cidadão do mundo - Gerald Thomas Videos
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Gerald Thomas: cidadão do mundo Por Jardel Dias Cavalcanti – Jun/Jul 2015 http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=4124&titulo=Gerald_Thomas:_cidadao_do_m undo_(parte_I) http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=4127&titulo=Gerald_Thomas:_cidadao_do_m undo_(parte_II) http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=4137&titulo=Gerald_Thomas:_Cidadao_do__ Mundo_(parte_III) http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=4149&titulo=Gerald_Thomas:_Cidadao_do_M undo_(parte_IV) http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=4156&titulo=Gerald_Thomas%3A_cidadao_do _mundo_%28parte_final%29 "Não é o que vocês estão pensando... É o que vocês estão pensando sim. Se é que vocês estão vendo, vocês estão pensando no que estão vendo. Se vocês estão vendo é porque eu encenei, e se eu encenei vocês estão vendo sim. Não é o que vocês estão pensando, não é." (Gerald Thomas in: Kepler, O Cão Que Insultava Mulheres) O livro "Gerald Thomas: cidadão do mundo" é uma espécie de autobiografia da criação de Gerald Thomas, organizada por seu amigo Edi Botelho, que foi um dos grandes atores da Companhia de Ópera Seca. O livro foi editado pela Imprensa Oficial, do Estado de São Paulo, na coleção Aplauso, em 2012. Um presente para os admiradores e estudiosos da obra de Gerald Thomas. No entanto, o livro foi recolhido por um processo judicial por causa de uma frase boba (que não reproduzirei aqui nesta resenha), levada a sério pelo processante. Todos nós, admiradores do diretor, saímos perdendo nessa. O meu exemplar, por sorte, consegui depois de dois anos de buscas, quando finalmente o encontrei em um sebo da cidade de Brasília. O livro é magnífico! É o mínimo que se pode dizer. Entramos memória adentro na vida e na criação de Gerald Thomas (embasbacados diante de tamanha produção, de tamanho fôlego para colocar tantas peças de teatro e óperas em cartaz, sem falar na sua produção plástica) como se estivéssemos diante da "vontade de potência" de Nietzsche encarnada na sua pessoa. Que pó mágico foi necessário para manter o diretor em pé com tanto trabalho? É o que nos perguntamos. E com certeza temos a resposta: foi o amor ao teatro, uma espécie de "vocação weberiana" da vida para a arte. Antes de tudo descobrimos que Gerald Thomas não é apenas um planeta, é uma galáxia. Desdobrando-se em várias línguas, vários países, em várias companhias teatrais criadas por ele, criando e recriando seu próprio teatro, circulando em meio a atores, diretores, cantores, afetos e desafetos de todo tipo, vivendo dentro da imprensa e a criticando ao mesmo tempo, circulando no universo das artes plásticas, da música erudita e popular, da literatura, da política, engajando-se em causas humanitárias, polemizando com diretores, atores, cantores, maestros (Berio que o diga) e seu próprio público, construindo amizades exemplares com outros grandes criadores (Haroldo de Campos, Samuel Beckett, Philip Glass e Julian Beck, para início de conversa), enfrentando dia a dia as notícias terríveis do mundo e sua realidade ainda mais terrível e ainda tentando equacionar de forma nada tradicional tudo isso num caldeirão faustiano (seu inconsciente criativo) que é o seu teatro... Gerald Thomas faz jus ao que, sobre ele,disse Haroldo de Campos: "Ele é a vanguarda. O teatro brasileiro hoje, depois do estouro que foi o "Rei da Vela" de José Celso e, antes disso, o estouro que foi "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues, a coisa mais inventiva que aconteceu no teatro brasileiro foi o teatro de Thomas. É um trabalho extraordinário, que pode ser objeto desta ou daquela crítica, mas é uma intervenção de um nível como raramente aconteceu no Brasil." (Haroldo de Campos, em entrevista a Jardel Dias Cavalcanti e Mario Alex - Sibila, n.5, 2003) Não espere do livro uma autocomiseração. Gerald Thomas ressalta seus valores, sua realizações, mas não poupa comentários duros aos seus próprios fracassos (serão mesmo fracassos?). Essa sinceridade autobiográfica é rara nos meios artísticos. Tão importante quanto isso, é o fato de que estamos diante de uma autobiografia da criação do seu teatro. Sinal de que, mais importante (mesmo sendo importante) do que traçar um drama apenas pessoal, o que está em jogo é rememorar as impressões que o diretor tem de sua própria obra, marcando aspectos que acha interessante revelar ao leitor. O dramaturgo/diretor/encenador não faz em seu relato o papel de um crítico distante e frio, ao contrário, se vê em vários momentos jorrando lágrimas ao longo de algumas das páginas do livro devido à intensidade das lembranças. A carga emocional que tem sobre os ombros, em momentos bastante tensos de seu percurso de criador, diz respeito aos momentos de dúvidas, mas também aos momentos de grandes felicidades, como quando montou "Moisés e Aarão", de Schöenberg, na Áustria. Vale reproduzir a passagem narrada por Thomas: "A ópera "Moisés e Aarão", dentro da minha obra teatral, é a coisa mais completa que eu já fiz, não tem nada que se compare a isso. (...) Cada dia eu saía de lá e queria ir para o parque e dizia: Nossa mãe do céu, isso não pode ser verdade! Me beliscava: Isso só pode ser um sonho, não pode ser verdade! E era. Na estreia, vieram amigos meus de todas as partes do mundo. E veio a filha do Schöenberg, a Nuria (...). Ela veio e ficou deslumbrada, ela chorava sentada ali, na plateia. E falou: "Eu vi várias encenações, mas nunca vi nada assim". Eu fiquei num estado, ali." Além de narrar este estado emocional, Thomas não descuida de interpretar a obra de Schöenberg e de comentar detalhes de sua montagem. Ainda traça o significado que a referida obra tem no conjunto do seu pensamento ao narrar a passagem que o faz ir de Schöenberg a Beckett: "Ele faz o Moisés atravessar aquele deserto de farrapos humanos, chegar na frente, botar a mão na cabeça e falar: "Oh! Palavra. Oh! Palavra que me falta!" Aí começa, para mim, a vida e a obra de Beckett. Palavra que me falta. Costurou para mim, porque o Beckett começa realmente. Ele foi profundamente influenciado por Schöenberg e por esta ópera." Voltando ao início do livro. "Não sei onde nasci (...) tenho três certidões com o mesmo dia e hora, mas em países diferentes", diz ele ao falar da infância. Gerald Thomas parece ter nascido desterritorializado, deleuzianamente falando. Isto talvez explique sua capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, fazendo coisas diferentes. O conceito de desterritorialização foi proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari, em "O Anti-Édipo", para descrever o processo de fuga das estruturas