Um modelo bíblico de espiritualidade

Transcrição

Um modelo bíblico de espiritualidade
MARIA
Um modelo bíblico
de espiritualidade
DOUGLAS CONNELY
MARIA
Um modelo bíblico
de espiritualidade
Copyright © 1998 by Douglas Connelly
Projeto Gráfico:
Editora Ultimato
1ª Edição:
Julho de 2002
Tradução:
Neyd Siqueira
Revisão:
Cristina Kuczynski
Bernadete Ribeiro
Capa:
Sonia Couto
(Annunciation, de Alphonso, retirado de The Bible
Though Asian Eyes)
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação
e Classificação da Biblioteca Central da UFV
C752m
2002
Connelly, Douglas, 1949Maria; um modelo bíblico de espiritualidade /
Douglas Connely. — Viçosa : Ultimato, 2002
128p.
Título originial: Mary; what the Bible really says.
ISBN 85-86539-51-1
1. Maria, Virgem, Santa - Meditações. I. Título.
CDD. 19.ed. 232.91
CDD. 20.ed. 232.91
2002
Publicado com autorização e com todos os direitos reservados
EDITORA ULTIMATO LTDA.
Caixa Postal 43
36570-000 Viçosa - MG
Telefone: (31) 3891-3149 - Fax: (31) 3891-1557
E-mail: [email protected]
www.ultimato.com.br
Sumário
1. Conhecendo Maria
15
2. Ouvindo um anjo
37
3. Maravilhado na presença de Deus
49
4. O amor de um marido
61
5. Tirando a poeira do presépio
75
6. Segurando Deus em nossos braços
89
7. Estranhos à porta
00
8. Achando o caminho
00
9. Criando o Filho de Deus
00
10. Uma vida na sombra
00
11. Quando as respostas não vêm
00
12. A cru e o além
00
13. Vivendo uma herança
00
Agradecimentos
Quero agradecer às várias pessoas que me ajudaram,
oraram e encorajaram enquanto trabalhava neste livro. Tom
Skaff e Steve Aikman por me manterem na rota durante os
trabalhos deste livro e lembrarem-me dos meus prazos. Ken
Gilbert, Dick Adomat, Matt Johnson, Rich Tesner, Charles
Layzel e Bill Sobey foram fiéis na oração a meu favor.
Também tive alguns amigos no ministério pastoral que
sondaram minhas idéias e heresias – como David
Thompson em Pocatello, Idaho; Neal Rylaarsdam em
Portage, Michigan; Bill Lepley em Grabill, Indiana e Phil
Burch que estava nas redondezas. Eles se mostram os bons
meninos.
Cindy Bunch-Hotaling e todas as pessoas na InterVarsity
Press que fizeram um magnífico trabalho de pastorear meus
livros da gráfica às livrarias. Elas são o máximo.
Este livro é dedicado a minha esposa Karen. Ela é um
maravilhoso exemplo em minha vida, do caráter de Maria e
do Filho de Maria. Ela tem me apoiado e buscado apoio em
mim, através de difíceis tormentas. Ela possui a habilidade
única de robustecer-me e trazer-me de volta à realidade
quando mais preciso. Karen, meus filhos, meus pais e
minha graciosa família da igreja da Cruz, tornam minha vida
plena e rica.
1.
CONHECENDO MARIA
Maria me deixa nervoso. Alguns cristãos a exaltam tanto
que achamos que nunca conseguiremos alcançar suas virtudes. Maria é “a santa de todos os santos”, como ouvi um estudante universitário dizer. Ela se destaca em contraste dramático com as fraquezas e lutas que experimentamos diariamente. Ficamos boquiabertos diante de tanta perfeição.
Outros cristãos ignoram Maria. Não se interessam em examinar a fundo sua vida e seu caráter. Para muitos de nós, Maria
é pouco mais que uma estatueta no presépio, da qual tiramos
a poeira uma vez por ano e depois guardamos.
