Seminário Internacional Operação Condor - e
Transcrição
Seminário Internacional Operação Condor - e
CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL Versão para registro histórico Não passível de alteração COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS EVENTO: Seminário N°: 1036/12 DATA: 05/07/2012 INÍCIO: 09h48min TÉRMINO: 12h54min DURAÇÃO: 03h06min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h06min PÁGINAS: 59 QUARTOS: 38 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO MARTÍN ALMADA - Advogado e professor paraguaio. ALFREDO BOCCIA PAZ - Médico, professor e escritor paraguaio. LUIZ CLÁUDIO CUNHA - Jornalista e escritor. NILSON MARIANO - Jornalista, mestre em História e escritor. JARBAS SILVA MARQUES - Representante do Comitê da Memória, Verdade e Justiça do Distrito Federal. ELIETE FERRER - Militante do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro. ACELINO - Participante. PAULO - Participante. AMPARO ARAÚJO - Secretária de Direitos Humanos e Segurança Cidadã da Prefeitura de Recife e Vice-Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Rede Mercocidades. JOSÉ BEZERRA DA SILVA - Representante da Associação de Militares Anistiado da Bahia — ASSMAN e da Associação das Praças da Aeronáutica do Rio Grande do Norte — ASPARN. BEATRIZ BISSIO - Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ANA LÚCIA - Participante da Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo e advogada do grupo de ex-militantes da Convergência Socialista. GERSON LIMA - Membro da Liga Operária de Minas Gerais. SUMÁRIO: Seminário Internacional “Operação Condor”. OBSERVAÇÕES Houve exposição em espanhol com tradução simultânea. Houve exibição de vídeo. Houve intervenções ininteligíveis. Houve intervenção fora do microfone. Inaudível. Há falha na gravação. Há oradores não identificados em breves intervenções. CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 A SRA. PRESIDENTA (Deputada Luiza Erundina) - Vamos iniciar os trabalhos desta manhã. Solicitamos às pessoas que ocupem seus lugares. Há bastante espaço aqui na frente, inclusive para facilitar o diálogo após as exposições. Bom dia a todas e a todos. Esperamos que tenham descansado o suficiente para mais um dia de trabalho intenso. Passamos já a compor a Mesa, abrindo os trabalhos, até que chegue o Deputado Chico Alencar, que é quem está programado para dirigir os trabalhos desta Mesa. O seu atraso de deve ao fato de termos antecipado o horário, o que causou um desencontro de informação ao Deputado. Enquanto isso, eu vou preenchendo, dentro do possível, este espaço aqui, que cabe a ele, e iniciar os nossos trabalhos. Então, dando continuidade ao nosso Seminário Internacional sobre a Operação Condor, uma promoção da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, com o apoio da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, da Fundação João Mangabeira e do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, trataremos agora da Mesa sobre o tema Operação Condor: a experiência do Paraguai. Convidamos, portanto, para compor a Mesa o Sr. Martin Almada, que é advogado e professor, do Paraguai (palmas). Convidamos também o Sr. Alfredo Boccia Paz, que é médico, professor e escritor, do Paraguai, para vir trazer a sua experiência e a sua contribuição (palmas). Cada expositor disporá de um tempo de 15 a 20 minutos, com a tolerância necessária para aproveitar toda a riqueza que esses companheiros trazem a respeito do tema objeto do nosso seminário. Com a palavra o Sr. Martín Almada para sua intervenção. O SR. MARTÍN ALMADA (Exposição em espanhol. Tradução simultânea.) Queridos amigos, em 22 de dezembro de1992, encontramos, fora de Assunção, 3 toneladas de documentos. Antes de começar a minha fala, vamos ver esse dia histórico neste filme, em 5 minutos. Então, agora vamos ver o arquivo do terror. (Pausa.) 1 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 O descobrimento nos levou 15 anos de investigação, e dessa investigação participaram muitas pessoas que colaboraram, e isso também me custou 15 anos de exílio. Vamos procurar resumir, em 15 minutos, o que se passou durante 15 anos. Sinceramente, não é uma tarefa muito fácil. (Pausa.) Estamos esperando que passe o filme. Enquanto se prepara o filme, eu gostaria de agradecer à Deputada Luiza Erundina a presença. Eu não a conhecia pessoalmente, mas sabíamos muito, do Paraguai, de sua luta. Para nós, para o Dr. Alfredo Boccia Paz e para mim, é uma honra compartilhar com S.Exa. esta Mesa. Muito obrigado, Sra. Deputada Luiza Erundina! Seguirá ausente nesta reunião o Dr. Modesto da Silveira. Por razões de saúde, não se encontra conosco. Saudamos o Dr. Modesto da Silveira, um grande amigo e um grande defensor dos direitos humanos! Ontem estive com Cléa Carpi, uma nobre advogada, representante da Associação Americana de Juristas. Ela fez um grande trabalho em âmbito regional. Sr. Jair Krischke, nós gostamos de você e admiramos sobretudo a sua fortaleza moral, para poder chegar a este momento. Você também merece um aplauso especial. (Palmas.) Também estou vendo, entre os queridos amigos, o Sr. Jarbas Marques, grande lutador e grande defensor dos direitos humanos. Muito obrigado pela presença. Falar da Operação Condor é falar de história, é fazer memória, e a memória é um espaço de luta política. Quando falamos da Operação Condor, falamos de oportunidades perdidas. Está conosco o Tenente José Wilson da Silva. Ele perdeu a sua carreira militar em defesa da institucionalidade. Por isso, meu querido José Wilson, a partir de hoje você é o Coronel Vermelho do povo! Gostamos muito de você. Muito obrigado, Coronel Vermelho. (Palmas.) Vamos começar o dia de hoje com o descobrimento do Arquivo do Terror. A imagem mostrará o Juiz José Fernandes, com a imprensa, entrando em uma delegacia normal de Assunção, onde estavam os arquivos. 2 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 (Exibição de vídeo.) Nesse momento, nós estamos descobrindo os arquivos. São três toneladas de documentos sobre todas as atrocidades cometidas na América Latina. Peço desculpas, eu gostaria muito de poder mostrar todo o processo. Porém, por uma questão de tempo — temos apenas 15 minutos e nada mais —, mostramos esse vídeo de 5 minutos. O fato ocorreu em 22 de dezembro. Entre os dias 23 e 24, chega ao Paraguai Samuel Blixen, um jornalista uruguaio, que está conosco — peço aplausos para o nosso nobre jornalista (palmas). Os primeiros jornalistas que chegaram foram Samuel Blixen e Stella Calloni. Graças a essas duas pessoas, o fato teve repercussão internacional. Passei mil dias nesse cárcere. Nunca senti solidão, mas nesse dia eu me senti só e, sobretudo, com muito medo, com muito medo. Nós chamamos os dirigentes políticos, senadores e deputados que pudessem vir apoiar-nos. O silêncio foi a resposta. Para mim, esse foi um dia de muita solidão. Eu tinha medo de que chegasse a polícia ou talvez o Exército, para buscar os seus papéis. Esse foi um dia de muita insegurança. Como começou a minha relação com a Operação Condor? Eu era diretor de uma escola em São Lourenço, que ficava nos arredores de Assunção. Um sacerdote católico deu-me um livro de Paulo Freire que falava sobre os oprimidos. Li esse livro e o passei à minha esposa. Formamos um círculo de estudos. Isso foi crescendo, o grupo tomou força. Tomou tal proporção, que as pessoas de São Lourenço começaram a tomar conhecimento dessa história. No Paraguai, nós temos uma unidade básica do partido vinculada à polícia secreta — investigações. Então, a polícia descobre que nós estamos lendo Paulo Freire. Esse foi o meu primeiro pecado na Operação Condor. Nesse momento, designam-me presidente os professores de onde eu morava. Então, criamos uma cooperativa de casas. Não podíamos começar — a cooperativa — a construção das casas por falta de fundos. Eu era Diretor do Colégio Juan Bautista Alberdi. Eu pergunto à sala: os senhores sabem quem foi Juan Bautista Alberdi? 3 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Juan Bautista Alberdi foi um grande juiz argentino. Para os argentinos ele é um grande jurista; para os paraguaios, ele foi um grande jurista e um pouco mais, talvez muito mais, porque ele foi o grande defensor da causa paraguaia durante as guerras da Tripla Aliança. (Ininteligível) se opôs a guerra entre o Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. Por isso, essa escola tinha o nome de Juan Bautista Alberdi. Por essa razão, eu estava muito conectado à embaixada argentina. Não podíamos começar a construir as nossas casas. Então, fomos até a embaixada argentina. O embaixador conseguiu trazer artistas argentinos e fazer festivais. E naquele momento, naquela época, quatro ou cinco pessoas já constituíam subversão. Nós trouxemos, então, (ininteligível). Vocês conhecem (ininteligível)? (Ininteligível) conseguia juntar 2, 3 mil pessoas. Depois, nós nos escondemos quando vimos Horacio Guarany, porque diziam que ele era comunista. Então, os nossos primeiros pecados, o nosso primeiro erro foi promover cooperativas com artistas argentinos. Naquela época não existia televisão; existia o que nós chamávamos de matinê. E íamos ao matinê. Todos os filmes eram controlados pela Polícia. Então, mostraram o filme de Cantinflas: O Professor. Alguém já assistiu ao filme de Cantinflas O Professor? (Pausa.) Parece-me que sim. Nós gostamos muito desse filme. Então, enviamos uma carta a Cantinflas parabenizando-o. Cantinflas respondeu três meses depois que iria ao Paraguai para fazer um festival. Isso a imprensa publicou. O Ministro da Educação do Paraguai me chamou e eu estava convencido de que ele me convidara para me dar uma promoção no meu trabalho. Então, fui. Cheguei mais cedo e lhe disse: “Bom dia, Sr. Ministro”. Ele não me saudou. Eu lhe estendi a mão e ele não me estendeu a sua. E ele disse: “Cantinflas vai chegar?” Eu lhe disse: “Sim, Sr. Ministro, vai chegar”. E ele disse: “Quem é Cantinflas para o senhor?” Eu respondi: “Cantinflas é o nosso ídolo”. Então, ele bateu sobre a mesa e gritou: “Por ordem do Presidente Stroessner, Cantinflas jamais vai colocar os pés em terreno paraguaio porque é comunista. E o senhor, com as suas casas, comunista; cooperativismo, comunismo! Já tivemos muita paciência com o senhor. Limite-se a ensinar aquilo que lhe diz o Ministério da Educação para que não tenha problema. Caso contrário, haverá sanção”. Eu saí dali assustado. Saí do Ministério me sentindo 4 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 encurralado pela Polícia. Então, eu fui até as embaixadas e pedi proteção. A única embaixada que me deu proteção foi a argentina. Então, eu fui à Argentina, a La Plata, para fazer um doutorado em educação. Um dia, eu estava em um dos corredores da universidade e encontrei um coronel argentino, agregado militar da Embaixada da Argentina em Assunção. E eu lhe disse: “Bom dia, senhor meu coronel”. Ele me disse: “Eu não sou mais coronel, agora eu sou um civil como o senhor.” Perguntei: “E o que o senhor está fazendo aqui, meu coronel?” E ele me disse: “Eu sou o Secretário Técnico do Reitor Guillermo Gallo”. Guillermo Gallo era reitor em 1976; ele veio a Brasília e ao Rio de Janeiro para reunir-se com reitores brasileiros, para lhes ensinar como perseguir terroristas. Guillermo Gallo. Bem, então, depois de 30 anos, descobrimos que o Coronel Juan, o coronel argentino, foi preparar uma lista dos professores e alunos subversivos — subversivos. Trinta anos depois descobrimos isso. Bem, eu defendi a minha tese Paraguai: Educação e Independência. Eu dizia e continuo dizendo que no Paraguai a educação só beneficia a classe dominante e está a serviço de seu desenvolvimento e independência. Bem, um breve parêntese: eu tive os meu diretor de tese argentino. Meu diretor de tese argentino me recomendou que eu fizesse contato com um grande educador uruguaio, um companheiro uruguaio, Julio Castro. Então, meu codiretor de tese foi Julio Castro, a quem também presto homenagem porque também foi vítima da Operação Condor. Julio Castro. (Intervenção fora do microfone. Inaudível.) O SR. MARTÍN ALMADA (Exposição em espanhol. Tradução simultânea.) Alguns meses atrás. Obrigado pela informação. Bem, no dia 26 de novembro de 1974, a Polícia Política chegou à escola onde eu era diretor, Juan Bautista Alberdi, e me levaram até um tribunal militar, integrado por militares da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai e Paraguai — militares paraguaios. Primeiro, interrogou-me um coronel — eu conhecia todos eles por seus sotaques; o sotaque brasileiro é diferente do argentino — não é verdade? —, totalmente diferente. Todos usavam uniformes e estavam muito bem vestidos, e a maioria usava óculos escuros. Então, um coronel chileno começou a me interrogar. Soube seu nome depois: Jorge Oteiza López, da Força Aérea, do serviço de 5 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 inteligência. Ele queria saber as minhas conexões com os universitários chilenos, porque eu fiz Sociologia da Educação na Universidade do Chile. Depois me interrogou um argentino, que queria saber os meus vínculos com os subversivos argentinos, porque eu fiz o meu doutorado em La Plata, na Argentina. E dessa forma eu passei 30 dias na sala de tormento. Durante as minhas falas, eles me levavam à Comisaría Primera, onde nasceu a Interpol, com a ajuda do Presidente Videla, da Argentina. À diferença da Argentina, do Brasil, do Chile e do Uruguai, no Paraguai a tortura era a cada descoberta. Nós nos conhecíamos todos, mas não sabíamos os nomes. E o que um preso faz? É chata a vida de um preso, não é verdade, meu querido Jarbas? É chata. Até que chegou, um dia, um comissário de telecomunicação, e eu lhe perguntei os nomes. E ele me deu os nomes. Eu queria saber duas coisas então. Primeiro: como tinha morrido a minha esposa, porque a mim me contaram que a minha esposa havia cometido suicídio. E, em segundo lugar, eu queria saber por que no meu país, o Paraguai, militares estrangeiros me torturavam. Então, esse comissário, preso conosco, me respondeu: “Nós estamos na guerra Condor”. E foi a primeira vez que eu ouvi a palavra Condor. Isso foi em maio de 1975. E o Condor nasceu oficialmente — oficialmente — em novembro de 1975, novembro ou dezembro de 1975. Então, como disse o Jair, o Condor realmente nasceu aqui, nasceu no Brasil, mas sua formalização se fez depois em Santiago do Chile, em novembro ou dezembro. Pois bem, na Interpol, o comissário não queria falar, e eu, insistindo, perguntava: “Quem é aquele? Quem é aquele?” Então, ele me dizia: “Bom, o que você tem que fazer é ler a revista policial do Paraguai, porque ali está tudo.” Aqui, por exemplo, nesta revista policial está: “O Paraguai é o equilíbrio geopolítico do Cone Sul: Banzer, Geisel e Pinochet”. Pois bem, eu passei 30 dias na sala do tormento e, por fim, qualificaram meu delito como terrorismo intelectual. O comissário me disse: “Você tem que ler isso”. E isso eu gravei no meu chip. Depois me levaram a uma delegacia e, então, eu conheci um argentino, Amílcar Latino Santucho. Santucho foi que me disse pela segunda vez: “Nós estamos sob o controle de Condor”. E Santucho, então, contoume que com ele havia um diretor do MIR, Jorge Fuentes Alarcón. Depois me 6 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 transferiram para o campo de concentração de Emboscada. Aí conheci uma médica, a Dra. Sannemann, e essa foi a terceira pessoa que me falou do Condor. Então, eu soube do Condor dentro do Condor. Depois, fiz uma greve de fome. Ajudaram-me o Comité de Iglesias e a Anistia Internacional. Fui ao Panamá; do Panamá a UNESCO me contratou como Consultor para a América Latina. Fui a Paris. Em Paris, eu conheci um sacerdote, um padre católico, Charles Antoine, diretor de um jornal sobre a América Latina. Ele me disse que o Condor tinha três cabeças: um chefe era Kissinger — tudo vinha dos Estados Unidos —; o segundo chefe era Pinochet, que tinha todo o amparo da sociedade civil e comunista; aparecia também Banzer, que tinha que limpar a Igreja Católica da Teologia da Libertação. Então, o Condor tinha três cabeças. E o que dizia Banzer? “Não se deve atacar a Igreja como instituição, nem tampouco nossos bispos em conjunto, mas, sim, uma parte da Igreja mais avança. Para