marcos,
estudante universitário que fizera um trabalho escolar cujo tema era o Sistema
Rodoviário de Integração Nacional, e ainda, dar o nome de cada um dos que
moravam no apê, além de mim, o homem que tinha cara de tudo menos de
funcionário do DNER, deu-se por satisfeito e, sem ao menos se despedir,
retirou-se. Achei aquilo estranho.
Outra coisa que aconteceu naquela sexta-feira, que me incomodou mais
ainda, foi o fato de minha mãe ter chegado do trabalho no horário normal, às
19h, mas não estava acompanhada por Ana como era o habitual. Sem saber
exatamente por que, eu fiquei com medo, muito medo. Quando perguntei
sobre ela, minha mãe não soube responder do seu paradeiro, disse apenas
que ela não estava no ponto do bonde 42, na Praça Mauá, no horário em
que as duas costumavam se encontrar e virem juntas para casa. Minha mãe
não demonstrou nenhuma preocupação com o fato, segundo ela, certamente
Ana tivera que fazer algum serviço extra e logo estaria em casa. Lógico que
isso não me acalmou. Foi então que eu soube que Ana trabalhava como
uma espécie de secretária num escritório de advocacia que ficava na Praça
Barão de Rio Branco. Depois eu ficaria sabendo que esse escritório pertencia
a dois advogados, um deles chamado Marcelo Gato. A noite daquela sextafeira foi angustiante, passava já da meia-noite quando minha mãe mandou eu
desligar a televisão e ir dormir. Desliguei o aparelho de TV, mas não dormi.
Eu nem deitei, apaguei a luz e, no escuro, fiquei de cotovelos pregados no
batente do janelão de correr da sala vigiando o corredor de entrada do prédio.
Foi a primeira vez na vida que experimentei a desagradável sensação de
esperar por alguém muito querido que insiste em não chegar. Torci para que
fosse a última, mas infelizmente não foi.
Passavam alguns minutos da uma da manhã quando um vulto cruzou
ligeiro o portão de entrada, aliviado constatei que era ela. Ana em passo
acelerado caminhou na direção da porta de entrada de nosso bloco, fiquei
mais satisfeito ainda quando vi que ela estava só. Pensei em abrir a porta
da sala e, antes que ela pisasse dentro de casa, bombardeá-la com várias
perguntas tipo, onde você estava? Por que demorou? Por que não avisou?
Mas, amedrontado e consciente de que eu não tinha esse direito, não fiz,
e mesmo que tivesse algum direito, não teria coragem de fazê-lo. Eu tinha
medo de perder Ana, ela que sequer era minha. Talvez esse tipo de medo
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tenha sido responsável por eu ter perdido outras pessoas também muito
queridas. Resolvi deitar no sofá e fingir que estava dormindo, e dormi.
Na tarde do sábado, véspera do jogo com a Inglaterra eu já havia
esquecido a sexta-feira. Minha atenção estava completamente voltada para
os nossos adversários, os ingleses. Foi então que eu descobri uma fissura
naquele bloco monolítico anticapitalismo ocidental encarnado por Ana, e foi por
acaso. No Canal 2, a TV Cultura ia apresentar um especial sobre a Inglaterra,
nossos adversários de domingo e a apresentação inicial do programa, como
não podia deixar de ser, foi ilustrada com a reprodução do verdadeiro “hino”
da Inglaterra. Bastaram soar os primeiros acordes de uma guitarra elétrica
seguidos de “Help! I need somebody; Help! Not just anybody; Help! You know
I need someone; Heeelp!...”, Ana veio rápido ver o que estava passando. Um
pouco a contragosto teve que confessar, ela era uma beatlemaníaca.
Neste ponto novamente acho fundamental fazer algumas explicações.
Meu conhecimento sobre música estava no mesmo nível que minha
formação literária, ou seja, conhecia menos que nada. Sobre música, lembrome vagamente de ter acompanhado na casa dos meus avós os históricos
festivais de música popular da Record. Apesar da eloqüência das letras e
originalidade dos arranjos daqueles compositores e intérpretes que figuravam
o movimento denominado MMPB, o Movimento da Música Popular Brasileira,
como Edu Lobo e principalmente Geraldo Vandré, minha ignorância permitiu
que eu fosse bem eclético no gosto musical. Por isso, também ouvia e gostava
de outros ritmos e de outros movimentos, até porque não sabia que havia
diferença entre eles. Eu acompanhava pelo rádio os rocks que chegavam do
exterior, também ouvia as versões nacionais do ié, ié, ié ou Jovem Guarda,
como era conhecido esse estilo. Era um fã incondicional da Elis e gostava
até de ouvir o hino do estado de São Paulo executado pela banda da Força
Pública todos os domingos pela manhã na rádio Eldorado.
Na época, além do rádio eu tinha um toca-discos portátil, uma sonata, e
meu acervo discográfico resumia-se a um bolachão de 78 rotações do cantor
mexicano Javier Solis que cantava no Lado A o antigo sucesso Moliendo
Café. Tinha um LP do Helbert Alber e Tijuana Brass, além de um compacto
duplo com as músicas temas dos seriados Bonanza e Chaparral no lado B,
e dos filmes Vou Mato e Volto e O Bom, o Mal e o Feio no lado A. Como
é possível perceber, meu gosto musical era mais que eclético, era exótico.
Esse econômico e esquisito acervo era resultado de minhas limitações
orçamentárias, ou seja, eu não tinha grana nenhuma, portanto não podia me
dar ao luxo de pensar em comprar um disco, estes que eu tinha foram fruto
de herança, doação ou presente, tudo nessa mesma ordem.
Feitos esses esclarecimentos sinto-me a vontade para dizer que,
apesar de tudo, nesse campo, eu tinha opinião. Por isso, mesmo com toda
a aclamação da crítica e do público eu não era um fanático pelos Beatles.
Gostava muito mais de ouvir The Monkees e os Novos Baianos, Sempre
achei “I’m a Believer” muito mais dançante que “Help” ou “Ticket to Ride”, além
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disso, sempre achei de um escracho bem revigorante pra época uma letra
cujo trecho trazia “pluft,pluft,pluft... É ferro na boneca. É no gogó neném...”.
Pra mim, não havia nada mais estimulante do que cantar isso durante as
aulas de Educação Moral e Cívica. Mas é claro que estas considerações eu
guardei pra mim, sabia que Ana não concordaria com elas. E, sinceramente,
adorei ouvir cada uma das inúmeras vezes que “Revolver”, o “Álbum Branco”
e alguns compactos dos quatro de Liverpool foram reproduzidos em minha
sonata. Nalguns momentos, embriagados por tanta coca-cola, eu e Ana
arriscamos acompanhar em dueto a balada deles que, ainda hoje, eu gosto
mais, “get back”.
Nessa maravilhosa noite de sábado, ao som de Beatles, Javier Solis
e Morricone, Ana mostrou-se bem alegre e extrovertida, tanto que acabou
enveredando por um assunto muito delicado pra mim:
- Você tem namorada?
Ela perguntou de surpresa, eu provavelmente corei, pois senti minha
face ficar bem quente. Envergonhado, respondi meio sem jeito:
- Namorada!? Não, não tenho.
Ela insistiu:
- Não acredito. Você está no ginásio, é nessa fase que a gente começa
a namorar, que se apaixona e... - súbito ela parou de falar, percebi um pouco
de tristeza emergir de sua fala, resolvi interceder:
- É que mudei de escola faz pouco tempo, não conheço quase ninguém
– menti.
- Mas você já se apaixonou ou se interessou por uma garota?
Ana voltou ao estado anterior de euforia, seja o que quer que a tenha
entristecido já havia sido esquecido. Com o rosto pegando fogo e incomodado
com o assunto eu me precipitei:
- Já, mas não da Escola.
- Ah! Eu sabia, e quem é ela?
Já arrependido do que havia falado, continuei:
- Ela não é daqui.
- Não! Então, de onde e como ela é?
- Acho que é de São Paulo, ela é mais velha que eu. Ela é muito, muito
bonita.
Ana olhou-me com atenção, e estranhando insistiu:
- Como assim: você acha?
- É que eu nunca conversei com ela e ela nunca me viu e nem sabe
que eu existo.
- Mas quem é essa garota que você se apaixonou que é mais velha
que você e que nem o conhece?
Foi em tom de confissão que eu pacientemente expliquei:
- A primeira vez que vi, fiquei vidrado nela. Foi num daqueles festivais
da Record, ela, uma vocalista loira, com tranças e um coração desenhado no
rosto, até hoje sou apaixonado por ela.
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- Rita Lee! Você está falando da Rita Lee, dos Mutantes.
Eu me senti ridículo por dois motivos, foi a primeira vez que eu falei de
algo tão íntimo, e, além disso, declarei gostar de alguém que não existe, a não
ser virtualmente em imagens de televisão. Eu sabia que minha declaração
era de uma infantilidade, pra não dizer imbecilidade, primitiva. Entretanto,
mais que envergonhado, lembro-me de ter ficado aliviado, era a primeira
vez que eu falava de sentimentos desse tipo para alguém. Minha satisfação
aumentou na mesma proporção que minha adoração por Ana quando ela
sorriu de forma compreensiva e sincera e ainda me segredou:
- Eu também tenho um amor desse tipo. Eu sou louca por ele e ele nem
ao menos sabe que eu existo, e como você ele também é uma imagem que
eu só vejo através de fotos ou filmes – Ana pegou o álbum dos Beatles abriu
e apontou.
- George Harisson – eu falei num tom espantado.
- Ele mesmo.
Aquela declaração de Ana, apesar de eu saber que ela a fizera para
me confortar, me fez gostar ainda mais dela. Por isso, eu aproveitei para
conhecê-la um pouco mais:
- Mas e namorado, você tem ou já teve?
Eu perguntei um pouco ressabiado, pois além de ter medo da resposta,
sabia que ela não gostava de falar de si mesma, mas achei que aquela noite
quente, ouvindo “Yesterday” ela resolvesse se abrir um pouco mais. Eu
estava certo:
- Namorado? Tenho, quero dizer, acho que tenho, faz mais de um ano
que eu não o vejo.
- Como assim?
Eu insisti. E o olhar triste, melancólico de Ana voltou, cheguei a me
amaldiçoar por ter insistido naquele assunto, eu não suportava a idéia de
causar tristeza a ela, mas pareceu-me que ela estava disposta e até querendo
falar mais sobre o assunto:
- A última vez que nós conversamos foi na semana do natal do ano
retrasado – ela se levantou e da mala onde estavam guardados os livros e os
discos, tirou um compacto duplo – Este era o presente que eu ia dar pra ele
– os olhos dela estavam brilhando, uma lágrima escorreu do lado esquerdo
de sua face, eu queria fazer alguma coisa pra parar com seu sofrimento, mas
não sabia o quê, levantei coloquei Revolver pra tocar pela quarta vez – é
do Simon e Garfunkel, ele adorava, por isso eu consegui que um colega de
faculdade trouxesse dos EUA, sei que Marcos ia adorar – agora as lágrimas
caíam em profusão demonstrando o quanto ela devia estar sofrendo e, pelo
jeito, o quanto também, ela tinha reprimido aquele choro. Resolvi não falar
nada, achei que apenas ouvir seria uma forma de confortá-la – ele me disse
que iria a um encontro com o pessoal do sindicato, não sei se ele foi ou não
ao encontro, não tive mais notícias dele.
Ana postou-se junto à janela retrátil que estava aberta, eu me aproximei
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e nós dois ficamos lado a lado recostados no batente da janela. Lá fora, a
escuridão da noite realçava o brilho das estrelas, o céu estava limpo, Ana
respondeu a uma pergunta que eu não fiz:
- Marcos veio pra Santos logo depois que trancou matrícula no curso
de filosofia. Diferente de mim, ele nunca se interessou muito por política. Fez
parte do Diretório Acadêmico apenas por que gostava de jogar futebol, era o
que ele dizia, mas eu sei que ele queria me impressionar.
Enquanto Ana falava baixinho, como se falasse somente para ela
mesma, o ruído da agulha raspando no batente do disco ecoando pelo quarto
dava um tom melancólico ao final daquela noite. Não sei por que, o nome
Marcos, chamou minha atenção. Mas de uma coisa tenho certeza, foi ali,
naquela noite estrelada, debruçado na minha janela e sentindo bem próximo
o calor do corpo da primeira mulher real que amei em minha vida que eu
aprendi como é bom amar alguém, mas como é dolorido também.
No domingo, quando cheguei da padaria da Rua Amazonas, eu estava
tenso. Os veteranos do Palmeirinhas estavam divididos, não havia garantia de
vitória contra a poderosa esquadra britânica, a única certeza era de um jogo
duro de placar apertado, e foi. Foi o jogo mais disputado e difícil que o Brasil
enfrentou em toda a Copa, o goleiro, uma muralha inglesa que respondia pelo
nome de Banks, acho que Gordon Banks, parecia intransponível, mas não
era. O único gol da partida foi brasileiro, e foi chorado.
Nessas oitavas de final aprendi que na Romênia, outro daqueles
progressistas países da Cortina de Ferro, fica a Transilvânia, terra de Vlad
O Empalador, personagem que inspirou a criação de um dos gibis que
eu gostava muito, o Drácula. Para Ana, tanto Vlad como o Drácula eram
metáforas, eles representavam o furor burguês em sua sanha por sugar o
sangue da classe trabalhadora. Desnecessário dizer que eu não sabia o
que significava metáfora, mas estava longe de me preocupar com isso, pois
enquanto Ana falava, eu como um vampiro sonhava sentir o gosto de seu
delicado e alvo pescoço. Já nas quartas-de-finais aprendi que o Peru fora a
sede de um poderoso império pré-colombiano, o Inca, que dominou grande
extensão da Cordilheira dos Andes.
Mas a semana da semifinal foi marcada por um clima contraditório de
euforia e ansiedade. Euforia porque havia uma grande confiança em nossa
seleção que se classificara invicta e dando show nas oitavas-de-final, mas
também de ansiedade porque os nossos próximos adversários eram os
uruguaios, os mesmos que humilharam o Brasil em 1950. Ao mesmo tempo
em que o jogo era visto como uma oportunidade de vingança, também se
temia que a inquestionável garra dos nossos vizinhos platinos pudesse nos
surpreender. A celeste Olímpica freqüentou os sonhos e pesadelos de muitos
brasileiros naqueles dias.
Como eu não entendia nada de futebol, não compreendi a dimensão
do drama vivido pela torcida brasileira durante os primeiros dias daquela
semana, minha preocupação foi outra. Tive a impressão de ter avistado por
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várias vezes, duas com certeza, bem próximo de casa, o tal funcionário do
DNER, que não parecia ser funcionário do DNER. No início, eu achei que fosse
uma coincidência. Sempre fui muito lento pra compreender e inter-relacionar
eventos. Foi somente na terça-feira que eu associei aquela misteriosa figura
ao nome do namorado de Ana. Sem compreender bem por que, fiquei muito
apreensivo. Quando minha mãe chegou do trabalho, acompanhada de Ana,
naquele início de noite, eu as aguardava aflito e imediatamente falei a Ana,
antes mesmo de cumprimentá-la:
- Será que eu poderia escolher outro daqueles livros?
Ana e minha mãe olharam pra mim surpresas, lógico que estranharam
minha intempestividade. Minha mãe mais ainda, pois não sabia de minhas
incursões pela literatura. Ana sem ainda perceber minha intenção de falar a
sós com ela, respondeu:
- Claro! Qual deles você quer?
Com sinais e gestos pouco discretos, dei a entender a ela o que eu
realmente queria, sem compreender muito bem, Ana cedeu:
- Ah! Sem problemas, acho melhor você vir escolher qual livro prefere.
Talvez toda aquela encenação fosse dispensável, pois minha mãe
estava muito mais interessada no “Nino, o italianinho”, novela da Tupi que,
agora terminada a saga dos Irmãos Coragem, ela assistia.
Ao terminar meu relato sobre a visita que recebera na última sextafeira, complementado por considerações preocupadas e detalhadas sobre as
características físicas do tal funcionário, percebi que Ana empalideceu. Ela
ficou mais aflita quando completei dizendo ter visto o fulano rondando nossa
casa nos últimos dias. Ana me explicou o motivo de sua preocupação e isso foi
também um aprendizado para mim. Aprendi que, em determinadas épocas, o
simples desejo de querer que as coisas fossem melhores consistia num risco
e, naquela época, não foram poucos os que se arriscaram por esse simples
desejo, e muitos desses pagaram de diversas formas por isso. Mas, se é
inaceitável você sujeitar-se ao pagamento de uma pena por simplesmente e
conscientemente contrapor-se as idéias dos mais poderosos, é muito cruel
você ser violentamente punido sem nem ao menos saber o motivo.
Ana e Marcos se conheceram no ano do III Festival da Canção, o mesmo
ano que eu me apaixonei pela vocalista dos Mutantes. Eles eram estudantes
secundaristas e estavam sempre discutindo acalorada e entusiasticamente
com seus colegas, Ela sobre política, ele sobre futebol. Ela pretendia fazer
História ou Ciências Sociais, ele ainda não tinha parado pra pensar nisso.
Mas, como disse, eles se conheceram naquele festival de “Alegria, Alegria”,
daquele cara queixudo de riso debochado, aí tudo mudou. Ele deixou de
ir jogar bola nos campos da Aclimação pra ir levar ela no cine Paramount
todos os fins-de-semana. Algumas vezes, ele a convenceu a trocar um filme
do Bergman por um Palmeiras e Santos no Pacaembu. Ela, pra azar dele,
acabou torcedora do Palmeiras, por isso, ele, apesar de santista, sujeitava-se
a ficar nas arquibancadas junto da torcida do Palmeiras, sufocando a alegria
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da comemoração de um gol praiano, lamentando-se com os torcedores
esmeraldinos ou contendo a tristeza de um gol palmeirense sorrindo amarelo
pra disfarçar. Mas valia a pena, ele a amava, tanto que por ela desistiu de
fazer engenharia no Mackenzie e se matriculou no curso de Filosofia da
F.F.L.C.H.- USP, a mesma faculdade em que Ana sonhava um dia fazer seu
curso de História. Mas no ano seguinte, quando ele começou o curso as
coisas começaram a ferver, ela, empolgada e acreditando que eles iriam
mudar o mundo, falava de seus sonhos, ele sonhando apenas voltar a bater
uma bolinha nos campos da Aclimação, ficava cada vez mais apaixonado por
ela que o encantava com seu jeito, com sua força, com seus desejos, tanto
que ele, pra satisfazer a ela mais ainda, ingressou no Diretório Acadêmico e foi
a um congresso de estudantes. É bem verdade que ele foi levado ao encontro
menos pela sua consistência ideológica e muito mais pelas habilidades como
meia-armador. Tinha um belo chute de canhota, reforço indispensável para
o time do D.A. da USP no torneio que ocorreria paralelamente aos trabalhos
e oficinas acadêmicas. Mas em Ibiúna não chegou a ter torneio, o jogo foi
jogado no porão do DOPS, na Rua Tutóia.
Marcos nunca soube por que o levaram para aquele lugar, muito menos
por que perguntaram coisas que ele não sabia responder. Marcos também
não sabia, porque esqueceu o que aconteceu nos dias que ele passou lá.
Só lembrava da escuridão e da dor. Quando saiu, ele trancou matrícula, não
conseguia mais ficar numa sala de aula com a porta fechada. Ele veio pra
Santos, somente a praia e o mar tinham a dimensão que poderia abrigar sua
angústia, sentimento sufocante que nem sabia que tinha ou por que tinha.
