Walter de Souza Homena Júnior - ICES
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Walter de Souza Homena Júnior - ICES
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA Programa de Pós-Graduação em Medicina ANÁLISE COMPARATIVA DOS NÍVEIS PLASMÁTICOS DE MARCADORES INFLAMATÓRIOS DE FASE AGUDA EM PACIENTES QUE UTILIZARAM A APROTININA E CORTICOSTERÓIDE DURANTE A CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA COM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA Walter de Souza Homena Jr. Rio de Janeiro Setembro 2007 ANÁLISE COMPARATIVA DOS NÍVEIS PLASMÁTICOS DE MARCADORES INFLAMATÓRIOS DE FASE AGUDA EM PACIENTES QUE UTILIZARAM A APROTININA E CORTICOSTERÓIDE DURANTE A CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA COM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA Walter de Souza Homena Jr. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Medicina (Cardiologia) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Cardiologia. Orientadores: Prof. Maurício da Rocha Pantoja Prof. Eduardo Sérgio Bastos Rio de Janeiro Setembro 2007 HOMENA Jr., Walter de Souza Análise comparativa dos níveis plasmáticos de marcadores inflamatórios de fase aguda em pacientes que utilizaram a aprotinina e corticosteróide durante a cirurgia de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea / Walter de Souza Homena Jr. -- Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina, 2007 xvi, 138 f.: ilust. 21 x 29,7 cm Orientadores: Maurício da Rocha Pantoja e Eduardo Sérgio Bastos Dissertação (mestrado) – UFRJ / Faculdade de Medicina / Cardiologia, 2007 Referências bibliográficas: f. 110-131 1. Marcadores biológicos - análise. 2. Proteínas da fase aguda. 3. Aprotinina. 4. Transcortina. 5. Revascularização miocárdia. 6. Circulação extracorpórea. 7.Cardiologia – Tese. I. Pantoja, Maurício da Rocha. II. Bastos, Eduardo Sérgio. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Cardiologia. IV. Análise comparativa dos níveis plasmáticos de marcadores inflamatórios de fase aguda em pacientes que utilizaram a aprotinina e corticosteróide durante a cirurgia de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea. ANÁLISE COMPARATIVA DOS NÍVEIS PLASMÁTICOS DE MARCADORES INFLAMATÓRIOS DE FASE AGUDA EM PACIENTES QUE UTILIZARAM A APROTININA E CORTICOSTERÓIDE DURANTE A CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA COM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA Walter de Souza Homena Jr. Orientadores: Prof. Maurício da Rocha Pantoja Prof. Eduardo Sérgio Bastos Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Medicina (Cardiologia) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Cardiologia. Em _____/_____/_______ Aprovada por: ___________________________________________ Prof. Rubens Giambroni Filho (Presidente) ___________________________________________ Prof. Marcelo Iório Garcia ___________________________________________ Prof. Ivan da Costa Barros Rio de Janeiro Setembro 2007 iii DEDICATÓRIA Ao meu pai Walter, pelo caminho ensinado. À minha mãe Luzia, por caminharmos de mãos dadas. À Chris, minha mulher, Victória e Bruno, meus filhos, por chegarmos aqui. iv Sem o poder da crítica, nenhum elogio é válido. Pois... toda e qualquer evolução é fruto da crítica. Beaumarchais Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim. Chico Xavier A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos. Um bombeiro desconhecido v AGRADECIMENTOS Aos Profs. Maurício da Rocha Pantoja e Eduardo Sérgio Bastos, por terem aberto as portas para a realização deste trabalho, propiciando-me uma fase de crescimento e amadurecimento profissional. Obrigado pelo incentivo, parceria, sabedoria e, acima de tudo, o carinho durante todas as etapas percorridas. Ao meu grande amigo e companheiro Dr. Plínio Resende do Carmo Jr., coordenador do serviço de cardiologia do Hospital Barra D´Or, ser humano iluminado, com quem convivo diariamente há quase 10 anos, obrigado por ter me ensinado o exercício da medicina em todas as suas faces e pelo incentivo e ajuda imprescindível na viabilização desta empreitada. Sem sua ajuda, essas palavras não estariam aqui impressas. Ao grupo de cirurgia cardiovascular do Hospital Barra D´Or, representado pelo Dr. Valdo José Carreira, cirurgião responsável e parceiro de todas as horas, pelo Dr. Alexandre Pyramides, cirurgião, empreendedor e amigo, e pelos Drs. Ivo Thadeu Pinheiro e Rafael P. Peixoto, anestesistas, cujas participações foram essenciais para elaboração e andamento deste trabalho, obrigado pela confiança prestada. À equipe do CTI de PO do Hospital Barra D´Or, representada por nossos médicos, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, nutricionistas e funcionários administrativos, simplesmente, gratidão eterna. À Dra. Martha Savedra, diretora médica do Hospital Barra D´Or, por permitir e confiar nesta realização. Ao Dr. Antônio Brasileiro pelo apoio e incentivo científico compartilhados desde o início desta jornada. Ao Dr. João Luiz Petriz e ao Dr. Adriano Caixeta pelo incentivo e orientações prestadas nos alicerces desta tese. Ao Dr. Paulo Costa e ao Dr. Francisco C. Leão, responsáveis médicos pelo Laboratório de Patologia Clínica do Hospital Barra D´Or, pelo apoio incondicional à realização das análises laboratoriais. vi Ao biólogos Manoel Jayme Aben-Athar Ivo, Andréa Pires Carneiro, Christiane Diniz e ao Fábio Mota do Laboratório de Imunologia Clínica do Hospital Barra D´Or, pela inestimável ajuda nos testes de quimiluminescência, sem vocês eu não teria realizado este trabalho. Muito obrigado aos funcionários da coleta de sangue às inúmeras solicitações de coletas para que esta tese se concretizasse. Obrigado em especial à enfermeira Ana Cláudia Costa Deud pela armazenagem das amostras. Ao Dr. Bráulio dos Santos Jr., pela análise estatística e pelas brilhantes sugestões. À Theresa Ozelin e Amanda Medeiros, companheiras e amigas, obrigado pela paciência e apoio logístico. Ao Dr. Giovani Vitória Machado, ao Arthur e à Elisa, pela ajuda na confecção das tabelas e gráficos. À Bayer S.A. pelo apoio prestado no fornecimento dos frascos de aprotinina utilizados no estudo e pela compra dos kits para dosagens das interleucinas. Aos pacientes que acreditaram e colaboraram com o estudo. Que esta tese sirva de benefício para os próximos. vii RESUMO Homena Jr, W. S. Análise comparativa dos níveis plasmáticos de marcadores inflamatórios de fase aguda em pacientes que utilizaram aprotinina e corticosteróide durante a cirurgia de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea. Rio de Janeiro, 2007. 138 p. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Medicina. Universidade do Rio de Janeiro. Introdução: A cirurgia cardíaca determina intensa resposta inflamatória, com implicações clínicas importantes. Cerca de 20% dos pacientes considerados de “baixo risco” desenvolvem complicações no pós-operatório. Inúmeras medidas terapêuticas que visam a atenuar esse processo, hoje denominado SIRS (systemic inflammatory response syndrome), têm sido estudadas; enormes barreiras, porém, precisam ser ultrapassadas. Tal dificuldade poderia ser atribuída à etiologia multifatorial da SIRS e à heterogeneidade das populações estudadas. Objetivo: Realizar uma análise comparativa entre os níveis plasmáticos de marcadores inflamatórios de fase aguda em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea (CEC) que utilizaram aprotinina ou corticosteróides. Métodos: Estudou-se 40 pacientes de baixo risco submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica com CEC em caráter eletivo, divididos em 3 grupos: G0 (controle = 12 pac.); GA (aprotinina = 12 pac.); e GC (metilprednisolona = 16 pac.). Amostras de sangue periférico foram colhidas em três tempos diferentes: T0, 24 horas antes da cirurgia; e T1 e T2, 3 e 18 horas após o término da cirurgia, respectivamente. Os seguintes marcadores de resposta inflamatória de fase aguda foram quantificados nessas amostras: TNF-α; IL-6; PCR; fibrinogênio; haptoglobina; leucócitos e neutrófilos. A análise estatística utilizou o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis para a comparação entre os grupos, o teste de t para variáveis contínuas e o teste de χ² para as proporções. Resultados: Não houve diferença entre os grupos em relação às características demográficas, clínicas (representadas pelos três escores de risco avaliados), o uso prévio de drogas vasodilatadoras, a presença de diabetes mellitus e a classificação quantitativa do número de artérias coronárias acometidas. Na cirurgia, os valores médios dos tempos de CEC, de pinçamento aórtico e total de cirurgia, não diferiram entre os grupos, nem o uso de hemoderivados, a despeito do menor sangramento no grupo A. Os níveis de IL-6 foram maiores no G0 em relação ao GA e GC (374,4 ± 341,8; 260,2 ± 373,3; 249,2 ± 311,3 pg/ml, respectivamente), porém sem significância (P = 0,2). Em relação aos níveis do TNF-α, G0, GA e GC não diferiram (14,0 ± 19,1; 26,5 ± 61,3; 20,8 ± 48,1 pg/ml, respectivamente; P = viii NS). As diferenças nos maiores níveis séricos alcançados no pós-operatório (T1 e T2) entre os grupos para o fibrinogênio, a haptoglobina e a PCR foram equivalentes (P = NS). Houve uma significativa diferença entre os maiores níveis de T1 e T2 em relação aos valores basais da leucometria, no grupo C em relação ao G0 e GA (15,0 ± 5,9; 8,4 ± 4,1 e 9,2 ± 3,4, respectivamente; P = 0,02 e P = 0,003). Apesar disso, a análise da diferença dos valores relativos dos neutrófilos não diferiu entre os grupos (P = 0,3). Conclusão: Este estudo não foi capaz de mostrar através de duas intervenções de amplo uso clínico (uso de aprotinina e metilprednisolona) redução nos vários marcadores da resposta de fase aguda da inflamação em uma população de pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica com CEC. ix ABSTRACT Homena Jr, W. S. Comparative analysis of the plasma levels of markers for acute inflammation in patients receiving aprotinin and corticosteroids during coronary artery bypass grafting with extracorporeal circulation. Rio de Janeiro, 2007. 138 p. Master´s dissertation. School of Medicine of the Federal University of Rio de Janeiro. Introduction: Heart surgery triggers an intense inflammatory response with significant clinical implications. Approximately 20% of low-risk patients have postoperative complications. Several therapeutic measures aiming at reducing that response, currently known as systemic inflammatory response syndrome (SIRS), have been studied; huge difficulties, however, need to be overcome. Such difficulties may be attributed to the multifactorial etiology of SIRS and the heterogeneity of the populations studied. Objective: To compare the plasma levels of markers for acute inflammation in patients undergoing heart surgery with extracorporeal circulation (ECC) receiving either aprotinin or corticosteroids. Methods: The study comprised 40 low-risk patients undergoing elective coronary artery bypass grafting (CABG) with ECC divided into the following 3 groups: G0 (control = 12 pt); GA (aprotinin = 12 pt); and GC (methylprednisolone = 16 pt). Three peripheral blood samples were collected as follows: T0, 24 hours prior to surgery; and T1 and T2, 3 and 18 hours after surgery, respectively. The following markers of acute inflammatory response were quantified: TNF-α; IL-6; PCR; fibrinogen; haptoglobin; leukocytes and neutrophils. Statistical analysis comprised the Kruskal-Wallis non-parametric test for comparison between groups, the t test for continuous variables and the χ² test for proportions. Results: The groups did not differ in regard to their demographic and clinical (represented by the 3 risk scores assessed) characteristics, the previous use of vasodilating drugs, the presence of diabetes mellitus, and the number of coronary arteries impaired. No difference was observed between the groups in regard to the use of blood derivatives and the mean times of ECC, aortic clamping, and total surgery, despite the smaller bleeding in group A. The IL-6 levels were lower in G0 as compared to those in GA and GC (374.4 ± 341.8; 260.2 ± 373.3; 249.2 ± 311.3 pg/ml, respectively), but not significantly (P = 0.2). The TNF-α levels in groups 0, A and C did not differ (14.0 ± 19.1; 26.5 ± 61.3; 20.8 ± 48.1 pg/ml, respectively; P = NS). The differences in the greatest postoperative serum levels (T1 and T2) between the groups for fibrinogen, haptoglobin and PCR were equivalent (P = NS). A significant difference was observed between the greatest levels in T1 and T2 and the baseline levels of leukocytes in x group C as compared to those in groups 0 and A (15.0 ± 5.9; 8.4 ± 4.1 and 9.2 ± 3.4, respectively; P = 0.02 and P = 0.003). The analysis of the difference in the relative levels of neutrophils, however, did not differ between the groups (P = 0.3). Conclusion: Despite being two drugs of widespread clinical use, this study could not show a reduction in several markers of the acute phase of inflammatory response in patients undergoing CABG with ECC and receiving aprotinin and methylprednisolone. xi ÍNDICE Pág. viii x xiv xv xv xvi Resumo Abstract Lista de abreviaturas Lista de tabelas Lista de quadros Lista de figuras 1 I- INTRODUÇÃO II- REVISÃO DA LITERATURA II.1. A Circulação Extracorpórea II.2. A Resposta Inflamatória Sistêmica II.3. As Citocinas II.4. Os Corticosteróides II.5. A Aprotinina 4 5 18 42 46 52 III. OBJETIVO 64 IV. METODOLOGIA IV.1. Desenho Do Estudo IV.2. População Estudada IV.3. Esquema Terapêutico IV.4. Critérios De Inclusão IV.5. Critérios De Exclusão IV.6. Variáveis Analisadas IV.7. A Dosagem Dos Marcadores Inflamatórios IV.8. Coleta E Preparo Da Amostra IV.9. Teste De Quimiluminescência Imunométrica IV.10. A Reação De Quimiluminescência IV.11. O Procedimento Cirúrgico IV.12. O Procedimento Anestésico IV.13. Análise Estatística 66 67 67 67 69 70 71 73 74 75 76 77 78 78 V- RESULTADOS V.1. Características Clínicas E Demográficas V.2. Dados Cirúrgicos V.3. Variáveis Hematológicas V.4. A Resposta Inflamatória V.4.1. A resposta inflamatória pelas citocinas V.4.2. A resposta inflamatória pelas proteínas de fase aguda V.4.3. A resposta inflamatória celular 80 81 83 84 85 87 90 92 VI. DISCUSSÃO 94 107 VII. CONCLUSÃO xii Pág. 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS Anexo 1 – Aprovação do projeto de pesquisa pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital Barra D´Or. Anexo 2 – Termo de consentimento livre e esclarecido Anexo 3 – Planilha dos resultados xiii 132 133 134 135 LISTA DE ABREVIATURAS °C - graus Celsius ed. - edição cols. - colaboradores dL - decilitro ex. - exemplo F - French h - horas IIQ - intervalo inter-quartil L - litro mg - miligrama mL - mililitro mmHg - milímetros de mercúrio p - página rev. - revista v. - volume SIRS - síndrome da resposta inflamatória sistêmica (systemic inflammatory response syndrome) MODS - síndrome da disfunção de múltiplos órgãos (multiple organ dysfunction syndrome) CEC - circulação extracorpórea IL - interleucina TNF-α - fator de necrose tumoral-alfa (tumor necrosis factor-alpha) PCR - proteína C-reativa UTI - unidade de tratamento intensivo xiv LISTA DE TABELAS Pág. Tabela 1. Papel das citocinas pró-inflamatórias na resposta imune à cirurgia cardíaca 45 Tabela 2. Papel das citocinas antiinflamatórias na resposta imune à cirurgia cardíaca 46 Tabela 3. Principais características clínicas e demográficas 81 Tabela 4. Principais características clínicas representadas pelos escores de risco cirúrgico para mortalidade 82 Tabela 5. Classificação dos grupos de acordo com o número de artérias coronárias acometidas 82 Tabela 6. Principais características perioperatórias 83 Tabela 7. Principais características hematológicas 84 LISTA DE QUADROS Pág. Quadro 1. Redefinição diagnóstica segundo o consenso ACCP-SCCM xv 19 LISTA DE FIGURAS Pág. Figura 1. Valores de TNF- α em T0 nos três grupos estudados 86 Figura 2. Valores de IL-6 em T0 nos três grupos estudados 86 Figura 3. Valores máximos de IL-6 entre T1 e T2. 87 Figura 4. Valores máximos de TNF-α entre T1 e T2. 88 Figura 5. Cinética da IL-6 no pós-operatório representada por seus valores medianos 89 Figura 6. Cinética do TNF-α no pós-operatório representada por seus valores medianos nos três diferentes grupos. 89 Figura 7. Diferença entre as medianas dos maiores valores do fibrinogênio em T1 e T2 em relação a T0. 90 Figura 8. Diferença entre as medianas dos maiores valores da haptoglobina em T1 e T2 em relação a T0. 91 Figura 9. Diferença entre as medianas dos maiores valores da PCR em T1 e T2 em relação a T0. 91 Figura 10. Cinética da PCR no pós-operatório representada por seus valores medianos nos três diferentes grupos. 92 Figura 11. Diferença entre as médias dos maiores valores da leucometria em T1 e T2 em relação a T0. 93 Figura 12. Diferença entre as médias dos maiores valores do número de neutrófilos em T1 e T2 em relação a T0 (valores percentuais em relação à leucometria) 93 xvi CAPÍTULO I INTRODUÇÃO 2 I - INTRODUÇÃO Desde a criação do sistema de circulação extracorpórea (CEC) por John Gibbon em meados dos anos 1950, a resposta inflamatória por ela induzida tornou-se um dos maiores desafios para o desfecho clínico favorável dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Em 1956, John W. Kirklin publicou a primeira série composta de 40 indivíduos submetidos à CEC e atribuiu a mortalidade intra-hospitalar de 40% à então chamada “disfunção pulmonar”. Desde então, o controle dessa resposta tem sido motivo de inúmeras investigações clínicas e experimentais com resultados controversos, muitas das vezes difíceis de serem transportados da “bancada” à beira do leito. O uso rotineiro desde a década de 1970 dos corticosteróides para um possível controle da resposta inflamatória e, posteriormente, da aprotinina para redução do sangramento cirúrgico nos pacientes de alto risco para as complicações da coagulação gerou grande interesse para que novas pesquisas fossem realizadas com essas drogas, uma vez que propriedades antiinflamatórias foram atribuídas recentemente à aprotinina. Como a aprotinina ainda é uma droga de alto custo, quando comparada com os corticosteróides, devemos empregá-la de maneira rotineira naqueles pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com CEC? A resposta está em aberto. Como a equipe de cirurgia cardiovascular na qual estamos inseridos não utiliza os corticosteróides de maneira rotineira, a aprotinina é empregada com freqüência com o intuito de reduzir o uso de hemoderivados. Diante da possibilidade de medirmos quantitativamente alguns marcadores de fase aguda da resposta inflamatória, criamos a hipótese de que a aprotinina e os corticosteróides causam uma redução significativa dos níveis séricos desses 3 marcadores. Há, portanto, uma lacuna na literatura para um ensaio clínico que contemple a análise comparativa entre essas drogas. CAPÍTULO II REVISÃO DA LITERATURA 5 II - REVISÃO DA LITERATURA II.1. Circulação Extracorpórea A circulação extracorpórea (CEC) é um poderoso instrumento que possibilita a cirurgia de coração aberto, assistência circulatória ou respiratória temporária e, dessa forma, um suporte de vida mais prolongado. O sistema de perfusão gera fluxo de sangue e, dependendo da aplicação, oxigena, resfria, reaquece ou processa esse sangue. Todavia, por ser um procedimento invasivo, tem aplicação apenas temporária. A “bio-incompatibilidade” do circuito de perfusão com os elementos do sangue é a maior causa de morbidade dessa fantástica técnica.1 O estado atual desse sistema tem história de desenvolvimento de mais de 100 anos2 e aplicabilidade apenas com o descobrimento da heparina em 19163 e da protamina em 1917.4 Antes de John e Mary Gibbon desenvolverem a máquina “coração-pulmão”, outros experimentaram “bombas” de sangue e oxigenação extracorpórea de sangue venoso.2 John Gibbon, com seus célebres trabalhos na década de 1930 no Massachusetts General Hospital e, a seguir, na Jefferson Medical School, na Filadélfia, foi o primeiro cirurgião a empregar com êxito o método em seres humanos, corrigindo, em maio de 1953, com sucesso, um defeito do septo atrial em Cecelia Bovalak usando a CEC, desenhada pela International Business Machines Corporation.5 Logo a seguir, em 1954, C. Walton Lillihey, na Universidade de Mineápolis, realizou a primeira série consecutiva de cirurgia com CEC, usando, porém, como oxigenador um doador (circulação cruzada). A primeira série de pacientes operados com CEC com sucesso foi publicada por Kirklin e DuShane em 1955. No Brasil, o primeiro cirurgião a empregar a CEC foi Hugo Filipozi, apresentando sua série de pacientes operados em 1957. Zerbini, em São Paulo, e Domingos Junqueira, no Rio 6 de Janeiro, na Casa de Saúde São Miguel, chefiada por Fernando Paulino, realizaram os primeiros casos de cirurgia cardíaca com CEC a partir de 1958. Em agosto de 1960, no 6° Congresso Interamericano de Cardiologia, realizado no Rio de Janeiro, no Hotel Copacabana Palace, foi apresentado o primeiro caso de paciente operado com hemodiluição. Desde então, avanços técnicos têm diminuído a morbidade e a mortalidade da mesma. O uso de heparina, entretanto, permanece como um pré-requisito e, também, uma de suas limitações. A aplicação de novas tecnologias faz-se necessária para controlar a reação entre os elementos do sangue e os biomateriais do circuito.6 II.1.1. Componentes do sistema de perfusão A máquina “coração-pulmão” é o modelo mais oneroso dos sistemas de perfusão extracorpórea. Seus componentes básicos são uma ou mais cânulas venosas, um reservatório venoso, um permutador de calor, uma bomba, um filtro de linha arterial e uma cânula arterial. A máquina contém material biocompatível que por definição deve ser não tóxico, não imunogênico, não alergênico e não mutagênico. Exemplos desses materiais incluem policarbonato, polivinilcloreto, teflon®, polietileno, aço inoxidável, titânio, borracha de silicone e poliuretano. As vias para o fluxo de sangue são desenhadas para minimizar turbulência, cavitação, estagnação, alteração na velocidade e no volume do perfusato necessário. O sistema também requer múltiplos acessos para que outros subsistemas sejam conectados, para coleta de amostras de sangue e para adicionar o perfusato e drogas. Dentre esses subsistemas ou aplicativos acessórios à máquina básica, há um sistema de sucção para cardiotomia que aspira sangue das cavidades cardíacas abertas e do campo cirúrgico. Esse sangue é filtrado, depurado e adicionado diretamente ao perfusato. Sangue diluído 7 proveniente do campo cirúrgico pode ser “reaproveitado” por um sistema de cell saver, que filtra e concentra hemácias antes de retorná-las para o perfusato. O sistema de oferta de cardioplegia consiste em uma bomba, um reservatório e um permutador de calor, sendo desenhado para oferecer sangue enriquecido com potássio ou solução