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PENTECOSTAIS:
história, contexto e caminhos para teologizar.
Myckon Alves de Oliveira*
Resumo
O artigo descreve um breve resumo da história do pentecostalismo, enfatizando sua
origem nos EUA e a forma como derrubou barreiras que pareciam intransponíveis,
sua chegada ao Brasil e seu desenvolvimento até a década de 60. Faz uma reflexão
sobre a importância do surgimento de uma teologia de cunho pentecostal e conclui
apontando que uma reflexão teológica pentecostal deve partir da experiência entre o
Espírito Divino e o espírito humano, sem, porém desprezar certa dose de
dogmatismo que garantirá equilíbrio necessário à reflexão.
Palavras-Chave: Pentecostalismo, Reflexão teológica, Espírito Santo, Contexto,
Êxtase.
Abstract
The article describes a brief overview of the history of Pentecostalism, emphasizing
its origin in the USA and how it dropped barriers that seemed insurmountable, his
arrival in Brazil and its development until the 60s. It makes a reflection on the
importance of the emergence of a Pentecostal theology and concludes by pointing
out that a Pentecostal theological reflection must start from the experience between
the Divine spirit and the human spirit, without, however despise certain amount of
dogmatism that ensures the balance required for reflection.
Keywords: Pentecostalism, theological reflection, Holy Spirit, Context, Ecstasy.
*
Graduando em
[email protected]
Teologia
pela
FNB
–
Faculdade
DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto.
67-77.
Nazarena
do
Brasil.
E-mail:
INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p.
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INTRODUÇÃO
Uma breve história do movimento pentecostal é capaz de nos levar a refletir
sobre a importância deste movimento no resgate de uma fé e experiência religiosa
mais intensa. Um movimento que corresponde ao contexto e é capaz de promover
mudanças antes engessadas pelo dogmatismo congelante. Assim como a água que
corre livremente é o movimento pentecostal.
Porém para que essa água não provoque estragos por onde passa, ela precisa
de um leito que delimite seu espaço, e que a ajude a percorrer o caminho sem
comprometer a integridade da vida. Reconhecer a necessidade da existência deste
leito é descobrir o porquê de uma teologia pentecostal.
O caminho que a água percorre, nem sempre é simples. A construção
adequada deste leito implica em garantir o livre fluxo da água, e ainda que
barragens precisem ser construídas ao longo do caminho, a vazão precisa ser o
suficiente para que o fluxo continue ao mesmo tempo em que garanta que lixo e
detritos não se acumulem, permitindo que ela permaneça limpa. Os caminhos para
uma teologia pentecostal, assim como a construção deste percurso da água, devem
garantir uma reflexão teológica que não comprometa o livre mover do Espírito
Santo.
Esta é a proposta deste artigo, indicar caminhos para a construção de uma
teologia pentecostal, que não despreze a história do movimento e o contexto onde
ele acontece, compreendendo que se trata de um movimento do Espírito e pelo
Espírito, capaz de produzir reflexão teológica que corresponda aos anseios da vida.
1.
Uma breve história do movimento pentecostal moderno
O moderno movimento pentecostal1 tem sua origem no histórico avivamento
de Azuza Street em Los Angeles - CA, no início do século XX, entre os anos de 1906
e 1915.
Era uma época em que a segregação racial afetava largamente a nação norte
americana. E além das manifestações de êxtase acompanhadas pelos dons de falar
em outras línguas, havia uma forte integração racial e de gênero promovida pelo
avivamento, assim, nesses anos iniciais de Azuza Street, parecia que o poder do
Espírito iria romper as barreiras de separação entre ricos e pobres, brancos e
negros e homens e mulheres. O Espírito de Deus, assim acreditavam os pioneiros
1
Chamo de “Moderno”, porque as características ou manifestações pentecostais, conforme
descritas no livro de Atos são encontradas em vários momentos da história, como entre os
Montanistas no século II da era cristã, entre outros.
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do pentecostalismo, agora administrado por um filho de ex-escravos, Willian
Seymour, romperia com “the color line” (CAMPOS, 2005, p. 112). Sobre Willian
Joseph Seymour e o início do movimento de Azuza, Campos ainda diz:
Um negro, filho de ex-escravos da Louisiana, então com 36 anos de
idade, começou, em abril de 1906, num templo abandonado de uma
igreja metodista africana, no bairro negro de Los Angeles, uma caixapreta, da qual começaram a sair gritos, convulsões, profecias,
glossolalias, curas, milagres, prodígios e toda sorte de coisas, que
rapidamente chamou a atenção da imprensa e, por meio dela, de
todo o país (CAMPOS, 2005, p. 110).