Ana ficou em São Paulo, ela perdeu a vontade de mudar a história
estudando na Faculdade de História, preferiu trabalhar pra tentar esquecer
seus sonhos e seus desejos. Pretendia, assim que pudesse, vir definitivamente
para Santos pra ficar junto dele. Ela estava disposta a ir toda semana com ele
na Vila Belmiro e assistir jogos do time dele. Mesmo quando fosse um Santos
e Palmeiras, ela se resignaria e ficaria ao seu lado, junto com a torcida do
Santos reprimindo o grito de alegria de um gol palmeirense ou sofrendo
contidamente por um gol peixeiro. Nos finais de semana que não tivesse
jogo, eles caminhariam de mãos dadas pelos jardins da Praia e respirariam
os ares soprados do mar, ares vindos de longe, ares carregados de salitre,
de maresia e liberdade.
Mas na semana do Natal em que Ana conseguiu o Simon e Garfunkel
foi a última vez que ela conversou com ele. Por telefone, Marcos disse que
ia numa reunião, ela se preocupou, pois sabia que ele esforçava-se por
agradá-la, por isso estaria disposto a restabelecer contato com organizações
políticas de esquerda, particularmente muito ativas naquele ano. Entretanto
ela sabia que isso lhe trazia dolorosas recordações, então tentava impedir o
seu sofrido esforço falando do campeonato e incentivando-o a participar do
aspirantes do Jabaquara. Ele tinha qualidades pra isso, porém não tinha mais
vontade.
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Naquela terça-feira, não demos atenção ao episódio do M.A.S.H. Ana,
apesar de ocupar seu lugar habitual cruzando as pernas sobre a poltrona
em frente ao sofá de onde eu, de coração apertado perdia-me em seu olhar
distante, senti que ela não estava ali e eu procurava acompanhá-la, não
conseguia. Quando os ruídos exteriores superavam o volume de som do
aparelho de TV, Ana retornava. Nesses momentos, ela demonstrava estar
como no dia em que chegou a nossa casa, amedrontada.
Eu, apesar de tudo, não sabia muito bem o que estava acontecendo,
entretanto medo era um sentimento que eu já conhecia muito bem. Talvez
porque minha mãe adotasse o medo como um instrumento auxiliar na minha
educação. Ela sutilmente invocava o pavor em mim para que eu agisse
conforme suas regras, por outro lado, lembro-me que quando essa estratégia
falhava, e isso acontecia algumas vezes, ela abandonava a sutileza e fazia
uso de uma escova de roupas improvisada como palmatória, esta, um
instrumento eficiente e definitivo de convencimento.
Hoje, eu acredito que o medo foi, de forma geral, o dispositivo de
dominação imposto aos indivíduos de minha geração. Tínhamos medo de
tudo, a começar das improvisadas e tirânicas palmatórias e depois, já adultos,
passamos a vivenciar outros medos, medo da mula-sem-cabeça ou da mulher
vestida de noiva à beira da estrada nas noites de lua cheia. Tínhamos medo
do bandido da luz vermelha e da rádio-patrulha, medo dos comunistas ou
até de falar a palavra “comunista”. Tínhamos medo dos professores tirânicos
que nos agrediam na sala de aula por qualquer bobagem, tínhamos medo
do diabo por não sermos maus e tínhamos muito mais medo de Deus por
sermos maus. Medo do juizado de menores, da ROTA, do esquadrão da
morte, medo do Marighela, do capitão Lamarca, medo do delegado Fleury,
do capitão Erasmo, medo de disco voador e de marcianos verdes de pele
escamosa. Tínhamos medo da terceira guerra Mundial e do fim do mundo.
Medo era tão importante naquela época que um dos programas de grande
sucesso do Canal 7 era “Quem Tem Medo da Verdade?”. Nós, todos nós
tínhamos.
Foram naqueles dias que eu também aprendi que havia luz querendo
quebrar as trevas. Ana, intrépida, arrojada, ousada, sincera, com o brilho de
seu olhar ingênuo, com sua fé na humanidade, demonstrava acreditar que
era possível através da mobilização, do convencimento, enfrentar e superar
todos esses medos. Pessoas como ela existem para mostrar às pessoas
como eu que a existência por si tem um sentido positivo, sentido cujo valor
não está expresso na cor, na forma, ou na substância. Seu valor está no
gesto, no enfrentamento e na ação. São pessoas como Ana, como Marcos
que somente por existir transcendem a sua própria existência, e quando
desaparecem deixam espaços vazios, fazem diferença.
Ana e Marcos eram de um outro mundo, um mundo muito maior que
o meu, que não cabia num quarto como o meu. O mundo de Ana e Marcos
sequer cabia no mundo lá de fora, o mundo deles necessitava de um outro
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universo para ser contido. Marcos e Ana eram tantos que não cabiam em si.
Eu, desoladamente naquela noite, aprendi que seriam pessoas como Ana e
como Marcos que eu me apaixonaria, mas elas, Ana e outras Anas, por não
caberem em si eram muito maiores que eu, portanto seriam inatingíveis e
intangíveis para mim.
Na quarta-feira eu não fui à padaria da Rua Amazonas, eu não me
acomodei no sofá da sala, à noite, eu não assisti ao jogo da semifinal. Eu não
vi, nem vibrei, jamais soube ou quis saber quanto foi aquele jogo. Na quartafeira, eu fiquei sozinho perdido no meu quarto, um quarto que era muito maior
que meu mundo tão pequeno. Na quarta-feira, sozinho no meu mundo dentro
do meu quarto, eu liguei a sonata no último volume, não queria que o mundo
lá de fora ouvisse o meu choro. Eu chorei alto, quase tão alto quanto o som
do Simon e Garfunkel que Ana me deixou de presente, doía muito a falta dela.
No final da noite daquela quarta-feira, eu debrucei no batente da janela retrátil
soluçando, fiquei observando o que jamais teria: as carambolas.
53 anos. Graduado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
Estadual de São Paulo (USP). Exerce a Função de professor de história na rede particular e
pública de ensino.
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SAMARICA ENROLADEIRA DE PITO
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Ernesto Silva
Dianópolis - TO
Era a era das calças curtas quando Samarica deu de ajudar com
as coisas em casa. O chinelinho puído nos calcanhares e onde mais o peso
dos pés desse de fazer a pressão de seus trinta quilos aproximados sustentava
um eito de estrada até a Fazenda Oitão, de onde era vizinha de propriedade.
Lá, era pau pra toda obra, mas o ofício principal era cuidar de Virginiana, com
a metade do peso e da idade de Samarica. Quando não estava com a menina
escangalhada na cintura direita, meio envergada para esquerda, para ajudar
na distribuição do peso, sentava-se ao lado do chiqueirinho que o pai da criança
mesmo fizera com a madeira que abundava ali, e pajeava o crescimento do
mundo. Outrora na arrumação da casa, lavando roupa, varrendo os terreiros.
E no tempo em que a terra - semi-esterilizada pela escassez de chuva e pelos
séculos em que o chão do Tocantins era profundeza de mar verdinho - dava
sua colheita parca, era o espantalho na roça de milho.
Mas, ora veja, desde pequetita que Samariquinha era menina
esprevitada. Nasceu com os olhos de quem enxerga tudo ao contrário e vê
coisa além das coisas. Então nessa leva de variantes ofícios, foi também a
enroladeira de pito da patroa. O pau ronca já existia nas vendas de Barreiras
desde um tempo em que Samarica morava num lugar difícil de precisar,
porquanto se morava nalgum lugar. Tempo em que não se achava pijama
que servisse em polícia e nem travesseiro de jagunço. A patroa mandava
vir da Bahia os rolos enegrecidos, e por vezes, do pardo, que fumo pardo
era danado de forte, mas bom de tragar por causa de ser suave. De vez em
quando dava um beliscão na ponta despontada da corda e levava o naco à
boca, mascava e depois cuspia o resto de nicotina com o bagaço. Samarica
via tudo. Tinha olhos de aprender como funcionava o mundo, seus detalhes
eternos, como borrada de passarinho em pleno voo.
Tinha que experimentar, o cheiro do fumo novo revestido com
a borra preta e pegajenta fazia atiçar o que já era curioso assaz. Um dia
desses que mantém barbas de papai noel suspensas no céu, fez um pito
a mais e guardou na ilharga da calcinha rota. Sabia que tinha que vigiar a
roça e esperou a ordem da patroa para apanhar a cabaça pequena com
água e subir até o roçado. Ansiava a expectativa de burlar uma lei que já
sabia que existia e ficava afivelada à cintura do pai. Um só objeto para duas
serventias. A correia de couro de anta curtido e lasseado amarrada pela fivela
de ferro sempre fora ameaçadora. Mas à ideia não cabia mais retrocesso.
Mal inclinada essa Samarica, menina de topete alto, desde pequerrucha.
Passou a mão na cabacinha e no bornal com o apito e outros
petrechos e subiu com passo mais rápido que o contumaz. Não pensava em
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periquito nem macaco. Pensava no pito. No trajeto, dentro do trilho pisado
pelas vaquinhas, a cada cinco passos conferia se o cigarro estava onde o
arranchara. Fazia, primeiro porque o elástico da calcinha estava relaxado, e
depois, claro, pela segurança de saber que a experiência seria fecundada de
fato. Chegando na roça, caçou meio de se esconder detrás de uns pés de
milho, a plantação ficava a vista da casa da fazenda. A lavoura rala levou-a
a se embrenhar um pouco mais para diante, queria a segurança. Não achou
nada que pudesse se sentar além de um toco carbonizado. Sentou sem se
preocupar com o carvão. Arregalou os olhos arredondados e vivos, tirou do
bornal uma binga velha que ela mesma abastecera para a ocasião, consertou
os amassados na palha que envolvia o pito, concertou com maestria, passou
mais cuspe e levou-o a boca de maneira que ficasse a metade abocanhada.
Enrolar sabia, fumar não. E, por um momento, viu sua empresa ameaçada
porque a binga lencara fogo até a décima tentativa. Entretanto Samariquinha
não nascera com aqueles olhos de ver detrás das coisas a toa. Arrancou
o pavio da parte debaixo da binga e soprou o combustível para a ponta.
Ficou com gosto de querosene na boca, mas aquilo pesava pouco diante da
vontade de chamuscar fogo na intenção.
Com a metade do cigarro na boca, via a palha queimando e
apagando antes de o fogo chegar no fumo. Obstinada, mandava fogo outra
vez. Até que o fumo foi aceso e pode sentir pela primeira vez o gosto encorpado
do pau ronca. Crescera com esse nome gravado nas artimanhas da memória.
O pai é exímio pitador desde os oito anos e veio a conhecer cigarros de papel
na época em que apareceu um povo esquisito, de cidade, nas cercanias de
seu sertão, até então habitado somente por jegues macilentos, calangos,
morcegos e boiciningas de bigode branco, de tão eradas. Esse povo aparecia
em nome da amizade e do companheirismo, e até conseguiram a confiança
de seu Serafin, mas só até o exército pulverizar o alerta soturno de que se
tratava de gente perigosa, que comia crianças cozinhadas em enormes
panelas pretas nas beiras de rio.
O tempo nesse ermo de sertão do Norte passava longe de
relógios que fossem mecânicos. Nem tanto quando Samarica do Espírito
Santo veio ao mundo, pois aí as coisas da modernidade já subiam ao Norte
à maneira diferente dos vapores e bruacas. Estradas de rodagem já haviam
sido abertas onde antes passavam os carros de bois e comitivas a cavalo, já,
bem depois de Anhanguera. Ainda assim fica sendo injustiça menosprezar a
pujança que o vapor levava a Barreiras no tempo em que só lobo e bugres
comiam o bruto despencado. Samarica crescia. Um dia foi surpreendida por
um pequeno feixe de fios de cabelos pretos já crescidos no púbis. Foi num
dia de domingo, quando se banhou com a luz do dia para cumprir a missa no
povoado das Missões. Crescia de virar moça e seus olhos agora eram uma
descoberta pronta, mas eram muito mais uma descoberta por vir. Estavam na
divisa de uma fronteira que deixava para traz um terreno macio feito colo de
mãe e avistava uma razão grande para transgredir o medo do que o pai trazia
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a cintura. Hormônios.
Os dias passavam assim-assim-assim. Encadeados. Iguaizinhos.
O sol fazia todo bicho encostar debaixo de um pé de pau porque os agostos
acossam o lombo dos couros que mamam. Deus foi duro quando criou o mês
de agosto aplicado ao norte, mas como não poderia deixar a fama esvaecer,
providenciou o vento. E era com as abas do vestido batendo nas coxas taludas
e roxas que Samarica divisava uma cerca de bambu seco para fazer fogo ao
cigarro de palha. Nessas alturas já era habituada a fumar. Embora escondida,
usava os utensílios, palha, fumo e binga do pai. Aproveitava a saída dele à
peleja e cigarrava sossegada debaixo de uma sombra de pequizeiro. Chegou
num ponto em que não achou mais motivo para esconder da mãe que, ao
saber do enunciado da boca da própria filha, manteve a postura de sempre.
A catinga já havia denunciado Samarica. A velha não era boba nem aqui nem
na China. Se Samarica teve de onde puxar, foi dela. Mas alertou.
_ Seu pai te pega e tá o vespeiro mexido.
Samarica deixava o olhar na inércia do rosto da mãe e virava a
cabeça com força e desdém para o rumo de seu mundo, só seu. Descobriase. Vigiava ali o galo arrastando as asas para a galinha pedrês e desenhava
um namorado lá nas lonjuras onde a vista chegava. Oxalá anunciado pela
cadela Tainha, abrindo a porteira do terreiro, um homem bonito de chapéu
de feltro e terno branco, igualzinho ao que vira numa revista exibida por sua
tia na festa das Missões. Desses que moram num lugar chamado capital. A
imagem da revista só saíra de sua cabeça quando conheceu o único amor de
sua vida. Nesse tempo viu que um homem pode oferecer elástico à felicidade,
mais ainda do que pensava. Mas que esse elástico por vezes rompe.
Numa tarde dessas em que os anus fuçam em ramos rente ao
chão caçando um pitéu e menosprezam a existência de todo e qualquer ser
humano, Samarica tomou um gole de café quente servido do bule, sentouse no rabo do fogão e com um tição atacou a ponta do pito com a brasa.
Fumava e apalpava os peitos sem resguardo de sutiãs ou qualquer coisa
que os cerceasse, só a correia do pai era a exceção. Estavam soltos dentro
das alças do vestido velho e florido e não balançavam. Absorta num mundo
que era o maior de todos e somente, quando cuida e que não, o pai entra de
supetão com uma foice na mão um bornal de ferramentas atravessado ao
ombro. De imediato estaca imóvel até digerir a cena e depois solta o cabo
da foice ao léu, avança em suas mãos e toma o cigarro aceso, com olhos de
surto e raiva. Com força e truculência dá uns safanões na menina com uma
só mão e com a outra preservava o cigarro aceso.
_Põe a língua pra fora que eu vou te ensinar a fumar.
Resmunguenta e descabelada Samarica se viu obrigada a
atender a ordem do pai para evitar dano maior. Meio desconsertada, com uma
sola do pé apoiando o rabo do fogão e a outra no chão, devagar foi tirando
a língua para fora da boca e a manteve de fora enquanto o pai reacendia
o cigarro no mesmo tição que a menina usara antes. Enquanto acendia o
68
cigarro tirou dois tragos. Os olho de Samarica viam agora uma greta e do
lado de lá estava uma autoridade irredutível. Sua autoliderança adquirida
pela força da puberdade estava em frangalhos. Calada, resignada a menina
sentiu a estupidez da brasa queimar o centro de sua língua molhada. A dor
abrupta, intensa. Deu um gemido e com a um pedaço da língua ainda solta do
lado de fora fitou os olhos do pai. Saiu ao terreiro e não esboçou uma lágrima
sequer. A mãe assistiu tudo a distância, calada. Antes, porém, que saísse, o
pai jurou dar-lhe uma surra de deixar lembranças caso a pegasse de novo
com cigarro na boca.
O certo é que a reprimenda não fez efeito. A moça mantinha um
serviço na Vila, passava vinte dias em Conceição do Norte e dez dias em
casa, ganhava seu dinheirinho e mesmo ajudando em casa sobravam-lhe
uns trocados. Coisas necessárias, sobretudo em situações das regras. Não
gostava do sabugo envolvido em panos para frear o sangue. Aprendeu com a
tia a usar o conforto que o mercado já dispunha. Samarica, agora, com mais
cuidado, passou a providenciar seu próprio fumo e a fumar em horas mais
seguras e locais mais apropriados. Comprava cigarros de papel na venda do
Nélio Póvoa quando descia a Dianópolis e os mantinha escondidos em casa.
No entanto, quem falou pela primeira vez em liame popular que o mundo dá
muitas voltas merece considerações de suma importância. E dá. Um dia é da
caça e o outro do caçador. E é.
O mesmo risco que corre o pau corre o machado. Dinheiro nos
ermos Gerais do sertão do Tocantins nunca foi de dar em loca de pedra nem
em oco de pau, tem mais nesses lugares é peçonha de víbora espreitando o
filhote abobado do passarinho. Escorpião e aranha medonha. E o sertanejo
sabe disso. Assim aplica a maestria e resistência de sobreviver a um lugar
inóspito e a um desleixo hostil por parte de autoridades. Mas nesse dia faltou
fumo quando não podia faltar. Em nenhum dia podia faltar, pois era ali que
o homem escorava o cabo da enxada e se sentia ancorado na ilusão da
existência. Ou, no mínimo, um alento para não ser subjugado pela força da
natureza ou pela ausência de força sua própria, embora rara em gente assim.
Sem dinheiro, o homem chamou a esposa e reclamou da vida, começou a falar
dos 62 anos de dificuldades naquele eito de mato, em seguida falou coisas
que a esposa não entendeu, coisas desconexas. Coçava a cabeça dos dois
lados com força. A falta do tabaco e das condições para comprar implicava
nele um juízo solto misturado com cólera. Venderia uma vaca para ter um
dinheiro, mas a distância até Conceição do Norte era longa. A abstinência da
nicotina refletia inclemente em Serafim Correia do Espírito Santo.
Samarica, atenta, acompanhava tudo de ouvidos lá do seu
quartinho. Havia chegado da Vila no dia anterior. Ficou aflita de ver o pai
naquela situação. Pensava que não era certo ter o cigarro ali e não amenizar
seu sofrimento. Era o coração que falava. Mas temia uma repressão como
lhe fora jurada. Não, não podia. Era provocar a onça com varinha de condão.
Se fizesse isso deveria estar preparada para o pior. O comportamento do pai
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era de tal modo insano e irascível que via nele completa falta de siso. Era
outra pessoa, tal qual nunca havia enxergado ou pensado que existia dentro
daquela autoridade séria e inabalável. Temia que num átimo de insanidade
lançasse mão a uma peixeira afiada na prateleira de madeira da cozinha e
fizesse a besteira. Sem atinar para as coisas de roça, filha, esposa ou o que
fosse, o homem andava de um lado a outro em tempo de ficar louco. Numa
de suas voltas dá de cara com a filha com um maço de Elmo, sem filtro,
previamente aberto, com os cigarros estufados para fora, na mão estendida
em oferta.
_Tá aí. Agora se quiser por fogo nele põe, e se quiser apagar na
minha língua também pode.