o governo, o principal representante desse grupo era o Monsenhor Manrique. Os ataques a ele devem ser pessoais, têm que separá-lo da hierarquia e criar problemas com o clero nacional”. Então, senhores, o Condor continuava. Bem, nós estávamos em 3 de julho e, em 10 de julho de 1997, encontramos um documento militar secreto que dizia literalmente assim — um coronel paraguaio a um coronel equatoriano —: “Aqui, eu lhe envio a lista dos subversivos paraguaios correspondente ao primeiro semestre, do mês de setembro, para que você crie a lista dos subversivos da América Latina”. Um coronel paraguaio a um coronel equatoriano. Senhoras e senhores, o Condor pode ser estudado de vários pontos de vista. O Condor era um mercado total e confusão total. Temos aqui um documento, Subversão no Âmbito Educativo, que Washington enviou à Argentina, e a Argentina publicou para todas as suas escolas e universidades, isso em toda a América Latina. Bem, por que me torturaram tanto? Esse era o Plano Camelot. A pedido do Pentágono, o Escritório de Investigação e Operações Especiais, americano, em Washington, preparou uma investigação com questionários muito precisos. O Projeto Camelot foi de espionagem e vigilância na América Latina, com o propósito de prever crises políticas e crises econômicas. Isso de acordo com Patrice McSherry. Não sei se a Sra. Patricie está por aqui... Bem, a Sra. Patricie denunciou 7 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 isso. E isso foi um fracasso no Chile na década de 60, em 1965. Esse foi um trabalho de muito sucesso de investigação sociopolítica no Paraguai. E esse foi também um dos meus erros. Bem, já estamos além do nosso tempo. Em 1970, foi quando começou o Condor. Em 1870, nós tivemos uma guerra enviada da Inglaterra. E a Inglaterra ordenou ao Brasil, Argentina e Paraguai a destruição da experiência revolucionária paraguaia. Então, eu aproveito esta oportunidade para pedir às senhoras e aos senhores que o Brasil devolva ao Paraguai os arquivos do Marechal Francisco Solano López, do ano de 1870. (Palmas.) Nós, do Paraguai, pedimos que esse arquivo seja declarado como memória do mundo. Que esse arquivo fique no Brasil. Vocês o conservam muito bem, mas que seja memória do mundo, para que se abra ao mundo científico e social, para as suas investigações. Esse é um pedido que eu faço aqui formalmente. Eu também gostaria de dizer que ontem o Embaixador do Equador se manifestou e me pediu que falasse às senhoras e aos senhores do seu interesse. Como o Condor foi uma rede, que seja objeto de um tribunal ético latino-americano. E o Equador se oferece como sede para financiar o evento. (Palmas.) Obrigado pelos aplausos. Pois bem, para concluir a minha fala, porque o tempo já está muito curto, o Condor continua na América Latina. A constituição da Comissão da Verdade é um passo muito importante para se cortarem as asas do Condor. O Condor chegou ao Paraguai e foi de uma maneira diferente, porque, antes, na década de 70, o Condor atuava com pólvora. Então, o Condor tinha cheiro de pólvora, mas no Paraguai ele atuou desta vez com cheiro de dólares. Então, no Paraguai, nós sofremos um golpe de Estado. Nosso Presidente foi deslocado pela Operação Condor hoje. Por isso, eu peço solidariedade a esse evento, condenando esse golpe. Por fim, chegou a hora de revisar o passado, criticar o presente e imaginar o futuro. A justiça é muito lenta, mas chega. Mesmo depois de 40 anos, certamente provocará um grande baque em nível nacional. Que contribua para superar a impunidade e que promova e proteja os direitos humanos de todos os brasileiros e todas as brasileiras! Muito obrigado. (Palmas.) 8 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Deputada Erundina, eu gostaria de ter a honra de entregar-lhe este livro. Tudo o que eu não pude dizer neste púlpito está aqui neste livro. (Entrega o livro.) Para mim, é uma honra entregar à senhora este pedaço do meu testemunho carcerário. (Palmas.) A SRA. DEPUTADA LUIZA ERUNDINA - Muito obrigada, companheiro. Obrigada por tudo. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Prof. Martín Almada. Apenas esclareço que o meu atraso não se deu por nenhuma libação alcoólica corintiana. (Risos.) Seria, aliás, inconveniente num seminário latinoamericano. Estamos solidários com a dor dos futebolistas argentinos do Boca Juniors, mas também felizes. (Risos.) Eu, simplesmente, estava aqui até às 10 horas da noite ontem, nos trabalhos do Parlamento, e a minha informação era para coordenar uma Mesa a partir das 10 horas. Peço desculpas e pago o vexame aqui de substituir a insubstituível querida Luiza Erundina. Então, já me desculpe pela queda no nível da coordenação. É indispensável para mim, depois de agradecer ao Prof. Martin Almada e antes de passar a palavra ao médico e professor Alfredo Boccia Paz, fazer um brevíssimo comentário, que não será meu, será do insuspeito jornalista chamado Ricardo Noblat, a respeito não das atrocidades contra o Paraguai no século XIX, das quais o Poder do Brasil de então fez parte, mas das atrocidades recentíssimas. Ele diz o seguinte, num artigo publicado no também insuspeito O Globo: “O artigo 17 da Constituição do Paraguai, que trata dos Direitos Processuais, dita que todo acusado deve ‘dispor dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre’. Os acusadores do Congresso paraguaio levaram anos aparando suas diferenças, negociando a partilha do poder e amadurecendo o que diriam para justificar a queda de um presidente legitimamente eleito. Ao cabo, 9 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 produziram acusações pífias e inconsistentes. A maioria delas não resistiria a uma investigação independente. Mas como derrotar a trama de um dia para o outro? E apenas em duas horas e meia de explanação para uma plateia decidida a condenar?” Lugo foi deposto por um golpe, com aspectos de legalidade, mas sempre um golpe. (Palmas.) Eu queria passar a palavra ao Sr. Alfredo Boccia Paz, agradecendo-lhe a presença. Seja bem-vindo! Fique à vontade. À vontade durante os 15 minutos, com a tolerância maior do que a do Deputado Domingos Dutra. O SR. ALFREDO BOCCIA PAZ - (Intervenção em espanhol.) - Bom dia a todos e todas. Parabéns, Deputado, pelo título. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Eu não sou corintiano, não! Eu sou do Rio de Janeiro, sou flamenguista. Somos primo-irmãos. (Risos.) O SR. ALFREDO BOCCIA PAZ (Exposição em espanhol. Tradução simultânea.) - Estamos falando do Condor mais de 30 anos depois que ocorreram os fatos iniciais. Existem várias explicações. Bom, eu gostaria de falar sobre duas ou três dessas explicações que nos vão permitir explicar algumas peculiaridades do que foi realmente o Condor. A primeira de todas elas é que o Condor foi, sobretudo, uma história de longo silêncio, um silêncio muito curioso, porque esse silêncio também foi parte dessa conspiração internacional chamada Condor. É curioso que, ao longo desses anos mais duros do Condor, de 1975 a 1979, quase nenhum latino-americano tinha ideia do que estava acontecendo, com censura de imprensa em todos os países, cada um com suas próprias peculiaridades repressivas. E era difícil imaginar o contexto dessa trama tão complexa internacional que aconteceu neste continente. Somente os relatos de alunos e sobreviventes, às vezes muito fantasiosos, falavam de interrogatórios internacionais ou de presença de militares de um país em cárceres de outro país ou transporte de prisioneiros. 10 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 A primeira vez que se pronunciou a palavra “Condor” em uma publicação foi na do jornalista Anderson, do Washington Post, no ano de 1979. Pois bem, assim que ocorreu o atentado e assassinato de Letelier, em Washington, surgiram alguns livros, como o de John Dinges e Saul Landau, Assassinato em Washington, que fazia alguma referência a uma conexão internacional que tinha sido culpada desses assassinatos. (Segue-se exibição de imagens.) Pois bem, o livro de (ininteligível), sobre o labirinto que foi alguns depois... Há uma obra de um jornalista soviético daquela época, Valentin Mahskin, 1983, e há um livro muito importante, publicado no Paraguai pela Dra. Gladys de Sannemann, em 1989, que tem o título Operação Condor. A Dra. Sannemann foi capturada na Argentina e transportada clandestinamente para o Paraguai, onde foi torturada. Inexplicavelmente, de volta à Argentina, foi à ESMA — Escola de Mecânica da Armada. Finalmente, graças às ações de seu esposo, que tinha nacionalidade alemã, foi resgatada para a Alemanha. Graças a Deus, vive lá até hoje. Vocês têm que lembrar que sua existência era perfeitamente conhecida pelos organismos de segurança americana, desde o mesmo começo que foram os meses seguintes ao que foi, vamos dizer assim, um preparativo para sua inauguração em Santiago. Bem, entre os documentos confidenciais do Departamento de Estado dos Estados Unidos, tenho este que é célebre, de setembro. Mas eu o encontrei em julho de 1976. Olhem só, em julho de 1976, o agente Robert, do FBI, que estava em Buenos Aires e controlava a situação política de todo o Cone Sul, escreveu: “Representantes de inteligência de Bolívia, Uruguai, Paraguai, Brasil, Chile e Argentina decidiram, em uma reunião realizada em Santiago, criar o banco de dados de inteligência, conhecido como Operação Condor, com o objetivo de estabelecer uma rede internacional de informação”. O que quero dizer é que os países vítimas dessa operação ou plano não conheciam o que acontecia, mas desde as entranhas do serviço de inteligência até o nome Condor já era conhecido. 11 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Não saberíamos muito mais de tudo o que já sabemos hoje se não tivesse ocorrido o descobrimento desses arquivos, dos quais falou recentemente Martin Almada, em dezembro de 1982. Acredito que o Paraguai foi o único país para o qual o destino criou um caminho para os empreendedores (Falha na gravação.) de que se sabe absolutamente secretos que não deveriam sair nunca ao público e permitiram que o Paraguai realizasse uma das poucas coisas que aconteceram durante a transição democrática: preservar esses documentos, permitir acesso público e, mais que isso, converter essa montanha de documentos em um centro de documentação e arquivos que alimentou muitas investigações jornalísticas e muitos livros e nos permitiu conhecer o que foi a estrutura Condor. Não é pouca coisa o que havia ali. Martin Almada falou de três toneladas de documentos, mas, na verdade, descobrimos que tinha 740 livros encadernados, 115 livros sobre a independência da polícia política de Stroessner, mais de 100 pastas sobre vigilância de pessoas, partidos, 8.389 fichas de detidos, fichas de pessoas que a polícia negava que tinham sido presas. Suspeitava-se do seu desaparecimento, mas não se podia dizer no juiz o que aconteceu na ditadura. Suas defesas, a defesa das vítimas se deu como um castelo de cartas com o aparecimento desse documento. Provavelmente seria a biblioteca da Esquerda mais importante do País. Era possuída pela polícia com todos os volumes que ali estavam e pertenceu aos ativistas políticos. Aqui também tínhamos as provas, os documentos que demonstravam que a Operação Condor não estava na imaginação de certas vítimas, mas a verdade é que tinha existido e que deixou provas concretas. É por isso que tivemos uma reunião em Santiago com as evidências que tínhamos. Também foram encontradas algumas provas das trocas, de intercâmbio e dos centros clandestinos de prisioneiros. O chefe da polícia paraguaia era tão sistemático que até solicitava recibo por escrito dos detidos. Por exemplo, o do que um avião argentino veio buscar em Assunção para levá-lo à escola já mencionada. As estruturas básicas dos organogramas, sistematização do que foi a Operação Condor também está nesses arquivos. Isso permitiu que os arquivos pudessem ser convertidos em um monumento simbólico. A simbologia dos arquivos estava para além de seus papéis, para além de seus documentos. 12 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Isso permitiu que uma geração de paraguaios e paraguaias tivesse um olhar diferente daquilo que aconteceu, graças ao aparecimento desses documentos. Do contrário, hoje nós teríamos a perspectiva de que talvez essa operação foi algo que na verdade não aconteceu muito bem, de que eram pessoas boas e tinham boas intenções. Os arquivos demonstram que o Executivo nacional conhecia na verdade tudo, estava ciente de tudo o que acontecia nas mãos dos policiais. Os arquivos dessa montanha inicial se transformaram numa biblioteca, e hoje nós temos um museu totalmente digitalizado. Obviamente, inúmera quantidade de livros apareceu tentando desvendar o que foi a Operação Condor. Muitos desses autores do começo da década de 90 estão aqui conosco, como Nilson Mariano, Samuel Blixon, Patrice McSherry e outros. Além disso, teve um valor jurídico importante. Ontem foi dito que, enquanto a Justiça não desempenhar o seu devido papel, tratando essas questões tão delicadas, não vamos chegar a nenhum êxito. No Governo paraguaio, tivemos o aparecimento desses arquivos. É assim que o Paraguai se converteu em um dos únicos países da região que conseguiu deter e condenar a longos anos de prisão ou de detenção pelo menos os policiais e alguns militares, não todos que participaram da violação dos direitos humanos. Aqui nós temos o escopo jurídico que se estendeu internacionalmente, principalmente quando alguns julgamentos... Por exemplo, o julgamento de Garzón. Esses julgamentos foram estendidos para condenar e para contemplar outras vítimas. Obviamente que isso não tem preço para um país como o Paraguai. De qualquer maneira, até este momento, a Operação Condor estaria limitada a um alcance regional se não tivéssemos tido a detenção de Pinochet, em 1998, em Londres, o que projetou a Operação Condor mundialmente, de tal maneira que o Departamento de Estado, graças à (ininteligível) internacional, decidiu desclassificar milhares de documentos que se referiam à repressão no Cone Sul. Embora esses documentos estejam sistematicamente tachados, riscados, nós podemos visualizar uma grande quantidade de informação. Também tivemos um avanço rumo à verdade a partir de alguns documentos. Temos documentos de alguns militares, de sacerdotes, documentos esquecidos de alguma delegação policial, delegacia, que foram se somando ao longo das décadas. Mas os 13 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 documentos, a dimensão dos chamados Arquivos do Horror, no Paraguai... Sem isso, nós não poderíamos avançar. Eu gostaria de falar brevemente... Há duas dimensões aqui relativas à Operação Condor, que a Mônica ontem nos explicou também. Temos uma vertente mais historicista ou mais acadêmica. Obviamente que, quando falamos de Operação Condor, estamos falando da reunião de Santiago, em novembro de 1975, e até da comissão da transição democrática, que aconteceu na década de 80. Antes da de Santiago, em 1975, já existiam ações. Lembrem-se do atentado a Bernardo Leighton, na Europa, no ano anterior. Lembrem-se também das trocas de prisioneiros. Isso era bastante comum nas fronteiras dos nossos países. Também não podemos terminar com uma data precisa nos anos 80, porque muitos dos efeitos da Operação Condor ainda são sentidos hoje, e este seminário é uma prova disso. O Plano Condor só sistematizou e elevou a níveis de execução e cooperações regionais que, na prática, muitas vezes, na verdade, já existiam. O Plano contou com o conhecimento e a supervisão dos Estados Unidos. Para esclarecer os mais jovens, tentei agrupar aproximadamente a duração da ditadura do Cone Sul. Vocês podem ver que a paraguaia é a mais longa, desde 1954, e foi uma das últimas a terminar. A do Brasil é a segunda mais longa, 10 anos depois. E, após, temos o processo de interrupção da democracia, que acontece em meados da década de 70. Cada um desses países, na verdade, dos 22 países latino-americanos, sofreu ditadura militar de direita, com diferentes matizes, digamos assim, modalidades, diferentes maneiras de violar os direitos humanos. Aqui vamos encontrar uma primeira aplicação do por que a questão Condor não tenha sido tão discutida no Brasil. Vocês podem ver que, quando o