Jornal Unifolha 78 - Universidade Anhanguera

Transcrição

Jornal Unifolha 78 - Universidade Anhanguera
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projeto
especial
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO - 2008 | EDIÇÃO 78 | ANO XI | ESPECIAL
“É muito bom conversar”
WAGNER JEAN
BRUNO COELHO
THAYANA FREITAS
4º SEMESTRE
O que pensamos quando ouvimos a palavra asilo? Imaginamos logo um local de retiro
e solidão. Refletimos a respeito de uma velhice solitária, até
mesmo sofrida e melancólica.
Mas, não é bem assim. Asilos
são lugares cheios de histórias,
algumas alegres outras nem
tanto. Porém, é um espaço
de experiências onde se pode
aprender e ensinar, e é recomendável escutar mais do
que falar.
Trata-se de um ambiente que
impressiona, pois há pessoas
guerreiras que batalham a vida toda, tornando–se, às vezes,
ásperas e fechadas. Entretanto,
há muitos que demonstram ser
mais abertos, com o prazer de
compartilhar algumas de suas
histórias, trajetórias e, principalmente, lições de vida e de
valores. São esses maravilhosos
personagens que, hoje, se encontram abrigados no Asilo São
João Bosco.
VANESSA MENDONÇA
WAGNER JEAN
WAGNER JEAN
VANESSA MENDONÇA
02
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
ESPECIAL
Centro de Convivência recebe atendimento
Ascom
Atividades de educação em saúde,
assistência e prevenção são oferecidas aos participantes do Centro de
Múltiplas Referências e Convivência do Idoso “Vovó Ziza”, localizado em Campo Grande. Por meio do
projeto Juntos Promovendo a Longevidade, acadêmicos de dez cursos da Anhanguera/Uniderp desenvolvem, semanalmente, até o final
do ano ações que contribuam para
a qualidade de vida dos idosos que
freqüentam o local.
Estudantes de Nutrição, Psicologia, Enfermagem, Ondontologia,
Educação Física, Farmácia, Direito,
Serviço Social, Fisioterapia e Ciência da Computação irão desenvolver
trabalhos que envolvam temas como: direito do idoso, diabetes, hipertensão, transtornos mentais, doenças cardiovasculares, qualidade
de vida e longevidade, entre outros.
“Sentimos a necessidade de inserir na formação dos alunos atividades que contemplem o atendimento
das necessidades humanas básicas,
de integração e valorização do idoso junto à família e à comunidade”,
explicou o coordenador-geral do
projeto, professor Alan Marks.
Segundo o pró-reitor de Extensão
da Anhanguera/Uniderp, professor
Ivo Busato, este é mais um dos inúmeros projetos desenvolvidos pela
Universidade. “É uma ótima oportunidade para os nossos acadêmicos
colocarem em prática os ensinamentos teóricos obtidos, e com certeza,
a população que utiliza o Centro de
Convivência do Idoso “Vovó Ziza”
vai ficar muito feliz pela maneira
carinhosa e competente que vai ser
atendida”, destacou.
Ações
Os acadêmicos de Nutrição realizam avaliação nutricional para
orientação sobre uma alimentação
saudável. O curso de Enfermagem
monitora a saúde dos participantes
por meio da verificação da pressão
arterial durante as atividades físicas
realizadas no centro. Já a Fisioterapia presta atendimento através de
implantação de técnicas relacionadas ao alívio de dores ocasionadas
pela idade; mobilizações articulares; relaxamento muscular, entre
outros.
O curso de Farmácia realiza ações
educativas e preventivas por meio
de palestras; a Psicologia busca
estratégias de intervenção a partir
do diagnóstico situacional de cada
um, tendo como norte a Caderneta
de Saúde da Pessoa Idosa do Ministério da Saúde e avaliação psicológica. A Odontologia atua, entre
outras coisas, com encaminhamentos para atendimentos clínicos no
Complexo Policlínico Odontológico
da Anhanguera/Uniderp; enquanto isso os estudantes de Educação
Física proporcionam aos idosos fácil acesso à prática de atividades
físicas. Já o curso de Direito presta assistência jurídica e social aos
idosos; e o curso de Ciência da
Computação acesso à informação
e atividades na área de tecnologia
da informação, proporcionando a
inclusão digital.
porque ela não tinha condições de cuidar
de mim”. O tempo todo em que conversávamos, segurava uma fotografia na mão,
mostrando como era linda sua netinha.
A menina da foto parecia ter uns quatro
anos. E já faz “uns cinco” que a viu pela
útima vez.
Sebastiana da Silva, 66 anos, é devota
de Santa Luzia e diz que reza toda noite,
quando vai dormir. Somos interrompidas
com a oração da Ave Maria, a qual rezou
empolgada, transmitindo-nos muita fé e
religiosidade. Em seguida, fala que ainda sabe o alfabeto inteiro. E ela, com
muita empolgação, soletra todas as le-
tras, inclusive a K.
No seu humilde quarto, que divide com
mais cinco amigas, ela leva uma vida simples, mas organizada. Sua cama se encontra arrumadinha e seu guarda-roupa trancado, depois de ter sumido um sabonete
vermelho que ganhou de uma amiga, nos
conta ela. No seu criado-mudo, além da
foto da neta, há algumas imagens de santos e uma estátua de São Sebastião. E, ao
lado, pregado no seu guarda-roupa, um
porta-retrato com três fotos dela própria.
Uma, inclusive, andando de motocicleta
com o seu amigo Donizete, que a visita
todos os domingos. “Ele toca violão pra
mim”, diz, com os olhos brilhando. E até
bem envergonhada, comentou sobre um
possível “namorico” com o Donizete.
Diante de tantas lições de vida que cada
uma dessas pessoas nos ensinaram com
uma simples conversa, percebemos, que
devemos, sim, dar importância às pequenas coisas da vida.
E é com um novo olhar que terminamos a visita a nossa querida e nova amiga, a dona Sebastiana, dizendo, não um
adeus, e sim um até mais; pois, a promessa de novas visitas tivemos de assumir, e, com isso, fica a oportunidade de
novos aprendizados.
WAGNER GUIMARÃES
Estudantes de vários cursos da Anhanguera/Uniderp desenvolvem trabalho no Centro Vovó Ziza
Uma história e uma grande lição de vida
CHARLINE PRESTES
KARLA LYARA
4º SEMESTRE
Os traços físicos transmitem felicidade.
De longe, se ouve uma voz dizendo: “Oiiii,
Gatas...vieram me visitar?”. É dona Sebastiana, com um semblante de pura alegria.
Toda arrumada, de batom nos lábios, pulseiras, colares e um vestido colorido que
ganhara de uma amiga no dia anterior, ela
nos recebe com grande simpatia. Viúva,
seu marido morreu afogado há alguns
anos. Sem lembrar certamente de quantos
anos vive ali, diz: “Só sei que faz muito
tempo que minha filha me trouxe pra cá,
Expediente
Unifolha – Jornal-Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do
Pantanal (Uniderp/Anhanguera)
Ano XI - Nº 78 - setembro de 2008 - Tiragem 5 mil exemplares.
Obs.: As matérias publicadas neste veículo de comunicação foram produzidas pelos acadêmicos do 4º semestre do curso
de Jornalismo da Uniderp (N 40)
Reitora: Professora Ana Maria Costa de Sousa
Vice-Reitora: Professora Leocádia Aglaé Petry Leme
Pró-Reitor Administrativo: Marcos Lima Verde Guimarães Jr.
Pró-Reitora de Graduação: Professora Heloísa Gianotti Pereira
Pró-Reitor de Extensão: Professor Ivo Arcângelo V. Busato
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Professor Raimundo Martins Filho
Chanceller: Professor Pedro Chaves dos Santos Filho
Diretor de Controle Acadêmico: Professor José Luis Leon Ramirez
Coordenador do curso de Jornalismo: Professor Marcos Rezende Morandi DRT/MS 067
Jornalista responsável: Professor Alexandre Maciel (DRT/MS 172).
Revisão: Professor Mário Márcio Cabrera (DRT/MS 109)
Edição de fotos: Professora Elis Regina Nogueira (DRT/MS 090)
Fotos capa: Vanessa Mendonça, Wagner Jean
Projeto Interdisciplinar "Vivências" - 4º semestre de Jornalismo - Professores envolvidos: Alexandre Maciel, Carlos
Kuntzel, Elis Regina Nogueira e Mário Márcio Cabreira.
Projeto Gráfico, Diagramação: Acadêmicos N40 e professor Carlos Kuntzel DRT/MS 041
Estagiário de Diagramação: Acadêmico Wagner Jean
Impressão: Gráfica "A Crítica"
Unifolha - Rua Ceará, 333, bairro Miguel Couto, Campo Grande-MS. Cep: 79.003-010 – Tel:(0**67) 3348-8096.
www.unifolha.com.br E-mail: [email protected]
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
03
Espaço acolhedor, convivência harmorniosa
ISABELA FERREIRA
THARYANA DURIGON
3°. SEMESTRE
A idéia de criação de um
lar para atender idosos nasceu em 31 de maio de 1923,
quando um grupo de homens, liderados pelo padre
Arcângelo Lanzillotti, fundou a Conferência Vicentina
Nossa Senhora das Vitórias.
A partir daí, o Asilo da
Velhice Desamparada e Carente São João Bosco mudou
várias vezes de endereço.
Até que, em 1968, o prefeito da época, Plínio Barbosa
Martins, doou uma área de
três hectares, localizada no
bairro Tiradentes, onde o
asilo está instalado até hoje.
O local conta com duas
alas, uma para as mulheres
e outra para os homens. Cada uma possui, em média,
15 quartos, dois banheiros
coletivos, refeitório, sala de televisão e rouparia.
Porém, o setor masculino
ISABELA FERREIRA
Voluntários dedicam boa parte do seu tempo para dar atenção aos idosos
também disponibiliza um
salão de cabeleireiro, uma
farmácia e uma sala para
tratamentos odontológicos.
No pátio, estão situadas:
uma capela, uma pista de
cooper, churrasqueira e um
pequeno salão, onde são realizadas algumas atividades.
Há, ainda, entre outros espaços, horta, pomar e galinheiro.
Além disso, o Asilo São João
Bosco proporciona aos idosos tratamento fisioterapêutico, disponibilizando um bem
equipado Centro de Fisioterapia. Segundo a professora e
fisioterapeuta, Maristela Lima,
o atendimento é feito por acadêmicos de Fisioterapia.
A casa abriga 135 idosos,
sendo 65 mulheres e 70 homens. De acordo com o diretor-geral do asilo, Telso
Mendes, são poucos os idosos visitados. Para se ter uma
idéia, “dos 70 homens, apenas cinco recebem visitas de
familiares”, afirma o diretor.
Ele diz também que existe
uma lista de espera com 32
pessoas que aguardam uma
vaga.
