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Órgão oficial da Associação dos Ex-Alunos do IEDE • Fevereiro de 2016 • Ano 23 • www.assex.org.br Distribuição dirigida à classe médica 43º Encontro Anual do IEDE Confraternização e Ciência Vejam os debates e as fotos em nosso facebook: assex/iede ou www.assex.org.br Espaço IEDE Seviço de Metabologia do IEDE Carta aberta ao meu amigo Raul Nesta edição Abordagem de algumas rotinas. Por Dr. Ricardo Meirelles Página 03 Dr. Amélio F. Godoy-Matos Página 04 86 jornal da ASSEX 2 Editorial Caros amigos, No último mês de dezembro, aconteceu o 44º Encontro Anual do IEDE no Hotel Portobello, em Mangaratiba. Desde o início do evento, sentimos a falta do querido Dr. Raul Fialho de Faria Junior, que nos deixou praticamente 1 mês antes do encontro. Suas palavras gentis e de incentivo foram muito sentidas! Mas contamos com a honrosa presença da família do Dr. Raul, seu filho, nora e neta, que puderam sentir a estima e carinho da Família IEDE, durante a programação científica e também nos momentos de confraternização. As saudades serão eternas e ficamos com o precioso legado de respeito ao paciente, de dedicação à nossa especialidade e e de amor ao IEDE. Para quem conheceu o Dr. Raul, ele com certeza pediria que prosseguíssemos com o evento. E em 3 dias, trocamos importantes informações científicas e revemos amigos. O tema central do evento foi a relação entre os eixos hormonais e o sistema nervoso. Fomos brindados com excelentes aulas, apresentadas por professores com grande expertise nos assuntos abordados. O prêmio José Schermann foi entregue à Dra. Rossana Corbo, que presenteou o público com um bela revisão sobre câncer de tireóide. A medalha Francisco Arduíno foi dada ao Dr. Leão Zagury, e com ele fizemos uma emocionante viagem pela história do diabetes no IEDE e no Brasil. Mantendo a tradição, fizemos a diplomação dos novos endocrinologistas formados pelo IEDE/PUC que mostraram que já vão começar suas carreiras com muita energia e alegria. Fizeram uma linda festa para comemorar a Formatura! E já iniciamos os preparativos para o 45º Encontro Anual do IEDE; em breve sairemos com as informações e programação. Começamos agora mais um ano juntos! Nesta edição do Jornal da ASSEX, vamos dar continuidade ao projeto de atualização científica com o Serviço de Metabologia, coordenado pela Dr. Amélio Fernando Godoy-Matos. Os amigos ´´metabólicos´´, experientes e empolgados no assunto, produziram uma material de altíssima qualidade! Erika Paniago Guedes (Presidente da Assex -2015-2016) Boa leitura a todos e um excelente 2016! Expediente Diretoria Biênio 2015/2016: Diretora Vice-Tesoureira: Jornal da ASSEX: Conselho editorial: Dra. Karen F. de Marca Seidel Dr. Ricardo Meirelles, Presidente de Honra (in memoriam): Diretor Secretário: Dra. Erika Guedes Dr. Luiz Cesar Póvoa Dr. José Mauricio Braga Dr. Walmir Coutinho Diretora Presidente: Diretora Vice Secretária: Projeto Gráfico: AC Farmacêutica Dra. Erika Paniago Guedes Dra. Luciana Lopes de Souza Diagramação: AC Farmacêutica Diretor Vice-Presidente: Diretora Social: Editora: Dra. Cynthia Melissa Valério Dr. Roberto Assumpção Dra. Flávia Regina Pinho Barbosa Diretor Tesoureiro: Diretora de Eventos Científicos: Dr. Luiz Gallotti Póvoa Dra. Cynthia Melissa Valério Distribuição Gratuita à classe médica jornal da ASSEX 3 Espaço IEDE Carta ao Raul Ricardo M. R. Meirelles Diretor do IEDE Meu caro amigo Raul, E stamos sentindo sua falta. Depois de fazer parte do IEDE por tanto tempo, desde que ele existe, já tínhamos nos acostumado a vê-lo como parte do hospital. Não foi à toa que você foi devidamente incluído no patrimônio do Instituto, com direito à placa 0001 e tudo. Sua presença, das 8 às 17 horas, todos os dias, já fazia parte da paisagem. E o que é melhor: trabalhando. Todos sabiam que você era o recurso para tudo. Perdeu uma consulta? – Procure o Dr. Raul. Precisa de uma receita? – Procure o Dr. Raul. Consulta de primeira vez? – Procure o Dr. Raul. Faltou alguém, em algum setor? – Procure o Dr. Raul. Problemas com a estatística da monografia? – Procure o Dr. Raul. Alguma repartição pediu um documento do Hospital? – Procure o Dr. Raul. Laudo médico? – Procure o Dr. Raul. E assim ia... Você sempre foi o braço direito de todos os diretores do IEDE, desde Jayme Rodrigues, o segundo diretor geral, que o convidou para ser o Diretor Médico. Esse foi o cargo que você ocupou, durante mais de 45 anos, com diversos nomes: Diretor Médico, Diretor Técnico e Diretor Assistencial, até ser elevado à condição de Diretor Emérito. Longe de ocupar um cargo apenas decorativo, você manteve suas atividades no IEDE inalteradas, continuando a fazer seus laudos, organizar os prontuários e ministrar o Curso de Bioestatística para os alunos da especialização. Acostumei-me à sua presença, na sala ao lado, sempre disponível para emitir uma opinião, pautada pela longa experiência, quando eu precisava compartilhar uma decisão, fosse numa atitude administrativa mais sensível ou na simples redação de um documento. Escrever corretamente era uma preocupação permanente de ambos. Os erros gramaticais e ortográficos, que surpreendíamos tanto nas publicações noticiosas como, até mesmo, em documentos oficiais, soavam como agressões. Procurávamos evitá-los, cuidadosamente, em tudo o que escrevíamos. Ao longo dos últimos 25 anos, almoçamos juntos quase todos os dias. Era o momento em que discutíamos os problemas do IEDE e as notícias do dia. Também era a hora em que vinham as suas reminiscências, que sempre gostei de ouvir. Suas idas ao Theatro Municipal, de bonde e vestido de smoking, traje obrigatório para assistir às óperas que seu tio assinava e nem sempre podia comparecer, passando-lhe o ingresso. Você comentava que o bonde, nesse horário, vinha com os bancos cobertos por uma capa branca, de modo que as senhoras, nos seus vestidos de festa, não corressem o risco de sujá -los. A história da casa em que morava desde os oito anos de idade, em Santa Teresa, onde moraram várias gerações da família e onde, até agora, continuam a morar seus filhos. Sua experiência como médico das freiras do convento próximo à sua casa, onde, além do padre, era o único homem admitido. Sua participação na reconstituição dos ossos de uma freira falecida, em processo de beatificação. Estes são apenas exemplos das inúmeras memórias que você me passou. Sinto falta disso. Nunca mais almocei no hospital, desde novembro. Gostávamos de lembrar que, um ano após o meu nascimento, você já estava se formando. Fomos nos encontrar em 1968, primeiro ano da existência do IEDE como Instituto, quando, no terceiro ano da então Faculdade Nacional de Medicina, passei a frequentar a Terceira Cadeira de Clínica Médica, Serviço do Professor Feijó, onde você já era assistente. Algum tempo depois, quando começaram as colônias de férias para crianças com diabetes, eu ficava impressionado com a sua dedicação ao evento, para o qual levava até sua filha, que também ajudava nos cuidados aos meninos e meninas. Toda a experiência que você acumulou no Ministério da Fazenda, na Imprensa Nacional e na Light foi, depois, dedicada ao IEDE. Essa dedicação abrangia tudo e todos. Para várias gerações de alunos, você foi um professor sempre presente. Alguns, que vinham de outros estados, chegavam a considerá-lo um segundo pai. Por tudo isso, Raul, você está fazendo falta. Tínhamos a impressão de que você seria eterno. Na verdade, você está eternizado nos corações dos que tiveram o privilégio de conhecê-lo e pelo muito que deixou. Sentimos saudade, mas não tristeza, pois sabemos que você partiu da forma mais suave possível, tendo trabalhado até a véspera no IEDE, que tanto amou e pelo qual tanto fez. jornal da ASSEX 4 SESSÃO: ESPAÇO DO CHEFE DE SERVIÇO