Meio zonzo e vesgo, pois pensava que a filha havia emendado
com a surra e parado de fumar, ainda sem querer acreditar no que via,
como num voo cego avançou firme no antebraço de Samarica e segurou
trêmulo. Arrancou do maço dois cigarros e num impulso caminhou ao rabo do
fogão, onde havia um tição de ipê brocado em brasa, e fez fogo ao primeiro.
Beijou o tição com a ponta do cigarro e bombou para dar fumaça grossa,
que preenchesse o vácuo abismado em seu peito de peleja perene. Puxou
três vezes de enfiada e tragou tudo. Voltando a si diante do terceiro trago,
sem querer soltar toda a fumaça que levava ao pulmão, falou em tons quase
opostos. Num, aliviado de nervos, noutro, nervoso de alívios.
_Porque não mostrou antes, minha filha?
Ainda com a mão estendida, Samarica não titubeou.
_Pode pegar todos, tenho mais lá dentro.
Nascido no Alto Paranaíba em 1973, cresceu a galope. Leituras férteis deram sequência a
alfabetização e ao ritmo gradual de encantamento com o que se chama Sertão. Primeiro o
jornalista e mais adiante o professor. Ambos afeitos as palavras, convivem e fuçam no grande
pasto da língua e seus temperos. Possui artigos publicados fora do país e alguns contos
premiados.
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ÚLTIMO DOMINGO AO MAR
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Éder Rodrigues
Belo Horizonte - MG
Mar:
quando ouvir o que digo e achar que rezo,
venha como uma onda que perdoa,
e arranca de mim o deus
que eu pensava ser de areia.
Mar:
quando responder ao meu adeus,
volta com os braços sujos de sal,
sussurra aqueles ditos de espera
e me faça viver a calma de um abraço-deserto
num breve instante entre nós.
I
Sentia-se como um cartão-postal dobrado, existindo no pesar de
quem amassa os lugares e os corpos por onde já pisou. Pedaço de um papel
fotográfico qualquer. Pele sem muito Sol. Qualquer coisa guardada no fundo
de uma outra: um bilhete, um pequeno poema, um desenho distraído antes
da morte. Qualquer sentimento dormente a espera da morna eternidade.
Uma foto era a sensação dele de ser. Talvez ainda existisse alegre num
porta-retrato de estante. Desses que recebem e se despedem da visita com o
mesmo sorriso. Algo assim: entre os pequeninos recortes que a gente guarda
para não esquecer e a tristeza de um postal que só lembra paisagens. Assim
era.
Ele tinha a dobradura desses cartões. A sola lisa calçava delírios
que nunca ultrapassavam a proteção dos calçados. Jamais descalço. Sentira
a terra quando criança. Agora prescrevia desses medos de ser tocado. Era
pensar no mar e sua boca já salgava. Era adormecer com o pensamento
em águas e amanhecia úmido. Concha lavada de pérolas. Corpo sem nada
dentro. Um homem que não gostava de palavras de desfecho. Nunca tinha
escrito ditos como nunca, adeus, volta. Não provara dessas palavras que
bendiziam distância e nem das que traziam proximidade. Não teimava em
principiar levantes por já premeditar o tamanho dos fins. Gostava do que
era pequeno. De se sentir pequeno. Guardava tudo como se uma coleção
o livrasse de se perder em blocos do ser sozinho. Gostava do que podia
ter nas mãos. Do que podia acumular nelas pelo simples fato da coletânea.
As pequenas coisas são as únicas que sorvem o calor da gente. Anseio por
jardins da infância. De imenso: só o mar que guardava no bolso. As fagulhas
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de areia que impediam que ele sentisse nas partes vivas do coração, aquele
céu revirado de água e superfície.
II
Naquele dia, as ruas estendiam a imensidão de um mar cinzento que
se expande em vias de concreto e asfalto de puro piche. A tarde ainda mal
acenava. Pessoas de todos os rumos correndo para estarem nas horas certas.
Os carros enfileirando demasiada pressa, mas quase nunca se atrevendo ao
atrito. Túneis e curvas. Uma pausa para dormir. Uma praia para o amor que
urge. Roupas ao chão e o corpo aportando descanso num sossego moleque
que escapa para uma pelada antes de seguir para o findar do dia. O Sol
morria no horizonte e o Rio continuava um rio intenso, imenso de águas que
se juntam num carnaval rotineiro que antes de fazer enredo, brinda a saideira
da vez.
Ele olhava tudo da fresta da janela. As paisagens das centenas de
cartões que tinha remoíam na sua cabeça. Conhecia todos os lugares pelos
cartões. Das bordas litorâneas às florestas fechadas do rosto. Das estátuas
prosaicas ao deserto de nós. Tudo próximo aos seus dedos, escancarado a
um palavrear intelecto que tinha acumulado segundo os estudos que cravava
nas noites para compensar as luminárias que lhe faziam companhia. Ás
vezes, sentia que tudo era natureza morta. Mas logo um calor vindo das
esquinas, dos encontros daqueles que em trânsito desperdiçam mais um
dia de mar o encharcava. Coisas que o acalmavam como aquele janeiro em
demora, mas que já fazia sentir o carnaval soprar. Alegria pequena, dessas
que a gente vasculha e quando encontra percebe que a vida pulsa mesmo
sem fantasia. Os braços abertos eram promessas dos postais. Ele ardia em
cada abraço não dado, em cada onda que acenava ao longe, o medo de
quebrar nas pedras, a fronteira entre molhar-se e continuar em vão.
Sete horas. Ele mal percebeu que a noite havia invadido seus
deslizes. Guardou todos os pertences como se depositasse saudades numa
garrafa. Dessas que às vezes o mar leva sem dúvidas por regresso. Todas
as suas coisas estavam meramente arrumadas em suas respectivas ordens,
gavetas, armários, cabides, envelopes, caixas suspensas, embrulhos,
catálogos. Nunca estiveram assim.
III
Caminhou então até o espelho e vestiu a sua nudez em pausas
substanciais. Foi se cobrindo lentamente como quem sabe para o que
se arruma. Lá fora provavelmente o calor latente faria lhe explodir os
poros sempre tencionados e fechados. Estava feliz ou era o espelho que
72
desvendava um sorriso? Ouvia um resto de música, começo de noite, tiros
suando e escorrendo pelo morro que descia perto. Um rio sempre existiu
dentro do seu bolso. Dormia junto dele nas suas madrugadas sozinho e
acordava assustado, numa ressaca que o fazia tomar café com a calma de
quem só espera.
Secou-se e logo já estava impecável no terno que cheirava guardado
e tinha riscas de giz. Colocou os sapatos cuidadosamente nos pés, depois de
batê-los contra o chão e expulsar os restos de areia que sempre migravam
para lá. O gato se atreveu a lustrar os calçados e ele de uma forma estranha
aprontou o colo para acariciá-lo de um jeito ensaiado, mas jamais exposto
num palco nu. Invejava os pêlos sujos do animal. As patas de ontem. O
imundo da barba. O corpo sorrateiro dormindo sempre. A noite revirada nos
telhados e desmaiada no cume dos tapetes. Era o gato que lhe falava da
vida. Que lhe miava dos pulos que ele só conhecia pelos livros. A liberdade
do bichano doía nele. O sexo cansado do felino era uma afronta para o seu
desejo cativo. Sentiu o focinho da sua pequena companhia conquistada a
custa de muita ração e lhe sussurrou qualquer coisa impossível de se ouvir.
IV
Sabia pouco do Rio postal e escolhera aquele dia para esse encontro.
Vivia no rio do quarto. Num represar de águas paradas que nunca se
arriscam. Água que fede a profundidade imóvel do seu represar. Líquido que
vai criando barro, lodo, esperas. A ameaça das vidraças, quando fatalmente
se ofereciam, fazia com que ele, às vezes, se recolhesse numa praia de
poucos, que visitava apenas nas noites em que o escuro lhe ardia no peito.
Era estranho. Andava sempre como se soubesse aonde quisesse ir. Por isso
não lhe falavam, não lhe paravam, não lhe bebiam. Da vida, colecionava
miudezas. Tinha tudo: de selos a conchas sem cor. De maços de cigarro a
tampinhas de cerveja. Era engraçado, embora não soubesse disso. Viveu ali
como um homem a existir no paraíso sem se dar por isso. A noite ligava para
números que não conhecia. Na sua coleção tinha inúmeros comprimidos que
sorteava ao léu dos minutos, como afronta para um verso medido ou uma
coragem furtiva a desviar suas insônias.
Até ligavam, mas ele dispensava conversas. Foi vivendo para
dentro, como certas flores do campo que quando tocadas se fecham num
gozo só delas. Teve sim as mulheres que quis, deitadas na posição que
fosse e também os homens que lhe fizeram gozar como deus. Mas do desejo
guardara apenas os momentos de ânsia para lembranças ao ocaso. Depois
da epiderme do corpo, ninguém atiça a alma. Ela sempre fica regando um
coração aflito que pede para sentir. Até descobriu os cigarros, e tinha dessa
73
companhia nas horas da aflição nossa de cada dia, nos anos que foram se
acumulando, na barba que engrossou na moldura da face, nos aniversários
que mentia para esquecer. Era um homem comum: belo se saísse. Amante
se ficasse. Mas não forjava itinerários. Foi perdendo o viço da descoberta. Foi
matando a cidade junto com a multidão que lhe furtou o sabor de festa. Era
apenas ele: um homem que lia diários antigos e já não escrevia nada, nem
poemas. Jogava bilhetes minúsculos nos dias de chuva, mas ninguém lia.
Ninguém se molha num dia desses, nem em qualquer outro.
V
Depois de passar o olho por cada pedaço daquele arranha-céu,
trancou a porta e saiu para o encontro. Tinha óculos escuros. Medo de se
afogar nos olhos de um qualquer. Foi andando pelo calçadão que abrigava
uma pequena multidão. A primeira vez que viu o Rio no poro úmido de suas
praias teve certeza que viveria ali, rodeado de poemas em cada esquina.
Os sinais, a brisa, os corpos de areia. Tinha vindo de Minas justamente por
isso. Pelo e para o mar. Minas sempre cercada por montanhas, aprisionava
todas as vontades em colinas que não se desprendiam nunca. E como se
não bastasse, ouvia vozes ou maresias que lhe sopravam convites ao ouvido.
Impossível se reter dentro de si. Tinha uma ânsia tão grande pelo oceano
que ultrapassou as extensas colinas e um dia foi com malas e coleções a
completar. Conhecia só os rios do sertão veredas, e jamais imaginou que
todos eles juntos formavam aquela imensidão absurda de água farta.
De Minas, trouxe sua coleção de pedras que ganhava preciosidade
no intento dele. Duas garrafas grandes de bolinhas de gude que reluziam
o viço da infância e outros laços. E tantas outras coleções pequenas, de
folhas, de figurinhas coladas no álbum das gomas de mascar, de retratos do
chocolate, caixas vazias, lápis de cor, linhas, folhas coladas no caderno de
desenho, insetos presos no isopor da escola. Uma coleção de grãos. Tanta
coisa pequena que cresceu o homem, mas ficou o menino.
Depois de ceder ao desejo de sentir o mar por perto, começou a ouvir
aquilo que era só um sopro de voz como um pedido aceso. Um grito sufocado
saindo de um lugar que ele não premeditava. A ânsia maior em colecionar
pequenitudes não cedeu àquele ensejo de outrora. O mar lhe causou medo.
Quase nem pegava conchas. Viveu ali perto, mas nunca conseguiu provar do
sal que ameaçava seu sono. E quando os compromissos do homem apertavam
o menino que dormia nele, passava horas rememorando cadernos antigos,
tentando acender a coleção de caixas de fósforos em forma de dominó. Foi
criando barba grossa e como se surpreendeu com um mundo crescido, não
expunha vontades. Vivia como tinha de ser. Dizia o que precisava assinar.
Beijava o que se mostrava urgente. Um homem como tantos, aterrorizado
pelo mar que não descansa e sobretudo sozinho nos momentos de “precisoestar”. O mar. Se soubesse que ao redor dele, as pessoas já estavam tão
74
crescidas, talvez não tivesse vindo.
Vencendo as lembranças que vinham dispostas como num álbum
certificou-se de ter deixado tudo certo. Já havia acertado as contas do
aluguel e condomínio. Pediu o corte de luz que provavelmente aconteceria
na segunda. O bichano tinha ficado incomodado com a caixa de madeira que
tinha comprado e na qual o havia trancado. Mas seria por pouco tempo. A
velhinha do andar de baixo sempre o chamava nas noites de mormaço, só
para lhe tratar e sentir um pouco dos miados. O preço da solidão. Ficaria feliz
inclusive com o bilhete pregado na caixa: “Não solto pêlos no colo, mas deixo
um calor de filho.” Irrecusável. Ficaria bem.
VI
Naquela noite, o mar bravo prateava sem fôlego náufragos da lua
que suspira. Gemia prazeres de amante que por muito tempo não se ouvia.
Ele lembrou ainda que seu desejo mirrou no mesmo instante que
se sentiu um deserto úmido, ainda que tão próximo ao mar. Mas viveu ali.
Dormindo perto dele, mas conservando distância. Água ou areia: o silêncio é
sempre o mesmo. As mesmas vozes soprando no seu ouvindo coisas que ele
ainda não entendia, e só agora pareciam clarear nos rastros que não deixava.
Ele ficou dando voltas no calçadão até tudo se esvaziar. Enumerou as luzes
que se acendiam nos edifícios e se sentou próximo a areia.
Ficou ali, parado, como somente os homens sozinhos ficam. Pela
primeira vez sentia o corpo do mar tão perto. Andara tanto que ficou com as
pernas cansadas e com as horas gastas. Falta pouco para meia noite. Na
rua, somente aqueles que vagam, aqueles que não esperam tanto. Quase
ninguém. Sentiu um aperto no peito. Lembrou-se de Minas. Do gato. Da
infância nos olhos. Sempre fora um homem em superfície. Nunca tivera a
coragem humana de se entregar a nada, nem ao mar que lhe era tão íntimo
e tão distante.
E foi andando. Pela primeira vez não sentia a areia como estrangeira.
Não tirou também a roupa nem os sapatos. Foi andando em linha reta. Uma
friagem igual a que sentia no começo dos invernos que passava no interior.
Tinha uma excitação de homem-deus. Não compreendia ainda as vozes, mas
agora sentia que estavam mais perto.
Aos poucos ia esquecendo das cartas que não escreveu, dos
telefonemas que discou apenas nas insônias de geladeira. Do sorriso que
nunca fora seu companheiro, do álcool que nunca fez parte do seu carnaval.
Lembrou da casa arrumada como se esperasse por alguém. As coleções
espalhadas, cores, papéis, cartolinas, vidrilhos, peças de um quebra-cabeça
sem encaixe. As miudezas dele espalhadas num formato de parque, num
esboço de jardim, infância ou sentimentos adulterados. Recordações dos
75
copos sempre vazios, das paisagens que agora dormiam na distância da
natureza em sono, da fresta da janela por onde imaginava grandezas e que
já não existia.
Sentiu então o mar por entre as pernas. Ninguém ali. Sozinho
sempre fora a sua maneira de estar junto. No ouvido: um sopro de última luz.
Centelha de quem nina para dormir também. E chorou o amor que não fez,
os vinhos que nunca abriu, os presentes que nunca enviou, os anúncios que
colocava no jornal e não recebia respostas, o cinema que deixava antes do
filme acabar para que não o surpreendessem emocionado ou em estado de
paixão.
Minas tinha o seu jeito. O Rio era o desejo de ser. E no meio, o
mar que ia lhe cobrindo o pescoço. (Solidão não precisa de luminosidade. O
escuro basta para sua ardência).
Ainda olhou para trás, mirando Cristo no alto do morro. Tinha
ciúmes daqueles braços sempre abertos. Queria que os fechasse sobre ele.
Sentimentos que não se juntam e morrem antes de nós. Quis gritar alguma
coisa, mas as águas abafaram seus ditos. Não tinha motivos para grandes
feitos e nem para continuar sendo.
E continuou andando, num filme rápido e contínuo que o fazia
lembrar das miudezas do dentro e sumindo junto ao domingo que se
inundava. Sentindo o mar pelo corpo todo. E uma voz salgada que longe das
montanhas entoava um acalanto antigo. Lembranças daquelas coleções de
criança pequena que a gente nunca completa. A não ser quando dorme.
VII
Todo mundo fala da beleza do mar, mas a maioria nunca ultrapassou
os limites da areia.
Como contista, participou de antologias e coletâneas em vários Estados do Brasil.
Em 2009, recebeu o prêmio Josué Guimarães de Literatura na 13ª Jornada Nacional Literária. Tal
premiação proporcionou a difusão do seu trabalho na Espanha.
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UM QUASE SOLITÁRIO
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Gustavo Cardoso
Paranavaí - PR
Lobo Solitário era como o chamavam, um velho senhor,
indigente, que vivia cantarolando Bezerra, com seus óculos escuros que
deviam pertencer a outro século. As marcas do tempo já tomavam sua face e
tudo o que havia sido lindo e jovial se tornara passado.
Uma boina branca, surrada do tempo, fazia um perfeito contraste
com aquela pele morena e um sorriso cheio de dentes brancos como neve
que o tempo inexplicavelmente manteve.
“Banco sete” era sua morada. De pedra pálida, doado por um
vereador qualquer, repleto de propagandas e escrito em giz de cera azul:
“OCUPADO”. Sei disso porque ficava bem em frente a um ponto de ônibus,
ponto esse que me levava a fábrica todas as manhãs.
Sua bengala o apoiava e guiava pelo mundo, o “escoro de
Deus”, dizia ele. Também levava consigo um ramalhete de rosas que já
aparentavam estar sem vida há anos, mas que aos seus olhos ainda tinham
o vigor vermelho e aveludado de cada pétala daquelas que antes eram rosas.
O tempo nunca tinha me permitido saber mais daquela figura
marcante, confesso que o medo também, não o medo físico, mas o medo
psicológico. Não ser recebido com muito louvor era normal, talvez por saber
que tem poucos amigos, pelo menos nenhum que por ali se conhecesse na
verdade.
Vivia no seu eu particular, só e sem motivo para continuar
pertencendo a tal mundo.
Não estava passando por uma das minhas melhores fases
da vida, serviço cada vez mais puxado, mulher reclamando da família, das
contas, dos filhos, do sexo. E eu novamente arrastando perna sobre perna,
me aconchegando com aquela consciência pesada, corpo cansado e cabeça
a mil, andando pelas ruas até o “ponto” cotidiano.
Nem tinha me banhado. Na verdade, as brigas matinais não me
deixavam nem tomar do café preto sem açúcar.
Novamente ele me esperava, desta vez deitado com um jornal
sobre a face, cobrindo o Sol. Cantarolava, hoje, “Ébrio”. Uma voz grave podia
ser ouvida ao longe, na sua “autoviagem” pessoal e musical.
Fiquei de costas para o banco, fingindo não notá-lo, até que a
música foi trocada pelo ritmo assoviado da mesma.
- Conhece esta?
- Não sabia que um indigente conhecia Vicente Celestino.
- Não sabia que ninguém mais na cidade soubesse. Você me
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surpreende rapaz.
Tentei em vão não dar mais “confiança” para o pobre senhor.
- Onde está teu perfume marcante?
- ...
- És de poucas palavras então?
– Falas comigo, senhor?
– Senhor não, meu rapaz, tu sabes meu nome.
– Sei? Haha... Desculpe senhor, mas acho que esta confundindo
as...
– Não se faça de desentendido! Já me vê a tantos anos e não
me reconhece, jovem Francisco?