Mas ainda no final do século XIX, antes mesmo do Avivamento de Azuza
Street, emergia do movimento de santidade, das igrejas holiness, focos de
avivamento. Convites eram dirigidos ao público: “nós afetuosamente convidamos a
todos […] a vir conosco e gastar uma semana com Deus no grande templo da
natureza”. Para esses eventos, havia convites que incluíam expressões como
“receber o batismo com o Espírito Santo” (CAMPOS, 2005, p. 106). Experiências
extáticas, que mais tarde se tornariam identitárias do movimento pentecostal,
aconteciam nestes encontros.
Entre as principais personagens, e que teve um papel singular no
movimento, há de se destacar Charles Fox Parham, uma figura emblemática entre
os pioneiros do pentecostal lismo, pois se tornou o primeiro pregador a fazer a
ligação entre experiências extáticas, com manifestações de transes e glossolalias (o
falar em “línguas desconhecidas”), e a teoria do “batismo com o Espírito Santo [...].
Essa experiência mística foi identificada por eles como idêntica à que tiveram os
apóstolos de Jesus no período da Festa de Pentecostes (CAMPOS, 2005, p. 108).
Seymour, foi aluno de Parham em 1905 numa escola bíblica em Houston no
Texas. Porém devido ao racismo vigente à época, assistia às aulas numa cadeira
colocada no corredor, do lado de fora da sala. Uma questão pode ficar no ar, por
que Seymour é mais lembrado que Parham na história do movimento pentecostal.
Campos traz alguma luz sobre o assunto:
No entanto, não sem motivos, a historiografia do pentecostalismo
tende a ocultar o papel de Parham, talvez por causa de acusações de
homossexualidade, de suas notórias inclinações racistas e simpatias
com a Ku Klux Klan e também por defender algumas doutrinas
consideradas estranhas pelos americanos, entre outras, a crença de
que os anglo-saxões seriam descendentes das dez tribos perdidas de
Israel após o exílio na Assíria. (CAMPOS, 2005, p. 104).
Embora o movimento de Parahm não tenha alcançado a notoriedade de
Azuza Street, ele foi decisivo na disseminação do Pentecostalismo.
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Inicialmente a concepção de Seymour era de que o batismo com Espírito
Santo era uma terceira benção e definia o processo assim: regeneração, santificação
e batismo com Espírito Santo. Entre os participantes de suas reuniões estava o
pastor da Igreja Batista de Chicago, W. H. Durahm, que posteriormente retificou a
proposta de Seymour dizendo que a justificação/regeneração já era o início da
santificação, sendo, portanto, o batismo no Espírito Santo a “segunda benção”
(MENDONÇA, 1997, p. 156).
Vários missionários foram influenciados por Durahm, entre eles destacamos
Louis Francescon (fundador da Congregação Cristã no Brasil), Daniel Berg e Gunar
Vingren (fundadores das Assembleias de Deus no Brasil) e Robert Semple (que
posteriormente se casou com Aimee Semple McPherson fundadora da Igreja
Internacional do Evangelho Quadrangular).
Foi ainda a partir do avivamento de Azuza, que surgiram as duas principais
denominações pentecostais norte americanas. Aquela forte integração racial
promovida nos primeiro anos do avivamento, infelizmente arrefeceu, originando As
Igrejas de Deus (que congregaram os negros do movimento) e as Assembleias de
Deus norte americanas (que congregaram os brancos do movimento). Sem dúvida
surgiram dezenas de outras denominações à partir deste movimento, mas estas são
as mais expressivas.
No Brasil, o movimento pentecostal, surgiu quase que paralelamente ao
movimento norte-americano, em 1910 na cidade de Santo Antonio da Platina no
Paraná nasce a Congregação Cristã do Brasil, fruto dos trabalhos evangelísticos do
italiano
Louis
Francescon,
um
presbiteriano
influenciado
pelo
movimento
pentecostal, que posteriormente seguiu para o bairro do Brás em São Paulo, para
ali também estabelecer o trabalho da Congregação entre imigrantes italianos. A
Congregação é uma igreja pentecostal e calvinista em sua origem, porém por se
tratar de uma denominação a-teológica, na atualidade há grandes traços
arminianos em sua prática.