Apresentação do Serviço de Metabologia Dr. Amélio F. Godoy-Matos Responsável pelo serviço de Metabologia do IEDE A história: na década de 80, dentro do organograma do IEDE, existiam 5 serviços: Endocrinologia, Diabetes, Cirurgia e Nutrologia & Metabologia. O quinto serviço era a nutrição. O serviço de Nutrologia e Metabologia sempre foi pequeno; à época era chefiado pela Dra Elde Nordi e seu outro médico era o Dr. Tadeu de Almeida Lima. Destinava-se a tratar dislipidemias e algum raro erro inato do metabolismo. Ainda nessa fase, eu era staff do serviço de endocrinologia, fazia a triagem às terças feiras e servia em ambulatórios gerais. No início da década de 90, muita coisa mudou no IEDE e com a aposentadoria da Dra. Elde, o Dr. Ricardo Meirelles, já Diretor do IEDE, me nomeou chefe do Serviço de Nutrologia e Metabologia. Começava aí a nova fase desse serviço, que mais tarde teve o nome encurtado para Serviço de Metabologia (SM). A evolução: o SM se repaginou, agora com o objetivo de estudar e dar assistência na área de obesidade e síndrome metabólica, dentro do tripé de princípios do IEDE- assistência, ensino e pesquisa. Além disso, manteve a dislipidemia no seu espectro de atividades. O estudo e tratamento da obesidade nunca fora foco de atenção e prioridades em saúde, já que não era encarada como doença ou um real problema de saúde. Poucos anos antes, a ABESO fora fundada e já realizara 3 SISOs (Simpósio Internacional Sobre Obesidade 1987, 1988 e 1989). Tive o privilégio de organizar e presidir o 30 SISO no Rio de Janeiro e presidiria também o 10 Congresso Brasileiro de Obesidade em 1993. Assim, estávamos entusiasmados com a possibilidade de criar o primeiro serviço de obesidade no Rio de Janeiro. É interessante observar que existia apenas um Serviço dedicado a obesidade, no Hospital das Clinicas de São Paulo, USP, sob a regência do Dr. Alfredo Halpern. Nessa mesma época, não impor- ta se um pouco antes ou um pouco depois, surgiam em Curitiba e em Porto Alegre, mais dois serviços- Dr. Henrique Suplicy e Dr. Giuseppe Repetto. Esses fatos atestam o pioneirismo do Serviço de Metabologia. No início éramos eu como chefe e médico e o Dr. Walmir Coutinho como médico voluntário do SM. Logo conseguimos trazer a Dra. Lucia Carraro e ficamos apenas 2 staffs. Muitos voluntários se agregaram ao longo desses anos, aos quais o SM será eternamente grato, pela colaboração e inspiração que deixaram como legado (Rodrigo Moreira, Erika Guedes, Luciana Lopes, Roberto Zagury, Ricardo de Oliveira, Jucineia, Andreia Vieira, Leonardo Fontenelle, José Carlos Appolinario) alguns dos quais são hoje ilustres profissionais na área de Obesidade e Metabologia. A Dra. Lucia Carraro manteve-se no SM até recentemente quando se aposentou. Atualmente são 4 médicos e 2 voluntários no SM: Marcia Soares, Patricia Echenique, Adriano Lacerda e Denise Medeiros. A Dra. Cynthia Valerio coordena as pesquisas com lipodistrofias e está temporariamente numa outra função no IEDE. Os Drs. Rodrigo Moreira e Antônio Carlos Alvarenga são voluntários, o primeiro coordenando pesquisas e o ambulatório de dislipidemia. A Dra. Lillian Mattos, até recentemente no SM, foi deslocada para cuidar de erros inatos do metabolismo (fenilcetonuria) no NAM. Ao longo desses anos desenvolvemos várias linhas de pesquisa e apresentamos diversos temas livres em congressos no Brasil e no exterior. Também publicamos pelo menos 30 artigos na literatura internacional, dos quais alguns tiveram grande impacto com várias citações. Um desses estudos, um estudo duplo-cego, randomizado de tratamento da obesidade do adolescente com sibutramina foi publicado no JCEM em 2005. No congresso americano de endocrinologia (Endocrine Society) foi escolhido um dos cinco melhores trabalhos em endocrinologia pediátrica daquele ano. Entre as linhas de pesquisa, podemos ainda citar adrenal e gordura visceral, gordura ectópica, obesidade e síndrome metabólica do adolescente, adipo- quinas, lipodistrofias parciais e DPP4 como as mais importantes. No momento há 5 trabalhos em andamento ou em fase de redação na linha de pesquisa da DPP4 No ano 2000, desenvolvemos a idéia de que a Síndrome Metabólica e o Diabetes Mellitus tipo 2 seriam disfunções do adipócito e do tecido adiposo. Assim, seriam fisiopatologicamente decorrentes de 1- Excesso de adipócitos (ou tecido adiposo) 2-Tamanho do adipócito 3- Tipo e local do adipócito 4- Secreções dos adipócitos e do tecido adiposo e 5- Escassez de adipócitos. Assim, consideramos que as lipodistrofias parciais seriam um excelente modelo de estudo, pois preenchia grande parte dos quesitos acima (tamanho, tipo e local, escassez e secreção). Esse ano publicamos mais uma das pesquisas em lipodistrofia parcial que foi fruto dessa idéia (Evaluation of epicardial adipose tissue in familial parcial lipodystrophy Diabetology & Metabolic Syndrome 2015, 7:29). Atualmente o SM mantém ambulatórios de Lipodistrofia, Dislipidemia, Obesidade e Síndrome Metabólica do Adolescente, Obesidade e Síndrome Metabólica do adulto. Serviço de Metabologia em 2015: • Ambulatório de Dislipidemia: Dra Márcia Helena Soares Costa Dra Patricia Echenique Dr Adriano Lacerda Dr Rodrigo Moreira (colaborador) Dra Cynthia Valerio (colaboradora) • Ambulatório de Lipodistrofia: Dra Márcia Helena Soares Costa Dra Cynthia Valerio (colaboradora) • Ambulatório de Obesidade e Síndrome Metabólica no Adolescente: Dr Adriano Lacerda • Ambulatório de Obesidade e Síndrome Metabólica no Adulto: Dra Márcia Helena Soares Costa Dra Denise Medeiros do Nascimento Dra Patricia Echenique Dr Adriano Lacerda Dra Lucia Carraro (colaboradora) Dra Lilian Mattos (colaboradora) Dr Antônio Carlos Alvarenga (colaborador) jornal da ASSEX Equipe médica do Serviço de Metabologia durante atendimento no Ambulatório 5 Festa de Confraternização da Equipe Médica da Metabologia em janeiro de 2016. Equipe médica do Serviço de Metabologia: Dr Antônio Alvarenga, Dr Adriano Lacerda, Dra Denise Medeiros, Dr Amélio Godoy-Matos, Dra Patricia Echenique, Dra Cynthia Valerio, Dra Marcia Costa e Dr Rodrigo Moreira Equipe médica do Serviço de Metabologia em festa de confraternização em dezembro de 2013 Dra Lucia Carraro e Dra Lillian Mattos, colaboradoras do Serviço de Metabologia Dr Roberto Zagury e Dr Ricardo de Oliveira, colaboradores do Serviço de Metabologia Dra Erika Paniago e Dra Luciana Lopes, colaboradoras do Serviço de Metabologia Homenagem do Serviço de Metabologia ao Dr Raul Faria O Serviço de Metabologia une-se a toda a família do IEDE no pesar e na saudade do queridíssimo Raul. Ao completar essa edição para a ASSEX, sofremos com a despedida desse querido amigo, cuja presença por toda a vida do IEDE confundiu-se com a própria identidade dessa instituição. Os corredores labirínticos desse instituto transformam-se num vazio espaço de saudades, embora possa-se sentir a sua presença em cada canto. Raul foi Diretor Médico desse hospital por toda a vida e por todas as gestões que por aqui passaram. Homem extremamente afável, era carinhoso com todos, em especial com os jovens residentes que se iniciavam aqui. Nada pedia, nenhum louro ou glória almejava. Simplesmente, era simples. Era extremamente prestativo e proativo, ao ponto de nos deixar acanhados e evitarmos lhe fazer qualquer pergunta ou demanda. Explico: se alguém chegasse ao Raul e lhe perguntasse se sabia onde tinha uma chave extra de alguma sala, ele não apenas tentava responder, mas levantavase da sua cadeira e saia a procura. Ou seja, a qualquer demanda ele se dispunha a resolver, mesmo sabendo que com a informação você próprio resolveria. Não se entenda que o Raul, por dócil e gentil, não sabia exercer sua autoridade. Em todos esses anos, demonstrou intensa firmeza sempre que alguém tentou transgredir as regras. Foi o mais denodado trabalhador e mesmo após algumas tragédias e perdas familiares nunca deixou de vir ao IEDE e trabalhar como se fosse um jovem iniciante. Temos certeza que já deve estar trabalhando e ajudando o Pai eterno a gerir esse mundo louco e enfermo. Enfim, descrever e relatar o que foi esse homem seria um longo exercício, mas esperamos que se entenda com esse pequeno tributo que nós todos da Metabologia o admirávamos e amávamos e que lamentamos muito que ele tenha sido transferido para longe de nós. jornal da ASSEX 6 ARTIGOS COMENTADOS Artigo 1: Pioglitazona não está associada a risco de câncer de bexiga- Kaiser Permanent Study 10 anos depois (Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes. Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. JAMA. 2015; 314(3): 265-277) Artigo comentado por Záfia Rangel Gonçalves (pós graduanda do IEDE) e dr Amélio Godoy-Matos (chefe do Serviço de Metabologia) A Pioglitazona é uma medicação de muito interesse para o Serviço de Metabologia, por ser o único sensibilizador de insulina em disponibilidade. É frequentemente utilizada no Serviço de Metabologia, em especial para pacientes com lipodistrofia parcial. Pertence a classe das tiazolidinedionas e são agonistas dos receptores ativados por proliferadores dos peroxissomos (PPAR-gama). A pioglitazona foi um dos únicos medicamentos para diabetes a mostrar diminuição de desfechos duros (estudo PROACTIVE). Na análise desse estudo, um discreto aumento de câncer de bexiga, não significante estatisticamente, foi sugerido. (1) Após isso, alguns estudos observacionais sugeriam que a medicação estaria associada com maior risco dessa entidade. Assim, em 2003, por orientação do Food and Drug Administration (FDA), foi conduzido um estudo observacional de 10 anos que em sua análise interina de 5 anos mostrou que indivíduos em uso de pioglitazona por mais de 2 anos apresentavam um pequeno aumento no risco, mas estatisticamente significativo, de desenvolver câncer de bexiga (HR 1,4; IC 95% 1,0- 2,0). (2) Pouco tempo após ser iniciado este estudo, a Agência Européia de Medicação (EMA) sugeriu que fosse avaliada associação entre a pioglitazona e outros tipos de câncer. Nesta análise não houve associação com significância estatística para nenhum tipo de câncer, no entanto, os dados sugeriam que o uso contínuo da pioglitazona estaria associado ao aumento do risco de melanoma e linfoma não-Hodgkin e redução do risco de câncer renal. (3) Tendo em vista que estes estudos foram conduzidos com tempo máximo de acompanhamento de 6 anos, a incidência de câncer foi baixa entre os usuários da pioglitazona e a capacidade de avaliação de câncer entre os pacientes com mais de dois anos de uso da medicação era limitada, a EMA pediu a extensão deste acompanhamento e esses dados foram publicados em julho de 2015 pelo Journal of American Medical Association ( JAMA). (4) Este estudo utilizou dados eletrônicos obtidos através do Kaiser Permanent Northern California (KPNC) que identificou pacientes com Diabetes mellitus tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2). Entre estes foram selecionados pacientes que apresentavam benefício com prescrição de pioglitazona, idade de diagnóstico do DM superior a 40 anos e sem diagnóstico prévio de câncer. Dessa coorte inicial, foram identificados os casos incidentes de câncer de bexiga e selecionados um controle sem câncer de bexiga pareado para idade, sexo e tempo de diagnóstico de DM até a inclusão no estudo, para que fosse realizado um estudo de caso-controle. A coorte final incluiu 193.099 indivíduos com diabetes, dos quais 34.181 utilizaram pioglitazona durante o acompanhamento. A duração média do acompanhamento foi de 6,1 anos entre os tratados com pioglitazona, com média de tempo de tratamento de 2,8 anos. Durante o acompanhamento de 1.624.308 pessoas-ano, 1.261 indivíduos (0,65%) foram diagnosticados com câncer de bexiga. No entanto, na análise estatística, não houve significância para tais achados, mesmo na análise de modelos ajustados para outras variáveis, assim como não houve significância estatística quando correlacionados o tempo de du- ração do tratamento e a dose cumulativa de pioglitazona utilizada. (Tabela 1). (4) Assim, os achados deste estudo de extensão não confirmam a associação de Ca de bexiga e pioglitazona e diferem da análise interina publicada em 2011 (2) que sugerira a associação entre o câncer de bexiga e o uso de pioglitazona por mais de dois anos. Na análise de caso-controle do câncer de bexiga, foram selecionados 464 pacientes que apresentaram câncer de bexiga em uso de pioglitazona. Semelhantemente aos dados encontrados na coorte, nesta análise também não houve significância estatística na associação entre uso contínuo de pioglitazona e Ca de bexiga (OR 1.14 IC95% 0,79-1,65) (Tabela 2). (4) Destaca-se que os casos eram mais propensos ao tabagismo e ocupações associadas com câncer de bexiga. Na coorte que avaliou incidência de outros tipos de câncer, foram incluídos 236.507 pacientes, dos quais 38.190 fizeram uso contínuo de pioglitazona. O tempo médio de acompanhamento dos pacientes tratados com pioglitazona foi de 5,4 anos e dos que não utilizaram foi de 6,5 anos. O uso contínuo de pioglitazona foi associado a aumento do risco de câncer de próstata (HR 1.13 IC95% 1,02-1,26) e câncer de pâncreas (HR 1,41; IC95% 1,16-1,71). A taxa de risco dos demais tipos de câncer avaliados não apresentaram significância estatística. (4) No entanto, foi encontrado discreto aumento do risco de câncer de mama com aumento da duração e dose do tratamento com pioglitazona, mas tal achado não foi descrito em nenhum estudo prévio e jornal da ASSEX no estudo PROACTIVE houve uma redução estatisticamente significativa desse tumor no grupo pioglitazona. (1,4) Assim, pode-se concluir que a asso- 7 ciação sugerida em estudos observacionais prévios de Ca de bexiga e pioglitazona não se confirmou em estudos de maior duração e melhor metodologia. A possível associação com Ca de pâncreas ou de próstata não havia sido observada em nenhum estudo prévio e merece futura avaliação. Tabela 1. Incidência e Hazard Ratio para associação entre uso de pioglitazona e risco de câncer de bexiga entre 193.099 pacientes Pioglitazona Usuários Casos de câncer bexiga Incidência de câncer de bexiga por 100mil pessoas-ano Anos Nunca Contínuo 1075 75,9 (71,3 – 80,4) Hazard Ratio (IC95%) Tempo desde o início Duração do uso Dose cumulativa (mg) <4,5 4,5–8,0 >8,0 <1,5 1,5-4,0 >4,0 1 - 14000 14001 -40000 >40000 186 88 65 33 60 69 57 66 69 51 89,8 (76,9 – 102,7) 68,2 (54,0 – 82,5) 111,6 (84,5 – 138,7) 125,8 (82,9 – 169,7) 67,5 (50,4 – 84,6) 88,4 (67,5 – 109,3) 113,7 (84,2 – 143,2) 69,1 (52,4 – 85,8) 96,9 (74,0 – 119,8) 101,4 (73,5 – 129,2) 0,99 (0,84 – 1,16) 0,81 (0,65 – 1,01) 1,15 (0,89 – 1,49) 1,20 (0,84 – 1,73) 0,80 (0,61 – 1,04) 0,97 (0,76 – 1,24) 1,13 (0,86 – 1,49) 0.80 (0,63 – 1,49) 1,05 (0,82 – 1,35) 1,03 (0,77 – 1,37) Adaptado de Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes. JAMA. 2015; 314(3): 265-277 Tabela 2. Odds Ratios para associação entre tratamento com pioglitazona e câncer de bexiga Casos (n=464) Tempo desde o início da pioglitazona (anos) <4,5 4,5 – 8,0 >8,0 46 32 13 Odds Ratio (IC95%) Controles (n=464) Não ajustado Ajustado 36 1,36 (0,84-2,21) 1,42 (0,80-2,52) 26 19 1,33 (0,75-2,36) 0,65 (0,29-1,43) 1,20 (0,62-2,32) 0,70 (0,27-1,78) Duração da terapia (anos) <1,5 1,5 – 4,0 25 39 24 27 1,10 (0,62-1,96) 1,55 (0,90-2,67) 1,16 (0,59-2.25) 1,78 (0,93-3,40) > 4,0 27 30 0,94 (0,54-1,64) 0,81 (0,42-1,55) 1 – 14000 31 27 1,19 (0,70-2,03) 1,26 (0,69-2,33) Dose cumulativa (mg) 14001 – 40000 > 40000 33 27 27 27 1,27 (0,75-2,15) 1,06 (0,59-1,88) 1,27 (0,68-2,36) 0,98 (0,50-1,93) Adaptado de Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes. JAMA. 2015; 314(3): 265-277. Referência Bibliográficas: 1. Erdmann E, Song E, Spanheimer R, van Troostenburg de Bruyn AR, Perez A. Observational follow-up of the Proactive study: a 6-year update. Diabetes Obes Metab. 