Jornal Unifolha 78 - Universidade Anhanguera
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Jornal Unifolha 78 - Universidade Anhanguera
U nifolha J O R N A L -L A B O RAT Ó R I O D O C U R S O D E J O R N A L I S M O DA U N I D E R P projeto especial CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO - 2008 | EDIÇÃO 78 | ANO XI | ESPECIAL “É muito bom conversar” WAGNER JEAN BRUNO COELHO THAYANA FREITAS 4º SEMESTRE O que pensamos quando ouvimos a palavra asilo? Imaginamos logo um local de retiro e solidão. Refletimos a respeito de uma velhice solitária, até mesmo sofrida e melancólica. Mas, não é bem assim. Asilos são lugares cheios de histórias, algumas alegres outras nem tanto. Porém, é um espaço de experiências onde se pode aprender e ensinar, e é recomendável escutar mais do que falar. Trata-se de um ambiente que impressiona, pois há pessoas guerreiras que batalham a vida toda, tornando–se, às vezes, ásperas e fechadas. Entretanto, há muitos que demonstram ser mais abertos, com o prazer de compartilhar algumas de suas histórias, trajetórias e, principalmente, lições de vida e de valores. São esses maravilhosos personagens que, hoje, se encontram abrigados no Asilo São João Bosco. VANESSA MENDONÇA WAGNER JEAN WAGNER JEAN VANESSA MENDONÇA 02 CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 ESPECIAL Centro de Convivência recebe atendimento Ascom Atividades de educação em saúde, assistência e prevenção são oferecidas aos participantes do Centro de Múltiplas Referências e Convivência do Idoso “Vovó Ziza”, localizado em Campo Grande. Por meio do projeto Juntos Promovendo a Longevidade, acadêmicos de dez cursos da Anhanguera/Uniderp desenvolvem, semanalmente, até o final do ano ações que contribuam para a qualidade de vida dos idosos que freqüentam o local. Estudantes de Nutrição, Psicologia, Enfermagem, Ondontologia, Educação Física, Farmácia, Direito, Serviço Social, Fisioterapia e Ciência da Computação irão desenvolver trabalhos que envolvam temas como: direito do idoso, diabetes, hipertensão, transtornos mentais, doenças cardiovasculares, qualidade de vida e longevidade, entre outros. “Sentimos a necessidade de inserir na formação dos alunos atividades que contemplem o atendimento das necessidades humanas básicas, de integração e valorização do idoso junto à família e à comunidade”, explicou o coordenador-geral do projeto, professor Alan Marks. Segundo o pró-reitor de Extensão da Anhanguera/Uniderp, professor Ivo Busato, este é mais um dos inúmeros projetos desenvolvidos pela Universidade. “É uma ótima oportunidade para os nossos acadêmicos colocarem em prática os ensinamentos teóricos obtidos, e com certeza, a população que utiliza o Centro de Convivência do Idoso “Vovó Ziza” vai ficar muito feliz pela maneira carinhosa e competente que vai ser atendida”, destacou. Ações Os acadêmicos de Nutrição realizam avaliação nutricional para orientação sobre uma alimentação saudável. O curso de Enfermagem monitora a saúde dos participantes por meio da verificação da pressão arterial durante as atividades físicas realizadas no centro. Já a Fisioterapia presta atendimento através de implantação de técnicas relacionadas ao alívio de dores ocasionadas pela idade; mobilizações articulares; relaxamento muscular, entre outros. O curso de Farmácia realiza ações educativas e preventivas por meio de palestras; a Psicologia busca estratégias de intervenção a partir do diagnóstico situacional de cada um, tendo como norte a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa do Ministério da Saúde e avaliação psicológica. A Odontologia atua, entre outras coisas, com encaminhamentos para atendimentos clínicos no Complexo Policlínico Odontológico da Anhanguera/Uniderp; enquanto isso os estudantes de Educação Física proporcionam aos idosos fácil acesso à prática de atividades físicas. Já o curso de Direito presta assistência jurídica e social aos idosos; e o curso de Ciência da Computação acesso à informação e atividades na área de tecnologia da informação, proporcionando a inclusão digital. porque ela não tinha condições de cuidar de mim”. O tempo todo em que conversávamos, segurava uma fotografia na mão, mostrando como era linda sua netinha. A menina da foto parecia ter uns quatro anos. E já faz “uns cinco” que a viu pela útima vez. Sebastiana da Silva, 66 anos, é devota de Santa Luzia e diz que reza toda noite, quando vai dormir. Somos interrompidas com a oração da Ave Maria, a qual rezou empolgada, transmitindo-nos muita fé e religiosidade. Em seguida, fala que ainda sabe o alfabeto inteiro. E ela, com muita empolgação, soletra todas as le- tras, inclusive a K. No seu humilde quarto, que divide com mais cinco amigas, ela leva uma vida simples, mas organizada. Sua cama se encontra arrumadinha e seu guarda-roupa trancado, depois de ter sumido um sabonete vermelho que ganhou de uma amiga, nos conta ela. No seu criado-mudo, além da foto da neta, há algumas imagens de santos e uma estátua de São Sebastião. E, ao lado, pregado no seu guarda-roupa, um porta-retrato com três fotos dela própria. Uma, inclusive, andando de motocicleta com o seu amigo Donizete, que a visita todos os domingos. “Ele toca violão pra mim”, diz, com os olhos brilhando. E até bem envergonhada, comentou sobre um possível “namorico” com o Donizete. Diante de tantas lições de vida que cada uma dessas pessoas nos ensinaram com uma simples conversa, percebemos, que devemos, sim, dar importância às pequenas coisas da vida. E é com um novo olhar que terminamos a visita a nossa querida e nova amiga, a dona Sebastiana, dizendo, não um adeus, e sim um até mais; pois, a promessa de novas visitas tivemos de assumir, e, com isso, fica a oportunidade de novos aprendizados. WAGNER GUIMARÃES Estudantes de vários cursos da Anhanguera/Uniderp desenvolvem trabalho no Centro Vovó Ziza Uma história e uma grande lição de vida CHARLINE PRESTES KARLA LYARA 4º SEMESTRE Os traços físicos transmitem felicidade. De longe, se ouve uma voz dizendo: “Oiiii, Gatas...vieram me visitar?”. É dona Sebastiana, com um semblante de pura alegria. Toda arrumada, de batom nos lábios, pulseiras, colares e um vestido colorido que ganhara de uma amiga no dia anterior, ela nos recebe com grande simpatia. Viúva, seu marido morreu afogado há alguns anos. Sem lembrar certamente de quantos anos vive ali, diz: “Só sei que faz muito tempo que minha filha me trouxe pra cá, Expediente Unifolha – Jornal-Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp/Anhanguera) Ano XI - Nº 78 - setembro de 2008 - Tiragem 5 mil exemplares. Obs.: As matérias publicadas neste veículo de comunicação foram produzidas pelos acadêmicos do 4º semestre do curso de Jornalismo da Uniderp (N 40) Reitora: Professora Ana Maria Costa de Sousa Vice-Reitora: Professora Leocádia Aglaé Petry Leme Pró-Reitor Administrativo: Marcos Lima Verde Guimarães Jr. Pró-Reitora de Graduação: Professora Heloísa Gianotti Pereira Pró-Reitor de Extensão: Professor Ivo Arcângelo V. Busato Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Professor Raimundo Martins Filho Chanceller: Professor Pedro Chaves dos Santos Filho Diretor de Controle Acadêmico: Professor José Luis Leon Ramirez Coordenador do curso de Jornalismo: Professor Marcos Rezende Morandi DRT/MS 067 Jornalista responsável: Professor Alexandre Maciel (DRT/MS 172). Revisão: Professor Mário Márcio Cabrera (DRT/MS 109) Edição de fotos: Professora Elis Regina Nogueira (DRT/MS 090) Fotos capa: Vanessa Mendonça, Wagner Jean Projeto Interdisciplinar "Vivências" - 4º semestre de Jornalismo - Professores envolvidos: Alexandre Maciel, Carlos Kuntzel, Elis Regina Nogueira e Mário Márcio Cabreira. Projeto Gráfico, Diagramação: Acadêmicos N40 e professor Carlos Kuntzel DRT/MS 041 Estagiário de Diagramação: Acadêmico Wagner Jean Impressão: Gráfica "A Crítica" Unifolha - Rua Ceará, 333, bairro Miguel Couto, Campo Grande-MS. Cep: 79.003-010 – Tel:(0**67) 3348-8096. www.unifolha.com.br E-mail: [email protected] ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 03 Espaço acolhedor, convivência harmorniosa ISABELA FERREIRA THARYANA DURIGON 3°. SEMESTRE A idéia de criação de um lar para atender idosos nasceu em 31 de maio de 1923, quando um grupo de homens, liderados pelo padre Arcângelo Lanzillotti, fundou a Conferência Vicentina Nossa Senhora das Vitórias. A partir daí, o Asilo da Velhice Desamparada e Carente São João Bosco mudou várias vezes de endereço. Até que, em 1968, o prefeito da época, Plínio Barbosa Martins, doou uma área de três hectares, localizada no bairro Tiradentes, onde o asilo está instalado até hoje. O local conta com duas alas, uma para as mulheres e outra para os homens. Cada uma possui, em média, 15 quartos, dois banheiros coletivos, refeitório, sala de televisão e rouparia. Porém, o setor masculino ISABELA FERREIRA Voluntários dedicam boa parte do seu tempo para dar atenção aos idosos também disponibiliza um salão de cabeleireiro, uma farmácia e uma sala para tratamentos odontológicos. No pátio, estão situadas: uma capela, uma pista de cooper, churrasqueira e um pequeno salão, onde são realizadas algumas atividades. Há, ainda, entre outros espaços, horta, pomar e galinheiro. Além disso, o Asilo São João Bosco proporciona aos idosos tratamento fisioterapêutico, disponibilizando um bem equipado Centro de Fisioterapia. Segundo a professora e fisioterapeuta, Maristela Lima, o atendimento é feito por acadêmicos de Fisioterapia. A casa abriga 135 idosos, sendo 65 mulheres e 70 homens. De acordo com o diretor-geral do asilo, Telso Mendes, são poucos os idosos visitados. Para se ter uma idéia, “dos 70 