a mulher na revolução Mexicana

Transcrição

a mulher na revolução Mexicana
Dossiê 8 de março
A mulher na
Revolução Mexicana
Alicia sagra (Argentina)
A
participação das mulheres na
Revolução Russa de 1917 é bem
conhecida. Como já citado em
outro artigo, suas mobilizações foram
o estopim que deflagrou a revolução.
Sabe-se, também, que o processo revolucionário europeu do início do século
XX deu origem a grandes mulheres revolucionárias, como Clara Zetkin e Rosa
Luxemburgo. Assim como conhecemos
o importante papel desempenhado pelas
mulheres na revolução chinesa.
Mas há uma grande revolução que
acaba de completar 100 anos, embora pouco estudada pelo Marxismo. Falamos sobre ela em outras páginas da
revista. Neste dossiê dedicado às lutas
das mulheres, queremos citar alguns
fatos sobre a participação das mulheres
naquela que foi uma das grandes revoluções do século XX, a revolução mexicana de 1910.
A participação política e social das
mulheres não se iniciou em 1910
O processo de industrialização iniciado no porfiriato abriu, para as mulheres, as portas das fábricas, oficinas,
escritórios, comércio, repartições públicas e, em particular, aumentou sua participação no magistério. Com a criação da
Escola Normal de Professoras, em 1888,
atribuiu-se grande importância à profissão de professora. Em 1876, 58,33% dos
professores eram do sexo masculino e
25% do feminino; em 1900, 32,5% eram
homens e 67,5% mulheres e em 1907,
78,29% dos docentes eram mulheres.
Assim, ela começa a sair dos estreitos
limites do lar para outras atividades, não
apenas laborais, mas também culturais e
políticas, o que leva a uma significativa
mudança de hábitos, que não foi muito
bem vista pela imprensa da época. Por
36
As “soldaderas”, mulheres combatentes, treinando
exemplo, o jornal El Clarín, de Guadalajara, disse: “As senhoras e senhoritas da
capital, muito ativas, deveras varonis,
que fazem discursos, compõem peças
musicais e abraçam e beijam em público
(...) francamente, não nos agradam esses arroubos viris do sexo frágil; afastem
a mulher de sua esfera natural de atuação, separem-na de tarefas como pregar
botões, preparar uma refeição ou de ensinar uma oração a seus filhos (...)”.
A influência dos movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos
se faz sentir. Iniciou-se a organização de
grupos de mulheres que começaram a
escrever em jornais e revistas femininas
sobre a necessidade de lutar pela emancipação.
Começaram a questionar a desigualdade intelectual entre os sexos, exigindo educação e conhecimento igualitário
que lhes permitissem o engajamento no
processo cultural e político.
Desta forma foram surgindo mulheres intelectuais que aderiram à luta contra o regime e à revolução. Foi o caso
de Dolores Giménez y Muro, professora
e poetisa, presidente da Liga Feminina
antirreeleição “Josefa Ortiz de Domínguez” e que ocupou o posto de coronel
do exército zapatista até o seu assassinato em 1919.
Estas mulheres foram perseguidas,
presas, algumas fuziladas. Mas seu trabalho foi mantido e chegaram a cumprir
um papel destacado na elaboração da
nova Constituição imposta pela revolução.
As mulheres dos soldados
As mulheres dos soldados, mais conhecidas como Adelas aparecem no início dos enfrentamentos armados. Elas
são filhas, esposas e amantes dos soldados que lutaram na Revolução e muitas
delas foram grandes combatentes, sendo muito bem retratadas nos quadros
de Frida Kahlo. Tiveram também seu
reconhecimento na música. A canção
La Adelita, por exemplo, fala de uma
mulher de grande beleza, companheira
de um sargento, mas também dotada de
muita coragem, motivo pelo qual é admirada por todos os homens.
Correio Internacional
Dossiê 8 de março
A grande maioria das mulheres
camponesas engajava-se nos diferentes
exércitos de acordo com seu lugar de
origem, voluntariamente ou sob o velho
sistema de leva . Muitas vezes tiveram
de suportar sequestros e estupros; abusos sexuais típicos das guerras.
Elas continuavam nos acampamentos as tarefas de seus lares; buscavam
alimentos, cozinhavam, cuidavam dos
doentes e feridos. Mas também continuavam a luta de seus maridos, pais ou filhos quando estes caíam. O testemunho
a seguir é um bom exemplo disso:
“Ouve-se um toque de trombeta à
distância pedindo senha. O eco difundiu o som do instrumento de guerra e o
comandante do acampamento instruiu
o corneteiro de ordens para responder.
Uma vez confirmado que se tratava de
forças amigas, esperou-se sua chegada.
Por outro lado, chegavam notícias de
que o inimigo iria atacar em breve, e
assim prepararam a defesa do acampamento. O comandante organizou a distribuição dos soldados sob seu comando. De repente, uma mulher de soldado
chegou a toda velocidade, agitando um
trapo enquanto avisava aos gritos que
o inimigo estava próximo. Então, o comandante, como bom militar, alertou
as tropas para dispararem somente sob
seu comando.