No mesmo ano de 1910 os missionários suecos Daniel Berg e Gunnar
Vingren, aportam em Belém do Pará com a mensagem pentecostal. Eles se unem a
uma igreja batista, começando com reuniões de oração onde alguns irmãos são
batizados com o Espírito Santo, e em meados de junho de 1911, eles e mais
dezenove irmãos são excluídos da Igreja Batista e fundam uma Comunidade que
mais tarde ser tornaria a Assembleia de Deus, que viria a ser a maior denominação
pentecostal da América Latina. Atualmente metades dos pentecostais brasileiros
pertencem a esta denominação, cujo crescimento se deu inicialmente no norte e
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nordeste e posteriormente acompanhou o grande fluxo migratório brasileiro das
regiões norte e nordeste para as regiões sul e sudeste.
Embora essas igrejas fossem pentecostais, nunca deram forte ênfase à cura
divina. Mas isso mudaria na década de 50 com a chegada de uma nova
denominação pentecostal no Brasil. Dois missionários, o americano Harold
Willians2 e o peruano Jesus Hermírio Vasques Ramos, chegam ao Brasil e no dia 15
de novembro de 1951 inauguram a Igreja do Evangelho Quadrangular em São João
da Boa Vista/SP.
Após a implantação da igreja em São João da Boa Vista, o missionário
Harold Willians, foi convidado a pregar na Igreja Presbiteriana Independente do
Cambuci e pouco tempo depois implantou uma tenda de lona no mesmo bairro,
dando início à “Cruzada Nacional de Evangelização”, um movimento evangelístico,
cuja ênfase era a cura divina.
Esse movimento cresceu rapidamente, chamando a atenção de outros
pastores pentecostais ou não que se uniram à Cruzada. A partir deste movimento
no Cambuci, além da expansão da Igreja do Evangelho Quadrangular, no ano de
1955, surgiu a Igreja O Brasil para Cristo, que por sua vez em 1962 deu origem a
Igreja Pentecostal Deus é Amor3.
Após essas igrejas, com forte ênfase na cura divina, que surge o movimento
neopentecostal
no
Brasil.
Embora
elas
não
possam
ser
consideradas
neopentecostais por sua origem histórica, não há como negar que se tornaram
mães desse novo movimento.
Essa breve história serve para delimitar o pentecostalismo que será abordado
neste artigo, o que costumeiramente chamamos de Pentecostalismo Clássico
Brasileiro, aquele pra- ticado pelas igrejas do início do século: Assembléia de Deus,
Congregação Cristã no Brasil, e outras que surgiram até meados da década de 60.
2.
Por que uma teologia pentecostal?
Já é sabido, que no mundo acadêmico teológico/cristão, o movimento
pentecostal é visto com um “certo ar de desdém”. Em parte por culpa do próprio
pentecostalismo, conforme Pommerening descreve:
A ideia negativa em relação aos estudos tem dado margem para que
2 Missionário da Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular, fundada em 1923 em Los
Angelas CA - USA
3 Além das denominações listadas, a partir da década de 60, também houve “rachas” nas
denominações histórias, devido aos movimentos de renovação que originaram a Convenção Batista
Nacional, a Igreja Presbiteriana Renovada, os metodistas wesleyanos, e outras...
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os pentecostais sejam acusados de forma pejorativa, [...] de enfatizar
a experiência ao invés do conhecimento das escrituras, caindo no
perigo do subjetivismo, permitindo a livre interpretação do texto
bíblico [...]; fazer pouco esforço para produzir literatura teológica
especializada; rejeitar a análise intelectual da experiência religiosa
pentecostal, com receio de esvaziá-la; ter um leve aborrecimento
quando o assunto é formação intelectual; faltar uma boa exegese e
hermenêutica no preparo de sermão e aulas [...] (POMMERENING,
2014, p. 90-91).