homens, apenas cinco recebem visitas de familiares”, afirma o diretor. Ele diz também que existe uma lista de espera com 32 pessoas que aguardam uma vaga. “60% dos idosos são dependentes; por isso, o asilo requer um grande número de funcionários”, complementa Telso. Para tanto, o local conta com 97 funcionários. A casa de apoio sobrevive por meio de doações, sendo 80% da sociedade, 5% da aposentadoria de alguns idosos e 15% de repasses do governo. O custo por idoso chega a mais de mil reais por mês. Para melhorar a infra-estrutura, está prevista a construção de um Centro Médico e Administrativo, um galpão de lazer, a reestruturação da guarita e a uniformização dos funcionários. “Nós queremos fazer desse asilo o melhor do Brasil, com a ajuda de todo mundo”, finaliza, esperançoso, o senhor Telso. Além de receber doações, o asilo está, todos os dias, de portas abertas. Vá conhecer suas instalações e leve o seu carinho e a sua atenção a quem já fez tanto pela sociedade. Pechincha é fonte segura de renda para o asilo GABRIEL NERIS Dona Helena Correia administra a pechincha do asilo há mais de cinco anos GABRIEL NERIS VICENZZO MANDETTA 3°. SEMESTRE As dificuldades que o Asilo São João Bosco passa atualmente poderiam ser bem maiores, se não contasse com uma lojinha localizada na rua 26 de Agosto, no centro de Campo Grande. A pechincha, que leva o nome do asilo, conta com quatro funcionárias, que se dividem em du- as atendentes, uma copeira e uma gerente. Esse mesmo grupo está junto há mais de oito anos. Helena Correa Leite, 76 anos, é quem administra o recinto, há mais de cinco anos. Mas, a sua história na Pechincha do Asilo São João Bosco começou há 21 anos, quando seu marido faleceu, e Helena se viu na necessidade de trabalhar para sobreviver. Hoje, o trabalho de dona Helena é voluntário, segundo ela, para não ficar sozinha. O público é atendido pela pechincha é dos mais variados estilos e das mais diversas classes sociais. Toda a renda obtida pela loja vai diretamente para o asilo, e seu faturamento, hoje em dia, fica entre dois e três mil reais por mês. “Inverno e festa ju- nina são as épocas que mais temos trabalhos por aqui. O movimento durante esses períodos é muito grande. Fica até meio ‘puxado’ para a gente. Antes, nem tanto, porque contávamos com vários voluntários. Mas hoje, parece que ninguém mais quer ajudar”, revela a gerente da pechincha. Todas as doações passam primeiro pelo asilo. Lá, há uma filtragem, a partir da qual se vê quais roupas serão comercializadas e quais ficarão para o uso dos idosos. Roupas sem condições de comercialização também são doadas para sem-tetos e mendigos. As despesas da diretoria do asilo não são muitas, somente com limpeza e com o salário da copeira e das duas atendentes. “O almoço é por conta da gente. A diretoria manda alguma ajuda, mas fazemos uma vaquinha entre nós e compramos alguma coisinha no mercado. Fazemos aqui na cozinha”, explica a ex-costureira. Dona Helena também reclama da falta de atenção não só com o asilo, mas com a pechincha. “Nunca deram atenção para nós. Também, nunca fizeram um trabalho para divulgar a nossa pechincha”. Entretanto, ressalta a importância daqueles que freqüentam o estabelecimento. “Algumas empresas ajudam a gente, e sempre estão aqui dando uma força”. Apesar do baixo número de funcionários, o local não fecha em momento algum durante o ano. Segundo dona Helena, existe um revezamento na troca de funcionários no período de férias. 04 ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 Juventude solidária em ação DOUGLAS QUEIROZ LIANA FEITOSA 4º. SEMESTRE “Ficar velho é triste” desabafa, depois de dar algumas risadas, dona Carmem, carioca, de 87 anos, que mora há dois, no Lar dos Idosos São João Bosco. Apesar da solidão que sente, dona Carmem espera cheia de expectativas o domingo – dia em que o “asilo” se colore e ganha vida com seus visitantes. São jovens, adultos e pessoas mais vividas pertencentes a grupos religiosos ou não. Todos voluntários, que separam alguns, ou todos os domingos do mês, para visitar os idosos. “O lugar é fantástico. O nome ‘asilo’, que nem é o certo, é que causa má impressão”, diz dona Maria do Rosário, nora de uma das moradoras do Lar. Maria do Rosário menciona, ainda, o trabalho desenvolvido ali, citando que, “muitas vezes, a necessidade de convívio social é que traz os idosos pra cá”. Rafael Pleutin, estudante de Direito, há três anos freqüenta o “asilo”. Há cerca de um ano, comparece todos os finais de semana. “No começo, achava que eu estaria ajudando eles. Mas hoje, eu vejo que eu quem sou ajudado. Fiz muitas amizades aqui. Tem senhores, que os considero como se fossem meus entes queridos”, explica o estudante. Passeando pelos corredores, Rafael volta ao quarto de dona Carmem, com quem já havia conversado brevemente, naquele dia. “Ela é uma das minhas melhores amigas aqui”, diz. Entra, puxa uma cadeira, senta-se ao lado da senhora que, surpreendida ALYNNE ZANCANELLI pela visita, ajeita-se na cama e coloca alguns livros e algumas revistas de lado. “Dona Carmem gosta muito de ler”, fala o jovem. E ela reforça: “Ler é muito bom, né? Passo meu tempo lendo, gosto mesmo de ler”, afirma a simpática senhora, com um sorriso entre os lábios. Em perfeita lucidez e com ótimo bom-humor, ela nos conta sobre sua amizade com o voluntário e algumas poucas experiências. Perguntamos para Rafael o que ele acha quando alguém se refere ao local como um lugar triste. “Se o asilo é triste, imagina se não viesse ninguém”, questionou o jovem. Dona Carmem concorda e, ainda, assegura que se houvesse mais visitantes, tudo seria melhor. “Quando chega alguém de fora, os assuntos são diferentes, as pessoas são diferentes". As mulheres chegam com ca- Rafael e Carmem: Idade não representa empecilho para amizade belos modernos, roupas bonitas. Domingo é o melhor dia aqui!”, confessa-nos a entusiasmada dona Carmem. Depois da visita, fica clara a idéia de que uma das mais valiosas contribuições dos moradores do Lar para aqueles que o visitam são as suas experiências de vida. Troca de carinho constrói anos de trabalho dedicado ALYNNE ZANCANELLI RAFAELA ALVES 4º. SEMESTRE Funcionaria do Asilo São João Bosco, dedicando-se mais um dia pelos idosos LIANA FEITOSA Simára Marcelino de Castro, 36 anos. Funcionária do Asilo da Velhice São João Bosco, há oito anos vive entre idas e vindas. Ela é umas das funcionárias responsáveis pela limpeza desse cantinho que encanta a todos pela simplicidade daqueles que ali vivem. Quando encontramos, ela estava varrendo o corredor da ala das mulheres, e entre uma varrida e outra se distraía tomando chimarrão com Ana, uma senhora muito simpática. Depois de muita conversa Simára, enquanto limpava a Capela, foi se soltando aos poucos. Perguntamos como era trabalhar ali, com um silêncio, mostrando não entender, ela pergunta: "Como assim? Como é a sua rotina aqui dento?" Ela deu risada e disse que quase sempre chega atrasada, pois, tem três filhos e que sua rotina é uma correria, mesmo morando próximo ao asilo. Todos os dias ela entra às 6 da manhã, segue até as 11 horas e depois cumpre expediente das 13h30 às 16 horas. Raramente almoça em casa. Pegou o seu carrinho e se dirigiu à capela procurando alguém para ajudá-la. Perguntamos se ela fazia o mesmo serviço todos os dias. Sempre intercalando com as outras funcionárias dos lugares, nunca está no mesmo lugar. “Não gosto da cozinha e de limpar a casa das irmãs”, comenta a funcionária. Diz que adora ajudar no banho e dar alimento para aqueles que necessitam, de ajuda. Enquanto limpava os bancos da capela perguntamos se ela gostaria de trocar de serviço, arrumar algo em outro lugar. Então ela pára de limpar os bancos, respira fundo e, sem mesmo pensar, responde: “Não canso do serviço, não troco por nada, me sinto muito bem e aqui os funcionários formam uma família”. Simára se dedica a todos, mais em especial tem Tiana, uma senhora do asilo, que costuma chamar de “mãezinha”. Pelo pouco que estivemos com ela e acompanhamos sua rotina, ela é bem queridas tanto pelos velhinhos, quanto pelos funcionários. ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 05 “Nego bom não se mistura” RENAN CAMPOS VINICIUS PEREIRA 4º SEMESTRE Nicolino Alves Ferreira, 82 anos, esse é o nosso personagem. Um senhor que a princípio parece um pouco tímido e que não gosta de se misturar. Afinal, como Nicolino mesmo diz: “Nego bom não se mistura”. Nicolino nasceu na Serra de Jateí, em Brasília, há 8 anos vive no Asilo São João Bosco. De acordo com o vovô, como são chamados os idosos no local, quem o deixou foi uma grande amigo dele, pessoa que ele ajudou a criar e até hoje sente muita gratidão. Seu Nicolino desde cedo teve que trabalhar. Ele não teve oportunidade de estudar, sempre freqüentou fazendas. Sua atividade favorita era andar a cavalo. Viveu alguns anos em Aquidauana. Lá, ele disse que também gostava de pescar. Seu Nicolino teve de dar seus pulos desde cedo, por isso não tem contato com sua família. Mas, como ele mesmo conta, teve duas filhas. Uma infelizmente faleceu aos seis meses e a outra, conforme relata, “quis seguir os passos da mãe”. O vovô Nicolino não gosta de televisão. Para ele a violência do dia-a-dia não o agrada, só o desanima. Perguntamos o que ele aprecia. Seu Nicolino abre o sorriso e diz: “Comer e dormir”. E agora, ele já mais solto, mostra ser uma pessoa muito simpática e divertida. Porém, disse que prefere passar o dia sozinho, às vezes curte um sonzinho. Seu ritmo preferido? O sertanejo. Mesmo com 82 anos, Nicolino tem um sonho: “Quero terminar minha vida aqui. Eu tenho comida, foi graças ao asilo que fiz três operações, sou muito grato”. Seu Nicolino já trabalhou em muitas atividades. “Eu fazia qualquer serviço, já fui peão, desmontei circo, até na prefeitura já trabalhei, conheci muitos lugares”. E conheceu mesmo. O vovô Nicolino disse que só não conheceu o Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, mas, em sua passagem por lá, viu a estátua do Cristo Redentor. Seu Nicolino é corinthiano, mas não acompanha o time. O vovô lembra de ter visto, Sócrates, Rivelino vestindo a camisa do time. Aqui em Campo Grande ele torce pro Operário, e chegou a acompanhar alguns jogos do Galo no Morenão. Um de seus passatempos preferidos é tomar mate, mas sozinho. Afinal, “nêgo bom não se mistura”, né seu Nicolino? Perguntamos se ele era feliz, e se tinha algum arrependimento. Seu Nicolino res- pondeu: “Não tenho arrependimento não, o que passou, passou, mas tá bom, a vida é assim né?”