Efetivamente, quando a força contrária encontrava-se a uma distância conveniente, ele deu a ordem disparando
sua arma calibre 45 sobre o inimigo que
se aproximava: FOGO!... Uma saraivada
pesada recebeu os atacantes e, embora
estes fossem superiores em número, a
tropa não se arredou e suportou o combate por 48 horas. Cada soldado que
tombava era substituído por uma mulher de soldado, que mostrava coragem
superior à dos homens. Estes, por sua
vez, vendo esta demonstração de audácia, sentiram-se estimulados e derrotaram o inimigo. Deve-se fazer justiça e
esclarecer que meninos de idade entre 9
e 11 anos também participaram daquele
combate, pegando em armas para defender a parte que lhes cabia na luta. Foi
dura a jornada!
No acampamento, afundados na escuridão da noite, os “peões” descansavam.
Só se ouviam os passos dos soldados que faziam a ronda e vigiavam o
sono de seus companheiros: chefes,
março de 2011
oficiais e a tropa. Todos exaustos, não
tinham comido e nem dormido durante as 48 horas de duração da batalha!
Ao redor do acampamento, muitos corpos encontravam-se espalhados e foram
queimados em montes com gasolina.
Só tiveram sepulturas os 27 soldados
que morreram em combate. O comando
ordenou a emissão de passes para que
suas viúvas e filhos voltassem aos seus
lugares de origem. A mulher mexicana
sempre demonstrou coragem e destemor
quando as circunstâncias exigiram. Muitas receberam postos militares durante a
Revolução, algumas se tornaram famosas como coronéis e outras como soldados rasos... A maioria, como verdadeiras
mulheres de soldados!”
Algumas declarações de mulheres
zapatistas descrevem suas incorporações ao exército:
“Fui embora porque queimaram e
despovoaram Huitzilac em 1911. Quando
a revolução eclodiu em 1910, tinha terra.
Neste ano semeamos nosso grão de milho, mas tudo se perdeu, ficou em ruínas
e – você entende! – ficou tudo na casa,
tudo... Entraram queimando, mas foi o
governo, não os zapatistas. Quem entrou
foi o governo. [Os homens] eram levados para bem longe, para a guerra, e nós
para o acampamento. Mas nos deixavam
uma ajuda, caso algo acontecesse”.
“Todas nós éramos Adelitas, mas a
Adelita típica era de Ciudad Juárez...
Ela dizia: Vamos! Entrem e as que têm
medo que fiquem para cozinhar feijão...
Éramos muitas: Petra, Soledá... E quase
todas nós estávamos preparadas para o
combate”.
Algumas tarefas que realizavam: “As
mulheres com Villa eram corajosas e valorosas, eram espiãs nos acampamentos
federais, faziam-se passar por vendedoras. A tropa chamava-as de Marias e
dessa forma elas entravam nas trincheiras, nos depósitos de armamentos, escutavam os movimentos e depois saíam e
informavam o general Villa”.
Os efeitos da participação
das mulheres
A grande participação das mulheres
na revolução possibilitou o atendimento de muitas das suas reivindicações,
algumas das quais foram incorporadas
à nova legislação. Por exemplo, a Lei
do Divórcio com dissolução do víncu-
lo, editada em dezembro de 1914, a Lei
do Casamento, decretada por Emiliano
Zapata em 1915 e a Lei sobre Relações
Familiares, editada pelo governo de Carranza em abril de 1917.
As iniciativas apresentadas ao Congresso Constituinte em 1916 - relativas à
imposição da pena de morte para o crime de estupro e à concessão do sufrágio
feminino - não foram aceitas. Ao negar o
direito de voto às mulheres, o Congresso Constituinte mostrou total desconhecimento de seu papel na luta armada
revolucionária. Um discurso patriarcal
empenhava-se em mostrá-las reclusas
no mundo doméstico, excluindo-as dos
assuntos políticos.
Em contrapartida, os direitos trabalhistas foram incorporados à nova legislação. O salário mínimo das mulheres foi
igualado ao salário masculino, a jornada
de trabalho foi estabelecida em oito horas diárias no máximo e a licença maternidade foi garantida por lei (nos três
meses anteriores ao parto, as mulheres
não desempenhariam trabalhos pesados
e no mês posterior elas desfrutariam de
descanso, com salário integral e garantia
de emprego; durante o período de aleitamento materno teriam dois períodos
extras de descanso de meia hora cada
um). Os trabalhos insalubres e perigosos
também foram proibidos para as mulheres e jovens menores de 16 anos.
1 - Período de 34 anos, 1876-1911, no qual Porfirio Díaz
exerceu o poder no México.
2 - Contra a reeleição de Porfírio Diaz.
4 - Leva: Recrutamento obrigatório da população para
servir o Exército.
5 - Entrevista com a Sra. Ignacia Peña Vda. de Fuentes,
reproduzido por Martha Eva Rocha Islas em Presença
das mulheres na Revolução Mexicana: mulheres de soldados e revolucionárias.
6 - ROMO, Martha, E as mulheres de soldados? Tomasa García toma a palavra, reproduzida por Martha Eva
Rocha Islas em Presença das mulheres na Revolução
Mexicana: mulheres de soldados e revolucionárias.
7 - Entrevista do senhor Félix Garduña Nava realizada
por Ramón Aupart em janeiro de 1980, reproduzida por
Martha Eva Rocha Islas em Presença das mulheres na
Revolução Mexicana: mulheres de soldados e revolucionárias.
8 - Martha Eva Rocha Islas, Presença das mulheres na
Revolução Mexicana: mulheres de soldados e revolucionárias.
37