grande genocídio latino-americano começa, tanto o Brasil quanto o Paraguai tinham suas ditaduras absolutamente consolidadas. Tivemos quase o extermínio desses militantes, e os problemas que esses dois países enfrentavam eram bem diferentes se comparados com o momento de 1973. O problema não era simplesmente a oposição aos movimentos sociais, mas, na verdade, a perseguição aos mesmos que levou a que nós ultrapassássemos as 14 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 fronteiras. Nós tínhamos mudanças nos países vizinhos, e era por isso que precisávamos atuar de forma diferente. A cooperação norte-americana é tão óbvia que eu não vou me deter muito aqui. Na década de 70, tínhamos 19 representações da CIA na América Latina; 50 mil oficiais de 22 países latino-americanos, que passaram pela escola das Américas desde 1963; a doutrina de segurança nacional, que foi instrumento ideológico da Guerra Fria nessa região e foi melhorada, fundamentalmente, pelos militares brasileiros. O apoio tecnológico e a experiência em tortura, além do que já foi dito ontem, isso se revela pelo exemplo, pela presença do assessor policial Dan Mitrione, que esteve no Brasil em 1963 e no Uruguai 6 anos depois. E obviamente que os demais nomes e modalidades da Operação Condor, com diferentes denominações, demonstravam — do que eu vou falar depois — a eficiência extraordinária que esse tipo de coordenação teve, coordenação que em alguns atentados contou com a ajuda de grupos de extrema direita: cubanos, italianos, norte-americanos, argentinos, enfim. Eu gostaria de fazer menção a esse ponto do Condor como um ponto, na verdade, vergonhoso, histórico, do MERCOSUL. Na década de 70, nós tínhamos uma ditadura, um contexto comum, necessidades comuns e um inimigo comum que estava disseminado nas fronteiras. Nós tínhamos que atuar de forma coletiva, transnacional. Eles fizeram isso de tal maneira que... Bom, de alguma forma, nós deveríamos nos envergonhar disso, como latino-americanos, porque eles fizeram isso passando em cima de rivalidades históricas. Nós tínhamos conflitos regionais entre alguns países integrados no Condor. Eles passaram por cima de uma desconfiança militar tradicional, e com divergências em algumas matrizes políticas. Ainda assim, eles foram de uma rapidez e uma eficácia na execução, obviamente que para o mal. Obviamente que depois o MERCOSUL jamais logrou alcançar tamanho êxito para obter eficiência nos seus mecanismos de integração. Aqui nós podemos explicar a velocidade de transformação do Condor, no MERCOSUL, do terror, que era a lógica da rivalidade. Nós tínhamos aí um intercâmbio e um diálogo com uma rapidez surpreendente. 15 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 No Brasil, como eu já disse, os militares tinham o controle absoluto em 1975, com pessoas sofrendo ameaças e com sobreviventes no exílio. O Condor não era vital para eles, mas, na verdade, ele poderia ser útil. É por isso que eles não eram indiferentes. Vocês podem ver aqui que quando... Bom, se alguma pessoa perguntar por que a questão Condor teve a mesma repercussão no Brasil, nós temos de lembrar que a ditadura do Brasil começou em 1964 e que a quantidade de mortos e de desaparecidos, embora seja importante, é quantitativamente muito inferior ao que aconteceu na Argentina ou no Chile. Além disso, esses desaparecimentos se estendem por um período muito longo e as repressões nesses países são concentradas: no Chile, nos primeiros 6 a 8 meses de 1973, e na Argentina, de março... para os dois... ou seja, de 1976 a 1978. Isso constitui um golpe à sociedade bastante duro. O Centro de Informação do Exército — CIEX —, que é a operação Congonhas, e a Polícia Federal de São Paulo foram o centro de inteligência da Operação Condor nos casos em que tivemos brasileiros envolvidos. Vocês podem ver nesse relatório semanal, que foi lançado em 1976, que o Brasil fez um acordo para a atuação somente latino-americana na Operação Condor, porque essa Operação Condor também queria fazer, ou previa, alguns atentados a longa distância, inclusive na Europa. Os Planos Condor estavam sendo mantidos em suspense enquanto o Brasil decidia se queria ou não participar em alguns atentados para além, ultramar. Depois da decisão do Brasil, o treinamento começou em Buenos Aires pelos agentes argentinos, chilenos e paraguaios, que depois queriam operar na Europa. Bom, depois nós temos um parágrafo riscado. Aqui nós temos um (ininteligível) do Brasil, de 1976 a 1978. Nós tivemos um agregado militar da Embaixada chilena no Brasil. Os agregados militares eram os braços operacionais da respectiva chancelaria dos exércitos nos países do Cone Sul. Quem foi Redondo González? Na verdade, ele foi um dos 5 integrantes da chamada Caravana da Morte, que em outubro de 1973 tinha executado 23 pessoas nas prisões chilenas. 16 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 E o que já foi dito ontem com algum tom de surpresa: o Brasil foi o país que mais demorou a discutir o Plano Condor, talvez porque não tenha existido tanta documentação aqui no Brasil, talvez pelos motivos históricos de tempo cronológico que os feitos foram acontecendo. Mas temos de colocar também as dificuldades que os grupos empreendedores da memória das vítimas tiveram para romper as reticências. Falo isso, eu me refiro aos militares, mas também a partir dos setores da imprensa em revisar essa história. Tenho certeza de que devam existir mais arquivos. Mas não devemos nos deter nos arquivos da repressão. Devemos também tentar construir os documentos referentes às vítimas. O Paraguai fez isso muito recentemente quando, no ano de 2008, a Comissão de Verdade e Justiça pôde integrar os 8 volumes demonstrando os 20 mil casos de violação aos direitos humanos, os 350 desaparecidos e os milhares de paraguaios e paraguaias que passaram pelos lugares de detenção durante os 35 anos de ditadura. Isso permitiu que, num gesto inédito da nossa história, o Presidente tenha pedido perdão a todas as vítimas em nome do Estado paraguaio. Também ontem, como foi comentado, tivemos dificuldades no Paraguai para conseguir um governo democrático, para que pudéssemos alcançar esse objetivo. Bom, de qualquer maneira, tenho certeza de que documentos como esses vão aparecer. Eu coloquei aqui... Eu tenho um exemplar aqui da imprensa. Jair Krischke apresentou aqui nesta mesma Câmara em maio de 2000 um documento de 1976. Nós fizemos a transcrição e depois a enviamos a Santa Vitória do Palmar e também à polícia paraguaia. Bom, para terminar, eu gostaria de dizer-lhes que todos os nossos países, assim como a sua participação no Cone Sul, com diferentes intensidades em diferentes tempos... Nós tivemos os mesmos caminhos da impunidade. Da época do Condor, poderemos utilizar, por exemplo, a frase do Pinochet que dizia no Chile: “Nenhuma folha será movida sem que eu saiba”. Ou, também, a frase pós-Condor, como Pinochet se despediu: “Eu vou deixar tudo bem amarrado”. Bom, obviamente que nós tínhamos que lutar contra essa couraça de impunidade. Começamos a lutar talvez mais tarde do que mais cedo. De qualquer maneira, tivemos avanços e retrocessos. Foi dito pelo Samuel ontem — eu gostei 17 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 muito — que essa é a quarta lei dialética, de retrocesso relativo do avanço. A isso me refiro. Conhecer a verdade é resgatar a memória e é restaurar a justiça. E é, como já foi dito, consolidar a democracia, porque quem acredita que esse passado de terror não pode voltar aos nossos povos, essa é uma pessoa que não conhece a fundo a circularidade, digamos assim, da história latino-americana. Temos que considerar esses avanços que os nossos povos, com tantas dificuldades, têm feito nas duas últimas décadas. Por quê? Porque os mesmos que apoiaram o Condor podem apoiar, de forma econômica, política ou social, aqueles que não estão dispostos a ceder seus interesses por esses avanços democráticos que estão sendo instalados. Vocês podem simplesmente observar o que está acontecendo em meu pobre país, onde esses mesmos que apoiaram a Operação Condor e seus representantes apoiam agora um golpe branco, um golpe parlamentar, que nos pode levar a um caminho de retrocesso. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Prof. Alfredo Paz. Por sugestão da nossa coordenadora também, ao final deste seminário, apresentaremos uma moção de repúdio deste seminário, dos seus participantes, ao golpe branco parlamentar “legal” no Paraguai. (Palmas.) A organização do seminário, por uma questão de economia processual, sem perda da qualidade do debate, indica que nós vamos agora, já de imediato, abrir a etapa Operação Condor no Brasil com os nossos companheiros do Paraguai aqui permanecendo e, após a fala de dois participantes da mesa Operação Condor no Brasil, os quais já convido para compor a nossa Mesa, o Luiz Cláudio Cunha, jornalista, e o Nilson Mariano, também jornalista e mestre em História. Por favor. (Palmas.) E, ao final da exposição deles — dos 10, 15 minutos de cada um —, nós abriremos o debate. Encerramos, na parte da manhã, a Operação Condor Paraguai e parte da Operação Condor Brasil, que também, no início da tarde, terá prosseguimento com dois outros participantes: o Marco Antônio Barbosa e o Jair Krischke. 18 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 O Power Point apresentado aqui pelo Alfredo e outros estará disponível no site da Câmara. Quero reiterar um fato grave, destacado ontem pela companheira Luiza Erundina. Como todos sabem, com grande atraso, a Comissão Nacional da Verdade, do Executivo brasileiro, foi, afinal, instalada. Ela tinha sido aprovada em setembro ou outubro do ano passado pelo Congresso Nacional, mas só foi constituída recentemente. E está na mesa desta comissão, há três semanas, um ofício assinado pelo nossa presidente da Comissão Parlamentar Verdade, Justiça e Memória, aqui da Câmara, solicitando uma audiência, um diálogo com a Comissão Nacional da Verdade. E mais: eles foram devidamente convidados para este seminário. É, a nosso entender, muito grave essa lentidão e esse suposto desinteresse da Comissão Nacional da Verdade, que tem alguma estrutura não muito ampla, mas seus membros estão até profissionalizados para, em dois anos, darem conta da apuração das responsabilidades sobre essas atrocidades de um período longo da nossa história. Mas eles não dialogarem com a Comissão Parlamentar e não estarem aqui, através de um representante que fosse neste seminário, é muito grave. Isso nos deixa preocupados com os caminhos desta Comissão, mas vamos fazer a nossa parte. Luiz Cláudio, pode usar da palavra. Agradecemos a sua presença. O SR. LUIZ CLÁUDIO CUNHA - Bom dia. Obrigado pelo convite honroso. Queria manifestar aqui minha alegria por estar ao lado de gente tão importante, que a gente lê, que nos inspira e que nos ensina, como todos esses pesquisadores, historiadores pessoas que ajudam a resgar a memória. Eu queria homenagear duas pessoas que são símbolos de coerência, luta e resistência e que vocês jamais verão numa foto sorridentes e abraçados com Paulo Maluf: Jair Krischke e a Deputada Luiza Erundina. (Palmas.) A mais longa ditadura da maior nação do continente não poderia ficar de fora do clube mais sinistro dos regimes militares da América do Sul. O Brasil dos generais do regime de 1964 estava lá, de corpo e alma, na reunião secreta em Santiago do Chile, em novembro de 1975, que criou a Operação Condor. 19 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Nascia a mais articulada e mais ampla manifestação de terrorismo de Estado na história mundial. Nunca houve uma coordenação tão extensa entre tantos países para um combate tão impiedoso e sangrento a grupos de dissensão política ou de luta armada, confrontados à margem das leis por técnicas consagradas no submundo do crime. Tempos depois, em 1991, as democracias renascidas da região construíram um difícil pacto de integração política e econômica batizado de Mercosul. Dezesseis anos antes, contudo, os generais das seis ditaduras do Cone Sul — Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia — tinham conseguido realizar, a ferro e fogo, uma proeza ainda mais improvável: um secreto entendimento pela desintegração física, política e psicológica de milhares de pessoas. A Operação Condor trouxe para dentro do Estado ilegítimo das ditaduras as práticas ilegais da violência de bandos paramilitares, transformando agentes da lei em executores ou cúmplices encapuzados de uma dissimulada política oficial de extermínio. O envolvimento de efetivos regulares da segurança com as práticas bandoleiras de grupos assassinos explica, de alguma forma, a leniência e depois a conivência com o crime por parte de corporações historicamente fundadas na lei e na ordem. O Esquadrão da Morte, em países como Brasil, Argentina e Uruguai, contaminou o Exército. O Exército perdeu os limites com a obsessão da guerra antissubversiva. A luta contra a guerrilha transbordou as fronteiras da lei e exacerbou a violência. A virulência clandestina e sem controle do esquadrão empolgou o Exército. O Exército apodreceu com o Esquadrão da Morte. O esquadrão confundiu-se com o Exército, o Exército virou um esquadrão. A Condor, enfim, reconheceu tudo isso e criminalizou os regimes militares do Cone Sul. Dois policiais resumem este mergulho criminoso do poder no Brasil e no Uruguai. O americano Dan Mitrione era especialista em interrogatórios do Serviço de Segurança Pública (OPS, na sigla em inglês), uma agência americana de fachada da CIA extinta um ano antes do nascimento da Condor. Em 16 anos de vida, treinou um milhão de policiais no chamado Terceiro Mundo. Mitrione desembarcou no Rio de Janeiro um ano antes do golpe de 1964 e ao sair, três anos depois, a OPS tinha 20 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 adestrado 100 mil agentes brasileiros, 1/6 da força policial do país. Mitrione assumiu a OPS do Uruguai em 1969, quatro anos antes do golpe de Bordaberry, com um lema que definia seus princípios: “A dor precisa, no lugar preciso, na quantidade precisa, para o efeito desejado”. O brasileiro Sérgio Fleury, delegado do DOPS, era internacionalmente conhecido como líder do Esquadrão da Morte, de onde importou métodos de combate ao crime comum para uso na repressão política. Seis meses antes do golpe de junho de 1973, o embaixador americano em Montevidéu, Charles Wallace Adair Jr., avisou Washington que oficiais da alta hierarquia militar do Uruguai foram treinados pelo Brasil para combater a insurgência. Um dos treinadores brasileiro levados aos aprendizes de Mitrione era o experiente Fleury. O embaixador detalhou a ação de órgãos de segurança da Argentina e do Brasil no apoio a grupos uruguaios clandestinos: “Os brasileiros reconhecidamente aconselharam e treinaram oficiais militares e policiais uruguaios envolvidos em grupos contraterroristas que se responsabilizaram por atentados a bomba, sequestros e até mesmo assassinatos de suspeitos de pertencerem à esquerda radical”. Na Argentina, o delegado-chefe da Polícia Federal em Buenos Aires era Alberto Villar, fundador em 1973 da versão local do Esquadrão da Morte, a clandestina Triple A, ou Aliança Anticomunista Argentina, acusada de quase 2 mil mortes em dez anos de crimes. Quase dois anos antes da formalização da Condor, os seis países da região fizeram uma reunião secreta em Buenos Aires, em fevereiro de 1974. O ‘I Seminário de Polícia sobre a Luta Antissubversiva no Cone Sul’ reunia os chefes da Polícia Federal, alguns deles oficiais do Exército — casos do Brasil, Argentina e Paraguai. Acertaram “novas formas de colaboração transnacional para confrontar a ameaça subversiva”, conforme o general Miguel Angel Iñiguez, chefe da Polícia Federal argentina, anunciando a decisão final de operações conjuntas “contra inimigos políticos em qualquer dos países associados”. A preocupação anticomunista se aguçou com a revolução castrista em Cuba e entrou na pauta dos quartéis do continente, que se reuniam regularmente na Conferencia dos Exércitos Americanos. No 10º encontro, realizado em Caracas uma semana antes do golpe de Pinochet em 1973, o general brasileiro Breno Borges 21 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Fortes propôs “ampliar a troca de experiências ou informações” na guerra ao comunismo. Em 1976, na Nicarágua do ditador Somoza, disse o chefe da delegação argentina na CEA: — A guerra ideológica não respeita fronteiras — avisou o general Roberto Viola, que carregava no sobrenome a crença de quem não reconhece limites no combate à subversão. Quatro anos antes, este desbordamento da violência ficou evidente no Uruguai. Em fevereiro de 1972, os guerrilheiros Tupamaros sequestraram um fotógrafo em Montevidéu. Nelson Bardessio era mais do que isso: era também policial, segurança e motorista do americano William Cantrell, o homem da CIA no Uruguai. O policial revelou ser membro do Esquadrão da Morte que agia dentro da DNII, Dirección Nacional de Información e Inteligencia, a central de polícia abastecida pela CIA de Cantrell com equipamento de tortura. As ordens do ministro do Interior, Santiago de Brum Carbajal, eram repassadas ao esquadrão pelo vice-ministro Armando Acosta y Lara. Bardessio revelou que o próprio secretário pessoal do presidente Pacheco Areco, Carlos Piran, conseguiu junto à SIDE (a Secretaria de Inteligência do Estado argentino) a gelinita explosiva com que o Esquadrão da Morte praticou quatro atentados em Montevidéu. O motorista da CIA contou que ele fizera parte de uma equipe de cinco policiais treinados pela SIDE em Buenos Aires em “atividades antiterroristas” e “técnicas de vigilância”. Outros dois agentes, disse Bardessio, foram enviados ao Brasil para exercitar “operações de Esquadrão da Morte”. Os futuros quadros da Condor começaram a se formar nesta geleia geral que misturava gelinita com militares, policiais, agentes secretos, torturadores e terroristas paramilitares. Ali mesmo em Montevidéu, três anos depois, a Condor começou a sair do ovo. Em outubro de 1975, nos salões exclusivos do hotel Carrasco, reuniu-se a 11ª CEA, a Conferência dos Exércitos. Num encontro prévio, os chefes dos serviços secretos do continente ouviram a proposta de seu camarada chileno, um certo coronel Manuel Contreras, chefe da Dirección Nacional de Inteligência —DINA —, a polícia política de Pinochet, para a criação de “um programa repressivo transnacional”. 