cristalóide diretamente na circulação coronária. As máquinas de perfusão mais modernas têm arquitetura aberta que permite ao perfusionista monitorar visualmente o conjunto e corrigir eventuais problemas; isso, no entanto, expõe os componentes do sangue à maior área de materiais sintéticos, múltiplos sítios de entrada de ar e potencial contaminação microbiológica.1 Os componentes do sistema de perfusão extracorpórea são detalhados a seguir. a) cânulas venosas Através de uma ou mais cânulas venosas, sangue desoxigenado é drenado por gravidade para o circuito da CEC ou para o oxigenador. O número de cânulas venosas é dependente do tipo de cirurgia e preferência do cirurgião. Quando uma cânula é utilizada, ela é colocada no átrio direito através do apêndice atrial. Quando duas cânulas são utilizadas, elas são colocadas através do átrio direito nas veias cavas superior e inferior. Podem também ser inseridas através de canulação das veias femoral, ilíaca ou jugular, dependendo da situação, como em reoperações, emergências, previsão de longa permanência sob suporte hemodinâmico e revascularização por toracoscopia. Durante a perfusão, a pressão venosa central deve ser mantida entre 5 e 15 mmHg. Pressões negativas colapsam o sistema e obstruem o fluxo. Na maior parte dos circuitos de CEC, o sistema de drenagem venosa por gravidade encontra-se entre 63 e 76 cm abaixo do plano das grandes veias sistêmicas.1 8 b) reservatório venoso É uma bolsa compressível de polivinil com até 3 litros de capacidade, usada em linha com o sistema do oxigenador de membrana e colocada acima da bomba. Nos oxigenadores de bolha, o reservatório é incorporado ao sistema.1 c) oxigenador Há dois tipos de oxigenadores, os de membrana e os de bolha. Uma membrana microporosa de polipropileno ou, menos comumente, uma membrana de borracha siliconada separa os compartimentos de gás e sangue nos oxigenadores de membrana. O oxigênio é direcionado através de gradiente de pressão (cerca de 640 mmHg), difundindo-se no sangue através de membrana não-porosa ou microporos de 1 µm. Devido à pouca difusão do oxigênio no plasma, o sangue deve ser espalhado sobre uma superfície ampla (2-5,4 m²) para saturação da hemoglobina. O gás carbônico difunde-se com facilidade no plasma, sendo rapidamente liberado, a despeito dos baixos gradientes de pressão. O fino circuito de sangue e a grande área da superfície de membrana geram alta resistência ao fluxo. Portanto, um reservatório venoso em separado é necessário e uma bomba arterial é interposta acima do oxigenador de membrana. Um permutador de calor está inserido nesse compartimento. Nos oxigenadores de bolha, o sangue venoso é drenado diretamente para uma câmara, dentro da qual o oxigênio é infundido através de um prato de difusão (pulverizador), que produz milhares de pequenas bolhas de oxigênio no sangue. Os dois tipos de oxigenadores ativam proteínas do sangue e células e produzem microêmbolos. Os de bolha são mais eficientes na troca gasosa e têm menor custo; porém, o trauma dos elementos do sangue é progressivo, desde que cada nova bolha representa uma nova superfície “estranha”, com a qual aqueles elementos interagem. Como o contato do sangue com a superfície dos oxigenadores de membrana é constante, rapidamente a superfície 9 dos oxigenadores torna-se revestida por uma camada de proteínas plasmáticas que reduzem a ativação daqueles elementos. A maior parte da injúria celular ocorre nos primeiros minutos nesses oxigenadores de membrana, causando menor trauma nas perfusões mais prolongadas.1 d) permutador de calor O permutador de calor tem a função de controlar a temperatura corpórea durante a CEC. A temperatura corporal interfere no metabolismo, sendo freqüentemente manipulada durante a cirurgia por diversas razões. Devido à grande vulnerabilidade cerebral à isquemia, a temperatura nasofaríngea (o transdutor está colocado próximo à base do cérebro) é avaliada em conjunto com a temperatura retal ou vesical durante a CEC com hipotermia. A água circula dentro do misturador entre 1-2˚C e 42˚C. Temperaturas acima de 42˚C aumentam o risco de desnaturação protéica. O resfriamento é mais rápido que o reaquecimento, pois grandes diferenças de temperatura podem ser mantidas entre a entrada e a saída de sangue do paciente. As leis de Dalton e Boyle inferem que os gases são mais solúveis em plasma resfriado. Portanto, perfusão de sangue resfriado para pacientes aquecidos deve ser evitada, devido ao risco de formação de microbolhas. Reaquecimento rápido pode produzir microbolhas visíveis no circuito da CEC, porém essas se dissolverão em contato com o paciente resfriado. Por razões de segurança, diferenças de temperatura entre o perfusato e o paciente maiores que 12 a 14˚C devem ser evitadas.1 e) bombas As bombas impulsionam o sangue e existem três tipos comumente utilizados: as centrífugas, as de rotor (hélice de impulsão) e as de rolete. As bombas de rolete consistem de dois roletes a 180˚ que giram através de um hemicírculo de metal. Quando um rolete começa a comprimir o tubo do circuito, o rolete 10 oposto o libera, permitindo que o sangue seja impulsionado continuamente em uma única direção. As bombas de rolete são seguras e fáceis de operar, mantêm o fluxo unidirecional, a despeito da pressão na linha de saída, e têm baixo custo. O débito da bomba é proporcional à velocidade de rotação dos roletes e o diâmetro do tubo compressível. Na prática, a taxa do fluxo de sangue é calculada ou copiada de uma figura que correlaciona a velocidade rotativa, o diâmetro do tubo e o fluxo desejado. Essas bombas produzem uma curva de pressão em senóide de baixa amplitude. As bombas centrífugas e de rotor consistem de um sistema impulsionador de alta rotação (cones concêntricos ou lâminas) inserido num compartimento com sangue. Ambas podem gerar pressão negativa quando o fluxo é interrompido. As bombas centrífugas têm inúmeras vantagens sobre as de rolete e de rotor, por não gerarem altas pressões retrógradas quando o tubo é temporariamente interrompido ou torcido, não produzirem êmbolos pela compressão do tubo e não propelirem êmbolos gasosos maiores. Essas bombas também geram um fluxo de sangue contínuo e não pulsátil.1 f) filtros Os filtros são desenhados para reter partículas e êmbolos gasosos. Os de linha arterial são necessários para os circuitos com oxigenadores de bolha, sendo usados rotineiramente nos sistemas com oxigenadores de membrana. A maioria deles requer 200 mL de perfusato, sendo o ar retido retirado através de um sistema de suspiro.1 g) cânulas arteriais Em geral, a cânula arterial é inserida na aorta ascendente, justamente proximal à artéria inominada, mas pode ser colocada em qualquer parte do sistema arterial com diâmetro suficiente para suportar o fluxo necessário. Com freqüência, a artéria femoral é acessada em 11 situações emergenciais, nas quais a CEC deve ser instituída antes que o mediastino possa ser dissecado com segurança, em algumas reoperações e, por alguns cirurgiões, nos aneurismas e dissecções da aorta. Altos fluxos através de cânulas estreitas podem gerar níveis de pressão impróprios (>100 mmHg), turbulência e cavitação, que são lesivas aos elementos do sangue e oferecem risco para a integridade das conexões. Para diminuir tais riscos, apenas a ponteira da cânula inserida no vaso é reduzida a um diâmetro menor que o do tubo de conexão. Diâmetros internos de cânulas arteriais comercializadas variam entre 6 e 24 F.1 h) sistema de sucção de cardiotomia Esse sistema é necessário para o retorno do sangue sobrenadante no campo cirúrgico das câmaras cardíacas abertas para o circuito da CEC. O sangue aspirado, no entanto, contém enzimas ativadas pelo contato com a ferida cirúrgica e não é o mesmo com o qual o perfusato será misturado. O sistema de sucção é uma importante causa de hemólise, é lesivo aos elementos do sangue e, se não utilizado, pode diminuir o sangramento pós-operatório.7 Durante a cirurgia, esse sistema aspira debris teciduais e grande volume de ar, que devem ser, obrigatoriamente, removidos através de um filtro inserido em um reservatório do sistema. i) sistema de descompressão ventricular esquerda Descompressão do coração não contrátil flácido previne a distensão ventricular e a injúria miocárdica não isquêmica. A distensão ventricular reduz de maneira significativa a contratilidade miocárdica8, pode diminuir o fluxo subendocárdico e, às vezes, induzir a lesão pulmonar aguda pelo aumento súbito da pressão venosa retrógrada. O ventrículo esquerdo pode ser descomprimido de diversas formas, mais comumente, sendo aspirado por um cateter inserido na junção da veia pulmonar superior direita com o átrio esquerdo. 12 O sangue aspirado pode ser drenado por gravidade em um reservatório venoso do sistema de perfusão, sendo que, com maior freqüência, uma bomba de rolete é usada para aspirá-lo para o reservatório de cardiotomia. Válvulas unidirecionais no sistema previnem a entrada acidental de ar no coração. No entanto, uma vez as cavidades esquerdas abertas, todo o ar deve ser cuidadosamente retirado antes do reinício das contrações.1 j) cardioplegia Vários métodos e soluções são empregados visando à proteção miocárdica durante a cirurgia cardíaca, dependendo do tipo de cirurgia e da experiência do cirurgião. O mais popular consiste de solução sangüínea ou cristalóide, fria e rica em potássio (4 a 12˚C), infundida de forma anterógrada pela aorta ou retrógrada pelo seio coronário. Mais recentemente, perfusão sangüínea contínua, normotérmica, rica em potássio tem sido utilizada nas revascularizações miocárdicas em alguns centros. Se a raiz aórtica for aberta, cardioplegia pode ser aplicada de maneira direta nas coronárias. Soluções cardioplégicas são aplicadas através de um sistema especial de perfusão que contém uma bomba de rolete, um reservatório, um sistema para permuta do calor em separado e, opcionalmente, um filtro de leucócitos.1 l) cell saver Apenas sangue plenamente anticoagulado deve passar pelo circuito da CEC. Coágulos no circuito acarretam uma catástrofe, resultando na interrupção imediata da perfusão e possível morte do paciente. Após a entrada do sangue por uma ponteira aspirativa, a heparina é adicionada e, em seguida, o sangue é direcionado para um filtro de 20 µm e depois para um reservatório onde as células são “lavadas” e centrifugadas. O lavado que inclui constituintes 13 do plasma e heparina é desprezado, mas o concentrado de hemácias é coletado em bolsas plásticas e reinfundido, se necessário.1 m) perfusionista Perfusionistas são responsáveis pela segurança e contínua operação da máquina, sob controle direto do cirurgião. O perfusionista recebe instruções específicas em relação à taxa de fluxo, nível de temperatura e alocação diferencial do perfusato entre o paciente e a máquina. É ainda responsável pela monitorização das pressões no sistema, adequada manutenção da troca de oxigênio e gás carbônico, entrada de ar no sistema ou obstrução ao fluxo e, finalmente, manutenção da perfusão e metabolismo de órgãos e tecidos.1 II.1.2. Manuseio da circulação extracorpórea a) montagem do sistema da CEC A máquina da CEC é parcialmente montada 30 a 60 minutos antes do início da perfusão. O sistema é preenchido com cristalóide, que circula por alguns minutos através de um filtro estéril de 0,2 a 0,5 µm para remoção de todas as bolhas de ar e partículas embólicas do sistema. Esse filtro é descartado antes do começo da CEC e, durante a recirculação, o sistema é inspecionado e todos os sistemas de monitorização são testados.1 b) perfusato Em geral, o perfusato consiste de solução salina balanceada, sendo necessários cerca de 2 litros do mesmo para preencher o sistema. Uma vez iniciada a perfusão, o hematócrito do paciente é mantido em torno de 20-25%, sendo que alguns cirurgiões permitem valores menores, quando a temperatura é mantida mais baixa. Durante a perfusão, perfusato adicional 14 pode ser necessário para operar o sistema com segurança. O tipo de perfusato acrescido é determinado pela concentração de hemoglobina. A redução dos níveis de hemoglobina durante a CEC tem inúmeras vantagens. Primeiro, menor quantidade de sangue é necessário para a cirurgia e, com isso, há menor risco de contaminação microbiológica e reações adversas. Segundo, o trauma celular e de proteínas plasmáticas é reduzido desde que menos sangue se encontre no circuito. A hemodiluição também aumenta o fluxo urinário e a depuração de sódio, potássio e creatinina. A incidência de oligúria e necrose tubular aguda é menor com a hemodiluição. Com menor viscosidade, o fluxo de sangue é facilitado através de vasos parcialmente obstruídos e através de pequenas arteríolas e capilares, em especial durante hipotermia. A hemodiluição, no entanto, reduz a pressão oncótica intravascular, aumentando o edema intersticial. Todavia, essa desvantagem não afeta suas múltiplas vantagens e as técnicas para conservação de sangue.1 c) anticoagulação A heparina é fundamental para a CEC, embora não seja o anticoagulante ideal. Direta e indiretamente, essa droga contribui para sangramento durante a cirurgia e no período de pósoperatório. O desejo de menor sangramento e hemotransfusão tem fomentado questões a respeito da quantidade de heparina necessária para cirurgias com o coração aberto.9 A CEC e a ferida cirúrgica geram estímulo trombótico que deve ser prevenido para que não se formem coágulos no sistema. A heparina age próximo do final da cascata da coagulação e, durante a CEC, não suprime a produção de uma série de potentes proteases plasmáticas ativadas durante a “cascata” enzimática, amplificada e acelerada, até que seja bloqueada pelo seu cofator essencial, uma proteína plasmática natural, a antitrombina (AT). A AT é uma grande (58.000 daltons) e abundante (140 µg/mL) proteína inibidora de proteases plasmáticas, que incluem o 15 fator XIIa, a calicreína, o complemento ativado, a plasmina, os fatores de coagulação IXa, Xa, XIa e a trombina.1 A heparina age apenas como catalisador, não fazendo parte do complexo trombinaAT. Apesar do forte estímulo trombótico da ferida cirúrgica e da CEC já comentado anteriormente, e a despeito do tempo de coagulação ativado estar maior que 400 segundos, trombina é progressivamente formada durante a CEC em todos os pacientes. Doses padronizadas de heparina (300-400 U/kg) falham em suprimir por completo a formação de trombina, resultando na permanência dessa na circulação, sendo a trombina uma poderosa protease com múltiplos alvos de ação.1 O efeito anticoagulante das preparações de heparina varia na dependência da concentração plasmática de AT. Se a concentração de AT for baixa, ocorrerá resistência à heparina. Em tais pacientes submetidos à CEC, faz-se necessária imediata transfusão de plasma fresco congelado para suplementar as concentrações de AT e aumentar o tempo de coagulação ativado para níveis seguros (> 400 segundos) antes do começo da perfusão. Cerca de 0,2-0,4% da população tem deficiência congênita de AT, tendo os recém-natos cerca de metade da concentração dos adultos. Essa deficiência também pode ser encontrada em prematuros, crianças cianóticas, doença hepática e renal avançada, pacientes caquéticos, mulher em terapia de reposição hormonal com estrógenos e pacientes que tenham feito uso recente de heparina.10,11 A heparina aumenta a sensibilidade das plaquetas a vários agonistas12,13 e, discretamente, o tempo de sangramento.14 O complexo AT-heparina não é capaz de inibir a trombina ligada à fibrina e não previne a ativação da trombina pelas plaquetas, assim como a conversão do fibrinogênio nos coágulos. A heparina também contribui para a ativação dos neutrófilos e, quando ligada à protamina, é o principal fator ativador do complemento. A 16 trombocitopenia induzida pela heparina (HIT) (contagem de plaquetas <50.000/µL) ocorre em cerca de 2-3% dos pacientes.15 A heparina, portanto, não é o anticoagulante ideal. A monitorização da heparina é essencial durante a CEC para impedir a formação de trombos no circuito; todavia, nem a heparina nem a trombina podem ser mensuradas na sala de operação. O tempo de coagulação ativado (TCA) é o método mais comum e simples utilizado para se mensurar o nível de anticoagulação. A sensibilidade à heparina, assim como seu metabolismo, variam entre os indivíduos16, sendo que pacientes previamente expostos à heparina têm sensibilidade diminuída.17 Por essas razões, alguns clínicos recomendam a titulação da quantidade de heparina necessária para se alcançar o TCA desejado (> 400 segundos) antes do início da perfusão, de modo a se evitar um TCA prolongado, não esperado para a dose padrão de 300-400 U/kg, empregada de forma rotineira. A avaliação do TCA faz-se necessária a cada 30 minutos durante a CEC, sendo heparina adicionada para se manter o TCA acima de 400 segundos. Se a aprotinina for utilizada e o TCA for avaliado em tubos de teste celite, esta interação prolonga o tempo de formação do coágulo e, conseqüentemente, o TCA. Nessas circunstâncias, a CEC deve ser postergada até o TCA alcançar 750 segundos, sendo que a aprotinina não afeta o TCA em tubos de teste de caulim.18 d) protamina Após o término da CEC e da retirada das cânulas venosas, administra-se protamina (1 mg para cada 100 unidades de heparina) para a neutralização da heparina. Em cerca de 50% dos pacientes, a protamina causa hipotensão transitória e redução do débito cardíaco.19 O complemento ativado causa vasodilatação, disfunção cardíaca e aumento na permeabilidade capilar, mas também estimula mastócitos e basófilos a liberarem histamina. Essa reação normalmente responde à reposição de cálcio, sendo, em geral, transitória. Em raros casos, a 17 protamina pode causar reação anafilática em pacientes diabéticos, alérgicos a peixe ou já expostos à protamina. Anticorpos para protamina IgE ou IgG pré-existentes podem ser demonstrados em muitos desses indivíduos.20 O efeito “rebote” da heparina é descrito como um efeito anticoagulante aparente, com aumento do TCA, ocorrendo entre uma e três horas após neutralização plena da heparina. Tal fenômeno justifica-se pela posterior liberação da heparina ligada às células endoteliais após sua neutralização sérica. Como a protamina é uma molécula menor, pode ser eliminada da circulação antes que toda a heparina ligada seja metabolizada.21 e) taxas de fluxo e pressão Desde que o oxigênio não é armazenado no organismo, as taxas de fluxo e perfusão devem ter a capacidade de suprir a demanda metabólica tecidual continuamente. O consumo de oxigênio em normotermia é de 80 a 125 mL/minuto/m², sendo similar àquele de pacientes adultos anestesiados sem CEC. A 37˚C, a taxa de fluxo de 2,2 litros/minuto/m² é adequada para a demanda metabólica, evitando-se, assim, acidose metabólica durante a CEC em adultos anestesiados. A hipotermia reduz a demanda metabólica, permitindo, portanto, fluxos menores que 2,2 litros/minuto/m². Em geral, a tensão sangüínea média durante a CEC em normotermia é mantida em torno de 50-70 mmHg. O aumento no número de complicações neurológicas está associado à pressão arterial média menor que 45 mmHg. Com hipotermia moderada, a tensão sangüínea acima de 35 mmHg é considerada segura para pacientes sem doença cerebrovascular definida. Durante a CEC, a pressão é controlada pela taxa de fluxo, pelo volume intravascular e pela infusão de vasodilatadores e/ou vasoconstritores periféricos. Níveis mais profundos de anestesia também ajudam a reduzir os níveis tensionais.1 18 f) temperatura O consumo de oxigênio diminui em 50% a cada 10˚C de decréscimo na temperatura corporal, permitindo assim uma redução na taxa de fluxo sem conseqüente aumento da lactatemia ou da acidose metabólica. Abaixo de 28˚C, um fluxo de 1,6 litros/minuto/m² é seguro até duas horas. A redução na temperatura corporal proporciona maior segurança para determinada duração do tempo de isquemia; no entanto, a demanda de tempo necessária para o reaquecimento é sua maior desvantagem. A hipotermia também altera a reatividade de alguns elementos do sangue, em especial das plaquetas, assim como afeta o metabolismo da heparina. Práticas recentes tendem a realizar cirurgias relativamente curtas em normotermia ou mesmo hipotermia leve (ex., 32-34˚C).22,23 A CEC em normotermia pode reduzir a resistência vascular sistêmica e a perda de sangue no período de pós-operatório imediato, porém tal prática diminui a saturação de oxigênio venoso cerebral, principalmente no início da perfusão. Avanços nas técnicas de cardioplegia que mantêm a temperatura cardíaca, de forma protetora, mais baixa ou oferecem perfusão coronária contínua a 37˚C durante o pinçamento aórtico são características essenciais para a perfusão em normotermia. II.2. A Resposta Inflamatória Sistêmica Inflamação é a resposta orgânica, humoral e celular a qualquer injúria tecidual, sendo caracterizada por rapidez e alta amplificação.24 Enquanto o termo sepse tem sido classicamente utilizado para definir uma resposta clínica à infecção, resposta similar pode também ocorrer na ausência de infecção.25 De fato, pacientes caracteristicamente com sepse, porém com cultura microbiológica negativa, têm taxas de morbidade e mortalidade semelhantes às da população com cultura positiva.26 Deduziu-se que esse processo seja uma resposta inflamatória generalizada e inespecífica à injúria, o que resultou em uma imediata 19 redefinição diagnóstica desses eventos dentro de um processo pelos Americam College of Chest Physicians e Society of Critical Care Medicine Consensus Conference Committee (ACCP-SCCM) em 1991 (veja Quadro 1).25 Quadro 1 – Redefinição diagnóstica segundo o consenso ACCP-SCCM Infecção: Fenômeno microbiológico caracterizado por uma resposta inflamatória à presença de um microorganismo ou à invasão de um tecido estéril do hospedeiro por qualquer organismo. Bacteremia: Presença de uma bactéria viável no sangue. Síndrome da resposta inflamatória sistêmica: Resposta inflamatória sistêmica a uma variedade de insultos clínicos. Manifesta-se por duas ou mais das seguintes condições: - Temperatura < 36°C ou > 38°C; - Freqüência cardíaca > 90 bpm; - Freqüência respiratória > 20 ipm ou PaCO2 < 32 mmHg; - Leucometria < 4.000 células/µL, > 12.000 células/µL, ou >10% bastões (formas imaturas) Sepse: Resposta sistêmica à infecção. Sepse severa: Sepse associada à disfunção orgânica, hipoperfusão ou hipotensão. Anormalidades de perfusão podem incluir, mas não estão limitadas a, acidose lática, oligúria ou uma alteração abrupta do estado mental. Choque séptico: Sepse com hipotensão, a despeito de adequada ressuscitação volêmica, associada à presença de anormalidades na perfusão, que podem incluir, mas não estão limitadas a, acidose lática, oligúria ou uma alteração abrupta do estado mental. Pacientes que estão em uso de inotrópicos ou de agentes vasopressores podem não estar hipotensos no momento em que as anormalidades de perfusão estejam sendo mensuradas. Hipotensão: Pressão sistólica sangüínea < 90 mmHg ou a redução > 40 mmHg do valor basal (em adultos), na ausência de outras causas para hipotensão. Síndrome da disfunção orgânica múltipla: Presença de uma disfunção orgânica em um paciente agudamente enfermo, no qual a homeostase não possa ser mantida na ausência de intervenção. O termo “síndrome da resposta inflamatória sistêmica” (SIRS) tem sido proposto para descrever o ponto de entrada nesse processo, uma entidade que se sobrepõe à resposta inflamatória normal no período de pós-operatório. A SIRS, independentemente das suas 20 causas, é um indicador de injúria sensível e inespecífico, tendo sua classificação importância prognóstica.26 Uma freqüente complicação da SIRS é o desenvolvimento de disfunção orgânica, incluindo injúria pulmonar aguda, choque, falência renal e a síndrome da disfunção orgânica múltipla (MODS). Finalmente, a sobrevida ao longo prazo em pacientes que desenvolvem SIRS pode ser afetada adversamente. Esse fato está bem documentado no contexto da sepse, pelo maior risco de morte em até cinco anos após o episódio de sepse.27 II.2.1. A resposta inflamatória à cirurgia cardíaca A cirurgia cardíaca determina vigorosa resposta inflamatória, com implicações clínicas importantes. Sob análise da Society of Thoracic Surgeons National Database, 20% (22.000) de pacientes considerados de “baixo-risco” desenvolveram complicações no pós-operatório.28 A incidência de MODS após a CEC foi de 11%, com mortalidade de 41% desses pacientes em outro estudo. A disfunção orgânica múltipla adquirida é o melhor preditor para mortalidade em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e que requerem maior tempo de ventilação mecânica no pós-operatório. Muitos aspectos do risco para o desenvolvimento dessas graves complicações são relativamente fixos (genótipo, condição orgânica prévia, dificuldade cirúrgica, etc); porém, para descobrir como intervir para a melhora desse processo, mais estudos são necessários.29 Fatores que influenciam a incidência, gravidade e o prognóstico clínico da resposta inflamatória e, em particular, as razões pelas quais certos pacientes desenvolvem graves complicações com risco de vida ainda não são compreendidas. Três perspectivas podem contribuir para o entendimento da relação entre resposta inflamatória e evento clínico adverso. 