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Órgão oficial da Associação dos Ex-Alunos do IEDE • Fevereiro de 2016 • Ano 23 • www.assex.org.br
Distribuição dirigida à classe médica
43º Encontro Anual do IEDE Confraternização e Ciência
Vejam os debates e as fotos em nosso facebook: assex/iede ou www.assex.org.br
Espaço IEDE
Seviço de Metabologia do IEDE
Carta aberta ao meu amigo Raul
Nesta edição Abordagem de algumas rotinas.
Por Dr. Ricardo Meirelles
Página 03
Dr. Amélio F. Godoy-Matos
Página 04
86
jornal da ASSEX
2
Editorial
Caros amigos,
No último mês de dezembro, aconteceu o 44º Encontro Anual do IEDE no
Hotel Portobello, em Mangaratiba. Desde o início do evento, sentimos a falta
do querido Dr. Raul Fialho de Faria Junior, que nos deixou praticamente 1 mês
antes do encontro. Suas palavras gentis e de incentivo foram muito sentidas!
Mas contamos com a honrosa presença da família do Dr. Raul, seu filho, nora e
neta, que puderam sentir a estima e carinho da Família IEDE, durante a programação científica e também nos momentos de confraternização. As saudades
serão eternas e ficamos com o precioso legado de respeito ao paciente, de dedicação à nossa especialidade e e de amor ao IEDE. Para quem conheceu o Dr.
Raul, ele com certeza pediria que prosseguíssemos com o evento.
E em 3 dias, trocamos importantes informações científicas e revemos
amigos. O tema central do evento foi a relação entre os eixos hormonais e
o sistema nervoso. Fomos brindados com excelentes aulas, apresentadas por
professores com grande expertise nos assuntos abordados. O prêmio José
Schermann foi entregue à Dra. Rossana Corbo, que presenteou o público
com um bela revisão sobre câncer de tireóide. A medalha Francisco Arduíno
foi dada ao Dr. Leão Zagury, e com ele fizemos uma emocionante viagem
pela história do diabetes no IEDE e no Brasil. Mantendo a tradição, fizemos
a diplomação dos novos endocrinologistas formados pelo IEDE/PUC que
mostraram que já vão começar suas carreiras com muita energia e alegria.
Fizeram uma linda festa para comemorar a Formatura! E já iniciamos os
preparativos para o 45º Encontro Anual do IEDE; em breve sairemos com as
informações e programação.
Começamos agora mais um ano juntos! Nesta edição do Jornal da ASSEX, vamos dar continuidade ao projeto de atualização científica com o Serviço de Metabologia, coordenado pela Dr. Amélio Fernando Godoy-Matos.
Os amigos ´´metabólicos´´, experientes e empolgados no assunto, produziram
uma material de altíssima qualidade!
Erika Paniago Guedes
(Presidente da Assex -2015-2016)
Boa leitura a todos e um excelente 2016!
Expediente
Diretoria Biênio 2015/2016:
Diretora Vice-Tesoureira:
Jornal da ASSEX: Conselho editorial:
Dra. Karen F. de Marca Seidel
Dr. Ricardo Meirelles,
Presidente de Honra (in memoriam):
Diretor Secretário:
Dra. Erika Guedes
Dr. Luiz Cesar Póvoa
Dr. José Mauricio Braga
Dr. Walmir Coutinho
Diretora Presidente:
Diretora Vice Secretária:
Projeto Gráfico: AC Farmacêutica
Dra. Erika Paniago Guedes
Dra. Luciana Lopes de Souza
Diagramação: AC Farmacêutica
Diretor Vice-Presidente:
Diretora Social:
Editora: Dra. Cynthia Melissa Valério
Dr. Roberto Assumpção
Dra. Flávia Regina Pinho Barbosa
Diretor Tesoureiro:
Diretora de Eventos Científicos:
Dr. Luiz Gallotti Póvoa
Dra. Cynthia Melissa Valério
Distribuição Gratuita à classe médica
jornal da ASSEX
3
Espaço IEDE
Carta ao Raul
Ricardo M. R.
Meirelles
Diretor do IEDE
Meu caro amigo Raul,
E
stamos sentindo sua falta. Depois
de fazer parte do IEDE por tanto tempo, desde que ele existe, já
tínhamos nos acostumado a vê-lo como
parte do hospital. Não foi à toa que você
foi devidamente incluído no patrimônio
do Instituto, com direito à placa 0001 e
tudo. Sua presença, das 8 às 17 horas, todos os dias, já fazia parte da paisagem. E o
que é melhor: trabalhando.
Todos sabiam que você era o recurso
para tudo. Perdeu uma consulta? – Procure
o Dr. Raul. Precisa de uma receita? – Procure o Dr. Raul. Consulta de primeira vez?
– Procure o Dr. Raul. Faltou alguém, em
algum setor? – Procure o Dr. Raul. Problemas com a estatística da monografia?
– Procure o Dr. Raul. Alguma repartição
pediu um documento do Hospital? – Procure o Dr. Raul. Laudo médico? – Procure
o Dr. Raul. E assim ia...
Você sempre foi o braço direito de todos os diretores do IEDE, desde Jayme
Rodrigues, o segundo diretor geral, que o
convidou para ser o Diretor Médico. Esse
foi o cargo que você ocupou, durante mais
de 45 anos, com diversos nomes: Diretor
Médico, Diretor Técnico e Diretor Assistencial, até ser elevado à condição de Diretor Emérito. Longe de ocupar um cargo
apenas decorativo, você manteve suas atividades no IEDE inalteradas, continuando a
fazer seus laudos, organizar os prontuários
e ministrar o Curso de Bioestatística para
os alunos da especialização.
Acostumei-me à sua presença, na sala
ao lado, sempre disponível para emitir
uma opinião, pautada pela longa experiência, quando eu precisava compartilhar
uma decisão, fosse numa atitude
administrativa mais sensível ou na
simples redação de um documento.
Escrever corretamente era uma preocupação permanente de ambos. Os
erros gramaticais e ortográficos, que
surpreendíamos tanto nas publicações noticiosas como, até mesmo, em
documentos oficiais, soavam como
agressões. Procurávamos evitá-los,
cuidadosamente, em tudo o que escrevíamos.
Ao longo dos últimos 25 anos,
almoçamos juntos quase todos os
dias. Era o momento em que discutíamos os problemas do IEDE
e as notícias do dia. Também era
a hora em que vinham as suas
reminiscências, que sempre gostei de ouvir. Suas idas ao Theatro
Municipal, de bonde e vestido de
smoking, traje obrigatório para assistir às óperas que seu tio assinava
e nem sempre podia comparecer, passando-lhe o ingresso. Você comentava que
o bonde, nesse horário, vinha com os
bancos cobertos por uma capa branca, de
modo que as senhoras, nos seus vestidos
de festa, não corressem o risco de sujá
-los. A história da casa em que morava
desde os oito anos de idade, em Santa
Teresa, onde moraram várias gerações da
família e onde, até agora, continuam a
morar seus filhos. Sua experiência como
médico das freiras do convento próximo
à sua casa, onde, além do padre, era o
único homem admitido. Sua participação na reconstituição dos ossos de uma
freira falecida, em processo de beatificação. Estes são apenas exemplos das
inúmeras memórias que você me passou.
Sinto falta disso. Nunca mais almocei no
hospital, desde novembro.
Gostávamos de lembrar que, um ano
após o meu nascimento, você já estava se
formando. Fomos nos encontrar em 1968,
primeiro ano da existência do IEDE como
Instituto, quando, no terceiro ano da então
Faculdade Nacional de Medicina, passei a
frequentar a Terceira Cadeira de Clínica
Médica, Serviço do Professor Feijó, onde
você já era assistente. Algum tempo depois, quando começaram as colônias de
férias para crianças com diabetes, eu ficava impressionado com a sua dedicação ao
evento, para o qual levava até sua filha, que
também ajudava nos cuidados aos meninos e meninas.
Toda a experiência que você acumulou no Ministério da Fazenda, na
Imprensa Nacional e na Light foi, depois, dedicada ao IEDE. Essa dedicação
abrangia tudo e todos. Para várias gerações de alunos, você foi um professor
sempre presente. Alguns, que vinham de
outros estados, chegavam a considerá-lo
um segundo pai.