“60% dos idosos são dependentes; por isso, o asilo
requer um grande número de
funcionários”, complementa
Telso. Para tanto, o local conta
com 97 funcionários.
A casa de apoio sobrevive
por meio de doações, sendo
80% da sociedade, 5% da aposentadoria de alguns idosos
e 15% de repasses do governo. O custo por idoso chega a
mais de mil reais por mês.
Para melhorar a infra-estrutura, está prevista a construção de um Centro Médico
e Administrativo, um galpão
de lazer, a reestruturação da
guarita e a uniformização dos
funcionários. “Nós queremos
fazer desse asilo o melhor do
Brasil, com a ajuda de todo
mundo”, finaliza, esperançoso, o senhor Telso.
Além de receber doações,
o asilo está, todos os dias,
de portas abertas. Vá conhecer suas instalações e leve o
seu carinho e a sua atenção a
quem já fez tanto pela sociedade.
Pechincha é fonte segura de renda para o asilo
GABRIEL NERIS
Dona Helena Correia administra a pechincha do asilo há mais de cinco anos
GABRIEL NERIS
VICENZZO MANDETTA
3°. SEMESTRE
As dificuldades que o Asilo São João Bosco passa atualmente poderiam ser bem
maiores, se não contasse com
uma lojinha localizada na rua
26 de Agosto, no centro de
Campo Grande. A pechincha,
que leva o nome do asilo,
conta com quatro funcionárias, que se dividem em du-
as atendentes, uma copeira e
uma gerente. Esse mesmo grupo está junto há mais de oito
anos. Helena Correa Leite, 76
anos, é quem administra o recinto, há mais de cinco anos.
Mas, a sua história na Pechincha do Asilo São João
Bosco começou há 21 anos,
quando seu marido faleceu, e
Helena se viu na necessidade
de trabalhar para sobreviver.
Hoje, o trabalho de dona Helena é voluntário, segundo ela,
para não ficar sozinha. O público é atendido pela pechincha é dos mais variados estilos
e das mais diversas classes sociais.
Toda a renda obtida pela loja
vai diretamente para o asilo, e
seu faturamento, hoje em dia,
fica entre dois e três mil reais
por mês. “Inverno e festa ju-
nina são as épocas que mais
temos trabalhos por aqui. O
movimento durante esses períodos é muito grande. Fica
até meio ‘puxado’ para a gente. Antes, nem tanto, porque
contávamos com vários voluntários. Mas hoje, parece que
ninguém mais quer ajudar”,
revela a gerente da pechincha.
Todas as doações passam
primeiro pelo asilo. Lá, há
uma filtragem, a partir da qual
se vê quais roupas serão comercializadas e quais ficarão
para o uso dos idosos. Roupas
sem condições de comercialização também são doadas para
sem-tetos e mendigos. As despesas da diretoria do asilo não
são muitas, somente com limpeza e com o salário da copeira e das duas atendentes. “O
almoço é por conta da gente.
A diretoria manda alguma ajuda, mas fazemos uma vaquinha entre nós e compramos
alguma coisinha no mercado.
Fazemos aqui na cozinha”, explica a ex-costureira.
Dona Helena também reclama da falta de atenção não
só com o asilo, mas com a pechincha. “Nunca deram atenção para nós. Também, nunca
fizeram um trabalho para divulgar a nossa pechincha”. Entretanto, ressalta a importância daqueles que freqüentam o estabelecimento. “Algumas empresas
ajudam a gente, e sempre estão
aqui dando uma força”. Apesar
do baixo número de funcionários, o local não fecha em momento algum durante o ano. Segundo dona Helena, existe um
revezamento na troca de funcionários no período de férias.
04
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
Juventude solidária em ação
DOUGLAS QUEIROZ
LIANA FEITOSA
4º. SEMESTRE
“Ficar velho é triste” desabafa, depois de dar algumas
risadas, dona Carmem, carioca, de 87 anos, que mora há
dois, no Lar dos Idosos São
João Bosco. Apesar da solidão que sente, dona Carmem
espera cheia de expectativas
o domingo – dia em que o
“asilo” se colore e ganha vida
com seus visitantes.
São jovens, adultos e pessoas mais vividas pertencentes a
grupos religiosos ou não. Todos voluntários, que separam
alguns, ou todos os domingos
do mês, para visitar os idosos.
“O lugar é fantástico. O nome
‘asilo’, que nem é o certo, é
que causa má impressão”, diz
dona Maria do Rosário, nora
de uma das moradoras do Lar.
Maria do Rosário menciona,
ainda, o trabalho desenvolvido ali, citando que, “muitas
vezes, a necessidade de convívio social é que traz os idosos pra cá”. Rafael Pleutin,
estudante de Direito, há três
anos freqüenta o “asilo”. Há
cerca de um ano, comparece
todos os finais de semana.
“No começo, achava que eu
estaria ajudando eles. Mas
hoje, eu vejo que eu quem
sou ajudado. Fiz muitas amizades aqui. Tem senhores,
que os considero como se
fossem meus entes queridos”,
explica o estudante.
Passeando pelos corredores, Rafael volta ao quarto de
dona Carmem, com quem já
havia conversado brevemente, naquele dia. “Ela é uma
das minhas melhores amigas
aqui”, diz. Entra, puxa uma
cadeira, senta-se ao lado da
senhora que, surpreendida
ALYNNE ZANCANELLI
pela visita, ajeita-se na cama e
coloca alguns livros e algumas
revistas de lado. “Dona Carmem
gosta muito de ler”, fala o jovem. E ela reforça: “Ler é muito
bom, né? Passo meu tempo lendo, gosto mesmo de ler”, afirma
a simpática senhora, com um
sorriso entre os lábios.
Em perfeita lucidez e com ótimo bom-humor, ela nos conta
sobre sua amizade com o voluntário e algumas poucas experiências. Perguntamos para
Rafael o que ele acha quando
alguém se refere ao local como um lugar triste. “Se o asilo
é triste, imagina se não viesse
ninguém”, questionou o jovem.
Dona Carmem concorda e, ainda, assegura que se houvesse
mais visitantes, tudo seria melhor. “Quando chega alguém de
fora, os assuntos são diferentes,
as pessoas são diferentes".
As mulheres chegam com ca-
Rafael e Carmem: Idade não representa empecilho para amizade
belos modernos, roupas bonitas. Domingo é o melhor dia
aqui!”, confessa-nos a entusiasmada dona Carmem.
Depois da visita, fica clara
a idéia de que uma das mais
valiosas contribuições dos moradores do Lar para aqueles
que o visitam são as suas experiências de vida.
Troca de carinho constrói
anos de trabalho dedicado
ALYNNE ZANCANELLI
RAFAELA ALVES
4º. SEMESTRE
Funcionaria do Asilo São João Bosco, dedicando-se mais um dia pelos idosos
LIANA FEITOSA
Simára Marcelino de Castro,
36 anos. Funcionária do Asilo
da Velhice São João Bosco, há
oito anos vive entre idas e vindas. Ela é umas das funcionárias responsáveis pela limpeza
desse cantinho que encanta a
todos pela simplicidade daqueles que ali vivem. Quando
encontramos, ela estava varrendo o corredor da ala das
mulheres, e entre uma varrida e outra se distraía tomando
chimarrão com Ana, uma senhora muito simpática.
Depois de muita conversa
Simára, enquanto limpava
a Capela, foi se soltando aos
poucos. Perguntamos como era
trabalhar ali, com um silêncio,
mostrando não entender, ela
pergunta: "Como assim? Como
é a sua rotina aqui dento?" Ela
deu risada e disse que quase
sempre chega atrasada, pois,
tem três filhos e que sua rotina é
uma correria, mesmo morando
próximo ao asilo. Todos os dias
ela entra às 6 da manhã, segue
até as 11 horas e depois cumpre
expediente das 13h30 às 16 horas.
Raramente almoça em casa. Pegou o seu carrinho e se
dirigiu à capela procurando
alguém para ajudá-la. Perguntamos se ela fazia o mesmo
serviço todos os dias. Sempre
intercalando com as outras
funcionárias dos lugares, nunca está no mesmo lugar. “Não
gosto da cozinha e de limpar
a casa das irmãs”, comenta a
funcionária. Diz que adora ajudar no banho e dar alimento
para aqueles que necessitam,
de ajuda. Enquanto limpava
os bancos da capela perguntamos se ela gostaria de trocar
de serviço, arrumar algo em
outro lugar. Então ela pára de
limpar os bancos, respira fundo e, sem mesmo pensar, responde: “Não canso do serviço,
não troco por nada, me sinto
muito bem e aqui os funcionários formam uma família”.
Simára se dedica a todos,
mais em especial tem Tiana,
uma senhora do asilo, que costuma chamar de “mãezinha”.
Pelo pouco que estivemos
com ela e acompanhamos sua
rotina, ela é bem queridas tanto
pelos velhinhos, quanto pelos
funcionários.
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
05
“Nego bom não se mistura”
RENAN CAMPOS
VINICIUS PEREIRA
4º SEMESTRE
Nicolino Alves Ferreira, 82
anos, esse é o nosso personagem. Um senhor que a princípio parece um pouco tímido e que não gosta de se misturar. Afinal, como Nicolino
mesmo diz: “Nego bom não
se mistura”. Nicolino nasceu
na Serra de Jateí, em Brasília,
há 8 anos vive no Asilo São
João Bosco. De acordo com
o vovô, como são chamados
os idosos no local, quem o
deixou foi uma grande amigo
dele, pessoa que ele ajudou
a criar e até hoje sente muita
gratidão.
Seu Nicolino desde cedo teve que trabalhar. Ele não teve
oportunidade de estudar, sempre freqüentou fazendas. Sua
atividade favorita era andar a
cavalo. Viveu alguns anos em
Aquidauana. Lá, ele disse que
também gostava de pescar. Seu
Nicolino teve de dar seus pulos
desde cedo, por isso não tem
contato com sua família. Mas,
como ele mesmo conta, teve
duas filhas. Uma infelizmente
faleceu aos seis meses e a outra, conforme relata, “quis seguir os passos da mãe”.
O vovô Nicolino não gosta
de televisão. Para ele a violência do dia-a-dia não o
agrada, só o desanima. Perguntamos o que ele aprecia.
Seu Nicolino abre o sorriso
e diz: “Comer e dormir”. E
agora, ele já mais solto, mostra ser uma pessoa muito
simpática e divertida. Porém,
disse que prefere passar o
dia sozinho, às vezes curte
um sonzinho. Seu ritmo preferido? O sertanejo.
Mesmo com 82 anos, Nicolino tem um sonho: “Quero terminar minha vida
aqui. Eu tenho comida, foi
graças ao asilo que fiz três
operações, sou muito grato”. Seu Nicolino já trabalhou em muitas atividades.