Estranhamente, ele me chama pelo nome. É verdade que
passava por ali há muito tempo, mas nem ao menos um cumprimento eu lhe
tinha dado.
– Tudo bem, meu senhor, já tenho que ir. O ônibus...
– Mas que falta de educação, nem ao menos vai me contar
sobre a Clara?
– Quem é o senhor? Chega de brincadeiras!
– Prazer, “xará”! Chamo-me Francisco.
Aquele sorriso não me era estranho. Era tão puro, tão cheio de
energia, diferente do que aquele velho ser demonstrava.
– Prazer. Mas... Como sabe meu nome? E de minha mulher?
Com um aperto firme o cumprimentei.
– Clara reclamou esses dias de ti, nesse mesmo ponto. Não
“dás na telha” mais então? HAHAHA...
Uma gargalhada longa me fez ferver os nervos. Quis arrancar
aqueles óculos e mandar aquela criatura de volta pra onde nunca esteve.
– Faça-me o favor, não estou numa boa semana, meu senhor.
– Perdão. Mil perdões! Só queria amenizar nossa situação com
uma brincadeira: Mas venha cá, sente-se aqui comigo - Sentando na pontinha
do banco e batendo com a palma da mão no acento - ato esse que me fez
pensar duas vezes antes de sentar, mas meu corpo cansado achou que duas
vezes não era o bastante.
Sentei meio sem jeito, tentando cortar o assunto por ali, mais foi
em vão.
- Tens fome?
Colocando a mão dentro do casaquinho leve, tirou um pedaço
seco de algo não identificado do fundo do bolso. Apontou para mim como se
fosse um pão de ló.
- Obrigado. Bom apetite! – Disse ao velho.
- E então, porque desse rosto tão cansado?
- A vida pra mim não se resume a pedir dinheiro e comida pelos
cantos. Muito menos a morar sem pagar aluguel ou leite para os filhos.
78
- Ei ei ei eiii... Calma lá, meu rapaz, não é bem assim que as
coisas funcionam por aqui.
Seu olhar ia além de minha face, olhava o nada. Sua boca
resmungava com o vento.
- Então os problemas só crescem?
- É, seo Francisco. Não é nada fácil. Perdoe-me! Não quis
ofendê-lo. Mas... Ah! Deixa pra lá, vai...
- Tudo bem, tudo bem! Mas venha cá, me responda uma coisa:
Já amou alguém de verdade?
- Como, seo Francisco?
– Amar, ué. Já amou alguém de verdade, jovem Francisco?
Tão estranho conversar com um xará. Ele fala seu nome e você
fala “teu” nome chamando por “ele”. Estranho também foi como chegou a
este assunto tão íntimo.
Parece loucura eu falar isso com um estranho. Se eu puxasse o
fio da meada, ele faria daquele banco seu divã e seria meu psicólogo diário.
Respirei fundo e me preparei agora para mais um daqueles
enormes monólogos de indigentes que te contam histórias de vidas durante
horas e horas.
- Claro! Minha mulher!
- Amor mesmo? De chorar, esperar toda a vida e viver num
êxtase eterno?
- Acredito que sim. Por quê? O senhor já?
- Mas é claro! A mais linda mulher de todo esse Paraná.
Lindamente estonteante, me fez viajar dentro de “minh’alma”, viver meu
nirvana pessoal, me fez amar, me fez acordar cedo e fazer café da manhã,
namorar, fazer o melhor sexo da minha vida, dar o melhor beijo de toda a
existência, me fez feliz, foi feliz, me ajudou, me apoiou, jurou amor eterno e
nunca mais voltou.
- Como? Nunca mais voltou? Como assim?
- Ela me abandonou, pobre rapaz. Simplesmente foi até o
armazém da esquina e sumiu para nunca mais voltar.
- Sem explicação?
- Em termos. Somente me deixou isto.
Mostrando um papel, que devia pertencer aos dez mandamentos
de tão velho que se encontrava. Letrinhas redondinhas e garrafais que, de
lápis, quase não podiam ser distinguidas.
- Lê pra mim?
Tirando os óculos, ele mostrou os lindos olhos brancos que tinha.
Olhos que enxergavam além da realidade, que me olhavam interiormente.
Senti-me nu naquele momento. Não nu em vestimentas, nu em carne,
totalmente desprotegido daqueles olhos que enxergavam mais do que a
verdade. Enxergavam por detrás de todas as armaduras e máscaras que eu
79
usava para a sociedade. Ele via meu eu que por certas vezes nem eu mesmo
conseguia distinguir ao certo o que era.
Fiquei um tempo olhando atentamente aquelas obras de arte
que um deslize do mundo criou.
- Meu Filho, vai judiar do pobre ceguinho? Hahaha!
Um riso doce soou. Senti-me em paz, tomei o papelzinho e li
pausadamente cada linha daquela poesia.
“TU ÉS O MEU HOMEM,
AQUELE QUEM MEU FILHO CHAMARÁ DE PAI,
AQUELE QUE ME FARÁ ACORDAR DE MADRUGADA
SÓ PRA BEIJAR E DIZER QUE ME AMA,
AQUELE QUE POVOA MEUS SONHOS,
AQUELE QUE NUNCA ESQUECEREI
AQUELE QUE PARA SEMPRE SERÁ MEU AMOR,
MEU DONO, MEU HOMEM, MEU REI.”
As lágrimas não foram contidas. Ele virou o rosto em vão,
tentando não demonstrar a tristeza, limpou o rosto rapidamente e tentou
explicar, meio sem jeito.
- Bonito, né? Nem ao menos colégio ela tinha nessa época.
Pagou a uma daquelas moças que ficam escrevendo cartas nas estações de
trem, lá de São Paulo, quando passávamos por lá.
- Mas por que se foi?
- É uma longa história... Teu ônibus já chega, nem vale a pena
perder teu tempo comigo.
Senti-me tocado. Entreguei o papel para aquele velho senhor e
vi que, na total realidade, ele queria apenas ser amado, queria apenas ser
visto na sociedade com seus “gostos diferentes” que estranhamente eram
muito iguais aos meus. Seu jeitinho especial de falar e a maneira, no mínimo
estranha, da situação que me conquistaram não pareciam pertencer a este
mundo.
Tinha prometido não puxar o fio da meada, mas no momento já
não era possível voltar atrás.
- Mas então, seu Francisco, por que não a procura?
- Oh, meu filho, eu a tenho esperado todo esse tempo.
- Esperar? Mas o senhor é cego! Nunca vai achá-la aqui, sentado
esperando.
- Seu cheiro é inconfundível, seu toque, seu beijo. Eu nunca a
esqueceria! Aqui eu a deixei partir e aqui ei de encontrá-la. Meu sonho é esse,
encontrá-la! E suas flores eu hei de dar, por isso as carrego por tanto tempo.
- Sonhos? Não me iludo com o ilusório.
- Não é ilusão, meu filho. Nunca é ilusão.
O ônibus atrasado me deixava ansioso. O medo de perder
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aquela conversa gostosa e a vontade de logo sair dali me dividiam.
- Vou te ensinar uma coisa. Existem dois tipos de escolhas que
fazem nos seguir em frente: os sonhos e os desejos.
- Os desejos, meu filho, são as vontades inesperadas de querer
algo, conquistar algo, viver, correr atrás, lutar, beijar a mulher amada, tomar
um sorvete, comprar um carro novo. Mas o desejo é passageiro. Depois de
um tempo ele some, passa, muda para outro desejo, é esquecido.
- Já o sonho, o sonho já não é tão simples. O sonho é algo
que vem de dentro, é algo que você carrega consigo desde pequeno, é algo
eterno, é algo supremo. É uma coisa que nos faz pensar em como a vida
deve ser, é algo que realmente queremos, uma esperança eterna. E o mais
importante: É algo que se realmente quisermos vai acontecer.
- Mas a vida não é uma trajetória perfeita, seu Francisco.
- Sim, eu sei! Por isso que eu amo dormir.
O ônibus desponta na esquina e corre ao meu encontro. E eu
agora me deparo com um velho falando asneiras depois de um poema tão
lindo. “Amo dormir“? Tentei, juro, tentei achar sentido naquilo.
- Dormir, seu Francisco? Como assim, dormir?
- É, meu filho! Dormir! Não entende, né?
- Não, seu Francisco!
- Pobre rapaz! AMO DORMIR MESMO!!!
- Porque ao dormir eu sonho! E ao sonhar eu vejo novamente,
luz, cores, brilho, vida e paixão. Minha paixão, vejo seu rosto, sua face e
novamente a felicidade me toma os lábios. Esqueço da tristeza e da fome.
Só sua energia e amor me alimenta e me faz bem. Viro você, meu querido,
um menino com seus vinte e tantos anos, com energia pra dar e vender. Sou
outro! AMO, VIVO e LUTO! Sou meu verdadeiro eu, o sangue volta a ferver.
Desejo-a em meu sonho, aquele meu anjo que me perdura vivo.
O chão sumira dos meus pés. Impressionante como um homem
sem nada tinha mais esperanças e vontades de viver por conta de um amor
quase que platônico. Amor esse que eu mesmo tinha ali em minhas mãos,
uma família perfeita e uma vida maravilhosa. Justamente tudo o que aquele
homem mais sonhava.
- VIVA, meu filho! Abrace tua mulher como se fosse a ultima
mulher do mundo, ame cada filho como se fosse único. Beije como se fosse
o ultimo beijo e olhe bem no fundo dos olhos dela como se fosse a última vez
que a visse.
Ele segurou com ambas as mãos meu rosto e me invadiu com
seus olhos celestes.
- E a ame! Ame incondicionalmente e imensuravelmente, sem
se doer nem pensar duas vezes. Amanhã você pode estar aqui no meu lugar
e se arrepender. Diferente de mim que fiz tudo o que desejei toda minha vida.
Mecanicamente, levantei o braço fazendo uma freada brusca
ser escutada ao longe.
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Subi as escadas sem dar sequer uma palavra.
Tudo era muito forte pra minha cabeça que estava em turbilhão.
Sentei na primeira poltrona que vi, e observei-o atentamente,
atento a cada movimento seu. Olhando-o acenando levemente com a mão e
um sorriso leve no rosto como dizendo um adeus.
Nunca mais o vi depois daquele dia.
Hoje não sei se encontrou sua amada...Se morreu de fome, ou
de frio...Se fugiu para um lugar qualquer...Mas o mais impressionante não é
isso...O mais impressionante é saber que já sem família, sem morada, ele
ainda tinha muita história pra contar, pra viver e, mais ainda, pra ensinar.
Estranho. Amar sem ver, sem sentir, sem tocar. Um amor ilusório.
Mais estranho ainda é escrever isso aqui, sentado novamente
no meu banquinho de pedra pálida do vereador, repleto de propagandas que
eu mesmo assinei como “ocupado”, e me enganar nessa alusão a realidade.
Estranho ainda é falar de si próprio em terceira pessoa. Criar o
ilusório.
Formar aos outros a ideia de que não estou sozinho, quando,
na verdade, minha única companhia é meu alter ego, de vinte anos, jovial,
cheio de vida, que esporadicamente deixo dar o ar da graça e vir me visitar.
Alter ego esse que busca o futuro e está sempre na luta por si e sua família.
Família que ainda hei de ter.
Muitos falam que falo sozinho, mas não é sozinho. Falo comigo
mesmo. Falo com minha essência.
No mais infinito pesar de uma alma cristã que se acha normal e
não acredita em amigos imaginários.
Agente de viagens da cidade, acadêmico do curso de Matemática da FAFIPA e coralista do Coral
Viva Voz de Paranavaí.
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FLORAÇÃO DAS GABIROBAS
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J. H. Henriques
Uberaba - MG
Depois que foi desenganado pelo doutor Randolfo, meu pai tornouse uma sagração de cuidados diante dos meus olhos. Fosse assim, que me
dissera, a manhã estivada com suas bordas de sol e um quebrado de sombra
que já descia sobre as paineiras e algum angico, o toldado de toda carga de
canarinho-da-terra, o mais dourado que há, falou.
- Vou tirar o carapiá para fazer remédio. Ainda dele se acha em
atitude de fartura e quantia nas subidas do cerrado. Com o embornal meado,
volto ligeiro e almoçamos na hora certa!
Era de sua mania o sair da cama muito cedo e ficar por ali, a
assuntar o nascer do Sol, a cantiga dobrada de tudo quanto é passupreto
desse mundo nas folhas desenhadas de moita de bambu. Desenganado pelo
doutor, o que dissera, o coração não tinha mais a mesma competência dos
tempos de antigamente. Meu pai com seus hábitos velhos, desde que eu me
entendia por gente, saía da cama e se banhava em água fria, depois saía à
varanda pequena da casa e admirava-se da natureza em iluminação pelo Sol
que saía, os cabelos grisalhos e espetados a pingar água do banho recente.
Acendia um pito de palha e mirava as alturas. Coisa antiga dele, ser assim,
afora a necessidade de fazer o pó do carapiá para aliviar essas criaturas
sofridas que acham de ter mazela alguma no nariz e em partes próximas
dele. Dizer a verdade sobre o caso, eu sofria com a maneira de olhar a sua
figura ali, tão levantado de vida e desenganado por conta de um coração que
não podia mais velejar como nos tempos em que mostrava tutano e nada de
errado com seus passos.
Naquela manhã, com o enxadão nas costas, um facão na mão livre,
tinha me avisado que ia buscar a raiz, a erva que era milagrosa para essas
gargalheiras, conforme era a crença funda e evidenciada nos resultados que
obtinha. Distribuía aquilo a quem queria. Era das suas manias, meu pai era
um homem quase planejado em tudo que fazia nessa vida. Por conta de
querer poupar dele o esforço e as energias, temeroso de que houvesse de
sua parte um perigo qualquer, eu mesmo fui junto dele, apartei a palavra mais
sensata para dizer.
- Sô Geraldo, que vou com o senhor. Somente um tempo para que
calce as botinas e já saímos ao carapiá!
Falei pouco que era para ele não se sentir melindrado com a minha
policiada referência, os cuidados. Podia desconfiar que eu temia que lhe
ocorresse um mal qualquer ali pelos meios dos cerrados e isso traria a ele um
certo desconforto e estado beligerante. Sempre que me dirigia a ele, fosse da
minha forma mais respeitosa, nunca o dizia pelo nome de pai. Dizia sempre
83
sô Geraldo, entretanto, sem que isso abrisse um demérito ou falta de respeito
para com sua presença. A dizer mesmo a verdade, eu também era Geraldo
e meu filho era Geraldo Neto e meu bisavô, finado, fora José Geraldo. Tudo
devesse ser em honra e memória do Santo, o mais bonito em estampas de
parede, dessas que trazem o rosto escorreito e um ramo de flores brancas
atravessado ao peito. Santo bonito assim é até muito difícil se imaginar, a
não ser dentro da luz grande que brilha em Fátima, aí sim, de se comparar.
Ocorre que para a Santa traduzir essa imensidão de ternura é muito mais fácil
do que para um Santo se bater com as mesmas virtudes.
Sô Geraldo respondeu imediato.
- Não carece não!
Ora, era mesmo a resposta que podia ser esperada. Porém, eu já
estava com uma botina no pé e outra na mão; tinham dormido as minhas
botinas debaixo do banco da varanda, de tal sorte que eu batia com ela
emborcada contra o braço mais forte do madeiro, prevenia que alguma
lacraia tivesse se enfiado nela para passar a noite mais quente, sendo assim,
se estivesse ali, ia me ferrar o dedo e depois adeus marcha em rumo dos
cerrados.
- Sô Geraldo, acontece que eu quero ir!
Aí, diante desse argumento, ele se calou e apanhei de seu ombro o
enxadão e deixei com ele o facão de cabo de osso, era uma forma de fazêlo entender que antes com o facão do que com o enxadão, as diferenças de
suor despendido entre um e outro costumam ser grandes demais. Se agisse
assim, não ia ferir seus brios. Não ia mexer com sua sensibilidade. Meu
temor maior era que se ofendesse diante da inutilidade que poderia traduzir
os excessos. Melindrar sô Geraldo ia me fazer mais inútil e culposo do que
ele mesmo seria.
A hora já ia toda iluminada porque passava das seis da manhã.
Ainda me ocorreu que devesse beber mais um gole de café antes de sair
pela estrada arriba, que era meu ofício fazer o café e preparar as merendas,
sempre foi assim e nunca destoava tal rotina. Depois que enfiara a segunda
botina conferida e sem lacraias, busquei duas canecas de café sem açúcar
e bebemos daquilo, quase que em silêncio, a não ser pelo momento em que
contei uma anedota curta para que ele risse. Diante do efeito bom dos ditos,
observara depois que umas nuvens se formavam para o Norte, sinal de que
mais tarde ia chover e ninguém poderia mudar tal rumo das coisas. Entrei
para deixar sobre a mesa as canecas usadas e a voz dele anunciou.
- Geraldinho, deixa de empatar mais meu tempo!
Eu tinha que enfrentar a situação porque entendia que a paciência
dele era meio parca em casos assim. Era o mês de outubro e o verde já
tomava conta de tudo, apesar das chuvas ainda estarem minguadas e a seca
anterior ter sido muito braba. Ali o lugar era chamado de Mandioca, mesmo a
nossa gleba, pequena, porém sadia, também era a Mandioca. E o corgo que
descia nos fundos era conhecido como corgo da Mandioca. Isso facilitava
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demais a compreensão das coisas, não era preciso forçar a cabeça para
entender que tudo era muito simples e munido de singelezas. Escutei a voz
do Geraldo Neto lá no curral, estava a ordenhar uma meia dúzia de vacas
para o leite do gasto da casa. Geraldo Neto tinha alguma necessidade de
mais trabalho. Tinha dezoito anos de idade e sonhava em montar seu próprio
destino. Nada errado. Tudo muito conforme com o progresso honesto que
se quer. Deixar de empatar mais o tempo dele, de Sô Geraldo. Por isso,
saí ligeiro e ganhamos a estrada arriba, uma vertente que uma vez vencida,
deixava para trás as guarirobas e os baguaçus, uma faixa mais além de
macaúbas e depois a borda do cerrado. A Mandioca era cerrado quase que
só, a não ser pelas vargens de beirada de corgo, ali era potente o capimmeloso e a preservação de todas as lindezas do lugar.
Outubro é danado de fatal para passar susto em quem está sem
abrigo, longe de um telhado. Quando menos se espera, vem uma pancada
de chuva, a manga desce azulada e tempera a terra sem dó. Tem os dias,
mantém-se até por dia inteiro, não dá trégua alguma e o corgo ameaça se
encher lá embaixo, carrega gravetos dentro da sua potencialidade de meiaenchente. Todavia, aquele era dia muito espetacular. A luz era soberba,
massacrante até. As nuvens acolá, as que ameaçavam e era sabido que
depois do meio dia ia chover, não traziam nenhum artefato de medo. Era
preciso buscar o carapiá. Era preciso cuidar de sô Geraldo, era preciso olhar
para mim mesmo porque, deveras, sô Geraldo era uma jóia preciosa dentro de
nosso mundo de compreensão. Cuidando de um dava cuidados aos demais.