Por tudo isso, Raul, você está fazendo
falta. Tínhamos a impressão de que você
seria eterno. Na verdade, você está eternizado nos corações dos que tiveram o
privilégio de conhecê-lo e pelo muito que
deixou. Sentimos saudade, mas não tristeza, pois sabemos que você partiu da forma
mais suave possível, tendo trabalhado até a
véspera no IEDE, que tanto amou e pelo
qual tanto fez.
jornal da ASSEX
4
SESSÃO: ESPAÇO DO
CHEFE DE SERVIÇO
Apresentação do Serviço de Metabologia
Dr. Amélio F.
Godoy-Matos
Responsável
pelo serviço de
Metabologia do IEDE
A
história: na década de 80, dentro do
organograma do IEDE, existiam 5
serviços: Endocrinologia, Diabetes,
Cirurgia e Nutrologia & Metabologia. O
quinto serviço era a nutrição. O serviço de
Nutrologia e Metabologia sempre foi pequeno; à época era chefiado pela Dra Elde Nordi
e seu outro médico era o Dr. Tadeu de Almeida Lima. Destinava-se a tratar dislipidemias e
algum raro erro inato do metabolismo. Ainda
nessa fase, eu era staff do serviço de endocrinologia, fazia a triagem às terças feiras e servia
em ambulatórios gerais. No início da década
de 90, muita coisa mudou no IEDE e com
a aposentadoria da Dra. Elde, o Dr. Ricardo
Meirelles, já Diretor do IEDE, me nomeou
chefe do Serviço de Nutrologia e Metabologia. Começava aí a nova fase desse serviço,
que mais tarde teve o nome encurtado para
Serviço de Metabologia (SM).
A evolução: o SM se repaginou, agora
com o objetivo de estudar e dar assistência
na área de obesidade e síndrome metabólica,
dentro do tripé de princípios do IEDE- assistência, ensino e pesquisa. Além disso, manteve
a dislipidemia no seu espectro de atividades.
O estudo e tratamento da obesidade
nunca fora foco de atenção e prioridades em
saúde, já que não era encarada como doença
ou um real problema de saúde. Poucos anos
antes, a ABESO fora fundada e já realizara 3
SISOs (Simpósio Internacional Sobre Obesidade 1987, 1988 e 1989). Tive o privilégio
de organizar e presidir o 30 SISO no Rio de
Janeiro e presidiria também o 10 Congresso
Brasileiro de Obesidade em 1993. Assim,
estávamos entusiasmados com a possibilidade de criar o primeiro serviço de obesidade
no Rio de Janeiro. É interessante observar
que existia apenas um Serviço dedicado a
obesidade, no Hospital das Clinicas de São
Paulo, USP, sob a regência do Dr. Alfredo
Halpern. Nessa mesma época, não impor-
ta se um pouco antes ou um pouco depois,
surgiam em Curitiba e em Porto Alegre,
mais dois serviços- Dr. Henrique Suplicy e
Dr. Giuseppe Repetto. Esses fatos atestam o
pioneirismo do Serviço de Metabologia.
No início éramos eu como chefe e médico
e o Dr. Walmir Coutinho como médico voluntário do SM. Logo conseguimos trazer a
Dra. Lucia Carraro e ficamos apenas 2 staffs.
Muitos voluntários se agregaram ao longo
desses anos, aos quais o SM será eternamente
grato, pela colaboração e inspiração que deixaram como legado (Rodrigo Moreira, Erika Guedes, Luciana Lopes, Roberto Zagury,
Ricardo de Oliveira, Jucineia, Andreia Vieira,
Leonardo Fontenelle, José Carlos Appolinario) alguns dos quais são hoje ilustres profissionais na área de Obesidade e Metabologia.
A Dra. Lucia Carraro manteve-se no SM até
recentemente quando se aposentou.
Atualmente são 4 médicos e 2 voluntários no SM: Marcia Soares, Patricia Echenique, Adriano Lacerda e Denise Medeiros. A Dra. Cynthia Valerio coordena as
pesquisas com lipodistrofias e está temporariamente numa outra função no IEDE.
Os Drs. Rodrigo Moreira e Antônio Carlos Alvarenga são voluntários, o primeiro
coordenando pesquisas e o ambulatório de
dislipidemia. A Dra. Lillian Mattos, até
recentemente no SM, foi deslocada para
cuidar de erros inatos do metabolismo (fenilcetonuria) no NAM.
Ao longo desses anos desenvolvemos
várias linhas de pesquisa e apresentamos
diversos temas livres em congressos no Brasil e no exterior. Também publicamos pelo
menos 30 artigos na literatura internacional,
dos quais alguns tiveram grande impacto
com várias citações. Um desses estudos, um
estudo duplo-cego, randomizado de tratamento da obesidade do adolescente com sibutramina foi publicado no JCEM em 2005.
No congresso americano de endocrinologia
(Endocrine Society) foi escolhido um dos cinco melhores trabalhos em endocrinologia
pediátrica daquele ano. Entre as linhas de
pesquisa, podemos ainda citar adrenal e gordura visceral, gordura ectópica, obesidade e
síndrome metabólica do adolescente, adipo-
quinas, lipodistrofias parciais e DPP4 como
as mais importantes. No momento há 5 trabalhos em andamento ou em fase de redação
na linha de pesquisa da DPP4
No ano 2000, desenvolvemos a idéia de
que a Síndrome Metabólica e o Diabetes
Mellitus tipo 2 seriam disfunções do adipócito e do tecido adiposo. Assim, seriam fisiopatologicamente decorrentes de 1- Excesso
de adipócitos (ou tecido adiposo) 2-Tamanho do adipócito 3- Tipo e local do adipócito 4- Secreções dos adipócitos e do tecido
adiposo e 5- Escassez de adipócitos. Assim,
consideramos que as lipodistrofias parciais
seriam um excelente modelo de estudo, pois
preenchia grande parte dos quesitos acima
(tamanho, tipo e local, escassez e secreção).
Esse ano publicamos mais uma das pesquisas em lipodistrofia parcial que foi fruto dessa idéia (Evaluation of epicardial adipose tissue
in familial parcial lipodystrophy Diabetology &
Metabolic Syndrome 2015, 7:29).
Atualmente o SM mantém ambulatórios
de Lipodistrofia, Dislipidemia, Obesidade e
Síndrome Metabólica do Adolescente, Obesidade e Síndrome Metabólica do adulto.
Serviço de Metabologia em 2015:
• Ambulatório de Dislipidemia:
Dra Márcia Helena Soares Costa
Dra Patricia Echenique
Dr Adriano Lacerda
Dr Rodrigo Moreira (colaborador)
Dra Cynthia Valerio (colaboradora)
• Ambulatório de Lipodistrofia:
Dra Márcia Helena Soares Costa
Dra Cynthia Valerio (colaboradora)
• Ambulatório de Obesidade e Síndrome
Metabólica no Adolescente:
Dr Adriano Lacerda
• Ambulatório de Obesidade e Síndrome
Metabólica no Adulto:
Dra Márcia Helena Soares Costa
Dra Denise Medeiros do Nascimento
Dra Patricia Echenique
Dr Adriano Lacerda
Dra Lucia Carraro (colaboradora)
Dra Lilian Mattos (colaboradora)
Dr Antônio Carlos Alvarenga (colaborador)
jornal da ASSEX
Equipe médica do Serviço de Metabologia
durante atendimento no Ambulatório
5
Festa de Confraternização da Equipe Médica
da Metabologia em janeiro de 2016.
Equipe médica do Serviço de Metabologia:
Dr Antônio Alvarenga, Dr Adriano Lacerda,
Dra Denise Medeiros, Dr Amélio Godoy-Matos, Dra Patricia Echenique, Dra Cynthia Valerio, Dra Marcia Costa e Dr Rodrigo Moreira
Equipe médica do Serviço de Metabologia em festa de confraternização em dezembro de 2013
Dra Lucia Carraro e Dra Lillian Mattos, colaboradoras do Serviço de Metabologia
Dr Roberto Zagury e Dr Ricardo de Oliveira,
colaboradores do Serviço de Metabologia
Dra Erika Paniago e Dra Luciana Lopes, colaboradoras do Serviço de Metabologia
Homenagem do Serviço de Metabologia ao Dr Raul Faria
O
Serviço de Metabologia une-se a
toda a família do IEDE no pesar e
na saudade do queridíssimo Raul. Ao
completar essa edição para a ASSEX, sofremos
com a despedida desse querido amigo, cuja presença por toda a vida do IEDE confundiu-se
com a própria identidade dessa instituição. Os
corredores labirínticos desse instituto transformam-se num vazio espaço de saudades, embora possa-se sentir a sua presença em cada canto.
