Aula do Professor Alexandre Pinheiro – Crimes Contra o Mercado

Transcrição

Aula do Professor Alexandre Pinheiro – Crimes Contra o Mercado
Direito Penal Econômico
2014
VIII Curso de Pós-graduação
IBCCRIM/Universidade de Coimbra
Crimes contra o Mercado de
Capitais
Alexandre Pinheiro dos Santos
Crimes contra o Mercado de Capitais
”Executivos e sócios da (...), do RS, lucraram na Bolsa (...) com
informações privilegiadas sobre sociedade com (...) grupo norteamericano (...) .
A Justiça Federal de São Paulo abriu a segunda ação penal pelo crime
de insider trading (uso de informações privilegiadas para lucrar no
mercado de ações). Serão processadas seis pessoas, então sócias e
diretoras da (...), de Caxias do Sul (...).
Os seis são acusados de adquirirem 754 mil ações da (...) e de outra
empresa do grupo (...) entre 05 de junho de 2002 e 19 de julho de
2002, cerca de dois meses antes de anunciarem a entrada da empresa
(...) como sócia do grupo brasileiro, o que só foi a público por meio de
fato relevante publicado em 15 de agosto de 2002. Na época em que
adquiriram as ações (...) os acusados já sabiam da sociedade com os
americanos.
As ações foram adquiridas, segundo processo administrativo aberto
pela Comissão de Valores Mobiliários (...) concluído em 2004 e que
resultou em multas (...), por R$ 538 mil, e obtiveram valorização de
120% nos 12 meses após a entrada da (...) no grupo (...).” *
*
http://www.prsp.mpf.gov.br/sala-de-imprensa/noticias_prsp/18-02-10-segunda-acaopenal-de-insider-trading-e-aberta-pela-justica-federal-de-sao-paulo
I - Introdução
O princípio central da regulação e da fiscalização dos emissores de
valores mobiliários pela CVM é o princípio do full and fair disclosure,
que norteia a lei que dispõe sobre o mercado mobiliário (Lei nº
6.385/76) e a lei corporativa brasileira (Lei nº 6.404/76).
O nosso modelo de regulação e de fiscalização é fortemente inspirado
na experiência estadunidense posterior ao crash da Bolsa de Nova
Iorque, ocorrido após desinformados e entusiásticos investimentos no
mercado de capitais. Ele coloca o Estado na posição de responsável
pela exigência de um nível mínimo de informações a serem prestadas
por qualquer companhia que pretenda captar a poupança popular.
Os registros de emissor e de distribuições públicas de valores
mobiliários junto à CVM estão inseridos no contexto acima.
As companhias abertas devem prestar informações completas e
precisas sobre os empreendimentos em comum por elas desenvolvidos
e os valores mobiliários que emitam publicamente, para viabilizarem
conscientes tomadas de decisão por parte de qualquer investidor.
A opção estadunidense pelo princípio do disclosure foi precedida de
experiência doméstica distinta (blue sky laws) e intenso debate, após o
qual foram superadas opiniões no sentido de que o Estado deveria
promover uma análise de mérito em relação a empreendedores e
empreendimentos que pretendessem alcançar o público investidor.
A ideia essencial então vencedora e ora adotada no Brasil, com
temperamentos, é a de que ”a atuação do Estado não exclui o
inalienável direito do cidadão de agir como um tolo, devendo-se
apenas tentar prevenir que outros o façam de tolo” (adaptação de
trecho do clássico Fundamentals of Securities Regulation, de Louis
Loss).
”A idéia central que orientou a elaboração das famosas leis de 1933 e
1934, nos Estados Unidos, foi exposta, pela primeira vez, em artigo de
1914 de Louis D. Brandeis (Other People´s Money), eminente advogado
que seria depois juiz da Corte Suprema. Era a profilaxia do mercado,
por meio da mais ampla e completa informação ao público. Na frase
sempre citada, ”assim como a luz solar é tida como o melhor dos
desinfetantes, a luz elétrica é o mais eficiente policial”. (...) Dever-se-ia
(...) partir do princípio de que o investidor é bastante adulto para, uma
vez adequadamente informado, tomar as decisões econômicas que
julgar melhores, segundo seus próprios interesses, dos quais é o único
juiz competente.” *
* COMPARATO, Fábio Konder. A regra do sigilo nas ofertas públicas de
aquisição de ações, in Revista de Direito Mercantil, vol. 49, p. 58, 1983.
A CVM não atesta a qualidade e, portanto, não garante o sucesso de
empreendimentos, conforme reconheceu, por exemplo, o MM. Juízo da
24ª Vara Federal do Rio (r. sentença nos autos do Processo nº
2003.51.01.028307-8 comentada no Portal do Investidor da CVM*),
aduzindo o seguinte:
”Trata-se de ação ordinária onde os autores requerem seja a CVM
condenada em R$ 430.025,00 correspondente ao prejuízo que alegam
ter sofrido em razão de investimentos que realizaram, nos anos de
1999, 2000 e 2001, em Contratos de Investimentos Coletivos (CICs)
emitidos pelas (...), bem como em razão de não terem conseguido que
os contratos fossem resgatados pela referida sociedade nos termos
entre eles firmados.
