Desafios da articulação de políticas sociais em contextos federativos
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Desafios da articulação de políticas sociais em contextos federativos
Desafios da articulação de políticas sociais em contextos federativos: reflexões a partir da transferência de renda e da assistência social no Brasil e na Argentina Profa. Renata Bichir EACH/USP e Centro de Estudos da Metrópole (CEM) ([email protected]) Seminário Internacional A política de assistência social no Brasil e na Argentina UFMG, 31 de março de 2016 • Questões orientadoras: Que sistemas de proteção social têm se consolidado na América Latina? Qual é o papel da assistência social nesses sistemas? Quais os modos de articulação entre políticas universais e focalizadas? • Dimensões verticais e horizontais que organizam a implementação de políticas sociais nacionais – relações federativas, mecanismos de coordenação + desafios da coordenação intersetorial (distinções entre assistência e transferência) • Análise dos lócus decisórios – tanto na formulação e na definição de parâmetros nacionais, quanto na implementação; questão da governança multinível, relações entre atores estatais e não estatais em distintos contextos (formais e informais) • Relevância da análise comparativa: similaridades e contrastes entre Brasil e Argentina; federações complexas e desiguais, padrões históricos de proteção social vinculada ao mundo do trabalho, distintas abordagens da questão social; dilemas recentes colocados por transformações nas coalizões políticas • Estudo para o IPEA: análise da constituição histórica dos programas de transferência de renda no bojo dos sistemas de proteção social de Brasil, Argentina e África do Sul • Metodologia: revisão da literatura, dos normativos que regem políticas e programas, entrevistas com burocratas de médio e alto escalão (ao longo de 2013) Integração dos programas de transferência de renda (PTR) nos sistemas de proteção social de Brasil e Argentina Formas de articulação entre PTRs e políticas sociais universais: assistência social, saúde, educação, geração de emprego e renda – focalização para inclusão dos mais vulneráveis ou restrição da proteção social? Orientação seletiva ou inclusiva? ◦ Quais são as principais dimensões institucionais que organizam os programas de transferência? ◦ Como distintas capacidades estatais e escolhas políticas e de políticas organizaram esses arranjos? • Federalismo e descentralização de políticas sociais (Rodden, 2005; Falleti, 2006; Almeida, 2005; Gomes, 2009 e 2010; Arretche, 2012) • Implementação (Arretche, 2001; Menicucci, 2006; Faria, 2012) • Capacidades estatais (neo institucionalismo histórico e perspectivas atuais – Cingolani, Pires e Gomide) • Intersetorialidade (Cunill-Grau; Veiga e Bronzo) • Instrumentos de políticas públicas (Lascoumes e Le Galès, 2007) • i. Existência ou não de arenas institucionais para tomada de decisões (mais ou menos insuladas, com diferentes padrões decisórios e padrões de pactuação federativa); • ii. Padrões de normatização das políticas; • iii. Instrumentos de políticas públicas desenvolvidos (tecnologias para implementação das políticas); • iv. Recursos humanos e financeiros disponíveis ao longo do tempo; • v. Formas de entrega dos benefícios e implementação dos serviços (equipamentos disponíveis e sua capilaridade); • vi. Mecanismos (formais e informais) de articulação intersetorial e federativa; • vii. Formas de monitoramento e avaliação. Aspectos similares: centralidade histórica da proteção social vinculada ao trabalho formal; desafios na articulação entre proteção contributiva e não contributiva; PTR como importantes pilares da proteção social e com potencial de articulação intersetorial; centralização decisória + implementação municipal (redes de equipamentos nos territórios – capilaridade) Diferenças: preocupação com os temas da pobreza e da vulnerabilidade é mais recente na Argentina do que no caso brasileiro; maiores avanços na institucionalização da assistência como política pública no caso brasileiro do que no argentine Brasil: Programa Bolsa Família (PBF), sua articulação com a assistência social e com o Plano Brasil Sem Miséria (BSM) – centralidade do MDS Argentina: Asignación Universal por Hijo (AUH); articulação com Plan Nascer, Plan Ahí e outros – centralidade do MTEySS Programas Instituição Data de responsável criação Critério Cobertura Valor do Estrutura de central de Financiamento Condicionalidades em 2013 benefício mensal implementação elegibilidade Bolsa Família Senarc/MDS