Raul foi Diretor Médico desse hospital
por toda a vida e por todas as gestões que
por aqui passaram. Homem extremamente
afável, era carinhoso com todos, em especial com os jovens residentes que se iniciavam aqui. Nada pedia, nenhum louro ou
glória almejava. Simplesmente, era simples. Era extremamente prestativo e proativo, ao ponto de nos deixar acanhados e
evitarmos lhe fazer qualquer pergunta ou
demanda. Explico: se alguém chegasse ao
Raul e lhe perguntasse se sabia onde tinha
uma chave extra de alguma sala, ele não
apenas tentava responder, mas levantavase da sua cadeira e saia a procura. Ou seja,
a qualquer demanda ele se dispunha a resolver, mesmo sabendo que com a informação você próprio resolveria.
Não se entenda que o Raul, por dócil e
gentil, não sabia exercer sua autoridade. Em
todos esses anos, demonstrou intensa firmeza sempre que alguém tentou transgredir
as regras. Foi o mais denodado trabalhador
e mesmo após algumas tragédias e perdas
familiares nunca deixou de vir ao IEDE e
trabalhar como se fosse um jovem iniciante.
Temos certeza que já deve estar trabalhando
e ajudando o Pai eterno a gerir esse mundo
louco e enfermo.
Enfim, descrever e relatar o que foi esse
homem seria um longo exercício, mas esperamos que se entenda com esse pequeno
tributo que nós todos da Metabologia o admirávamos e amávamos e que lamentamos
muito que ele tenha sido transferido para
longe de nós.
jornal da ASSEX
6
ARTIGOS
COMENTADOS
Artigo 1: Pioglitazona não está associada a
risco de câncer de bexiga- Kaiser Permanent
Study 10 anos depois
(Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes.
Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. JAMA. 2015; 314(3): 265-277)
Artigo comentado por Záfia Rangel Gonçalves (pós graduanda do IEDE) e dr Amélio Godoy-Matos (chefe do Serviço de Metabologia)
A
Pioglitazona é uma medicação de
muito interesse para o Serviço de
Metabologia, por ser o único sensibilizador de insulina em disponibilidade. É
frequentemente utilizada no Serviço de Metabologia, em especial para pacientes com
lipodistrofia parcial. Pertence a classe das
tiazolidinedionas e são agonistas dos receptores ativados por proliferadores dos peroxissomos (PPAR-gama). A pioglitazona foi
um dos únicos medicamentos para diabetes
a mostrar diminuição de desfechos duros
(estudo PROACTIVE). Na análise desse
estudo, um discreto aumento de câncer de
bexiga, não significante estatisticamente, foi
sugerido. (1) Após isso, alguns estudos observacionais sugeriam que a medicação estaria associada com maior risco dessa entidade.
Assim, em 2003, por orientação do Food and
Drug Administration (FDA), foi conduzido
um estudo observacional de 10 anos que
em sua análise interina de 5 anos mostrou
que indivíduos em uso de pioglitazona por
mais de 2 anos apresentavam um pequeno
aumento no risco, mas estatisticamente significativo, de desenvolver câncer de bexiga
(HR 1,4; IC 95% 1,0- 2,0). (2)
Pouco tempo após ser iniciado este estudo, a Agência Européia de Medicação
(EMA) sugeriu que fosse avaliada associação entre a pioglitazona e outros tipos de
câncer. Nesta análise não houve associação
com significância estatística para nenhum
tipo de câncer, no entanto, os dados sugeriam que o uso contínuo da pioglitazona
estaria associado ao aumento do risco de
melanoma e linfoma não-Hodgkin e redução do risco de câncer renal. (3)
Tendo em vista que estes estudos foram conduzidos com tempo máximo de
acompanhamento de 6 anos, a incidência
de câncer foi baixa entre os usuários da
pioglitazona e a capacidade de avaliação de
câncer entre os pacientes com mais de dois
anos de uso da medicação era limitada,
a EMA pediu a extensão deste acompanhamento e esses dados foram publicados
em julho de 2015 pelo Journal of American
Medical Association ( JAMA). (4)
Este estudo utilizou dados eletrônicos
obtidos através do Kaiser Permanent Northern California (KPNC) que identificou pacientes com Diabetes mellitus tipo 1 (DM1)
e tipo 2 (DM2). Entre estes foram selecionados pacientes que apresentavam benefício com prescrição de pioglitazona, idade
de diagnóstico do DM superior a 40 anos
e sem diagnóstico prévio de câncer. Dessa
coorte inicial, foram identificados os casos
incidentes de câncer de bexiga e selecionados
um controle sem câncer de bexiga pareado
para idade, sexo e tempo de diagnóstico de
DM até a inclusão no estudo, para que fosse
realizado um estudo de caso-controle.
A coorte final incluiu 193.099 indivíduos com diabetes, dos quais 34.181
utilizaram pioglitazona durante o
acompanhamento. A duração média do
acompanhamento foi de 6,1 anos entre os tratados com pioglitazona, com
média de tempo de tratamento de 2,8
anos. Durante o acompanhamento de
1.624.308 pessoas-ano, 1.261 indivíduos (0,65%) foram diagnosticados com
câncer de bexiga. No entanto, na análise
estatística, não houve significância para
tais achados, mesmo na análise de modelos ajustados para outras variáveis, assim
como não houve significância estatística
quando correlacionados o tempo de du-
ração do tratamento e a dose cumulativa
de pioglitazona utilizada. (Tabela 1). (4)
Assim, os achados deste estudo de extensão não confirmam a associação de Ca de
bexiga e pioglitazona e diferem da análise interina publicada em 2011 (2) que
sugerira a associação entre o câncer de
bexiga e o uso de pioglitazona por mais
de dois anos.
Na análise de caso-controle do câncer
de bexiga, foram selecionados 464 pacientes que apresentaram câncer de bexiga em uso de pioglitazona. Semelhantemente aos dados encontrados na coorte,
nesta análise também não houve significância estatística na associação entre uso
contínuo de pioglitazona e Ca de bexiga
(OR 1.14 IC95% 0,79-1,65) (Tabela 2).
(4) Destaca-se que os casos eram mais
propensos ao tabagismo e ocupações associadas com câncer de bexiga.
Na coorte que avaliou incidência de
outros tipos de câncer, foram incluídos
236.507 pacientes, dos quais 38.190 fizeram uso contínuo de pioglitazona. O
tempo médio de acompanhamento dos
pacientes tratados com pioglitazona foi
de 5,4 anos e dos que não utilizaram foi
de 6,5 anos. O uso contínuo de pioglitazona foi associado a aumento do risco
de câncer de próstata (HR 1.13 IC95%
1,02-1,26) e câncer de pâncreas (HR
1,41; IC95% 1,16-1,71). A taxa de risco
dos demais tipos de câncer avaliados não
apresentaram significância estatística. (4)
No entanto, foi encontrado discreto aumento do risco de câncer de mama com
aumento da duração e dose do tratamento com pioglitazona, mas tal achado não
foi descrito em nenhum estudo prévio e
jornal da ASSEX
no estudo PROACTIVE houve uma redução estatisticamente significativa desse
tumor no grupo pioglitazona. (1,4)
Assim, pode-se concluir que a asso-
7
ciação sugerida em estudos observacionais prévios de Ca de bexiga e pioglitazona não se confirmou em estudos de
maior duração e melhor metodologia. A
possível associação com Ca de pâncreas
ou de próstata não havia sido observada
em nenhum estudo prévio e merece futura avaliação.