sociais e intelectuais coercivas, que podemos entender como análogo ao processo de descentralização do sujeito narrado nas teorias pós-estruturalistas. Quando adolescente frequentou o atelier de Ivan Serpa e em contato com o Ziraldo viu alguns de seus desenhos serem publicados na revista O Cruzeiro. O gosto pelas artes plásticas, desenvolvido ali, jamais o abandonaria, levando Gerald Thomas a criar no futuro as próprias imagens dos cartazes e sketches de cenas de suas peças, como também a publicar seus trabalhos em espaços privilegiados como o The New York Times. A adolescência foi vivida entre Rio de Janeiro, Nova York e Londres, onde se estabeleceu, vindo a estudar "por conta própria" na Biblioteca do Museu Britânico. Jovem curioso, entrou de penetra nos ensaio de Peter Brook, como tinha feito antes ao assistir os ensaios de "O Balcão", de Genet, no teatro Ruth Escobar. Começam a se formar as grandes influências que o marcarão para sempre: "Beckett, Peter Brook, Bob Wilson e Tadeusz Kantor foram as minhas grandes influências. Foi Samuel Beckett quem me deu a vida no teatro." Assistindo "O Balcão", aos 15 ou 16 anos, teve a percepção do valor do teatro do diretor, do encenador: "Foi lá que eu me apaixonei por teatro. Foi lá que eu decidi que aquilo era pintura em todas as dimensões. Aquilo era divino, era maior que o ser humano, era maior que a própria terra e estava dentro de um espaço físico." Depois de uma vivência meio errante em Londres, já com vários casamentos nas costas e insônias, criou "Action for Action", talvez sua primeiríssima criação teatral, baseado nos escritos palestinos de Genet. Mas o que se pode chamar de estreia profissional foi "Verbenas de Seda", que criou aos 18 anos e encenou no Teatro Opinião em 1972. A primeira direção teatral foi "A Tempestade", como uma espécie de workshop prodution. Segundo o próprio Thomas, "foi um fracasso". Importante para ele, em seguida, foi sua entrada no La Mama, em Nova York, onde deu alguns workshops montando textos de Beckett. Viajou para Frankfurt, Belgrado e Berlin com a "Beckett Trilogy" tendo como atores Julian Beck, Fred Neuman e George Bartenieff. Gerald Thomas tinha a idade de 31 anos. Foi quando Heiner Müeller se interessou pelo seu trabalho. Do contato com Heiner Müeller, surgiu a encenação de "Quartett" no Theater for the New City, em 1985. Gerald Thomas fala no livro sobre suas grandes amizades. Entre elas com a diretora de teatro Ellen Stewart (do La MaMa) e com o compositor Philip Glass. Ambos parecem irmãos espirituais do diretor. Thomas chega a reproduzir em 5 páginas o depoimento de Glass sobre sua personalidade e seu teatro. Uma avaliação que o diretor considera a melhor que já ouviu na vida. Quem quiser ver na íntegra o depoimento, basta acessar o site do diretor e assistir ao vídeo do depoimento. Como "jornalista" Thomas teve colunas em O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e fazia ainda o programa Manhattan Connection, além de escrever para o blog da UOL. Esta atividade, aliado ao seu interesse pelas questões político-planetárias, desenvolveu seu senso crítico, seu interesse por discutir questões externas ao teatro, ligadas diretamente aos acontecimentos mais dramáticos de nossa história. E é visível o quanto isso reverberou várias vezes dentro de sua própria produção teatral. Com a vida dura em Nova York, "com apenas 25 cents no bolso", eis que a sorte aparece para Thomas - mas, ressalte-se, devido ao seu talento. Foi quando começou a publicar seus desenhos. Além de criador teatral Gerald Thomas desenvolveu a atividade de desenhista, sendo publicado de forma frequente na página de opinião do The New York Times e em revistas como Vanity Fair, The Boston Globe e Atlantic Monthy. Boa parte dessa produção pode ser vista no belíssimo livro "Arranhando a superfície", que Thomas publicou no Brasil em 2012, pela editora Cobogó. Já casado em Londres com Daniela, filha do Ziraldo, mudaram-se para Nova York e ela torna-se a cenógrafa oficial de suas peças. Gerald Thomas funda em Londres a Dry Opera Company, que no Brasil se chamou Companhia Ópera Seca e começa, então, sua produção enlouquecida, numa sequência de peças que atordoariam público e crítica brasileira: "Quatro vezes Beckett", "Quartett", "Carmem com filtro", "Eletra Comcreta". Atores de altíssima qualidade eram escolhidos pelo diretor: Sergio Britto, Tonia Carreiro, Antonio Fagundes, Luis Damasceno, Edi Botelho, Bete Coelho, Beth Goulart, Lu Grimald e Ana Kfouri. Suas obras despertam a paixão e uma espécie de assombro, renovando a linguagem teatral brasileira, emperrada ainda, com raras exceções, no teatro da palavra, da cuspição de texto. Gerald Thomas parece ter incorporado a ideia wagneriana de "arte total". Suas peças eclodem com música, referências às artes plásticas de vanguarda, uma visualidade operística/cinematográfica/pictural, e um jorro de palavras que traziam no substrato a própria alma do teatro de Beckett. Ninguém parecia entender nada, como se a crítica estivesse ainda esperando "significado" para um teatro que explodia numa desconstrução total, numa colagem pósmoderna de referências sofisticadíssimas da arte de vanguarda. Jornalistas mequetrefes entrevistavam pessoas na saída de suas peças perguntando ao púbico se haviam entendido alguma coisa. Era o sinal bruto de nosso provincianismo diante da novidade que o teatro internacional de Gerald Thomas trazia. "O universo dramático de Gerald Thomas é um campo permanentemente posto à prova. A dor do ser. O fascínio/repulsa pela sexualidade, a ineficácia da comunicação, a investigação dos limites da palavra, a observação perplexa da história." (Alberto Guzik) Ao longo de "Gerald Thomas: cidadão do mundo", vamos tendo contato com a grande e permanente produção teatral, crítica e operística do diretor. Continuamos nosso passeio por esse universo. Segundo a definição de Peter Brook "companhia é qualquer grupo de gente jogada num espaço (Empty Space), com garra e estória pra contar". Essa definição de companhia teatral, que Gerald Thomas cita em "Cidadão do Mundo", deve ter ressoado na sua mente quando da criação de sua companhia, a Dry Opera Company (no Brasil, Companhia de Ópera Seca). Os dois nomes da companhia foram dados por Ellen Stewart do La MaMa, quando Gerald Thomas lá estreou "Trilogia Kafka", em 1988. Entre os anos de 1984 e 1988, com "garra e estória para contar", Gerald Thomas montou mais de dez obras. Entre suas escolhas, levou para o palco a literatura, a música e o pensamento dos grandes mestres (des)construtores da modernidade, Kafka, Beckett, Wagner e o autor contemporâneo Heiner Müller. As apresentações rodaram o Brasil e o mundo: Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Porto