Além do exposto, há de se considerar que o pentecostalismo é um movimento
relativamente recente no cristianismo. Foi em sua origem duramente combatido
pelos movimentos protestantes e católicos já estabelecidos; e ainda enfrentou o
ressentimento de muitas denominações que sofreram com “rachas” provocados
pelos movimentos de renovação. Trata-se de uma ruptura com o cristianismo
estabelecido e ao mesmo tempo de continuidade, numa resposta do cristianismo à
modernidade. Essa ruptura impede os movimentos estabelecidos de reconhecer a
continuidade, considerando o pentecostalismo como herético, adotando postura
apologética que os coloca numa posição de vantagem sobre o Pentecostalismo,
conforme expressou Campos:
Nada mais deformador da realidade a ser analisada, do que o
discurso ideológico-apologético, articulado por uma instituição
qualquer. É um discurso superficial, simplista e que se coloca a
priori, em posição de vantagem diante do outro, que por definição é
herético. Rubem Alves escreveu que situações de rupturas e de crise
criam condições para o surgimento de discursos de reformulação ou
reafirmação de “programações” institucionais. É nesse clima que
surge a linguagem da inquisição e do dogmatismo dos que, por
pensarem que detém a verdade, estão condenados a se tornarem
inquisidores (CAMPOS, 1995, p. 29).
A despeito da inquisição enfrentada pelo movimento, é senso comum que há
carência de uma teologia. No entanto, fica evidente que está em formação um
grande movimento, com potencial para articular, por si mesmo, sua teologia
(MCGRATH, 2005, p. 162). A teologia pentecostal deve emergir a partir do próprio
movimento com suas características experienciais, e sem desprezar o contexto em
que acontece. E isso nos leva a pensar em pentecostalismos e suas teologias, não
limitando a existência de uma única teologia pentecostal, dado ao grande universo
que esse movimento abrange.
Oliveira nos chama a atenção para a importância de distinguirmos um
elemento geral (a pentecostalidade) do pentecostalismo, que é a versão religiosa
desse fenômeno, não permitindo que se restrinja a essa versão (OLIVEIRA, 2011, p.
91).
O pentecostalismo é uma das manifestações, e não a única, que corresponde
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historicamente ao que ocorreu na igreja primitiva, no evento que ficou conhecido
como Pentecostes. A narrativa bíblica do capítulo dois do livro de Atos dos
Apóstolos mostra a sequência de eventos que aconteceram:
Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no
mesmo lugar; de repente veio do céu um ruído, como de um vento
impetuoso, que encheu toda a casa onde estavam sentados e lhes
apareceram umas como línguas de fogo, as quais se distribuíram,
para repousar sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito
Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito
lhes concedia que falassem (Bíblia Sagrada. N.T. Atos 2.1-4).
Além do texto do capítulo dois, há outras narrativas que atestam a
experiência do falar em línguas no livro de Atos (10.46; 19.6). Porém a experiência
mística desses primeiros cristãos não se limitou a falar em outras línguas. Outras
manifestações ocorreram, e Pedro em seu discurso, logo após o Pentecostes, faz
menção à profecia de Joel onde outras manifestações são descritas...
A experiência pentecostal, não se limita ao falar em outras línguas, embora
não se possa negar que se trata duma característica marcante do movimento, a
ponto de alguns grupos enxergarem nesta experiência a evidência do batismo no
Espírito Santo. É uma experiência mística, que envolve também outros fenômenos.
A busca por uma espiritualidade mais profunda, numa comunhão mais
intensa com a Divindade não é novidade na história do cristianismo, conforme
relata Antonio Gouvêa Mendonça:
Em particular dentro da história do cristianismo, a busca de uma
religiosidade mais intensa a partir de um contato mais íntimo com
Deus passa pelo misticismo, pietimos, pelas ordens mendicantes e
pelas religiões de pobreza lideradas por leigos. Em geral, são
movimentos que ocorrem à margem da Igreja Oficial (MENDONÇA,
1997, p. 151-152).
Em particular no Pentecostalismo, essa religiosidade mais intensa ao que
parece esta saindo da margem do mundo religioso e ocupando posição de destaque,
a ponto de chamar atenção da cristandade para esse fenômeno.
Porém, nessa busca pela espiritualidade, a intelectualidade foi sendo
relegada a um segundo plano, e por vezes até esquecida. Ao passo que cresceram
na experiência pentecostal, procurando reproduzir o Pentecostes, interpretado
sempre literalmente, a reflexão, que seria capaz de produzir uma teologia que
correspondesse ao movimento, não alçou lugar de destaque.