Tabela 1. Incidência e Hazard Ratio para associação entre uso de pioglitazona e risco de câncer de bexiga entre
193.099 pacientes
Pioglitazona
Usuários
Casos de
câncer
bexiga
Incidência de
câncer de bexiga por 100mil
pessoas-ano
Anos
Nunca
Contínuo
1075
75,9
(71,3 –
80,4)
Hazard Ratio
(IC95%)
Tempo desde o início
Duração do uso
Dose cumulativa (mg)
<4,5
4,5–8,0
>8,0
<1,5
1,5-4,0
>4,0
1 - 14000
14001
-40000
>40000
186
88
65
33
60
69
57
66
69
51
89,8
(76,9 –
102,7)
68,2
(54,0 –
82,5)
111,6 (84,5 –
138,7)
125,8
(82,9 –
169,7)
67,5
(50,4 –
84,6)
88,4
(67,5 –
109,3)
113,7
(84,2 –
143,2)
69,1
(52,4 – 85,8)
96,9
(74,0 – 119,8)
101,4
(73,5 – 129,2)
0,99
(0,84 –
1,16)
0,81
(0,65 –
1,01)
1,15
(0,89 –
1,49)
1,20
(0,84 –
1,73)
0,80
(0,61 –
1,04)
0,97
(0,76 –
1,24)
1,13
(0,86 – 1,49)
0.80
(0,63 – 1,49)
1,05
(0,82 –
1,35)
1,03
(0,77 – 1,37)
Adaptado de Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes. JAMA. 2015; 314(3): 265-277
Tabela 2. Odds Ratios para associação entre tratamento com pioglitazona e câncer de bexiga
Casos (n=464)
Tempo desde o início da pioglitazona (anos)
<4,5
4,5 – 8,0
>8,0
46
32
13
Odds Ratio (IC95%)
Controles (n=464)
Não ajustado
Ajustado
36
1,36 (0,84-2,21)
1,42 (0,80-2,52)
26
19
1,33 (0,75-2,36)
0,65 (0,29-1,43)
1,20 (0,62-2,32)
0,70 (0,27-1,78)
Duração da terapia (anos)
<1,5
1,5 – 4,0
25
39
24
27
1,10 (0,62-1,96)
1,55 (0,90-2,67)
1,16 (0,59-2.25)
1,78 (0,93-3,40)
> 4,0
27
30
0,94 (0,54-1,64)
0,81 (0,42-1,55)
1 – 14000
31
27
1,19 (0,70-2,03)
1,26 (0,69-2,33)
Dose cumulativa (mg)
14001 – 40000
> 40000
33
27
27
27
1,27 (0,75-2,15)
1,06 (0,59-1,88)
1,27 (0,68-2,36)
0,98 (0,50-1,93)
Adaptado de Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes.
JAMA. 2015; 314(3): 265-277.
Referência Bibliográficas:
1. Erdmann E, Song E, Spanheimer R, van Troostenburg de Bruyn AR, Perez A. Observational follow-up of the Proactive study: a 6-year update.
Diabetes Obes Metab. 2014;16(1): 63-74.
2. Lewis JD, Ferrara A, Peng T, et al. Risk of bladder cancer among diabetic patients treated with pioglitazone: interim report of longitudinal cohort
study. Diabetes Care. 2011;34(4):916-922.
3. Ferrara A, Lewis JD, Quesenberry CP Jr, et al. Cohort study of pioglitazone and cancer incidence in patients with diabetes. Diabetes Care. 2011;34 (4):923-929.
4. Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes.
JAMA. 2015; 314(3): 265-277.
5. Levin D, Bell S, Sundd R, et al. Pioglitazone and bladder cancer risk: a multipopulation pooled, cumulative exposure analysis. Diabetologia. 2015;
58(3):493-504,
jornal da ASSEX
8
Artigo 2: Avaliação Do Tecido Adiposo
Epicárdico Na Lipodistrofia Parcial Familiar
Evaluation of epicardial adipose tissue in familial partial lipodystrophy. Godoy-Matos AF, Valerio CM, Bragança JB, Oliveira R de A, Zagury
RL, Lustosa R de P, Camargo GC, Nascimento CA, Moreira RO. Diabetology & Metabolic Syndrome (2015) 7:29
Artigo comentado por: Dr Ricardo de Oliveira (médico colaborador do Serviço de Metabologia) e
Dra Patrícia Echenique (médica do Serviço de Metabologia)
Dr Ricardo de
Oliveira
Médico Colaborador
do Serviço de
Metabologia
Dra Patrícia
Echenique
Médica do Serviço de
Metabologia
A
revista “Diabetology & Metabolic Syndrome" publicou, recentemente, artigo originado
de uma monografia realizada no serviço de
Metabologia, sobre a avaliação do tecido
adiposo epicárdico em indivíduos com lipodistrofia parcial familiar (variante Dunningan). As lipodistrofias consistem em
um conjunto de alterações heterogêneas,
herdadas ou adquiridas, que se caracterizam pela perda parcial ou generalizada de
tecido adiposo. A variedade Dunningan é
uma rara alteração autossômica recessiva
dominante. Pacientes com lipodistrofia
familiar parcial (LFP) têm perda de gordura subcutânea em membros e acúmulo
de tecido adiposo visceral, resultando em
um desequilíbrio na distribuição de gordura corporal total, com desenvolvimento
de resistência insulínica, diabetes mellitus,
dislipidemia, esteatose hepática e alto risco
de doença cardiovascular.
Estudos recentes têm testado a hipótese de que a gordura epicárdica poderia
contribuir localmente para a aterosclerose
coronariana, através da secreção de hormônios e de citocinas inflamatórias. Já
foi demonstrado que pacientes com obe-
sidade visceral apresentam aumento de
gordura epicárdica, que pode ser medida
por meio de ecocardiograma transtorácico (EAT). O principal objetivo do estudo
foi mensurar a gordura epicárdica (EFT)
por meio de EAT e analisar a correlação
entre esses resultados e medidas antropométricas e radiológicas (dual-energy x ray
absorptiometry- DEXA).
Para desenvolvimento do estudo,
nosso serviço, recrutou 6 pacientes do
sexo feminino que apresentavam mutação sabidamente associada a LFP, e 6
pacientes controle, pareadas por idade,
sexo e IMC. Todos os indivíduos foram
avaliados quanto a parâmetros antropométricos (cintura/quadril, peso, altura e
IMC) e bioquímicos (glicemia, insulina,
perfil lipídico, leptina e teste oral de tolerância a glicose), além de ter sua composição corporal avaliada por DEXA e
a gordura epicárdica medida por ecocardiograma transtorácico (EAT).
A análise estatística dos dados foi
efetuada com o pacote BioEstat e p-valores menores que 0,05 foram considerados como estatisticamente significativos
em toda as análises. Para a análise descritiva, todas as variáveis foram analisadas como contínuas, sendo fornecidas
as medianas e os erros-padrão das distribuições. Como as variáveis do estudo
não apresentavam distribuição normal,
testes estatísticos não-paramétricos foram utilizados na análise. Para comparação entre o grupo de casos e os controles,
empregou-se o teste de Mann-Whitney
e as interações entre as medidas obtidas
com o ecocardiograma transtorácico e as
medidas antropométricas e radiológicas
(DEXA) foram testadas por meio do coeficiente de Spearman.
Os parâmetros obtidos podem ser
vistos da tabela 1. Como esperado, as
pacientes com LFP apresentaram parâ-
metros antropométricos e do DEXA indicativos de acúmulo de gordura central
e diminuição da gordura periférica, com
maior WHR e razão androide/ginecóide,
assim como diminuição da gordura total
e aumento da massa de gordura. Também
foi observado que os níveis de HDL colesterol e de leptina sérica eram significativamente menores nas pacientes com
LFP, reforçando seu perfil metabólico
desfavorável, relacionado à diminuição da
distribuição de gordura periférica.
Este foi o primeiro estudo a avaliar
gordura epicárdica em pacientes com
Dunningan e, em conformidade com a
hipótese inicialmente levantada, as pacientes com LFP apresentaram aumento
de gordura epicárdica (6,0 +- 3,6 mm
vs. 0,0 +- 2,04 mm nos controles). Esses
parâmetros estão de acordo com estudos
recentemente realizados, que encontraram espessura de EFT de 5,8+- 1,9 mm
em pacientes com Síndrome Metabólica. Apesar do aumento da EFT, não
se observou correlação estatística entre
a gordura epicárdica e os parâmetros
antropométricos e os mensurados pelo
DEXA, conforme pode ser visto na tabela 2. Esse resultado poderia ser explicado pelo reduzido tamanho da amostra
(erro estatístico tipo 2).