Alegre, Viena, Sérvia, Nova York, Munique, etc. São desse período as peças "All Strange Away" (texto de Beckett), "Quatro vezes Beckett", "Carmem com Filtro", "Quartett", "Eletra Comcreta", "Carmem com filtro 2.5", "Trilogia Kafka (Um Processo, Uma Metamorfose, Praga)" e a ópera "O Navio Fantasma". Claro que essas apresentações caíram no Brasil como uma bomba atômica, introduzindo uma crise no sistema dos significados da crítica, do público e do próprio teatro brasileiro. Tudo o que se fazia aqui foi espatifado em mil pedaços. Parecíamos provincianos diante de tamanha desconstrução, de tamanha ousadia criativa, de tamanha contemporaneidade. Era preciso um novo vocabulário crítico para se entender o significado da revolução que Gerald Thomas nos trazia. O teatro verdadeiramente contemporâneo nascia no Brasil. Os seus textos cênicos, e a genial cenografia de Daniela Thomas, são submetidos pelo diretor a uma ideia de "arte total", sendo envolvidos pelo universo da música, das artes plásticas, do cinema, da dança, da ópera, das performances. Começa, como ressonância, a pulular textos escritos por Haroldo de Campos, Gerd Borheim, Silvia Fernandes, Sergio Coelho, David George, Alberto Guzik, Flora Sussekind, dentre outros, buscando entender o teatro de Gerald Thomas. Não bastassem suas obras teatrais, Gerald Thomas intervinha no cenário cultural através de reflexões que eram publicadas nos grandes jornais brasileiros. Atualizava o debate, chamando a atenção para as figuras de Andy Warhol, Francis Bacon, James Joyce, Richard Wagner, Tadeuz Kantor, Freud, Haroldo de Campos, Godard, Peter Brook, Schoënberg, Duchamp, Greenberg, Cage, Stockhausen, Philip Glass, Walter Benjamim, Pollock, Joseph Albers, Pina Bausch, Nelson Rodrigues, dentre outros - todos canibalizados por Thomas em seus escritos e em suas peças - exigindo da crítica e do público informações mais universais, menos provincianas. Para Gerald Thomas, a criação da Dry Opera Company gerou bastante sofrimento, como diz: "fui perdendo as pessoas, uma a uma, pra televisão, e o que restou foi ranço". A primeira fase da companhia foi para ele mais louca: "tínhamos pessoas mais estranhas, mais bizarras". Nesse momento do comentário, o diretor aproveita para defender sua visão/opção por pessoas homossexuais: "A homossexualidade tem uma enorme importância sim, positiva digo, na medida em que ela já posiciona a pessoa na contramão desde cedo. Quando se é bissexual, homossexual ou qualquer minoria, aprende-se logo cedo que a barra é pesada e que o mundo será um GRANDE MURO. E, nesse caso, a primeira companhia tinha mais gays do que as outras fases. Eu, particularmente, não me dou bem com héteros, não gosto. Eles são os que regem o mundo, o status quo. Nós, do teatro, somos as vadias, os gays, os malditos". Na remontagem de "Carmem com Filtro", a figura de Philip Glass se faz presente, conduzindo a música e fazendo nascer uma grande amizade, uma relação de admiração mútua entre o diretor e o compositor. Em "Mattogrosso", de 1989, novamente a parceria com Philip Glass se realizaria. O espetáculo no Rio agradou Thomas: "A montagem carioca de "Mattogrosso" [no Teatro Municipal] foi muito emocionante, com a orquestra ali, embaixo, o coro inteiro ali, naquelas frisas. Agora, depois de reformado, espero que um dia me convidem. Prometo que não mostro mais a bunda." Em seguida Gerald Thomas dirige "M.O.R.T.E" (Movimentos obsessivos e redundantes para tanta estética), "Fim de Jogo" e The Flash and Crash Days". Em "M.O.R.T.E", segundo ele, trata-se da crise do artista e do criador: "é a crise do criador que nunca para diante do espelho de horrores que a humanidade apresenta a cada dia, disfarçada dos mais diferentes costumes e fardas e fantasias. Somos seres monstruosos e destruidores, predadores, e não temos boas intenções!". A energia indomável de Gerald Thomas o fez coordenar ao mesmo tempo três espetáculos: "M.O.R.T.E" e "Fim de Jogo", que podiam ser vistas alternadamente (quinta, sexta e sábado), enquanto ainda o diretor montava em Stuttgard "Perseu e Andrômeda". Um fôlego sem fim. Em "Fim de Jogo" uma dificuldade, ou insatisfação, com a direção da atriz Giulia Gam: "Eu não consegui trazer a Giulia para o universo de Beckett. (...) a Giulinha estava perdida com o Clov, como sempre esteve, e era indirigível, muito ansiosa.". No entanto, Haroldo de Campos, ainda assim, elogiará o trabalho de Giulia com Gerald Thomas. Diz Haroldo: "A grácil Giulia Gam soube perseguir o difícil: transformar-se no seu oposto. Passada ao avesso por uma dura disciplina diretiva, por um passe de magia negra (cinza) de Thomas, transfigura-se em cena num pesado e patético lêmure lunar, cuja passividade, cravada de assustadiça agressividade, se traduz em réplicas tanto mais eficazes quanto mais neutras". (do livro "Um encenador de si mesmo: Gerald Thomas", p. 212). O espetáculo "Perseu e Andrômeda" recebeu crítica favorável em Stuttgard, ocupando uma página inteira de Die Zeit, sendo a primeira ópera de Thomas no Ópera de Stuttgard. Apesar do sucesso, Thomas se contraria: "Mas não gostei de fazer, não gosto dessa música serialista, não gosto dessa música atonal. A não ser que seja Schöenberg, para mim, é um porre esse tipo de música." Sobre o espetáculo "The Flash and Crash Days" é uma pena que Thomas fale tão pouco no livro organizado por Edi Botelho, nos deixando com água na boca. Resume o seu comentário às seguintes palavras: "Foi lindo, maravilhoso, porque a minha sogra (Fernanda Montenegro) é divina mesmo, um dos maiores machos com quem já trabalhei, uma palhaça (ríamos o ensaio inteiro)". A década de noventa foi bastante criativa para Gerald Thomas, como podemos ver na cronologia de suas obras apresentada no final de "Cidadão do Mundo". É surpreendente o fôlego do diretor, consequência de sua vontade criativa, de seu ser-para-a-arte. Com encenações no Brasil e nas capitais européias, as obras e a presença crítica de Thomas se faziam ouvir. Não havia possibilidade de se ficar indiferente à peremptória presença do diretor, um dos mais incansáveis trabalhadores do teatro, como se pode ver abaixo. Inicia-se a década de noventa com a estréia de "Fim de Jogo", de Beckett, e segue-se as seguintes obras: "M.O.R.T.E", "The sayd eyes of Karlheinz Öhl", Esperando Godot", "M.O.R.T.E.2", "The flash and crash days", "Saints and Clows", "O império das meias verdades", "Narciso", "Unglauber", "Dr. Fausto", "Zaíde", "Don Juan", "Tristão e Isolda", "Quartett", "Chief Butterknife and the hausting spirit of his archenemy kryptodick", "Nowhere man", "Babylon", "Os reis do iê, iê, iê", "Breve interrupção do inferno", "A breve interrupção do fim", "Graal, um retrato de Fausto quando