*http://www.portaldoinvestidor.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/
entrevistas/Arquivos/AlexandrePinheiro/Registro_na_CVM_nxo_garante_o_sucesso_do_in
vestimento.PDF
(...) os registros servem para concretizar a política legal de ampla
divulgação de informações (full disclosure), a qual, como se sabe,
consiste na ampla disponibilização a todos os investidores do mercado,
ao mesmo tempo, de todas as informações necessárias à avaliação dos
riscos de cada oportunidade de investimento (...)
(...) a concessão de registro pela CVM possui caráter preventivo e
instrumental protegendo o investidor contra investimentos temerários
(frutos de desinformação), estimulando a sua participação consciente e
racional no mercado.
(...) a CVM não garante nem assume qualquer responsabilidade pelo
sucesso do empreendimento ou pela veracidade das informações
fornecidas pelas companhias (...)”.
II - Alguns dispositivos da Lei nº 6.404/76 relacionados com a
divulgação de informações no âmbito de companhias abertas
”Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar, ao
firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição,
opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de
emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo
grupo, de que seja titular.
(...) § 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a
comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela
imprensa qualquer deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de
administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus
negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos
investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários
emitidos pela companhia.
(...) § 6º Os administradores da companhia aberta deverão informar
imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de
Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do
mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de
emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as
modificações em suas posições acionárias na companhia.”
”Art. 116-A. O acionista controlador da companhia aberta e os
acionistas, ou grupo de acionistas, que elegerem membro do conselho
de administração ou (...) do conselho fiscal, deverão informar
imediatamente as modificações em sua posição acionária (...) à
Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas (...) ou entidades do
mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de
emissão da companhia estejam admitidos à negociação, nas condições
e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliários.”
”Art. 165-A. Os membros do conselho fiscal da companhia aberta
deverão informar imediatamente as modificações em suas posições
acionárias na companhia à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas
de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os
valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à
negociação, nas condições e na forma determinadas pela Comissão de
Valores Mobiliários.”
III - Principais atos da CVM acerca de divulgação de
informações no âmbito de companhias abertas
A seguir são apresentados os principais atos e importantes dispositivos
regulamentares relativos aos deveres de divulgação de informações no
âmbito de companhias abertas.
Instrução CVM nº 480, de 2009 (”registro de emissor”)
”Art. 43. O controlador deve fornecer tempestivamente ao emissor
todas as informações necessárias ao cumprimento da legislação e da
regulamentação do mercado de valores mobiliários.
Art. 44. O emissor deve atribuir a um diretor estatutário a função de
relações com investidores.
(...)
§ 2º O representante legal dos emissores estrangeiros é equiparado ao
diretor de relações com investidores para todos os fins previstos na
legislação e regulamentação do mercado de valores mobiliários.”
Instrução CVM nº 400, de 2003 (”ofertas públicas de
distribuição de valores mobiliários”)
”Art. 56. O ofertante é o responsável pela veracidade, consistência,
qualidade e suficiência das informações prestadas por ocasião do
registro e fornecidas ao mercado durante a distribuição (...)”
Instrução CVM nº 358, de 2002 (”ato ou fato relevante”)
”Art. 3º Cumpre ao Diretor de Relações com Investidores divulgar e
comunicar à CVM e, se for o caso, à bolsa (...) e entidade do mercado
de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da
companhia sejam admitidos (...), qualquer ato ou fato relevante (...),
bem como zelar por sua ampla e imediata disseminação,
simultaneamente em todos os mercados em que tais valores
mobiliários sejam admitidos (...)
§1º Os acionistas controladores, diretores, membros do conselho de
administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções
técnicas ou consultivas (...) deverão comunicar qualquer ato ou fato
relevante de que tenham conhecimento ao Diretor de Relações com
Investidores, que promoverá sua divulgação.
§2º Caso as pessoas referidas (...) tenham conhecimento pessoal de
ato ou fato relevante e constatem a omissão do Diretor de Relações
com Investidores (...), somente se eximirão de responsabilidade caso
comuniquem imediatamente o ato ou fato relevante à CVM.
§3º O Diretor de Relações com Investidores deverá divulgar
simultaneamente ao mercado ato ou fato relevante a ser veiculado por
qualquer meio (...), inclusive informação à imprensa, ou em reuniões
de entidades de classe, investidores, analistas ou com público
selecionado, no país ou no exterior.
(...) §5º A divulgação e a comunicação de ato ou fato relevante (...)
devem ser feitas de modo claro e preciso, em linguagem acessível ao
público investidor.
(...) Art. 4º A CVM, a bolsa de valores ou a entidade do mercado de
balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da
companhia sejam admitidos à negociação podem, a qualquer tempo,
exigir do Diretor de Relações com Investidores esclarecimentos
adicionais à comunicação e à divulgação de ato ou fato relevante.
Parágrafo único. Na hipótese do caput, ou caso ocorra oscilação atípica
na cotação, preço ou quantidade (...), o Diretor de Relações com
Investidores deverá inquirir as pessoas com acesso a atos ou fatos
relevantes, com o objetivo de averiguar se estas têm conhecimento de
informações que devam ser divulgadas ao mercado.”