Devem ser realizados novos estudos
com amostras maiores de indivíduos
com LFP, visando confirmar a existência de correlação, observada em estudos prévios, entre gordura epicárdica,
medidas antropométricas e DEXA. O
EAT pode ser um marcador promissor
do acúmulo de gordura central, já que
é uma ferramenta diagnóstica de baixo custo e acessível, além de se mostrar
como uma medida útil para estudos de
futuras intervenções com drogas que
possam modular a atividade parácrina
da EFT no coração.
jornal da ASSEX
9
Tabela 1: Achados descritivos e comparativos: antropométricos, laboratoriais, ecocardiograma e DEXA
Controle
(min-max)
LFP (min-max)
Idade (anos)
36,95 (27,9-46,6)
IMC (kg/m2)
22,85 (20,5-27,6)
Gordura epicárdica (mm)
RCQ
Gordura corporal
total (%)
0,0306
17,4 (16,1-27,6)
39,15 (32,245,2)
0,0039
90 (75-115)
Leptina (ng/ml)
Colesterol total
(md/dl)
0,0163
0,0 (0-5)
Gj (mg/dl)
HOMA IR
0,76 (0,7-0,87)
6,0 (0-8)
0,95 (0,8-1,04)
1,19 (0,8-1,49)
Insulina (pmol/L)
0,8728
0,3367
1,17 (0,70-2,91)
G 2h (mg/dl)
35,45 (28,348,5)
22,05 (21,3-24)
FMR
RAG
P - valor
117 (108-213)
10,7 (4,8-42,8)
2,46 (0,91-12,14)
4,4 (2,4-7,3)
0,64 (0,47-0,82)
0,0104
83,5 (74-98)
0,298
0,82 (0,67-1,06)
99,5 (74-134)
6,6 (2-15,8)
1,25 (0,36-3,81)
16,75 (6,1-30,1)
0,1735
0,56
0,18
G 2h
Insulina
RCQ
Gordura
corporal
total (%)
0,68
0,29
0,68
LDL
HDL
TG
0,38
0,61
Abreviaturas: Gordura Epicárdica(EFT); coeficiente de Spearman (rs); p-valor (p); Índice
de Massa Corporal (IMC); Relação cintura-quadril (RCQ); Gordura corporal total
(TBF); Relação androide/ginecoide (RAG); Razão de massa de gordura (FMR); Glicemia
de jejum (Gj); Glicemia 2horas após sobrecarga (G 2h); colesterol total (CT); colesterol
LDL (LDL); colesterol HDL (HDL); Triglicerideos (TG)
LDL (mg/dl)
139,5 (102-163)
118,5 (82-207)
0,5218
Triglicerídeos
(mg/dl)
203,5 (129-321)
110 (52-212)
0,0782
0,0039
0,0003
0,15
0,24
ns
CT
0,78
0,65
0,14
0,44
0,07
0,89
0,57
0,03
Gj
rs
p
0,14
FMR
0,2002
0,0131
0,73
RAG
0,25
0,631
65 (46-91)
rs
IMC
p
0,2623
218 (156-283)
39,5 (29-43)
Idade
0,0163
213 (186-264)
HDL (mg/dl)
Tabela 2: Relações entre tecido gorduroso epicárdico
(EFT) e variáveis antropométricas (idade, IMC e RCQ),
DEXA (TBF, A/G R e FMR) e laboratoriais com base no
Coeficiente de Spearman (rs)
-0,44
0,96
0,38
-0,26
0,60
Leptina
0,21
Abreviaturas: Lipodistrofia familiar parcial (LFP); Índice de Massa Corporal (IMC); Relação cintura-quadril (RCQ); Razão de massa gorda (FMR); Relação androide/ginecoide
(RAG); Glicemia de jejum (Gj); Glicemia 2 horas após sobrecarga (G 2h);colesterol total
(CT); colesterol LDL (LDL); colesterol HDL (HDL); Triglicerideos (TG)
Você Sabia?
Lipodistrofias e uso de leptina recombinante:
um novo horizonte terapêutico
Dra Cynthia Valério
Endocrinologista do IEDE,
médica pesquisadora do
Serviço de Metabologia
e colaboradora
dos ambulatórios
de Lipodistrofias e
Dislipidemia
A
s lipodistrofias humanas são um
grupo heterogêneo de doenças
hereditárias ou adquiridas cuja
característica principal é a perda sele-
tiva ou total de tecido adiposo e a predisposição à resistência insulínica e suas
complicações metabólicas, como diabetes
mellitus, hipertrigliceridemia, esteatose
hepática, ovários policísticos, doença aterosclerótica (1). As alterações observadas
em pacientes com vários tipos de lipodistrofias são comparáveis àquelas encontradas em muitos modelos animais modificados geneticamente, especialmente nos
fenótipos mais extremos, representados
pelas formas generalizadas (2). Desde a
sua primeira descrição em meados da década de 40, o conhecimento e estudo ade-
quado destas formas monogênicas de RI
tem atraído a atenção dos investigadores,
especialmente pelo desafio diagnóstico e
terapêutico que representam na prática
clínica (3).
Recentemente, a American Association of Clinical Endocrinologists (AACE)
publicou um Consensus Statement com
recomendações para detecção de lipodistrofias a partir de suas características
clínicas em uma primeira avaliação (4).
Entre estas, define-se a característica essencial (obrigatória) de diminuição de tecido adiposo subcutâneo e outros sinais de
jornal da ASSEX
10
suspeição, conforme apresentado na tabela 1 (4).O objetivo é de chamar a atenção
de clínicos e especialistas ao diagnóstico
precoce especialmente de formas parciais,
sutis ou atípicas, que parecem ser mais
prevalentes do que o esperado e muitas
vezes passam despercebidas na prática
clínica diária.
A possibilidade de tratamento com
leptina recombinante, inicialmente descrita em 2002 em uma série de casos (5), levou ao seu reconhecimento pelo Food and
Drug Administration (FDA) em fevereiro
de 2014 como tratamento de escolha para
formas generalizadas familiares ou adquiridas, apontando um novo horizonte terapêutico para estes indivíduos (6). Os resultados dos estudos clínicos até o momento
demonstram um controle metabólico sustentado (queda de HbA1c e triglicérides),
melhora da proteinúria, diminuição da
ingesta calórica, diminuição do volume
do fígado e efeito antiesteatótico potente
demonstrado por biópsia, com redução de
até 44% do score de pontuação para Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica
(DHGNA) após 26 meses de tratamento
(7). Curiosamente, os resultados preliminares dos estudos clínicos têm demonstrado que a resposta ao tratamento parece ser
mais relacionado ao perfil metabólico do
paciente do que quanto ao tipo de lipodistrofia propriamente dito (8). O estudo
de Diker-Cohen et al conduzido por 12
meses em 55 pacientes com lipodistrofia
generalizada (LG) e 31 lipodistrofias parciais (LP) demonstrou, na análise de subgrupos, que a metreleptina levou à queda
de A1c e triglicérides (TG) em todas as
LG em que TG >300 mg/dl e em todas as
LP com TG >500 mg/dl, HbA1c >8,0% e
leptina< 4 ng/ml (9).
Os efeitos adversos parecem ser toleráveis
e não implicaram em descontinuação do tra-
tamento. Os riscos descritos são de linfoma e
o potencial desenvolvimento de auto-anticorpos (10). Entretanto, a elevada prevalência de
linfoma (18%, 3 dos17 pacientes) foi relacionada com a lipodistrofia generalizada adquirida per se e não com o uso da droga. Até
o momento, não existem evidências de que
os auto-anticorpos apresentem repercussão
clínica de ação neutralizadora (8,10). Com o
surgimento de novos dados de estudos longitudinais, mais conhecimento em relação
à segurança e eficácia da metreleptina serão
estabelecidos, não apenas no contexto das lipodistrofias generalizadas como também para
suas outras potenciais indicações clínicas. Aos
pacientes com formas graves de lipodistrofia
generalizadas, até então com tão limitadas
opções de tratamento para suas complicações
metabólicas, a adição de metreleptina traz a
perspectiva de mudança drástica de sua qualidade de vida e, quem sabe, da própria história
natural da doença.
Tabela 1: Características clínicas que aumentam a suspeita de lipodistrofia
Essencial: diminuição de tecido adiposo subcutâneo de forma parcial ou generalizada
Outras características de suspeição
1. Diabetes Mellitus com severa Resistência à Insulina (> 2 U/Kg/d ou>200U/dia, resistência a cetose)
2. Outras Evidências de Resistência à Insulina:
• S. Ovários Policísticos (hiperandrogenismo, oligomenorréia)
• Acantose nigricans
3. Hipertrigliceridemia severa (> 500 mg/dl ou > 250 mg/dl com tratamento) ou história de pancreatite associada
4. Esteatose hepática ou Esteatohepatite (ultrassonografia/TC/ ⇑ TGP/TGO)
5. Musculatura proeminente e flebomegalia
6. Hiperfagia desproporcional
7. Amenorréia primária ou secundária (mulheres) ou hipogonadismo secundário (homens)
8. Outros familiares afetados
Referências Bibliográficas:
1. Garg A. Acquired and Inherited Lipodystrophies. N Engl J Med 2004; 350:1220-34
2. Garg A. Clinical review: lipodystrophies: genetic and acquired body fat disorders. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(11):3313–3325. 3. Lawrence RD. Lipodystrophy and hepatomegaly with diabetes, lipemia and other metabolic disturbances. Lancet 1946; 724-31.