jovem", "Lorca em um caminhão", "Moisés e Aarão", "Raw War", "Ventriloquest", além de dirigir o show "O sorriso do gato de Alice", da cantora Gal Costa. "Esperando Godot", de Beckett, é encenado por Thomas em Munique, em 1990. O espetáculo não agrada tanto ao diretor. Beckett havia morrido quatro meses antes e Thomas, que já planejara o espetáculo há dois anos, temia que a ideia de oportunismo passasse pela cabeça das pessoas. Também teve problemas de direção com o ator que fazia Estragon, o Edgard Walter, que, como diz Thomas, "sempre queria saber por que isso, por que aquilo e, nessa peça, ou você aceita aquele jogo, dois seres, ali num deserto, que passam o dia se enganando, se enganam o tempo todo, dão rasteira um no outro o tempo todo, ou você aceita esse jogo, ou desiste e passa o papel para outro ator." O comentário sobre seu contrato com o Teatro Estatal de Munique nessa época nos diz muito sobre a verve desterritorializada de Gerald Thomas: "Eu tinha um contrato de cinco anos com o Teatro Estatal de Munique, mas eu não consigo, eu não pertenço a nenhum teatro. Eu não aguento ser funcionário público, e tinha o compromisso de fazer dois espetáculos por ano. Isso praticamente me obrigava a morar em Munique. Então, eu falei: "não quero essa vida, não é isso que eu quero pra mim". Se fosse um espetáculo por ano ainda dava, mas dois era demais. Enquanto um está em cartaz você já tem que estar preparando o outro, não era o que eu queria. Munique é muito provinciana, não tem uma repercussão no mundo. É uma província e eu estava estourando nessa época, estava sendo requisitado por tudo quanto é teatro na Alemanha. Era Hamburgo me querendo, Berlim me querendo, Stuttgard me querendo, e eu me senti preso ali, num contrato, que não era nada incrível assim. Tinha também uma Ópera de Graz, na Áustria interessada no meu trabalho, e eu não via muito sentido ficar preso ali por cinco anos. Então, desfiz o contrato e paguei a multa que tinha que pagar." Do contratato de Munique montou "Esperando Godot" e "Fim de Jogo", com Bete Coelho preparando os atores, Wagner Pinto na iluminação e Daniela Thomas fazendo os cenários. Ali fez também a leitura "despretensiosa" de todas as peças de Beckett. O escritor irlandês passava a ser quase uma segunda pele para o diretor. A década para Gerald Thomas estava apenas começando... A Itália o esperava, com um casamento com uma atriz italiana e a montagem de "The Sayd eyes of Karlheinz Öhl" e "os melhores vinhos, acompanhados com pedaços de parmesão" e muito azeite de oliva virgem. "Estou persuadido de que, quanto mais incomensurável e difícil de ser compreendida é uma obra, tanto melhor ela é." (Carta de Goethe a Eckermann) A resenha do livro Gerald Thomas: cidadão do mundo , que me propus fazer, é longa (já estamos na terceira parte), mas isso se deve ao meu interesse em divulgar grande parte do conteúdo de um livro extremamente importante para a memória de nossa cultura e que, infelizmente, está censurado. O que nos interessa aqui é acompanhar a trajetória exemplar de Gerald Thomas como diretor/criador de teatro e pensador da cultura. Então, vamos lá! O relato de Thomas no livro organizado por Edi Botelho tem uma característica particular, há na memória do diretor um calor emocional que nos faz pensar na memória involuntária proustiana: determinadas imagens de seu teatro leva-o a retomar algumas emoções, que por sua vez o faz retomar as ideias que povoaram sua mente no momento da elaboração dos espetáculos - tudo isso se aglutinando a partir de umamélange emocional e crítica que vai tecendo o texto para o leitor. É assim, por exemplo, quando Thomas se lembra da peça Saints and Clowns (1992). Considerada fracasso pela crítica, no entanto para o diretor "era um espetáculo sensacional". Encomendado para Hamburgo e Laussane, teve recepção diferente em cada cidade. Laussane aplaudiu e Hamburgo vaiou. Enquanto Flash and Crash Days havia sido aplaudido de pé em Hamburgo por 16 minutos contínuos e filmado pela TV alemã,Saints and Clowns foi recebido friamente. Segundo Thomas, "tivemos o gosto doce do sucesso e depois o amargo gosto do fracasso em um dia". Saints and Clowns, para Thomas, é um espetáculo com uma ideia boa: "É o discurso de despedida do Gorbachev ao Parlamento soviético, que eu transformei numa história de amor". A avaliação que o diretor faz da sua recepção negativa é de que houve durante sua concepção muita briga e ninguém se entendia, e isso prejudicou o espetáculo. O pior, os atores não defenderam o espetáculo, e para Thomas é "muito importante o ator defender o espetáculo. (...) ele já sabe que vai ser agredido, já sabe que o espetáculo vai ser controvertido, e o ator tem que ser responsável por defender o espetáculo também, não só o diretor e o autor". Um dos espetáculos emblemáticos para Thomas é O Império das Meias Verdades (1993), que teve sua estreia no CCBB, no Rio de Janeiro, e que depois foi apresentado em Lisboa, Copenhagen, Curitiba, Santa Maria, Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte. Com a participação genial de Edi Botelho, Fernanda Torres, Luis Damasceno, dentre outros, ficou marcado pela cena da mesa, uma espécie de Santa Ceia trágica e absurda. Outra peça cara a Gerald Thomas é Unglauber, de 1994. Há no livro organizado por Edi Botelho uma seleção belíssima de fotos da peça (aliás, todo o livro é recheado de fotos sensacionais). Em "Cidadão do mundo" o diretor revela duas coisas quando comenta Unglauber: primeiro, seu desejo (nostálgico?) de remontar alguns trabalhos a partir da reconstituição da Companhia da Ópera Seca original, que lhe trouxe ótimos resultados e emoções muito felizes; segundo, o lado difícil e quente da sua relação com Damasceno, que é um dos mais frequentes atores de sua Companhia. A ideia de desconstruir o ator em Unglauber, com o Damasceno tirando o braço, vai além da peça. Como podemos ver no comentário de Thomas: "O Damasceno não é um ator muito generoso, não é um ator que se abre, tem essa coisa. Existem atores generosos e não generosos. Eu e o Damasceno não nos comunicamos e ponto final. Alias, eu e o Damasceno tivemos algumas brigas. Me lembro uma vez em Campinas, que ele quis jogar uma cadeira em mim, e até hoje eu não sei o motivo. Nós estávamos ensaiando Metamorfose e, de repente, o Damasceno: "Você está colocando palavras na minha boca" e pegou uma cadeira e, se o Domingos não agarrasse ele naquela hora, eu não estaria falando com você hoje. (...) O Damasceno é estouradíssimo. Eu não aguento mais ator por causa disso (...)". Em seguida Thomas monta Don Juan, de 1995, a partir do texto de Otávio Frias, que trouxe a presença do grande ator Ney Latorraca, junto com Fernanda Torres, Luis Damasceno e