O Espírito da glória - palavras do evangelho

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O Espírito da glória - palavras do evangelho
O
Espírito
da glória
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“The Spirit of Glory”
Copyright © 2011 by Assembly Testimony,
49 Glenburn Rd, Dunmurry, Belfast, BT 17 9AN, N Ireland.
Tradução: Rochele B. Pereira
Correção: M. Janeta M.Watterson
Impressão e Acabamento Gráfico — Suprema Gráfica
Primeira edição brasileira — Setembro 2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
O Espírito da glória / [Assembly Testimony ;
tradução Rochele B. Pereira]. -- São Carlos,SP :
Suprema Gráfica e Editora, 2013.
Título original: The spirit of glory.
1. Espírito Santo I. Assembly Testimony.
ISBN: 978-85-98156-82-8
13-10019
CDD-231.3
Índices para catálogo sistemático:
1. Espírito Santo : Teologia cristã 231.3
Publicado no Brasil com a devida autorização, e com todos os direitos reservados, por:
Editora Sã Doutrina
Caixa Postal 241 — Pirassununga - SP
CEP 13630-970 — BRASIL
www.sadoutrina.com
São Carlos-SP
Suprema Gráfica e Editora Ltda – EPP
O
Espírito
da glória
Abreviações:
AT���������������Almeida Revista e Revisada fiel ao texto original. Versão
da Bíblia em Português da Sociedade Bíblica Trinitariana.
ARC������������Almeida Revista e Corrigida. Versão da Bíblia em Português da Sociedade Bíblica do Brasil.
ARA������������Almeida Revista e Atualizada. Versão da Bíblia em Português da Sociedade Bíblica do Brasil.
VB���������������Versão Brasileira.
NVI�������������Nova Versão Internacional.
AV���������������Authorized Version. Versão da Bíblia em Inglês.
JND�������������Versão da Bíblia em Inglês de J. N. Darby.
H. e C.���������Hinos e Cânticos.
N. do T.�������Nota do Tradutor
N. do E.�������Nota do Editor
Todas as Escrituras citadas neste livro são da versão Corrigida e
Revisada Fiel ao texto Original, da Sociedade Bíblica Trinitariana
(AT), exceto quando indicado. O uso de outras versões da Bíblia nesta
publicação não implica o endosso destas versões na sua totalidade.
Índice
Abreviações:.................................................................................................4
Prefácio à edição em Inglês......................................................................6
Introdução....................................................................................................7
Prefácio à edição em Português..............................................................8
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo.......................................9
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo................................................ 26
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo..................................... 40
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração.......... 57
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento............................. 74
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo................................... 92
Cap. 7 — O Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo............108
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos.................................................121
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos........................................138
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios...................................152
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas..........................................167
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios...........................................186
Cap. 13 — O Espírito Santo em Apocalipse....................................199
Prefácio à edição em Inglês
Quando publicamos o primeiro dos livros Assembly Testimony* em
2006, não pensávamos que seriam tão apreciados. É com grande prazer que
vemos sua ampla acolhida, e as expressões de apreciação nos incentivam
a continuar com a publicação. Temos grande satisfação em entregar mais
este livro nas mãos dos leitores, e oramos para que este, juntamente com os
demais, venha a ser para o enriquecimento e edificação de todos os leitores,
especialmente os santos mais jovens.
O título irá chamar a atenção já que não é “A Glória do Espírito”,
como era de se esperar, com base nos títulos dos livros anteriores, e sim
“O Espírito da Glória”. Encontramos nas Escrituras as expressões “Deus
da glória” e a “glória de Deus”; lemos também do “Senhor da glória” e da
“glória do Senhor”; além disso, encontramos a frase “o Espírito da Glória”,
mas não lemos da “glória do Espírito” em lugar algum. Isso irá manter uma
adequação ao Seu ministério, que não consiste em estimular ocupação consigo mesmo, mas com o Senhor Jesus. Em dias de tanto ensino falso acerca
do Espírito Santo, dias em que alguns cristãos professos se ocupam com
Ele e negligenciam o Senhor Jesus, uma compreensão do Seu ministério é
essencial. Confiamos que esse livro pode ser de ajuda nesse sentido.
Temos que expressar mais uma vez nossa profunda apreciação a todos
os colaboradores. São irmãos que andam muito ocupados no serviço do
Senhor em várias regiões do mundo, e em seus variados aspectos. Alguns
combinam o trabalho do Senhor com suas responsabilidades seculares e as
responsabilidades com a igreja local, enquanto outros carregam o fardo da
divulgação do Evangelho e do ensino dos santos. Apesar da pressão sobre
o seu tempo, os autores trabalharam diligentemente para garantir que os
santos tenham neste livro um volume que lhes assistirá na sua compreensão
da verdade divina.
Apreciamos muito a boa vontade e o trabalho paciente dos nossos assistentes “nos bastidores”, e sabemos que seu trabalho será ricamente recompensado no Tribunal de Cristo, que há de se dar em breve. São dignos
de uma menção especial o nosso irmão Roy Reynolds por editar o livro, e
nossos irmãos Walter Boyd e Joanna Currie que se encarregaram do trabalho um tanto ingrato de revisão. Expressamos a cada um destes nossos
sinceros agradecimentos.
Brian Currie, Irlanda do Norte, Março de 2009.
* Uma revista gratuita publicada por irmãos que se reúnem ao nome do Senhor Jesus
Cristo na Irlanda do Norte. Maiores informações: www.assemblytestimony.org.
Introdução
Visto que cremos irrevogavelmente na eternidade, personalidade,
igualdade e deidade absoluta do Espírito Santo, cabe a nós falar e escrever
dEle de forma reverente e reticente. Seu ministério em relação ao mundo, à
Igreja dispensacional, à Igreja local e a cada cristão, é inestimável. Como o
servo anônimo de Abraão em Gênesis capítulo 24, Ele tem buscado incansavelmente uma Noiva para o Filho do Seu Senhor, e nós que somos salvos
temos uma dívida incalculável para com o Seu ministério de graça paciente
e persistente. Seu envolvimento no Calvário fica claro através de Hebreus
9:14, e a Sua parte na nossa salvação também é evidente em João 3:6 e em
I Pedro 1:2. No momento da conversão, em graça, Ele passa a habitar em
cada cristão (Ef 1:13), e Ele é “o penhor da nossa herança, para redenção da
possessão adquirida...” (Ef 1:14). Ele é o bendito Paracleto [Consolador]
prometido por Cristo antes da Sua ascensão de volta ao Pai, que fornece a
assistência e o socorro tão necessários; Ele é o Professor infalível de João
16 que nos guia em toda a verdade, e todo serviço de valor para o Mestre é
energizado pelo Seu poder. Ele possui todos os atributos divinos, manifestamente onipresentes, mas em submissão voluntária, Sua esfera específica
de operação é o mundo “até que do meio seja tirado” (II Ts 2:7). Que nós, os
cristãos, possamos viver de tal forma a não ferir a Sua santa sensibilidade.
À luz da tremenda importância deste assunto, não tenho dúvida de que
este livro da série “Glória” será bem acolhido e apreciado por todos aqueles
que desejam um conhecimento mais pleno da pessoa do Espírito Santo,
e do papel importantíssimo que Ele tem nas nossas vidas e experiências
espirituais.
Somos gratos pelas muitas horas empregadas pelos autores na produção de seus capítulos, apresentando conteúdo que indubitavelmente será
benéfico para todos que leem. A participação do irmão Brian Currie em
todas as tarefas relativas à publicação deste volume é digna de uma menção
especial.
Oramos para que o livro nos permita compreender com maior clareza
as implicações de sermos habitados por um tão santo e distinto Hóspede.
Roy Reynolds, Irlanda do Norte, Março de 2009.
Prefácio à edição em Português
No ano de 2011 iniciamos a publicação desta série com o lançamento
do livro “A glória da Sua graça”. O Deus que nos permitiu publicarmos
aquele livro merece nossa gratidão pela boa recepção que o livro teve entre
nossos irmãos aqui no Brasil. No ano seguinte (2012) publicamos “A Glória do Filho”, que igualmente foi recebido com alegria pelo povo de Deus.
Dando sequência a esta série, lançamos agora o terceiro volume, que
trata da Pessoa do Espírito Santo, que é Deus. Nestes dias de tanta confusão quanto à Pessoa e obra do Espírito Santo na atual dispensação, cremos
que o ensino contido neste livro será de muito proveito para aqueles que
querem conhecer melhor o Autor divino da Bíblia (II Pe 1:21), aquele que
é o único capaz de nos ensinar o que este livro precioso contem (I Co
2:11-16).
Agradecemos aos responsáveis pela revista Assembly Testimony pela sua
cooperação tão importante nesta obra, e pelos irmãos e irmãs que voluntariamente usaram seu tempo e talentos na produção deste livro. Novamente
agradecemos a Deus pela oportunidade que Ele nos deu, através dos Seus
servos na Irlanda do Norte e no Brasil, de oferecer este livro gratuitamente
aos nossos irmãos e irmãs no Brasil, Portugal e Angola.
Pirassununga, Setembro de 2013.
Cap. 1 — A personalidade
do Espírito Santo
por David E. West, Inglaterra
Introdução
Todos os cristãos creem na verdade fundamental de que Deus é Um
— o único soberano, todo-poderoso e onisciente Criador e Sustentador
de todo o Universo. Paulo diz: “Porque dEle e por Ele, e para Ele, são
todas as coisas; glória, pois, a Ele eternamente. Amém” (Rm 11:36).
Tanto o Velho quanto o Novo Testamentos são enfáticos e insistentes
em relação a isto, e não ousamos ser descuidados em relação a essa verdade fundamental, para que não caiamos em erro.
Deus não apenas é Um, mas Ele é o Ser absolutamente único: “Eu
sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a Mim” (Is
46:9). No entanto, apesar da insistência das Escrituras na singularidade
de Deus, o Novo Testamento constantemente nos apresenta o Pai, o
Filho e o Espírito Santo, e faz declarações acerca de cada um que só
podem ser verdadeiras de Deus. Uma consideração das muitas Escrituras do Novo Testamento há de nos mostrar que essas Pessoas são
distinguíveis. O Pai não é o Filho nem o Espírito Santo; o Filho não é
o Pai nem o Espírito Santo; o Espírito Santo não é o Pai nem o Filho.
Embora estas Pessoas sejam distintas entre si, elas não são separadas; de
fato, o Senhor Jesus, depois da Sua ressurreição, quando falava aos Seus
sobre fazer discípulos de todas as nações, disse: “batizando-os em nome
[singular] do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28:19).
Na nossa limitada experiência humana, um ser é uma pessoa; assim,
para nós, os termos “ser” e “pessoa” tendem a ser considerados permutáveis — mas não devemos confundir os dois. Deus é absolutamente
único, e um aspecto dessa singularidade é que no Ser Único de Deus há
três Pessoas.
O tema sob consideração é “O Espírito Santo”, e precisamos tomar
cuidado para que Ele não seja relegado a uma posição de inferioridade
por ser chamado de “a Terceira Pessoa da Trindade”.
10
O Espírito da Glória
Pelas palavras do Senhor Jesus aos Seus: “Mas quando vier aquele
Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará
de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que
há de vir” ( Jo 16:13), alguns concluem que o Espírito nunca fala de Si
mesmo, mas observamos que essa conclusão é incorreta quando consideramos todo o ensino do Novo Testamento sobre o Espírito Santo,
ensino esse inspirado pelo próprio Espírito. A expressão “de Si mesmo”
(ou “por Si mesmo”) significa “da Sua própria iniciativa”, como mostram as palavras que seguem: “mas dirá tudo o que tiver ouvido”.
É bom lembrar, no começo do nosso estudo, que dependemos do
mesmo Espírito, pois sem Ele não teríamos a Bíblia — Ele é o Divino
Autor: “… homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito
Santo” (II Pe 1:21).
Além disso, sem o Seu auxílio, não seríamos capazes sequer de entender as Escrituras. Os próprios instrumentos humanos usados pelo
Espírito para escrever a Palavra de Deus se voltavam Àquele que os
impelia, para encontrar luz quanto aos propósitos e o cronograma de
Deus: “… da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os
profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que
tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles,
indicava” (I Pe 1:10-11). Enquanto somos encorajados a nos aplicar
diligentemente ao estudo da Palavra de Deus, é o Espírito Santo quem
deve inundar a página com luz divina. Assim, o Espírito deve receber o
Seu devido lugar e, como para nos despertar para esse fato, Ele aparece
na primeira e na última página da revelação divina: “E o Espírito de
Deus se movia sobre a face das águas” (Gn 1:2); “e o Espírito e a esposa
dizem: Vem” (Ap 22: 17).
Há, aproximadamente, cem referências ao Espírito Santo no Velho
Testamento, e no Novo Testamento (que equivale a cerca de um terço
do Velho Testamento) há em torno de duzentas e trinta referências.
Isso significa que o Espírito Santo tem uma posição muito mais proeminente na revelação do Novo Testamento, o que é compatível com o
fato que a presente fase dos procedimentos de Deus com os homens é
especificamente a do Espírito. Apenas três livros do Novo Testamento
não mencionam o Espírito Santo: Filemon e II e III João. Também,
encontramos somente uma referência ao Espírito Santo em outros sete:
Colossenses, II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito, Tiago e II Pedro.
Neste artigo serão considerados os seguintes tópicos:
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 11
• Os nomes e títulos do Espírito Santo;
• A deidade do Espírito Santo;
• A personalidade do Espírito Santo
Os nomes e títulos do Espírito Santo
Os nomes e títulos desta bendita Pessoa são muitos e maravilhosos.
Nenhum dos Seus nomes pode ser separado de alguma expressão de
Deidade. Todos os nomes manifestam algum aspecto da Sua posição
como Deus, Seu relacionamento na Divindade ou Suas funções e perfeições em relação à realização dos propósitos de Deus.
O Espírito
“Espírito” é a tradução da palavra grega pneuma, que primariamente
significa “vento”, e também “sopro”: “Mas Deus no-las revelou pelo Seu
Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus” (I Co 2:10).
Talvez deveríamos mencionar que uma das razões por que os homens tendem a pensar no Espírito como um atributo impessoal, e não
como uma Pessoa específica, é porque a palavra grega pneuma é uma
palavra neutra, e algumas versões traduzem o pronome correspondente
de forma impessoal*. Tal tradução está gramaticalmente correta, mas
doutrinariamente incorreta. É desnecessário dizer que a natureza do
Espírito não é determinada pelas regras gramaticais do grego, ou de
qualquer outra língua!
O Espírito de Deus
Este nome enfatiza a Sua natureza, caráter e poder Divinos: “Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito
de Deus diz: Jesus é anátema” (I Co 12:3).
O Espírito do Senhor
Foi na sinagoga de Nazaré, no dia de Sábado, que foi entregue ao
Senhor Jesus “o livro do profeta Isaías; e, quando abriu o livro, achou o
lugar em que estava escrito: o Espírito do Senhor é sobre Mim …” (Lc
4:17-18). Embora o título “o Espírito do Senhor [ Jeová]” seja usado,
* O autor cita, como exemplo, Rm 8:16, que na AV usa o pronome reflexivo impessoal (“itself”) ao invés do pronome reflexivo pessoal (“himself”) (N. do E.).
12
O Espírito da Glória
por exemplo, em Isaías 11:2, a passagem do Velho Testamento que o
Senhor Jesus leu traz: “O Espírito do Senhor Deus [Adonai Jeová] é
sobre Mim” (Is 61:1). Este último título é ainda mais enfático.
O Espírito do Deus vivo
Assim como Pedro confessou que Cristo era o “Filho do Deus vivo”
(Mt 16:16), o Espírito Santo é descrito como o Espírito do Deus vivo:
“… porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por
nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em
tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” (II Co 3:3).
O Espírito de Cristo
Esse nome destaca a relação do Espírito com Cristo: “… vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus
habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal
não é dEle” (Rm 8:9). O “Espírito de Deus” e o “Espírito de Cristo”
certamente se referem ao Espírito Santo, e mostram que Deus o Pai e
Cristo mantém exatamente a mesma relação com o Espírito.
O Espírito de Seu Filho
Paulo escreve: “… e porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de Seu Filho, que clama: Aba, Pai” (Gl 4:6). Este é o
único lugar onde o título “o Espírito de Seu Filho” é usado. Em Romanos 8:15 Ele é chamado “o Espírito de adoção [filiação]”. Assim nós,
como cristãos, agora possuímos “o Espírito de Seu Filho” para estar em
correlação com a nossa condição de filhos.
O Espírito de Jesus Cristo
Esta designação é usada somente em Filipenses 1:19: “Porque sei
que disto me resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro [isto é,
a “abundante provisão”] do Espírito de Jesus Cristo”. É Jesus Cristo,
o Homem agora exaltado à mão direita do Pai, que envia o Espírito. O
título “o Espírito de Jesus Cristo” nos diz que o poder que conduziu a
Jesus através desta cena terrestre, é exatamente o que nós necessitamos
para nos levar em segurança através deste mundo.
O Espírito de Jesus
Lucas registra: “… e quando eles [Paulo e Timóteo] chegaram a
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 13
Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu” (At 16:7, VB). Deve-se notar que, no contexto imediato, lemos
que “passando pela Frígia e pela província da Galácia, foram impedidos
pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia” (At 16:6). Logo, “o
Espírito de Jesus” é o “Espírito Santo”. W. Kelly comenta: “O Espírito de Jesus harmoniza o interesse pessoal do Homem glorificado, cujo
Nome era o desejo dos seus corações e o grande objetivo das suas vidas
fazer conhecido, … com o poder do Espírito”. O conceito da relação do
Espírito com o Homem Jesus fica ainda mais claro aqui.
O Espírito Santo
“Estando Maria Sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo” (Mt 1:18). Este nome
enfatiza o caráter moral essencial do Espírito. Ele é Santo em Si mesmo.
O Espírito de santificação
Este título é usado somente em uma ocasião: “… declarado Filho de
Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição
dos mortos” (Rm 1:4). Alguns sugerem que “o Espírito de santificação”
se refere ao espírito humano de Cristo, que era absolutamente santo.
Isto é distinto e, no entanto, inseparável do Espírito Santo.
O Espírito Santo da promessa
Paulo, se dirigindo aos santos de Éfeso, escreve: “… e tendo Nele
também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (Ef
1:13). O selo de propriedade divina é o Espírito Santo habitando no
cristão como o Espírito Santo da promessa. Embora o Espírito Santo
fosse (e é) o Prometido, como revelado pelo Senhor Jesus antes da Sua
ascensão (“… que esperassem a promessa do Pai, que de Mim ouvistes”,
At 1:4), todavia no contexto do versículo citado da carta aos Efésios, o
título “o Espírito Santo da promessa” parece estar mais ligado com a
imutável promessa das nossas bênçãos futuras.
O Espírito de verdade
Três vezes em capítulos consecutivos ( João caps. 14, 15 e 16) o
Senhor se refere ao Espírito Santo como “o Espírito de verdade”: por
exemplo, “mas quando vier o Consolador, que Eu da parte do Pai vos
hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, Ele tes-
14
O Espírito da Glória
tificará de Mim” ( Jo 15:26). A Sua essência é a verdade: “E o Espírito
é O que testifica, porque o Espírito é a verdade” (I Jo 5 6). Sua obra é
comunicar a verdade: “Mas, quando vier Aquele Espírito de verdade, ele
vos guiará em toda a verdade” ( Jo 16:13). Toda a verdade provém Dele.
O Espírito de vida
Paulo escreve: “… porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus,
me livrou da lei do pecado e da morte” (Rm 8:2). Há uma nova lei para
uma nova vida. A frase “o Espírito de vida” não é subjetiva, isto é, “o Espírito que tem vida”, e sim objetiva; em outras palavras “o Espírito que
dá vida”. O Senhor Jesus disse: “O Espírito é o que vivifica” ( Jo 6:63),
referindo-Se ao Espírito Santo.
O Espírito da graça
Este título é usado somente em uma ocasião: “… de quanto maior
castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de
Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com que foi santificado,
e fizer agravo ao Espírito da graça?” (Hb 10:29). Portanto, o apóstata
despreza, não apenas o Filho e o sacrifício, mas também o Espírito. Foi
graça que trouxe o Filho de Deus à Terra e O levou ao Calvário. No
exercício dessa mesma graça o Espírito de Deus exerce um ministério
de graça para com os homens culpados. No entanto, esses apóstatas
insultaram o Espírito da graça.
O Espírito da Glória
Este, obviamente, é o título deste livro. Pedro escreve: “Se pelo
nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre
vós repousa o Espírito da Glória e de Deus” (I Pe 4:14). Lemos do
“Deus da glória” (At 7:2), do “Pai da glória” (Ef 1:17), do “Senhor da
glória” (I Co 2:8) e agora do “Espírito da glória”. Cristo estava na glória; Pedro está dizendo a estes cristãos dispersos e estrangeiros que o
Espírito, que veio daquela glória e daquele Deus, os enchia de gozo ao
suportarem o vitupério. O Espírito Santo é o administrador de uma
graça que culmina em glória.
O Espírito Eterno
Este título, usado pelo escritor aos Hebreus, será considerado mais
adiante na seção “A divindade do Espírito Santo”: “Cristo … pelo Es-
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 15
pírito eterno se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus” (Hb 9:14).
O Consolador
Três vezes ( Jo 14:26; 15:26; 16:7) no “ministério do cenáculo” o
Senhor Jesus se refere ao Espírito Santo como “o Consolador” (por
exemplo, “… aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará
em Meu nome, Esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de
tudo quanto vos tenho dito” — Jo 14:29), e uma vez como “outro [ou
seja, do mesmo tipo que Ele] Consolador” ( Jo 14:16). A palavra traduzida “Consolador” literalmente significa alguém chamado para ficar
ao lado de outro para auxiliar, a ideia sendo alguém à mão para apoiar.
É a mesma palavra traduzida “advogado” na primeira epístola de João:
“Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo”
(I Jo 2:1).
Outros
A lista de nomes/títulos do Espírito Santo, dada acima, certamente
não é completa. Alguns dos títulos adicionais encontrados no Velho
Testamento são: “Espírito da sabedoria” (Êx 28:3; Dt 34:9); “o Teu bom
Espírito” (Ne 9:20); “a inspiração [sopro] do Todo-Poderoso” ( Jó 34:3);
“o Espírito de justiça” (Is 4:4; 28:6); “o Espírito de ardor” (Is 4:4); “o
Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de
fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor” (Is 11:2);
“um Espírito novo” (Ez 11:19); “o Espírito de graça e de súplicas” (Zc
12:10).
Algumas dos nomes menos usados no Novo Testamento, e que não
foram mencionados até agora neste artigo são: “o Espírito de vosso Pai”
(Mt 10:20); “a unção” (I Jo 2:27); “os sete espíritos” (Ap 1:4); “os sete
espíritos de Deus” (Ap 3:1; 4:5; 5:6).
A divindade do Espírito Santo
As Escrituras indicam claramente que o Espírito Santo é Deus.
Pedro disse a Ananias: “Porque encheu Satanás o teu coração, para que
mentisses ao Espírito Santo”, e continua: “Não mentistes aos homens,
mas a Deus” (At 5:3-4). A dedução lógica é que o Espírito Santo é
Deus. Podemos tirar a mesma conclusão de I Coríntios 3, onde Paulo,
dirigindo-se a igreja, diz: “… vós sois o templo de Deus” e então acres-
16
O Espírito da Glória
centa: “… o Espírito de Deus habita em vós” (v. 16). Também a inspiração de Deus em relação às Escrituras (“Toda a Escritura é inspirada
por Deus” — II Tm 3:16) se iguala à inspiração dos “homens santos de
Deus” que “falaram inspirados pelo Espírito Santo” (II Pe 1:21).
“O Espírito do Senhor [ Jeová]”, o nome geralmente dado ao Espírito Santo no Velho Testamento, é usado como sinônimo de “o Senhor [ Jeová]”, por exemplo: “… e veio sobre ele [Otniel] o Espírito do
Senhor, e julgou a Israel, e saiu à peleja; e o Senhor entregou na sua
mão a Cusã-Risataim” ( Jz 3:10). Os escritores do Novo Testamento, ao
citarem as palavras faladas por Jeová no Velho Testamento, atribuem-nas ao Espírito Santo, por exemplo: as instruções de Jeová acerca da
entrada de Aarão no lugar santíssimo além do véu, uma vez ao ano (Lv
16:2-34) são descritas pelo escritor aos Hebreus assim: “… dando nisto
a entender o Espírito Santo que o caminho do santuário ainda não estava descoberto enquanto se conservava em pé o primeiro tabernáculo”
(Hb 9:8).
Os atributos ou qualidades essenciais da Divindade são absolutos.
Cada Pessoa da Trindade possui todos esses atributos na sua totalidade.
Devemos observar os seguintes atributos do Espírito Santo:
Sua onipresença
A onipresença de Deus foi reconhecida pelo salmista; no Salmo
139 ele enfatiza que é do Espírito de Deus que ele não pode fugir: “para
onde me irei do Teu Espírito, ou para onde fugirei da Tua face?” (v. 7).
Para onde quer que o salmista fosse, seja na esfera terrestre (“Se tomar
as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a Tua mão me
guiará e a Tua destra me susterá” — vs. 9-10), ou em esferas invisíveis
(“Se subir ao céu, Tu lá estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que
Tu ali estás também” — v. 8), ele sabe que ali ele encontrará o Espírito.
Para o salmista não se tratava apenas de uma realidade solene, mas era
também uma fonte de regozijo saber que nunca poderia chegar a um
lugar onde estivesse além do alcance da Sua presença.
Nesta era presente, o corpo do cristão individual é o templo do Espírito Santo: “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito
Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós
mesmos?” (I Co 6:19). Essa é a condição contínua de todo filho de Deus
a partir do momento da conversão. Semelhantemente, a igreja local é o
templo de Deus; Paulo, dirigindo-se à igreja em Corinto diz: “Não sa-
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 17
beis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em
vós?” (I Co 3:16). Já que isto é verdade de toda igreja local no mundo, a
qualquer hora, o Espírito Santo não está limitado a uma localidade. Ele
possui o atributo da onipresença.
Sua onisciência
A Palavra de Deus deixa claro que o Espírito possui todo o conhecimento. Paulo escreve: “porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do
homem, senão o espírito do homem que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus” (I Co 2:10,11).
Assim, o Espírito Santo é uma Pessoa Divina com onisciência. De fato,
Isaías diz: “quem guiou o Espírito do Senhor, ou como Seu conselheiro
O ensinou?” (Is 40:13).
Sua onisciência pode ser discernida também nas verdades entregues
sobre as coisas de Deus, já que o Espírito é o grande Mestre enviado
pelo Pai para confortar e encorajar os Seus, depois da ascensão do Senhor Jesus: “… aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará
em Meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de
tudo quanto vos tenho dito” ( Jo 14:26); “… quando vier Aquele, o Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade … e vos anunciará
o que há de vir” ( Jo 16:13).
Sua onipotência
O Espírito Santo é visto como possuindo poder ilimitado ao trabalhar para cumprir os propósitos de Deus. A primeira menção do Espírito de Deus na Bíblia está relacionada à grande obra da Criação, onde “o
Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Gn 1:2). Na realidade, Ele é a primeira pessoa da Trindade a ser especificamente nomeada.
Eliú sugere que o Espírito Santo concede a vida física: “o Espírito
de Deus me fez; e a inspiração do Todo-Poderoso me deu vida” ( Jó
33:4). O ato poderoso da ressurreição é atribuído a Ele: “E se o Espírito
Daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, Aquele
que dentre os mortos ressuscitou a Cristo também vivificará os vossos
corpos mortais, pelo Seu Espírito que em vós habita” (Rm 8:11). O
escritor inspirado claramente declara o envolvimento do Espírito Santo
na ressurreição de Cristo: “Porque também Cristo padeceu uma vez
pelos pecados … mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo
18
O Espírito da Glória
Espírito” (I Pe 3:18).
O Espírito Santo demonstra Seu poder onipotente ao realizar o
novo nascimento: “… aquele que não nascer da água e do Espírito, não
pode entrar no reino de Deus” ( Jo 3:5); “… não pelas obras de justiça
que houvéssemos feito, mas segundo a Sua misericórdia, nos salvou pela
lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo” (Tt 3:5).
O poder do Espírito de Deus é ilustrado nos milagres que o Senhor
Jesus realizou. Estes foram produto, não apenas do poder Divino do
próprio Cristo, mas também juntamente com o Espírito Santo: “Eu
expulso os demônios pelo Espírito de Deus” (Mt 12:28).
Devemos lembrar também que os termos “o Espírito Santo” e a
“virtude do Altíssimo” parecem ser sinônimos quando o anjo Gabriel
diz para Maria: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; por isso também o Santo, que de ti
há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lc 1:35).
Sua eternidade
Outro atributo de Deus, que pertence unicamente a Ele e não é
possuído por nenhum outro, é Sua eterna existência não criada. O escritor aos Hebreus fala de “Cristo, que pelo Espírito Eterno Se ofereceu
a Si mesmo imaculado a Deus” (Hb 9:14). Neste versículo encontramos as três pessoas da Trindade envolvidas na grande obra sacrificial de
Cristo, mas o destaque aqui é que o Espírito é descrito como eterno, um
atributo que é igualmente verdadeiro do Pai e do Filho.
A personalidade do Espírito Santo
Precisamos ter uma compreensão clara sobre a personalidade do
Espírito Santo; Ele não é uma influência. É natural pensar em Deus
Pai como uma Pessoa, manifestada pelo Filho que encarnou e em graça
humilde andou entre os homens. Mas quanto ao Espírito que é invisível
e cujas operações são secretas e silenciosas, temos a tendência de pensar
diferentemente.
A realidade da personalidade do Espírito Santo
O uso de pronomes pessoais
Já vimos que “Espírito” é a tradução da palavra grega pneuma, que é
uma palavra neutra, e que em certos lugares é traduzida usando o pro-
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 19
nome reflexivo neutro em aposição (veja nota na pág. 11). Afirmamos
que embora isso seja gramaticalmente correto, o fato fica doutrinariamente errado.
Entretanto, no ministério do Senhor Jesus aos discípulos, no cenáculo, Ele repetidamente usou o pronome masculino “Ele” (ekeinos) ao
falar do Espírito Santo, por exemplo: “… quando vier o Consolador,
que Eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade,
que procede do Pai, Ele [“Esse” enfático] testificará de Mim” ( Jo 15:26).
O Espírito Santo também fala de Si mesmo na primeira pessoa:
“Disse-lhe [a Pedro] o Espírito: Eis que três homens te buscam. Levanta-te, pois, desce, e vai com eles, não duvidando; porque Eu os enviei”
(At 10:19-20); “disse o Espírito Santo: Apartai-Me a Barnabé e a Saulo
para a obra a que [Eu] os tenho chamado” (At 13:2).
Características pessoais atribuídas ao Espírito Santo
Individualidade
Sua individualidade é declarada nas palavras do Senhor Jesus: “E
Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro [do grego allos, que significa outro do mesmo tipo] Consolador, para que fique convosco para sempre”
( Jo 14:16). Logo, o Salvador falava de uma Personalidade diferente da
Sua própria.
Inteligência
O Espírito possui uma inteligência ativa: “… o Espírito a todas as
coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (I Co 2:10, ARA).
Conhecimento
Intimamente ligado à Sua inteligência está o conhecimento das
coisas de Deus: “… ninguém sabe as coisas de Deus senão o Espírito de
Deus” (I Co 2:11).
A oração de Paulo era que: “… o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em Seu conhecimento o Espírito de sabedoria
e de revelação” (Ef 1:17). O “Espírito de sabedoria e de revelação” é o
Espírito Santo naquele aspecto específico de revelar Deus e Seu propósito. Aqueles a quem Paulo estava escrevendo haviam sido selados
com o “Espírito Santo da promessa” no momento de crer, mas aqui o
apóstolo ora para que sejam iluminados pelo mesmo Espírito.
20
O Espírito da Glória
Mente
Paulo escreve: “… e Aquele que sonda os corações sabe qual é a
mente do Espírito; porque segundo a vontade de Deus é que intercede pelos santos” (Rm 8:27, ARA). A palavra aqui traduzida “mente”
é muito abrangente e inclui o conceito de pensamento, sentimento e
propósito.
Vontade
Em relação à distribuição dos dons espirituais nós lemos: “… o
mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a
cada um como quer” (I Co 12:11).
Atos pessoais atribuídos ao Espírito Santo
Ele perscruta
Já citamos estas palavras importantes: “o Espírito a todas as coisas
perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (I Co 2:10, ARA); a palavra traduzida “perscruta” significa “examinar”, “investigar”.
Ele ensina
O Senhor Jesus disse aos Seus discípulos: “… porque na mesma
hora vos ensinará o Espírito Santo o que vos convenha falar” (Lc 12:12).
Paulo, dirigindo-se aos coríntios, escreve: “… as quais também falamos,
não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito
Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais” (I
Co 2:13).
Ele fala
No Novo Testamento há várias referências ao Espírito Santo falando, especialmente no livro de Atos, mas dois exemplos serão suficientes
para ilustrar a questão: “E disse o Espírito a Filipe: chega-te e ajunta-te
a esse carro” (At 8:29). “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas” (Ap 2:7).
Ele testifica ou dá testemunho
Pedro menciona o Espírito de Cristo nos profetas do Velho Testamento quando escreve: “… da qual salvação inquiriram e trataram
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 21
diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada,
indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo,
que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos
que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir” (I Pe
1:10-11). Paulo, falando do ministério presente do Espírito Santo, diz:
“… o mesmo Espírito testifica com o nosso Espírito que somos filhos
de Deus” (Rm 8:16).
Ele ordena
Quando Pedro relatava perante “os que eram da circuncisão” o que
tinha acontecido, em relação a Cornélio, ele disse: “E disse-me [ordenou] o Espírito que fosse com eles, nada duvidando” (At 11:12).
Ele intercede
No capítulo da epístola aos Romanos que contém tanto ensino sobre o Espírito Santo, Paulo escreve: “Porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós
com gemidos inexprimíveis” (Rm 8:26).
Ele dá a entender
Quando o escritor aos Hebreus fala do acesso limitado ao Santo dos
Santos no Tabernáculo, nos dias do Velho Testamento, ele diz: “… mas,
no segundo, só o sumo sacerdote, uma vez no ano, não sem sangue, que
oferecia por si mesmo e pelas culpas do povo; dando nisto a entender o
Espírito Santo que ainda o caminho do santuário não estava descoberto
enquanto se conservava em pé o primeiro tabernáculo” (Hb 9:7-8).
Ele reprova
O Senhor Jesus ensinou Seus discípulos que, quando o Espírito
Santo viesse, os cristãos seriam esclarecidos quanto ao verdadeiro caráter desse presente mundo mau: “E quando Ele [o Consolador] vier,
convencerá [reprovará] o mundo do pecado, e da justiça, e do juízo” ( Jo
16:8). A palavra traduzida “convencerá” significa “provar a culpa, envergonhar ao provar que alguém está errado”. É a própria presença do Espírito Santo na Terra que objetivamente reprova ou censura o mundo.
Ele dirige
Talvez seja apropriado tratar deste assunto mais longamente porque
22
O Espírito da Glória
há muita confusão sobre isso. A “direção do Espírito” é uma expressão
que muitos associam com o Espírito Santo dirigindo irmãos quanto à
parte audível que devem desempenhar na ceia do Senhor, ou na reunião
de oração, por exemplo.
Entretanto, encontramos a frase “guiado pelo Espírito” apenas quatro vezes* no Novo Testamento, duas vezes a respeito do próprio Senhor Jesus Cristo:
• “Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mt 4:1);
• “E Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo
Espírito ao deserto” (Lc 4:1).
Nas outras duas ocasiões a expressão é usada em relação a cristãos:
• “Porque todos os que são guiados pelo Espírito, esses são filhos de
Deus” (Rm 8:14);
• “Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei” (Gl
5:18).
A referência em Romanos 8 fica no meio de uma seção que ensina
que, embora não haja condenação para os que estão em Cristo, ainda
há neles dois poderes conflitantes, a carne e o Espírito. O cristão vive
“segundo a carne” ou “segundo o Espírito”. Aqueles que são “guiados
pelo Espírito” pelos caminhos de santidade e obediência manifestam
a dignidade dos filhos de Deus; o Filho de Deus era conduzido pelo
Espírito, e assim deve ser com os “filhos de Deus”.
A referência na epístola aos Gálatas ocorre numa seção que trata
da vida de liberdade. Vemos, imediatamente, que alguém que é “guiado
pelo Espírito” já abandonou “as obras da lei” como um meio de justificação. A direção do Espírito nos tira do domínio tanto dos desejos carnais
quanto das imposições legais — esses precisam ser deixados. Ao invés
de se envolver nas obras da Lei, devemos manifestar o fruto nônuplo do
Espírito; Paulo trata disto na última parte do cap. 5 de Gálatas.
Assim, em nenhuma ocorrência a expressão “dirigido pelo Espírito”
se aplica específica ou exclusivamente às funções do cristão na Ceia do
Senhor ou em qualquer outra reunião. Enquanto não há menção específica da direção do Espírito em I Coríntios 14, é razoável concluir que
* O autor se refere a expressão em inglês “led by the Spirit”, que é traduzida de
diversas formas nas Bíblias em Português (N. do E.).
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 23
Aquele que conduziu os cristãos durante a semana não há de abandoná-los quando estiverem reunidos na qualidade de igreja local.
O Espírito guia nas reuniões do povo de Deus precisamente da
mesma maneira que Ele o faz na vida diária. Sua direção não é uma
influência sobrenatural, nem um impulso repentino. Não vem através de
sentimentos, mas de uma avaliação inteligente do que é apropriado para
a ocasião; envolve o exercício de discernimento espiritual.
A direção do Espírito na Ceia do Senhor será discernida mais facilmente se o indivíduo foi conscientemente guiado por Ele durante a
semana, isto é, se ele não esteve andando segundo a carne. Devemos
distinguir entre a direção do Espírito e as inclinações da carne.
Características pessoais do Espírito Santo
Uma das qualidades pessoais do Espírito Santo é Sua sensibilidade
à oposição.
Ele pode ser entristecido
Paulo escreve: “… e não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no
qual estais selados para o dia da redenção” (Ef 4:30). No contexto, o
apóstolo exorta: “… não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe” (v.
29); linguajar torpe é uma maneira certa de entristecer o Espírito Santo
de Deus que habita no cristão e por Quem foi selado. Lemos no Velho
Testamento: “Mas eles [Israel] foram rebeldes, e contristaram o Seu Espírito Santo; por isso Se lhes tornou em inimigo, e Ele mesmo pelejou
contra eles” (Is 63:10).
Ele pode ser extinguido
Uma das breves exortações à igreja dos tessalonicenses é: “Não extingais o Espírito” (Ts 5:19). Nos vs. 19 a 22 desse capítulo final encontramos preceitos que se relacionam mais ao nosso andar público. Aqui
no v. 19 estão em vista as operações públicas do Espírito Santo no nosso
meio; não devemos obstruir a livre atuação do Espírito. Devemos sempre lembrar que o Espírito jamais agirá em contradição com a vontade
de Deus revelada na Sua Palavra.
Ele pode ser agravado
O escritor aos Hebreus apresenta a pergunta retórica: “… de quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar
24
O Espírito da Glória
o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com que foi
santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?” (Hb 10:29). O Espírito
Santo executa um ministério de graça para com os homens culpados,
Ele produz uma percepção de Deus e um temor de enfrentar a eternidade; Ele convence do pecado. Rejeitar Seu ministério gracioso é insultar
o Espírito; e desprezar a Sua Divina Pessoa.
É possível mentir a Ele
Pedro fala muito diretamente com Ananias: “Ananias, porque encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e
retivesses parte do preço da herdade?” (At 5:3). Ananias havia mentido
ao Espírito Santo quando guardou para si uma parte do preço da propriedade que vendera, dizendo ter entregado tudo. Ele pode ter pensado
que mentia apenas ao homem, mas na verdade estava mentindo a Deus:
“Não mentiste aos homens, mas a Deus” (v. 4).
Ele pode ser tentado (posto à prova)
Tendo Ananias “expirado” (At 5:5) Pedro questiona sua esposa Safira: “Porque é que entre vós vos concertastes para tentar o Espírito do
Senhor?” (v. 9). Ela foi acusada de colaborar com seu marido a desafiar,
ou pôr à prova, o Espírito do Senhor.
É possível resistir a Ele
Estevão, um pouco antes do seu martírio, fez a seguinte acusação
contra a nação judaica: “Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim vós sois
como vossos pais” (At 7:51). Eles lutavam contra o Espírito Santo; as
palavras “como vosso pais” confirmam que o “Espírito de Cristo” (I Pe
1:11) estava nos profetas do Velho Testamento.
É possível blasfemar contra Ele
O Senhor Jesus, dirigindo-Se aos fariseus, diz: “Todo pecado e
blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito
não será perdoada aos homens” (Mt 12:31). O Senhor Jesus usou palavras tão solenes por causa da acusação blasfema dos fariseus: “Este não
expulsa os demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios” (Mt
12:24), quando Ele os expulsava pelo “Espírito de Deus” (v. 28). Eles
haviam blasfemado (falado injuriosamente) do Espírito ao dizer que
Cap. 1 — A personalidade do Espírito Santo 25
o príncipe dos demônios estava presente com Cristo, e não o Espírito
Santo. Eles faziam isso maliciosamente.
Portanto, o pecado era acusar o Senhor Jesus de fazer os Seus milagres pelo poder satânico e não pelo Espírito Santo. Este pecado somente poderia ser cometido enquanto o Senhor estava aqui na Terra.
Resumo
Em suma, o uso de pronomes pessoais em relação ao Espírito Santo, as características e os atos atribuídos a Ele, juntamente com Sua sensibilidade à oposição, todos apontam para o fato que o Espírito Santo
é uma Pessoa e não uma mera influência. Podemos crer nesse fato em
teoria, mas será, na nossa atitude prática para com Ele, que O tratamos
como uma Pessoa real? Será que conhecemos algo da “comunhão do
Espírito Santo” (II Co 13:14) da qual o apóstolo Paulo fala?
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo
por John M. Riddle, Inglaterra
As figuras, ou símbolos, do Espírito de Deus empregados nas Escrituras, com seu profundo e variado significado, servem para enfatizar
o imenso privilégio desfrutado pelos filhos de Deus. O próprio fato
da igreja local ser “o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita
em vós” (I Co 3:16), e que o corpo do cristão é “o templo do Espírito
Santo” (I Co 6:19), indicam a maravilhosa variedade da provisão de
Deus para a manutenção e o desenvolvimento da vida espiritual. Certamente, a declaração de que “o Seu Divino poder nos deu tudo o que
diz respeito à vida e piedade” (II Pe 1:3), inclui a doação e a habitação
do Espírito Santo, e as várias formas em que Ele é descrito transmitem
a diversidade e profundidade dos recursos disponíveis a todo cristão. As
figuras bíblicas do Espírito Santo são infinitamente mais do que meras
variações de um tema. Cada figura expressa um aspecto diferente do
Seu ministério, e todos são imensamente relevantes.
A lista de referências neste capítulo pode parecer um tanto abreviada quando comparada às obras mais extensas de certos comentaristas.
Embora não há dúvida de que há grande benefício em nos aprofundar
no assunto, esse capítulo trata das figuras do Espírito Santo que são
especificamente confirmadas pelas Escrituras. Isso não deve ser tomado como uma crítica velada aos auxílios mais extensos oferecidos por
outros.
Pomba
A referência ao Espírito Santo como pomba é inconfundível: “E,
sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que se Lhe abriram os céus,
e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre Ele” (Mt
3:16). Lucas desenvolve isso, dizendo: “E o Espírito desceu sobre Ele
em forma corpórea, como pomba” (Lc 3:22). Isso não significa que o
Senhor Jesus já não era habitado pelo Espírito Santo, mas sim que Ele
foi ungido com o Espírito Santo para o serviço: “O Espírito do Senhor
Deus está sobre Mim; porque o Senhor Me ungiu para pregar as boas
novas aos mansos” (Is 61:1); “Deus ungiu Jesus de Nazaré com o Espí-
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo 27
rito Santo e com virtude; O qual andou fazendo bem, e curando a todos
os oprimidos do diabo, porque Deus era com Ele” (At 10:38). Muitas
vezes é dito que no Velho Testamento a pomba “não achou repouso para
a planta do seu pé” (Gn 8:9), mas que aqui o Espírito Santo encontrou
pleno repouso em Cristo. Foi dito a João Batista: “Sobre Aquele que
vires descer o Espírito, e sobre Ele repousar, esse é o que batiza com o
Espírito Santo” ( Jo 1:33).
Como era de se esperar, foi muito apropriado que o Espírito Santo
descesse “como pomba” sobre o Senhor Jesus. Os símbolos bíblicos não
podem ser melhorados, e somente três das várias referências à pomba já
serão suficientes para enfatizar esse ponto.
A pomba tem a natureza pura
Repare as palavras do esposo, ao falar da esposa: “A minha pomba,
a minha imaculada, a única da sua mãe, e a mais querida daquela que
a deu à luz” (Ct 6:9). Nesse contexto, devemos notar que a pomba era
um pássaro limpo, e podia ser trazida como sacrifício (Lv 1:14; 12:6, 8).
Não é à toa que o Espírito de Deus é chamado o “Espírito Santo”, e que
numa passagem que recomenda pureza moral, lemos: “… porque não
nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação. Portanto
quem despreza isto não despreza o homem, mas sim a Deus, que nos
deu o Seu Espírito Santo” (I Ts 4:7-8).
É igualmente significativo que foi na sinagoga de Nazaré, cidade da
qual Natanael falou: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” ( Jo 1:46),
que o Senhor Jesus leu: “O Espírito do Senhor é sobre Mim” e prosseguiu dizendo: “hoje se cumpriu essa Escritura em vossos ouvidos” (Lc
4:18, 21). Jamais foi necessário dizer a Ele: “Não entristeçais o Espírito”
(Ef 4:30). De fato, esta possibilidade nunca poderia existir, pois “nEle
não há pecado” (I Jo 3:5).
A pomba tem um comportamento meigo
Quando o Senhor Jesus enviou Seus discípulos, eles não tinham
ilusões quanto à recepção que teriam: seriam como “ovelhas no meio de
lobos”. Mas em tudo isso, deveriam ser “prudentes como as serpentes
e inofensivos como as pombas” (Mt 10:16). Quando o Espírito Santo
desceu sobre o Senhor Jesus, Ele não veio como “um vento veemente e
impetuoso”, ou como “fogo” (At 2:2-3), mas “como uma pomba”, indicando com isso, entre outras coisas, a meiguice do Seu ministério, que já
28
O Espírito da Glória
tinha sido antecipada há muito tempo. Cerca de setecentos anos antes
da Sua vinda foi dito: “… a cana trilhada não quebrará, nem apagará o
pavio que fumega” (Is 42:3). Quão bondosamente Ele tratou os emissários de João Batista, sem dúvida uma “cana trilhada” (Lc 7:19-23).
E quão carinhosamente Ele tratou aquelas duas “canas trilhadas” no
caminho de Emaús! (Lc 24:13-32)
Quando o Senhor foi rejeitado pelos samaritanos (Lc 9:51-56),
Tiago e João eram tudo menos “pombas inofensivas” ao dizer para o
Senhor: “Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?” Bem tinha o Salvador lhes dado o “nome
de Boanerges, que significa: filhos do Trovão” (Mc 3:17)! Mas Ele demonstrou o contrário: “Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o
Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para
salvá-las”. Ele era o exemplo perfeito do Seu próprio ministério. As palavras do Salvador ilustram Sua “mansidão e benignidade” (II Co 10:1),
e nos fazem lembrar que “o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade …” (Gl 5:22). Dizem que o corpo
da pomba não produz bile, e isso enfatiza a beleza e exatidão da figura.
A pomba tem uma expressão triste
Ezequias diz: “Como o grou, ou a andorinha, assim eu chilreava, e
gemia como a pomba; alçava os meus olhos ao alto” (Is 38:14). Nos dias
futuros da tribulação, Israel clamará: “Todos nós bramamos como ursos,
e continuamente gememos como pombas” (Is 59:11). De acordo com
o Comentário Ellicott, as três aves na passagem, “cada uma com a sua
nota especial de lamentação, representam, por assim dizer, os clamores
da dor, e o lamento baixo e sufocado do sofredor”. Como observou F.
Cundick*: “Este pássaro de amor e lamentação representa apropriadamente a ternura da Santa Pessoa que repousa sobre o Homem de
dores”. É o mesmo Espírito Santo que torna o povo de Deus capaz, não
somente de “alegrar com os que se alegram”, mas também de “chorar
com os que choram” (Rm 12:15).
Como “a pomba”, o ministério do Espírito Santo na vida individual
e da igreja local é reproduzir Sua pureza e santidade, Sua graça e mansidão, e Sua terna simpatia. Todos são vistos perfeitamente no Filho
amado de Deus, que era “cheio do Espírito Santo” (Lc 4:1).
* CUNDICK, F. Precious Seed. Nov/Dez, 1964.
29
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo Vento
O vento é um símbolo do Espírito Santo em pelo menos duas maneiras: simboliza Sua soberania e enfatiza Seu poder.
Sua soberania
O Senhor Jesus mencionou o vento como uma figura do Espírito
Santo. Veja, por exemplo, João 3:8: “O vento (pneuma) assopra onde
quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai;
assim é todo aquele que é nascido do Espírito (pneuma)”. Vale a pena
destacar o erro daqueles que questionam esta afirmação argumentando
que a ciência pode explicar as origens e movimentos dos ventos. Tais
críticas ignoram o fato que o Senhor Jesus estava falando com Nicodemos, naquela ocasião, e a incapacidade de Nicodemos de detectar “a origem de uma corrente de vento específica, e seu destino”* não significava
falta de conhecimento do próprio Criador, pois “todas as coisas foram
feitas por Ele e sem Ele nada do que foi feito se fez” ( Jo 1:3). Fora disso, a lição é clara: a maneira precisa como o Espírito Santo opera está
além de revelação, mas não há dúvidas sobre o resultado. Como dizem
as palavras do poeta:
Não sei como o Espírito opera
Para os homens, do pecado convencer.
Revelando a Jesus pela Palavra,
Produzindo fé, para que possam crer.†
D. W. Whittle
Seu poder
“E cumprindo-se [“quando estava sendo cumprido”] o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo lugar; e de repente
veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados … E todos foram cheios
do Espírito Santo” (At 2:1-4). Devemos notar:
A fonte. Foi “do céu”. Tempestades sopram horizontalmente, mas essa
* HEADING, J. Comentário Ritchie do NT, volume 4 — João. Pirassununga: Editora
Sã Doutrina, 2004.
† Tradução livre. O original diz: “I know not how the Spirit moves,/Convincing man
of sin;/Revealing Jesus through the Word/Creating faith in Him.”
30
O Espírito da Glória
veio de cima. Não era terrena, mas celestial. A vinda do Espírito Santo
atestou a ressurreição e ascensão do Senhor: “Deus ressuscitou a este
Jesus, de que todos nós somos testemunhas. De sorte que, exaltado pela
destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo,
derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (At 2:32-33). Compare João
7:39: “E isto disse Ele do Espírito que haviam de receber os que nEle
cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus
não ter sido glorificado”.
O som. Foi como um “vento veemente e impetuoso”. Aparentemente
não se tratava de um vento natural. A expressão “e encheu toda a casa
em que estavam assentados”, se refere ao som da vinda do Espírito.
Como o Senhor Jesus explicou a Nicodemos, o Espírito Santo, assim
como o vento, é invisível, mas poderoso. Como o vento, o Espírito Santo não pode ser visto, mas como o vento, a Sua presença é inconfundível. Temos um exemplo do poder do vento em I Reis 19:11: “e eis que
passava o Senhor, como também um grande e forte vento que fendia
os montes, e quebrava as penhas diante do Senhor”.
A vinda do Espírito Santo “como um vento forte e impetuoso” indicou assim a concessão do poder Divino. Veja Atos 1:8 (VB): “Mas
recebereis poder (dunamis) do Espírito Santo, que há de vir sobre vós”.
Isto é, o poder que capacita para testemunhar. Assim também Atos 3:12
(VB): “Israelitas, por que vos maravilhais deste homem, ou por que fitais os olhos em nós, como se por nosso poder (dunamis) ou piedade o
tivéssemos feito andar?”; Atos 4:33: “E os apóstolos davam, com grande poder (dunamis) testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em
todos eles havia abundante graça”; Atos 6:8: “E Estêvão [um dos sete
homens “cheios do Espírito Santo e de sabedoria”], cheio de fé e de
poder (dunamis), fazia prodígios e grandes sinais entre o povo”.
Ezequiel provou esse mesmo poder. “E levantou-me o Espírito, e
ouvi por trás de mim uma voz de grande estrondo, que dizia: Bendita
seja a glória do Senhor, desde o Seu lugar. E ouvi o ruído das rodas
defronte deles, e o sonido de um grande estrondo. Então o Espírito me
levantou, e me levou” (Ez 3:12-14). É significativo que, nesta passagem,
o poder do Espírito Santo está ligado com o trono de Deus. Os “seres
viventes” estão associados com o trono (o carro semelhante a um trono)
de Deus em Ezequiel 1:25-26. Em Atos 2, o poder provinha daquele
mesmo trono. Era “do céu”.
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo 31
Deploramos, corretamente, as assim chamadas práticas “carismáticas”, mas não há dúvida de que a presença do Espírito de Deus deve
ser acompanhada de evidências de vida espiritual! Ausência de poder
espiritual e eficácia são tão lamentáveis quanto os excessos que alguns
alegam ser a obra do Espírito Santo.
Fogo
O batismo no Espírito (At 1:5), no dia de Pentecostes, não foi
acompanhado apenas de um “som, como de um vento veemente e impetuoso”, mas também de “línguas repartidas como que de fogo” (At
2:2-3). Deixando, por agora, a expressão “línguas repartidas”, devemos
notar que Lucas descreve a vinda do Espírito Santo como línguas repartidas de fogo. O aparecimento de fogo, ou chamas, sempre foi uma
figura impressionante da presença de Deus em santidade e pureza. Veja
Êxodo 3:1-8: “E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo
do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça
não se consumia … e disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de
teus pés; por que o lugar em que tu estás é terra santa … E disse o Senhor: Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito
… Portanto desci para livrá-lo” (Êx 3:1-8). Mais tarde, no Sinai, Deus
desceu “em fogo” (Êx 19:18); veja também Êxodo 24:17. Em Deuteronômio 4:24 vemos o Senhor como “um fogo que consome, um Deus
zeloso”. Esta passagem é citada em Hebreus 12:29: “O nosso Deus é um
fogo consumidor”.
João observou que “diante do trono ardiam sete lâmpadas de fogo,
as quais são os sete Espíritos de Deus” (Ap 4:5). Já que nas Escrituras o
número sete indica perfeição, inteireza, as palavras “os sete Espíritos de
Deus que estão diante do Seu trono” e “os sete Espíritos de Deus” (Ap
1:4; 3:1), expressam perfeição de poder, mas na descrição “diante do trono ardiam sete lâmpadas” a ênfase é colocada na absoluta perfeição do
juízo Divino. Todas as coisas estão sujeitas “à prova do poder penetrante
do Espírito” *. Podemos entender, portanto, ainda melhor (veja nossos
comentários sobre a natureza da pomba) por que o Espírito de Deus é
chamado de “o Espírito Santo”. Também podemos compreender por
que Paulo usa as palavras: “… no qual todo edifício, bem ajustado cresce
para templo santo no Senhor” (Ef 2:21).
* CUNDICK, F. Precious Seed. Nov/Dez, 1964.
32
O Espírito da Glória
As palavras “línguas repartidas, como que de fogo” exigem atenção.
Enquanto alguns (veja por exemplo, Barnes on the New Testament —
“Barnes sobre o Novo Testamento”) ligam as “línguas repartidas, como
que de fogo” com o fato que eles “começaram a falar noutras línguas”,
é mais provável que a expressão seja puramente descritiva. Não era um
grande lençol de fogo. Para citar M. R. Vincent*: “Muitos preferem
traduzir da seguinte maneira: ‘línguas que se distribuíam’, ou, ‘sendo
distribuídas’ entre os discípulos, ao invés de atribuir isto à aparência repartida de cada língua”. Entretanto, a tradução†: “línguas como de fogo,
dividindo-se e pairando sobre cada um deles” provavelmente expressa
a figura corretamente. James Anderson‡ explica da seguinte forma: “A
ideia é que cada língua era dividida sobre todos os discípulos”. Compare
com I Coríntios 12:11.
Rios
Devemos dizer que nas Escrituras a água parada é uma figura da
Palavra de Deus, água corrente (ou em movimento) é uma figura do
Espírito Santo, e a água do mar é uma figura das nações. João chama a
nossa atenção aos acontecimentos na “festa dos judeus, a festa dos tabernáculos” ( Jo 7:2). “E no último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a Mim, e beba.
Quem crê em Mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do
seu ventre. E isto disse Ele do Espírito que haviam de receber os que
Nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda
Jesus não ter sido glorificado” ( Jo 7:37-39).
A. W. Pink sugere que o ventre é “aquela parte do homem que sempre anseia por algo”, e cita as palavras de Paulo: “… cujo deus é o ventre”
(Fp 3:19) . Pink continua:
O “ventre” é aquela parte do homem que nunca está totalmente
satisfeita, pois sempre clama por algo mais, para aplacar seus
desejos. Mas o que é interessante, sim, bendito, é o fato que o
cristão não apenas está satisfeito, mas ele transborda daquilo que
satisfaz — das suas entranhas “correm rios de água viva”. A ideia
* VINCENT, M. R. Word Studies of the New Testament. Grand Rapids, MI: Wm. B.
Eerdmans Publishing Co., 1977.
† SCOFIELD, C. I. Reference Bible — notas marginais.
‡ ANDERSON, J. Comentário Ritchie do NT, volume 5 — Atos. Pirassununga: Editora
Sã Doutrina, 1999.
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo 33
é mesmo impressionante*.
Isto seria realizado através da habitação do Espírito Santo. Em relação às palavras “como diz a Escritura”, parece provável que o Senhor
Jesus estava se referindo a Isaías 58:11: “E serás como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas nunca faltam”.
Azeite
Não há dúvida de que azeite é uma figura do Espírito Santo. Entre
outras coisas, devemos considerar a maneira como o azeite retrata Seu
poder santificador, Sua força para testemunhar, e Sua provisão sustentadora para a vida espiritual.