22 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 A proposta foi aprovada, e Contreras não perdeu tempo. Despachou o vicediretor da DINA, o coronel da Força Aérea Mário Jahn, direto de Montevidéu para Assunção. O nº 2 da DINA, antes de voltar para casa, fez uma segunda escala, um pouco acima no mapa: Brasília. Aqui, entregou o convite e a agenda de dez páginas da Primera Reunión de Trabajo de Inteligencia Nacional a um fraterno amigo de Contreras: o general João Baptista Figueiredo, o chefe do Serviço Nacional de Informações — SNI — do Governo Geisel. As duas ditaduras tinham muito em comum. O palácio La Moneda ainda fumegava com as bombas de sete ataques da Força Aérea quando o embaixador brasileiro Antônio Cândido Câmara Canto adentrou a Escola Militar de Santiago no instante em que o quarteto da Junta Militar prestava juramento. “Ainda estávamos disparando quando chegou o embaixador e nos comunicou o reconhecimento” — registrou o próprio Pinochet, assombrado com a ligeireza que tornou o Brasil o primeiro governo do planeta a estabelecer vínculos formais com a nova ordem. Dissimulados, os Estados Unidos de Nixon e Kissinger esperaram baixar a poeira das bombas e só reconheceram a ditadura Pinochet 13 dias depois do Brasil. No Brasil, o apoio encoberto ao golpe foi imediato. Um acordo, articulado no Governo Médici e executado no Governo Geisel, garantiu fuzis e munição para a repressão interna no Chile, como revelou no domingo passado a repórter Júnia Gama, de O Globo, com base em documentos inéditos do extinto Estado-Maior das Forças Armadas. Um ofício de 17 de janeiro de 1975 revela a ordem secreta do EMFA para raspar o logotipo da República nos fuzis tipo FAL para não permitir a identificação da cumplicidade brasileira nas armas produzidas na fábrica do Exército em Itajubá, Minas Gerais. O próprio Manuel Contreras afiara suas garras no Brasil. Um interlocutor do coronel, o americano Robert Scherrer, homem do FBI em Buenos Aires, diz que o chileno foi treinado em Brasília. Os agentes do SNI foram ao Chile depois do golpe para obter informações de esquerdistas brasileiros, enquanto oficiais chilenos vinham ao Brasil para treinamento na Escola Nacional de Informações, a ESNI — que serviu de inspiração a Contreras na formatação de sua DINA. 23 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Um memorando de setembro de 1975, de Contreras a Pinochet, pede um reforço de 600 mil dólares no orçamento daquele ano da DINA. No Item 1 da nota, o Coronel justifica ao General: “Aumento do pessoal da DINA ligado às missões diplomáticas do Chile. Total de dez pessoas: duas, no Peru; duas, no Brasil; duas, na Argentina; uma, na Venezuela; uma, na Costa Rica; uma, na Bélgica; e uma, na Itália.” Em 1999, o jornal O Globo deu outra pista segura sobre a presença da DINA em solo brasileiro. Ele revelou uma destinação adicional ao pedido de verbas feito por Contreras a Pinochet: o custeio dos oficiais da DINA que, a cada 2 meses, faziam um curso de 6 semanas no Centro de Instrução de Guerra na Selva, do Exército Brasileiro, em Manaus, no coração da maior floresta tropical do mundo. Durante algum tempo, um dos principais instrutores do SIGS, o Centro, foi o Adido Militar da Embaixada da França no Brasil entre 1973 e 1975. O General Paul Aussaresses, Especialista em Inteligência, era veterano de duas épicas derrotas francesas em guerras coloniais: a da Indochina e a da Argélia. Foi herói na Segunda Guerra Mundial, saltando de paraquedas na Normandia para fazer a ligação entre a resistência francesa e as tropas aliadas do Dia D. Foi vilão no fronte argelino, como mestre da tortura aplicada pelas tropas paraquedistas do General Jacques Massu. Quase duas décadas antes de o jornalista Vladimir Herzog aparecer “suicidado” no porão do DOI-CODI em São Paulo, Aussaresses mandou “suicidar”, em Argel, um dos líderes da Frente de Liberação Nacional, o argelino Larbi Ben M’Hidi, que apareceu enforcado na prisão após um interrogatório pesado em 1957. Na sequência, outro suicídio: o influente advogado Ali Boumendjel “atirou-se” do sexto andar do prédio onde estava preso. Em 2000, o General reconheceu que nenhum se suicidara, ambos foram mortos pela tortura executada sob suas ordens. Mas Aussaresses não se arrependia: “A tortura é um mal menor, mas necessário, que deve ser usado para evitar o mal maior do terrorismo.” O mesmo argumento consolador foi usado pelo General Ernesto Geisel no depoimento que prestou ao CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, ao dizer: “Acho que a tortura, em certos casos, torna-se necessária para obter confissões. (...) Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é 24 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 impelido a praticar a tortura para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior”, explicou Geisel. Apesar da tolerância, o ditador brasileiro ainda simulava espanto com a ousadia da repressão de Pinochet. Em setembro de 1974, uma bomba da DINA explodiu em Buenos Aires o carro do ex-Comandante do Exército chileno, Carlos Pratts, matando o general legalista e sua mulher. Quatro meses depois, quando Figueiredo sugeriu uma aproximação entre o SNI e a DINA, Geisel vetou: “Eles que venham aqui ver a ESNI”, disse o Presidente, segundo anotação de 10 de janeiro de 1975, do secretário particular Heitor Ferreira, revelada pelo jornalista Elio Gaspari. Exatamente uma semana depois, o EMFA do General Geisel mandaria raspar o logotipo das armas que seu hipócrita governo fornecia clandestinamente à ditadura chilena. Os chilenos, apesar do fingimento de Geisel, já frequentavam a Escola Nacional de Informações em Brasília desde o ano anterior, logo após a criação da DINA. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Luiz, por favor, como há pessoas que necessitam da tradução, a sua celeridade, que visa não tomar muito tempo, está atrapalhando. Então, más despacio, por favor. O SR. LUIZ CLÁUDIO CUNHA - Os chilenos, apesar do fingimento de Geisel, já frequentavam a ESNI em Brasília, desde o ano anterior, logo após a criação da DINA. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - É melhor ser acelerado do que celerado, mas faça um esforço. O SR. LUIZ CLÁUDIO CUNHA - O que Geisel não queria, realmente, era misturar as suas tropas de repressão com as de Pinochet. Mas havia um erro de origem no convite de Contreras a Figueiredo. Por definição, Figueiredo chefiava um órgão de informação do Presidente da República. O SNI não era o braço operacional no combate à luta armada. A missão em Santiago, por dever de ofício, cabia ao Centro de Informações do Exército. Era o CIE que guerreava o que o SNI informava. Essa era a lógica — e Figueiredo repassou o encargo a quem de direito, ao General Confúcio Danton de Paula Avelino, o Chefe do CIE, com a ordem de Geisel: 25 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 reduzir a presença brasileira em Santiago. Em vez de três, como pedia Contreras, o Brasil mandaria apenas dois militares, um coronel e um major, com ordens para escutar mais do que falar. Uma última recomendação de Figueiredo, repassando a ordem presidencial: reduzir a participação brasileira à condição de observador, sem autorização para firmar nenhum documento. Na manhã ensolarada de 25 de novembro de 1975, uma terça-feira, os dois brasileiros se juntaram a outros treze militares disfarçados de terno e gravata que ocuparam o grande salão da mansão da Alameda O’Higgins, onde funcionava a Academia de Guerra do Exército, na capital chilena. Depois da fala de Pinochet, Contreras enunciou o seu mantra favorito: “A subversão não reconhece fronteiras nem países”. A repressão que assombrava o Cone Sul, desde a década anterior, tinha uma organização agora, um código e um método — e a loucura de sempre. A operação clandestina ganhou o nome de Condor, o abutre típico do Chile, que agora abria suas asas sobre os povos e os países da região, sem fronteiras, para um terror de Estado sem limites. A velha e informal prática da troca de informações e de prisioneiros entre ditaduras camaradas tinha agora uma grife que ninguém ainda conhecia pelo nome, mas já temiam pelo terror contagiante de quem perdia parentes e companheiros, desaparecidos na treva e na noite sem fim. A ata de fundação desse clube, com licença para matar, foi assinada pelos representantes de cinco dos seis países fundadores, todos chefes de inteligência: o Capitão argentino Jorge Demetrio Casas; o Coronel uruguaio José Fons ; o Coronel paraguaio Benito Guanes Serrano; o Major boliviano Carlos Mena Burgos ; além do anfitrião, o chileno Manoel Contreras. Os dois brasileiros dissimulados, que lá estavam, aprovaram tudo, mas não assinaram nada, cumprindo a ordem de Geisel de se manterem como “observadores”. Até os documentos desclassificados da CIA, no governo Clinton, não conseguiam quebrar o anonimato planejado pela hipocrisia brasileira. Achei estranha essa lacuna e, durante dois anos, enquanto finalizava meu livro sobre a Operação Condor, procurei identificar a dupla enviada por Brasília. Não localizei documentos, 26 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 mas os relatos de veteranos da ditadura e da comunidade de informações acabaram decifrando o mistério. Estes são os nomes dos brasileiros “observadores” que fundaram a Condor: Flávio de Marco e Thaumaturgo Sotero Vaz. Dois militares, dois agentes do Centro de Informações do Exército. Dois veteranos do combate nas selvas do Araguaia, o maior e mais longo foco guerrilheiro do País, onde 70 combatentes comunistas de linha maoísta foram esmagados por um contingente militar que chegou a oito mil homens. O Coronel De Marco e o Major Thaumaturgo estavam lá, na frente de batalha. Quando De Marco chegou ao Araguaia, outubro de 1973, ainda resistiam 56 guerrilheiros. Quando o Coronel foi embora, um ano depois, não restavam mais do que 10 combatentes. Suas sepulturas nunca foram encontradas. A falta de investigação do governo sobre a violência no Araguaia levou à condenação do Brasil, em 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. O Major Thaumaturgo, oficial paraquedista, com curso de guerra na selva na Escola das Américas, na Zona do Canal do Panamá, comandava os “boinas pretas”, do Destacamento das Forças Especiais do Rio Janeiro, quando foi enviado ao Araguaia, em 1972. Em 1984, já Coronel, Thaumaturgo assumiu o comando em Manaus do CIGS, o Centro de Guerra na Selva, onde treinaram os agentes da DINA do Coronel Contreras, seu anfitrião na fundação da Condor uma década antes. De Marco e Thaumaturgo foram a Santiago por ordem expressa de Geisel e seu sucessor. Quando o Coronel Figueiredo comandava, no Rio, o Regimento de Cavalaria de Guarda, De Marco servia ao seu lado. O General Figueiredo o levou com ele ao assumir o SNI e, quatro anos após fundar a Condor, De Marco subiu a rampa do poder com o Presidente Figueiredo na condição de diretor administrativo do Palácio do Planalto. O Major Thaumaturgo foi cadete na academia militar do General Danilo Venturini, que dirigiu a ESNI, a escola frequentada por Contreras e seus rapazes da DINA, antes de assumir a Chefia do Gabinete Militar no Governo Figueiredo. Os brasileiros da Condor estavam, portanto, entre amigos. Os observadores e seus chefes integravam uma irmandade. A irmandade da Condor: um abutre carniceiro que via longe. 27 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Em 1979, quando a Condor ainda voava alto, um agente da CIA repetiu no Senado americano uma frase do Coronel Contreras: “Iremos até a Austrália se necessário para pegar nossos inimigos”. Em novembro de 1978, a Condor foi até Porto Alegre para pegar seus inimigos. É a capital brasileira do Cone Sul, no Estado que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. A repressão uruguaia localizou na cidade dois ativistas “requeridos” pela ditadura: Lilian Celiberti e Universindo Rodriguez Diaz. Atravessar a fronteira seca do Rio Grande do Sul parecia ser ainda mais simples do que cruzar o Rio da Prata para sequestrar opositores em Buenos Aires. “Brasil todavía no es Argentina!”, advertiu o Coronel Calixto de Armas, o homem mais poderoso da repressão uruguaia, Chefe do Departamento II do Comando Geral do Exército, responsável pelas ações do braço operacional da Condor uruguaia, a secreta Compañia de Contrainformaciones. O coronel pairava acima das quatro Divisões de Exército do Uruguai e acima até do Organismo Coordenador de Operações Antissubversivas, o temido OCOA, a versão local do DOI-CODI. O Coronel só recebia ordens de dois homens: o seu chefe imediato, o General Manuel J. Nuñez, Chefe do Estado-Maior, e do Comandante-Geral do Exército, General Gregório Goyo Álvarez. De Armas procurou um velho parceiro da irmandade da Condor no Brasil: o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o homem que no Governo Médici formou a máquina de tortura do DOI-CODI da Rua Tutoia, em São Paulo, e que no Governo Geisel foi Chefe, em Brasília, do Setor de Operações do CIE, o Serviço Secreto do Exército. A partir das instruções de Ustra, a cadeia de comando acionada na operação de Porto Alegre mostra que a loucura da Condor tinha método e hierarquia. O Departamento II do Coronel De Armas contatou desde Montevidéu o Estado-Maior do III Exército em Porto Alegre, pedindo passe livre para a Condor para os homens da Compañia de Contrainformaciones. O CIE gaúcho repassou o pedido ao chefe do CIE em Brasília, General Edison Boscacci Guedes. O Coronel uruguaio foi autorizado, então, a pilotar a Condor em solo gaúcho em parceria com o 28 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 DOPS, a polícia política comandada pelo nome mais famoso da repressão no Sul, o Delegado Pedro Seelig. Comunicando-se pelo sistema codificado criado pela CIA para a DINA do Coronel Contreras, a CONDORTEL 3 (base Uruguai) entrou em linha com a CONDORTEL 6 (base Brasil). Na primeira semana, a cúpula da Compañia uruguaia circulou em Porto Alegre: o Comandante, major Carlos Alberto Rossel; seu subcomandante, major José Walter Bassani; e o Capitão Eduardo Ramos, chefe