21 Primeiro, a complexa interação entre as moléculas humorais pró-inflamatórias e antiinflamatórias pode influenciar a apresentação clínica e o curso da SIRS, com o balanço de citocinas pró-inflamatórias e antiinflamatórias determinando o curso clínico da cirurgia cardíaca.30 De maneira alternativa, mudanças no tempo de curso, na magnitude ou no padrão da liberação dessas citocinas que se seguem à CEC, podem contribuir para essas anormalidades na resposta inflamatória. Segundo, um cenário de múltiplas agressões pode ser visto, através do qual, seqüelas se desenvolvem, tais como infecção ou hipoperfusão tecidual mantida.25,31 A combinação de resultados da conversão de um processo que, inerentemente, é autolimitado, associado a uma resposta homeostática controlada em um processo destrutivo incontrolado, resultará em disfunção orgânica.25,31,32 Mecanismos potenciais inseridos nas bases fisiopatológicas dessas múltiplas agressões incluem a habilidade da CEC em “atrair” neutrófilos, causando a chamada leuco-seqüestração pulmonar e a amplificação da liberação de citocinas que se segue ao insulto subseqüente.33 Terceiro, sugere-se que possa haver concepção errônea sobre a resposta inflamatória. O estado pró-inflamatório, SIRS, pode ser apenas um aspecto de uma resposta multifacetada. O inverso tem sido denominado de “síndrome da resposta antiinflamatória compensatória”.34 A imunossupressão generalizada induzida pela CEC pode ter um importante papel no desenvolvimento das complicações infecciosas.35 De uma forma acumulativa, essas respostas representam uma tentativa do organismo de restabelecer a homeostasia e podem, do ponto de vista clínico, manifestar-se como predominantemente pró-inflamatória (SIRS), antiinflamatória (síndrome da resposta antiinflamatória compensatória), ou uma resposta mista intermediária.34 22 II.2.2. Fisiopatologia da resposta inflamatória à cirurgia cardíaca a) fatores que ativam a resposta inflamatória Ativadores inespecíficos da resposta inflamatória incluem o trauma cirúrgico per se, sangramento ou hemotransfusão e hipotermia. Além desses, a CEC pode especificamente ativar a resposta inflamatória através de três mecanismos distintos. Um mecanismo envolve diretamente a “ativação por contato” do sistema imune, que se segue à exposição dos elementos do sangue às superfícies não biocompatíveis do circuito da CEC. Outro mecanismo envolve a injúria de isquemia–reperfusão do cérebro36, coração37,38, pulmões39, rins40,41 e fígado42 como resultado do pinçamento aórtico. A restauração da perfusão após a retirada do pinçamento aórtico está associada à ativação de marcadores chaves da resposta inflamatória.43,44 Por último, a endotoxemia pode indiretamente ativar a cascata inflamatória. A hipoperfusão esplâncnica, um achado comum durante e após a CEC45, pode alterar a barreira da mucosa e, com isso, permitir a translocação de endotoxinas.46 Concentrações séricas de endotoxinas se correlacionam intimamente com o grau de disfunção cardiovascular após a CEC47,48, enquanto baixas concentrações séricas de imunoglobulina M anti-endotoxina foram capazes de predizer pior prognóstico.49 No entanto, a importância da endotoxemia em estimular a resposta inflamatória à cirurgia cardíaca permanece em aberto, através de evidências conflitantes a respeito da importância da translocação intestinal. O único estudo que examinou a incidência e o tempo de hipoperfusão esplâncnica (através da mensuração do pH intramucoso), permeabilidade intestinal e endotoxemia durante a CEC não encontrou associação da acidose nas células da mucosa com endotoxemia e permeabilidade intestinal.50 23 b) componentes-chave da resposta inflamatória • a cascata do complemento O complemento é ativado durante a CEC, durante a reperfusão dos tecidos isquêmicos e após a neutralização da heparina com a protamina.51 A exposição dos elementos do sangue ao circuito da CEC resulta na ativação direta por “contato” da cascata do complemento, predominantemente pela via alternativa.43,52,53 A formação do complexo heparina-protamina ativa a cascata do complemento principalmente pela via clássica (C4a).52,54 Nos primeiros cinco dias após a cirurgia cardíaca, um segundo aumento, mais tardio, dos produtos da ativação do complemento, é observado. Esse aumento parece ser mediado pela proteína C reativa em resposta ao complexo heparina-protamina. O grau de ativação do complemento tem significado clínico. O nível de shunt pulmonar no pós-operatório correlaciona-se com a ativação da via clássica pelo complexo heparina-protamina.55 Níveis séricos do complexo proteína C reativa-C4d, um específico marcador para a ativação do complemento pela proteína C reativa, correlacionam-se com a ocorrência de arritmias no pós-operatório de revascularização miocárdica.54 Concentrações aumentadas no pós-operatório de C3a podem predizer a probabilidade de disfunção cardíaca, pulmonar, renal e da coagulação, assim como predizer MODS na população pediátrica.53 Anticorpo anti-C5a, que reduz a formação de sC5b-9, diminuiu significativamente a injúria miocárdica, o sangramento e a disfunção cognitiva no pós-operatório de pacientes submetidos à CEC.56 • a cascata das citocinas As citocinas, individualmente, têm efeito pró-inflamatório e antiinflamatório, são essenciais para a homeostase fisiológica e imunológica e são produzidas em resposta a vários 24 estímulos, sejam eles fisiológicos ou patológicos. Como citado antes, a resposta à cirurgia cardíaca das citocinas pró-inflamatórias está balanceada por uma fase de resposta antiinflamatória, por meio de receptores solúveis de citocinas, antagonistas dos receptores de citocinas e citocinas antiinflamatórias.57. Enquanto o papel específico para outros mediadores antiinflamatórios permanece indefinido, sugere-se que o prognóstico clínico de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca dependerá do balanço entre citocinas pró-inflamatórias e antiinflamatórias.51 • o óxido nítrico O óxido nítrico (ON) é um mediador biológico ubíquo que atua como regulador fisiológico, assim como pode ter papel na lesão tecidual. Funções fisiológicas reguladoras incluem, principalmente, a vasodilatação mediada pelo endotélio na circulação sistêmica e pulmonar e significante função imunomodulatória. O ON pode ter inúmeras funções protetoras na resposta inflamatória, como a prevenção do acúmulo de mediadores no endotélio pela vasodilatação por ele induzida, a depuração de radicais livres e a regulação da expressão das moléculas de adesão CD11/CD18 dos neutrófilos.58 O papel do ON na resposta inflamatória é complexo, uma vez que apresenta várias ações benéficas e outras potencialmente deletérias. A depressão da função miocárdica induzida pelas citocinas parece estar relacionada ao aumento da enzima ON-sintetase induzida (iNOS)59, que se encontra ativada pela CEC. A prevenção desse fenômeno pode reduzir a instabilidade hemodinâmica após a CEC60, enquanto a inibição da iNOS pode reverter a hipotensão refratária no choque estabelecido. Enquanto o papel de depurador de radicais livres do ON é, em geral, protetor, esse pode se combinar com radicais superóxido para formar peroxinitrito, o mais reativo e deletério radical livre.61 25 Finalmente, o ON parece ser uma poderosa toxina celular direta, que inativa enzimas envolvidas na glicólise, no ciclo de Krebs, no transporte de elétrons e reduz a adenosina trifosfato intracelular e a concentração de anti-oxidantes, predispondo, portanto, à morte celular. Assim, a duração, a fonte e a quantidade de ON podem ser a chave para dissecar esse aparente papel paradoxal. A resposta pró-inflamatória, uma vez completamente desenvolvida, representa um estado de liberação plena de ON. • a cascata da coagulação-fibrinólise A cascata da coagulação-fibrinólise e a resposta inflamatória, enquanto em muitos aspectos são processos independentes, estão intimamente interconectadas, sendo a ativação da coagulação um componente-chave da resposta inflamatória aguda e vice-versa. Nesse contexto, inflamação e coagulação devem ser consideradas facetas diferentes da mesma resposta do hospedeiro à injúria. A coagulação é tradicionalmente dividida (por conceituação e propósitos práticos) em vias intrínseca e extrínseca, ambas levando a uma via final comum que resultará, através da geração de trombina, na formação do coágulo de fibrina insolúvel. A ativação da coagulação após a CEC se dá, em sua maior parte, pela ativação da via intrínseca pelo sistema de contato, como dito antes. Isso sugere que a via extrínseca, que requer a expressão e a ativação do fator tecidual, provavelmente em resposta ao estímulo inflamatório e ao estresse oxidativo, pode estar envolvida.62 A homeostase é mediada pelo balanço de forças pró-coagulantes e anticoagulantes, que em circunstâncias normais coexistem num delicado processo. A cascata da coagulação consiste de precursores circulantes inativados, que são seqüencialmente ativados através de 26 clivagem enzimática. A trombina, o último produto, catalisa a formação da fibrina insolúvel pelo fibrinogênio que se ligará aos agregados de plaqueta. Em geral, esse processo é controlado e limitado a discretos sítios de injúria por moduladores, que incluem ativadores do plasminogênio, trombomodulina, proteínas C e S e proteases séricas inibidoras como a antitrombina III. A cascata fibrinolítica, ativada durante a coagulação, resulta na formação de plasmina, que rompe o fibrinogênio e a fibrina, remodelando o coágulo formado e, mais tarde, removendo o trombo durante a cicatrização endotelial. No contexto da CEC, vários pontos específicos referentes à complexa inter-relação entre coagulação e inflamação merecem atenção. O endotélio está envolvido em ambos os processos. Citocinas pró-inflamatórias têm papel central na deflagração da coagulação localmente nos sítios de inflamação, pela ativação do endotélio, indução da expressão do fator tecidual, das moléculas de adesão dos leucócitos na superfície das células intravasculares, assim como na estimulação da produção dos fatores de ativação plaquetária.63,64 Isso, combinado com a inibição da expressão da trombomodulina e das vias anticoagulantes (proteína C e fibrinólise), altera o balanço entre atividade pró-coagulante e anticoagulante, resultando em um estado marcadamente pró-coagulante. O sistema de coagulação, por sua vez, tem impacto na inflamação. A ativação plaquetária nos sítios de injúria tecidual resulta na liberação de múltiplos fatores que alteram a integridade tecidual. Proteínas da coagulação, como a trombina e o fator Xa, têm propriedades pró-inflamatórias. A trombina, formada após a ativação da cascata da coagulação, estimula inúmeras células quimiotáxicas e mitogens, responsáveis pela propagação da lesão e reparo tecidual.63,64 A heparina e a protamina têm importante efeito imunomodulatório. A neutralização da heparina pela protamina pode resultar em múltiplos efeitos cardiovasculares, que incluem 27 aumento da pressão da artéria pulmonar e diminuição da pressão arterial, do consumo miocárdico de oxigênio, do débito cardíaco, da freqüência cardíaca e da resistência vascular sistêmica. Essa interação ativa a resposta inflamatória através de inúmeros mecanismos, que incluem a ativação do complemento, liberação de histamina, produção de tromboxane e óxido nítrico e formação de anticorpos. A liberação de tromboxane é causa de importante aumento da resistência vascular pulmonar.65 A injúria vascular global que se segue à CEC, pode resultar em ativação plaquetária incontrolada, geração de trombina e coagulação intravascular disseminada. O depósito de fibrina nos pequenos vasos pode ocluir a microcirculação e causar lesão em órgãos-alvo, culminando com MODS progressiva e óbito.66 • o endotélio O endotélio vascular é um participante dinâmico da função orgânica e celular, muito mais que apenas uma barreira estática, como se acreditava. Está intimamente envolvido em uma variedade de processos fisiológicos e patológicos e tem surgido como um foco central em muitos eventos biológicos que afetam o curso perioperatório dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. O endotélio controla o tônus e a permeabilidade vasculares, regula a coagulação e a trombose e direciona a passagem de leucócitos para dentro das áreas de inflamação, através da expressão das proteínas de superfície e secreção de mediadores solúveis. A resposta inflamatória induzida pela CEC é caracterizada por ativação e disfunção endotelial difusa.67 Mediadores inflamatórios, incluindo TNF-α e IL-1β, ligam-se a receptores específicos no endotélio, iniciando diversas vias de sinal para a transdução, que por sua vez, ativa um gene específico da célula endotelial, chamado gene de ativação. A transcrição do fator NF→B tem um papel central no processo de transdução do sinal. Esse processo resulta 28 na translação de proteínas, incluindo moléculas de adesão (ex, E-selectina, molécula de adesão intercelular-1) e citocinas (ex, IL-8), requerendo a ativação celular endotelial, um processo que dura cerca de 4 horas e alcança seu pico em 8-24 horas, dependendo do gene.62 A ativação endotelial tem um papel central na ligação entre o sistema de coagulação e inflamação, através da expressão de proteínas centrais para esse processo62,64. A expressão das moléculas de adesão medeia a interação entre os neutrófilos e as células endoteliais, resultando na adesão desses, ativação e degranulação, acarretando injúria endotelial, extravasamento capilar difuso e formação de edema.62,68 Vários fatores vaso-reativos, tais como ON, prostaciclina, fator hiperpolarizante derivado do endotélio, endotelina e tromboxane A2, têm importante papel na patogênese da lesão microcirculatória que se segue à CEC, cujo exemplo é o aumento da resistência vascular pulmonar, atribuído à redução na liberação de ON pelo endotélio pulmonar comprometido, sendo revertido pela suplementação do mesmo.67 Essa mesma disfunção endotelial pode limitar o sucesso em longo prazo da cirurgia cardíaca, em particular da revascularização miocárdica, pelo desenvolvimento de estenoses nos sítios de anastomoses, como resultado da hiperplasia média e da aceleração da progressão da aterosclerose. • a resposta celular imune O processo de adesão neutrófilo-endotélio é um componente essencial para a resposta inflamatória, determinando lesão endotelial difusa e envolvendo duas fases distintas de adesão: primária e secundária. O neutrófilo aderido libera proteases citotóxicas, tais como elastase e mieloperoxidase, assim como espécies de oxigênio reativo69,70, causando lesão ao endotélio vascular e tecidos adjacentes. Esse complexo processo de coordenação das 29 moléculas de adesão e regulação da migração dos neutrófilos é modulado por citocinas, em particular, pelo fator de ativação plaquetária, IL-8 e C5a.68,71 Portanto, na ausência de insultos secundários, tais como choque e/ou infecção, as células endoteliais retornam ao estado de “repouso” e perdem essa propriedade adesiva após o retorno aos níveis basais da concentração sérica das citocinas e do C5a. Isso limita a resposta inflamatória na grande maioria dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca62. O aumento espontâneo da ativação de macrófagos e granulócitos é observado após a CEC, seja através da produção de fator quimiotáxico ou da ativação da expressão das moléculas de adesão de macrófagos e produção de citocinas.72 O aumento das concentrações das moléculas de adesão leucocitária (selectinas e integrinas) tem sido demonstrado após a CEC.73 A contagem elevada de neutrófilos circulantes, o aumento da agregação dos neutrófilos, geração de superóxido e liberação de elastase ocorrem até 24 horas após a cirurgia.74 II.2.3. Fatores que influenciam a extensão da resposta inflamatória sistêmica a) fatores pré-operatórios Desordens pré-existentes no pré-operatório podem influenciar na resposta inflamatória à cirurgia cardíaca. As desordens no balanço das citocinas podem ser uma característica da fisiopatologia da doença cardíaca isquêmica.75 A disfunção ventricular esquerda na presença da CEC parece ter um grande impacto no grau de liberação de citocinas pró-inflamatórias, que está associada à alteração hemodinâmica e maior incidência de complicações perioperatórias76. A CEC parece também ter impacto no maior estresse oxidativo observado 30 nos pacientes diabéticos, cuja resposta inflamatória apresenta diferenças qualitativas77, estando alterada nos diabéticos mal controlados.78 A liberação de citocinas pró-inflamatórias e antiinflamatórias em pacientes adultos submetidos à revascularização miocárdica não difere com a idade.79 b) fatores hemodinâmicos perioperatórios A instabilidade hemodinâmica no perioperatório prediz morbidade e mortalidade após a CEC80, sendo a síndrome de baixo débito cardíaco o evento causador de morte mais comum. Fortes evidências clínicas e experimentais associam a hipoperfusão esplâncnica no pósoperatório ao desenvolvimento de complicações, como a síndrome da angústia respiratória aguda39. O seqüestro de neutrófilos, o aumento da expressão da iNOS, a injúria por radicais livres, as citocinas, particularmente o TNF-α, e a translocação de toxinas e da flora bacteriana têm papel central nesse processo. O pH da mucosa gástrica, mensurado pela tonometria gástrica, oferece um índice da perfusão esplâncnica, sendo que a presença de acidose é preditora de complicações.81 c) o papel da anestesia A anestesia epidural torácica diminui a resposta ao estresse perioperatório, como mensurado pelos níveis de epinefrina, e pode diminuir a injúria miocárdica e pulmonar no pós-operatório82; não altera, entretanto, de forma significativa a resposta de citocinas à CEC.83 Apnéia durante a CEC pode levar à ativação de enzimas lisossomais na circulação pulmonar, que por sua vez está relacionada ao grau de injúria pulmonar aguda (ALI).84 Isso pode ser atenuado por uma manobra de capacidade vital realizada antes do término da CEC.85 31 Muitos agentes anestésicos utilizados durante o procedimento cirúrgico e na sedação e analgesia do período pós-operatório apresentam efeitos imunomodulatórios. As implicações clínicas de tais efeitos, em particular no contexto da CEC, permanecem sob investigação, principalmente experimental. No entanto, o desenvolvimento desse campo emergente de investigação merece consideração na luz do seu potencial terapêutico futuro. O propofol pode aumentar a resposta antiinflamatória à cirurgia por inúmeros mecanismos, tais como preservando o fluxo hepatoesplâncnico durante a CEC86, aumentando a produção de IL-10 e IL-1ra87 e diminuindo a secreção de IL-888, assim como depurando espécies reativas de oxigênio.89 O tiopental sódico impede o seqüestro de neutrófilos no pulmão90, sua polarização, quimiotaxia, aderência e fagocitose91, assim como a recaptação coronária após o período de isquemia e de reperfusão.92 A ketamina atenua o aumento da concentração de IL-6 sérica durante e após a CEC93. Os opióides têm múltiplos efeitos no sistema imune, mediados indiretamente pelo sistema nervoso central ou diretamente através da interação com o sistema imune celular. A morfina inibe a atividade de linfócitos, granulócitos e macrófagos, suprime a resposta de anticorpos94, assim como aumenta a secreção do hormônio estimulante da corticotropina, do ACTH e dos glicocorticóides, isto é, substâncias com efeitos inibitórios do sistema imune. O fentanil aumenta a concentração de IL-1ra nas culturas de monócitos in vitro95. O midazolam, o benzodiazepínico mais estudado, tem pouca influência nos mecanismos de defesa do hospedeiro. Já o sevoflurane, o isoflurane e o enflurane diminuem a liberação de citocinas pró-inflamatórias (IL-1β, TNF-α) pelas células mononucleares periféricas de seres humanos in vitro.96 A uso da clonidina parece exercer um efeito antiinflamatório em diversas áreas, como no modelo da dor aguda, da asma extrínseca e da inflamação induzida pelos inibidores da 32 enzima de conversão da angiotensina97. Parece que essa ação antiinflamatória é propriedade da ativação do adrenoreceptor α-2, que, por sua vez, pode regular a produção de citocinas através da estimulação desses receptores nos macrófagos. Enquanto o uso da clonidina durante a revascularização miocárdica não parece influenciar a resposta ao estresse perioperatório98, esses efeitos imunomodulatórios no contexto da CEC permanecem sob investigação. d) fatores cirúrgicos A concentração