2014;16(1): 63-74. 2. Lewis JD, Ferrara A, Peng T, et al. Risk of bladder cancer among diabetic patients treated with pioglitazone: interim report of longitudinal cohort study. Diabetes Care. 2011;34(4):916-922. 3. Ferrara A, Lewis JD, Quesenberry CP Jr, et al. Cohort study of pioglitazone and cancer incidence in patients with diabetes. Diabetes Care. 2011;34 (4):923-929. 4. Lewis JD, Habel LA, Quesenberry CP, et al. Pioglitazone use and risk of bladder cancer and other common cancers in persons with Diabetes. JAMA. 2015; 314(3): 265-277. 5. Levin D, Bell S, Sundd R, et al. Pioglitazone and bladder cancer risk: a multipopulation pooled, cumulative exposure analysis. Diabetologia. 2015; 58(3):493-504, jornal da ASSEX 8 Artigo 2: Avaliação Do Tecido Adiposo Epicárdico Na Lipodistrofia Parcial Familiar Evaluation of epicardial adipose tissue in familial partial lipodystrophy. Godoy-Matos AF, Valerio CM, Bragança JB, Oliveira R de A, Zagury RL, Lustosa R de P, Camargo GC, Nascimento CA, Moreira RO. Diabetology & Metabolic Syndrome (2015) 7:29 Artigo comentado por: Dr Ricardo de Oliveira (médico colaborador do Serviço de Metabologia) e Dra Patrícia Echenique (médica do Serviço de Metabologia) Dr Ricardo de Oliveira Médico Colaborador do Serviço de Metabologia Dra Patrícia Echenique Médica do Serviço de Metabologia A revista “Diabetology & Metabolic Syndrome" publicou, recentemente, artigo originado de uma monografia realizada no serviço de Metabologia, sobre a avaliação do tecido adiposo epicárdico em indivíduos com lipodistrofia parcial familiar (variante Dunningan). As lipodistrofias consistem em um conjunto de alterações heterogêneas, herdadas ou adquiridas, que se caracterizam pela perda parcial ou generalizada de tecido adiposo. A variedade Dunningan é uma rara alteração autossômica recessiva dominante. Pacientes com lipodistrofia familiar parcial (LFP) têm perda de gordura subcutânea em membros e acúmulo de tecido adiposo visceral, resultando em um desequilíbrio na distribuição de gordura corporal total, com desenvolvimento de resistência insulínica, diabetes mellitus, dislipidemia, esteatose hepática e alto risco de doença cardiovascular. Estudos recentes têm testado a hipótese de que a gordura epicárdica poderia contribuir localmente para a aterosclerose coronariana, através da secreção de hormônios e de citocinas inflamatórias. Já foi demonstrado que pacientes com obe- sidade visceral apresentam aumento de gordura epicárdica, que pode ser medida por meio de ecocardiograma transtorácico (EAT). O principal objetivo do estudo foi mensurar a gordura epicárdica (EFT) por meio de EAT e analisar a correlação entre esses resultados e medidas antropométricas e radiológicas (dual-energy x ray absorptiometry- DEXA). Para desenvolvimento do estudo, nosso serviço, recrutou 6 pacientes do sexo feminino que apresentavam mutação sabidamente associada a LFP, e 6 pacientes controle, pareadas por idade, sexo e IMC. Todos os indivíduos foram avaliados quanto a parâmetros antropométricos (cintura/quadril, peso, altura e IMC) e bioquímicos (glicemia, insulina, perfil lipídico, leptina e teste oral de tolerância a glicose), além de ter sua composição corporal avaliada por DEXA e a gordura epicárdica medida por ecocardiograma transtorácico (EAT). A análise estatística dos dados foi efetuada com o pacote BioEstat e p-valores menores que 0,05 foram considerados como estatisticamente significativos em toda as análises. Para a análise descritiva, todas as variáveis foram analisadas como contínuas, sendo fornecidas as medianas e os erros-padrão das distribuições. Como as variáveis do estudo não apresentavam distribuição normal, testes estatísticos não-paramétricos foram utilizados na análise. Para comparação entre o grupo de casos e os controles, empregou-se o teste de Mann-Whitney e as interações entre as medidas obtidas com o ecocardiograma transtorácico e as medidas antropométricas e radiológicas (DEXA) foram testadas por meio do coeficiente de Spearman. Os parâmetros obtidos podem ser vistos da tabela 1. Como esperado, as pacientes com LFP apresentaram parâ- metros antropométricos e do DEXA indicativos de acúmulo de gordura central e diminuição da gordura periférica, com maior WHR e razão androide/ginecóide, assim como diminuição da gordura total e aumento da massa de gordura. Também foi observado que os níveis de HDL colesterol e de leptina sérica eram significativamente menores nas pacientes com LFP, reforçando seu perfil metabólico desfavorável, relacionado à diminuição da distribuição de gordura periférica. Este foi o primeiro estudo a avaliar gordura epicárdica em pacientes com Dunningan e, em conformidade com a hipótese inicialmente levantada, as pacientes com LFP apresentaram aumento de gordura epicárdica (6,0 +- 3,6 mm vs. 0,0 +- 2,04 mm nos controles). Esses parâmetros estão de acordo com estudos recentemente realizados, que encontraram espessura de EFT de 5,8+- 1,9 mm em pacientes com Síndrome Metabólica. Apesar do aumento da EFT, não se observou correlação estatística entre a gordura epicárdica e os parâmetros antropométricos e os mensurados pelo DEXA, conforme pode ser visto na tabela 2. Esse resultado poderia ser explicado pelo reduzido tamanho da amostra (erro estatístico tipo 2). Devem ser realizados novos estudos com amostras maiores de indivíduos com LFP, visando confirmar a existência de correlação, observada em estudos prévios, entre gordura epicárdica, medidas antropométricas e DEXA. O EAT pode ser um marcador promissor do acúmulo de gordura central, já que é uma ferramenta diagnóstica de baixo custo e acessível, além de se mostrar como uma medida útil para estudos de futuras intervenções com drogas que possam modular a atividade parácrina da EFT no coração. jornal da ASSEX 9 Tabela 1: Achados descritivos e comparativos: antropométricos, laboratoriais, ecocardiograma e DEXA Controle (min-max) LFP (min-max) Idade (anos) 36,95 (27,9-46,6) IMC (kg/m2) 22,85 (20,5-27,6) Gordura epicárdica (mm) RCQ Gordura corporal total (%) 0,0306 17,4 (16,1-27,6) 39,15 (32,245,2) 0,0039 90 (75-115) Leptina (ng/ml) Colesterol total (md/dl) 0,0163 0,0 (0-5) Gj (mg/dl) HOMA IR 0,76 (0,7-0,87) 6,0 (0-8) 0,95 (0,8-1,04) 1,19 (0,8-1,49) Insulina (pmol/L) 0,8728 0,3367 1,17 (0,70-2,91) G 2h (mg/dl) 35,45 (28,348,5) 22,05 (21,3-24) FMR RAG P - valor 117 (108-213) 10,7 (4,8-42,8) 2,46 (0,91-12,14) 4,4 (2,4-7,3) 0,64 (0,47-0,82) 0,0104 83,5 (74-98) 0,298 0,82 (0,67-1,06) 99,5 (74-134) 6,6 (2-15,8) 1,25 (0,36-3,81) 16,75 (6,1-30,1) 0,1735 0,56 0,18 G 2h Insulina RCQ Gordura corporal total (%) 0,68 0,29 0,68 LDL HDL TG 0,38 0,61 Abreviaturas: Gordura Epicárdica(EFT); coeficiente de Spearman (rs); p-valor (p); Índice de Massa Corporal (IMC); Relação cintura-quadril (RCQ); Gordura corporal total (TBF); Relação androide/ginecoide (RAG); Razão de massa de gordura (FMR); Glicemia de jejum (Gj); Glicemia 2horas após sobrecarga (G 2h); colesterol total (CT); colesterol LDL (LDL); colesterol HDL (HDL); Triglicerideos (TG) LDL (mg/dl) 139,5 (102-163) 118,5 (82-207) 0,5218 Triglicerídeos (mg/dl) 203,5 (129-321) 110 (52-212) 0,0782 0,0039 0,0003 0,15 0,24 ns CT 0,78 0,65 0,14 0,44 0,07 0,89 0,57 0,03 Gj rs p 0,14 FMR 0,2002 0,0131 0,73 RAG 0,25 0,631 65 (46-91) rs IMC p 0,2623 218 (156-283) 39,5 (29-43) Idade 0,0163 213 (186-264) HDL (mg/dl) Tabela 2: Relações entre tecido gorduroso epicárdico (EFT) e variáveis antropométricas (idade, IMC e RCQ), DEXA (TBF, A/G R e FMR) e laboratoriais com base no Coeficiente de Spearman (rs) -0,44 