“Eu fazia qualquer serviço,
já fui peão, desmontei circo, até na prefeitura já trabalhei, conheci muitos lugares”. E conheceu mesmo.
O vovô Nicolino disse que
só não conheceu o Pão de
Açúcar no Rio de Janeiro,
mas, em sua passagem por
lá, viu a estátua do Cristo
Redentor.
Seu Nicolino é corinthiano, mas não acompanha o
time. O vovô lembra de ter
visto, Sócrates, Rivelino
vestindo a camisa do time.
Aqui em Campo Grande ele
torce pro Operário, e chegou
a acompanhar alguns jogos
do Galo no Morenão.
Um de seus passatempos
preferidos é tomar mate, mas
sozinho. Afinal, “nêgo bom
não se mistura”, né seu Nicolino?
Perguntamos se ele era feliz, e se tinha algum arrependimento. Seu Nicolino res-
pondeu: “Não tenho arrependimento não, o que passou,
passou, mas tá bom, a vida é
assim né?”. Nicolino, mesmo
com a idade, ainda tem uma
paixão: “A vida”.
RENAN CAMPOS
Vovô Nicolino no seu local preferido dentro do Asilo São João Bosco: a cadeirinha, que fica no final do corredor
Uma lição de vida
RAFAEL GORDO
PEDRO ZIMMERMANN
4º SEMESTRE
No Asilo São João Bosco
presenciamos a triste vida de
alguns idosos que são deixados lá por suas famílias. Mas,
às vezes os idosos se acostumam com seu novo lar e não
aceitam mais voltar para a
casa de seus familiares. Isso
ocorre com Feliciana, 71 anos,
que diz já ter se acostumado a
viver no asilo. De acordo com
ela, lá é um lugar difícil para se fazer amigos, pois nem
todos os idosos têm a mesma
lucidez que ela e, por isso, se
torna mais fácil fazer amizade com as pessoas que vão lá
visitar os idosos. D. Feliciana
vive em cima de uma cadeira
de rodas devido a problemas
como artrose e osteoporose.
Questionada se era bem tratada no asilo, Feliciana ficou
sem reação por alguns segundos, deu um sorrisinho irônico e respondeu em voz baixa:
“Às vezes eles não tem paciência com a gente.”.
Ela nos conta que os principais passatempos usados por
ela são a leitura, a televisão, e
uma escola para crianças, que
funciona dentro do asilo. Ela
disse que também gosta muito
de ouvir músicas, em especial
as cantadas por Sérgio Reis.
Já dançou muito em bailes e,
também, foi uma jovem muito
namoradeira. Quando relembra histórias abre um sorriso e
pergunta: “quem não gosta de
namorar né?”.
D. Feliciana nunca foi casada e não possui filhos. Já
foi convidada a morar com
a família, mas Feliciana não
aceitou o convite e diz preferir
ficar no asilo. Mesmo com sua
recusa, a família não a abandonou. Seus sobrinhos costumam aparecer com frequência
para visitá -la.
06
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
Uma vida com milhares de sonhos
WAGNER JEAN
PRISCILA BARBIÉRI
VANESSA MENEZES
WAGNER JEAN
4º SEMESTRE
Logo que chegamos à sala
de fisioterapia, fomos questionados: “Você quer saber de
mim? Da minha história?”. E,
em uma conversa descontraída e diferente, pelo fato de
que o “vôzinho” ficou o tempo
todo deitado em uma cama fazendo seus exercícios, conhecemos um senhor que exala a
felicidade às pessoas que estão
a sua volta. Valdemar Januário
de Souza, de 64 anos, nasceu
no Piauí e veio para o antigo
Mato Grosso, ainda criança,
com seus pais e mais quatro
irmãos. Com imenso ar de saudade, apesar do passado distante e das poucas lembranças
que restam, seu Valdemar fala
de sua família com um aspecto bastante melancólico.
Com o tempo, sua família
foi se perdendo pelas imensas
terras desse Brasil, que guarda
em cada pedaço de chão uma
história especial, que merece
ser contada detalhadamente.
Mas, para seu Januário, como
os demais moradores do asilo
o chamam, fica a eterna sau-
Muito mais que um asilo. Para Januário, o local é um verdadeiro lar, onde pode sonhar com um mundo melhor
dade de seu irmão mais velho,
Valdomiro, que tanto o protegia das “armadilhas” que a vida nos põe à prova.
Nesse momento, o nosso
“vôzinho” se senta na cama e,
com uma respiração ofegante,
tenta conter nos olhos as lágrimas que insistem em expor
todo o sentimento de um “garoto”, ainda à espera do seu
anjo-guardião.
Apesar de guardar boas recordações de sua infância, Januário resolveu construir uma
nova família no estado. Assim,
se casou e teve duas filhas.
Atualmente, apenas a caçula
o visita em sua nova morada.
Questionado sobre a mulher,
ele não hesita e responde com
um ar de malandragem que tinha “aprontado muito”. Então,
ela o deixou.
Este lugar que está disposto a acolher a todos os idosos
que precisam de um lar é para
o nosso “vôzinho” uma verdadeira casa, com moradores
que constituem uma imensa
família. Apesar de toda a felicidade e todo o prazer de
viver naquele local que abriga em seu interior toda uma
beleza invejável aos olhos
humanos, Januário aspira um
desejo incontido de melhorar
sua condição física, se curando das sequelas deixadas por
um derrame que ele teve há
cerca de 10 anos. E, também,
de voltar a conhecer todo um
mundo que se encontra ao redor das cercas do Asilo São
João Bosco.
“É muito bom conversar”.
Essas foram as últimas palavras de um senhor que esbanja simpatia e carinho. Que,
apesar das fortes marcas deixadas pelo tempo, não abre
mão de sonhar, e segue em
frente, com o vigor adquirido
na mocidade.
Caráter respeitador e fé inabalável
VANESSA MENDONÇA
Reflexão: hábito diário de João Batista
DANIELA DAMAZIO
VANESSA MENDONÇA
4º SEMESTRE
Ambiente extenso e arborizado, cabeças brancas ao longe. Entra em cena um japonês
bem franzino, Tadao Sano,
que nos surpreende com tamanha disposição e inteligência, pois transcrevia sua fala
numa folha sulfite amassada.
Seria uma ótima entrevista, se
soubéssemos falar japonês, ou
ao menos entender seu fanho
português.
Continuamos nossa caminhada, e lá estava ele. Solitário na varanda, pensativo,
sentado em uma cadeira de
fio, observando o movimento
da rua. Alto, moreno, de sorriso largo e muito simpático,
não tivemos dúvidas de que,
João Batista Ramires, finalmente, seria o nosso grande
personagem.
Natural de Ponta Porã, 86
anos, orgulha-se de ter sido
criado em fazenda, de onde
fugiu aos 13 anos de idade. Tinha uma enorme vontade de
estudar, mas seu pai não aceitava e batia muito nele. Várias
vezes repetia em nossa conversa que, respeito era sua palavra
chave. “O meu sistema sempre
foi sim senhor, não senhor”.
Aproximadamente 40 anos
longe de casa, ele comenta a
falta que sentia da sua mãe.
Inclusive, ao reencontrar a família, seu pai já havia falecido
há um bom tempo, e sua mãe
estava muito doente. Com um
semblante de saudade, se confessava orgulhoso por tê-la sob
seus cuidados durante 10 anos.
Após a morte de sua mãe, João
Batista ficou “fraco da cabeça”,
como ele mesmo diz, e passou
então a vagar solitariamente
pelas ruas de Campo Grande.
Morador do Asilo São João
Bosco, foi trazido pelo Corpo
de Bombeiros há pouco mais
de uma década.
Separado, não recebe visita das irmãs, e raramente um
dos seus filhos vem vê-lo. Ele
lamenta não saber a quantidade de netos e bisnetos que
tem, mas não se mostra amargurado em nenhum momento,
pois é um homem de muita
fé. “Adoro viver no asilo. Aqui
aprendi a ler, escrever e até
mexer no computador”.
Emocionado, comenta que
sonha com as comitivas de
boiadeiros do seu tempo de
mocidade, e nos faz finalizar a
entrevista com os olhos marejados d’água, quando nos pede
um breve retorno com um retrato nosso de presente.
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
07
História de uma vida sem fronteiras
BRUNO CHAVES
DAIANE LÍBERO
4º. SEMESTRE
Enquanto a maioria dos
senhores e senhoras que vivem no Asilo São João Bosco tomavam sol no pátio
externo, sentados em cadeiras de rodas ou bancos
de concreto, um senhor caminhava pelos corredores
azulejados dentro do prédio frio e com pouca luz.
Seu caminhar era suave,
atilado.
João Rodrigues Martins, 77
anos, ex-soldado do Exército
de Lisboa, radicado no Brasil,
há 50 anos, há 33 residindo
no estado de Mato Grosso do
Sul, inicia a conversa dizendo
que sua vida não tem nada de
especial. E, assim que começa a galgar as palavras, como
se fossem seus passos firmes,
logo se vê que a boa memória
DAIANE LÍBERO
Com pouca paciência e um olhar inquieto, Fernandes narra a sua vida
também é uma constante, através das datas exatas que ele cita. “A última vez que quis sair
do asilo foi em 18 de janeiro
de 2001”. Há 11 anos morando
lá, convive apenas com outros
velhinhos e funcionários, porque nunca constituiu família.
Ele consegue contar em detalhes a vez em que veio de
Aquidauana até Campo Grande a pé, sozinho, ou quando
passou dias andando por Mato Grosso. Veio para o Brasil à
procura de trabalho, que encontrou no campo. Questionado se sente saudades dos seus
dias de andarilho, ele responde: “Quem anda nunca guarda
nada”.
Rodrigues diz que sua relação com as pessoas do asilo é
cordial. “Quando não tem nada pra comprar, nem pra vender, todo mundo é amigo”. Ele
reclama de alguns aspectos do
asilo e de suas doenças. (“Fui
operado da vesícula em 2 de
abril de 1997”). E afirma que
o que mais gosta de fazer ali é
andar, como não poderia deixar de ser.
Aos poucos, enquanto falava,
os olhos fundos no rosto moreno,
emoldurado pelo tempo, começaram a demonstrar descon-
forto com as perguntas. “Vocês
me dão licença, preciso sair”.
E sumiu asilo adentro.
A funcionária Maria de
Lourdes Silveira, que cuida
de idosos há 11 anos, não
se espanta com a interrupção de João. “O Rodrigues?
Ele é assim mesmo, não tem
paciência”. Se ela sabe de
algo a respeito da vida de
João, em Lisboa, responde:
“Ih, esse daí já foi até para
o Japão!”.
Sua paciência só se mostra
presente quando caminha, o
que ele faz algum tempo depois, nos jardins tristes do asilo, onde o vento, sua única
companhia, mexe nas árvores
com força. Não parece querer
remexer nas lembranças, que
sem querer deixam transparecer sua lucidez. Andar ainda
parece ser a única solução que
resta nesses 11 anos.