. Nicolino, mesmo com a idade, ainda tem uma paixão: “A vida”. RENAN CAMPOS Vovô Nicolino no seu local preferido dentro do Asilo São João Bosco: a cadeirinha, que fica no final do corredor Uma lição de vida RAFAEL GORDO PEDRO ZIMMERMANN 4º SEMESTRE No Asilo São João Bosco presenciamos a triste vida de alguns idosos que são deixados lá por suas famílias. Mas, às vezes os idosos se acostumam com seu novo lar e não aceitam mais voltar para a casa de seus familiares. Isso ocorre com Feliciana, 71 anos, que diz já ter se acostumado a viver no asilo. De acordo com ela, lá é um lugar difícil para se fazer amigos, pois nem todos os idosos têm a mesma lucidez que ela e, por isso, se torna mais fácil fazer amizade com as pessoas que vão lá visitar os idosos. D. Feliciana vive em cima de uma cadeira de rodas devido a problemas como artrose e osteoporose. Questionada se era bem tratada no asilo, Feliciana ficou sem reação por alguns segundos, deu um sorrisinho irônico e respondeu em voz baixa: “Às vezes eles não tem paciência com a gente.”. Ela nos conta que os principais passatempos usados por ela são a leitura, a televisão, e uma escola para crianças, que funciona dentro do asilo. Ela disse que também gosta muito de ouvir músicas, em especial as cantadas por Sérgio Reis. Já dançou muito em bailes e, também, foi uma jovem muito namoradeira. Quando relembra histórias abre um sorriso e pergunta: “quem não gosta de namorar né?”. D. Feliciana nunca foi casada e não possui filhos. Já foi convidada a morar com a família, mas Feliciana não aceitou o convite e diz preferir ficar no asilo. Mesmo com sua recusa, a família não a abandonou. Seus sobrinhos costumam aparecer com frequência para visitá -la. 06 ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 Uma vida com milhares de sonhos WAGNER JEAN PRISCILA BARBIÉRI VANESSA MENEZES WAGNER JEAN 4º SEMESTRE Logo que chegamos à sala de fisioterapia, fomos questionados: “Você quer saber de mim? Da minha história?”. E, em uma conversa descontraída e diferente, pelo fato de que o “vôzinho” ficou o tempo todo deitado em uma cama fazendo seus exercícios, conhecemos um senhor que exala a felicidade às pessoas que estão a sua volta. Valdemar Januário de Souza, de 64 anos, nasceu no Piauí e veio para o antigo Mato Grosso, ainda criança, com seus pais e mais quatro irmãos. Com imenso ar de saudade, apesar do passado distante e das poucas lembranças que restam, seu Valdemar fala de sua família com um aspecto bastante melancólico. Com o tempo, sua família foi se perdendo pelas imensas terras desse Brasil, que guarda em cada pedaço de chão uma história especial, que merece ser contada detalhadamente. Mas, para seu Januário, como os demais moradores do asilo o chamam, fica a eterna sau- Muito mais que um asilo. Para Januário, o local é um verdadeiro lar, onde pode sonhar com um mundo melhor dade de seu irmão mais velho, Valdomiro, que tanto o protegia das “armadilhas” que a vida nos põe à prova. Nesse momento, o nosso “vôzinho” se senta na cama e, com uma respiração ofegante, tenta conter nos olhos as lágrimas que insistem em expor todo o sentimento de um “garoto”, ainda à espera do seu anjo-guardião. Apesar de guardar boas recordações de sua infância, Januário resolveu construir uma nova família no estado. Assim, se casou e teve duas filhas. Atualmente, apenas a caçula o visita em sua nova morada. Questionado sobre a mulher, ele não hesita e responde com um ar de malandragem que tinha “aprontado muito”. Então, ela o deixou. Este lugar que está disposto a acolher a todos os idosos que precisam de um lar é para o nosso “vôzinho” uma verdadeira casa, com moradores que constituem uma imensa família. Apesar de toda a felicidade e todo o prazer de viver naquele local que abriga em seu interior toda uma beleza invejável aos olhos humanos, Januário aspira um desejo incontido de melhorar sua condição física, se curando das sequelas deixadas por um derrame que ele teve há cerca de 10 anos. E, também, de voltar a conhecer todo um mundo que se encontra ao redor das cercas do Asilo São João Bosco. “É muito bom conversar”. Essas foram as últimas palavras de um senhor que esbanja simpatia e carinho. Que, apesar das fortes marcas deixadas pelo tempo, não abre mão de sonhar, e segue em frente, com o vigor adquirido na mocidade. Caráter respeitador e fé inabalável VANESSA MENDONÇA Reflexão: hábito diário de João Batista DANIELA DAMAZIO VANESSA MENDONÇA 4º SEMESTRE Ambiente extenso e arborizado, cabeças brancas ao longe. Entra em cena um japonês bem franzino, Tadao Sano, que nos surpreende com tamanha disposição e inteligência, pois transcrevia sua fala numa folha sulfite amassada. Seria uma ótima entrevista, se soubéssemos falar japonês, ou ao menos entender seu fanho português. Continuamos nossa caminhada, e lá estava ele. Solitário na varanda, pensativo, sentado em uma cadeira de fio, observando o movimento da rua. Alto, moreno, de sorriso largo e muito simpático, não tivemos dúvidas de que, João Batista Ramires, finalmente, seria o nosso grande personagem. Natural de Ponta Porã, 86 anos, orgulha-se de ter sido criado em fazenda, de onde fugiu aos 13 anos de idade. Tinha uma enorme vontade de estudar, mas seu pai não aceitava e batia muito nele. Várias vezes repetia em nossa conversa que, respeito era sua palavra chave. “O meu sistema sempre foi sim senhor, não senhor”. Aproximadamente 40 anos longe de casa, ele comenta a falta que sentia da sua mãe. Inclusive, ao reencontrar a família, seu pai já havia falecido há um bom tempo, e sua mãe estava muito doente. Com um semblante de saudade, se confessava orgulhoso por tê-la sob seus cuidados durante 10 anos. Após a morte de sua mãe, João Batista ficou “fraco da cabeça”, como ele mesmo diz, e passou então a vagar solitariamente pelas ruas de Campo Grande. Morador do Asilo São João Bosco, foi trazido pelo Corpo de Bombeiros há pouco mais de uma década. Separado, não recebe visita das irmãs, e raramente um dos seus filhos vem vê-lo. Ele lamenta não saber a quantidade de netos e bisnetos que tem, mas não se mostra amargurado em nenhum momento, pois é um homem de muita fé. “Adoro viver no asilo. Aqui aprendi a ler, escrever e até mexer no computador”. Emocionado, comenta que sonha com as comitivas de boiadeiros do seu tempo de mocidade, e nos faz finalizar a entrevista com os olhos marejados d’água, quando nos pede um breve retorno com um retrato nosso de presente. ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 07 História de uma vida sem fronteiras BRUNO CHAVES DAIANE LÍBERO 4º. SEMESTRE Enquanto a maioria dos senhores e senhoras que vivem no Asilo São João Bosco tomavam sol no pátio externo, sentados em cadeiras de rodas ou bancos de concreto, um senhor caminhava pelos corredores azulejados dentro do prédio frio e com pouca luz. Seu caminhar era suave, atilado. João Rodrigues Martins, 77 anos, ex-soldado do Exército de Lisboa, radicado no Brasil, há 50 anos, há 33 residindo no estado de Mato Grosso do Sul, inicia a conversa dizendo que sua vida não tem nada de especial. E, assim que começa a galgar as palavras, como se fossem seus passos firmes, logo se vê que a boa memória DAIANE LÍBERO Com pouca paciência e um olhar inquieto, Fernandes narra a sua vida também é uma constante, através das datas exatas que ele cita. “A última vez que quis sair do asilo foi em 18 de janeiro de 2001”. Há 11 anos morando lá, convive apenas com outros velhinhos e funcionários, porque nunca constituiu família. Ele consegue contar em detalhes a vez em que veio de Aquidauana até Campo Grande a pé, sozinho, ou quando passou dias andando por Mato Grosso. Veio para o Brasil à procura de trabalho, que encontrou no campo. Questionado se sente saudades dos seus dias de andarilho, ele responde: “Quem anda nunca guarda nada”. Rodrigues diz que sua relação com as pessoas do asilo é cordial. “Quando não tem nada pra comprar, nem pra vender, todo mundo é amigo”. Ele reclama de alguns aspectos do asilo e de suas doenças. (“Fui operado da vesícula em 2 de abril de 1997”). E afirma que o que mais gosta de fazer ali é andar, como não poderia deixar de ser. Aos poucos, enquanto falava, os olhos fundos no rosto moreno, emoldurado pelo tempo, começaram a demonstrar descon- forto com as perguntas. “Vocês me dão licença, preciso sair”. E sumiu asilo adentro. A funcionária Maria de Lourdes Silveira, que cuida de idosos há 11 anos, não se espanta com a interrupção de João. “O Rodrigues? Ele é assim mesmo, não tem paciência”. Se ela sabe de algo a respeito da vida de João, em Lisboa, responde: “Ih, esse daí já foi até para o Japão!”