Quem é essa mulher? Uma santa de caráter tão perfeito
que nunca conseguiremos nos identificar com ela? Estaria ela
acima de todos os problemas pessoais e inseguranças contra
os quais lutamos? Como podemos simplesmente ignorá-la,
quando a Bíblia nos diz tanto sobre a sua santidade e corajosa obediência a Deus? Uma parte da comunidade cristã eleva
Maria quase ao status de divindade, enquanto outra parte prefere limitá-la às peças teatrais natalinas e aos cartões de Natal
sentimentais. Se tivéssemos de fazer uma lista das grandes
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mulheres de fé da Bíblia, talvez a maioria de nós logo pensaria em Rute colhendo nos campos de Boaz ou em Maria de
Betânia ungindo Jesus com óleo precioso, mas nem sequer
pensaria na mãe de Jesus.
Meu interesse pessoal em Maria começou quando eu preparava mais uma série de mensagens sobre o Natal. Não há
muitas maneiras de contar a mesma história todos os anos!
Eu havia pregado sobre o estábulo e os pastores tantas vezes
que podia ver a minha congregação cochilando diante das cenas
familiares e dos chavões tradicionais. Enquanto pensava sobre como abordar a série, me dei conta de que a história do
Natal relaciona-se com pessoas – homens e mulheres que nós
achamos que conhecemos, mas que nunca tomaram forma
própria de vida. Comecei a formular perguntas sobre todos
os personagens ligados ao nascimento de Jesus. Como José
se sentiu quando descobriu que Maria estava grávida? Como
era o estábulo? E aquele homem grosseiro da hospedaria que
rejeitou o casal de viajantes? Sempre pensamos nele como
um velho barbudo e resmungão segurando uma lata de cerveja e jogando os nossos pobres heróis ao relento numa noite fria. Estaria ele sendo cruel? Seria mesmo aquela uma noite
fria, dois mil anos atrás?
Essas perguntas me forçaram a voltar à Bíblia e à cultura da
Palestina do primeiro século. Tentei deixar de lado tudo o
que eu havia acreditado até então sobre o nascimento de Jesus e comecei a olhar a história com outros olhos e um coração inquisitivo. O meu estudo não somente resultou em boas
pregações (pelo menos ninguém dormiu!), como também
acendeu dentro de mim um profundo interesse por Maria
como um modelo de submissão e obediência a Deus. Durante anos eu havia apenas passado os olhos pelas páginas que
revelam o caráter da mãe de Jesus. Algumas vezes eu falara
sobre homens das Escrituras como exemplos de santidade,
mas então estava diante de mim uma mulher que desafiava,
em todos os ângulos, o meu compromisso com Cristo!
Quando observei Maria como mãe, percebi que ela punha
a descoberto a minha surpreendente falta de sacrifício e devo-
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ção para com os meus próprios filhos. Quando a observei
como crente, notei que ela seguiu um caminho de obediência
a Deus que raramente tive a coragem de seguir. Descobri, para
minha vergonha, que durante todos os anos da minha experiência cristã havia negligenciado um excelente modelo de vida.
Maria é muito mais do que um mosaico colorido na parede
de uma igreja. Ela nos leva a uma vida de vulnerabilidade humilde e lealdade corajosa para com o nosso Senhor Deus.
Meu propósito ao escrever este livro é levar você comigo
enquanto trilho pelo caminho da vida de Maria. Concentrome no Novo Testamento e no que podemos aprender sobre a
mãe de Jesus mediante o registro da Palavra de Deus. Alguns
detalhes da sua vida podem ser compreendidos por meio do
nosso conhecimento da cultura judaica do primeiro século.
Questões sobre outros detalhes ficam sem resposta. Meu alvo
é resgatar Maria dos séculos de lenda e tradição que a envolvem. Sinto-me como um artista restaurando um quadro magnífico, cujos poder e beleza originais só podem ser vistos depois de removidos meticulosamente a poeira e o velho verniz. Tento pintar o verdadeiro retrato de Maria – um retrato
baseado nas Escrituras, sem o revestimento da tradição e sem
a poeira da negligência.