Seu poder santificador
No Velho Testamento os homens eram ungidos com azeite, indicando que Deus os tinha separado para um serviço especial, e os capacitado para isso. Quando Saul foi ungido para ser rei, Samuel disse:
“… e o Espírito do Senhor se apoderará de ti” (I Sm 10:1, 6). Quando
Davi foi designado rei em lugar dele, lemos que “então Samuel tomou
o chifre do azeite, e ungiu-o no meio de seus irmãos; e desde aquele dia
em diante o Espírito do Senhor se apoderou de Davi” (I Sm 16:13). Já
destacamos as palavras do Senhor Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre Mim; porque o Senhor me ungiu, para pregar boas novas aos mansos” (Is 61:1). Os cristãos, hoje em dia, são semelhantemente ungidos:
“Mas Aquele que nos confirma convosco em Cristo [ JND, margem:
literalmente “para Cristo”, significando “anexar firmemente a … conectar firmemente com”] e nos ungiu é Deus; que também nos selou e nos
deu o penhor do Espírito em nossos corações” (II Co 1:21, ARA). João
escreve: “E vós tendes a unção do Santo, e conheceis tudo” (I Jo 2:20), e
“a unção que dele recebestes permanece em vós” (I Jo 2:27, ARA).
Seu poder para testemunhar
O livro de Zacarias nos dá um excelente exemplo da provisão divina
para testemunhar. Entre outras coisas, o profeta viu “um castiçal todo de
ouro, e um vaso de azeite no seu topo, com as suas sete lâmpadas; e sete
canudos, um para cada uma das lâmpadas que estão no seu topo. E, por
* PINK, A. W. Exposition of the Gospel of John. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1975.
34
O Espírito da Glória
cima dele, duas oliveiras … Então respondeu o anjo que falava comigo,
dizendo-me … Esta é a palavra do Senhor a Zorobabel, dizendo: Não
por força, nem por violência, mas sim pelo Meu Espírito, diz o Senhor
dos Exércitos” (Zc 4:2-6). As duas “oliveiras” que “estão junto aos dois
tubos de ouro e que vertem de si azeite dourado” são identificadas como
“os dois ungidos, que estão diante do Senhor de toda a terra” (Zc 4:1214).
A visão apresenta um problema imediato. Se, como no Tabernáculo,
o castiçal nos fala do Senhor Jesus, como pode ser alimentado pelas
“duas oliveiras” que são claramente descritas como “os dois ungidos, que
estão diante do Senhor de toda a terra” (v. 14)? O azeite para o castiçal é
fornecido por eles, e foi dito a Zacarias que isto representava o Espírito
Santo. Embora o ministério do Senhor Jesus é sempre no poder do
Espírito Santo, Ele não recebe o Espírito Santo através de outros. Pelo
menos isso deve ser muito óbvio a todos nós.
Qual é, então, o significado do castiçal visto por Zacarias? Um castiçal tem uma função específica, que é, obviamente, dar luz. Esta é precisamente a intenção de Deus para Israel: “… também te dei para luz
dos gentios, para seres a Minha salvação até a extremidade da terra” (Is
49: 6). “Por amor de Sião não Me calarei, e por amor de Jerusalém não
Me aquietarei, até que saia a sua justiça como um resplendor, e a sua
salvação como uma tocha acesa” (Is 62:1).
Israel foi a nação escolhida para ser a testemunha do único verdadeiro Deus, e os sete braços do castiçal no coração da sua vida nacional
eram um símbolo da sua vocação nesse sentido. Infelizmente Israel falhou, e o auge do seu pecado foi a rejeição e crucificação do seu Messias.
Isto levou à remoção do testemunho nacional, e o início de um novo
testemunho — daí os “sete castiçais de ouro” (Ap 1:12). A visão de Zacarias nos mostra, entretanto, que o propósito de Deus para o Seu povo
terrestre será cumprido: Israel será novamente um portador da luz, e
o poder da sua luz — o poder do Espírito Santo — será suprido pelas
“duas oliveiras”, ou os “dois ungidos”. O fato de serem descritos como
“oliveiras” e “que vertem de si azeite dourado” (v. 12), mostra que eles
têm os recursos para manter a obra do castiçal.
No tempo da visão de Zacarias, o testemunho era mantido por dois
homens: Josué e Zorobabel. Josué era o sumo sacerdote; Zorobabel o
líder civil, e sendo da descendência de Davi, era um ancestral do Senhor
Jesus (Mt 1:12-13). Os dois homens são frequentemente mencionados
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo 35
juntos (veja Ageu 1:1, 12; 2:2, etc.), e algumas lições importantes surgem dessa ligação. A posição de Josué é enfatizada no cap. 3; a posição
de Zorobabel é enfatizada no cap. 4. Devemos notar que a fonte de
provisão não é realmente mencionada. A expressão “dois ungidos” (“dois
filhos de azeite”) descreve dois homens cheios do Espírito Santo.
Mas isso não esgota a passagem. Apocalipse 11 descreve as “duas
testemunhas” de Deus no final dos tempos, quando Jerusalém se tornará, espiritualmente, “Sodoma e Egito, onde o Senhor também foi
crucificado” (v. 8). Elas são descritas como “as duas oliveiras e os dois
castiçais que estão diante do Senhor da terra” (v. 4). Assim Deus terá
um testemunho mesmo naqueles dias escuros, e este será mantido pelo
Espírito Santo. Mas a passagem certamente antecipa ainda mais do que
isto. O testemunho final de Israel para o mundo não depende de Josué
e Zorobabel, nem das duas testemunhas de Apocalipse 11.
Zacarias 6 refere-se ao “sacerdote no Seu trono” (v. 13). Agora
não se trata mais de Josué, o sacerdote, e Zorobabel da linhagem real,
mas dos dois ofícios combinados em uma Pessoa. (Isto nos lembra de
Melquisedeque, Gn 14:18 etc.) Quem é o “sacerdote no Seu trono”?
O sacerdote-rei não é outro senão “o Renovo”. “Assim diz o Senhor
dos Exércitos: Eis aqui o Homem cujo nome é Renovo; Ele brotará
do Seu lugar, e edificará o templo do Senhor” (v. 12). A visão do cap. 4
de Zacarias será finalmente cumprida quando Cristo vier para reinar.
Ele dará ao Seu povo o poder espiritual para iluminar o mundo inteiro.
O Seu ministério então, como antes, será no poder do Espírito Santo:
“… repousará sobre Ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria
e entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de
conhecimento e de temor do Senhor” (Is 11:2).
Sua provisão sustentadora para a vida espiritual
Um acontecimento na vida do profeta Elias oferece um belo quadro
da provisão infalível para “vida e piedade”. Tendo ouvido: “Levanta-te,
e vai para Sarepta … e habita ali; eis que Eu ordenei ali a uma mulher
viúva que te sustente”, o profeta obedeceu sem duvidar, e foi sustentado,
junto com a viúva e seu filho, através de “um punhado de farinha numa
panela” e “um pouco de azeite numa botija” durante “muitos dias” (I Rs
17:8-16). Lemos claramente que tudo começou com “um punhado de
farinha numa panela, e um pouco de azeite numa botija”. Para quem
visse, os recursos eram praticamente nulos. Mas o Deus vivo estava en-
36
O Espírito da Glória
volvido, e isto deu à panela de farinha e à botija suficiência ilimitada.
A panela de farinha é uma linda ilustração do próprio Senhor Jesus, e
a botija de azeite uma bela figura do Espírito Santo. Pessoas não salvas
provavelmente zombam, e sugerem que esses são recursos escassos para
sustentar a vida, mas o Filho de Deus sabe melhor! “O segredo do Senhor é com aqueles que O temem” (Sl 25:14).
A “panela de farinha” chama a nossa atenção para o bondoso Salvador que nos sustenta e fortalece, e de Quem está escrito: “Jesus Cristo
é o mesmo, ontem, hoje e eternamente” (Hb 13:8). Verdadeiramente,
“a farinha da panela não se acabará”. Mesmo a Criação, obra das Suas
mãos, se desfará, mas Ele é invariável e imutável. O Senhor Jesus ensinou com clareza que o Espírito seria uma fonte infalível de bênção
para o Seu povo: “E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador,
para que fique convosco para sempre” ( Jo 14:16). Podemos descansar
nas provisões inesgotáveis do Senhor Jesus, e no ministério infalível do
Espírito Santo. Certamente o “azeite da botija não faltará”!
A casa da viúva em Sarepta é uma linda figura da Igreja. Elias, o
judeu, e a viúva e seu filho, gentios, foram sustentados por uma provisão
desconhecida tanto para Israel como para as nações gentias, fazendo-nos lembrar de que a Igreja é sustentada pelo Senhor Jesus e pelo
Espírito Santo. Isto é enfatizado no Novo Testamento: “Assim que já
não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e
da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos
profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no Qual
todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No
qual também vós juntamente sois também edificados para morada de
Deus em Espírito” (Ef 2:19-21).
A provisão de Deus através da panela de farinha e da botija de azeite foi prometida “até o dia em que o Senhor dê chuva sobre a terra”. Nós
somos chamados a testemunhar num mundo estéril. Todo o progresso
empolgante de mil anos de ciência e tecnologia não alterou em nada o
caráter moral e espiritual do mundo, que permanece estéril e infrutífero,
porque os homens e mulheres rejeitaram o Deus vivo. Mas o tempo
virá quando a profecia será cumprida: “Ele descerá como chuva sobre a
erva ceifada, como os chuveiros que umedecem a terra” (Sl 72:6). Esta
promessa permanece. O mundo ainda há de ser abençoado, e até que
chegue esta hora, podemos descansar na graça inefável e sustentadora
do Senhor Jesus, e na presença e ministério infalíveis do Espírito Santo.
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo 37
Para a mente carnal, como foi inicialmente com a viúva, estas coisas
não são recursos. Mas como é diferente com os filhos de Deus! O nosso
Deus é um Deus de fartura, não um Deus de miséria.
A referência de Paulo à unção (II Co 1:21) é acompanhada de mais
dois símbolos do Espírito Santo: “O qual também nos selou, e deu o
penhor do Espírito em nossos corações” (v. 22).
Consideremos, então, estes dois.
Selo
Um selo, seja ele impresso na cera fixada num documento ou diretamente sobre o papel, estabelece a identidade e direito do dono da
propriedade à qual o documento se refere. Jeremias descreve (singularmente) uma transação de propriedades em que isto se deu: “Comprei,
pois, a herdade de Hanameel, filho de meu tio … e pesei-lhe o dinheiro
… e assinei a escritura, e selei-a, e a fiz confirmar por testemunhas; e pesei-lhe o dinheiro numa balança. E tomei a escritura da compra, selada
segundo a lei e os estatutos, e a cópia aberta. E dei a escritura da compra
a Baruque …” ( Jr 32:9-12). O significado profético desta transação não
precisa nos deter, mas nos permite entender nossa segurança espiritual.
Já foi dito* que no selar “a ideia principal é a de segurança: ‘e, indo eles,
seguraram o sepulcro com a guarda, selando a pedra’ (Mt 27:66)”. Assim
como a escritura em relação ao campo de Jeremias, nós fomos selados.
Escrevendo aos Efésios, Paulo diz: “… tendo Nele também crido, fostes
selados com o Espírito Santo da promessa” (Ef 1:13); “… não entristeçais o Espírito, no Qual estais selados para o dia da redenção” (Ef 4:30).
O contexto da expressão “com o Espírito Santo da promessa” sugere não
tanto a promessa do Espírito Santo, mas o Espírito Santo cuja presença
garante o cumprimento da promessa.
Na sua Bíblia de referências, Scofield define o significado de um
selo como “uma transação terminada … Posse … Segurança”. Em termos modernos, contrabando recuperado pelas autoridades é empacotado, selado, e se torna a propriedade do Estado! No momento da nossa
conversão, nós fomos selados pela habitação imediata do Espírito Santo, e Deus disse: “Tu és Meu”, e isto não somente durante a vida, mas
por toda a eternidade.
De passagem, isso pode nos ajudar a entender por que os 144.000
* CUNDICK, F. Precious Seed. Nov/Dez, 1964.
38
O Espírito da Glória
(que podem ser vistos como as verdadeiras testemunhas de Jeová, e todos eles são judeus) serão selados com “o selo do Deus vivo” (Ap 7:23). Ninguém pode tocá-los ou fazer-lhes qualquer mal. Eles gozarão
completa segurança, até mesmo quando os demônios-gafanhotos que
subirão da fumaça do “poço do abismo” estiverem atormentando a humanidade em geral (veja Ap 9:1-6). De fato, as testemunhas serão preservadas, sem uma única baixa, através da terrível perseguição no final
dos tempos e, por fim, acompanharão o Cordeiro — todos eles — no
Monte Sião (Ap 14:1).
Penhor
“Fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da Sua glória” (Ef 1:13-14); “Ora Quem para isto nos preparou foi
Deus, O qual nos deu também o penhor do Espírito” (II Co 5:5). “O
termo ‘penhor’ (arrabon) significa um depósito que é, em si mesmo, uma
garantia de que a quantia total será paga mais tarde.” * De acordo com
W. E. Vine† a palavra significava “originalmente, um adiantamento depositado pelo comprador e ressarcido se a compra não se completasse, e
era provavelmente uma palavra fenícia introduzida na Grécia. Ela veio
a significar, no uso geral, uma garantia ou penhor de qualquer natureza”.
Vine também destaca que “no grego moderno arranona é um anel de
noivado”. Isto é muito esclarecedor. Se um anel de noivado incorpora o
compromisso de um homem de cumprir a sua promessa e se casar com
sua amada, o Espírito Santo é Ele mesmo uma garantia divina de que
Deus cumprirá plenamente todas as promessas feitas ao Seu povo.
A palavra equivalente no Velho Testamento é traduzida “penhor”
em Gênesis 38:17-18, 20.
Judá prometeu enviar um cabrito de presente a Tamar, mas ela não
ficou satisfeita com uma mera promessa; ela queria um “penhor”;
então ele lhe deu o seu selo, cordão e cajado, que ela mais tarde
apresentou para vergonha dele. O Espírito, como o Penhor, é a
garantia dada por Deus de que Ele cumprirá a Sua promessa‡.
* HUGHES P. E. The Second Epistle to the Corinthians, New International Commentary.
Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1962.
† VINE, W. E. Expository Dictionary of New Testament Words.1940.
‡ MARSH, F. E. Emblems of the Holy Spirit. James. Clark & Co., Ltd., 1957.
Cap. 2 — As figuras do Espírito Santo 39
Conclusão
A presença e as atividades do Espírito Santo na dispensação atual
são alguns dos frutos da exaltação de Cristo. Ser habitado pelo Espírito
Santo é um imenso privilégio, mas como sempre, privilégios trazem
responsabilidades. A maravilhosa variedade no Seu ministério confere peso à injunção: “… que não andamos segundo a carne” (Rm 8:4).
Em vista do variado significado de como Ele habita nos cristãos, bem
podemos nos perguntar, usando as palavras do apóstolo Pedro em outro contexto: “Que pessoas nos convém ser em santo trato e piedade?”
(II Pe 3:12). O Espírito Santo não apenas nos sustenta nas provações
presentes e é suficiente para toda obra — Sua presença em nós como
“o penhor da nossa herança” é uma lembrança constante de que não
vai demorar muito até que estejamos rodeando “o trono de Deus e do
Cordeiro” (Ap 22:3).
Cap. 3 — A apresentação
do Espírito Santo
por Tom Wilson, Escócia
“Poderás descobrir as coisas profundas de Deus?” perguntou Zofar
o naamatita na sua primeira resposta a Jó ( Jó 11:7, VB). Ele disse mais,
observando que tal sabedoria é “como as alturas dos céus”, e por isso
totalmente inacessível ao homem; é insondável, sendo “mais profunda
que o inferno”; e tão incompreensível no seu âmbito que “mais comprida é a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar”. O homem precisa curvar-se perante a grandeza de Deus, reconhecendo que
somente o que Ele revela de Si mesmo pode ser conhecido do homem.
A auto revelação é exclusiva à Deidade. Foi o nosso Senhor Jesus que
revelou o Pai e nos falou do Espírito Santo. Foi o Pai que identificou
o Senhor Jesus como o Seu Amado Filho, uma declaração com a qual
o Espírito Santo se identificou na ocasião do batismo do Senhor Jesus
por João (Mt 3:16-17). O Espírito Santo nos tem revelado muito sobre
a Sua Pessoa, caráter e obra nas Sagradas Escrituras; nelas encontramos
diversas apresentações dos nomes e títulos que Ele em graça nos tem
revelado (I Co 2:13; II Tm 3:16; II Pe 1:20-21). Auto revelação pertence a Deus, e assim ao Espírito Santo. Sem revelação, até mesmo o
pesquisador mais diligente não descobrirá o Espírito Santo.
O nosso Senhor Jesus proclamou: “… ninguém conhece o Filho
senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o
Filho O quiser revelar” (Mt 11:27). Ele estava identificando a Si mesmo
como o Revelador do Pai. O Senhor também falou do Espírito como o
Revelador do Filho: “Ele Me glorificará, porque há de receber do que é
Meu, e vo-lo há de anunciar” ( Jo 16:14). E quem é, então, o Revelador
do Espírito Santo? Nosso Senhor não veio a este mundo como Revelador do Espírito, embora Ele falasse do Espírito. Ele indicou que o
Espírito seria “enviado do céu” (I Pe 1:12), isto é, ao mundo. Sua missão
era específica: “… não falará de Si mesmo, mas dirá tudo que tiver ouvido” ( Jo 16:13). Nosso Senhor Jesus não disse que o Espírito não falaria
sobre Si mesmo, e sim que Ele não falaria de (por) Si mesmo. Ele não
falaria “por Sua própria autoridade pessoal”, mas em comunhão com o
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo 41
Pai e o Filho. Uma vez que o Senhor estava exaltado no Céu, o Espírito
revelou-Se ao Seu povo como o Intérprete do Velho Testamento e o
Inspirador das Escrituras do Novo Testamento. O Novo Testamento
revela muito acerca do Espírito Santo, na medida em que o próprio
Espírito nos transmitiu, através de vasos escolhidos como Paulo e João,
aquelas coisas que o Senhor revelaria para a edificação do Seu povo. Os
títulos usados pelo Espírito apresentam muito sobre Sua Pessoa e obra
da maneira como o Senhor quer que entendamos. Estas coisas estão
entre as muitas que o Senhor tinha ainda para dizer aos Seus quando
estava com eles, coisas que eles não podiam, naquela ocasião, suportar
( Jo 16:12).
John Ritchie* sugeriu que há, nas Escrituras, pelo menos trinta nomes e títulos do Espírito; e acrescentou: “… cada um com seu próprio
significado”. No entanto, a centralidade de Cristo na Bíblia, que é fruto
da obra do Espírito cujo prazer é glorificar a Cristo ( Jo 15:13-14), é
evidente quando notamos que mais de duzentos nomes e títulos são
atribuídos a Cristo†. Mesmo assim, J. E. Cummings‡ menciona oitenta
e seis referências ao Espírito no Velho Testamento, e duzentas e sessenta e uma no Novo Testamento; entre essas referências se encontram
Seus nomes e títulos. Na primeira referência, Ele é chamado “o Espírito
de Deus” (Gn 1:2); a última está em Apocalipse 22:17, onde o nome “o
Espírito” é usado. Aquele que é o Espírito Eterno não teve princípio e
Se movia sobre a face das águas (Gn 1:2). Na última referência, Ele está
associado com a Noiva, a Igreja. Entre a primeira e a última referência
ao Espírito Santo, há muitos títulos e nomes que devem ser considerados em espírito de oração, alguns dos quais O apresentam na Sua glória
singular, enquanto outros revelam Sua condescendência em habitar naqueles que conhecem o Salvador e em usá-los para a glória de Cristo.
Tão numerosos são os nomes e títulos associados com o Espírito
Santo que o autor decidiu separá-los em três categorias para os propósitos deste artigo:
• Nomes que pertencem ao Espírito por causa da Sua Divindade essencial;
* RITCHIE, J. The Holy Spirit, em The Faith. Kilmarnock: John Ritchie Ltd., 1999.
† PENTECOST, J. D. The Divine Comforter. Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1963.
‡ CUMMINGS, J. E. Through the Eternal Spirit: A Biblical Study on the Holy Ghost.
New York: Fleming H. Revell, 1896.
42
O Espírito da Glória
• Nomes que enfatizam Seu relacionamento com o Pai e o Filho;
• Nomes e títulos relacionados à Sua obra.
Essas categorias não são mutuamente exclusivas, mas permitem
que alguns temas associados sejam desenvolvidos.
Nomes que pertencem
ao Espírito porque Ele é Deus
•
•
•
•
•
•
•
•
•
O Espírito Santo — Sl 51:11; Mt 1:20; I Co 6:19;
O Santo — I Jo 2:20;
O Senhor, o Espírito — II Co 3:18 (ARA);
O Espírito Eterno — Hb 9:14;
O Espírito da glória — I Pe 4:14;
O Espírito de vida — Rm 8:2; Ap 11:11;
O Espírito de santificação — Rm 1:4;
Um só Espírito — Ef 4:4;
Os Sete Espíritos — Ap 1:4; 3:1; 4:5; 5:6.
A revelação desta bendita Pessoa nada deixa a desejar em relação
a tudo que associamos com o Pai e o Filho. Reconhecemos o “eterno
Deus”, que é eterno no Seu ser (Rm 16:26), e portanto com alegria
conhecemos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são eternos. O nome
“o Espírito eterno” confirma essa gloriosa verdade sobre o Espírito de
Deus. Ele é, num sentido absoluto, santo, e disto dão testemunho três
dos títulos acima listados: “o Espírito Santo”, “o Santo”, e o “Espírito
de santificação”. Sendo Deus, ninguém pode lhe negar glória; Ele é o
Espírito da glória. Sendo Deus, o próprio Espírito de vida é vida para
o cristão “por causa da justiça” (Rm 8:10). Como é apropriado associar
Senhorio com o Filho, assim o é também com o Pai em Atos 4:29, e
com o Espírito, como mostra II Coríntios 3:18 (ARA). Podemos encontrar mais confirmações do Senhorio do Espírito no diálogo entre
Pedro e aquele cuja voz Pedro ouviu na sua visão (At 10:13, 15). Os
vs. 19-20 claramente identificam a voz como a voz que anteriormente
dissera: “Vai com eles … Eu os enviei”. Não há razão para duvidar que
a primeira voz foi a voz do Espírito Santo. Podemos concluir, a partir
de um breve estudo dessas Escrituras, que o Espírito bendito é igual ao
Pai e ao Filho.
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo 43
O Espírito Santo, o Santo, o Espírito de santificação
O prejuízo será nosso se ignorarmos os três nomes associados à
santidade. O mundo em que vivemos é corrompido e, no entanto, o
Espírito Santo habita em nossos corpos (I Co 6:19). Reconhecemos
que “o Santo” nascido de Maria foi “concebido pelo Espírito Santo”
(Lc 1:35; Mt 1:20) e compreendemos porque o poder do Altíssimo
cobriu com Sua sombra o vaso escolhido, através de quem o Filho do
Altíssimo entraria no mundo (Lc 1:32, 5). Não estranhamos quando o
Senhor Jesus descreve Seu corpo como “este templo” ( Jo 2:19), mas nos
maravilhamos quando o mesmo Espírito tem feito do corpo do cristão
o Seu templo. Que exigências isto cria na nossa vida! Quão sensível
Ele é a tudo que é impuro! O Espírito de Deus é santo e por isso cada
santo deve estar consciente de que Ele também escolheu fazer da igreja
local o Seu templo. Quem ousaria “destruir [“corromper”] o templo de
Deus … porque o templo de Deus, que sois vós, é santo” (I Co 3:16-17).
Seja através de comportamento carnal ou de associações corruptas, o
Espírito Santo pode ser entristecido (Ef 4:30). A expressão paulina “o
Espírito [ou “espírito”] de santidade” pode se referir tanto ao espírito do
Senhor Jesus quanto ao Espírito Santo. Pode destacar a santidade que
sempre caracterizou o Santo de Deus que exerceu poder ressuscitador
ao sair de entre os mortos; ou pode nos fazer pensar acerca do Santo sobre Quem o próprio Espírito agiria em poder ressuscitador para
apresentar a este mundo a “evidência irrefutável de que Jesus Cristo …
é verdadeiramente o Filho de Deus”.
O Espírito Eterno
O Espírito de Deus é também conhecido como “o Espírito eterno”. Temos o registro de muitas das atividades do Espírito no período
abrangido pelos dois Testamentos, mas aceitamos o testemunho das
Escrituras de que Ele não teve princípio. Nos conselhos eternos Ele,
juntamente com o Pai e o Filho, projetou o grande plano de salvação.
Observamos Suas atividades no tempo e confessamos que tudo o que o
Espírito Eterno faz, é para sempre (Ec 3:14). Quão animador era para
aqueles judeus, que compreenderam o fato solene de que as cerimônias
envolvendo bodes e bois eram meramente temporárias, reconhecer que
a obra do Calvário foi eternamente planejada e trazida à plena fruição, visto que “Cristo … pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si mesmo
imaculado a Deus” (Hb 9:14). Nascemos de novo do Espírito, fomos
44
O Espírito da Glória
selados pelo Espírito e Ele é, para nós, o Espírito de adoção. A respeito
da Sua obra confessamos: “… nada se lhe deve acrescentar, e nada se lhe
deve tirar” (Ec 3:14).
O Espírito da glória
O Espírito da glória nos faz lembrar que a glória pertence a Deus.
Sabemos que quando Herodes Agripa I tomou para si honras divinas,
“feriu-o o anjo do Senhor, porque não deu glória a Deus” (At 12:23).
Admira-nos o fato que este juízo não vem mais frequentemente sobre
aqueles que consideram que sua voz é a “voz de Deus, e não de homem”.
Mas honras divinas pertencem ao Espírito. Ele é o Espírito da glória.
O título completo em I Pedro 4:14 — “o Espírito da glória e de Deus”
— não deixa dúvida de que é o Espírito Santo que está em vista. A
estrutura do texto grego coloca os dois genitivos (“a glória” e “o Deus”)
entre o artigo definido “o” e o substantivo “Espírito”, e literalmente diz:
“o da Glória e o de Deus Espírito repousa sobre vós”. Isso enfatiza
as características deste que repousa complacentemente sobre os santos
perseguidos, sobre quem o mundo lança o opróbrio e consequentemente rejeita. Quão evidente Ele torna o veredito do Céu sobre aquilo que
os homens dizem! Que glória pertence àqueles que sofrem desprezo
por Cristo! Tão importante quanto notar que Ele, como o Espírito da
glória, tem o direito de honrar estes santos, é igualmente importante
notar que Ele supre os afligidos com uma amostra da glória que eles um
dia compartilharão. Sofreram com Cristo, e terão a glória de reinar com
Cristo (II Tm 2:12). Para estes, que foram participantes dos sofrimentos
de Cristo, o Espírito da glória revela a verdade que um dia eles compartilharão da glória da Sua aparição (I Pe 4:12-14).
O Espírito de vida
A apresentação do Espírito como o Espírito de vida é usada em
relação à vida espiritual do cristão em Romanos 8:2, mas com relação
à vida física em Apocalipse 11:11. Falamos, corretamente, do Senhor
Jesus como o Doador da vida ( Jo 5:40; 6:33; 10:28; 17:2), e do Senhor
ressuscitando os mortos fisicamente ( Jo 6:39-40). O Espírito é o poder
daquela vida que o Senhor, o Doador, nos concedeu na Sua infinita
graça. Sem o Seu poder jamais poderíamos entrar na plenitude desta
vida. O princípio fixo operativo no qual o Espírito age garante que cada
cristão tenha o potencial de viver sem ser dominado pela lei do pecado
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo 45
(Rm 8:2). Aquele mesmo capítulo revela que a vivificação dos nossos
corpos mortais será através do Espírito (Rm 8:11). Mais tarde, depois
que estivermos na glória, Ele vivificará os corpos das duas testemunhas,
três dias e meio depois de serem martirizados (Ap 11:11). Ele é o Espírito de vida, porque Ele é Deus. Sabemos que, pelo Espírito, João revela
que “o Verbo era Deus” e “nEle estava a vida” ( Jo 1:1, 4). Sabemos que o
Pai tem vida em Si mesmo ( Jo 5:26). Associamos, corretamente, a vida
com o Espírito de vida.
O Um só Espírito, os Sete Espíritos de Deus
As duas referências finais na lista parecem, à primeira vista, ser contraditórias. Confessamos: “há … um só Espírito … um só Senhor …
um só Deus e Pai de todos, o Qual é sobre todos, e por todos e em
todos vós” (Ef 4:4-6). Somos batizados “em nome do Pai, e do Filho
e do Espírito” (Mt 28:19). A obra do “um só Espírito” que habita em
cada cristão está relacionada no contexto de Efésios 4 ao “um só corpo”.
“Há um só corpo e um só Espírito”. Sem a Sua obra o “um só corpo”
não teria vida, nem formaria um todo. Mas a apresentação do Espírito,
em Apocalipse, se contrasta grandemente com Seu poder unificador no
“um só corpo”. Apocalipse é o livro do Novo Testamento em que não
encontramos o nome “Pai” depois do cap. 3, mas encontramos as frases
“Aquele que estava assentado [“se assenta”] sobre o trono” (4:2-3; 5:1, 7,
13; 6:16; 7:10, 15; 19:4; 20:11; 21:5); e “o Senhor Todo-Poderoso, que
é, e que era, e que há de vir” (1:4, 8; 11:17). Apocalipse é o livro onde
o nome “Senhor Jesus” ou “Senhor Jesus Cristo” não é usado até 22:20,
mas o título “Cordeiro” é usado vinte e oito vezes. O próprio Senhor
fala “Eu, Jesus” (22:16). Não nos surpreende à luz das referências ao Pai
e ao Filho, que em Apocalipse encontramos uma fraseologia diferente
daquela usada em outros lugares do Novo Testamento, quando lemos
quatro vezes dos “sete Espíritos de Deus”. O número sete é muito destacado em Apocalipse desde a sua primeira menção (“as sete igrejas”,
Ap 1:1) até à última (“das últimas sete pragas”, Ap 21:9). Mas a ênfase no número sete não explica o sentido da frase “os sete espíritos de
Deus”, nem a razão para o seu uso. Na Revelação de Jesus Cristo alguns
dos fios das Escrituras do Velho Testamento são entrelaçados na tecelagem de uma magnífica tapeçaria das glórias de Cristo. Lembramos
que em Isaías 11:2-3 o Messias é caracterizado como Aquele em Quem
“repousará o Espírito do Senhor”. A plenitude daquela efusão sobre
46
O Espírito da Glória
este Renovo das Raízes de Jessé é explicada em mais seis expressões,
fornecendo uma explicação sétupla: “E repousará sobre Ele o Espírito
do Senhor … o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito
de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do
Senhor”. A plenitude do poder do Espírito pertence a Ele. Apocalipse
nos revela este ministério sétuplo do Espírito em ação:
• ao enriquecer as cenas associadas com o trono (1:4);
• ao energizar as sete estrelas para brilharem na igreja sem vida de
Sardes (3:1);
• ao iluminar as mentes dos que estão em redor do trono (4:5);
• ao garantir que seja conhecida a sabedoria do Cordeiro vencedor
(5:6).
Concluímos que, visto que o Espírito é, em todos os aspectos, igual
ao Pai e ao Filho de Deus, a apresentação do Espírito no Novo Testamento engloba eternidade, santidade, vida, Senhorio e plenitude de
poder; e nós regozijamos em notar que assim como há unicamente um
Pai e um Senhor, há também um Espírito.
Nomes que enfatizam o relacionamento
do Espírito com o Pai e o Filho
John F. Walvoord* cita dezesseis referências que enfatizam o relacionamento do Espírito com o Pai e o Filho, mas parece omitir “o
Espírito de vosso Pai” (Mt 10:20). As referências bíblicas são muitas, e
podem ser colocadas na seguinte ordem:
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O Espírito de Deus — Gn 1:2; Mt 3:16;
O Espírito de Jeová — Jz 3:10 (VB);
O Espírito do Senhor — Lc 4:18; At 5:9; 8:39;
O Espírito do nosso Deus — I Co 6:11;
O Espírito do Deus vivo — II Co 3:3;
O Espírito de vosso Pai — Mt 10:20;
O Espírito Daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus —
Rm 8:11;
• Meu Espírito — Gn 6:3;
• Seu Espírito — Nm 11:29; Ef 3:16;
* WALVOORD, J. F. The Holy Spirit: A Comprehensive Study of the Person and Work
of the Holy Spirit. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1991.
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo •
•
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•
•
47
Teu Espírito — Sl 139:7;
O Espírito de Jesus — At 16:7 (VB);
O Espírito de Cristo — Rm 8:9; I Pe 1:11;
O Espírito de Jesus Cristo — Fp 1:19;
O Espírito de Seu Filho — Gl 4:6.
O Espírito de Deus, o Espírito de Jeová, o Espírito do Senhor,
o Espírito do nosso Deus, o Espírito do Deus Vivo
Os primeiros cinco nomes que falam do relacionamento do Espírito com o Pai e o Filho não deixam dúvida na mente esclarecida de que o
Bendito, chamado o Espírito de Deus, ou por qualquer dos outros quatro nomes, procedia de Deus para que o propósito de Deus pudesse ser
revelado, quer em relação à Criação (Gn 1:2); ou à unção e aprovação
do Servo de Jeová, o Filho Amado de Deus (Mt 3:16); ou à energização
do Seu povo contra um inimigo feroz ( Jz 3:10); ou ao pregador das boas
novas aos pobres (Lc 4:18); ou na santificação de um santo (I Co 6:11);
ou na escrita de uma epístola de Cristo no coração, não em pedra, uma
carta viva, não mandamentos que não podiam vivificar (II Co 3:2-6).
Tudo aquilo em que o Espírito tem se ocupado durante os milênios desde Gênesis 1, é reconhecido por Deus e carrega o timbre da perfeição,
assim como a obra do Pai e do Filho.
O leitor cuidadoso irá observar que o mesmo Espírito Santo, cuja
igualdade com o Pai e o Filho estamos considerando, introduz ênfase na
quarta e na quinta destas referências. Tais distinções não são meramente
estilísticas ou a terminologia privilegiada do escritor humano, mas são
as palavras “que o Espirito ensina” (I Co 2:13). O apóstolo Paulo se
refere a Deus, o “nosso Deus”, em I Coríntios 6:11, a única referência
deste tipo nas duas cartas à igreja em Corinto. Em cada uma das duas
cartas ele fala uma vez do “meu Deus” (I Co 14:18; II Co 12:21). No
contexto de I Coríntios 6 o apóstolo considera os pecados chocantes
que caracterizaram os santos em Corinto, antes do Senhor salvá-los (I
Co 6:9-10). Não teríamos ficado surpreendidos se o nome usado para
o Espírito fosse o “Espírito Santo” em contraste com a corrupção deles,
mas as palavras do Espírito são “o Espírito do nosso Deus”. O Deus
que nos “chamou à comunhão de Seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor”,
esse Deus, nosso Deus, nos trouxe ao benefício da obra de Cristo pela
fé e pelo Espírito do nosso Deus. Tal é o valor do sangue de Cristo que
Ele pode fazer isso sem comprometer Sua natureza santa. O Espírito
48
O Espírito da Glória
operou nas nossas almas para nos conferir a santificação para que possamos ter comunhão com o nosso Deus. Como já notamos acima, o uso
do nome “o Espírito do Deus vivo” é um contraste flagrante com a letra
morta da Lei que os falsos mestres recomendavam a qualquer gentio
que se voltava para Cristo. Em contraste com aquilo que apenas servia
para condenar, “o Espírito do Deus vivo” opera no coração do salvo. Para
os primeiros destinatários daquela carta a Corinto, haveria também um
contraste evidente com os ídolos mortos que eles haviam adorado.
O Espírito de vosso Pai, o Espírito daquele que dentre os
mortos ressuscitou a Jesus
As referências ao “Espírito de vosso Pai” e ao “Espírito Daquele
que dentre os mortos ressuscitou a Jesus” ligam, de uma forma muito
evidente, o Espírito com os interesses do Pai. A única outra referência,
no Novo Testamento, que identifica o Espírito tão intimamente com o
Pai está em Efésios 3:14-16 “… o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo…
segundo as riquezas da Sua glória, vos conceda que sejais corroborados
com poder pelo Seu Espírito”. Todos estes títulos indicam o prazer que
o Pai tem em vindicar a Cristo, seja num santo acusado perante governadores ou reis, ou gentios ignorantes e idólatras (Mt 10:19-20); ou
em triunfo ao ressuscitar Cristo perante as hostes derrotadas do inferno (Rm 8:11); ou na experiência diária de um cristão exaltando Cristo
ao lugar de preeminência no coração (Ef 3:14-16). As referências aos
santos de Deus sendo acusados perante as autoridades judaicas são um
incentivo para todos que são perseguidos pelos judeus ou gentios. O
interesse do Pai está claramente evidente no nome que o Senhor Jesus
emprega: “O Espírito de vosso Pai” (Mt 10:20). Já notamos que, escrevendo sobre o mesmo assunto, Pedro usa o nome “o Espírito da glória
e de Deus” (I Pe 4:14). Numa passagem paralela, em alguns aspectos,
à Mateus 10, o Senhor promete aos acusados: “Eu vos darei boca e
sabedoria a que não poderão resistir nem contradizer todos quantos se
vos opuserem” (Lc 21:15). Estêvão provou a verdade dessa promessa ao
enfrentar a agressividade dos judeus, e Paulo também, diante dos poderes romanos: “O Senhor assistiu-me e fortaleceu-me” (II Tm 4:17).
Evidentemente os recursos celestes estão a favor do santo. Mesmo que
o resultado seja o martírio, os interesses do Pai serão garantidos pelo
Espírito (Rm 8:11). O fato dEle habitar no santo garante que ele será
ressuscitado de entre os mortos. Pode parecer que ele morreu uma mor-
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo 49
te ignominiosa, mas o seu corpo será um corpo de glória.
Meu Espírito, Seu Espírito, Teu Espírito
Nos três nomes do Espírito que trazem os pronomes pessoais
“Meu”, “Seu” e “Teu”, há um reconhecimento evidente do Espírito e
Sua obra. Eu reconheço, diz Deus, esse Obreiro Divino como “Meu
Espírito” (Gn 6:3). Ao repreender Josué que queria silenciar Eldade e
Medade quando profetizavam, Moisés declarou que os que falam por
Deus são aqueles sobre quem o “Espírito repousou” (Nm 11:25-26); “…
o Senhor pusesse o Seu Espírito sobre ele” (Nm 11:29). Moisés estava
reconhecendo que o Espírito fora enviando por Deus para inspirar os
Seus profetas. Davi também sabia que havia sido favorecido com o Espírito Santo vindo sobre si, e ele se refere a isto no Salmo 51:11, onde
ele fala do “Teu Espírito Santo”. O Salmo 139:7 revela algo do Espírito
buscando e operando no errante. Davi reconhece que essa é uma obra
de Deus e que atingirá o seu propósito, pois é o próprio Espírito quem
o efetua. Inerente também à pergunta de Davi: “Para onde me irei do
Teu Espírito” (Sl 139:7) está o reconhecimento de que o Espírito é, não
somente onipotente e onisciente, mas também onipresente (Sl 139:87). Davi reconhece que o exercício das prerrogativas divinas do Espírito
é para o seu bem.
O Espírito de Jesus
As quatro afirmações que estão tão claramente relacionadas ao próprio Senhor Jesus merecem a nossa meditação. Elas expressam nitidamente a associação do Espírito com Cristo em humanidade, e sem dúvida captam o prazer que Ele encontrou em associação com o Homem
que trouxe prazer a Deus. Escrevendo sobre a expressão “o Espírito de
Jesus”, Alford* destaca que as palavras “de Jesus” não são empregadas
desta forma “em nenhuma outra parte, com base doutrinária”. Kelly†
destaca a expressão:
“O Espírito de Jesus” mescla o interesse pessoal do Homem glorificado (cujo Nome, em sujeição à Sua vontade, era o desejo dos
seus corações e o grande objetivo de suas vidas tornar conhecido)
com o poder do Espírito que é o poder do novo homem.
* ALFORD, H. Alford’s Greek Testament Volume II. Grand Rapids, MI: Baker Book
House, 1980.
† KELLY, W. An Exposition of the Acts of the Apostles. London: C. A.Hammon, 1952.
50
O Espírito da Glória
Mas devemos ver também na expressão que o Espírito que guiava o
Senhor Jesus como Homem dependente, fazendo-O ir a outras cidades
(Lc 4:43); também O fez parar para que Bartimeu pudesse ser trazido a
Ele (Lc 18:40); e O fez deter-Se junto a um poço para que uma mulher
pudesse vir e falar com Ele ( Jo 4:6). O Espírito de Jesus fez com que
o apóstolo e seus cooperadores se detivessem, e esperassem para ouvir
novas instruções (At 16:6-7). Essa direção veio numa visão noturna de
um homem da Macedônia; e assim o Evangelho chegou à Europa.
Características daquele Homem adorável eram evidentes em Paulo
e seus conservos nesta e em outras ocasiões. Paulo e os seus companheiros se curvaram à vontade do Espírito de Jesus, que “não lho permitiu”
(At 16:7). Mais tarde, o mesmo Paulo teve a experiência de ser impedido pelos discípulos de se apresentar à multidão enfurecida em Éfeso (At
19:30). É mais fácil discernir a vontade dos santos do que a de Deus,
mas precisamos estar conscientes de ambas, como Paulo evidentemente
estava. Que glória é para Deus quando somos sensíveis à direção do
Espírito e sabemos quando não é da vontade de Deus que caminhemos
numa determinada direção.
O Espírito de Cristo
O Espírito de Cristo é mais uma associação do Espírito com o
Senhor Jesus. Aprendemos de I Pedro 1:11 que isto envolvia a revelação de Cristo através das Escrituras do Velho Testamento, que tão
plenamente revelaram “anteriormente … os sofrimentos que a Cristo
haviam de vir, e a glória que lhes havia de seguir”. Reconhecemos também que Ele foi o Revelador de Cristo através do Novo Testamento.
I Pedro 1 não trata deste aspecto bíblico da revelação de Cristo, mas
continua a falar do Espírito Santo “enviado do céu” como o poder por
trás da pregação do Evangelho. Este mesmo nome do Espírito ocorre
em Romanos 8:9, numa declaração absoluta: “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle”. Estes termos inequívocos deixam
claro que todo cristão é habitado pelo Espírito. Se um homem não é
habitado pelo Espírito, “esse tal não é dEle”; ele não é um cristão, não
é salvo. Deveríamos ser capazes de ver a evidência dessa habitação na
maneira como o indivíduo vive. O Espirito de Cristo, que revelou Cristo nas Escrituras, sempre deseja revelar Cristo na vida do cristão. Albert
Leckie comentou: “Não podemos ver o Espirito de Deus um no outro,
mas podemos ver o Espirito de Cristo na medida em que Ele reproduz
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo 51
Cristo em mim”.*
O Espírito de Jesus Cristo
Escrevendo aos filipenses Paulo usou a frase “o socorro do Espírito
de Jesus Cristo” (Fp 1:19). É certo que aquela frase poderia se referir aos suprimentos futuros que Cristo disponibilizaria a Paulo, mas
também deve ser levado em consideração que talvez o próprio Paulo
fosse encorajado pelo mesmo poder que tão ricamente supriu o próprio
Senhor. O Espírito de Jesus Cristo é tanto o Dom como o Doador!
Lembramo-nos da declaração de João: “… não Lhe dá Deus o Espírito
por medida” ( Jo 3:34). Não nos admira que as características daquele
Homem bendito, tanto em público como em particular, deleitavam o
Céu. Parece que havia na igreja dos filipenses muito que dava prazer
ao coração do Senhor. Todas essas características são produzidas pelo
“socorro do Espírito de Jesus Cristo” (Fp 1:19); não são o resultado de
uma disposição natural.
O Espírito de Seu Filho
Escrevendo aos gálatas, Paulo descreve a experiência judaica anterior à vinda de Cristo como a de um menor colocado, pelo seu pai, sob
um pedagogo. Os judeus permaneceram nessa posição até que “Deus
enviou Seu Filho … para remir” (Gl 4:4-5). Essa obra era essencial
para remir os que estavam debaixo da Lei, como também era essencial
o envio do Espírito para habitar nos judeus e gentios que se convertessem a Cristo. Lemos em outras partes do Pai enviando o Espírito, e do
Filho enviando o Espírito ( Jo 14:16, 26; 15:26; 16:7), mas aqui o Pai
que enviou Seu Filho envia o Espírito, que é chamado o Espírito de Seu
Filho (Gl 4:6). No contexto, Ele dá o poder para que o santo tenha comunhão com o Pai. A grandeza deste privilégio é destacada na própria
linguagem que o filho será capaz de usar; Ele poderá se dirigir a Deus
com a mesma linguagem que o próprio Senhor usou: “Aba, Pai” (Mc
14:36). Entretanto a linguagem de comunhão não revela plenamente
por que é usado o nome “o Espírito de Seu Filho”. Reconhecemos, com
base na ressurreição, que o Senhor Jesus demonstrou o pleno alcance
do privilégio da filiação quando Ele anunciou: “Eu subo para Meu Pai
e vosso Pai, Meu Deus e vosso Deus” ( Jo 20:17). O ministério da filia* LECKIE, A. Romans: a Commentary on Chapters 1- 8. Fareham: Precious Seed
Publications, 2007.
52
O Espírito da Glória
ção foi inicialmente revelado pelo Filho que Deus enviou ao mundo. É
o Espírito do Seu Filho que faz o coração responder ao privilégio de
sermos filhos.
Nomes e títulos relacionados
à obra do Espírito Santo
São inúmeras as obras do Espírito Santo. Em Gênesis 1:2, como já
notamos, o Espírito está associado com a Criação, quando Ele Se movia
sobre a face das águas, quando a densa “escuridão” era como “faixas” ( Jó
38:9). O verbo “movia” está associado com o instinto maternal de uma
ave pairando sobre o ninho onde estão os seus filhotes. São muitas as
obras espirituais que associamos com o Espírito de Deus. Sabemos que
dEle é a obra de regeneração, quando uma alma nasce “da água e do
Espírito” ( Jo 3:5), assim como o ministério de convicção de pecado ( Jo
16:8-11), e o da santificação (I Co 6:11). Somamos a essas operações
iniciais na alma a Sua direção (Rm 8:14); Seu testemunho (Rm 8:16);
Sua unção (II Co 1:21); Seu selo (II Co 1:22; Ef 1:13; 4:30); e Seu “encher” (Ef 5:18). Ele é também o penhor da nossa herança (II Co 1:22;
5:5; Ef 1:14), e o Consolador ( João 14:16, 26; 16:7). A inspiração das
Escrituras é uma obra Sua, em ambos os Testamentos (II Tm. 3:16).
Chafer* lista dezessete ministérios que pertencem ao Espírito de
Deus, associados com os quais estão os nomes que revelam a Sua glória.
Algumas das tarefas do Espírito, listadas por Chafer, serão abordadas
em outras partes desse volume. Nesta seção notaremos dez nomes importantes, alguns dos quais já foram destacados nesse capítulo.
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O Espírito de santificação — Rm 1:4;
O Espírito de verdade — Jo 14:17;
O Espírito de graça e de súplicas — Zc 12:10; Hb 10:29;
O Espírito de vida — Rm 8:2;
O Espírito de adoção — Rm 8:15;
O Espírito da promessa — Ef 1:13;
O Espírito da glória e de Deus — I Pe 4:14;
O Espírito de sabedoria — Is 11:2;
O Consolador — Jo 14:16, 26; 15:26; 16:7;
O Espírito voluntário (ou “livre”) — Sl 51:12.
* CHAFER, L. S. Sistematic Theology Volume VI. Grand Rapids, MI: Kregel Publications,
1993.
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo 53
Já havíamos considerado acima que, como o próprio Deus, o “Espírito de santidade” pode ser uma referência ao Espírito Santo. Também
já comentamos sobre o “Espírito da glória e de Deus”, o “Espírito de
vida” e o “Espírito de sabedoria”.
O Espírito de verdade
Poderíamos ter considerado o título “o Espírito de verdade” junto
com o grupo de títulos que pertencem ao Espírito por Ele ser Deus. Somente Deus poderia ser descrito como “… o Espírito é a verdade” (I Jo
5:6). Lembramos que o Senhor Jesus declarou com autoridade: “Eu sou
… a verdade” ( Jo 14:6). A totalidade da verdade revelada está incluída
nas palavras “a verdade”.
A gloriosa designação do Espírito Santo como “o Espírito de verdade” não está simplesmente dizendo que Ele não mente — isso já sabemos, porque “Deus … não pode mentir” (Tt 1:2). Quando a verdade
é revelada em forma escrita, o Espírito de verdade é a fonte de toda
essa revelação. Essa designação também nos faz lembrar que Ele molda
nossos afetos de acordo com a verdade; no contexto de João 14 vemos
que Ele nos motivaria a guardar os mandamentos de Cristo ( Jo 14:21).
Por serem habitados pelo Espírito de verdade, os cristãos têm os lombos
do seu entendimento cingidos com a verdade (I Pe 1:13). Visto que o
Espírito da verdade nos regula pela verdade, o Seu interesse explicito é
fazer-nos semelhantes a Cristo. Para isso temos que absorver a verdade
exposta nas Escrituras, para que a obra de transformação possa prosseguir em nossas almas. João 14:17 rejeita qualquer ideia de que essa obra
de transformação possa incluir homens não regenerados. O mundo não
pode receber o Espírito de verdade porque “não O vê”. Como observa
William Kelly*: “Ele não é objeto de vista ou de conhecimento, e o
mundo não tem fé, senão não seria o mundo”.
O Espírito de graça e de súplicas
Em ambos os Testamentos, o Espírito Santo é identificado como
uma verdadeira fonte de graça. Em Zacarias 12 aprendemos sobre as
provações que sobrevirão a Israel no final da Grande Tribulação. Eles
serão trazidos a um ponto onde o extermínio parece certo, ponto esse
em que o Senhor intervirá pessoalmente em seu favor: Ele procurará
* KELLY, W. An Exposition of the Gospel of John. London: C. A. Hammond, 1966.
54
O Espírito da Glória
“destruir todas as nações que vierem contra Jerusalém” (Zc 12:9). Ele
não somente trabalhará por Israel, mas neles através do Seu Espírito.
Naquele dia, a nação que endureceu o seu coração contra Ele no Seu
primeiro advento se derreterá em súplicas e lamentos e amargura. O
Espírito os moverá, tribo por tribo, família por família. Eles reconhecerão que a sua nação obstinadamente interpretou mal passagens como
Isaías 53, porque não havia nenhuma beleza naquele que é descrito naquela passagem, para que O desejassem (Is 53:2). Essa nação há de necessitar graça para suplicar; caso contrário seria devorada de demasiada
tristeza (II Co 2:7). Haverá graça para os quebrantados de espírito. Em
Hebreus 10, entretanto, não se trata da necessidade dos quebrantados
de espírito e arrependidos. Encontramos ali aqueles que abandonam a
obra de Cristo em apostasia. Eles pisam o Filho de Deus, o sangue do
concerto e o Espírito da graça. A obra do Espírito da graça que encontrariam estaria em contraste total com as obras da Lei que os afastavam
de Cristo. Como o Espírito da graça, Ele operaria naqueles que deixaram o ritual do Templo pela realidade de Cristo. Teria sido uma obra
de consolidação, estabelecendo aqueles que foram atraídos a Cristo em
graça. Nossas circunstâncias podem ser diferentes das que Zacarias e o
escritor aos Hebreus tinham em mente, mas o ministério do Espírito
da graça ainda é necessário, levando-nos à súplicas, e garantindo a consolidação da obra de Deus nas nossas almas.
O Espírito de adoção, o Espírito da promessa
Duas apresentações no Novo Testamento, muito agradáveis a todos
os que se regozijam na salvação, são: “o Espírito de adoção” (Rm 8:15),
e o “Espírito Santo da promessa” (Ef 1:13). A primeira revela um privilégio presente que pertence aos filhos de Deus, e a segunda também
está relacionada ao período presente, antes da entrada dos herdeiros da
promessa na sua herança. O Espírito veio para que pudéssemos manter
o gozo do relacionamento que pertence a filhos, uma relação que nem
mesmo os santos mais piedosos do Velho Testamento conheceram; eles
eram mais como servos do que filhos (Gl 4:1-7). Eles não tinham o
direito de se dirigir a Deus como “Aba Pai”. Num lar rico do primeiro
século, onde havia servos, um filho tinha privilégios que os servos não
tinham. Se, com o coração transbordando de gratidão, o filho quisesse
expressar a sua gratidão, ele podia fazê-lo. Se o filho sobrecarregado
de problemas quisesse ouvir o conselho do seu pai, ele podia falar li-
Cap. 3 — A apresentação do Espírito Santo 55
vremente como nenhum servo poderia. Da mesma forma, os filhos de
Deus podem se dirigir ao Pai e clamar: “Aba Pai”. Entre os motivos para
render graças está a promessa de glória futura. No Espírito da promessa
os filhos de Deus têm o penhor da sua herança. O Espírito foi prometido aos santos; de fato, o Senhor Jesus falou dEle como “a promessa
do Pai”, que eles receberiam “não muito depois” da Sua ascensão (At
1:4-5). Entretanto, o nome “o Espírito da promessa” não relembra a
promessa de que o Espírito seria enviado, mas aguarda a herança que
o Senhor Jesus conquistou (Ef 1:15). Ele é o penhor, isto é, o primeiro
pagamento que nos assegura que somos herdeiros e que herdaremos
com Cristo. De fato, o Espírito nos selou como aqueles que foram adquiridos para poderem herdar. Que ministério rico o Espírito fornece!
O Consolador
O título que muitos cristãos gostam de mencionar é “o Consolador”, ou “outro Consolador” ( Jo 14:16, 26; 15:26; 16:7). Este título declara que o Espírito disponibiliza aos santos a orientação e proteção
que os discípulos encontraram no Senhor, quando Ele estava com eles.
É um título no qual João se gloria pelo Espírito. É com razão que a
maioria relutaria em limitar o alcance de um ministério se o ensino do
Senhor enfatiza a sua permanência, seu ensino, seu poder para lembrar,
suas revelações de coisas futuras, seu testemunho a Cristo e sua censura do mundo. Que ministério universalmente abrangente pertence ao
Consolador!
O Espírito voluntário
Foi na sua hora mais negra que Davi clamou: “Restitui-me a alegria da minha salvação, e sustenta-me com um espírito voluntário” (Sl
51:12). No v. 10 do Salmo, o “espírito reto” claramente se refere ao espírito do penitente, enquanto o apelo de Davi, no v. 11, para que o Espírito Santo não fosse retirado dele, é uma referência igualmente clara
à pessoa do Espírito Santo. Não nos surpreende que haja certa divisão
entre os comentaristas sobre o sentido ser “Teu Espírito voluntário” ou
“um espírito voluntário”. O adjetivo hebraico traduzido “voluntário”
também é usado em outras partes em relação às ofertas, logo, enfatiza
espontaneidade, generosidade, disposição de agir sem relutância nem
coerção. Esse tipo de espírito sustentaria Davi, evitando a sua queda.
A ausência do pronome “teu” não contradiz a sugestão de que seja uma
56
O Espírito da Glória
referência direta ao Espírito Santo. Somente o Espírito Santo poderia
equipar o espírito de um homem que havia desrespeitado Bate-Seba e
seu marido, para que ele não vivesse mais para agradar a si mesmo ou
ceder às suas paixões; somente Ele é o Espírito que Se compraz em
tornar um filho de Deus disposto a obedecê-lO e bençoar outros.
As glórias do Espírito
Notamos acima que o Senhor ensinou que o Espírito não falaria
por Si mesmo: “… não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir” ( Jo 16:13). Notamos que
nosso Senhor Jesus não disse que o Espírito Santo não falaria sobre Si
mesmo. Ele disse, sim, que o Espírito não falaria “por Si mesmo”, isto
é, Ele não falaria por Sua própria autoridade independente, mas em
comunhão com o Pai e o Filho. Visto que Ele não fala independentemente, temos a garantia de que toda glória que Ele revela de Si mesmo
é Sua por direito, e que toda revelação é feita em comunhão com o Pai
e o Filho. Nós regozijamos, e com razão, na apresentação do Espírito
de Deus nas Escrituras. Ela é necessária e suficiente para o crescimento
espiritual e o viver uma vida cristã. Esta apresentação da Pessoa e da
obra do Espírito é necessária porque nenhum homem pode decifrar o
Espírito de Deus por meio de pesquisa. Ela é suficiente porque a partir
da apresentação das Escrituras podemos confessar: “Mais comprida é a
sua medida do que a terra, e mais larga que o mar” ( Jó 11:7-9).
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo
em revelação e inspiração
por Walter A. Boyd, Irlanda do Norte
Introdução
Ao considerar o assunto do papel do Espírito Santo na revelação
e na inspiração, é significativo que as duas passagens fundamentais das
Escrituras que tratam disso se encontram em segundas epístolas: II Timóteo 3:16 e II Pedro 1:20. Aqueles que leem a Bíblia com atenção sabem que as segundas epístolas têm uma relação especial com os últimos
dias da dispensação da graça. Ao incluir esses versículos preciosos nas
segundas epístolas, o Espírito de Deus aparentemente está nos alertando para o fato que a verdade da inspiração divina das Escrituras sofrerá
ataques especiais nos nossos dias.
Desde que se completou o cânon, Satanás e seus emissários estão
empenhados numa campanha incansável contra a integridade das Escrituras; e seus esforços se intensificaram desde o início do século XX.
A primeira tentativa de minar a confiança humana na Palavra de Deus
começou no Jardim do Éden, quando Satanás disse a Eva: “É assim
que Deus disse?” (Gn 3:1). Esta rejeição da Palavra de Deus ainda está
conosco hoje, e estamos naquele período do qual Paulo escreveu em II
Timóteo 4:3-4: “Porque virá tempo em que não sofrerão a sã doutrina;
mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade,
voltando às fábulas”.