0,96 0,38 -0,26 0,60 Leptina 0,21 Abreviaturas: Lipodistrofia familiar parcial (LFP); Índice de Massa Corporal (IMC); Relação cintura-quadril (RCQ); Razão de massa gorda (FMR); Relação androide/ginecoide (RAG); Glicemia de jejum (Gj); Glicemia 2 horas após sobrecarga (G 2h);colesterol total (CT); colesterol LDL (LDL); colesterol HDL (HDL); Triglicerideos (TG) Você Sabia? Lipodistrofias e uso de leptina recombinante: um novo horizonte terapêutico Dra Cynthia Valério Endocrinologista do IEDE, médica pesquisadora do Serviço de Metabologia e colaboradora dos ambulatórios de Lipodistrofias e Dislipidemia A s lipodistrofias humanas são um grupo heterogêneo de doenças hereditárias ou adquiridas cuja característica principal é a perda sele- tiva ou total de tecido adiposo e a predisposição à resistência insulínica e suas complicações metabólicas, como diabetes mellitus, hipertrigliceridemia, esteatose hepática, ovários policísticos, doença aterosclerótica (1). As alterações observadas em pacientes com vários tipos de lipodistrofias são comparáveis àquelas encontradas em muitos modelos animais modificados geneticamente, especialmente nos fenótipos mais extremos, representados pelas formas generalizadas (2). Desde a sua primeira descrição em meados da década de 40, o conhecimento e estudo ade- quado destas formas monogênicas de RI tem atraído a atenção dos investigadores, especialmente pelo desafio diagnóstico e terapêutico que representam na prática clínica (3). Recentemente, a American Association of Clinical Endocrinologists (AACE) publicou um Consensus Statement com recomendações para detecção de lipodistrofias a partir de suas características clínicas em uma primeira avaliação (4). Entre estas, define-se a característica essencial (obrigatória) de diminuição de tecido adiposo subcutâneo e outros sinais de jornal da ASSEX 10 suspeição, conforme apresentado na tabela 1 (4).O objetivo é de chamar a atenção de clínicos e especialistas ao diagnóstico precoce especialmente de formas parciais, sutis ou atípicas, que parecem ser mais prevalentes do que o esperado e muitas vezes passam despercebidas na prática clínica diária. A possibilidade de tratamento com leptina recombinante, inicialmente descrita em 2002 em uma série de casos (5), levou ao seu reconhecimento pelo Food and Drug Administration (FDA) em fevereiro de 2014 como tratamento de escolha para formas generalizadas familiares ou adquiridas, apontando um novo horizonte terapêutico para estes indivíduos (6). Os resultados dos estudos clínicos até o momento demonstram um controle metabólico sustentado (queda de HbA1c e triglicérides), melhora da proteinúria, diminuição da ingesta calórica, diminuição do volume do fígado e efeito antiesteatótico potente demonstrado por biópsia, com redução de até 44% do score de pontuação para Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA) após 26 meses de tratamento (7). Curiosamente, os resultados preliminares dos estudos clínicos têm demonstrado que a resposta ao tratamento parece ser mais relacionado ao perfil metabólico do paciente do que quanto ao tipo de lipodistrofia propriamente dito (8). O estudo de Diker-Cohen et al conduzido por 12 meses em 55 pacientes com lipodistrofia generalizada (LG) e 31 lipodistrofias parciais (LP) demonstrou, na análise de subgrupos, que a metreleptina levou à queda de A1c e triglicérides (TG) em todas as LG em que TG >300 mg/dl e em todas as LP com TG >500 mg/dl, HbA1c >8,0% e leptina< 4 ng/ml (9). Os efeitos adversos parecem ser toleráveis e não implicaram em descontinuação do tra- tamento. Os riscos descritos são de linfoma e o potencial desenvolvimento de auto-anticorpos (10). Entretanto, a elevada prevalência de linfoma (18%, 3 dos17 pacientes) foi relacionada com a lipodistrofia generalizada adquirida per se e não com o uso da droga. Até o momento, não existem evidências de que os auto-anticorpos apresentem repercussão clínica de ação neutralizadora (8,10). Com o surgimento de novos dados de estudos longitudinais, mais conhecimento em relação à segurança e eficácia da metreleptina serão estabelecidos, não apenas no contexto das lipodistrofias generalizadas como também para suas outras potenciais indicações clínicas. Aos pacientes com formas graves de lipodistrofia generalizadas, até então com tão limitadas opções de tratamento para suas complicações metabólicas, a adição de metreleptina traz a perspectiva de mudança drástica de sua qualidade de vida e, quem sabe, da própria história natural da doença. Tabela 1: Características clínicas que aumentam a suspeita de lipodistrofia Essencial: diminuição de tecido adiposo subcutâneo de forma parcial ou generalizada Outras características de suspeição 1. Diabetes Mellitus com severa Resistência à Insulina (> 2 U/Kg/d ou>200U/dia, resistência a cetose) 2. Outras Evidências de Resistência à Insulina: • S. Ovários Policísticos (hiperandrogenismo, oligomenorréia) • Acantose nigricans 3. Hipertrigliceridemia severa (> 500 mg/dl ou > 250 mg/dl com tratamento) ou história de pancreatite associada 4. Esteatose hepática ou Esteatohepatite (ultrassonografia/TC/ ⇑ TGP/TGO) 5. Musculatura proeminente e flebomegalia 6. Hiperfagia desproporcional 7. Amenorréia primária ou secundária (mulheres) ou hipogonadismo secundário (homens) 8. Outros familiares afetados Referências Bibliográficas: 1. Garg A. Acquired and Inherited Lipodystrophies. N Engl J Med 2004; 350:1220-34 2. Garg A. Clinical review: lipodystrophies: genetic and acquired body fat disorders. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(11):3313–3325. 3. Lawrence RD. Lipodystrophy and hepatomegaly with diabetes, lipemia and other metabolic disturbances. Lancet 1946; 724-31. 4. HandelsmanY, Bloomgarden Z, Brown RJ et al. The clinical approach to the detection of Lipodystrophy – an AACE consensus statement. Endocr Pract 2013 Feb; 19(1). 5. Petersen KF, Oral EA, Dufour S, et al. Leptin reverses insulin resistance and hepatic steatosis in patients with severe lipodystrophy. J Clin Invest. 2002;109(10):1345–1350. 6. Sinha G. Leptin therapy gains FDA approval. Nat Biotechnol. 2014; 32(4):300–302. 7. Chan JL, Lutz K, Cochran E, et al. Clinical effects of long-term metreleptin treatment in patients with lipodystrophy. Endocr Pract. 2011; 17(6):922–932. 8. Paz-Filho G et al. New advances in the treatment of generalized lipodystrophy: role of metreleptin. Therapeutics and Clinical Risk Management 2015:11 (1391-1400) 9. Diker-Cohen T, Cochran E, Gorden P, Brown RJ et al. Partial and Generalized Lipodystrophy: Comparison of Baseline Characteristics and Response to Metreleptin. J Clin Endocrinol Metab 2015, 100(5):1802–1810 10. Simha V, Subramanyam L, Szczepaniak L, et al. Comparison of efficacy and safety of leptin replacement therapy in moderately and severely hypoleptinemic patients with familial partial lipodystrophy of the Dunnigan variety. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97(3):785–792. jornal da ASSEX 11 Hot Topic Inibidores de PCSK9: uma nova era na lipidologia ? Too early to tell ! Dr Roberto Luís Zagury Endocrinologista do IEDE e colaborador do Serviço de Metabologia E m julho deste ano, foi aprovada pelo FDA (Food and Drug Administrator) a droga Alirocumabe (Praluent ® - Sanofi – dose de 150 mg a cada 2 semanas) - primeira integrante de uma nova classe de medicamentos anti-lipemiantes conhecida conjuntamente como inibidores de PCSK9 (pró-proteína convertase subtilisinakexina tipo 9). Com mecanismo de ação inovador, que envolve a modulação de uma via de catabolismo do LDL-col recentemente descoberta, o fármaco obteve indicação em bula para uso em pacientes com hipercolesterolemia familiar forma heterozigótica (HF He) e para indivíduos com doença cardiovascular (CVC) clínica pré-existente. Nas duas situações como adjuvante a dieta e a dose máxima tolerada de estatina, caso haja necessidade de redução adicional de LDL. O processo de liberação pela agência regulatória norte-americana levou em conta os resultados de 5 estudos clínicos randomizados e controlados contemplando um total de 2.476 pacientes de alto risco CVC. Todos com HF He ou com história prévia de IAM ou AVE, já em uso de doses máximas toleradas de estatinas e/ou outras terapias anti-lipemiantes. Nestes trabalhos o Alirocumabe promoveu redução adicional de LDL-col da ordem de 39 a 56%. Vale lembrar que, por hora, não há resultados publicados de estudos desenhados especificamente para a avaliação de desfechos CVC ditos “duros” (os chamados eventos “MACE” – da sigla inglesa “Major Adverse Cardiovascular Events”– infarto agudo do miocárdio, AVE e morte de origem cardiovascular). Tais pesquisas encontram-se em andamento, havendo, por hora, apenas análises pós-HOC do estudo ODYSSEY LONG TER mostrando diminuições de risco relativo em torno de 50% nos desfechos MACE. No referido estudo 3,3% dos pacientes alocados para placebo apresentaram um desfecho 1ário (morte coronariana, IAM fatal, AVE fatal ou nãofatal ou internação por angina instável) enquanto que apenas 1,7 % dos indivíduos do grupo Alirocumabe evoluíram com o mesmo desfecho. Vale lembrar que este trabalho acompanhou os pacientes por 78 semanas, ou seja, algo em torno de 1 ano e meio e, com base nos estudos já publicados com estatinas, o maior benefício em termos de diminuição de eventos CVC se dá a partir de 2 anos do início do estudo. Sendo assim, é possível que resultados ainda melhores sejam vistos quando da ocasião do término deste trial. Para compreender o mecanismo de ação destes medicamentos, devemos primeiramente entender a PCSK9 como uma proteína produzida e secretada pelo hepatócito que tem como função modular negativamente o catabolismo do receptor de LDL. Quando o complexo receptor de LDL + LDLcol é internalizado pelo hepatócito na presença da PCSK9 o receptor de LDL não retorna a superfície celular, sendo degradado pelas enzimas lisossomais. Ou seja, havendo PCSK9 o receptor de LDL não retorna a superfície para catabolizar mais partículas de LDL. Com o uso de anticorpos monoclonais específicos anti-PCSK9 o LDL-R não é degradado, retornando a superfície do hepatócito para mais um ciclo de catabolismo de LDL diminuindo assim os níveis plasmáticos de LDL-col. Outros integrantes desta família de medicações são o Evolocumabe(Amgem – dose de 420 mg SC a cada 4 semanas ou 140 mg a cada 2 semanas) e o Bocosizumabe (Pfizer), avaliados nos estudos DESCARTES, RUTHERFOLD-2, LAPLACE-2, MENDEL-2 e OSLER1 e OSLER-2 no caso do Evolocumabe e nos estudos SPIRE 1 e 2 no caso do Bocosizumabe. Outros dois pontos bastante interessantes com relação a estes medicamentos são: 1) pelo fato de serem utilizados em adição a terapia com estatina e por terem uma potência redutora de LDL considerável, com muita frequência, nas pesquisas feitas até o momento, cifras de LDL abaixo de 25 mg/dL são atingidas, o que reabre a discussão “Até quanto de LDL podemos chegar sem ser deletério para os pacientes ?” – pergunta esta que poderá ser parcialmente respondida no médio prazo na dependência das sub-análises que irão surgir a partir dos trials feitos com os iPSCK9; e 2) pelo fato de haver um alvo molecular específico (a proteína PCSK9) poderemos, a partir de agora, dosar os níveis séricos de PCSK9 para checar a adesão dos pacientes, uma vez que com o uso da droga o nível sérico da PCSK9 cai de forma considerável em quase todos os pacientes. Com relação a segurança vale ressaltar que os iPCSK9 até o momento foram muito bem tolerados pelos pacientes nos estudos, havendo apenas efeitos colaterais não específicos relatados e em frequência muito semelhante ao grupo placebo. Por serem anticorpos humanizados a produção de anticorpos neutralizantes em títulos clinicamente significativos foi muito baixa. A ocorrência de elevações de enzimas musculares e testes de função hepática também foi desprezível no programa de desenvolvimento clínico. Porém, aqui cabe uma lição tomada de outros medicamentos anti-lipemiantes (ex: torcetrapibe): ainda é cedo para atestar a segurança de uma classe tão jovem de medicamentos e não há ainda como excluir a possibilidade de efeitos ditos “OFF TARGET”. O cenário é encorajador porém há que se ter cautela e segue sendo a terapia com estatina o padrão outro para a imensa maioria dos nossos pacientes. jornal da ASSEX 12 Referências Bibliográficas: 1. Stein EA, Raal FJ. New therapies for reducing low-density lipoprotein cholesterol. Endocrinol Metab Clin N Am2014,43:1007-33 2. Robinson JG, Farnier M, Krempf M et al. Efficacy and safety of alirocumabe in reducing lipids and cardiovascular events. N Engl J Med 2015,372:1489-99 3. Sabatine MS, Giugliano RP, Wiviott SD et al. Efficacy and safety of evolocumabe in reducing lipids and cardiovascular events. N Engl J Med 2015,372:1500-9 4. Stone NJ, Lloyd-Jones DM. Lowering cholesterol is good, but how and in whom? N Engl J Med 2015;372:1564-5 condutas nos serviços como eu faço? Abordagem das hipertrigliceridemias Dra Cynthia Valério Endocrinologista do IEDE, médica pesquisadora do Serviço de Metabologia e colaboradora dos ambulatórios de Lipodistrofias e Dislipidemia A abordagem de um paciente com hipertrigliceridemia é um desafio comum na pratica clinica diária e, não raramente, desperta dúvidas entre clínicos e endocrinologistas. Nos últimos anos diversos consensos e diretrizes foram publicados, muitas vezes as orientações de cada sociedade divergem quanto aos valores a serem utilizados na classificação da hipertrigliceridemia como moderada ou grave. O ultimo consenso da Endocrine Society, de setembro de 2012, sugere a abordagem por etapas, sumarizada a seguir. 1. Inicialmente, deve-se definir a gravidade da hipertrigliceridemia. Já nesta etapa as diretrizes são discordantes, mas conforme o consenso da Endocrine Society de 2012, define-se hipertrigliceridemia leve até é 200 mg/dl, moderada até 1000 mg/dl, grave de 1000 a 2000 mg/dl e muito grave acima de 2000 mg/dl (tabela 1). O grande ponto aqui é a forma de abordagem de cada um dos tipos, nas formas leves a moderadas a meta do tratamento é prevenção de eventos cardiovasculares, nas formas graves e muito graves a grande preocupação é a exacerbação para valores acima de 2000 mg/dl e o risco de precipitação de casos de pancreatite. 2. Uma vez definida a gravidade, bus- ca-se o diagnóstico etiológico. As causas primárias ou genéticas de hipertrigliceridemia devem ser afastadas, considerando-se sempre a forma de apresentação do quadro, a presença de características clinicas relevantes ao exame físico, a história pregressa e familiar do individuo, a presença de doença aterosclerótica subjacente. Ressalta-se aqui que, as formas mais graves de apresentação (níveis acima de 2000 mg/dl) em geral correspondem a formas primárias complicadas por algum quadro subjacente/causa secundária. Em nossa população, as causas secundárias mais comuns e que não devem ser esquecidas incluem: diabetes tipo 2, etilismo, hipotireoidismo, uso de anticoncepcionais orais, esteróides anabolizantes e drogas que possam precipitar a hipertrigliceridemia como diuréticos tiazídicos, beta bloqueadores, terapia antiretroviral para pacientes infectados por HIV (tabela 2) 3. A terceira e mais importante etapa é de instituição do tratamento. Após a exclusão de causas secundárias e suspensão de medicações causadoras de hipertrigliceridemia, modificação de estilo de vida e a instituição de tratamento medicamentoso deve ser considerado para pacientes com hipertrigliceridemia e risco de DAC prematura. A hipertrigliceridemia grave ou muito grave (acima de 1000 mg/dl) requer tratamento de primeira linha com fibratos para redução do risco de pancreatite. Os indivíduos com hipertrigliceridemia moderada deve ser avaliados individualmente e estratificados quanto ao risco de doença aterosclerótica (figura 1). 