da seção técnica. Na segunda semana, foram rendidos pelo chefe da seção administrativa, Capitão Glauco Yannone. Na manhã de domingo, 12 de novembro, prenderam Lilian Celiberti na Rodoviária de Porto Alegre. Universindo foi preso horas depois, com os dois filhos de Lilian: Camilo, de 8, e Francesca, de 3 anos. Lilian e Universindo foram despidos e duramente torturados na sede do DOPS gaúcho. O Delegado Seelig observava, o Capitão Yannone espancava. O casal e as crianças foram levados pela Polícia brasileira para o Chuí, na fronteira, onde os militares aplicaram novas torturas. Esperta, Lilian insinuou um encontro em Porto Alegre com o alvo principal da Condor uruguaia — Hugo Cores, o líder do PVP, o partido clandestino do qual faziam parte Lilian e Universindo. Lilian foi trazida de volta à capital gaúcha pelo chefe do setor de operações da Compañia, o Capitão uruguaio Eduardo Ferro, que armou uma ratonera para capturar sua presa no apartamento da uruguaia, na Rua Botafogo. Mas foi o capitão que caiu na ratonera de Hugo Cores. Clandestino em São Paulo e alertado pelo silêncio de seus companheiros, Hugo Cores deu um telefonema anônimo para a sucursal da revista Veja em Porto Alegre, denunciando o desaparecimento. Quando os homens armados de Ferro e Seelig, ocultos no apartamento, abriram a porta com pistolas em punho na tarde chuvosa de 17 de novembro de 1978, não surpreenderam o esperado Hugo Cores. Na verdade, foram surpreendidos pela presença inesperada de um repórter e um fotógrafo, que ficaram ainda mais surpresos com as pistolas apontadas para suas cabeças. Conto tudo isso porque eu era o repórter, ao lado do fotógrafo JB Scalco. Eu olhei no olho da Condor. Encarei a escuridão sem fim do cano da pistola entre meus 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 olhos. Meu amigo Scalco morreu do coração 5 anos depois, aos 32 anos. (O orador se emociona. Palmas.) Tenho, assim, o privilégio nada honroso de ser o único repórter do Cone Sul a sobreviver às garras da Condor. Assumi, então, o desafio de contar essa história e identificar seus responsáveis na série de reportagens que produzi ao longo de dois anos à revista Veja e no livro que publiquei, 30 anos depois do sequestro. A inesperada aparição de dois jornalistas, algo inédito no território da Condor, obrigou os chefes uruguaios e brasileiros a abortarem a operação de Porto Alegre, voltando às pressas a Montevidéu. Dessa vez, portanto, a praxe de sangue da Condor não se cumpriria: os sequestrados sobreviveram, apesar das torturas, e não puderam ser simplesmente “desaparecidos”. A denúncia do sequestro dos uruguaios em Porto Alegre virou um escândalo internacional, que mobilizou a imprensa, os partidos, os advogados, as entidades de direitos humanos. O sequestro de Universindo, Lilian e das duas crianças é uma das 81 ações reabertas na Justiça pelo Presidente uruguaio José Pepe Mujica contra crimes de tortura, desaparecimento forçado e sequestro nos anos da ditadura. No próximo dia 16 de julho, segunda-feira, estarei no Tribunal da Calle Misiones, em Montevidéu, depondo como testemunha do sequestro, a pedido da Juíza Mariana Motta. Foi ela que, em fevereiro de 2011, condenou o ex-Presidente Juan María Bordaberry a 30 anos de prisão por liderar o Golpe de Estado de 1973, que dissolveu o Congresso e a democracia do país. Bordaberry morreu no ano passado, aos 83 anos. O fiasco da Rua Botafogo expôs ao ridículo as ditaduras do Uruguai e do Brasil, no contexto de uma operação repressiva que nunca dava errado, que nunca deixava sobreviventes. Em 1978, a Condor deixara para trás, vivos, quatro sequestrados e duas testemunhas para contarem como era a Condor, como agia a Condor. Como avisara o Coronel Calixto de Armas, “Brasil, todavia, no es Argentina!”. Afinal, por que fracassou a Condor em Porto Alegre? Por duas razões principais, que desconcertaram simultaneamente brasileiros e uruguaios por detalhes que não eram comuns em seus países. As crianças desordenaram a rotina de eficiência do Delegado Seelig e seus agentes do DOPS. Ao contrário dos uruguaios, que 30 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 roubavam os bebês de suas vítimas para entregá-los às famílias de seus algozes, a repressão brasileira não registra o desaparecimento de crianças, muito menos sua presença nas ações de busca e captura de guerrilheiros. Os jornalistas abalaram a disciplina militar do Capitão Ferro e seus parceiros da Compañia de Contrainformaciones. Ao contrário dos brasileiros, mais acostumados à insistente cobertura de uma imprensa mais incômoda sobre os excessos do regime, apesar da censura, a repressão uruguaia não concebia a presença inoportuna de jornalistas no seu local de trabalho clandestino. De um lado e outro da fronteira, a Condor piscou, sem esconder a visível hesitação que impediu o assassinato que antes tudo resolvia, tudo desaparecia, tudo apagava. No crepúsculo de seu Governo, um mês após o sequestro de Porto Alegre, Geisel ordenou que Figueiredo, que assumiria a Presidência em 1979, resolvesse o fiasco da Condor. Foi enviado ao Sul o novo Chefe do SNI, General Octávio Aguiar de Medeiros, na frustrada tentativa de simular uma explicação para o sumiço dos uruguaios. Assim, num único episódio da Condor, envolveram-se sem sucesso os três generais mais influentes da ditadura brasileira, tentando juntar as penas da Condor depenada em Porto Alegre. Em uma entrevista que fiz em 1993 com o autor do telefonema anônimo, Hugo Cores, ele me dizia: “Todos os uruguaios sequestrados no exterior, algo em torno de 180, estão desaparecidos até hoje. Os únicos que estão vivos são Lilian, as crianças e Universindo. O sequestro de Porto Alegre foi o único realizado no Brasil e o último praticado pelo Uruguai. Depois dele, nunca mais houve outro”, festejava o líder do PVP. A Condor voou com intensidade entre 1975 e 1980. E matou intensamente antes, durante e depois, com o método e a loucura das ondas sucessivas de governos militares que afogaram a democracia e a razão durante quase um século de arbítrio no Cone Sul. Nos cinco maiores países da região, foram exatos 92 anos somados de ditaduras que eram de um e eram de todos nós: Paraguai, Brasil, Chile, Uruguai e Argentina. Nos tempos da Condor desatinada, a força matava pessoas e palavras, mas também inventava um novo léxico para tentar traduzir sua violência. No Chile da Condor emergiu um novo termo no dicionário da repressão, coalhado de presos e 31 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 mortos. Surgiu a figura intermediária e angustiante do “desaparecido” — que quase sempre era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de explicações e justificativas. Um “desaparecido” era uma dúvida, quem sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não incriminava ninguém e absolvia a todos — com exceção dos familiares da vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente, esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O “desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror — e novas palavras. O dicionário de terror da Condor fabricava uma expressão ainda mais assustadora, mais aflita: os no-nombrados, os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história, exumados no ninho da Condor por regimes de força sem coragem, sem caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, o general argentino Jorge Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha criação dos regimes onde voava a Condor: “O que é um desaparecido? Como tal, o desaparecido é uma incógnita… Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum tratamento especial: é uma incógnita, é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido…”, consolava o general da mais sangrenta ditadura do Cone Sul. Os tiranos que caçam os opositores da tirania começam subvertendo o idioma e o sentido lógico das coisas. Carimbam como ‘subversivo’ ao resistente que ousa desafiar a opressão. Combatem o ‘terrorista’ indefeso e manietado com o aparato pesado do terror de Estado. Pregam a defesa da lei pela ação ilegal e clandestina de seus agentes. Alegam defender a democracia impondo o arbítrio. Chamam de “ditabranda” o que não passa de ditadura. Revogam Constituições para aplicar Atos Institucionais. Impõem a insegurança dos cidadãos em nome da Segurança Nacional. Torturam e matam invocando a paz e a tranquilidade. Fabricam “suicídios” ou ‘atropelamentos’ quando os presos cometem o desatino de morrer sob tortura em 32 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 suas masmorras. Concedem autoanistia para perdoar seus crimes imperdoáveis. Clamam pelo esquecimento para abafar a impunidade. E condenam como revanchismo o que não passa de memória. No paraíso da Condor, os generais e seus serviçais conseguiram subverter o significado de duas das palavras mais valiosas da civilização: dignidade e liberdade. Dignidad, no Chile da Condor, era o nome de uma colônia agrícola, 300 km ao sul de Santiago, criada por um ex-enfermeiro da Luftwaffe nazista. Era frequentada por Pinochet e pelo coronel Contreras. Era um centro de torturas e de treinamento para interrogatórios da DINA. Libertad, no Uruguai da Condor, 50 km a oeste de Montevidéu, era o maior presídio político do país. Abrigava 600 presos políticos. Desde junho de 1980, um deles atendia pelo nome de Universindo Rodriguez Díaz, o uruguaio sequestrado em Porto Alegre. Dignidad virou sinônimo de tortura no Chile da Condor. Libertad virou endereço de presídio no Uruguai da Condor. Quando veio o golpe de 11 de setembro no Chile, um dos primeiros presos foi um general da Força Aérea, Alberto Bachelet. Ficou preso seis meses no Cárcere Público de Santiago, mas o coração não resistiu às torturas, nele e em velhos camaradas. Morreu de infarto em março de 1974, um mês antes de completar 51 anos. Foi poupado de uma forte emoção da história, 32 anos depois, quando o mesmo Partido Socialista derrubado à bala por Pinochet voltou ao poder pelo voto em 2006 elegendo como presidente uma médica pediatra, a filha de Alberto, Michelle Bachelet. Em janeiro de 1975, dez meses antes do nascimento da Condor, Michelle e sua mãe foram presas e levadas vendadas para Villa Grimaldi, um famoso centro clandestino da DINA em Santiago. Lá, aos 24 anos, Michelle foi torturada. É de Michelle Bachelet esta frase que nos inspira e consola: “Só as feridas lavadas cicatrizam”. Passados tantos anos de tanto horror, este encontro de hoje, aqui em Brasília, na capital do País, que é um envergonhado sócio fundador da Condor, mostra que começamos a lavar nossas feridas com esta forte manifestação da memória coletiva. 33 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Todos, aqui, temos uma só mensagem a quem fez e a quem tenta esquecer tudo aquilo: Nós sabemos, nós lembramos, nós contamos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Luiz Cláudio. Uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. Nilson Mariano, obrigado pela presença. Estamos aqui atentos. O SR. NILSON MARIANO - Bom dia a todos. É um prazer compor esta Mesa com o Luiz Cláudio, com o Dr. Alfredo, com o Dr. Martin Almada, que representa o valoroso e generoso povo paraguaio, que tanto ajudou nas investigações da Operação Condor. Vou falar aqui sobre um episódio que demonstra, de forma cabal e sistemática, como o Brasil participou ativamente da Operação Condor, que é o sequestro, desaparecimento de seis argentinos montoneros em território brasileiro ou em cruzamentos fronteiriços. O que vou falar está baseado em documentos que pesquisei pessoalmente em Buenos Aires, no Processo Jurídico nº 6.859 e em entrevistas que fiz com todos os familiares dessas seis vítimas — isso, a partir de 1995 —, entrevistas pessoais, em 1999 e 2005, também em Buenos Aires, e em contatos que mantive por e-mail desde então. Quero aqui salientar a ajuda providencial que recebi de uma pessoa que eu conheço há mais de 30 anos, que tem dedicado toda a sua vida aos direitos humanos, que salvou cerca de dois mil refugiados políticos do Cone Sul, especialmente uruguaios e argentinos que estavam sendo cassados pelos predadores da Operação Condor. Essa pessoa, com a sua equipe, providenciou asilo seguro na Europa. E também, até hoje, dedica-se a localizar criminosos de lesa-humanidade, como o famigerado Manoel Cordeiro. Estou me referindo ao Dr. Jair Krischke. (Palmas.) O primeiro sequestro de um argentino ligado aos montoneros aconteceu em 1974, antes do golpe, no mês em que morreu Juan Domingo Perón. Foi Enrique Ernesto Ruggia. Enrique havia sido rejeitado pelos montoneros — na época muito seletivos no alistamento dos seus quadros —, porque não tinha adestramento com armas. Então, 34 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 o Enrique não pode vestir aquele uniforme dos montos, que era calça azul-marinho, camisa azul-celeste e jaqueta de couro estilo aviador. E ele, encantado com a presença de tantos militantes de esquerda refugiados em Buenos Aires, aderiu a um grupo da VPR, comandado pelo então Onofre Pinto, numa tentativa de entrar no Brasil, assassinar Sérgio Paranhos Fleury. E o Henrique foi apanhado, junto com mais outros, os irmãos Joel e Daniel de Carvalho, José Lavechia, veterano e companheiro de Lamarca, e Victor Carlo Ramos. Eles foram emboscados e mortos. Tudo isso está muito bem documentado no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, de Aluízio Palmar, que está ali. (Palmas.) Mas eu quero me concentrar, principalmente, nos outros cinco sequestros e desaparecimentos que ocorreram durante a contraofensiva militar dos Montoneros. A partir da morte de Perón e com o Golpe de 76, na Argentina, os Montoneros foram para o exílio. Eles se estabeleceram, principalmente, na Espanha e no México, e lá se reorganizaram para tentar voltar para a Argentina, em defesa dos seus outros companheiros Montoneros que estavam sendo cassados e mortos pela ditadura militar argentina. Essa contraofensiva foi organizada, principalmente, a partir do final de 1978. Foi em 1978 que aconteceu o segundo sequestro/desaparecimento de um montonero. Foi do jornalista e escritor Norberto Armando Rebguer, em 30 de julho de 1978. O Norberto embarcou no México com destino ao Rio de Janeiro. Para tentar despistar os agentes Condor, ele usava um passaporte falsificado, com o nome de Hector Estevam Coejo. Ele prometeu telefonar para sua mulher, D. Florinda, quando desembarcasse no Rio, mas não ligou. Ele foi sequestrado em um hotel por policiais argentinos e brasileiros. A D. Florinda apelou para várias pessoas em busca de informações. E aqui há uma revelação muito importante: quem a ajudou foi o Cardeal D. Eugênio Sales. Em fevereiro de 1979, D. Eugênio disse algo que, pasmem, como é que um bispo católico saberia? D. Florinda, nesse momento, estava querendo ir ao Rio de Janeiro, e D. Eugênio a advertiu sobre a presença de policiais argentinos infiltrados aqui no Brasil. 