Para levar adiante o ataque à Palavra de Deus, tem havido uma tentativa combinada para desacreditar as doutrinas fundamentais da inspiração plena e da inspiração verbal das Escrituras Sagradas. Por verbal,
queremos dizer que cada uma das palavras dos documentos originais
é inspirada por Deus. Por plena, queremos dizer que todas as palavras
são inspiradas por Deus. Todas as palavras dos manuscritos originais
das Sagradas Escrituras, de Gênesis a Apocalipse, são inspiradas. Cada
palavra com seus detalhes individuais, e todas as palavras juntas, for-
58
O Espírito da Glória
mando o conjunto das Escrituras Sagradas, foram sopradas por Deus
para serem registradas por escreventes humanos. Apesar da campanha
incansável para subverter a Palavra de Deus, ainda há aqueles, como os
Tessalonicenses, que definitivamente consideram as Sagradas Escrituras como confiáveis e vindas de Deus: “Por isso também damos, sem
cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a Palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo
é, na verdade), como Palavra de Deus, a qual também opera em vós os
que crestes” (II Ts 2:13).
As últimas palavras de Davi, conforme registradas em II Samuel
23, nos ajudam a entender a verdade da inspiração divina. Nos vs. 2-3
Davi diz: “O Espírito do Senhor falou por mim, e a Sua Palavra está na
minha boca. Disse o Deus de Israel, a Rocha de Israel a mim me falou:
Haverá um justo que domine sobre os homens, que domine no temor
de Deus”. Ao usar as expressões “a Sua Palavra está na minha boca” e “a
Rocha de Israel a mim me falou”, Davi está falando da Sua experiência
em registrar as palavras da Escritura Sagrada. Ele deixa claro que a inspiração engloba dois elementos principais: Deus falou com Davi, e Davi
falou em nome de Deus. Assim é também no caso de todos os escritores
das Sagradas Escrituras: quando eles falam, Deus fala! A mesma verdade se encontra em Isaías 59:21: “… o Meu Espírito que está sobre ti,
e as Minhas palavras, que pus na tua boca”. Quando aquilo que Isaías
escreveu está sendo difamado, por alguém criticar o profeta ou a sua
profecia, devemos lembrar que isso realmente é um ataque contra Deus,
que inspirou o que Isaías escreveu.
Explicação
Revelação
Quando falamos sobre revelação divina, nos referimos a qualquer
meio que não poderia, de outra forma, ser encontrado, por meio do
qual Deus revela a verdade ao homem. Em II Coríntios 12:1 Paulo
fala de receber “revelações do Senhor”. Em I Coríntios 2:10-11, Paulo
mostra que assim como somente o próprio homem pode revelar os pensamentos mais íntimos do seu coração a outra pessoa, assim também
somente o Espírito Santo pode revelar ao homem “as profundezas de
Deus”. O homem não tem capacidade para descobrir verdades acerca de
Deus, a não ser que o Espírito Santo as revele. O agnóstico duvida que
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração 59
Deus Se revele; e ao assim fazer ele está desafiando as afirmações de que
Deus tem a capacidade de revelar-Se a Si mesmo, e que o homem tem
a capacidade de conhecer a Deus. Qualquer conhecimento de Deus,
através das Sagradas Escrituras, é obtido somente por revelação divina,
pois o homem jamais poderia discerni-lO por sua própria capacidade,
por mais erudito que fosse. A verdade divina está muito além das mais
elevadas faculdades mentais e intelectuais do homem. Uma das perguntas mais antigas na Bíblia é a pergunta de Jó: “Poderás descobrir …
o Todo Poderoso?” ( Jó 11:7, VB). Se Deus não Se revelar ao homem,
Ele permanecerá desconhecido e incompreensível. Mas Deus em graça
escolheu revelar-Se para que possamos aprender sobre Ele e Sua inescrutável sabedoria e caminhos.
A capacidade de Deus de revelar-Se a Si mesmo
As Escrituras Sagradas são muito claras em afirmar que Deus não
somente tem a capacidade de revelar-Se à humanidade, como de fato
Ele o fez. Deus Se tem revelado de diversas maneiras.
Revelação na Criação
O Salmo 19:1 declara que Deus Se tem revelado através da Criação: “Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra
das Suas mãos”. Paulo acrescenta a isso, ao dizer que a natureza invisível
de Deus, seu eterno poder e Divindade “se entendem, e claramente se
veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis”
(Rm 1:20). A verdade de Deus na Criação é gloriosa (Sl 19) e evidente
(Rm 1).
O salmista declara no Salmo 8:3: “Quando vejo os Teus céus, obra
de Teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste; que é o homem mortal
para que Te lembres dele? E o filho do homem para que o visites?”. O
mundo criado manifesta tanto a majestade de Deus quanto a fraqueza
do homem. Não é de admirar que Davi conclui o Salmo com a exclamação do v. 9: “Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o Teu nome
sobre toda a terra!”
Falando durante o tumulto em Listra, o apóstolo Paulo disse: “… o
Deus vivo, que fez o céu e a terra e o mar e tudo que há neles; o Qual
nos tempos passados deixou andar todas as nações em seus próprios caminhos. E contudo não Se deixou a Si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo
60
O Espírito da Glória
de mantimento e de alegria os vossos corações” (At 14:15-17). Aqui
somos novamente lembrados do testemunho de Deus para o homem na
Criação. A repetição constante do ciclo das estações, no mundo criado,
é um testemunho da bondade de Deus.
Revelação na consciência do homem
Deus também Se revela à Consciência do homem. Paulo, falando
dos homens que rejeitam a revelação de Deus na Criação, declara que
eles têm que tratar com Deus, cuja Lei está “escrita em seus corações,
testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer
acusando-os, quer defendendo-os” (Rm 2:15). Embora o Senhor Jesus
não tenha usado a palavra “consciência”, Ele declarou que o Espírito
Santo “convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo” ( Jo 16:8).
A palavra “convencer” (que significa “expor”, ou “trazer à luz”) indica
que o homem pecador seria conscientizado do seu pecado contra Deus.
Embora seja verdade que Deus deu a cada pessoa a liberdade de exercer
a sua própria vontade ao decidir a respeito da revelação de Deus, isso
não quer dizer que ao fazê-lo em rebelião contra a lei de Deus ela ficará
impune. O homem é livre para aceitar ou rejeitar a revelação de Deus
na Criação e na consciência, mas terá que responder por essas decisões.
Revelação no cânon das Escrituras
Outro meio pelo qual Deus Se revela é no cânon das Sagradas Escrituras. O apóstolo Paulo enfatizou o que muitos dos escritores do
Velho Testamento haviam declarado em relação aos falsos deuses (veja,
por exemplo, Sl 115:4-8 e Is 46:6-7) quando os descreve como “ídolos
mudos”(I Co 12:2). O Deus da Bíblia não é assim — Ele pode falar,
e fala! A maravilha da Sua graça é que Ele fala de uma maneira que
os homens possam entender e apreciar. Nos dias do Velho Testamento, Deus falou com indivíduos, como Abraão (Gn 12:1), Moisés (Êx
19:21), e Samuel (I Sm 3:4); e há repetidas revelações de Deus aos
profetas (por exemplo, Jr 1:11, 014; 7:1; 11:1, etc.).
Revelação e mistérios
No Novo Testamento certos aspectos da verdade que eram desconhecidos nos dias do Velho Testamento são revelados: são os chamados
mistérios. A palavra não indica que haja algo curioso ou misterioso sobre eles; e sim que são revelações de verdades completamente novas,
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração 61
num tempo e para homens escolhidos por Deus. Essas revelações não
poderiam ser compreendidas pelos homens se tivessem sido feitas numa
época anterior. Paulo descreve a si mesmo e seus cooperadores como
“ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus” (I Co 4:1).
Está além do alcance deste capítulo tratar dos mistérios doutrinários
do Novo Testamento, mas o leitor que fizer deles um assunto de estudo
pessoal terá uma rica recompensa na revelação da verdade. Outro assunto relacionado que podemos mencionar apenas de passagem é o dos
milagres. Em certas ocasiões, Deus usou milagres para substanciar ou
corroborar a mensagem na Sua revelação. Em II Coríntios 12:12 Paulo
fala dos “sinais do meu apostolado”. Ele está se referindo aos acontecimentos milagrosos realizados por Paulo para convencer os homens da
autenticidade da mensagem que Deus o tinha enviado a proclamar. Ao
verem a evidência do poder Divino em operação, Deus tornou claro
o conteúdo da Sua revelação e demonstrou a veracidade dela. Este é
o sentido de Hebreus 2:4: “Testificando também Deus, por sinais, e
milagres, e várias maravilhas e dons do Espírito Santo, distribuídos por
Sua vontade”.
Entretanto, embora a Bíblia toda seja a Palavra inspirada de Deus,
ela não é toda revelação. Há muitas passagens históricas que registram
coisas que não podem ser consideradas como revelação. Por exemplo,
quando Satanás disse a Eva: “Certamente não morrereis” — essas palavras, quando faladas por Satanás, não eram uma revelação de Deus. Mas
em Gênesis 3:4 temos o registro divinamente inspirado da insinuação
maligna de Satanás, assim assegurando a exatidão do relato. O mesmo
se aplica ao exemplo nas Escrituras Sagradas onde as palavras dos homens maus são registradas com exatidão por inspiração divina. Nesses
casos a inspiração não confere crédito ao que os homens maus disseram,
mas garante que o registro do que eles disseram é verdadeiro e exato.
Revelação progressiva
Nas Escrituras, a revelação da verdade é progressiva. Isso não quer
dizer que revelações sucessivas corrigem ou eliminam revelações prévias; mas sim, que elas acrescentam às anteriores, dando-nos uma compreensão mais completa. Mais verdade está sendo adicionada àquela
que já é conhecida. Uma das primeiras afirmações de Deus na Bíblia
se encontra em Gênesis 3:15: “E porei inimizade entre ti e a mulher, e
entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe fe-
62
O Espírito da Glória
rirás o calcanhar”. Um exemplo de revelação progressiva é quando Deus
adiciona informação mais plena, ao identificar a Semente da mulher
como Seu Filho: “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu
Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a lei” (Gl 4:4). Em Hebreus
2:14, é por meio da morte que Cristo derrotou Satanás: “… para que
pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo”.
Novamente, em Colossenses 2:14-15, Paulo mostra que o esmagar da
cabeça de Satanás se deu na cruz: “Havendo riscado a cédula que era
contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os
principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em Si
mesmo”.
Revelação em Cristo
A revelação máxima de Deus aos homens está em Cristo. João diz:
“Deus nunca foi visto por alguém. O Filho Unigênito, que está no seio
do Pai, esse O revelou” ( Jo 1:18). Cristo nos anunciou tudo que o Pai
quer que a humanidade saiba sobre Ele. Ele é a revelação mais plena de
Deus aos homens. Em Hebreus 1:1-2 é dito que Deus “a nós falou-nos
nestes últimos dias pelo Filho, a Quem constituiu herdeiro de tudo,
por Quem fez também o mundo”. Esta revelação por Deus nos dá uma
compreensão da Pessoa de Cristo. Sua existência eterna, nascimento,
morte, ressurreição, ascensão e retorno, todas estas coisas são reveladas
nas Escrituras.
Revelação registrada
A revelação de Deus à humanidade, em forma escrita, chega ao
seu ponto mais elevado no livro de Apocalipse no final do Novo Testamento. Apocalipse 1:1 afirma que é a “revelação de Jesus Cristo”. Disto
concluímos que o livro é tanto uma revelação da parte de Jesus Cristo
para João, e sobre Jesus Cristo para os homens. Estes conceitos são repetidos no início de cada uma das cartas a serem enviadas por João às
sete igrejas da Ásia, nos caps. 2 e 3. A introdução de cada carta começa
com as palavras: “Isto diz …”, e em seguida temos um aspecto específico
da visão do Cristo exaltado dada a João em Apocalipse 1:10-20: “Isto
diz Aquele que tem na Sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos
sete castiçais de ouro” (Ap 2:1). A revelação por Jesus Cristo não apenas
é sobre Ele mesmo como o exaltado e vitorioso Filho do Homem; João
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração 63
recebeu também uma revelação da parte de Jesus Cristo sobre as “coisas
que são, e as que depois destas hão de acontecer”.
A capacidade do homem de conhecer a Deus
Se um crítico da Bíblia pode provar que Deus não Se revelou à
humanidade, ou que os seres humanos não têm a capacidade de reconhecer essa revelação, então ele sente que está isento de qualquer responsabilidade para com Deus. Como já demonstramos, Deus tem Se
revelado à humanidade de várias maneiras. E agora, o que dizer sobre a
capacidade do homem de conhecer Deus?
Já vimos nesse capítulo que Deus, muitas vezes, realizou um milagre para confirmar a Sua mensagem. É interessante notar que, quando
os homens ouviram as palavras do Senhor Jesus, eles disseram: “Nunca
homem algum falou assim como esse Homem” ( Jo 7:46). Marcos nos
diz que, quando o Senhor Jesus curou o paralítico, “levantou-se e, tomando logo o leito saiu em presença de todos, de sorte que se admiraram, e glorificaram a Deus dizendo: Nunca tal vimos” (Mc 2:12). Seja
através das palavras faladas pelo Senhor, ou Seus milagres por Divino
poder, os homens tinham a capacidade de apreciar o que viam e ouviam.
Entretanto, nem todos corresponderam com fé àquilo que viram e ouviram. Romanos 1:19 deixa claro que os homens em seus pecados têm
a capacidade de saber a respeito da justiça e do poder de Deus, assim
como de ter consciência do seu pecado: “Porquanto o que de Deus se
pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou”. Naquela parte de Romanos cap. 1 Paulo declara que homens injustos, que
excluem a verdade de Deus revelada na Criação, estão sem desculpa.
Tendo a capacidade de conhecer a Deus, optaram por não conhecê-lO;
e são, assim, condenados por suas próprias ações. Esta verdade solene
não está em contradição com I Coríntios 2:14, onde Paulo está dizendo que qualquer revelação de Deus ao homem precisa vir através do
Espírito Santo, pois o homem em si mesmo não é capaz de compreender a Deus. Consideradas juntas, as duas passagens estabelecem que o
homem é responsável pelos seus próprios atos, quando Deus Se revela
através de Cristo pelo Seu Espírito.
Inspiração
Deus também Se tem revelado na Palavra escrita. A revelação de
Deus em palavras escritas foi dada a indivíduos que Ele escolheu, para
64
O Espírito da Glória
que eles por sua vez comunicassem essa revelação aos seus semelhantes. Essa revelação não foi transmitida por palavras escolhidas por eles,
antes, as palavras foram a escolha do Espírito Santo, descritas em I
Coríntios 2:13 como as palavras “que o Espírito Santo ensina”.
É importante distinguir entre revelação e inspiração. Elas diferem
em que revelação é a transmissão de verdade que não pode ser descoberta pela mente humana; mas a inspiração garante que a verdade que
Deus deseja que os homens conheçam é registrada com exatidão, para
que tenha autoridade e seja infalível. Revelação significa aquilo que o
homem sabe sobre Deus, enquanto inspiração assegura que aquilo que o
homem sabe sobre Deus é exatamente, palavra por palavra, como Deus
queria que fosse escrito. Revelação e inspiração estão intimamente ligadas quanto à maneira em que as Santas Escrituras nos foram disponibilizadas; no entanto, são distintas. Por exemplo, Moisés subiu ao Monte
Sinai para receber instruções sobre a construção do Tabernáculo, por
revelação de Deus; e então, mais tarde, ele registrou tudo, por inspiração,
naquilo que hoje conhecemos como o livro de Êxodo. Moisés recebeu a
revelação no Sinai, e mais tarde registrou essa revelação por inspiração
divina.
Uma das melhores definições de inspiração continua sendo a do
Professor Gaussen, um teólogo do século XIX, que a defendeu resolutamente no seu livro The Inspiration of the Holy Scriptures ( “A Inspiração
das Sagradas Escrituras”):*
… esse termo é usado para descrever o poder misterioso que o
Espírito Divino exerceu sobre os autores das Escrituras do Velho
e do Novo Testamento, capacitando-os para que as redigissem
na forma em que foram recebidas pela Igreja de Deus das mãos
deles. “Toda Escritura”, diz um apóstolo, “é teopnêustica".
Outra descrição valiosa é a de Rene Pache†:
Inspiração … é a influência determinante exercida pelo Espírito
Santo sobre os escritores do Velho e do Novo Testamento para que
eles pudessem proclamar e estabelecer, de forma exata e autêntica, a mensagem como recebida de Deus. Esta influência os guiava
até mesmo no seu uso de palavras, para que fossem preserva* GAUSSEN, L. Prof. The inspiration of the Holy Scriptures. Chicago: Moody Press,
1949, pág.23.
† PACHE, R. The Inspiration and Authority of Scripture. Chicago: Moody Press, 1974,
pág. 45.
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração 65
das de todo erro e omissões … Uma inspiração semelhante foi
concedida aos escritores sagrados, em relação a eventos ou fatos
por eles já conhecidos sem uma revelação especial, para que seus
relatos fossem de acordo com a vontade de Deus.
Não é apenas a própria Escritura que testifica da Sua inspiração
divina; o Senhor Jesus e os apóstolos que O acompanharam no Seu
ministério, testificaram do fato que as Escrituras Sagradas são divinamente reveladas e inspiradas. O Senhor Jesus disse em Mateus 22:31:
“E acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos
declarou, dizendo …” O desafio do Senhor aos escribas e fariseus em
Mateus 15:2-3, de que as tradições judaicas estavam em desacordo com
as Escrituras do Velho Testamento, que são “os mandamentos de Deus”,
é mais uma das muitas ocasiões em que Ele validou as Escrituras como
sendo de Deus. É um estudo interessante pesquisar nos Evangelhos
a confirmação do Salvador das Escrituras do Velho Testamento, por
exemplo: sobre a Criação (Mt 19:4-5); o dilúvio e Noé (Lc 17:27); o
resgate de Ló (Lc 17:29); a entrega da Lei (Mt 19:18). Há muitas outras provas, nas Suas palavras, de incidentes do Velho Testamento, e fica
óbvio, por essas Suas declarações, que o Senhor Jesus tinha completa
confiança na origem e veracidade daquilo que estava escrito no Velho
Testamento.
Quanto aos apóstolos, o livro de Atos mostra que eles também tinham plena confiança de que as Escrituras do Velho Testamento eram
divinamente inspiradas e, portanto, dotadas de autoridade e verdadeiras.
Quando Pedro falou: “Homens irmãos, convinha que se cumprisse a
Escritura que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam a Jesus” (At 1:16), ele estava
confirmando a inspiração divina das Escrituras Sagradas. O discurso de
Estêvão é uma confirmação notável da historicidade do relato do Velho Testamento sobre acontecimentos na vida dos Patriarcas até os dias
do Templo de Salomão (At 7:2-50). Nas epístolas aos Romanos e aos
Gálatas, quando o apóstolo Paulo escreve para defender as doutrinas
do Evangelho, ele cita amplamente as Escrituras do Velho Testamento
(veja o uso que ele faz da expressão “como está escrito” em Rm 1:17;
2:24; 3:4; 4:17; 8:36; 9:13; 10:15; 11:8; 15:9). Juntamente com outras
ocorrências na epístola, estas mostram que em cada seção do tratado,
ele tem plena confiança para basear seu argumento nas Escrituras do
Velho Testamento como dotadas de autoridade e divinas. Para Paulo,
66
O Espírito da Glória
o evangelho que lhe fora revelado era um cumprimento das promessas
de Deus feitas anteriormente através dos profetas do Velho Testamento. Paulo claramente entendeu que as palavras das Sagradas Escrituras
eram coextensivas e idênticas às palavras do próprio Deus.
Assim as Sagradas Escrituras vieram a existir quando homens “santos de Deus falaram inspirados [conduzidos, dirigidos, direcionados]
pelo Espírito Santo”. Embora haja um bom número de passagens no
Novo Testamento que afirmam e corroboram a doutrina da inspiração
divina das Escrituras, como registradas por autores humanos, as duas
mais importantes são II Timóteo 3:16 e II Pedro 1:21.
II Timóteo 3:16:-17
“Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para
redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de
Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra”.
Esta é uma das passagens mais importantes na Palavra de Deus
sobre o assunto da inspiração. Devemos fazer uma pausa para meditar
cuidadosamente no seu significado, pois aqui o apóstolo fala da própria
Bíblia e do propósito de Deus na sua inspiração. Uma tradução literal
do grego das palavras iniciais deste versículo, aumenta o impacto do seu
significado: “Toda a Escritura soprada por Deus”.
É importante notar que em I Timóteo 5:18 o apóstolo associa uma
citação de Deuteronômio 25 com uma de Lucas 7, demonstrando assim que tanto o Velho e o Novo Testamentos são reconhecidos como
Escrituras Sagradas; e portanto devem ser considerados como tendo a
mesma origem. Ambos os Testamentos são inspirados por Deus, independentemente de quem foram os escreventes humanos.
Estes escreventes vieram de ambientes sociais e educacionais diferentes, e se espalharam por um período de tempo bem superior a mil
anos. No entanto, em cada caso, as palavras eram sopradas por Deus! A
maravilha da inspiração é que, dentre a variedade de homens, naquele
longo período de tempo, não há uma discordância, em qualquer parte,
naquilo que escreveram. De fato, a sua mensagem tem um tema básico
que os une — eles falaram de Cristo.
Deus Se comunica através das Suas palavras. Ele não é como os
ídolos mudos descritos no Salmo 115 como “obra das mãos dos homens” (v. 4), que “têm boca, mas não falam” (v. 5). Deus tem falado, e
o que Ele disse foi registrado por autores humanos. Jeremias nos fala
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração 67
disso na sua profecia: “Mas o Senhor me disse: Não digas: Eu sou um
menino; porque a todos a quem Eu te enviar, irás; e tudo quanto te
mandar, falarás. Não temas diante deles; porque estou contigo para te
livrar, diz o Senhor. E estendeu o Senhor a Sua mão, e tocou-me na
boca; e disse-me o Senhor: eis que ponho as Minhas palavras na tua
boca” ( Jr 1:7-9). Quando Deus confiou as Suas palavras aos vários autores humanos, Ele o fez por inspiração. Com isso queremos dizer que
as palavras foram sopradas por Deus, e os homens as receberam e em
seguida escreveram. Estas palavras, sendo sopradas por Deus, contém
a própria vida de Deus: é por isso que, em Hebreus 4:12, a palavra de
Deus é descrita como “viva e eficaz”.
Este ato, que nós chamamos de inspiração, se deu quando Deus soprou as palavras para os homens escreverem. A Palavra de Deus não se
torna inspirada quando lida pelos homens, e quando ela lhes fala à consciência. Portanto é errado dizer, como alguns, que a Escritura se torna
a Palavra de Deus quando Ele a usa para falar com alguém. A Bíblia é
a Palavra de Deus, cheia de vida e de vitalidade, seja ela reconhecida ou
não, e aceita ou não, como tal. Também é errado dizer que a Escritura
contém a Palavra de Deus, pois isso indica que também contém coisas
que não são a Palavra de Deus. As Sagradas Escrituras são a Palavra de
Deus; elas jamais serão algo menos, e nunca nada será acrescentado a
elas. Isto é enfatizado pelas palavras do Salvador: “Porque em verdade
vos digo que, até que o céu e a terra passem nem um jota ou um til se
omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido” (Mt 5:18). O Senhor Jesus
diz que a menor letra do alfabeto hebraico (jota), e o menor traço usado
para distinguir as letras deste alfabeto (til), permanecerão para sempre.
Na mente de Deus, os menores detalhes das letras dos manuscritos originais são importantes. Vale a pena notar que o Senhor Jesus atribuiu
o mesmo caráter eterno às Suas próprias palavras quando disse: “Os
céus e a terra passarão, mas as Minhas palavras não hão de passar” (Mt
24:35). As palavras faladas pelo Salvador têm o mesmo caráter permanente que as Sagradas Escrituras; e as Escrituras Sagradas têm a mesma
veracidade e valor que as palavras faladas pelo Senhor Jesus Cristo.
Fica claro em Daniel 12:8-9 que os autores do Velho Testamento
nem sempre compreendiam o significado daquilo que escreviam: “Eu,
pois, ouvi mas não entendi; por isso eu disse: Senhor meu, qual será o
fim destas coisas? E Ele disse: Vai, Daniel, porque estas palavras estão
fechadas e seladas até o tempo do fim”.
68
O Espírito da Glória
Ao falar sobre inspiração, devemos entender, de II Timóteo 3:16-17
que, estritamente falando, se aplica às palavras das Sagradas Escrituras,
e não aos homens que as escreveram: “Toda a Escritura é divinamente
inspirada”. É errado dizer: “Deus inspirou o apóstolo Paulo a escrever
…”. O que devemos dizer é: “Deus inspirou as palavras que o apóstolo
Paulo escreveu”. A atividade de Deus pelo Espírito Santo sobre os escritores das Sagradas Escrituras é explicada em II Pedro 1:20-21.
II Pedro 1:20-21
“Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de
particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados
[“movidos”, VB] pelo Espírito Santo”.
A afirmação de Paulo em II Timóteo 3:16-17 enfatiza a origem e
o resultado final da inspiração; e essas afirmações de Pedro enfatizam o
processo e o poder envolvidos na inspiração. Para produzir o resultado
final — a Palavra soprada por Deus — o Espírito Santo moveu autores
humanos, e a Bíblia reconhece esse aspecto duplo de autoria. Usando
seu próprio estilo e habilidade, os homens escreveram as palavras a eles
entregues pelo Espírito Santo; e, no entanto, o que eles escreveram eram
as próprias palavras de Deus. Pedro confirma esta autoria dupla: “Amados, escrevo-vos agora esta segunda carta, em ambas as quais desperto
com exortação o vosso ânimo sincero; para que vos lembreis das palavras que primeiramente foram ditas pelos santos profetas, e do nosso
mandamento como apóstolos do Senhor e Salvador” (II Pe 3:1-2). Ele
queria que esses cristãos se lembrassem das palavras dos profetas e dos
mandamentos dos apóstolos. Tanto o Velho Testamento como o Novo
Testamento são atribuídos a autores humanos (profetas e apóstolos).
Em 3:15-16 Pedro reconhece a sabedoria dada a Paulo, manifesta naquilo que ele escreveu em suas epístolas, e continua explicando como “os
indoutos e inconstantes torcem” os escritos de Paulo e “igualmente as
outras Escrituras”. Ao assim escrever, Pedro atribui a todas as epístolas
de Paulo o caráter de “Escritura”. Toda Escritura é inspirada por Deus,
ainda que escrita por homens.
Ao usar a expressão “segundo a sabedoria que lhe foi dada”, Pedro
mostra que o processo de inspiração divina faz uso dos dons dados por
Deus. Inspiração não é meramente um ditado mecânico, onde o autor
humano registra palavras como uma secretária. As epístolas de Paulo
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração 69
foram escritas de acordo com a profundeza e detalhes do conhecimento
especialmente dados a ele. Não era fruto de uma “particular interpretação” (v. 20); mas ele foi “inspirado [movido] pelo Espírito Santo” (v. 21).
Deus usou o caráter e as habilidades dos homens que escreveram a Bíblia, e ao mesmo tempo controlou o que escreviam, de forma que o que
eles produziram é a Palavra inspirada de Deus. Os escritores da Bíblia
não foram abandonados aos seus próprios recursos ao escrever. O Espírito Santo milagrosamente operou neles como homens caídos, para que
o processo de inspiração invalidasse os seus defeitos; e os guiasse, como
homens cheios do Espírito, a escrever exatamente o que Deus queria.
Quando Pedro diz que eles foram “movidos pelo Espírito Santo”,
ele usa uma expressão que transmite a ideia de um navio sendo conduzido pelo vento. Assim como o navio é controlado pelo seu poder propulsor, assim também os autores humanos da Bíblia foram controlados
pelo Espírito Santo. Quando o vento sopra, o navio navega; quando o
vento para, o navio para. Esta expressão usada por Pedro mostra que os
autores humanos estavam sob o controle direto do Espírito enquanto
escreviam. O processo de inspiração era um cumprimento das palavras
ditas pelo Senhor Jesus em João 16:13: “Mas, quando vier Aquele, o
Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará
de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há
de vir. Ele Me glorificará, porque há de receber do que é Meu e vo-lo
há de anunciar”.
Que livro maravilhoso nós temos na Bíblia! Assim como o Verbo
Eterno de Deus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem,
assim também a Palavra de Deus escrita é, num sentido, as palavras de
Deus e as palavras do homem.
Implicações
As implicações da inspiração e da revelação divinas são ao mesmo tempo confortantes e desafiadoras. Podemos encontrar um imenso
conforto na leitura da Palavra de Deus, pois ela é infalível e confiável.
Também somos desafiados ao lê-la, sabendo que ela tem autoridade e
precisa ser obedecida. A seguir, trataremos brevemente da veracidade e
da importância das Sagradas Escrituras.
Veracidade
Não há dúvida de que Deus é como descrito nas Escrituras, o “Deus
70
O Espírito da Glória
da verdade” (Dt 32:4; Is 65:16; Sl 31:5). Esta é a retumbante proclamação de cada uma das três partes do Velho Testamento: a Lei, os Profetas
e os Salmos. Segue-se que o que o Deus da verdade diz é verdadeiro.
Entretanto, há muitos que confessam honrar o Deus da Verdade, e ainda negam a infalibilidade da Sua Palavra — uma contradição que eles,
em vão, tentam explicar. O objetivo deste capítulo é fortalecer os leitores
na sua confiança na Palavra de Deus, que é segura, verdadeira e exata.
Encontramos uma das afirmações mais grandiosas que confirmam isso,
nas palavras do Salvador em João 17:17: “A Tua Palavra é a verdade”.
Acrescentando a isso a verdade que toda Escritura, como nos manuscritos originais, é soprada por Deus, podemos concluir sem medo de errar
que toda Escritura é verdadeira. Como já mencionado neste capítulo, a
veracidade das Escrituras não impede que o escritor inclua informação
que, em si, não seja verdadeira, como quando Satanás disse a Eva: “Certamente não morrereis” (Gn 3:4). Neste caso, o registro inspirado das
palavras mentirosas de Satanás é absolutamente verdadeiro, embora sua
mentira continue enganosa como sempre. Podemos confiar que o relato
do que Satanás disse a Eva é exato.
Importância
Visto que toda a Escritura, em todas as Suas partes, é divinamente
inspirada, qual a Sua importância para nós hoje? Um dos resultados
primários da inspiração divina da Palavra de Deus é a Sua autoridade.
A questão central é: os cristãos devem considerar a Palavra de Deus não
somente como uma autoridade, mas como a autoridade final para as
suas vidas.
Uma velha heresia da Igreja de Roma diz que enquanto a Palavra de
Deus tem alguma autoridade, a autoridade final está na sua interpretação pela Igreja. Associado a esse erro antigo está o ataque mais recente
do Pós-Modernismo, cujos proponentes dizem que povos diferentes
têm padrões diferentes de verdade e moralidade. Eles ainda acrescentam que o indivíduo tem o direito de ver a Bíblia de acordo com seus
próprios desejos. Estas atitudes são estranhas à Palavra de Deus, e contrárias àquilo que Paulo recomenda aos tessalonicenses, pois lemos em
I Tessalonicenses 2:13: “Por isso também damos, sem cessar, graças a
Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a
recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é na verdade),
como Palavra de Deus, a qual opera em vós os que crestes”. A implica-
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração 71
ção desta declaração de Paulo é profunda: a obra interior da Palavra de
Deus ao vivificar pecadores é manifesta na sua aceitação subsequente
dessa mesma Palavra. Quando alguém continuamente recusa se curvar
perante a Palavra de Deus nas Suas exigências fiéis, isso põe em dúvida
o fato do Espírito Santo e das Escrituras terem, algum dia, operado na
sua alma trazendo-lhe vida espiritual.
A autoridade da Palavra de Deus é como a autoridade do Próprio
Deus: ela procede da Sua própria natureza. Uma consequência direta
da inspiração divina é que a Palavra inspirada está investida de toda a
autoridade daquele que a inspirou. Para aqueles que pela fé aceitam a
Palavra de Deus, é indiscutível que a autoridade das Sagradas Escrituras
é uma verdade diante da qual temos que nos curvar em obediência e
reverência.
O Pós-Modernismo nega que a Palavra de Deus é totalmente verdadeira e importante para nós hoje. O Pós-Modernismo é uma
amalgamação de ideias que circulam desde o período do Iluminismo
(tendência filosófica e política do século XVIII) até o século XX. Os
erros de Schleiermacher (1768-1834); Wellhausen (1884-1918); Barth
(1886-1968) e Pannenberg (1928-), entre outros, foram associados
numa mistura peçonhenta que exalta a razão humana e degrada a inspiração divina, ao ponto de negá-la. Numa tentativa de responder muitas
das perguntas mais profundas do coração humano, elas têm provocado
mais perguntas do que respostas; e em muitas mentes essas perguntas
destruíram o sólido fundamento do “Assim diz o Senhor”. Somente por
aceitar a verdade Bíblica de que, nas Sagradas Escrituras, Deus nos tem
revelado a Si mesmo e a Sua vontade, é que encontraremos respostas
satisfatórias a estas perguntas profundas e reflexivas da existência humana. Afirmamos que um cristão plenamente entregue à direção do
Espírito Santo é capaz de compreender a Escritura da maneira como
Deus pretende que ela seja compreendida.
Está além do alcance deste capítulo responder à pergunta: “Será
que algum dos livros apócrifos é inspirado?”, a não ser para citar as
observações daqueles que estudaram o assunto meticulosamente. Vale
a pena ler o argumento completo apresentado por Geisler e Nix*. Eles
colocam as seguintes razões para rejeitar os livros apócrifos:
* GEISLER, N. L. e NIX, W. E. A General Introduction to the Bible. Chicago: Moody
Press, 1971, págs. 92-175.
72
O Espírito da Glória
i) Eles promovem os erros de oração pelos mortos e salvação pelas
obras humanas.
ii) Eles promovem ideias que são moralmente erradas, especialmente
escolhas morais baseadas na conveniência. Isto é reconhecido como
a base da “Ética Situacional”.*
iii) Josefo, na sua obra Against Apion (“Contra Apion”), argumentou
que, desde que o Espírito Santo se apartou de Israel depois do ministério dos últimos profetas, Ageu, Zacarias e Malaquias, não houve mais Revelação Divina até os tempos do Senhor Jesus Cristo.
iv) Permeando os livros apócrifos, há ideias que são simplesmente ficção e cheias da imaginação do homem, com fortes tendências ao
misticismo.
v) Os Pais da Igreja primitiva e os líderes estudiosos judeus daquele período rejeitaram estes livros como sendo antibíblicos, e nunca
questionaram sua exclusão do Cânon das Escrituras. Augustino os
aceitou, mas foi firmemente resistido por Jerônimo (340-420 a. D.),
o tradutor da Vulgata Latina.
Conclusão
A inspiração divina das Sagradas Escrituras é afirmada pela Lei,
pelos Profetas, e pelos Salmos; pelo ensino do Senhor Jesus nos Evangelhos; pela pregação dos Seus apóstolos no livro de Atos; nas epístolas
do Novo Testamento e no livro de Apocalipse. Há uma perfeita concordância através de toda a Bíblia de que ela veio diretamente de Deus.
A origem das Sagradas Escrituras determina a sua substância, e tanto a
origem quanto a substância a dotam de supremacia.
* Um movimento que “chamou a atenção da opinião publica em 1966, quando o Dr.
Joseph Fletcher, professor de ética social no Seminário Episcopal de Cambridge,
Massachusetts, publicou o livro Situation Ethics […] A principal característica da
ética situacional é que o fim justifica os meios. […] O certo e o errado, segundo
a cosmo-visão situacionista, é uma questão subjetiva, pragmática, existencial e
deve estar baseada no amor. Em outras palavras, para Fletcher e os demais teólogos da situação, ao avaliar a veracidade de um determinado comportamento a
pergunta a ser feita não é: “O que a Bíblia diz?”, mas: “O que eu acho disso?”;
“De que forma isso pode me dar prazer?”; “Dará certo?”; e por último: “Eu estou
fazendo por amor?” É claro que esses conceitos são demasiadamente ingênuos e
conduzem fatalmente à imoralidade”. Retirado de: <http://teologiacontemporanea.
wordpress.com/2009/10/07/etica-situacional-joseph-fletcher-e-um-novo-conjuntode-valores-para-o-homem-moderno/> (N. do T.).
Cap. 4 — A obra do Espírito Santo em revelação e inspiração Bíblia Preciosa! Que tesouro
A Palavra de Deus fornece!
Tudo que desejo para a vida ou prazer,
Alimento e medicamento, armadura ou espada;
Deixe que o mundo me considere pobre —
Com Cristo e ela, de nada mais preciso.
73
John Newton*
* Tradução livre. O original diz:“Precious Bible! What a treasure/Does the Word of
God afford!/All I want for life or pleasure,/Food and medicine, shield and sword;/
Let the world account me poor —/Christ and this, I need no more.”
Cap. 5 — O Espírito Santo
no Velho Testamento
por Samuel James McBride, Irlanda do Norte
Introdução
O Espírito Santo é o autor tanto do Velho quanto do Novo Testamento, e Sua obra em relação à Inspiração já foi considerada no cap.
4 deste livro. Devido a esta autoria divina não há elemento confuso
ou contraditório quanto à Pessoa ou obra do Espírito Santo em qualquer passagem do livro sagrado. O Velho Testamento contém muitas
referências ao Espírito Santo, mencionadas explicitamente e representadas ilustrativamente em tipos ou visões. O pleno alcance da revelação
quanto a esta Pessoa Divina só pôde ser obtido com a chegada do Novo
Testamento. Contudo, temos que admitir que um estudo dos atos do
Espírito Santo nos tempos do Velho Testamento é muito importante
para nos dar uma apreciação correta de como Ele opera na era presente,
e de como Ele há de agir na era vindoura.
Esta apreciação é muito prática e importante, uma vez que alguns
cristãos, com ideias confusas sobre o modo de agir do Espírito Santo
na presente Dispensação da Graça, têm se apropriado de passagens do
Velho Testamento sobre o Espírito Santo e as aplicado diretamente a
si mesmos, com resultados tristes e prejudiciais. Nas eras sucessivas da
história da Igreja houve diversas manifestações de fenômenos que são
atribuídos à ação do Espírito Santo, mas quando vistos do ponto de
vista dispensacional (isto é, “manejando [dividindo] bem” a Palavra da
verdade) podem ser identificadas biblicamente como as obras astutas da
carne, que tendem a promover os desígnios do inimigo*.
Embora haja muitos livros de ajuda sobre o Espírito Santo e Seu
ministério, é bom reconhecer que a recuperação da verdade dispensacional†, no século XIX, enfatizou aspectos negligenciados da obra do
* Os Montanistas, alguns Anabatistas, seguidores de Irvin e o movimento Carismático
são exemplos; veja Miller’s Church History, Pickering & Inglis, 1929.
† John Nelson Darby foi importante neste movimento — veja Precious truths revived
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
75
Espírito Santo em relação ao Seu papel na Igreja, no mundo e no cristão
individual nesta era presente, enquanto enfatizava aspectos evidentes do
Seu ministério em dispensações anteriores.
Antes do Dilúvio
Criação
Bem no começo das Sagradas Escrituras, encontramos referências
ao Espírito Santo. A narrativa da Criação se inicia com Ele se movendo
sobre a face das águas quando a Terra estava no seu caos primordial
(Gn 1:2). A palavra “mover” também poderia ser traduzida “agitar”, “esvoaçar”, como as asas de um pássaro. Esse papel criatorial do Espírito
Santo é mencionado em Jó 26:13: “Pelo Seu Espírito ornou os céus”.
Salmo 33:6 também fala metaforicamente do Espírito Santo na Criação: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles
pelo Espírito da Sua boca”.*
O Espírito Santo não é apenas central na Criação, mas também
está envolvido na sustentação da Criação através daquilo que podemos
considerar como sendo as leis da natureza (veja Sl 104:29 e Is 34:16).
Versículos como esses deveriam obrigar os cristãos a julgar as pressuposições ateístas ou agnósticas da ciência natural contemporânea como
fundamentalmente falhas†.
A Nova Criação é um termo do Novo Testamento que se apropria
da doutrina da Criação do Velho Testamento, e a centralidade do Espírito Santo é tão importante em uma quanto na outra‡. A doutrina do
novo nascimento não é exclusiva ao Novo Testamento. Nicodemos foi
admoestado pelo Senhor Jesus Cristo por causa da sua fraca compreensão desta importante doutrina do Velho Testamento, que alguém com
and defended de Roy Huebner (Present Truth Publishers, Jackson, NJ, 2004) e Life in
the victory of Christ: the meaning of law and grace in the life of Christians according
to John Nelson Darby, de Berthold Schwarz (Giessen, 2008).
* Ou “sopro” (ARA). Essa expressão muitas vezes se refere ao Espírito Santo. Veja
também Is 11:4, 30:27-33, Ez 37:1-14.
† É muito perigoso entrar numa discussão apologética com cientistas incrédulos se
concordarmos em nos restringir aos fatos científicos estabelecidos. A depravação da
mente não regenerada inevitavelmente torce qualquer fato supostamente “neutro”,
pois suprime a verdade de Deus. Veja Rm 1:18-23.
‡ II Co 4:6; 5:16-17. Na frase “… daqui por diante … [não] segundo a carne” está
necessariamente contida a ação do Espírito Santo em relação à Nova Criação.
76
O Espírito da Glória
o seu conhecimento religioso deveria ter conhecido. O Espírito Santo
é fundamental para o novo nascimento de uma alma. Sua semelhança
com o vento e a respiração é usada. O vento na visão que Ezequiel teve
do vale de ossos secos (Ez 37:1-14) vem para vivificar os corpos sem
vida, um exemplo no Velho Testamento da atividade do Espírito Santo,
que Nicodemos deveria ter reconhecido.
Os dias de Noé
A impiedade do homem se multiplicou grandemente no período
antediluviano. No entanto, a longanimidade de Deus esperava nos dias
de Noé, mesmo depois de Deus ter anunciado a Sua decisão de destruir
o mundo com um dilúvio. Durante esse período o Espírito de Deus estava ativo. “Ele contendeu com o homem na sua impiedade desenfreada
até que Deus cessou contender mais (Gn 6:3)”.*
O fato que uma pequena minoria dos habitantes da Terra era de
crentes fiéis demonstra a vivificação espiritual destes patriarcas que antes estavam mortos em ofensas e pecados. Abel, Enoque e Noé são três
exemplos mencionados no Novo Testamento.
Além do Espírito Santo contender com o homem e vivificar almas,
encontramos Seu testemunho em operação naquela era longínqua, através dos primeiros casos de profecia e pregação. A profecia de Enoque,
acerca do juízo vindouro sobre o mundo que rejeitava a Deus, ia além do
cataclismo imediato do juízo divino nos dias do seu neto Noé. O fato de
Enoque estar ciente do dilúvio vindouro é indicado pelo significado do
nome do seu filho Matusalém (“quando ele morrer virá”), e no mesmo
ano da morte deste homem, o que mais tempo viveu, o Dilúvio levou
todos os ímpios do mundo. A mensagem de Enoque também incorpora uma referência clara ao Arrebatamento dos santos antes da Segunda
Vinda em juízo, pois precisa haver uma reunião prévia do Senhor com os
Seus santos antes que eles sejam trazidos com Ele na manifestação apocalíptica. Essa profecia notável é omitida no relato do Velho Testamento,
e desvendada a nós somente na epístola de Judas. O Espírito Santo, que
inspirou a mensagem inicial de Enoque, teve por apropriado, na Sua sabedoria, incorporar essa mensagem antiga numa das últimas epístolas do
Novo Testamento — prova da imutável verdade e importância da pro* STUART, C. E. A slight sketch of the Holy Spirit’s ways and receiving the Holy Ghost.
London: G. Morrish, s.d.
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
77
fecia divina, não importa quão antiga ela seja, e da nossa confiança no
Espírito Santo para preservar a Palavra de Deus através das eras.
Pregação
Noé era um pregador da justiça. Não pode haver dúvida que a sua
pregação era no poder do Espírito Santo, pois o Novo Testamento afirma
que foi através do Espírito Santo que o Senhor Jesus pregou aos espíritos
em prisão (I Pe 3:19). Isto geralmente é entendido* como se referindo
à pregação fiel de Noé àqueles antediluvianos que desprezaram a Deus,
descritos por Pedro como “espíritos em prisão”. Eles tinham se beneficiado da longanimidade paciente de Deus; eles resistiram à obra do Espírito
Santo; ignoraram a construção da arca que estava sendo construída diante
dos seus próprios olhos, e foram desobedientes à pregação de Noé. Eles
são coletivamente descritos como “o mundo dos ímpios” (II Pe 2:5).
É notável que o grande assunto da pregação de Noé era a justiça.
Hebreus 11 nos faz lembrar que Noé foi feito “herdeiro da justiça que é
segundo a fé” — linguagem semelhante àquela usada de Abraão como
herdeiro, em Romanos 4:3, onde é declarado que não foi pela Lei, mas
pela justiça da fé. Justificação pela fé é o grande elemento unificador da
pregação do Evangelho através de todas as eras. A pregação de Noé é
singular pelo fato de ter durado mais tempo. Ele continuou pregando
durante cento e vinte anos. O grande tema da justiça de Deus não pode
ser exaurido, mesmo durante um período de tempo longo como esse.
Devemos notar que Noé pregava uma justiça exigida por Deus, enquanto que a mensagem de hoje é de uma justiça suprida por Deus no
Seu Filho. Contudo, isso é uma lição e um desafio a todos que pregam
o evangelho nesta era presente: temos nós esse tipo de compreensão da
doutrina da justificação pela fé? É salutar perceber que a pregação de
Noé, embora energizada pelo Espírito Santo, não resultou em conversões além daquelas da sua própria família. As Escrituras nos dizem que
por ela, ele “condenou o mundo” (Hb 11:7).
Os profetas do Velho Testamento
O status dos escritos do Velho Testamento como divinamente inspirados diretamente pelo Espírito Santo é plenamente afirmado no
* Esta interpretação é defendida com propriedade por William Kelly em The Spirits
in Prison (STEM Publishing).
78
O Espírito da Glória
Novo Testamento. Os profetas no Velho Testamento são descritos, cerca de nove vezes, como “Meus servos, os profetas” (ex. Jr 7:25; 26:5;
29:19; 35:15; 44:4). Eles tinham um mandato autorizado pelo Espírito para comunicar segredos revelados a eles por Deus, avisar de juízos
vindouros por causa dos pecados do povo de Deus, e colocar diante do
Seu povo a Lei de Deus. Abraão é a primeira pessoa especificamente
chamada de profeta (Gn 20:7), embora, como já vimos, não fosse o
primeiro a profetizar. Os outros patriarcas também são chamados de
profetas, veja Salmo 105:15.
Embora não seja frequentemente mencionada em relação à inauguração dos profetas, a prática de ungir profetas era reconhecida; Elias é
um exemplo disso, e os profetas patriarcais foram descritos como “Meus
ungidos” (Sl 105:15). A unção de Davi por Deus é mencionada em
relação aos seus salmos e declarações inspiradas, embora sua unção por
Samuel pareça concentrar-se na sua realeza. “Davi … o ungido do Deus
de Jacó, e o suave em salmos de Israel”, disse: “O Espírito do Senhor
falou por mim, e a Sua Palavra está na minha boca” (II Sm 23:1-2). A
unção era uma prática ritual que significava que a pessoa era especialmente dotada pelo Espírito Santo para um ofício ou serviço específico.
Pela declaração de Moisés a Josué, no incidente de Medade e Eldade,
aprendemos que os profetas eram constituídos profetas pelo Espírito
do Senhor, quer fosse ou não aplicada uma unção externa. “Quem dera
que todo o povo do Senhor fosse profeta, e que o Senhor pusesse o Seu
Espírito sobre ele!” (Nm 11:29).
O tema comum a “todos os Seus santos profetas desde o princípio”
é a “restauração de tudo”, no segundo advento do Senhor Jesus Cristo (At 3:21-22). O ministério profético também envolvia repreender o
povo pelo seu pecado. Como disse Miquéias: “Mas eu estou cheio do
poder do Espírito do Senhor, e de juízo, e de força, para anunciar a Jacó
a sua transgressão e a Israel o seu pecado” (Mq 3:8). Houve, algumas
vezes, certo grau de arrependimento associado com o adiamento do
juízo iminente. Entretanto, como ressalta S. Ridout, não encontramos o
profeta tentando restaurar à sua condição anterior um estado de coisas
arruinado. “Para os olhos da razão o trabalho do profeta era desanimador e extremamente deprimente … Mas se o pessimismo repousava
sobre a cena presente, a glória de Deus iluminava o futuro”.*
* RIDOUT, Samuel. Lecture 1 em The Person and Work of the Holy Spirit: Seven Lectures.
Kilmarnock: John Ritchie Ltd, s.d.
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
79
O Novo Testamento nos proporciona uma compreensão especial
da obra do Espírito Santo no ministério profético do Velho Testamento. Este tópico também se enquadra sob o cabeçalho da doutrina da
Inspiração. A profecia provinha não de iniciativa humana, mas Divina.
“Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum,
mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”
(I Pe 1:21).
Além disso, os profetas eram estudiosos diligentes das suas próprias declarações, procurando saber sobre a futura salvação e graça e
o tempo do cumprimento destas profecias. “Indagando que tempo ou
que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava,
anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir,
e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi revelado que, não
para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora
vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do
céu, vos pregaram o Evangelho; para as quais coisas os anjos desejam
bem atentar” (I Pe 1:11-12). A passagem de I Pedro nos diz que o Espírito Santo “estava” nos profetas do Velho Testamento. Não devemos
entender disso que Ele habitava neles no sentido do Novo Testamento, pois em seguida lemos que a transmissão “agora” da mensagem do
Evangelho é através da pregação “pelo Espírito Santo enviado do céu”.
Isto destaca uma distinção importante entre os profetas do Velho Testamento e os ministros da Nova Aliança de hoje. Os profetas do Velho
Testamento profetizavam do futuro, dos sofrimentos de Cristo e da glória que se haveria de seguir, as quais são agora proclamadas como fatos
históricos pelo pregador do Evangelho. O Espírito Santo está na Terra,
tendo sido “enviado do céu”. Ele não está mais temporariamente nos
cristãos, Ele habita neles permanentemente. Os profetas do Velho Testamento receberam do Espírito Santo a revelação de que a sua profecia
estava relacionada com o futuro e com a geração vindoura. Enquanto
cremos que eles permaneceram ignorantes dos mistérios doutrinários
do Novo Testamento, não devemos subestimar a sua compreensão, dada
pelo Espírito, de doutrinas importantes*.
Nem toda a profecia do Velho Testamento foi proclamada por “homens santos de Deus”. Nas Suas operações soberanas, o Espírito Santo
às vezes julgou apropriado operar nos inimigos de Deus, fazendo-os
* De que outra forma Moisés saberia acerca do vitupério de Cristo, que ele estimou
como maiores riquezas do que os tesouros do Egito? (Hb11:26)
80
O Espírito da Glória
proferir palavras e fazer coisas que eram contrárias às suas inclinações
e trajetória. Balaão e Saul são dois dos principais exemplos disso. O
último exemplo de um profetizar involuntário da parte de um inimigo
de Deus é visto em Caifás, que disse aos seus companheiros: “Vós nada
sabeis, nem considerais que nos convém que um homem morra pelo
povo, e que não pereça toda a nação. Ora ele não disse isso de si mesmo,
mas sendo o sumo sacerdote daquele ano, profetizou que Jesus devia
morrer pela nação. E não somente pela nação …” ( Jo 11:49-52).
O Tabernáculo
O Espírito de Deus era o principal agente que capacitava as pessoas
na construção do Tabernáculo no deserto. Bezalel é especialmente destacado como o artesão chefe do grande projeto do Tabernáculo. Ele é
descrito como sendo cheio “do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, e em todo o lavor” (Êx 31:3). Associados com
ele estavam Aoliabe e um número indeterminado de indivíduos anônimos que são descritos como “sábios de coração”. Destes é dito: “Tenho
dado sabedoria de coração a todos aqueles que são hábeis, para que
façam tudo o que tenho ordenado” (Êx 31:6). Essa infusão de sabedoria
divina não é o mero aumento da uma qualidade natural notável, pois em
Êxodo 28:3 os homens sábios de coração que foram encarregados de
fazer as vestes sacerdotais de glória e beleza, são descritos como cheios
do “espírito de sabedoria”, isto é, o Espírito Santo. O posterior Templo
de Salomão deve a sua existência ao Espírito Santo, pois o seu modelo,
que Davi entregou a Salomão, foi dado a Davi pelo Espírito Santo: “…
a planta de tudo que ele tinha pelo Espírito* …” (I Cr 28:12).
Assim aprendemos que o centro de ajuntamento para o povo de
Deus — Sua habitação terrena, ou templo — era o resultado direto da
mente de Deus. O Espírito de Deus comunicou o padrão, e a construção (incluindo coisas como as vestes sacerdotais) não foi o mero produto de habilidade humana, mas de trabalhadores habilidosos dotados
com o Espírito de Deus. Sendo que foi assim nos tempos do Velho
Testamento, o que devemos esperar em relação à base atual para o ajuntamento do povo de Deus e a habitação de Deus na Terra, hoje? Vive* As versões em Português traduzem “mente” ou “ânimo”, mas o texto da KJV em
inglês traduz “Espírito”. No hebraico é usada a palavra normal para “espírito”
no VT (ruach), palavra que também pode ser traduzida “mente”, “sopro”, etc. (N.
do E.).
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
81
mos numa era de grande indiferença entre os cristãos, em relação a esta
questão. Os colaboradores deste livro estão convencidos que somente as
Escrituras fornecem o padrão dado pelo Espírito que permanece como
a autoridade máxima para o ajuntamento dos cristãos, e que os princípios do Novo Testamento para a igreja se tornam operacionais somente
através de dependência no Espírito de Deus e em concordância com
a Sua vontade revelada (veja “A glória da igreja local”, publicado por
Assembly Testimony*).
O Espírito Santo e o Messias
Há duas passagens em Isaías que são de especial importância em
profetizar sobre o papel e a ação do Espírito Santo em relação à vinda
do Messias. Isaías 11:2 declara: “E repousará sobre Ele o Espírito do
Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor”.
Reconhecemos, imediatamente, que isto se cumpriu no Senhor Jesus
Cristo. O cumprimento é relatado na descida visível do Espírito Santo
que repousou como pomba sobre o Senhor Jesus. No entanto, há ainda
um sentido no qual uma aplicação mais ampla deste versículo é verdade,
em relação aos cristãos da era presente, pois em I Pedro 4:14 lemos: “Se
pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque
sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus”. Não era assim com os
crentes do Velho Testamento — nem mesmo com os heróis da fé mais
notáveis em Hebreus 11 — mas é verdade quanto aos cristãos desta dispensação. É um exemplo da grandeza do nosso privilégio, nesta época
da graça, encontrar o Espírito Santo aplicando a pecadores redimidos,
em I Pedro 4:14, linguagem que originalmente era verdadeira somente
do Senhor Jesus Cristo (em Is 11:2). Vamos reconhecer, juntamente
com Paulo, a nossa dívida de gratidão, atribuindo louvor e adoração
“àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente
além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós
opera, a esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para
todo o sempre. Amém.” (Ef 3:20-21).
Em Isaías 11:2, cada um dos títulos do Espírito Santo é significati* Esperamos publicar este livro logo, se Deus permitir. Cremos plenamente na
afirmação feita acima sobre a importância de seguirmos o padrão deixado pelo
Espírito na Bíblia para as igrejas locais, e fazê-lo no poder do próprio Espírito (N.
do E.).
82
O Espírito da Glória
vo e digno de consideração — especialmente quando nos perguntamos
até que ponto estamos cheios do Espírito.
O Espírito de sabedoria
Esse tipo de sabedoria não é cultivada através do intelecto ou do
esforço do homem … pois ela é vida, força, uma capacidade que
entra na própria composição da alma e é o próprio princípio da
sua existência e bem-estar. Vem de cima e conduz a mente às coisas que são de cima … Logo esta sabedoria parece ser a principal
das operações divinas do Espírito; porque é a base e o fundamento de todo o resto.*
Josué é um exemplo histórico de alguém descrito como cheio do
Espírito de sabedoria (Dt. 34:9), e em outro lugar ele é descrito como
“um homem em quem está o Espírito”, o que nos dá uma prova suplementar de que o “espírito de sabedoria” é um título divino. Devemos
notar que a menção de Josué ter o Espírito precede, e não está casualmente relacionado com, a imposição das mãos de Moisés. Aquela cerimônia ocorreu em obediência ao Senhor que disse a Moisés: “E põe
sobre ele da tua glória, para que lhe obedeça toda a congregação dos
filhos de Israel” (Nm 27:20). Temos um nobre exemplo desse aspecto do
ministério do Espírito Santo pós-Pentecostes na pregação de Estêvão†,
quando seus oponentes incrédulos “não podiam resistir à sabedoria, e ao
espírito com que falava”.
O Espírito de entendimento
Isto significa entendimento principalmente no sentido de discernimento. Essa faculdade era essencial para o exercício do serviço sacerdotal,
tanto ao fazer distinções morais e espirituais quanto como um pré-requisito
para ensinar os outros (Lv 10:10-11; Ml 2:7). Entre os cristãos de hoje, esse
discernimento é um aspecto de maturidade espiritual (Hb 5:14).
* SERLE, Ambose. Essay on the Spirit of Wisdom em Horae Solitariae. Londres: Scott,
Webster & Geary, 1837.
† Atos 6:8-15 — é importante aprender a lição que destreza e habilidades oratórias,
mesmo quando tão manifestamente energizadas pelo Espírito Santo e acompanhadas por milagres, não garantem sucesso em convencer os ouvintes. Mas o
testemunho de Estêvão não foi nenhum fracasso. Saulo de Tarso estava entre os
ouvintes, e embora fosse então um inimigo fervoroso de Cristo, depois da sua
conversão os elementos-chave do seu ministério doutrinário podem ser traçados
ao último nobre sermão de Estêvão.
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
83
O Espírito de conselho e de fortaleza
“Conselheiro” é um dos títulos do Salvador prometido. Ele será caracterizado pelo conselho de paz ao combinar os ofícios de Rei e Sacerdote no reino futuro*. Essa é uma característica rara, mas altamente
valorizada entre os cristãos. Paulo lamentou a ausência disto em Corinto ao contemplar a triste cena dos irmãos se lançando em litígio uns
contra os outros (I Co 6:1-11). Que sejamos cuidadosos e aprendamos,
nos nossos dias, as lições de Corinto, e que possamos aprender daquele
que é manso e humilde de coração (Mt 11:29).