Trajetória de um homem solitário
RAUSTER CAMPITELLI
SABRINA LEAL
4°. SEMESTRE
Ao chegarmos ao asilo, sentimos um leve clima melancólico. Porém, esta sensação
logo perdeu lugar. Foi difícil, a
princípio, escolher um dentre
tantos rostos que habitavam
o pacato lugar. Em um local
reservado, avistamos um senhor solitário, lendo sua revista. Chegamos até ele, que, de
imediato, concordou em nos
ajudar, apesar de seu rosto demonstrar um misto de desconfiança e curiosidade.
Seu nome é Alíguio Mariano. Morava em Cornélio Procópio–PR, nunca teve filhos e
nem se casou. Era andarilho
e nunca estudou, trabalhando
na lavoura, desde os 11 anos
de idade. Porém, há mais de
30 anos, parou de trabalhar.
Sem destino ou mesmo contato com a família, andava sem
rumo. Há dois anos e meio, no
Asilo São João Bosco, diz que
considera o local bom, pois é
bem tratado. Mas, quando perguntado se gosta de viver lá,
logo responde: “tem que gostar daqui, não tem opção”.
Se pudesse fazer algo com
total liberdade, conta-nos
com um leve sorriso, tomaria
cachaça. Demonstra, inclusive, um desejo: uma garrafa
da mesma bebida. “Cheia,
porque vazia não serve”.
Sobre o que mais gosta de
fazer, cita tomar banho, lanchar, dormir e ler. Coisas tão
simples, que até nos passam
despercebidas. Perguntamos
sobre seus sonhos e percebemos certa desilusão em
seu olhar. Diz que não poderíamos realizar, pois seu
sonho era sumir de lá.
SABRINA LEAL
Sentado em local reservado, Alíguio prefere a companhia das revistas
Mais ao lado, estava João Batista, melhor amigo de Alíguio,
uma das poucas pessoas com
quem se relaciona. Além dele, falou-nos de dona Lourdes,
funcionária do asilo e conside-
rada por ele a pessoa mais importante de sua vida. Próximo
ao final da conversa, parecia
que ele já tinha se acostumado
com a nossa presença, agindo
com naturalidade e sorrindo,
respondendo às perguntas
de forma solta. Conseguimos
despertar certa confiança e tivemos a impressão de que ele
não queria mais ficar sozinho,
mesmo tendo deixado claro
que preferia passar a maior
parte do tempo assim, longe
das conversas alheias.
Sorridente, procurava nos
manter um pouco mais em
sua companhia, parecia estar
feliz com o auxílio prestado a
nós, sentindo que estava contribuindo para que nosso trabalho fosse realizado com seriedade. Inclusive, enfatizou:
“Caso o jornal seja entregue,
vou deixar de lado as revistas”. Ao fim, agradecemos e
nos despedimos. Ele fez o mesmo, talvez pela nossa singela
presença e atenção prestada.
Mas, na verdade, nós é que temos que agradecer, pelo rápido,
porém precioso aprendizado.
08
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
Diferenças não impedem mesmo sentimento
DANIELE RAMOS
GEYSA RODRIGUES
4º. SEMESTRE
Logo que chegamos, encontramos várias senhoras, uma
ao lado da outra, formando
um corredor. Mas, não um
simples corredor, e sim pessoas dispostas a nos recepcionar.
Percebemos, então, a agitação
causada com a nossa presença. Olhares atentos, gestos carinhosos, todas querendo uma
só atenção.
Caminhando para a área
feminina, encontramos mais
senhoras, umas assustadas,
outras muito bem-humoradas, como dona Amélia, que,
nos chamou a atenção com
seu cumprimento carinhoso:
“Bom dia, flor do dia”. E, desta forma, respondemos com
as mesmas saudações. Talvez,
não esperasse que pudéssemos corresponder e, logo, despertou um sorriso radiante.
Mas não queríamos somente
atenção. Fomos mais adiante.
Passando pelo corredor, observamos os quartos. Entre tan-
tos, alguns vazios.
Em um determinado momento, deixamos de olhar
para os quartos e avistamos
um olhar adiante. Foi nesta
ocasião, que encontramos três
personalidades: Terezinha de
Jesus, Elisa Carneiro, Resende,
e Ana. Sentada na mureta ao
fundo, lá estava Terezinha, fa-
zendo seu crochê, inclinando
seu corpo para frente e para
trás, apresentando certa inquietação com a nossa presença. Tentamos nos aproximar,
mas, de início, não tivemos
sucesso.
Ao lado, estava dona Ana,
uma senhora de olhar sofrido,
mas com o tom de voz doce e
DANIELE RAMOS
Verdadeiras e comoventes histórias são contadas por essas simpáticas senhoras
MARIA CECÍLIA
DANIELE RAMOS
Olhar triste demonstra abandono
com a idade, a bochecha murchou e, agora, fiquei assim”.
Fizemos uma foto da dona Terezinha também. Vaidosa, ela
quis que o retrato mostrasse a
bolsa que guardava seu crochê
e, imediatamente, pediu para
ver como havia ficado no registro. Sorriso meio firme. Dona Ana também apareceu na
foto, muito simples e meiga.
Sorriso tímido.
Identidade de uma vida com
muitas histórias para contar
MARIA CECÍLIA
ROSÁLIA PRATA
4°. SEMESTRE
Todos os dias, Lauro Areco aguarda para saborear o que diz ser “a melhor parte”
acolhedor. Sentada em uma
cadeira de fio, estava a dona
Elisa, mulher frágil, que utilizava uma bengala, para apoiar
as pernas, que já não mais ofereciam suporte.
Ana e Elisa não dispensaram nossa presença. A princípio, conversamos sobre a situação de sua estada no local.
Elisa, de início, deixou claro
que não apreciava o lugar,
pois se sentia impossibilitada
de qualquer atividade. “Sempre trabalhei muito e tudo
que conquistei deixei para os
meus filhos. Agora, veja onde
eles me deixaram”. Olhar de
decepção.
Ao perceber que nossa conversa fluía com a Ana e Elisa,
Terezinha pareceu se sentir
enciumada e começou a querer atenção. Conversamos um
pouco sobre como é morar ali,
longe da família. Interagindo
conosco, pedimos para tirar
uma foto e foi aquela agitação.
Dona Elisa não queria muito, mas aceitou. E logo pediu
para ver como tinha ficado.
“Olha, fiquei sem bochecha. E,
Sozinho em seu quarto,
quando o encontramos, estava Lauro Areco, 80 anos. Não
levou muito tempo para que
começasse a falar de sua vida:
dos três casamentos e dos quatro filhos, frutos destas relações. Filho de pai paraguaio e
mãe bugra, aos oito anos, seu
Lauro foi morar no Paraguai.
Voltou só depois de completar
18 anos. Porém, sua jornada
apenas começava, pois teve
passagem também pela Argentina, além de muitas cidades
em Mato Grosso do Sul.
Ele trabalhava como carpinteiro e disse ter conhecido
todo o Pantanal, devido a
esse ofício. Com seu idioma
oficial, o “portunhol”, Lauro
tentava explicar a sua vida
no asilo: “No me gusta os
enfermeiros. Ellos vêm aqui,
todos los dias e me perguntam sempre las mismas cosas”. Contou também que
ajuda no recolhimento dos
copos, depois do almoço.
Por isso, a cozinheira separa
para ele a “melhor parte” da
comida.
Se distrai cantando, fumando algumas vezes, apesar de
não saber se é ou não proibido. Visitas, ele disse não receber, pois também não sabe de
seus familiares. Lembrou de
sua admiradora, segundo ele
uma “velha choca, que vem
encher o saco”. Em relação
ao futuro, ele nem pensa. A
única certeza é que casamento não quer mais. “Já tive três
matrimônios. Está em la hora de descansar!”. A hora do
almoço se aproximava. Nos
despedíamos, quando o senhor galanteador advertiu
que, se não tivéssemos namorados, devíamos procurar um
bom moço e não um paquerador como ele.
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
09
Uma vida cheia de histórias e lembranças
GUSTAVO DE DEUS
Dona Tiana: “Uma boa dose de alegria e amor é um santo remédio”
ALINE ARANDA
GUSTAVO DE DEUS
4º. SEMESTRE
A primeira impressão que se
tem ao pensar em um asilo é a
de um lugar triste, frio e sem
histórias felizes. Mas, no Asilo
São João Bosco, as coisas são
um pouco diferentes. Claro
que o abandono está presente
na vida das pessoas que residem ali, mas o que impressiona e emociona é a forma
como elas reagem e vivem. A
maioria dos idosos residentes
são alegres, otimistas e brincalhões, como a nossa amiga Sebastiana Ribeiro de Oliveira,
ou simplesmente Tiana.
Quando a encontramos,
Tiana estava sentada em sua
cadeira de rodas. Ela usava
óculos escuros e conversava
com algumas amigas no corredor que circunda toda a ala
feminina. Logo percebemos
que a nossa personagem é
muito comunicativa, quando
se antecipou, respondendo
uma pergunta ainda não feita:
“As pessoas me perguntam por
que eu estou aqui. Eu digo que
é porque eu preciso. Eu não
tenho pai, não tenho mãe”.
Tiana está no asilo há 13
anos. Chegou aqui com 52 e,
hoje, aos 65, nos surpreende
com a exatidão da sua memória, ao se lembrar do dia da
sua chegada. “Eu cheguei aqui
em 95, no dia 22 de março de
1995, foi numa sexta-feira, às
quatro horas da tarde. Está tudo guardado na minha cabeça”.
Eufórica e atenciosa, ela nos
convidou para um passeio pelo asilo, começando pelo que
parece um tipo de praça, onde
os homens se divertem em um
carteado. Após uma rápida
passagem pela “turma do Bolinha”, Tiana nos conduziu para a pista de caminhada, onde
contou sobre a sua rotina no
asilo. “Aqui, a gente estuda. Já
tive até aula de computação.
Como eu gosto! A primeira
vez que eu vi um computador,
a professora me perguntou:
Tiana, você já viu um computador? Eu disse não, mas posso escrever o meu nome? Eu
escrevi certinho”.
Durante o trajeto, notamos,
ladeando a pista, em meio às
inúmeras árvores frutíferas,
pequenas placas simulando o
calvário de Cristo. É impossível não fazer uma comparação
com a vida dos que moram
aqui. A própria Tiana nos resume bem o pensamento dos
moradores. “É melhor eu ficar
aqui, amparada, do que ficar
no meio da rua. Aqui, a gente
tem médico a hora que quer e
quando quer”. Enquanto nos
despedíamos da nossa amiga,
veio a sensação gratificante de
sentir como se estivéssemos
no quintal da casa de nossos
avós, ouvindo suas histórias
repletas de nostalgia.