4. HandelsmanY, Bloomgarden Z, Brown RJ et al. The clinical approach to the detection of Lipodystrophy – an AACE consensus statement. Endocr
Pract 2013 Feb; 19(1).
5. Petersen KF, Oral EA, Dufour S, et al. Leptin reverses insulin resistance and hepatic steatosis in patients with severe lipodystrophy. J Clin Invest.
2002;109(10):1345–1350. 6. Sinha G. Leptin therapy gains FDA approval. Nat Biotechnol. 2014; 32(4):300–302.
7. Chan JL, Lutz K, Cochran E, et al. Clinical effects of long-term metreleptin treatment in patients with lipodystrophy. Endocr Pract. 2011;
17(6):922–932.
8. Paz-Filho G et al. New advances in the treatment of generalized lipodystrophy: role of metreleptin. Therapeutics and Clinical Risk Management
2015:11 (1391-1400)
9. Diker-Cohen T, Cochran E, Gorden P, Brown RJ et al. Partial and Generalized Lipodystrophy: Comparison of Baseline Characteristics and
Response to Metreleptin. J Clin Endocrinol Metab 2015, 100(5):1802–1810
10. Simha V, Subramanyam L, Szczepaniak L, et al. Comparison of efficacy and safety of leptin replacement therapy in moderately and severely
hypoleptinemic patients with familial partial lipodystrophy of the Dunnigan variety. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97(3):785–792. jornal da ASSEX
11
Hot Topic
Inibidores de PCSK9: uma nova era na
lipidologia ? Too early to tell !
Dr Roberto
Luís Zagury
Endocrinologista do
IEDE e colaborador
do Serviço de
Metabologia
E
m julho deste ano, foi aprovada
pelo FDA (Food and Drug Administrator) a droga Alirocumabe
(Praluent ® - Sanofi – dose de 150 mg
a cada 2 semanas) - primeira integrante
de uma nova classe de medicamentos anti-lipemiantes conhecida conjuntamente
como inibidores de PCSK9 (pró-proteína
convertase subtilisinakexina tipo 9). Com
mecanismo de ação inovador, que envolve
a modulação de uma via de catabolismo
do LDL-col recentemente descoberta, o
fármaco obteve indicação em bula para
uso em pacientes com hipercolesterolemia familiar forma heterozigótica (HF
He) e para indivíduos com doença cardiovascular (CVC) clínica pré-existente.
Nas duas situações como adjuvante a dieta e a dose máxima tolerada de estatina,
caso haja necessidade de redução adicional de LDL. O processo de liberação
pela agência regulatória norte-americana
levou em conta os resultados de 5 estudos clínicos randomizados e controlados
contemplando um total de 2.476 pacientes de alto risco CVC. Todos com HF He
ou com história prévia de IAM ou AVE,
já em uso de doses máximas toleradas de
estatinas e/ou outras terapias anti-lipemiantes. Nestes trabalhos o Alirocumabe
promoveu redução adicional de LDL-col
da ordem de 39 a 56%. Vale lembrar que,
por hora, não há resultados publicados
de estudos desenhados especificamente
para a avaliação de desfechos CVC ditos
“duros” (os chamados eventos “MACE”
– da sigla inglesa “Major Adverse Cardiovascular Events”– infarto agudo do
miocárdio, AVE e morte de origem cardiovascular). Tais pesquisas encontram-se
em andamento, havendo, por hora, apenas
análises pós-HOC do estudo ODYSSEY
LONG TER mostrando diminuições de
risco relativo em torno de 50% nos desfechos MACE. No referido estudo 3,3%
dos pacientes alocados para placebo apresentaram um desfecho 1ário (morte coronariana, IAM fatal, AVE fatal ou nãofatal ou internação por angina instável)
enquanto que apenas 1,7 % dos indivíduos do grupo Alirocumabe evoluíram com
o mesmo desfecho. Vale lembrar que este
trabalho acompanhou os pacientes por 78
semanas, ou seja, algo em torno de 1 ano
e meio e, com base nos estudos já publicados com estatinas, o maior benefício em
termos de diminuição de eventos CVC se
dá a partir de 2 anos do início do estudo. Sendo assim, é possível que resultados
ainda melhores sejam vistos quando da
ocasião do término deste trial.
Para compreender o mecanismo
de ação destes medicamentos, devemos primeiramente entender a PCSK9
como uma proteína produzida e secretada pelo hepatócito que tem como
função modular negativamente o catabolismo do receptor de LDL. Quando
o complexo receptor de LDL + LDLcol é internalizado pelo hepatócito na
presença da PCSK9 o receptor de LDL
não retorna a superfície celular, sendo
degradado pelas enzimas lisossomais.
Ou seja, havendo PCSK9 o receptor
de LDL não retorna a superfície para
catabolizar mais partículas de LDL.
Com o uso de anticorpos monoclonais
específicos anti-PCSK9 o LDL-R não
é degradado, retornando a superfície do
hepatócito para mais um ciclo de catabolismo de LDL diminuindo assim os
níveis plasmáticos de LDL-col.
Outros integrantes desta família de
medicações são o Evolocumabe(Amgem –
dose de 420 mg SC a cada 4 semanas ou 140
mg a cada 2 semanas) e o Bocosizumabe
(Pfizer), avaliados nos estudos DESCARTES, RUTHERFOLD-2, LAPLACE-2,
MENDEL-2 e OSLER1 e OSLER-2 no
caso do Evolocumabe e nos estudos SPIRE
1 e 2 no caso do Bocosizumabe.
Outros dois pontos bastante interessantes com relação a estes medicamentos são: 1) pelo fato de serem utilizados
em adição a terapia com estatina e por
terem uma potência redutora de LDL
considerável, com muita frequência, nas
pesquisas feitas até o momento, cifras de
LDL abaixo de 25 mg/dL são atingidas,
o que reabre a discussão “Até quanto de
LDL podemos chegar sem ser deletério
para os pacientes ?” – pergunta esta que
poderá ser parcialmente respondida no
médio prazo na dependência das sub-análises que irão surgir a partir dos trials
feitos com os iPSCK9; e 2) pelo fato de
haver um alvo molecular específico (a
proteína PCSK9) poderemos, a partir de
agora, dosar os níveis séricos de PCSK9
para checar a adesão dos pacientes, uma
vez que com o uso da droga o nível sérico
da PCSK9 cai de forma considerável em
quase todos os pacientes.
Com relação a segurança vale ressaltar que os iPCSK9 até o momento foram
muito bem tolerados pelos pacientes nos
estudos, havendo apenas efeitos colaterais
não específicos relatados e em frequência
muito semelhante ao grupo placebo. Por
serem anticorpos humanizados a produção de anticorpos neutralizantes em títulos clinicamente significativos foi muito
baixa. A ocorrência de elevações de enzimas musculares e testes de função hepática também foi desprezível no programa de
desenvolvimento clínico. Porém, aqui cabe
uma lição tomada de outros medicamentos anti-lipemiantes (ex: torcetrapibe):
ainda é cedo para atestar a segurança de
uma classe tão jovem de medicamentos e
não há ainda como excluir a possibilidade
de efeitos ditos “OFF TARGET”. O cenário é encorajador porém há que se ter cautela e segue sendo a terapia com estatina
o padrão outro para a imensa maioria dos
nossos pacientes.
jornal da ASSEX
12
Referências Bibliográficas:
1. Stein EA, Raal FJ. New therapies for reducing low-density lipoprotein cholesterol. Endocrinol Metab Clin N Am2014,43:1007-33
2. Robinson JG, Farnier M, Krempf M et al. Efficacy and safety of alirocumabe in reducing lipids and cardiovascular events. N Engl J Med 2015,372:1489-99
3. Sabatine MS, Giugliano RP, Wiviott SD et al. Efficacy and safety of evolocumabe in reducing lipids and cardiovascular events. N Engl J Med 2015,372:1500-9
4. Stone NJ, Lloyd-Jones DM. Lowering cholesterol is good, but how and in whom? N Engl J Med 2015;372:1564-5
condutas nos serviços
como eu faço?
Abordagem das hipertrigliceridemias
Dra Cynthia Valério
Endocrinologista do IEDE,
médica pesquisadora do
Serviço de Metabologia
e colaboradora
dos ambulatórios
de Lipodistrofias e
Dislipidemia
A
abordagem de um paciente com
hipertrigliceridemia é um desafio
comum na pratica clinica diária e,
não raramente, desperta dúvidas entre clínicos e endocrinologistas.