de citocinas pró-inflamatórias em pacientes submetidos a transplante cardíaco é maior que naqueles revascularizados35. Tal fato parece estar relacionado ao maior grau de disfunção ventricular, condição esta sabidamente relacionada ao incremento da liberação de citocinas76 ou ao maior tempo de isquemia necessário para esse procedimento35. Pacientes submetidos à troca valvar parecem ter o mesmo grau de resposta imunológica que os revascularizados.99 Portanto, de uma forma geral, índices de inflamação parecem se correlacionar mais com a gravidade da doença que com o procedimento cirúrgico per se.100 e) fatores da perfusão extracorpórea A composição da solução do perfusato, a cardioplegia, a presença ou ausência de fluxo pulsátil, os tipos de bomba e oxigenador, os tipos de circuito da CEC, assim como a temperatura durante a perfusão são importantes fatores influenciadores da resposta inflamatória. A duração da CEC correlaciona-se com níveis de IL-8 e expressão das moléculas de adesão dos neutrófilos. Acredita-se que a liberação de mediadores inflamatórios é dependente da temperatura, sendo que a CEC normotérmica relaciona-se com maior grau de inflamação que a hipotérmica.101 Soluções cardioplégicas aquecidas reduzem a resposta 33 inflamatória quando comparadas com as frias.102 Oxigenadores de membrana podem resultar em menor ativação do sistema inflamatório e atenuam a disfunção renal, respiratória e cardíaca.103 Em pacientes adultos, bombas centrífugas podem induzir à maior resposta inflamatória que as de rolete.104 Fluxo pulsátil está associado com menos endotoxemia, menor concentração de citocinas e endotelina-1105 e aumento na produção de ON.106 f) força de cisalhamento Durante a circulação normal no interior dos vasos, o sangue está exposto a vários tipos de forças mecânicas e físicas. Isso é chamado de força de cisalhamento (shear stress) e pode ter uma função fisiológica, como a liberação de ON pelo endotélio.107 No entanto, durante a CEC, uma excessiva força de cisalhamento pode resultar da mudança de pressão através do circuito de perfusão, sendo mais pronunciada ao longo da cânula arterial. Determina também, deformidade eritrocitária e hemólise, maior adesividade leucocitária e degranulação neutrofílica e ativação plaquetária, que pode contribuir para injúria endotelial.108 g) transfusão • transfusão alogênica Estima-se que 20% das transfusões alogênicas nos EUA estão associadas à cirurgia cardíaca.109 O efeito imunomodulatório dessas transfusões está sendo reconhecido, principalmente seu efeito pró-inflamatório, justificando, em parte, a maior morbidade nos pacientes transfundidos.110 Apesar da hemotransfusão de hemácias aumentar a oferta de oxigênio, essa, por sua vez, relaciona-se com a maior mortalidade no modelo de pacientes criticamente enfermos com sepse. De fato, hemotransfusão de sangue estocado está associada a evidências de isquemia 34 esplâncnica relacionada à oclusão da microcirculação devida à pouca deformação das hemácias transfundidas.111 • auto-transfusão A autotransfusão de sangue coletado no campo cirúrgico é prática comum na cirurgia cardíaca; existem, no entanto, dúvidas quanto à eficácia e segurança, devido, principalmente, à existência de coágulos e à maior fibrinólise. O resultado dos estudos é conflitante, em especial, em relação ao sangramento excessivo no período pós-operatório. Uma meta-análise de estudos randomizados concluiu que o benefício dessa prática é, no mínimo, marginal.112 h) fatores de pós-operatório • terapia de reposição renal contínua A terapia de reposição renal contínua, tal como a hemofiltração, parece estar relacionada com a depuração de mediadores, incluindo TNF-α e IL-1β, e seus inibidores, tais como TNFsr1, TNFsr2 e o IL-1ra, do plasma de pacientes com SIRS.113 No entanto, um ganho na taxa de sobrevida tem sido demonstrado em pacientes criticamente enfermos com SIRS-MODS quando tratados com esse tipo coadjuvante de terapia.114 • ventilação mecânica Estratégias de ventilação que determinam o estiramento de unidades alveolares nãorecrutadas, ou seja, alto volume corrente com baixa pressão positiva expiratória final, parecem causar ou, no mínimo, potencializar, o fenômeno de injúria pulmonar aguda. Além disso, essa injúria contribui para o processo de resposta inflamatória por diversos mecanismos, tais como a facilitação da translocação bacteriana intrapulmonar, acúmulo de citocinas e sua liberação sistêmica.115 35 II.2.4. Implicações clínicas da resposta inflamatória à cirurgia cardíaca a) efeitos benéficos potenciais Uma resposta inflamatória controlada e autolimitada à cirurgia cardíaca tem efeito benéfico, como a prevenção de infecções perioperatórias e promoção da cicatrização cirúrgica. O perfusato de neutrófilos da CEC pode ser benéfico no preparo do hospedeiro para a significativa resposta fisiológica ao estresse perioperatório. O TNF-α e a IL-1β têm papel importante na cicatrização da ferida cirúrgica.116 b) efeitos adversos potenciais Uma resposta inflamatória não-controlada parece desempenhar significante papel na morbi-mortalidade observada em pacientes submetidos à CEC. • pulmonares A injúria pulmonar aguda (ALI), definida pela tríade de hipoxemia (relação PO2/FIO2 < 300), infiltrado pulmonar bilateral e pressão de oclusão da artéria pulmonar normal, é uma complicação séria e pouco compreendida após a cirurgia cardíaca. O risco e a gravidade117 da ALI têm sido consistentemente relacionados à duração da CEC. Outras características, tais como o tipo de oxigenador utilizado, podem também contribuir para o risco da ALI.118 A grave ALI que se segue à CEC, enquanto relativamente incomum, está associada a alta taxa de mortalidade.119 A injúria pulmonar é detectada mesmo após as perfusões não complicadas, usando-se parâmetros de avaliação mais sensíveis, como o índice de acúmulo protéico, lavado broncoalveolar de neutrófilos e maiores concentrações de mieloperoxidase. Evidências histológicas demonstram que a CEC pode causar profundas lesões a nível endotelial, epitelial e intersticial 36 pulmonar.120 Até 50% dos neutrófilos circulantes são seqüestrados nos capilares pulmonares durante a fase de reaquecimento, com conseqüente degranulação, fato que contribui para a destruição do endotélio vascular pulmonar. No período de pós-operatório, elevações séricas da elastase leucocitária, um índice de degranulação lisossomal dos neutrófilos, correlacionamse com a deterioração do índice de oxigenação, o gradiente de oxigênio alvéolo-arterial e o shunt intrapulmonar.121 • cardiovasculares As complicações cardiovasculares definidas como maiores (morte cardíaca, infarto do miocárdio e falência cardíaca) ocorrem, no mínimo, em 10% dos pacientes submetidos a RVM.122 The Multicenter Study of Perioperative Ischemia Research Group, um estudo multicêntrico envolvendo 566 pacientes após RVM, relatou que até 25% daqueles preenchiam os critérios adotados, como eletrocardiograma (presença de novas ondas “Q”), enzimas (elevação da fração CK-MB) ou necropsia com infarto do miocárdico.123 A instabilidade hemodinâmica durante a cirurgia cardíaca pode resultar no excesso de citocinas pró-inflamatórias, como a IL-6.124 Além disso, parece haver clara relação entre mediadores inflamatórios induzidos pela CEC e miocárdio atordoado pós-CEC, isquemia, disfunção e dessensibilização dos receptores β-adrenérgicos.125 O TNF-α, a IL-1β e a IL-6 estão relacionados à refratariedade dos miócitos ao estímulo adrenérgico que se segue à CEC. Anormalidades de seguimentos do ventrículo esquerdo e episódios de isquemia miocárdica após a CEC correlacionam-se com as concentrações de IL-6 ou IL-8.126 Alterações na homeostase do ON podem ter um importante papel na patogênese dos eventos cardiovasculares que se seguem à cirurgia cardíaca, considerando-se que o ON tem efeito de proteção miocárdica, incluindo a regulação do tônus vascular, a contratilidade miocárdica, a coagulação e a função endotelial pulmonar.127 37 • neurológicos Complicações neurológicas aumentam a morbidade perioperatória, resultando em maior tempo de hospitalização e podendo aumentar a mortalidade em até dez vezes.36 O papel da disfunção endotelial e da interação neutrófilo-endotélio na injúria neurológica após a CEC está bem documentado. A perda da vasodilatação cerebral mediada pelo endotélio pode contribuir para a patogênese do déficit de perfusão pós-operatório.128 • renais Disfunção renal no perioperatório ocorre em 7% a 13% dos pacientes, sendo que 1% a 1,5% destes requerem algum tipo de terapia dialítica. A incidência dessa complicação está diretamente relacionada à duração da CEC.129 O papel da resposta inflamatória na patogênese da disfunção renal permanece indefinido. A injúria de isquemia-reperfusão combinada com a resposta inflamatória à CEC pode ter papel determinante. Essa última pode exacerbar a hipoperfusão renal, tanto indiretamente, resultado da instabilidade hemodinâmica, como diretamente, através de vasoconstrição arteriolar renal e alteração da distribuição perfusional intra-renal pela concentração de catecolaminas e de ON. A liberação de TNF-α durante a CEC induz a depósito de fibrina, infiltração celular, apoptose celular e vasoconstrição, resultando na redução da taxa de filtração glomerular.40 • hepáticos Disfunção hepática transitória que se segue à CEC ocorre em até 47% dos casos.130 Está relacionada também ao tempo de CEC e pode aumentar, sobremaneira, a mortalidade cirúrgica.131 38 O papel da resposta inflamatória não está bem caracterizado, sendo que a injúria hepática de isquemia-reperfusão pode resultar da congestão hepática venosa durante o desmame da CEC.42 • coagulação Alterações hemostáticas induzidas pela CEC contribuem significativamente para a morbidade perioperatória. Mecanismos potenciais incluem a ativação direta por contato da cascata da coagulação e da fibrinólise, disfunção plaquetária e extravasamento capilar por lesão endotelial. A resposta inflamatória pode ter papel central no desenvolvimento desses defeitos hemostáticos. O volume de sangue perdido pode estar relacionado com o grau de ativação da cascata do complemento.132 A disfunção plaquetária associada à CEC pode ser mediada por citocinas.133 Endotoxinas e a IL-1β estimulam a liberação do fator de von Willebrand do endotélio vascular, promovendo a ativação e localização de plaquetas, assim como, aumentando a trombogenicidade no foco inflamatório.134 • imunossupressão A imunossupressão associada à CEC pode ter um importante papel no desenvolvimento de complicações infecciosas no pós-operatório, como resultado do predomínio da produção de citocinas antiinflamatórias30, diminuição da contagem de linfócitos-T CD3+ e T-helper CD4+, e aumento na contagem de células T citotóxicassupressoras CD8+ e monócitos.135,136 Portanto, as alterações na resposta inflamatória sinalizam para a necessidade de considerar tanto os potenciais benefícios quanto os aspectos adversos dessa resposta, sublinhando as vantagens da resposta inflamatória balanceada e controlada. 39 II.2.5. As proteínas de fase aguda A reação inflamatória, que é a chave central de qualquer processo de cicatrização tecidual, consiste, como citado anteriormente, de vias humorais, celulares e moleculares. No início da infecção, monócitos no sangue, macrófagos tissulares e células endoteliais tornam-se ativadas, tanto pela fagocitose do agente infectante, quanto pela exposição a seus produtos e toxinas. Esse processo resulta na síntese e na liberação de várias citocinas dentro de uma a duas horas, quando entram na circulação e alcançam o sistema nervoso central, onde iniciam a febre. Como a febre, outros componentes dessa resposta podem estar presentes sem manifestações clínicas aparentes. Uma das mensurações mais sensíveis da via celular é a do aumento e da imaturidade dos neutrófilos circulantes, que, apesar de se constituir em um método simples de avaliação de alta sensibilidade, tem muito baixa especificidade.137 Em 1930, alterações que ocorriam à distância do foco de inflamação despertaram interesse com a descoberta da proteína C-reativa (PCR), assim chamada por reagir com o polissacarídeo-C do pneumococo no plasma de pacientes durante a fase aguda da pneumonia por esse patógeno138. Essas alterações sistêmicas têm sido descritas como resposta de fase aguda.140 Reações de fase aguda podem ser divididas em alterações na concentração de muitas proteínas plasmáticas, denominadas de proteínas de fase aguda, e em uma enorme gama de alterações fisiológicas, bioquímicas e nutricionais. Proteínas de fase aguda têm sido definidas como aquelas cujas concentrações plasmáticas aumentam (positiva) ou diminuem (negativa) em, no mínimo, 25% durante insultos inflamatórios.143 Os corticosteróides, por exemplo, em geral incrementam os efeitos estimulantes das citocinas na produção daquelas proteínas de fase aguda.141 40 A PCR é uma proteína de fase aguda liberada pelos hepatócitos após o estímulo de mediadores inflamatórios como a IL-6 e a IL-8, com meia-vida em torno de cinco a sete horas. Sua dosagem não é influenciada por fatores como anemia e alterações dos níveis plasmáticos de outras proteínas, como o VHS. Eleva-se rapidamente com o início da doença (em torno de seis horas após o início da inflamação ou lesão celular) e decresce tão logo ocorra a resolução do processo inflamatório ou a instituição da terapêutica adequada. Tem propriedades pró-inflamatórias e antiinflamatórias. Ativa o sistema do complemento após a ligação com polissacárides bacterianos ou fragmentos de membranas celulares.139 A PCR previne a aderência de granulócitos às células endoteliais e a síntese de superóxidos. Inúmeros estudos confirmaram altos níveis plasmáticos da PCR em pacientes com infecção ou sepse, enquanto muitos outros falharam em mostrar um impacto dos níveis elevados da PCR no diagnóstico e prognóstico de tais afecções. Por ter seus níveis elevados nas infecções bacterianas, é usada com sucesso na monitorização de infecção no pósoperatório: em casos não complicados, atinge um pico máximo entre 48 e 72 horas, retornando aos níveis normais entre o quinto e o sétimo dia.142 Outra proteína de fase aguda, o fibrinogênio é uma glicoproteína presente no plasma, sintetizada no fígado, formada por três diferentes pares de cadeias polipeptídicas, ligadas por pontes dissulfeto, que, sob a ação da trombina formam fibrinopeptídeos A e B de alto peso molecular (340.000). Representa uma peça chave na cascata da coagulação, sendo, em geral, convertido em sua totalidade em fibrina durante esse processo. A concentração do antígeno do fibrinogênio no soro é de 0,02 mg/dL, comparado com 200 mg/dL no plasma. Tem vida média de três a cinco dias, sendo observados níveis baixos nos casos de hipofibrinogenemia ou afibrinogenemia congênitas ou adquiridas, como a proteólise pela trombina por coagulopatias de consumo, as disfunções hepáticas agudas ou crônicas, as ascites ou 41 hemorragias agudas, os casos de choque circulatório e carcinomas. Níveis temporários elevados são encontrados como resultado do comportamento do fibrinogênio como uma proteína de fase aguda, ou seja, após cirurgias, traumas, infarto do miocárdio, infecções. Neoplasias e doenças inflamatórias crônicas apresentam persistência de níveis altos. Níveis ligeiramente ascendentes são observados com o aumento da idade.144 Outra proteína de fase aguda, a haptoglobina é uma globina, sintetizada no fígado, que migra na região alfa-2-globulina na eletroforese e que se liga à hemoglobina livre, formando um complexo que é removido pelo sistema retículo-endotelial. Essa ligação é a responsável pela diminuição dos seus níveis nos casos de hemólise intravascular ou extravascular. A haptoglobina exibe um comportamento duplo durante o processo inflamatório: diminui como resultado da hemólise moderada, mas aumenta pelo estímulo de citocinas. A síntese de haptoglobina está aumentada nos processos infecciosos, inflamatórios, traumas, necrose tecidual, entre outros.145 Portanto, novos estudos fazem-se necessários devido à existência de uma lacuna de informação na literatura quanto à avaliação dos marcadores inflamatórios, seja pela via celular através dos leucócitos, seja através das proteínas de fase aguda. A avaliação das últimas é de mais fácil realização técnica, de maior estabilidade físico-química que a das citocinas, tem uso mais abrangente e, acima de tudo, apresenta menor custo para a análise, mesmo que indireta, do impacto das diversas opções terapêuticas antiinflamatórias na CEC, pouco reproduzíveis clinicamente. 42 II.3. As Citocinas É provável que as citocinas sejam o mais importante grupo de moléculas biologicamente ativas identificado desde a descoberta dos hormônios endócrinos. São proteínas ou glicoproteínas solúveis, de tamanho pequeno a médio, que medeiam potentes efeitos biológicos entre muitas células146, atuando como moléculas extracelulares sinalizadoras, intimamente envolvidas na modulação da resposta inflamatória imune. São produzidas por uma grande variedade de tipos celulares, incluindo monócitos ativados, macrófagos teciduais, linfócitos e células endoteliais. Apesar de originalmente terem sido identificadas como protagonistas no processo inflamatório, no desenvolvimento e na manutenção da resposta imune e na hematopoiese, as citocinas estão envolvidas, pelo menos de alguma forma, em muitos, senão em todos os processos inflamatórios. Por que as citocinas existem? A evolução dos grandes organismos multicelulares exigiu o desenvolvimento de mensageiros intercelulares como os hormônios, os neuropeptídeos e as citocinas, que permitissem a coordenação das respostas celulares. Há algumas diferenças que as distinguem dos hormônios endócrinos. Esses últimos são, em geral, produzidos por células especializadas (ex, a insulina é produzida pelas células β do pâncreas, o hormônio de crescimento pela pituitária anterior e o paratormônio pelas células da paratireóide), estão presentes de forma constante na circulação sangüínea, possuem um abrangente raio de ação e servem para manter a homeostase. Diferentemente, as citocinas tendem a ser produzidas por células menos especializadas e, com freqüência, vários tipos celulares não relacionados podem produzir a mesma citocina; em geral, agem sobre curtas distâncias como sinais autócrinos ou parácrinos no tecido local e, apenas ocasionalmente, espalham-se na circulação e iniciam uma reação sistêmica. 43 É provável que a característica mais marcante que diferencia as citocinas dos hormônios seja a sua ação redundante e o seu pleiotropismo. As principais características das citocinas estão enumeradas abaixo:146,147 • Muitas citocinas são simples polipeptídeos ou glicoproteínas com peso molecular menor ou igual a 30 kd; • A sua produção é regulada por estímulos que culminam em transcrição celular; • As citocinas são, em geral, produzidas por um curto período e em concentrações extremamente baixas (picomolar ou nanomolar); • As citocinas exercem seus efeitos sobre as próprias células produtoras (efeito autócrino), as células circunvizinhas (efeito parácrino) e, excepcionalmente, as células-alvo à distância (efeito endócrino); • As citocinas produzem sua ação ao se ligarem a receptores de superfície de alta afinidade (kd entre 8 e 10); • Muitas de suas ações são atribuídas a mudanças no padrão de expressão genética das células-alvo. As citocinas aumentam (ou inibem) a proliferação celular, desencadeiam alterações profundas na diferenciação celular e/ou nas expressões de funções diferenciadas; • Apesar do campo de atuação de uma determinada citocina poder ser diverso, pelo menos parte de sua ação recai sobre as células do sistema hematopoiético; • Em geral, uma citocina é sintetizada por mais de um tipo celular (exceção para IL-2, IL3, IL-4 e IL-5, que são produzidas apenas por células linfóides); • As citocinas possuem um espectro de ação que muitas vezes sobrepõe umas às outras (redundância); • Uma única citocina é capaz de exercer múltiplas ações em diferentes tipos celulares e tecidos (pleiotropismo). 