“Fortaleza” refere-se ao poder onipotente que acompanha o conselho divino e que o torna diferente de mero conselho. Além do mais,
somos lembrados que qualquer outra forma de poder é vã, comparada
com Ele: “Não por força, nem por violência, mas sim pelo Meu Espírito,
diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4:6).
O Espírito de conhecimento e de temor do Senhor
A aquisição de conhecimento espiritual não pode ser obtida independentemente do Espírito do Senhor; e nem pode ser separada de um
intenso senso do temor do Senhor. “Se alguém quiser [“está disposto a”,
diz Newberry] fazer a vontade dEle, pela mesma doutrina conhecerá se
ela é de Deus” ( Jo 7:17). O Espírito Santo é aquela unção comum a todos os cristãos desta era, e que age para promover percepções espirituais
acuradas, independentemente de dependência em ensinadores humanos (I Jo 2:20-21). O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e isso
nos leva diretamente de volta ao primeiro atributo do Espírito, mencionado no nosso breve estudo de Isaías 11:2. A associação da perfeita e
imensurável plenitude do Espírito Santo repousando sobre o impecável
Filho de Deus encarnado é digna de muita reflexão reverente. Verdadeiramente, Ele é digno dos títulos: “Maravilho, Conselheiro, Deus Forte,
o Pai da Eternidade, o Príncipe da Paz” (Is 9:6).
Isaías 61 começa com as palavras: “O Espírito do Senhor Deus está
sobre Mim; porque o Senhor Me ungiu para pregar as boas novas aos
mansos …”. Essa passagem foi escolhida pelo Senhor Jesus Cristo naquele notável incidente na sinagoga de Nazaré, registrado em Lucas 4.
* Desde Melquisedeque não se vê um resultado pacífico da combinação dos ofícios
de Sacerdote e Rei sobre a Terra. Somente o Senhor Jesus Cristo poderá fazer isso
(Zc 6:13).
84
O Espírito da Glória
Quando o Senhor Jesus leu essa mesma passagem do rolo de Isaías, Ele
encerrou a leitura imediatamente após ler as palavras “a anunciar o ano
aceitável do Senhor” — no meio da frase; Ele omitiu as palavras “e o dia
da vingança do nosso Deus” — e fechando o livro entregou-o novamente ao assistente e Se assentou. Os ouvintes ficaram estarrecidos. “Então
começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos” (v. 21). Para os ouvintes de Nazaré isso foi algo surpreendente. Ele
havia acabado de Se identificar com o Messias ungido pelo Espírito.
Nem menos surpreendente foi o ponto onde o Senhor parou de ler, pois
o Senhor estava inserindo ali, naquele versículo de Isaías 61, um grande
intervalo dispensacional — aquele no qual ainda estamos agora. O “dia
da vingança do nosso Deus” ainda está para se cumprir.
O Espírito Santo antes e depois de Pentecostes
Parece, através do Velho Testamento e dos Evangelhos, que o relacionamento do Espírito Santo com o crente era semelhante em cada
dispensação anterior a Pentecostes. O Espírito não habitava nos crentes, naquele tempo.
Há exemplos no Velho Testamento de indivíduos dos quais se diz
que tinham o Espírito Santo, e estes são às vezes usados para contradizer essa afirmação. Entretanto, esses casos não são típicos dos santos
do Velho Testamento em geral, mas sim de pessoas especiais que foram
escolhidas para cumprir um papel específico em serviço para Deus.
Há aqueles dos quais se diz que eram cheios do Espírito Santo (Bezalel e seus companheiros — veja acima). Lemos de outros “em quem
está o Espírito” ( José e Josué). Sobre os Setenta Anciãos está escrito
que, quando o Espírito repousava sobre eles, eles profetizavam. No caso
de vários juízes, o Espírito do Senhor vinha sobre eles. Estão incluídos
Otniel ( Jz 3:10), Gideão (6:34), Jefté (11:29), e Sansão (esporadicamente, na sua conturbada carreira — Juízes caps. 13-15).
O Espírito do Senhor também veio sobre Saul, como profetizado
por Samuel (I Sm 10:6), em mais de uma ocasião. Entretanto, depois
da unção de Davi lemos que “o Espírito do Senhor se retirou de Saul,
e atormentava-o um espírito mau da parte do Senhor” (I Sm 16:14),
embora mesmo durante a sua perseguição de Davi, há uma ocasião final
quando o Espírito de Deus veio sobre ele fazendo-o profetizar (I Sm
19:23-24). Davi era diferente de Saul no fato que, “desde aquele dia
em diante o Espírito do Senhor Se apoderou de Davi” (I Sm 16:13),
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
85
indicando assim que o Espírito Santo esteve em Davi no decorrer da
sua vida. Davi era muito cônscio desse privilégio, e na sua contrição, relacionada ao caso de Urias, o heteu, e sem dúvida lembrando-se do que
acontecera com Saul, ele suplica: “Não retires de mim o Teu Espírito
Santo” (Sl 51:11). O cristão de hoje não deve orar: “Não retires de mim
o Teu Espírito Santo”, pois sabemos que somos, por Ele, “selados para o
dia da redenção” (Ef 4:30).
A análise abrangente desses casos do Velho Testamento leva à conclusão que são exemplos da energização do Espírito para a execução de
uma tarefa específica, ou para o exercício de um ofício*. Eles não ensinam que o Espírito Santo habitava nos crentes naquele tempo, como
Ele habita agora, depois de Pentecostes†.
Manifestações milagrosas do poder do
Espírito nos tempos do Velho Testamento
O poder do Espírito Santo para fisicamente arrebatar uma pessoa
(por exemplo, Elias) e transportá-la instantaneamente para outro lugar, era plenamente aceito pelos Israelitas crentes — Obadias temeu
que isso acontecesse depois dele informar Acabe do paradeiro de Elias
(I Rs 18:12), e os filhos dos profetas erroneamente postularam isto,
como explicação para o desaparecimento de Elias depois dele ter sido
arrebatado para o Céu (II Rs 2:16). Ezequiel também passou por esta
experiência sobrenatural de ser transportado pelo Espírito Santo, em
diversas ocasiões (Ez 3:14; 8:3; 11:1; 43:5).
O mesmo fenômeno é também exemplificado no Novo Testamento, no caso de Filipe, o evangelista (At 8:39). A força sobrenatural dada
a Sansão e suas proezas de força e resistência física são diretamente
atribuídas ao Espírito de Deus. Outros milagres do Velho Testamento
são creditados a Deus, ou ao Senhor, sem maiores distinções quanto às
Pessoas divinas.
* Veja HAMILTON, James M. Jr. God’s Indwelling Presence: The Holy Spirit in the Old
and New Testaments. Nashville: B&H Academics, 2006, cáp. 3.
† O uso que J. F Walvoord faz da expressão “habitar em” para descrever o “ser
cheio” e a “vinda sobre” do Espírito Santo nas pessoas no VT, é uma escolha
infeliz de terminologia no seu livro, que do resto é muito útil. The Holy Spirit: A
comprehensive study of the Person and Work of the Holy Spirit. Grand Rapids, MI:
Zondervan, 1974, 3ª edição.
86
O Espírito da Glória
Hostilidade contra o Espírito Santo
Perto do final do Velho Testamento, quando israelitas piedosos
contemplavam a historia nacional, eles reconheceram o pecado e o
fracasso do povo em obedecer a Deus. Eles reconheceram, especificamente, a questão da resistência e oposição ao Espírito Santo por parte
da nação como um todo. Esta hostilidade contra o Espírito Santo se
manifestou na indiferença e inimizade contra os profetas, divinamente
comissionados. “E deste o Teu bom Espírito para os ensinar” (Ne 9:20).
“Porém estendeste a Tua benignidade sobre eles por muitos anos, e testificaste contra eles pelo Teu Espírito, pelo ministério dos Teus profetas;
porém eles não deram ouvidos; por isso os entregaste nas mãos dos
povos das terras” (Ne 9:30). “Mas eles foram rebeldes, e contristaram
o Seu Espírito Santo; por isso Se lhes tornou em inimigo, e Ele mesmo pelejou contra eles” (Is 63:10). “Sim, fizeram seus corações como
pedra de diamante, para que não ouvissem a lei, nem as palavras que
o Senhor dos Exércitos enviara pelo Seu Espírito por intermédio dos
primeiros profetas; daí veio a grande ira do Senhor dos Exércitos” (Zc
7:12). O resumo de Estêvão da história de Israel continua este tema, e
ele intencionalmente conclui com as palavras: “Vós sempre resistis ao
Espírito Santo; assim vós sois como vossos pais. A qual dos profetas
não perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do qual vós agora fostes traidores e homicidas”
(At 7:51-52).
Aspectos futuros do Espírito Santo
revelados no Velho Testamento
Com o arrebatamento da Igreja, a operação do Espírito Santo no
mundo para impedir o aparecimento do Homem do Pecado cessará. O
relacionamento do Espírito Santo com o mundo e os fiéis sobre a Terra
voltará a ser como era nos dias do Velho Testamento. Isso não indica a
ausência do Espírito Santo, como fica claro pelo fato que haverá muitas
conversões (Ap 7:9-17), e pela presença de um remanescente fiel em Israel. A estes mensageiros do Reino vindouro, perseguidos durante a Tribulação, o Senhor Jesus promete que o Espírito Santo os suprirá com
o que devem falar quando interrogados por Sua causa (Mt 10:17-20).
É certo que no Milênio o Espírito Santo habitará nos fiéis, e que
esse é um dos resultados do pleno cumprimento da Nova Aliança. Eze-
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
87
quiel 36:25-29 fala da nação de Israel restaurada e sendo aspergida com
água limpa, purificada de toda a sua imundícia. Essas pessoas restauradas receberão um novo coração e um novo espírito. Deus promete:
“E porei dentro de vós o Meu Espírito, e farei que andeis nos Meus
estatutos, e guardeis os Meus juízos, e os observeis”.
Diz a grande promessa de Isaías 59:21: “Esta é a Minha aliança
com eles, diz o Senhor: o Meu Espírito, que está sobre ti, e as Minhas
palavras que pus na tua boca, não se desviarão da tua boca nem da boca
da tua descendência, nem da boca da descendência da tua descendência,
diz o Senhor, desde agora e para todo o sempre”. Isso nos ensina que os
fiéis de Israel que entrarem no Milênio terão em si mesmos o Espírito
Santo, assim como seus descendentes que se tornarem verdadeiros crentes eternamente. Jeremias 31:33-35 é uma passagem semelhante sobre
a Nova Aliança, e é novamente explicada em Hebreus 8, que embora
não menciona claramente o Espírito Santo, está em pleno acordo com
outras passagens que o fazem. A rebelião final de Gogue e Magogue
consistirá daqueles gentios não salvos que viverão na periferia da bênção divina, e não inclui ninguém da semente de Israel (Ap 20:8-9).
Enquanto todos os que entrarem no Reino Milenar serão regenerados
( Jo 3:3, compare com Zc 14:16), os descendentes da primeira geração
de gentios cristãos não serão todos salvos, e enquanto a conformidade
aparente ao domínio justo do Reino não será desafiada, a multidão dos
rebeldes, no final, provará que mil anos de paz mundial com justiça, não
melhorou em nada a depravação natural do coração humano.
A descrição dessa bem-aventurança futura de Israel inclui a promessa de que o Espírito Santo será “derramado”. Joel 2:28-32 é a passagem específica citada no Dia de Pentecostes. Isaías 44:3 também fala
do mesmo derramamento do “Meu Espírito sobre a tua semente”, e
Ezequiel 39:29 diz: “Pois derramarei o Meu Espírito sobre a casa de Israel, diz o Senhor Deus”. A fase inicial desse derramamento do Espírito
Santo é descrita em Zacarias 12:10, onde Deus promete que durante o
dia do retorno vitorioso do Senhor Jesus Cristo a Jerusalém, “sobre a
casa de Davi, e sobre os habitantes de Jerusalém, derramarei o Espírito
de graças e de súplicas; e olharão para Mim, a Quem traspassaram”.
Este é o momento do arrependimento do remanescente de Israel. “Naquele dia haverá uma fonte aberta para a casa de Davi, e para os habitantes de Jerusalém, para purificação do pecado e da imundícia” (Zc
13:1), indicando que esse arrependimento nacional e o derramamento
88
O Espírito da Glória
do Espírito de Deus, dependem da aplicação do poder purificador do
grande Sacrifício do Pastor ferido (Zc 13:7).
A citação de Joel 2 no sermão de Pedro, em Atos 2, não quer dizer
que a descida do Espírito Santo no Pentecostes, e todos os fenômenos
miraculosos associados com isso, tenha cumprido plenamente essa profecia. Pedro diz: “Isto é o que foi dito …”, mas deve-se diferenciar isto
de um cumprimento final. Walvoord* nos ajuda, ao apontar uma diferença importante entre a vinda do Espírito Santo no Pentecostes e o
derramamento do Espírito no Segundo Advento. O batismo do Espírito é notável por estar relacionado, de forma exclusiva, com a doutrina da
Igreja que é o Seu corpo (I Co 12:13), e limitada à dispensação presente.
Não há nenhuma referência ao batismo do Espírito em qualquer outra
era. O testemunho coletivo à verdade divina na época presente é caracterizado pelo desaparecimento de distinções nacionais. Não há “parede
de separação” entre aqueles que Deus tirou dentre as nações como um
povo para o Seu nome (Ef 2:11-12; At 14:14). Após o arrebatamento,
entretanto, as distinções nacionais e as promessas proféticas voltarão a
operar. A ideia de um organismo transnacional como o Corpo de Cristo
presente na Terra é desconhecida na Tribulação ou no Milênio.
Reprimidor do mal
Em todas as dispensações o Espírito opera como um reprimidor
do mal. Seja como em Gênesis, contendendo com os antediluvianos,
ou como aquele que resiste em II Tessalonicenses 2, cuja remoção (no
Arrebatamento) abrirá a porta para o aparecimento do Homem do Pecado, o Espírito Santo representa uma restrição poderosa sobre a maldade humana. Isso se dá, além de intervenção divina direta, através do
impacto da palavra profética, ou do exemplo moral dos justos, ou da influência das Escrituras Sagradas. Toda a história do Velho Testamento
testemunha disto. O testemunho inconsciente prestado a essa verdade
ocorre nos escritos de historiadores seculares e até mesmo de jornalistas
contemporâneos†.
* WALVOORD, J. F. The Holy Spirit: A comprehensive study of the Person and Work
of the Holy Spirit. Grand Rapids, MI: Zondervan, 3ª edição, 1974, cap. 24.
† O impacto da disseminação do Cristianismo no Império Romano é reconhecido por
Edward Gibbon em seu livro Decline and Fall of the Roman Empire. O reavivamento
evangélico na época de Wesley e no período subsequente resultou numa grande
restrição do mal, incluindo o impacto de William Wilberforce e Lord Shaftesbury.
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
89
Representações simbólicas do Espírito Santo
Uma introdução abrangente à doutrina do Espírito Santo no Velho
Testamento precisa notar as passagens onde Ele não é explicitamente
mencionado, mas Sua presença e atividade são ensinadas, de forma emblemática. Este assunto já foi tratado em muito mais detalhe no cap. 2
deste livro. Outra referência útil é o livro de Samuel Jardine: Floods upon
the Dry Ground*. Assim, aqui nos limitaremos a mencionar quatro dos
símbolos mais destacados no Velho Testamento.
Pomba
O relato do batismo do Senhor Jesus Cristo no Novo Testamento,
escrito por João, não deixa dúvida quanto ao significado desta figura. Ela
ocorre em Gênesis, vista por alguns no “mover-se” do Espírito Santo
sobre a face das águas em 1:2, a primeira de tais referências. A primeira
referência explícita está na pomba de Noé, em Gênesis 8:8, onde a sua
pureza é destacada em contraste com a impureza do corvo carnívoro.
Vento/Sopro
A palavra traduzida “Espírito” (ruach) algumas vezes é traduzida
“sopro” ou “vento”. No ato da criação de Adão, Deus soprou em suas
narinas o fôlego (ou sopro) da vida. A invocação do vento por Ezequiel
para soprar o fôlego de vida nos corpos do vale de ossos secos (cap.
37) é mais uma ilustração. Exemplos do poder divino em destruição
ou juízo, associados com o sopro de Deus ou com o vento, ocorrem no
Velho Testamento e ilustram a ação do Espírito Santo. Entre eles estão
a desolação da infiel Samaria (Os 13:15-16), o vento destruidor contra
Babilônia ( Jr 51:1), e a morte do ímpio pelo sopro dos Seus lábios (Is
11:4) — que é tão semelhante à descrição de Paulo da destruição do
Homem do Pecado com o sopro da Sua boca (II Ts 2:8).
Azeite
O uso de azeite como combustível para lâmpadas é um símbolo
A diminuição de crimes e desordem em Ulster como resultado do reavivamento
de 1859 foi notável. Veja Stanley Barnes em A pictorial history of the 1859 Revival
and related awakenings in Ulster. Belfast: Ambassor Publications, 2008.
* “Rios sobre a terra seca”. Publicado pela editora Precious Seed, 1975. O leitor
interessado deve consultar esse livro.
90
O Espírito da Glória
do Espírito Santo tanto no Velho quanto no Novo Testamentos. Veja
Zacarias 4:1-10, comparando com Apocalipse 4:5 e com os detalhes do
castiçal de ouro do Tabernáculo. Essa figura também está contida no
significado do azeite na parábola das dez virgens, em Mateus 25.
O azeite também é uma figura do Espírito Santo no que diz respeito à unção. As três ordens especiais de serviço espiritual no Velho Testamento são: profeta, sacerdote e rei. Para cada um desses há exemplos da
sua nomeação através de uma unção cerimonial. Isso representa o símbolo visível do Espirito Santo, suprindo as habilidades necessárias para
o desempenho do ofício. No caso de Davi, a unção por Samuel estava
intimamente associada com a vinda do Espírito Santo sobre ele, daquele momento em diante. Já temos observado anteriormente a unção dos
profetas. A mistura especial de óleo usada para ungir o Sumo Sacerdote
era feita segundo a arte do perfumista, e era chamada de azeite da santa unção. Era uma substância muito restrita, pois havia uma proibição
severa contra qualquer imitação da sua composição e contra sua aplicação não aprovada (Êx 30:22-38). Era usado na consagração do Sumo
Sacerdote e seus filhos, e usado também para ungir o Tabernáculo com
seus utensílios e vestes sacerdotais*, indicando que o Espírito Santo era
indispensável na operação do sistema sacerdotal no Tabernáculo. O Salmo 133 usa essa unção fragrante permeando o Sumo Sacerdote e suas
vestes como uma metáfora da união espiritual entre irmãos. Isso enfatiza o valor que Deus vê na união entre irmãos, e nos ensina que isso só
pode ser alcançado através de dependência no Espírito Santo. Essas lições tipológicas deixam óbvio que a igreja local, como uma congregação
de Deus, requer a presença do Espírito Santo para torná-la e mantê-la
operacional. Vários movimentos para promover a união entre cristãos
professos, baseados numa espiritualidade falsa, espelham as tendências
da carne de violar a proibição de usar uma imitação do azeite da unção.
Tais inovações são da carne e promovem o controle humano, usurpando
o controle do Espírito Santo entre os cristãos†.
Água
No clima semidesértico de Israel, com sua economia agrícola, havia
* Veja Levítico cap. 8 para essas cerimoniais.
† Era com isso em mente que um dos primeiros folhetos de John Nelson Darby foi
intitulado: “A ideia de um clérigo é dispensacionalmente o pecado contra o Espírito
Santo”.
Cap. 5 — O Espírito Santo no Velho Testamento
91
uma maior apreciação deste símbolo específico do Espírito Santo do
que em países bem regados pela chuva. Em Isaías 44:1-5 há uma promessa muito clara da concessão futura do Espírito Santo à restaurada
nação de Israel, representada por água derramada “sobre o sedento, e
rios sobre a terra seca”. Isso combina com as palavras do Salvador em
João 7:38-39, onde essa promessa é condicionada à glorificação do Senhor Jesus. Nacionalmente, ela ainda espera seu cumprimento futuro
para Israel. O “homem bem-aventurado” do Salmo 1 é comparado a
“árvore plantada junto a ribeiros de águas” (v. 3), simbolizando o segredo espiritual do sustento e da fertilidade num mundo hostil. Isaías
12:3 representa a alegria de tirar águas das fontes da salvação. Isaías
55:1 lança um convite do Evangelho: “Vós, os que tendes sede, vinde
às águas”. O Senhor Jesus Cristo disse no Seu discurso à mulher de
Samaria: “Qualquer que beber da água que Eu lhe der nunca terá sede,
porque a água que Eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte
para a vida eterna” ( Jo 4:14). Não há outra provisão para a alma sedenta
a não ser o Senhor Jesus Cristo como Salvador, e o gozo da salvação
através do Espírito Santo. Será que o leitor já obedeceu ao chamado
final do Evangelho, da parte do Espírito Santo: “E o Espírito e a esposa
dizem: Vem. E quem ouve, diga: vem. E quem tem sede venha. E quem
quiser, tome de graça da água da vida”? (Ap 22:17).
Cap. 6 — O Espírito Santo
na vida de Cristo
por James M. Flanigan, Irlanda do Norte
Na primeira menção da oferta de manjares, no segundo capítulo
de Levítico, todos os expositores devocionais concordam que a flor de
farinha da oferta é uma prefiguração tipológica da beleza da vida do
Senhor Jesus, uma vida na qual todas as virtudes morais se mesclavam
num equilíbrio perfeito. Não há derramamento de sangue nessa oferta,
nem menção de pecado ou expiação. Há sugestões de sofrimento, entretanto, e a oferta de manjares é um quadro belíssimo de uma vida de
serviço fragrante, e de devoção no sofrimento; devoção que trouxe tanto
prazer a Deus.
Três vezes naquele capítulo temos a instrução de que azeite deveria
ser aplicado à oferta nas suas variadas formas, e três palavras diferentes
são empregadas para essas aplicações do azeite.
Algumas vezes o azeite deveria ser amassado com a flor de farinha
(vs. 4-5). Em outros casos, o azeite era para ser deitado sobre a oferta
(vs. 1, 6), e também a oferta poderia ser untada [literalmente, “ungida”]
com óleo (v. 4). São palavras distintas que têm um significado simbólico.
A oferta poderia ser amassada, ungida ou saturada com azeite.
Novamente há um consenso quanto a ser o azeite, nas Escrituras,
um símbolo consistente do Espírito Santo, e na Sua associação divina
com o Filho de Deus o pleno cumprimento dessas palavras importantes e interessantes é claramente visto; amassado, ungido, saturado. No
mistério da encarnação de Cristo a farinha e o óleo foram amassados
juntos. Por ocasião do batismo do Salvador no Jordão, é como se a oferta fosse ungida com óleo, e no Seu ministério miraculoso subsequente
podemos observar um ministério essencialmente saturado com o poder
do Espírito. Mas essas considerações precisam ser abordadas reverentemente e em detalhes.
O Espírito Santo na encarnação
Muitos homens, talvez bem-intencionados, têm procurado explicar
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
93
a fisiologia humana na concepção milagrosa do Filho de Deus no ventre
da virgem. Todas essas explicações são vãs, e algumas até irreverentes,
se não blasfemas. Nunca se pede ao cristão que ele entenda, explique ou
exponha o mistério. “Grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne” (I Tm 3:16). Talvez o antigo Credo dos Apóstolos* diz
tudo o que pode ou precisa ser dito sobre este assunto sagrado. Ele foi
“concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria”. Os
detalhes santos do que aconteceu no ventre de Maria estão entre as coisas encobertas “pertencentes ao Senhor nosso Deus” (Dt 29:29), e em
verdadeira devoção o cristão deve se prostrar em admiração e adoração
diante da encarnação do Filho de Deus.
Além do breve comentário de Mateus, que simplesmente diz que
ela “achou-se ter concebido do Espírito Santo” (Mt 1:18), as palavras de
Gabriel a Maria são o único comentário bíblico acerca daquela concepção divina. Disse Gabriel à donzela aflita: “Maria, não temas, porque
achaste graça diante de Deus. E eis que em teu ventre conceberás e
darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande
e será chamado o Filho do Altíssimo”. Quando Maria, uma virgem,
perguntou: “Como se fará isto?”, o anjo respondeu: “Descerá sobre ti o
Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra;
por isso também o Santo que de ti há de nascer será chamado o Filho
de Deus” (Lc 1:30-35).
Foi a operação do Espírito Santo no ventre da virgem que resultou na concepção do Salvador. Quando Maria, a virgem, “achou-se ter
concebido do Espírito Santo”, havia se cumprido a antiga palavra profética: “Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem
conceberá, e dará à luz um Filho, e chamará o Seu nome Emanuel” (Is
7:14). Era como se o óleo e a farinha fossem amassados juntos de forma milagrosa, no ventre daquela donzela humilde e piedosa de Nazaré,
que haveria de ser a mãe virgem do Messias prometido. Tudo isto está
além da compreensão do ser humano. É maior que o intelecto e que a
compreensão dos mais sábios filósofos terrestres, mas não é problema
para aqueles que amam a Palavra de Deus e o Filho de Deus. Para estes
basta saber que Ele foi de fato “concebido do Espírito Santo”. Como
escreve H. C. Hewlett: “Nossa parte é crer, não explicar, e adorar, não
* O autor refere-se a um antigo tratado contendo uma afirmação de fé dos cristãos,
que ainda hoje é aceito por diversas denominações no cristianismo (N. do E.).
94
O Espírito da Glória
investigar”.* João, o apóstolo amado, diz: “E o Verbo Se fez carne” ( Jo
1:14). O Filho eterno foi achado na forma de homem (Fp 2:8).
Em carne oculta, veja a Deidade;
Salve! Divindade Encarnada!†
(C. Wesley)
Assim se iniciou, no ventre da virgem, numa santa comunhão entre
duas Pessoas Divinas, a história de um Ser único que em santidade
impecável deleitaria o coração de Deus e traria a Ele uma fragrância
que em muito excede a fragrância da oferta de manjares da antiguidade,
onde a flor de farinha era amassada junto com o azeite.
O Espírito Santo na apresentação
de Jesus no Templo
No tempo devido, depois da visita angelical a Maria, sua santa
Criança nasceu. Foi com prazer que O viram crescer “em sabedoria, e
em estatura, e em graça para com Deus e os homens” (Lc 2:52). Mas
nos primeiros dias da Sua infância o piedoso Simeão foi trazido pelo
Espírito para o Templo, exatamente quando José e Maria chegaram
com o Menino. Ele tinha quarenta dias de vida, e eles O trouxeram ao
Templo para cumprir uma lei antiga. “O levaram a Jerusalém, para o
apresentarem ao Senhor … e para darem a oferta segundo o disposto
na lei do Senhor: Um par de rolas ou dois pombinhos” (Lc 2:22-24; Lv
12:2, 6, 8). O Espírito Santo é mencionado três vezes em relação a Simeão e a apresentação de Jesus no Templo. Simeão era “justo e temente
a Deus, esperando a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre
ele” (Lc 2:25). Simeão era um homem essencialmente espiritual, e esse
momento exato já havia sido predito a ele pelo mesmo Espírito Santo,
que lhe revelara que ele não veria a morte “antes de ter visto o Cristo
do Senhor” (v. 26). Agora, conduzido pelo Espírito, Simeão tomou o
Menino em seus braços e bendisse a Deus (v. 28), e os abençoou (v. 34)
e profetizou grandes coisas para o Filho de Maria. Desde a infância,
passando pela adolescência e até a idade adulta, Jesus cresceu com uma
graça que deve ter trazido muita alegria a Maria e José. Ele era de fato
* HEWLETT, H. C. Glories of our Lord. Kilmarnock: John Ritchie Ltd., 1994.
† Tradução livre. O original diz: “Veiled in flesh, the Godhead see, /Hail! Incarnate
Deity!"
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
95
uma raiz de uma terra seca (Is 53:2). Na esterilidade espiritual da nação,
e até mesmo na corrupção de Nazaré, Ele crescia com fragrância, trazendo constante prazer ao Seu Pai, e era conhecido na localidade como
o Carpinteiro, e o Filho do Carpinteiro (Mt 13:55; Mc 6:3).
O Espírito Santo no batismo do Salvador
Agora, depois dos anos de relativo silêncio em Nazaré, Jesus era um
homem maduro, com cerca de trinta anos de idade (Lc 3:23), e Ele saiu
da sua cidade natal para ir até o rio Jordão, ao lugar onde João estava
batizando. Todos os Evangelhos registram algo sobre o próprio Jesus ser
batizado por João no Jordão (Mt 3:13-17; Mc 1:9-11; Lc 3:21-22; Jo
1:32). Embora João não registre o ato do batismo do Senhor ele relata,
como os outros, que naquela ocasião o Espírito desceu dos Céus “que se
abriram” e repousou sobre Ele.
O batismo de João era um batismo para o arrependimento (Mt
3:11) mas, como todo cristão sabe, o Salvador, na Sua impecabilidade,
nada tinha do que Se arrepender. Então por que Ele pediu para ser
batizado por João? (Mt 3:13-15) Em imensa graça Ele desejava Se associar com aqueles que estavam aceitando a pregação de João. Era um
reconhecimento da mensagem do Batista e, como foi dito: “Ele viu as
Suas ovelhas debatendo nas águas escuras da morte, e de bom grado
quis estar com elas”. Será que isso era uma prévia do Calvário, quando
Ele, de uma forma terrivelmente real, entraria na morte em lugar deles?
Foi nesta ocasião do Seu batismo no Jordão que os Céus se abriram sobre Ele e o Espírito Santo desceu na forma de uma pomba. No
contexto do relato de João, isso é muito lindo. João, que escreveu o quarto Evangelho, relata que foi João Batista quem apontou Jesus como o
Cordeiro de Deus. Em mansidão e gentileza, Ele havia vivido por trinta
anos no Seu lar na Galileia, e em conformidade com as Escrituras típicas, Ele era um Cordeiro sem mácula, sem mancha nem defeito no Seu
caráter. Mais tarde, Ele seria levado “como um Cordeiro ao matadouro”
(Is 53:7), mas agora sobre o manso Cordeiro desceu o Espírito Santo na
forma de uma pomba. E que ser é mais meigo, mais facilmente assustado do que uma pomba? Foi nesta forma que o Espírito repousou sobre
o Cordeiro. Não havia nada no meigo Cordeiro para afligir ou assustar a
Pomba. Quando o Espírito pousa sobre Ele, é como se a oferta estivesse
sendo ungida com óleo. Era isso que Pedro tinha em mente quando ele
pregou, dizendo: “Esta palavra, vós bem sabeis, veio por toda a Judeia,
96
O Espírito da Glória
começando pela Galileia, depois do batismo que João pregou; como
Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude” (At
10:37-38).
Devemos lembrar e compreender, ainda que seja um mistério, que
essa unção pelo Espírito de forma alguma sugere que havia algo faltando na Pessoa do Senhor Jesus antes disso. Nenhuma habilidade ou
poder foi conferido a Ele por essa unção, que Ele já não possuísse em Si
mesmo. Outros servos de Deus podem de fato precisar de uma unção
especial para equipá-los para o serviço, mas o Filho de Deus possuía
poder pessoal inerente como uma Pessoa Divina, e não precisava desse
dom. Essa unção do Salvador foi sem dúvida para mostrar, de uma maneira bem pública, a aprovação celestial de Jesus nesse momento inicial
do Seu ministério.
Ligado a isso temos o comentário de que há aqui uma evidência
maravilhosa da grande Trindade, três Pessoas divinas em santa harmonia. O Filho encarnado está na água. O Espírito pousa sobre Ele, enquanto a voz do Pai declara, desde os Céus abertos, o Seu prazer no Seu
Filho. Pai, Filho e o Espírito de graça estão igualmente envolvidos no
grande plano de redenção que estava para se desenvolver.
O Espírito Santo e a tentação no deserto
Os Evangelhos Sinópticos — Mateus, Marcos e Lucas — todos
registram que foi pelo Espírito Santo que Jesus, depois do Seu batismo,
foi impelido para o deserto para um confronto com o diabo.
Nunca é dito que nosso Senhor foi enchido com o Espírito da maneira como os Seus santos podem ser, mas Ele estava “cheio do Espírito
Santo”, e foi agora “levado pelo Espírito” (Lc 4:1) ao deserto, para quase
seis semanas solitárias de tentação. Repare que Zacarias e Isabel, os pais
de João Batista, foram cheios “do Espírito Santo”, assim como o próprio João (Lc 1:15, 41, 67). O mesmo é dito de Pedro e Paulo em Atos
4:8 e 13:9. Se a expressão “cheio do Espírito Santo” é usada de outros,
como Estêvão e Barnabé (Atos 7:55; 11:24), essa plenitude com eles era
o resultado de terem sido enchidos com o Espírito, mas não foi assim
com Jesus. Ele sempre foi e sempre esteve “cheio do Espírito Santo”. E
a meiga submissão do Cordeiro está novamente evidente quando Ele se
entrega sem resistência à direção do Espírito, sabendo das tentações que
Lhe seriam apresentadas, pelo próprio Satanás, naquele estéril deserto
da Judeia.
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
97
Precisamos ressaltar vez após vez que o Senhor Jesus era impecável:
incapaz de pecar. Ele não somente não pecou, como também Ele não
podia pecar. Não havia nada nEle para corresponder às tentações pecaminosas e, portanto, quando falamos da tentação no deserto, a palavra
“tentação” precisa ser entendida corretamente. Com os homens caídos,
tentação significa uma atração para pecar, um apelo ao mal. Isto nunca
pode ser dito do Salvador, pois Ele jamais poderia ser atraído ao mal.
O outro significado da palavra é “testar”, “provar”. “Tentação” é a palavra grega peirazo (Concordância de Strong, 3985), definida por Strong
como: “examinar, esquadrinhar, escrutinar, provar, experimentar, como
também tentar” (veja Jo 6:6; At 16:7, “intentavam”; II Co 13:5; Hb
11:17; Ap 2:2; Ap 3:10 onde essas várias alternativas são usadas).
O nosso Senhor Jesus foi provado, ou testado, por Satanás, não para
ver se poderia, ou iria, pecar, mas sim para, de acordo com o plano de
Deus, demonstrar bem no começo do Seu ministério público que Ele
era realmente impecável. Para Ele, pecar era impossível. Ele não podia
pecar mesmo sendo tentado no Seu corpo, alma e espírito. Satanás O
testou quanto à Sua dependência, Sua obediência e Sua paciência, mas
o Senhor não se afastou, nem poderia ter-Se afastado do caminho da
vontade do Pai para Ele.
Depois de quarenta dias naquele deserto, Jesus retornou, ainda no
poder do Espírito, para a Galileia (Lc 4:14). Ele havia sido provado,
como se prova o ouro puro, mas não havia impureza, e em comunhão
com o Espírito Santo Ele voltou à Sua Galileia nativa para iniciar um
ministério público muito intenso que se estenderia por três anos, trazendo muita glória a Deus, muitas bênçãos aos homens e muita tristeza
a Si mesmo. Ele foi conduzido pelo Espírito ao deserto, e Ele voltou do
deserto no poder daquele mesmo Espírito.
O Espírito Santo e o caráter de Cristo
Em Isaías 42:1, onde Cristo é apresentado como o Servo perfeito,
Jeová diz: “Pus o Meu Espírito sobre Ele”. Isto é o que chamamos de
o “passado profético”, falando em antecipação de algo ainda no porvir
como se de fato já tivesse acontecido. Aqui está antecipada aquela comunhão inquebrável que seria sempre desfrutada entre o Servo Divino
e o Espírito de Deus. Sendo que há certas características morais conhecidas como “o fruto do Espírito” (Gl 5:22-23), é de esperar, portanto,
que esse fruto fosse manifestado na vida agradável daquele que vivia em
98
O Espírito da Glória
santa comunhão com o Espírito Santo: “o fruto do Espírito é: amor,
gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança”, e é interessante seguir os passos de Jesus através dos Evangelhos
e ver cada aspecto desse fruto em evidência em todas as variadas circunstâncias da Sua vida.
O amor é o primeiro a ser mencionado, e houve, naturalmente,
muitas demonstrações do Seu amor. Ele amava o que não era amável.
Ele amava os párias. Ele amava os publicanos e pecadores, a ponto de
ser conhecido como “amigo dos publicanos e pecadores” (Mt 11:19; Lc
7:34). Ele amava a viúva e o órfão, e amava aqueles que não tinham
amor nenhum por Ele. Seu amor não tinha fronteiras, pois se estendia
aos leprosos e aleijados, aos surdos e mudos e cegos, mas Seus discípulos
eram o alvo especial do Seu amor. “Como havia amado os Seus, que
estavam no mundo, amou-os até o fim” ( Jo 13:1). Eles O magoaram
muitas vezes, mas Ele nunca deixou de amá-los.
Depois havia o gozo. Num belíssimo paradoxo, o Salvador era o
Homem de dores e, no entanto, estava ungido “com óleo de alegria”
mais do que os outros (Sl 45:7; Hb 1:9). Ele carregava um fardo de
angústia. A dor era Sua constante companheira (Is 53:3), mas ainda
assim Ele manifestava a alegria de um Homem que Se deleitava em
fazer a vontade do Seu Pai, e na Sua última noite com os Seus discípulos
Ele falou do “Meu gozo”, desejando que eles também o conhecessem
( Jo 15:11). Ele pode Se regozijar de muitas maneiras e circunstâncias.
Seu era o gozo de um Filho amado se deleitando em santa comunhão
com o Pai. “Se alegrou Jesus no Espírito Santo, e disse: Graças Te dou
ó Pai, Senhor do céu e da terra” (Lc 10:21). Seu era também o gozo de
um Pastor encontrando uma ovelha desgarrada. “E achando-a, a põe
sobre os seus ombros, gostoso; e, chegando a casa convoca os amigos
e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha
ovelha perdida” (Lc 15:5-6). E havia também o gozo do Redentor que
deu tudo o que tinha para comprar o tesouro escondido num campo e
“pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo”
(Mt 13:44). E ainda mais, havia o gozo que Lhe estava proposto e que
seria completo depois de suportar a cruz (Hb 12:2) e então, também em
antecipação, o gozo do retorno do Soberano que dirá aos Seus servos
fiéis: “Bem está … entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25:21,23).
Havia também a paz. O profeta Isaías chamou o Salvador de “Príncipe da Paz” (Is 9:6), e em santa serenidade Ele viveu e andou em meio
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
99
à afronta e à humilhação durante todos os dias do Seu ministério, indo
até o sofrimento e a morte. É um Homem em paz que diz no Getsêmani: “Não se faça a Minha vontade, mas a Tua” (Lc 22:42). É um homem
em paz que ficou em pé com dignidade perante o Sumo Sacerdote de
Israel até mesmo quando os homens cuspiam no Seu rosto (Mt 26:67).
É um Homem em paz que ficou diante do governador Romano e diante de Herodes naquelas horas finais, e “não lhes respondeu palavra” (Mt
27:14). Não nos admira que Pilatos se maravilhasse! Haveria ele, antes,
visto uma paz como esta num prisioneiro?
Quão longânimo era Jesus. Esse também é o fruto do Espírito. Ele
suportou com tanta paciência os homens que não O compreendiam.
Ele lhes expôs a verdade de Deus com uma longanimidade que esperava enquanto a lentidão deles compreendesse o significado. Veja isso
em evidência no caminho de Emaús quando Ele guiou aqueles dois
discípulos, passo a passo, até Se revelar a eles (Lc 24). Eles eram tardos
de coração, mas Ele foi paciente com eles.
A benignidade [literalmente “gentileza”] era outra característica
deleitável do Senhor Jesus. Não era uma característica dos escribas e
fariseus que eram, na sua maioria, homens orgulhosos e arrogantes. Será
que as criancinhas teriam se aproximado daqueles homens austeros,
assim como se aproximaram do Senhor? (Mc 10:13-16) No entanto,
o grande ancestral desses líderes da nação, o Rei Davi, atribuiu a sua
grandeza à brandura de Jeová, dizendo: “Pela Tua brandura me vieste a
engrandecer” (II Sm 22:36; Sl 18:35). A benignidade de Jeová foi vista
no caráter de Jesus. Muitos anos mais tarde Paulo lembra seus leitores
da mansidão e benignidade de Cristo (II Co 10:1). É interessante que
Paulo, que não conheceu a Cristo nos dias da Sua carne, falaria da Sua
benignidade! Será que foram outros, que O haviam conhecido, que relataram isso a Paulo, recordando de ocasiões que demonstraram aquele
caráter meigo e aquela maneira terna de tratar com os homens?
E o que podemos dizer da Sua bondade? Esta é uma das características de Deus, de quem o salmista podia dizer: “Tu és bom e fazes
bem” (Sl 119:68), e o caráter de Deus é visto em um homem que andou
fazendo bem, Jesus de Nazaré, ungido com o Espírito Santo (At 10:38).
Uma vez alguém se dirigiu a Ele como “Bom Mestre”, e o Salvador lhe
respondeu: “Por que me chamas bom? Não há bom senão Um só, que é
Deus” (Mt 19:16-17; Mc 10:17-18; Lc 18:18-19). O Senhor Jesus não
estava, naturalmente, negando que Ele era bom, antes, estava mostran-
100
O Espírito da Glória
do ao jovem, se ele somente pudesse ter entendido, que Aquele a quem
ele chamara “Bom Mestre” era realmente Deus, uma Pessoa divina.
Como um Homem dependente, o nosso Senhor Jesus vivia por
fé, outro aspecto do fruto do Espírito. Geralmente se diz que os sentimentos de Jesus são vistos nos Salmos. De fato, isso é verdade. Lá
Ele diz profeticamente: “Sobre Ti fui lançado desde a madre; Tu és o
Meu Deus desde o ventre da Minha mãe” (Sl 22:10). Desde a infância,
na adolescência, e chegando à idade adulta, Ele foi caracterizado por
dependência em Deus. Até mesmo Seus inimigos reconheceram isso,
quando disseram, quase que citando literalmente os Salmos: “Confiou
em Deus; livre-O agora, se O ama” (Mt 27:43; Sl 22:8).
Quanto à mansidão, foi Ele mesmo que disse: “Sou manso e humilde” (Mt 11:29). Note que somente Ele em Sua perfeição moral
poderia reivindicar ser manso e humilde, e ainda continuar sendo. Se
um homem comum dissesse isso de si mesmo, esse fato em si seria a
negação da sua humildade, soando quase como arrogância. Mas não
era assim com Ele, e lembramos que no início do Seu ministério Ele
ensinou: “Bem-aventurados os mansos” (Mt 5:5), então Ele mesmo é o
insuperável bem-aventurado, manso e humilde de coração.
A palavra temperança talvez fosse melhor traduzida “autocontrole”, e isso foi maravilhosamente manifesto na reação do Senhor às acusações injustas e às provocações dos Seus inimigos. Com tudo o que
disseram sobre Ele ou para Ele, Ele manteve a compostura e dignidade.
Quando outros homens teriam respondido com indignação às zombarias, o Salvador permaneceu calmo, exercendo um autocontrole perfeito.
Quando poderia ter chamado dez mil anjos para destruir Seus acusadores, Ele entregou-Se e suportou a afronta e a zombaria com majestade
silenciosa.
Assim, durante aqueles trinta e três anos de perfeita Humanidade,
o fruto do Espírito foi certamente manifestado na vida do Senhor Jesus.
“Pus o Meu Espírito sobre Ele”, disse Jeová em Isaías 42:1, e nEle os
homens viram amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade,
fé, mansidão e autocontrole em perfeito equilíbrio. Essa era a flor de
farinha da oferta de manjares, uma consistência homogênea no caráter
daquele de quem todas as ofertas eram meras prefigurações.
O Espírito Santo e o ministério público de Cristo
Tendo ministrado nas sinagogas da Galileia, Jesus veio para Nazaré,
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
101
Sua cidade natal. Ele conhecia bem aquela sinagoga, e era bem conhecido ali. Ele havia assistido as reuniões na sinagoga de forma constante
durante todos aqueles anos, mas agora seria diferente. Ele veio no Sábado como era Seu costume, e quando surgiu a oportunidade Ele se levantou para ler a porção das Escrituras para aquela ocasião. Era o direito
de todo homem judeu adulto ler as Escrituras publicamente, e assim o
atendente entregou o Rolo Sagrado a Jesus. Ainda não havia uma divisão em capítulos e versículos, mas Ele com calma achou a passagem.
Ele conhecia bem a Palavra, pois Ele era o verdadeiro Bem-Aventurado
cujo prazer estava na Lei do Senhor e naquela Lei Ele meditava de dia
e de noite (Sl 1:2). Ele abriu o rolo no lugar que hoje é conhecido como
Isaías 61 e começou a ler.
Este não era exatamente o começo do Seu ministério, pois Ele já
estivera ensinando em outras regiões da Galileia, mas era uma introdução ao Seu ministério em Nazaré, onde havia sido criado. Ele leu: “O
Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar
os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração, a pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade
os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor”. Neste ponto da
leitura Ele fechou o Livro, devolveu o Rolo ao atendente e Se assentou
para ministrar, dizendo que essa Escritura estava agora sendo cumprida
diante deles (Lc 4:14-19).
Note a referência à Trindade nas palavras iniciais do Senhor: “O
Espírito do Senhor é sobre Mim”. Assim como o Pai, o Filho e o Espírito estiveram juntos no Seu batismo, assim agora eles estavam em
comunhão santa no Seu ministério. “O Espírito … Senhor … Mim”.
“Ungiu-Me”. Estes judeus sabiam tudo sobre ungir. Seus profetas,
sacerdotes e reis eram todos ungidos para assumir seus vários ofícios, e
se somente tivessem tido inteligência espiritual para enxergar, ali estava alguém na sua sinagoga cujo ministério variado seria o de Profeta,
Sacerdote e Rei, e para esses ofícios Ele fora divinamente ungido. Mais
tarde Pedro iria lembrá-los de que “Deus ungiu a Jesus de Nazaré com
o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo bem, e curando
a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com Ele” (At 10:38).
No poder da Sua unção Jesus anunciou que Ele viera pregar as boas
novas aos pobres. Aqui estava o ministério do Profeta, pregando e ensinando a Palavra de Deus. Ele viera também para curar os quebrantados
de coração. Este era um ministério sacerdotal, e quantas vezes nos anos
102
O Espírito da Glória
que se seguiram Ele de fato confortou os que sofriam. Ele veio também
para libertar os cativos do pecado e de Satanás, e com a palavra de autoridade de um Rei Ele de fato libertaria a muitos. O grande Médico iria
restaurar a vista aos cegos e pôr em liberdade os que haviam sido oprimidos pela vida. Ensinando! Pregando! Curando! Mateus resume isso
tudo em poucas palavras: “E percorria Jesus toda a Galileia ensinando
nas suas sinagogas e pregando o evangelho do reino e curando todas as
enfermidades e moléstias entre o povo” (Mt 4:23; 9:35). O Messias há
muito prometido estava no meio deles no poder do Espírito: seu Profeta, Sacerdote e Rei.
O Espírito Santo e a expulsão de demônios
Todos sabem que muito do ministério subsequente do Senhor envolveu a expulsão de demônios, e a maior parte, se não todos, os casos
de possessão registrados aconteceram, por alguma razão, na Galileia.
Há algum exemplo de possessão demoníaca na Judeia? Há duas razões
sugeridas para a predominância deste ataque satânico na Galiléia. Era,
e Satanás sabia disso, a Província na qual Jesus o Messias vivera durante
os primeiros trinta anos da Sua vida, e seria a esfera de grande parte do
Seu ministério messiânico. Esta razão já explica por que houve tanta
atividade demoníaca naquela Província. Além disso, a Galileia e os galileus não eram tão sofisticados quanto a Judeia e os seus habitantes. Na
Judeia estava localizada a Cidade Santa e o Templo. Era ali que o Sumo
Sacerdote e muitos sacerdotes habitavam, e era também na Judeia que
o poderoso Sinédrio se reunia. Talvez com todos esses privilégios houvesse certa proteção contra o demonismo na Judeia, que não havia na
Galileia.
Há certa tristeza no fato que talvez a primeira ocorrência de possessão demoníaca acontecesse numa sinagoga. É triste porque um homem
com espírito imundo era, aparentemente, tolerado na sinagoga ali, e no
entanto, eles tinham se enfurecido com as palavras bondosas de Jesus na
sinagoga em Nazaré (Mc 1:23; Lc 4:28, 33). Depois, no outro extremo,
houve o caso do homem que habitava entre os sepulcros em Gadara,
possesso por uma legião de demônios (Lc 8:26-36). Houve também
outras cenas, como quando, “tendo chegado a tarde, quando já se estava pondo o sol, trouxeram-Lhe todos os que se achavam enfermos,
e os endemoninhados … E curou muitos que se achavam enfermos
de diversas enfermidades, e expulsou muitos demônios” (Mc 1:32, 34).
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
103
Foram, realmente, dias notáveis!
Entretanto, houve uma reação adversa cruel da parte dos fariseus a
essa expulsão de demônios. Esses homens frios e insensíveis pareciam
desconsiderar o alívio dado aos pobres sofredores, e aparentemente preferiam usar essas ocasiões para dar vazão à sua oposição invejosa ao
Salvador. Em uma dessas ocasiões “a multidão se maravilhou, dizendo:
Nunca tal se viu em Israel. Mas os fariseus diziam: Ele expulsa os demônios pelo príncipe dos demônios” (Mt 9:33-34). Em outra ocasião
eles disseram: “Este não expulsa os demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios” (Mt 12:24).
Essa foi realmente uma acusação muito solene, dizer que Jesus estava associado com o Diabo. Ele agora os faria ver que, além de ser
uma acusação insensata, era uma blasfêmia, pois o Seu ministério de
expulsão de demônios na realidade era exercido no poder do Espírito
de Deus. Era uma ideia insensata, porque “todo reino dividido contra
si mesmo é devastado; e toda cidade, ou casa, dividida contra si mesma
não subsistirá”. Como seria possível Ele expulsar demônios pelo príncipe dos demônios? “Se Satanás expulsa Satanás, está dividido contra si
mesmo; como subsistirá, pois, o seu reino?” (Mt 12:25-26). Sua sugestão
de conspiração com Satanás era ridícula.
O Espírito Santo e o pecado imperdoável
Mas havia um aspecto ainda mais sério na acusação deles. A expulsão dos demônios era uma evidência de que o Rei e o reino, em poder,
estavam entre eles. “Mas se Eu expulso os demônios pelo Espírito de
Deus, logo é chegado a vós o reino de Deus” (Mt 12:28). Ao atribuir
as Suas obras ao diabo, eles estavam blasfemando contra o Espírito
Santo, e tal blasfêmia era um pecado imperdoável, solene ao extremo,
como Ele disse: “Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens,
mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se
qualquer disser alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á
perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será
perdoado, nem neste século nem no futuro” (Mt 12:31-32).
O pecado imperdoável consistia em atribuir ao poder do diabo as
obras que Jesus tinha executado no poder do Espírito de Deus. A seriedade de insultar o Espírito Santo estava nisso, que Ele é o único que revela aos homens sua condição espiritual e sua carência, e então traz aos
corações entenebrecidos a luz do Evangelho. Se Ele for rejeitado, que
104
O Espírito da Glória
esperança há de perdão para o homem? Um homem pode falar contra
Cristo, como muitos fazem, mas o Espírito de Deus pode atuar nesse
homem e levá-lo ao arrependimento e salvação, mas se o ministério, em
graça, do Espírito for difamado e recusado, então o arrependimento é
impossível. Este pecado não tem perdão. Se alguém perguntar: “É possível cometer esse pecado hoje?”, devemos lembrar que é algo terrível
rejeitar os apelos do Espírito, pois quem além dEle pode despertar a
consciência, trazer convicção do pecado e revelar Cristo ao coração?
Rejeitar o Espírito Santo é a rejeição de toda esperança ou possibilidade
de salvação.
O Espírito Santo e o sofrimento final
Os cristãos muitas vezes cantam o hino de E. Denny que diz:
“Sempre no Teu coração oprimido pesava um fardo de sofrimento”,*
e embora isso seja verdade, houve sofrimentos no final do ministério e
vida terrestre do Senhor que ofuscaram todos os demais.
Embora seja absolutamente verdade que o Senhor Jesus Se ofereceu a Si mesmo prontamente, e que Ele foi voluntariamente até o
sofrimento final e a morte, também lemos que foi pelo Espírito eterno
que Ele Se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus (Hb 9:14). É verdade que alguns estudiosos não veem nisso uma referência ao Espírito
Santo de Deus, mas ao espírito pessoal do Senhor Jesus, Seu próprio
espírito. Neste artigo presumimos que é, de fato, uma referência ao Espírito Santo, e de acordo com o comentário de Albert Barnes, essa é “a
interpretação que ocorreria à grande maioria dos leitores do Novo Testamento. Presume-se que a grande maioria de leitores sóbrios, simples
e inteligentes da Bíblia, ao ler atentamente essa passagem, deduz que
ela se refere ao Espírito Santo” †. Isso não prova nada, necessariamente,
mas mostra que a maioria dos leitores e estudiosos aceitará que se trata
de uma referência ao Espírito Santo de Deus.
Gólgota é, naturalmente, o lugar do sacrifício físico de Cristo, onde
Ele levou “em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (I Pe 2:24).
Mas quando e onde começou a ser vista essa entrega de Si mesmo em
toda a sua crua realidade? Foi na Sua última noite com Seus discípulos,
e logo após celebrarem aquela última Páscoa, quando Ele atravessou
* “Forever on Thy burdened heart a weight of sorrow hung”.
† BARNES, A. Notes on the New Testament. Grand Rapids, MI: Kregel Publications,
1962.
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
105
o ribeiro Cedrom rumo ao Getsêmani. Precisamos nos aproximar do
Jardim com absoluta reverência. Deixando oito discípulos um pouco
para trás, o Salvador levou os privilegiados Pedro, Tiago e João um pouco mais adiante, mas Ele mesmo foi mais adiante ainda, à solidão do
jardim, para orar no meio das oliveiras. Mateus, Marcos e Lucas descrevem a cena: “Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse aos Seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além
orar. E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a
entristecer-Se e a angustiar-Se muito. Então lhes disse: a Minha alma
está cheia de tristeza até a morte; ficai aqui e velai comigo. E, indo
um pouco mais para adiante, prostrou-Se sobre o Seu rosto, orando e
dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice; todavia, não
seja como Eu quero, mas como Tu queres. E, voltando para os Seus discípulos, achou-os adormecidos; e disse a Pedro: Então nem uma hora
pudeste velar comigo? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação;
na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca. E, indo segunda
vez, orou, dizendo: Pai Meu, se este cálice não pode passar de Mim sem
Eu o beber, faça-Se a Tua vontade. E, voltando-Se, achou-os outra vez
adormecidos; porque os seus olhos estavam pesados. E, deixando-os de
novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras” (Mt 26:3644). “Não a Minha vontade, mas a Tua”, era a santa linguagem daquele
que Se entregava a Deus, à cruz e à morte.
Não pode haver dúvida de que enquanto Hebreus 9:14 conduz o
leitor ao Calvário, o ministério daquele mesmo Espírito está em evidência na submissão do Senhor Jesus no jardim de Getsêmani. Foi em
comunhão inquebrável com o Espírito que o Salvador viveu Sua vida
e exerceu Seus variados ministérios — será que o Espírito O deixaria
sozinho agora, quando Ele enfrentaria a morte pela manhã?
Eles O prenderam de forma cruel tarde da noite daquele dia, vindo
com lanternas, tochas e armas. Eles O amarraram, e conduziram-nO de
volta, pelo vale de Cedrom, ao palácio do Sumo Sacerdote. Na injustiça
de um julgamento noturno, sem defesa, Jesus suportou o escárnio e as
cusparadas até que, cedo pela manhã, eles O entregaram aos romanos.
Ali a zombaria e a dor física continuaram, com uma coroa de espinhos,
o manto de púrpura, os açoites e, finalmente, a cruz posta sobre Suas
costas ensanguentadas. Ele não ofereceu resistência. Ele Se entregou
no jardim, sabendo muito bem de tudo que estava pela frente. Como
dizem, de maneira tão bela, as seguintes palavras:
106
O Espírito da Glória
O juramento estava sobre Ti —
Vieste para Te entregar à morte,
E consagração caracterizou o Teu caminho
E falou em cada palavra.*
McLeod Wylie
Sentenciado à morte, eles O levaram ao Gólgota onde, pregado pelas mãos e pelos pés sobre a cruz, Ele se tornou uma verdadeira oferta
pelo pecado. Mas agora, “o Senhor [ Jeová] fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos” (Is 53:6). “Pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si
mesmo imaculado a Deus” (Hb 9:14). Foi pelo mesmo Espírito Santo,
que havia efetuado a Sua concepção milagrosa no ventre da virgem, e
que havia estado com Ele durante todos os anos da Sua vida e de Seu
ministério, que agora Ele foi levado aos sofrimentos indescritíveis como
Aquele que levou sobre Si o pecado. Mas esse não é o fim!
O Espírito Santo na ressurreição de Cristo
O tão bem-conhecido e precioso versículo de I Pedro 3:18, nos fala
do nosso Senhor sendo “mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito”, e aqui, novamente, surge o mesmo problema quanto à
interpretação de “espírito” como em Hebreus 9:14. Trata-se do Espírito
Santo ou do espírito pessoal do Senhor Jesus? Os expositores novamente estão divididos, e Spurgeon diz de forma interessante, mesmo
se um tanto abrupta: “Ninguém entende essa passagem, embora alguns
acham que a entendem”. Mas não foi por aquele Espírito de Santidade,
o Espírito Santo, que pelo poder da ressurreição Ele foi declarado ser o
Filho de Deus? (Rm 1:4) Paulo fala do “Espírito dAquele que dentre os
mortos ressuscitou a Jesus” (Rm 8:11), e embora isso não liga o Espírito
Santo diretamente à ressurreição pessoal do nosso Senhor, podemos
certamente concluir isto.
O Espírito Santo e a exaltação
e glorificação de Cristo
No último dia da grande Festa dos Tabernáculos o Senhor Jesus
prometera rios de água viva para aqueles que cressem nEle ( Jo 7: 37* Tradução livre. O original diz: “The vow was on Thee — Thou didst come/To yield
Thyself to death./And consecration marked Thy path/And spoke in every breath.”