Edi Botelho, entre outros. A relação com o autor da peça, não podia ser diferente, foi conflituosa. Diretor-criador, Thomas parece ter tido problemas com o texto de Frias. Para ele a peça era constituída, segundo ele, "de diálogos de novela (...) e eu pensava: não sei encenar este tipo de coisa, não sei, não é meu trabalho, não sei fazer isso." A novidade era a presença de Ney Latorraca chegando ao teatro de Gerald Thomas. Depois de vê-lo em O Médico e o Monstro e Irma Vap, Ney Latorraca participa de Don Juan, Trilogia da B.E.S.T.A, Quartett e em uma de suas últimas peças, Entredente. Segundo o diretor: "Ney pra mim era um ator insuperável, inacreditável". Em Quartett (1996), Ney Latorraca e Edi Botelho trabalham juntos, dirigidos dentro de uma espécie de açougue, construído a partir de uma plasticidade cara a Gerald Thomas, que unia Rembrandt, Goya e Francis Bacon (todos pintaram açougues). A obra, onde as tensões emocionais parecem esquartejadas a facão, se baseia no texto de Heiner Müller. A peça já havia sido montada outras vezes por Thomas. Uma vez em Nova York e outra no Brasil com Tônia Carreiro e Sergio Britto no elenco. Mas o diretor considera a peça com a participação de Latorraca e Botelho sua melhor versão. Realmente, não há quem tenha visto a peça e não a ache surpreendente! Depois, ainda em 1996, Gerald Thomas dirigiu uma criação sua, Nowhere Man, que considera o seu trabalho mais autobiográfico. Ele diz: "Nowhere Man é uma coisa que eu sou, um homem de lugar nenhum e, ao mesmo tempo, sou de todos os lugares". Thomas classifica seus trabalhos como os "mais pesados" e os "mais gostosos". Em Nowhere Man estaria sua criação mais pesada. Com a presença de Mephisto... não poderia ser diferente. Como uma grande brincadeira, Thomas cria, em seguida, a peça Os Reis do Iê, Iê, Iê (1997), onde reunia os quatro Beatles em cena. Gerald Thomas era John Lennon, Bete Coelho fazia Paul MCartney, Luis Damasceno era Ringo Starr e Domingos Varela encenava George Harrison. Segundo Gerald Thomas "era tudo um hospício, todos nós éramos loucos achando que éramos os Beatles". Também no ano de 1997, aparece A Breve interrupção do inferno, no Deutsches National Theater, de Weimar, na Alemanha. Apenas 14 dias da estreia o diretor abandona o espetáculo, vivendo uma situação conflituosa com Ismael Ivo, que segundo Gerald Thomas foi "o pior encontro que eu tive na vida com um artista". Em seguida produz A Breve interrupção do fim, baseado em Galáxia, de Haroldo de Campos, junto com 1º. Ato, grupo de Belo Horizonte. "Tendo que morar naquela Av. Afonso Pena com Amazonas. Pior época. Deus me livre." Mas nem tudo foi mal para o diretor: "me dei bem com o elenco, aliás, foram ótimas trepadas." O pior foi o começo do contrato com Roberto Malta, que chamou repórteres para presenciar a assinatura, o que desagradou Thomas. A intenção de Malta era clara: "Estou trazendo você por causa do nome que você tem, e é uma maneira de colocar o 1º. Ato na capa da Ilustrada. Eu estou comprando a sua grife para que o 1º. Ato dê um salto". Thomas levantou-se e não assinou o contrato. No hotel, meia hora depois, recebeu o pedido de desculpas de Malta, que "desfez a porcaria toda". Gerald Thomas monta, ainda nessa época, um texto inédito de Haroldo de Campos, Graal, o retrato de um Fausto quando jovem com os formando da CAL. Mas, múltiplo como sempre, e para desespero de todos, além da peça em construção, participa das gravações do Manhattan Connection, viaja para o Castelo de Caras no vale do Loire, na França, e se transfere de colunista de O Globo para a Folha de São Paulo. Depois veio Lorca em um caminhão. A ideia do SESC era retomar a ideia do grupo "A Barraca" de Lorca, que viajava pela Espanha inteira se apresentando. As apresentações seriam pelo interior de São Paulo (32 cidades), onde o caminhão se abria e virava um palco. O problema era o título da peça proposto por Gerald Thomas: Eu, Federico Garcia Lorca, Homossexual, que Durmo com Homens Nus na Cama, e Faço Sexo Anal, Estou Aqui me Apresentando. Quem compraria um título desses? Depois de um embate com Ricardo Fernandes, e para a alegria de todos, o título anunciado por Thomas passou a ser "O Cão Andaluz". Só não esperavam que seria "O Cão Andaluz... Eu, Garcia Lorca, homossexual, que dormia nu na cama com homem..." e todo o resto, como a Folha de São Paulo publicou. Com a nova configuração da Companhia de Ópera Seca, o diretor montaVentriloquist (1999). O resultado agradou Thomas que assim fala do espetáculo: "Foi o maior sucesso que eu tive na nova configuração. Desde a Trilogia da B.E.S.T.A. , 1994/1995, eu não tinha um sucesso tão incrível quanto com Ventriloquist. Estreou no Rio num dia de carnaval com o teatro completamente lotado, e a Bárbara Heliodora amando o espetáculo. (...) A peça ficou quatro anos rodando, fez circuito mundial, uma loucura. Ventriloquist é um evento como a Trilogia Kafkafoi um evento, Flash and Crash foi um evento, M.O.R.T.E, com a estética branca. Foi um desses divisores de água." No Rio de Janeiro, Ventriloquist estreou no teatro Sérgio Porto, depois passou pelo Sesc Copacabana e o Teatro Leblon com enorme sucesso. Na plateia Philip Glass, Martin Scorcese, Caetano Veloso e a Veja publicou na capa da revista a foto do diretor com a seguinte frase: "Gerald Thomas: o marqueteiro da vanguarda". Em São Paulo o diretor alugou o Teatro São Pedro e, sem publicar anúncio algum da peça, apresentou-a às segundas, terças e quartas, enquanto mantinha outra peça, Nietzsche contra Wagner, às sextas, sábados e domingos. O espetáculo Nietzsche contra Wagner mostra o apreço de Gerald Thomas pela ópera e pela filosofia, pela via dos dois maiores criadores do século XIX. Eis o relato do diretor sobre a base da montagem da peça: "Na Croácia eu tinha conhecido esse compositor fantástico que é o Borut Krzisnik, que era carpinteiro, e falou: "Olha, eu sou da Eslovênia, aqui em cima, e eu queria te dar um CD. Eu adoro o seu trabalho, o pouco que eu conheço". Eu ouvi o CD e foi a música mais linda que eu já ouvi na minha vida. Eu construí o espetáculo chamado Nietzsche contra Wagner em cima do CD que ele tinha me dado, as músicas dele." E sobre o livro de Nietzsche como motivo da peça, diz Thomas "É um texto que eu sempre achei muito bom (...) que poderia virar teatro e resolvi montar da minha maneira". Gerald Thomas decidiu encerrar o espetáculo, que teve temporada no Sesc São Paulo e Sesc Copacabana, por causa "de coisas perigosas", como relata a seguir: "Marcos Azevedo tinha que ficar açoitando uma pedra até não aguentar mais, e o chicote voltava nele, que acabava sangrando todas as noites. E eu falava: vem cá, não tem um jeito de você bater na pedra de maneira