Condutor transporta sorrisos entre os idosos
ALINE CIQUEIRA
ERNANDES BAZZANO
4°. SEMESTRE
Cinqüenta e seis anos representam, para alguns, cansaço,
fraqueza e solidão, como se a
vida já tivesse ensinado tudo
que havia para se aprender.
No entanto, mesmo com a rouquidão de sua voz e a barba
esbranquiçada, “seu” Gilberto
Vicente Kuviere de Freitas diz
que a sua vida só está começando uma nova fase e, com
ela, todos os ensinamentos que
ainda virão. E que tem de vir,
pois a vida não pode parar.
O ex-comerciante, hoje dedica seus dias e sua disposição,
que ele diz ser de um jovem de
18 anos, a servir, amar e aprender. Trabalha no Asilo São
João Bosco, há dez meses, como motorista da caminhonete,
buscando doações de grande
porte como: geladeira, mesa e
cama. Ele respira fundo ao comentar: “Eu amo o que faço,
amo cada 'vôzinho' que mora
aqui e tenho aprendido a dar
valor nas pequenas e simples
coisas da vida”. E ainda completa com um incentivo aos jovens de
nossa sociedade: “Tenho mais de
50 anos e aprendi a gostar dessas
pessoas em um mês de convívio.
Posso garantir que uma semana
fará grandes transformações na
mente e no cotidiano de qualquer
jovem ”.
Com um rosto que transbordava paz, o senhor Gilberto transmitia respeito e
carinho ao se lembrar de fatos engraçados e comoventes
vividos naquele lugar, que,
para ele, é como se fosse sua
segunda casa, seu segundo
lar. O horizonte trazia à tona suas recordações e seus
aprendizados, além da grandiosa lição de vida que nos
passava. Suas mãos, os gestos
e o timbre de sua voz eram os
espelhos de sua alma.
Neste momento, a entrevista
foi interrompida por um senhor
que chegou para bater papo.
Trazia em sua face um grande
e simpático sorriso e, em suas
mãos, um pequeno papel amassado com números e letras. Não
podendo se comunicar por ser
oriental, se despediu com um
gesto de adeus.
Minutos mais tarde, nos
deparamos com um carro
abarrotado de doações, como
fraldas geriátricas, alimentos
não perecíveis e alguns produtos de limpeza. Para o senhor Gilberto, a satisfação e o
sentimento de realização são
completos e seu lema é primeiro, os vôzinhos. "Tudo é
feito para eles, depois para
nós”. O humilde motorista
pode usar da mágica de um
sorriso para cada dia ser sempre melhor que o anterior.
WAGNER JEAN
“Transportar doações não é só profissão, é também realização”, diz Gilberto
10
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
Triângulo amoroso na terceira idade
GISLAINE GIRONDE
José: amor moderno na terceira idade
ALINE LEQUE
GISLAINE GIRONDE
4°. SEMESTRE
Asilo é o local para onde
vão os velhinhos debilitados
e carentes, certo? Não. A história dos namorados José, Cida e Maria prova que não só
o asilo pode representar uma
nova vida, como que para se
apaixonar não tem idade. Os
três moram no Asilo São João
Bosco, em Campo Grande. Cada um tem uma história, uma
vida, e acabaram se encontrando em um lugar totalmente inesperado.
Sábado de manhã, caminhando pelos corredores, em busca
de uma história para o jornal,
fomos paradas por uma senhora sorridente, fazendo crochê.
Maria Batista dos Santos, 67
anos, tem uma “cabeça muito
boa”. Ela mesma complementa
a definição. “Faço crochê, bordado, pinto pano-de-prato, toalha. Sou uma moça prendada”.
Ficamos surpresas com suas
histórias. Ela ainda falava sem
parar. “Tomo três banhos por
dia. Faço minhas unhas de vermelho e até sei lavar prato!”.
Sem dúvida, sua vida é bem
“agitada” no asilo. Estuda nos
cursos oferecidos, adora plantar e conversa com todos.
Questionando sobre sua vida, amores, amigos, ela conta
que não tem companheiros.
“Sou sozinha no mundo, sem
amigos, só eu e Deus”. Mas,
no meio de risadas e perguntas, Maria nos conta o que seria o maior motivo da nossa
matéria: “Ah, você sabia que
eu namoro? É sim, Ele é lindo, o Pernambuco”.
Não pudemos conter o riso. Maria ali, toda feliz, com
ar de apaixonada. Provou que
amor não tem idade, nem hora certa. Já saímos puxando a
Maria pelos corredores, para
ela nos apresentar o namorado. Caminhando em direção
à ala masculina, vira aqui,
corre ali, chegamos ao quarto do seu José Pernambuco.
Um senhor muito conservado,
assistindo ao jogo do Brasil
e comendo mortadela. Ele,
muito atencioso, nos ofereceu assento e um pedaço do
alimento.
Começamos a brincar com
o novo “casal 20” do asilo.
Tiramos fotos, os dois juntinhos. Maria, muito envergonhada, pediu-nos para voltar à sua ala.
Voltamos para a ala feminina, com a curiosidade
aguçadíssima sobre o mais
novo casal da terceira idade.
Deixamos Maria e fomos
procurar seu José, perguntando aos enfermeiros, se,
realmente, o namoro existia,
e fizemos a mais inusitada
descoberta. José Pernambuco seria o “Garanhão da Madrugada”.
Fomos entrevistar o famoso “garanhão”. José estava
sentado numa cadeira, e indagamos sobre o tal apelido.
Ele, com ares de “bacana”,
nos conta que namorava
Maria e tinha outra, a Cida.
“Mas é assim mesmo. Homem bão é aquele que tem
cinco muié, uma pra cada
tarefa do lar”, nos conta, todo assanhado. “E se eu fosse
mais novo, casava com você
também”, disse para uma de
nós, todo faceiro.
Mal pudemos acreditar
na história, que se encaixava. Saímos à procura de
Cida, uma jovem senhora
de 38 anos, com deficiência
auditiva, muito carinhosa
e apaixonada pelo Pernambuco. Entre risos e abraços,
ela negou o romance, mais
ficou toda sorridente quando falamos dele.
No final do que era para
ser uma entrevista, aprendemos uma lição com todos
os senhores e senhoras do
asilo. Não só pelo divertido
passeio, mas pela descoberta de um romance, no que
todos consideram como “final da vida”. Mostrando o
verdadeiro significado do
amor.
Dona Dolfina: a “mãezona” do asilo
PAULA REIS
4º. SEMESTRE
Um lindo sorriso, muito
ânimo, simpatia. Esta é dona
Dolfina, uma das senhoras
residentes do Asilo São João
Bosco. Quando cheguei ao
local, ela lia a Bíblia para suas amigas, um hábito que a
acompanha desde criança.
A simpática senhora lia em
voz moderada e fluente. Mal
pude acreditar que aprendeu
a ler sozinha. Recentemente,
a convidaram para freqüentar
a escola, mas o convite foi negado. Dona Delfina disse que
tem tudo o que precisa no livro sagrado.
Nascida no interior do estado de Mato Grosso, não conheceu o pai, que a abandonou quando tinha três meses.
Sua mãe foi uma forte mulher.
Criou a ela e seus cinco irmãos sozinha.“Minha mãe foi
mulher de verdade”.
O fato de não ter conhecido
seu pai a levou a uma incansável busca. Escrevia cartas para
a polícia de todas as localidades, até que um dia, passou em
sua mente escrever para prefeitura de Camapuã. De lá, teve
resposta, e o fim de sua busca.
Dolfina casou-se, teve filhos,
mas seu casamento não durou
muito. Ela se viu só e precisando sustentar a si e aos seus dois
filhos. Passou, então, a trabalhar para Lúdio Martins Coelho, ex-senador. Trabalhou no
mesmo local até aposentar-se.
“Trabalhei muitos anos ali.
Só parei quando fizeram aquele negócio com o filho do Lúdio e tive a primeira crise de
hipertensão”. Dona Dolfina
não entrou em detalhes, mas
PAULA REIS
Sempre disposta a ajudar, dona Delfina cuida até de “pacientes”
este fato foi o assassinato de Ludinho, filho de Nilda e Lúdio
Martins Coelho.
Caridosa e com desejo de propagar sua fé, ajudava jovens
abandonados, fosse com palavras de ânimo ou com alimento. Ela conta que, quando
caminhava, via gangues e não
sentia medo. Já era conhecida
e estimada por eles.
A consideração dos jovens
por dona Dolfina era tamanha,
que certo dia, já era noite e ela
retornava pra sua casa, quando um jovem a alertou sobre
homens que queriam matá-la.
Este a guiou até em casa, enquanto o restante foi dar uma
surra nos malfeitores.
No asilo, dona Dolfina está em plena atividade. Todos
os dias, ora e lê a Bíblia para
os doentes, ora conversa, ri e
busca alegrar aos colegas. Isto
ajuda no tratamento e na recuperação e já fez muitos saírem
da depressão.
Quanto ao futuro, a doce
senhora diz não ter medo da
morte e que continuará propagando o evangelho a todos que
aceitarem, pois, em suas palavras: é uma apóstola de Deus e
Jesus Cristo.
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
11
Solidariedade necessita de seriedade
BRUNA GALINA
KLÍCIA MAGALHÃES
THALITA RODRIGUES
4°. SEMESTRE
Em julho de 1999, foi inaugurado o tele-social do Asilo
São João Bosco. É assim que a
gerente da unidade, Márcia Regina Gonçalves, prefere chamar
o serviço de telemarkting. A
equipe é formada por 13 mensageiros, quatro estagiários e 24
operadores contratados. Márcia
afirma que são poucos funcionários, por falta de recursos.
“O trabalho é feito através do
telefone. Nós temos um sistema, que é de São Paulo, o único nessa área. Através dele, a
gente prepara toda a lista com
os números da população, os
quais são passados para os operadores. Na lista, sai o telefone,
o nome e se é comercial ou residencial. A funcionária liga sem
saber com quem vai falar do
outro lado e fala sobre a nossa
campanha”.
As doações e as campanhas
especiais (geralmente, nos dias
das Mães e Natal) são muito
importantes para a instituição.
A população é responsável por
70% do recurso que entra para
o asilo. Mas, pela quantidade de
habitantes e estabelecimentos
comerciais existentes em Campo Grande, o número de colaboradores ainda é muito pequeno.
A central de atendimento,
localizada na rua 26 de Agosto, não tem fachada alguma,
por motivo de segurança. Conta com um segurança armado,
dentro do estabelecimento. Já
ocorreram dois assaltos com
um dos mensageiros, quando
estava em serviço. Além das dificuldades que a instituição enfrenta, financeiramente, ainda
existem os trotes; pessoas que
tentam recolher dinheiro usan-
do o nome do asilo.