4. Pela dificuldade em monitorar os níveis de LDL pela fórmula de Friedwald, em pacientes com hipertrigliceridemia moderada- cuja preocupação é o prevenção de eventos cardiovasculares- a meta é de controle dos níveis de colesterol Não- HDL. Uma vez estratificados, tais indivíduos devem iniciar o tipo e a dose de estatina mais apropriada. Ressalta-se aqui que as estatinas não estão indicadas para tratamento de indivíduos com hipertrigliceridemia grave ou muito grave. Entretanto, são indicadas para pacientes quando o objetivo é a redução de risco cardiovascular. 5. Drogas adicionais como ácidos graxos ômega 3 podem ser utilizadas, apesar da falta de evidências robustas de estudos de desfecho cardiovascular. As doses preconizadas são de 3 a 5 g de EPA e DHA, o que muitas vezes limita a adesão e aumento o risco de efeitos colaterais para os pacientes. 6. Em populações específicas como crianças e adolescentes, a recomendação de modificação de estilo de vida consiste na terapêutica principal de abordagem de hipertrigliceridemia. Orientação dietética e o controle de fatores de risco como sobrepeso, obesidade, hipertensão, sedentarismo e estresse são essenciais. Na falência dessa abordagem, as medicações iniciais a serem utilizadas são Omega-3 ou triglicerídeos de cadeia média. Se níveis aumentados de LDL ou colesterol não-HDL forem observados, associação com estatina deve ser considerada. Apenas quando não se alcançam níveis adequados de triglicerídeos (por exemplo, acima de 900 mg/dl) com estas terapêuticas o uso de fibratos deve ser considerado. jornal da ASSEX 13 Tabela 1: Valores de referência para diagnóstico de hipertrigliceridemia da Endocrine Society 2010 (Exames coletados em jejum) Normal < 150 mg/dl Hipertrigliceridemia Leve 150 – 199 mg/dl Hipertrigliceridemia Grave 1000 – 1999 mg/dl Hipertrigliceridemia Moderada 200 – 999 mg/dl Hipertrigliceridemia Muito Grave ≥ 2000 mg/dl Tabela 2:Causas de hipertrigliceridemia: Primária: Hipertrigliceridemia familiar Hiperlipidemia Familiar Combinada Disbetalipoproteinemia familiar Susceptibilidade Genética Primária: Síndrome Metabólica Diabetes tipo 2 Secundárias: Doenças endócrinas (hipotireoidismo, hipogonadismo masculino) Induzido por drogas ( tiazídicos, beta-bloqueadores, estrogênio, isotretinoína, inibidores de protease, antipsicóticos) Diabetes não tratado Insuficiência hepática Insuficiência renal Gravidez Doenças autoimunes Figura 1: Algoritmo diagnóstico e de tratamento de hipertrigliceridemia moderada Triglicerídeos 250-1000 mg/dl, sem aumento de LDL colesterol Excluir causas secundárias Com DAC prematura? Não Sim História familiar de DAC prematura? Negativa Desconhecida Hipertriglicerdidemia familiar? Modificação de estilo de vida apenas Apo B aumentada? Apo A1 diminuída? Não Modificação de estilo de vida, considerar tratamento medicamentoso Sim Sim HFA? HFC? HFC= Hiperlipidemia Familiar Combinada HFA= Hipoalfalipoproteinemia Familiar Positiva Não Modificação de estilo de vida, considerar tratamento medicamentoso ApoA1-= Apolipoproteína A1 Apo B= Apolipoproteína B Provável Hiperlipidemia familiar Combinada ou Hipoalfalipoproteinemia familiar Modificação de estilo de vida e tratamento medicamentoso jornal da ASSEX 14 Referências: 1. Lars Berglund, John D. Brunzell, Anne C. Goldberg. Evaluation and Treatment of Hypertriglyceridemia: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2012 September; 97(9): 2969–2989. 2. Task Force for the management of dyslipidemias of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Atherosclerosis Society (EAS), Catapano AL, Reiner Z, De Backer G, Graham I, Taskinen MR, et al. ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias. The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Atherosclerosis Society (EAS). Atherosclerosis. 2011; 217: S1-44. 3. Hypercholesterolemia. Journal of Managed Care Pharmacy. 2013 19 (2):139-49. 4. Brahm A, Hegele RA. Hypertriglyceridemia. Nutrients. 2013; 5(3): 981–1001. 5. Brunzel, JD. Hypertriglyceridemia. N Engl J Med 2007 357;10: 1009-1017. 6. Lemieux I, Pascot A, Couillard C, et al. Hypertriglyceridemic waist: a marker of the atherogenic metabolic triad (hyperinsulinemia; hyperapolipoprotein B; small, dense LDL) in men? Circulation 2000; 102:179-84. 7. Manlhiot C, Per Larsson, Gurofsky RC, Smith, RW et al. 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Uso da Vildagliptina em Paciente com Lipodistrofia Generalizada Adquirida Dra Márcia Helena Costa e Dra Denise Medeiros do Nascimento Médicas do Serviço de Metabologia Caso clínico: CRSB, feminina, 26 anos, com diagnóstico de dermatomiosite infanto-juvenil aos 04 anos de idade quando apresentou fraqueza muscular proximal e aparecimento de nódulos subcutâneos em extremidades e tronco (paniculite). A partir dos 7 anos de idade, observou diminuição do tecido adiposo subcutâneo, inicialmente na região dos nódulos, e posteriormente acometendo os membros, tronco e face. Na idade adulta foi iniciado tratamento com metotrexate para controle da dermatomiosite, entretanto a paciente evoluiu com hepatotoxicidade durante o tratamento, sendo prescrita azatioprina e corticote- rapia oral. A avaliação laboratorial e a ultrassonografia abdominal demonstraram esteatohepatite não alcoólica e dislipidemia, quando então a paciente foi encaminhada ao endocrinologista para acompanhamento. Em sua primeira avaliação endocrinológica, a paciente apresentava lipoatrofia generalizada, nódulos subcutâneos calcificados e baixo índice de massa corporal - IMC de 14,8 kg/m2. Na avaliação laboratorial, observou-se diagnóstico de DM2 com HbA1c = 7.4%; curva glico -insulínica com valores basais de glicemia=105 mg/dL, de insulina=38,6 UI/ mL, peptideo C=5,3ng/mLe 2h após 75g de glicose anidra com glicemia=204 mg/ dL, insulina = 78,7UI/mL e peptideo C=10,5ng/mL; dislipidemia mista - colesterol total=238 mg/dL, HDL=38mg/ dL, LDL = 112mg/dL e TGC=485mg/ dL e perfil hepático alterado- TGO=45 U/L, TGP=79 U/L. A paciente apresentava ainda, baixos níveis de leptina (2,0 ng/ml) e aumento dos marcadores inflamatórios (PCR, fibrinogênio, ferritina). A análise da composição corporal por densitometria confirmou a escassez de gordura subcutânea periférica e a ressonância magnética de abdome com espectroscopia pela técnica de Dixon para quantificação da gordura hepática e pancreática demonstrou esteatohepatite com 26,6 +/- 1,3% de gordura hepática e 7,9 +/- 1,8% de gordura pancreática. Na ocasião foi iniciado fenofibrato 250mg/dia e pioglitazona 15 mg/dia, que foi suspensa após 2 meses por aumento de volume abdominal e edema de membros inferiores, sugerindo retenção hídrica, optando-se pelo uso de gliclazida MR 30 mg/dia. A paciente persistiu com controle glicêmico insatisfatório (HbA1c = 7,4%), apesar da descontinuação da azatioprina e redução progressiva da dose de prednisona para 5 mg /dia. Vildagliptina 50 mg 2x/dia foi introduzida com gradual redução da HbA1c (6,8%) e melhora marcante do perfil lipídico. Após 6 meses do início da vildagliptina, a paciente evoluiu com hipoglicemias frequentes, jornal da ASSEX sendo suspensa a gliclazida. 