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67 PENTECOSTAIS: história, contexto e caminhos para teologizar. Myckon Alves de Oliveira* Resumo O artigo descreve um breve resumo da história do pentecostalismo, enfatizando sua origem nos EUA e a forma como derrubou barreiras que pareciam intransponíveis, sua chegada ao Brasil e seu desenvolvimento até a década de 60. Faz uma reflexão sobre a importância do surgimento de uma teologia de cunho pentecostal e conclui apontando que uma reflexão teológica pentecostal deve partir da experiência entre o Espírito Divino e o espírito humano, sem, porém desprezar certa dose de dogmatismo que garantirá equilíbrio necessário à reflexão. Palavras-Chave: Pentecostalismo, Reflexão teológica, Espírito Santo, Contexto, Êxtase. Abstract The article describes a brief overview of the history of Pentecostalism, emphasizing its origin in the USA and how it dropped barriers that seemed insurmountable, his arrival in Brazil and its development until the 60s. It makes a reflection on the importance of the emergence of a Pentecostal theology and concludes by pointing out that a Pentecostal theological reflection must start from the experience between the Divine spirit and the human spirit, without, however despise certain amount of dogmatism that ensures the balance required for reflection. Keywords: Pentecostalism, theological reflection, Holy Spirit, Context, Ecstasy. * Graduando em [email protected] Teologia pela FNB – Faculdade DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. Nazarena do Brasil. E-mail: INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 68 INTRODUÇÃO Uma breve história do movimento pentecostal é capaz de nos levar a refletir sobre a importância deste movimento no resgate de uma fé e experiência religiosa mais intensa. Um movimento que corresponde ao contexto e é capaz de promover mudanças antes engessadas pelo dogmatismo congelante. Assim como a água que corre livremente é o movimento pentecostal. Porém para que essa água não provoque estragos por onde passa, ela precisa de um leito que delimite seu espaço, e que a ajude a percorrer o caminho sem comprometer a integridade da vida. Reconhecer a necessidade da existência deste leito é descobrir o porquê de uma teologia pentecostal. O caminho que a água percorre, nem sempre é simples. A construção adequada deste leito implica em garantir o livre fluxo da água, e ainda que barragens precisem ser construídas ao longo do caminho, a vazão precisa ser o suficiente para que o fluxo continue ao mesmo tempo em que garanta que lixo e detritos não se acumulem, permitindo que ela permaneça limpa. Os caminhos para uma teologia pentecostal, assim como a construção deste percurso da água, devem garantir uma reflexão teológica que não comprometa o livre mover do Espírito Santo. Esta é a proposta deste artigo, indicar caminhos para a construção de uma teologia pentecostal, que não despreze a história do movimento e o contexto onde ele acontece, compreendendo que se trata de um movimento do Espírito e pelo Espírito, capaz de produzir reflexão teológica que corresponda aos anseios da vida. 1. Uma breve história do movimento pentecostal moderno O moderno movimento pentecostal1 tem sua origem no histórico avivamento de Azuza Street em Los Angeles - CA, no início do século XX, entre os anos de 1906 e 1915. Era uma época em que a segregação racial afetava largamente a nação norte americana. E além das manifestações de êxtase acompanhadas pelos dons de falar em outras línguas, havia uma forte integração racial e de gênero promovida pelo avivamento, assim, nesses anos iniciais de Azuza Street, parecia que o poder do Espírito iria romper as barreiras de separação entre ricos e pobres, brancos e negros e homens e mulheres. O Espírito de Deus, assim acreditavam os pioneiros 1 Chamo de “Moderno”, porque as características ou manifestações pentecostais, conforme descritas no livro de Atos são encontradas em vários momentos da história, como entre os Montanistas no século II da era cristã, entre outros. DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 69 do pentecostalismo, agora administrado por um filho de ex-escravos, Willian Seymour, romperia com “the color line” (CAMPOS, 2005, p. 112). Sobre Willian Joseph Seymour e o início do movimento de Azuza, Campos ainda diz: Um negro, filho de ex-escravos da Louisiana, então com 36 anos de idade, começou, em abril de 1906, num templo abandonado de uma igreja metodista africana, no bairro negro de Los Angeles, uma