Cap. 6 — O Espírito Santo na vida de Cristo
107
39). O v. 39 é um parêntesis, explicando que Jesus estava falando do
Espírito Santo que ainda não havia sido dado. Sua vinda dependia da
glorificação do Salvador. O Espírito Santo era outro Consolador, que
viria habitar com eles depois da partida de Jesus, mas como o Espírito
seria uma dádiva do Cristo ressurrecto, Sua vinda precisava esperar até
que Cristo tivesse de fato ressurgido dentre os mortos, ascendido e sido
glorificado.
Os santos e os profetas da antiguidade certamente provaram algo do
poder do Espírito vindo sobre eles, mas eles não O conheciam como um
Companheiro permanente. Isso só aconteceria numa nova dispensação,
que aguardava a ascensão do nosso Senhor à glória. É por isso que Ele
disse: “… vos convém que Eu vá; porque, se Eu não for o Consolador
não virá a vós; mas quando Eu for, vo-lO enviarei” ( Jo 16:7). Outra vez
Ele disse: “Quando vier o Consolador, que Eu da parte do Pai vos hei
de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, Ele testificará
de Mim” ( Jo 15:26). Isso em breve realmente se cumpriu, e Pedro podia
pregar dizendo: “De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo
recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós
agora vede e ouvis” (At 2:33). Uma nova era havia começado! Mas este
é o tema de Atos dos Apóstolos.
Lembrando que tudo isso que temos considerado tem a ver com a
santa comunhão entre duas Pessoas divinas, não é surpreendente que
tanta coisa fica além do alcance da compreensão de meros mortais. Às
vezes temos somente que nos maravilhar e adorar, pois não é possível
compreender. Mas, isso não demonstra a grandeza do Eterno? Três Pessoas numa Divindade inefável, todas interessadas nas vidas e no bem-estar dos fracos homens. Bem pode o apóstolo escrever: “A graça de
nosso Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito
Santo seja com todos vós” (II Co 13:14). Pai, Filho e o Espírito da graça
estão juntamente envolvidos na bênção daqueles que amam ao Salvador.
Cap. 7 — O Espírito Santo nos
ensinamentos de Cristo
por Thomas H. Matthews, Brasil
Todos que conhecem bem os quatro Evangelhos sabem que o
Evangelho de João dá muito destaque ao Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo. A preciosa revelação da vinda do “Consolador” logo
vem à mente. É a este Evangelho, na medida em que ele desenvolve este
assunto, que dirigimos a atenção dos leitores deste capítulo.
João 1:32-33
Embora nenhum ensino tenha sido dado pelo Senhor Jesus na ocasião do Seu batismo, parece oportuno considerar aquela ocorrência maravilhosa e profundamente significante. O escritor não menciona o batismo do Senhor, mas fala da descida do Espírito Santo naquela ocasião.
O testemunho de João Batista foi: “Eu vi o Espírito descer do céu como
pomba, e repousar sobre Ele”. As palavras “e repousar sobre Ele” não se
encontram nas passagens correspondentes nos Evangelhos Sinópticos.
Assim como a pomba retornou à arca com a folha de oliveira “arrancada” no bico, anunciando uma nova era a Noé (Gn 8:11), também aquela
pomba que repousou, e era realmente o Espírito Santo, anunciava uma
nova era que seria iniciada pelo Senhor Jesus. Ele haveria de batizar
com o Espírito Santo (v. 33). João, e muitos outros desde então, tem
realizado batismos na água, mas batizar no Espírito Santo é algo que
somente uma Pessoa Divina pode fazer. Assim, muito apropriadamente,
João “deu testemunho” de que Este era o Filho de Deus. Essa nova era
se iniciou quando, em Atos 2, “cumpriu-se o dia de Pentecostes”. Esta é
a era maravilhosa do “um corpo” no qual todos os cristãos, desde o dia
de Pentecostes, são batizados. Isto significa não somente uma ligação
unificadora com todos os outros cristãos, mas também uma união indissolúvel com o próprio Cabeça do corpo.
John F. Walvoord afirma:
Da natureza da pomba, quando usada como uma figura do Espírito Santo, podemos deduzir que pelo menos quatro aspectos do
Espírito Santo estão em evidência: 1) beleza; 2) mansidão; 3) paz;
Cap. 7 — O Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo
109
4) natureza e origem celestial. A pomba, pelas suas características
gerais, é um tipo apropriado do Espírito Santo*.
Visto que todas essas características foram encontradas com perfeição no Senhor Jesus, certamente foi com evidente prazer que o Espírito
Divino “repousou” sobre o Filho de Deus!
No dia seguinte, João “estava outra vez ali”, mas Jesus “passava” (vs.
35-36). O ministério de João estava chegando ao seu fim, mas o do
Senhor tinha que ir mais adiante. João O descreve como “o Cordeiro de
Deus” (v. 36). O caráter de pomba do Espírito combina tão bem com
o caráter de cordeiro do Senhor. O caráter de pomba sugere a sensibilidade do Espírito, e o caráter de cordeiro do Senhor sugere a Sua
submissão. Mas a referência ao Senhor Jesus como o Cordeiro de Deus
tem mais do que submissão em vista. Ela nos faz pensar na Sua morte
e de livramento do pecado.
João 3:5, 8
O “mestre de Israel” foi levemente censurado pelo Senhor pela sua
falta de conhecimento sobre o novo nascimento. Alguém na sua posição
deveria ter tido algum conhecimento do assunto, pela sua leitura de
passagens como Ezequiel 36:25-27. Como resultado da conversa daquela noite milhares de pessoas, iletradas e acadêmicas, têm descoberto
a necessidade e o significado do novo nascimento. O Senhor explicou
que é um nascimento da “água e do Espírito”. Ser nascido da água corresponde ao termo “aquele que está lavado” ( Jo 13:10) e também ao comentário adicional “estais limpos”. É uma referência à purificação que é
uma parte essencial do novo nascimento. De fato os dois pensamentos,
ser nascido da água e do Espírito, bem podem ser relacionados com a
“lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo” (Tt 3: 5).
Nas bem-conhecidas palavras do v. 8, o Senhor apresenta o vento
como uma parábola do Espírito e Sua atividade. No grego, a mesma palavra é usada para “espírito” e “vento”. Os homens não podem controlar
o vento; “ele sopra onde quer”. Assim o novo nascimento produzido
pelo Espírito está além do poder humano de efetuar e compreender. O
vento é invisível, ainda que seus efeitos estejam longe de serem invisíveis. Assim o nascimento do Espírito não pode ser visto no momento
em que acontece, mas sem dúvida seus efeitos, em termos de uma nova
* WALVOORD, John F. The Holy Spirit. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1958, pág. 19.
110
O Espírito da Glória
vida, são manifestos aos olhos de todos.
João 3: 34
Neste versículo temos a afirmação: “… não [Lhe] dá Deus o Espírito por medida”. É verdade que a palavra “lhe” não consta do texto
original, mas a referência ao Senhor Jesus é clara. Deus enviou muitos
profetas ao Seu povo. Eles provaram a medida necessária do Espírito. Mas o Espírito repousou no Senhor Jesus numa medida plena. “O
testemunho de Jesus é a perfeita verdade de Deus. Ele é o mensageiro
perfeito de Deus e entrega a mensagem de Deus de forma perfeita”.*
Essa passagem triunfante leva o assunto mais adiante, dizendo: “O Pai
ama o Filho, e todas as coisas entregou nas Suas mãos” (v. 35). Ele é o
Emissário perfeito de Deus. Felizes aqueles que recebem o Seu testemunho (v. 33), pois deles é a vida eterna (v. 36).
João 4:13-14; 7:37-39
É evidente que várias passagens do Evangelho de João têm um significado relacionado com o futuro. As duas passagens que vamos considerar agora são exemplos disso. Dirigindo-Se à mulher samaritana, o
Senhor disse: “… mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca
terá sede, porque a água que Eu lhe der se fará nele uma fonte d’água
que salte para a vida eterna”. Parece que palavras semelhantes a estas,
encontradas em 7:38-39, são aplicáveis a esta afirmação, isto é, a explicação: “E isto disse Ele do Espírito que haviam de receber os que Nele
cressem…”. A “fonte de água que salte para a vida eterna” certamente é
o resultado de ser nascido do Espírito. A habitação do Espírito na alma
renascida é uma fonte infalível de satisfação. O encanto da vida eterna
é o prazer da vida futura conhecida e desfrutada nesta vida. A passagem do cap. 7 não somente indica a satisfação pessoal interior, mas que
esta fonte alcança também a outros. Talvez podemos ver um exemplo
do correr de “rios de água viva” numa alma recém nascida na exclamação da mulher samaritana: “Vinde, vede um homem que me disse tudo
quanto tenho feito; porventura não é este o Cristo?” (v. 29). O prazer
presente nas “fontes de águas” é apenas uma antecipação daquilo que é
apresentado em Apocalipse 22:1: “E mostrou-me o rio puro da água da
vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordei* BRUCE, E. F. The Gospel and Epistles of John. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1983, pág. 97.
Cap. 7 — O Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo
111
ro”. Ninguém aqui na Terra pode formar uma concepção adequada das
alegrias indescritíveis da vida eterna, como indicadas nestas palavras. J.
N. Darby (1800-1882) procurou compreender esta verdade ao escrever:
Cordeiro e Deus, no Céu!
Conheço a fonte ali
De gozo e paz sem descrição
Que eu sei ser minha em Ti.
Mas quem pode o fulgor
Da viva luz contar,
Onde Deus vive, e o resplendor
Do Cordeiro apreciar?
Deus e o Cordeiro irão
A luz e o Templo ser
E as hostes gloriosas vão
Sua glória compartilhar!*
Deus é, verdadeiramente, o Deus de refrigério e a fonte de verdadeira satisfação. Chegando às últimas páginas da Bíblia, podemos voltar
às primeiras, e ali encontramos um rio sempre se estendendo, enriquecendo o solo que produziu os frutos sadios do Jardim do Éden. Mais
tarde, no Salmo 46, em relação à Jerusalém terrestre, lemos: “Há um rio
cujas correntes alegram a cidade de Deus” (v. 4). Parece claro que essa é
uma referência ao próprio Deus em toda a Sua plenitude: “Deus está no
meio dela: não se abalará. Deus a ajudará, já ao romper da manhã” (v. 5).
Em relação à Jerusalém dos dias Milenares diz Isaías 33:21: “Mas
ali o glorioso Senhor será para nós um lugar de rios e correntes largas”.
O quadro consistente apresentado em Apocalipse 22, Salmo 46 e Isaías
33 forma um grande contraste com a Jerusalém dos dias do Senhor,
com suas “festas dos judeus”, tão vazias de conteúdo espiritual ( Jo 7:2).
Para aqueles que sentiam a aridez e a esterilidade da religião destituída
do poder de Deus, o bendito Senhor estendeu a oferta de “rios de água
viva”, cuja plena experiência viria com a dádiva do Espírito Santo.
* Tradução e adaptação do hino original de J. N. Darby: “God and the Lamb! ‘Tis
well/ I know that source divine/Of joy and peace no tongue can tell/Yet know that all
is mine.//But who that glorious blaze/Of living light shall tell;/Where all His brightness
God displays,/And the Lamb’s glories dwell?//God and the Lamb shall there/The
light and Temple be,/And radiant host for ever share/The unveiled mystery”.
112
O Espírito da Glória
João 6:63
Neste versículo o Senhor Jesus diz: “O Espírito é o que vivifica, a
carne para nada aproveita; as palavras que Eu vos disse são espírito e
vida”.
O alimentar dos cinco mil (vs. 5-13) forma o pano de fundo da
conversa que o Senhor Jesus teve, mais tarde, com os judeus e alguns
discípulos professos em Cafarnaum. Ele Se apresenta como o “verdadeiro Pão do céu” (v. 32). Assim Ele é visto como o verdadeiro maná.
Os judeus murmuravam por causa da Sua reivindicação de ser o verdadeiro pão que desceu do Céu, palavras que claramente indicavam a Sua
encarnação (v. 41). Mais adiante, no v. 51, o Senhor fala da Sua morte,
descrevendo-a como a entrega da Sua carne pela vida do mundo. Isso é
explicado em mais detalhe no v. 53, onde Ele faz a seguinte impressionante afirmação: “Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes
a carne do Filho do Homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis
vida em vós mesmos”. Comer a Sua carne e beber o Seu sangue é uma
forma mais expressiva de falar sobre confiança nEle. Isso se torna claro
ao compararmos o v. 47 (“Aquele que crê em Mim tem a vida eterna”)
com o v. 54. Ambos conduzem à mesma coisa. A aceitação plena do
Senhor Jesus como Salvador inclui a aceitação da Sua morte como a
grande base da salvação.
Assim como eles contestaram a referência à Sua encarnação, também consideraram a referência à Sua morte um “duro discurso” (v. 60).
O Senhor responde falando da Sua ascensão vindoura ao Céu (v. 62).
A pergunta quase pressupõe a rejeição deles disso também. Em seguida
Ele diz: “O Espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita …” Só
podemos oferecer uma sugestão quanto à importância dessas palavras
no contexto. Seu raciocínio carnal os manteria nas trevas da incredulidade para sempre. Somente ao responderem aos apelos do Espírito
poderiam eles ser levados a entender o significado espiritual das Suas
palavras, e assim, pela fé nEle, nascerem do Espírito.
Ensino sobre o Consolador, dado no Cenáculo
João 14:16-17
Em relação ao ministério no cenáculo, o já falecido William Trew
(1902-1971) fez a seguinte afirmação: “Os caps. 13-16 contém as pa-
Cap. 7 — O Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo
113
lavras do Filho de Deus transbordantes de amor para os Seus — um
legado espiritual de riqueza eterna do qual podemos sacar e desfrutar
tão plenamente quanto quisermos. Nunca seremos capazes de esgotar o
suprimento diário”. Uma análise cuidadosa dos capítulos servirá apenas
para confirmar estas palavras.
As questões levantadas pelos discípulos, na primeira parte do cap.
14, revelam quão inadequadamente eles haviam compreendido a revelação do Pai no Filho, e quão nebulosa era a visão deles da Sua morte,
ressurreição e ascensão ao Pai. Como então iriam eles sobreviver na Sua
ausência? A resposta é a promessa do Consolador. Ele é descrito como
“outro Consolador”. Eles já tinham um. Aquele que havia de vir seria
igual àquele que já conheciam. Ele ficaria com eles “para sempre”. Essa
era uma revelação de uma verdade de tremenda importância para esses
homens. Alguém igual Àquele que já era conhecido havia de vir, e viria
para ficar! Assim, ao invés de serem prejudicados pela “ida” do Senhor
Jesus, eles teriam a vantagem de um segundo Consolador.
A dimensão adicional é importante: “estará em vós”. O que significa
ser habitado pelo Espírito Santo? Romanos 5:5 explica: “O amor de
Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos
foi dado”. O comentário Jamieson, Fausset e Brown diz o seguinte sobre
esse versículo:
E como pode essa esperança de glória, que como cristãos estimamos, nos deixar envergonhados quando sentimos o próprio Deus,
pelo Seu Espírito que nos foi dado, inundar os nossos corações
com as sensações doces e confortantes do Seu maravilhoso amor
para conosco em Cristo Jesus?*
I Coríntios 2:12 afirma: “Mas nós não recebemos o espírito do
mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”. Ler versículos como
esses nos fazem lembrar as palavras do Senhor Jesus em João 7:38: “…
rios de água viva correrão do seu ventre”. Que abundância de bênção
e poder para servir estava contida na promessa de que o Consolador
estaria “neles”!
Devemos notar que o Senhor descreve o Consolador como “o Espírito de verdade”. O que está envolvido nisso ficará mais claro no cap.
16:13-15. A ocorrência de três referências ao “Espírito de verdade”
* Jamieson, Fausset and Brown. One Volume Commentary. Edinburgh: Oliphants,
Ltd., 1964, pág. 1149.
114
O Espírito da Glória
(14:17, 15:26, 16:13), junto com a referência à “Tua verdade”, deixa bem
claro a importância, aos olhos do Senhor, da verdade para a manutenção
do testemunho na Sua ausência. Todos os variados aspectos do ensino
se juntam para formar “a verdade”. O Senhor não fala de “verdades”,
mas de “a verdade”. Feliz o filho de Deus que tem encontrado o seu
lar espiritual onde a verdade ensinada pode ser confrontada com toda
a Escritura. Usando a linguagem de II Pedro 1:3, podemos dizer que
para tal pessoa foi concedido “tudo o que diz respeito à vida e piedade”.
É importante observar a palavra “e” no começo do v. 16, e notar
o versículo anterior: “Se me amais, guardai os Meus mandamentos”.
Depois disso o Senhor diz: “E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro
Consolador, para que fique convosco para sempre”. A sugestão parece
ser que corações amorosos e obedientes serão um lar apropriado para o
Espírito de verdade. E é assim ainda hoje.
O comentário do Senhor: “… que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece”, deixa claro que a presença do Espírito
Santo irá salientar a separação deles do mundo. O mundo não O pode
receber. A atitude do mundo para com o Espírito Santo e Suas manifestações é vista com clareza no dia de Pentecostes em Atos 2. Na melhor
das hipóteses o mundo fica confuso e exclama: “Que quer isto dizer?”
(v. 12). E na pior, ele escarnece e diz: “Estão cheios de mosto” (v. 13).
João 14:26
Tendo apresentado o assunto ao falar de “outro Consolador” (v. 16),
o Senhor continua o Seu ensino mantendo este título diante dos discípulos. Veja 14:26, 15:26, 16:7. Somente no ministério dado no Cenáculo é que o Espírito Santo de Deus é assim chamado. É de conhecimento
geral que a palavra “advogado” em I João 2:1 é uma tradução desta mesma palavra grega, e se refere ao Senhor Jesus Cristo. Como esta palavra
preciosa deve ter-se gravado na memória dos onze, durante cada fase do
seu ministério, até o final da jornada! Para eles sempre estaria associada
com aquela noite de lembranças comoventes! Eles teriam entendido o
significado da palavra: alguém que está ao seu lado para ajudar, de fato
alguém que está sempre com você e que nunca lhe deixará.
Ao considerar as referências ao “Consolador” há muito que aprender quanto à perfeita harmonia da Trindade. Em João 14:16 o Filho
“rogará ao Pai”, como alguém em posição de igualdade com Ele. Não
há dúvida quanto ao resultado do pedido: “Ele vos dará …” Também
Cap. 7 — O Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo
115
não há nenhuma dúvida quanto ao resultado da missão do Espírito. A
execução perfeita da Sua tarefa não pode ser questionada. Agora o v.
26 diz que o Pai há de enviar o Espírito Santo em nome do Filho. A
Trindade age em perfeita harmonia para a manutenção do testemunho.
O Espírito Santo será o Divino Mestre e realizará um milagre na
memória dos discípulos, trazendo à lembrança deles “tudo quanto vos
tenho dito”. Esta certamente é a base para os quatro Evangelhos. Mateus estava presente nessa ocasião, João também. Somos informados de
que João escreveu o seu Evangelho muitos anos mais tarde. Se olharmos numa Bíblia que tem as palavras do Senhor escritas em vermelho,
veremos quão plenamente a promessa do v. 26 foi cumprida. Fontes
confiáveis dizem que Pedro foi o informante por trás do Evangelho de
Marcos. Ele foi outro para quem a promessa foi feita, garantindo assim
a precisão da pesquisa de Marcos. Sem dúvida os apóstolos estavam
entre aqueles que “presenciaram desde o princípio, e foram ministros
da palavra” (Lc 1:2), dando a Lucas informações minuciosas de tudo
“desde o princípio”. Os quatro Evangelhos apresentam um registro divinamente inspirado dos feitos e das palavras do Senhor, junto com
acontecimentos associados. Temos, portanto, diante de nós, no ministério do Cenáculo, ensino claro quanto à importância destes preciosos
relatos da vida, morte e ressurreição do Senhor. Se os retirarmos da Bíblia, ela deixa de fazer sentido, pois são o próprio coração das Escrituras.
Não é de se admirar que o ataque a eles continue até o século XXI. É de
suma importância estudar, continuamente, esses quatro grandes pilares
da verdade Divina.
João 15:26
O contexto desse versículo é um de ódio e perseguição. No v. 18 o
Senhor tinha dito: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que
a vós me odiou a Mim”. As Escrituras se cumpriram: “Odiaram-Me
sem causa” (v. 25). Logo os discípulos seriam submetidos ao ódio que
o Senhor provou. Ele seria crucificado como um malfeitor ( Jo 18:30).
Como poderia ser essa acusação refutada e o nome do Senhor limpo
para que Ele pudesse ser proclamado como o único Salvador dos homens? Eis a resposta: “Quando vier o Consolador, que Eu da parte do
Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai,
Ele testificará de Mim. E vós também testificareis …” Atos 5:32 apresenta um cumprimento desta promessa. Com acusações tais como as
116
O Espírito da Glória
que os judeus fabricaram contra o Senhor Jesus, os membros do Conselho achavam que tinham todo o direito de obrigar os discípulos a não
ensinarem “nesse nome” (At 5:28). Mas a posição deles estava enfraquecendo diante do poder do Espírito de Deus nas curas maravilhosas (At
5:15-16), na libertação milagrosa da prisão (At 5:22-23), e ainda mais
na defesa poderosa de Pedro, cujo testemunho da exaltação de Jesus à
destra de Deus foi irresistível. Por que foi irresistível? Pedro explica: “E
nós somos testemunhas acerca destas palavras, nós e também o Espírito
Santo, que Deus deu àqueles que Lhe obedecem” (At 5:32).
João 16: 7-15
O leitor desses versículos tem diante de si uma passagem de profunda importância e de verdade preciosíssima. Os discípulos bem poderiam ter questionado em suas mentes como que poderia ser proveitoso
a eles que o Senhor fosse embora. Mas a Sua ida era um passo essencial
no avanço do grande programa de salvação de Deus. Eles precisavam
vê-la como oportuna. A mensagem do Evangelho logo soaria na cidade
de Jerusalém com resultados extraordinários. Para isso era necessário
que o Espírito viesse, e para que Ele viesse, o Senhor Jesus precisava
morrer, ressuscitar e ser assunto aos Céus.
Tendo vindo, o Espírito convenceria o mundo do pecado, “porque
não creem em Mim”. Parece que a referência ao “mundo” tem em vista,
em primeiro lugar, a nação de Israel. Toda a sua simulação de fé em
Deus foi provada falsa na sua rejeição daquele que o Pai enviou. O poder do Espírito para convencer do pecado teve uma manifestação, logo
no cap. 3 de Atos, quando a acusação do triste pecado de incredulidade
no Cristo foi lançada contra a nação, nas palavras de Pedro: “Mas vós
negastes o Santo e o Justo, e pedistes que se vos desse um homem homicida. E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas” (At 3:14-15). Observe
os resultados positivos do poder do Espírito para convencer, em Atos
4:4: “Muitos, porém, dos que ouviram a palavra, creram”. Sem dúvida
o Espírito continua a Sua obra no mundo, convencendo os homens de
pecado, e especialmente do pecado de incredulidade. A incredulidade
estava por trás do pecado de Adão no Jardim. Isso explica a rejeição de
Deus, tão comum entre os homens hoje em dia. Concluindo, podemos
dizer que a rejeição do Senhor Jesus pela nação dos judeus sintetiza a
antiga rebelião contra Deus no coração humano.
Cap. 7 — O Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo
117
O Consolador também convencerá “do juízo, porque vou para
Meu Pai e não Me vereis mais”. Ele foi crucificado como um criminoso comum. Esse veredito não pode permanecer! Deus o reverteu pela
ressurreição e ascensão do Senhor Jesus. Os Salmos 16 e 110 foram
cumpridos. Os surpreendentes acontecimentos do Dia de Pentecostes
confirmam o cumprimento das Escrituras, não somente em relação à
ressurreição do Senhor Jesus Cristo, mas também em relação à vinda
do Espírito. A prova é conclusiva. Deus não ressuscitou um criminoso
comum, mas o Seu “Santo”, agora Se regozijando na alegria de estar
diante do Pai, e estar exaltado à Sua destra. O Senhor Jesus é o absolutamente Justo, e como tal, é digno de ser universalmente aclamado
como o Salvador dos homens. “Porque também Cristo padeceu uma vez
pelos pecados, o Justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (I Pe 3:18).
A leitura cuidadosa dos capítulos iniciais de Atos impressiona o leitor
com a excelência da obra de convencimento do Espírito. E como Ele
ainda está aqui, que encorajamento há nestes capítulos para aqueles que
estão empenhados na propagação do Evangelho.
Falta ainda o terceiro aspecto da obra do Espírito: “… do juízo,
porque já o príncipe desse mundo está julgado”. Dois grandes fatos (entre outros) foram estabelecidos na morte e ressurreição de Cristo: 1)
o ataque virulento de Satanás contra o Filho de Deus foi rechaçado
no triunfo da ressurreição; 2) sua alegação, vista pela primeira vez no
Jardim do Éden, de que Deus era contra o homem, foi exposta como
mentirosa na morte de Cristo por pobres pecadores.
O rebelde mais violento pode ser perdoado e reconciliado; o
pecador mais imundo pode ser justificado e purificado, e tudo
gratuitamente e sem preço, pela graça de Deus. Ninguém precisa
perecer. Se alguns perecerem, nem mesmo o próprio Satanás
poderá argumentar que foi culpa de Deus. A mentira secular de
Satanás foi revelada ser o que verdadeiramente é.*
Em Ester 6:13 a mulher de Hamã disse ao seu marido em relação
a Mardoqueu: “Se Mardoqueu, diante de quem já começaste a cair, é da
descendência dos judeus, não prevalecerás contra ele, antes certamente
cairás diante dele”. Assim também, diante do Senhor Jesus, o “Príncipe deste Mundo” começou a cair, e “certamente cairá diante Ele” (Ap
20:10).
* GOODING, David. In the School of Christ. Port Colborne: Gospel Folio Press,
1995, págs. 204-205.
118
O Espírito da Glória
Na seção seguinte temos uma explicação maravilhosa sobre a fonte
e transmissão da verdade. O Espírito de Verdade guiará a toda a verdade. Isso Ele recebe do Filho, porque “há de receber o que é Meu e
vo-lo há de anunciar” (v. 15). Mas o Filho é o possuidor de “tudo o que
o Pai tem”. Quem pode compreender a riqueza infinita desse “tudo”? É
a plenitude da verdade e a perfeição de transmissão!
Se mais cedo, em 14:25-26, foi dada a promessa que é a base dos
quatro Evangelhos, aqui, em 16:13-15, há uma promessa que foi em
grande parte cumprida com os apóstolos, e especialmente através do
ministério singular do apóstolo Paulo. Observando que, no v. 13, o Senhor acrescenta “e vos anunciará o que há de vir”, o cumprimento desta
parte claramente aponta para as grandes partes proféticas do Novo Testamento, especialmente o Livro de Apocalipse.
É evidente então que a verdade a ser revelada é a que encontramos
no Novo Testamento, e que a promessa de João 16:13 é dada ao grupo
apostólico e seus associados, isto é, Paulo, Tiago (o escritor da epístola)
e Judas. Assim, no Novo Testamento toda a verdade foi comunicada.
Outras supostas revelações de verdade são falsas.
Se alguém perguntar onde se encaixam na promessa os cristãos do
século XXI, a resposta é tanto simples como preciosa. O grande depósito de toda a verdade dado aos apóstolos e seus associados foi “uma
vez para sempre confiada aos santos” ( Jd 3, VB). Assim os santos da era
presente podem se deleitar nas profundezas tanto da sabedoria quanto
do conhecimento de Deus, como vistos no grande plano de salvação em
Romanos. Eles podem se deleitar num Deus para Quem haverá “glória
na igreja por Jesus Cristo em todas as gerações para todo o sempre”,
enquanto ponderam nas “riquezas incompreensíveis de Cristo” em Efésios. Enriquecimento espiritual aguarda todos na medida em que “todos
os tesouros da sabedoria e da ciência” forem descobertos em Cristo (Cl
2:2-3). Para resumir, toda a riqueza da verdade Divina está diante de
cada cristão enquanto ele medita no Novo Testamento.
João 20:22
A referência final ao Espírito Santo no Evangelho de João se encontra naquela ocasião em que o Senhor ressuscitado apareceu aos Seus
discípulos no Cenáculo, e soprou sobre eles dizendo: “Recebei o Espírito Santo”.
Naquele primeiro dia da semana, o ambiente entre os onze era de
Cap. 7 — O Espírito Santo nos ensinamentos de Cristo
119
temor e apreensão. Subitamente, estando as portas fechadas, “chegou
Jesus e pôs-Se no meio”. Dá para imaginar a surpresa deles, porém Ele
não apenas falou de paz, mas ao fazê-lo, trouxe paz àquele grupo. Pelo
sinal dos cravos e por Seu lado ferido, Ele estabeleceu Sua identidade:
os outros que foram crucificados tinham o sinal dos cravos, mas somente Ele tinha o lado ferido. O temor se foi, dando lugar ao gozo: “… de
sorte que os discípulos se alegraram, vendo o Senhor”. Logo a paz foi
novamente manifestada e a bem conhecida voz declarou: “Assim como
o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”. Essas eram palavras familiares. Veja João 15:16 e especialmente João 17:18. Sua ação de soprar
sobre eles dizendo: “Recebei o Espírito Santo” apresenta dificuldades
que o presente escritor não é capaz de resolver. O Comentário Jamieson
Fausset e Brown traz uma breve nota que vale a pena considerar: “… um
penhor e primícias da efusão mais abundante do Pentecostes”.*
Não deve haver hesitação em definir o sentido das palavras que seguem: “Aqueles a quem perdoardes os pecados serão perdoados; e aqueles a quem os retiverdes lhes serão retidos”. Não se trata do poder de
perdoar pecados. Até mesmo os escribas e fariseus sabiam que somente
Deus pode perdoar pecados (Lc 5:21). Diz F. F Bruce:
[…] as duas formas passivas: “serão perdoados” e “serão retidos”
indicam ação divina; a tarefa do pregador é declaratória, mas é
Deus que, com efeito, perdoa ou retém. Aos servos de Cristo não
é dada nenhuma autoridade independente da Sua, nem é dada a
eles qualquer garantia de infalibilidade. †
O ensino do Senhor relacionado ao Espírito Santo, no Evangelho de João, pode ser divido em duas partes. Primeiro, há o ensino na
primeira parte do Evangelho, dado durante os vários estágios do ministério público do Senhor, que termina no capítulo 12. Então começa
o ensino do cenáculo, que é dado em particular aos “Onze”. As referências na primeira parte são: 3:5, 8; 6:63 e 7:37-39. As primeiras três
enfatizam que o novo nascimento é uma obra do Espírito de Deus. As
palavras de 7:38 levam o assunto além e mostram que a obra realizada
pelo Espírito resulta em “amor, vida e gozo permanente”. Num Evangelho escrito para que os leitores possam crer (20:31), esse ensino tem
* Jamieson, Fausset and Brown. One Volume Commentary. Edinburgh: Oliphants,
Ltd., 1964, pág. 1077.
† BRUCE, F. F. The Gospels & Epistles of John. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1983, pág. 392.
120
O Espírito da Glória
um papel fundamental.
Há uma plenitude no ensino dado no cenáculo que não é encontrada nas referências iniciais. Isso é o que se espera, visto que foram os
discípulos nascidos do Espírito que receberam este ensino. O ensino
inicial de que o novo nascimento vem através do Espírito é a base para o
que segue. O Espírito Santo virá para ficar e habitar naqueles que dEle
são nascidos. Ele será a fonte do seu poder para testemunhar e os guiará
em toda a verdade. Ao se aproximar da sua conclusão, o ensino apresenta a promessa de um futuro que conduz à glória eterna, pois o Espírito
lhes mostrará “o que há de vir”. O Evangelho de João pode ter poucas
referências proféticas, mas quanto está contido na promessa do Senhor
acerca de Si mesmo: “Virei outra vez, e vos levarei para Mim mesmo”
(14:3), e na Sua promessa acerca do Espírito: “E vos anunciará o que
há de vir” (16:13). Que vislumbres de glória brilham sobre o caminho,
emanando dessas duas “grandíssimas e preciosas promessas”!
Nenhum cristão estudioso pode meditar no ensino do Senhor
acerca do Espírito Santo, encontrado no Evangelho de João, sem ser
encorajado e incentivado em todas as esferas da sua vida cristã. Quer
seja na manutenção do testemunho em geral, ou mais especificamente,
na divulgação do Evangelho e no estudo e prática da verdade divina, a
presença e o auxílio constante do Espírito são garantidos enquanto os
santos da era presente estiveram aqui no mundo.
Como o orvalho que cai sobre o Hermon
E refresca as planícies abaixo
A santa unção do Espírito
Sobre nós flui, Senhor, de Ti.
Então quão bom e agradável é,
Como um, viver em amor,
Esquecendo de tudo do presente
Na esperança de alegrias no Céu.*
Mary Peters (1813-1856).
* Tradução livre. O original diz: “As dews that fall on Hermon,/Refresh the plains
below/The Spirit’s holy unction/Through Thee to us doth flow./Ah, then, how good
and pleasant,/As one, to live in love,/Forgetting all things present/In hope of joys
above.”
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
por B. Currie, Irlanda do Norte
Como a presente publicação indica, referências ao Espírito Santo
são encontradas através de toda a Bíblia. Embora o cap. três tenha tratado da “Apresentação do Espírito Santo”, e destacado muitos dos Seus
títulos, talvez seja bom mencionar que há somente três referências ao
“Espírito Santo” no Velho Testamento. Estas são: “Não me lances fora
da Tua presença, e não retires de mim o Teu Espírito Santo” (Sl 51:11);
“Mas eles foram rebeldes, e contristaram o Seu Espírito Santo … onde
está o que pôs no meio deles o Seu Espírito Santo” (Is 63:10, 11). Este é,
portanto, um título predominantemente neotestamentário. Entretanto,
não podemos negar que a Bíblia está repleta de referências à Pessoa do
Espírito Santo. A primeira delas se encontra no segundo versículo da
Bíblia: “… e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Gn
1:2). A última referência está bem no seu final: “O Espírito e a esposa
dizem: vem” (Ap 22:17). É difícil afirmar definitivamente o número de
referências ao Espírito, já que em alguns casos a interpretação é discutível, mas é correto afirmar que há aproximadamente trezentas e vinte
referências. Destas, cerca de cinquenta e quatro (mais ou menos um
sexto do total) estão no Livro dos Atos. Por isso alguns já sugeriram que
o livro bem poderia se chamar “Os Atos do Espírito Santo”. É muito
instrutivo listar as ocorrências dessas referências em cada capítulo. Nos
caps. 2 e 8 há seis referências em cada, e nos caps. 10 e 11 há cinco em
cada. Assim, os caps. 2, 8, 10 e 11 devem ser muito importantes para o
assunto aqui estudado. Descobrimos que esses são de fato os capítulos
centrais no desenvolvimento da história dos Atos. No cap. 2, o Espírito Santo é derramado no dia de Pentecostes e isso incluiu “judeus e
prosélitos” (2:10). No cap. 8, o Evangelho chega a Samaria, e caps. 10 e
11 registram a conversão de Cornélio, um gentio, e seus amigos. Dessa
forma esses capítulos apresentam o cumprimento de 1:8: “Ser-me-eis
testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia, e Samaria, e
até aos confins da terra”.
É preciso notar também que o livro de Atos é a ligação entre os
Evangelhos e as epístolas. Nos Evangelhos uma Pessoa Divina, o Filho
de Deus, veio a este mundo corporalmente, e Sua obra é traçada nestes
122
O Espírito da Glória
primeiros quatro livros do Novo Testamento. No Livro de Atos outra
Pessoa Divina vem à Terra e forma o corpo místico de Cristo, no qual
Ele habita, e Sua obra é traçada nos capítulos de Atos.
A obra da salvação é revelada nos Evangelhos, e o Senhor Jesus
realizou esta obra sozinho. Em Atos, o Espírito Santo usa homens para
realizar a obra pela qual a história da salvação é divulgada por toda a
parte. Inicialmente, estes homens eram os apóstolos, mas antes do final
do livro, os homens que se destacam são chamados “anciãos” (20:17).
Trata-se, portanto, de um livro de transição da era apostólica à nova era
ou dispensação da Igreja, que é chamada “o dia da salvação” (II Co 6:2).
Esse é o motivo pelo qual existem verdades relacionadas à atividade
do Espírito Santo naqueles longínquos dias apostólicos que não serão
vistas no presente, porque os cristãos da era presente possuem a plena
revelação da verdade divina na Bíblia completa. Ensino mais detalhado
sobre isso será encontrado no cap. 10 desse volume.
Também é bom notar que não há referências ao Espírito Santo na
parte histórica de Atos — veja os caps. 3, 12, 14, 17, 18, 21-27. Quando
o relato é narrativo, o Espírito Santo instruiu o autor humano, Lucas,
a registrar o trabalho que foi feito, e não a Pessoa que fornecia o poder
àqueles que faziam a obra. Isso concorda com o ministério do Espírito
Santo: “Mas quando vier aquele Espírito de verdade, Ele vos guiará em
toda a verdade; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que
tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir” ( Jo 16:13). Isso não quer
dizer que o Espírito Santo não falaria sobre Si mesmo. Muito é ensinado na Bíblia sobre o Espírito Santo (e também em livros como este),
e Ele foi o divino Instigador de tal ensino. O sentido realmente é que
Ele não falará da Sua própria autoridade, como se fosse independente
do Pai e do Filho. O Senhor Jesus disse: “Ele Me glorificará, porque há
de receber do que é Meu, e vo-lo há de anunciar” ( Jo 16:14). Assim, o
propósito da Sua vinda foi glorificar o Filho. Essa observação destaca o
caráter antibíblico daqueles grupos que dão a preeminência ao Espírito.
Devemos enfatizar que, no que diz respeito ao Senhor Jesus, o mesmo
Espírito Santo guiou Paulo a escrever: “Para que em tudo tenha a preeminência” (Cl 1:18).
Tratar de cada referência individualmente exigiria muito mais espaço do que essa publicação permite, portanto, o assunto será agrupado
em vários tópicos.
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
123
O Espírito Santo e a formação do Corpo de Cristo
A compreensão deste assunto é muito importante, pois é a base para
a compreensão correta do Novo Testamento. A Igreja, como o Corpo de
Cristo e o lugar da atual habitação da Divindade, não é vista no Velho
Testamento. O Tabernáculo judaico foi construído como um lugar de
habitação de Jeová: “Me farão um santuário, e habitarei no meio deles”
(Êx 25:8). Este foi substituído mais tarde por vários templos, desde o
de Salomão até o Templo de Herodes, que estava em uso quando o
Senhor Jesus esteve aqui na Terra. No programa de Deus relacionado
com os homens, o judaísmo e o culto no Templo já se passaram. Isso foi
demonstrado, visivelmente, quando o Sumo Sacerdote rasgou as suas
vestes (Mt 26:65; Mc 14:63), e quando o véu do Templo se rasgou (Mt
27:51; Mc 15:38; Lc 23:45). Estes dois acontecimentos demonstraram
que esta ordem sacerdotal e este lugar de adoração eram obsoletos. Um
novo sacerdócio e uma nova esfera de adoração eram necessários, e ambos foram cumpridos na Igreja, que é um conceito exclusivamente neotestamentário.
Este dia de Pentecostes foi profetizado em figura nas festas de Jeová
em Levítico 23:15-21, e é chamado “a festas das semanas” em Deuteronômio 16: 10. Esse é o significado da expressão “cumprindo-se o dia
de Pentecostes” (At 2:1). Aquilo que fora prometido havia finalmente
chegado; foi neste dia que o Corpo de Cristo foi formado. Até Atos 2
os discípulos seguiam o Senhor Jesus Cristo como indivíduos, mas nesta ocasião eles foram constituídos um corpo que abrange tanto judeus
quanto gentios, num organismo vivo que é o Corpo de Cristo. “Há um
só corpo” (Ef 4:4). Não podia haver um corpo na Terra enquanto não
houvesse um Cabeça no Céu, e foi isso que o Senhor Se tornou quando
foi exaltado à destra de Deus: “… e sobre todas as coisas O constitui
como Cabeça da Igreja, que é o Seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos” (Ef 1:22-23).
O que aconteceu neste dia era também o cumprimento da promessa
do Senhor Jesus nos relatos dos Evangelhos: “… Ele vos batizará com o
[no] Espírito Santo” (Mt 3:11); “…. Ele, porém vos batizará com o [no]
Espírito Santo” (Marcos 1: 8); “… Esse vos batizará com o [no] Espírito” (Lc 3:16); “… Esse é O que batiza com o [no] Espírito Santo” ( Jo
1:33). Estes quatro versículos tratam do assunto profeticamente. Em
Atos, ele é tratado historicamente, e em apenas duas ocasiões: “Vós se-
124
O Espírito da Glória
reis batizados com o [no] Espírito Santo, não muito depois destes dias”
(1:5); “… vós sereis batizados com o [no] Espírito Santo” (11:16). Na
última e sétima referência a verdade é apresentada doutrinariamente:
“Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo”
(I Co 12:13).
É possível apreciar, pelo uso frequente dos colchetes acima, que
não se trata de um batismo “com” ou “pelo” ou “do” Espírito Santo, mas
sempre “no” Espírito Santo. Muitos erros têm surgido por causa da negligência desse fato. Três coisas são necessárias em qualquer batismo:
a pessoa que vai ser batizada, a pessoa que está fazendo o batismo, e o
elemento no qual a pessoa será batizada. Neste batismo do Espírito, a
Igreja é que vai ser batizada, o Senhor Jesus é quem faz o batismo (note
a linguagem das referências no parágrafo anterior, e em Atos 2:23) e o
elemento é o Espírito Santo. Isso anula certas perguntas muito frequentes, tais como: “Você já foi batizado com o Espírito Santo?”, ou “Você
já recebeu o batismo do Espírito Santo?”. Não existe nas Escrituras
nenhum batismo “com”, “pelo” ou “do” Espírito Santo.
Já foi dito anteriormente que a passagem doutrinária deste assunto
é I Coríntios 12:12-13. O v. 12 diz: “Porque assim como o corpo é um,
e tem muitos membros, e todos os membros sendo muitos são um só
corpo, assim é Cristo também”. Aqui temos o fato do corpo. O artigo
definido ocorre antes da palavra “Cristo” (no original), e assim a leitura
correta é “o Cristo”, que é um termo técnico referindo-se a Cristo o
Cabeça Ressurrecto do corpo e a Igreja composta dos seus membros.
Quando foi que isso se iniciou? O v. 13 responde, e nos fala sobre o a
formação do corpo: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito,
formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres,
e todos temos bebido de um Espírito”. Este versículo obviamente se
divide em duas partes: a primeira é algo que não podemos fazer por nós
mesmos, e a segunda é algo que ninguém pode fazer por nós. A primeira é batizar, e obviamente não podemos batizar a nós mesmos — assim
o “corpo de Cristo” veio a existir em Atos 2 por um ato soberano, que foi
histórico e nunca foi repetido. Alguns rejeitam a sugestão de que Atos 2
se refere ao batismo, já que a palavra não é usada. Entretanto, Atos 2:2
afirma que o Espírito “encheu toda a casa em que estavam assentados”.
Não há dúvida que isso significa que eles foram submergidos, completamente mergulhados no Espírito Santo, portanto foi um verdadeiro batismo. Na segunda parte está o beber, que ninguém pode fazer por nós.
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
125
No momento da nossa conversão exercemos a nossa responsabilidade e,
pela fé, absorvemos (bebemos) a verdade da mensagem do Evangelho,
e naquele instante nos tornamos participantes do Espírito vivificador
de Deus. Aqui, como através de toda a Bíblia, a soberania de Deus e
a responsabilidade do homem andam de mãos dadas. Esse beber nada
tem a ver com participar da Ceia do Senhor.
É necessário fazer várias observações com relação ao batismo no
Espírito Santo.
O batismo no Espírito Santo não é uma experiência individual
Note a linguagem utilizada: “… estavam todos concordemente no
mesmo lugar” (At 2:1); “… todos nós fomos batizados em um Espírito,
formando um corpo” (I Co 12:13). Ensinar que se trata de uma experiência individual nega o fato que o Espírito Santo é uma Pessoa. Para
realizar esse batismo o Espírito foi “derramado” (At 2:33; veja também
os vs. 17-18). Isto é confirmado por Paulo: “… o Espírito Santo, que
abundantemente Ele derramou sobre nós por Jesus Cristo nosso Salvador” (Tt 3:5-6). É obvio que uma pessoa não pode ser dissecada e dada
em partes, e assim é com a Pessoa do Espírito Santo. Não se pode derramar uma parte dEle; temos Ele como um todo, ou então não temos
nada. Se houvesse uma repetição de Pentecostes toda vez que uma pessoa aceita o Senhor Jesus como seu Salvador, Ele teria que ser retirado,
derramado, retirado e novamente derramado, e assim por diante. Isso
é um absurdo. O Senhor Jesus prometeu que o Consolador não seria
retirado: “Eu rogarei ao Pai, e Ele vos enviará outro Consolador, para
que fique convosco para sempre” ( Jo 14:16).
O batismo no Espírito Santo não é repetido
Como já foi colocado acima, esse acontecimento é histórico e serviu para apresentar esta nova entidade, o corpo de Cristo. Não deveria ser um acontecimento habitualmente repetido nesta nova ordem.
É semelhante à vinda do Senhor Jesus e à obra consumada na cruz.
Foram acontecimentos totalmente e absolutamente completos e nunca
repetidos. No momento da sua conversão, o pecador arrependido entra
no gozo de tudo que foi realizado. Assim é também com o Pentecostes. Não pode haver outro derramamento do Espírito Santo. Isso foi
realizado uma única vez, como prometido pelo Senhor Jesus: “Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que Eu vá; porque, se Eu não
126
O Espírito da Glória
for, o Consolador não virá a vós; mas, quando Eu for, vo-lO enviarei”
( Jo 16:7). Também, no momento da sua conversão o cristão, na sua
experiência pessoal, entra no gozo daquele acontecimento. É verdade
que alguns logo citam Atos 10:45: “E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o
dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios”. Este
acontecimento foi reminiscente de Pentecostes (11:16), mas não era
uma repetição. Diz Atos 10:44: “Caiu o Espírito Santo sobre todos os
que ouviam a palavra”. Para que fosse uma repetição do Pentecostes, o
aposento teria que ter ficado cheio do Espírito Santo, imergindo todos
os presentes, inclusive Pedro e seus companheiros, que teriam sido batizados uma segunda vez! A razão da semelhança nos dois acontecimentos é explicada por Pedro: “E Deus, que conhece os corações, lhes deu
testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; e
não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações
pela fé” (15:8-9).
O batismo no Espírito Santo não é assunto de oração
Existem aqueles que ensinam que os cristãos devem se esforçar e
perseverar até terem a experiência especial que os elevará a um plano
espiritual mais elevado do que o do cristão “comum”. Precisamos notar
que não há no Novo Testamento nenhuma exortação para que sejamos
batizados no Espírito Santo. Este acontecimento está fora do alcance
da capacidade humana. Não deve ser buscado através de oração, esforços, nem angústia física ou emocional. O Senhor Jesus ordenou a Seus
discípulos “que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a
promessa do Pai que, (disse Ele) de Mim ouvistes. Porque na verdade,
João batizou com água, mas vós sereis batizados com o [no] Espírito
Santo, não muito depois destes dias” (At 1:4,5). Isso já se cumpriu e
como não pode ser repetido, não há nenhuma base bíblica para usar
essa passagem como autoridade para ter reuniões de oração para pedir
o batismo do Espírito Santo.
O batismo no Espírito Santo não é somente para os
“superespirituais”
Alguns sugerem que há pelo menos duas classes de cristãos: os “superespirituais” e os outros. Estes cristãos “superespirituais” são descritos
como aqueles que, depois da salvação, receberam o Espírito Santo, en-
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
127
quanto que os outros, da classe comum, estão ainda lutando para alcançar um nível de espiritualidade quando este Dom lhes será concedido.
Este ensino cria uma divisão — “os que têm e os que não têm” — entre
os cristãos. Neste contexto é importante notar a linguagem de I Coríntios 12:13: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando
um corpo”. É importante perceber que este batismo envolveu “todos”.
Eram esses “todos” cristãos “superespirituais”? Deixemos Paulo responder: “Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os
homens?” (I Co 3:3). A conclusão óbvia é que todos foram batizados
em um Espírito formando o corpo de Cristo, e isso não depende de
nenhum nível de espiritualidade alcançado depois da salvação.
O batismo no Espírito Santo não é demonstrado por falar em
línguas
Outra ideia comum é que quando uma pessoa é batizada no Espírito Santo ela irá falar em línguas. Esse raciocínio se origina numa má
compreensão de Atos 2, onde as línguas foram usadas para transmitir a mensagem a todos que estavam presentes. Foi o contrário do que
aconteceu em Gênesis 11 na Torre de Babel, e era numa indicação da
universalidade desta nova mensagem, que ultrapassaria as fronteiras do
Judaísmo.
Novamente é importante destacar a palavra “todos” em I Coríntios 12:13. Se todos foram batizados no Espírito Santo, todos falam
línguas? É a mesma pergunta que Paulo faz nesse mesmo capítulo: “E
a uns Deus pôs na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar
profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar,
socorros, governos, variedades de línguas. Porventura são todos apóstolos? São todos profetas? São todos doutores? São todos operadores
de milagres? Têm todos o dom de curar? Falam todos diversas línguas?
Interpretam todos?” (vs. 28-30). Todas estas sete perguntas têm uma
resposta negativa. Logo, não há nenhuma ligação entre o batismo no
Espírito Santo e dons espirituais especiais ou espetaculares.
Cristãos cheios do Espírito Santo
O batismo no Espírito Santo é algo feito por Deus, inclui todo
cristão, e nunca é repetido; mas diferente disso, estar cheio do Espírito Santo é uma experiência que se repete, e é de responsabilidade do
128
O Espírito da Glória
cristão verificar que esteja numa condição apropriada para estar cheio.
No Novo Testamento há 15 referências a estar cheio do Espírito Santo. Três destas são semelhantes ao que acontecia no Velho Testamento,
onde as pessoas ficavam cheias do Espírito para um propósito específico: João Batista, sua mãe Isabel e seu pai Zacarias. Todas as referências,
com exceção de Efésios 5:18, estão nos escritos de Lucas — temos a
forma verbal em Atos 2:4; 4:8, 31; 9:17; 13:9, 52; e o adjetivo em Lucas
4:1; Atos 6:3, 5; 7:55; 11:24.
O fato dessa experiência ser uma ordem em Efésios 5:18 prova que
ela não se limitava à era apostólica. Em Efésios 5:18 o apóstolo Paulo
manda: “enchei-vos do Espírito”, e já que está no tempo presente* não
se trata de uma ocasião isolada, mas deve ser a experiência contínua e
ininterrupta do cristão. Poderia ser traduzido “continuai estando cheios
em Espírito”. A ausência do artigo definido† antes de Espírito indica
que toda a nossa plenitude deve ser na esfera do Espírito (note a construção semelhante [no grego] em Efésios 2:22, referente à habitação de
Deus; 3:5, referente à revelação de Deus; 6:18, referente às nossas súplicas). Em Efésios 5:18 o contraste é com os ímpios que são continuamente controlados pelo vinho, enquanto o cristão deve ser controlado
na esfera do Espírito Santo, isto é, a ideia é de direção.
É importante apreciar que um cristão nunca é exortado a ser habitado, selado com ou batizado em, o Espírito. Estas são questões que não
estão sob o nosso controle e pertencem unicamente a Deus. Também,
estar cheio do Espírito não é uma experiência única e definitiva que
acontece no momento da salvação. É separada da salvação e não pode
ser conhecida antes dela. Uma pessoa que está cheia com o Espírito
Santo é totalmente e completamente controlada pelo Espírito Santo.
Não é que recebemos mais do Espírito, já que somente é possível ter ou
não ter uma Pessoa, mas é o Espírito tendo mais de nós; quando não
há nenhum compartimento da nossa vida do qual Ele está excluído. A
bem-conhecida ilustração de uma garrafa sendo enchida com água e
assim esvaziada de ar é apropriada. Somente ao sermos esvaziados de
tudo que O impede de ter total controle de todos os setores das nossas
* No texto grego, o verbo usado aqui está no tempo presente, na voz passiva e no
modo imperativo — em Português, o modo imperativo é indeterminado no tempo
(N. do E.).
† As traduções em Português incluem o artigo definido (“do Espírito”), mas ele não
existe no grego (N. do E.).
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
129
vidas é que Ele pode nos encher.
Em Atos, há cinco ocasiões destacadas quando homens específicos
foram “cheios” ou “enchidos com” o Espírito.
Pedro para pregar com perspicácia (4:8)
“Então Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes disse: Principais do povo, e
vós anciãos de Israel …”
Nesta história um homem, que nascera coxo e “jazia todos os dias
à porta do Templo” mendigando, foi curado por Pedro. Pedro e João
não aceitaram nenhum mérito por isso, mas corretamente deram toda
a glória ao Senhor. “Homens israelitas, porque vos maravilhais disto?
Ou, porque olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude
ou santidade fizéssemos andar este homem?” (3:12). “Seja conhecido
de vós todos, e de todo o povo de Israel, que em nome de Jesus Cristo,
o Nazareno, aquele a quem vós crucificastes e a quem Deus ressuscitou
de entre os mortos, em nome desse é que este está são diante de vós”
(4:10). O resultado foi que “muitos, porém, dos que ouviram a palavra
creram, e chegou o número desses homens a quase cinco mil” (4:4). Eles
foram trazidos perante os líderes hostis que tentaram intimidá-los. O
que deu aos apóstolos o poder de testemunhar em meio a circunstâncias
tão terríveis? “Então Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes disse …” (4:8).
Não era uma bravata natural. Esse é o mesmo homem que em fraqueza
negou o Senhor durante o Seu julgamento na Sala de Audiência. Que
diferença vemos agora que ele é controlado pelo Espírito Santo. A lição
óbvia para nós é que se vamos pregar Cristo ousadamente e com resultados poderosos temos que estar cheios do Espírito Santo. O testemunho deles teve um efeito maravilhoso naquele grupo: “Então eles, vendo
a ousadia de Pedro e João, e informados de que eram homens sem letras
e indoutos, maravilharam-se e reconheceram que eles haviam estado
com Jesus” (4:13).
Estêvão para solucionar problemas (6:5)
“… elegeram a Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo …”
Um problema surgiu entre os cristãos. “Ora, naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos
contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano” (6:1). A multiplicação levou à murmuração, por causa de
130
O Espírito da Glória
nacionalidade e um favoritismo percebido na liderança! Que desastre!
Quem iria lidar com isso? Hoje em dia alguns sugeririam homens de
discernimento em negócios, treinados na gerência de recursos humanos;
que são conhecidos por seu tato e capacidade de negociar acordos, mas
essas não eram as qualificações. “Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete
homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos
quais constituamos sobre este importante negócio”. Assim “elegeram a
Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro, e
Nicanor, e Timão, e Parmenas, e Nicolau, prosélito de Antioquia” (6:35). O problema foi causado pelos gregos (judeus helenistas, de fala grega) murmurando contra os hebreus. Os homens escolhidos para tratar
desse problema eram, a julgar pelos seus nomes, todos gregos. Isso é
graça e sabedoria espiritual, já que ajudaria a fechar a boca dos queixosos.
Estêvão para perseguição violenta (7:55)
“Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a
glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus …”
Estêvão havia sido falsamente acusado: “Então subornaram uns
homens, para que dissessem: Ouvimos-lhe proferir palavras blasfemas
contra Moisés e contra Deus … e apresentaram falsas testemunhas, que
diziam: Este homem não cessa de proferir palavras blasfemas contra
este santo lugar e a lei” (6:11, 13). De forma magistral, Estêvão respondeu às suas acusações e as virou contra eles: “Vós sempre resistis
ao Espírito Santo” (7:51). Isto os deixou furiosos: “Enfureceram-se em
seus corações e rangeram os dentes contra ele” (7:54). Parece que quase
todo o seu ser foi afetado pela loucura da ira: coração, dentes (v. 54); voz,
ouvidos, pés (“arremeteram”, v. 57); mãos (“apedrejaram”, v. 58).
No centro de todo esse pandemônio está uma alma a caminho do
céu, e ele está calmo. Por quê? “Mas ele, estando cheio do Espírito Santo,
fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita
de Deus” (v. 55). A referência à Santa Trindade — Espírito, Filho e Pai —
revela o segredo desta serenidade. Trata-se de um homem “cheio do Espírito Santo”, que pode imitar o Seu Senhor em oração e perdão. “Senhor
Jesus, recebe o meu espírito” (v. 59); “e pondo-se de joelhos, clamou com
grande voz: Senhor não lhes impute este pecado” (v. 60). Que maneira de
morrer! Sua pessoa estava cheia do Espírito Santo, seus olhos cheios de
glória, sua boca cheia de Cristo e seu coração cheio de perdão.
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
131
Barnabé para pastorear pessoas (11:24)
“Porque era homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé…”
Uma nova obra começara em Antioquia e os cristãos em Jerusalém
queriam saber o que estava acontecendo ali. Eles precisavam de um
homem de confiança que trouxesse de volta um relato completo e fiel
dos acontecimentos, e por isso “enviaram Barnabé a Antioquia” (11:22).
Quando ele chegou lá, a sua reação foi dupla: alegria e exortação: “…
o qual, quando chegou, e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortou
a todos que permanecessem no Senhor, com propósito de coração” (v.
23). Que tipo de homem se alegraria em ver o serviço de outro sendo
abençoado? Quem buscaria ajudar cristãos tão jovens a progredir para o
Senhor? Barnabé era “um homem de bem e cheio de Espírito Santo e
de fé” (v. 24). Aos olhos dos homens ele era um “homem de bem”; esse
era o seu caráter; aos olhos de Deus ele era “cheio do Espírito Santo e
de fé”; estes eram o seu controle e a sua confiança. Essas qualificações
espirituais, e não um treinamento acadêmico, são necessários para todo
verdadeiro pastor do povo de Deus.
Paulo para um pronunciamento solene (13:9-10)
“Todavia Saulo, que também se chamava Paulo, cheio do Espírito Santo,
e fixando os olhos nele, disse: Ó filho do diabo, cheio de todo o engano e
de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perturbar os
retos caminhos do Senhor?”