44 As citocinas pró-inflamatórias têm um papel central na deflagração do processo inflamatório, estando as concentrações plasmáticas de algumas citocinas específicas, tais como a IL-1β e a IL-6, associadas ao prognóstico de pacientes criticamente enfermos. Apesar de uma relação direta de causa e efeito não ter sido demonstrada, o aumento dos níveis séricos dessas citocinas pró-inflamatórias mostra uma forte associação ao prognóstico adverso na cirurgia cardíaca. Pacientes que desenvolvem SIRS demonstram significante elevação de algumas citocinas em comparação com aqueles que evoluem sem complicações. No subgrupo de pacientes com SIRS que evoluíram para óbito, os níveis de IL-8 e IL-18 estavam mais altos que nos sobreviventes; níveis mais altos de IL-6 foram também correlacionados com maior mortalidade após cirurgia cardíaca pediátrica.148 Uma análise estrutural possibilitou que as citocinas fossem agrupadas em famílias. Suas principais famílias, respectivas ações e células-alvo, assim como seu papel na cirurgia cardíaca estão relacionados nas tabelas 1 e 2. Nos últimos anos, o maior foco de estudos e as principais publicações registram as citocinas no cenário das doenças inflamatórias e auto-imunes, como a artrite reumatóide, o lúpus eritematoso sistêmico, o diabetes mellitus, a doença de Crohn, as sarcoidoses, o mieloma múltiplo, as glomerulonefrites, as doenças infecciosas e as neoplasias.149,150 Mais recentemente, as atenções se voltaram para a cumplicidade entre algumas citocinas e as doenças cardiovasculares, como na etiopatogênese da aterosclerose, na miocardiopatia dilatada, nas síndromes coronárias isquêmicas agudas, nas intervenções percutâneas e na resposta inflamatória sistêmica a diversas patologias.151 45 Tabela 1. Papel das citocinas pró-inflamatórias na resposta imune à cirurgia cardíaca. Citocinas Células Produtoras Macrófagos Monócitos TNF-α Células NK Linfócitos T e B Mastócitos Células endoteliais Macrófagos IL-1β Monócitos Células endoteliais Macrófagos IL-6 Linfócitos T helper tipo 2 IL-8 Função Mediador primário na resposta inflamatória Provoca efeitos fisiopatológicos da SIRS Liberação das citocinas próinflamatórias Liberação (da medula óssea) e ativação dos neutrófilos Diferenciação e ativação dos macrófagos/monócitos Ativação da coagulação/cascata do complemento Síntese das moléculas de adesão endotelial Produção das proteínas de fase aguda Pirógeno endógeno Mediador primário da resposta inflamatória Inicia a resposta imune celular Ativação das células T e macrófagos Expressão da iNOS e produção de prostaglandinas Inibição da lipase lipoprotéica Atividade pró-coagulante Liberação de citocinas próinflamatórias Síntese das moléculas de adesão endotelial Produção das proteínas de fase aguda Pirógeno endógeno Na Cirurgia Cardíaca Eleva-se precocemente após a cirurgia cardíaca Eleva-se precocemente após a cirurgia cardíaca Pode predizer prognóstico em certos subgrupos de pacientes criticamente enfermos Papel tardio na cascata inflamatória Eleva-se tardiamente após a cirurgia cardíaca Ativação de linfócitos Depressão miocárdica Diferenciação de linfócitos B/ produção de anticorpos Ativação de diferenciação dos linfócitos T Produção das proteínas de fase aguda Concentração sérica pode se correlacionar com mortalidade após cirurgia cardíaca pediátrica Pirógeno endógeno Pode predizer prognóstico em pacientes criticamente enfermos Macrófagos Papel tardio na cascata inflamatória Linfócitos T Quimiotaxia de neutrófilos, basófilos e linfócitos T Células endoteliais Regulação da atividade neutrofílica, incluindo a quimiotaxia, a liberação, a migração e a dispersão plasmática Eleva-se tardiamente após a cirurgia cardíaca Importante papel na regulação da resposta inflamatória à cirurgia cardíaca Correlação negativa entre a IL-8 e o índice cardíaco no pós-operatório de cirurgia cardíaca * IL = interleucina; SIRS = síndrome da resposta inflamatória sistêmica; iNOS = óxido nítrico induzido pela sintetase 46 Tabela 2. Papel das citocinas antiinflamatórias na resposta imune à cirurgia cardíaca. Citocinas Células Produtoras Função Papel de feedback na limitação da resposta inflamatória Macrófagos IL-10 Potente inibidor da produção/ liberação TNF-α, IL-1β,IL-6 e IL-8 Inibição da expressão dos monócitos HLA-DR Macrófagos Inibição da produção de citocinas próinflamatórias TGF-β Linfócitos Plaquetas IL-1ra TNFsr 1e2 Porção extracelular hidrofílica coberta do receptor que contém o sítio que se liga ao ligante Porção extracelular hidrofílica coberta do receptor que contém o sítio que se liga ao ligante Atenuação da ativação dos linfócitos Pode ter ação cardioprotetora direta Estimulação da síntese da matriz extracelular Antagonista específico da IL-1β Papel na limitação da resposta inflamatória pela ligação com a IL-1β circulante Na Cirurgia Cardíaca Eleva-se precocemente após a cirurgia cardíaca Pode atenuar a ativação neutrofílica durante a CEC Eleva-se a produção após a CEC em pacientes tratados com corticosteróides O fígado é fonte potencial durante a CEC Eleva-se precocemente após a cirurgia cardíaca Atenua a resposta de linfócitos à cirurgia cardíaca A expressão do TGF-β em enxertos cardíacos está associada à disfunção do enxerto e sobrevida limitada Eleva-se tardiamente após a cirurgia cardíaca Eleva-se a produção após a CEC em pacientes tratados com corticosteróides Antagonista específico do TNF-α Papel na limitação da resposta inflamatória pela ligação com o TNF-α circulante Eleva-se tardiamente após a cirurgia cardíaca IL = interleucina; TNF-α = fator de necrose tumoral α; HLA = antígeno leucocitário humano; CEC = circulação extracorpórea; TGF-β = fator transformador do crescimento β; IL-1ra = antagonista do receptor da interleucina 1; TNFsr = receptor solúvel do TNF-α . II.4. Os Corticosteróides Com o passar dos anos, várias opções de tratamento antiinflamatório têm sido utilizadas em pacientes submetidos à CEC no intuito de minimizar a SIRS, incluindo técnicas para depleção de leucócitos, bloqueio das moléculas de adesão dos neutrófilos, circuitos de perfusão recobertos com heparina e, mais recentemente, o uso de anticorpos monoclonais específicos contra mediadores inflamatórios. No entanto, resultados clínicos contundentes em humanos ainda não estão disponíveis. Os corticosteróides, potentes agentes antiinflamatórios que possuem efeitos inibitórios sobre diversos componentes da resposta inflamatória, representam uma opção terapêutica atrativa nesse cenário. 47 II.4.1. Farmacocinética e farmacodinâmica dos corticosteróides Existem dois tipos de corticosteróides: os mineralocorticóides (regulam primariamente a homeostase dos eletrólitos) e os glicocorticóides (regulam primariamente o metabolismo dos carboidratos). O protótipo dos mineralocorticóides é a dexocorticosterona e o protótipo dos glicocorticóides é o cortisol. A cortisona foi o primeiro corticosteróide usado, por volta de 1950, por seu efeito antiinflamatório. Modificações de sua estrutura e manipulação subseqüente levaram a uma variedade de análogos de diferentes efeitos antiinflamatórios, metabólicos e eletrolíticos. Dos análogos sintéticos, a metilprednisolona e, em menor escala, a dexametasona representam os dois agentes mais comumente utilizados na CEC para atenuar a SIRS. Alterações em sua estrutura molecular determinaram potentes transformações biológicas, através da absorção, metabolismo e excreção, entre outras propriedades. No plasma, grande parte dos corticosteróides liga-se de forma reversível à globulina e à albumina. No entanto, os corticosteróides livres são biologicamente ativos e disponíveis para o metabolismo hepático e excreção renal. Como outros hormônios esteróides, exercem suas funções através do controle de síntese de proteínas pela estimulação da transcrição do RNA. Os efeitos fisiológicos dos corticosteróides são numerosos e variados. Influenciam o metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídeos, o balaço eletrolítico e volêmico, o sistema cardiovascular, a musculatura esquelética, o sistema nervoso central, os elementos sangüíneos e a resposta inflamatória. Em suma, dotam o organismo da capacidade de resistir a estímulos nocivos e alterações ambientais. Os corticosteróides estão envolvidos na proteção da função cerebral dependente de glicose por atuarem na produção de glicose, diminuição da sua utilização periférica e armazenamento como glicogênio. Os glicocorticóides promovem a gliconeogênese e 48 diminuem a absorção de cálcio intestinal. Os mineralocorticóides agem nos túbulos renais distais levando à reabsorção de sódio e excreção de potássio e íons hidrogênio. Os efeitos cardiovasculares dos corticosteróides são secundários à regulação da excreção de sódio e da volemia. Tais efeitos induzem à hipertensão por mecanismos diversos, tais como o aumento excessivo de sódio, edema da parede arteriolar, maior sensibilidade à angiotensina e às catecolaminas. Exercem também ações em vários elementos do sistema circulatório, incluindo capilares, arteríolas e miocárdio. Na ausência dos corticosteróides, há aumento na permeabilidade capilar, inadequada resposta vasomotora dos pequenos vasos e redução na área e débito cardíacos. O cortisol e seus análogos sintéticos previnem e/ou suprimem o desenvolvimento da inflamação local (calor, rubor e edema). Do ponto de vista microscópico, essa inibição ocorre tanto precoce (edema, depósito de fibrina, dilatação capilar, migração de leucócitos e atividade fagocítica) quanto tardiamente (proliferação capilar, de fibroblastos e depósito de colágeno). O efeito antiinflamatório dos corticosteróides se dá por ação local direta, sendo o seu efeito mais importante mediado pela capacidade de inibir o recrutamento de neutrófilos e monócitos-macrófagos dentro da área afetada. Os neutrófilos tendem a aderir menos ao endotélio capilar nessas áreas. Os glicocorticóides também bloqueiam o efeito inibitório de migração dos macrófagos, inibem a formação do ativador do plasminogênio, inibem a fosfolipase A2 e diminuem a liberação do ácido aracdônico dos fosfolipídeos. Portanto, reduzem a formação de prostaglandinas, leucotrienos e tromboxane, que têm importante papel na quimiotaxia e inflamação.152 49 II.4.2. Perspectiva histórica dos corticosteróides usados durante a CEC No início da década de 1960, estudos em animais e seres humanos revelaram os efeitos fisiológicos benéficos da administração dos corticosteróides nos modelos de sepse e choque. Em seguida, os efeitos dos corticosteróides durante a CEC foram avaliados em um modelo fisiopatológico que se assemelhava aos anteriores.153 Nessas investigações iniciais, a escolha dos corticosteróides era empírica e a dose administrada era maciça. No final da década de 60, a metilprednisolona tornou-se a droga de escolha devido ao seu potente efeito antiinflamatório e mínima tendência para induzir retenção de sódio e água. Um estudo fundamental publicado em 1970 por Dietzman e cols.154 demonstrou que a metilprednisolona, na dose de 30 mg/kg, foi efetiva no tratamento da “síndrome de baixo débito” em cães e seres humanos após cirurgia cardíaca. Especificamente, em 98 cães, essa droga diminuiu a resistência vascular sistêmica, aumentou o débito cardíaco, melhorou a perfusão tecidual e aumentou a sobrevida em 22% a 65%. Em 19 homens, após cirurgia de troca valvar, os mesmos benefícios hemodinâmicos foram observados. Os autores concluíram que as bases desta experiência e as evidências clínicas preliminares desse tratamento mereceriam futuras investigações. A investigação clínica inicial do emprego da metilprednisolona antes do início da perfusão data de 1971, com seu benefício demonstrado por Wilson e cols.155, através da prevenção de alterações das arquiteturas vascular e alveolar pulmonares avaliadas através de biópsias pulmonares perioperatórias. Esse estudo encorajou investigações durante a década de 1970, até que Thompson e cols.156 observaram que a concentração plasmática da metilprednisolona diminuía substancialmente (cerca de 50%) com o início da CEC (secundário à diluição pelo perfusato) com a dose empregada. 50 II.4.2.1. investigações clínicas na década de 1970 Após os estudos de Dietzman e Wilson que mostraram benefício no uso da metilprednisolona em pacientes submetidos à cirurgia com CEC, muitos investigadores investiram nessa área. No entanto, os diversos estudos obtiveram resultados clínicos conflitantes. De dois estudos bem desenhados (prospectivos, randomizados, duplo-cegos e controlados com placebo), o primeiro, em 1976, por Morton e cols.157, não foi capaz de evidenciar o efeito cardioprotetor da metilprednisolona, sendo que o segundo, por Niazi e cols.158, mostrou benefícios hemodinâmicos dessa droga, porém, sem impacto nas variáveis de oxigenação. II.4.2.2. investigações clínicas na década de 1980 A década de 1980 começou com a publicação por Toledo-Pereyra e cols.159 de uma investigação clínica bem desenhada, com 95 pacientes adultos e pediátricos, na qual não se observou diferença entre grupos tratados e não-tratados em relação à morbidade. No entanto, houve maior mortalidade no grupo que não recebeu metilprednisolona, um achado que os autores não foram capazes de explicar. Duas novas investigações em relação ao nível plasmático necessário para efeito biológico da metilprednisolona foram inconclusivas, dados que podem ser, em parte, explicados pela variabilidade individual desses níveis cinco minutos após a administração da injeção inicial (variação entre 140-330 µg/mL).156 A partir dos estudos de Kirklin, realizados na Universidade do Alabama, em Birmingham, revelou-se o papel central da ativação do complemento como um insulto fisiopatológico básico induzido pela CEC160. Em conseqüência, a maioria dos investigadores dessa década se focou na ativação do complemento, sendo os resultados, novamente, conflitantes. 51 Cavarocchi e cols.161, em 1986, não observaram diferença quanto à ativação do complemento quando foram utilizados oxigenadores de membrana, atribuindo-se o efeito deletério aos oxigenadores de bolha, independentemente da metilprednisolona. Portanto, na ocasião, ficou claro que os oxigenadores de bolha tinham grande capacidade de induzir a SIRS e esse fato deveria ser levado em consideração quando da análise e interpretação dos estudos que envolvessem corticosteróides e CEC. II.4.2.3. investigações clínicas da década de 1990 até o presente Inúmeros estudos durante os últimos 11 anos têm explorado os potenciais benefícios clínicos da administração rotineira da metilprednisolona nas cirurgias cardíacas com CEC. No entanto, apenas uma pequena proporção deles tem sido prospectiva, randomizada, duplo-cega e controlada por placebo. No início da década, tais estudos visavam, basicamente, à atenuação da SIRS (avaliação de mediadores pró-inflamatórios e antiinflamatórios), ao passo que, outros mais recentes têm focado o impacto clínico dessa intervenção. Apesar de poucos estudos não apresentarem efeito, a vasta maioria dos investigadores revelou a capacidade da metilprednisolona beneficiar o balanço desses mediadores, através da atenuação de marcadores inflamatórios, como a IL-1, IL-6, IL-8, TNF-α, e o aumento dos marcadores antiinflamatórios, como a IL-4 e IL-10. Do ponto de vista clínico, os benefícios sugeridos incluem o aumento do índice cardíaco e a diminuição da pressão de oclusão da artéria pulmonar e da incidência de hipertermia no período pós-operatório, apesar do aumento da glicemia. Em 1997, Mayumi e cols.162 concluíram que a metilprednisolona comparada com o placebo promoveu um estado de imunossupressão, porém sem aumentar a incidência de infecção da ferida cirúrgica. Não se observou diferença em relação aos desfechos clínicos. Em 1999, Tassani e cols.163 mostraram que, a despeito do impacto positivo quanto às variáveis 52 laboratoriais e parâmetros oxi-hemodinâmicos, não se observou diferença no tempo de permanência em ventilação mecânica. Tal estudo recebeu críticas quanto à falta de padronização dos parâmetros ventilatórios e pelo uso da aprotinina (com provável atividade antiinflamatória) em todos os pacientes. Estudos mais recentes por Chaney e cols.164 não evidenciaram qualquer beneficio clínico do uso de metilprednisolona, concluindo que, na era do fast track, isto é, medidas que visam à redução no tempo de recuperação cirúrgica de pacientes de baixo risco operatório, o emprego de metilprednisolona, de fato, estaria contraindicado. Como pôde ser visto, a maior parte dos estudos realizados envolveu um número reduzido de pacientes e não teve um controle rígido de parâmetros perioperatórios, permanecendo em aberto se a supressão da SIRS se traduz em benefício clínico. Portanto, essa constelação de achados indica que a metilprednisolona não apresenta benefício clínico e, de fato, pode ser deletéria pela indução de hiperglicemia no período de pós-operatório e postergar a extubação traqueal por razões ainda não totalmente esclarecidas.152 II.5. A Aprotinina A aprotinina, também conhecida como inibidor da tripsina pancreática bovina (BPTI), é um polipeptídeo globular monomérico (cadeia simples), inibidor de proteases séricas, não específico, isolado do tecido pulmonar bovino. Tem peso molecular de 6512 e consiste de 16 aminoácidos diferentes agrupados em uma cadeia de 58 aminoácidos residuais. É um membro axiômico da família dos inibidores das proteases séricas do tipo Kunitz e tem a capacidade de formar complexos reversíveis com o sítio ativo de inúmeras proteases séricas, como a 53 plasmina, a quimotripsina, a tripsina, o ativador do plasminogênio tecidual e ambas as calicreínas, tecidual e plasmática. Apesar de ter sido uma das primeiras proteínas a terem sua estrutura estudada pela espectroscopia nuclear magnética, sua verdadeira função fisiológica permanece desconhecida.165 A aprotinina foi utilizada clinicamente, pela primeira vez, para o tratamento da pancreatite aguda, e sua atividade sobre os efeitos deletérios da CEC foi estudada em 1960. Desde então, seu uso em baixas doses para o tratamento de sangramento após a CEC tem apresentado resultados variados. Em 1980, doses profiláticas mais altas começaram a ser utilizadas. Após o primeiro estudo em 1987166, mais de 70 estudos randomizados e controlados, incluindo de 20 a 796 pacientes (média, 75), confirmaram e estabeleceram a eficácia da aprotinina para limitar a necessidade de hemotransfusão, plaquetas e plasma fresco congelado em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Os primeiros estudos de utilização da aprotinina durante a cirurgia cardíaca demonstraram dramática redução no sangramento cirúrgico e na necessidade do uso de hemoderivados. O efeito da aprotinina na preservação plaquetária foi sugerido devido ao fato de que pacientes que utilizaram essa droga apresentavam menor tempo de sangramento, quando comparados àqueles que usaram placebo. Inúmeros estudos randomizados, controlados com placebo sobre a segurança e eficácia da aprotinina têm confirmado que altas doses da mesma podem reduzir a drenagem mediastinal em 31 a 81%, o total de transfusão em 35% a 97% e a proporção de pacientes que requerem a transfusão de sangue ou hemoderivados em 40 a 88%167. 54 Apesar do efeito da aprotinina sobre os parâmetros clínicos da homeostase estar bem documentado, o seu papel na redução da resposta inflamatória durante a CEC ainda não está estabelecido por completo. II.5.1. Ativação por contato Como citado antes, a ativação pelo contato com a superfície biologicamente incompatível do circuito da CEC e sua interface gasosa deflagra a ativação de três vias de proteases plasmáticas: o sistema cinina-calicreína, o sistema de coagulação-fibrinólise e o sistema do complemento. Cada um desses ativa mediadores pró-inflamatórios, que amplificam a resposta inflamatória.167 Foi demonstrado que a inibição pela aprotinina dos componentes da ativação de proteases séricas, pelo contato, é dose-dependente numa variedade de sistemas in vitro e no cenário da CEC. A administração da dose plena de aprotinina, que inclui um bolus inicial de 2 milhões de unidades inibidoras da calicreína (UIK) (280 mg) após a indução anestésica e a infusão intravenosa subseqüente de 70 mg/h (500 mil UIK), resulta em uma concentração plasmática de cerca de 35 µg/mL. Esse regime também inclui uma dose adicional de 280 mg de aprotinina no circuito da perfusão. O regime de baixas doses de aprotinina, internacionalmente denominado de half-dose, consiste de um bolus inicial de 1 milhão de UIK, seguido da infusão de 35 mg/h (250 mil UIK), o que resultaria em concentrações plasmáticas de 17 µg/mL168. Há dois tipos básicos de alvo para a aprotinina no sistema inflamatório: as proteases solúveis e as associadas às células, tendo os estudos focado os substratos solúveis, tais como a 55 plasmina e a calicreína. Dúvidas ainda restam quanto à dosagem terapêutica, suficientemente alta, necessária para inibir essa última. Nas concentrações séricas de 30 µg/mL ou mais de aprotinina, o aumento de 2,5 vezes do complexo calicreína-C1-INH induzido pela CEC é completamente inibido, quando comparado com grupos não tratados.169 Wachfogel e cols. mostraram que 20 µg/mL de aprotinina inibiram significativa, mas não completamente, a formação daquele complexo, sob condições laboratoriais controladas de CEC170. Tais observações sugerem que a administração da aprotinina bloqueia, de modo significativo, a calicreína. Durante a CEC, a aprotinina também foi capaz de preservar a atividade do inibidor da calicreína171, assim como foi mostrada sua capacidade de diminuir a atividade do fator XII em 20%172, resultando em nova diminuição da atividade da calicreína e redução de seu efeito amplificador da fase da ativação pelo contato. Portanto, a diminuição dos níveis de calicreína e conseqüente menor clivagem do cininogênio poderiam ter impacto clínico, tendo em vista que tal processo acarretaria redução nos níveis de bradicinina e preservação do tônus vasomotor.173 II.5.2. Aprotinina e via fibrinolítica Durante e após a CEC, níveis de D-dímero, uma mensuração da quantidade de fibrina degradada pela plasmina, foram menores em pacientes tratados com aprotinina, quando comparados com os indivíduos controle, indicando que a atividade da plasmina foi atenuada naqueles pacientes; os níveis de t-PA e de plasminogênio, porém, permaneceram inalterados. Essa redução de atividade pode ser atribuída à diminuição da produção de plasmina, à 56 inibição direta da plasmina ou à combinação desses dois processos. Tal mecanismo, portanto, determinará menor atividade fibrinolítica nos pacientes expostos a essa terapêutica.174 Pela inibição da calicreína, a aprotinina pode diminuir a formação de trombina e a conseqüente ativação das plaquetas. Apesar de Van Oevren afirmar que essa droga inibe a degradação dos receptores da glicoproteína Ib pela plasmina, o preciso mecanismo pelo qual a aprotinina reduz o sangramento ainda não está claro.175 II.5.3. Aprotinina e complemento Fatores do complemento também podem ser afetados pela aprotinina. Durante a CEC, níveis séricos de aprotinina acima de 30 µg/mL reduziram, significativamente, a formação do complexo C1-C1-INH, em comparação com o grupo controle169, sugerindo a redução na formação do C1 sérico. Tal efeito, no entanto, não foi observado em níveis inferiores a 20 µg/mL. Em modelos de hemodiálise, in vivo, a aprotinina apresentou redução de até três vezes nos níveis de C3a e C5a em 60 minutos176; tal efeito, porém, não se reproduziu durante a CEC. II.5.4. Aprotinina e resposta celular a) neutrófilos Uma vez povoando um determinado órgão, os neutrófilos são os principais protagonistas da injúria inflamatória aguda, cuja atividade é mediada em grande parte pela liberação de mediadores citotóxicos, radicais livres de oxigênio e chaotropic enzymes. Tais enzimas degradam e modelam a matriz celular, tendo como exemplos, os grânulos 57 azurofílicos componentes da elastase e mieloperoxidase, bem como proteases da matriz celular, da família das metaloproteinases. Como citado antes, os neutrófilos reagem aos mediadores inflamatórios solúveis, primeiramente, pelo processo conhecido por “cascata de adesão celular leucócito-endotelial”, caracterizado pelo rolamento, seguido da aderência e, então, pela transmigração através da barreira endotelial microvascular até alcançar o interstício. Além da função de fagocitose de patógenos e da degeneração de partículas teciduais, os neutrófilos ativados perdem seus grânulos, liberam substâncias tóxicas, enzimas proteolíticas e mediadores inflamatórios, que recrutam mais leucócitos. A CEC determina um dramático efeito na função leucocitária. Pode-se observar uma súbita queda quantitativa no início da perfusão, em decorrência da hemodiluição e adsorção pelo circuito177. Segue-se um aumento significativo dos neutrófilos circulantes, sendo que, até 50% desses são seqüestrados para os capilares pulmonares após a liberação do clampeamento aórtico, dependendo do tempo de perfusão e anóxia.178 Evidências indicam que os neutrófilos são o principal alvo antiinflamatório da aprotinina. Além de influenciar no número absoluto de leucócitos, essa droga modularia os componentes da ativação leucocitária e seu extravasamento. Um potencial mecanismo benéfico da aprotinina com limitação do seqüestro pulmonar de leucócitos durante a CEC é sugerido pelo seguinte: redução in vitro da hiperativação; inibição da maior expressão do CD11b e da Mac-1 (CD11b/CD18) induzida pela CEC; bloqueio da secreção de mieloperoxidades e redução da liberação de elastase, com conseqüente efeito inibitório somente sobre a transmigração e o extravasamento endotelial.179 58 b) plaquetas Apesar de suas propriedades hemostáticas, o papel das plaquetas na resposta inflamatória já está bem estabelecido na literatura. A aprotinina previne a disfunção plaquetária e melhora a hemostasia durante a CEC, de modo indireto, por inibir a plasmina e a calicreína e, de modo direto, pela estabilização do receptor de superfície GP Ib da membrana plaquetária180. Além disso, reduz a expressão da Pselectina e, quantitativamente, a interação leucócitos-plaquetas durante a CEC181. Outro mecanismo do efeito direto sobre as plaquetas resultaria da ação sobre os receptores ativados pelas proteases (PARs), em especial pela trombina, o mais potente ativador, pelo contato, das plaquetas.182 Portanto, a aprotinina poderia reduzir a amplificação da resposta celular inflamatória induzida pela CEC indiretamente pelo efeito sobre as proteases séricas e diretamente através da ação sobre os receptores ativados pelas proteases. II.5.5. Aprotinina e citocinas Como analisado antes, níveis alterados de citocinas pró-inflamatórias e antiinflamatórias durante a CEC têm sido documentados, sendo, em geral, sua magnitude relacionada com o tempo de CEC e de anóxia. Estudos, no entanto, mostram graus variados de variação durante e após a CEC. A aprotinina tem-se mostrado capaz de inibir, in vitro, a secreção de TNF-α pelos macrófagos ativados em 51%183, sendo que, in vivo, pode apresentar a mesma magnitude desse efeito em relação ao grupo controle.184 Estudos preliminares apontam para um mesmo 59 comportamento em relação à IL-6 imediatamente após a descontinuação da CEC.185 Diego e col. demonstraram que a metilprednisolona e dose plena de aprotinina foram capazes de reduzir, de forma significativa, os níveis séricos de IL-6 após 24 horas do término da CEC.186 Interessante notar que esse mesmo grupo concluiu que, uma hora após a CEC e 24 horas após a CEC, doses plenas de aprotinina foram capazes de aumentar os níveis de IL-10.187 A IL-8 analisada no lavado bronco-alveolar de pacientes tratados com aprotinina era significativamente menor em relação ao grupo controle, assim como a presença de neutrófilos.188 Apesar da já bem estabelecida atividade hemostática, estudos recentes e modelos de sistemas sugerem que a ação da aprotinina, com base em marcadores celulares e funcionais, poderia atenuar alguns aspectos da resposta inflamatória evocada pela CEC, principalmente pela ação inibitória, em altas doses, da produção e função da calicreína na amplificação da cascata inflamatória. No entanto, desde as primeiras publicações no final da década de 1980, continuando pela década seguinte, há a percepção de que, um agente tão eficazmente hemostático poderia também ser pró-trombótico. Poucos, se alguns, cirurgiões duvidam da eficácia antihemorrágica da aprotinina; muitos, no entanto, questionam seu impacto sobre a patência das anastomoses. Em conseqüência, muitos ainda relutam em usá-la de forma rotineira, em particular, nas cirurgias de revascularização miocárdica. 