caixapreta, da qual começaram a sair gritos, convulsões, profecias, glossolalias, curas, milagres, prodígios e toda sorte de coisas, que rapidamente chamou a atenção da imprensa e, por meio dela, de todo o país (CAMPOS, 2005, p. 110). Mas ainda no final do século XIX, antes mesmo do Avivamento de Azuza Street, emergia do movimento de santidade, das igrejas holiness, focos de avivamento. Convites eram dirigidos ao público: “nós afetuosamente convidamos a todos […] a vir conosco e gastar uma semana com Deus no grande templo da natureza”. Para esses eventos, havia convites que incluíam expressões como “receber o batismo com o Espírito Santo” (CAMPOS, 2005, p. 106). Experiências extáticas, que mais tarde se tornariam identitárias do movimento pentecostal, aconteciam nestes encontros. Entre as principais personagens, e que teve um papel singular no movimento, há de se destacar Charles Fox Parham, uma figura emblemática entre os pioneiros do pentecostal lismo, pois se tornou o primeiro pregador a fazer a ligação entre experiências extáticas, com manifestações de transes e glossolalias (o falar em “línguas desconhecidas”), e a teoria do “batismo com o Espírito Santo [...]. Essa experiência mística foi identificada por eles como idêntica à que tiveram os apóstolos de Jesus no período da Festa de Pentecostes (CAMPOS, 2005, p. 108). Seymour, foi aluno de Parham em 1905 numa escola bíblica em Houston no Texas. Porém devido ao racismo vigente à época, assistia às aulas numa cadeira colocada no corredor, do lado de fora da sala. Uma questão pode ficar no ar, por que Seymour é mais lembrado que Parham na história do movimento pentecostal. Campos traz alguma luz sobre o assunto: No entanto, não sem motivos, a historiografia do pentecostalismo tende a ocultar o papel de Parham, talvez por causa de acusações de homossexualidade, de suas notórias inclinações racistas e simpatias com a Ku Klux Klan e também por defender algumas doutrinas consideradas estranhas pelos americanos, entre outras, a crença de que os anglo-saxões seriam descendentes das dez tribos perdidas de Israel após o exílio na Assíria. (CAMPOS, 2005, p. 104). Embora o movimento de Parahm não tenha alcançado a notoriedade de Azuza Street, ele foi decisivo na disseminação do Pentecostalismo. DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 70 Inicialmente a concepção de Seymour era de que o batismo com Espírito Santo era uma terceira benção e definia o processo assim: regeneração, santificação e batismo com Espírito Santo. Entre os participantes de suas reuniões estava o pastor da Igreja Batista de Chicago, W. H. Durahm, que posteriormente retificou a proposta de Seymour dizendo que a justificação/regeneração já era o início da santificação, sendo, portanto, o batismo no Espírito Santo a “segunda benção” (MENDONÇA, 1997, p. 156). Vários missionários foram influenciados por Durahm, entre eles destacamos Louis Francescon (fundador da Congregação Cristã no Brasil), Daniel Berg e Gunar Vingren (fundadores das Assembleias de Deus no Brasil) e Robert Semple (que posteriormente se casou com Aimee Semple McPherson fundadora da Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular). Foi ainda a partir do avivamento de Azuza, que surgiram as duas principais denominações pentecostais norte americanas. Aquela forte integração racial promovida nos primeiro anos do avivamento, infelizmente arrefeceu, originando As Igrejas de Deus (que congregaram os negros do movimento) e as Assembleias de Deus norte americanas (que congregaram os brancos do movimento). Sem dúvida surgiram dezenas de outras denominações à partir deste movimento, mas estas são as mais expressivas. No Brasil, o movimento pentecostal, surgiu quase que paralelamente ao movimento norte-americano, em 1910 na cidade de Santo Antonio da Platina no Paraná nasce a Congregação Cristã do Brasil, fruto dos trabalhos evangelísticos do italiano Louis Francescon, um presbiteriano influenciado pelo movimento pentecostal, que posteriormente seguiu para o bairro do Brás em São Paulo, para ali também estabelecer o trabalho da Congregação entre imigrantes italianos. A Congregação é uma igreja pentecostal e calvinista em sua origem, porém por se tratar de uma denominação a-teológica, na atualidade há grandes traços arminianos em sua prática. No mesmo ano de 1910 os missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, aportam em Belém do Pará com a mensagem pentecostal. Eles se unem a uma igreja batista, começando com reuniões de oração onde alguns irmãos são