Elimas, o mágico, estava procurando impedir a obra de Deus, “procurando apartar da fé o procônsul” (13:8). Isso exigia uma ação enérgica
e espiritual. Assim, Paulo não apenas descreveu o caráter do homem
no v. 9, como também deu detalhes da sua condenação: “Eis aí, pois,
agora contra ti a mão do Senhor, e ficarás cego, sem ver o sol por algum
tempo. E no mesmo instante a escuridão e as trevas caíram sobre ele
e, andando à roda, buscava quem o guiasse pela mão” (v. 11). Somente
alguém “cheio do Espírito Santo” poderia fazer isso de uma maneira
que glorificasse a Deus. O resultado foi, não a tristeza do juízo, mas a
alegria da bênção: “Então o procônsul, vendo o que havia acontecido,
creu, maravilhado da doutrina do Senhor” (v. 12). Naturalmente, os dias
de tal poder milagroso já se foram, mas a lição é que poder espiritual é
necessário para silenciar os inimigos e conquistar a pessoa, e não mero
intelecto e força para argumentar. Pelo poder da lógica poderíamos ga-
132
O Espírito da Glória
nhar um argumento, mas perder a pessoa.
O Espírito Santo e a Sua função no cristão
Pode-se argumentar que os homens acima mencionados eram um
tanto especiais, mas e quanto aos demais cristãos? Se o Espírito Santo
habita em todos os cristãos, que diferença isso faz? Qual é a Sua função
na vida deles? Ele:
Dá poder para testemunhar
O Senhor Jesus disse aos Seus discípulos que uma das funções do
Espírito Santo seria conceder-lhes o poder de serem Suas testemunhas
numa esfera geográfica mais ampla: “Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-Me-eis testemunhas, tanto em
Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra”
(1:8). Assim, na questão mais básica de falar aos outros sobre o Senhor
Jesus, podemos determinar se estamos ou não permitindo que o Espírito Santo opere nas nossas vidas como Ele desejaria. Isto é confirmado
por Pedro: “E nós somos testemunhas acerca destas palavras, nós e também o Espírito Santo, que Deus deu àqueles que Lhe obedecem” (5:32).
Dá graça para distribuir bens
Como já notamos acima, depois que o homem que jazia à porta
do Templo foi curado, as autoridades ameaçaram os apóstolos. Depois
lemos: “E, soltos eles, foram para os seus, e contaram tudo o que lhes
disseram os principais dos sacerdotes e os anciãos. E, ouvindo eles isto,
unânimes levantaram a voz a Deus …” (4:23-24). Como consequência
da sua oração, “moveu-se o lugar em que estavam reunidos, e todos
foram cheios do Espírito Santo, e anunciavam com ousadia a Palavra
de Deus. E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e
ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas
todas as coisas lhes eram comuns” (4:31-32). Eles foram capacitados a
declarar a verdade de Deus, e distribuir os seus bens ao povo de Deus.
Isso se torna muito prático nesta era materialista em que a maioria quer
ajuntar mais e mais riquezas, e a ganância é muito mais popular do que
a generosidade. Uma pessoa que está disposta a se entregar ao Espírito
de Deus não será mesquinha e avarenta.
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
133
Dá direção sobre onde servir
A direção de Deus pelo Seu Santo Espírito é uma parte essencial
do serviço cristão. Procurar mover-se na curso da Vontade de Deus enquanto O servimos sempre é motivo de profundo exercício perante o
Senhor. Assim lemos de Filipe: “E disse o Espírito a Filipe: chega-te
e ajunta-te a esse carro” (At 8:29). Isto resultou na salvação do etíope,
e na entrada do Evangelho no seu país. Em Atos 10, Pedro teve uma
visão que o preparou para aceitar a conversão dos gentios. Quando isso
estava prestes a acontecer, ele recebeu orientação do Céu: “E, pensando
Pedro naquela visão, disse-lhe o Espírito: eis que três homens te buscam. Levanta-te, pois, desce, e vai com eles, nada duvidando; porque Eu
os enviei” (vs. 19-20). Isso resultou na salvação de Cornélio e de toda a
sua casa.
Essa direção pode também ser negativa, quando portas são fechadas: “E, passando pela Frígia e pela província da Galácia, foram impedidos pelo Espírito de anunciar a palavra na Ásia. E, quando chegaram
à Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito não lho permitiu”
(16:6-7). Isto abriu a porta para o Evangelho chegar à Europa. É somente o Senhor que pode dizer: “Diante de ti pus uma porta aberta, e
ninguém a pode fechar” (Ap 3:8). Paulo provou isto de uma forma positiva também: “Ora, quando cheguei à Trôade para pregar o evangelho
de Cristo, abrindo-se-me uma porta no Senhor …” (II Co 2:12).
Dá orientação quanto a quem deve servir
Enquanto cada cristão deve servir ao Senhor constantemente, existem aqueles que foram dotados por Deus para servi-lO de uma forma
itinerante, vivendo pela fé. Esta não é a esfera de todo cristão. Orientação para um chamado a esse serviço é dada em Atos 13: “E, servindo eles
ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-Me a Barnabé e
a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando,
e pondo sobre eles as mãos os despediram. E assim estes, enviados pelo
Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre” (vs.
2-4). Sem um chamado Divino, confirmado pela confiança e comunhão
dos irmãos na igreja local, nenhum homem deve assumir esse trabalho.
Outro aspecto muito importante deste serviço é a liderança na igreja local. Feliz é a igreja guiada por homens espirituais que oferecem
uma forte liderança bíblica e alimento espiritual sólido. Como devem
ser reconhecidos os anciãos, presbíteros, bispos ou pastores (todas estas
134
O Espírito da Glória
palavras descrevem os mesmos homens)? Em alguns grupos eles são
indicados pelos “membros da igreja”; alguns são votados para o cargo;
em outros casos, eles recebem uma educação especial e depois são “ordenados”; muitos e variados são os esquemas dos homens. Nós devemos
consultar a Bíblia para descobrir como Deus produz tais servos. O livro
de Atos expõe claramente o método divino: “Olhai pois por vós, e por
todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para
apascentardes a igreja de Deus, que Ele resgatou com o Seu próprio
sangue” (20:28). Deus produz anciãos; os homens não podem fazê-lo.
Um ancião é um dom dado à igreja local assim como o é o ensinador, e
esta incluído na categoria de “governos” (I Co 12:28).
Dá aviso de perigos no serviço
A direção do Espírito Santo é vista no aviso profético: “E levantando-se um deles, por nome Ágabo, dava a entender pelo Espírito,
que haveria uma grande fome em todo o mundo, e isso aconteceu no
tempo de Cláudio César” (11:28). Este homem também avisou Paulo
do perigo de ir a Jerusalém: “Tomou a cinta de Paulo, e ligando-se aos
seus próprios pés e mãos, disse: Isto diz o Espírito Santo: Assim ligarão
os judeus em Jerusalém o homem de quem é esta cinta, e o entregarão
nas mãos dos gentios” (21:11). Isto confirmou a advertência dada pelos
discípulos: “E eles pelo Espírito diziam a Paulo que não subisse a Jerusalém” (v. 4). Esse aviso não era novidade para Paulo, já que ele declarou: “E agora, eis que, ligado eu pelo Espírito, vou para Jerusalém, não
sabendo o que me há de acontecer, senão o que pelo Espírito de cidade
em cidade me revela, dizendo que me esperam prisões e tribulações”
(20:22-23).
O Espírito Santo e fraude
Atos cap. 5 registra a triste história de Ananias e Safira, que queriam
parecer diante dos homens mais espirituais do que o seu caráter permitia. Eles venderam uma propriedade e deram parte do preço obtido para
os apóstolos, mas mentiram querendo que os apóstolos pensassem que
haviam entregado todo o dinheiro. Seu pecado não era ficar com uma
parte do que tinham recebido, e foi isso que Pedro disse: “Guardando-a,
não ficava para ti? E vendida, não estava em teu poder? Porque formaste
este desígnio em teu coração? Não mentistes aos homens, mas a Deus”
(5:4 — já que o Espírito Santo é aqui chamado Deus, esta é uma refe-
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
135
rência clara à Sua divindade). O pecado estava na sua hipocrisia e no
fato que mentiram “ao Espírito Santo” (5:3). Eles haviam concordado
entre si “tentar o Espírito do Senhor” (v. 9). O juízo foi imediato e salutar: ambos foram sepultados naquele mesmo dia. Essa história enfatiza
a seriedade do pecado da mentira. Talvez seja bom, para muitos, que
o Senhor não está agindo desta maneira hoje em dia, quando estamos
nos aproximando do final desta dispensação. Alguém comentou que se
Ele agisse assim hoje em dia, haveria muito poucos moços restando, ou
talvez nenhum, para transportar os mortos!
Outro caso relacionado com fraudulência e o Espírito Santo se encontra em Atos 8. Simão, uma figura notável, que “tinha iludido o povo
de Samaria, dizendo que era uma grande personagem”, professou a salvação e foi batizado. Quando os apóstolos em Jerusalém ouviram que os
de Samaria haviam aceitado a pregação de Filipe, eles enviaram Pedro e
João para investigar. Quando chegaram de Jerusalém, eles descobriram
que aqueles crentes não haviam recebido o Espírito Santo, e isso só
aconteceu quando os apóstolos lhes impuseram as mãos. Isso revelou a
falsidade da profissão de Simão, e Pedro pronunciou juízo sobre ele. As
perguntas a serem respondidas são: por que foi necessário que os apóstolos comunicassem o Espírito Santo aos samaritanos? Deve-se esperar,
na era presente, que haja um intervalo entre a salvação e o recebimento
do Espírito Santo?
Esta foi a primeira vez que o Evangelho havia sido pregado fora
dos limites da Jerusalém judaica. Todos sabiam que os judeus não se comunicavam com os samaritanos ( Jo 4:9), de fato, havia animosidade. Se
nestas duas regiões a obra tivesse começado separadamente, mas simultaneamente, é bem provável que cada local reivindicaria ser o verdadeiro
trabalho de Deus, e uma dissensão teria surgido logo no início. Que
forma melhor de demonstrar que essa animosidade não existia entre os
crentes no Senhor Jesus, do que através de uma demonstração pública
de grande bênção espiritual sendo conferida aos samaritanos pelos de
Jerusalém? Isso deixou claro que a obra em Samaria não estava em oposição à de Jerusalém, antes era uma extensão dela. Em Cristo Jesus toda
barreira nacional, social e de gênero foi removida, e “não há judeu nem
grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos
vós sois um em Cristo” (Gl 3:28).
Isto também indicava publicamente que esses novos convertidos
aceitavam a autoridade dos apóstolos, e por essa razão Filipe não lhes
136
O Espírito da Glória
transmitiu o Espírito Santo. Nenhuma obra que é de Deus ousaria
questionar a autoridade dos apóstolos, que agora está contida no ministério escrito destes apóstolos. O questionamento da autoridade apostólica e do caráter final e decisivo das Sagradas Escrituras são as principais
razões por que muitos problemas hoje enfrentados na Cristandade não
estão sendo resolvidos.
Obviamente, as condições de Atos cap. 8 não se aplicam hoje, e não
há apóstolos para transmitirem o Espírito Santo a outros. Também não
há qualquer demora no recebimento do Espírito Santo, já que todo cristão recebe o Espírito Santo no momento da conversão: “E tendo nele
também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (Ef
1:13). O selar está sincronizado com o crer, assim como uma luz elétrica
está sincronizada com o ligar do interruptor.
Há quem questione este ensino baseado em Atos 19. Paulo encontrou “uns doze” discípulos em Éfeso, e perguntou-lhes: “Recebestes vós
já o Espírito Santo quando crestes?” (v. 2). Eles responderam: “Não,
nem sequer ouvimos falar que o Espírito Santo é dado” (VB). Eles não
tinham conhecimento do que acontecera no dia de Pentecostes, tendo
sido batizados “no batismo de João”; e estando assim numa posição pré-Pentecostes, precisavam ser trazidos à posição cristã; isto é, eles não
eram salvos e não haviam se tornado membros da Igreja, e para isso
precisavam ser salvos. A sua posição refletia a de Cornélio. Quando
ouviram a verdade sobre crer “em Cristo Jesus” eles agiram com fé, foram batizados como cristãos e, novamente, para demonstrar publicamente que agora eram verdadeiros cristãos, Paulo como apóstolo lhes
concedeu o Espírito Santo. Para demonstrar a realidade dessa recepção
interior, foi-lhes dado o sinal exterior de falar em línguas. Este acontecimento também indicou a união dos apóstolos na obra de Deus, já que
em Atos 8 foram Pedro e João que estavam presentes, e aqui foi Paulo.
O apostolado de Paulo não tinha menor valor, nem menos autoridade,
que o dos doze.
É importante notar que essa é a terceira e última vez, no livro de
Atos, que o falar em línguas é mencionado. As outras ocasiões são Atos
2 e 10. Não é estranho que algo que ocupa um espaço tão insignificante
neste livro tenha assumido tamanha importância nos nossos dias? Outros capítulos deste volume, e especialmente o cap. 10, tratam disso mais
detalhadamente.
Cap. 8 — O Espírito Santo em Atos
137
O Espírito Santo e fruto
A razão indisputável para a operação do Espírito Santo num cristão
é produzir na sua vida fruto espiritual aceitável a Deus. Esse assunto é
considerado no cap. 11 desta publicação. Há, entretanto, um versículo
em Atos que dá o exemplo perfeito daquele que viveu cada momento
para a glória de Deus: “Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito
Santo e com virtude; o qual andou fazendo o bem, e curando a todos os
oprimidos do diabo, porque Deus era com Ele” (10:38). Neste versículo
temos a menção da Trindade: “Deus … Jesus … Espírito Santo”: a
autoridade de Cristo, “poder”; Sua atividade, “andou fazendo o bem”;
Seu remédio, “curando”; Seu inimigo, “o diabo”. Se todo santo, estando
cheio do Espírito Santo, pudesse seguir esse exemplo, que diferença
haveria no testemunho individual e coletivo.
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
por James B. Currie, Japão
Introdução
A primeira das cartas apostólicas no Novo Testamento é, possivelmente, a mais importante. Tratando do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo (sua necessidade, seu caráter, seu resultado e suas exigências),
a Epístola aos Romanos não tem paralelo no Cânon das Escrituras. Todas as outras cartas do Novo Testamento parecem ter razões locais por
terem sido escritas e enviadas às igrejas ou aos indivíduos, mas as duas
que tratam da doutrina do Evangelho, Romanos e Gálatas, são endereçadas a um grupo de leitores mais amplo. Reconhecemos que a carta
aos Romanos foi originalmente dirigida a várias igrejas locais na cidade
de Roma, e seu propósito era apresentar o Evangelho, como pregado
por Paulo, aos santos que nunca haviam se encontrado com ele. Sendo
que a verdade fundamental do Evangelho é o tema, não nos admira que
o Espírito Santo seja tão frequentemente mencionado nesta carta: um
total de vinte e sete vezes. Das treze cartas que levam o nome de Paulo,
apenas a pequena carta pessoal a Filemon não traz nenhuma referência
ao Espírito Santo. Sete das suas cartas têm uma ou duas menções do
Espírito, mas as que se referem especialmente à Sua Pessoa e obra são
Romanos, as duas epístolas aos Coríntios e a carta aos Efésios. Nestas o
apóstolo apresenta o Espírito Santo em três relacionamentos específicos. Para o cristão individual em Romanos Ele é visto, sobretudo, como
o “Espírito de Vida”; nas cartas aos Coríntios, em relação à igreja local,
Ele é retratado como o “Espírito de Poder” (especialmente caps. 12-14);
em Efésios, relacionado à “igreja que é o Seu corpo”, Ele é descrito
como o “Espírito da Promessa”.
Talvez seria bom mencionar de passagem que há numerosas menções ao Espírito Santo na carta às igrejas da Galácia — veja o cap. 11
deste livro. Ali também, o Espírito é descrito de forma muito apropriada. Ele é chamado o “Espírito do Seu Filho” por quem o cristão, desfrutando de uma plena emancipação, pode clamar: “Aba, Pai” (Gl 4:6).
Duas coisas relacionadas com o Espírito se destacam em Romanos.
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
139
A primeira é o Seu caráter expresso nos diferentes títulos atribuídos a
Ele. A segunda é a abrangência da Sua atividade no e a favor do cristão.
A epístola se divide em três partes bem-conhecidas: caps. 1-8: Justiça Exigida; caps. 9-11: Justiça Declarada; caps. 12-16: Justiça Demonstrada. Acompanhando essas divisões, o Espírito Santo é retratado
em três aspectos diferentes. Ligado à exigência feita à humanidade em
geral por uma justiça comensurável com a absoluta santidade do caráter
do próprio Deus, Ele é chamado o “Espírito de santificação” (1:4). O
título “Espírito de adoção”, dado a Ele em 8:15, é muito apto quando
ligado à declaração da justiça que obtém para Israel um relacionamento
imerecido com Deus, baseado nas promessas do concerto. O terceiro título significativo que Ele leva na epístola é o de “Espírito de vida” (8:2).
Isto também é expressivo quando a demonstração prática da justiça é
reconhecida como o tema dos caps. 12-16. É notável que a carta aos
Romanos, ocupada com um assunto como este, tem como seu ponto focal o cap. 8, onde o Espírito Santo é mencionado mais frequentemente
do que em qualquer outro capítulo da Bíblia. As dezenove vezes em que
Ele é mencionado nessa parte fundamental da carta merecem a atenção
de todos os leitores atentos da Palavra.
Capítulo 1
Muitas vezes não é fácil determinar se devemos usar o “e” maiúsculo
ou minúsculo quando a palavra “espírito” aparece nas Sagradas Escrituras. A primeira ocorrência em Romanos (1:4) é um exemplo. Entretanto, como geralmente é aceito que a frase “Espírito de santificação” se
refere a caráter, é melhor explicar o termo relacionado ao Espírito Santo
do que aplicá-lo a alguma área indistinta onde a santidade é enfática.
Veja as notas de J. N. Darby sobre Romanos 1:3-4 em The Synopsis of
the Bible (“A Sinopse da Bíblia”). Estes versículos formam uma grandiosa declaração Cristológica como um fato básico do Evangelho. Eles
abrangem a jornada terrestre do Senhor, desde a Sua encarnação até a
Sua gloriosa ressurreição dos mortos. Sua participação em humanidade
impecável, Sua experiência na morte e subsequente ressurreição dentre
os mortos pelo poder de Deus, foram totalmente compatíveis com o
caráter Divino como revelado pelo “Espírito de santificação”.
140
O Espírito da Glória
Capítulo 5
A mesma ênfase é mantida na segunda passagem em que a palavra
“espírito” é usada e, contextualmente, é fácil entender por que. Tendo
mostrado a verdadeira natureza da condição pecadora do homem com
suas terríveis consequências, e tendo traçado a eficácia do Evangelho
até o ponto onde ele afirma: “tendo sido, pois, justificados pela fé, temos
paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”, Paulo acrescenta em 5:5
que “o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito
Santo que nos foi dado”. Numa epístola dedicada à exposição da justiça
envolvida com a provisão da salvação para a humanidade culpada, ênfase é colocada na santidade do Espírito. Nada poderia estar mais distante
do santo caráter de Deus do que promulgar um meio de reconciliação
sobre uma base que não fosse justa e santa. A santidade do Espírito
de Deus é salientada pelo relacionamento que Ele mantém com a ressurreição do Senhor e pelas atividades que Ele desempenha em favor
daqueles que, tendo sido justificados pela fé, têm paz com Deus.
Capítulo 8
O cap. 8 diz muito sobre a obra do Espírito Santo no Seu relacionamento com o cristão, e muitos títulos significativos Lhe são atribuídos.
Entre as dezenove ocorrências da palavra “Espírito” encontradas neste
capítulo, lemos duas vezes do “Espírito de Deus” (vs. 9, 14); uma vez
Ele é chamado o “Espírito de vida” (v. 2); uma vez temos o “Espírito de
Cristo” (v. 9), e em outra o “Espírito de adoção” (v. 15). Todos os demais
usos da palavra têm a ver com os atributos, a obra e com o relacionamento que o Espírito mantém com o cristão.
Capítulo 8:1-4
O cenário de Romanos 8 é muito significativo. O argumento de
Paulo, relacionado com a “justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo”
(3:22), atinge seu clímax neste capítulo. A morte do pecador é exigida e
não se pode escapar dela. O “Evangelho de Deus” indica que um Substituto para o pecador condenado foi encontrado na Pessoa do Filho de
Deus. O ponto central para uma vida cristã se encontra no cap. 6: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com Ele [Cristo] crucificado,
para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais
ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado”
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
141
(vs. 6-7). Ao progredir espiritualmente, o cristão vem a ter a mesma
compreensão de Paulo, que disse: “Mas vejo nos meus membros outra
lei que batalha contra a lei do meu entendimento” (7:23). Libertado
para sempre da pena do pecado, o cristão fica arrasado ao descobrir que
é “carnal”, isto é, sujeito a todas as fraquezas da carne e, em si mesmo,
incapaz de enfrentar o inimigo com esperanças de vitória. Pensar nestas
coisas, como ele certamente faz, o leva quase ao desespero. A constante
introversão vista no cap. 7 leva ao clamor: “Miserável homem que sou!
Quem me livrará do corpo desta morte?” (v. 24). Graças a Deus, Paulo
sabe que há socorro disponível. Ele retorna à sua conclusão anterior, de
que o cristão morreu com Cristo e não é mais sujeito à pena do pecado.
“Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo
Jesus” (8:1). Ligado a Cristo numa união permanente, o cristão está livre,
não somente da condenação do pecado, como também da influência
do pecado, porque uma nova “lei” opera no seu interior, chamada a “lei
do Espírito de vida, em Cristo Jesus” (8:2). É uma lei de emancipação
e poder, enquanto que a Lei mosaica não podia livrar da penalidade do
pecado, nem dar poder para superá-la, por estar enfraquecida pelo meio
que precisaria usar, isto é, a carne. “A lei do Espírito de vida, em Cristo
Jesus,” não conhece tal limitação. Ao cristão é assegurada libertação pelo
Espírito que nos foi dado, e assim somos capacitados a andar, não mais
sob os ditames da carne, mas no poder do Espírito Santo.
Falar sobre “o Espírito de Deus” e “o Espírito de Cristo” em absoluta igualdade, define a relação íntima desfrutada pelas Pessoas Divinas. Como o “Espírito de Vida”, Ele é o poder regenerador pelo qual o
cristão nasce de cima ( Jo 3:5-8), e como o “Espírito de Adoção”, entre
outras bênçãos, o Espírito Santo capacita o filho de Deus a dizer: “Aba,
Pai” ao se aproximar de Deus (8:15). Infidelidade, quer seja eclesiástica
ou de culto, é um charco impenetrável onde as pessoas se afundam no
seu desejo de negar a divindade e a personalidade do Espírito Santo.
Mas o vasto conjunto de ensino em mais de duzentas e trinta referências através de toda a Sagrada Escritura não lhes permite distorcer a
Palavra de Deus a ponto de negar o que é tão claro.
Há muitos bons ensinadores que omitem as palavras “que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito” do v. 1. A razão que dão
é que a frase “nenhuma condenação há” é absolutamente incondicional,
não dependendo de nada que o cristão faça, mas somente em virtude
dele estar “em Cristo”. As palavras, de fato, encaixam bem no final do
142
O Espírito da Glória
v. 4, mas certamente se aplicam bem aqui também, se aceitarmos a tradução de J. N. Darby: “Não há nenhuma condenação para aqueles que,
em Cristo Jesus, não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito”,
mesmo embora ele omita as palavras na sua tradução. O sentido permanece o mesmo em ambos os versículos. Aqueles que estão em Cristo
Jesus não devem mais andar segundo os ditames da carne, mas segundo
o poder regenerador do Espírito Santo de Deus.
A Lei no Sinai condenava, e a lei do pecado trouxe escravidão e
miséria. Mas agora uma lei inteiramente diferente é apresentada, chamada a “lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus”. Esta lei é a do Espírito
vivificador que habita no cristão, por cujo poder ele foi libertado da
escravidão do pecado e suas consequências finais. Concordando com
o que foi deixado bem claro no capítulo anterior, vemos que isso não
é resultado de guardar a Lei no poder próprio, mas pela operação em
graça do grande propósito de Deus de que “a justiça da lei se cumprisse
em nós”. Ele enviou Seu Filho, que veio “em semelhança da carne do
pecado”, e pela Sua morte sacrificial no madeiro desfez o pecado e a
morte para aqueles que estão ligados a Ele pela fé. O que caracteriza
aqueles que estão associados com Ele, judicialmente fora do alcance do
pecado e da morte, é que eles “não andam segundo a carne, mas segundo
o Espírito”. Isso não descreve meramente um contraste aparente entre
os que estão associados com Cristo e os que não estão. O descrente é
caracterizado por uma mente em inimizade com Deus, voltada para
as coisas desta vida e os impulsos carnais. O cristão agora é caracterizado por coisas que agradam a Deus e sua mentalidade corresponde à
região “espiritual” na qual ele habita. Novamente uma consulta a JND
vai mostrar que as palavras “segundo a carne” e “segundo o Espírito”
são substantivos, e seriam melhor traduzidas “mente da carne” e “mente
do Espirito”, indicando respectivamente que a mente é entregue aos
interesses carnais e espirituais. Ter uma mente espiritual é ter todos os
pensamentos controlados pelo Espírito. É impossível agradar a Deus a
menos que essa seja a experiência contínua do cristão.
Capítulo 8:9-17
No curto espaço desses nove versículos o Espírito Santo é mencionado dez vezes. No v. 9 Ele aparece três vezes e é chamado “o Espírito”,
“o Espírito de Deus” e “o Espírito de Cristo”. Aqui, imediatamente,
surgem duas características importantes. Uma é que a Divindade existe
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
143
como uma Trindade. Assim como o Senhor Jesus disse à mulher junto
ao poço de Samaria que “Deus é Espírito” ( Jo 4:24), também o Espírito
Santo, quanto à Sua própria personalidade é “Espírito”, e é Ele quem
o Pai envia em nome do Filho. Este versículo, juntamente com muitos
outros, declara a verdade das palavras formuladas há muitos anos como
parte de uma declaração de fé: “O Espírito Santo, procedendo do Pai e
do Filho, é da mesma substância, majestade e glória do Pai e do Filho,
Deus verdadeiro e eterno”.
Ser chamado o “Espírito de Deus” enfatiza a afirmação incondicional feita pelo Senhor Jesus, em João 15:26, de que Ele enviaria o Consolador, “aquele Espírito de verdade, que procede do Pai”. Assim, Ele é
descrito como procedendo, ou emanando, do Pai. A palavra “emanar”
também traz a ideia de “exalar” como ao respirar. Essa nuança é dada
em Jó 33:4, onde Eliú diz: “O Espírito do Senhor me fez; e a inspiração
do Todo-Poderoso me deu vida”. Essa mesma palavra, descrevendo o
“Espírito de Deus”, é encontrada em muitas outras passagens também.
Poderíamos dizer que no processo natural de respirar, o “fôlego da vida”
emana do homem, mas nunca existe como uma entidade separada do
homem; assim o Espírito Santo procede e é enviado pelo Pai para testificar de Cristo. O Pai envia o Espírito Santo e assim é afirmado que
Ele procede do Pai, e é corretamente chamado de “o Espírito de Deus”.
Da mesma forma, Ele é enviado pelo Filho e é chamado “o Espírito
de Cristo”. O Pai, o Filho e o Espírito são da mesma natureza, mas,
enquanto é dito que o Espírito procede tanto do Pai quanto do Filho, nunca lemos que o Pai ou o Filho procedem do Espírito Santo.
O Espírito de Deus habita no cristão como o Espírito de Cristo e isso
pelo poder do Espírito Santo. Somos aqui lembrados que não é possível pertencer a Cristo se o Espírito de Cristo não habitar na pessoa (v.
9). A união eterna e espiritual formada por Deus habitando no cristão
é enfatizada aqui. O corpo do cristão é sujeito à morte e um dia, se a
vinda do Senhor Jesus não se der, seremos levados por ela, mas nesse
meio tempo, Deus o Pai é a fonte interna de vida; nosso Senhor Jesus é
o canal e o Espírito Santo o elemento místico da sua concessão. O cristão foi trasladado da esfera onde a morte reina, e agora é habitado pelo
Espírito de Deus na plenitude dos Seus santos atributos. Sendo assim
habitado por Deus, através do Espírito, o cristão possui uma mente que
pode agradar, e de fato agrada, a Deus. Na prática, o cristão deve então
“andar segundo o Espírito” e tendo a “mente do Espírito”, deve “aplicar
144
O Espírito da Glória
a mente às coisas do Espírito”.
Os muitos relatos da proclamação do Evangelho no livro de Atos
dos Apóstolos continuamente enfatizam o fato que “a esse Jesus Deus
ressuscitou” (veja, por exemplo, 2:24; 3:15; 4:10; 5:30; etc.). As epístolas
também não são negligentes em apresentar este fato básico do Evangelho (veja I Co 6:14; Gl 1:1; etc.). Aqui em Romanos lemos de Deus que
ressuscitou a Jesus dentre os mortos (4:24). O Espírito Santo é chamado “o Espírito de Vida” (Rm 8:2). A descrição do Espírito Santo como
“o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus” (8:11) é
muito apropriada, pois está relacionada com a vida Divina sendo manifestada no cristão. Esta declaração singular também está associada com
aquela obra da graça que, sem a Lei, será revelada na vida ressurrecta
manifestada no poder do Espírito.
Em qualquer estudo relacionado com o Espírito Santo, o capítulo
8:9-11 é de grande importância; ainda mais, visto que o ensino apresentado é dado de forma indireta. Paulo não está defendendo a Trindade,
mas os versículos em questão são inexplicáveis se não reconhecemos
que a pluralidade da Divindade é expressa como uma Trindade. Note
que no v. 9 aquele que é chamado de “o Espírito” é também chamado “o
Espírito de Deus” e “o Espírito de Cristo”. Da mesma forma o v. 11 fala
do “Espírito”, “o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a
Jesus”; e “aquele que dentre os mortos ressuscitou a Cristo”. Em ambos
os casos todas as três Pessoas da Divindade são claramente identificadas. Aquilo que é declarado do Espírito Santo, aqui e em muitas outras
Escrituras, mostra que Ele está em perfeita igualdade com o Pai e com
o nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é descrito ainda como sendo o Espírito vivificante pelo qual o corpo mortal do cristão será, num dia futuro,
ressuscitado dentre os mortos. Isso será realizado “pelo Seu [de Deus]
Espírito que em vós habita”.
Outro aspecto da habitação do Espírito Santo no cristão é o fato de
ser esse cristão guiado pelo Espírito. Uma má compreensão contextual
do v. 14 tem produzido aplicações muito distantes do seu significado
correto aqui, e na única outra menção direta sobre ser guiado pelo Espírito, em Gálatas 5:18. Em nenhuma das duas referências é mencionada
a ideia de participação inteligente nas atividades das reuniões públicas da igreja. Temos que entender que onde a direção do Espírito é
reconhecida, isso será evidente nas reuniões dos santos. Entretanto, a
“direção do Espírito” é muito mais importante e mais abrangente do
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
145
que isso.
Os muitos exemplos dados nas Escrituras de como o Senhor Jesus
foi conduzido pelo Espírito Santo devem nos esclarecer quanto ao significado da palavra. Bem no início do Seu ministério público, e tendo
sido plenamente reconhecido pelo Céu como “Meu amado Filho”, o
Senhor Jesus imediatamente “foi conduzido pelo Espírito ao deserto”
(Mt 4:1). Na expressão da Sua humanidade irrepreensível, nosso Senhor Jesus é o exemplo perfeito ao Seu povo de ser guiado pelo Espírito.
Assim como o clamor do salmista no Salmo 25:5 pode ser aplicado às
palavras ditas pelo Senhor Jesus, assim também devem encontrar um
forte ecoar no coração do cristão: “Guia-Me na Tua verdade, e ensina-Me, pois Tu és o Deus da Minha salvação; por Ti estou esperando
todo o dia”.
A lei do pecado e da morte permanece ativa no cristão, mas o “Espírito de Cristo”, que é “o Espírito de vida”, também habita nele, portanto,
diz Paulo: “De maneira que, irmãos, somos devedores, não à carne para
viver segundo a carne” (v. 12), mas temos a obrigação de “pelo Espírito
mortificar as obras do corpo” (v. 13), dando assim evidência da vida que
possuímos. “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses [e somente esses] são filhos [maduros] de Deus” (v. 14). Maturidade
nas coisas espirituais só pode ser manifestada por uma vida de completa
sujeição à direção do Espírito Santo em amor, sabedoria e poder. Devemos nos lembrar do que Jeremias disse: “Não é do homem o seu caminho” ( Jr 10:23). Aquilo que a Lei não pode fazer por causa da fraqueza
da carne, e aquilo que o homem não pode fazer por si mesmo no poder
da carne, é efetuado pelo Espírito de vida que nele habita, de sorte que
os que são nascidos na família de Deus recebem o desejo e a capacidade
de agradar a Deus no entendimento maduro da Sua vontade.
Novamente um contraste é apresentado no v. 15: “o espírito de escravidão” é justaposto com o “Espírito de adoção” ou o “Espírito de
filiação”. Em eras passadas os crentes estavam sob a Lei e, na medida da
sua compreensão disso, “com medo da morte estavam por toda a vida
sujeitos à servidão” (Hb 2:15). Ter medo da morte é temer as consequências da Lei, daí o termo “a lei da servidão”. Pelo poder regenerador
do Espírito Santo, o cristão foi libertado e não está mais sob o domínio
da Lei. Cada cristão já recebeu o “Espírito de adoção”. O uso da palavra
adoção, nesta versão, não deve nos deixar confusos por causa do processo moderno de adoção de órfãos na família. A palavra aqui é exatamente
146
O Espírito da Glória
a mesma que em “adoção de filhos” ou “filiação”, que encontramos em
Gálatas 4:5. Ela se refere a uma “condição adotada, uma posição conferida a alguém para quem não é natural”. Este é o título maravilhoso
que descreve aquilo que o cristão desfruta em relação a Deus, o Pai. Somos então capacitados pelo Espírito a dizer: “Aba, Pai”. Essas palavras,
embora dando um sentido muito íntimo à invocação, nunca deveriam
ser usadas para criar uma familiaridade exagerada quando falamos com
Deus em oração. Note como, em Lucas 11:2, o Senhor Jesus ensinou os
Seus a orarem: “Pai nosso … santificado seja o Teu nome”.
Aba Pai! Te adoramos, prestando humilde homenagem;
É a alegria dos Teus filhos conhecer-Te, recebidos pelo caminho vivo;
Esta grande honra nós herdamos, Tua dádiva pelo sangue de Jesus;
Deus o Espírito, com nosso espírito, testifica que somos filhos de Deus.*
A última das dez referências ao Espírito Santo nesta pequena porção de Romanos 8 tem a ver com Seu testemunho da realidade da posição do cristão na família de Deus. O testemunho ao espírito do próprio
cristão, produzido pelo poder do Espírito que nele habita, é triplo. Primeiro, temos a garantia inegável de que somos nascidos de Deus como
Seus verdadeiros filhos. Segundo, somos assim constituídos “herdeiros
de Deus” (v. 17). Pedro nos lembra de que o “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo … nos gerou de novo para uma viva esperança, pela
ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar …” (I Pe 1:3-4).
Em terceiro lugar, também nos foi conferido o título maravilhoso de
“coerdeiros de Cristo”.
Segundo o pensamento de alguns, o uso do pronome impessoal
para o Espírito Santo† apresenta um problema. Não deveria. As palavras aqui seguem uma regra gramatical simples no grego: um substantivo de gênero neutro exige um pronome que também o seja. Esse uso de
forma alguma anula as muitas Escrituras que falam do Espírito Santo
com um pronome masculino. De fato, no Evangelho segundo João existem alguns casos que os especialistas em Gramática Bíblica chamam “o
* Tradução livre. O original diz: “Abba Father! We adore Thee, humbly now our
homage pay;/Tis Thy children’s bliss to know Thee, welcomed through the living way,/
This high honour we inherit, Thy free gift through Jesus' blood;/God the Spirit, with
our spirit, witnesseth we’re sons of God".
† Nas versões em inglês; o problema mencionado pelo autor não existe nas versões
em Português (N. do E.).
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
147
fenômeno da gramática”, onde a palavra “Espírito” no modo neutro está
ligada ao pronome masculino “Ele” (veja, por exemplo, João 14:16- 17).
Assim, na margem da tradução de Newberry lemos: “O Espírito, Ele
mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (v. 16).
Capítulo 8:18-28
As últimas quatro referências no cap. 8 são interessantes e contém
instrução valiosa relacionada às atividades do Espírito. A garantia de
pertencer à família de Deus na qualidade de filhos é dada a todos os
cristãos pelo Espírito. No entanto, isso não isenta os cristãos das provações e dificuldades da sua presente condição humana pois, diz Paulo,
a Criação foi sujeita à vaidade pela vontade de Deus como resultado
do pecado do homem e, até o presente momento, geme aguardando a
redenção desta servidão sob a corrupção para a liberdade da glória dos
filhos de Deus (vs. 20-22). Em vista daquilo para o qual o cristão foi
selado, os sofrimentos presentes não são para comparar com a glória
que há de ser revelada a nós e em nós (v. 18). Contudo, o cristão ainda
geme juntamente com a Criação, esperando a manifestação pública da
sua filiação, ou seja, a redenção do corpo (v. 23). Em meio à Criação que
geme e aos sofrimentos presentes, o cristão já possui o Espírito Santo
como as primícias da glória, que é uma certeza inabalável da glória que
nos será revelada. O cristão é capaz, no poder do Espírito que nele habita, de aguardar com esperança o refulgir daquela glória que tem sido,
desde a fundação do mundo, o propósito imutável de Deus.
Outra necessidade do cristão é atendida pelo trabalho, em graça, do
Espírito. Frequentemente o filho de Deus se encontra perplexo quanto
à vontade de Deus em relação ao que deve fazer e, mais especificamente,
como neste contexto, quanto ao panorama geral do propósito de Deus.
Surgem ocasiões quando “não sabemos o que havemos de pedir como
convém” (v. 26). Complicações surgem no caminho do cristão, quando mal sabemos para que lado ir. Em virtude disso nossas orações se
tornam, indubitavelmente, menos definidas. A palavra expressiva usada
aqui (“ajuda”, e também em Lc 10:40) é melhor descrita por uma cena
bem comum nas terras do Extremo Oriente: dois homens carregando
entre si, um fardo numa longa vara. Poderíamos dizer que um ou o
outro está “ajudando”. Em graça, o Espírito Santo que conhece a nossa
incapacidade de orar como devemos nos ajuda ao fazer intercessão por
nós. Ao assim fazer, nossas preces são elevadas àquele nível de inteli-
148
O Espírito da Glória
gência espiritual característico da mente do Espírito, que é também a
mente do Pai.
Habitados pelo “Espírito de Deus”, o “Espírito de Cristo”, e o “Espírito de vida”, somos emancipados e recebemos o direito de clamar,
como filhos de Deus: “Aba, Pai”. Olhamos com ousadia para o fulgor da
glória no final do túnel escuro, pois já temos o Espírito que é as “primícias” de tudo que Deus se comprometeu a nos dar, e nas nossas orações,
apesar da fraqueza pessoal, o Espírito Santo nos faz aptos a estar em
sintonia com a mente do Céu. Não nos admira que Paulo pudesse escrever: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o
bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo
o Seu propósito” (8:28).
Capítulos 9-11
Se, na primeira parte da epístola aos Romanos, o apóstolo Paulo
focalizou no tema do Espírito Santo de forma doutrinária, ele não negligenciou a aplicação prática da verdade. Ele incentiva os santos em
Roma a andar “não segundo a carne, mas segundo o Espírito”, e os
lembra de que “a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz” (v. 6). Estas exortações são sérias e solenes. Os três
capítulos que seguem se ocupam com a justiça de Deus e Seus caminhos para com Israel. A apresentação dos fatos deixa claro que não há
injustiça em Deus ao colocar de lado ou, futuramente, restaurar a nação
à bênção, mas que em todas as Suas ações para com eles as “profundidades das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus” são
insondáveis e os Seus caminhos inescrutáveis (11:33). Nesses capítulos
o Espírito Santo é mencionado somente uma vez, destacando a realidade da grande tristeza de Paulo por causa da infeliz condição presente
de Israel. Falando disso ele diz que o Espírito Santo é testemunha (9:1).
Ele mostra ainda, relacionado a isso, que sua confiança no cumprimento
das promessas do concerto de Deus com Israel em nada diminuiu. Ele
invoca o Espírito de Deus para dar testemunho do fato que aquilo que
ele escreve é exatamente aquilo do qual ele tem certeza.
Capítulos 12-16
No final da carta Paulo está escrevendo aos santos romanos de maneira exortativa. O início do cap. 12 é decisivo nesse ponto. Se uma
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
149
posição de perfeita justiça me foi concedida a um custo tão infinito
quanto a morte do Filho de Deus, minha resposta precisa ser à altura.
“Para que experimenteis [na prática] qual seja a boa, agradável e perfeita
vontade de Deus” (12:2).
Em todas as épocas e em todos os lugares um perigo sutil ameaça
os filhos de Deus. É o de permitir que aquilo que é meramente externo
e superficial seja considerado o verdadeiro valor espiritual na vida de
alguém. Carnes puras ou imundas: comê-las ou abster-se delas: é disso
que Paulo escreve no cap. 14, e da atitude de aceitar um ou o outro
como o parâmetro verdadeiro de espiritualidade quando, na realidade,
tais atitudes resultam em julgar, entristecer ou tropeçar nossos irmãos.
Essas coisas, Paulo escreve, não são as características de um “andar em
amor”. O reino de Deus consiste em muito mais do que aquilo que
comemos e bebemos. Seus atributos são: “justiça, paz, e alegria no Espírito Santo” (14:17). Em Gálatas 5:22 o apóstolo nos diz que “gozo” é
uma das facetas do nônuplo fruto do Espírito Santo. Quando o Senhor
prometeu enviar o Seu Espírito, Ele também prometeu dar a “Sua paz”
e o “Seu gozo” ( Jo 14:7; 15:11, 26). Todas estas coisas são prometidas
no contexto do Espírito Santo, e disso podemos reconhecer o Espírito
Santo como o Agente através de quem essas bênçãos fluem. O gozo
produzido pelo Espírito Santo é a característica inconfundível daqueles
que pertencem ao Reino de Deus e que não andam segundo a carne,
mas segundo o Espírito.
Romanos 16 é quase totalmente dedicado à saudação de diversos
indivíduos e grupos de santos na cidade de Roma, sem nenhuma referência ao Espírito Santo, mas o cap. 15 ainda tem algo a dizer sobre
Ele. Há quatro referências a Ele no capítulo, e três características dEle
são mencionadas — poder, santificação e amor. É mencionada “a virtude [poder] do Espírito Santo” (v. 13); “santificada pelo Espírito Santo”
(v. 16); “a virtude [poder] do Espírito de Deus ” (v. 19); e o “amor do
Espírito” (v. 30). Estas palavras descrevem atributos ou atividades do
Espírito que estão em completa harmonia com o contexto geral em que
são encontradas.
Paulo, através dessa carta importante aos santos em Roma, apresenta, em linguagem inequívoca, o que ele chama de “o meu evangelho”
(2:16). Ele usa um cenário jurídico em que a humanidade em geral
está perante o tribunal Divino, indiciada, culpada, e sobre quem paira a
sentença de morte. De uma maneira notável, um meio de perdão é pla-
150
O Espírito da Glória
nejado e anunciado pelo Próprio Juiz, e isto baseado em perfeita justiça.
O grande poder de Deus, abundando através do Espírito Santo, toma
o desespero do acusado e convicto e o substitui por esperança, gozo e
paz com base na fé. Além disso, pelo mesmo poder produzido pelo Espírito Santo, “sinais e prodígios” (15:19) são manifestados na pregação
do Evangelho do apóstolo, para que os homens possam ser obedientes à
Palavra de Deus. Acrescentando a tudo o que já foi dito até agora, poder
também é atribuído ao Espírito Santo por causa destes benditos feitos
(veja vs. 13, 19).
Notamos que Paulo está consciente de que há um aspecto de adoração envolvido no ministério do Evangelho. Seu desejo é que na “oferta”
(v. 16), ou sacrifício dos gentios, o seu ministério seja aceitável a Deus
pelas energias santificadoras do Espírito de Deus. Como o Espírito de
santidade, o Espírito de Deus declarou a Divina Filiação do Senhor
Jesus pela Sua ressurreição dentre os mortos. Semelhantemente, o Espírito, em poder santificador, constitui o corpo de gentios crentes uma
oferta aceitável a Deus. Sabendo disso, Paulo se esforçou para chegar a
lugares onde Cristo ainda não havia sido nomeado (vs. 19-20).
Um último detalhe de interesse relacionado com o Espírito Santo
na Epístola aos Romanos é a exortação final do apóstolo, encontrada
em 15:30. A primeira menção ao Espírito na parte central da carta se
encontra em 5:5. Notamos ali que, pelo Espírito Santo que nos foi dado,
o amor de Deus inunda os corações de todos os cristãos. Essa efusão do
amor Divino é demonstrado a nós “em que Cristo morreu por nós sendo nós ainda pecadores” (5:8). Ao final das partes prática e doutrinária
da epístola, Paulo, pela segunda vez, apela intensamente aos seus leitores
para que sejam caracterizados por um comportamento correspondente
à sua profissão. No cap. 12 o apelo foi para que apresentassem os seus
corpos como sacrifício vivo a Deus e isso, ele acrescenta, nada mais é do
que serviço inteligente em vista daquilo em que eles vieram a crer. No
cap. 15 ele se dirige a eles novamente com a mesma intensidade, dessa
vez para que possam combater com ele em oração. Ele pede para ser o
objeto dessas orações unidas, com um propósito triplo (vs. 31-32):
• Para que ele fosse livre da ira dos incrédulos na Judeia;
• Para que o seu ministério de levar ajuda financeira dos gentios cristãos aos de Jerusalém fosse aceito por esses últimos;
• Para que, no tempo devido, ele pudesse visitar os santos em Roma
com refrigério, pela vontade de Deus.
151
Cap. 9 — O Espírito Santo em Romanos
O fervor desse pedido é evidente nas palavras: “E rogo-vos, irmãos,
por nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espírito, que combatais comigo” (v. 30). Inteligentemente, oração é feita a Deus, a autoridade desta
oração está no Senhorio de Cristo, e a eficácia da oração está no vínculo
de amor que flui do próprio Espírito Santo. Novamente, e de uma forma
indireta, vemos a unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Conclusão
Ele é o Espírito de Deus; o Espírito de Cristo; o Espírito de Santidade;
o Espírito vivificante; o Espírito Santificador; e em grande poder, o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus. Em Seus variados atributos e atividades o Espírito Santo é em Si mesmo a própria incorporação
do Evangelho acerca do Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo. É assim
que Paulo apresenta o Espírito de Deus na sua carta aos cristãos romanos.
Pelo bendito Espírito Santo, enviado por Ti dos Céus,
Te adoramos, Pai, por esta dádiva de amor.
Igual e eterno contigo, no entanto em sublime graça veio
Convencer-nos, pelo Seu poder, do pecado, culpa e vergonha.
Então mostrou-nos que o Salvador levara na cruz nosso pecado;
E quando, pela fé, O recebemos, nos selou e agora habita em nós.
Agora Ele nos ensina e guia, através da Tua Santa Palavra;
E nos dá poder para o serviço do nosso Salvador, Cristo o Senhor.
Não permita que O entristeçamos por descuido ou erro deliberado;
Dá-nos a conhecer a plenitude do Teu Espírito no interior.
Pela presença do Espírito Santo, Confortador e Guia Divino
De coração, unidos, Te louvamos por Teu dom benevolente.
Alfred Gibbs*
* Tradução livre. O original diz: “For the blessed Holy Spirit, sent by Thee from heaven
above/We would join to praise Thee, Father, for this matchless gift of love./Equal
and eternal with Thee, yet, in wondrous grace He came;/By His power to convict us
of our sin and guilt and shame.//Then He showed us that the Saviour, on the cross
had borne our sin;/And when we by faith received Him, sealed us and now dwells
within./Now He seeks to teach and guide us, from Thy precious Holy Word;/And
empower us for the service of our Saviour Christ the Lord.//O, forbid that we should
grieve Him by neglect or willful sin;/Grant that we may know the fullness of Thy Spirit
now within./For the Holy Spirit’s presence, Comforter and Guide Divine;/From our
hearts we join to praise Thee for this gracious gift of Thine.”
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
por William M. Banks, Escócia
Introdução
O assunto do Espírito Santo em I Coríntios está concentrado em três
áreas principais. Estas são primeiramente o cap. 2, depois cap. 12, e finalmente os caps. 3 e 6, onde tanto a igreja local quanto o corpo do cristão são
chamados de templo de Deus e templo do Espírito Santo, respectivamente.
O assunto do cap. 2 é a demonstração do poder do Espírito Santo
na pregação do Evangelho, contrastada com a sabedoria humana. No
cap. 12, o tema é dons espirituais e seu exercício da igreja local, como
demonstrados pela figura do corpo. Há também uma referência doutrinária importante e vital ao batismo no Espírito Santo que precisa
ser compreendida para podermos evitar os excessos vistos nos círculos
carismáticos. As referências ao Espírito Santo em relação ao templo,
nos caps. 3 e 6, que juntas são tidas como a terceira referência principal
no livro, enfatizam de forma inequívoca a necessidade de pureza e santidade tanto em termos individuais como coletivamente.
O assunto será tratado nestas três divisões principais e na ordem em
que se encontram na epístola.
O Espírito Santo e o Evangelho
Godet* sugere que nos capítulos iniciais da epístola aos Coríntios
o apóstolo se esforça para enfatizar que as contendas não combinam
com o Evangelho crido e pregado (caps. 1 e 2), e com o ministério que
desempenhamos nos caps. 3 e 4.
O Evangelho não é uma exibição de sabedoria terrena ou humana, como Paulo indica em 1:17: “Porque Cristo enviou-me, não para
batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que
a cruz de Cristo se não faça vã”. Entretanto, tem como seu objetivo
a verdadeira sabedoria, isto é, a sabedoria de Deus. “Todavia falamos
sabedoria entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem
* GODET, F. L. Commentary on First Corinthians. Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1979.
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
153
dos príncipes deste mundo, que se aniquilam; mas falamos a sabedoria
de Deus” (I Co 2:6-7).
O assunto é então ampliado da seguinte maneira:
O evangelho não está relacionado à sabedoria humana:
• Quanto à mensagem que pregamos (a cruz de Cristo — 1:18-25);
• Quanto aos membros que são chamados (não são muitos os sábios
… poderosos … nobres — 1:26-31);
• Quanto aos métodos adotados (2:1-5).
O evangelho tem como tema a verdadeira sabedoria, isto é, a sabedoria de Deus:
• Definido quanto aos seus detalhes (2:6-9);
• Disseminado como baseado em revelação (2:10-13);
• Discernido quanto à sua recepção (2:14-16).
A primeira referência ao Espírito Santo está na seção que trata dos
métodos adotados (2:1-5) na disseminação da mensagem. Esta seção
pode ser considerada uma das duas seções principais do capítulo:
• O Evangelho não é a sabedoria do homem — 2:1-5.
• O Evangelho é a sabedoria de Deus — 2:6-16.
Vamos considerar cada uma destas, por sua vez.
O Evangelho não é a sabedoria do homem (2:1-5)
Nos vs. 1-5, o Evangelho é visto como não sendo a sabedoria dos
homens sob quatro aspectos:
A mensagem que é ensinada (2:1-2)
O autor da mensagem é o próprio Deus: “… o testemunho de [da
parte de] Deus”. Seu tema é “Jesus Cristo, e Este crucificado”. Isso quer
dizer que não tivemos nada a ver com sua origem, e não temos o direito
de interferir no conteúdo. A crucificação, obviamente, é o aspecto menos atrativo para a sabedoria humana. A mensagem é simples e básica:
não temos o direito de introduzir nossas próprias ideias no assunto. O
Autor da mensagem sabe o que é melhor!
O mensageiro que ensina (2:3)
O homem precisa ser coerente com o caráter da mensagem. Ele
não vem com um ar de sucesso garantido, ousadia e confiança. A im-
154
O Espírito da Glória
portância da mensagem é claramente enfatizada. Ele se apresenta “em
fraqueza, e em temor, e em grande tremor”. Talvez se isso fosse mais
evidente nos pregadores de hoje os resultados seriam semelhantes aos
do apóstolo. Talvez suas experiências em Tessalônica e Beréia (At 17:15) ainda estivessem vivas na sua memória, mas não devemos perder de
vista a necessidade de seriedade no pregador do Evangelho.
Os métodos adotados (2:1, 4)
Aqui é apresentado tanto o lado negativo quanto o positivo. Ele
não veio com “sublimidade de palavras”, isto é, usando eloquência e
refinamento para impressionar psicologicamente e conseguir uma resposta. Não que o apóstolo não fosse capaz de eloquência, mas ele não a
usava adversamente para induzir decisões. Ele veio não com “sabedoria”,
usando de profundidade filosófica e conhecimento científico para impressionar. Ele não veio com “palavras persuasivas de sabedoria humana” (v. 4), usando de persuasão e pressão. Não havia nenhum espetáculo.
Por outro lado, há quatro palavras que indicam o lado positivo do
método usado pelo apóstolo. É bom destacarmos o que é positivo e evitar o que é negativo. As quatro palavras são “anunciar” (v. 1), “palavra” e
“pregação” (v. 4), e “demonstração” (v. 4). A ideia contida em “anunciar” é
proclamar publicamente, dando testemunho de um fato. O testemunho
era simples e direto — a proclamação da pessoa de “Jesus Cristo” (v. 2).
O segundo termo é “palavra”. É o nosso bem conhecido vocábulo
“logos”, e significa “discurso, referindo-se à maneira da sua apresentação
do evangelho”.*
A palavra “pregação” (v. 4) indica a proclamação da mensagem. Os
dois termos “palavra” e “pregação” juntos indicam o “o quê” e o “como”
da mensagem. Em um o que ela contém, e no outro o método pelo
qual é comunicado. É essencial que o pregador do Evangelho considere
ambos. Ele precisa ter conteúdo — incluindo a base doutrinária da sua
mensagem — e ela precisa ser comunicada com seriedade e vigor, com
consciência da importância da Pessoa que é o seu tema. Não deve haver
engodo com mera gratificação da “coceira nos ouvidos”, ou para satisfazer a curiosidade do ouvinte. Ele falará “segundo as palavras de Deus
… para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo” (I Pe 4:11).
A palavra final nos leva ao âmago do nosso assunto: deve ser “em
* VINE, W. E. The Collected Writings of W. E. Vine, Vol. 2. Glasgow: Gospel Tract
Publications, 1985.
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
155
demonstração de Espírito e de poder” (v. 4). A palavra traduzida “demonstração” é usada somente aqui no Novo Testamento. Ela traz a ideia
de manifestar, uma evidência, uma apresentação. É algo que convence
através da operação do Espírito Santo. Assim, o pregador está consciente do poder por trás da mensagem. Vine diz:
Existe uma dúvida quanto à construção, se ela é subjetiva,
significando “a demonstração que vem do Espírito e de poder”,
ou objetiva: “a demonstração que manifesta a obra do Espírito e
poder”. É quase certo que a primeira opção contenha o sentido
correto. A ordem oposta é usada em I Tessalonicenses 1:5, onde o
apóstolo diz aos seus leitores que o Evangelho que ele e seus colegas pregavam não veio a eles “somente em palavras”, isto é, não
somente como a afirmação de um fato, “mas também em poder, e
no Espírito Santo”. Lá, como aqui, o artigo definido está ausente
no original. Mas isso não justifica a ideia de que é uma referência
ao espírito humano. A ausência do artigo serve para enfatizar o
caráter do poder (isto é, o poder do Espírito Santo em operação).
Compare com Romanos 15:19.*
O propósito a ser alcançado (2:5)
O apóstolo deseja que aqueles que exercem “fé” o façam sobre um
fundamento sólido — “não … em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”. A sabedoria dos homens seria mutável e passageira, sem
convicção real. O poder de Deus garante um alicerce sólido que há de
permanecer firme nos dias de provação. A mensagem, o mensageiro e o
método adotados terão um efeito correspondente na pessoa que exerceu
fé. Argumentos inteligentes, excelentes habilidades de debate e sabedoria humana jamais serão um fundamento firme para a fé. É necessário
uma demonstração do Espírito de Deus para que almas possam estar
sobre um firme fundamento, estabelecidas, e permanecer firmes.
Os pregadores de hoje deveriam levar isso tudo a sério e verificar que
a mensagem pregada tenha um sólido fundamento, para que as almas
não sejam levadas a uma decisão baseada em métodos que não tenham
fundamento na Palavra de Deus. “Portanto, o Evangelho não é um conhecimento, mas um poder … não é uma filosofia, mas a salvação”.†
*Ibid.
† GODET, F. L. Commentary on First Corinthians. Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1979.
156
O Espírito da Glória
O Evangelho é a sabedoria de Deus (2:6-16)
O apóstolo agora volta sua atenção para a verdadeira sabedoria, “a
sabedoria de Deus”. O parágrafo se inicia com “todavia”, um adversativo. Existe alguma coisa a mais que precisa ser dita! Ele já indicou a
pobreza da sabedoria humana. Já demonstrou isso pela sua experiência
pessoal: “eu … me … eu” (vs. 1, 2, 3). Todavia, embora o Evangelho
não seja uma sabedoria, ele contém sabedoria; aliás, o Evangelho é “a
sabedoria de Deus” (v. 7). Isso ele demonstra, não por experiência pessoal somente, mas mencionando também os demais apóstolos: “[nós]
falamos sabedoria”!
Nesta parte o tema é apresentado nas palavras iniciais do v. 6: “falamos sabedoria entre os perfeitos”, e daqui para frente a frase é desenvolvida para mostrar o que a sabedoria é; indicar a sua fonte; e, finalmente,
indicar as condições necessárias naquele que a recebe para que possa
apreciar o seu verdadeiro valor.
A definição e a natureza da verdadeira sabedoria (2:6-9)
O apóstolo já indicou que a mensagem só pode ser apreciada pelos
“perfeitos”. Essa palavra, enquanto indica maturidade espiritual, talvez
signifique algo mais no contexto. Ela era usada nos dias do Novo Testamento para aqueles que eram “iniciados” nos mistérios. Já que o apóstolo vai se referir a um “mistério” no v. 7, é provável que fosse essa a ideia
que ele tinha em mente. Aqueles que exercem a verdadeira “fé” do v. 5
estão entre aqueles a quem os mistérios foram revelados. Assim, o apóstolo começa indicando os recebedores; as pessoas a quem a verdadeira
sabedoria foi manifestada.