60 II.5.6. A trombose em debate: um problema com fundamento a) a evidência clínica A condução de estudos clínicos sobre a patência de enxertos coronarianos não tem, notadamente, obtido sucesso. Cada lado de um argumento tem suscitado evidências que suportam o contrário. Apesar dos estudos de Bidstrup e cols., Havel e cols., Lass e cols., Hayashida e cols. e Rich e cols. não terem encontrado evidência da redução da patência do enxerto com o uso da aprotinina, aqueles de Cosgrove e cols., Van der Meer e cols. e Alderman e cols. reiteraram a questão pró-trombótica. No entanto, críticas têm sido levantadas em quase todos esses estudos e variam consideravelmente em relação à dosagem de aprotinina utilizada nos métodos de imagem obtidos para a patência dos enxertos e no intervalo de tempo entre o pós-operatório e a análise obtida. Fatores de confundimento, tais como dose de heparina durante a CEC, uso da terapia com aspirina nos períodos pré e pósoperatório e, talvez, o mais contundente de todos, a qualidade dos vasos distais, têm contribuído para um debate caloroso e não para o esclarecimento de questões básicas.189 Mangano e cols.190 observaram uma associação entre aprotinina e disfunções orgânicas múltiplas, dentre as quais, eventos cardiovasculares (infarto do miocárdico e insuficiência cardíaca), cerebrovasculares e renais (disfunção renal e falência renal requerendo diálise), assim como o aumento não significativo do risco de morte. Tais efeitos não foram observados em relação aos análogos da lisina, quando comparados de forma observacional e testados por métodos de propensão e multivariados. Vale ressaltar as inúmeras opiniões adversas às do autor citado, principalmente no que concerne ao real benefício da aprotinina quanto ao seu efeito anti-hemorrágico, ao caráter observacional do estudo, à imprecisão na definição de variáveis de morbidade avaliadas e ao viés de seleção durante o desenvolvimento do desenho do estudo. Tais opiniões adversas 61 ressaltam o seguinte: a falta de uniformidade na indicação para administração da droga, a não citação do período no qual a mortalidade foi avaliada, a heterogeneidade do volume cirúrgico entre as instituições, a imprecisão dos critérios de exclusão, assim como a semelhança do porcentual da taxa de falência renal encontrado de 8,0% aos 7,8% citados em artigo prévio do mesmo autor, que utilizou o mesmo banco de dados. Determinantes de prognóstico, como o uso de drogas antitrombóticas antes da cirurgia, tempo de CEC e outros detalhes cirúrgicos, o volume de hemotransfusão e o uso de drogas inotrópicas para episódios de hipotensão, que interferem no prognóstico, talvez tenham sido negligenciados.191 Uma revisão sistemática de estudos clínicos randomizados realizada por Artyom Sedrakyan e cols.192 conclui que a aprotinina diminui a necessidade de hemotransfusão em pacientes revascularizados e não estabelece associação com maior risco de mortalidade, infarto do miocárdio ou falência renal. Em relação ao acidente vascular cerebral, há uma redução de risco com o uso da droga, assim como uma tendência para redução de fibrilação atrial. Em relação à patência dos enxertos nas cirurgias de revascularização do miocárdio, Maninder Kalkat e cols.193, em uma revisão sistemática, concluíram que a aprotinina reduz hemotransfusão, o risco de reoperação por sangramento, mas aumenta o risco de oclusão das anastomoses de safena. Cabe lembrar que as recomendações para o uso da aprotinina em dose plena em pacientes de alto risco para sangramento cirúrgico e de metade da dose para pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com o objetivo de reduzir hemotransfusão, sangramento e reexploração cirúrgica têm nível de evidência “A” em The Society of Thoracic Surgeons Blood Conservation Guideline Task Force e The Society of Cardiovascular Anesthesiologists Special Task Force on Blood Transfusion.194 62 De acordo com a revisão inicial dos dados pelo FDA, a aprotinina pode estar associada com “aumento do risco de morte, falência renal, falência cardíaca congestiva e acidente vascular cerebral”. Desde que análises de novos dados fornecidos pela Bayer S.A. estão em andamento no FDA, conclusões sobre a segurança da aprotinina não podem ser tiradas neste momento.195 No final da década de 1980, a equipe do Hammersmith Hospital (National Heart and Lung Institute, Imperial College School of Medicine, Londres, Inglaterra) levantou o potencial pró-trombótico da aprotinina e, desde então, tem advogado que tal questão só será resolvida com o completo estabelecimento dos mecanismos de ação da aprotinina. A despeito da questão pró-trombótica, esse mecanismo jamais foi esclarecido de forma convincente pelas evidências científicas. De fato, com a clonagem de receptores da trombina das plaquetas, a possibilidade é de que a aprotinina, ao invés de potencializar a ação da trombina, possa antagonizar a mesma. b) o clássico receptor de trombina nas plaquetas é um receptor ativado por protease A clivagem do receptor é o resultado da atividade da trombina, que é sabidamente inibida de maneira competitiva pela aprotinina. A hipótese imediata é de que a aprotinina deveria antagonizar e não potencializar a ativação plaquetária induzida pela trombina. O reconhecimento desse mecanismo de ação proteolítica distinta do receptor da trombina tem sido denominado de “receptor 1 ativado por protease” (PAR1). c) aprotinina seletivamente bloqueia a resposta plaquetária à trombina, mas não a outros agonistas plaquetários É importante salientar que há uma predominância do PAR1 na resposta plaquetária à trombina. Experimentos com o peptídeo FLLRN mostram que 70% a 100% da agregação plaquetária induzida pela trombina é mediada pelo PAR1, sendo apenas um componente 63 residual aquele mediado pela glicoproteína GP Ib. De tal forma que, a aprotinina inibe apenas a agregação induzida por trombina e tripsina, mas não por colágeno, ADP e epinefrina. A ausência desse efeito, descartaria qualquer possibilidade de inibição pela aprotinina do evento final comum da agregação plaquetária, com a ligação do fibrinogênio à GP IIbIIIa.189 d) aprotinina é simultaneamente hemostática e antitrombótica A implicação clínica para as cirurgias cardíacas com CEC é de que a aprotinina preveniria a participação das plaquetas ativadas pela trombina na cascata da coagulação, exercendo um efeito antitrombótico, enquanto manteria a capacidade hemostática das plaquetas nas feridas cirúrgicas, onde o colágeno e o ADP são gerados.189 e) preservação plaquetária A ação antitrombótica da aprotinina citada acima pode explicar sua propriedade de preservação das plaquetas, revelada clinicamente. A disfunção plaquetária induzida pela CEC é causada pela perda de grânulos e exaustão das plaquetas pela contínua produção e liberação de trombina durante a cirurgia, determinando excessivo sangramento. É provável que a aprotinina “proteja” as plaquetas da dessensibilização pela trombina, resultando em aumento quantitativo para a homeostase da ferida e sítios de sutura.189 CAPÍTULO III OBJETIVO 65 III - OBJETIVO O presente estudo teve por objetivo realizar uma análise comparativa entre os níveis plasmáticos de marcadores inflamatórios de fase aguda em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea, utilizando aprotinina ou corticosteróides. CAPÍTULO IV METODOLOGIA 67 IV - METODOLOGIA IV.1. Desenho Do Estudo Ensaio clínico. IV.2. População Estudada No período de junho de 2004 a fevereiro de 2006, estudou-se, de forma consecutiva, 40 pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica com CEC em uma única instituição de caráter privado (Hospital Barra D’Or – Rio de Janeiro). Os pacientes foram randomizados em blocos de três, de forma consecutiva, por um único anestesista, para receberem um dos três tratamentos, conforme esquema terapêutico a seguir. O restante da equipe cirúrgica e de intensivistas, no período de pós-operatório, assim como o investigador principal, eram “cegos” em relação ao tratamento. IV.3. Esquema Terapêutico Em relação ao tratamento empregado, os pacientes foram divididos em três grupos da seguinte forma: • Grupo 0 – (controle, 12 pacientes) tratamento padrão; não uso de drogas; • Grupo C – (16 pacientes) uso da metilprednisolona, na dose de 30 mg/kg, intravenosa, cinco minutos antes da CEC; 68 • Grupo A – (12 pacientes) uso da aprotinina de acordo com o seguinte esquema terapêutico: ¾ Dose teste de 1 mL (10.000 UIK), dez minutos antes do início da terapêutica; ¾ Dose em “bolus” de 200 mL (280 mg ou 2 milhões de UIK), infundida em 20-30 minutos, em linha venosa central, exclusiva, imediatamente antes da esternotomia; ¾ Dose extra de 200 mL no perfusato, imediatamente antes da instituição da CEC; ¾ Dose de manutenção de 50 mL/hora (70 mg/hora ou 500.000 UIK/hora), durante a cirurgia. Essa infusão não poderia ultrapassar o período de duas horas do procedimento, totalizando, obrigatoriamente, 5 milhões de UIK. Em caso de reação anafilática com a dose-teste, o paciente seria excluído do estudo e seriam tomadas as seguintes condutas: • Administração de cristalóide venoso a critério do anestesista; • Administração de hidrocortisona na dose de 100 a 200 mg, endovenosa; • Administração de adrenalina (1:1000), 0,05 a 0,1 mL, endovenosa. O Comitê de Ética em Pesquisa da Rede D´Or de Hospitais (CEP) aprovou o protocolo de estudo no dia 3 de dezembro de 2002 e todos os pacientes ou seus familiares responsáveis leram e assinaram o consentimento livre e esclarecido (Anexos 1 e 2, respectivamente). Os responsáveis pelo serviço de Cirurgia Cardiovascular e de Cardiologia do Hospital Barra D´Or tinham conhecimento do projeto de pesquisa e assinaram o termo de adesão concordando com a realização do estudo, conforme orientação do CEP. Em todos os casos, o autor do estudo foi o responsável pelo esclarecimento dos pacientes e pela obtenção da assinatura dos mesmos no termo de consentimento. O estudo seguiu os termos da Resolução n° 196 do Conselho Nacional de Saúde. 69 O pesquisador responsável pela coleta de dados, coordenador e autor desta tese não foi subvencionado. Não há nenhum interesse, particular ou financeiro, por parte do autor ou dos seus orientadores na indicação de qualquer das duas drogas utilizadas no estudo, que não sejam as indicações já estabelecidas e recomendadas pela literatura mundial e que estejam de acordo com a rotina do serviço de Cirurgia Cardiovascular. Os custos de utilização da aprotinina, assim como das dosagens de TNF-α e IL-6 foram de responsabilidade da Bayer S.A. IV.4. Critérios de Inclusão Foram definidos os seguintes critérios para inclusão no estudo: • Cirurgias agendadas de forma eletiva pela rotina do serviço de Cirurgia Cardiovascular; • Cirurgias realizadas pela mesma equipe cirúrgica, de anestesia e de perfusão, para que fosse rigidamente seguido o protocolo proposto; • Pacientes de baixo risco para mortalidade cirúrgica, definidos por três diferentes escores de risco, a saber: o North New England, utilizado nas recomendações para as cirurgias de revascularização do miocárdico da AHA/ACC196, o EuroSCORE197 e o Cleveland Score;198 • Pacientes portadores de angina estável crônica, definidos como classe funcional I, II ou III da Canadian Cardiovascular Society (CCS), ou seja, angina usualmente transitória, com duração entre dois e 30 minutos, precipitada pelo exercício, de intensidade variável, emoções ou outros eventos determinantes de aumento do consumo miocárdico de oxigênio; • Pacientes portadores de isquemia assintomática, induzida por alguma prova funcional (teste de esforço, cintilografia tomográfica de perfusão miocárdica ou ecocardiografia de estresse); • Ausência de sintomas de angina em repouso nas últimas 48 horas anteriores à internação; 70 • Ausência de internação por uma síndrome coronariana aguda com ou sem supradesnível do segmento ST-T nos últimos seis meses anteriores à randomização para o estudo; • Ausência de internação por sinais e sintomas compatíveis com o diagnóstico de insuficiência cardíaca sistólica e/ou diastólica nos últimos seis meses anteriores à randomização para o estudo. IV.5. Critérios de Exclusão Excluíram-se os pacientes que apresentassem qualquer outro indicador capaz de deflagrar um processo inflamatório sistêmico na ocasião da cirurgia, de forma a garantir que qualquer processo inflamatório sistêmico que surgisse estaria relacionado ao procedimento cirúrgico per se. Também foi excluído qualquer paciente considerado de maior risco para sangramento cirúrgico, uma vez que esse, de acordo com a rotina do serviço, já teria indicação para uso de aprotinina. Para a seleção dos pacientes, respeitaram-se os seguintes critérios de exclusão: • Pacientes que não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido; • Cirurgias de urgência, definidas como aquelas realizadas durante a mesma internação que motivou a indicação do procedimento, seja pela gravidade anatômica coronariana (lesão de troco de coronária esquerda ≥ 70% ou seu equivalente), ou pela gravidade clínica, manifesta por angina instável e sintomas persistentes a despeito da terapia médica oral máxima e intravenosa (classe IV da CCS persistente); • Cirurgias de emergência, definidas como aquelas realizadas nas primeiras 24 horas após o diagnóstico pelo qual se definiu a indicação cirúrgica, ou seja, angina de repouso refratária associada a alterações dinâmicas do segmento ST-T ou da onda T do eletrocardiograma de 12 derivações, em repouso, choque circulatório e insuficiência cardíaca persistente; • Uso de drogas com ação antiagregante plaquetária nos dez dias que precederam a cirurgia; 71 • Uso crônico ou no período de dez dias anteriores à cirurgia de corticosteróides e/ou antiinflamatórios não-hormonais; • Presença de disfunção renal aguda ou crônica, definida como nível de creatinina sérica > 1,7 mg/dL ou terapia de suporte dialítico; • História prévia ou parâmetros clínicos e laboratoriais compatíveis com coagulopatia aguda ou crônica; • História prévia ou parâmetros clínicos e laboratoriais compatíveis com hepatopatia aguda ou crônica; • Evidência clínica de infecção recente (menos de um mês); • Doença inflamatória, localizada ou sistêmica, de qualquer natureza; • Doença do sistema imunológico; • Cirurgia ou trauma recente (menos de um mês); • Cardiopatia reumática; • Disfunção ventricular esquerda definida pelo ecocardiograma trans-torácico unidimensional e bidimensional, como sendo moderada ou grave, pela análise subjetiva do examinador; • Cirurgias não realizadas no período compreendido entre 8:00 e 10:00 horas, para afastar possível efeito confundidor do ciclo circadiano; • Cirurgias da aorta; • Reoperações; • Pacientes menores de 18 anos e maiores de 75 anos. IV.6. Variáveis Analisadas IV.6.1. Variáveis de pré-operatório Foram analisadas as seguintes variáveis no período pré-operatório: 72 • Demográficas: sexo, idade, raça e superfície corpórea (m²); • Clínicas: três escores de risco para mortalidade (North New England, EuroSCORE, ClevelandSCORE) e uso prévio de drogas bloqueadoras dos canais de cálcio e/ou inibidoras da enzima de conversão da angiotensina pelo menos nas 24 horas que antecederam à cirurgia; • Anatomia coronariana: presença de estenose grave de tronco de coronária esquerda (TCE), definida como redução de pelo menos 50% no maior diâmetro do TCE e/ou lesões com estenose grave com redução de pelo menos 70% no maior diâmetro de um ou mais dos três principais ramos coronarianos. Foram, portanto, categorizados como pacientes portadores ou não de lesão de TCE, uni-arteriais, bi-arteriais e tri-arteriais. IV.6.2. Variáveis de perioperatório Foram analisadas as seguintes variáveis cirúrgicas no período perioperatório: tempo de CEC (minutos), tempo de pinçamento aórtico (minutos) e tempo total de cirurgia (minutos). IV.6.3. Variáveis de pós-operatório Foram analisadas as seguintes variáveis clínicas no período pós-operatório imediato, definido como sendo as primeiras 48 horas seguintes à cirurgia: • drenagem sangüínea total (mL); • utilização de sangue (concentrado de hemácias) e/ou outros hemoderivados (concentrado de plaquetas, plasma fresco congelado e/ou crioprecipitado), conforme rotina estabelecida pelo serviço de cirurgia cardiovascular para o procedimento de revascularização miocárdica; • Incidência de acidente vascular cerebral, definido como lesões tipo 1 (déficit predominantemente focal, ataque isquêmico transitório ou lesões cerebrais fatais) e lesões 73 tipo 2 (refletem injúria mais global ou difusa, manifesta clinicamente por desorientação e/ou declínio intelectual imediato, em geral reversível); • Incidência de infarto trans-operatório, definido como surgimento de novas ondas “Q” no ECG de superfície com 12 derivações, níveis séricos de CK-Mb e troponina I maiores que 5 a 10 vezes os valores de referência e surgimento de nova disfunção segmentar ou piora da disfunção pré-existente ao ecocardiograma transtorácico; • Incidência de disfunção renal, definida como aumento de 50% ou mais nos níveis de creatinina (mg/dL), em relação ao basal, ou insuficiência renal estabelecida, quando o paciente requeria terapia com suporte dialítico; • Incidência de fibrilação atrial aguda, diagnosticada pelo ECG de superfície com 12 derivações. IV.7. Dosagens De Marcadores Inflamatórios Foram analisadas as seguintes proteínas de fase aguda: 1) fibrinogênio, no plasma citrado, pelo método coagulométrico citrado (valor de referência, 180-350 mg/dL) no equipamento Sysmex CA 500; e 2) haptoglobina (alfa 2-glicoproteína), no soro, pelo método de imunoturbimetria (valor de referência, 36-195 mg/dL) no equipamento Advia 1650 (Bayer). A faixa de valores detectáveis para a PCR pelo teste no soro ou no plasma varia de 0,01 mg/dL a 890 mg/dL. Esse teste apresenta sensibilidade e é validado como teste ultrasensível para detecção de PCR (high sensitivity C-reactive protein). A faixa de detecção para a Il-6 e para o TNF-α é a mesma, de 5 pg/mL a 1000 pg/mL. A avaliação da séria branca do hemograma foi realizada pelo equipamento ABX Pentra 80, versão 1.6 – Horiba ABX, com contagem global de leucócitos e neutrófilos, de 74 forma absoluta (valores de referência, 4.000 a 11.300/mm³ e 1.800 a 7.800/mm³, respectivamente). Para a análise do tratamento empregado sobre os valores da PCR, do fibrinogênio, da haptoglobina, e do número de leucócitos e neutrófilos, utilizamos a diferença entre o maior valor no período de pós-operatório (T1 e T2) e o valor basal (T0). Para efeito de análise dos valores da IL-6 e do TNF-α, utilizou-se o maior valor no pós-operatório (T1 e T2). Não foi usada a diferença para essa análise, pois algumas amostras apresentavam valores indetectáveis pelo método utilizado. Para esse caso, adotamos valores arbitrários (valores menores que 4 pg/mL representaram 2 pg/mL e valores maiores que 1.000 pg/mL representaram 1.001 pg/mL). As variáveis sem distribuição normal terão seus resultados expressos em mediana e seus respectivos intervalos inter-quartis (IIQ). As médias e os respectivos desvios-padrões serão utilizados para as variáveis com distribuição normal. IV.8. Coleta E Preparo Da Amostra Realizou-se coleta de sangue venoso periférico para testes laboratoriais através de venopunção em um dos membros superiores, de acordo com os padrões normativos internacionais. Obteve-se a coleta em cada grupo em três tempos diferentes: • Nas 24 horas que antecederam à cirurgia (T0); • 3 horas após a chegada do paciente à UTI de pós-operatório (T1); • 18 horas após a chegada do paciente à UTI de pós-operatório (T2). 