. Sua paciência só se mostra presente quando caminha, o que ele faz algum tempo depois, nos jardins tristes do asilo, onde o vento, sua única companhia, mexe nas árvores com força. Não parece querer remexer nas lembranças, que sem querer deixam transparecer sua lucidez. Andar ainda parece ser a única solução que resta nesses 11 anos. Trajetória de um homem solitário RAUSTER CAMPITELLI SABRINA LEAL 4°. SEMESTRE Ao chegarmos ao asilo, sentimos um leve clima melancólico. Porém, esta sensação logo perdeu lugar. Foi difícil, a princípio, escolher um dentre tantos rostos que habitavam o pacato lugar. Em um local reservado, avistamos um senhor solitário, lendo sua revista. Chegamos até ele, que, de imediato, concordou em nos ajudar, apesar de seu rosto demonstrar um misto de desconfiança e curiosidade. Seu nome é Alíguio Mariano. Morava em Cornélio Procópio–PR, nunca teve filhos e nem se casou. Era andarilho e nunca estudou, trabalhando na lavoura, desde os 11 anos de idade. Porém, há mais de 30 anos, parou de trabalhar. Sem destino ou mesmo contato com a família, andava sem rumo. Há dois anos e meio, no Asilo São João Bosco, diz que considera o local bom, pois é bem tratado. Mas, quando perguntado se gosta de viver lá, logo responde: “tem que gostar daqui, não tem opção”. Se pudesse fazer algo com total liberdade, conta-nos com um leve sorriso, tomaria cachaça. Demonstra, inclusive, um desejo: uma garrafa da mesma bebida. “Cheia, porque vazia não serve”. Sobre o que mais gosta de fazer, cita tomar banho, lanchar, dormir e ler. Coisas tão simples, que até nos passam despercebidas. Perguntamos sobre seus sonhos e percebemos certa desilusão em seu olhar. Diz que não poderíamos realizar, pois seu sonho era sumir de lá. SABRINA LEAL Sentado em local reservado, Alíguio prefere a companhia das revistas Mais ao lado, estava João Batista, melhor amigo de Alíguio, uma das poucas pessoas com quem se relaciona. Além dele, falou-nos de dona Lourdes, funcionária do asilo e conside- rada por ele a pessoa mais importante de sua vida. Próximo ao final da conversa, parecia que ele já tinha se acostumado com a nossa presença, agindo com naturalidade e sorrindo, respondendo às perguntas de forma solta. Conseguimos despertar certa confiança e tivemos a impressão de que ele não queria mais ficar sozinho, mesmo tendo deixado claro que preferia passar a maior parte do tempo assim, longe das conversas alheias. Sorridente, procurava nos manter um pouco mais em sua companhia, parecia estar feliz com o auxílio prestado a nós, sentindo que estava contribuindo para que nosso trabalho fosse realizado com seriedade. Inclusive, enfatizou: “Caso o jornal seja entregue, vou deixar de lado as revistas”. Ao fim, agradecemos e nos despedimos. Ele fez o mesmo, talvez pela nossa singela presença e atenção prestada. Mas, na verdade, nós é que temos que agradecer, pelo rápido, porém precioso aprendizado. 08 ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 Diferenças não impedem mesmo sentimento DANIELE RAMOS GEYSA RODRIGUES 4º. SEMESTRE Logo que chegamos, encontramos várias senhoras, uma ao lado da outra, formando um corredor. Mas, não um simples corredor, e sim pessoas dispostas a nos recepcionar. Percebemos, então, a agitação causada com a nossa presença. Olhares atentos, gestos carinhosos, todas querendo uma só atenção. Caminhando para a área feminina, encontramos mais senhoras, umas assustadas, outras muito bem-humoradas, como dona Amélia, que, nos chamou a atenção com seu cumprimento carinhoso: “Bom dia, flor do dia”. E, desta forma, respondemos com as mesmas saudações. Talvez, não esperasse que pudéssemos corresponder e, logo, despertou um sorriso radiante. Mas não queríamos somente atenção. Fomos mais adiante. Passando pelo corredor, observamos os quartos. Entre tan- tos, alguns vazios. Em um determinado momento, deixamos de olhar para os quartos e avistamos um olhar adiante. Foi nesta ocasião, que encontramos três personalidades: Terezinha de Jesus, Elisa Carneiro, Resende, e Ana. Sentada na mureta ao fundo, lá estava Terezinha, fa- zendo seu crochê, inclinando seu corpo para frente e para trás, apresentando certa inquietação com a nossa presença. Tentamos nos aproximar, mas, de início, não tivemos sucesso. Ao lado, estava dona Ana, uma senhora de olhar sofrido, mas com o tom de voz doce e DANIELE RAMOS Verdadeiras e comoventes histórias são contadas por essas simpáticas senhoras MARIA CECÍLIA DANIELE RAMOS Olhar triste demonstra abandono com a idade, a bochecha murchou e, agora, fiquei assim”. Fizemos uma foto da dona Terezinha também. Vaidosa, ela quis que o retrato mostrasse a bolsa que guardava seu crochê e, imediatamente, pediu para ver como havia ficado no registro. Sorriso meio firme. Dona Ana também apareceu na foto, muito simples e meiga. Sorriso tímido. Identidade de uma vida com muitas histórias para contar MARIA CECÍLIA ROSÁLIA PRATA 4°. SEMESTRE Todos os dias, Lauro Areco aguarda para saborear o que diz ser “a melhor parte” acolhedor. Sentada em uma cadeira de fio, estava a dona Elisa, mulher frágil, que utilizava uma bengala, para apoiar as pernas, que já não mais ofereciam suporte. Ana e Elisa não dispensaram nossa presença. A princípio, conversamos sobre a situação de sua estada no local. Elisa, de início, deixou claro que não apreciava o lugar, pois se sentia impossibilitada de qualquer atividade. “Sempre trabalhei muito e tudo que conquistei deixei para os meus filhos. Agora, veja onde eles me deixaram”. Olhar de decepção. Ao perceber que nossa conversa fluía com a Ana e Elisa, Terezinha pareceu se sentir enciumada e começou a querer atenção. Conversamos um pouco sobre como é morar ali, longe da família. Interagindo conosco, pedimos para tirar uma foto e foi aquela agitação. Dona Elisa não queria muito, mas aceitou. E logo pediu para ver como tinha ficado. “Olha, fiquei sem bochecha. E, Sozinho em seu quarto, quando o encontramos, estava Lauro Areco, 80 anos. Não levou muito tempo para que começasse a falar de sua vida: dos três casamentos e dos quatro filhos, frutos destas relações. Filho de pai paraguaio e mãe bugra, aos oito anos, seu Lauro foi morar no Paraguai. Voltou só depois de completar 18 anos. Porém, sua jornada apenas começava, pois teve passagem também pela Argentina, além de muitas cidades em Mato Grosso do Sul. Ele trabalhava como carpinteiro e disse ter conhecido todo o Pantanal, devido a esse ofício. Com seu idioma oficial, o “portunhol”, Lauro tentava explicar a sua vida no asilo: “No me gusta os enfermeiros. Ellos vêm aqui, todos los dias e me perguntam sempre las mismas cosas”. Contou também que ajuda no recolhimento dos copos, depois do almoço. Por isso, a cozinheira separa para ele a “melhor parte” da comida. Se distrai cantando, fumando algumas vezes, apesar de não saber se é ou não proibido. Visitas, ele disse não receber, pois também não sabe de seus familiares. Lembrou de sua admiradora, segundo ele uma “velha choca, que vem encher o saco”. Em relação ao futuro, ele nem pensa. A única certeza é que casamento não quer mais. “Já tive três matrimônios. Está em la hora de descansar!”. A hora do almoço se aproximava. Nos despedíamos, quando o senhor galanteador advertiu que, se não tivéssemos namorados, devíamos procurar um bom moço e não um paquerador como ele. ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 09 Uma vida cheia de histórias e lembranças GUSTAVO DE DEUS Dona Tiana: “Uma boa dose de alegria e amor é um santo remédio” ALINE ARANDA GUSTAVO DE DEUS 4º. SEMESTRE A primeira impressão que se tem ao pensar em um asilo é a de um lugar triste, frio e sem histórias felizes. Mas, no Asilo São João Bosco, as coisas são um pouco diferentes. Claro que o abandono está presente na vida das pessoas que residem ali, mas o que impressiona e emociona é a forma como elas reagem e vivem. A maioria dos idosos residentes são alegres, otimistas e brincalhões, como a nossa amiga Sebastiana Ribeiro de Oliveira, ou simplesmente Tiana. Quando a encontramos, Tiana estava sentada em sua cadeira de rodas. Ela usava óculos escuros e conversava com algumas amigas no corredor que circunda toda a ala feminina. Logo percebemos que a nossa personagem é muito comunicativa, quando se antecipou, respondendo uma pergunta ainda não feita: “As pessoas me perguntam por que eu estou aqui. Eu digo que é porque eu preciso. Eu não tenho pai, não tenho mãe”. Tiana está no asilo há 13 anos. Chegou aqui com 52 e, hoje, aos 65, nos surpreende com a exatidão da sua memória, ao se lembrar do dia da sua chegada. “Eu cheguei aqui em 95, no dia 22 de março de 1995, foi numa sexta-feira, às quatro horas da tarde. Está tudo guardado na minha cabeça”. Eufórica e atenciosa, ela nos convidou para um passeio pelo asilo, começando pelo que parece um tipo de praça, onde os homens se divertem em um carteado. Após uma rápida passagem pela “turma do Bolinha”, Tiana nos conduziu para a pista de caminhada, onde contou sobre a sua rotina no asilo. “Aqui, a gente estuda. Já tive até aula de computação. Como eu gosto! A primeira vez que eu vi um computador, a professora me perguntou: Tiana, você já viu um computador? Eu disse não, mas posso escrever o meu nome? Eu escrevi certinho”. Durante o trajeto, notamos, ladeando a pista, em meio às inúmeras árvores frutíferas, pequenas placas simulando o calvário de Cristo. É impossível não fazer uma comparação com a vida dos que moram aqui. A própria Tiana nos resume bem o pensamento dos moradores. “É melhor eu ficar aqui, amparada, do que ficar no meio da rua. Aqui, a gente tem médico a hora que quer e quando quer”. Enquanto nos despedíamos da nossa amiga, veio a sensação gratificante de sentir como se estivéssemos no quintal da casa de nossos avós, ouvindo suas histórias