”Art. 6º Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos
relevantes podem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se os
acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua
revelação porá em risco interesse legítimo da companhia.
Parágrafo único. As pessoas mencionadas no caput ficam obrigadas a,
diretamente ou através do Diretor de Relações com Investidores,
divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da
informação escapar ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na
cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de
emissão da companhia aberta ou a eles referenciados.”
”Art. 12. Os acionistas controladores, diretos ou indiretos, e os
acionistas que elegerem membros do Conselho de Administração ou do
conselho fiscal, bem como qualquer pessoa natural ou jurídica, ou
grupo de pessoas, agindo em conjunto ou representando um mesmo
interesse, que atingir participação, direta ou indireta, que corresponda
a 5% (cinco por cento) ou mais de espécie ou classe de ações
representativas do capital de companhia aberta, devem enviar à
companhia as seguintes informações:
(...) II - objetivo da participação e quantidade visada, contendo, se for
o caso, declaração do adquirente de que suas compras não objetivam
alterar a composição do controle ou a estrutura administrativa da
sociedade; (...)”
IV - Fato relevante
Considera-se relevante qualquer decisão de controlador, deliberação da
assembléia ou dos órgãos de administração, ou qualquer outro ato ou
fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômicofinanceiro ocorrido ou relacionado aos negócios que possa influir de
modo ponderável: na cotação dos valores mobiliários de emissão da
companhia aberta ou a eles referenciados; na decisão dos investidores
de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; ou na
decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à
condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a
eles referenciados.*
* Art. 2º da Instrução CVM nº 358/02 (regulamento atinente ao uso de
informações relevantes referentes a companhias abertas).
A assinatura de acordo de transferência do controle acionário de
companhia aberta, a decisão de se promover o cancelamento do seu
registro, a celebração de acordo de acionistas que tenha sido
averbado no livro próprio e a incorporação envolvendo a companhia
são exemplos de fatos relevantes.
* Sou o DRI de uma companhia aberta, noto movimentação atípica
das ações de sua emissão e, após consultar os demais administradores
da companhia, recebo a informação de que existe um acordo
preliminar para viabilizar a transferência do seu controle acionário,
acompanhada de um pedido de que o fato não seja imediatamente
divulgado, em razão de clara possibilidade de que tal divulgação
prejudique a conclusão do negócio.
Pergunta: O que devo fazer diante da situação acima?
Resposta: Devo divulgar e comunicar imediatamente o fato relevante
ao público investidor, à CVM e, se for o caso, à bolsa ou entidade de
balcão organizado, observados os termos da legislação aplicável.
A companhia deve zelar pelo sigilo da informação privilegiada, inclusive
reduzindo o número de pessoas que a ela tenham acesso ao mínimo
necessário e obtendo claro e efetivo compromisso dos insiders em
relação ao resguardo da informação. O zelo da companhia pelo sigilo
deve se transformar em zelo pela imediata divulgação tão logo
detectado que a informação escapou ao controle (vazamento).
A adoção de mecanismos de regulação privada da atuação dos
insiders, como ocorre no caso de restrições de atuação constantes das
Políticas de Negociação previstas no art. 15 da Instrução CVM nº
358/02, também constitui um interessante mecanismo para se tentar
evitar problemas com o uso indevido de informação privilegiada.
”Art. 15. A companhia aberta poderá, por deliberação do conselho de
administração, aprovar política de negociação das ações de sua
emissão por ela própria, pelos acionistas controladores, diretos ou
indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do
conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou
consultivas, criados por disposição estatutária.
§1º A política de negociação referida no caput não poderá ser
aprovada ou alterada na pendência de ato ou fato relevante ainda não
divulgado, e deverá necessariamente:
I - contar com a adesão expressa das pessoas mencionadas no caput
que queiram dela se beneficiar, as quais deverão observá-la
estritamente;
II - incluir a vedação de negociações, no mínimo, no período de 15
(quinze dias anterior à divulgação das informações trimestrais (ITR) e
anuais (DFP e IAN) da companhia; e
III - adotar procedimentos que assegurem que em nenhuma hipótese
a companhia negociará com as próprias ações nos períodos de vedação
estabelecidos nesta Instrução e na própria política de negociação. (...)”
” (...) 55. Uma outra questão importante é a divulgação de informações
relativas a negócios (...) não concluídos, isso porque a proteção dos
investidores por meio da divulgação de informações não é absoluta,
podendo se adequar às necessidades empresariais das companhias.
Por esse motivo, a Instrução 358/02, em seu art. 6º, permite que “os
atos ou fatos relevantes [excepcionalmente deixem] de ser divulgados
se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que
sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia”.
56. Assim, se a divulgação de uma informação que deveria ser tornada
pública, de acordo com as regras de divulgação de informação, pode
impedir a conclusão de um negócio, a conquista de um cliente ou o
desenvolvimento de um produto ou serviço ou pode prejudicar
legítimos interesses negociais da companhia, a companhia poderá, de
acordo com a legislação específica, deixar de divulgar a informação.