75 Após a coleta a vácuo, as amostras foram acondicionadas de imediato em tubos com e sem EDTA (ethylene diamine tetra-acetic acid) para obtenção de soro e plasma, respectivamente. A seguir, após a centrifugação das amostras de sangue (durante 10 min, a 3.000 rpm), o soro e o plasma foram codificados e armazenados em microtubos de 1,5 mL em freezer a -80˚ C (Jewett LTUR 13). Ao final do estudo, todas as amostras foram descongeladas simultaneamente e seus níveis de PCR, IL-6 e TNF-α aferidos em uma única bateria. O tempo máximo de armazenamento das amostras no freezer foi de 22 meses. IV.9. Teste De Quimiluminescência Imunométrica Utilizou-se o sistema IMMULITE®, comercialmente disponível. Trata-se de analisador automático de teste imunológico dedicado à realização de testes de quimiluminescência imunométrica. O kit IMMULITE® é um ensaio de fase sólida, tipo imunométrico marcado com enzima quimiluminescente, baseado no anticorpo monoclonal marcado com ligante, e separação por fase sólida recoberta com antiligante. Em sua fase inicial, a amostra do paciente, um anticorpo monoclonal (anti-PCR ou anti-IL-6 ou anti-TNF-α) marcado com ligante e um anticorpo policlonal (anti-PCR ou anti-IL-6 ou anti-TNF-α) marcado com fosfatase alcalina (reagente) são pipetados automaticamente pelo sistema e adicionados no interior da Unidade de Teste contendo a pérola com o antiligante imobilizado. Em uma segunda etapa, submete-se o continente da Unidade de Teste a um processo denominado incubação por cerca de 30 minutos a 37˚C, com agitação intermitente. Durante esse período, a PCR, a IL-6 e o TNF-α de cada amostra formam um complexo de anticorpos tipo “sanduíche”, que, por sua vez, liga-se ao antiligante da fase sólida. O conjugado não ligado é removido por lavagem e centrifugação. A seguir, um substrato luminogênico é adicionado e a Unidade de Teste é incubada por um período adicional de 10 minutos. O substrato 76 quimiluminescente, éster fosfato do adamantil dioxetano é submetido a hidrólise em presença de fosfatase alcalina, gerando um intermediário instável. A produção contínua desse intermediário resulta na emissão ininterrupta de luz. IV.10. A Reação De Quimiluminescência O conjugado de fosfatase alcalina (reagente) é ligado à pérola (dentro da Unidade de Teste) durante a reação imunológica. A quantidade de fosfatase alcalina capturada é proporcional, ou inversamente proporcional, à concentração presente em cada amostra de soro ou plasma. Uma vez a Unidade de Teste apropriadamente lavada, um substrato luminogênico lhe é adicionado e, a seguir, todo o conjunto é transferido para uma câmara de luminômetro. Poucos minutos depois, a unidade de teste é apresentada ao tubo fotomultiplicador, onde a luz gerada pela reação luminogênica é mensurada. Durante a reação luminogênica, o substrato – éster fosfato do adamantil dioxetano – é desfosforilado em um ânion instável intermediário pelo conjugado de fosfatase alcalina capturado pela pérola. Esse composto instável emite um fóton quando é decomposto. Um instrumento denominado fotômetro é capaz de quantificar os fótons emitidos pela reação (contagem por segundo ou CPS). A emissão de luz é diretamente proporcional à quantidade original de fosfatase alcalina capturada pela reação imunológica. Comparado com outros meios de detecção, a quimiluminescência imunométrica representa o mais alto grau de sensibilidade disponível, com ordens de magnitude melhor que a sensibilidade do teste por radioimunoensaio ou enzima imunoensaio.199 O Laboratório de Imunologia Clínica do Hospital Barra D´Or realizou os exames laboratoriais de quimiluminescência e de hematologia. 77 IV.11. O Procedimento Cirúrgico Todas as cirurgias foram realizadas com esternotomia mediana convencional, obrigatoriamente pela mesma técnica. A anticoagulação foi obtida com heparina nãofracionada, 400 UI/kg, e corrigida, caso necessário, para se alcançar um tempo de coagulação ativado (TCA) ≥480 segundos para todos os grupos durante a CEC. Após o término da perfusão, a neutralização da heparina foi alcançada com hidroclorato de protamina em uma relação de 1 mg para 100 UI de heparina para que se alcançasse o valor basal do tempo de coagulação ativado. O TCA foi mensurado usando o sistema celite-ativado. A CEC foi realizada pela mesma técnica, utilizando-se todos oxigenadores de membrana (MACCHI®, DIDECO® ou DMG®), filtro de linha arterial, bomba de rolete (DMG®), um kit de tubo de polivinilcloreto e uma cânula venosa de dois estágios. A proteção miocárdica foi realizada através de cardioplegia intermitente, sangüínea e hipotérmica leve (resfriamento até 32˚C). O prime foi preenchido com solução de Ringer com lactato (1.000 mL) e manitol a 20% (3 mL/kg). Durante a CEC, o hematócrito foi mantido entre 20% e 25% e a pressão arterial média entre 50 e 70 mmHg (com a utilização de nitroglicerina, nitroprussiato de sódio, dobutamina e norepinefrina, caso necessário). Concentrado de hemácias foi transfundido durante a CEC, se o hematócrito estivesse menor que 20%, e no período de pós-operatório imediato, se menor que 25%. Concentrados de plaquetas foram utilizados caso houvesse uma queda no seu valor absoluto abaixo de 50.000/mm³. 78 IV.12. O Procedimento Anestésico Após a medicação pré-anestésica com midazolan (3 mg, endovenoso), a anestesia foi induzida com etomidato, 0,1 mg/kg, rocurônio, 1 mg/kg, fentanil, 50-200 µg, e sevoflurane entre 2% e 3%. Nos pacientes submetidos ao bloqueio subaracnóideo, esse foi realizado com agulha 256 entre L4-L5 com morfina, 0,2 a 0,4 mg, e fentanil, 100 µg. Naqueles submetidos ao bloqueio peridural, esse foi realizado com agulha 166 e cateter contínuo entre T3-T4 com morfina, 2 a 4 mg, fentanil, 100 µg, e lidocaína a 2%, 60 mg. A manutenção anestésica foi feita com sevoflurane entre 1% e 6% e rocurônio, 0,2 mg/kg, de forma intermitente. Um cateter intra-arterial foi introduzido na artéria radial esquerda sob anestesia local para monitorização da pressão arterial contínua, assim como um cateter intravenoso profundo de três vias foi implantado na veia subclávia esquerda para infusão de líquidos, drogas, hemoderivados e monitorização da pressão venosa central. Um cateter de Foley, em sistema fechado, foi introduzido para avaliação do débito urinário. Monitorização contínua de duas derivações eletrocardiográficas (II e V5 modificada), da saturação de oxigênio, do gás carbônico e da temperatura esofagiana foi realizada. IV.13. Análise Estatística As associações entre variáveis categóricas foram avaliadas pelo teste χ² ou, quando necessário, por testes exatos (Fisher ou Fisher-Freeman-Halton). Os valores das variáveis numéricas nos diferentes tratamentos foram analisados pelo teste de Kruskal-Wallis; quando esse foi estatisticamente significativo, foram realizadas comparações par-a-par pelo método de Conover-Inman. As distribuições dos desfechos em cada grupo terapêutico foram exibidas graficamente por meio do boxplot de Tukey. Para todos os testes foi usado um nível de 79 confiança de 95%. As análises foram realizadas com os programas Stata, versão 9 (StataCorp©, 2006), e SPPS, versão 14 (SPPS Inc.©, 2005). CAPÍTULO V RESULTADOS 81 V - RESULTADOS V.1. Características Clínicas E Demográficas A tabela 3 apresenta as características demográficas, o uso prévio de drogas vasodilatadoras e a presença de diabetes mellitus nos grupos estudados. A tabela 4 traz as características clínicas desses grupos representadas pelos três escores de risco avaliados. A tabela 5 apresenta a classificação dos pacientes estudados de acordo com o número de artérias coronárias acometidas. Tabela 3. Principais características clínicas e demográficas Características Clínicas e Demográficas Grupo 0 Grupo A Grupo C Sexo masculino (% da amostra) Idade (anos) 72,7 83,3 68,7 P = NS 64,2 62,4 64,0 P = NS Diabetes Superfície mellitus corpórea (m2) (% da amostra) 25,0 50,0 31,2 P = NS 1,8 (0,1) 1,8 (0,1) 1,8 (0,1) P = NS Uso de BCC (% da amostra) Uso de IECA (% da amostra) 18,1 16,6 18,7 P = NS 36,3 41,6 43,7 P = NS - Grupo 0 = controle (sem droga); Grupo A = recebeu aprotinina; Grupo C = recebeu corticosteróide Notas: - BCC = bloqueadores dos canais de cálcio; IECA = inibidores da enzima de conversão da angiotensina - Dados de superfície corpórea correspondem à média ± desvio-padrão (entre parênteses); - NS = não significativo. Como pode ser visto na tabela 3, não houve diferença estatística nas médias das idades, da prevalência de homens e mulheres, nem na superfície corpórea entre os três grupos estudados. O porcentual de uso dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina e dos bloqueadores dos canais de cálcio não diferiu entre os grupos. No grupo da aprotinina, metade dos pacientes tinha diagnóstico de diabetes mellitus, ao passo que cerca de menos de um terço 82 dos pacientes dos grupos 0 e C apresentou esse diagnóstico no pré-operatório. Todavia, não foi observada diferença estatística entre os grupos. Tabela 4. Principais características clínicas representadas pelos escores de risco cirúrgico para mortalidade Escores de Risco Cirúrgico Grupo 0 Grupo A Grupo C Cleveland North New England EuroSCORE 1,7 (1,0-3,0) 1,7 (1,0-3,0) 1,6 (1,0-3,0) P = NS 2,6 (0,0-4,5) 2,7 (2,0-3,5) 2,4 (2,0-3,2) P = NS 1,0 (0,0-1,0) 2,0 (1,0-3,5) 1,3 (1,0-2,0) P = NS - Grupo 0 = controle (sem droga); Grupo A = recebeu aprotinina; Grupo C = recebeu corticosteróide; Notas: - Dados expressos pela mediana; - Dados entre parênteses correspondem ao IIQ; - NS = não significativo. Como pode ser visto na tabela 4, os grupos apresentaram baixo risco para mortalidade cirúrgica. As medianas dos escores de risco para mortalidade foram equivalentes entre os grupos, apesar do maior valor da mediana do EuroSCORE (2 pontos) no grupo da aprotinina (grupo A). Tabela 5. Classificação dos grupos de acordo com o número de artérias coronárias acometidas Classificação quantitativa do número de artérias coronárias acometidas TCE Grupo 0 Grupo A Grupo C (Nº pac) 1 3 2 P = NS Uni-arterial (% ) 8,3 25,0 12,5 (Nº pac) 1 0 4 P = NS (% ) 8,3 0,0 25,0 Bi-arterial Tri-arterial (Nº pac) (% ) 4 33,3 5 41,7 4 25,0 P = NS (Nº pac) (% ) 7 58,3 7 58,3 8 50,0 P = NS Pacientes por grupo (Nº pac) 12 12 16 - Grupo 0 = controle (sem droga); Grupo A = recebeu aprotinina; Grupo C = recebeu corticosteróide; Notas: - TCE = Lesão de Tronco de Coronária Esquerda; - A soma do número de pacientes por categoria (TCE, Uni-arterial, Bi-arterial e Tri-arterial) ultrapassa o total por grupo, devido à associação de TCE com as demais categorias; - NS = não significativo. 83 A incidência de lesão de TCE e a presença de lesões anatomicamente significativas em um, dois ou três vasos coronarianos principais foram semelhantes entre os grupos. Não foi observada diferença no número de eventos clínicos adversos entre os três grupos, incluindo os mais comumente citados pela literatura: fibrilação atrial, disfunção renal aguda, acidente vascular encefálico (AVE) e infarto do miocárdio (IAM) perioperatório. No grupo 0, ocorreram um óbito, um caso de disfunção renal aguda e outro de AVE. Um caso de IAM ocorreu no grupo A. V.2. Dados Cirúrgicos A tabela 6 mostra os valores médios dos tempos de CEC, de pinçamento aórtico e total de cirurgia, não tendo sido observada diferença entre os grupos. A média da temperatura esofagiana mínima, assim como do fluxo e de pressão arterial durante a CEC (dados não apresentados na tabela 6) não diferiu entre os grupos. Tabela 6. Principais características perioperatórias Tempos (em minutos) Grupo 0 Grupo A Grupo C Notas: CEC Pinçamento aórtico Tempo de cirurgia 85,9 (19,2) 84,3 (20,2) 85,0 (17,1) P = NS 69,8 (25,0) 64,3 (16,5) 67,3 (16,8) P = NS 234,5 (51,8) 237,5 (37,8) 229,3 (35,7) P = NS - Grupo 0 = controle (sem droga); Grupo A = recebeu aprotinina; Grupo C = recebeu corticosteróide; - Dados entre parênteses correspondem ao desvio-padrão; - NS = não significativo. 84 V.3. Variáveis Hematológicas Como um indicador quantitativo indireto da fibrinólise observada durante a CEC, a mediana da drenagem sangüínea total de 967,2 mL foi maior no grupo 0, no período de pósoperatório imediato, em relação aos outros grupos; porém, não alcançou significado estatístico. Esse fato, contudo, não determinou maior necessidade de hemotransfusão naquele grupo, quando comparado aos grupos A e C, seja na quantidade mediana de concentrado de hemácias por paciente (0,8; 0,2 e 0,5 U/paciente, respectivamente), de concentrado de plaquetas (0,7; 0,0 e 1,0, respectivamente) e de plasma fresco congelado (0,0; 0,0 e 0,8, respectivamente). Esses dados estão representados na tabela 7. Tabela 7. Principais características hematológicas Variáveis Hematológicas Drenagem sangüinea (ml) Grupo 0 Grupo A Grupo C Notas: 967,2 (425-1625) 447,7 (300-625) 732,0 (300-1075) P = NS Concentrado de Concentrado de hemácias (U/pac) plaquetas (U/pac) 0,8 0,25 0,5 P = NS 0,7 0,0 1,0 P = NS Plasma fresco (U/pac) 0,0 0,0 0,8 P = NS - Grupo 0 = controle (sem droga); Grupo A = recebeu aprotinina; Grupo C = recebeu corticosteróide; - Dados expressos pela mediana; - Dados entre parênteses correspondem ao IIQ; - NS = não significativo. - Não houve transfusão de crioprecipitado na amostra Não houve transfusão de crioprecipitado nos grupos estudados, nem sangramento cirúrgico anatomicamente detectável e digno de nota por parte da equipe cirúrgica, nem foi necessária toracotomia exploradora no período de pós-operatório imediato. Não houve diferença entre os grupos na quantidade administrada de heparina e protamina, nem se observou reação anafilática no grupo que recebeu aprotinina. 85 V.4. A Resposta Inflamatória Exceto pela leucometria, as variáveis estatísticas em estudo (IL-6, TNF-α, PCR, fibrinogênio, haptoglobina e número de neutrófilos) não apresentaram distribuição normal. As figuras 1 e 2 mostram o comportamento dos níveis basais do TNF-α e da IL-6. A mediana dos valores e os respectivos IIQ do TNF-α nos grupos 0, A e C foram 2,9 (2,0–3,65), 4,0 (2,0–6,25) e 4,3 (2,0–5,7) pg/mL, respectivamente. Apesar da equivalência clínica e estatística existente entre os grupos no período de pré-operatório, observamos uma diferença de quase três vezes dos valores medianos e do IIQ de IL-6 no grupo A em relação ao grupo C (18,6 [1,7–32,7] e 6,7 [1,0–8,0] pg/mL, respectivamente) e de quase duas vezes em relação ao grupo 0 (10,8 [5,2–16,2] pg/mL). Tal comportamento não foi observado em relação às medianas do TNF-α, nem às proteínas de fase aguda e aos componentes celulares avaliados nessa população. 86 P = NS Figura 1. Valores de TNF- α em T0 nos três grupos estudados P = NS Figura 2. Valores de IL-6 em T0 nos três grupos estudados 87 V.4.1. A resposta inflamatória pelas citocinas Como algumas amostras apresentavam valores indetectáveis, para fim de análise estatística os maiores valores dos níveis séricos de IL-6 e TNF-α foram comparados nos tempos T1 e T2. Portanto, observa-se que os valores dos níveis séricos de IL-6 foram maiores no grupo 0 do que nos grupos A e C (374,4 [74,2–608,5]; 260,2 [36,9–344] e 249,2 [99,2– 210] pg/mL, respectivamente), porém sem significância (P = 0,2). Em relação aos maiores valores dos níveis séricos do TNF-α, os grupos 0, A e C não diferiram (14,0 [5,5–11,8]; 26,5 [4,8–14,1] e 20,8 [5,0–15,1] pg/mL, respectivamente). Tais dados são apresentados nas figuras 3 e 4. P = NS Figura 3. Valores máximos de IL-6 entre T1 e T2. 88 P = NS Figura 4. Valores máximos de TNF-α entre T1 e T2. Através das alterações nos níveis séricos das citocinas demonstradas acima, observa-se aumento principalmente nas primeiras 3 horas pós-operatórias, em comparação aos valores basais. Houve diminuição em 18 horas, sem retorno ao basal naquele momento. Como essas observações foram ilustrativas, não receberam tratamento estatístico (Figuras 5 e 6). 89 IL-6 (pg/ml) 365,6 400 350 300 252,8 pg/ml 250 224,9 200 150 75,5 100 50 10,8 18,6 45,5 6,7 36,8 0 T0 T1 Grupo 0 Grupo A T2 Grupo C Figura 5. Cinética da IL-6 no pós-operatório representada por seus valores medianos nos três diferentes grupos. TNF-alfa (pg/ml) 30,0 25,9 25,0 20,6 pg/ml 20,0 12,6 15,0 7,3 10,0 5,0 2,9 4,0 10,5 4,7 4,3 0,0 T0 T1 Grupo 0 Grupo A T2 Grupo C Figura 6. Cinética do TNF-α no pós-operatório representada por seus valores medianos nos três diferentes grupos. 90 V.4.2. A resposta inflamatória pelas proteínas de fase aguda As figuras 7, 8 e 9 mostram a diferença entre o maior valor (T1 e T2) dos níveis de fibrinogênio, haptoglobina e PCR e seus respectivos valores em T0 para cada tratamento efetuado. Ressalta-se a maior diferença alcançada pelos níveis séricos do fibrinogênio no grupo 0, em relação aos grupos A e C (76,4 [0,2–131,9]; 35,5 [0,0–132,4] e 48,6 [-15,3–56,8 mg/mL, respectivamente; P = 0,7). Não observamos diferença significativa nos níveis séricos da haptoglobina entre os grupos 0, A e C (-42,8 [-67,3 – -9,9]; -62,3 [-90,0 – -31,9] e -75,6 [-103,0 – -35,0], respectivamente; P = 0,4) e da PCR alcançados entre os grupos (13,0 [7,4– 19,1]; 11,0 [6,6 – 13,4] e 10,6 [6,6 – 10,1], respectivamente; P = 0,2). P = NS Figura 7. Diferença entre as medianas dos maiores valores do fibrinogênio em T1 e T2 em relação a T0. 91 P = NS Figura 8. Diferença entre as medianas dos maiores valores da haptoglobina em T1 e T2 em relação a T0. P = NS Figura 9. Diferença entre as medianas dos maiores valores da PCR em T1 e T2 em relação a T0. 92 Apesar de não ter sido objeto de análise estatística a variação desse aumento em relação aos seus níveis basais, mas a influência que ambas as intervenções terapêuticas poderiam determinar nessa variação, observa-se que o pico dos níveis de PCR ocorreu em 18 horas de maneira equivalente nos três grupos (Figura 10). PCR (mg/dl) 18,0 15,3 16,0 14,0 11,6 mg/dl 12,0 11,2 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,9 0,5 0,9 1,6 0,7 1,0 0,0 T0 T1 Grupo 0 Grupo A T2 Grupo C Figura 10. Cinética da PCR no pós-operatório representada por seus valores medianos nos três diferentes grupos. V.4.3. A resposta inflamatória celular Quando se analisa a diferença entre os maiores valores (T1 e T2) e os valores em T0 da leucometria, constatamos uma significativa diferença no grupo C em relação aos grupos 0 e A (15,0 ± 5,9; 8,4 ± 4,1 e 9,2 ± 3,4, respectivamente; P = 0,02 e P = 0,003). Apesar disso, a análise da diferença dos maiores valores relativos dos neutrófilos não diferiu entre os grupos (P = 0,3) (Figuras 11 e 12). 93 P = 0,003 P = 0,002 Figura 11. Diferença entre as médias dos maiores valores da leucometria em T1 e T2 em relação a T0. P = NS Figura 12. Diferença entre as médias dos maiores valores do número de neutrófilos em T1 e T2 em relação a T0 (valores percentuais em relação à leucometria) CAPÍTULO VI DISCUSSÃO 95 VI - DISCUSSÃO Há mais de meio século, Kirklin e cols.200 relataram uma mortalidade de 40% associada à cirurgia cardíaca com CEC, mortalidade essa atribuída, naquela época, ao que chamavam de “disfunção pulmonar”. Desde então, inúmeras medidas terapêuticas têm sido estudadas, visando a atenuar essa “disfunção” hoje denominada de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS); enormes barreiras, no entanto, persistem no caminho entre a “bancada e a beira do leito”. Atribui-se tal dificuldade à etiologia multifatorial da SIRS e à heterogeneidade das populações estudadas. Nosso estudo procurou selecionar sua amostra da forma mais rigorosa possível quanto às características demográficas e clínicas, através da equivalência das variáveis que poderiam ser controladas e que estivessem implicadas no risco de geração da SIRS mais intensa após a CEC. Para tal, nos restringimos aos marcadores laboratoriais da resposta inflamatória que poderiam ser atenuados por duas estratégias terapêuticas diferentes, a aprotinina e os corticosteróides, aqui representados pela metilprednisolona, de uso amplamente difundido, porém com poucos estudos que comprovassem e comparassem sua atividade antiinflamatória. Diante dos critérios de seleção adotados, concluímos que não seria possível uma análise de desfecho clínico para essa população constituída de 40 indivíduos. Já está estabelecida a complexa relação entre a resposta inflamatória e a cascata da coagulação, através da rápida ativação das plaquetas pela trombina, gerada de forma diretamente proporcional ao tempo de exposição ao circuito da CEC. Também há evidências da associação entre hemotransfusão e efeito negativo sobre o sistema imune, determinando maior risco de infecções, de MODS e lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão per se 96 (TRALI), em diversos cenários de pacientes criticamente enfermos.201,202 Tornou-se mandatória uma análise quantitativa do sangramento cirúrgico, bem como do uso de hemoderivados, uma vez que essas variáveis poderiam interferir no aumento da liberação de citocinas.203 Muitos investigadores já mostraram uma significativa melhora na homeostase durante e após a CEC com o uso da aprotinina, tanto pela inibição da fibrinólise quanto pela preservação da capacidade de adesão do receptor plaquetário da glicoproteína 1b. O presente estudo mostra que a metilprednisolona e a aprotinina, nas doses utilizadas clinicamente, não apresentaram efeito significativo na atenuação da liberação de muitos marcadores inflamatórios de fase aguda após a CEC. Apesar de observarmos uma importante redução no sangramento cirúrgico, avaliado clinicamente pela drenagem sangüínea total, a aprotinina não foi capaz de influenciar de forma significativa o uso de hemoderivados, a despeito do maior número de hemotransfusões no grupo controle. Tal resultado foi semelhante ao encontrado no estudo de Schmartz e cols.204, que não observaram impacto significativo sobre a liberação de diversos marcadores inflamatórios em dois esquemas com doses diferentes de aprotinina, em comparação com o grupo controle, ainda que este último tenha apresentado maior taxa de hemotransfusão. O papel da atividade da plasmina na geração de citocinas pró-inflamatórias tem sido, recentemente, avaliado. A plasmina pode ser ativada de modo direto pela clivagem do componente C3 do complemento, resultando na produção de anafilotoxinas C3a e C5a, que são sabidamente indutoras da ativação leucocitária e liberação de proteínas pró-inflamatórias. Greilich e cols.205, comparando o ácido ε-aminocapróico, um análogo da arginina com atividade antiinflamatória, e a aprotinina, observaram um efeito qualitativo semelhante sobre a redução dos níveis de IL-6, porém sem diferença significativa entre os dois tratamentos. Na 97 opinião daqueles autores, a aprotinina apesar de ser capaz de inibir uma variedade de proteases séricas além da plasmina, não mostrou qualquer vantagem sobre a redução de IL-6 e IL-8 durante e após a CEC; apresentou, porém, significativo impacto sobre a redução dos níveis de D-dímero, importante marcador da fibrinólise. Tal fato indica que o efeito da aprotinina sobre essas duas citocinas pode ser devido à excessiva inibição da atividade da plasmina ou à inibição da formação do D-dímero, ou a ambas. Poderíamos, portanto, inferir que um possível efeito antiinflamatório da aprotinina estaria relacionado ao menor sangramento e à menor taxa de uso de