batizados com o Espírito Santo, e em meados de junho de 1911, eles e mais dezenove irmãos são excluídos da Igreja Batista e fundam uma Comunidade que mais tarde ser tornaria a Assembleia de Deus, que viria a ser a maior denominação pentecostal da América Latina. Atualmente metades dos pentecostais brasileiros pertencem a esta denominação, cujo crescimento se deu inicialmente no norte e DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 71 nordeste e posteriormente acompanhou o grande fluxo migratório brasileiro das regiões norte e nordeste para as regiões sul e sudeste. Embora essas igrejas fossem pentecostais, nunca deram forte ênfase à cura divina. Mas isso mudaria na década de 50 com a chegada de uma nova denominação pentecostal no Brasil. Dois missionários, o americano Harold Willians2 e o peruano Jesus Hermírio Vasques Ramos, chegam ao Brasil e no dia 15 de novembro de 1951 inauguram a Igreja do Evangelho Quadrangular em São João da Boa Vista/SP. Após a implantação da igreja em São João da Boa Vista, o missionário Harold Willians, foi convidado a pregar na Igreja Presbiteriana Independente do Cambuci e pouco tempo depois implantou uma tenda de lona no mesmo bairro, dando início à “Cruzada Nacional de Evangelização”, um movimento evangelístico, cuja ênfase era a cura divina. Esse movimento cresceu rapidamente, chamando a atenção de outros pastores pentecostais ou não que se uniram à Cruzada. A partir deste movimento no Cambuci, além da expansão da Igreja do Evangelho Quadrangular, no ano de 1955, surgiu a Igreja O Brasil para Cristo, que por sua vez em 1962 deu origem a Igreja Pentecostal Deus é Amor3. Após essas igrejas, com forte ênfase na cura divina, que surge o movimento neopentecostal no Brasil. Embora elas não possam ser consideradas neopentecostais por sua origem histórica, não há como negar que se tornaram mães desse novo movimento. Essa breve história serve para delimitar o pentecostalismo que será abordado neste artigo, o que costumeiramente chamamos de Pentecostalismo Clássico Brasileiro, aquele pra- ticado pelas igrejas do início do século: Assembléia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, e outras que surgiram até meados da década de 60. 2. Por que uma teologia pentecostal? Já é sabido, que no mundo acadêmico teológico/cristão, o movimento pentecostal é visto com um “certo ar de desdém”. Em parte por culpa do próprio pentecostalismo, conforme Pommerening descreve: A ideia negativa em relação aos estudos tem dado margem para que 2 Missionário da Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular, fundada em 1923 em Los Angelas CA - USA 3 Além das denominações listadas, a partir da década de 60, também houve “rachas” nas denominações histórias, devido aos movimentos de renovação que originaram a Convenção Batista Nacional, a Igreja Presbiteriana Renovada, os metodistas wesleyanos, e outras... DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 72 os pentecostais sejam acusados de forma pejorativa, [...] de enfatizar a experiência ao invés do conhecimento das escrituras, caindo no perigo do subjetivismo, permitindo a livre interpretação do texto bíblico [...]; fazer pouco esforço para produzir literatura teológica especializada; rejeitar a análise intelectual da experiência religiosa pentecostal, com receio de esvaziá-la; ter um leve aborrecimento quando o assunto é formação intelectual; faltar uma boa exegese e hermenêutica no preparo de sermão e aulas [...] (POMMERENING, 2014, p. 90-91). Além do exposto, há de se considerar que o pentecostalismo é um movimento relativamente recente no cristianismo. Foi em sua origem duramente combatido pelos movimentos protestantes e católicos já estabelecidos; e ainda enfrentou o ressentimento de muitas denominações que sofreram com “rachas” provocados pelos movimentos de renovação. Trata-se de uma ruptura com o cristianismo estabelecido e ao mesmo tempo de continuidade, numa resposta do cristianismo à modernidade. Essa ruptura impede os movimentos estabelecidos de reconhecer a continuidade, considerando o pentecostalismo como herético, adotando postura apologética que os coloca numa posição de vantagem sobre o Pentecostalismo, conforme expressou Campos: Nada mais deformador da realidade a ser analisada, do que o discurso ideológico-apologético, articulado por uma instituição qualquer. É um discurso superficial, simplista e que se coloca a priori, em posição de vantagem diante do outro, que por definição é herético. Rubem Alves escreveu que situações de rupturas e de