57. Isso não significa que as companhias podem deixar de prestar
informações simplesmente porque acreditam que seus negócios podem
ser prejudicados pela divulgação. É preciso que haja um legítimo
propósito empresarial na manutenção do sigilo. Assim, por exemplo,
um negócio em que se beneficie um acionista específico não pode
deixar de ser divulgado porque essa informação impactaria
negativamente o preço das ações da companhia, aumentando o seu
custo de captação.
58. Mesmo com relação a negócios legítimos e desinteressados, essa
exceção à divulgação não é absoluta, pois (...) é obrigatório "divulgar
imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação
escapar ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço
ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da
companhia aberta ou a eles referenciados".
59. Em razão desse dispositivo, a companhia não pode recusar-se a
confirmar, negar ou complementar uma informação já dispersa pelo
mercado (ou que esteja sendo utilizada pelos investidores), mesmo
que ela não tenha sido divulgada pela companhia.
60. Um outro aspecto importante sobre a divulgação de fatos
relevantes, é que as informações divulgadas ao mercado pelas
companhias devem sempre ser prestadas de forma completa (art. 3º,
§4º da Instrução 358/02), clara e precisa (§5º do mesmo artigo).
(...) 63. Deve-se notar que o administrador é o responsável pela
divulgação (...) do fato relevante de forma completa. Não obedece a
legislação quem anuncia um fato, mas espera uma ordem da CVM para
divulgar os aspectos relevantes (...) já (...) de seu conhecimento.
(...) embora a Instrução 358/02 atribua à administração da companhia
aberta a definição do que seja informação relevante (ao Diretor de
Relações com Investidores, mais precisamente), esse poder conferido à
administração não é absoluto. Caso os investidores alterem seu
comportamento (...) em função de informação relativa à companhia da
qual tenham conhecimento parcial (ou total), mas não divulgada pela
companhia, (...) a administração (...) deverá negá-la ou confirmá-la e,
se for o caso, complementá-la.” *
* Decisão do Colegiado da CVM no âmbito do PAS CVM RJ Nº
2006/4776, disponível em www.cvm.gov.br.
”(...) podemos classificar os casos de negociação com base em
informação privilegiada em quatro grandes grupos:
i. no primeiro grupo, temos o acionista controlador e os
administradores da companhia, em relação aos quais vigora uma
vedação absoluta, ou seja, eles não podem negociar com ações da
empresa enquanto o fato relevante não for divulgado ao público;
ii. no segundo grupo, temos os demais integrantes da empresa, em
relação aos quais vigora uma presunção relativa de que conhecem
a informação e sabem que ela é sigilosa;
iii. no terceiro grupo, temos pessoas que mantêm relação profissional,
comercial ou fiduciária com a companhia, em relação às quais não
vigora qualquer presunção de ciência da informação, mas somente
a presunção relativa de ciência do caráter sigiloso da informação,
baseada no dever de investigar;
iv. no quarto grupo, temos todos os demais investidores do mercado de
capitais, em relação aos quais não vigora nenhuma presunção.”
* Voto na Decisão no âmbito do PAS CVM SP Nº 2005/0155.
V - Insider trading
Em termos gerais, pode-se dizer que o uso indevido de informação
privilegiada ou insider trading ocorre quando alguém utiliza informação
relevante de que tenha conhecimento e que ainda não tenha sido
divulgada ao mercado, para obter, para si ou para outrem, algum tipo
de vantagem na negociação com valores mobiliários. Nos dias atuais a
conduta do insider repercute nas searas administrativa, civil e criminal.
Como se verá mais adiante, na área penal o ilícito se caracteriza se a
pessoa que utiliza a informação tem o dever de mantê-la sob sigilo.
No âmbito civil, além de ações judiciais individuais, é possível o
ajuizamento de ação civil pública pela CVM e pelo MPF.
A obtenção de lucros é da essência do mercado de capitais, mas se
isso ocorre com base em informação privilegiada, isto é, não disponível
a todas as partes nas operações, faz-se presente um dos mais nefastos
ilícitos econômicos. Quem utiliza indevidamente informação privilegiada
fere gravemente o princípio básico do full and fair disclosure.
O insider abala a credibilidade, a estabilidade e a eficiência do
mercado de capitais e mina o interesse das pessoas em investir a sua
poupança em companhias que, com tais recursos, poderiam prover o
desenvolvimento econômico do país. Não por outra razão se trata de
um dos crimes tipificados na Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de
1976.*
* Nesse sentido: SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; OSÓRIO, Fábio Medina; e
WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado de Capitais - Regime Sancionador. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 129.
Quanto aos âmbitos civil e administrativo, assim dispõe o art. 155 da
Lei nº 6.404/76, cujo descumprimento enseja ampla responsabilização
no campo civil e, por força do disposto no art. 11 da Lei nº 6.385/76, a
aplicação de penalidades administrativas pela CVM:
”(...) § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta,
guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido
divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e
capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários,
sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para
outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.
§ 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no §
1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua
confiança.
§ 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários,
contratada com infração do disposto nos §§ 1º e 2º, tem direito de
haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao
contratar já conhecesse a informação.