Nos últimos anos diversos consensos e
diretrizes foram publicados, muitas vezes
as orientações de cada sociedade divergem quanto aos valores a serem utilizados
na classificação da hipertrigliceridemia
como moderada ou grave. O ultimo consenso da Endocrine Society, de setembro
de 2012, sugere a abordagem por etapas,
sumarizada a seguir.
1. Inicialmente, deve-se definir a gravidade da hipertrigliceridemia. Já nesta
etapa as diretrizes são discordantes, mas
conforme o consenso da Endocrine Society de 2012, define-se hipertrigliceridemia
leve até é 200 mg/dl, moderada até 1000
mg/dl, grave de 1000 a 2000 mg/dl e muito grave acima de 2000 mg/dl (tabela 1).
O grande ponto aqui é a forma de abordagem de cada um dos tipos, nas formas
leves a moderadas a meta do tratamento
é prevenção de eventos cardiovasculares,
nas formas graves e muito graves a grande
preocupação é a exacerbação para valores
acima de 2000 mg/dl e o risco de precipitação de casos de pancreatite.
2. Uma vez definida a gravidade, bus-
ca-se o diagnóstico etiológico. As causas
primárias ou genéticas de hipertrigliceridemia devem ser afastadas, considerando-se sempre a forma de apresentação
do quadro, a presença de características
clinicas relevantes ao exame físico, a história pregressa e familiar do individuo,
a presença de doença aterosclerótica
subjacente. Ressalta-se aqui que, as formas mais graves de apresentação (níveis
acima de 2000 mg/dl) em geral correspondem a formas primárias complicadas
por algum quadro subjacente/causa secundária. Em nossa população, as causas secundárias mais comuns e que não
devem ser esquecidas incluem: diabetes
tipo 2, etilismo, hipotireoidismo, uso de
anticoncepcionais orais, esteróides anabolizantes e drogas que possam precipitar a hipertrigliceridemia como diuréticos tiazídicos, beta bloqueadores, terapia
antiretroviral para pacientes infectados
por HIV (tabela 2)
3. A terceira e mais importante etapa
é de instituição do tratamento. Após a
exclusão de causas secundárias e suspensão de medicações causadoras de hipertrigliceridemia, modificação de estilo de
vida e a instituição de tratamento medicamentoso deve ser considerado para
pacientes com hipertrigliceridemia e
risco de DAC prematura. A hipertrigliceridemia grave ou muito grave (acima
de 1000 mg/dl) requer tratamento de
primeira linha com fibratos para redução
do risco de pancreatite. Os indivíduos
com hipertrigliceridemia moderada deve
ser avaliados individualmente e estratificados quanto ao risco de doença aterosclerótica (figura 1).
4. Pela dificuldade em monitorar os
níveis de LDL pela fórmula de Friedwald, em pacientes com hipertrigliceridemia moderada- cuja preocupação é o
prevenção de eventos cardiovasculares- a
meta é de controle dos níveis de colesterol Não- HDL. Uma vez estratificados,
tais indivíduos devem iniciar o tipo e a
dose de estatina mais apropriada. Ressalta-se aqui que as estatinas não estão
indicadas para tratamento de indivíduos
com hipertrigliceridemia grave ou muito
grave. Entretanto, são indicadas para pacientes quando o objetivo é a redução de
risco cardiovascular.
5. Drogas adicionais como ácidos
graxos ômega 3 podem ser utilizadas,
apesar da falta de evidências robustas
de estudos de desfecho cardiovascular.
As doses preconizadas são de 3 a 5 g de
EPA e DHA, o que muitas vezes limita
a adesão e aumento o risco de efeitos colaterais para os pacientes.
6. Em populações específicas como
crianças e adolescentes, a recomendação
de modificação de estilo de vida consiste
na terapêutica principal de abordagem
de hipertrigliceridemia. Orientação dietética e o controle de fatores de risco
como sobrepeso, obesidade, hipertensão,
sedentarismo e estresse são essenciais.
Na falência dessa abordagem, as medicações iniciais a serem utilizadas são
Omega-3 ou triglicerídeos de cadeia
média. Se níveis aumentados de LDL ou
colesterol não-HDL forem observados,
associação com estatina deve ser considerada. Apenas quando não se alcançam
níveis adequados de triglicerídeos (por
exemplo, acima de 900 mg/dl) com estas
terapêuticas o uso de fibratos deve ser
considerado.
jornal da ASSEX
13
Tabela 1: Valores de referência para diagnóstico de hipertrigliceridemia da Endocrine Society 2010
(Exames coletados em jejum)
Normal
< 150 mg/dl
Hipertrigliceridemia Leve
150 – 199 mg/dl
Hipertrigliceridemia Grave
1000 – 1999 mg/dl
Hipertrigliceridemia Moderada
200 – 999 mg/dl
Hipertrigliceridemia Muito Grave
≥ 2000 mg/dl
Tabela 2:Causas de hipertrigliceridemia:
Primária:
Hipertrigliceridemia familiar
Hiperlipidemia Familiar Combinada
Disbetalipoproteinemia familiar
Susceptibilidade Genética Primária:
Síndrome Metabólica
Diabetes tipo 2
Secundárias:
Doenças endócrinas (hipotireoidismo, hipogonadismo masculino)
Induzido por drogas ( tiazídicos, beta-bloqueadores, estrogênio, isotretinoína, inibidores de protease, antipsicóticos)
Diabetes não tratado
Insuficiência hepática
Insuficiência renal
Gravidez
Doenças autoimunes
Figura 1: Algoritmo diagnóstico e de tratamento de hipertrigliceridemia moderada
Triglicerídeos 250-1000 mg/dl, sem aumento de LDL colesterol
Excluir causas secundárias
Com DAC prematura?
Não
Sim
História familiar de DAC prematura?
Negativa
Desconhecida
Hipertriglicerdidemia
familiar?
Modificação de estilo
de vida apenas
Apo B
aumentada?
Apo A1
diminuída?
Não
Modificação de estilo
de vida,
considerar tratamento
medicamentoso
Sim
Sim
HFA?
HFC?
HFC= Hiperlipidemia Familiar Combinada
HFA= Hipoalfalipoproteinemia Familiar
Positiva
Não
Modificação
de estilo de
vida, considerar
tratamento
medicamentoso
ApoA1-= Apolipoproteína A1
Apo B= Apolipoproteína B
Provável Hiperlipidemia familiar Combinada ou Hipoalfalipoproteinemia familiar
Modificação de estilo de vida e
tratamento medicamentoso
jornal da ASSEX
14
Referências:
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the American Diabetes Association and the American College of Cardiology Foundation. J Am Coll Cardiol 2008 51:1512–1524.
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como eu faço?
Uso da Vildagliptina em Paciente com
Lipodistrofia Generalizada Adquirida
Dra Márcia Helena
Costa e Dra Denise
Medeiros do
Nascimento
Médicas do Serviço
de Metabologia
Caso clínico:
CRSB, feminina, 26 anos, com diagnóstico de dermatomiosite infanto-juvenil aos 04 anos de idade quando apresentou fraqueza muscular proximal e
aparecimento de nódulos subcutâneos
em extremidades e tronco (paniculite).
A partir dos 7 anos de idade, observou
diminuição do tecido adiposo subcutâneo, inicialmente na região dos nódulos, e posteriormente acometendo os
membros, tronco e face. Na idade adulta foi iniciado tratamento com metotrexate para controle da dermatomiosite, entretanto a paciente evoluiu com
hepatotoxicidade durante o tratamento,
sendo prescrita azatioprina e corticote-
rapia oral. A avaliação laboratorial e a
ultrassonografia abdominal demonstraram esteatohepatite não alcoólica e dislipidemia, quando então a paciente foi
encaminhada ao endocrinologista para
acompanhamento.
Em sua primeira avaliação endocrinológica, a paciente apresentava lipoatrofia
generalizada, nódulos subcutâneos calcificados e baixo índice de massa corporal - IMC de 14,8 kg/m2. Na avaliação
laboratorial, observou-se diagnóstico de
DM2 com HbA1c = 7.4%; curva glico
-insulínica com valores basais de glicemia=105 mg/dL, de insulina=38,6 UI/
mL, peptideo C=5,3ng/mLe 2h após 75g
de glicose anidra com glicemia=204 mg/
dL, insulina = 78,7UI/mL e peptideo
C=10,5ng/mL; dislipidemia mista - colesterol total=238 mg/dL, HDL=38mg/
dL, LDL = 112mg/dL e TGC=485mg/
dL e perfil hepático alterado- TGO=45
U/L, TGP=79 U/L. A paciente apresentava ainda, baixos níveis de leptina (2,0
ng/ml) e aumento dos marcadores inflamatórios (PCR, fibrinogênio, ferritina).