Todos os trabalhos que já foram feitos em benefício à corporação podem ser conferidos
no site, que também foi uma
doação, www.asilosaojoaobosco.com.br. No momento, alguns
links estão parados, por não ter
voluntários para atualizá-los.
Quem quiser, pode ser cadastrar
para a função.
“Transmitimos a maior segurança. A central está aberta para
quem quiser conhecer a nossa
equipe, antes de fazer as doações”, complementa a entrevistada.
Ela orienta quem recebe a
ligação a fazer alguns procedimentos de segurança. Um deles
é a conferência, pelo telefone, do
número do recibo que o mensageiro entrega em sua porta. Ou
ainda, fazer a pergunta para a
funcionária que ligou para saber
se o seu nome consta na lista.
GUILHERME TELÓ
Tele-social reclama da falta de compromisso de seus contribuintes
Disposição e energia entre as roupas do asilo
EMANUEL CAIRES
WESLEY ANTÔNIO
4º. SEMESTRE
Maria de Lourdes Silva, 63
anos, está há 11, no asilo São
João Bosco. Ela não foi abandonada por seus familiares. É
bem ativa e cheia de energia.
Sorri ao falar do marido e dos
filhos. É uma mulher de gestos rápidos, voz firme e olhar
atento.
Então, pode-se perguntar o
leitor, o que ela está fazendo
naquele lugar? Dona Lourdes pode ser vista em um dos
quartos da ala dos “meninos”,
mais precisamente o quarto
Dona Virgínia Garcia da Silva
ou Roupário. Com uma touca
branca na cabeça e avental,
cuidando do vestuário dos
“vôs”, ela dobra e coloca as
peças nas prateleiras. Em cada divisória, há uma etiqueta
com o nome do dono das roupas que lá se encontram.
Alguns compartimentos,
mesmo etiquetados, estão vazios. “Esse vô, aqui, morreu
faz pouco tempo”, explica
Maria de Lourdes, com a naturalidade de quem já viu isso
ocorrer várias vezes.
“Só não gosta quem não tem
amor” é o que responde Lourdes, quando indagada sobre
seu trabalho. Diz que gosta,
principalmente, de preparar
os “vôs” – como ela chama os
idosos – para sair. “É quando
eles vestem uma roupinha melhor” que ficam separadas em
outro quarto “para não estragar. Senão, eles querem vestir
toda hora”.
Além de trabalhar no roupário, ajuda na cozinha, servindo
o café, o suco das 9 da manhã
ou o almoço. Maria de Lourdes conta que não tem muitos
EMANUEL CAIRES
Ela “dita moda” no asilo, seu trabalho é cuidar das roupas dos idosos
problemas com seu trabalho,
mas que, às vezes, tem que fugir de algum “vô” apaixonado.
“Eles ficam em cima. Eu tenho
que cuidar, saio de fininho”.
Maria também tem a etílica
tarefa de distribuir a “caninha”, um pouquinho de pinga
ou vinho, “só dois dedinhos”,
uma vez por semana, às quin-
tas, na hora do jantar. Ela conta que uns dez idosos tomam
toda semana o seu gole, e que
alguns contam os dias para
chegar a hora de beber, mesmo que seja pouco.
Outro vício de alguns idosos
é saciado pelas mãos de Maria de Lourdes. Às vezes, cabe
a ela a função de distribuir o
maço de cigarros que é dado
a cada três dias, aos 25 idosos
que fumam, segundo ela.
A funcionária, que também
já foi voluntária, pretende se
aposentar em seu trabalho
e diz ser muito grata a Deus
porque “tem gente aqui que é
mais nova que eu” e que quer
continuar até quando suas
forças e a idade permitirem.
“Para mim, é uma satisfação
vir aqui todos os dias. Quando não venho trabalhar, fico
doente. Sinto saudades e eles
também”.
12
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
Reflexão de uma incerteza presente no futuro
GISELLE RIBEIRO
HUGO CRIPPA
4º. SEMESTRE
Ao mesmo tempo em que
sentíamos paz, vivenciamos a
solidão. Calmo, um vento muito agradável em um ambiente
fresco. Alguns olhares estranhos. Varias pessoas que um
dia viveram historias de amor.
Já sofreram muito e tiveram
momentos maravilhosos com
pessoas especiais. Não queríamos simplesmente entrevistar
algum deles. Mas, queríamos
entrar nesse mundo de lembranças e conhecimento que
eles podem nos oferecer.
Analisamos perto de um
banco de cimento, a conversa
de dois homens que moravam
lá. Um deles falava sem parar,
contava histórias do passado.
Ao perceber seu parceiro vimos que ele não dizia nenhuma palavra por muito tempo.
Ele apenas entendia em silencio o que o outro dizia, mexia
a cabeça e sorria. Era algo que
parecia que ocorria muitas
vezes. Algo bonito de se observar. Não sabemos como é
não ter com quem conversar
por dias. E essas pessoas que
moram lá? Às vezes eles ficam dias sem trocar palavras
com ninguém. Percebemos isso, pois muitos deles vieram
perguntar sobre nós. Uma experiência dessas nos rendeu
coisas boas. Pensamentos nobres e profundos, experiências nunca vividas. Uma visita que nos levou à reflexão.
O mundo deles tem muitas
lembranças. Quando o silêncio aparecia mais se ouvia o
barulho do vento do que as
conversas entre os presentes.
Vimos um senhor com uma
pose que lembra nossos avôs.
Um homem que pensa, com
os óculos caindo e apoiando
o rosto de lembranças com
suas mãos.
O que pensa um senhor
desses, com este olhar? Não
sabemos, mas temos a certeza de que ele nos fez refletir
sobre o nosso futuro. Foi aí,
que olhamos um senhor com
sapatos marrons, camisa por
dentro das calças. Cinto bem
chamativo, que ficava acima
do umbigo, deixando aparecer um pouco de sua canela.
Ele repetiu várias vezes a
mesma ação. Ia até o portão
cantando, parava no mesmo
lugar, sempre com o cigarro na mão. Falava besteiras.
“Porque você peidou? Fala
aí, perna de cocô. Cê peidou,
amor?”. Ria muito, até que
Francisco parou para conversar. “Vocês são namorados?”
Um de nós disse não. E ele
abriu um sorriso e já retornou a cantar.
Um homem que mexia nas
mangueiras passou e disse:
“Esse aí já caiu os parafusos
da cabeça”. E lhe indicou o
caminho para o portão, pois
já não se lembrava mais. E lá
andava o homem das canelas
de fora. Alegrava o seu dia e
disfarçava a solidão cantando.
“A-I-O-V-A preciso peidá.”
Os outros que passavam
ao seu lado comentavam dele. Sentimos e entendemos o
porquê ele canta tanto. Pois
assim, ele não deixa que tristezas e saudades façam aquele
ser apenas mais um dia. Todos sentados, cada um com
suas lembranças. Pensamos
que mesmo alguns esperando
apenas a hora de ir embora,
ainda existem pessoas felizes
que distraem seus dias com a
musica, com o humor e com
brincadeiras do cotidiano.
Uma descontração saudável
que está em falta na vida de
muitas pessoas. Passando um
dia no Asilo São João Bosco
percebemos que a vida é curta
e que um dia também teremos
saudades do que vivemos.
GISELLE RIBEIRO
Francisco canta para ser mais feliz
“Seja como for... tô vivendo por viver”
ANAHI ZURUTUZA
LUCAS JUNOT
4º. SEMESTRE
O fundo musical já nos
adiantava com o que iríamos
nos deparar. “Tô Vivendo por
viver”, na voz de Zezé de Camargo e Luciano, transmitia
verdadeiramente o que dizia o
olhar daquela senhora.
Passando pelo corredor,
viam-se vários deles, ali, sentados. Uns tinham o olhar “pidonho”. Outros tinham o olhar
incerto, tão difícil de decifrar
como a incerteza de até quando durariam suas vidas ali. Foi
então, que, de uma cadeira de
rodas, veio a voz sedenta de
Neli Garcia. “Filho, me pega
um pouco d’água, por favor”,
disse estendo uma caneca.
Desta vez, o jornalista foi escolhido, quando de costume
faria o papel do ‘escolhedor’.
Com 66 anos, bem expres-
sados pelas rugas de seu rosto, Neli conta que nasceu em
Entre-Rios, atual Rio Brilhante. Quando ainda morava na
fazenda Estrela, herança de
seu avô, perdeu a mãe, aos
nove anos. “Foi aí que começou meu sofrimento”. Antes,
brincava de roda com seus
nove irmãos. Depois, se transformou em nobre trabalhadora
de uma olaria. Agora, com o
lado esquerdo do corpo paralisado, conta as horas a esperar pela visita de um de seus
cinco filhos. E, em meio à bravura que demonstrava em seu
depoimento, um desabafo.
“Vi a minha neta uma única vez, quando ela tinha um
mês de idade. Agora, ela já deve estar com quase um ano, e
gostaria de deixar um recado
para ela. Mariana, fala para o
seu pai trazer você para ver a
vovó. Você é tão linda, estou
morrendo de saudades. Por-
que vocês não vêm me ver?
Parece que vocês têm raiva de
mim”.
Há cerca de três anos, devido a um acidente vascular
cerebral (AVC), Neli procurou,
ela própria, o Asilo São João
Bosco, em nome de um só
sentimento: “não tinha mais
espaço para mim na casa dos
meus filhos. Eu não cabia
mais naquela casa”. Mesmo
com os percalços que o destino lhe reservou, aquela senhora mantém-se obstinada.
Em meio à expressão cerrada, vez ou outra, um sorriso
de poucos dentes se mostrava. Revelou o segredo que
fazia brilhar aqueles olhos.
Parecia que a felicidade a visitava como um conta-gotas.
E uma dessas doses personifica-se na figura do namorado, que a faz sentir-se viva.
“A gente se abraça, se beija,
conversa. Ele vem me ver to-
LUCAS JUNOT
O olhar perdido revela a esperança de avistar seus filhos no horizonte
do santo domingo”, conta.
Para ela, as gotas de felicidade estão personificadas,
também, em cada um que
aparece naquele lugar, onde a
convivência com mais de 100
pessoas não significa não se
sentir só.
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
13
Leitura e gargalhadas amenizam a solidão
CAROLINE QUEIROZ
MARI GARCIA
LEONARDO MACBETH
LETÍCIA WINCLER
4º SEMESTRE
Sempre com um sorriso no
rosto e muito divertida, assim
é Benedita Vicente de Almeida. Chamada carinhosamente
por colegas e funcionários do
asilo de “dona Benê”. Com 84
anos é muito vaidosa, adora
contar piadinhas e dar boas
gargalhadas. Seu passatempo
preferido é ler. Nos surpreende quando abre a gaveta de
sua cômoda e nos mostra uma
coleção de revistas. Dona Benedita diz saber o Estatuto do
Idoso de cor, para poder exigir
os seus direitos. “O Estatuto
me garante uma casa, vou cobrar pessoalmente de Carlos
Marun (Secretário Estadual de
Habitação). Agora, ele não vai
ter saída”, comenta ela com
gargalhadas.