Outubro (PBF) (des. social) de 2003 Renda (até 140 reais) e composição familiar (0 a 18 anos) Recursos do Governo federal Tesouro define diretrizes (tributos gerais, Grande variação diversos), municípios 13,8 de acordo com a orçamento da cadastram Saúde e milhões de composição assistência famílias e educação famílias familiar. Valor social (0,5% do acompanham médio: R$ 168 PIB – 23 condicionalidade bilhões em s e programas 2013) complementares Asignación Anses/MTEy Outubro Argentina Universal por SS (trabalho) de 2009 Hijo (AUH) Inserção no mundo do trabalho e composição familiar (0 a 18 anos). Renda como critério adicional (menor que 1sm) 1.500 460 pesos pesos 3,5 para para milhões de pessoas crianças crianças com de 0 a deficiên 18 anos cia Brasil Fondo de Garantía de Sustentabilida d (FGS) – 56% contributivo e 44% recursos de impostos (0,58% do PIB) Governo federal define diretrizes gerais, municípios implementam Saúde e educação (entrega dos benefícios e condicionalidade s) Diferentes estratégias e arranjos institucionais: ◦ Brasil: busca de articulação maior entre transferência de renda e assistência social, além de articulação com outras políticas no âmbito do BSM; relevância do MDS (diferentes comunidades de política, problemas de coordenação) ◦ Argentina: assistência social ainda tem dificuldades de se afirmar como política pública; centralidade do mundo do trabalho – formal, sindicalizado e baseado em negociações coletivas – como horizonte normativo da política social ajuda a explicar as estratégias de intervenção que vem sendo adotadas; MTEySS e Anses dão o tom; dificuldades de superação das clivagens entre trabalhadores formais e informais Fragmentação institucional no Regimén de Asignaciones Familiares: subsistemas contributivo e não contributivo com a ANSES; pensões não contributivas com o MDS Problemas na articulação do MTEySS com o MDS: ainda muito caracterizado por assistencialismo e clientelismo; baixa capacidade técnica; Grande centralização de decisões na presidência; distribuição seletiva de programas entre MTEySS e MDS de acordo com a relevância atribuída ao programa (exemplo do Argentina Trabaja) Pouco acúmulo de informações estratégicas nas burocracias, dada a elevada centralização decisória Pouca discussão a respeito da articulação entre transferência e assistência – ainda pouco consolidada como política pública (“superar a política social em direção à política laboral”) Dificuldades na integração com outras intervenções sociais, em particular aquelas promovidas pelo MDS, como "Argentina Trabaja" e "Familia Argentina"; maior articulação com o "Plan Nacer"(saúde) Falta de planejamento, de visão sistêmica – “reagimos melhor em tempos de crise” Estruturas formais de coordenação - Consejo Nacional de Coordinación de Políticas Sociales (CNCPS) e Jefatura de Gabinete - consideradas pouco efetivas PTR iniciam-se nos anos 1990, no plano municipal, depois difundem-se para o plano nacional PBF: cobre atualmente mais de 13,8 milhões de famílias, sendo coordenado pela Senarc (MDS) Elegibilidade centrada na renda e na composição familiar, e não na inserção no mercado de trabalho Grande centralização decisória no MDS Processo de consolidação institucional do PBF passa por reforço do Cadastro Único e o Índice de Gestão Descentralizada (IGD) Expansão da cobertura e da capilaridade do programa, articulação com as instituições do SUAS - expansão da rede de CRAS, reforço da busca ativa e da necessidade de atendimento familiar (condicionalidades) PBF como “plataforma de articulação” de programas para a população de mais baixa renda Avanços na integração entre transferência e assistência - relação tensa e negociada. Importância das condicionalidades no reforço das relações com o MEC e MS; empoderamento do MDS no contexto do BSM Grande variação nas articulações interministeriais: MEC e MS mais consolidado (efeito condicionalidades); maiores dificuldades com MTE Grandes desafios no BSM: maiores avanços no Pronatec/BSM, a despeito do MTE; tentativa de superação dos problemas com IMO Problema da ausência de instâncias de coordenação: MDS como ministério setorial; redes de relações Capacidades estatais Brasil Argentina Processos decisórios Centralizado na Senarc, com discussão conjunta com outras burocracias federais dentro e fora do MDS Altamente centralizado na presidência e na Anses – agência bastante autônoma em relação ao MTEySS; divisão “perversa” entre MTEySS e MDS Condições Políticas Consolidação crescente como programa de Estado, grande presença no debate público. Porém, não