Sei que estou lidando com um assunto bastante polêmico. Em conversas com amigos sobre este livro, logo apareceram perguntas difíceis. Como tratar as pessoas que afirmam
ter visões de Maria ou receber mensagens dela? Como abordar o ensinamento da Igreja Católica ou das igrejas ortodoxas
sobre a mãe de Jesus? De onde vêm essas doutrinas?
Escrevo da perspectiva da crença evangélica protestante.
Observamos várias crenças da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, porém meu alvo não é simplesmente criticar o
ensinamento de outros. Tento apresentar e examinar, sob uma
perspectiva bíblica, as suas idéias e crenças sobre Maria. Tento
ajudar você a avaliar as afirmações daqueles que dizem terem
tido visões de Maria, mas estou convicto de que, uma vez que
você a vir como ela é apresentada na Palavra de Deus, a importância dessas supostas visões diminuirá.
1 2
Meu enfoque principal no livro é redescobrir a Maria da
Bíblia. A luz esclarecedora das Escrituras nos capacitará a avaliar as tradições que envolvem a mãe de Jesus e que às vezes
têm bloqueado a nossa visão.
Espero que você esteja pronto para observar Maria com
outros olhos e um coração aberto. O que você verá pode transformar a sua caminhada com o Senhor. Você nunca mais conseguirá olhar a estatueta no presépio com os mesmos olhos.
Deus ainda procura homens e mulheres como Maria, que não
têm medo de aceitar o chamado dele.
Um coração alerta
Quando Maria nasceu, a época dourada da história de Israel já passara. Havia mais de quinhentos anos que um membro da família de Davi não reinava em Jerusalém. Séculos de
revolta fizeram com que as ramificações da árvore genealógica
real caíssem no esquecimento. O povo de Israel, porém, não
havia esquecido a promessa de que Deus enviaria um libertador, descendente de Davi. Embora os judeus se orgulhassem
de seu passado glorioso, eles ansiavam por um futuro ainda
mais esplêndido. Todo coração esperançoso em Israel ansiava
pelo Messias.
Sabemos muito pouco sobre a infância de Maria. As informações do Novo Testamento e as inferências que podemos
fazer a partir do nosso conhecimento da cultura em que ela
nasceu indicam uma criação humilde e temente a Deus. Seu
pai, aparentemente, era descendente de Natã, filho de Davi.
Sem dúvida, ele tinha muito orgulho da sua linhagem e tentava carregar com dignidade o peso da sua herança.
A mãe de Maria tinha parentesco direto ou indireto com o
clã de Levi: os sacerdotes de Israel. Sua parenta Isabel era da
tribo de Levi e da família de Arão, o primeiro sumo sacerdote
de Israel. A devoção espiritual no lar em que Maria cresceu foi
intensificada pela influência sacerdotal da família da mãe. O
sábado e os dias festivos eram observados em alegre obediência. A Palavra de Deus na Lei e nos Salmos era lida, cantada e
discutida ao redor da mesa e nas noites tranqüilas. Assim, o
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caráter de Maria foi formado e refinado pelo modelo que ela
observou em casa.
The Protoevangelium of James (O Proto-evangelho de Tiago),
um livro escrito muitos anos depois da compilação do Novo
Testamento, alega contar a história do nascimento e da infância de Maria. Trata-se de um evangelho apócrifo, que nunca
foi considerado pelos primeiros cristãos como sendo exato
nem inspirado. A maior parte dos livros apócrifos do segundo ou terceiro século era mais um romance do que um registro histórico. Dessa fonte, aprendemos que os pais de Maria
eram Joaquim e Ana.
Uma outra tradição sobre a família de Maria diz que ela era
filha única. No entanto, o apóstolo João diz que, enquanto
Maria estava perto da cruz de Jesus, sua irmã estava com ela
(Jo 19.25). Pelo fato de Maria estar na Galiléia na primeira vez
em que aparece na história bíblica, a maioria dos intérpretes
das Escrituras acredita que ela tenha nascido em Nazaré. Mas
outras tradições confiáveis dizem que ela nasceu em Belém,
ou em Seforis (uma cidade perto de Nazaré), ou ainda em
Jerusalém. Teria ido para Nazaré ainda criança, quando seus
pais morreram.