Em seguida ele indica a fonte, novamente sob o aspecto negativo e o positivo. Ela não é a “sabedoria deste mundo [era, época], nem
dos príncipes deste mundo”. Sua sabedoria vangloriada “se aniquila”,
termina em nada! A fonte da verdadeira sabedoria é o próprio Deus.
A natureza dessa sabedoria é indicada como sendo um mistério — a
palavra usual para mistério no Novo Testamento (musterion). Não se
trata, naturalmente, de algo misterioso ou difícil de compreender — é
simplesmente uma verdade até então oculta, mas agora revelada, “que
desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora” (Rm
16:25-26). A ordenação (ou predeterminação) — a mesma palavra traduzida “predestinar” em Romanos 8:29-30) — se deu antes do tempo,
tendo em vista a “nossa glória”. Esse era o propósito de Deus na Sua
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
157
sabedoria — a salvação daqueles que exercem a “fé” do v. 5 — trazendo-os até a glória.
O cristão está mais bem informado do que os “príncipes deste mundo”. Bruce* os descreve como “os senhores desta era” e diz que
Paulo está pensando … no poder na esfera espiritual pelo qual as
autoridades humanas eram compelidas no seu caminho escolhido.
[Se tivessem conhecido as consequências] não teriam crucificado o
Senhor da Glória, selando assim a própria condenação. Compare
Colossenses 2:15, onde a paixão de Cristo é retratada como Sua
luta vitoriosa contra “principados e potestades” agressivos.
Há um contraste interessante entre “os príncipes deste mundo” e o
“Senhor da glória”. Este último título indica não somente a supremacia,
como também a divindade do Senhor. Entretanto, as maravilhas dessa
glória futura são sublimes e inacessíveis ao homem (sem a revelação do
Espírito de Deus) quer seja através dos olhos, ouvidos, ou coração (v. 9).
A revelação da verdade através do Espírito Santo (2:10-13)
É aqui que entra a atividade do Espírito Santo. Que glorioso “Mas”!
Aquilo que está escondido dos senhores desta era e seus seguidores foi
revelado a nós “pelo Seu Espírito”. Assim, temos dois detalhes nestes
versículos:
• A revelação de Deus (vs. 10-11);
• A recepção pelos iniciados (vs. 12-13).
A revelação foi feita através do Seu Espírito. A razão pela qual o
Espírito pode assim nos revelar estas coisas é que Ele penetra “todas as
coisas, ainda as profundezas de Deus”. A ideia por traz de “penetrar”, ou
sondar, é de uma pesquisa detalhada (não para adquirir conhecimento
— Ele sabe, v. 11) levando a uma conclusão favorável em revelação. O
futuro nos foi revelado pelo penetrante poder do Espírito de Deus, iluminando aqueles em quem Ele habita. Ele penetra “as profundezas de
Deus”: os conselhos e propósitos, sabedoria e mistérios, tendo em vista
sua comunicação nas Escrituras inspiradas.
No v. 11, há um contraste interessante entre as “coisas do homem”
e as “coisas de Deus”, e entre o “espírito do homem” e o “Espírito de
Deus”. A revelação da verdade divina só pode ser feita por Um que
* BRUCE, F. F. I and II Corinthians, em New Century Bible. Edinburgh: Oliphants, 1971.
158
O Espírito da Glória
discerne corretamente as coisas de Deus.
A recepção da verdade é na mesma base que sua revelação, ou seja,
pela operação do Espírito Santo. Há um contraste no v. 12 entre o “espírito do mundo” e o “Espírito que provêm de Deus”. Este último foi
dado como um “dom” que recebemos no momento da conversão. Tendo
recebido o dom do Espírito Santo devemos conhecer “o que nos é dado
gratuitamente por Deus”. Já fomos grandemente abençoados agora, e
ainda o seremos de uma maneira infinitamente maior no futuro. Ponderar essas realidades deveria ser parte do nosso exercício espiritual.
A recepção do v. 12 leva ao ensino do v. 13. Não houve mudança quanto ao conteúdo, por isso a inclusão da palavra “também”; havia
poder Divino na comunicação: “com palavras … que o Espírito Santo
ensina”; havia a consciência de que condições espirituais eram necessárias tanto no ensinador quanto no ouvinte, “comparando as coisas espirituais com as espirituais”.
O discernimento necessário para apreciar a verdade espiritual (2:14-16)
O homem natural, ou seja, o homem “carnal” (não regenerado) vê
as coisas do Espírito de Deus como loucura, e não pode aceitá-las, pois
não tem o que é necessário para apreciar o espiritual — ele não é capaz
nem de começar a entendê-las — elas se discernem espiritualmente.
Por outro lado, o homem espiritual — o homem dominado por e
sujeito à direção do Espírito — é capaz de discernir as coisas espirituais.
Ele mesmo, entretanto, é discernido por ninguém, isto é, por ninguém
que não tem o Espírito de Deus e, portanto, neste contexto, o homem
natural.
O capítulo conclui indicando que a mente do Senhor só pode ser
conhecida por aquele que tem uma mente espiritual. Assim o homem
natural não pode sequer começar a discernir os verdadeiros motivos das
atividades e ministérios do apóstolo, que tem a mente do Espírito.
Assim, nesse capítulo há várias referências à atividade do Espírito
Santo. Elas podem ser resumidas assim:
•
•
•
A demonstração do Espírito (v. 4).
A revelação do Espírito (v. 10), baseada no fato que:
O Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus (v. 10);
O Espírito sabe as coisas de Deus (v. 11);
A recepção do Espírito (v. 12);
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
159
A primeira destas coisas leva ao poder na pregação do Evangelho, a
segunda leva à iluminação na perspectiva do cristão, e a terceira leva ao
conhecimento na apresentação da Palavra inspirada.
O Espírito Santo e o templo
Duas vezes nesta epístola há uma referência ao Espírito Santo em
relação ao templo. Na primeira ocasião (3:16) o apóstolo está se dirigindo à igreja local como um todo, indicando que coletivamente são o
templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita neles. Em 6:19 Paulo
se dirige aos cristãos individualmente: “ou não sabeis que o vosso corpo
é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus,
e que não sois de vós mesmos?”
O contexto do cap. 3
No cap. 3 o apóstolo está tratando do assunto da esfera de ministério cristão. Ele mostra que o seu espírito contencioso (1:12; 3:4) é
inconsistente com o ministério que lhes foi confiado. Para assim fazer,
ele está “mostrando a casa à casa” (Ez 43:10) através de uma metáfora
tripla. A primeira é a de um campo, ou lavoura. “Vós sois lavoura de
Deus” (v. 9), e isso requer fruto para Deus resultando em recompensa:
“cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho” (v. 8b). Logo,
os servos não devem ser comparados um ao outro, já que um servo não
receberá a recompensa pelo trabalho de outro, e é somente Deus que
determina o valor do serviço prestado (v. 9a).
A segunda metáfora é a de um edifício — “vós sois … edifício de
Deus” (v.9b), e isso requer fidelidade a Cristo emanando de uma apreciação da responsabilidade individual — “veja cada um como edifica
sobre ele”. Aquele que lança o fundamento apenas dá início à obra; outros precisam construir a superestrutura. Assim ele enfatiza: não se deve
conferir aos membros fundadores a posição de líderes partidários. Cada
um deve assumir responsabilidade para o desenvolvimento do trabalho.
A última metáfora é a do templo de Deus. Aqui fidelidade à Pessoa
do Espírito Santo como a presença que habita no interior é enfatizada,
com a correspondente necessidade de reverência. A questão aqui é a
possibilidade, não de edificar mal, mas de destruir o que já foi construído. Se um espírito partidário for tolerado, a possibilidade de intrusão do
“homem natural” (2:14) na esfera da igreja de Deus aumenta. Há então,
a possibilidade do templo de Deus ser corrompido (3:17; comparar com
160
O Espírito da Glória
Sl 79:1). Com certeza essa contaminação seria totalmente inconsistente
com a presença do Espírito de Deus que ali habita. Seria totalmente
incompatível com a afirmação do apóstolo: “Vós sois o [um] templo de
Deus”, ou “vós sois templo de Deus”.
A omissão do artigo dá ênfase ao caráter da igreja local, como
descrito pela metáfora. A palavra é naos, um santuário; em
relação ao templo em Jerusalém, naos se referia ao santuário
interior, o lugar santíssimo, em contraste ao edifício todo, o hieron
(veja 9:13), e correspondia à parte interior do Tabernáculo, onde
ficavam a arca e o propiciatório. Nas aplicações figurativas naos
sempre é usado, quer seja da igreja como um todo (Ef 2:21), ou
de uma igreja local — como é o caso aqui e em II Coríntios 6:16,
ou ainda do corpo do cristão (6:19); é também usada através de
todo o Apocalipse.
A palavra bem poderia ser traduzida “santuário”. Uma igreja
local, retratada dessa forma, é um ajuntamento colocado à parte
para Deus, um lugar de adoração, uma comunidade a ser caracterizada por santidade e pela manifestação da Sua glória como
vista na vida e testemunho daqueles que a constituem, e pela
beleza do caráter de Cristo. A situação de partidarismo e divisão
na igreja em Corinto era uma negação de tudo isso.*
A santidade do templo é enfaticamente afirmada no v. 17: “Porque
o templo de Deus, que sois vós, é santo”. A palavra para santo é hagios.
Essa palavra significa,
… primariamente, “separado” e, portanto, no seu significado
moral e espiritual nas Escrituras, significa separado do pecado e
consagrado a Deus. Há uma grande ênfase no pronome “vós”. O
“que” é tido por alguns como se referindo a “santo”; embora isso
seja possível, a adição em itálico [na versão inglesa] da palavra
“templo” parece estar correta. Aqueles que ensinam a Palavra de
Deus deveriam tremer, com receio de, até mesmo involuntariamente, danificar a estrutura que estão procurando erguer.†
O contexto do cap. 6
Há duas partes no capítulo 6 (vs. 1-11 e vs. 12-20), onde encon* VINE, W. E. The Collected Writings of W. E. Vine, Vol. 2. Glasgow: Gospel Tract
Publications, 1985.
†Ibid.
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
161
tramos seis vezes o apelo: “Não sabeis” — nos vs. 2, 3 e 9 na primeira
parte, e nos vs. 15, 16 e 19 na segunda. O tema da primeira parte é a
inconsistência e o contrassenso do cristão levar outro perante a lei. “Não
sabeis” que:
• “os santos hão de julgar o mundo?” (v. 2);
• “havemos de julgar os anjos?” (v. 3);
• “os injustos não hão de herdar o Reino de Deus?” (v. 9).
Será que vocês são “indignos de julgar as coisas mínimas” (v. 2b)? As
duras realidades são apresentadas com poder convincente e autoridade
legal!
O tema da segunda parte é o do corpo de cristão e da necessidade
de santidade por causa do Espírito Santo que nele habita. Há oito referências ao corpo, duas vezes nos vs. 13 e 18, e depois nos vs. 15, 16, 19 e
20. “Não sabeis”, diz o apóstolo com aparente incredulidade:
• “que os vossos corpos são membros de Cristo?” (v. 15a);
• “que o que se ajunta com a meretriz faz-se um corpo com ela?” (v. 16);
• “que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?” (v. 19).
Os primeiros dois não fazem parte do nosso estudo, mas enfatizam,
no primeiro, a ligação entre Cristo, o Cabeça, nos Céus, e os membros
da Sua Igreja. É uma ligação mística, indissolúvel e eterna. O corpo é
o veículo através do qual o serviço para Cristo é realizado. Seria totalmente inapropriado tomar os membros de Cristo e fazê-los membros
de uma meretriz.
A segunda referência vai além — em flagrante contraste à “uma
só carne” do relacionamento matrimonial, que indica uma união tanto
emocional quanto física, e o “um só espírito” do relacionamento com o
Senhor, unir-se a uma meretriz é um relacionamento de “um só corpo”,
e nada mais é do que gratificação da vil concupiscência, uma distorção
total do ideal divino e uma negação de tudo que é espiritual.*
O apelo final que Paulo faz em relação a isso no v. 19 indica a dignidade e santidade do corpo do cristão — “o vosso corpo é o templo
do Espírito Santo”. A palavra para templo novamente é naos, como no
cap. 3, indicando um santuário. A ideia de adoração e honra está assim
ligada, não somente com a igreja local, mas também com o corpo do
* BANKS, W. M. e WILSON, T. O que Deus ajuntou. Pirassununga: Editora Sã
Doutrina, 2010, cap. 5.
162
O Espírito da Glória
cristão. O apóstolo acrescenta três fatos adicionais:
A presença do Espírito Santo — “que habita em vós”
Isso é uma indicação do que aconteceu na conversão do cristão, mas
que continua como um fato permanente (Rm 8:9). Em Efésios 1:13 o
apóstolo declara: “… em quem vós estais, e tendo nEle também crido …
fostes selados com o Espírito Santo da promessa”. A ideia é que o selar
ocorreu quando creram (“tendo crido”), e o Espírito Santo, a partir de
então, habita no cristão.
O dom do Espírito — “proveniente de Deus”
Isso indica que o recebimento do Espírito pelo cristão é o resultado
direto de uma implantação Divina. Deus dá o dom do Espírito Santo.
A responsabilidade resultante do dom — “não sois de vós mesmos”
Há uma responsabilidade correspondente para nos comportarmos
de acordo com o que já vimos. Pertencemos a outro, portanto, não temos
o direito de agir como se fôssemos de nós mesmos (comparar com o v.
18). O resultado final é que o preço pago (v. 20) deveria resultar num
reconhecimento da necessidade de glorificar a Deus no corpo que é de
Deus, e é habitado pelo Espírito de Deus.
O Espírito e o ministério
As últimas referências ao Espírito Santo se encontram no cap. 12
do nosso livro, na seção que trata das coisas “espirituais” (12:1), especialmente os dons espirituais. Fica naquela seção geral da epístola onde
Paulo está respondendo a carta recebida dos coríntios: “Quanto às coisas que me escrevestes” (7:1). Aqui ele está tratando dos espirituais e seu
ministério: “Acerca dos …” (12:1). Compare, relacionado a isso, outros
aspectos desta correspondência: 7:1; 8:1 e 16:1.
O assunto dos espirituais é tratado nos caps. 12-14, onde o apóstolo
considera:
Cap. 12 — os dons em si, em três listas — o que eu tenho;
Cap. 13 — a graça com que os dons devem ser usados — o que eu sou;
Cap. 14 — o governo dos dons — o que eu faço;
O cap. 12 pode ser dividido em três partes:
163
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
• A variedade dos dons quanto a sua esfera de ação (vs. 1-3), diversidade (vs. 4-6), desígnio (v. 7) e distribuição (vs. 8-11);
• A administração dos dons (vs. 12-27);
• O resumo do ensino (vs. 28-31).
Aqui iremos considerar a primeira dessas seções.
A esfera de ação dos dons espirituais (12:1-3)
Nesta seção, vemos que o campo de ação da operação do dom está
“no Espírito”. A preposição grega traduzida “pelo” duas vezes no v. 3
é en. Ela inclui o ambiente em que o verdadeiro Senhorio de Cristo é
reconhecido. A obra do Espírito é glorificar a Cristo: “Ele Me glorificará” ( Jo 16:14). Toda verdade deve ser testada em relação à Pessoa de
Cristo. Ele é o parâmetro. A confissão de que Jesus é o Senhor é vista
aqui como uma exclamação baseada num modo de vida, e no resultado
de um processo deliberado. Confirma a afirmação feita por Pedro no dia
de Pentecostes: “A esse Jesus … Deus O fez Senhor e Cristo” (At 2:36).
Seu título deve ser dado a Ele!
A diversidade dos dons espirituais (12:4-6)
A diversidade dos dons detalhadamente é dada numa seção que
trata da diversidade do ministério espiritual em geral. Nestes versículos,
a Trindade é vista como a verdadeira fonte de todo exercício espiritual.
Diversidade de dons espirituais (v. 4) o mesmo Espírito aptidão dada
Diversidade da administração (v. 5)
Diversidade de operações (v. 6)
o mesmo Senhor
o mesmo Deus
ação antecipada
atuação esperada
O Espírito de Deus é visto, assim, como quem distribui os dons
espirituais. A repetição tripla das palavras “diversidade” e “mesmo” indica a união das forças espirituais em diversidade. Esse pensamento é
desenvolvido na continuidade do capítulo, a partir do v. 12.
Estes dons são “dons de graça” — uma aptidão gratuitamente concedida. Não se trata de habilidade humana, mas, sem dúvida, é coerente
com ela. Os dons são dados a todo cristão pelo Espírito, e o propósito
de serem assim gratuitamente comunicados por Deus é promover o desenvolvimento espiritual e o crescimento do corpo de Cristo. Devem
ser usados (v. 5) sob o Senhorio de Cristo para a realização do propósito
divino (v. 6). É interessante que a referência ao “mesmo Espírito” é re-
164
O Espírito da Glória
petida nos vs. 8, 9 (duas vezes) e 11.
O desígnio dos dons espirituais (12:7)
Não pode haver dúvida quanto ao propósito geral da distribuição
dos dons. O único alvo e objetivo é o bem de todo o grupo. Deveria
haver uma manifestação da habitação e poder do Espírito. Os dons não
são dados para promoção pessoal ou para ostentação. Já foi dito que o
princípio comum que os produz deveria levar ao fim comum que os une,
isto é, o benefício espiritual e mútuo do grupo como um todo.
A distribuição dos dons espirituais (12:8-11)
É enfatizado que cada um (v. 11) recebe um dom: “… a um … a
outro”. Os dons provavelmente são dados no momento em que o indivíduo é salvo. Para que o corpo funcione de forma correta, cada membro
precisa fazer a sua parte. Assim, cabe a cada cristão verificar qual é o seu
dom e usá-lo para a glória de Deus e para o bem do corpo de Cristo,
tanto localmente como em geral.
Os nove dons são apresentados detalhadamente nos vs. 8-10. Eles
parecem estar em três mini-listas de dois, cinco e dois, separados pela
palavra heteros (traduzida “outro”, e que significa “outro de um tipo diferente”), diferentemente de allos (que significa “outro do mesmo tipo”).
Heteros é o primeiro “outro” do v. 9 e o quarto “outro” do v. 10.
Isso significa que a lista se divide da seguinte maneira:
• A palavra da sabedoria e a palavra da ciência.
• Fé, dons de curar, operação de maravilhas, profecia, e discernimento
de espíritos.
• Variedade de línguas, interpretação das línguas.
É possível que todos os dons mencionados aqui fossem de natureza
temporária, dados antes da conclusão do cânon das Escrituras e usados
para autenticar a obra de Deus na igreja primitiva.
O receptor não tinha parte na escolha do dom recebido. O mesmo
Espírito reparte “particularmente a cada um como quer” (v. 11).
O batismo no Espírito Santo (12:13)
A referência final ao Espírito Santo em I Coríntios está neste versículo. É de muita importância doutrinária, e certamente não deixa de
estar relacionado com o que acabamos de ver. Estabelece a esfera de
Cap. 10 — O Espírito Santo em I Coríntios
165
operação dos dons mencionados nos vs. 1-11, e indica o poder pelo qual
eles podem ser implementados para o benefício da Igreja que é o Corpo
de Cristo como um todo, e também na sua expressão local.
Há, no Novo Testamento, sete referências ao “Batismo no Espírito”.
Há cinco referências proféticas: Mateus 3:11, Marcos 1:8, Lucas 3:16,
João 1:33 e Atos 1:5. Há uma referência histórica em Atos 11:16, e
finalmente uma referência doutrinária — aqui em I Coríntios 12:13.
Há quatro coisas que são verdade de todo batismo:
•
•
•
•
Aquele que batiza;
A pessoa, ou pessoas, que são batizadas;
O elemento no qual o batismo é feito;
O propósito para o qual o batismo é realizado.
As últimas três são indicadas no v. 13. As pessoas a serem batizadas
somos “todos nós”; assim incluindo Paulo e os coríntios. O elemento
no qual o batismo acontece é “em um Espírito”. A palavra “em” no v.
13 é a palavra grega en, usada uniformemente em todas as referências
ao batismo no Espírito no Novo Testamento. O propósito pelo qual o
batismo acontece é para formar “um corpo”. Assim o propósito é a formação de um corpo. Trata-se de uma referência “à formação da Igreja
como o corpo de Cristo no dia de Pentecostes”,* conforme descrito em
Atos 2. Note o tempo passado do verbo no v. 13: “Pois todos nós fomos
batizados em um Espírito”.
Embora “aquele que batiza” não seja especificamente mencionado
em I Coríntios, nas referências históricas Ele é claramente indicado.
Por exemplo, João Batista, em Marcos 1:8, referindo-se a alguém “que
é maior do que eu”, diz: “Ele vos batizará com o [no] Espírito Santo”.
E. W. Rogers disse que há quatro coisas verdadeiras acerca desse
batismo:
• É histórico (At 2:1). Houve um momento quando, um lugar onde,
e um modo como aconteceu. O dia de Pentecostes foi “cumprido”.
• É único. Nunca algo assim acontecera antes.
• É definitivo. Nunca algo assim acontecerá novamente. Nunca será
repetido.
• É coletivo. Tem em vista nosso estado, não a nossa posição.
O batismo no Espírito resultou na formação do corpo de Cristo.
* DAVIES, J. M. Letters to the Corinthians. G. L. S. Press, 1982.
166
O Espírito da Glória
Na conversão, cada cristão passa a fazer parte daquilo que foi formado
no Pentecostes, e se torna um membro daquele corpo. Não há nenhuma
sugestão de “segunda bênção”, nem de uma busca especial por esse batismo — ele é definitivo, completo, e envolve nossa incorporação em um
corpo, indicando uma posição de bênção. O corpo é assim feito — “um
corpo” (v. 13), sem distinções nacionais (“quer judeus, quer gregos”) e
sem distinções sociais (“quer servos, quer livres”). Tendo todos “bebido
de um mesmo Espírito”, cada cristão saturado com novas forças pode
então servir o corpo do qual agora é membro.
O ensino do cap. 12 mostra como isso poder ser feito, tanto para o
corpo como um todo quanto para o ajuntamento local específico, como
o apóstolo enfatiza no v. 27: “Vós sois o corpo de Cristo, e seus membros
em particular”.
Conclusão
O Espírito Santo foi assim visto em três relacionamentos na primeira epístola aos Coríntios: o Evangelho, o templo e o ministério. Em
cada caso a responsabilidade pessoal do cristão foi enfatizada. O Evangelho deve ser pregado na demonstração do poder do Espírito. A igreja
local e o corpo do cristão devem demonstrar a santidade e a dignidade
de serem habitados pelo Espírito. Todo cristão deve apreciar a necessidade de exercitar o dom dado pelo Espírito, pelo poder do mesmo
Espírito, no Corpo do qual é membro e para o benefício geral e proveito
do povo de Deus.
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
por James Paterson Jr., Escócia
Introdução
As Escrituras nos mostram que o Espírito Santo tem visitado a Terra desde a sua formação (Gn 1:2), e podemos ver, de maneiras variadas,
Sua atividade através do Novo Testamento. Ele participou ativamente
da Criação (Gn 1:2, Jó 33:4, Sl 104:30). Ele operou nas vidas de muitas
pessoas dos tempos do Velho Testamento, como por exemplo: José (Gn
41:38); Daniel (Dn 5:11); Davi (II Sm 23:2). Ele esteve envolvido na
concepção de Jesus (Lc 1:35), e quando o Senhor Jesus foi batizado por
João, no rio Jordão, o Espírito Santo veio sobre Ele (Lc 3:22).
A promessa do Senhor Jesus aos Seus discípulos, no Cenáculo,
foi que Ele enviaria “outro Consolador … o Espírito de verdade” ( Jo
14:16-17, 26), e essa promessa se cumpriu no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu, enchendo e capacitando os discípulos (At
2:2-4). A evidência do poder do Espírito Santo na Igreja primitiva é
vista no livro de Atos, como descrito no cap. 8 deste livro.
O Espírito Santo ainda tem um papel essencial nas vidas dos cristãos de hoje, e continuará a ter até o final desta dispensação. Seu papel
nas atividades das igrejas locais é evidenciado no ensino das epístolas do
Novo Testamento e, ao lermos a Palavra de Deus, vemos que o Espírito
está envolvido numa variedade de esferas, tanto no cristão individual
como nas atividades da igreja local. Estas incluem renovação e regeneração (Tt 3:4-5); iluminação tanto para cristãos como para descrentes
( Jo 16:8, 14); habitação (I Co 3:16; Ef 1:13-14); poder e capacitação
(At 1:8; I Co 12:8). Entretanto, o foco deste capítulo é o Espírito Santo
na epístola aos Gálatas.
Santificação
Nesta epístola aprendemos que o Espírito Santo é Aquele que, adicionado a todo o serviço acima mencionado, energiza o processo de
santificação na vida do cristão. Sendo habitados pelo Espírito Santo,
somos capazes de reprimir o controle potencial da nossa natureza pe-
168
O Espírito da Glória
caminosa, subjugar os impulsos da carne, e nos tornarmos mais semelhantes a Cristo, ao demonstrar nas nossas vidas o “fruto do Espírito”
(Gl 5:22-23). Embora o assunto de santificação não seja mencionado
por nome nestes versículos, nem na epístola aos Gálatas, ao examiná-los
poderemos apreciar esta verdade.
Aqui o Espírito Santo é visto principalmente em contraste com a
carne, e esse aspecto é que irá ocupar a maior parte da nossa atenção.
Entretanto, há outros aspectos do Espírito, na epístola. Vale a pena notar que nesta epístola a palavra pneuma (“espírito”) ocorre dezoito vezes;
destas, as versões AT e ARA traduzem “Espírito” dezesseis vezes e “espírito” duas vezes, enquanto que a ARC traduz “Espírito” apenas quinze
vezes, e “espírito” três vezes*. A diferença aparentemente se deve ao fato
de que não há letras maiúsculas nos manuscritos gregos mais antigos, e
seu uso vem por interpretação e não tradução.
O Espírito Santo e a Lei
A pergunta feita por Paulo: “Recebestes o Espírito pelas obras da lei
ou pela pregação da fé?” (3:2), leva os gálatas de volta ao começo da sua
vida cristã, e como a obra de Deus neles começou (veja v. 5).
Baseado no fato de que eles receberam o Espírito no momento da
sua salvação, Paulo pergunta se eles pretendem continuar por si mesmos
uma obra que foi iniciada pelo Espírito Santo. É muita pretensão pensar
que uma obra iniciada pelo Espírito pode ser levada adiante pela carne,
e que aqueles que foram feitos justos busquem estabelecer a sua própria
justiça pelas obras da Lei. Paulo coloca as obras da Lei sob o cabeçalho
da carne. A carne simboliza a natureza humana na sua condição decaída. Paulo vê como as obras da Lei podem alimentar o orgulho humano
e a carne, já que alguns irão pensar que alguém pode ser justificado
pelos seus próprios esforços. A obra iniciada numa vida, pelo Espírito, e
mantida no poder do mesmo Espírito, significa que nós, assim como os
gálatas, não necessitamos de olhar para as obras carnais da Lei para progredir nas coisas espirituais. A obra redentora de Cristo é o meio pelo
qual somos libertados da maldição da Lei. Essa obra redentora resulta
no recebimento do dom do Espírito que, como prometido, chegou “aos
gentios por Jesus Cristo” (3:14). Embora não haja menção do Espírito
* A diferença entre a ARC e as outras duas versões está em 5:5. No inglês, as ocorrências e as versões mencionadas neste parágrafo eram, obviamente, diferentes;
adaptamos os dados mencionados pelo autor (N. do E.).
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
169
na promessa feita a Abraão, no Velho Testamento, aqui Paulo liga a
bênção de justificação com o recebimento do Espírito Santo.
O Espírito de Seu Filho
Na seção que trata de filhos e herdeiros (4:1-7), Paulo descreve o
Espírito Santo como o “Espírito de Seu Filho”, título que é usado para
enfatizar o testemunho do Espírito (veja também Rm 8:16). Gálatas 4:6
é a única ocasião em que esse título é usado, e é uma das várias descrições do Espírito Santo em relação ao Filho, dadas no Novo Testamento.
A atividade específica do Espírito Santo, uma vez enviado ao coração
do cristão, está relacionado com nosso clamor a Deus, chamando-O
de Pai. Embora seja o Espírito (no v.6) que é representado como clamando no coração do cristão, o clamor do próprio cristão parece estar
claramente indicado. Portanto, é o Espírito que habita no interior quem
ensina e capacita cada cristão a orar usando esses termos pelos quais o
Senhor Jesus se dirige a Deus, e ao assim fazer, mostramos que temos
o “Espírito de Seu Filho”. Isto mostra a proximidade e a intimidade do
relacionamento que temos com o Pai, e o Espírito Santo desenvolve e
fortalece nossa sensibilidade para com Ele, permitindo que o relacionamento seja desfrutado. Deus enviou Seu Filho para nos redimir, e o Espírito Santo aos nossos corações para confirmar nossa filiação. Portanto,
como filhos somos herdeiros “de Deus por Cristo” (4:7).
Entre outros títulos descritivos do Espírito Santo estão:
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Espírito de Verdade ( Jo 14:17);
Espírito de Jesus (At 16:7, VB);
Espírito de Vida (Rm 8:2);
Espírito de Deus e Espírito de Cristo (Rm 8:9);
Espírito dAquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus (Rm 8:11);
Espírito de adoção (Rm 8:15);
Espírito do Deus Vivo (II Co 3:3);
Espírito Santo da Promessa (Ef 1:13);
Espírito de Jesus Cristo (Fp 1:19);
Espírito Eterno (Hb 9:14);
Espírito da graça (Hb 10:29);
Espírito da glória e de Deus (I Pe 4:14).
Estes títulos descrevem algo do caráter e da função do Espírito, e a
maioria deles será examinada em outras partes dessa publicação.
170
O Espírito da Glória
Realização da justiça através do Espírito
No cap. 5 o cristão é visto como uma pessoa livre em Cristo: “Estai,
pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou” (5:1). Esta é a
verdadeira posição do cristão, que é incompatível com a dos judaizantes
legalistas. Como cristãos, portanto, “pelo Espírito da fé aguardamos a
esperança da justiça” (5:5). Isto significa que através da ação do Espírito somos ensinados a apreciar essa esperança, e pela Sua presença somos capacitados a permanecer nela. Precisamos lembrar que a esfera de
operação do Espírito é o coração humano (veja Rm 8:16; II Co 1:22),
logo o impulso para obedecer a vontade de Deus no nosso espírito é
o resultado da Sua operação em nós. Assim, tendo o Espírito Santo,
aguardamos com esperança a realização da justiça. Esta justiça se refere
à completa conformidade do cristão a toda exigência da vontade de
Deus. Por um lado somos justificados diante de Deus mediante a obra
consumada de Cristo, e por outro, esperamos com confiança o aperfeiçoamento da obra começada em nós, quando seremos completamente
conformados à imagem de Cristo.
Andar no Espírito; conflito com o
Espírito; ser guiado pelo Espírito
O cristão não deve andar independentemente do Espírito Santo;
ele não pode operar na sua própria força e esperar ser bem sucedido,
pois a vida cristã depende da obra do Espírito. Portanto, Paulo dá o
mandamento em 5:16: “Andai em Espírito”, que poderia ser traduzido:
“continue andando”. É necessário que o cristão siga esta instrução para
que a concupiscência da carne não seja satisfeita na vida. Isso realmente é a revelação do segredo de uma vida cristã bem sucedida. Há um
mandamento claro para o cristão subjugar a carne, e esse subjugar é o
fundamento do viver cristão. Quando nós, como cristãos, andamos pelo
Espírito, os desejos da carne não são realizados. Isso não é uma simplificação exagerada, mas é a verdade da Palavra de Deus.
Andar é uma referência bíblica típica a viver e, portanto, andar no
Espírito significa estar constantemente sob a direção, controle e orientação do Espírito de Deus. Somente por viver desta forma podemos
ter certeza de que não iremos “cumprir” os desejos de uma natureza
pecaminosa. Embora não possamos dominar o pecado totalmente nesta vida, por andar no Espírito podemos subjugar um padrão de vida
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
171
pecaminoso. Podemos cultivar um modo de pensar espiritual através
de comunhão diária com Deus, e de nos alimentar constantemente da
Sua Palavra, para que os nossos pensamentos sejam os pensamentos de
Deus. Paulo resume essa exigência quando ele diz: “cada dia morro” (I
Co 15:31). Todo dia devemos morrer para o pecado e para nós mesmos,
e andar pelo Espírito.
Muitas instruções são dadas, em outras partes do Novo Testamento,
sobre o andar do cristão e sobre os resultados de um andar espiritual.
Vale a pena salientar algumas delas:
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“Porque andamos por fé, e não por vista” (II Co 5:7);
“Andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (Ef 4:1);
“Não andeis mais como andam também os gentios” (Ef 4:17);
“Andai em amor” (Ef 5:2);
“Andai como filhos da luz” (Ef 5:8);
“Vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como
sábios” (Ef 5:15);
• “Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes” (II Ts 3:6);
• “Não tenho maior gozo do que este, o de ouvir que os meus filhos
andam na verdade” (III Jo 4).
Para andar em humildade, pureza, contentamento, fé, boas obras,
separação, amor, luz, sabedoria e verdade, o cristão precisa andar pelo
Espírito, pois apenas o Espírito pode produzir estas virtudes. Quando andamos por Ele não satisfazemos as concupiscências e desejos da
carne. As soluções humanas não podem resolver problemas que são essencialmente espirituais. Usar métodos humanos como a psicologia, o
pragmatismo ou a razão para resolver problemas carnais não vai levar à
vitória sobre as prevalecentes concupiscências da carne. Uma vida cristã
vitoriosa só é conseguida por andar no Espírito.
Talvez seja oportuno definir o princípio da “carne”, que é, como
vemos nesta epístola, uma força perigosa na vida do cristão. A palavra
grega sarx é um termo muito importante no ensino do Novo Testamento. É usada às vezes referindo-se ao corpo, como por exemplo, em
Lucas 24:39, quando o Senhor Jesus diz: “Pois um espírito não tem
carne [sarx] nem ossos, como vedes que Eu tenho”; uma referência ao
Seu corpo santo no qual Ele se apresentou diante dos Seus discípu-
172
O Espírito da Glória
los. É também usada para indicar esforço humano, como em Gálatas
3:3: “Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis
agora pela carne [sarx]?” Aqui é uma referência aos esforços do homem
para realizar o sobrenatural por meios naturais. O Senhor Jesus faz uma
afirmação exata a respeito da carne sendo o estado não regenerado do
homem: “O que é nascido da carne [sarx] é carne [sarx], e o que é nascido do Espírito é espírito” ( Jo 3:6), mostrando a diferença clara entre
a carne e o espírito.
O significado principal de carne na vida do cristão é sua referência
à natureza de Adão, que ainda é suscetível ao pecado. Paulo resume esse
preceito quando diz: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne,
não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não
consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal
que não quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já não o faço
eu, mas o pecado que habita em mim” (Rm 7:18-20).
Enquanto Gálatas 5:16 sugere um conflito, Paulo é mais específico
no v. 17. Neste versículo ele diz claramente que “a carne cobiça contra
o espírito”, isto é, está em oposição. É por isso que existe um conflito
na vida do cristão que não existe na vida do descrente, pois este último
não tem o Espírito.
A exortação do v. 16 é para andar em Espírito, mas a expectativa
no v. 17 é que o cristão encontrará oposição ao procurar fazê-lo (veja a
referência a Rm 7:18-20). O que podemos deduzir, no v. 16, é explicito
no v. 17, isto é, a carne e o espírito são totalmente opostos. É essa oposição que explica por que andar no Espírito, inevitavelmente, resultará
no não cumprimento dos desejos da carne. A frase condicional do v. 18
(“Mas se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei”) mostra
que o cristão não é um expectador impotente no conflito entre a carne
e o Espírito. Ser guiado pelo Espírito é entregar-se, de forma voluntária e inteligente, não somente seguir passivamente. Essa afirmação
complementa a do v. 16, mostrando que, assim como o cristão anda
no conselho de Deus, pelo Espírito, o Espírito guia e conduz o cristão
na sua jornada na vida. O apóstolo Paulo parece destacar a Lei como a
incitadora da transgressão. Nestes versículos há um duplo antagonismo
contra o Espírito; no v. 16 é o Espírito contra a carne, e no v. 18 o Espírito contra a Lei. A Lei lidava com a conduta dos homens, mas era incapaz de controlar esta conduta, porque a conduta está sob o controle das
emoções, e as emoções, por sua vez, estão sob o controle do pecado. Ser
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
173
guiado pelo Espírito nos garante que o controle do pecado sobre nós
não é mais necessário, pois não estamos sob a Lei, que exige obediência,
mas não pode suprir o poder sem o qual essa obediência é impossível.
De modo oposto, estamos sob a graça, onde a fraqueza encontra a força
disponível e suficiente através do Espírito Santo. A Lei e a carne estão
intimamente ligadas. Segundo a exposição de Paulo em Romanos, a
Lei, ao invés de conter a carne, na verdade produz o efeito inverso. Por
um lado a Lei provoca e aumenta o pecado, pois a carne faz a pessoa se
opor à Lei de Deus; por outro lado, devido à fraqueza da carne, que não
pode guardar a Lei de Deus, quanto mais uma pessoa tenta guardar a
Lei, tanto mais se achará nas garras do pecado.
Uma citação do livro “O Peregrino”, de John Bunyan, pode ilustrar
esse princípio. Há no livro uma cena na “Casa do Intérprete”. Nessa
casa há um aposento coberto com uma grossa camada de poeira. Christian, o personagem principal do livro, viu alguém entrar e começar
a varrer o cômodo. Logo havia uma nuvem de poeira que encheu o
cômodo e sufocava todos que ali estavam, antes de voltar ao lugar de
onde fora varrido. O Intérprete explicou a Christian: “Esse aposento é o
coração de um homem que nunca foi santificado pela maravilhosa graça do Evangelho: a poeira é seu pecado original, e a corrupção interior
contaminou o homem todo. Aquele que começou a varrer era a Lei”. A
Lei somente agita a poeira do pecado; ela é incapaz de purificar alguém.
A carne necessita de uma solução espiritual.
As obras da carne
Antes de escrever sobre o “fruto do Espírito”, Paulo menciona as
obras da carne em 5:19-21. A razão para isso é que Paulo contrasta o
fruto do Espírito com a lista contida nestes versículos.
Poucos negariam que muitos problemas na vida vêm da carne, e que
a solução deles vêm do Espírito! Como cristãos desfrutamos da verdade
animadora de II Coríntios 6:16: “E que consenso tem o templo de Deus
com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus
disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e Eu serei o seu Deus e eles
serão o Meu povo”. Deus vive em nós. Ele anda conosco e nos guia. O
Espírito do Deus Todo-Poderoso é nosso. Temos que seguir por onde
Ele guia, pois este é o único modo de vencer a carne.
É interessante notar que o “fruto” do v. 22 é singular, em contraste
com a palavra “obras” do v. 19, que é plural. A carne se manifesta de
174
O Espírito da Glória
muitas e diferentes maneiras, ainda que nem todos pratiquem todas as
obras listadas nos vs. 19-21. Enquanto temos dezessete obras da carne
listadas na versão que usamos, a maioria dos comentaristas sugere que
os manuscritos originais omitem adultério (v. 19) e homicídios (v. 21);
entretanto, a omissão destas palavras não diminui a seriedade das obras
da carne.
Falando em termos gerais, a lista contida nestes versículos se divide
em quatro categorias: pecados sexuais, desvios religiosos, desordens de
relacionamento, comportamento destemperado.
Pecados sexuais
Em primeiro lugar na lista está prostituição*, que aparece nos escritos de Paulo em I Coríntios 5:1 (VB); 6:13, 18; 7:2; II Coríntios
12:21; Efésios 5:3; Colossenses 3:5; I Tessalonicenses 4:3. Refere-se a
relacionamentos sexuais ilícitos, e inclui relações ilícitas de toda espécie,
praticadas em oculto ou abertamente. Portanto, neste contexto, pode
incluir adultério. Pecado de origem sexual era então, e ainda é hoje, uma
característica marcante da vida sem Cristo. Quando Paulo escreve sobre
esse pecado, em I Coríntios 6:15-18, ele mostra a seriedade de se envolver em práticas que estabelecem ligações que não podem ser desfeitas,
e são uma ofensa contra o corpo todo. Intimamente associada com a
imoralidade está a impureza, que é um conceito muito abrangente e inclui, além de ações impuras, palavras, pensamentos e desejos impuros do
coração. Também neste primeiro grupo de obras da carne está incluída
a lascívia, ou licenciosidade, que enfatiza a falta de autocontrole em
questões morais, e caracteriza a pessoa que dá livre curso aos impulsos
da sua natureza pecaminosa.
Desvios religiosos
O próximo grupo, que trata dos desvios religiosos, começa com idolatria, que se refere não somente à adoração de imagens, mas também
a qualquer prática maligna relacionada à essa adoração, assim como a
substituição do verdadeiro Deus, que é revelado em Jesus Cristo, por
qualquer outra coisa. Podemos incluir aqui o “eu”, na forma de avareza,
“que é idolatria” (Cl 3:5). Intimamente ligada com a idolatria está a fei* O autor está considerando que “adultério” (a primeira palavra na versão AT, que
serve de base para esta publicação) não deveria estar na lista, como ele escreveu
poucas linhas acima (N. do E.).
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
175
tiçaria (bruxaria). O feiticeiro geralmente alegava ter acesso a um poder
sobrenatural, e assim praticava seu ofício. Paulo usa a palavra somente
nessa passagem. Pode ser útil notar que a palavra traduzida feitiçaria,
ou bruxaria, vem da palavra grega pharmakeia que, enquanto significa
o uso medicinal de drogas, pode salientar o perigo, na nossa sociedade,
de culto às drogas, do desejo de muitos por experiências alucinantes,
sobrenaturais, que melhoram o desempenho, e que nada tem a ver com
espiritualidade.
Desordens de relacionamento
Agora temos um grupo de oito* itens que indicam pecados nas
relações pessoais. Cada item mencionado nesta seção está no plural,
o que mostra os múltiplos aspectos de cada uma dessas obras carnais.
Parece que o potencial de relacionamentos destruídos é ilimitado! Essa
seção inicia com inimizades [ou “ódio”], que é uma característica de um
homicida, e este não tem o Espírito de Deus: “Vós sabeis que nenhum
homicida tem a vida eterna permanecendo nele” (I Jo 3:15). É uma
condição satânica, e faz-nos lembrar da manifestação de ódio de Caim
contra Abel em Gênesis 4.
Sem entrar em detalhes sobre cada uma das obras da carne mencionadas nestes versículos, podemos dizer que elas se resumem na palavra
“rivalidade”. Cada uma destas obras da carne é baseada na busca do
homem por promoção pessoal à custa dos outros, e o conflito que resulta disso. A seção termina com inveja, que também está incluída nas
listas das características indesejáveis em Romanos 1:29; I Timóteo 6:4;
Tito 3:3, e até mesmo é mencionada em relação a pregadores de Cristo
(Fp 1:15). O pecado de ciúmes já foi mencionado nesta parte da lista
(traduzido “emulações”). Sempre que esses dois, ciúmes e inveja, podem
ser diferenciados um do outro — como aqui — o primeiro pode ser
descrito como o medo de perder o que se tem, e o segundo é o desprazer de ver alguém com algo que não temos. A palavra “inveja” vem do
latim in-video, que significa olhar comparando; ou seja, olhar para outra
pessoa com má vontade por causa daquilo que ela é, ou tem. Um dos
pecados que mais destroem a alma é a inveja, que como a palavra grega
phthonos indica, “corrói” a pessoa. A inveja é descrita como “podridão
para os ossos” (Pv 14:30). Foi a inveja que causou o assassinato de Abel;
que lançou José na cova; que levou Coré, Datã e Abirão a se rebelarem
* Se incluirmos “homicídios” (veja a nota anterior) serão nove itens (N. do E.).
176
O Espírito da Glória
contra Moisés; que impeliu Saul a perseguir Davi; e que entregou o
Senhor Jesus para ser crucificado: “Porque ele bem sabia que por inveja
os principais dos sacerdotes O tinham entregado” (Mc 15:10). Portanto,
é significativo que este tema é salientado na lista dos pecados de relacionamentos.
Comportamento destemperado
A parte final da lista das obras da carne trata de comportamento
descontrolado. Paulo menciona dois exemplos do pecado de intemperança: bebedices e glutonarias. A condição de embriaguez é destacada por Paulo nas suas listas em Romanos 13, I Coríntios 5 e 6, e nas
passagens em Coríntios as palavras “bêbados” e “beberrão” são usadas.
Isto enfatiza a condição resultante da embriaguez, isto é, transformar-se num bêbado. Devemos notar que o alcoolismo é visto nas Escrituras
não como uma doença, mas como um pecado. Embora testemunhemos
diariamente, e reconheçamos o aspecto médico do alcoolismo, nunca
devemos esquecer o aspecto da responsabilidade. O perigo é de se minimizar a responsabilidade pessoal, colocando a culpa na dependência
criada pela situação e desculpar o participante. Embriaguez é uma atividade associada aos que estão nas trevas, e não deve ser praticada pelos
que andam na luz: “Porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia;
nós não somos da noite nem das trevas” (I Ts 5:5). As orgias em que o
bêbado participa são uma característica do estilo de vida pagão, identificando-se com Dionísio (ou Baco), o deus do vinho, e traz consigo a
ideia de imoralidade libertina, como já descrita nestes versículos.
Essa lista das obras da carne é bem representativa, embora não seja
completa. Muitos pecados mencionados em outros escritos de Paulo
não são mencionados aqui, mas o apóstolo está enfatizando, nesta passagem, o pecado das paixões sensuais, como visto no primeiro e no último pecado da lista. Entretanto, indiferentemente de como classificamos
ou dividimos essas obras da carne mencionadas, elas são manifestações
de vidas dominadas pela carne, ao invés de dirigidas pelo Espírito. É
importante saber que aqueles que permanecem sob a influência da carne, e praticam tais pecados, “não herdarão o reino de Deus” (Gl 5:21).
O fruto do Espírito
Prosseguindo com o seu ensino em Gálatas 5, Paulo nota que, enquanto as obras da carne são múltiplas, o Espírito produz um único
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
177
fruto. Isso indica a união das qualidades espirituais descritas por Paulo.
Aqueles que andam por esse Espírito verão, não alguns, mas todos os
aspectos do fruto do Espírito nas suas vidas. Parece que a pessoa tem
todo o fruto ou não tem nada! “O fruto” é melhor considerado como um
todo, e realmente pode ser entendido como “a sega”. Esse é o resultado
de andar em Espírito (v. 16), de ser guiado pelo Espírito (v. 18) e de
viver em Espírito (v. 25). O Espírito Santo produz o Seu fruto na vida
do cristão que vive nessa condição. Logo, as qualidades listadas nos vs.
22-23 não são o resultado de uma extenuante observação de algum código externo de regras, mas o produto natural de uma vida controlada e
guiada pelo Espírito. Este fruto é uma dádiva concedida a cada cristão,
e não tem relação com as manifestações extraordinárias e temporárias
do poder do Espírito nos primeiros dias da era da Igreja. A lista contida
nestes versículos é obviamente muito diferente da diversidade dos dons
espirituais mencionados em I Coríntios 12, onde lemos do Espírito
Santo “repartindo particularmente a cada um como quer” (I Co 12:11).
Já descrevemos esse grupo de nove características como facetas diferentes de uma colheita; talvez seja melhor considerá-las individualmente ao invés de dividi-las em subgrupos. Não pretendemos, de forma
alguma, desrespeitar os grandes ensinadores que o fizeram oralmente
ou por escrito: trata-se apenas de uma preferência pessoal do presente
escritor, de acordo com os comentários anteriores.
Amor
O amor resplandece fortemente da pessoa cheia do Espírito. A palavra usada aqui é aquela palavra usada do amor de Deus para com o
homem (agape), sugerindo que nós amamos os outros como Deus nos
ama. Amor não é apenas uma emoção, mas é evidenciado em vários
aspectos da vida do cristão. Amor é:
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•
o motivo de todos os atos (I Co 16:14);
o poder motivador do perdão (II Co 2:7, 8);
evidenciado no dar sacrificial (II Co 8:24);
o meio de controle da liberdade cristã (Gl 5:13);
demonstrado para com os demais cristãos (Ef 1:15);
uma evidência de maturidade espiritual (Ef 4:15);
evidenciado por aqueles que são seguidores de Deus (Ef 5:2);
o segredo da união (Cl 2:2);
uma veste para ser vestida (Cl 3:14);
178
O Espírito da Glória
• parte da atitude correta para com os anciãos (I Ts 5:12);
• a base do apelo cristão (Fl 9).
Embora o amor não seja gerado por si mesmo, mas é um fruto do
Espírito Santo, somos exortados a “seguir o amor” (I Co 14:1). Esse seguir, quando visto à luz da passagem à nossa frente, equivale a ser guiado
pelo e andar no Espírito.
Gozo
A palavra chara não se refere à felicidade humana e terrena. Ela
é sempre usada nas Escrituras para indicar alegria que é baseada em
fatores espirituais. Não é o resultado de circunstâncias positivas, mas da
alegria interior profunda de Deus. Um bem conhecido adágio afirma
que “alegria depende de acontecimentos* — o gozo não”.
O gozo espiritual transcende as circunstâncias: “Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que
estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a
prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é
provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de
Jesus Cristo; ao qual, não O havendo visto, amais; no qual, não O vendo
agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso” (I Pe 1:68). A exortação de Paulo dada à igreja em Filipos foi: “Regozijai-vos
sempre no Senhor” (Fp 3:1; 4:4).
O gozo cristão permanece inalterado em meio à tristeza e tribulação, e de fato, prova o seu poder no meio de tais condições: “… como
contristados, mas sempre alegres” (II Co 6:10). “Como em muita prova
de tribulação houve abundância do seu gozo, e como a sua profunda
pobreza abundou em riquezas da sua generosidade” (II Co 8:2).
Paulo é um grande exemplo de gozo, pois mesmo nas circunstâncias
mais aflitivas em Roma ele se regozijava, e nós somos abençoados com
as suas epístolas da prisão. É um homem espiritual que pode dizer:
“Regozijai-vos sempre” (I Ts 5:16). E embora seja mais fácil “chorar
com os que choram”, o homem espiritual alegra-se “com os que se alegram” (Rm 12:15).
* No inglês há um jogo de palavras interessante entre “happiness” (alegria) e
“happenings” (acontecimentos) que se perde na tradução (N. do E.).
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
179
Paz
Paz (eirene), como o hebraico shalom, significa mais do que a ausência de problemas ou discórdia. Possui a ideia mais positiva de estabilidade, integridade, prosperidade, serenidade e tranquilidade, e é, portanto,
uma demonstração do fruto espiritual. É uma condição que não pode
ser induzida por uma situação externa, mas vem do Espírito que habita no interior. Paz espiritual não inclui necessariamente circunstâncias
pacíficas, mas um coração pacífico em condições turbulentas ainda resultará em paz. Paz é um dos atributos de Deus. Ele é o “Deus de paz”
(Rm 15:33; 16:20; II Co 13:11; Fp 4:9; I Ts 5:23). Assim, com Deus
como a fonte de paz, e o Espírito Santo como Aquele através de Quem
a paz vem, o fruto da paz deve ser evidenciado no cristão. Esta paz é
baseada na obra consumada da reconciliação feita por Cristo através
do derramamento do Seu sangue: “Havendo por Ele feito a paz pelo
sangue da Sua cruz, por meio dEle reconciliasse consigo mesmo todas
as coisas” (Cl 1:20), e por causa dessa reconciliação Ele tornou possível
para o homem ser justificado e ter “paz com Deus” (Rm 5:1).
Paz será evidenciada na igreja local na medida em que aderirmos à
exortação de Paulo: “… procurando guardar a unidade do Espírito pelo
vínculo da paz” (Ef 4:3).
Pode ser que, nesses versículos, a paz se refira especificamente ao
nosso relacionamento com os outros, tanto cristãos como não salvos,
mas também devemos incluir no seu significado a paz interior que resulta de um relacionamento correto com Deus. De fato tal relacionamento seria manifesto na nossa maneira de tratar as outras pessoas.
Longanimidade
Longanimidade (makrothymia; ou “paciência”, NVI) é o oposto de
impaciência. Não se trata meramente da habilidade de “aguentar” as
pessoas ou circunstâncias por um longo período, mas tem um aspecto
espiritual mais profundo, sendo uma faceta do fruto do Espírito. É também outro atributo de Deus: “O Senhor, o Senhor Deus misericordioso
e piedoso, tardio em irar-se [longânimo] e grande em beneficência e
verdade” (Êx 34:6); “Porém Tu, Senhor, és um Deus de compaixão, e
piedoso, sofredor [longânimo], e grande em benignidade e verdade” (Sl
86:15). A longanimidade de Deus para com a humanidade é a base e
a razão da paciência do cristão para com os outros. Para viver à altura
da nossa vocação nós, os cristãos, precisamos demonstrar as seguintes
180
O Espírito da Glória
características: “… com toda a humildade, e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor” (Ef 4:2). Esse atributo
atinge mais do que os membros da família cristã em I Tessalonisenses
5:14, onde Paulo escreve: “Rogamos-vos, também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e
sejais pacientes para com todos”. Essa paciência deveria ser evidenciada
também naqueles que pregam a palavra: “Que pregues a palavra, instes
a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a
longanimidade e doutrina” (II Tm 4:2).
Benignidade
Benignidade (chrestotes; “amabilidade”, NVI) é encontrada no Novo
Testamento somente nos escritos de Paulo. Essa palavra, quando aplicada a Deus, indica Sua atitude e atuação em graça para com os pecadores.
Todavia, visto que é um dos atributos de Deus, não indica fraqueza:
“Considera, pois, a bondade [chrestotes] e a severidade de Deus” (Rm
11:22). Isso sugere que Sua benignidade não é inescrupulosa ou sentimental. A benignidade nunca deve ser confundida na vida dos cristãos
com fraqueza ou falta de convicção. Ela permite a indignação, quando
esta é necessária, mas agressividade em atos ou palavras nunca é vista
como parte do fruto do Espírito. Paulo é um exemplo disso no seu
ministério: “Antes fomos brandos entre vós, como a ama que cria seus
filhos” (I Ts 2:7). Aqueles que provaram a benignidade da salvação de
Deus e que andam no Espírito devem demonstrar esta benignidade no
seu viver diário. É um dos sete itens com os quais devemos nos revestir
(Cl 3:12), e um dos atributos daqueles que têm aprendido de Cristo:
“Sede uns para com os outros benignos” (Ef 4:32). Essa qualidade é um
ingrediente essencial do amor e, como o amor, se expressa em atos, isto
é, aqueles que são benignos tratam os outros da mesma maneira como
Deus os tratou.
Bondade
Bondade (agathosyne) é a atitude de uma pessoa que é basicamente boa, isto é, exibe qualidades de excelência moral. Está ligado, como
fruto do Espírito em Efésios 5:9, à justiça e verdade, e ligado com o
homem justo em Romanos 5:7. C. Leslie Mitton, no seu livro Ephesians
[“Efésios”] escreve: “Bondade é uma atitude de generosa benevolência
para com os outros, que fica feliz ao fazer muito mais do que é necessá-
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
181
rio pela mera justiça”. Portanto, generosidade parece ser um aspecto de
bondade, e aqui no v. 22 representa uma bondade que manifesta uma
generosidade prática, e assim pode ser considerada como um contraste
à inveja, que está na lista das obras da carne.
Fé
Fé (pistis; ou “fidelidade”, ARA). Esta palavra é usada nesta epístola acerca de fé justificadora e salvadora, e é usada em outras partes
para indicar um dos dons espirituais (I Co 12:9). Aqui parece significar
fidelidade e lealdade, isto é, confiabilidade e honestidade nos negócios
com os outros. Como em Tito 2:10: “Mostrando toda a boa lealdade”.
É a qualidade do indivíduo em cujo serviço fiel se pode confiar, e cuja
palavra pode ser aceita sem reservas. É uma qualidade básica, necessária,
naqueles que são habitados pelo Espírito Santo. A importância dessa
qualidade é apresentada pelo Senhor aos Seus discípulos, e a nós, no
Seu ministério parabólico:
•
•
•
•
a parábola dos talentos (Mt 25:14-30);
a parábola do servo vigilante (Lc 12:35-48);
a parábola do mordomo infiel (Lc 16:1-3);
a parábola das minas (Lc 19:12-27).
•
•
•
•
•
“… um misericordioso e fiel Sumo Sacerdote …” (Hb 2:17);
“Jesus Cristo … sendo fiel ao que O constituiu” (Hb 3:1-2);
“Mas fiel é o Senhor …” (II Ts 3:3)
“… Jesus Cristo, que é a fiel testemunha …” (Ap 1:5);
“O que estava assentado sobre ele chama-Se Fiel e Verdadeiro” (Ap
19:11).
O Senhor Jesus é visto como o maior exemplo de fidelidade e verdade:
Além deste exemplo perfeito de toda a espiritualidade, temos homens que foram recomendados quanto à sua fidelidade, como sendo
dignos de confiança:
• Timóteo: “Por esta causa vos mandei Timóteo, que é meu filho
amado, e fiel no Senhor” (I Co 4:17);
• Tíquico: “Ora, para que vós também possais saber dos meus negócios, e o que eu faço, Tíquico, irmão amado, e fiel ministro do
Senhor, vos informará de tudo” (Ef 6:21);
182
O Espírito da Glória
• Epafras: “Como aprendeste de Epafras, nosso amado conservo, que
para vós é um fiel ministro de Cristo” (Cl 1:7);
• Onésimo: “Juntamente com Onésimo, amado e fiel irmão, que é dos
vossos” (Cl 4:9).
Essa faceta do fruto do Espírito descreve o cristão em quem é demonstrada a fidelidade invariável de Jesus Cristo, e a confiança absoluta
de Deus.