35 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Trecho da carta: “Conforme prometi, mandarei um sacerdote ou uma religiosa esperá-la no aeroporto e conduzi-la a uma casa de freiras. De parte do Brasil, não acredito que exista perigo. Suponho que tenha sua documentação em ordem. Entretanto — isso aqui é importante —, há elementos da polícia argentina aqui. Não se pode provar, mas constatou-se, nos últimos meses, por três ou quatro vezes, essa presença.” D. Eugênio sabia disso. O terceiro e quarto sequestros ocorreram em 1980. Eles apanharam Horácio Domingo Campiglia, então um subcomandante da contraofensiva montonera, junto com Mônica de Binstock. Os dois foram apanhados no aeroporto do Rio de Janeiro. E há um informe do responsável pela segurança da Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, Jaime Brinstom, de que a inteligência argentina sabia da entrada desses dois aqui. A cooperação brasileira foi tão efetiva que o Brasil franqueou o seu espaço aéreo para que uma aeronave argentina, uma C-130, aqui entrasse para capturar e levar o Horácio e a Mônica de volta à Argentina. A última parte. Os dois últimos sequestros também ocorreram em 1980. E aí se pode perguntar: mas por que o argentinos, em 1980, preferiam entrar pelo Brasil? Claro, a ditadura brasileira, em 1980, já não estava no mesmo compasso repressivo das outras. Aqui no Brasil, em 1980, já havia, teoricamente, acabado a censura, já havia a Lei de Anistia, os exilados começavam a voltar. Teoricamente, o Brasil era um território mais seguro para essa passagem dos argentinos por aqui, só que a máquina repressiva do Brasil continuava alerta e como o Brasil já havia exterminado com a resistência, com os militantes de esquerda, não interessava ao Brasil que insurgentes estrangeiros por aqui passassem, porque isso poderia reativar células de esquerda brasileiras já adormecidas. E ao Brasil também interessava muito manter a unidade desse bloco autoritário no Cone Sul, porque o Brasil, desde 1964, foi o grande inspirador dessas ditaduras militares do Cone Sul. Ele foi o preceptor dessas ditaduras, foi aquele que melhor entendeu, que melhor executou a doutrina de segurança nacional, segundo a qual os militares são os mais preparados para reger os destinos de uma Nação. Esses dois últimos sequestros de argentinos montoneros ocorreu entre Paso de Los Libres e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. O primeiro foi do Padre Jorge 36 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Oscar Adur, que estava na Espanha. O Padre Adur era o capelão dos montoneros. Os montoneros tinham uma hierarquia com tenentes, majores e tal, e o Padre Adur havia entrado na Argentina e, ao sair para se encontrar com as mães da Praça de Maio que estavam aqui tentando falar com João Paulo II, embarcou no Ônibus nº 100, da empresa General Urquiza, Placa C881314, em Buenos Aires, sentado na poltrona nº 11, e essa poltrona, de nº 11, era reservada aos suspeitos para averiguação, àqueles que deveriam ser detidos nos cruzamentos fronteiriços. Investigações levadas a cabo por Jair Krischke dão cabo de que “às 22h30min de 26 de junho de 1980, o ônibus em que estava o Padre Adur foi retido no cruzamento Libres-Uruguaiana”. E aí havia a figura dos marcadores montoneros. Marcador argentino equivale ao cachorro brasileiro, é aquele guerrilheiro que foi quebrado pela tortura e resolveu colaborar com a repressão delatando seus companheiros. Então, Padre Adur e mais outros foram retirados do ônibus — mais três. O Padre Adur não embarcou, desapareceu. Nesse mesmo cruzamento, Libres-Uruguaiana, foi sequestrado e desapareceu o estudante universitário Lorenzo Ismael Viñas, 25 anos, tenente montonero. Ele havia embarcado em Santa Fé, em um ônibus da empresa Pluma, também sentava na fatídica poltrona nº 11. Também desapareceu, também pode ter sido vítima de marcadores. Algo que eu gostaria de falar muitos já sabem, claro, mas pode ser uma revelação para alguns, é que, em Libres, a apenas 600 metros das margens do Rio Uruguai — e eu fui lá conferir isso —, havia uma estância de gado chamada La Polaca, que era uma espécie de centro de triagem, de interrogatório inicial e de tortura inicial para todos esses que eram apanhados nesse cruzamento. Essa La Polaca tinha um porão onde, suposta e provavelmente, ficavam os guerrilheiros presos. Depois de ali torturados, eles eram remetidos para os maiores “chupaderos”, os “chupaderos” de sangue que havia dentro da Argentina. Padre Adur e Lorenzo Ismael Viñas, com certeza, foram encaminhados para o Campo de Mayo. Era isso. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Nilson. 37 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Vamos entrar na parte de debates e intervenções do Plenário. Teremos meia hora para isso. Depois faremos um intervalo para o almoço, retornando às 14 horas, para a continuidade do nosso seminário e do enceramento, no final da tarde. Fica aberto. Eu pediria apoio à assessoria da Mesa para as inscrições, já que eu não conheço as pessoas, não sei como faz. Eu preciso de ajuda. A Câmara tem muitos assessores competentes que haverão de me ajudar, porque eu vejo vários braços levantados. A pessoa podia... (Não identificado) - O primeiro sou eu. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - O microfone é móvel. Detectei que ele foi o primeiro a levantar o braço. Não, não, mas olha, o Márcio está diligentemente anotando: Jarbas, Eliete, Acelino. Obrigado, Márcio. Vamos começando. Peço que a pessoa, se ainda não falou no seminário, se , para que todos saibamos e que os Anais registrem. O SR. JARBAS SILVA MARQUES - Jarbas Silva Marques, do Comitê da Memória, Verdade e Justiça do Distrito Federal. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - E peço silêncio ao Plenário. Os depoimentos do plenário são tão importantes quanto os da Mesa. O SR. JARBAS SILVA MARQUES - O Almada saiu, eu iria fazer uma pergunta a ele, mas tem o representante do Paraguai. Até a década de 70... (Pausa.) Vou esperar o Almada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - O Almada está voltando. (Pausa.) Estão inscritos: Jarbas, que está com a palavra, Eliete, Paulo, Amparo, José Bezerra, Beatriz, Waldimiro. Peço de novo apoio à assessoria. Eu não dou conta. Não é mais lógico as pessoas chegarem lá e pedirem para colocar? (Não identificado) - Presidente! Presidente! O SR. JARBAS SILVA MARQUES - O Almada está chegando. 38 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Você era o primeiro e passou para terceiro, e acha muito grave isso? O Jarbas e a Eliete, você é o Paulo. Você foi cassado aqui, é grave, deve ser resquício da Operação Condor. Acelino, está aqui. Vamos lá Jarbas, por favor. O SR. JARBAS SILVA MARQUES - Até a década de 70 tem a presença de genocidas nazistas nos aparatos repressivos da América Latina. A participação de Klaus Barbie na morte de Che Guevara já está documentada. O Paraguai e o Brasil foram esconderijos de genocidas nazistas. Para que se tenha uma ideia da desfaçatez, o Somoza vai, alguns ditadores latino-americanos, vai para o Paraguai, onde há a instalação da Odessa, a organização de proteção aos criminosos nazistas. E, no Brasil, a Volkswagen traz o carniceiro da (ininteligível) e Treblinka, o Franz Stangl, criminalizado pelo Tribunal de Nuremberg, era o chefe de segurança da Volkswagen, e o Mengele veio morrer aqui no Brasil. A você, que historicamente para a humanidade foi quem deu à luz essa riqueza que foi encontrar os documentos que desnudaram a Operação Condor na sua pesquisa, eu pergunto: há um resto da presença de criminosos nazistas nos aparatos repressivos da América Latina, no Paraguai? No Brasil há a presença disso. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Olha, por uma questão de metodologia — nós temos uns oito ou dez inscritos... senão vamos entrar na parte da tarde... —, vamos ouvir primeiro, com a máxima objetividade, todos os que se inscreveram. A Mesa, que fará as considerações finais, anotará inclusive as perguntas mais direcionadas, para que ao final nós encerremos com a palavra da Mesa. Acho que é mais eficiente assim. É possível, não é? Com a palavra a Sra. Eliete. A SRA. ELIETE FERRER - Meu nome é Eliete Ferrer. Eu sou militante do Grupo Tortura Nunca Mais, no Rio de Janeiro, e organizei também este livro aqui, que muitos já conhecem. É um livro com depoimento de cem ex-militantes contra a ditadura, com 170 relatos. 39 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 O que eu quero dizer? Eu quero denunciar que a Operação Condor, antes de ser institucionalizada, em 1966, sequestrou, no Uruguai, um militante do Partido Comunista Brasileiro, Delson Placido Teixeira. Ela sequestrou o Delson em Montevidéu, levou-o para a Argentina, de onde ele foi entregue ao DOPS, no Rio de Janeiro, tudo clandestinamente. Outra ação da Operação Condor, antes de ela ser denunciada: Wilson Barbosa do Nascimento, em 1969, também estava no Uruguai. Ele foi preso em Montevidéu, também clandestinamente, e entregue à polícia brasileira. Eu gostaria só de fazer essas duas denúncias, que estão, aliás, mostradas neste livro, num depoimento dessas duas pessoas. É só isso. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Muito obrigado, Sra. Eliete. Grave. Registrado. Com a palavra o Sr. Acelino, do MDD, Movimento Democracia Direta. O SR. ACELINO - Eu quero, inicialmente, parabenizar os nossos palestrantes. Sei que quem sobreviveu ao Condor... Por isso nossas homenagens também aos que sobreviveram, não só aos que morreram, mas aos que sobreviveram. Quero parabenizar o Prof. Almada por seu trabalho, que é extraordinário, e os nossos palestrantes. Antes de fazer meus comentários, quero dizer apenas que existem quatro pessoas, principalmente brasileiras, que merecem toda a consideração, o respeito e a admiração de todos nós, brasileiros, pela coragem com que enfrentaram o Condor. São elas D. Paulo Evaristo Arns, Jan Rocha, Luiz Eduardo Greenhalgh e Pastor Jaime Wright, que merecem uma salva de palmas pelo que fizeram. (Palmas.) Eles coordenaram a Operação Clamor. Mas também quero revelar aqui uma coisa que nunca foi dita ao mundo. Talvez poucos a conheçam. Eu conheço muito pouco, porque foi o que eu ouvi: existe também uma pessoa, que, tal como as quatro que eu citei, não fez para receber nenhuma homenagem. Pelo contrário, foi assassinado pelo imperialismo, talvez porque tenha contribuído para destruir o Condor. Poucos sabem disto, e muitos conhecem — eu sei porque eu estava lá com ele — uma pessoa chamada 40 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Cel. Muamar Kadafi, que naquele momento montou um grupo para exterminar o Condor. Poucos sabem disso. Por quê? Um companheiro, que tinha sido treinado por ele, um palestino, foi assassinado na Argentina. E hoje o Condor ainda existe. O Condor existe em Lima, na Junta Interamericana de Defesa, e existe nos serviços de inteligência britânico, espanhol, francês, holandês, grego e italiano, com o apoio do Mossad, que mataram Kadafi recentemente. Bom, essa é uma história que vai ser contada num livro que está sendo escrito e que poucas pessoas conhecem. Mas o meu comentário e o que eu queria colocar aqui é que — não me recordo se foi o Prof. Almada ou se foi o Dr. Alfredo Paz —, além do Robert Scherrer, existia o Adido Jurídico chamado Robert Samuelson, da Embaixada dos Estados Unidos, na década de 70, que ocupava um cargo interessante, chamado Adido Jurídico. Esse era o homem da CIA infiltrado no ACNUR. E, naquela época, em 1976, 26 pessoas foram mortas e assassinadas em Buenos Aires, porque a CIA infiltrou um agente dentro do ACNUR para pegar a relação dos exilados que estavam cadastrados dentro do ACNUR. Ora, o ACNUR era uma agência de apoio aos refugiados e era quem tinha os endereços daquelas pessoas. Havia uma lista com 142 nomes, e 26 foram pegos. Os outros 122 escaparam porque esse grupo, montado por Kadafi, conseguiu tirar lá de dentro e destruir a lista de exilados que estavam dentro do ACNUR. A CIA tinha uma operação para buscar a lista e repassar para os serviços de inteligência do Uruguai, do Brasil, da Argentina, etc. Essas ações, aos poucos, vão sendo descobertas e vão sendo divulgadas. Eu gostaria de finalizar colocando que hoje o Condor continua a existir. É preciso abater o Condor de qualquer forma. E, se antes era feito através da censura, hoje ele é feito numa promíscua relação com a mídia de capacete, com a mídia terrorista, que compactua com os assassinatos praticados por eles, principalmente pela ação da CIA, com as prisões clandestinas que continuam a existir por aí. Eu queria só fazer esse comentário e acrescentar esses dados, que, posteriormente, em conversas mais pessoais, eu vou tentar divulgar e dizer por que é preciso, neste momento, que a gente também faça justiça a uma pessoa que 41 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 montou um comando para enfrentar o Condor, que foi o Coronel Kadafi. E para que a curiosidade das pessoas não fique ardendo muito, quero dizer que eu morava com ele e fui membro de sua guarda pessoal durante algum tempo. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Sr. Acelino. Com a palavra o Sr. Paulo. O SR. PAULO - A prisão de Edmur Péricles Camargo pela polícia argentina, em 1971, comprova que os aparelhos repressivos já mantinham cooperação entre si antes da oficialização da Operação Condor, montada no início de 1960. A Operação Condor resultou — eu queria fazer um parêntese aqui. A companheira jornalista chilena Mônica, fez ontem um comentário sobre a similaridade entre a crueldade e a operacionalidade da Operação Condor aqui na região do Cone Sul e a do holocausto. Coincidentemente, os dados que foram agora apresentados confirmam toda essa similaridade, agregados aos da experiência de meu pai, judeu romeno, que teve toda a sua família exterminada pelo holocausto, tendo restado só um sobrevivente. Para se ter uma ideia da dimensão genocida da Operação Condor, capitaneada, coordenada pelos Estados Unidos da América do Norte — e para mim isso tem sido muito pouco frisado —, os crimes de terrorismo de Estado praticados no Cone Sul... Num processo de busca da memória, da verdade e da justiça, principalmente da justiça, a justiça será feita pela metade se os Estados do Cone Sul não responderem, enquanto Estados, ao mundo pelo que fizeram e principalmente pelo peso da responsabilidade de todo esse genocídio. Os Estados Unidos da América, que outorgam a si próprios a condição de civilização mais avançada da humanidade, dão demonstração do contrário. A Operação Condor resultou aproximadamente em 400 mil torturados e 100 mil assassinados. Os crimes de terrorismo de Estado aconteceram sob a sua coordenação. Todos os crimes de terrorismo de Estado foram praticados, durante as ditaduras militares no Cone Sul, sob a tutela e coordenação dos Estados Unidos da América do Norte, considerados o “Príncipe da Democracia” — entre aspas. Nós temos por obrigação entender coisas pontuais e importantes para o sucesso da luta latino-americana e brasileira. Primeiro, a mobilização mais ampla e efetiva da 42 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 opinião pública. Segundo, o afastamento de COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 torturadores, assassinos e colaboradores de postos privilegiados, que lhes garantem, atualmente, no Governo brasileiro, uma posição que lhes possibilita a impunidade. A questão também da revisão da Lei da Anistia é fundamental, e nós só vamos conseguir isso se dermos a esses crimes uma dimensão internacional. Quando o companheiro Jarbas fala do refúgio de nazistas no Brasil, isso demonstra a dimensão de crimes muito maiores, de lesa-humanidade. A dimensão se assemelha muito ao que levou ao julgamento de Nuremberg. Além da propositura do companheiro paraguaio Almada de criação de um tribunal ético latino-americano, proponho que esse tribunal ético provoque também a instalação de um tribunal internacional nos moldes de Nuremberg, porque as atrocidades cometidas não deixam nada a desejar às daquele momento histórico. Quero proceder, se vocês me permitirem, à leitura de uma mensagem. Aproveito a oportunidade para enviar saudações a essa família que, para mim, merece uma homenagem por sua coragem em resistir à Operação Condor. Falo da Família Cerveira, do Major Joaquim Pires Cerveira. A companheira Neusah Cerveira envia saudações ao companheiro Almada, que foi seu companheiro de pesquisa sobre a Operação Condor, e também me pede que leia a seguinte mensagem, passada ontem por telefone: “Pode ser que alguns queiram dar um enterro cristão aos seus mortos. Eu prefiro lutar pelo como e pelo onde e punir os responsáveis. E não foram só os militares que cometeram crimes. Também devem ser incluídos os empresários que pagavam pela tortura no nosso País, que financiavam os estudos dos filhos desses militares no estrangeiro. Eles têm que pagar pela tortura, pela pilhagem, pelos assassinatos. Eu, particularmente, fui contra essa anistia, mas fui voto vencido. O meu pai não foi um criminoso e também não suporto me chamarem de vítima, pois não sou. Sou filha de um lutador que estava convicto de sua luta e do que poderia sofrer. Os torturadores, assassinos e seus comparsas, sim, 43 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 cometeram crimes contra a humanidade, e não considero que vivo numa democracia e não vou me acovardar por isso. Por isso, eu sigo lutando, pesquisando e apresentando estudos. Isso para fazer justiça. Se um criminoso está hoje com 78 anos, ele deve morrer na cadeia. Por que ele merece anistia, sendo que há pessoas também com 78 anos que lutaram e não têm direito à justiça e continuam perseguidos até hoje? Acredito que isso é, no mínimo, pelo que devemos lutar, pois o povo só terá mesmo a sua plena justiça quando contar com a vanguarda experimentada que a conduza a uma nova sociedade. Lágrimas não comovem carrascos. O caminho é a luta. Neusah Cerveira.” (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Sr. Paulo. O pedido aqui da Mesa, dos nossos companheiros do Paraguai, é no sentido de que não falem tão rápido. E o pedido do coordenador da Mesa é no sentido de que não falem demais. Com a palavra a Sra. Amparo. A SRA. AMPARO ARAÚJO - Meu nome é Amparo Araújo, sou Secretária de Direitos Humanos e Segurança Cidadã, da Prefeitura do Recife. Em função disso, eu participo da Rede Mercocidades, sendo a Vice-Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Rede Mercocidades. Nós nos reunimos, na semana que passou, em El Alto, na Bolívia, numa reunião extraordinária da Comissão, em que analisamos a situação do golpe parlamentar do Paraguai. Tiramos uma carta que a Rede Mercocidades já divulgou, e a Comissão de Direitos Humanos registrou também outra carta. A preocupação é com relação aos arquivos do Paraguai. Nós estivemos lá em novembro, inclusive visitando as escavações, onde foram 44 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 encontrados, no dia 26 de outubro ou de novembro, se não me engano, restos mortais de militantes desaparecidos. Eu vim aqui com a delegação da Coordenadora da Comissão, a companheira Antonela, da cidade de Morón, colocar a Comissão de Direitos Humanos da Rede Mercocidades à disposição desta Comissão e deste fórum, que está acontecendo aqui hoje, para que a gente possa caminhar de forma integrada e compartilhar a preocupação que o companheiro Paulo Abrão expressou nesta Comissão ontem, que são as sucessivas tentativas de desestabilizar o processo de democratização pelo qual nosso continente vem passando. A Bolívia está vivendo um processo riquíssimo de participação popular, mas a situação é muito instável porque os grupos de direita se infiltram nos movimentos sociais para desestabilizar o governo do companheiro Evo Morales. Também queremos expressar que estamos muito satisfeitos com a entrada da Venezuela no MERCOSUL — isso também está na nossa carta, que saiu de El Alto. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Sra. Amparo. Com a palavra o Sr. José Bezerra. (Pausa.) Não está mais? O SR. JOSÉ BEZERRA DA SILVA - Meu nome é José Bezerra da Silva, senhoras e senhores, bom dia, boa tarde. Sou José Bezerra da Silva, falando pela ASSMAN e a Associação das Praças da Aeronáutica perseguidos durante a ditadura militar e a Operação Condor. Quero agradecer neste momento a todos os senhores, agradecer às autoridades presentes de todos os países, agradecer à Mesa e ao Presidente Chico Alencar e à nossa Deputada Erundina, que luta intensamente em defesa dos militares vítimas da ditadura militar neste País. Os militares foram os primeiros a serem vítimas da Operação Condor e vítimas dos tiranos que aplicaram o golpe de 1964. Aqueles militares que eram contra o golpe foram colocados na rua, perderam seus empregos e muitos foram presos, severamente torturados e banidos do País. Para ser mais preciso, nós temos aqui o Capitão Wilson, que nos honra com sua presença e, durante um bom 45 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 período, ficou fora do País e sofreu as agruras da ditadura, nas quais não vou adentrar. Quero também dizer que, no Brasil, a Operação Condor está, sim, viva; viva e atuando. Ela se reúne. E se reúne principalmente no Rio de Janeiro para tramar maracutaias — desculpem-me os termos — e tramoias para aliciar autoridades do nosso Judiciário e políticos com presentes e viagens, para que estes defendam ou protejam seus interesses escusos. Ela alicia juízes, sim; com medalhas e presentes, sim, para que estes revoguem suas sentenças ou para que julguem de maneira omissa e de braços algemados, desrespeitando as leis, pois, no Brasil, o que mais temos é a Lei da Anistia, embora não a cumpramos. Não se cumpre a Lei da Anistia desde 1979, quando foi dito que os militares anistiados voltariam para os seus quartéis e ocupariam suas devidas funções. Não conheço um que tenha retornado. A Anistia foi pecaminosa, perversa, cruel. Hoje temos aproximadamente — e vou dar o número por alto — na Marinha, no máximo, 800 anistiados. A Marinha perseguiu, matou, prendeu militares nos quatro cantos do País. Oitocentos militares é uma vergonha! O restante está passando fome e miséria nas cidades, nos Estados. No Exército nós temos pouco mais, ou até menos, de 400 militares anistiados. É uma vergonha! E na Aeronáutica nós tínhamos 2.900 anistiados até o ano de 2003, com a anistia praticada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Quando foi em março de 2003, o Brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno lançou um requerimento para a Comissão de Anistia, que se tornou omissa, e, numa canetada, determinou que o Ministro da Justiça suspendesse 495 anistias políticas, cujas viúvas estão doentes, os maridos, muitos já morreram, e as filhas não recebem as suas pensões. Pouco a seguir, outra perseguição contra os militares da Aeronáutica foi através da Portaria nº 134, do Ministro da Justiça, a mando do Brigadeiro atual, Brigadeiro Juniti Saito, para suspender mais 900 anistias concedidas em 2002. Estas 700 somaram-se às 495. Restou aí pouco mais de 2.248. E agora, recentemente, anteontem, segunda-feira, foram suspensas outras. O Brigadeiro Juniti Saito agora determinou que as 2.228 fossem canceladas. E o Ministro da Justiça, competente que é para determinar a anistia, cumprir e fazer 46 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 cumprir a anistia, se omite e não recebe os anistiados políticos que o procuram desde o primeiro e o segundo dia de sua posse. Quero dizer também que neste País desrespeitado, onde o Ministério da Defesa provoca uma interferência sobre todos os Ministérios, o Parlamento, com dificuldade, se arrasta, com todo o respeito, com pessoas nobres, como Chico Alencar, como Erundina, como Chico Valente, como Faria de Sá, como Daniel Almeida e mais outros. Porque a prova é que nem sequer a Presidência desta Casa estava presente ontem. E não foi por falta de convite. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Chico Maia, receba os meus apreços, o meu cumprimento, em nome dos anistiados políticos militares que eu represento, que são alguns da Aeronáutica, e digo as associações, a ASSMAN e também a ASPARN, do Rio Grande do Norte. O Parlamento faz leis. E já foi dito que tem lei que pega e tem lei que não pega. Sabe por que o Brasil é o último a fazer a Operação Condor, que um palestrante perguntou aqui, sabe por que esse é o primeiro encontro da Operação Condor? É porque o Brasil tem medo de fazer a justiça, a verdade e praticar a anistia política. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, José. O Presidente da Casa é o Marco Maia, não é o Chico. Nunca será. Beatriz Bissio. A SRA. BEATRIZ BISSIO - Obrigada. Bom dia a todos. Meu nome é Beatriz Bissio. Eu sou atualmente professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fui da equipe fundadora e, finalmente, com o passar dos anos, diretora da revista Cadernos do Terceiro Mundo, uma criação de um Deputado que foi membro desta Casa por longo tempo, Deputado Neiva Moreira, e que também deu seu humilde aporte a essa grande empreitada de não permitir que toda essa situação permanecesse oculta da opinião pública. O que eu queria trazer como uma reflexão para o plenário, a partir de parabenizar, naturalmente, pela iniciativa — eu sou uruguaio-brasileira, tenho a honra de ter essas duas pátrias —, é uma reflexão sobre o que ficou, pelo menos 47 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 para mim, como um resumo de todas essas mensagens que essas brilhantes Mesas nos deixam: o fato de que não somente a Operação Condor não terminou — há depoimentos aí de o quanto ela ainda está presente —, mas também o quanto as nossas democracias continuam frágeis, inclusive na não possibilidade de apurar essas situações, por uma herança que não foi desmontada, uma herança que ainda está aí. Ou seja, nós estamos, às vezes, muito mais confiantes nas nossas democracias, na possibilidade de mantê-las, do que uma leitura mais objetiva nos permitiria estar. E aí está o caso do Paraguai. E essa questão, eu quero, então, atrelar à minha proposta, que é a seguinte: a partir dessa fragilidade das nossas democracias, da contínua impunidade, que não somente é dos que torturaram, mas também dos corruptos, de tudo aquilo que hoje faz da vida pública um descrédito, está levando — eu como professora posso dizer isso —, a um descrédito nos jovens da política, uma descrença da política. E isso faz parte, também, da herança das ditaduras. O fato de que nós não possamos fazer uma democracia mais profunda leva ao descrédito da própria democracia. A minha proposta, então, seria em dois sentidos. Primeiro, já que também faço minhas as preocupações que têm sido levantadas por vários, aqui — Mônica ontem perguntou por que não conseguimos fazer do nosso holocausto aquilo que a comunidade judaica consegue, que é não permitir que isso fique oculto, que se perca essa memória —, eu quero propor que o dia em que foram descobertos os arquivos do terror, 22 de dezembro, não é, Almada, seja declarado por nós, aqui, e levada essa proposta, como o Dia da Memória nos nossos países, com o seguinte sentido: um dia em que, em cada um dos nossos âmbitos, na universidade, quem está na universidade, no sindicato, quem está no sindicato, aqui no Parlamento, quem está no Parlamento, promovamos a reflexão sobre o que isso significou e o que ainda representa. Seria uma forma de começar a perenizar pelo menos um dia no ano, uma obrigatoriedade de voltar a trabalhar nos temas que esse seminário, com tanto brilhantismo, colocou. E, da mesma forma, e aí um pouco pela minha experiência na área, da época do jornalismo, proponho que seja a Comissão Parlamentar de Direitos Humanos a criar um prêmio da memória, um prêmio no duplo sentido: um prêmio de jornalismo, para premiar anualmente aqueles trabalhos de mídia que tenham colocado questões 48 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 relativas aos temas da memória, ao tema da Operação Condor, das nossas ditaduras, do que ainda não conseguimos levantar da herança das ditaduras, e um prêmio acadêmico, as teses, monografias, dissertações, que nossos jovens possam dedicar a esse tema. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Beatriz. Ana Lúcia, nossa penúltima participante desta manhã. A SRA. ANA LÚCIA - Bom dia a todos. Eu sou Ana Lúcia, eu sou advogada, sou da Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo, e advogada, também, do grupo de ex-militantes da Convergência Socialista. Eu me inscrevo para tentar fazer algumas colocações, trazendo um pouco mais o debate de ontem. Vários dos expositores colocaram ontem o objetivo da Operação Condor como um objetivo de um plano socioeconômico em todos os países da América Latina. E que isso se deu, principalmente na Argentina e em alguns outros países, com a prisão de representantes sindicais. E aqui, hoje, a gente está colocando como centro as atrocidades cometidas até a década de 80, principalmente o sequestro e morte de militantes. É justo que se faça isso, porque muitos perderam a vida. Mas no Brasil o movimento sindical se intensifica a partir do final da década de 70 e no início da década de 80, com a criação da Central Única dos Trabalhadores. Muitos já colocaram aqui o papel que tiveram os empresários na Operação Condor. Então, eu quero fazer esse resgate, porque, entre os militantes da exConvergência Socialista estão alguns argentinos presos no Brasil pela Operação Condor por policiais argentinos no País e também por militantes sindicais presos no Paraguai por agentes brasileiros que organizavam o sindicato na construção de Itaipu. Acho necessário que, dentre as propostas colocadas aqui, a gente tenha um mapeamento para publicizar esses agentes da Operação Condor que ainda estão trabalhando nas empresas, no nosso País, como parte da divulgação do que está sendo colocado e proposto aqui. Essas são as minhas considerações. 49 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Ana Lúcia. Seguindo, o nosso penúltimo participante é o Waldimiro de Souza. O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Quero saudar porque tem um negro e historiador presidindo, Chico Alencar. O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado. O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Este é um país racista, perverso. Como disse Milton Santos, na sua obra, o pensamento latino-americano favoreceu, fortificou todo esse processo violentador dos direitos humanos indígenas, contra a população negra no continente americano. Não foram só os americanos, mas toda uma produção cultural, jornalística, científica e mais os 30 maiores bancos que comandam as contas secretas, comandadas pelo G8 e mais a Suíça. Essa é a maior perversidade que comanda toda a repressão mundial. Tem, aí, uma conexão mundial com as chamadas ordens secretas iniciáticas, que tentaram 300 assassinatos comigo. Mas eu estou vivo! Estou dizendo a essas ordens iniciáticas mundiais que eu estou vivo! Porque o poder que eles têm... Desculpem-me, mas estou desabafando aqui numa plateia do Condor. Estou vivo, com todas as suas experiências que não aparecem e que tem uma prática de assassinato no mundo inteiro. Os Parlamentos não sabem que a maioria da chamada estrutura intelectual está a serviço disso, inclusive o jornalismo. As pessoas, às vezes não se sentem úteis porque não conhecem essa estratégia. Estamos diante de dois médicos que são obrigados a conhecer isso devido às suas profissões. Da mesma forma, Chico Alencar, como historiador, é obrigado a mergulhar nisso para saber como funciona. O nosso blog é onegronobrasil1980, uma proposta dos negros de 79. O Senador Itamar Franco fez um pronunciamento que foi o início da libertação do Mandela. Você vê, quando o Parlamento é usado por um dos seus membros para uma coisa boa tem repercussão mundial. Às vezes, a maioria dos Srs. Deputados e Senadores nem sabem qual é a função do Parlamento. Peguem os Anais do 50 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Congresso, aqui, que vocês verão mais besteira do que trabalho eficiente do Estado republicano e da representatividade. Quero dar os parabéns à Eco (ininteligível), porque os diretores da ONU usaram alguns dos nossos trabalhos que estão no blog. Pelo menos, isso está provocando uma consciência mundial. Não é um trabalho nosso, é um trabalho coletivo. Sou do Partido Socialista, juntamente com a Erundina. Sou o mais velho do partido hoje, mas eles me tratam com brincadeira, porque eu levo essas questões para o partido. O partido ainda não quis tratar de coisa séria. Eu encontrei um amigo meu tratando de um projeto de Carnaúba, no Nordeste, que dá 150 empregos. No Ministério da Ciência e Tecnologia, ninguém sabia de inovação. Eu tomei um susto quando vi o nosso companheiro Rezende, o Governador, e o Amaral, Ministro, nem o Ciência e Tecnologia. Meu Deus, se o Ciência e Tecnologia não trata da inteligência de produzir, como vamos ter solução na emoção? Procurem os médicos, que eles sabem disso. Chico Alencar, você, que é negão, como eu, tem a obrigação como historiador de aprofundar essas questões no Parlamento e de levar essa discussão. Estou propondo um seminário mundial da obra de Milton Santos no Congresso. A UNB me propôs ajudar. Havia um médico lá, o Dr. Fernando, que é um especialista em gestão. E eu descobri que a corrupção na Medicina está no software, numa linguagem, que leva o domínio de não levar essa saúde para o povo. Essa questão da repressão é muito mais profunda. É uma questão de estratégia da inteligência, que usa os militares, porque têm uma estrutura organizada. Os caras levam para a emoção e são capazes de fazer o inimaginável. E a gente fica discutindo mesmice. Eu peço a atenção desse grupo seleto. vamos aprofundar nas questões da essência da vida humana. Foi descoberta a partícula de Deus. Diz o cientista, não sei se é verdade. Mas isso está ai. As pessoas vão com a emoção do Corinthians. E isso não resolve nada. Nós precisamos ter pessoas com objetividade da inteligência humana por excelência. Eu acredito no ser humano que é capaz de assumir a sua questão independente de raça, de credo etc. Mas eu quero fazer homenagem a duas pessoas. 