A análise da composição corporal
por densitometria confirmou a escassez de gordura subcutânea periférica e a
ressonância magnética de abdome com
espectroscopia pela técnica de Dixon
para quantificação da gordura hepática e
pancreática demonstrou esteatohepatite
com 26,6 +/- 1,3% de gordura hepática e 7,9 +/- 1,8% de gordura pancreática. Na ocasião foi iniciado fenofibrato
250mg/dia e pioglitazona 15 mg/dia,
que foi suspensa após 2 meses por aumento de volume abdominal e edema de
membros inferiores, sugerindo retenção
hídrica, optando-se pelo uso de gliclazida MR 30 mg/dia.
A paciente persistiu com controle glicêmico insatisfatório (HbA1c = 7,4%),
apesar da descontinuação da azatioprina
e redução progressiva da dose de prednisona para 5 mg /dia. Vildagliptina 50
mg 2x/dia foi introduzida com gradual
redução da HbA1c (6,8%) e melhora
marcante do perfil lipídico. Após 6 meses do início da vildagliptina, a paciente
evoluiu com hipoglicemias frequentes,
jornal da ASSEX
sendo suspensa a gliclazida. 10 meses
após início da vildagliptina, a paciente
continuava com excelente controle glicêmico (HbA1c = 6,2%) sem hipoglicemias. A RNM com espectroscopia foi
repetida, sendo observada uma redução
importante de gordura hepática de 26,6
± 1,3 % para 13,7 ± 0,4% (≅50%) e da
gordura pancreática de 7,9 ± 1,8 % para
5,0 ± 0,2 % (36,7%) ( Figura 1).
Figura 1: RNM com mapa percentual de gordura: (A) análise pancreática basal; (B) após terapia com vildagliptina; (C) gordura hepática basal
e (D) após terapia com vildagliptina
A
B
C
D
Discussão:
Lipodistrofia Generalizada Adquirida (LGA) é uma condição rara, com
poucos casos relatados na literatura.
Suas principais características são escassez de tecido adiposo subcutâneo, diabetes, resistência insulínica, dislipidemia e
doença hepática gordurosa não alcoólica
(DHGNA) (1).
O maior desafio no tratamento da
LGA consiste em controlar os distúrbios
metabólicos relacionados a RI. Este artigo ilustra uma terapia não usual aplicada
a uma paciente com LGA. Sensibilizadores insulínicos, principalmente as tiazolidinedionas, são as drogas de escolha
para estes pacientes (2). No caso exposto
a pioglitazona foi suspensa por edema
periférico e aumento do volume abdominal, bem como a gliclazida em virtude
das hipoglicemias, sendo mantida apenas vildagliptina.
Foi observada uma melhora no controle metabólico, redução da RI (aproximadamente de 50% no HOMA-IR) e
da função de células Beta, que não pode
ser explicada apenas pela diminuição na
dose da prednisona; tal efeito pode ser
atribuído a ação da vildagliptina em aumentar o GLP-1 intacto e o GIP (3).
A eficácia da vildagliptina no paciente
lipoatrófico pode ter 3 razões: 1) Diminuição da RI pela melhora da lipólise e
do fluxo de AG livres, demonstrado pelo
clamp hiperinsulinêmico euglicêmico
(4). 2) A DPP4 (dipeptilpeptidase 4) foi
reconhecida como uma nova adipocina
potencialmente ligada a obesidade e a
síndrome metabólica (5). Experimentos
in vitro demonstram que a DPP4 inibe
a fosforilação da AKT induzida pela insulina no músculo e tecido adiposo, isto
poderia explicar a melhora do HOMA
-IR nesta paciente. A escassez de tecido
adiposo SC, pode levar a um aumento
no acumulo de gordura visceral, que esta
associado ao aumento nos níveis circulantes de DPP4 (6). 3) Por ação direta
na inibição da DPP4 hepática, pode ter
ocorrido uma diminuição marcante da
gordura hepática e pancreática no caso
exposto; tal efeito torna os inibidores de
DPP4 potenciais opções terapêuticas na
DHGNA-NASH (7).
Em um estudo com pacientes com
DHGNA foi observada um aumento
na atividade da DPP4 no soro quando
comparada com o grupo controle e uma
15
diminuição da intensidade da DPP4 no
fígado marcada por imunohistoquímica;
sua atividade sérica foi correlacionada
com o grau histopatológico de NASH e
esteatohepatite (8).
O aumento da atividade da DPP4
em pacientes diabéticos e não diabéticos com NAFLD, foi confirmado por
Firneisz et al (9). Neste estudo a atividade da DPP4 foi correlacionada com
HOMA-IR, TGP e GGT. Tais achados
sugerem que a DPP4 constitui um novo
marcador e uma nova via metabólica na
doença hepática.
Recentemente, em um estudo randomizado e controlado com placebo, 44
pacientes diabéticos com NAFLD foram randomizados: 50% para tratamento com vildagliptina 50mg 2x/dia por 6
meses e 50% para placebo. Foram analisados níveis de triglicerídeos hepáticos
(TGC) através de RNM pelo método
de Dixon utilizando 3 pontos, sensibilidade a insulina periférica e hepática
(clamp euglicêmico hiperinsulinêmico)
e dados antropométricos. Durante o tratamento com vildagliptina, observou-se
redução do nível do TGC hepático em
jejum de 7,3% +/-1,0% para 5,3% +/0,9% (p=0.001), o que não foi observado
no grupo placebo. Ocorreu uma queda
de 12%, 29% e 27% no nível de TGC
hepático no primeiro, terceiro e sexto mês de tratamento. Houve redução
das enzimas hepáticas no grupo tratado
com a vildaglipina. Não foi observada
diferença significativa na produção hepática de glicose em ambos os grupos,
embora, tenha ocorrido redução da insulina de jejum no grupo intervenção. No
pacientes tratados com vildagliptina, foi
observado que a diminuição da glicose
de jejum se relacionava positivamente
com diminuição no conteúdo hepático de triglicerídeo após 3 e 6 meses de
tratamento. Observou-se também uma
redução do peso (1,6 +/-0,5kg) e da
gordura corporal (31,1% +/-1,8% para
26,3% +/- 2,2% sem diferença estatística
significante (10).
Tanto a mudança no estilo de vida,
dieta, quanto o uso de drogas, sabidamente já são efetivos na diminuição a doença
hepática gordurosa (11), porém este é o
primeiro caso que correlaciona o uso de
drogas, especificamente a vildagliptina
com a redução da gordura pancreática
em humanos. Tal efeito pode estar associado com a recuperação de células Beta
16
pancreáticas (9). De fato, Lim e cols (12)
demonstraram uma redução da gordura
pancreática de 8,0 +/-1,6% para 6,2% +/1,1% (p=0,03) em um grupo de pacientes
diabéticos submetidos a dieta de muito
baixa caloria, efeito comparável ao encontrado em nossa paciente. Num período de
8 semanas, houve uma melhora marcante
na função de células Beta, que foi avaliada pela resposta máxima na secreção de
insulina e também pela remissão do diabetes (12). Nossa paciente não seguiu nenhuma dieta restritiva nem foi observada
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nenhuma perda ponderal ao final do tratamento. Portanto, não acreditamos que a
dieta tenha sido responsável por tal dramática redução tanto da gordura hepática
quanto pancreática.
A hiperglicemia se caracteriza pela
supressão inadequada do glucagon (13).
Recentes evidências sugerem que tal hormônio desempenha papel essencial na fisiopatologia e no tratamento do diabetes,
“Era Glucagonocêntrica”, proposta por
Unger e Cherrington (14). Estudos clínicos com análogos de GLP-1 e inibido-
res de DPP4 sugerem que a inibição pelo
glucagon se faz tão importante quanto a
ação de estímulo da insulina (14). Portanto podemos especular que, no caso apresentado, a vildagliptina contribuiu tanto
para a diminuição da gordura hepática
quanto da pancreática, levando a melhora
da função da célula Beta, diminuição da
RI e melhora da hiperglicemia.
Conclusão: A vildagliptina é uma
droga potencial no controle da DHGNA e do Diabetes, especialmente nas
síndromes lipodistróficas.
Referências:
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