Hora mais alevantada do chão. Um sangue-de-boi surgiu ali adiante, quando
principiamos a subir a vertente em rumo do cerrado. Pousado na cerca de
arame farpado. Pode ser que o mundo inteiro desconheça um passarinho
mais bonito que aquele. De um rubro quase impossível de ser copiado,
coisa mais delicada e que furava as vistas da gente com vontade de dar
um beijo numa mulher ilusória. Ora, era assim mesmo e eu não temia errar
diante desses fatos que são incontestáveis. O passarinho acompanhou-nos a
marcha, voando de ponto em ponto ao longo da cerca de arame. A femeazinha
dele era parda, amarelada, sem a desinência sanguínea e grandiosa do
macho. Ela ia ao largo da viagem, de pau-terra em pau-terra, a grandeza do
retrato que eu sabia de cor e sempre estaria presente em todas as nossas
divagações dentro da terra da Mandioca. Minha marcha arriba tinha que ser
mais folgada, mais leve. Não podia apertar o passo porque sô Geraldo não
conseguia acompanhar a pressa. Faltava-lhe o fôlego. Mesmo de vez em
quando, disfarçava o que sentia. Parava um pouco, punha as mãos a cintura
e olhava o telhado da casa lá embaixo, o fio de fumaça subindo da chaminé,
achava uma frase que devesse fazer efeito enquanto se recuperava.
- Geraldinho, o certo mais certo é que hoje vem chuva!
Eu percebia o que ele fazia. Sentava-me a um barranco e esperava
por ele. Esperava que se restabelecesse. Até vazar no rumo das bordas do
cerrado mais grosso, o esperado era que parasse umas três vezes mais. O
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sangue-de-boi se debandou e uma vaca mugiu conhecido.
- O berro da Estrela pode ser separado no meio de centenas de
vacas, não é assim, sô Geraldo?
- Ora, vaca é que nem mulher. Quando abre a boca para reclamar, a
gente já entende o recado do mal-servido!
Falou assim e dei uma risada larga por ter apreciado a maneira de
ele se conduzir. Enquanto estivesse com essas saídas cheias de anedota,
era sinal que a vida lhe assistia de maneira mais completa, sem arestas de
sofrimento. Estava outra vez pronto para continuar.
Foi naquele momento que escutei o tropel de um animal de sela. E
logo depois da primeira curva surgiu a cabeça de uma égua castanha, magra.
E montado nela, em pêlo, vinha o Lourival. O Lourival da Luzia. A égua era
baixota e ele somente não arrastava os calcanhares no chão porque era
também baixote se comparado com a montaria. Saudou-nos da maneira trivial
para aquelas horas e lugar. Então afastou a bunda meio de lado, retirava o
rego de sobre a espinha dura da égua. Repousava um pouco e tentava evitar
a sua mesma pisadura. A égua parada deu um bufado de repouso. Lourival
falou em assunto direto.
- Sô Geraldo, estou num defluxo que não acha meio de ter fim. O
senhor tem o pó de carapiá para me ceder? Tampado daqui até a nuca. Tudo
tampado e agora a cabeça me desanca a doer!
- Vamos tirar agora mesmo a matéria-prima para o remédio. Do meiodia para a tarde tu podes passar lá em casa e pegar a parte que te cabe pra
se aliviar da mazela. Vamos antes da chuva!
Eram o Lourival e a égua castanha baixota um esmeril que comeria
para sempre dentro da minha memória. As coisas simples, da forma como
elas são, a lividez que o tempo acaba por cortinar, como se esses brilhos não
surgissem apenas de um golpe de vida aflorada de outros dias, de outros
espíritos muito mais sábios do que simplesmente cabíveis na dimensão das imagens.
Depois das primeiras chuvas o tempo se firmou naquele tipo de
umidade elevada que se embala sempre do mês de novembro. Na Mandioca
tudo ficou verde. Tudo agia de conformidade com fartura. Sô Geraldo dava
de piorar um pouco do peito, regrava-se em fôlego mais curto e tinha que
sair de madrugada para o terreiro para garimpar mais ares puros; todo ar
para ele ficava minguado. Ainda assim, sentava-se à varanda pela manhã, os
cabelos espetados a pingar a água do banho recente. Fazia um fogo ao pito
de palha e esperava que eu lhe trouxesse uma caneca de café sem doce.
Geraldo Neto ordenhava as vacas de sempre, o berro da Estrela chamava
pelo bezerro e os passupretos recomeçavam a grande cantiga de alvorecer,
a orquestra não mudava a toada do bico, as flautas todas comendo soltas até
na hora do almoço. Mais tardar, almoço era às nove da manhã. Mais tardar.
Sô Geraldo gostava que fosse assim, não abusar das horas porque meio-dia
é hora de merenda e não mais hora de almoço. Essa rotina se estivava a
cada dia e nada destoava.
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Entretanto, numa daquelas matinadas comuns, saí da cama e ainda
eram meados de novembro que se aliciava, escutei o berro da Estrela e
Geraldo Neto zanzando no curral atrás de vacas e bezerros. Um vazado
azulado de luz vinha da outra banda de lá, ao sul de horizontes. Era sinal
de que em um quarto de tempo a manhã estaria assuntando a grandeza
do dia. Fui a varanda e não encontrei sô Geraldo. Não estava lá, a pingar
água da cabeça molhada – nunca se enxugava com toalha depois que se
banhava. Pensei que devia estar dormindo até mais tarde naquele dia.
Enquanto isso, na rabinha de ferro a água fervia para o café. Eu tinha atiçado
a lenha e fagulhas zuniam quando um nó da madeira pegava a estalar. Era
barulho só de berro de bezerro. Naquele momento, um passupreto cantou
dobrado numa catana de baguaçu. Era o despertar das canções. Por isso,
fiquei atento ao estado das coisas. A luz jamais apanhava meu pai na cama,
mesmo que fosse eu dias de suas mais perrengues obstinações. Deu-me
um senso lamentado de desconfiança. Corri ao quarto dele porque temia
pelo mais grave. Estava desenganado pelo doutor. Minha surpresa e susto
porque ele não estava lá. As cobertas afastadas da dormida noturna e nem
sinal de sô Geraldo. Eu tinha largado o café ao coador e o cheiro já inundava
a casa. Seu prazer mais fundo era beber a primeira xícara de café do dia,
ali à varanda e a assuntar os motivos do tempo, se ia chover ou não, estas
coisas que podem ser deduzidas até mesmo de um vôo de tesourinha, esse
passarinho mais delicado que a conformidade de sua forma.
Apanhei a caneca e enchi de café, levei à varanda. Pensei comigo
mesmo. O cheiro há de ter atraído sô Geraldo, vou levar o café e a caneca
cheia vai topar com ele na varanda. Ledo engano. Aproveitando que estava
quente, eu mesmo bebi e cheguei a pensar que por algum motivo da
precariedade de nossos fossos e buracos no chão como privadas, sentindose desconfortável, poderia ter entrado num cabeço de mato ali por perto para
poder desovar o miolo das tripas. Esperei mais um quarto de tempo e a luz do
dia explodiu em mil cristais açucarados sobre a terra da Mandioca. E nada de
sô Geraldo aparecer. Fui à janela da sala e gritei com Geraldo Neto, se acaso
ele vira o seu avô por aí. Não. Não tinha visto. Perguntei.
- Nem mais cedo?
Não. Nem mais cedo. Então, com tanta luz e tanto estilhaço de
sol, comecei a deserdar meus domínios de calma. Sô Geraldo estava
desenganado. Sem ter outra coisa que fazer, resolvi bater em busca dele. Subi
a mesma estrada que nos levara um dia a busca do carapiá e ao encontro do
Lourival montado em sua égua baixota. Subi com fôlego curto porque tinha
pressa e temia demais encontrar uma coisa de retrato desagradável. Quando
me aproximei das bordas do cerrado mais fechado, os calhaus ditando chiado
sob as botinas e tanajuras saindo alto para a última revoada do ano, o dia
estava alto e o orvalho dava brilho de tinido às ervas mais baixas. Quando a
estrada se amiudou e que se fechou para formar o cerco de árvores, avistei
sô Geraldo lá adiante, de pé e a meditar sobre algo que não sabia eu o que
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fosse. Cheguei a pensar que pela primeira vez na vida eu veria sô Geraldo
chorando. Impressão efêmera, todavia. Aproximei-me dele depressa, percebi
que seu rosto estava seco, sem lágrimas, os cabelos espetados não estavam
molhados e seus modos estavam absorvidos por um mundo branco em torno.
Era evidente que tinha percebido meu desespero, meu jeito assustado e a
voz que transmutava todo o sentimento que me surgia no peito. Troquei o
nome dele. Falei.
- Pai... O que está havendo? Quer nos matar do coração?
Então ele olhou em torno e respondeu com a intenção mais simples
que poderia haver em um homem que está absorvido pelos elementos que
lhe são fundamentos de identidade e lembrança.
- Estou admirando a floração das gabirobas. Pode ser que no ano
que vem eu não possa fazer isso outra vez!
Olhei em torno e somente então vi o espetáculo mais bonito que já
pude contemplar em toda a minha vida. As gabirobeiras estavam floridas ao
grau mais apical do branco, em véu, todas cobertas e rastejadas no meio do
grosso do cerrado. O cheiro que vinha delas era de um teor abissal, doce e
ao mesmo tempo administrado por uma lavanda que pela primeira vez eu
aspirava com a ilusão de um mundo sem fim. Sobre as floradas, enxames de
abelhas, todas elas reunidas em conjunto de zumbido e a toada era zunzum
de uma dimensão de barítono que me trouxe a divagação da leveza e da mais
pura divindade que pode haver sobre essa terra. Meu pai naquele instante
tinha um cascalho fino de lágrima no canto do olho.
Como deveras seria o caso, no outro ano ele não veria a floração das
gabirobeiras. Desenganado, meu pai não foi além das marcas de março do
ano seguinte. Quando chegou o mês de novembro, eu subi a estrada muito
antes do Sol sair. Queria estar lá, no mesmo lugar, quando a infestação do
cheiro, do som e das cores estivesse em seu projeto máximo e cavalgada
de abelhas. Estava ali, plantado e a estudar a saudade que me vinha dele
– a cabeça a pingar água do banho recente e o estudo que fazia em torno
do carapiá e da saúde de quem requeria o pó -, quando surgiu Geraldo
Neto. Vinha apressado e com jeito de susto. Olhou-me com os olhos meio
esgazeados e ainda tinha baba de bezerro nas mãos.
- Pai, quer me matar do coração? Nem café o senhor fez hoje!
Respondi.
- Pode ser que no ano que vem eu não possa mais ver esses reflexos
do teu avô dentro do imenso fundo da superfície dessa terra!
E tinha um cascalho miúdo de lágrima no canto do meu olho. Eu
estava desenganado de tanto louvor, alvura e mel. O cerrado sozinho
executava todos os instrumentos de luxúria divina.
Médico. Mestre e Doutor pela USP. Publicou 29 livros, entre romance, novela, ensaio, poesia e
conto.
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ELA NÃO ERA MARIA-CHUTEIRA
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Cristina Leite Goetten
Paranavaí - PR
1
Jussara chegou trôpega, carregando nos braços a filha. Parecia
carregar junto com a criança os seus mal vividos dezenove anos. Flashes
espocavam na mente atordoada, lembrando o recente passado que a fizera
chegar até ali.
2
Queria encontrá-lo e mostrar a ele o serzinho inocente parido e por
ele tão desprezado. Pensava com seus botões: a bichinha é forte, sobreviveu.
Daqui para frente, num tapa só, vai ganhar a vida para ela e para mim.
O quartinho que pudera pagar era imundo. Uns lençóis cheirando a
sebo passado, em cor acastanhada, um tapetinho puído e poeirento no chão
avermelhado.
A jarra embaçada estava cheia de água. Água limpa, pelo menos. De
um gole só, bebeu um copo de plástico cheio e puxou o peito para fora para
amamentar a pequena, que de forte nada tinha. Franzina, carequinha, com
as unhas ainda compridas porque a vizinha lhe dissera que antes de batizar
a criança não se pode lhe cortar a unha; e um suspiro fraquinho que pouco
mexia o peito.
Mal dado o alimento, abriu a pequena sacola de cor verde encerado
que ganhara da ex-patroa e tirou uma roupinha nova, vermelha de bolinha
rosa, dura de goma de loja, ainda com a etiqueta pregada. Arrancou a
papeleta para não ferir a menina.
Foi a primeira vez que trocara a roupa do bebê durante a viagem de
ônibus da cidadezinha do interior até a capital, onde iria procurar o marmanjo
que uma vez se disse famoso cantor de um disputado boteco na Praia Negra.
Trocou apenas umas três fraldas descartáveis que comprou antes de sair na
rodoviária e deu de mamar para a ratinha, como a chamava, não chorar, pois
a única coisa que dizia não aguentar era criança chorando ou se esganiçando.
3
Conheceu-o na festa de peão boiadeiro de sua terrinha natal. Três
dormidas juntos, um cheiro de perfume de pinho silvestre que ela aspirava
feliz, barriga feita.
Avisado por telefone do grande feito, aquele a chamou de esperta e
mandou que sumisse para não sobrar sujeira por conta daquela m...
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E nestas alturas passou de cantor famoso para desempregado
fazedor de bico num bar de um português incompreensível que se pintasse
rolo não pagava nem o que já lhe devia. E se dizendo impotente frente a
situação, pediu que ela sumisse e o esquecesse.
4
Trocou a criança, botou roupa limpa. Deixou-a sozinha deitadinha na
cama e saiu para procurar um banheiro.
Achou no fundo do corredor uma porta cinza com a pintura descascada
escrito “Damas” e se sentindo uma, lavou as mãos e o rosto. Passou batom
cor de amora, penteou os cabelos negros, assentou duas fivelas douradas do
lado direito, tirou uns fios da sobrancelha, e se achou bonita para procurar
seu ganha-pão, ou seja, o pai da pequena infeliz que parecia não ter fôlego
nem para um chorar fininho.
5
- A hora que ele me vir não vai aguentar, - pensava feliz, sem enxergar
sua tez pálida e os olhos amarelecidos; apenas por relembrar os elogios feitos
ao pé do ouvido quando ele a conhecera.
Tirou da calça jeans um papelzinho amarfanhado escrito “Ponto da
Ponta da Praia”, na praia Negra, altura da Rua do Aldeão, que ele lhe dera
antes do acontecido, quando ainda não sabia da sua gravidez.
Já se imaginou chegando com a bebezinha e o Adolfo largando a
viola e correndo pela areia para abraçá-la, tirando seu batom com os lábios
grossos e fugindo com ela do malvado português para qualquer lugar onde
morariam juntos e ela nunca mais voltaria a lavar panela e banheiro para a
dona Inês da churrascaria. E ainda com direito a beijo na boca todo dia. “E
como ele beijava bem” - suspirava.
6
Afinal, ele tinha prometido tirá-la daquela vida. Foi quando faltou no
emprego os quatro dias em que ele ficou com ela na festança; e depois disse
a patroa que estava com gripe daquelas que pareciam uma gripe suína, pois
nem conseguia parar em pé de tanta febre que ardia o corpo por dentro e por
fora. A mulher, emburrada, nada respondera, mas lhe entregara satisfeita o
tanque cheio de roupa amontoada para lavar.
7
Jussara nem nome havia dado a menina que já contava com vinte
e sete dias. Era melhor ele escolher o nome logo, havia dito a sua colega
90
que trabalhava num pedágio de autoestrada. E a colega recomendou: - Bote
cuidado na viagem, se a polícia te pegar sem documentação leva vocês duas:
uma para cada lugar, você em cana e a outra para adoção - sentenciou.
E assim viajando no pensamento, resolveu ir até a porta da pensão e
perguntar para a senhora gorda e mal humorada do balcão, como fazer para
chegar até o tal bar.
A dona dos quartos, de olhar miúdo, sorriu com a boca torta e disse
que o lugar era um puteiro, que era de boa maneira ela se banhar e trocar
roupa por coisa mais apropriada. Senão nada ia arrumar por lá. E que levasse
a pequena bem escondida, pois se a polícia pegasse criança por lá levava as
duas: - uma para cada lugar: você para o DP e a outra direto para o Tutelar Aconselhou azeda.
8
Naquela hora, Jussara pediu uma toalha emprestada, que a velha
deu recomendando que depois trouxesse uma groja, sua forma de se referir
a gorjeta, e voltou para o banheirinho onde se lavou com o sabonete bege
rachado, secou e saiu saltitante, embrulhada na toalha pelo corredorzinho
estreito rumo ao quarto.
Revirou a sacola verde e pegou uma minissaia jeans que trouxera
emprestada da colega do pedágio, pois a sua não cabia na cintura, e uma
blusa vermelha de malha, decotada, e pôs-se a se enfeitar. Afinal, se lá era
puteiro, o Adolfo devia estar acostumado com mulher ajeitada, e ela não ia
querer fazer feio.
Achou o salto, enfiou no pé, e se deu por pronta.
9
Pegou a pequena de uma braçada só, no outro braço pendurou sua
velha bolsa preta de alça prateada e se foi. Não sentiu o coração da pequena,
nem olhou seu rostinho.
Entrou num coletivo meio vazio, por sorte, e se foi olhando prédios e
janelas, e se imaginando vivendo num daqueles apartamentos amontoados
um do lado do outro.
Mas poderia ser o seu lar, que era tudo e só o que queria. Sua casa,
seu amado e limpar seu próprio chão. Sorriu.
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Praia Negra - viu a placa e saiu em disparada, arfante, para a porta
da condução.
Desceu e não achou o bar. Foi, voltou, foi, voltou, alucinada pelas
luzes coloridas da rua e embevecida pelo som que vinha das barracas. A hora
que deu por si, a pequena não estava respirando. O corpinho, soltinho dentro
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do cobertor, não se mexia.
A cabeça começou a rodar, caiu batendo o corpo num banco de
cimento enquanto na mente espocavam flashes do Adolfo a enlaçando no
rodeio, do telefonema , do ônibus poeirento da viagem e da velha gorda.
De longe como um zunido, ouvia vozes dizendo mil bobagens: mal de
parto... infecção... pobre coitada... AIDS, enquanto a polícia levava as duas,
uma para cada lugar: ela, de maca para um pronto socorro, e a sua menina
sem nome, para o IML.
Cristina Leite Goetten é jornalista, poeta, declamadora, trovadora, cronista e contista. É
coordenadora do Movimento Poético Nacional (MPN), de Paranavaí.
Membro-fundadora e vice-presidente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Coordenadora
da Delegacia da União Brasileira de Trovadores (UBT), de Paranavaí, e coordenadora do Instituto
Brasileiro de Culturas Internacionais (InBrasCI), no Paraná. Tem obras publicadas em antologias,
no jornal A Voz da Poesia (SP) e Revista Bali (RJ).
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O DENTE E A FRUTA
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Marcelo Biar
Rio de Janeiro - RJ
Atordoado. Essa é a melhor palavra para definir seu estado ao chegar
naquela cidade. Não sabia mais, ao certo, quanto tempo fazia que partira
em disparada, em fuga de si mesmo. Apenas imagens de lembranças
desordenadas habitavam sua cabeça. Não havia nenhuma lógica cronológica
entre os fatos que assombravam sua memória. Drogas, bebidas e mulheres.
A dor moral que latejava tomava a vez da batida de seu coração, e era o
seu único sinal vital. E como doía. Seus sentidos confusos com a tormenta
cediam a pressa dos seus pés obedientes ao desespero. As cidades haviam
se acumulado sem que sua enxaqueca passasse. Sem que percebesse
nelas um porto para ao menos um descanso. As gentilezas o afugentavam
mais ainda. Certa vez, em uma cidade especialmente pacata, ele avistou
uma igreja. Ficava na parte mais alta do vilarejo que já amanhecia na lavoura.