que pareça ou então bater no chão, atrás, que vai dar a impressão. Mas o Azevedo, stanislavisquiano dizia: "Não, tem que ser na pedra, eu vou acabar com essa pedra". Era uma pedra enorme que teve que subir pelo elevador externo para entrar no teatro, uma pedra gigantesca, e ele achava que, com o chicote, iria realmente dominar a pedra". O fim da década de 90 se encerra para Thomas com Ventriloquist, não encerra, porém, o seu desejo de criação. Ao contrário, com sua obra (e imagem sempre polêmica) firmada nos meios teatrais e na mídia, sua produção continua vigorosa, com mais de 20 espetáculos apresentados. Um parêntese. O teatro, "um espaço onde historicamente se pratica o pleno exercício da liberdade de expressão", será marcado no Brasil por uma mancha negra retrógrada, pela mais absurda reação conservadora diante do gesto "teatral" de Gerald Thomas ao mostrar a bunda no Teatro Municipal após a apresentação de sua versão da ópera Tristão e Isolda. A cidade das bundas e variadas vergonhas (nosso Iraque tropical a céu aberto) processará um dos seus maiores artistas em nome de uma falsa moral envelhecida, encarquilhada, por causa da reação do diretor às vaias e xingamentos fascistas que recebeu... Enquanto isso, a cidade do Rio de Janeiro continuaria e continua apodrecendo do lado de fora do teatro... É a sua produção do século XXI o que comentaremos, junto com uma avaliação geral de seu trabalho, na próxima e última parte de nossa incursão pelo livro Gerald Thomas: cidadão do mundo, milagrosamente organizado por Edi Botelho. Gerald Thomas monta aproximadamente 18 peças (algumas óperas) entre os anos 2000 e 2014. Um corpo de trabalho bastante significativo, demonstrando o vigor do autor e seu desejo de construir um universo teatral transgressor. Como sempre, rompe com a linha divisória entre as áreas da música, artes plásticas, dança, performance, cinema, ópera, texto literário. Os procedimentos criativos do teatro contemporâneo, aliás, chegam ao Brasil principalmente através de sua obra, como bem observou Silvia Fernandes, no seu livro "Memória e invenção: Gerald Thomas em cena". Seu work in progress concentra-se na ideia de uma obra de arte total (Gesamtkunstwerk) em que texto cênico, performance, música e criação de imagens trabalham como um corpo único. Em todas essas criações de Gerald Thomas há um dado a se explorar pelos pesquisadores/críticos e historiadores do teatro, que é o que, com certeza, o coloca como um dos maiores inventores do teatro contemporâneo. Trata-se da relação direta que ele estabelece entre texto e imagem, no sentido de que ambos correspondem a uma sintaxe única. Que sintaxe seria essa? Seu fluxo da linguagem textual dialoga com a ideia de "invenção" (Pound) que pressupõe, antes de tudo, os movimentos erráticos do pensamento (como "as subdivisões prismáticas da ideia", segundo Haroldo de Campos). Desde a hesitação, quando diálogos quebrados e (des)encontros de atores no palco propiciam uma desconexão no fluxo "normal" de sentidos até as drásticas interrupções no avanço da progressão do pensamento, onde elipses criam subentendidos ou combinações sintáticas incompletas ou distorcidas e, ainda, frases deixadas aos pedaços para desespero de qualquer cartesiano. E o que é mais radical: intercalações constantes (um elemento externo é inserido em meio a uma estrutura em desenvolvimento, deixando-a descontínua - em química, a intercalação é a inclusão de uma molécula entre duas outras moléculas induzindo a distorções estruturais). O que podemos ver no seu teatro é que o que atribuímos à sua "gramática textual" também se aplica à sua "gramática visual": o que ele pretende é subversão da ordem sintática "normal", a quebra dos valores sintáticos esperados, a subversão das regras "normais" de pontuação e fazer um uso/abuso de reticências. O objetivo é forçar a suspensão do entendimento, impedir uma óbvia e fácil escrita/ideia que se presta ao ordenamento lógico-cronológico de princípio-meio-fim. Em suma, provocar o surgimento do inesperado, evitando os chavões do discurso ordinário, que imporia a aceitação do discurso artístico como obviedade. O que jamais foi. Além das peças criadas no período, Gerald desenvolveu uma atividade importante dirigindo o Sesc Copacabana por um ano e meio. Apesar dos pesares (corte na verba), desenvolveu com Dominic Barter (ator inglês) leituras/debates sobre Beckett com sessões de vídeos e filmes de peças do escritor irlândes encenadas pelo mundo. Ainda tornou o espaço em residência da Companhia Ópera Seca. Nesse espaço foram encenadas as peças Ventriloquist, Nietzsche contra Wagner, Esperando Beckett, O príncipe de Copacabana, Deus Ex Machina. Dessa época, uma tensa relação com duas personalidades midiáticas, Marília Gabriela e Reynaldo Gianecchini: ela "ávida, viciada em estar no ar (...) depois que entrou no teatro via mim, só montou porcarias que não deram em nada"; ele "famoso na Globo, e todo mundo rindo na cara dele como um cara que não sabia atuar". Além disso, seu desgosto com o Sesc Copacabana "o maior erro arquitetônico e teatral de todas as épocas. O Niemeyer não sabia o que ele estava fazendo, acho que estava tomando café mellita e fez aquele cone, e resolveu chamar de teatro." Sob efeito do 11 de setembro, Gerald vai produzir "Circo de Rins e Fígados" e, posteriormente, "Gargólios". A destruição das torres gêmeas foi um momento traumático para o diretor. Recrutado como voluntário, participou por 21 dias trabalhando no Ground Zero recolhendo destroços, documentos e restos humanos: "eu peguei um sapato com o pé dentro. Cara! Foi fogo". Em seguida, dirigindo o La MaMa em Nova York, teve 12 dias para montar "Achorpectoris". Gerald explica: "Archorpectoris ou United States of The Mind (Estados Unidos da Mente) é o termo psiquiátrico que se dava, ou dá, para dor no peito (...) ou seja, depressão. Eu achei o título lindo, e falava-se da mesma coisa que eu falo sempre. Por que estar no palco? Fazer o que?" Próximo a esse período Gerald abandona o cigarro, lutando duramente contra o vício: "eu sofri muito, foram dois meses de choro. Eu chorava, não tinha fome, eu quase mordi as paredes do apartamento (...) até que um dia acordei e falei: Nossa! Estou conseguindo respirar. E já senti fome e a vida mudou integralmente depois disso." Muitos anos antes, em uma entrevista, vi Gerald pedindo ao entrevistador para acender um cigarro e citou a frase famosa de Mallarmé: "É preciso uma cortina de fumaça entre eu e o mundo". Hoje isso não o interessa mais. "A arrogância do fumante [que quer impor aos outros sua fumaça]. Hoje eu tenho repugnância total." Em "Um Circo de Rins e Fígados", a parceria com Marco Nanini (que comemorava 40 anos de palco) foi ótima