Trajando uma blusa rosa e
saia florida, com dificuldades
para andar, devido a seqüelas
de um derrame que sofreu há
ISABELA FERREIRA
três anos, ela se aproxima e
começa a nos contar um pouco sobre sua vida. Dona Benê
morou 45 anos em São Paulo,
onde criou sua única filha,
Maria Regina Vicente de Almeida. “Passei minha infância
e minha juventude aqui em
Campo Grande. Quando tinha
26 anos fui tentar a vida em
São Paulo. Mas já têm 25 anos
que voltei para cá”.
Benedita estava morando sozinha em uma casa de aluguel
no bairro Tiradentes e, devido
a problemas de saúde, resolveu ir sozinha tentar uma vaga
no asilo. Adora o tratamento
dos funcionários e a companhia dos colegas. “Aqui tenho
pessoas que se preocupam
comigo e a comida é muito
boa. Só que tem dia que a carne vem um pouco dura para
os meus dentes”, relata dona
Benê, dando gargalhadas. No
asilo, ela divide o quarto com
mais uma amiga, a dona Ana,
que, muitas vezes, acorda chorando, pois lembra que todos
os seus familiares faleceram.
Dona Benê diz que a única
coisa que pode fazer é falar da
Luz Maravilhosa, que é Jesus
e que nenhuma sombra de solidão pode encobrir essa luz.
Benedita diz que já sofreu
muitas humilhações. “Quando
era moça, tudo era diferente.
Fiquei grávida sem me casar e
meus pais me viraram as costas. Tive que trabalhar de doméstica para sustentar minha
filha”.
Quando começa a lembrar
das humilhações que já sofreu,
sua feição muda e as lágrimas
descem pelo seu rosto. “No
Dia das Mães, minha filha não
me deu nenhum telefonema.
Mas o meu maior sonho é ir
embora para São Paulo morar
com ela”, revela, enxugando
as lágrimas.
“Um dia, por mais afastados
que estivéssemos vivendo na
terra, nos encontraremos no
paraíso. E então, não haverá
velhos nem jovens, só almas
felizes”. Dona Benê agradece a
atenção e diz: “agora vou jantar”.
Com simpatia e sabedoria, dona Benedita elogia voluntários e funcionários
Juventude conservada por meio de muito trabalho
ELZA RECALDES
ODIL SANTANA
4°. SEMESTRE
Uma biblioteca diferente.
Cercada de árvores e bancos
de jardim. Os livros desta biblioteca têm cuidados especiais, como alimentação diferenciada, exercícios físicos e
acompanhamento de profissionais da área de saúde. Assim é
o Asilo São João Bosco, cheio
de vida e disposição, renovadas a cada dia. Pessoas que são
verdadeiros livros, com histórias reais que mais parecem ter
saído de contos de fadas.
É neste ambiente que encontramos o nosso personagem,
Mário José de Souza. Nascido
na Bahia, ele se mudou para
Minas Gerais, na adolescência,
com seus pais. De onde saiu
ainda jovem, se aventurando
WAGNER JEAN
Vitalidade, bom humor, muita disposição e 80 anos vividos plenamente
por várias cidades, até chegar
aqui, em Campo Grande. Um
homem simples, que sabe tudo sobre a vida no campo. Nas
fazendas em que trabalhou,
fazia de tudo. Só não gostava
de mexer com trator.
Entrevistá-lo não foi fácil.
Como todo bom brasileiro,
chega a passar horas em frente
à TV. Principalmente, no período das olimpíadas. Esse bom
velhinho é conhecido como
“Japonês”, devido aos traços nipônicos em sua face. Apesar de
não gostar do apelido, atende
com uma paciência oriental a
quem assim o chama. Aos 80
anos de idade, conserva hábitos
rurais, como "naquear" fumo e
dormir cedo, para acordar cedo. Ou, como dizem nas fazendas “dormir com as galinhas e
acordar com o galo”.
Às quatro horas da manhã,
ele se levanta e se arruma, enquanto espera o café. Depois, é
hora de cuidar do jardim. Acostumado à vida dura de trabalho,
não esconde a satisfação de poder cuidar do quintal. Atividade
esta que está impossibilitado de
exercer, devido a uma dor no
braço direito, causada por um
tombo, quando tomava banho.
Esse pequeno-grande-homem, de aproximadamente
1,60 metro de altura, não tem
filhos e nunca foi casado. Os
únicos parentes em Campo
Grande foram embora sem dizer pra onde. Foi trazido para
o asilo pelo patrão, que o adotou como se fosse da família.
Quando perguntamos se
gostaria de voltar para sua
terra natal, ele nos responde:
“Não tenho mais esperança de
voltar pra Bahia, não. Eu vou
aterrissar aqui mesmo”.
14
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
Onde está
o futuro?!
BRUNA NASSER
LUCIENE FRATINI
4º SEMESTRE
Passar algumas horas dentro de um asilo pode não ser
algo muito prazeroso para várias pessoas. Mas, elas se esquecem é que há centenas de
idosos residindo nesses locais,
convivendo e aprendendo a
sobreviver de acordo com as
condições que esses lugares
oferecem a eles.
E é justamente nesse ponto,
que resolvemos nos ater. Um
breve relato da vida e da realidade de inúmeras pessoas
que, em alguns casos, ficam
esquecidas. A fachada lembra
uma casa clássica. Ampla área
verde ao redor, conferindo
um clima ameno e acolhedor.
Bancos espalhados em lugares
estratégicos, normalmente sob
enormes árvores.
É nesses bancos que vários
idosos se acomodam para ouvir música, conversar, fazer crochê ou descansar. Outros preferem ficar nas salas de televisão.
Ainda, na área de lazer, podemos encontrar, nos fundos, um
quiosque com mesa de sinuca
e churrasqueira. E, próxima a
ele, está a pequena igreja para
os momentos de fé.
O Asilo São João Bosco possui também uma pista destinada àqueles com maior energia, própria para caminhadas
e para os apreciadores da natureza. Nesse trecho, é possível identificar a Via Sacra, que
mostra o caminho percorrido
por Jesus.
O local conta, ainda, com
médicos, enfermeiros e voluntários, que ficam circulando o
BRUNA NASSER
De um lado, aqueles que fogem da solidão. De outro, os que preferem a paz, nos fundos do Asilo São João Bosco
dia todo, para atender a qualquer problema.
Lugar perfeito?! Muito pelo
contrário. O asilo passa por
inúmeras dificuldades. Cada
quarto abriga vários idosos, e
as camas são semelhantes a
macas. Os banheiros, por mais
que sejam adaptados para os
que utilizam cadeira de rodas,
ainda dão trabalho, devido ao
pequeno espaço para as manobras. O refeitório também é
reduzido.
O asilo precisa contar sempre com doações e ajuda de
terceiros para a sua manutenção. Vários voluntários fazem
sua parte, mas essa precisaria
ser uma atitude geral. Ajudar
ao próximo não é simplesmente uma bela atitude, mas,
também, um sinal de humanidade. Fazer com que o futuro,
até então incerto, desses idosos seja garantido é tarefa de
todos.
Uma vida de conquistas e lembranças
LUANA D’ARK
YURI RODRIGUES
4º. SEMESTRE
Com a tristeza estampada em
seu rosto e o olhar cabisbaixo,
o senhor Gilberto Casanova se
encontrava sozinho aproveitando da calmaria do balanço
e das sombras das árvores do
asilo. Ao nos aproximarmos
dele, sua expressão muda repentinamente.
E a tristeza outrora presente dá lugar à imensa vontade
de iniciar um diálogo e contar
a sua história, que é marcada
pela saudade dos tempos de
sua mocidade.
Casanova deu o rumo à sua
carreira, espelhada na de seu
avô, como integrante da Ma-
LUANA D'ARK
"Fazemos da vida melhor ou pior"
rinha. E como terapia ocupacional, foi, também, tosquiador de ovelhas, profissão que,
além de proporcionar uma forma de renovação de seu ego,
também contribuía com uma
renda adicional.
Na década de 40, Gilberto
teve destaque na mídia, com
o esporte, pois foi campeão da
modalidade de salto com vara.
Conquistou o primeiro lugar
nos jogos abertos de sua cidade natal, Ponta Porã.
Ele se considera uma pessoa
de hábitos individuais. Nunca
gostou de freqüentar festas e
lugares movimentados.
Casanova tinha na ponta da
língua as respostas para nossas perguntas. Mesmo com a
idade à flor de sua pele e as
marcas do tempo estampadas
em seu rosto, este velhinho
sabia muito bem do que esta-
YURI RODRIGUES
Expressão é um dos fatos marcantes
va falando. A cada pergunta
respondida, ele concluía com
pensamentos que, segundo
ele, transmitiam toda a sua
experiência de vida e as lições
que nela aprendeu.
Perguntamos a ele se sentia
falta ou saudades de alguém.
A resposta não veio, e as lágrimas vieram à tona, escorrendo
por toda extensão de seu rosto, por todas aquelas covinhas
marcadas pelo tempo.
Logo após a emoção, aquele
velhinho disse alguns de seus
pensamentos: “Aceite o que
vem na mesa, é tudo aquilo
que a vida tem a te oferecer”,
e com um forte suspiro, concluiu o senhor: “Nunca reclame da vida, pois é você que
faz dela, melhor ou pior”.
Palavras de um homem que,
mesmo com a idade que carrega, ainda cultiva pensamentos
concretos e com fundamentos
totalmente convincentes.
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
15
Confissões para conseguir uma vida melhor
DIANNA MALVES
WILL SOARES
4º. SEMESTRE
Mesmo diante das dificuldades, Maria Thereza, 62 anos,
demonstra bom humor na
conversa. Uma mulher que
sempre lutou, trabalhou, curtiu a vida da maneira que pôde e definiu seu sentimento
em relação ao passado: “Poderia ter aproveitado melhor.
Fiz o que eu pude; mas, às
vezes, sinto que poderia ter
vivido mais, curtido mais a
vida”.
Tanto curtiu que, quando
descobriu de forma drástica a
sua grave doença, osteoporose, não acreditou que poderia
chegar ao ponto de ficar em
uma cadeira de rodas. Tereza nos explica que, quando a
doença se manifestou, aos 57
anos, sua ossatura se assemelhava, já, a de uma senhora de
80 anos. Os ossos estavam tão
debilitados que chegou a ter
uma fratura na coluna. “Minha medula quebrou bem no
meio. Fiquei tetraplégica. Mas
nunca desisti de viver. E tudo
porque os médicos me diziam
que eu não precisava de reposição hormonal e cálcio na
menopausa”.
Depois de muita luta, Maria
Thereza voltou a andar “com
certa dificuldade”. Gosta de
usar seu exemplo de vida para
aconselhar os jovens: “A saúde
é tudo na vida de uma pessoa.