Entrou constrangido e se limitou ao último banco por seis dias. Discreto,
sentava-se e observava tudo. As dores expostas nas paredes pareciam
confortá-lo. De início não sabia rezar. Com o tempo passou a fazê-lo. No
sétimo dia, ao chegar a igreja, se assustou com o alvoroço. Havia várias
pessoas lá dentro. Era domingo, e o povo foi a missa. Muito contrariado,
deu meia volta e ficou da esquina esperando sua vez. Quando todos saíram,
entrou e ocupou o seu lugar. O velho padre que já vinha observando-o se
aproximou e lhe fez perguntas triviais como seu nome e seu destino. Sem
muito sucesso, lhe perguntou onde estava hospedado. Seu aspecto andarilho
começava a lhe mudar a identidade. Seus cabelos carentes de corte, seu
corpo clamando por banho e sua roupa de bom tecido cedendo ao desbotar
do tempo, disfarçavam sua beleza original, assim como sua origem social.
Percebendo isso, o pároco ofereceu-lhe abrigo por uns dias. Foi o suficiente
para que ele se levantasse e partisse.
De outra feita, foi uma senhora quem o afugentou. Cabelos grisalhos
e pele esculpida pela dureza dos anos, ela abriu o portão e deu de cara com
ele sentado ao meio fio. Passou olhando-o discretamente. Seu vestido de
estampa barata que tanto se presta a ficar em casa como a sair a rua e seu
chinelo calejado pelo arrastar do chão garantiam seu aspecto inofensivo. Seu
retorno foi breve. Ela nunca ia muito longe. Da esquina da padaria até chegar
a casa, a velha senhora repousou seu olhar sobre ele mais detidamente. Ele,
é claro, percebeu. Chegando perto, passou direto para seu alívio, mas, antes
mesmo que relaxasse, com o portão ainda entreaberto, convidou-o para
entrar e dividir um prato de comida. Bastou para que se levantasse e partisse
apressado sem direção. Ele nunca aceitava nada. Não se sentia digno.
Seguindo sua desnorteada peregrinação, algum tempo depois, acabou
chegando aqui. Já na estrada de acesso, percebeu a beleza da região. O
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perfume das frutas plantadas dava uma sensação agradável de pomar. Por
tudo isso e pelo clima, devia ser no Sul. Entrando, na cidade propriamente
dita, observou a delicadeza de seus canteiros e a harmonia das casas que,
mesmo humildes, esbanjavam graça e singeleza. Apesar de tudo isso, se
tratava, apenas de mais uma cidade bonita até avistá-la. No centro da praça
com um lenço vermelho na cabeça, coroando seus cabelos louros, um vestido
branco de tecido rude caprichosamente bordado e bochechas coradas pelo
sol da manhã, lá estava ela. Andava de um lado para o outro com um cesto
na mão e um sorriso imaculado no rosto. Ele parou debaixo de uma árvore
que acreditava o camuflar e ficou vidrado assistindo aquele espetáculo da
alvorada. De repente, entre as idas, a moça tomou sua direção. Ele, que se
achava invisível ali, ficou paralisado. Quando chegou, esticou o cesto lhe
oferecendo algo. Eram pêssegos. Os mais belos que alguém já havia visto.
Tenros, macios, rosados. Ele, tomado por um desejo enorme, deu as costas
e partiu em passos apressados.
Os dias que se seguiram foram de repetida agonia. Logo cedo ele
despertava em um estábulo em que conseguiu autorização para dormir e ia
para o centro da cidade. Circulava impaciente até encontrar a vendedora de
pêssegos. Então passava a observá-la. Como um sol que sempre nasce, ela
sempre estava radiante. O cesto em suas mãos obrigava seu corpo a um
balé incomparável. A terra suspirava uma brisa movendo os arbustos que
tentavam imitar seus movimentos. Nada era mais lindo que ela. Nada era
mais puro. Contudo a contemplação acabava quando ela o avistava e lhe
oferecia a fruta. Indignado, ele sempre partia. Ele a queria demais. Mas não
podia.
Seus movimentos de busca e fuga, oferta e negação, sorriso e apreensão,
desejo e desejo, passaram a desenhar um inédito tango camponês. Mas o
tempo destinado a contemplação era encurtado, dia a dia. Ela, cada vez mais
rapidamente, seguia em sua direção, encurtando sua dança. Ele, sempre
ligeiro, partia em fuga, experimentando a autoridade sobre seus músculos
que ensaiavam se rebelar. Inconformada, ela passou a arriscar um diálogo.
Se aproveitando dos segundos catatônicos que sua beleza produzia nele
passou a “você quer? Por que não?” E essas frases passaram a ser o sinal
para sua partida. A essa altura, vencido pelos seus músculos involuntários,
ele já aguardava sua fala. Fugia, mas levava com ele não mais apenas a
imagem, mas a melodia que dela saía.
Os dias passaram a se resumir nesses segundos. Um enorme texto
de poucas palavras, muitas semanas e grandes anseios foi sendo composto.
“Você quer?”, ”Por que não?”, “Não tem dinheiro?”, “Mas estou te oferecendo!”,
“Prove!”, “Se não gostar não faz mal”, “Queria tanto que aceitasse”.
Percebendo que ele aguardava sua fala para, doendo, partir, numa manhã
falsamente igual as outras, ela tomou a fruta nas mãos e, ensaiando falar, mas
retardando o som, esticou seu braço, esbarrando suave e displicentemente
nele. Ah... sua pele rósea, a carne, a fruta, o sumo, o pêssego implorando os
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dentes... Enquanto ele se tornava cúmplice de seus músculos paralisados ela
murmurou “eu quero”.
Naquele dia ele se virou lentamente. Seus passos pianíssimos deslizaram
pelo tempo. Essa fuga lhe permitiu olhar para trás e assistir aos olhos dela a
lhe acompanhar. Andou o resto do dia sem sentir o cansaço ou a fome. Nada
mais era terreno. Até que entrou em seu alojamento e se deitou. O sono foi se
apoderando dele, embriagando os pensamentos que lhe possuíam. Naquela
noite, entretanto, não eram as lembranças do passado que o habitavam,
mas as sensações daquela tarde. Sem que percebesse, cedeu ao cansaço
e adormeceu de corpo e não de sentidos. O cheiro da fruta ocupou o lugar.
Um calor estranho às madrugadas sulistas, acolhedor, o possuiu. Sonhos
avessos pernoitaram junto a ele, ao som da melodia da voz dela.
Quando abriu os olhos, percebeu que era mais tarde do que de
costume. Seus músculos, completamente entregues, apresentavam uma
exaustão agradável. A manhã lhe alvorecia uma felicidade discreta. Como
ele não tinha lembranças, se espreguiçou longamente e, ao torcer seu corpo,
percebeu suas roupas empilhadas ao lado direito. Surpreso, interrompeu
seu espreguiçar e sentou-se subitamente. Foi quando, olhando para o outro
lado, bem próximo dele, avistou um pêssego mordido. O coração disparou. A
cabeça rodou ameaçando latejar, mas, estranhamente, nada mobilizava seus
músculos. Levantou-se no ritmo das dúvidas e foi até a praça onde sempre a
via. Chegando lá não a avistou. O nervosismo foi tomando conta da situação.
Uma voz interna de cobrança começou a ser ouvida. Foi quando, bem mais
tarde do que o habitual, ela apareceu. Trajava o vestido branco de sempre.
O lenço vermelho também estava lá. O sorriso é que para a surpresa dele
estava maior e mais bonito. Dessa vez não bailou pela praça. Tomou sua
direção e foi! Frente a frente, ele pôde sentir a alvorada ainda que ao meio
dia. Suspirei um alívio de vida inteira. Nos sentamos, fazendo de nossos
braços colados um só. Repousou sua cabeça em meu ombro e entreguei
a minha sobre a sua. Não ousamos uma palavra sequer. Ela me deu um
pêssego e tomou outro em suas mãos. Mordemos.
Compositor, escritor, doutorando em história e mestre em serviço social. Tem músicas gravadas
por Geraldo Azevedo, Claudio, Nucci, Clara Sandroni e Lô Borges. Já participou do Festival da
Música Brasileira, da Rede Globo, Prêmio Visa, Femup e festivais de Ilha Solteira, Alegre, Tatuí,
Moenda da Canção, Canto da Lagoa e Boa Esperança.
É autor do livro “Antônio Conselheiro – Nem Santo Nem Pecador” e já foi premiado em diversos
concursos literários.
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COMISSÃO JULGADORA
JUCA FERREIRA, músico integrante do Grupo Gralha Azul. Já foi
premiado em várias edições do FEMUP e de outros festivais pelo Brasil.
ARNALDO DOS SANTOS, bacharel em música. É professor de viola
e violão, regente dos grupos Som da Viola, Amor a Viola e Grupo de Viola
de Rondon. Trabalha tanto com a música popular quanto erudita e já gravou
muitos discos com artistas locais e da região.
CRISTIANO BRUN, músico integrante do Trio Sonoro e Banda Fator RM.
Professor de música (violão e guitarra). É acadêmico de Pedagogia da FAFIPA
e participou como guitarrista da Orquestra de Sopros Paranavaí (OSP).
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DE VOCÊ NÃO
ELES CONTROLAM VOCÊ
PÃO E CIRCO
BASTA IMAGINAR
DESEJO
O TEMPO
Dinair Leite e Sirlei Leonardo
Paranavaí – PR
Jhonatan Aguido
Paranavaí – PR
MAIS E MAIS
SEM DIREÇÃO
O DESTINO
CARA DE PAU
FONTE DE IMAGINAÇÃO
CANÇÃO AZUL
Viviane Justino
Paranavaí – PR
Solrac Metall
Paranavaí – PR
Nayara Faria Sbrussi
Paranavaí – PR
Daiane Vieira
Paranavaí – PR
Marcela Martins
Paranavaí – PR
Antonio Pantarotto
Paranavaí – PR
Qxinho
Paranavaí – PR
Sirlei Leonardo e Artur Bellanda
Paranavaí – PR
Juninho Alves
Paranavaí – PR
Tiago Oliveira
Nova Londrina – PR
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DE VOCÊ NÃO
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Viviane Justino
Paranavaí – PR
Já perdi a hora, já perdi o sono
Já me perdi lá fora
Como um cão sem dono
Já perdi as chaves do apartamento
Perdi o telefone e a hora pro casamento
Perdi o apetite, perdi meu documento
Já me deixei levar ao sabor do vento
Eu só não me perco de você
Eu só não me esqueço de você
Já perdi as estribeiras, perdi a cabeça
Me perdi na sexta-feira, só me encontrei na terça
Perdi o guarda-chuva e minha carteira
Já perdi a noção do tempo, já me perdi na feira
Já perdi o final do filme e a super promoção
O clímax da novela e o controle da televisão
Perdi a vergonha e dois quilos no verão
Perdi o ritmo e me perdi no tom
Já me perdi nas contas e no clima da estação
Me perdi em pensamentos em busca da solução
É assistente social. Amante da arte em suas variadas formas de expressão. Participou de
algumas edições do FEMUP e do FUM – Festival Universitário de Música.
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PÃO E CIRCO
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Nayara Faria Sbrussi
Paranavaí – PR
Dança menina
Uma doce bailarina
Não precisa mais chorar
Ela escondeu a minha dor
Você me faz tão bem,
Uma dose de endorfina
E eu sonho com um mundo
Que não existe mais
Dança
Dança pra mim
Quando ela dança não existe dor
Cria um mundo só de amor
Não é real, é fantasia
Dança
Dança pra mim
Tire suas sapatilhas e viva no mundo real
Seu mundo e suas mentiras me deixam bem
Me deixam bem
Dança
Tire suas sapatilhas e viva no mundo real
Seu mundo e suas mentiras me deixam bem
Me deixam bem
Me deixam bem
Tire suas sapatilhas eu quero ver que é real
Já chega de boas mentiras
Me cure no mundo real
Me cure no mundo real
Acadêmica do curso superior de música da Universidade Estadual de Maringá (UEM), toca
piano desde criança e atua em diversos corais de Maringá.
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DESEJO
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Dinair Leite e Sirlei Leonardo
Paranavaí – PR
Eu desejo viver um amor
De ferver sentimentos
Com calor sem medir os momentos a se dar
A premer
O meu corpo em seu corpo
E assim me prender
Me atar em você
Por um beijo de amor
Que importa minh’asas queimar
Pois só quero viver
Esse amor em meu corpo
E no seu eu sumir
Naufragar
Me perder em beijos de fogo
Em ternura de amor me achar
E vibrar no queimor dos seus braços em abraços lhe ter
E me dar
No ardor do teu corpo fundir o meu corpo
E exprimir todo bem que lhe quero
E o que de você advir em vivencias de ânsias ardentes
Ser mulher
Sua flor e semente
E viver esse amor em meu corpo
Em seu corpo de mel me fartar de paixão
De segredos tão nossos
De amar o amor do desejo intocado
De um só ser se tornar
E em vertigem profana o elo perdido encontrar
A fluir de prazer
Em favos de néctar
Onde amor agonizo em repasto tão vasto
E o exorto comigo a esplandecer
Mas se nesse enlevo de amor eu morrer
Me esquecer em você em ardil
Preparado
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E o meu corpo aquecer no seu corpo queimante
Do ardor
Da paixão
E então reviver outra vez
Renascer em você.
Sirlei Leonardo é amante da música, quase compositora, quase cantora. Sempre que possível,
participa de festivais de música, em vários estilos, nos quais conquistou alguns prêmios.
Dinair Leite é poeta, trovadora, dramaturga e atriz. Presidente Nacional da União Hispanoamericana
de Escritores (UHE), no Brasil. Embaixadora Universal da Paz da Sociedade Internacional de Poetas
e Artistas (SIPEA).
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MAIS E MAIS
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Marcela Martins
Paranavaí – PR
Às vezes não consigo
Entender como aconteceu
Quando ficou comigo
Percebi que algo ali nasceu
Às vezes, te persigo
E você insiste em se culpar
Se te encontro é um perigo
Mas você me beija e não posso negar
Que não será preciso
Esconder o que eu sinto por você
E sei que quero mais que isso
Mas se entrar no carro comigo ao teu lado
Eu também sei
Que depois daquilo vou me machucar
Cada dia mais
Eu sabia
Que isso não devia acontecer
E podia
Ter parado antes de eu me envolver
Mas me perco
Quando beijo tua boca
Que ao sorrir me deixa louca por você
Eu queria não te querer
Mais e mais
Mais e mais
Mais e mais
Sei que não sente o que eu sinto
Isso é fato, mas nem ligo
Só quando vejo o teu passado ao teu lado
E não percebe que comigo
Isso ia se tornar um vício
Me dê uma chance pra eu te provar
Te conquistar
E nessa letra eu decidi
Que eu não ia mentir escrevendo
que te amo
Mas gosto muito de você
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E seria um pecado eu não dizer que por você
eu vou mais longe
Te alertar com essa canção
Que eu vou entrar no teu coração
E não adianta negar
Não adianta
... Mais eu quero
Mais e mais
É interprete do projeto Filosofia do Samba e toca em bares e festas. Participou de festivais pela
primeira vez em 2005, no FEMUCIC. Participa do Femup desde 2006 e já faturou um 1º lugar
como intérprete e um 2º lugar como compositora. Em 2008, venceu o Projeto Estrela e em 2009
gravou o primeiro disco.
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O DESTINO
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Qxinho
Paranavaí – PR
Caminhamos tanto tempo juntos
Um amor que parecia eterno
Um sonho que não se quer acordar
O destino e suas armadilhas
Preparou ciladas em seu olhar
Fez com que tudo se espalhasse pelo ar
De repente tudo se acabou
Era lindo o nosso amor
E nem um motivo nos mostrou
Quem de nós que errou
A saudade me faz sofrer
Tente me entender
É impossível te esquecer
Professor da escola de música Pixinguinha. Participa do FEMUP desde 2004.
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FONTE DE IMAGINAÇÃO
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Juninho Alves
Paranavaí – PR
Eu sonhava que nos horizontes
Escondido atrás dos montes
A Terra se unia ao Céu
E que lá os anjos e os homens
Brincavam montando pôneis
Em um lindo carrossel
Então eu queria ser um passarinho
Pra voar, sair do ninho
Ir ao longe, não ao léu
Pra ouvir as músicas das fadas
E tocar em suas harpas
Uma canção de cordel
Lutar com gigantes
Vencer um dragão
Banhar-me nas fontes da imaginação
Hoje sonho que toda beleza
Que vejo na natureza
Sempre vai estar aqui
Colorindo sonhos de crianças
Enfeitando as suas danças
Nesse planeta de jardim
E que por traz
De cada lindo monte
Tenha sempre uma fonte
De um motivo pra sorrir
E que todo sonho encantado
Tenha sempre o seu reinado
Pra um garotinho ir
Compositor, cantor e guitarrista, tem 38 anos e nasceu em Pesqueira, interior de Pernambuco.
Exerce a profissão em vários estados brasileiros e até fora do país, fazendo shows e bailes.
Atualmente toca violão para duplas sertanejas da região, dá aulas particulares de música e se
apresenta como músico de MPB em bares e lanchonetes.
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ELES CONTROLAM VOCÊ
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Solrac Metall
Paranavaí – PR
O mundo com o tempo
Apaga a chama de seu coração
Não deixando você ver
A razão da sua emoção
Fazem de tudo para
Alienado você ficar
Mostram que é errado ser certo
E que é certo você errar
Eu quero viver
Cada minuto de amor
Eu quero te sentir uoh, oh, oh!
Eu quero viver
A plenitude do amor
Eu quero impedir
O Mundano horror
Triste é se eu aceitar
A visão de quem não me vê
E vivesse sem pensar
No que eu posso fazer por você
As pessoas
Não param pra pensar
E não sabem que o
Verdadeiro segredo é amar
Compositor e arranjador. É amante da música, em especial o rock e o metal, estilos em que
encontra a melhor maneira de expressar sua visão de mundo. Já participou de três edições do
FEMUP e agora trás uma composição baseada no rumo que a sociedade atual está tomando.
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BASTA IMAGINAR
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Daiane Vieira
Paranavaí – PR
Quando o sono não vem, por cima das nuvens eu vou
Faço do oceano um espelho e nele eu vejo meu amor refletir
E basta imaginar, pois enquanto eu sonhar
Você vai sempre existir
Quando desperta a razão com meus pés no chão estou.
Abro meus olhos e vejo a verdade sem medo, porque já não há
Não há como imaginar minha vida sem você
Mesmo longe comigo está
Vem pra perto de mim, mais perto assim, pra que eu possa te tocar
Sentir seu beijo real, pois não há nada de mal em amar.
Quando o sono não vem, em meus pensamentos, tão só.
Com o brilho da lua em noites escuras, eu vou te encontrar.
E basta imaginar e deixar acontecer
Até o dia nascer
Quando a noite não tem mais nem um segredo a esconder
Olho pro céu e percebo que tudo que eu vejo é o amor a florir
E não dá pra imaginar minha vida sem você comigo está
Vem pra perto de mim, mais perto assim, pra que eu possa te tocar.
Sentir seu beijo real, pois não há nada de mal em amar
E não há razão pra esconder tudo que eu sinto aqui dentro do meu coração
Quero viver cada minuto com você e não importa onde for!
É a terceira vez que participa do FEMUP. Ama violão, guitarra e rock n’roll, porém o romantismo
fala mais alto quando o assunto é compor.