Entende-se que a grande dificuldade de se teologizar a partir da experiência
está na herança deixada pelos primeiros pentecostais, que queriam algo prático e
renovador. Não se preocupavam em tematizar essa experiência. Apenas em vivê-la
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(OLIVEIRA, 2011, p. 94).
Após completar seu primeiro século de existência, o pentecostalismo
moderno brasileiro, empreende seus primeiros esforços num sentido de produzir
reflexão
teológica.
Emergem,
do
próprio
movimento,
focos
de
discussões,
seminários, congressos, etc... com intuito de produzir e registrar uma teologia que
corresponda à experiência pentecostal. De acordo com Schleiermarcher, a
experiência do crente é alguma coisa dada positivamente, e a tarefa do teólogo é
analisá-la e ver o que significa para a doutrina cristã (MACKINTOSH, 2004, p. 71).
Friedrich Schleiermarcher é um teólogo moderno do período conhecido como
Romantismo, surgido no final do século XVIII e caracterizado por seu rompimento
com a modernidade e seu racionalismo, e o iluminismo idealista. Em sua obra
Schleiermarcher assevera:
[...] a dogmática é essencialmente um estudo histórico. Segundo
explica, isto pode ser afirmado porque a dogmática tem como
objetivo a vida cristã em sua atualidade, partindo da fé como existe
na Igreja hoje. É história, mas história do presente. A dogmática deve
levar em conta os credos e as confissões que, com razão ou sem ela,
influenciam a mente da Igreja, e deve aplicar-lhes os métodos
científicos que prevalecem no mundo moderno. Portanto, sua tarefa
pode ser definida como a de oferecer uma visão ordenada e orgânica
das doutrinas que sustentam certa igreja, em dado momento. [...] A
dogmática ocupa-se, não com o que se creu, nem como que se crê
atualmente, mas com o que deve ser crido por aqueles a quem Deus
tem falado em sua revelação (MACKINTOSH, 2004, p. 71).
Partindo deste pressuposto, podemos validar o surgimento de uma teologia
pentecostal, pois ela surge da vida cristã em sua atualidade, o pentecostalismo é
um movimento que reflete uma igreja de hoje, numa resposta do cristianismo à
modernidade. Daí a importância de se teologizar a experiência pentecostal.
3.
Caminhos para uma teologia pentecostal
Uma vez identificada a necessidade do surgimento de uma teologia
pentecostal, cabe agora encontrar o caminho, um método, a forma de se teologizar à
partir da experiência. De acordo com Oliveira:
Uma teologia pentecostal está dada pela relação intensa que
desenvolve com o templo (alta frequência), com a Bíblia (paixão pelas
escrituras, mormente lida e aplicada literalmente), com a atualidade
dos dons espirituais (capacitação e sacerdócio de todos os crentes),
com a escatologia (esperança de novo céu e do encontro com Cristo)
e com a missão (anunciam em qualquer lugar e a todos) (OLIVEIRA,
2011, p. 94).
Podemos dizer que a relação explicita por Oliveira, nasce como fruto de uma
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experiência espiritual, entre o ser do humano e o ser do Divino, digo, entre o
espírito do humano e o Espírito do Divino. Por certo então que a reflexão teológica,
sob uma perspectiva pentecostal, deve partir desta relação: a manifestação do
Espírito Divino no espírito humano. Definir esta experiência não é tarefa fácil,
porém não pode ser negligenciada na construção de uma teologia pentecostal.
A palavra espírito, com letra minúscula aqui, será utilizada para duas
finalidades, conforme definidas por Tillich:
[...] primeiro, para dar nome adequado àquela função da vida que
caracteriza o ser humano como humano e que se torna efetiva na
moralidade, na cultura e na religião; segundo, para fornecer o
material simbólico que se utiliza nos símbolos “Espírito divino” ou
“Presença Espiritual” (TILLICH, 2014, p. 567).
O “espírito” então será o material simbólico onde a experiência espiritual
acontecerá. Comumente dizemos que nesta experiência espiritual o Espírito Divino
habita no espírito humano, porém há uma implicação desta relação do divino com o
humano, do incondicional com o condicionado e do fundamento criativo com a
existência da criatura (TILLICH, 2014, p. 567).