crise criam condições para o surgimento de discursos de reformulação ou reafirmação de “programações” institucionais. É nesse clima que surge a linguagem da inquisição e do dogmatismo dos que, por pensarem que detém a verdade, estão condenados a se tornarem inquisidores (CAMPOS, 1995, p. 29). A despeito da inquisição enfrentada pelo movimento, é senso comum que há carência de uma teologia. No entanto, fica evidente que está em formação um grande movimento, com potencial para articular, por si mesmo, sua teologia (MCGRATH, 2005, p. 162). A teologia pentecostal deve emergir a partir do próprio movimento com suas características experienciais, e sem desprezar o contexto em que acontece. E isso nos leva a pensar em pentecostalismos e suas teologias, não limitando a existência de uma única teologia pentecostal, dado ao grande universo que esse movimento abrange. Oliveira nos chama a atenção para a importância de distinguirmos um elemento geral (a pentecostalidade) do pentecostalismo, que é a versão religiosa desse fenômeno, não permitindo que se restrinja a essa versão (OLIVEIRA, 2011, p. 91). O pentecostalismo é uma das manifestações, e não a única, que corresponde DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 73 historicamente ao que ocorreu na igreja primitiva, no evento que ficou conhecido como Pentecostes. A narrativa bíblica do capítulo dois do livro de Atos dos Apóstolos mostra a sequência de eventos que aconteceram: Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente veio do céu um ruído, como de um vento impetuoso, que encheu toda a casa onde estavam sentados e lhes apareceram umas como línguas de fogo, as quais se distribuíram, para repousar sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem (Bíblia Sagrada. N.T. Atos 2.1-4). Além do texto do capítulo dois, há outras narrativas que atestam a experiência do falar em línguas no livro de Atos (10.46; 19.6). Porém a experiência mística desses primeiros cristãos não se limitou a falar em outras línguas. Outras manifestações ocorreram, e Pedro em seu discurso, logo após o Pentecostes, faz menção à profecia de Joel onde outras manifestações são descritas... A experiência pentecostal, não se limita ao falar em outras línguas, embora não se possa negar que se trata duma característica marcante do movimento, a ponto de alguns grupos enxergarem nesta experiência a evidência do batismo no Espírito Santo. É uma experiência mística, que envolve também outros fenômenos. A busca por uma espiritualidade mais profunda, numa comunhão mais intensa com a Divindade não é novidade na história do cristianismo, conforme relata Antonio Gouvêa Mendonça: Em particular dentro da história do cristianismo, a busca de uma religiosidade mais intensa a partir de um contato mais íntimo com Deus passa pelo misticismo, pietimos, pelas ordens mendicantes e pelas religiões de pobreza lideradas por leigos. Em geral, são movimentos que ocorrem à margem da Igreja Oficial (MENDONÇA, 1997, p. 151-152). Em particular no Pentecostalismo, essa religiosidade mais intensa ao que parece esta saindo da margem do mundo religioso e ocupando posição de destaque, a ponto de chamar atenção da cristandade para esse fenômeno. Porém, nessa busca pela espiritualidade, a intelectualidade foi sendo relegada a um segundo plano, e por vezes até esquecida. Ao passo que cresceram na experiência pentecostal, procurando reproduzir o Pentecostes, interpretado sempre literalmente, a reflexão, que seria capaz de produzir uma teologia que correspondesse ao movimento, não alçou lugar de destaque. Entende-se que a grande dificuldade de se teologizar a partir da experiência está na herança deixada pelos primeiros pentecostais, que queriam algo prático e renovador. Não se preocupavam em tematizar essa experiência. Apenas em vivê-la DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 74 (OLIVEIRA, 2011, p. 94). Após completar seu primeiro século de existência, o pentecostalismo moderno brasileiro, empreende seus primeiros esforços num sentido de produzir reflexão teológica. Emergem, do próprio movimento, focos de discussões, seminários, congressos, etc... com intuito de produzir e registrar uma teologia que corresponda à experiência pentecostal. De acordo com Schleiermarcher, a experiência do crente é alguma coisa dada positivamente, e a tarefa do teólogo é analisá-la e ver o que significa para a doutrina cristã (MACKINTOSH, 2004, p. 71). Friedrich Schleiermarcher é um teólogo moderno do período conhecido como Romantismo, surgido no final do