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O TEMPO
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Jhonatan Aguido
Paranavaí – PR
Tem tempo que se passa
Tem tempo que se pensa
Tem tempo que se passa adianta a corda arrebenta
Veja só que tudo passa o coração não agüenta
Tem tempo que passa tudo
Tem tempo que passa nada
Tem tempo que passará
De hora em hora o sino lembra
O tempo esta passando. O tempo você não acalma.
A vida que passa num tempo. O tempo você não para.
A quantidade de um tempo. Você não vai saber
Nem se estudar você vai aprender.
O tempo é ilusão e você não pode ver.
Não se toca, não se prova, nem se cheira, nem se vê.
Eu que não vou sentar a ver o tempo passar.
Mas é uma dedução, eu vou me congelar.
Será que eu vou viver e poder despertar?
E ao passar do tempo como é que vou ficar?
Participou do FEMUP em 2006. Faz teatro e participa de vários festivais de declamações.
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SEM DIREÇÃO
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Antonio Pantarotto
Paranavaí – PR
As folhas balançando
Em uma noite que o vento sopra
Talvez sem direção
Talvez sem direção
Algo que habita em mim
Até parece explodir
No momento em que componho
Pra nós dois esta canção ou não
Nunca me deixe sozinho
Eu preciso lhe mostrar
Tudo que aprendi
Sei que também não sou real
Um personagem pendurado em um pedestal
Sozinho
Não desisti e vou tentando
Alcançar minha glória
Talvez fazer uma história
Está guardado dentro de mim
Mas às vezes transborda
Essa vontade que adormece
Mas não passa
Nunca me deixe sozinho
Nunca me deixe sozinho
A banda Okzião participou de três edições do FEMUP. Seu estilo é o Pop-Rock. Acreditam que a
essência do sucesso é a persistência, a vontade e a determinação.
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CARA DE PAU
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Sirlei Leonardo e Artur Bellanda
Paranavaí – PR
Que cara é essa? Tão dura
Quem é esse cara? Quem é?
Ele é só mais um cara de pau
Pena que ele nem percebe
Como essa cara lhe cai mal.
Palpita, mete a cara onde não é chamado
Fala alto, dá vexame, e nem se toca
Pensa que sabe de tudo, não sabe nada
Não fala nada com nada
Só conversa fiada
Óleo de peroba é bom, dá brilho e cheira
O que será que você passa na sua cara?
Óleo de peroba hidrata a madeira
Óleo de rícino
Só pra relaxar
Entra em qualquer festa sem ser convidado
Fura fila na caruda, nem olha pro lado
Vira político da noite pro dia
Dá bom dia pra cachorro
Só pra variar
Cumaru, peroba, pinho, sibipiruna
Aroeira, carnaúba, jequitibá
Cerejeira, pau-ferro e copaíba
Grevílea, pau-brasil, cedro e jatobá.
Sirlei Leonardo é compositora e intérprete, participou de várias edições do FEMUP e outros
festivais.
Arthur Bellanda é guitarrista, compositor e intérprete. Participou de várias edições do FEMUP. É
integrante da Banda Patroa.
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CANÇÃO AZUL
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Tiago Oliveira
Nova Londrina – PR
Queria fazer uma canção que despertasse a emoção
E tivesse cheiro de flor
Que tornasse perto o distante mesmo que por um instante
Falasse de amor
Uma composição feliz como o sino da matriz que eu ouvi
quando menino
Que lembrasse aconchego de colo e nas notas do seu solo
cantarolasse um hino
Queria uma canção tão suave transformando-se na chave
Da sensibilidade
Que fizesse ruir o rancor e explodisse em amor a rua, o bairro
E a cidade
Que fosse uma música inquieta
Ou com alma de poeta, calma como as lagoas
Que fosse toda cantada em coro
Com o sabor de namoro e tocasse as pessoas
Queria ouvir um estribilho no assobiar de um andarilho
Pela calçada
Que a canção que hoje faço tivesse o gosto do abraço
Da primeira namorada
Queria uma canção sem fronteiras, arranjos de cachoeiras
E rouxinóis
Que as rimas tal qual pirilampos brincassem nos campos
De girassóis
Que fosse como gotas de orvalho beijando frutas nos galhos
Pelos quintais
Que a canção que eu componho tivesse a ternura de um sonho
E espalhasse a paz
Músico há mais de dez anos, se apresenta em casamentos e outros eventos. Já foi premiado
em uma edição do FEMUP, festival que conheceu na 40ª edição. Também é vereador em Nova
Londrina.
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O VARAL
Marinho San e Sandro Livahck
Belo Horizonte – MG
O SAL
Zebeto Corrêa
Belo Horizonte – MG
SIM
Wolf Borges
Poços de Caldas – MG
DRAMA OU COMÉDIA
Paulinho Campos
Engenheiro Passos – RJ
A LENDA
Cris Dalana
Campos dos Goytacazes – RJ
VEJA VOCÊ
Amin Nunes
Rio de Janeiro – RJ
FILHA DO SOL
Mari Tenório
Maringá – PR
PRAÇA DA SÉ
Kaká Silva
São Paulo – SP
ENQUANTO ISSO
Jorge Andrade
São Paulo – SP
UM DIA MUDO DAQUI
Sérgio Augusto e Thiago Augusto
São Paulo – SP
URBANO FULANO
Dayane Delfino e Marco Tureta
Londrina – PR
TEU AMOR
Vavá Ribeiro
Teresina – PI
114
O VARAL
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Marinho San e Sandro Livahck
Belo Horizonte – MG
Acho que já perdi o jeito pra sorrir
Acho que não sou feliz
Acho que não é também feliz
Nossas roupas no varal
Já não se enlaçam, nem se tocam
Pedem ao vento pra soprar
Querem voar, secar noutro lugar
Sabe a vida não ensina a somar defeitos
Assumir os erros do outro
E assim o amor se vai
Procurando em lojas roupas novas
Para provas não guardar
Ao pano usado a sorte nessas trovas
Ou aos pés pra se limpar
Nossas vestes no quintal recordações
Folhas ao vento em um temporal
Sujas pelo tempo ao relento
A ver o que sobrou
Os remendos bem no centro, desatentos
A malha fina arrebentou
Nem mesmo as amarras que fizemos aos extremos
Com tanta emenda o cordão não suportou
Pode ser noutro quintal
Quem sabe um dia talvez
Nossas roupas outra vez
Se encontrem num varal
Lavadas, passadas, penduradas, perdoadas
Sem nenhum rancor
Sem mágoas na alma poderemos ser
Bons amigos... nada mais.
Cantor e compositor eclético que adquiriu experiência tocando em bares, shows e festas.Tem
como principal característica a batida forte do violão com muito swing, mas também toca com
sutileza melodias suaves e românticas. Gravou participações nos volumes 3, 4, 5 e 6 da coleção
FESTIVAIS DO BRASIL.
115
O SAL
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Zebeto Corrêa
Belo Horizonte – MG
Rio de tanto chorar
Lágrimas são o sal que há
Caem bem no mar
Realçam o doce da lagoa
Quando a alma quer sangrar
Deixo extravasar
Vazo, por considerar
Que sufocar a dor demais, magoa
Entre um mar/maré de azar
E aquela ventania boa
Movo o remo no vagar
Conduzo minha canoa
O rio que em mim aldeia
Norteia todo sentimento
O pranto que se esvai na areia
Lava todo o eu por dentro!
Uma calmaria de amargar
Me impede o barco de zarpar
Qualquer brisa pode ajudar
Se der de açular a proa
Só o tempo que virá
É quem me dirá
Se o tempo de rir o chorar
Sem saber será
Pranto perdido a toa
Ou se valeu a pena
Esse rio de penas
A extravasar nas cheias
A aldeia de Pessoa
Cantor, compositor, instrumentista e produtor cultural, Zebeto Corrêa já recebeu mais de cem
prêmios em festivais e gravou 10 CDs. Em 2008, lançou o CD/livro “Trilhas da literatura brasileira
– ouvir para ler” com canções inspiradas na literatura brasileira, compostas em parceria com o
poeta Caio Junqueira Maciel.
116
SIM
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Sim, se o universo a conspirar
Sim, se nada pode nos calar
Sim, se eu já confesso o meu amor
Sim, que o não, não vive ao meu redor
Sim, eu já repito com paixão
Vem, confirme o toque em suas mãos
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Wolf Borges
Poços de Caldas – MG
Quando o silêncio nos afagou
Parando o tempo
Brisa e calor
Sei que tanto procuramos mar
Sei que estava tão perto do cais
E quando nem percebemos mais
Já um tempo faz vivia em nós
Vi que aquilo poderia ser
A promessa que queria ter
Cantor e compositor que já gravou quatro discos. Seu trabalho é uma MPB de vanguarda nascida
da fusão da cultura tradicional brasileira com a modernidade. É considerado referência no sul
de Minas Gerais, tendo participado da gravação de CDs de diversos artistas como produtor,
compositor e intérprete.
117
DRAMA OU COMÉDIA
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Paulinho Campos
Engenheiro Passos – RJ
A vida será drama ou comédia?
Enfim a nossa trama aonde vai?
Aqui é o palco das nossas idéias
Ou haverá no além outra platéia?
Os atos e as cenas de cada tempo
Serão sempre um ensaio do que vem?
Pra onde segue o eco das canções
Nossos papéis e interpretações?
O riso, o choro, os homens, “Guerra e Paz”?
O riso, o choro, o sonho pra onde vai?
Que tipo somos nós de personagens:
Dos livros de Cervantes, Dante ou Homero?
Nosso diálogo é de que teatro:
De Nélson, Shakespeare ou Pirandello?
Vivemos uma “Divina Comédia”,
Tragédia Grega ou simples folhetim?
Será só essa vida nossa arte
Ou parte de uma história que é sem fim...?
Cantor e compositor de MPB que já foi premiado em inúmeros festivais por todo o Brasil,
principalmente nos últimos vinte anos. Paulinho Campos também é professor e educador da
Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, além de poeta, escritor e pesquisador com
trabalhos expressivos na área pedagógica.
118
A LENDA
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Cris Dalana
Campos dos Goytacazes – RJ
Há um lugar, há um mês daqui
Há uma aldeia lá
Há um velho índio que mora ali
Que há tempos odeia Alá
Porque adora o seu deus Sol
Porque adora o Sol e a Lua
Há um lugar há uma semana daqui
Há uma igreja lá
Há um velho bispo que habita ali
Que odeia o velho índio deus Alá
Porque adora a sua santa
Porque adora o santo e a cruz
Mas há um lugar além daqui
E há uma lenda lá
Que todo homem vive em paz
Porque adora a lei:
Amai-vos uns aos outros como eu vos amei
Amais-vos uns aos outros...amém
Músico, compositor e poeta gaúcho, radicado em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.
Participa de festivais por todo o país desde os seis anos. Já gravou dois discos: “Lenda Janela”,
de 2005, produzido em Florianópolis, e “Histórias de Bar”, gravado ao vivo em 2008, em Campos,
e que traz também um livro com dez contos que se passam em um bar.
119
VEJA VOCÊ
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Veja você, nada restou daquele tempo
Onde tudo era bem mais simples
Tudo era tão bonito até perder a cor
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Amin Nunes
Rio de Janeiro – RJ
Antes do outono chegar
E em mim instaurar essa amargura
Ah! Tanta alegria já passou por mim
Nem sempre fiz canções tão tristes assim
Hoje, a poesias que restou, enfim
Se entrega ao lamento de um violão
Mais uma vez, eu volto ao meu violão
Pra remediar a dor que aflige meu peito
Tudo mais pode esperar
Receio que a dor que eu sinto não vai se apagar
Pois eu sei
Sei que o lamento é inerente a essa dor
Vivo sempre a disfarçar a solidão
Solte as notas um acorde tom maior
Só você pra me entender meu violão
Compositor carioca de 28 anos, toca música brasileira no bairro da Lapa, reduto da música no Rio
de Janeiro desde 2002. Participou de inúmeros festivais de compositores pelo Brasil, principalmente
Bahia, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.
120
FILHA DO SOL
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Mari Tenório
Maringá – PR
O sol doura minha pele
Morena de cor
O meu olhar é lança e vai
Vai fazer eu chegar lá
Minha alegria
É quem da o tom
Pro meu falar, pro meu cantar
Coragem não faltará
Guerreira eu sou
Sou filha do Sol
Meu futuro eu moldo
Com as minhas próprias mãos
Meu coração me guia
Esqueço a razão
E mesmo se eu tropeçar
Sei que posso chegar lá
Este sorriso eu levo
Não vou me abalar
Nem aceitar o jugo que
Alguém tentar me impor
Livre das amarras eu sigo a cantar
E quem quiser me acompanhar
Basta querer se libertar
Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Desde novembro de 2009
integra o Grupo Abaecatu (homem de bem na língua tupi-guarani), vinculado ao Museu Dinâmico
Interdisciplinar da UEM. É cantora, percussionista e declamadora do grupo. Além disso, é coralista,
estudou canto erudito, toca contrabaixo e violão.
121
PRAÇA DA SÉ
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Da primeira vez ali no centro
Estranhei o movimento
E por um momento, quase dei no pé
De rabo de cobra chinesa
A couro de jacaré
Malandro vendendo de tudo na Praça da Sé
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Kaká Silva
São Paulo – SP
Tem o cara do saco
Que bate num gato que nunca se vê
Um vendedor de poema
E a melhor antena pra sua TV
Banca de vale-transporte
E de roupa esporte pra se divertir
Tem garrafada do Norte
Remédio que é forte se a coisa cair
Aquela chave de fenda
Qualquer encomenda para o senhor
Olha a calcinha de renda
Para sua prenda na hora do amor
E o jogo da tampinha
Que não é a minha, eu não sou mané
E o nosso bom pastor
Querendo expor a tal da sua fé
Tem canivete, bala chiclete
Fumo de rolo, rapé
Malandro vendendo de tudo
Na Praça da Sé
Músico e compositor de samba com passagem pelo samba da Vela (SP), Clube Caiubi de
Compositores e Escola de Samba X9 Paulistana. Já participou de pelo menos 12 festivais de música.
122
ENQUANTO ISSO
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Jorge Andrade
São Paulo – SP
Enquanto dói
Meu coração
Enquanto não
Tenho os meus pés
No chão
Enquanto estou
Ferido de sangrar
Transpassado
Pelos dardos
Do desejo
Rasgo as cartas
Canto as horas
Paro o tempo
E o tempo chora
De ilusão
Dobro as horas
Cartas voam
Gira o tempo
E o tempo chora
Na canção
Enquanto choro
Arrumo as malas
Abro a casa
Iludo os olhos
Na amplidão
Enquanto isso
Não passar
Melhor do que chorar
Por te implorar
Eu canto, eu canto...
Jorge Andrade (autor) é formado em letras pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É poeta,
letrista e professor da rede pública de ensino desde 1986. Já faturou prêmios em festivais em
São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. Já escreveu três premiados livros de poemas. Ainda este
ano lançará seu primeiro CD de poemas.
Ritinha Carvalho (intérprete) é cantora e participou de corais universitários por 15 anos,
desenvolvendo técnica vocal e expressão corporal. Integrou o Teatro da Vertigem que já se
apresentou em várias cidades do Brasil, Dinamarca e Rússia. Hoje, dedica-se a divulgar a
música contemporânea e percorre o país participando de festivais.
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UM DIA MUDO DAQUI
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Sérgio Augusto e Thiago Augusto
São Paulo – SP
Tô cansado desse mundo de bagunça, de negócios
Quero pra minha alma calma, pro meu corpo quero ócio
Na minha cidade grande todo mundo é tão pequeno
Na salada tem veneno e a moçada é osso e pele
Meu juriti nesse cimento é um pardal sujo e cinzento
Na marquise do Martinelli
Meu lampião é o Al Capone, meu curió é um Stéreo Sony
Meu Mazzaropi, quem diria, aqui é o Indiana Jones
Meu pirão e meu curau estão mais pra pizza e canelone
Minha viola é uma guitarra tocando Rolling Stones
Um dia eu mudo daqui e levo junto você
Troco meu apartamento pela sombra de um ipê
Meu carro por um jumento, o mocassim pela botina
Não gasto mais gasolina, nem pago estacionamento
Um dia um mudo daqui e levo junto você
Acendo a luz do meu sonho, apago um pouco a TV
Meu reino pelo silêncio e o firmamento pra ver
Tô cansado desse mundo de bagunça, de negócios
Quero pra minha alma calma, pro meu corpo quero ócio
Na minha cidade grande todo mundo é tão pequeno
Não tem mais o tal sereno nem lembram de Adoniran
Minha paisagem de manhã são os marreteiros e um Outdoor
Anunciando um sutiã
Minha cachoeira é uma goteira escorrendo pelo vitrô
Galinha é moça dadeira, tatu aqui faz metrô
Minha palhoça só Deus sabe é um “Ap” lá na COHAB
Cabe a “mulé” e o moleque, sorte que a sogra num cabe
Thiago Augusto é autodidata, toca violão desde os nove anos. Em 2005, ingressou como
estudante do curso de “Violão – MPB - Jazz” do Conservatório Dramático e Musical Carlos de
Campos, de Tatuí, São Paulo, onde ficou até 2007, quando começou a cursar jornalismo. Thiago
se apresenta na noite paulistana e já participou de vários festivais pelo Brasil afora. Também faz
parte da equipe do site Festivais do Brasil.
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URBANO FULANO
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Dayane Delfino e Marco Tureta
Londrina – PR
Cruzou as pernas e acendeu o cigarro
No banco da praça de sol queimando
Fumaça, cimento, pessoas passando
Bigode escondendo um velho humano
Tirou chapéu e antes do cochilo
Seu guarda chamou: “- Caminhe daí!”
A praça de todos não era pra ele
Mas a cidade ainda era sua
Caminhou pequeno, sufocando pelos prédios
Bambaleando suas pernas de boteco em boteco
De esquina em esquina, vai ele e também junto o seu merreco
“- Bom dia, passageiro!”
“- Boa tarde, sinaleiro!”
“- Boa noite, mas um dia sem dinheiro”
Martelo, pedreira, avião
Por aqui sim, por ali não
Metrô, favela, corrimão
Com licença, obrigado
Obrigado hoje não.
“- Bom dia, passageiro!”
“- Boa tarde, sinaleiro!”
“- Boa noite, mas um dia sem dinheiro”
Olhou pra cima, viaduto
Pro lado, contra-mão
E proutro lado, correria
Pra dentro, solidão
Olhou pra cima, viaduto
Pro lado, contra-mão
E proutro lado, correria
Pra dentro, solidão
“- Cidade grande... Deu saudade do sertão
De terra pobre, mas rica no coração
Cá não me arribo, ando torto sem meu chão
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Tô sem estrela, ando na escuridão
Durmo sozinho abraçado com a solidão
“- Minha terra não é essa, aqui não tem o sabiá
As aves que aqui avoam são de ferro e não sabem cantá
Nesse céu não tem estrela, tem é prédio e poluição
A floresta foi embora e veio a civilização
Não me deixe Deus bonito sem passagem pra voltar
Que eu ganhe meu dinheiro sem rouba e sem mata
Que amanhã eu acorde vivo pra tentar voltar pra lá
Porque aqui não tem mais nada, só gente correndo pra trabaiá.”
Marco Tureta é compositor do Ballet de Londrina e do Grupo Sansey Cultural e Beneficente de
Londrina. Em 2009, o seu grupo Duo de 3 conquistou o 3º lugar na fase nacional do Femup com
a música “Encontro” que prioriza a suave mistura de violino com rock clássico. A canção teve
ótima aceitação no festival.