hemoderivados, o que não foi observado em nossa casuística. Analisando a resposta inflamatória pelas alterações nos níveis séricos das citocinas, nosso estudo confirmou os resultados já amplamente difundidos pela literatura de que a cirurgia cardíaca com CEC deflagra uma reação inflamatória sistêmica, aqui representada pelos níveis elevados de IL-6 e TNF-α no pós-operatório, quando comparados com os níveis basais, em especial em relação à dosagem dessas citocinas nas primeiras três horas. Esse dado está em consonância com os de outros estudos, que mostram o incremento precoce nos níveis de IL-6 e TNF-α, imediatamente após a retirada do pinçamento aórtico, com pico em torno de três a quatro horas para a IL-6 e mais cedo (duas horas) para o TNF-α.206 Esse aumento é diretamente proporcional ao tempo de pinçamento aórtico e, portanto, associado à injúria pela reperfusão celular, em especial miocárdica.207 Observamos também que a média do nível sérico de IL-6 caiu nas 18 horas seguintes, mantendo-se, porém, ainda elevado em relação ao valor basal. Tais dados são compatíveis com os descritos na literatura, onde a normalização é relatada em cirurgias não complicadas em até 72 horas. Em relação aos níveis de TNF-α nas 18 horas, houve o retorno aos seus níveis pré-operatórios, denotando sua meia-vida curta, em 98 torno de 20 minutos, pico precoce e normalização em quatro horas após a retirada do pinçamento aórtico.206 Nosso estudo também indicou, através da análise do efeito antiinflamatório pelas citocinas, que a aprotinina nas doses utilizadas clinicamente não apresentou efeito significativo na redução dos seus valores máximos no período de pós-operatório. Entretanto, Else Tөnnesen e cols.206 relataram que, até 1996, raros e controversos ensaios clínicos, bem desenhados, haviam documentado qualquer benefício no tratamento que objetivasse o bloqueio ou inibição da cascata das citocinas. Hill e cols.208 mostraram que o uso de menor dose de aprotinina reduziu a liberação de TNF-α durante a CEC, em seres humanos, da mesma forma que a metilprednisolona; no entanto, esse estudo randomizou apenas oito pacientes em cada grupo. O estudo de Schmartz e cols.204 mostrou que, apesar do significativo aumento dos níveis de TNF-α durante e após a CEC nos três grupos estudados (um grupo com uso de meia-dose, outro grupo com uso de dose plena e outro controle), não se observou efeito da aprotinina na atenuação desse processo. Um outro estudo prospectivo e randomizado209 com 200 pacientes submetidos à CEC avaliou o efeito antiinflamatório de dose plena de aprotinina e do uso dos circuitos recobertos com heparina. Cinqüenta pacientes foram randomizados para um dos quatro grupos seguintes: circuito recoberto com heparina com o uso da aprotinina e sem o uso da mesma, e circuito não recoberto com heparina com o uso da aprotinina e sem o uso da mesma. Esses autores concluíram que não houve efeito da aprotinina nos níveis séricos de TNF-α, IL-6 e IL-8. Todavia, ressaltam que os estudos concernentes aos níveis de TNF-α são inconsistentes, uns concordantes com seus achados, outros não, evidenciando a falta de efeito ou apenas um modesto aumento nos seus níveis. Além disso, permanece em aberto o fato de que, sendo o aumento nos níveis de IL-6 e IL-8 precedidos da liberação de TNF-α, por que, 99 em estudos onde não ocorrem alterações nos níveis de TNF-α, aumentos nos níveis de IL-6 e IL-8 são notados? Essa observação é ratificada por outros autores, apesar de não ter ocorrido em nossa casuística. Lin e cols.210 afirmam que apesar do TNF-α ser o maior indutor da expressão da IL-6, sua detecção clínica rotineira é infreqüente. Else Tөnnesen e cols.206 relataram que, em contraste com o que ocorre com a IL-6, até o ano de 1996 não havia evidência de que o TNF-α fosse liberado em grandes quantidades em resposta à CEC. Segundo aqueles autores, isso poderia resultar do fato de a coleta ser feita em sangue periférico ou da interferência de vários fatores, como a sensibilidade do método de diagnóstico utilizado, de polímeros de formas degradadas de algumas citocinas ou fatores ligantes das mesmas, como receptores solúveis e auto-anticorpos. Apesar de a aprotinina ter sido capaz de reduzir os níveis séricos de citocinas, como a IL-6 e a IL-8, durante a CEC, esses achados são provenientes de estudos com menor liberação de TNF-α, sabidamente, como já citado, um dos fatores de maior estímulo para expressão de outras citocinas.208,210 Ashraf e cols.211 não observaram redução nos níveis de TNF-α e de IL-6, porém utilizaram meia dose de aprotinina. Esses achados são compatíveis com os resultados de Seghaye e cols.212 em uma coorte pediátrica, na qual a terapia com meia dose de aprotinina não foi efetiva na redução da liberação de citocinas. Esses trabalhos, como os de Wei e cols.213, Englberger e cols.214 e Koster e cols.215, que também utilizaram meia dose de aprotinina e não obtiveram impacto na redução dos níveis de IL-6, levantam a hipótese de que níveis séricos mais elevados de aprotinina, cerca de 250 UIK/mL, são necessários para inibir todas as proteases séricas envolvidas na ativação da resposta inflamatória sistêmica. No entanto, a dose utilizada em nosso trabalho, alcançaria, em condições normais, esse nível terapêutico. 100 Através da análise das citocinas, nossos resultados mostraram, diferentemente daqueles da maioria dos ensaios clínicos, que a metilprednisolona, na dose utilizada na prática cirúrgica, não teve efeito significativo na redução do nível sérico máximo da IL-6 e do TNF-α no período de pós-operatório. A vasta maioria das investigações realizadas tem observado a capacidade da metilprednisolona de beneficiar o balanço desses mediadores inflamatórios em pacientes expostos à CEC, atenuando a elevação dos mediadores pró-inflamatórios e/ou aumentando os mediadores antiinflamatórios. No entanto, poucos estudos em consonância com os resultados do nosso não evidenciam tais efeitos.152 Numerosos estudos observacionais têm mostrado uma atenuação do aumento de IL-6 e TNF-α. A utilização de doses variadas de metilprednisolona, entretanto, poderia interferir com o nível da resposta inflamatória observada. Kawamura e cols.216 concluíram que a metilprednisolona reduziu a produção de IL-6 com um possível benefício clínico; todavia, a dose empregada por aquele grupo foi o dobro da administrada em nosso trabalho. O mesmo pode-se observar com os resultados de Celik e cols.217, que usaram 30 mg/kg de metilprednisolona antes e após a CEC, e com os de Varan e cols.218, que empregaram doses menores de metilprednisolona (2 mg/kg) em comparação com 30 mg/kg em uma população pediátrica. Em ambos os estudos, não foi observada diferença em relação aos níveis de IL-6 alcançados. Em 1999, Tassani e cols.163 revelaram que, quando comparados com um grupo placebo, os pacientes que receberam metilprednisolona (1g antes da CEC) obtiveram significativa redução nos níveis de IL-6 e IL-8 e elevação nos níveis de IL-10. Todavia, esse trabalho apresentou um importante viés na padronização, porque todos os pacientes utilizaram a aprotinina, com um possível efeito na atenuação da SIRS. 101 Morariu e cols.219 concluíram que o uso de dexametasona foi capaz de modular a SIRS através da inibição de IL-6 e IL-8, e maior geração de IL-10. Porém, os autores ressaltam que uma das limitações do estudo foi o viés de seleção dos pacientes, que eram mais velhos no grupo tratado, sendo um possível fator de confundimento. Esse fato é ratificado por Velthuis e cols.220, que encontraram maiores níveis de endotoxinas circulantes e maior concentração de TNF-α em pacientes com mais de 65 anos, quando comparados com pacientes mais jovens (menos de 55 anos). Por que tantas evidências científicas do impacto positivo da metilprednisolona sobre a balança antiinflamatória, aqui representadas pelas citocinas e documentadas por diversos autores, entre eles Diego e cols.221, Teoh e cols.222 e Bourbon e cols.223, não se traduziram em benefício clínico, mostrando, em muitos casos, inúmeros efeitos adversos? Nesse contexto, torna-se de suma importância ressaltar o elegante trabalho de Yeager e cols.224, comprovando que concentrações fisiológicas de cortisol já determinariam máxima supressão da IL-6 durante e imediatamente após a cirurgia cardíaca e que, apesar da maior concentração de cortisol implicar numa maior liberação de IL-10 durante a cirurgia cardíaca, os autores não observaram diferença no desfecho clínico, como em muitos outros estudos. Aqueles autores concluem, portanto, que as implicações terapêuticas da supressão transitória da inflamação aguda durante e imediatamente após a cirurgia cardíaca permanecem desconhecidas. Sem dúvida, a influência da extrema variabilidade interindividual no grau de extensão da SIRS induzida pela CEC determina a dificuldade de se transportar os resultados do laboratório para a prática clínica. Baseados nesses questionamentos, trabalhos como o de Drabe e cols.225 determinaram que a variante genética E4 da apolipoproteína E, reconhecidamente um fator de risco para aterosclerose e com efeito in vitro sobre as funções 102 dos monócitos, estava associada à maior liberação de IL-8 e TNF-α após a cirurgia cardíaca. Tomasdottir e cols.226 concluíram que pacientes homozigotos para o alelo TNFB2, um tipo de polimorfismo dentro do locus do TNF, apresentaram maior concentração de TNF-α e de IL-6 quando comparados aos pacientes homozigotos ou heterozigotos para o TNFB1. Ao avaliar a resposta inflamatória pelas proteínas de fase aguda, nosso trabalho mostrou que a cirurgia cardíaca com CEC desencadeou a liberação periférica de alguns desses marcadores. Apesar de não ter sido objeto de análise estatística a variação desse aumento em relação aos seus níveis basais, mas a influência que ambas as intervenções terapêuticas poderiam determinar nessa variação, observamos que o pico dos níveis de fibrinogênio ocorreu em 18 horas, de maneira equivalente nos três grupos, assim como os níveis de PCR. Em estudo prévio, Pepys e cols.227 relataram que os níveis de PCR começam a se elevar seis horas após um estímulo agudo, com seu pico máximo entre 24 e 48 horas, e que sua meia-vida sérica é de 19 horas. A biossíntese de proteínas de fase aguda (PCR, amilóide sérico A, α-1-antitripsina, fibrinogênio e haptoglobina) pelos hepatócitos é regulada por vários fatores. A IL-6 se destaca por ser a principal citocina que inicia a resposta de fase aguda no fígado. Após um estímulo inflamatório, níveis séricos máximos de IL-6 são detectados entre 6 e 12 horas antes do pico das proteínas de fase aguda. O retardo no aumento sérico dos níveis dessas proteínas após o início do processo inflamatório reflete o tempo necessário para a síntese e secreção de citocinas, sua interação com os receptores dos hepatócitos, a produção protéica e a eliminação e o acúmulo na corrente sangüínea. Portanto, há uma relação temporal entre a liberação de IL-6, sua ação hepática e a subseqüente produção dessas proteínas. 103 Nossos achados foram compatíveis com a cinética relatada, tendo em vista que o pico do nível sérico da IL-6 ocorreu em três horas, ou seja, 15 horas antes do observado para a PCR e para o fibrinogênio. Apesar de constituir-se em uma proteína de fase aguda, observamos uma diminuição nos níveis séricos pós-operatórios da haptoglobina em relação aos seus níveis basais, com manutenção da estabilidade entre os dois períodos analisados. Tal achado nos fez concluir que o estímulo inflamatório que foi capaz de aumentar os níveis séricos da PCR e do fibrinogênio não foi suficientemente importante para se sobrepor à hemólise intravascular observada nos pacientes submetidos à CEC, que sabidamente nesse contexto é a maior causa para redução dos níveis séricos de haptoglobina. No entanto, nosso estudo não foi capaz de encontrar diferença entre os dois tratamentos empregados na redução do fibrinogênio, da PCR e da haptoglobina. Milazzo e cols.228 foram um dos primeiros autores a relacionarem os níveis de PCR > 0,3 mg/dL com risco de isquemia miocárdica em pacientes no período de pós-operatório imediato de cirurgia de revascularização miocárdica. Cappabianca e cols.229 relataram que pacientes com níveis de PCR > 0,5 mg/dL estavam expostos a maior risco de mortalidade e infecções intra-hospitalares, a despeito da correção da cardiopatia de base, com impacto na morbi-mortalidade também em médio prazo. No entanto, poucos estudos avaliaram o comportamento dessa proteína de fase aguda diante das diversas intervenções que visassem à redução da SIRS. Como em nosso trabalho, Varan e cols.218 não observaram diferença nos níveis de PCR após duas e 24 horas da interrupção do pinçamento aórtico em pacientes que receberam doses diferenciadas (30 mg/kg e 2 mg/kg) de metilprednisolona 30 minutos antes da CEC. Gessler e cols.230, porém, analisando uma população pediátrica, mais uma vez não obtiveram resultado positivo com o 104 uso da metilprednisolona (30 mg/kg) na redução dos níveis séricos da PCR em relação ao grupo controle. Diferentemente, Morariu e cols.219 apresentaram resultados positivos na redução da PCR seis e 24 horas após a cirurgia, através de doses relativamente baixas de metilprednisolona. Goudeau e cols.231 observaram significativa redução nos níveis de PCR, entre outros marcadores inflamatórios, como a IL-6, com o uso de altas doses de aprotinina, quando comparado ao uso de placebo. Todavia, aqueles autores avaliaram uma população de alto risco cirúrgico, em oposição aos pacientes selecionados para o nosso trabalho. Também utilizaram várias estratégias potencialmente antiinflamatórias, como circuitos recobertos com heparina e hemofiltração concomitante ao uso da aprotinina. Não encontramos referências na literatura sobre a correlação das medidas com potencial efeito antiinflamatório, visando a atenuar a SIRS, empregadas no nosso estudo com os valores dos níveis séricos de fibrinogênio e de haptoglobina. A resposta leucocitária esperada após qualquer situação de estresse orgânico foi evidenciada no nosso trabalho através do aumento do número absoluto de leucócitos e do porcentual de neutrófilos circulantes nos três grupos estudados nas primeiras três horas. Esse aumento manteve-se estável após 18 horas nos grupos controle e da aprotinina; porém, alcançou um novo pico, nesse momento, no grupo que recebeu a metilprednisolona. Como marcador de resposta inflamatória de fase aguda, a leucocitose é muito sensível, porém de baixa especificidade, podendo estar relacionada a processos inflamatórios recentes ou crônicos, aos insultos infecciosos, uso de determinadas drogas, entre outros. Bishop e cols.232, desde 1968, nos ensinaram que os corticosteróides afetam os leucócitos circulantes. A administração de glicocorticóides aumenta o número de leucócitos polimorfonucleares circulantes como resultado da maior taxa de penetração no sangue, vindos da medula, e menor taxa de remoção da circulação. 105 No entanto, poucos e, novamente, controversos estudos utilizaram esse marcador para observar o efeito de intervenções com potencial antiinflamatório. Há 11 anos, Ashraf e cols.211 analisaram o efeito antiinflamatório da aprotinina comparada com um grupo controle através da contagem total de neutrófilos. Aqueles autores observaram que, apesar da diminuição do número total de neutrófilos após a hemodiluição induzida pela CEC, alcançava-se um pico duas horas após uso da protamina, retornando-se aos valores basais após 24 horas, porém sem diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos avaliados. Deve-se ressaltar que a dose utilizada de aprotinina naquele trabalho foi a metade (meia dose) da dose utilizada por nós, a despeito do resultado obtido ter sido semelhante. É curioso que, mais recentemente, Wei e cols.213, em um ensaio clínico com metodologia muito semelhante à do anterior, inclusive utilizando a mesma dose de aprotinina, observaram um resultado oposto, ou seja, uma redução na leucometria global com aquela intervenção. Diferentemente de nossos resultados, em 1999, Yilmaz e cols.233 não obtiveram diferença na redução da leucometria global pela metilprednisolona em relação ao placebo entre 24 e 48 horas após o término da CEC. Todavia, a dose utilizada de metilprednisolona nesse trabalho foi de 1 mg/kg, ou seja, uma dose 30 vezes menor que a utilizada por nós. Quando Varan e cols.218 compararam o uso da metilprednisolona em dois esquemas de doses diferentes (2 mg/kg e 30 mg/kg), não obtiveram diferença na redução da leucocitose observada. Entretanto, como analisado por Gessler e cols.230 para os níveis de PCR, a prednisolona na dose de 30 mg/kg não apresentou impacto significativo sobre o número de leucócitos periféricos. Esses resultados só trouxeram mais questionamentos sobre a questão da relação dose-efeito daquela droga. Cabe aqui ressaltar que, nesses dois últimos estudos, avaliou-se, basicamente, uma população pediátrica. 106 Portanto, a significativa leucocitose, sem a elevação do número de neutrófilos observada em nosso estudo no grupo que utilizou a metilprednisolona, poderia representar tão e simplesmente um efeito dependente da classe e da dosagem por nós avaliada. Deve-se ressaltar que, a despeito de não termos observado diferença significativa em relação ao número de pacientes portadores de diabetes mellitus entre os grupos, essa patologia estava presente em metade dos pacientes do grupo da aprotinina. Tendo em vista que a CEC parece ter impacto no maior estresse oxidativo observado nos pacientes diabéticos, assim como são observadas diferenças qualitativas em sua resposta inflamatória77,78, esse pode ter representado um viés de seleção para o resultado negativo da intervenção nesse grupo. As limitações do nosso estudo são semelhantes àquelas associadas a qualquer ensaio clínico que vise a avaliar o efeito de drogas sob um cenário de complexas condições fisiopatológicas. Apesar de, em sua maioria, haver um rigor na seleção dos pacientes, haverá sempre a possibilidade de existir outras variáveis que podem interferir na resposta inflamatória. Além disso, essa resposta envolve uma miríade de componentes humorais e celulares outros que a IL-6, o TNF-α, as proteínas de fase aguda e os leucócitos globais medidos na periferia, que podem ser importantes para o prognóstico dos pacientes. Uma tendência na redução dos níveis de IL-6 nos grupos que utilizaram a aprotinina e a metilprednisolona, porém sem significância estatística em relação ao placebo, pode significar um erro tipo 2. Cabe ressaltar que nosso trabalho não teve poder para identificar prognóstico clínico relacionado aos marcadores inflamatórios avaliados. CAPÍTULO VII CONCLUSÃO 108 VII - CONCLUSÃO Este estudo não foi capaz de mostrar através de duas intervenções de amplo uso clínico, administração de aprotinina e metilprednisolona, redução nos vários marcadores da resposta de fase aguda da inflamação em uma população de pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica com CEC. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. EDMUNDS, L.H.JR. Extracorporeal Perfusion. In: EDMUNDS, L.H.JR. Cardiac Surgery in the Adult, 1° ed., 1997, Cap 9, p. 255. 2. GALLETTI, P.M. Cardiopulmonary bypass: A historical perspective. Artif Org, v. 17, p. 675, 1993. 3. MCLEAN, J. The thromboplastic action of cephalin. Am J Physiol, v. 41, p.250, 1916. 4. CHAGRAFF, E.; OLSON, K.B. Studies on the chemistry of blood coagulation: VI. Studies on the action of heparin and other anticoagulants. The influence of protamine on the anticoagulant effect in vivo. J Biol Chem, v. 122, p. 153, 1937. 5. GIBBON, J.H. 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ANEXOS 133 Anexo 1 Aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Barra D´Or 134 Anexo 2 Termo de consentimento livre e esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Nome: __________________________________________________________________ Idade: ___________________; Sexo: M ( ) F ( ); Telefone: _____________________ Endereço: ________________________________________________________________ Identidade: ________________________; Data de Nascimento: _____________________ Protocolo de Pesquisa: Avaliação do efeito antiinflamatório da Aprotinina. Pesquisador Responsável: Walter Homena Júnior Objetivo da Pesquisa: Avaliar se a aprotinina reduz a “Síndrome da Resposta Inflamatória” nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. Com este trabalho, estamos pesquisando o efeito de uma droga que, de acordo com a literatura pode ter uma ação inibitória da inflamação provocada pela cirurgia cardíaca. Esse processo pode acarretar várias manifestações tais como: febre, hipotensão arterial, maior tempo de permanência em Unidade de Terapia Intensiva, etc. Casos raros de alergia, diminuição da função renal transitória e aumento da coagulação são descritos pela literatura. Com a utilização dessa droga, espera-se que ocorra diminuição da inflamação acima citada. A utilização da mesma não acarretará custos adicionais. O paciente poderá receber ou não essa medicação, dependendo de uma escolha aleatória (sorteio) realizada imediatamente antes da cirurgia pelo anestesista. A identidade do paciente será sempre protegida e mantida em absoluto sigilo em quaisquer futuras publicações, onde os resultados do exame estarão sempre disponíveis para o médico assistente e o próprio paciente. O paciente tem o direito de retirar-se do estudo em qualquer momento sem que isso traga prejuízo à continuidade de sua assistência e, também, tem o direito de fazer perguntas adicionais para seu melhor esclarecimento. Declaro que, após ter sido convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendimento sobre o que me foi explicado, consinto em participar do presente protocolo de pesquisa. Data: ___ / ___ / ___ Assinatura do paciente ou responsável: _________________________________________ Assinatura do pesquisador: ___________________________________________________ Testemunha: ______________________________________________________________ 135 Anexo 3 Planilha dos resultados reg 184185 1778445 1822990 1844513 1898063 1907679 1937173 1980856 2008701 2059589 2082224 2166914 2168996 2192490 2210020 2235117 2247895 2251326 2282757 4408682 4450478 4525259 4614822 4655036 4681167 4727294 4918130 4972443 5087330 5104792 5108847 5245139 5291483 5432959 5700374 5728291 6421819 6862479 6895753 6907099 aprot 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 1 1 0 0 1 1 cort 1 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 1 0 1 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 0 1 1 0 0 0 1 0 0 tratam C C 0 0 C 0 0 A C A C C 0 C 0 0 C 0 A 0 C C A A 0 C A C C A 0 A C C A A 0 C A A idade 60 59 74 49 66 71 63 61 62 59 67 65 58 68 46 79 68 74 65 46 65 64 64 48 71 47 50 65 65 66 69 60 73 73 75 74 78 57 58 69 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