para Thomas. Diz o diretor: "O ´Circo` foi incrível porque achar um parceiro de palco como o Nanini é coisa raríssima para um autor. Ele cortava, me ajudava na edição do texto, recolocava trechos que eu havia cortado e a coisa ficou pronta em muito pouco tempo." Após as trilogias (comentados nas partes anteriores), Gerald decide criar uma tetralogia, ao qual deu o nome de "Asfaltaram o Beijo". Então, obsessivo como sempre, o diretor monta ao mesmo tempo quatros espetáculos: "Brasas no Congelador", Asfaltaram o Beijo", "Um Bloco de Gelo em Chamas", "Terra em trânsito". Desde as sérias discussões sobre a guerra fria, o muro de Berlim, a própria participação de Thomas no elenco, até a brincadeira com o ator Serginho Groismann tentando mudar o horário do programa dele - vários mundos em ação, em cenários diferentes - os espetáculos conseguiram estrear no mesmo dia. Depois as peças foram apresentadas em dias alternados. Em "Asfaltaram o beijo" o próprio diretor era o personagem, apresentando no fim da peça, no fundo do palco, a foto em que mostrava seu encontro com Samuel Beckett. Era comoção pura. Diz o diretor: "(...) e eu falava: ´essa mão que eu apertei, essa mão`, apontando, e era muito emotivo. No final, eu chorava muito e falava: ´Happy Birthday, Sam` e caia aos prantos. ´Você me deu a vida, você que me fez quem eu sou, você que eu agradeço`, enfim, era um texto realmente emotivo". "Terra em Trânsito" foi levada para Nova York, em 2007, para o La MaMa, apresentada em inglês. Teve boa crítica no Village Voice. Ainda em 2007, Thomas produz a peça "Rainha Mentira", cujo título é um jogo verbal com a peça de Shakespeare "King Lear". A peça estreou no Rio de Janeiro, depois foi para São Paulo, Buenos Aires etc. Trata-se de uma peça onde o diretor evoca sua história familiar, acabando o espetáculo com uma carta que escreveu para o enterro de sua mãe. A peça envolve emoções poderosas das lembranças de Gerald e causou sempre comoção em todas as suas apresentações, segundo relato em "Cidadão do mundo". Diz o diretor: "Eu nunca consegui ver esse espetáculo sem um apertão na garganta. A carta gravada, no final, que eu mesmo li e rasguei ao ler, essa carta era reproduzida toda noite pelo operador de som. Foi terrível ver esse espetáculo. Ao mesmo tempo eu consegui exorcizar um monte de demônios, muito pessoal, mas, de novo, fica a pergunta: Quanto da sua vida pessoal você tem que colocar no palco e quanto deveria ser só ficção? Porque teatro não é realidade, arte vem de artifício que não é realidade, então eu suspendi o espetáculo". Um dos trechos surpreendentes, de "Rainha Mentira", que pode ser visto no youtube, é o seguinte: "Foi duro, muito duro, ver aquelas pessoas devolvendo as fantasias, uma a uma, uma a uma, uma a uma, aquelas fantasias pelas quais lutaram o ano inteiro, sonharam, se iludiram, mais uma vez com aquele dia, aquele único dia de brilho numa vida de MERDA. E agora? a pilha vai crescendo num desencanto terrível da derrota... (...) sabendo que a vida voltaria a ser o que não deveria ter sido, em primeiro lugar". Na próxima e última parte de nossa resenha de "Cidadão do mundo", apresentaremos as outras produções de Gerald Thomas,como também algumas reflexões do mesmo sobre seu próprio teatro, tal como comentado no livro resenhado. Hoje é seu aniversário, Gerald! Parabéns ao mestre do teatro contemporâneo! O final do livro "Gerald Thomas: cidadão do mundo", organizado por Edi Botelho, é reservado para o comentário de algumas peças e óperas montadas pelo dramaturgo nos últimos anos, como também para Thomas falar e refletir sobre si mesmo. Há uma parte um pouco melancólica, denominada "Todas!", em que Gerald Thomas comenta os problemas que envolvem a sua imagem pública. Visto como "polêmico" (vários episódios geraram esse adjetivo), rebate logo dizendo: "Polêmico, na imprensa, para mim significa que o jornalista é preguiçoso." Com certeza, evidentemente, o adjetivo "polêmico" não resolve (muito menos resume) o significado de uma vida inteira dedicada ao teatro, à criação e à reflexão sobre o "mundo em transe" ao qual o diretor sempre esteve atento. Os adjetivos variam do péssimo ao pior: grosso, viciado, alcoólatra, come todas e todos, mitômano, narcisista e por aí vai! Contra essas denominações ordinárias, há uma obra construída, que requer tempo, atenção e cultura para ser entendida. Jornalistas não têm tempo para isso, como pessoas "ordinárias" também não. Gerald Thomas reclama disso: "No entanto, tudo isso parece evaporar-se como a fumaça que uso no palco. O que parece sobreviver é a imagem de um monstro." Além da imprensa, novos amigos revelam ao diretor parte dessa imagem terrível criada sobre ele. "Nada como sentar com um amigo recente. Ele revela tudo aquilo que você mais temia a respeito da tua imagem girando por aí, mas tinha medo de perguntar. (...) Você não tem ideia de como é visto pelas pessoas, ou melhor, você não tem noção de como é sua imagem por aí." A resposta que o diretor dá a esse "espelho torto" de sua imagem é dura: "Então, que assim seja, (...) vou começar a satisfazer a imagem pública que fazem de mim. Chega de me desculpar. (...) O jeito mesmo é ficar antipático, arrogante, orgulhoso. Já que não importa mesmo que as pessoas não me conheçam na intimidade e não saibam dos meus sacrifícios diários de sobrevivência... entendi de uma vez por todas que uma pessoa pública é assim mesmo: uma coisa, um produto. E produtos não choram lágrimas e nem se despedem!". Outro tema apresentado pelo dramaturgo é a sua relação de admiração e respeito por Haroldo de Campos e Beckett, bem como pela obra de Wagner, que montou em vários momentos, e sua relação tensa com dois outros grandes criadores que são o compositor Luciano Berio e o dramaturgo Heiner Müller. Sobre Haroldo de Campos, revela: "ele foi uma das pessoas mais importantes da minha vida e obra". Sobre Beckett, a dívida pelo contato, amizade e influência fatal: "A prosa de Beckett que montei no início, na verdade, era uma porta - uma chance - para que eu começasse a formar um vocabulário próprio." Sobre Heiner Müller, apesar da aproximação com três montagens de "Quartett", Gerald diz: "eu não faço mais Heiner Müller, não acredito nas peças dele, não me convence mais como dramaturgo. É um ótimo escritor de manifestos e Hamlet Machine é uma coisa que nunca me apeteceu (...)". De Richard Wagner, o diretor montou "O Navio Fantasma" e "Tristão e Isolda", e não polpa admiração ao compositor: "Superlativo no sentido ariano mesmo da palavra: perfeição, além da vida, aquilo que inspirou Nietzsche a escrever homem, Super-homem, e criar o ser imortal. Não há nada como Wagner. Eu choro enquanto dirijo. Lacrimejo, descubro a cada dia, a