século XVIII e caracterizado por seu rompimento com a modernidade e seu racionalismo, e o iluminismo idealista. Em sua obra Schleiermarcher assevera: [...] a dogmática é essencialmente um estudo histórico. Segundo explica, isto pode ser afirmado porque a dogmática tem como objetivo a vida cristã em sua atualidade, partindo da fé como existe na Igreja hoje. É história, mas história do presente. A dogmática deve levar em conta os credos e as confissões que, com razão ou sem ela, influenciam a mente da Igreja, e deve aplicar-lhes os métodos científicos que prevalecem no mundo moderno. Portanto, sua tarefa pode ser definida como a de oferecer uma visão ordenada e orgânica das doutrinas que sustentam certa igreja, em dado momento. [...] A dogmática ocupa-se, não com o que se creu, nem como que se crê atualmente, mas com o que deve ser crido por aqueles a quem Deus tem falado em sua revelação (MACKINTOSH, 2004, p. 71). Partindo deste pressuposto, podemos validar o surgimento de uma teologia pentecostal, pois ela surge da vida cristã em sua atualidade, o pentecostalismo é um movimento que reflete uma igreja de hoje, numa resposta do cristianismo à modernidade. Daí a importância de se teologizar a experiência pentecostal. 3. Caminhos para uma teologia pentecostal Uma vez identificada a necessidade do surgimento de uma teologia pentecostal, cabe agora encontrar o caminho, um método, a forma de se teologizar à partir da experiência. De acordo com Oliveira: Uma teologia pentecostal está dada pela relação intensa que desenvolve com o templo (alta frequência), com a Bíblia (paixão pelas escrituras, mormente lida e aplicada literalmente), com a atualidade dos dons espirituais (capacitação e sacerdócio de todos os crentes), com a escatologia (esperança de novo céu e do encontro com Cristo) e com a missão (anunciam em qualquer lugar e a todos) (OLIVEIRA, 2011, p. 94). Podemos dizer que a relação explicita por Oliveira, nasce como fruto de uma DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 75 experiência espiritual, entre o ser do humano e o ser do Divino, digo, entre o espírito do humano e o Espírito do Divino. Por certo então que a reflexão teológica, sob uma perspectiva pentecostal, deve partir desta relação: a manifestação do Espírito Divino no espírito humano. Definir esta experiência não é tarefa fácil, porém não pode ser negligenciada na construção de uma teologia pentecostal. A palavra espírito, com letra minúscula aqui, será utilizada para duas finalidades, conforme definidas por Tillich: [...] primeiro, para dar nome adequado àquela função da vida que caracteriza o ser humano como humano e que se torna efetiva na moralidade, na cultura e na religião; segundo, para fornecer o material simbólico que se utiliza nos símbolos “Espírito divino” ou “Presença Espiritual” (TILLICH, 2014, p. 567). O “espírito” então será o material simbólico onde a experiência espiritual acontecerá. Comumente dizemos que nesta experiência espiritual o Espírito Divino habita no espírito humano, porém há uma implicação desta relação do divino com o humano, do incondicional com o condicionado e do fundamento criativo com a existência da criatura (TILLICH, 2014, p. 567). Embora a Divindade tenha sido capaz de experienciar nossa humanidade na encarnação (Bíblia Sagrada. N.T. Filipenses 2.6-8), aqui não se trata de uma encarnação do Espírito Divino, e sim de uma ação e manifestação em nosso espírito. A forma como essa ação/manifestação se dá comumente chamamos de “êxtase”. O espírito, uma dimensão da vida finita, é levado a uma autotranscendência efetiva; é possuído por algo último e incondicional. Ele continua a ser espírito humano; continua a ser o que é, mas, ao mesmo tempo, sai de si mesmo sob o impacto do Espírito Divino (TILLICH, 2014, p. 568). A experiência extática não subjuga o espírito humano, caso o fizesse, isto representaria possessão demoníaca em vez de presença criativa do Espírito (TILLICH, 2014, p. 568). Tendo, ainda que de forma sucinta, definido a ação extática do Espírito Divino no espírito humano e reconhecendo que a reflexão teológica, sob uma perspectiva pentecostal ,deve partir desta experiência extática, precisamos compreender então a diferença entre uma teologia reflexiva e uma de caráter mais devocional, que é amplamente praticado nos institutos bíblicos e seminários de cunho pentecostal. A maioria das escolas de formação existentes (no meio pentecostal) reafirmam as teologias importadas dos Estados Unidos no início do DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 