repletas de nostalgia. Condutor transporta sorrisos entre os idosos ALINE CIQUEIRA ERNANDES BAZZANO 4°. SEMESTRE Cinqüenta e seis anos representam, para alguns, cansaço, fraqueza e solidão, como se a vida já tivesse ensinado tudo que havia para se aprender. No entanto, mesmo com a rouquidão de sua voz e a barba esbranquiçada, “seu” Gilberto Vicente Kuviere de Freitas diz que a sua vida só está começando uma nova fase e, com ela, todos os ensinamentos que ainda virão. E que tem de vir, pois a vida não pode parar. O ex-comerciante, hoje dedica seus dias e sua disposição, que ele diz ser de um jovem de 18 anos, a servir, amar e aprender. Trabalha no Asilo São João Bosco, há dez meses, como motorista da caminhonete, buscando doações de grande porte como: geladeira, mesa e cama. Ele respira fundo ao comentar: “Eu amo o que faço, amo cada 'vôzinho' que mora aqui e tenho aprendido a dar valor nas pequenas e simples coisas da vida”. E ainda completa com um incentivo aos jovens de nossa sociedade: “Tenho mais de 50 anos e aprendi a gostar dessas pessoas em um mês de convívio. Posso garantir que uma semana fará grandes transformações na mente e no cotidiano de qualquer jovem ”. Com um rosto que transbordava paz, o senhor Gilberto transmitia respeito e carinho ao se lembrar de fatos engraçados e comoventes vividos naquele lugar, que, para ele, é como se fosse sua segunda casa, seu segundo lar. O horizonte trazia à tona suas recordações e seus aprendizados, além da grandiosa lição de vida que nos passava. Suas mãos, os gestos e o timbre de sua voz eram os espelhos de sua alma. Neste momento, a entrevista foi interrompida por um senhor que chegou para bater papo. Trazia em sua face um grande e simpático sorriso e, em suas mãos, um pequeno papel amassado com números e letras. Não podendo se comunicar por ser oriental, se despediu com um gesto de adeus. Minutos mais tarde, nos deparamos com um carro abarrotado de doações, como fraldas geriátricas, alimentos não perecíveis e alguns produtos de limpeza. Para o senhor Gilberto, a satisfação e o sentimento de realização são completos e seu lema é primeiro, os vôzinhos. "Tudo é feito para eles, depois para nós”. O humilde motorista pode usar da mágica de um sorriso para cada dia ser sempre melhor que o anterior. WAGNER JEAN “Transportar doações não é só profissão, é também realização”, diz Gilberto 10 ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 Triângulo amoroso na terceira idade GISLAINE GIRONDE José: amor moderno na terceira idade ALINE LEQUE GISLAINE GIRONDE 4°. SEMESTRE Asilo é o local para onde vão os velhinhos debilitados e carentes, certo? Não. A história dos namorados José, Cida e Maria prova que não só o asilo pode representar uma nova vida, como que para se apaixonar não tem idade. Os três moram no Asilo São João Bosco, em Campo Grande. Cada um tem uma história, uma vida, e acabaram se encontrando em um lugar totalmente inesperado. Sábado de manhã, caminhando pelos corredores, em busca de uma história para o jornal, fomos paradas por uma senhora sorridente, fazendo crochê. Maria Batista dos Santos, 67 anos, tem uma “cabeça muito boa”. Ela mesma complementa a definição. “Faço crochê, bordado, pinto pano-de-prato, toalha. Sou uma moça prendada”. Ficamos surpresas com suas histórias. Ela ainda falava sem parar. “Tomo três banhos por dia. Faço minhas unhas de vermelho e até sei lavar prato!”. Sem dúvida, sua vida é bem “agitada” no asilo. Estuda nos cursos oferecidos, adora plantar e conversa com todos. Questionando sobre sua vida, amores, amigos, ela conta que não tem companheiros. “Sou sozinha no mundo, sem amigos, só eu e Deus”. Mas, no meio de risadas e perguntas, Maria nos conta o que seria o maior motivo da nossa matéria: “Ah, você sabia que eu namoro? É sim, Ele é lindo, o Pernambuco”. Não pudemos conter o riso. Maria ali, toda feliz, com ar de apaixonada. Provou que amor não tem idade, nem hora certa. Já saímos puxando a Maria pelos corredores, para ela nos apresentar o namorado. Caminhando em direção à ala masculina, vira aqui, corre ali, chegamos ao quarto do seu José Pernambuco. Um senhor muito conservado, assistindo ao jogo do Brasil e comendo mortadela. Ele, muito atencioso, nos ofereceu assento e um pedaço do alimento. Começamos a brincar com o novo “casal 20” do asilo. Tiramos fotos, os dois juntinhos. Maria, muito envergonhada, pediu-nos para voltar à sua ala. Voltamos para a ala feminina, com a curiosidade aguçadíssima sobre o mais novo casal da terceira idade. Deixamos Maria e fomos procurar seu José, perguntando aos enfermeiros, se, realmente, o namoro existia, e fizemos a mais inusitada descoberta. José Pernambuco seria o “Garanhão da Madrugada”. Fomos entrevistar o famoso “garanhão”. José estava sentado numa cadeira, e indagamos sobre o tal apelido. Ele, com ares de “bacana”, nos conta que namorava Maria e tinha outra, a Cida. “Mas é assim mesmo. Homem bão é aquele que tem cinco muié, uma pra cada tarefa do lar”, nos conta, todo assanhado. “E se eu fosse mais novo, casava com você também”, disse para uma de nós, todo faceiro. Mal pudemos acreditar na história, que se encaixava. Saímos à procura de Cida, uma jovem senhora de 38 anos, com deficiência auditiva, muito carinhosa e apaixonada pelo Pernambuco. Entre risos e abraços, ela negou o romance, mais ficou toda sorridente quando falamos dele. No final do que era para ser uma entrevista, aprendemos uma lição com todos os senhores e senhoras do asilo. Não só pelo divertido passeio, mas pela descoberta de um romance, no que todos consideram como “final da vida”. Mostrando o verdadeiro significado do amor. Dona Dolfina: a “mãezona” do asilo PAULA REIS 4º. SEMESTRE Um lindo sorriso, muito ânimo, simpatia. Esta é dona Dolfina, uma das senhoras residentes do Asilo São João Bosco. Quando cheguei ao local, ela lia a Bíblia para suas amigas, um hábito que a acompanha desde criança. A simpática senhora lia em voz moderada e fluente. Mal pude acreditar que aprendeu a ler sozinha. Recentemente, a convidaram para freqüentar a escola, mas o convite foi negado. Dona Delfina disse que tem tudo o que precisa no livro sagrado. Nascida no interior do estado de Mato Grosso, não conheceu o pai, que a abandonou quando tinha três meses. Sua mãe foi uma forte mulher. Criou a ela e seus cinco irmãos sozinha.“Minha mãe foi mulher de verdade”. O fato de não ter conhecido seu pai a levou a uma incansável busca. Escrevia cartas para a polícia de todas as localidades, até que um dia, passou em sua mente escrever para prefeitura de Camapuã. De lá, teve resposta, e o fim de sua busca. Dolfina casou-se, teve filhos, mas seu casamento não durou muito. Ela se viu só e precisando sustentar a si e aos seus dois filhos. Passou, então, a trabalhar para Lúdio Martins Coelho, ex-senador. Trabalhou no mesmo local até aposentar-se. “Trabalhei muitos anos ali. Só parei quando fizeram aquele negócio com o filho do Lúdio e tive a primeira crise de hipertensão”. Dona Dolfina não entrou em detalhes, mas PAULA REIS Sempre disposta a ajudar, dona Delfina cuida até de “pacientes” este fato foi o assassinato de Ludinho, filho de Nilda e Lúdio Martins Coelho. Caridosa e com desejo de propagar sua fé, ajudava jovens abandonados, fosse com palavras de ânimo ou com alimento. Ela conta que, quando caminhava, via gangues e não sentia medo. Já era conhecida e estimada por eles. A consideração dos jovens por dona Dolfina era tamanha, que certo dia, já era noite e ela retornava pra sua casa, quando um jovem a alertou sobre homens que queriam matá-la. Este a guiou até em casa, enquanto o restante foi dar uma surra nos malfeitores. No asilo, dona Dolfina está em plena atividade. Todos os dias, ora e lê a Bíblia para os doentes, ora conversa, ri e busca alegrar aos colegas. Isto ajuda no tratamento e na recuperação e já fez muitos saírem da depressão. Quanto ao futuro, a doce senhora diz não ter medo da morte e que continuará propagando o evangelho a todos que aceitarem, pois, em suas palavras: é uma apóstola de Deus e Jesus Cristo. ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 11 Solidariedade necessita de seriedade BRUNA GALINA KLÍCIA MAGALHÃES THALITA RODRIGUES 4°. SEMESTRE Em julho de 1999, foi inaugurado o tele-social do Asilo São João Bosco. É assim que a gerente da unidade, Márcia Regina Gonçalves, prefere chamar o serviço de telemarkting. A equipe é formada por 13 mensageiros, quatro estagiários e 24 operadores contratados. Márcia afirma que são poucos funcionários, por falta de recursos. “O trabalho é feito através do telefone. Nós temos um sistema, que é de São Paulo, o único nessa área. Através dele, a gente prepara toda a lista com os números da população, os quais são passados para os operadores. Na lista, sai o telefone, o nome e se é comercial ou residencial. A funcionária liga sem saber com quem vai falar do outro lado e fala sobre a nossa campanha”. As doações e as campanhas especiais (geralmente, nos dias das Mães e Natal) são muito importantes para a instituição. A população é responsável por 70% do recurso que entra para o asilo. Mas, pela quantidade de habitantes e estabelecimentos comerciais existentes em Campo Grande, o número de colaboradores ainda é muito pequeno. A central de atendimento, localizada na rua 26 de Agosto, não tem fachada alguma, por motivo de segurança. Conta com um segurança armado, dentro do estabelecimento. Já ocorreram dois assaltos com um dos mensageiros, quando estava em serviço. Além das dificuldades que a instituição enfrenta, financeiramente, ainda existem os trotes; pessoas que tentam recolher dinheiro usan- do o nome do asilo. Todos