§ 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não
divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a
finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de
valores mobiliários.”
Ainda quanto ao âmbito administrativo, eis o que dispõe a Instrução
CVM nº 358/02, em seu art. 13:
”Art. 13. Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante
ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com
valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela
própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou
indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do
conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou
consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que,
em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua
controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da
informação relativa ao ato ou fato relevante.
§1º A mesma vedação aplica-se a quem quer que tenha conhecimento
de informação referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata
de informação ainda não divulgada ao mercado, em especial àqueles
que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a
companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores
mobiliários, consultores e instituições integrantes do sistema de
distribuição, aos quais compete verificar a respeito da divulgação da
informação antes de negociar com valores mobiliários de emissão da
companhia ou a eles referenciados.
(...) §7º As vedações previstas no caput e nos §§ 1º a 3º não se
aplicam às negociações realizadas pela própria companhia aberta,
pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros
do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos
com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária,
de acordo com política de negociação aprovada nos termos do art. 15.”
”Não se pode fugir à evidência do desvalor da conduta do insider. Cabe
compará-la com a do assassino que se vale de uma emboscada: a
vítima não sabe que o seu matador tem conhecimento da intenção, ou
o costume de passar por aquele lugar pois, se soubesse, não passaria.
Já o matador tem todas as informações necessárias para matar a
vítima: sabe por onde e quando ela passará por aquele lugar, e lá
estará para eliminar a sua vida. A vítima passa desprevenida e o
matador dispara a arma e logra o seu intento. O legislador penal
compreendeu o repúdio social à emboscada e por isso mesmo a
constituiu como um agravante do homicídio.” *
* JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA em O que falta à criminalização do
insider
trader
no
Brasil.
Artigo
jurídico
disponível
em
http://www2.bmf.com.br/cimConteudo/W_Hemeroteca/ArtigoJos%C3%A9%20
Marcelo%20Martins%20Proen%C3%A7a.pdf
”Em termos amplos, o bem juridicamente protegido pela ameaça penal
contida no art. 27-D da Lei n. 6.385/76, introduzido pela Lei n.
10.303/2001 é o da estabilidade do mercado de capitais.
Mais especificamente, a norma visa a tutelar o processo de disclosure,
ou seja, da ampla e completa divulgação de informações como
elemento essencial de proteção aos investidores do mercado de
capitais.
No mercado de capitais, a ampla divulgação de informações constitui,
tanto entre nós como no Direito Comparado, o elemento essencial de
tutela dos interesses dos investidores; assim, considera-se que, uma
vez bem informados, os investidores estarão adequadamente
protegidos.
Considera-se, na teoria econômica, que o mercado é eficiente quando
a cotação das ações reflete, de forma virtual e instantânea, todas as
informações disponíveis sobre as companhias cujos títulos são
publicamente negociados. (...)
”O princípio da transparência das informações completa-se com outro
(...) fundamental: as informações devem estar disponíveis a todos ao
mesmo tempo (...)
A repressão ao insider trading, ademais, visa a preservar um nível
mínimo de confiabilidade no mercado de valores mobiliários; com
efeito, há um total desequilíbrio entre o insider e os demais
participantes do mercado, sendo eticamente condenável a obtenção de
lucros em função única e exclusivamente do acesso e utilização
privilegiada de informações.
Com efeito, o lucro obtido pelo insider decorre unicamente de sua
posição de acesso privilegiado (...), uma vez que ele negocia antes da
sua divulgação, ou seja, a preços que ainda não estão refletindo o seu
impacto no mercado.” *
* MODESTO CARVALHOSA/NELSON EIZIRIK em A Nova Lei das S/A, São
Paulo, Saraiva, 2002, pp. 544 e 545.
”Há razões de ordem econômica e de ordem ética que justificam
a repressão ao uso privilegiado de informações (...).” *
* NELSON EIZIRIK/ARIÁDNA B. GAAL/FLÁVIA PARENTE/MARCUS DE FREITAS
HENRIQUES em Mercado de Capitais - Regime Jurídico, Rio de Janeiro,
Renovar, 2008, p. 524.
A prova no insider trading
O insider trading pode ser provado com prova indiciária ou indireta,
mas nem tudo o que se relaciona com o tema se resolve com indícios
ou presunções.
Em se tratando de acusados de uso indevido de informação
privilegiada que, em razão de posição ocupada no âmbito de
companhia aberta, conheciam e deveriam ter guardado sigilo da
informação relevante ainda não divulgada (como ocorre com os
administradores
respectivos), pode-se presumir, ainda que
relativamente (presunção juris tantum), a prática do ilícito. Em regra,
basta, em tal hipótese, existir também a prova direta de que os
acusados operaram com as ações de emissão da companhia na qual
atuam previamente ao anúncio oficial da informação relevante.
Em relação ao insider de mercado ou tippee a situação é diferente.
Faz-se necessário demonstrar, ainda que mediante a utilização de
prova indiciária, que ocorreu o uso indevido de informação privilegiada.