76 século XX, e quando há novas assimilações teológicas, estas retratam uma decadência em direção ao neopentecostalismo. Não se faz escola teológica no Brasil, fizeram-se cursos bíblico/devocionais que retratassem aquilo que a liderança entendia como teologia. Colocaram-se ferramentas prontas nas mãos dos novos líderes, ao invés de instrumentos que ensinassem a refletir, capazes de fazer frente às novas demandas da igreja e da sociedade (POMMERENING, 2014, p. 93-94). Posto isto, como consequência temos poucos teólogos no meio pentecostal com capacidade reflexiva e geradora de teologia. Aliar ou encontrar o equilíbrio entre a experiência pentecostal, que está relacionada à forma como Deus se revela e manifesta à humanidade, com a reflexão mais racional e sistemática, que garantirá um mínimo de dogmas para não se perder (POMMERENING, 2014, p. 98), é um caminho de se teologizar pentecostalmente. Se por um lado, o movimento pentecostal cresceu em sua relação experiencial, carecemos agora crescer em reflexão sistematizada, porém reconhecendo que teologizar é um exercício de pensamento que não se esgota (SANCHES, 2013, p. 19). CONSIDERAÇÕES FINAIS Sistematizar o pensamento teológico não é tarefa fácil. Primeiramente porque a vida é dinâmica, e segundo porque corremos o sério risco de pensar que a vida precisa corresponder ao pensamento teológico, enquanto a realidade é que o pensamento teológico precisa responder e corresponder à vida. Teologizar a partir do contexto pentecostal, pode tornar o labor ainda mais árduo. Um movimento averso ao pensamento teológico mais sistematizado e cartesiano e cujas bases, experiências, historicamente, moldaram sua forma de ser e pensar, faz com que a tarefa seja mais desafiadora. Presenciamos hoje, o surgimento dos primeiros esforços para se produzir uma reflexão teológica pentecostal. Embora ainda de forma tímida, como os primeiros passos de um bebê, novos teólogos começam a despontar. Um movimento que completou o seu primeiro centenário, à despeito das expectativas de arrefecimento, mostrou que veio para ficar. Da mesma forma que encontrou seu espaço na contemporaneidade, tendo hoje representação em quase todos os ramos da cristandade (de católicos a protestantes, de tradicionais a renovados, etc.), o surgimento e estabelecimento de uma teologia pentecostal permitirá que o movimento encontre seu espaço DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p. 77 acadêmico, ao lado de outras grandes tradições cristãs. De esforço em esforço, de publicação em publicação, pensadores pentecostais colocam o pentecostalismo em pauta. Que a mesma chama dos primórdios do movimento, incendeie homens e mulheres, que cheios do Espírito Santo possam teologizar com poder e unção tipicamente pentecostais. REFERÊNCIAS BIBLIA. Português. Bíblia Sagrada: tradução brasileira. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010. CAMPOS, L. S. Abordagens usuais no estudo do pentecostalismo. Revista de Cultura /Teológica, n.13, p.21-35, 1995. —————. As origens norte americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre uma relação ainda pouco avaliada. Revista USP, p.100-115, set.-nov., 2005. MACKINTOSH, H. R. Teologia moderna de Schleiermacker a Bullmann. Itapetininga: Editora Cristã / Novo Século, 2004. MCGRATH, A. G. E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã. São Paulo: Shedd, 2005. MENDONÇA, A. G. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso seus personagens. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997. MOLTMANN, J. O Deus crucificado. Santo André: Academia Cristã, 2014. OLIVEIRA, D. M. D. Pentecostalismo da missão latino-americana: uma nova reforma na Igreja? São Paulo: Reflexus, v.5, n.6, p.89-98, 2011.POMMERENING, C. I. Teologia em língua estranha: mutismo entre anti-intelectualismo e POMMERENING, C. I. Teologia em língua estranha: mutismo entre antiintelectualismo e academicismo no pentecostalismo. In: (ORG), D. M. D. O. Pentecostalismos em Diálogo. São Paulo: Fonte Editorial, 2014. Cap. 07, p. 9099. RELEP RED LATINOAMERICANA DE ESTUDIOS PENTECOSTALES. Pentecostalismos em Diálogo. São Paulo: Fonte Editorial, 2014. SANCHES, R. F. Teologia viva: introdução a uma teologia a partir da America Latina. São Paulo: Reflexão, 2013. TILLICH, P. Teologia sistemática. 7.ed. revisada. São Leopoldo: Sinodal, 2014 DE OLIVEIRA, Myckon Alves. Pentecostais: história, contexto. 67-77. INTEGRATIO, v. 1, n. 2, jul. - dez. 2016, p.
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