Se ela tem saúde, tem condições de tudo”.
Mesmo andando, Tereza diz
ter percebido que já não era
mais como antigamente. “Eu
não posso fazer nada, não posso lavar um roupa, varrer uma
casa; por isso, que eu quis vir
morar aqui. Aqui todos cuidam bem, as enfermeiras dão
os remédios na hora certa.
Tem um médico voluntário
que vem de vez em quando,
mas ele é muito bom”. Conta,
ainda, que a filha mora bem
perto do asilo: “Vou para a casa dela todos os domingos”.
Mas o que a deixa indignada
é como o Brasil está cada dia
mais desvalorizando os idosos.
“Depois dos 50 anos, o médico
ou qualquer pessoa olha pra
você como se não adiantasse
buscar ajuda. Uma vez, uma
senhora estava com tontura. Foi no médico, e ele disse
que era sintoma da idade. Isso não existe. Se eu sinto dor
ou tontura, é porque eu tenho
alguma coisa. O médico não
pode olhar para mim como
se dissesse: “Você quer viver
mais para quê?” Conversa vai,
conversa vem, e esta senhora
de modo simples, fumando
seu cigarro, conquista a aten-
WILL SOARES
Para Thereza, o mais importante na vida são a saúde e o bom humor
ção de dois acadêmicos que
descobrem a sede de aprender
mais com quem viveu mais.
E, na hora de se despedir, ainda reforça: “Diz para os seus
amigos que a saúde é tudo, e
que eles têm que cuidar dela”.
Pode deixar, dona Maria Thereza, vamos escutar este seu
valioso conselho.
No asilo, cada idoso tem sua personalidade
FABIANA FAUSTINO
FABIANO PASCHOALOTTO
4º. SEMESTRE
A princípio, só queríamos
conhecer o motorista da ambulância do Asilo São João
Bosco. Para isso, contamos
com a ajuda de uma senhora
simples, que usava jeans e camiseta branca.
“Vamos nos sentar ali, tem
uma mesa grande”. Passou um
pequeno pano para tirar algumas folhas das muitas mangueiras que refrescavam o local.
Essa senhora de olhar firme
e muito séria é irmã Maria José, a diretora da Residência e
Bem-Estar dali. A conversa começou tranqüila. Ela era um
pouco reservada, porém disposta a apresentar e relembrar
histórias de vidas de quem
ainda está ali ou dos já passaram por lá.
Sentou-se um pouco de la-
FABIANO PASCHOALOTTO
"O bem-estar de todos é uma grande responsabilidade", diz irmã Maria José
do, cruzou as mãos e, olhando
em nossos olhos, deixou-se levar pelas recordações e confi-
denciou-nos algumas coisas.
“Aqui, temos os dois lados:
vôs que são de bem com a vi-
da e vôs que são revoltados”.
Ah, sim, vô e vó são as maneiras carinhosas que todos usam
para se referir aos residentes
do local.
“Seu Raimundo, por exemplo", diz, com sorriso no olhar,
"é revoltado com a vida. Sempre
que dissemos 'Bom dia', responde que não tem nada de bom".
Já senhor Domingos, segundo ela, é ativo, alegre e divertido, gosta de ajudar. “Se deixar,
ele ainda trabalha ajudando as
meninas na copa. Ele não tem
a aparência de 109 anos”, diz,
carinhosamente.
Atenta, não descuidava nem
um minuto de tudo que estava
ao seu redor. Seu celular tocou
duas vezes durante nossa conversa. Animada, convidou-nos
para conhecer alguns dos vôs
citados.
Percorremos a ala masculina, o refeitório, a cozinha e o
pátio. A todo momento, parava para cumprimentar e conversar um pouco com os idosos. Ao chegarmos à cozinha,
encontramos o senhor Domingos, conversando animadamente com algumas mulheres
e enxugando os pratos.
Ao final do passeio, fomos
apresentados ao senhor Salomão, que estava deitado em
um banco, apoiando a cabeça em seus sapatos. “Ele está
aqui porque quer. Seus filhos
queriam que ele estivesse em
casa, porém permanece aqui”.
Pronto. Encerramos a visita.
Com um sorriso nos lábios, irmã Maria aperta forte nossas
mãos: “Obrigada, foi um prazer mostrar um pouco disso
tudo pra vocês”.
Mas, depois de ver, conhecer e aprender tanto em um
dia só, sinceramente, quem
agradece somos nós.
16
ESPECIAL
CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008
Asilo depende de doações para reforma
LUANA D’ARK
EVELYN IBRAHIM
ROBERTO BELINI
4º. SEMESTRE
O antigo prédio do Asilo
São João Bosco, na rua 26 de
Agosto, abriga a loja da pechincha e uma central com
telefonistas que ligam pedindo doações. A atual sede é no
bairro Tiradentes, em frente
ao campo de futebol. Hoje,
há necessidade de uma reforma estrutural do prédio,
para adequá-lo às exigências
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De
acordo com a diretora de Recursos, Márcia Regina Gonçalves, são estimados R$ 2
milhões para as obras. E este
dinheiro terá de ser captado
de campanhas.
Os internos chegam, principalmente, de Campo Grande.
“Pessoas que se perderam da
Vida de melancolia pela decepção de ser abandonado pela família
família ou estão em fase terminal. São casos que foram
encaminhados a este lar de
amparo”. Mas, segundo Márcia, existem situações em que
a família interna o idoso no
hospital, com nome e ende-
reço errados, e não volta para
buscá-lo.
Na instituição, há uma logística para dar suporte aos vovôs
e vovós. Este trabalho procura
órgãos públicos que, quando
necessário, regularizam a do-
Mãe emocionada fala de seu
filho assassinado em Dourados
DIOGO RIBEIRO
LUÍS COPPOLA
4º. SEMESTRE
Ana Rodrigues da Rosa nasceu no dia 10 de fevereiro de
1921. Atualmente, reside no
Asilo São João Bosco. Relatou que adora morar ali, pois
tem sempre muita companhia.
Gosta, ainda da missa de São
João Bosco, à qual sempre está presente, e do carinho que
recebe lá. Ela mesma afirma:
“Prefiro ficar aqui, ao invés de
ficar sozinha em casa". Ana
Rodrigues é viúva. Seu marido
faleceu de asma. No casamento, tiveram três filhos: dois
homens e uma mulher. Hoje,
ela já tem quatro netos e cinco
bisnetos. O bisneto mais velho
já está com 13 anos.
Ao falar de seu filho mais
novo, Irineu, ela se emociona.
Irineu foi assassinado com 28
anos, em Dourados. Ela acha
DIOGO RIBEIRO
Ana espera para ser levada à missa
que o autor do assassinato seria uma ex-nora sua, que ao
ser trocada por outra mulher,
o teria matado por ciúmes. Porém, ela não afirma nada, apenas relata a sua suspeita, baseada no fato de que, segundo
ela, seu filho teria sido avisado
da morte pelo seu irmão mais
velho. Mas ele não acreditou.
Já sua filha a visita todos
os domingos, após o almoço,
junto com sua irmã. Sua filha
é enfermeira em um hospital
e não tem muito tempo para
ficar com Ana, que repete:
“Prefiro ficar aqui, ao invés de
ficar sozinha em casa”.
Seu genro trabalha no quartel, e um de seus netos mora
atualmente, em Miami, nos
Estados Unidos. Contandonos sobre sua rotina no asilo, relata que não pode andar
muito, pois tem, segundo ela,
a "doença do papa", e anda em
uma cadeira de rodas.
Por isso, depende de funcionários para levá-la aos lugares
de que gosta. O que sempre
dá um jeito é de ir às missas.
À noite, ela dorme cedo, logo
após o jantar, mas conta que
seus colegas ficam até tarde
assistindo à televisão e passeando pelo jardim.
cumentação. Fazem o pedido
de pensão ou aposentadoria. E
até chegam a realizar busca de
parentes, unindo os familiares
distantes.
Márcia atua no São João
Bosco, desde 1999. Mas, foi
em 2002, que sua formação
em administração e contabilidade contribuiu diretamente no local. Ela ajudou a
viabilizar o controle mais rígido e profissional da gestão
financeira do abrigo. “O asilo
estava quebrado”, lembra.
Foi neste período, que a Uniderp, por meio da Unidéias,
do curso de Publicidade e
Propaganda, em parceria com
o lar de idosos, lançou a logomarca. Isso serve para facilitar
a campanha, padronizar os recibos de doações e personalizar produtos que são vendidos
para ajudar na arrecadação de
recursos.
Para Márcia, “as empresas se
sentem desestimuladas a fazer
doações”. O motivo, segundo
ela, é a baixa dedução concedida pelo governo, no Imposto
de Renda, em caso de contribuição para casas de idosos.
Em 2003, uma campanha
promoveu leilões de obras
de arte. Os lances eram oferecidos pela internet e a renda seria revertida para o asilo. Mas não houve interesse
em comprar as telas. Márcia
não entende o a razão de as
pessoas não terem tido motivação em ajudar.
Segundo a entrevistada, a
capital tem uma população
que poderia apresentar mais
doadores. O maior número de
contribuintes é de baixa renda. Mas, outro fator que não
motiva os mais ricos a doar
também é o Imposto de Renda
que, no caso de pessoa física,
não tem desconto.
Contribuição pela convivência
GUILHERME DE ALMEIDA
GUILHERME TELÓ
4°. SEMESTRE
Antônia de Almeida, donade-casa, contribui presencialmente, sempre que tem disponibilidade, seja em doações e
com visitas. Demonstra uma
questão de responsabilidade
social com as pessoas idosas
que construíram a história,
com muito trabalho e sem o
merecido reconhecimento de
tantos esforços que, ao longo
do tempo, passaram por diversas mudanças e nada trataram
em respeito dessas pessoas.
Ela acredita que, muitas vezes, a presença é, fator como
já muito comentado por vários
colaboradores, bastante representativo para os idosos que
vivem em depressão ou tristeza pela ausência dos familiares. Ponto sempre crucial por
falta de diálogo ou convívio.
A sensação de proximidade e
histórias são a retribuição que
se recebe por colaborar. Muitos
GUILHERME TELÓ
Dificuldades para arrecadar verbas
que doam nem fazem questão
de lidar com o principal: a vida.
Faustino Miyashiro, aposentado, de poucas palavras e direto, revela que sempre ligam
para saber se irá contribuir e,
devido a alguns contratempos, contribui materialmente
(fraldas) ou com as doações de
R$10,00 há quase 15 anos. Dedica-se no tempo livre, colaborando, principalmente, nos
dias festivos (Natal, Páscoa,
Dia das Mães...). Suas sobrinhas fazem, sempre que possível, churrascos beneficentes
e almoços para arrecadar contribuições para o desenvolvimento do asilo.

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