”U.S. Supreme Court: ”Circumstantial evidence is not only
sufficient, but may also be more certain, satisfying and
persuasive than direct evidence.” Michalic v. Cleveland
Tankers, Inc., 364 U.S. 325, 330 (1960).”
”(...) The Commission need not show direct evidence of the
transmission of material, non-public information in order to
establish that a defendant engaged (...) in insider trading.
Circumstantial evidence (such as contacts between the trader
and persons with possession of the material, non-public
information, the suspicious timing of the trades, and the
offering of implausible reasons for the trades) may support an
inference that insider trading has, in fact, occurred. U.S. v. Mc
Dermott, 245 F.3d 133, 138 (2d Cir. 2001); SEC v. Singer,
786 F. Supp. 1158, 1164 (S.D.N.Y, 1992) (…)” (UNITED STATES
DISTRICT
COURT
FOR
THE
EASTERN
DISTRICT
OF
PENNSYLVANIA/http://www.paed.uscourts.gov/documents/opinions/05
d0428p.pdf)
”(...) 4.2 Na minha opinião, o direito brasileiro permite que uma pessoa
seja condenada por negociação com informação privilegiada mesmo
que não se consiga precisar como essa informação foi obtida.
4.3 A necessidade de identificar um informante dentro da companhia,
inspirada no direito norte-americano e muito criticada por lá, não foi
acolhida no nosso sistema jurídico. Entre nós, basta que o acusado
tenha negociado com informação relevante não-divulgada ao mercado
para que se caracterize a infração.
(...) 4.5 (...) basta que a pessoa que negociou no mercado “tenha tido
acesso" a uma informação que seja relevante e que ainda não tenha
sido divulgada ao mercado pelos canais próprios.”*
* Voto na Decisão no âmbito do PAS CVM Nº 24/05.
”(...) No mesmo diapasão é a prova dos crimes e infrações no mercado
de capitais. São as circunstâncias concretas, mesmo indiciárias, que
permitirão a conclusão pela condenação. Na investigação de insider
trading (uso de informação privilegiada e secreta antes da divulgação
ao mercado de fato relevante): a baixa liquidez das ações; a frequência
com que são negociadas; ser o acusado um neófito em operações de
bolsa; as ligações de parentesco e amizade existentes entre os
acusados e aqueles que tinham contato com a informação privilegiada;
todas estas e outras são indícios que, em conjunto, permitem
conclusão segura a respeito da ilicitude da operação”.*
* STF, Pleno, Voto do Min. Luiz Fux na AP 470, DJe 19/04/2013.
Mas e os que dizem que insider trading é bom?
”Impossível de ser regulado, insider poderia ser liberado”
Brasil Econômico do dia 31/10/09
”Informações privilegiadas ajudam a precificar ações e beneficiam o
pequeno investidor, defende economista (...) chefe do Departamento
Econômico da Universidade George Mason, Donald J. Bourdreaux (...)
defende que é saudável para o mercado ter a participação dos insiders
nas negociações. A lógica é que (...) quando o insider trader opera
informações privilegiadas, transfere os dados ao preço, tornando-o
mais próximo da realidade das empresas.
(...) É muito melhor, e mais prático, deixar que cada empresa defina o
que é, e o que não é, a informação que aquela empresa (...) deseja
proteger de uma negociação. Também é preciso deixar que cada uma
tente prevenir essas negociações por (...) políticas próprias (por
exemplo, tentando demitir os executivos que violam as regras) e por
meio dos tribunais.”
* Entrevista decorrente do Artigo Learning to Love Insider Trading,
publicado no The Wall Street Journal e disponível em
http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704224004574489324
091790350.html
Vale destacar, em relação à atuação da CVM na prevenção e no
combate ao ilícito de insider trading, que atualmente a Autarquia
mantém acordos de cooperação com o MPF e a PF, atuando em estrita
consonância, inclusive, com o princípio do non bis in idem, e, mais
especificamente, o seguinte:
1 - decisões judiciais de bloqueio de ativos em ações movidas pela
CVM e pelo MPF no âmbito dos notórios casos ”Ipiranga” e ”Suzano” e
ações civis públicas decorrentes.
2 - atuação da CVM, inclusive como assistente da acusação, nos três
primeiros processos penais envolvendo o ilícito de insider trading do
Brasil (notórios casos ”Sadia”, ”Randon” e ”Mundial”, tendo o primeiro
caso ensejado, em 2011, a primeira condenação penal por insider do
país, mantida e incrementada no âmbito do TRF/3ª R.).