está constitucionalizado Relevância do discurso de expansão de direitos que os trabalhadores formais já tinham Alta – garantida pela consolidação da rede bancária e de correspondentes bancários em todos os municípios Elevada capilaridade das agências da Anses (processo histórico de consolidação da Red de Servicios Públicos de Empleo) Capilaridade da rede de entrega de benefícios Capacidades estatais Brasil Argentina Articulação intersetorial Explicitamente na agenda do governo, contando com plataformas Articulações pontuais, por meio de alguns programas: Plan Nacer, institucionais. Relevância das Argentina Trabaja e Família condicionalidades, do Cadastro Único e da articulação com a política Argentina; Plan Ahí de assistência social Coordenação MDS conseguindo levar agenda da pobreza e da vulnerabilidade para outros ministérios (BSM); redes de relações, circulação de gestores entre burocracias federais Tensões entre MDS e MTEySS, visão residual da assistência social; instâncias formais de coordenação (Consejo Nacional de Coordinación de Políticas Sociales - CNCPS) esvaziadas Relatórios gerenciais e esttíticos da Anses Mecanismos de monitoramento, avaliação Institucionalização dentro do MDS: SAGI, difusão de informações e Avaliações externas dos ganhos de legitimidade. Avaliações programas (CIPPEC, CIEPP); porém externas também; Ipea problemas de disponibilidade e confiabiliade de dados públicos Relevância do PBF e da AUH nos respectivos sistemas de proteção social: orçamento, cobertura e potencial de articulação Busca de construção institucional em contraposição a "padrões tradicionais" de distribuição de benefícios assistenciais Argentina: grande centralidade do mundo do trabalho formal, dificuldades na articulação dos sistemas contributivos e não contributivos; dificuldades na consolidação da assistência social como política pública; capacidade institucional centrada no MTEySS e na Anses Brasil: grande consolidação institucional do MDS; pobreza como insuficiência de renda, e não mundo do trabalho; PBF como plataforma para articulação de políticas e serviços para os mais vulneráveis Desafios de coordenação dos PTR no Brasil e na Argentina, especialmente quando se considera a articulação com outras políticas sociais • Para além do Programa Bolsa Família: compreensão das dinâmicas recentes da proteção social não contributiva no Brasil requer foco analítico ampliado • Transformações importantes na política de assistência social: constituição de um sistema nacional, o Sistema Único de Assistência (SUAS) • Novos objetivos e desafios para o Bolsa Família • Relações complexas, tensas e negociadas entre transferência e assistência – diferenças importantes entre nível federal (processos decisórios, macro regulamentação) e nível municipal (implementação) • Novos desafios do ponto de vista da articulação intersetorial • Plano federal: distintas comunidades de políticas públicas (e mesmo epistêmicas) reunidas no âmbito do MDS; distintos processos decisórios e padrões de pactuação federativa; • Plano municipal: grande articulação entre transferência e assistência • Marcos de articulação: Protocolo de Gestão Integrada (2009); Plano Brasil Sem Miséria (2011); novas regras de acompanhamento de condicionalidades (2012) • Processos de articulação entre as áreas: uso da rede de equipamentos de assistência (CRAS); perspectiva multidimensional da pobreza; busca ativa; estímulos à expansão e capacitação de burocracias • “o PBF está criado, o SUAS está se criando” • Relação entre agendas prioritárias e desenvolvimento de capacidades: desafios distintos nos níveis federal e municipal • Múltiplos níveis de governança do sistema de proteção social • Nível federal: macro regulamentação da política – distintos processos decisórios na transferência (maior centralização decisória) e na assistência social (instituições de pactuação federativa); relações entre atores estatais e não estatais na definição dos normativos; mecanismos de indução, parâmetros mínimos e regulação estatal na construção da política de assistência • Porém, federal não explica tudo: questão dos graus de autonomia decisória dos municípios (extremamente desiguais e heterogêneos): legados, peso das OSC, recursos, capacidades, perfil dos gestores e disputas políticas locais (inclusive micro territoriais) • Capacidades estatais (dimensões técnico-administrativas, políticas e relacionais) e capacidades organizacionais (entidades privadas da AS) + dinâmicas políticas e escolhas de políticas, constrangidas pelos parâmetros nacionais