Dayane Delfino: Poeta, letrista e intérprete. Marcante influência de Carlos Drummond de
Andrade e Cecília Meireles em suas composições; cantora há 8 anos em bandas para
casamento, formaturas e bares em Londrina-PR e região.
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TEU AMOR
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Vavá Ribeiro
Teresina – PI
Teu amor é um lugar que eu canto agora
Do meu interior
É uma estada sem demora e um chorar de dor
Teu amor é um olhar que me devora
A santa no andor
É uma imagem que me adora, que nunca mais voltou
Eu amor é tão carente (transparente)
É como gostar de gente
Teu amor, de longe, é uma estrela Dalva
De perto, me incendeia em brasa, quase as horas da manhã
E quando é noite, a luz de vela, fico da janela
Como quem espera a lua no altar
E tenho a esperança de um dia encontrar no amor que se perdeu
Minha importância
Meu amor, esse amor é teu!
Esse amor, bem maior meu
Cantor e compositor com 18 anos de carreira que já gravou três discos: Calmaria (2004), Do seu
lado (2008), Rotas de Reis (2010). Viaja pelo Brasil participando de festivais e representando o
Estado do Piauí.
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128
DECLAMADORES
GISLAINE PINHEIRO
ANDRÉ FABRÍCIO
Eu vô fiá no meu fuso miã liã d’
horizonte
Joilson Melo
Ibotirama – BA
Abá-pe Endé?
Altair Cirilo dos Santos
Paranavaí - PR
PAULO LIMA
DIANE ARTÊMIS
Dionísio, uma tragédia
Felipe Figueira
Paranavaí – PR
Os Átilas
Adriano Wintter
Porto Alegre – RS
MILTON FERNANDES
DANIELE BONETTI
Amor Vs. vida
Valdeci Alves de Almeida
Cruzeiro do Sul – PR
Ecce homo!
Gabriel Bicalho
Mariana – MG
GRUPO DE REPENTE
TÂNIA MARA VOLPATO
Des/esperança
Maria A. S. Coquemala
Itararé – SP
Brinco de lembrar
Daniel Retamoso Palma
Santa Maria – RS
MÁRCIA FARAUM
Quaresmeiras e outras paixões que
não roxeam
Éder Rodrigues
Belo Horizonte – MG
AMANDA FERREIRA
GRUPO TASP
CAMILA BAH
Rasante
Ricardo Viola
Lambari – MG
Rito de Passagem
Angra
Belém - PA
Fragmentos
Roberto Gonçalves
Paranavaí – PR
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17º FESTIVAL “ZÉ MARIA” DE DECLAMAÇÃO
RESULTADOS
Amanda Ferreira
André Fabrício
Camila Bah
Daniele Bonetti
Diane Artêmis
Gislaine Pinheiro
Grupo De Repente
Grupo TASP
Márcia Faraum
Milton Fernandes
Paulo Lima
Tânia Mara Volpato
1º Suplente: Janaína de Assis
2º Suplente: Taylon Silva
Comissão Julgadora:
Sebastião Soares de Castro, Ana Cláudia Paschoal, Gersonita Elpídio dos
Santos e Roberto Gonçalves
Os objetivos do “Zé Maria” são: divulgar a arte de declamação de poemas; homenagear o
artista e declamador José Maria Cavalcanti; classificar intérpretes para declamar os poemas
selecionados para o FEMUP/2010; prestigiar os declamadores de Paranavaí e região, além de
revelar novos talentos.
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LEITURA DRAMATIZADA DOS CONTOS
Samarica enroladeira de pito
Ernesto Silva - Dianópolis – TO
Interpretado por: Grupo de Teatro do Colégio Marins
Alves de Camargo e do Cecap
Um quase solitário
Gustavo Cardoso - Paranavaí - PR
Interpretado por: Grupo do Pibid – Pedagogia – Fafipa
Floração das gabirobas
J. H. Henriques - Uberaba - MG
Interpretado por: Grupo Tasp
A peroba vive
Parreiras Rodrigues - Santa Isabel do Ivaí - PR
Interpretado por: Cia. do Circo
Ela não era Maria Chuteira
Cristina Leite - Paranavaí - PR
Interpretado por: Rosi Sanga
Último domingo ao mar
Éder Rodrigues - Belo Horizonte - MG
Interpretado por: Cia. Oficinas
O dente e a fruta
Marcelo Biar - Rio de Janeiro - RJ
Interpretado por: Grupo Médicos do Humor
Conto número quatro
Ubiratan Moreno Soares - Santos - SP
Interpretado por: Cia. Oficinas
131
PREFEITURA MUNICIPAL DE PARANAVAÍ
Administração 2009/2012
ROGÉRIO JOSÉ LORENZETTI
Prefeito
ALZIRO MELLI LOPES
Vice-prefeito
PAULO CESAR DE OLIVEIRA
Diretor-Presidente da Fundação Cultural
APARECIDA SILVEIRA GONÇALVES
Secretária de Educação
PAULO ROBERTO DE SOUZA BRITO
Controlador Geral
JORGE ROBERTO PEREIRA DA SILVA
Secretário de Comunicação Social
GILMAR PINHEIRO
Secretário de Gestão Pública
ANTONIO HOMERO MADRUGA CHAVES
Procurador Jurídico
ERALDA DAMINELLI GARCIA
Secretária de Agricultura
JOAQUIM AURÉLIO DA CONCEIÇÃO
Secretário de Desenvolvimento Econômico
CRISTINA MARQUES DIAS LORENZETTI
Provopar
132
SYLVIA HELENA FELIPPE
ARCOVERDE ABBOTT
Secretária de Desenvolvimento Urbano
JOSÉ PARANHOS DE MESQUITA
Secretário da Saúde
EURÍPEDES LEMES SILVA
Secretário de Infra-Estrutura e Serviços Públicos
PAULO CÉSAR FRANZINI
Diretor-Presidente da Fundação de Esportes
ELOÍSA FELIPPE MENDES
Secretária de Meio Ambiente
MARLY CORREIA FARIA BAVIA
Secretária de Desenvolvimento Social
MÁRIO HÉLIO LOURENÇO DE ALMEIDA
Gabinete
JORGE ROBERTO PEREIRA DA SILVA
Secretário de Comunicação Social
133
HINO DO FEMUP
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Letra: Cleuza Cyrino Penha
Música: Carlos Cagnani
Luzes que emanam do alto
Iluminando nobres ideais
São jovens que querem crescer
E um dia hão de vencer
Nosso festival se expande
projeta talentos, brados culturais
Pois seu campo de batalha é a cultura
Poemas e canções, de corações a sonhar
O FEMUP é um festival
Que há de sempre brilhar mais
Nossos jovens são assim
Decididos a vencer
OBS: A letra foi atualizada em 1996
AGRADECIMENTOS
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Cleuza Cyrino Penha
FIEP - Federação das Indústrias do Estado do Paraná
CEF – CAIXA ECONÔNICA FEDERAL
SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO - PARANAVAÍ
134
FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ
Diretor Presidente
Paulo Cesar de Oliveira
Diretor Cultural
Amauri Martineli
Assessora de Projetos Culturais
Ivonete Almeida
Assessor de Eventos
José Elias Sobrinho (Cidão)
Coordenadora da Biblioteca Júlia Wanderley
Maria Esther Ferezin Camargo
Técnica em Atividades Artísticas e Sociais
Elza Pavão
Comunicação e Jornalismo
David Arioch
Técnica em Expressões Artísticas e Professora de Teatro
Talise Schneider
Técnicos de Museu e Atividades Artísticas
Jesus Soares
Naiara Betin
Professora de Teatro
Coordenadora de Atividades Artísticas e Museológicas
Coordenadora da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade
Rosi Sanga
Professora de Teatro - Distrito de Graciosa
Graciele Rocha
Professor de Desenho e Pintura
Kreslen Matsumoto
Professores de Flauta Doce
Glebson Ribeiro
Douglas Assis
Professor de Canto Coral e Violão
José Carlos
135
Professores de Percussão
Glau Ribeiro
Rafael Torrente
Professores de Capoeira
Côco, Henrique e Daniel
Professores de Violão
Cristiano Brun
Fernando Bana
José Erasmo Filho (Teclado)
Professor de Circo
Marcos da Cruz
Professor de Hip Hop
Daniel Hudson
Gerê
Rodrigo Silva
Iluminador e Cenógrafo
Adauto Soares
Professora de Dança
Juliana Boaretto
Ellen Barbosa
Professora de Balé
Thayna Mateus
Rafaela Mazotti
Professor de Violino
Edson Evangelista
Coordenador do Grupo de Violão e Amor à Viola
Arnaldo dos Santos
Recepcionista
Lucilene Félix
Atendentes da Biblioteca
Ilca Zicka
Luísa Grolli
Nil Carvalho
Bruna Zicka
Michael Benvindo Gomes
Flávio de Oliveira
136
Equipe de Apoio
Maria de Lourdes de Sousa da Silva
Maria de Moraes
Charlene Pinheiro
Sueli Lopes
Professor de Acordeon
José Alfredo Braga
Projeto Clave de Luz
Manoel Feliciano (Teoria Musical)
Eduardo Amaral (Trombone)
Wagner Machado (Trompete)
Márcio de Souza (Trompete)
Glau Ribeiro (Bateria)
Rafael Torrente (Saxofone)
Fernando Campos (Clarinete e Flauta Transversal)
Coordenadora da Escola de Música Luzia Guina Machado
Valdenice Thomé
137
RESULTADOS - 42º FEMUP/2007
POESIA
PREMIAÇÃO
POESIA
AUTOR
CIDADE/UF
1º Lugar
Comédia profana
Delermando Vieira
Sobrinho
2º Lugar
Canção do anjo
exilado
Homero Gomes
Curitiba/PR
3º Lugar
Agosto
Éder Rodrigues
Belo Horizonte/MG
Grão de areia
Altair Cirilo dos
Santos
Paranavaí/PR
Melhor Regional
Goiânia/GO
CONTO
PREMIAÇÃO
CONTO
AUTOR
CIDADE/UF
1º Lugar
Fiat lux!
2º Lugar
Choro de palhaço
riso de menina
Gislaine Buosi
Pouso Alegre/
MG
3º Lugar
O retorno de Abdias
Gabriel Araujo dos
Santos
Campinas/SP
Beijo de adeus
André Moreira
Paranavaí/PR
Melhor Regional
Laércio Nora Bacelar
Goiânia/GO
DECLAMAÇÃO
PREMIAÇÃO
DECLAMADOR
POESIA
1º Lugar
Camila de Aquino
Canção do Anjo Exilado
2º Lugar
Grupo TASP
Agosto
3º Lugar
Duda Woyda
Um aboio e cinco estâncias
MÚSICA
PREMIAÇÃO
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
Melhor Regional
Melhor Intérprete
MÚSICA
AUTOR
CIDADE/UF
Estrada
Ruthe Glória
Perseguição
Denise Reis e Renata
Thurler
Embolada sertaneja
Bilora
Contagem/MG
Da alma pro papel
Chico Ramos e
Alvacir Lopes
Paranavaí/PR
Adro (Joyce
Cândido)
Mario Martinez
São Paulo/SP
138
São Paulo/SP
Rio de Janeiro/RJ
RESULTADOS – 43º FEMUP/2008
POESIA - NACIONAL
PREMIAÇÃO
POESIA
AUTOR
1º Lugar
Movimento de
espelhos
Sérgio Bernardo
2º Lugar
Ecco
Falcão
3º Lugar
Emoções sempre
verdes
Gislaine Buosi
4º Lugar
Espantalho
Delermando Vieira
5º Lugar
Casarão das
Pitangueiras
Didi Villela
CIDADE/UF
Nova Frigurbo/RJ
Bauru/SP
Pouso Alegre/MG
Goiânia/GO
Belo Horizonte/MG
POESIA - REGIONAL
PREMIAÇÃO
POESIA
1º Lugar
Asas cansadas
2º Lugar
Máscara
3º Lugar
Mais leve
que o ar
AUTOR
Roberto Gonçalves
Valdeci Alves de
Almeida
Altair Cirilo dos
Santos
CIDADE/UF
Paranavaí/PR
Cruzeiro do Sul/PR
Paranavaí/PR
CONTO - NACIONAL
PREMIAÇÃO
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
4º Lugar
5º Lugar
CONTO
Elos
Bodas de ouro
O brilho da ilusão
perfeita
Seus perdidos, meus
achados
Odila
AUTOR
Marcelo Biar
Antonio Cesar Ribeiro
José Humberto
Henriques
Andréia Donadon
Leal
Claudia Zippin Ferri
CIDADE/UF
Rio de Janeiro/RJ
Curitiba/PR
Uberaba/MG
Mariana/MG
Dois Vizinhos/PR
CONTO - REGIONAL
PREMIAÇÃO
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
CONTO
Degraus
Gabriela
O filme de logo mais:
O soldado Joe, do
Kentucky
139
AUTOR
Roberto Gonçalves
Tiago Veronesi
Altair Cirilo dos
Santos
CIDADE/UF
Paranavaí/PR
Paranavaí/PR
Paranavaí/PR
MÚSICA - NACIONAL
PREMIAÇÃO
MÚSICA
AUTOR
CIDADE/UF
1º Lugar
Amores – A Canção
Zebeto Corrêa
2º Lugar
É Fácil ser difícil
3º Lugar
Olho D‘Água
4º Lugar
5º Lugar
Nada a Contestar
Efeito Estufa
João Leopoldo
Dedé e Ivonete
Gonçalves
Chiquinho D´Ávilla
Marinho San
Cícero Gonçalves e
Paulo Delfino
Melhor Intérprete
Nos Olhos do Olhar
Belo
Horizonte/MG
Sorocaba/SP
Toledo/PR
Paranavaí/PR
Belo Horizonte/MG
São Paulo/SP
MÚSICA - REGIONAL
PREMIAÇÃO
MÚSICA
AUTOR
CIDADE/UF
1º Lugar
Vou Reescrever a
Minha História
Marcela Martins
Paranavaí/PR
2º Lugar
Sou Criança
Queixinho e Willian
Nazário
Paranavaí/PR
3º Lugar
Apenas mais um
Vagabundo
Régis “Pedra Azul”
Paranavaí/PR
DECLAMAÇÃO
PREMIAÇÃO
DECLAMADOR
1º Lugar
Bárbara Monteiro
2º Lugar
3º Lugar
4º Lugar
5º Lugar
Luciana Guedes
Bruna Boaretto
Grupo Tasp
Cleiton Oliveira
140
POESIA
Suíte para sete
movimentos dissonantes
Mais leve que o ar
Emoções sempre verdes
Espantalho
Ecco
RESULTADOS – 44º FEMUP/2009
POESIA - NACIONAL
PREMIAÇÃO
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
4º Lugar
5º Lugar
POESIA
AUTOR
Aos teus olhos
(Orquestra de vagalumes para uma
criança cega)
A morte, depois (7
movimentos)
Casa da memória
triste
Benjamim, meu
Guimarães
Júlio César Correia
da Silva
Rio de Janeiro/RJ
Tanussi Cardoso
Rio de Janeiro/RJ
Márcio Davie
Claudino da Cruz
Curitiba/PR
Laércio Nora Bacelar
Goiânia/GO
Marcus Vinícius
Quiroga
Alquimia
CIDADE/UF
Rio de Janeiro/RJ
POESIA - REGIONAL
PREMIAÇÃO
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
POESIA
AUTOR
Forma inacabada
Ilha [ancorada em
terra firme]
Terra santa
CIDADE/UF
Valdeci Alves de
Almeida
Cruzeiro do Sul/PR
Kellen Wiginescki
Paranavaí/PR
Cristina Leite Goetten
Paranavaí/PR
CONTO - NACIONAL
PREMIAÇÃO
CONTO
AUTOR
CIDADE/UF
Seus 25 anos
O valor
Amor de cinqüenta
anos
Andréia Donadon Leal
Gregório José
Severino Rodrigues
Paulista /PE
4º Lugar
A noite do garçom
Diógenes Feliciano
São José dos
Campos/SP
5º Lugar
Quando nascem os
anjos
Morgany Batista de A.
Peixoto
Anápolis/GO
AUTOR
CIDADE/UF
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
Mariana/MG
Uberlândia/MG
CONTO - REGIONAL
PREMIAÇÃO
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
CONTO
Velhas lembranças,
boas novas
Aos trinta...
Como a chuva que
cai
141
Deyse da Silva
Chagas Sêga
Rafael Fermiano
Messias Alves de
Souza
Paranavaí/PR
Paranavaí/PR
Santa Izabel
do Ivaí/PR
MÚSICA - NACIONAL
PREMIAÇÃO
MÚSICA
AUTOR
CIDADE/UF
1º Lugar
Trem de verão
Wilson Teixeira e
Adilson Casado
2º Lugar
Aflição
Chiquinho D’Avilla
Paranavaí/PR
3º Lugar
Encontro
Londrina/PR
4º Lugar
Vita, Vitalino
Marco Tureta
Sandro Dornelles e
Luís Pimentel
5º Lugar
Certeza
Ruthe Glória
Vanessa Croge
São Paulo/SP
Melhor Intérprete
Só mais um
Avaré/SP
Rio de Janeiro/RJ
Maringá/PR
MÚSICA - REGIONAL (para você preencher)
PREMIAÇÃO
1º Lugar
2º Lugar
3º Lugar
MÚSICA
AUTOR
Menina dos rios
Quem sabe um dia
Vivência
Tiago Oliveira
Alex Rodrigues
Sirlei Leonardo
CIDADE/UF
Nova Londrina/PR
Paranavaí/PR
Paranavaí/PR
DECLAMAÇÃO (para você preencher)
PREMIAÇÃO
DECLAMADOR
1º Lugar
Gislaine Pinheiro
2º Lugar
Bruno Belilia
3º Lugar
4º Lugar
Janaína de Assis
Grupo Leminskizado
5º Lugar
Carlos Costa
POESIA
A mulher do quarto de costuras (Didi Villela)
Ilha [ancorada em terra firme] (Kellen
Wiginescki)
Até tu, Brutus? (Rosana de Hollebem)
Um sonho dantesco (Polyana de Almeida)
Benjamim, meu Guimarães (Laércio Nora
Bacelar)
142
SUMÁRIO
Apresentação ............................................................................................. 03
Poesias ...................................................................................................... 04
Contos ........................................................................................................ 43
Músicas - Fase Regional............................................................................. 96
Músicas - Fase Nacional............................................................................113
Declamadores........................................................................................... 128
17º Concurso Zé Maria............................................................................. 130
Prefeitura Municipal de Paranavaí............................................................ 132
Hino do FEMUP........................................................................................ 134
Agradecimentos........................................................................................ 134
Fundação Cultural de Paranavaí ............................................................. 135
Resultados – 42º FEMUP/2007................................................................ 138
Resultados – 43º FEMUP/2008................................................................ 139
Resultados – 44º FEMUP/2009................................................................ 141
143
FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ
Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa
Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade
Museu Municipal de Paranavaí
Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley
Escola de Música Luzia Guina Machado
Associação dos Artistas - ASAS
Orquestra de Sopros Paranavaí
Coral Viva Voz
Grupo Amor à Viola
Grupo Cifras
Cia. Oficinas
Cia. do Circo
Rua Guaporé, 2080 - Cx. P. 511
CEP 87705-120 Paranavaí - PR (44) 3902-1128
[email protected]
www.novacultura.com.br
144
DE PARANAVAÍ

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