Estou convicto de que as primeiras impressões de Maria
quando criança foram centradas na devoção a Deus e na sua
Palavra. Seu próprio conhecimento das Escrituras e seu caráter devoto quando adulta indicam uma infância de instrução
bíblica e fiel observação da Lei de Deus. “Ouve, ó Israel, o
Senhor nosso Deus é o único Senhor” eram as primeiras palavras do Shema, a afirmação judaica de fé recitada pelo pai
da família duas vezes ao dia. Os momentos das orações de
adoração e das histórias da Bíblia - que eram as histórias do
próprio povo de Maria - eram momentos de entusiasmo. A
maioria dos eventos bíblicos acontecera dentro de um raio de
cem quilômetros da porta da sua casa.
A educação formal das crianças era responsabilidade de toda
a comunidade, e as escolas nas sinagogas eram gratuitas, sustentadas pelas contribuições da congregação local. Os meninos e
meninas (em salas separadas) aprendiam a ler e provavelmente
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a escrever. Os judeus eram o povo do Livro, e cada membro
da comunidade da aliança precisava saber ler os preceitos e
promessas nas Escrituras.
Na sua maior parte, a educação de Maria aconteceu em casa.
As mulheres se casavam cedo e tinham de estar preparadas
para administrar uma casa. Assim, Maria aprendeu a cozinhar e a fazer tecidos para vestuário. Os cidadãos abastados de Jerusalém podiam comprar linho puro, lã e até
mesmo roupas prontas, que vinham da Índia e do Egito.
Mas, nas regiões campestres da Galiléia, a maioria dos tecidos ainda era feita a mão e amorosamente costurada para
formar o guarda-roupa da família. A vida da mulher da
Palestina do primeiro século não tinha nada de fascinante
ou romântico. Ela trabalhava longas horas só para manter
a sua casa.
As longas semanas de trabalho somente eram interrompidas pelo descanso do sábado e pelo ciclo de festivais designados para lembrar os judeus do grande poder e da provisão
diária de Deus. A festa da Páscoa na primavera, a celebração
do Pentecostes no verão e o festival dos Tabernáculos no outono eram ocasiões de louvor especial e distração social. É
provável que Isabel, parenta mais velha de Maria, a visitasse
com freqüência, possibilitando assim uma amizade calorosa,
cheia de amor e confiança, entre as duas. Mais tarde, Isabel foi
a pessoa que Maria procurou, quando, durante uma crise,
precisava de força e encorajamento.
Tornando o estudo pessoal
Longos anos relativamente tranqüilos formaram o alicerce
do caráter de Maria, que recebeu de seus pais ensino e instrução. Não sabemos quem Deus pode estar preparando em
nossos próprios lares ou na classe de Escola Dominical que
dirigimos. Talvez passemos nossa vida em obscuridade, mas
podemos ser instrumentos nas mãos de Deus para desenvolver um homem ou uma mulher que vai marcar uma geração –
ou o resto da história humana – para o bem e para Deus. Os
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pais, professores e exemplos de Maria são desconhecidos, mas
a influência deles produziu uma mulher de força admirável.
Quando Maria chegou à adolescência, seus pais começaram a planejar o seu casamento. Naquele tempo, a maioria
dos contratos de casamento era feita quando as crianças ainda eram muito novas. Os pais de Maria escolheram com sabedoria o futuro noivo da filha e a prometeram a José, um aprendiz de carpinteiro muito amável, trabalhador e totalmente
comprometido com o Senhor. Quando José completou o treinamento profissional, anunciaram na sinagoga que ele e Maria estavam oficialmente noivos. A família e os amigos parabenizaram o casal e começaram os preparativos para o casamento, que seria realizado um ano mais tarde. Dentro de alguns
meses, porém, as circunstâncias mudariam dramaticamente
para o casal. Deus lhes traria uma notícia surpreendente – uma
notícia que mudaria as suas vidas para sempre.