cada récita, a cada ensaio, uma nova camada. Nunca tivemos um gênio assim, e não haverá outro." Com Luciano Berio a relação não foi boa, no momento de direção da obra "Zaíde", de Mozart, a convite de Bob Wilson, quando juntou-se para Gerald Thomas duas coisas desagradáveis: "Mozart é o compositor que menos gosto. Juntando com o que eu mais detesto que é Luciano Berio, deu no que deu." Berio descobriu a relação próxima de Thomas com o compositor Philip Glass, que ele não tolerava, quando começou a demonização do diretor e de Glass. Quando Gerald, em um encontro com Berio, exigiu do compositor a música, recebeu de volta o questionamento: "Quem é você para exigir alguma coisa de Luciano Berio?" Sobre a música que Berio levou seis meses para compor, Gerald Thomas não poupa crítica: "Nossa mãe, que coisa horrorosa! O cara precisa de seis meses para compor uma bosta dessa." Além desses temas, o final de "Cidadão do mundo" trata de trabalhos como a "Blog Novela", para o universo virtual do site IG, que foi transmitido no Brasil e pelo mundo, com 55 mil espectadores aproximadamente. A peça acabou com o nome de "Kepler, o cão que insultava mulheres", sendo transmitida via internet, no teatro e na Av. Paulista, por um telão que o Danilo, do SESC, instalou para o público da rua. A montagem de "Dr. Fausto", ópera de Ferruccio Busoni, em 1995, é um dos assuntos retomados no final do livro que resenhamos aqui. Montada na Graz Ópera, na Áustria, foi uma felicidade para Gerald Thomas. Suas palavras são radiantes sobre essa montagem: "Ótimo, maravilha, um dos melhores trabalhos que eu já fiz. (...) É um dos que eu mais me orgulho, esse realmente... O Fausto é uma coisa impressionante. O tema é Goethe, e Busoni é um compositor que o Schöenberg criou, então é uma música schoenberguiana com um tema goethiano. É lindo, lindo, lindo! Tem todos os elementos de modernismo (...) eu trouxe os elementos da Bauhaus e Duchamp, a roda de bicicleta, enfim, eu coloquei tudo aquilo que não quis olhar para trás, só quis olhar pra frente e teve que arcar com essa consequência. Foi a luz mais brilhante que eu já fiz até hoje." A ópera Tristão e Isolda foi montada em duas versões, uma para Weimar e a outra para o Rio de Janeiro. A de Weimar foi no Deutsches National Theather, na Alemanha Oriental, em frente ao museu da Bauhaus, na Weimar de Goethe, "onde aconteceu todo o modernismo do século XX". Segundo Thomas, "as críticas foram boas, algumas excelentes. Foi parar na TV e no Japão e China". Rompendo com o modelo tradicional de apresentação da ópera Thomas inovou, usando até passarela de moda no palco. No Rio de Janeiro, o diretor teve que partir do zero. Apresentada somente nos anos 50 ou 60, pelo neto de Wagner, com produção da Bayreuth em tournée mundial, a ópera retoma nas mãos de Gerald Thomas, numa leitura ousada e com o grand finale polêmico da bunda do diretor sendo exposta. Além disso, Gerald introduz Freud na peça, o elixir do amor virando cocaína, criando divergências e cortes por parte da direção artística, na pessoa de Helena Severo (governo Rosinha e Garotinho). No dia da estreia, Gerald recebe a notícia da morte do seu amigo e mentor intelectual Haroldo de Campos. Tensão total, ainda mais com as primeiras fileiras compradas por gente do Richard Wagner Fórum (que não admitem nenhuma mudança no conceito original de Wagner), vindos da Alemanha, Inglaterra, Áustria, Bolívia, Argentina... Atrás dessa fileira, artistas como Caetano Veloso, Cacá Diegues, Fernanda Montenegro, Francis Ford Copolla, Denzel Washington, Zuenir Ventura. No final da apresentação, vaias irrompem das primeiras fileiras e Gerald Thomas decide mostrar a bunda para esse grupo, o que faz com que ninguém entenda seu gesto, pois estava sendo ovacionado pelas outras fileiras, o que gerou incompreensão da razão do desabafo anal do diretor. "O fato é que mostrei a bunda e fui preso". Notícia mundo afora, a questão é que o diretor foi detido, sob processo de Rosinha e Garotinho, sendo levado algemado para a 15ª Delegacia. O resultado para Gerald foi um gasto de 22 mil dólares com advogados e viagens para se apresentar ao juiz, só podendo entrar no Brasil com habeas corpus. Para o juiz, Gerald disse o certo: "Não vou aqui, como artista, colocar um precedente para meus colegas artistas. Eu não cometi nada de indecente, eu estou dentro de um teatro onde a nudez é permitida. No mesmo teatro onde Nelson Rodrigues levou ovo e tomate na cara em Vestido de Noiva, em 1943. Eu, em 2003, me recuso a aceitar que vocês vão me processar por ato indecente, indecoroso, obsceno, sei lá." END HERE Gerald Thomas é um dramaturgo do mundo e de "nenhures" (como disse Haroldo de Campos). Não lhe basta apenas o ambiente do teatro, como não lhe basta apenas o ambiente de um país ou de uma cidade, como não lhe basta também apenas uma língua. Sai sempre em defesa de seu teatro e suas ideias por todos os meios possíveis, dando entrevistas ou escrevendo artigos, ensaios sobre seu trabalho ou sobre autores que lhe importam, livros, blogs etc. Nunca se furtou de frequentar a grande mídia e opinar sobre a situação do teatro e das artes como sobre a política mundial ou a condição humana. Nunca deixou de discutir com outras personalidades ou com o público (em eventos, palestras, workshops) sobre seu projeto de teatro e de outros artistas que admira ou rejeita. Por dar a cara à tapa, não se furtando a transitar por áreas pouco convencionais, tem sido sempre admirado e/ou criticado. Seu temperamento, embora difícil (quem conseguiria viver com um artista, esse "esquizofrênico que deu certo"?), não o afasta de uma legião de admiradores. Em geral, quem conhece o trabalho do diretor o admira. Talvez a frase de Barthes explique um pouco o diretor: "Eu escrevo para ser amado". Nem tanto, às vezes o diretor parece criar para ser odiado. É, por isso, mais mal entendido do que conhecido profundamente, onde deveria ser de fato reconhecido: no seu teatro. Desde suas montagens de Beckett no La MaMa, em Nova York, Gerald Thomas tem levado o teatro para o campo da experimentação, da criação de uma prática próxima ao "experimentar o experimental" de Helio Oiticica, sem cair em chavões vanguardistas fáceis. Amante da ópera, principalmente wagneriana, faz de sua dramaturgia uma busca pelo ideal da "arte total", uma conjunção cósmica de teatro, música, cenografia inspirada nas artes plásticas, performance, dança. Jamais conformado com a linguagem "normatizada", do que quer que seja, faz da estranheza do discurso - "Oh! A palavra que me falta!"- uma forma de "invenção". Gerald Thomas não espera Godot, acaba de escrever sua autobiografia "And dead, we walk", que em breve será lançada... E os debates recomeçarão.