os trabalhos que já foram feitos em benefício à corporação podem ser conferidos no site, que também foi uma doação, www.asilosaojoaobosco.com.br. No momento, alguns links estão parados, por não ter voluntários para atualizá-los. Quem quiser, pode ser cadastrar para a função. “Transmitimos a maior segurança. A central está aberta para quem quiser conhecer a nossa equipe, antes de fazer as doações”, complementa a entrevistada. Ela orienta quem recebe a ligação a fazer alguns procedimentos de segurança. Um deles é a conferência, pelo telefone, do número do recibo que o mensageiro entrega em sua porta. Ou ainda, fazer a pergunta para a funcionária que ligou para saber se o seu nome consta na lista. GUILHERME TELÓ Tele-social reclama da falta de compromisso de seus contribuintes Disposição e energia entre as roupas do asilo EMANUEL CAIRES WESLEY ANTÔNIO 4º. SEMESTRE Maria de Lourdes Silva, 63 anos, está há 11, no asilo São João Bosco. Ela não foi abandonada por seus familiares. É bem ativa e cheia de energia. Sorri ao falar do marido e dos filhos. É uma mulher de gestos rápidos, voz firme e olhar atento. Então, pode-se perguntar o leitor, o que ela está fazendo naquele lugar? Dona Lourdes pode ser vista em um dos quartos da ala dos “meninos”, mais precisamente o quarto Dona Virgínia Garcia da Silva ou Roupário. Com uma touca branca na cabeça e avental, cuidando do vestuário dos “vôs”, ela dobra e coloca as peças nas prateleiras. Em cada divisória, há uma etiqueta com o nome do dono das roupas que lá se encontram. Alguns compartimentos, mesmo etiquetados, estão vazios. “Esse vô, aqui, morreu faz pouco tempo”, explica Maria de Lourdes, com a naturalidade de quem já viu isso ocorrer várias vezes. “Só não gosta quem não tem amor” é o que responde Lourdes, quando indagada sobre seu trabalho. Diz que gosta, principalmente, de preparar os “vôs” – como ela chama os idosos – para sair. “É quando eles vestem uma roupinha melhor” que ficam separadas em outro quarto “para não estragar. Senão, eles querem vestir toda hora”. Além de trabalhar no roupário, ajuda na cozinha, servindo o café, o suco das 9 da manhã ou o almoço. Maria de Lourdes conta que não tem muitos EMANUEL CAIRES Ela “dita moda” no asilo, seu trabalho é cuidar das roupas dos idosos problemas com seu trabalho, mas que, às vezes, tem que fugir de algum “vô” apaixonado. “Eles ficam em cima. Eu tenho que cuidar, saio de fininho”. Maria também tem a etílica tarefa de distribuir a “caninha”, um pouquinho de pinga ou vinho, “só dois dedinhos”, uma vez por semana, às quin- tas, na hora do jantar. Ela conta que uns dez idosos tomam toda semana o seu gole, e que alguns contam os dias para chegar a hora de beber, mesmo que seja pouco. Outro vício de alguns idosos é saciado pelas mãos de Maria de Lourdes. Às vezes, cabe a ela a função de distribuir o maço de cigarros que é dado a cada três dias, aos 25 idosos que fumam, segundo ela. A funcionária, que também já foi voluntária, pretende se aposentar em seu trabalho e diz ser muito grata a Deus porque “tem gente aqui que é mais nova que eu” e que quer continuar até quando suas forças e a idade permitirem. “Para mim, é uma satisfação vir aqui todos os dias. Quando não venho trabalhar, fico doente. Sinto saudades e eles também”. 12 ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 Reflexão de uma incerteza presente no futuro GISELLE RIBEIRO HUGO CRIPPA 4º. SEMESTRE Ao mesmo tempo em que sentíamos paz, vivenciamos a solidão. Calmo, um vento muito agradável em um ambiente fresco. Alguns olhares estranhos. Varias pessoas que um dia viveram historias de amor. Já sofreram muito e tiveram momentos maravilhosos com pessoas especiais. Não queríamos simplesmente entrevistar algum deles. Mas, queríamos entrar nesse mundo de lembranças e conhecimento que eles podem nos oferecer. Analisamos perto de um banco de cimento, a conversa de dois homens que moravam lá. Um deles falava sem parar, contava histórias do passado. Ao perceber seu parceiro vimos que ele não dizia nenhuma palavra por muito tempo. Ele apenas entendia em silencio o que o outro dizia, mexia a cabeça e sorria. Era algo que parecia que ocorria muitas vezes. Algo bonito de se observar. Não sabemos como é não ter com quem conversar por dias. E essas pessoas que moram lá? Às vezes eles ficam dias sem trocar palavras com ninguém. Percebemos isso, pois muitos deles vieram perguntar sobre nós. Uma experiência dessas nos rendeu coisas boas. Pensamentos nobres e profundos, experiências nunca vividas. Uma visita que nos levou à reflexão. O mundo deles tem muitas lembranças. Quando o silêncio aparecia mais se ouvia o barulho do vento do que as conversas entre os presentes. Vimos um senhor com uma pose que lembra nossos avôs. Um homem que pensa, com os óculos caindo e apoiando o rosto de lembranças com suas mãos. O que pensa um senhor desses, com este olhar? Não sabemos, mas temos a certeza de que ele nos fez refletir sobre o nosso futuro. Foi aí, que olhamos um senhor com sapatos marrons, camisa por dentro das calças. Cinto bem chamativo, que ficava acima do umbigo, deixando aparecer um pouco de sua canela. Ele repetiu várias vezes a mesma ação. Ia até o portão cantando, parava no mesmo lugar, sempre com o cigarro na mão. Falava besteiras. “Porque você peidou? Fala aí, perna de cocô. Cê peidou, amor?”. Ria muito, até que Francisco parou para conversar. “Vocês são namorados?” Um de nós disse não. E ele abriu um sorriso e já retornou a cantar. Um homem que mexia nas mangueiras passou e disse: “Esse aí já caiu os parafusos da cabeça”. E lhe indicou o caminho para o portão, pois já não se lembrava mais. E lá andava o homem das canelas de fora. Alegrava o seu dia e disfarçava a solidão cantando. “A-I-O-V-A preciso peidá.” Os outros que passavam ao seu lado comentavam dele. Sentimos e entendemos o porquê ele canta tanto. Pois assim, ele não deixa que tristezas e saudades façam aquele ser apenas mais um dia. Todos sentados, cada um com suas lembranças. Pensamos que mesmo alguns esperando apenas a hora de ir embora, ainda existem pessoas felizes que distraem seus dias com a musica, com o humor e com brincadeiras do cotidiano. Uma descontração saudável que está em falta na vida de muitas pessoas. Passando um dia no Asilo São João Bosco percebemos que a vida é curta e que um dia também teremos saudades do que vivemos. GISELLE RIBEIRO Francisco canta para ser mais feliz “Seja como for... tô vivendo por viver” ANAHI ZURUTUZA LUCAS JUNOT 4º. SEMESTRE O fundo musical já nos adiantava com o que iríamos nos deparar. “Tô Vivendo por viver”, na voz de Zezé de Camargo e Luciano, transmitia verdadeiramente o que dizia o olhar daquela senhora. Passando pelo corredor, viam-se vários deles, ali, sentados. Uns tinham o olhar “pidonho”. Outros tinham o olhar incerto, tão difícil de decifrar como a incerteza de até quando durariam suas vidas ali. Foi então, que, de uma cadeira de rodas, veio a voz sedenta de Neli Garcia. “Filho, me pega um pouco d’água, por favor”, disse estendo uma caneca. Desta vez, o jornalista foi escolhido, quando de costume faria o papel do ‘escolhedor’. Com 66 anos, bem expres- sados pelas rugas de seu rosto, Neli conta que nasceu em Entre-Rios, atual Rio Brilhante. Quando ainda morava na fazenda Estrela, herança de seu avô, perdeu a mãe, aos nove anos. “Foi aí que começou meu sofrimento”. Antes, brincava de roda com seus nove irmãos. Depois, se transformou em nobre trabalhadora de uma olaria. Agora, com o lado esquerdo do corpo paralisado, conta as horas a esperar pela visita de um de seus cinco filhos. E, em meio à bravura que demonstrava em seu depoimento, um desabafo. “Vi a minha neta uma única vez, quando ela tinha um mês de idade. Agora, ela já deve estar com quase um ano, e gostaria de deixar um recado para ela. Mariana, fala para o seu pai trazer você para ver a vovó. Você é tão linda, estou morrendo de saudades. Por- que vocês não vêm me ver? Parece que vocês têm raiva de mim”. Há cerca de três anos, devido a um acidente vascular cerebral (AVC), Neli procurou, ela própria, o Asilo São João Bosco, em nome de um só sentimento: “não tinha mais espaço para mim na casa dos meus filhos. Eu não cabia mais naquela casa”. Mesmo com os percalços que o destino lhe reservou, aquela senhora mantém-se obstinada. Em meio à expressão cerrada, vez ou outra, um sorriso de poucos dentes se mostrava. Revelou o segredo que fazia brilhar aqueles olhos. Parecia que a felicidade a visitava como um conta-gotas. E uma dessas doses personifica-se na figura do namorado, que a faz sentir-se viva. “A gente se abraça, se beija, conversa. Ele vem me ver to- LUCAS JUNOT O olhar perdido revela a esperança de avistar seus filhos no horizonte do santo domingo”, conta. Para ela, as gotas de felicidade estão personificadas, também, em cada um que aparece naquele lugar, onde a convivência com mais de 100 pessoas não significa não se sentir só. ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 13 Leitura e gargalhadas amenizam a solidão CAROLINE QUEIROZ MARI GARCIA LEONARDO MACBETH LETÍCIA WINCLER 4º SEMESTRE Sempre com um sorriso no rosto e muito divertida, assim é Benedita Vicente de Almeida. Chamada carinhosamente por colegas e funcionários do asilo de “dona Benê”. Com 84 anos é muito vaidosa, adora contar piadinhas e dar boas gargalhadas. Seu passatempo preferido é ler. Nos surpreende quando abre a gaveta de sua cômoda e nos mostra uma coleção de revistas. Dona Benedita diz saber o Estatuto do Idoso de cor, para poder exigir os seus direitos. “O Estatuto me garante uma casa, vou cobrar pessoalmente de Carlos Marun (Secretário Estadual de Habitação). Agora, ele não vai ter saída”, comenta ela com gargalhadas. Trajando uma blusa rosa e saia florida, com dificuldades para andar, devido a seqüelas de um derrame que sofreu há ISABELA FERREIRA três anos, ela se aproxima e começa a nos contar um pouco sobre sua vida. Dona Benê morou 45 anos em São Paulo, onde criou sua única filha, Maria Regina Vicente de Almeida. “Passei minha infância e minha juventude aqui em Campo Grande. Quando tinha 26 anos fui tentar a vida em São Paulo. Mas já têm 25 anos que voltei para cá”. Benedita estava morando sozinha em uma casa de aluguel no bairro Tiradentes e, devido a problemas de saúde, resolveu ir sozinha tentar uma vaga no asilo. Adora o tratamento dos funcionários e a companhia dos colegas. “Aqui tenho pessoas que se preocupam comigo e a comida é muito boa. Só que tem dia que a carne vem um pouco dura para os meus dentes”, relata dona Benê, dando gargalhadas. No asilo, ela divide o quarto com mais uma amiga, a dona Ana, que, muitas vezes, acorda chorando, pois lembra que todos os seus familiares faleceram. Dona Benê diz que a única coisa que pode fazer é falar da Luz Maravilhosa, que é Jesus e que nenhuma sombra de solidão pode encobrir essa luz. Benedita diz que já sofreu muitas humilhações. “Quando era moça, tudo era diferente. Fiquei grávida sem me casar e meus pais me viraram as costas. Tive que trabalhar de doméstica para sustentar minha filha”. Quando começa a lembrar das humilhações que já sofreu, sua feição muda e as lágrimas descem pelo seu rosto. “No Dia das Mães, minha filha não me deu nenhum telefonema. Mas o meu maior sonho é ir embora para São Paulo morar com ela”, revela, enxugando as lágrimas. “Um dia, por mais afastados que estivéssemos vivendo na terra, nos encontraremos no paraíso. E então, não haverá velhos nem jovens, só almas felizes”. Dona Benê agradece a atenção e diz: “agora vou jantar”. Com simpatia e sabedoria, dona Benedita elogia voluntários e funcionários Juventude conservada por meio de muito trabalho ELZA RECALDES ODIL SANTANA 4°. SEMESTRE Uma biblioteca diferente. Cercada de árvores e bancos de jardim. Os livros desta biblioteca têm cuidados especiais, como alimentação diferenciada, exercícios físicos e acompanhamento de profissionais da área de saúde. Assim é o Asilo São João Bosco, cheio de vida e disposição, renovadas a cada dia. Pessoas que são verdadeiros livros, com histórias reais que mais parecem ter saído de contos de fadas. É neste ambiente que encontramos o nosso personagem, Mário José de Souza. Nascido na Bahia, ele se mudou para Minas Gerais, na adolescência, com seus pais. De onde saiu ainda jovem, se aventurando WAGNER JEAN Vitalidade, bom humor, muita disposição e 80 anos vividos plenamente por várias cidades, até chegar aqui, em Campo Grande. Um homem simples, que sabe tudo sobre a vida no campo. Nas fazendas em que trabalhou, fazia de tudo. Só não gostava de mexer com trator. Entrevistá-lo não foi fácil. Como todo bom brasileiro, chega a passar horas em frente à TV. Principalmente, no período das olimpíadas. Esse bom velhinho é conhecido como “Japonês”, devido aos traços nipônicos em sua face. Apesar de não gostar do apelido, atende com uma paciência oriental a quem assim o chama. Aos 80 anos de idade, conserva hábitos rurais, como "naquear" fumo e dormir cedo, para acordar cedo. Ou, como dizem nas fazendas “dormir com as galinhas e acordar com o galo”. Às quatro horas da manhã, ele se levanta e se arruma, enquanto espera o café. Depois, é hora de cuidar do jardim. Acostumado à vida dura de trabalho, não esconde a satisfação de poder cuidar do quintal. Atividade esta que está impossibilitado de exercer, devido a uma dor no braço direito, causada por um tombo, quando tomava banho. Esse pequeno-grande-homem, de aproximadamente 1,60 metro de altura, não tem filhos e nunca foi casado. Os únicos parentes em Campo Grande foram embora sem dizer pra onde. Foi trazido para o asilo pelo patrão, que o adotou como se fosse da família. Quando perguntamos se gostaria de voltar para sua terra natal, ele nos responde: “Não tenho mais esperança de voltar pra Bahia, não. Eu vou aterrissar aqui mesmo”. 14 ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 Onde está o futuro?! BRUNA NASSER LUCIENE FRATINI 4º SEMESTRE Passar algumas horas dentro de um asilo pode não ser algo muito prazeroso para várias pessoas. Mas, elas se esquecem é que há centenas de idosos residindo nesses locais, convivendo e aprendendo a sobreviver de acordo com as condições que esses lugares oferecem a eles. E é justamente nesse ponto, que resolvemos nos ater. Um breve relato da vida e da realidade de inúmeras pessoas que, em alguns casos, ficam esquecidas. A fachada lembra uma casa clássica. Ampla área verde ao redor, conferindo um clima ameno e acolhedor. Bancos espalhados em lugares estratégicos, normalmente sob enormes árvores. É nesses bancos que vários idosos se acomodam para ouvir música, conversar, fazer crochê ou descansar. Outros preferem ficar nas salas de televisão. Ainda, na área de lazer, podemos encontrar, nos fundos, um quiosque com mesa de sinuca e churrasqueira. E, próxima a ele, está a pequena igreja para os momentos de fé. O Asilo São João Bosco possui também uma pista destinada àqueles com maior energia, própria para caminhadas e para os apreciadores da natureza. Nesse trecho, é possível identificar a Via Sacra, que mostra o caminho percorrido por Jesus. O local conta, ainda, com médicos, enfermeiros e voluntários, que ficam circulando o BRUNA NASSER De um lado, aqueles que fogem da solidão. De outro, os que preferem a paz, nos fundos do Asilo São João Bosco dia todo, para atender a qualquer problema. Lugar perfeito?! Muito pelo contrário. O asilo passa por inúmeras dificuldades. Cada quarto abriga vários idosos, e as camas são semelhantes a macas. Os banheiros, por mais que sejam adaptados para os que utilizam cadeira de rodas, ainda dão trabalho, devido ao pequeno espaço para as manobras. O refeitório também é reduzido. O asilo precisa contar sempre com doações e ajuda de terceiros para a sua manutenção. Vários voluntários fazem sua parte, mas essa precisaria ser uma atitude geral. Ajudar ao próximo não é simplesmente uma bela atitude, mas, também, um sinal de humanidade. Fazer com que o futuro, até então incerto, desses idosos seja garantido é tarefa de todos. Uma vida de conquistas e lembranças LUANA D’ARK YURI RODRIGUES 4º. SEMESTRE Com a tristeza estampada em seu rosto e o olhar cabisbaixo, o senhor Gilberto Casanova se encontrava sozinho aproveitando da calmaria do balanço e das sombras das árvores do asilo. Ao nos aproximarmos dele, sua expressão muda repentinamente. E a tristeza outrora presente dá lugar à imensa vontade de iniciar um diálogo e contar a sua história, que é marcada pela saudade dos tempos de sua mocidade. Casanova deu o rumo à sua carreira, espelhada na de seu avô, como integrante da Ma- LUANA D'ARK "Fazemos da vida melhor ou pior" rinha. E como terapia ocupacional, foi, também, tosquiador de ovelhas, profissão que, além de proporcionar uma forma de renovação de seu ego, também contribuía com uma renda adicional. Na década de 40, Gilberto teve destaque na mídia, com o esporte, pois foi campeão da modalidade de salto com vara. Conquistou o primeiro lugar nos jogos abertos de sua cidade natal, Ponta Porã. Ele se considera uma pessoa de hábitos individuais. Nunca gostou de freqüentar festas e lugares movimentados. Casanova tinha na ponta da língua as respostas para nossas perguntas. Mesmo com a idade à flor de sua pele e as marcas do tempo estampadas em seu rosto, este velhinho sabia muito bem do que esta- YURI RODRIGUES Expressão é um dos fatos marcantes va falando. A cada pergunta respondida, ele concluía com pensamentos que, segundo ele, transmitiam toda a sua experiência de vida e as lições que nela aprendeu. Perguntamos a ele se sentia falta ou saudades de alguém. A resposta não veio, e as lágrimas vieram à tona, escorrendo por toda extensão de seu rosto, por todas aquelas covinhas marcadas pelo tempo. Logo após a emoção, aquele velhinho disse alguns de seus pensamentos: “Aceite o que vem na mesa, é tudo aquilo que a vida tem a te oferecer”, e com um forte suspiro, concluiu o senhor: “Nunca reclame da vida, pois é você que faz dela, melhor ou pior”. Palavras de um homem que, mesmo com a idade que carrega, ainda cultiva pensamentos concretos e com fundamentos totalmente convincentes. ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 15 Confissões para conseguir uma vida melhor DIANNA MALVES WILL SOARES 4º. SEMESTRE Mesmo diante das dificuldades, Maria Thereza, 62 anos, demonstra bom humor na conversa. Uma mulher que sempre lutou, trabalhou, curtiu a vida da maneira que pôde e definiu seu sentimento em relação ao passado: “Poderia ter aproveitado melhor. Fiz o que eu pude; mas, às vezes, sinto que poderia ter vivido mais, curtido mais a vida”. Tanto curtiu que, quando descobriu de forma drástica a sua grave doença, osteoporose, não acreditou que poderia chegar ao ponto de ficar em uma cadeira de rodas. Tereza nos explica que, quando a doença se manifestou, aos 57 anos, sua ossatura se assemelhava, já, a de uma senhora de 80 anos. Os ossos estavam tão debilitados que chegou a ter uma fratura na coluna. “Minha medula quebrou bem no meio. Fiquei tetraplégica. Mas nunca desisti de viver. E tudo porque os médicos me diziam que eu não precisava de reposição hormonal e cálcio na menopausa”. Depois de muita luta, Maria Thereza voltou a andar “com certa dificuldade”. Gosta de usar seu exemplo de vida para aconselhar os jovens: “A saúde é tudo na vida de uma pessoa. Se ela tem saúde, tem condições de tudo”. Mesmo andando, Tereza diz ter percebido que já não era mais como antigamente. “Eu não posso fazer nada, não posso lavar um roupa, varrer uma casa; por isso, que eu quis vir morar aqui. Aqui todos cuidam bem, as enfermeiras dão os remédios na hora certa. Tem um médico voluntário que vem de vez em quando, mas ele é muito bom”. Conta, ainda, que a filha mora bem perto do asilo: “Vou para a casa dela todos os domingos”. Mas o que a deixa indignada é como o Brasil está cada dia mais desvalorizando os idosos. “Depois dos 50 anos, o médico ou qualquer pessoa olha pra você como se não adiantasse buscar ajuda. Uma vez, uma senhora estava com tontura. Foi no médico, e ele disse que era sintoma da idade. Isso não existe. Se eu sinto dor ou tontura, é porque eu tenho alguma coisa. O médico não pode olhar para mim como se dissesse: “Você quer viver mais para quê?” Conversa vai, conversa vem, e esta senhora de modo simples, fumando seu cigarro, conquista a aten- WILL SOARES Para Thereza, o mais importante na vida são a saúde e o bom humor ção de dois acadêmicos que descobrem a sede de aprender mais com quem viveu mais. E, na hora de se despedir, ainda reforça: “Diz para os seus amigos que a saúde é tudo, e que eles têm que cuidar dela”. Pode deixar, dona Maria Thereza, vamos escutar este seu valioso conselho. No asilo, cada idoso tem sua personalidade FABIANA FAUSTINO FABIANO PASCHOALOTTO 4º. SEMESTRE A princípio, só queríamos conhecer o motorista da ambulância do Asilo São João Bosco. Para isso, contamos com a ajuda de uma senhora simples, que usava jeans e camiseta branca. “Vamos nos sentar ali, tem uma mesa grande”. Passou um pequeno pano para tirar algumas folhas das muitas mangueiras que refrescavam o local. Essa senhora de olhar firme e muito séria é irmã Maria José, a diretora da Residência e Bem-Estar dali. A conversa começou tranqüila. Ela era um pouco reservada, porém disposta a apresentar e relembrar histórias de vidas de quem ainda está ali ou dos já passaram por lá. Sentou-se um pouco de la- FABIANO PASCHOALOTTO "O bem-estar de todos é uma grande responsabilidade", diz irmã Maria José do, cruzou as mãos e, olhando em nossos olhos, deixou-se levar pelas recordações e confi- denciou-nos algumas coisas. “Aqui, temos os dois lados: vôs que são de bem com a vi- da e vôs que são revoltados”. Ah, sim, vô e vó são as maneiras carinhosas que todos usam para se referir aos residentes do local. “Seu Raimundo, por exemplo", diz, com sorriso no olhar, "é revoltado com a vida. Sempre que dissemos 'Bom dia', responde que não tem nada de bom". Já senhor Domingos, segundo ela, é ativo, alegre e divertido, gosta de ajudar. “Se deixar, ele ainda trabalha ajudando as meninas na copa. Ele não tem a aparência de 109 anos”, diz, carinhosamente. Atenta, não descuidava nem um minuto de tudo que estava ao seu redor. Seu celular tocou duas vezes durante nossa conversa. Animada, convidou-nos para conhecer alguns dos vôs citados. Percorremos a ala masculina, o refeitório, a cozinha e o pátio. A todo momento, parava para cumprimentar e conversar um pouco com os idosos. Ao chegarmos à cozinha, encontramos o senhor Domingos, conversando animadamente com algumas mulheres e enxugando os pratos. Ao final do passeio, fomos apresentados ao senhor Salomão, que estava deitado em um banco, apoiando a cabeça em seus sapatos. “Ele está aqui porque quer. Seus filhos queriam que ele estivesse em casa, porém permanece aqui”. Pronto. Encerramos a visita. Com um sorriso nos lábios, irmã Maria aperta forte nossas mãos: “Obrigada, foi um prazer mostrar um pouco disso tudo pra vocês”. Mas, depois de ver, conhecer e aprender tanto em um dia só, sinceramente, quem agradece somos nós. 16 ESPECIAL CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 Asilo depende de doações para reforma LUANA D’ARK EVELYN IBRAHIM ROBERTO BELINI 4º. SEMESTRE O antigo prédio do Asilo São João Bosco, na rua 26 de Agosto, abriga a loja da pechincha e uma central com telefonistas que ligam pedindo doações. A atual sede é no bairro Tiradentes, em frente ao campo de futebol. Hoje, há necessidade de uma reforma estrutural do prédio, para adequá-lo às exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De acordo com a diretora de Recursos, Márcia Regina Gonçalves, são estimados R$ 2 milhões para as obras. E este dinheiro terá de ser captado de campanhas. Os internos chegam, principalmente, de Campo Grande. “Pessoas que se perderam da Vida de melancolia pela decepção de ser abandonado pela família família ou estão em fase terminal. São casos que foram encaminhados a este lar de amparo”. Mas, segundo Márcia, existem situações em que a família interna o idoso no hospital, com nome e ende- reço errados, e não volta para buscá-lo. Na instituição, há uma logística para dar suporte aos vovôs e vovós. Este trabalho procura órgãos públicos que, quando necessário, regularizam a do- Mãe emocionada fala de seu filho assassinado em Dourados DIOGO RIBEIRO LUÍS COPPOLA 4º. SEMESTRE Ana Rodrigues da Rosa nasceu no dia 10 de fevereiro de 1921. Atualmente, reside no Asilo São João Bosco. Relatou que adora morar ali, pois tem sempre muita companhia. Gosta, ainda da missa de São João Bosco, à qual sempre está presente, e do carinho que recebe lá. Ela mesma afirma: “Prefiro ficar aqui, ao invés de ficar sozinha em casa". Ana Rodrigues é viúva. Seu marido faleceu de asma. No casamento, tiveram três filhos: dois homens e uma mulher. Hoje, ela já tem quatro netos e cinco bisnetos. O bisneto mais velho já está com 13 anos. Ao falar de seu filho mais novo, Irineu, ela se emociona. Irineu foi assassinado com 28 anos, em Dourados. Ela acha DIOGO RIBEIRO Ana espera para ser levada à missa que o autor do assassinato seria uma ex-nora sua, que ao ser trocada por outra mulher, o teria matado por ciúmes. Porém, ela não afirma nada, apenas relata a sua suspeita, baseada no fato de que, segundo ela, seu filho teria sido avisado da morte pelo seu irmão mais velho. Mas ele não acreditou. Já sua filha a visita todos os domingos, após o almoço, junto com sua irmã. Sua filha é enfermeira em um hospital e não tem muito tempo para ficar com Ana, que repete: “Prefiro ficar aqui, ao invés de ficar sozinha em casa”. Seu genro trabalha no quartel, e um de seus netos mora atualmente, em Miami, nos Estados Unidos. Contandonos sobre sua rotina no asilo, relata que não pode andar muito, pois tem, segundo ela, a "doença do papa", e anda em uma cadeira de rodas. Por isso, depende de funcionários para levá-la aos lugares de que gosta. O que sempre dá um jeito é de ir às missas. À noite, ela dorme cedo, logo após o jantar, mas conta que seus colegas ficam até tarde assistindo à televisão e passeando pelo jardim. cumentação. Fazem o pedido de pensão ou aposentadoria. E até chegam a realizar busca de parentes, unindo os familiares distantes. Márcia atua no São João Bosco, desde 1999. Mas, foi em 2002, que sua formação em administração e contabilidade contribuiu diretamente no local. Ela ajudou a viabilizar o controle mais rígido e profissional da gestão financeira do abrigo. “O asilo estava quebrado”, lembra. Foi neste período, que a Uniderp, por meio da Unidéias, do curso de Publicidade e Propaganda, em parceria com o lar de idosos, lançou a logomarca. Isso serve para facilitar a campanha, padronizar os recibos de doações e personalizar produtos que são vendidos para ajudar na arrecadação de recursos. Para Márcia, “as empresas se sentem desestimuladas a fazer doações”. O motivo, segundo ela, é a baixa dedução concedida pelo governo, no Imposto de Renda, em caso de contribuição para casas de idosos. Em 2003, uma campanha promoveu leilões de obras de arte. Os lances eram oferecidos pela internet e a renda seria revertida para o asilo. Mas não houve interesse em comprar as telas. Márcia não entende o a razão de as pessoas não terem tido motivação em ajudar. Segundo a entrevistada, a capital tem uma população que poderia apresentar mais doadores. O maior número de contribuintes é de baixa renda. Mas, outro fator que não motiva os mais ricos a doar também é o Imposto de Renda que, no caso de pessoa física, não tem desconto. Contribuição pela convivência GUILHERME DE ALMEIDA GUILHERME TELÓ 4°. SEMESTRE Antônia de Almeida, donade-casa, contribui presencialmente, sempre que tem disponibilidade, seja em doações e com visitas. Demonstra uma questão de responsabilidade social com as pessoas idosas que construíram a história, com muito trabalho e sem o merecido reconhecimento de tantos esforços que, ao longo do tempo, passaram por diversas mudanças e nada trataram em respeito dessas pessoas. Ela acredita que, muitas vezes, a presença é, fator como já muito comentado por vários colaboradores, bastante representativo para os idosos que vivem em depressão ou tristeza pela ausência dos familiares. Ponto sempre crucial por falta de diálogo ou convívio. A sensação de proximidade e histórias são a retribuição que se recebe por colaborar. Muitos GUILHERME TELÓ Dificuldades para arrecadar verbas que doam nem fazem questão de lidar com o principal: a vida. Faustino Miyashiro, aposentado, de poucas palavras e direto, revela que sempre ligam para saber se irá contribuir e, devido a alguns contratempos, contribui materialmente (fraldas) ou com as doações de R$10,00 há quase 15 anos. Dedica-se no tempo livre, colaborando, principalmente, nos dias festivos (Natal, Páscoa, Dia das Mães...). Suas sobrinhas fazem, sempre que possível, churrascos beneficentes e almoços para arrecadar contribuições para o desenvolvimento do asilo.