3 - Termo de Compromisso e de Ajustamento de Conduta no
âmbito do PAS CVM RJ Nº 2007/12231 e da ACP nº
2007.51.01.022852-8 (6ª VF/RJ):
A CVM e o Ministério Público Federal (MPF) assinaram, em 17/03/08, o
primeiro Termo de Compromisso e de Ajustamento de Conduta firmado
com um participante do mercado de capitais, para o encerramento
concomitante de procedimentos administrativo e judicial. Trata-se de
acordo com uma sociedade estrangeira que adquiriu ações
preferenciais de emissão da Suzano Petroquímica S.A. em 27/07/07,
tendo vendido toda a posição no dia 03 de agosto seguinte, logo após
publicação de fato relevante relativo à aquisição do controle da
companhia, obtendo lucro de mais de R$ 500.000,00. O Termo foi
homologado pelo MM. Juízo da 6ª (Sexta) Vara Federal do Rio de
Janeiro e a Compromitente desembolsou a quantia de R$
2.200.000,00, destinada aos investidores que operaram com ela e ao
Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
4 - Termo de Compromisso no âmbito do PAS CVM RJ Nº
2007/11305:
Para extinguir processo administrativo sancionador envolvendo
indevida divulgação de informações acerca de companhia aberta, exgovernador de Estado apresentou proposta à CVM de enviar declaração
a então governadores reconhecendo a importância de as informações
sensíveis e relevantes, capazes de influenciar a cotação dos valores
mobiliários de emissão de companhias abertas sob controle estatal,
serem informadas por meio dos canais institucionais da própria
companhia e de acordo com a legislação, especialmente a
regulamentação da CVM. O proponente se comprometeu ainda a
atender os veículos de imprensa que o procurassem para tratar do
assunto. O Colegiado da CVM aprovou a proposta em 05/06/08, pois
entendeu ser conveniente e oportuna e que, embora não contemplasse
prestação pecuniária, justificava-se por seu caráter educativo.
5 - Termo de Compromisso e de Ajustamento de Conduta
celebrado no âmbito do PAS CVM RJ Nº 2009/428:
Em 26/02/09, foi noticiada a aprovação, pela CVM e pelo MPF, de
proposta de celebração de Termo de Compromisso e de Ajustamento
de Conduta apresentada por integrante do bloco de controle da
Construtora Tenda S.A. e membro da sua administração em novo caso
de possível insider trading. A fim de extinguir o Processo CVM N° RJ
2009/428 antes mesmo de formulada qualquer acusação, bem como
de evitar a adoção de medidas de natureza civil pela CVM e pelo MPF, o
proponente comprometeu-se a pagar R$ 200.000,00 ao Fundo de
Defesa de Direitos Difusos e ainda a não ocupar cargo de
administração ou no conselho fiscal, por três anos, em entidade
regulada pela CVM.
6 - Termo de Compromisso e de Ajustamento de Conduta no
âmbito do PAS CVM RJ Nº 10/08 e da ACP nº
2007.51.01.01.4273-7 (15ª VF/RJ):
Em setembro de 2010, CVM e MPF noticiaram Termo de Compromisso
e de Ajustamento de Conduta celebrado com ex-gerente da BR
Distribuidora que realizou operações com ações de emissão de
sociedades do Grupo Ipiranga antes e logo após o anúncio da
aquisição de empresas do Grupo por Braskem, Ultra e Petrobras, no
ano de 2007. O Compromitente respondia a processos administrativo e
judicial sob acusação de insider trading e se obrigou ao pagamento do
total do ganho com a sua atuação no mercado reputada irregular
(R$ 120.067,75 mais atualização), acrescido de R$ 240.135,50, bem
como a não operar no mercado por três anos.
Insider trading ao redor do mundo
Inúmeras outras jurisdições atuam na prevenção e no combate ao
insider trading e adotam, essencialmente, as mesmas regras gerais e
as mesmas práticas ora utilizadas no Brasil, valendo destacar, nesta
oportunidade, o seguinte:
- nos EUA, a regra, para a responsabilização de um insider de mercado,
é a necessidade de comprovação de vínculo ou contato deste com um
insider primário, sendo que a SEC (CVM estadunidense) utiliza, em
grande medida, para o encerramento de casos da espécie, o
denominado consent decree; e
- a primeira condenação criminal por insider trading do Reino Unido
ocorreu em março de 2009 (a já citada primeira condenação do Brasil
ocorreu em 2011).
VI - CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS
Lei nº 6.385/76, alterada pela Lei nº 10.303/01
Manipulação do mercado
”Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras
manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o
regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em
bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de
balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter
vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano
a terceiros:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três)
vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do
crime.”
Lei nº 1.521, de 26/12/51
Crimes contra a economia popular
”VI - provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos
públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações
fictícias ou qualquer outro artifício;
Pena – detenção, de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos, e multa, de
vinte mil a cem mil cruzeiros.”
INSTRUÇÃO CVM Nº 8, DE 08 DE OUTUBRO DE 1979
”I - É vedada aos administradores e acionistas de companhias
abertas, aos intermediários e aos demais participantes do mercado
de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de
demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de
preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas
não eqüitativas.
II - Para os efeitos desta Instrução conceitua-se como:
a) condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores
mobiliários aquelas criadas em decorrência de negociações pelas
quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão
dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de
ordens de compra ou venda de valores mobiliários;
b) manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a
utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou
indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor
mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda;
c) operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários, aquela
em que se utilize ardil ou artifício destinado a induzir ou manter
terceiros em erro, com a finalidade de se obter vantagem ilícita de
natureza patrimonial para as partes na operação, para o
intermediário ou para terceiros;
d) prática não eqüitativa no mercado de valores mobiliários, aquela
de que resulte, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente,
um tratamento para qualquer das partes, em negociações com
valores mobiliários, que a coloque em uma indevida posição de
desequilíbrio ou desigualdade em face dos demais participantes da
operação.”