Mansidão
A palavra praytes não transmite o significado de fraqueza, mas descreve uma pessoa em quem a força e a gentileza andam juntas. Portanto,
nunca se deve confundir mansidão com fraqueza! No Novo Testamento
essa atitude geralmente significa uma disposição humilde de se submeter à vontade de Deus. No Novo Testamento, mansidão é a atitude na
qual:
• A Palavra de Deus deve ser recebida: “Recebei com mansidão a
palavra em vós enxertada, a qual pode salvar as vossas almas” (Tg
1:21);
• O irmão errante é restaurado: “Encaminhai o tal com espírito de
mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado” (Gl 6:1);
• Aquele que se opõe ao ensino correto deve ser corrigido: “Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes
dará arrependimento para conhecerem a verdade” (II Tm 2:25).
Esta atitude pode ser descrita como uma submissão humilde e dócil
à vontade de Deus, que é refletida em humildade, paciência e tolerância
para com os outros, considerando até os insultos e injúrias como os
meios de Deus de desenvolver as qualidades cristãs. Como, por exemplo, na declaração de Paulo: “Nós somos loucos por amor de Cristo, e
vós sábios em Cristo; nós fracos, e vós fortes; vós ilustres e nós vis. Até
esta presente hora sofremos fome, e sede, e estamos nus, e recebemos
bofetadas, e não temos pousada certa, e nos afadigamos, trabalhando
com nossas próprias mãos. Somos injuriados e bendizemos; somos perseguidos, e sofremos; somos blasfemados, e rogamos; até o presente temos chegado a ser como o lixo deste mundo, e a escória de todos” (I Co
4:10-13).
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
183
Temperança
Temperança (enkrateia; “autocontrole”, JND) é a última faceta do
fruto do Espírito nesta lista. Traz a ideia de autocontrole em todas as
coisas. Deus deu ao ser humano o poder de exercer a sua própria vontade, e sem a presença do Espírito Santo no seu interior, o homem só abusa desse privilégio. Somente ao se tornar sujeito à operação do Espírito
Santo, pela fé em Cristo, pode o homem exercer controle sobre a sua
própria vontade. A palavra é usada por Paulo para descrever aqueles que
lutam pela coroa incorruptível (I Co 9: 21-27); na lista de qualificações
de um ancião (Tt 1:8) e, curiosamente, foi parte da mensagem que ele
pregou a Félix, na Cesaréia (At 24:25). Ele também menciona o assunto
em I Coríntios 7, em relação ao casamento. Pode ser que, em Gálatas 5,
Paulo esteja contrastando a temperança com as obras da carne: fornicação, impureza e lascívia, bebedice e glutonaria, listadas anteriormente;
todas elas incluem demonstrações descontroladas de paixões.
A lista de descrições do fruto do Espírito não é, como a lista anterior sobre as obras da carne, completa, mas representativa. Não pretende
limitar as belezas do Espírito.
É um aspecto característico de todos os cristãos que eles crucificaram a carne (v. 24), estão vivendo pelo Espírito (v. 25), e assim estão
comprometidos a serem guiados pelo Espírito (v. 25). Nestas condições
o fruto do Espírito será manifestado em contraste com as obras da carne.
A responsabilidade daqueles
que andam pelo Espírito
Andar pelo Espírito há de não somente evitar provocação e inveja
e o abster-se das obras vis da carne (5:19-26), mas, do ponto de vista positivo, levar à restauração daqueles que caíram em pecado (6:1).
A qualificação para esse serviço, que geralmente será de uma natureza
delicada, é descrita em uma palavra, “espiritual”. Curiosamente, essa palavra não aparece no Velho Testamento,* nem nos Evangelhos; é usada
somente depois do Pentecostes. O homem espiritual é aquela pessoa
que anda pelo espírito no sentido de 5:16, 25, e que evidencia o fruto do
* O autor menciona uma referência no VT (Os 9:7) onde, no inglês, é usada a
palavra “espiritual”, mas explica que o sentido é outro. Omitimos essa frase pois
em Português a tradução é “homem de espírito” (N. do E.).
184
O Espírito da Glória
Espírito na sua vida. Além disso, é pelo padrão do Espírito Santo que
um homem deve julgar-se a si mesmo. Ser espiritual nas Escrituras é o
normal para o cristão; entretanto, pode haver aqueles que, devido à falta
de maturidade, ainda não atingiram esse padrão, como em I Coríntios
3:1-3. Outros, como em Gálatas 6:1, podem ter perdido a condição de
espiritualidade ao sucumbirem à carne. Isso não quer dizer, de forma
alguma, que um cristão pode perder o Espírito Santo. Vemos a confirmação disto no processo de restauração (colocação de um osso no lugar)
destes versículos. A obra de restauração sempre é feita por uma pessoa
espiritual, mostrando que não deve ser assumida levianamente ou de
uma maneira carnal. Se julgarmos nosso padrão de espiritualidade, baseados nos detalhes do fruto do Espírito, saberemos se somos ou não
idôneos para esta obra.
O último grande contraste
O apóstolo, ao concluir a sua carta de uma maneira encorajadora,
faz uma última referência às facções conflitantes, isto é, a carne e o
Espírito.
O princípio declarado — “tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (6:7) — é uma regra que vale para todas as pessoas. No
contexto ele se refere à maneira como irão reagir à sua presente carta,
mas naturalmente o princípio que “Deus não se deixa escarnecer” excede, em muito, tudo o que ele escreveu. Semear na carne significa dar
livre curso à velha natureza. Assim também semear no Espírito significa
permitir que o Espírito Santo esteja no controle. A pessoa que faz isso
está andando pelo Espírito (5:16), e sendo guiada pelo Espírito (5:18).
É interessante que aquele que semeia para a carne “semeia na sua
[própria] carne”, que é um quadro perturbador da carnalidade egoísta.
Entretanto, isso pode significar que essa pessoa ainda está no estado natural, e não conhece a salvação de Deus. De qualquer forma, essa pessoa
“da carne ceifará corrupção”, primeiramente nesta vida, mas também
na vida por vir. Se um cristão semear na sua carne, ele está indo contra
Deus, e deve esperar a intervenção de Deus. Embora sua alma nunca
poderá se perder, sua perda futuro de galardão e posição no Reino será
um resultado direto da sua vida na Terra. Entretanto, se, como é mais
provável, a pessoa que demonstra este estilo de vida é um descrente, sua
expectativa não pode ser outra senão o eterno juízo de Deus.
Por outro lado, há aqueles que semeiam no Espírito. Enquanto es-
Cap. 11 — O Espírito Santo em Gálatas
185
tes desfrutarão de uma qualidade de vida condizente com o fruto produzido por meio do Espírito habitando no seu interior, o resultado final
do seu semear é “a vida eterna”. Isso significa que:
• Eles trarão “a imagem do celestial” (I Co 15:49);
• Eles terão um corpo “conforme o Seu corpo glorioso” (Fp 3:21);
• Eles serão “semelhantes a Ele”, porque O verão “assim como [Ele]
é” (I Jo 3:2).
W. E. Vine, no seu comentário sobre Gálatas, resume o assunto da
seguinte maneira:
Não existe exceção para a lei da semeadura e do tempo da
colheita, seja no reino físico ou espiritual. O que colhemos é o que
semeamos; não o que pretendíamos semear, ou que pensávamos
ter semeado, mas sim o que de fato semeamos.
Conclusão
Na epístola aos Gálatas o conflito entre a carne e o Espírito parece
ser constante. Entretanto, para aqueles que são espirituais, isto é, que
evidenciam o efeito da presença do Espírito no seu interior, e demonstram o fruto do Espírito ao ponto de excluir as obras da carne, há somente um resultado: eles ceifarão “do Espírito … a vida eterna” (Gl 6:8).
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios
por Thomas Bentley, Malásia
Certamente é instrutivo e animador saber que tanto no primeiro
quanto no último capítulo da Bíblia há uma menção muito importante
do Espírito Santo de Deus. Embora Ele não seja mencionado em todos
os livros da nossa Bíblia, é importante reconhecer que Ele é a Fonte e
o Meio de comunicação divina que confere à Bíblia a sua autoridade,
autenticidade e aceitabilidade.
O conceito de certas pessoas modernistas e cultas é que o Espírito
Santo é uma mera influência abstrata, o que nega a Sua Personalidade
divina. Mas nós devemos observar que:
• Atitudes para com o Espírito indicam personalidade inquestionável:
“Foram rebeldes” (Is 63:10);
“Mentisses ao” (At 5:3);
“Resistis” (At 7:51);
“Entristeçais” (Ef 4:30).
•
Ações pelo Espírito Santo também confirmam Sua Personalidade:
A instrução do Espírito ( Jo 14:26);
A convicção do Espírito ( Jo 16:9);
O chamado do Espírito (At 13:2);
A intercessão do Espírito (Rm 8:26).
•
Ele tem atributos divinos:
Onipotência ( Jó 33:4);
Onipresença (Sl 139:7);
Onisciência (I Co 2:11-12).
•
A Palavra de Deus afirma que:
Ele executa atividades divinas:
Criação (Sl 104:30);
Revelação (At 28:25);
Ressurreição (Rm 8:11);
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios
Santificação (Rm 15:16);
Habitação ( Jo 14:17).
•
Ele tem amplitudes divinas:
Sabe (I Co 2:11);
Sonda (I Co 2:10);
Ensina (I Co 2:13).
•
Em relação a Deus
Espírito de Deus (Mt 3:16);
Espírito do Deus vivo (II Co 3:3);
Espírito do Senhor (Lc 4:18);
Espírito do vosso Pai (Mt 10:20);
Espírito do nosso Deus (I Co 6:11);
Seu Espírito (Rm 8:11);
•
Em relação a Nós
O Espírito de Verdade ( Jo 14:17);
O Espírito de Vida (Rm 8:2);
O Espírito de Santificação (Rm 1:4);
O Espírito de Fé (II Co 4:13);
O Espírito de Sabedoria e de Revelação (Ef 1:17);
O Espírito de Adoção (Rm 8:15);
O Espírito da Graça (Hb 10:29).
187
• Ele é reconhecido como Deus (At 5:3-4; 10:13-19; II Co 3:17).
A aptidão divina do Espírito Santo é nitidamente declarada no título sétuplo encontrado em Isaías 11:2: “ Repousará sobre Ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito
de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do
Senhor”.
É muito importante que os santos de Deus estejam bem informados acerca dos títulos que são aplicados ao Espírito Santo. Estes podem
ser classificados sob os seguintes cabeçalhos:
•
Em relação a Si mesmo
O Espírito Santo (Mt 1:20);
O Senhor o Espírito (II Co 3:18, VB);
O Espírito Eterno (Hb 9:14);
O Santo (I Jo 2:20).
188
O Espírito da Glória
Lucas, pelo Espírito de Deus, registra no livro de Atos três incidentes relevantes quando três classes diferentes de pessoas receberam o
Espírito Santo de Deus. Estes foram: judeus (cap. 2), samaritanos (cap.
8), e gentios (cap. 10). Entretanto, quando Paulo chegou a Éfeso, ele
encontrou doze homens que haviam sido batizados com o batismo de
João, e que não tinham conhecimento da vinda do Espírito Santo, como
suas palavras mostram: “Nem sequer ouvimos que o Espírito Santo é
dado” (At 19:2, VB). O v. 6 acrescenta: “E impondo-lhes Paulo as mãos,
veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam”.
Portanto, não deixa de ser significativo que, mais tarde, quando
Paulo se comunicou com a igreja em Éfeso, ele fizesse, pelo Espírito
Santo, doze referências claras ao Espírito Santo, que serão o nosso assunto daqui para frente.
O ministério mediador do Espírito de Deus
Em relação ao propósito divino (1:13)
Nesta passagem de tanta importância divina, aprendemos sobre a
conclusão, pelo Espírito, da obra da Trindade mediadora, na qual temos
o propósito do Pai (vs. 2-6), a aquisição do Filho (v. 7), e a presença
do prometido Espírito Santo (vs. 13-14). Se a minha salvação depende
somente da escolha soberana de Deus, então, que necessidade tenho eu
de crer? Paulo certamente não está confundindo o assunto, antes, por
inspiração divina, está confirmando o meu imenso privilégio de ter ouvido o Evangelho, seguido pela reação necessária de crer, momento no
qual eu fui selado com o Espírito Santo da promessa.
Em relação à provisão divina (1:17)
A misericórdia enriquecedora do nosso Deus está registrada para
nosso bem e encorajamento espiritual, como podemos ver na dádiva
feita a nós do “Espírito de sabedoria e de revelação”, por quem somos
capazes de compreender o propósito da provisão divina. Assim nós temos esclarecimento (v. 18a), encorajamento (v. 18b), enriquecimento
(v. 18c), e eficiência (v. 19) divinos. Se uma alma nunca crê, essa bênção
nunca será sua, pois Seu poder é “sobre nós, os que cremos”.
Em relação à presença divina (2:18-22)
O ministério enriquecedor do Espírito de Deus é muito valorizado
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios
189
quando reconhecemos que o nosso conhecimento do Pai é, em primeiro
lugar, o resultado da obra do Senhor Jesus tanto para judeus quanto para
gentios salvos pela graça, e que o bendito acesso que valorizamos como
um dos nossos maiores privilégios é conhecido pelo poder do Espírito.
Nós não somente temos esse privilégio como também, no v. 19, reconhecemos com prazer inexpressível que nós, como gentios, não somos
mais “estrangeiros nem forasteiros”, mas “concidadãos dos santos, e da
família de Deus”. Mas ainda há mais pela frente, pois ao ponderarmos
sobre a obra contínua da graça, vemos que não fomos somente trazidos
ao Pai: mas também o Pai, como nosso Deus, foi trazido a nós, como
afirma o v. 22: “No qual também vós juntamente sois edificados para
morada de Deus em Espírito”.
Em relação ao preceito divino (3:5; 6:17)
A própria natureza desta dispensação da graça excede em muito a
compreensão natural. As pessoas ao nosso redor, sem Cristo, nada sabem do caráter da época em que vivemos, e não compreendem que há
pessoas vivas que são nascidas de Deus e que pertencem a Deus. Aqui
em Efésios 3:5, a Palavra de revelação, para a dispensação presente, é
comunicada pelo Espírito de Deus. Poucos são, nos nossos dias, os que
aceitam a absoluta autoridade da revelação divina, mas Paulo certamente deixa claro que essa grande e rica comunicação de Deus, tendo em
vista a bênção dos Seus, é dada “pelo Espírito aos Seus santos apóstolos
e profetas”. A maior farsa da atualidade é a alegação de que o Espírito
de Deus continua a se comunicar através de revelação divina. É importante que os santos estudem cada palavra, em qualquer passagem das
Escrituras Sagradas. Ao fazer isso em Efésios 6:17, será esclarecedor
descobrir que o termo traduzido “palavra” é rhema, e não é a palavra
geralmente usada, logos. Desta distinção aprendemos que a palavra divinamente entregue é sempre apropriada e apta para a ocasião.
Em relação ao poder divino (3:16; 5:18)
O parágrafo em que se encontra o nosso assunto (3:14-19) registra
a segunda oração de Paulo pelos santos em Éfeso: a sua oração pelos
santos é que o Pai lhes conceda serem fortalecidos pelo Espírito no
homem interior, para que Cristo possa habitar em seus corações. Aqui
temos um ponto muito animador com relação à presença do Espírito
em nós. É Ele que nos dá o poder para oferecermos uma morada ao
190
O Espírito da Glória
Salvador. Lembramos, com tristeza, que quando Ele veio à Terra pela
primeira vez “não havia lugar para eles na estalagem” (Lc 2:7). Mas
quando Ele falou com Zaqueu, Suas palavras foram maravilhosas: “Porque hoje Me convém pousar em tua casa”. É somente pelo poder do
Espírito Santo que habita em nós que podemos oferecer ao Salvador
uma morada.
Em 5:18 somos capacitados pelo Espírito a viver com louvor abundante subindo continuamente dos nossos corações a Cristo. Cada um
de nós entende plenamente as consequências da primeira parte deste
versículo, pois muitas vezes já nos encontramos com pessoas dominadas por outro tipo de espírito, e testemunhamos as consequências disso.
Mas simplesmente estar cheio do Espírito nos permite oferecer louvor
abundante ao nosso bendito Senhor com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor no nosso coração.
Em relação ao privilégio divino (4:3, 30)
Vendo essa exortação direta e tão necessária, é muito reconfortante
saber que nós não precisamos criar esta unidade. Ela já existe como
resultado da soberania divina, portanto é a nossa obrigação corresponder e manter aquilo que já existe, e isso pelo poder e auxílio do próprio
Espírito Santo.
Já fomos exortados, no v. 3, a manter a unidade, e agora, no v. 30,
temos um mandamento relacionado com sensitividade, que nos ensina
a não entristecer o Espírito Santo. De acordo com o relato de Isaías,
até mesmo o povo de Deus, no passado, fez exatamente isto (63:10).
Tal ação desagradaria profundamente a Deus, e justificaria retribuição
divina em castigo severo.
Em relação a provisão divina (4:4; 6:18)
O lugar que o Espírito Santo ocupa em I Coríntios 12 é semelhante
ao da passagem agora diante de nós, já que ambas anunciam a concessão
de dons para a edificação do corpo de Cristo, localmente em Coríntios, mas num contexto dispensacional em Efésios. Assim, o Espírito
está constantemente provendo para o nosso crescimento espiritual com
recursos que são divinamente inesgotáveis. O Espírito de Deus não somente concede o dom, como também supre abundantemente o poder,
a graça e a habilidade pelos quais o dom opera. Qual é o poder pelo
qual um servo de Deus, trabalhando como evangelista, encontra auxílio,
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios
191
fruto e bênção? É somente pelo poder e graça do Espírito de Deus que
capacita. Assim também com o ensinador, o ancião, ou em qualquer
outro serviço prestado, nenhuma bênção será provada ou gozada sem o
poder e capacitação do Espírito.
Se o termo “pregação” descreve o serviço que consideramos no parágrafo anterior, podemos dizer que a palavra “oração” engloba o exercício em Efésios 6:18, que é promovido somente pelo Espírito. O v. 18
traz um uso simples, mas instrutivo, do que chamaremos uma “pequena”
palavra. É pequena porque é composta de somente quatro letras, mas
sua abrangência é vasta, como, na realidade, “toda” sempre é. Repare:
“toda a oração” — a prática do nosso exercício; “todo o tempo” — a perpetuidade do nosso exercício; “toda a perseverança” — a perseverança
do nosso exercício; “todos os santos” — as pessoas do nosso exercício.
A importância prática e pessoal do Espírito de Deus
Sempre fazemos questão de evitar mera repetição, entretanto, é um
exercício encorajador visualizar estas doze referências à Pessoa e obra do
Espírito Santo de uma maneira pessoal, que trará a plenitude e graça do
Espírito de Deus para dentro das nossas vidas diárias, de forma prática
e efetiva.
Minha herança e certeza (1:13)
Nada traz mais certeza para alguém que acaba de receber uma herança inesperada, do que ter todos os detalhes oficializados num documento legal. Ele pode ouvir isso da boca de alguém, mas nada traz mais
certeza do que ter a prova confirmada por um carimbo oficial. Cada
crente no Senhor Jesus tem a mesma garantia confortadora de tudo que
temos em relação à nossa herança espiritual eterna. Isso é gloriosamente
confirmado pelo fato que fomos “selados pelo Espírito Santo da promessa”. Refletir sobre as palavras de Paulo aos Coríntios (II Co 1:22;
5:5) confirma a garantia que ele dá aos santos em Éfeso, e a todos os que
têm depositado a sua total confiança no Senhor Jesus Cristo como Salvador. Embora seja um fato, é também inacreditável, que muitos propagam a possibilidade (como eles dizem) que “uma pessoa pode ser salva
hoje, e perdida amanhã”! O Deus que nos salvou e abençoou com uma
certeza tão bendita acrescenta: “… o Qual é o penhor da nossa herança,
para [até a] redenção da possessão adquirida, para louvor da Sua glória”.
Vale a pena considerar o significado da palavra “penhor” (arrhabon),
192
O Espírito da Glória
pois não somente confirma a segurança da questão, como também indica, de forma significativa, a continuidade da bênção que o nosso Deus
em graça nos tem concedido.
Minha instrução e apreensão (1:17)
Falando de um ponto de vista natural, se eu fosse o escritor dessa expressão valiosa, teria colocado o tema da revelação em primeiro
lugar, e depois a sabedoria, mas quão esclarecedor é reconhecer que a
ordem que Deus segue se aplica à atuação da Sua obra de graça em
nossos corações. Assim, o tema diante de nós é rico e real, ao sermos
enriquecidos e depois esclarecidos. No momento quando confiamos no
Senhor Jesus, agimos em obediência ao Evangelho. Entretanto, havia
muito acerca do nosso novo estado que não apreciávamos, mas fomos
divinamente capacitados a compreender plenamente a causa e a direção
da nossa mudança. No v. 18 Paulo está confirmando a revelação do nosso esclarecimento (compare Ed 9:8, a sua recuperação — Sl 13:3, a sua
realidade — Sl 19:8, a sua retidão — Pv 29:13, os seus recursos — I
Sm 14:17-28, a sua reposição). Em seguida temos algo para encorajar
(“para que saibais qual seja a esperança da Sua vocação”), algo para
enriquecer (“e quais as riquezas da glória da Sua herança”), e algo para
energizar (“e qual a sobre-excelente grandeza do Seu poder”).
Minha introdução e acesso (2:18)
Que realidade bendita Paulo expressa no v. 14, quando ele usa a
simples palavra “um”: “… o Qual de ambos os povos fez um”. É sempre
bom ter certeza que entendemos as palavras simples e a estrutura gramatical empregada pelo Espírito. A palavra “um” aqui é neutra* quanto
ao gênero, deixando perfeitamente claro que Paulo está enfatizando que
as duas posições são uma, o que revela claramente que os de Israel que
confiaram em Cristo, juntamente com os cristãos gentios, ocupam uma
mesma posição diante de Deus. Olhemos agora para a mesma palavra
nos vs. 15-16 (“um novo homem”; “um corpo”). Aqui está no gênero masculino, logo os povos são um. Isso nos traz ao nosso privilégio,
que ao nos aproximarmos da presença e Pessoa do nosso Deus e Pai,
fazemo-lo no poder e ajuda do “um” Espírito que formou a unidade
* Neste parágrafo o autor contrasta as palavras gregas eiv (quer no grego tem o
gênero masculino) com en (que é neutra no grego). Tal distinção não aparece nas
versões em Português (N. do E.).
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios
193
acima mencionada.
Minha edificação e consciência (2:22)
Mais uma vez estamos diante de outro aspecto da nossa posição e
privilégio comuns. Nunca devemos ignorar o fato que Paulo está falando da Igreja dispensacional, da qual fazemos parte por meio da graça
divina. Paulo começa com “no Qual”, que certamente se refere à Pessoa
mencionada nos vs. 20-21 — “Jesus Cristo” e “Senhor”. As próximas
palavras, “também vós”, referem-se ao povo. Que privilégio isso revela
quando meditamos na graça de Deus que nos coloca nesta associação.
Depois seguem as palavras “juntamente sois edificados”, indicando o
processo. A estrutura é incontestável, a unanimidade é indisputável e a
unidade é imutável. Mas ainda tem mais: Paulo, pelo Espírito, revela o
propósito: “para morada de Deus”. Ficamos abismados ao pensar que o
nosso Deus tenha escolhido tal morada. Finalmente, o poder para essa
verdade é “em Espírito”. Se esse ato bondoso de Deus, em plano e propósito, tivesse sido deixado para nós como Seu povo, é óbvio que devido
à nossa fraqueza humana nunca teria se concretizado. É isso que suscita
o nosso louvor e adoração da Sua soberana graça e poder, demonstrada
no e pelo Espírito de Deus.
Minha inclusão e associação (3:5)
Antes de tudo, Paulo relata que lhe foi concedido por Deus compreender a verdade do mistério por revelação divina, como ele afirma no
v. 3. Isso deu ao apóstolo uma noção clara do propósito divino, como ele
confirma nas palavras do v. 4: “… podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo”. No v. 5 ele confirma que não foi o único a
receber esta verdade, pois ele acrescenta: “… como agora tem sido revelado pelo Espírito aos santos apóstolos e profetas”. Continuando, no
v. 6, aprendemos que, no propósito divino, somos “coerdeiros”, “de um
mesmo corpo”, e “participantes da promessa em Cristo pelo evangelho”.
Nada pode ser comparado com o nosso privilégio, mas que a nossa sincera intenção seja viver de acordo com aquilo que o propósito de Deus,
por graça divina, nos apresentou. A plenitude disso enche os nossos
corações de gratidão e confiança, condenando claramente qualquer reivindicação de uma nova revelação, o que definitivamente tornaria esta
passagem incompleta.
194
O Espírito da Glória
Minha intimidade e atividade (3:16)
Uma característica bem instrutiva da maioria das epístolas de Paulo
é a menção que ele faz do seu exercício em oração por aqueles para
quem está escrevendo. Já observamos sua oração no cap. 1, que tem
a ver com questões de posição; mas na passagem diante de nós (vs.
14-19) a ocupação de Paulo tem a ver com coisas práticas. Isso é manifestado de forma maravilhosa no uso quíntuplo das palavras simples
mas instrutivas, “para que”. A primeira indica o seu desejo pelo nosso
enriquecimento: “para que … vos conceda”. A seguir vem a nossa energização: “para que… sejais corroborados com poder pelo Seu Espírito
no homem interior”. Pode haver algo de que mais necessitamos, hoje,
do que ver este pedido de Paulo plenamente realizado nas nossas vidas
pelo poder do Espírito Santo de Deus? É uma verdade, mas ainda há
mais, pois Paulo faz um pedido relacionado ao nosso privilégio: “para
que Cristo habite pela fé em vossos corações”. Isso nos faz lembrar as
palavras de Cristo a Zaqueu: “Hoje Me convém pousar em tua casa”.
Ter o Senhor tão próximo já é precioso, mas será que é uma coisa constante? O próximo uso dessas palavras significativas é: “a fim de que
[para que], estando arraigados e fundados em amor”, e aqui podemos
empregar acertadamente as palavras esfera de atuação como sendo
descritivas do exercício de Paulo. Nada enriquece mais a alma do que
andar diariamente consciente do valor, da riqueza e da adoração que o
Seu amor promove. Chegamos agora à última: “para que sejais cheios
de toda a plenitude de Deus”, que nos permite compreender a nossa
expansão espiritual, que não é somente para os anos de vida, mas para
toda a eternidade.
Meu envolvimento e apreciação (4:3)
A preservação das coisas que são essencialmente divinas está segura,
pois são divinamente protegidas pelo poder de Deus, e podemos ter
certeza que se alguém ou alguma coisa tentar fazer algo para contaminar ou destruir, o resultado será um juízo inevitável. No entanto neste
versículo, ao usar as palavras “esforçando-vos diligentemente” (VB), o
apóstolo se dirige aos santos e os convoca a estar sempre vigilantes.
Qual é o assunto na mente do apóstolo? “Guardar a unidade do Espírito”. Isso nos preservará como povo de Deus, fazendo-nos desistir
de introduzir qualquer coisa que seja contrária ao princípio e à prática
divina. É a nossa maior responsabilidade manter aquilo que o nosso
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios
195
Deus, em graça, nos tem revelado. Deve ser óbvio a todos que, onde
houve desobediência resoluta desta ordem celeste, o resultado triste foi
a destruição da Verdade e a divisão do testemunho. Este comportamento tem, muitas vezes, perturbado a harmonia dos santos, e por isso é
que há a necessidade de desejar graça para cumprir a exigência clara do
Espírito para manter a unidade “pelo vínculo da paz”.
Meus interesses e aceitação (4:4)
O fato que o Espírito Santo, como em I Coríntios 12:4-11, ocupa
tal lugar em termos da Trindade, nos assegura da Sua Divindade e autoridade, que deve ser constantemente e efetivamente reconhecida, em
todo aspecto do nosso serviço, ao usarmos o dom concedido por Ele. No
decorrer do nosso estudo da Bíblia devemos seguir o princípio de interpretação de que a verdade da Palavra nunca seja comprometida, do contrário a verdade fica nublada e o ensino das Escrituras confuso. Amados
no Senhor, permitam-me enfatizar esta obra do Espírito Santo, pois
muitos, hoje em dia, escolhem desconsiderar fidelidade à Palavra. O
Espírito nos ajuda a extrair (interpretar), e não acrescentar às Escrituras.
Minha insensibilidade e atenção (4:30)
Será que posso ser insensível ao fato que sou capaz de entristecer o
Espírito? Investigando as ocorrências desta palavra “entristecer” (lupeo),
vemos que ela é usada vinte e seis vezes no Novo Testamento. Seu uso
geralmente indica uma condição de tristeza, mágoa. Será que pelo meu
modo de viver, de qualquer forma, eu posso entristecer o Santo Espírito
de Deus? Que o Senhor possa nos preservar, na Sua graça, de tal possibilidade, já que infelizmente isso pode, sim, acontecer. Já notamos que
Isaías deixa claro que Israel fez isso (63:9). É uma grande manifestação
de graça, que nossos atos desfavoráveis não alteram a nossa segurança,
pois estamos “selados para o dia da redenção” pelo mesmo Espírito.
Minha energização e alvo (5:18)
Uma leitura de Lucas 1:15 confirmará que João, desde o seu nascimento, deveria se sujeitar às características de um nazireu, em relação
àquilo que ele não deveria fazer, e que por divina graça ele seria “cheio
do Espírito”. Na medida em que caminhamos no nazireado espiritual
nós, do dia da graça, podemos conhecer o privilégio de sermos cheios
do Espírito Santo. Nada irá exercitar mais nossas ações, trabalho e ser-
196
O Espírito da Glória
viço do que estar verdadeiramente cônscios da presença e do poder do
Espírito no nosso interior. Isso resultará numa abundância de louvor ao
nosso bendito Senhor, pessoalmente e coletivamente (v. 19), ao darmos
graças, continuamente, ao nosso Deus e Pai em nome de nosso Senhor
Jesus Cristo (v. 20). Esses atos preciosos de adoração e louvor devem
ser seguidos por uma submissão espiritual uns aos outros, no temor
de Deus (v. 21). Como é triste saber que os irmãos podem falar com
o Senhor em reuniões de qualquer tipo, e ao mesmo tempo, deixam,
propositalmente, de falar com seus irmãos.
Meu instrumento e armadura (6:17)
É maravilhoso como o nosso Deus nos tem equipado para a posição que Ele espera que mantenhamos nesses dias de conflito espiritual.
Sendo os “lombos” a fonte de contribuição, certamente é necessário que
eles estejam cingidos com a verdade, do contrário podemos dizer e fazer
coisas que seria totalmente contrários à mente e à vontade de Deus. Semelhantemente, a fonte da nossa afeição precisa ser preservada, para que
o nosso amor e afeições não sejam direcionados a outros e não a Deus.
Da mesma forma, nossos pés precisam ser calçados com a preparação
do Evangelho da paz, pois muitos que conhecemos hoje no serviço do
Evangelho andam em áreas onde prevalecem a desonra e desobediência
espiritual. Temos ainda para nossa proteção o “escudo da fé”. Trata-se
de um escudo longo que protege o corpo todo, e aqui é retratado como
a revelação plena de Deus, como uma proteção forte contra os dardos
inflamados do inimigo. A nossa proteção total não pode estar completa
sem o uso de dois itens essenciais da nossa armadura: “o capacete da salvação e a espada do Espírito”. É o “capacete da salvação” que preserva a
mente de aceitar sem reservas qualquer coisa além da Palavra. A “espada
do Espírito, que é a palavra de Deus” se refere à totalidade da Bíblia. Já
notamos que o termo para “palavra” usado aqui pelo Espírito de Deus
refere-se à palavra adequada para o momento. Daí a nossa necessidade
de estarmos plenamente e diariamente familiarizados com a Palavra de
Deus (compare Ne 8:18a). Assim, na rica provisão que o nosso Deus
tem feito para nossa cabeça e mão, temos os recursos adequados que
promoverão e preservarão nossa capacidade de “estar firmes contra as
astutas ciladas do diabo”.
Cap. 12 — O Espírito Santo em Efésios
197
Minha intercessão e súplica (6:18)
Paulo nos garante que na nossa oração precisamos da capacitação
divina que somente o Espírito pode dar (Rm 8:26-27). Da mesma forma, Judas 20 tem as seguintes palavras de conselho espiritual: “Mas
vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé,
orando no Espírito Santo”. Chegamos agora à última referência ao
Espírito Santo na epístola aos Efésios, e ela O revela sob um aspecto
muito necessário na nossa vida para Deus. Em nosso exercício de oração, necessitamos da Sua capacitação divina para que possamos orar de
acordo com a Sua Palavra, para que possamos pedir o que Ele há de
conceder liberalmente, se for de acordo com a Sua vontade. Embora as
palavras “todos os santos” abrangem muitos que não conhecemos, e de
cujas necessidades não sabemos, é confortador saber que Aquele a quem
fazemos nossos pedidos conhece a todos. Há aqueles que conhecemos
pessoalmente, e obviamente as nossas orações por estes podem ser específicas, como Paulo faz com clareza ao dirigir o exercício espiritual
dos santos em Éfeso em relação ao seu próprio serviço para o Senhor
(vs. 19-20).
Para todos os que leem estas linhas, concluímos com as palavras do
apóstolo, ao terminar a carta:
“Paz seja com os irmãos” — sua oração pela tranquilidade deles;
“e amor com fé” — seu pedido pela fidelidade deles;
“da parte de Deus Pai”
“e da do Senhor Jesus Cristo” — sua confiança na continuidade deles;
“A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com
amor incorruptível” (VB) — seu desejo pela sinceridade deles.
Quão apropriadas são as palavras de Albert Midlane:
Nosso Pai e nosso Deus! Abençoamos Teu santo nome;
As promessas a nós cumpridas, Tua fidelidade proclamam.
Por Jesus glorificado o Espírito Santo foi dado,
Para aumentar no peito dos filhos Teus o penhor do seu lar.
Os tesouros que encontramos em Jesus, Ele revela;
Ele nos conquista, pelo amor de Jesus, para amar os caminhos de Jesus.
E pelo Seu poder constrangidos, o testemunho compartilhamos
De Jesus e Seu sacrifício, por quem os mortos vivem.
198
O Espírito da Glória
Ele, pela Tua Palavra fiel, ilumina nosso caminho;
E Ele escreve nos corações do Seu povo a Tua Palavra santa.
As promessas se tornam para nós uma porção segura,
E, na esperança do que está por vir, pelo Seu poder perseveramos.
Que nunca O magoemos, mas na luz e no amor andemos,
Na alegria de santa comunhão provarmos da alegria do Céu.
Guiados pelo Teu Espírito, como filhos de Deus, desconhecidos,
Selados, até o dia da redenção, quando Teus filhos receberás.*
* Tradução livre. O original diz: “Our Father and our God!/We bless Thy sacred
name;/The promises to us fulfilled,/Thy faithfulness proclaim;//Through Jesus
glorified,/The Holy Ghost hath come,/To swell within Thy children’s breast,/The earnest
of their home.//The treasures that are found/In Jesus He displays;/He wins our heart,
by Jesus’ love,/To love of Jesus’ ways;//And by His power constrained,/The witness
round we give/Of Jesus and His sacrifice,/Through whom the dead may live.//He,
by Thy faithful Word,/Sheds on our pathway light;/And He upon His people’s hearts/
That holy Word doth write.//The promises become/To us a portion sure;/And, in
the hope of things to come,/We by His might endure//Him may we never grieve,/
But walk in light and love,/In joy of holy fellowship,/Foretaste of joy above.//Led
by Thy Spirit on,/As sons of God, unknown,/Sealed, till the full redemption’s day/
When Thou Thy sons wilt own.”
Cap. 13 — O Espírito Santo em Apocalipse
por James R. Baker, Escócia
Introdução
A importância da Pessoa e da Divindade do Espírito Santo é vista
no fato que Sua primeira aparição nas Escrituras está no segundo versículo de Gênesis 1, e a última se encontra nos versículos iniciais do
parágrafo final de Apocalipse 22. Entre esses dois pontos das Escrituras
há muitas referências à Sua Pessoa Divina. Isso tem sido enfatizado
através de todo este livro, enquanto cada um dos capítulos tem explorado a grande variedade de contextos e circunstâncias nas quais Ele é
apresentado na Palavra de Deus. Nesse livro final da Bíblia, há vários aspectos fascinantes da Sua obra ainda a serem considerados, em relação
à importância da Pessoa, presença e poder do Espírito Santo no futuro.
Encontramos um assunto de grande importância dispensacional
no livro de Apocalipse, notando as passagens exatas onde a Pessoa ou
ministério do Espírito Santo são mencionados. Uma leitura cuidadosa
revela que há longas seções no livro onde a pessoa do Espírito Santo
ou Sua atividade não são descritos nem mencionados. Esta característica é única entre todos os outros livros do Novo Testamento, e está
em contraste com outras seções do livro, onde há contextos precisos
onde encontramos claramente Seu nome e função. Vemos um exemplo
conhecido disto ao contrastar as duas primeiras seções do livro com
a terceira. Essas seções são mencionadas em Apocalipse 1:19, onde o
escritor é instruído a dividir seus escritos em três partes, que são: cap. 1,
que descreve “as coisas que tens visto” (e inclui a bem-conhecida visão
de Cristo naquele capítulo); a segunda parte vai do começo do cap. 2
até o final do cap. 3 — ela descreve “as [coisas] que são” (incluindo a
descrição e detalhes das mensagens às sete igrejas); a terceira parte começa em 4:1, que se inicia com o convite celeste para João: “Sobe aqui,
e mostrar-te-ei as coisas que depois destas devem acontecer”.
Outro fator introdutório a ser considerado é o fato que o ministério
do Espírito Santo é uma característica exclusiva da era presente, na qual
aqueles que são salvos fazem parte da Igreja que é o Corpo de Cristo.
200
O Espírito da Glória
Essa grande verdade não era conhecida nos dias do Velho Testamento.
Vemos isso claramente nas palavras do apóstolo Paulo: “O qual noutros
séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem
sido revelado pelo Espírito aos Seus santos apóstolos e profetas” (Ef
3:5). O Corpo em si foi formado no Dia de Pentecostes: “Pois todos
nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, e todos temos bebido de um Espírito” (I Co 12:13). Um fato semelhante a esse é
que o Espírito Santo habita pessoalmente em cada cristão de hoje. Isso
não acontecia nos tempos do Velho Testamento, mas vai continuar até
o Arrebatamento da Igreja. E não são somente os santos da Igreja que
desfrutam dessa grande perspectiva, mas o próprio Espírito Santo: “E o
Espírito e a esposa dizem: vem” (Ap 22:17).
Uma razão clara, mas simples, que explica esses fatos é vista imediatamente se reconhecermos que o principal motivo para a existência
do livro de Apocalipse é indicado no seu título, que significa “revelação”.
A palavra grega apokalupsis significa literalmente “desvendar”. Durante
os dias da vida e do ministério terrestre do Senhor Jesus houve uma
revelação clara da Sua glória moral, mas embora os aspectos oficiais da
Sua glória foram mencionados, eles estavam, em grande parte, ocultos.
Assim, o motivo e o significado do livro de Apocalipse é revelar a Pessoa
e a glória de nosso Senhor Jesus Cristo, como Ele será visto nos dias
futuros da Sua manifestação. Já aprendemos em outras partes desse volume que um ministério específico do Espírito Santo é glorificar e dar
honra à Pessoa de Cristo. É compreensível, portanto, que neste último
livro da Bíblia haja seções especiais em que esse ministério acontece.
A terceira e maior seção deste livro é dedicada às descrições dos juízos
finais que serão derramados desde os Céus durante o período de sete
anos comumente descrito como a “septuagésima semana de Daniel”. Os
últimos capítulos apresentam cenas da vindicação de Deus e de Cristo,
e da realização do propósito divino no Céu e na Terra.
O ministério singular do Espírito junto às igrejas
As menções ao Espírito Santo nestes três primeiros capítulos do Livro de Apocalipse são muito significativas na sua terminologia. O primeiro termo pelo qual essa Pessoa divina é apresentada é “os sete Espíritos
que estão diante do Seu trono” (1:4). Uma consideração cuidadosa do
contexto em que essa expressão aparece mostra que ela é, em primeiro
lugar, uma evidência da divindade do Espírito Santo. Embora em muitas
Cap. 13 — O Espírito Santo em Apocalipse
201
referências das Escrituras a ordem da divina Trindade seja Pai, Filho e
Espírito Santo, a importância da mudança nestes versículos não deve ser
ignorada. A inserção do Espírito Santo antes de Jesus Cristo evidencia
claramente Sua igualdade e divindade. Se tivesse sido colocado em terceiro lugar, sua posição na frase seria usada por alguns como um apoio
para a rejeição da verdade da Sua divindade. Com clareza, a introdução e
saudação de João às sete igrejas invoca a bênção da parte de cada Pessoa
divina dentro da Trindade, e o Espírito Santo é mencionado como estando no centro deste círculo divino. Uma apreciação disto mostra que o
uso de termos tais como primeira e segunda Pessoa da Divindade é uma
contradição da harmonia, unidade e igualdade que existe na Trindade.
Cada Pessoa divina é igualmente eterna e possui todos os atributos divinos. Não há a menor indicação nas Escrituras de qualquer aspecto de
inferioridade ou superioridade entre as Pessoas Divinas.
A expressão singular, usada aqui dos sete Espíritos, não deve ser
meramente ligada com o uso geral do número sete no livro de Apocalipse. Ela traz a ideia da completa plenitude e fecundidade do Espírito de Deus. Isso pode ser traçado até no Velho Testamento, onde há
menção clara do caráter sétuplo desta Pessoa Divina. Talvez a evidência
mais forte no Velho Testamento esteja no livro de Zacarias, quando
o profeta viu o castiçal de ouro com as sete lâmpadas e os sete canudos junto com as duas oliveiras e perguntou: “Senhor meu, que é isto?”
A linguagem da explicação dada pelo anjo ao falar com o profeta foi
bem clara: “Não sabes tu o que é isto? … Esta é a palavra do Senhor
a Zorobabel, dizendo: Não por força nem por violência, mas sim pelo
Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4:5-6). A passagem em
Zacarias é também a base principal para ver o “azeite” como uma figura
do Espírito Santo em várias partes das Escrituras. Outra menção do caráter sétuplo desta Pessoa Divina é a profecia de Isaías 11:2, onde é feita
uma referência profética à vinda futura do Messias de Israel. Ali a unção
da presença do Espírito Santo e Seu poder são prometidos para ungir o
Cristo vindouro, e são delineados de uma maneira sétupla, e acerca disso
J. Riddle* diz: “O versículo também explica a expressão ‘os sete espíritos
de Deus’ (Ap 4:5). Sete é o número de plenitude e perfeição”.
A próxima menção do Espírito Santo se encontra em 1:10, onde é
usado um termo mais familiar: “Eu fui arrebatado no Espírito no dia
do Senhor”. Esta expressão tem sido interpretada de muitas maneiras,
* RIDDLE, J. R. What the Bible teaches — Isaiah. Kilmarnock: John Ritchie Ltd., 2005.
202
O Espírito da Glória
mas o ponto de vista mais comum é vê-la como uma descrição do dia
da semana em que João recebeu a grande visão do cap. 1. É de conhecimento geral que o apóstolo João estava na ilha solitária de Patmos nesta
ocasião, e é bom apreciar que, apesar da ausência de companhia humana, João estava vivendo no gozo de uma contínua comunhão com Deus.
Sem dúvida ele se lembraria dAquele em cujo seio ele havia reclinado,
assim como das Suas palavras: “Não vos deixarei órfãos, voltarei para
vós” ( Jo 14:18), e “Eu rogarei ao Pai, e Ele vos enviará outro Consolador, para que fique convosco para sempre” ( Jo 14:16). Foi João quem
lembrara e escrevera as muitas promessas dadas acerca do Espírito Santo. Assim, João “estava no* Espírito” naquele dia. O ensino do Novo
Testamento relativo ao cristão e ao Espírito Santo revela a proximidade
e a intimidade deste relacionamento. Estes aspectos já foram tratados
em outras partes deste livro, e agora só nos resta enfatizar o fato que se
espera que cada cristão, hoje, viva e ande no Espírito e seja guiado pelo
Espirito (Gl 5:16, 25). J. Allen† disse o seguinte sobre isso:
A condição normal que se espera encontrar em todos os salvos
é que estejam “no [em] Espírito” (Rom. 8:9), mas quando Deus
usa homens como meios de comunicação, uma aptidão especial
é dada, como vemos em Ef. 3:5: “agora tem sido revelado pelo
Espírito aos seus santos apóstolos e profetas” (literalmente “em
Espírito”). A expressão “em Espírito” descreve aquela exaltação e
separação de espírito efetuada pelo Espírito Santo, que capacitou
João a tornar-se um meio de comunicação divina.
Outra questão a ser considerada é em relação ao “dia” que está em vista.
As duas principais alternativas são que esta expressão descreve o “primeiro
dia da semana”, ou que descreve João sendo projetado, na sua visão, para o
“Dia do Senhor”. Preferimos a primeira sugestão pelas seguintes razões:
•
O adjetivo usado para descrever o dia do Senhor está expressando, literalmente, a ideia de um dia “senhoril”. Não é sem importância que o
único outro uso semelhante deste adjetivo numa construção gramatical
como esta, no Novo Testamento, se encontra nas palavras escritas pelo
apóstolo Paulo, descrevendo a Ceia do Senhor, que também é literalmente uma ceia “senhoril”. É bom notar a ligação entre as duas descri-
* Note que a palavra “arrebatado” na ARC e AT está em itálico, o que significa
que não faz parte do texto original (N. do E.).
† Allen, J. Comentário Ritchie do NT, vol 16 — Apocalipse. Pirassununga: Editora Sã
Doutrina, 2008, pág 56.
Cap. 13 — O Espírito Santo em Apocalipse
203
ções, nas palavras escritas por Lucas: “E no primeiro dia da semana,
ajuntando-se os discípulos para partir o pão” (At 20: 7).
• O caráter da visão e suas circunstâncias estão mais intimamente
ligados ao testemunho de Deus e Seu povo nesse dia da Graça, do
que o Dia do Senhor, que é mencionado tanto no Velho quanto no
Novo Testamento. O Dia do Senhor será caracterizado por juízo,
em contraste com graça.
• As sete igrejas não são sinagogas judaicas, mas igrejas neotestamentárias. Isso pode ser provado pelo uso da palavra grega ecclesia,
como também pelo fato que Éfeso, o primeiro lugar mencionado
e Laodicéia, o último, ambos eram lugares onde havia uma igreja
local neotestamentária. Vemos Laodicéia mencionada duas vezes
em Colossenses (2:1; 4:16).
Nos caps. 2 e 3 há uma série de sete mensagens específicas a sete
igrejas neotestamentárias situadas na Ásia Menor. Elas geralmente são
chamadas as cartas às sete igrejas. Cada uma e todas as mensagens completas às sete igrejas incluem uma aplicação que é única à circunstância
e condição daquela igreja específica. No início do livro de Apocalipse
fica claro que o livro todo é uma revelação do Senhor Jesus Cristo, que
a recebeu de Deus, e a enviou por um anjo ao apóstolo João, acompanhada de sinais. A presente consideração não pretende expor tudo
sobre cada carta, mas notar que nos dois capítulos temos oito referências específicas ao Espírito Santo. Sete aparecem exatamente no mesmo
formato e são uma mensagem idêntica a cada igreja. Essa mensagem
específica é dada uma vez a cada uma das sete igrejas endereçadas. A
referência extra é dirigida exclusivamente à igreja em Sardes, e iremos
considerá-la separadamente.
A mensagem a cada igreja é breve, mas muito importante: “Quem
tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (2:7, 11, 17, 29; 3:6,
13, 22). Essa exortação sétupla enfatiza dois pontos específicos; primeiro, que embora a carta seja dirigida à igreja toda, cabe a cada cristão
na igreja local dar ouvidos ao ministério perscrutador, e segundo, que
a mensagem é a voz do Espírito de Deus a todas as igrejas. Estas duas
questões devem ser muito importantes a qualquer cristão exercitado; é
muito importante, em toda a leitura pública e ministério da Palavra de
Deus, que cada indivíduo esteja atento. Essa frase está enfatizando que
o ouvido humano é apenas o instrumento através do qual a mensagem é
recebida, mas a exortação é para que haja um exercício ativo de um ver-
204
O Espírito da Glória
dadeiro ouvir e acatar aquilo que está sendo dito pelo Espírito de Deus.
Essa exortação, dada logo no início do dia da graça, ainda é importante
para aqueles que estão vivendo agora, perto do seu final.
A segunda parte desta exortação é igualmente importante. Aqui é ensinado o fato importante que todo ministério bíblico é a voz do Espírito
de Deus, portanto nenhum aspecto dele deve ser negligenciado. Ao filho
de Deus não é permitido selecionar as verdades nas quais vai crer, e quais
vai praticar, já que “toda Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa
para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que
o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa
obra” (II Tm 3:16-17). Além disso, a frase que estamos considerando encerra com outra questão importante relacionada com ouvir a voz do Espírito
Santo nas Escrituras. É o fato que, embora cada igreja individualmente
tenha recebido uma mensagem específica, elas são instruídas a dar ouvidos
a todas as sete mensagens. Isso torna cada carta importante a todos. Isso
também destaca a importância de toda a Escritura inspirada. Cada parte da
Bíblia completa deve ser lida e apreciada como a Palavra de Deus.
A referência extra, mencionada mais cedo, é dirigida unicamente à
igreja de Sardes: “E ao anjo da igreja que está em Sardes escreve: Isto
diz O que tem os Sete Espíritos de Deus, e as sete estrelas: Conheço
as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto” (Ap 3:1). Sabemos que o Senhor Jesus Se apresenta de uma forma diferente, com
títulos diferentes, a cada uma das sete igrejas. Bem no começo da mensagem à igreja de Sardes, há uma ênfase específica no ministério e presença do Espírito Santo. Vemos isso na apresentação do Senhor Jesus
à igreja como “O que tem os sete Espíritos de Deus, e as sete estrelas”.
A condição da igreja em Sardes é dada como “prestes a morrer”. Havia
pouca vida e pouco poder nesta igreja do Novo Testamento, e Aquele
que a estava analisando o fazia no poder e sabedoria do Espírito de
Deus. Foi somente a essa igreja que esse lembrete foi dado.
Esse ministério poderoso a uma igreja local é revelado e explicado
nos capítulos finais da primeira epístola aos Coríntios. Ali aprendemos
que a igreja é a esfera da atividade e do ministério do Espírito. Isso já foi
exposto neste livro, e sua importância deveria ser sempre apreciada por
todo cristão que se reúne ao nome de nosso Senhor Jesus Cristo. É uma
maravilha que não pode ser explicada, que nas reuniões da igreja podemos
observar um dos fóruns do ministério do Espírito Santo na Terra. Devemos acrescentar que outra esfera importante do Seu ministério é o corpo
Cap. 13 — O Espírito Santo em Apocalipse
205
físico de cada cristão.
O Dia do Senhor
Já notamos que o livro de Apocalipse se divide em três partes, uma
divisão feita pelas palavras do Filho do Homem em 1:19. A primeira
seção se cumpriu quando João viu a importante visão do Filho do Homem andando no meio dos sete castiçais. A segunda seção abrange o
período do testemunho da igreja, descrito nos caps. 2 e 3; e embora as
sete igrejas estejam em vista, fica claro que os dois capítulos descrevem
o testemunho terrestre das igrejas locais do Novo Testamento nos dias
de hoje. A terceira seção, a partir do cap. 4, começa depois do arrebatamento dos santos, e coincide com, e descreve, o Dia do Senhor. Este
termo descreve o programa de eventos de juízo que acontecerão na Terra, afetando Israel e as nações. É predito no Velho Testamento e mencionado também no Novo Testamento. Na compreensão do presente
escritor, um programa celeste também começa precisamente no mesmo
tempo. É o Dia de Cristo, que é um período caracterizado por eventos
que acontecerão no Céu. Estes acontecimentos incluirão o Tribunal de
Cristo, seguido pelas Bodas do Cordeiro.
Logo percebemos que, imediatamente depois da Igreja deste período presente ser arrebatada para os Céus, Deus retomará Seus planos
com a nação de Israel e com as nações em geral. Os caps. 4 e 5 do livro
de Apocalipse proporcionam vislumbres do Céu e do Cordeiro glorificado, assim como dos santos da era presente, já que estes estarão com
o Senhor depois do Arrebatamento. Há somente três menções do Espírito Santo nesta porção das Escrituras. A primeira, em 4:2, está simplesmente enfatizando o fato que a experiência espiritual na qual João
estava ocupado era uma obra do Espírito Santo de Deus. A segunda e
a terceira menção estão em 4:5 e 5:6. Ambas reforçam o fato anteriormente mencionado que, depois do Arrebatamento, a localização do Espírito Santo será o Céu e não a Terra, como é agora no período presente.
A frase “no Espirito” aparece quatro vezes no livro de Apocalipse,
e cada referência revela uma experiência e revelação espiritual especificamente importante dada a João. A primeira está em 1:10, onde João
recebe a grandiosa visão do Filho do Homem no meio dos sete castiçais
de ouro. A segunda está em 4:2, onde João contempla a visão dos caps.
4 e 5, onde ele vê o Cordeiro no meio do trono, dos quatro animais e
dos vinte e quatro anciãos. A terceira menção aparece em 17:3, onde ele
206
O Espírito da Glória
vê a mulher assentada sobre a besta de cor de escarlata representando a
Babilônia, a mãe das prostituições. A referência final é em 21:10, onde
é concedido a João uma visão prévia da Noiva, a esposa do Cordeiro.
Cada uma destas referências a estar “no Espírito” se referem a João na
sua experiência de revelação divina.
Depois da referência no cap. 5, não há menção direta do Espirito
Santo, a não ser por uma menção em 11:3-4, onde lemos das duas testemunhas que aparecerão em algum momento perto da metade da septuagésima semana da profecia de Daniel 9. As testemunhas são descritas
como “as duas oliveiras e os dois castiçais que estão diante do Deus da
terra” (Ap 11:4). A grande importância dessa passagem está relacionada ao fato que, durante um período de quarenta e dois meses, nos quais
os gentios pisarão o solo sagrado do templo em Israel, Deus terá dois
homens que manifestarão características sacerdotais em suas vidas e testemunho, e nenhum poder, satânico ou terreno, será capaz de resisti-los.
A menção indireta ao Espírito Santo está na referência às oliveiras e aos
castiçais. O paralelo direto e óbvio está no Velho Testamento, em Zacarias 4:1-14, onde encontramos a única outra referência bíblica a duas oliveiras. Naqueles tempos sombrios em Israel, Deus levantou dois ungidos
( Josué e Zorobabel, Zc 4:14), e o poder não era deles mesmos, mas vindo
do Espírito Santo. Assim, no dia em que a habitação do Espírito Santo será os Céus, haverá dois homens na Terra cujo ministério será dado
pela mesma Pessoa Divina. Naquele dia eles viverão suas vidas diante
do Deus da Terra, e no poder e plenitude do Espírito Santo. O mesmo
capítulo continua descrevendo muitos detalhes do que caracterizará esses
homens e seu ministério singular naquele dia vindouro, e mais tarde, no v.
11, descreve o “espírito [“sopro”, NVI] de vida, vindo de Deus” entrando
nas duas testemunhas, depois de haverem estado mortas por “três dias e
meio”. Alguns veem nisso outra menção do Espírito Santo, mas é pouco
provável que Ele esteja em vista aqui. Parece mais certo pensar que foi um
milagre direto de Deus, ao devolver a estes homens a sua vida humana.
A próxima referência ao Espírito Santo é quando João ouve a Sua
voz falando desde o Céu: “E ouvi uma voz do céu, que me dizia: Escreve:
Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim,
diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os
seguem” (Ap 14:13). Sempre é interessante observar as sete bem-aventuranças do livro de Apocalipse, a primeira das quais está em 1:13, e a
última em 22:14. Cada uma é de grande interesse, estando intercaladas
207
Cap. 13 — O Espírito Santo em Apocalipse
entre as várias passagens proféticas. É bom saber que nos dias negros da
experiência amarga de Israel, há bênçãos prometidas para aqueles que
vencerem. A bem-aventurança no presente capítulo é a segunda da série completa, e embora essas palavras sejam muitas vezes aplicadas ao
momento da morte do povo de Deus hoje, sua beleza e poder realmente
pertencem àqueles de um período futuro. Muitos terão sido martirizados
durante o reino da Besta. Isto é indicado nas palavras “Bem-aventurados
os mortos que desde agora morrem no Senhor: Sim, diz o Espírito”. A
própria característica de não estarem em Cristo distingue estes indivíduos
futuros dos santos do presente. O Espírito Santo está aqui, do Céu, falando estas palavras de conforto e encorajamento para aqueles que hão de
sofrer e servir e morrer, e suas obras certamente os seguirão.
A referência final ao Espírito Santo no livro de Apocalipse se encontra em 22:17. A narrativa geral da parte central do livro já terminou
no v. 5, e até o final do capítulo temos uma seção sobremaneira bendita,
onde a voz do Senhor que está para vir é claramente ouvida, quando
três vezes soa a gloriosa promessa: “Cedo venho” (vs. 7, 12, 20). O v. 17
se refere à grande antecipação da vinda do Senhor Jesus Cristo até os
ares para o Arrebatamento. Ele descreve um notável desejo duplo pela
Sua vinda, primeiro da parte do Espírito Santo, e depois da noiva do
Cordeiro. Esta última claramente se refere aos santos do presente dia
da graça, aguardando ansiosamente a chegada de Cristo aos ares. A
primeira parte do versículo ensina, de forma igualmente clara, que o
mesmo desejo é expresso pelo próprio Espírito Santo. Aquele que opera
sobre a Terra na Igreja também anela pelo dia em que Ele mesmo será
arrebatado. Esse será para Ele o dia glorioso da sua vitória ao entregar
a Noiva ao Noivo. A figura de Gênesis 24 será então completa, e assim
como o servo trouxe Rebeca em segurança a Isaque, assim também o
Divino Servo de hoje terminará a Sua obra, cumprindo o propósito
divino. Assim os santos do presente podem cantar em expectativa:
Ele e eu na glória excelsa
Compartilharemos um profundo gozo;
Eu, de estar para sempre com Ele —
Ele, de me ter ali!
E.F. Bevan*
* Tradução livre. O original diz: “He and I in that bright glory/ One deep joy shall
share;/ Mine, to be for ever with Him./ His, that I am there”
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O Espírito da Glória