10 meses após início da vildagliptina, a paciente continuava com excelente controle glicêmico (HbA1c = 6,2%) sem hipoglicemias. A RNM com espectroscopia foi repetida, sendo observada uma redução importante de gordura hepática de 26,6 ± 1,3 % para 13,7 ± 0,4% (≅50%) e da gordura pancreática de 7,9 ± 1,8 % para 5,0 ± 0,2 % (36,7%) ( Figura 1). Figura 1: RNM com mapa percentual de gordura: (A) análise pancreática basal; (B) após terapia com vildagliptina; (C) gordura hepática basal e (D) após terapia com vildagliptina A B C D Discussão: Lipodistrofia Generalizada Adquirida (LGA) é uma condição rara, com poucos casos relatados na literatura. Suas principais características são escassez de tecido adiposo subcutâneo, diabetes, resistência insulínica, dislipidemia e doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) (1). O maior desafio no tratamento da LGA consiste em controlar os distúrbios metabólicos relacionados a RI. Este artigo ilustra uma terapia não usual aplicada a uma paciente com LGA. Sensibilizadores insulínicos, principalmente as tiazolidinedionas, são as drogas de escolha para estes pacientes (2). No caso exposto a pioglitazona foi suspensa por edema periférico e aumento do volume abdominal, bem como a gliclazida em virtude das hipoglicemias, sendo mantida apenas vildagliptina. Foi observada uma melhora no controle metabólico, redução da RI (aproximadamente de 50% no HOMA-IR) e da função de células Beta, que não pode ser explicada apenas pela diminuição na dose da prednisona; tal efeito pode ser atribuído a ação da vildagliptina em aumentar o GLP-1 intacto e o GIP (3). A eficácia da vildagliptina no paciente lipoatrófico pode ter 3 razões: 1) Diminuição da RI pela melhora da lipólise e do fluxo de AG livres, demonstrado pelo clamp hiperinsulinêmico euglicêmico (4). 2) A DPP4 (dipeptilpeptidase 4) foi reconhecida como uma nova adipocina potencialmente ligada a obesidade e a síndrome metabólica (5). Experimentos in vitro demonstram que a DPP4 inibe a fosforilação da AKT induzida pela insulina no músculo e tecido adiposo, isto poderia explicar a melhora do HOMA -IR nesta paciente. A escassez de tecido adiposo SC, pode levar a um aumento no acumulo de gordura visceral, que esta associado ao aumento nos níveis circulantes de DPP4 (6). 3) Por ação direta na inibição da DPP4 hepática, pode ter ocorrido uma diminuição marcante da gordura hepática e pancreática no caso exposto; tal efeito torna os inibidores de DPP4 potenciais opções terapêuticas na DHGNA-NASH (7). Em um estudo com pacientes com DHGNA foi observada um aumento na atividade da DPP4 no soro quando comparada com o grupo controle e uma 15 diminuição da intensidade da DPP4 no fígado marcada por imunohistoquímica; sua atividade sérica foi correlacionada com o grau histopatológico de NASH e esteatohepatite (8). O aumento da atividade da DPP4 em pacientes diabéticos e não diabéticos com NAFLD, foi confirmado por Firneisz et al (9). Neste estudo a atividade da DPP4 foi correlacionada com HOMA-IR, TGP e GGT. Tais achados sugerem que a DPP4 constitui um novo marcador e uma nova via metabólica na doença hepática. Recentemente, em um estudo randomizado e controlado com placebo, 44 pacientes diabéticos com NAFLD foram randomizados: 50% para tratamento com vildagliptina 50mg 2x/dia por 6 meses e 50% para placebo. Foram analisados níveis de triglicerídeos hepáticos (TGC) através de RNM pelo método de Dixon utilizando 3 pontos, sensibilidade a insulina periférica e hepática (clamp euglicêmico hiperinsulinêmico) e dados antropométricos. Durante o tratamento com vildagliptina, observou-se redução do nível do TGC hepático em jejum de 7,3% +/-1,0% para 5,3% +/0,9% (p=0.001), o que não foi observado no grupo placebo. Ocorreu uma queda de 12%, 29% e 27% no nível de TGC hepático no primeiro, terceiro e sexto mês de tratamento. Houve redução das enzimas hepáticas no grupo tratado com a vildaglipina. Não foi observada diferença significativa na produção hepática de glicose em ambos os grupos, embora, tenha ocorrido redução da insulina de jejum no grupo intervenção. No pacientes tratados com vildagliptina, foi observado que a diminuição da glicose de jejum se relacionava positivamente com diminuição no conteúdo hepático de triglicerídeo após 3 e 6 meses de tratamento. Observou-se também uma redução do peso (1,6 +/-0,5kg) e da gordura corporal (31,1% +/-1,8% para 26,3% +/- 2,2% sem diferença estatística significante (10). Tanto a mudança no estilo de vida, dieta, quanto o uso de drogas, sabidamente já são efetivos na diminuição a doença hepática gordurosa (11), porém este é o primeiro caso que correlaciona o uso de drogas, especificamente a vildagliptina com a redução da gordura pancreática em humanos. Tal efeito pode estar associado com a recuperação de células Beta 16 pancreáticas (9). De fato, Lim e cols (12) demonstraram uma redução da gordura pancreática de 8,0 +/-1,6% para 6,2% +/1,1% (p=0,03) em um grupo de pacientes diabéticos submetidos a dieta de muito baixa caloria, efeito comparável ao encontrado em nossa paciente. Num período de 8 semanas, houve uma melhora marcante na função de células Beta, que foi avaliada pela resposta máxima na secreção de insulina e também pela remissão do diabetes (12). Nossa paciente não seguiu nenhuma dieta restritiva nem foi observada jornal da ASSEX nenhuma perda ponderal ao final do tratamento. Portanto, não acreditamos que a dieta tenha sido responsável por tal dramática redução tanto da gordura hepática quanto pancreática. A hiperglicemia se caracteriza pela supressão inadequada do glucagon (13). Recentes evidências sugerem que tal hormônio desempenha papel essencial na fisiopatologia e no tratamento do diabetes, “Era Glucagonocêntrica”, proposta por Unger e Cherrington (14). Estudos clínicos com análogos de GLP-1 e inibido- res de DPP4 sugerem que a inibição pelo glucagon se faz tão importante quanto a ação de estímulo da insulina (14). Portanto podemos especular que, no caso apresentado, a vildagliptina contribuiu tanto para a diminuição da gordura hepática quanto da pancreática, levando a melhora da função da célula Beta, diminuição da RI e melhora da hiperglicemia. Conclusão: A vildagliptina é uma droga potencial no controle da DHGNA e do Diabetes, especialmente nas síndromes lipodistróficas. Referências: 1. Misra A, Garg A. Clinical Features and Metabolic Derangements in Acquired Generalized Lipodystrophy: Case reports and Review of the Literature. Medicine (Baltimore) 2004; 82(2):129-46. 2. Arioglu E, Duncan-Morin J, Sebring N, Rother KI, Gottlieb N, Lieberman J, et al. Efficacy and safety of troglitazone in the treatment of lipodystrophy syndromes. Ann Intern Med. 2000;133(4):263-74 3. Ahren B, Schweizer A, Dejager S, Villhauer EB, Dunning BE, Foley JE. Mechanisms of action of the dipeptidyl peptidase-4 inhibitor vildagliptin in humans. Diabetes Obes Metab 2011;(9):775-83. 4. Azuma K, Radikova Z, Mancino J, Toledo FG, Thomas E, Kangani C, et al. Measurements of islet function and glucose metabolism with the dipeptidyl peptidase 4 inhibitor vildagliptin in patients with type 2 diabetes. J Clin Endocrinol Metab 2008; 93(2):459-64. 5. Lamers D, Famulla S, Wronkowitz N, Hartwig S, Lehr S, Ouwens DM, et al. Dipeptidyl peptidase 4 is a novel adipokine potentially linking obesity to the metabolic syndrome. Diabetes 2011; 60(7):1917-25 6. Garg A. Clinical review: Lipodystrophies: genetic and acquired body fat disorders. J Clin Endocrinol Metab. 2011; 96(11): 3313-25. 7. Schuppan D, Gorrell MD, Klein T, Mark M, Afdhal NH. The challenge of developing novel pharmacological therapies for non-alcoholic steatohepatitis Liver Int 2010; 30(6): 795-808 8. Balaban YH, Korkusuz P, Simsek H, et al. Dipeptidylpeptidase IV (DDP IV) in NASH patients. Ann Hepatol 2007; 6(4): 242–50. 9. Firneisz G, Varga T, Lengyel G, Fehe´r J, Ghyczy D, et al. Serum Dipeptidyl Peptidase-4 Activity in Insulin Resistant Patients with Non-Alcoholic Fatty Liver Disease: A Novel Liver Disease Biomarker PLoS ONE 2010; 5(8): 12226 10. Macauley M, Hollingsworth KG, Smith FE, et al. J Clin Endocrinol Metab, 2015, 100(4):1578 –1585 11. 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