51 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Para concluir. O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Foi divulgado, no Brasil, mas pouca gente percebeu. Eliana Calmon disse que há bandido na Justiça brasileira, nessa prática bacharelesca de advogados que estão a serviço do crime organizado. E, mais ainda, o Frei Betto, que levou um grupo de negros para ficar acorrentado no Palácio do Planalto, na semana passada, e ficou na rua. Só que a imprensa brasileira não apurou nada, porque os negros ainda estão sendo violentados nos seus direitos humanos neste País, no continente e no mundo. Precisamos da atenção do Parlamento, da inteligência humana para tratar todo ser humano como igual. Parabéns, meu negão, Presidente desta Assembleia, Chico Alencar. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Waldimiro. Para encerrar, Gerson de Lima, que tem uma denúncia gravíssima a fazer. O SR. GERSON LIMA - Bom, meu nome é Gerson Lima. Eu sou da Liga Operária de Minas Gerais. A Liga Operária é uma organização de defesa dos interesses econômicos dos trabalhadores. Nós estamos aqui para fazer um breve relato das torturas, prisões e humilhações que estão sofrendo os trabalhadores nas obras do PAC, particularmente na usina hidrelétrica de Jirau. Eu pediria até que ficasse de pé o operário Raimundo Braga da Cruz Souza. Esse trabalhador de 22 anos, proveniente do Piauí, ficou preso durante 54 dias em Jirau, Rondônia. Ele foi preso dentro do canteiro de obras; foi torturado, durante a madrugada do dia 2 para o dia 3, de 2 horas da madrugada até as 6h30 da manhã. De lá, foi levado para a delegacia de Nova Mutum e, depois, diretamente, para o presídio de Urso Branco. Aqui há várias entidades de direitos humanos. Inclusive, esse presídio foi condenado pela Corte Interamericana devido às torturas que são praticadas. Esse companheiro foi torturado; ficou numa cela de tortura durante 15 dias e, depois, passou também por outras celas de triagem, que são, da mesma forma, de tortura. 52 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Ao final dos 54 dias, ele foi julgado — ele já estava no presídio sem julgamento —, e foi absolvido por absoluta improcedência da acusação. Ele tinha sido acusado de atear fogo nos alojamentos da empresa. E há dois trabalhadores, que são da comissão de greve, da comissão de negociação, que estão presos: os companheiros Jonatas Lima Carvalho e Carlos Moises Maia da Silva que se encontram presos há mais de 90 dias pelo único crime, segundo o sistema, de fazer greve. Foram 24 trabalhadores processados, e outros 12 estão desaparecidos. Eles não são encontrados, nem no presídio, nem na obra, nem em suas regiões de moradia. O que estamos vendo nas obras do PAC é aliciamento de pessoas, trabalho escravo. Hoje na obra de Jirau há uma delegacia instalada dentro do canteiro de obras. A Força Nacional, que reprimiu com crueldade a greve, permanece dentro do canteiro de obras junto com a Força Especial da Polícia de Rondônia, a COE, a Companhia de Operações Especiais e a Camargo Corrêa, uma empresa que foi financiadora do regime militar, também financiou a Operação Condor e continua fazendo essas atrocidades. Inclusive, a CPMI do Cachoeira, que está apurando crimes da construtora Delta, se for apurar os crimes das grandes construtoras, como a Camargo Corrêa, a Odebrecht, a OAS, e outras, isso é apenas a ponta do iceberg. A construtora Delta é apenas fichinha perto dessas grandes empreiteiras, que usam e abusam, porque elas são as maiores financiadoras inclusive da própria eleição presidencial. A Presidente Dilma recebeu só da Camargo Corrêa mais de 9 milhões de reais. Então, é uma situação de muito abuso. Nós estamos aqui com uma petição pública, que encaminhamos à Comissão de Direitos Humanos, aqui, da Câmara. Estamos também encaminhando-a à Comissão de Direitos Humanos do Senado. E queríamos pedir o apoio das entidades internacionais que aqui estão, também das entidades nacionais, no sentido de fazermos um grande movimento pela libertação desses operários que estão presos por fazer greve, desses operários que estão desaparecidos e contra a tortura que continua em nosso País. Inclusive, nós recebemos uma denúncia de que, no dia 2, 22 camponeses também foram presos, em Rondônia, envolvidos com a luta pela terra. 53 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 São inúmeros os assassinatos que acontecem no campo todo o dia no nosso País. Muitos deles ficam escondidos, porque acontecem nos rincões da nossa pátria. Como também, agora, assistimos, no Paraguai, a 12 camponeses assassinados, um operativo desastroso da polícia em que morreram inclusive 7 policiais. Então, essa é a situação que vivemos na América Latina. Nós acreditamos que operações, como a Operação Condor, a violência, a tortura, a humilhação dos trabalhadores e dos lutadores sociais, longe de ter acabado, longe de ser uma página do passado, estão, infelizmente, mais presentes do que nunca. E cabe a nós, entidades que lutamos, à classe operária, aos camponeses pobres da nossa América Latina, levantar uma grande luta em torno de uma verdadeira democracia em nosso País, coisa que, infelizmente, ainda não existe. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Gerson. A função da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados é apurar todas essas situações gravíssimas e atualíssimas, infelizmente. Bom, nós vamos entrar na etapa final desta Mesa, dos trabalhos desta manhã, já com razoável atraso, oferecendo a palavra aos nossos palestrantes para que abordem questões que entenderem pertinentes, começando pelo Dr. Martin Almada. O SR. MARTÍN ALMADA - Eu vim à Câmara dos Deputados em várias oportunidades, mas penso que este é o evento mais produtivo, onde houve mais chuva de ideias de onde se abriu o coração. Eu me sinto muito feliz e muito contente. Para vocês, minhas felicitações. Aqui, Brasília abriu o seu coração. A propósito da pergunta do amigo Jarbas, eu quero dizer que Stroessner, efetivamente, recorreu a todos os nazis. Isso foi o que encontramos nos Arquivos do Terror no Paraguai. Duas coisas separadas são importantes, primeiro, a repressão no Paraguai sob os anarquistas, os comunistas, os socialistas e, depois, a nós os subversivos. Por outra parte, está o tráfico de armas e a conexão nazi. 54 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 No Paraguai, chegou, de acordo com os arquivos, o Mengele e tomou a nacionalidade paraguaia, mas não ficou no Paraguai. Quem ficou no Paraguai foi Martin Bormann, o braço direito de Hitler e morreu no Paraguai, segundo os arquivos. Em relação à sua pergunta Odessa, no Paraguai, funcionou, ou funcionava, uma financeira que se chamava Urundey, que funcionava como uma financeira normal, mas, na verdade, servia para proteger os membros da Operação Condor. Quem era o presidente dessa empresa financeira? Um brasileiro, Carlos Barbieri Filho, e o vice-presidente era Antonio Campos Allum, o chefe da repressão no Paraguai. Quando caiu a ditadura, Carlos Barbieri Filho saiu do Paraguai e foi para Miami, onde hoje ele é protegido pelos cubanos. Antonio Campos Allum, mais ou menos há 6 meses, faleceu. Quanto ao financiamento da Operação Condor, em 1977, houve um problema com os Estados Unidos, e Carter resolveu retirar a CIA, então entrou a seita Moon. A seita Moon, juntamente com uma liga anticomunista, continuou a financiar o trabalho dessa empresa financeira. Isso para responder ao amigo Jarbas. Por outro lado, eu também gostaria de destacar que está sendo feito um trabalho muito importante sobre a Operação Condor em Itaipu pelo grande e querido amigo Aluízio Palmar. Esse trabalho é muito importante. Precisamos saber o que está acontecendo em Itaipu. E precisamos também saber, Srs. Deputados argentinos, o que aconteceu também em Itaipu em relação à Operação Condor. Por outra parte, eu também estou preocupado, porque o Brasil é o País que, até hoje, envia jovens oficiais à “Escola de Assassinos”. Nós soubemos, através da imprensa que, semana passada, o Presidente do Equador decidiu cortar o envio de oficiais à “Escola de Assassinos”, no Fort Beninng, no Estado da Geórgia. Por que enviar jovens oficiais para se formarem em técnicas de tortura hoje, quando vivemos na democracia? Uma vez que estamos em um Parlamento, eu gostaria de perguntar à Comissão Parlamentar Brasileira — e de pedir à Comissão de Defesa deste Parlamento que investigue essa questão — por que o Brasil continua enviando religiosamente suas tropas ao Fort Beninng. 55 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 Para finalizar, estou totalmente de acordo com a amiga uruguaio-brasileira que propôs a este Congresso a declaração do Dia da Memória. Como eu disse inicialmente a memória é um espaço de luta política, para que nós não nos esqueçamos do que aconteceu no Paraguai. Por que o Lugo perdeu seu cargo? Simplesmente porque ele queria aplicar impostos à exportação de soja e de carne. O que Lugo queria era fiscalizar a pulverização tóxica na produção das sementes transgênicas. Lugo foi deposto por sua empatia a Hugo Chávez. E, agora, acabam de me comunicar que o Paraguai, o novo governo paraguaio, acabou sua relação com a Venezuela. Recebi a informação há 10 minutos. Por que Lugo foi destituído? Pela crescente organização dos camponeses, pelo acesso do povo aos novos meios de comunicação. A grande e crescente pressão popular para que a democracia representativa seja ampliada e que seja aplicada uma democracia participativa. Então, essas foram as razões que deram o golpe no Paraguai. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Gracias, Martin. Concedo a palavra a Alfredo Paz. Antes, quero dizer que veio uma mensagem da Itália do Walter Castilla, que pediu para comunicar a todos os participantes que a família do guerrilheiro Joca está seguindo todo o debate na esperança de verdade e justiça. Manda também lá da Itália um imenso obrigado a todos pelo trabalho que está sendo feito aqui. Parabéns! (Palmas.) O seminário é internacional. Alfredo Paz, por favor. O SR. ALFREDO BOCCIA PAZ - Eu só quero colocar uma coisa sobre aquilo que foi falado pela companheira uruguaia: a impunidade. Todos os nossos países, todos os da região, passaram pela mesma experiência de voltar à democracia depois de um período mais curto ou mais longo de uma transição à democracia. Isso serviu para preparar o caminho da impunidade dos últimos governantes da etapa ditatorial. Ontem falaram das leis de anistia no Chile, na Argentina, no Uruguai, no Brasil e na Bolívia. 56 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 O Paraguai não precisou de lei de anistia, porque o mesmo partido que havia apoiado o ditador Stroessner continuou no poder por muito tempo. Mesmo que nós tenhamos encontrado os arquivos do terror, tardamos 15 anos para convencer o Parlamento de que era preciso fazer uma Comissão de Verdade e Justiça. Se alguma coisa se demonstrou nessa luta dos povos latino-americanos para vencer a rede de impunidade, foi a veracidade daquela frase de Eduardo Galeano, que dizia que “a memória é uma arma de longa duração”. Primeiro, os sobreviventes, depois os familiares dos mortos e desparecidos, os ativistas de direitos humanos, as organizações e a cidadania foram conquistando sinais simbólicos na luta pela restauração da verdade, da justiça e da reparação. Conseguiram avanços pequenos, às vezes, mas sempre importantes ao longo dos anos. Aqui eu quero colocar duas ou três coisas que são muito importantes. A primeira é o que dizia o argentino Daniel ontem: a importância de que a justiça seja protagonista nessas lutas, que, se não mais lentas, são menos efetivas e mais simbólicas. Há outros componentes que eu acho fundamentais. O Condor foi um empreendimento transnacional. O reencontro com a memória também deve sê-lo. É uma luta que também deve ser como o Condor, sem Fronteiras, mas essa luta, mesmo com o apoio forte ou não da justiça, mesmo com a possibilidade de fazer algum elemento latino-americano de justiça e de memória, precisa ainda de um terceiro elemento, que é fundamental: deve ser aberto à cidadania. Sem esta, nossos esforços servirão pouco. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Alfredo. Passo a palavra ao Luiz Cláudio. O SR. LUIZ CLAÚDIO CUNHA - Eu vou tentar responder a uma pergunta que eu recebi de uma pessoa que não se identificou. Ela perguntou: “Onde estão a biblioteca e os arquivos do General Golbery do Couto e Silva, porque não está no relatório”. Não entendi qual é o relatório. “Se era ele quem mandava no País na época”, pergunta. O Golbery produziu um vasto arquivo sobre o Governo Geisel, do qual ele foi Secretário particular; depois foi Ministro do Gabinete Civil do Governo Figueiredo, 57 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 até se demitir após o atentado do Riocentro. Todo esse material foi coligido e juntado pelo Secretário particular do Geisel, que era o Heitor Ferreira. Todo esse material foi entregue a um jornalista de relações fortes com os dois, que era o Elio Gaspari. Com base nesse documento, o Elio Gaspari produziu uma tetralogia, quatro volumes de uma preciosa avaliação da ditadura, que tem muito o viés do Golbery e do Geisel, que eram nomeados como o sacerdote e o feiticeiro. Eu não saberia dizer se esse material ainda está nas mãos do Elio Gaspari. O que eu imagino, até num País que acaba de aprovar a Lei de Acesso à Informação, é que esse material, que rendeu essa produção literária de tanto valor para a história brasileira, seja agora entregue a alguma instituição acadêmica ou uma universidade, para que seja disponibilizado para a investigação de outros pesquisadores, com outro tipo de visão, que possa permitir uma avaliação diferente talvez da que o Gaspari teve desse material. Eu acho fundamental que todos nós tenhamos acesso a todos os documentos. Eu queria até exaltar aqui — não está mais aqui presente entre nós — o Aluizio Palmar, bravo jornalista do... (Não identificado) - Posso completar a sua informação? O material todo se encontra na Fundação Getúlio Vargas. Desculpe a interrupção. O SR. LUIZ CLÁUDIO CUNHA - Ah! Pois não. Então, isso daí é uma belíssima informação, que atualiza isso, porque, a partir de agora, qualquer pesquisador, acessando a Fundação Getúlio Vargas, terá as condições de avaliar o material que o Elio avaliou, quando foi entregue a ele em confiança. Eu falava do Aluizio Palmar, o repórter na época de O Globo, naquela região de Foz de Iguaçu, que tem um livro importantíssimo sobre a Condor do Brasil, Paraguai e Argentina. Ele relata, com muita riqueza de detalhes, as ações das três ditaduras naquela região da tríplice fronteira. O Aluizio acaba de disponibilizar todo o material que ele tem na Internet. Ele entregou todos os arquivos. Então, você consegue acessar documentos, fotos, documentos escaneados. Eu acho que essa é a obrigação que todos nós temos, jornalistas, eventualmente colaboradores da repressão, gente que participou do lado da ditadura, gente que combateu a ditadura, porque é através da disponibilização e da democratização do acesso desses documentos que a gente vai conseguir resgatar a memória nacional. Obrigado. (Palmas.) 58 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1036/12 COM REDAÇÃO FINAL 05/07/2012 O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Obrigado, Luiz Cláudio. Por fim, para fechar a Mesa da manhã, o Nilson Mariano. O SR. NILSON MARIANO - Eu espero, de alguma maneira, ter sido útil. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Chico Alencar) - Útil e sintético. (Risos.) Doze e cinquenta e dois. Fica mantida a tentativa de retomar às 14h, realisticamente às 14h15min, com a presença na 1ª Mesa, penúltima neste Seminário, do Antônio Campos, Marco Antônio Barbosa e Jair Krischke. Obrigado. Bom apetite. Vamos à luta! (Palmas.) 59