Embora a Divindade tenha sido capaz de experienciar nossa humanidade na
encarnação (Bíblia Sagrada. N.T. Filipenses 2.6-8), aqui não se trata de uma
encarnação do Espírito Divino, e sim de uma ação e manifestação em nosso
espírito. A forma como essa ação/manifestação se dá comumente chamamos de
“êxtase”.
O espírito, uma dimensão da vida finita, é levado a uma
autotranscendência efetiva; é possuído por algo último e
incondicional. Ele continua a ser espírito humano; continua a ser o
que é, mas, ao mesmo tempo, sai de si mesmo sob o impacto do
Espírito Divino (TILLICH, 2014, p. 568).
A experiência extática não subjuga o espírito humano, caso o fizesse, isto
representaria possessão demoníaca em vez de presença criativa do Espírito
(TILLICH, 2014, p. 568).
Tendo, ainda que de forma sucinta, definido a ação extática do Espírito
Divino no espírito humano e reconhecendo que a reflexão teológica, sob uma
perspectiva
pentecostal
,deve
partir
desta
experiência
extática,
precisamos
compreender então a diferença entre uma teologia reflexiva e uma de caráter mais
devocional, que é amplamente praticado nos institutos bíblicos e seminários de
cunho pentecostal.
A maioria das escolas de formação existentes (no meio pentecostal)
reafirmam as teologias importadas dos Estados Unidos no início do
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século XX, e quando há novas assimilações teológicas, estas
retratam uma decadência em direção ao neopentecostalismo. Não se
faz escola teológica no Brasil, fizeram-se cursos bíblico/devocionais
que retratassem aquilo que a liderança entendia como teologia.
Colocaram-se ferramentas prontas nas mãos dos novos líderes, ao
invés de instrumentos que ensinassem a refletir, capazes de fazer
frente às novas demandas da igreja e da sociedade (POMMERENING,
2014, p. 93-94).
Posto isto, como consequência temos poucos teólogos no meio pentecostal
com capacidade reflexiva e geradora de teologia. Aliar ou encontrar o equilíbrio
entre a experiência pentecostal, que está relacionada à forma como Deus se revela e
manifesta à humanidade, com a reflexão mais racional e sistemática, que garantirá
um mínimo de dogmas para não se perder (POMMERENING, 2014, p. 98), é um
caminho de se teologizar pentecostalmente.
Se por um lado, o movimento pentecostal cresceu em sua relação
experiencial,
carecemos
agora
crescer
em
reflexão
sistematizada,
porém
reconhecendo que teologizar é um exercício de pensamento que não se esgota
(SANCHES, 2013, p. 19).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sistematizar o pensamento teológico não é tarefa fácil. Primeiramente porque
a vida é dinâmica, e segundo porque corremos o sério risco de pensar que a vida
precisa corresponder ao pensamento teológico, enquanto a realidade é que o
pensamento teológico precisa responder e corresponder à vida.
Teologizar a partir do contexto pentecostal, pode tornar o labor ainda mais
árduo. Um movimento averso ao pensamento teológico mais sistematizado e
cartesiano e cujas bases, experiências, historicamente, moldaram sua forma de ser
e pensar, faz com que a tarefa seja mais desafiadora.
Presenciamos hoje, o surgimento dos primeiros esforços para se produzir
uma reflexão teológica pentecostal. Embora ainda de forma tímida, como os
primeiros passos de um bebê, novos teólogos começam a despontar. Um movimento
que completou o seu primeiro centenário, à despeito das expectativas de
arrefecimento, mostrou que veio para ficar.
Da mesma forma que encontrou seu espaço na contemporaneidade, tendo
hoje representação em quase todos os ramos da cristandade (de católicos a
protestantes, de tradicionais a renovados, etc.), o surgimento e estabelecimento de
uma teologia pentecostal permitirá que o movimento encontre seu espaço
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acadêmico, ao lado de outras grandes tradições cristãs.
De esforço em esforço, de publicação em publicação, pensadores pentecostais
colocam o pentecostalismo em pauta. Que a mesma chama dos primórdios do
movimento, incendeie homens e mulheres, que cheios do Espírito Santo possam
teologizar com poder e unção tipicamente pentecostais.
REFERÊNCIAS
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I. Teologia em língua estranha: mutismo entre anti-intelectualismo e
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