Objeto: o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários
(bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, mercado de balcão ou
mercado de balcão organizado) e, portanto, a estabilidade e a confiança
no mercado de capitais.
Sujeito ativo: qualquer participante do mercado mobiliário (conceito
amplo e dinâmico adotado pela Lei nº 6.385/76).
Sujeito passivo: titulares de valores mobiliários, investidores do
mercado mobiliário, CVM e sociedade como um todo.
Condutas típicas: realização de operações simuladas ou a execução de
outras manobras fraudulentas com o fim de alterar artificialmente o
regular funcionamento do mercado e obter vantagem ou causar dano.
Consideram-se idôneos para alterar artificialmente o regular
funcionamento dos mercados os atos que possam modificar as condições
de formação dos preços ou as condições normais de oferta ou de
demanda de valores mobiliários.
Elemento subjetivo: o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de
realizar as operações simuladas ou executar outras manobras
fraudulentas na forma do tipo de que se trata.
Momento consumativo: o crime se consuma com a efetiva realização
da operação simulada ou com a execução de manobras tendentes a burlar
o regular funcionamento do mercado de capitais e obter vantagem ou
causar dano. É crime formal e de perigo abstrato.
Ação penal: pública incondicionada.
Pena: reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o
montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. O art. 27-F
da Lei nº 6.385/76 estabelece que a multa cominada para o crime deverá
ser aplicada em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida
pelo agente, bem como que, nos casos de reincidência, a multa pode ser
de até o triplo do valor fixado.
* Manipulação x especulação/Manipulação x estabilização de preços
** Churning, scalping, boiler room, difusão de informações falsas (...)
Uso Indevido de Informação Privilegiada
”Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado,
de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de
propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante
negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes
o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”
Objeto: o regular funcionamento do mercado mobiliário (bolsa de
valores, de mercadorias e de futuros ou mercado de balcão) e, portanto,
a estabilidade e a confiança nos mercados, mais precisamente o processo
de disclosure, ou seja, da ampla e completa divulgação de informações,
como elemento essencial para a proteção dos investidores, e a própria
eficiência do sistema, assim como a atuação institucional da CVM.
Sujeito ativo: aqueles que, por exemplo, em razão de ofício, têm acesso
a informações privilegiadas (ex: administradores de companhia aberta).
Sujeito passivo: titulares de valores mobiliários, investidores do
mercado mobiliário, companhia, CVM e sociedade como um todo.
Condutas típicas: utilizar (fazer uso), de qualquer modo, informação
relevante com as características previstas no tipo.
Elemento subjetivo: o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de
utilizar a informação relevante ainda não divulgada ao mercado, nos
estritos termos do tipo.
Momento consumativo: o crime se consuma com a efetiva utilização de
informação relevante com as características previstas no tipo. Trata-se de
crime formal e de perigo abstrato.
Ação penal: pública incondicionada.
Pena: reclusão - 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o
montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Aplica-se,
também aqui, o art. 27-F da Lei nº 6.385/76.
Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função
”Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores
mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição,
administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de
investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários,
agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou
função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à
autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou
regulamento:
Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”
Objeto: o interesse social de que funções especiais e de claro
interesse público da espécie das abrangidas pelo tipo somente sejam
exercidas por pessoas aptas e confiáveis, nos termos da lei.
Sujeito ativo: qualquer pessoa.
Sujeito passivo: o Estado e, secundariamente, as pessoas que exercem
as funções de que se cuida nos estritos termos da lei.
Condutas típicas: atuar na forma do tipo.
Elemento subjetivo: o dolo.
Momento consumativo: prática do primeiro ato sem autorização.
Ação penal: pública incondicionada.
Pena: detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Competência nos crimes contra o mercado de capitais
A ação penal será promovida pelo Ministério Público Federal perante a
Justiça Federal. Nesse sentido resposta à consulta formulada pela
PFE/CVM à 2ª Câmara Criminal do MPF e acordo de cooperação para o
intercâmbio de informações e a prevenção e o combate a ilícitos no
mercado de capitais firmado pela CVM e pelo MPF em 08/05/08 (tal
posicionamento foi também o adotado, por exemplo, em v. acórdão do
TRF/3ª R. na AC 45484):
”Considerando que diversas práticas lesivas ao mercado de capitais
também constituem crimes previstos nos artigos 27-C a 27-F, todos
da Lei 6.385, de 7 de Dezembro de 1976, bem como infrações
contra a coletividade e os investidores difusos (Art. 129, inciso III,
da Constituição da República; Art. 6º, inciso XII, da Lei
Complementar n.° 75/93; Art. 1º, inciso I, da Lei n.° 7.347/85 e Lei
n.º 7.913/89); cabendo ao MPF a atribuição para ajuizar ações
penais e ações civis públicas;”
”Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em
detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da
Justiça Eleitoral;
(...) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira;” (sem destaques o original - CF/88)

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