Animais no exército
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Animais no exército
LISTA Goiânia, ____ de ___________ de 2015 ···. Série: 9º ano Turma: _____ Aluno (a):______________________________________________________________ Disciplina: Redação Professor: Bruna e-mail: [email protected] EM SUA BARRACA NA NOITE ANTERIOR À EXPLOSÃO que o atingiu no Afeganistão, o cabo Jose Armenta distrai-se com outros marines, entre eles o sargento Ryan Mulrooney. Dá comida e água ao seu cão, Zenit, um pastor-alemão de pelo sedoso. Depois deixa o operador de rádio Buyes, que estará morto dentro de três meses, afagar Zenit, pois o colega é louco pelo cachorro. Então leva Zenit para fora e vai treiná-lo nesse poeirento fim de mundo onde estão acampados. Essa é para eles a hora mais feliz de todas. Jose manda Zenit sentar, e o cão obedece. Jose corre por 50 metros e esconde um brinquedo de borracha ao lado de um muro de barro, cobrindo-o com terra. Zenit dispara, procura em ziguezague, abanando o rabo. É uma dança elaborada. Comandos de voz desencadeiam ações precisas no cão, sempre com o mesmo propósito: encontrar o brinquedo. Amanhã, na patrulha, o objetivo será encontrar não um brinquedo, mas um dispositivo o explosivo improvisado (IED, sigla em inglês), uma das armas do Talibã nessa que muitos consideram a província mais perigosa de um dos países mais perigosos do mundo. Nenhum cão é capaz de encontrar todas as bombas sempre. Há três meses, Jose serve na Base da Patrulha Alcatraz, na orla da cidade de Sangin, na província de Helmand, e até agora não conseguiu nenhum “achado’: Apesar de seu otimismo — um sorriso simpático nunca o abandona —, a situação começa a enervá-lo quase tanto quanto o calor de 37 ºC, que parece aumentar quando se tem às costas uma mochila com 35 quilos de equipamento”. Sendo um adestrador de cães dos marines (como são chamados os fuzileiros navais americanos), Jose é um eterno forasteiro, designado para servir em pelotões que estão formados há anos, irmandades muito unidas, que veem com alguma reserva os recém-chegados, sobretudo os adestradores de cães. O trabalho dele é acompanhar o pelotão, limpando das bombas o caminho em território hostil para seus companheiros combatentes. Porém, por mais gratos que possam ser, Jose sabe que é natural eles se perguntarem: esse cara vai dar conta? Conseguirá se entrosar? Como irá reagir quando começarem os tiros? Nesse momento, em agosto de 2011, a missão militar em Sangin é guardar a barragem de Kaj aki, de 97,5 metros de altura, para impedir que o Talibã a exploda e inunde o vale de Helmand. Os marines do Terceiro Ricos (Batalhão de Recon hecimento), em grupos de, em média, 12 soldados, revezam-se, frustrando as ações inimigas e mapeando bolsões ativos de combatentes talibãs. Jose e Zenit são convocados para acompanhar todas as missões. Toda vez que ele e o cão saem da base, seguem na frente juntamente com um marine, que leva um detector de metal. São os primeiros a se expor ao inimigo, enquanto Zenit esquadrinha a área, procurando o odor de nitrat o, o que pode indicar um IED enterrado. Por mais extenuante que seja, Jose sempre diz sim. Talvez algum sentimento de inferioridade seja seu motor, ou talvez ele sinta que precisa provar muita coisa a si mesmo, aos marines e à sua fam ília, em casa. Talvez ele esteja apenas fazendo seu trabalho, ou só precise de um achado para dissipar quaisquer dúvidas que acalente em relação à capacidade, dele e de Zenit, de dar conta dessas missões. Nesse lugar, a ameaça é palpável. Sanem está juncada de IED e fervilha com inimigo os, encafuados atrás de muros de barro. Foi aqui que forças britânicas, antes de deixarem Sanem em 2010, perderam mais de 100 soldados. Esse lugar é um cemitério para muitos americanos — sem falar nos incontáveis que ficaram mutilados. É nisto que um adestrador de cães tenta não pensar: o risco associado à necessidade de encontrar bombas e a possibilidade de deixar passar alguma. Na base, às vezes se ouve uma delas explodir ao longe, detonada por uma cabra ou um passante desavisado. Moradores chegam desesperados a Alcatraz, trazendo uma criança ensanguentada em busca de assistência médica. A notícia recente sobre dois colegas adestradores, Jeremy e Jasco, que vieram com ele no mesmo grupo para o Afeganistão, foi terrível: ambos perderam as pernas em explosões. Jose tem certeza: prefere morrer a perder um membro ou uma parte vital do corpo. Antes bater as botas do que ser gente pela metade. Ocupar-se afasta a mente do medo, e é isto que Jose faz agora e que tem feito nos últimos dois anos: treina o cachorro, faz seu trabalho e deixa o resto para o destino. -1- Na manhã seguinte, 28 de agosto, o Terceiro Recon sabe que o Talibã andou ocupado. Alcatraz foi instalada em uma elevação de terreno em meio a milharais, perto de um wadi (o leito seco de um rio), e a inteligência avisou que por toda parte foram escondidos IED. “Sabíamos que alguém seria atingido naquela missão’ dirá mais tarde o sargento Ryan Mulrooney. “Todo dia, acontecem explosões com vítimas’ Por isso, pela primeira vez desde que foi mandado para o Afeganistão, Jose veste sua “cueca antiexplosão’ feita do material ultrarresistente Kevlar para limitar lesões na área genital, e põe sua câmera no capacete, esperando documentar seu primeiro achado. Depois dá soro endovenoso a Zenit, prevenindo a desidratação no calor. O grupo sai da base às 10 da manhã em fila indiana, cada homem bem distanciado do da frente, e Jose calcula que a temperatura já chega a 49 oc. Os marines descem o morro devagar e, quando chegam à rodovia 611, Jose sente a adrenalina aumentar. Com a boca seca, ele comanda Zenit, orquestrando cada movimento do cão. O grupo entra no milharal para evitar a estrada até chegar ao wadi, com 2,5 metros de comprimento e 3 de largura, paralelo à rodovia. Jose guia Zenit de margem a margem. Mulrooney, que opera o detector de metal, avisa: “Acho que tem um aqui’ Jose aproxima-se, olha para o montinho de terra solta com um fio à mostra, dardeja um sorriso para Mulrooney e diz: “Beleza!” O líder do grupo é informado. Jose prossegue, nota outro dispositivo e avisa. Percebendo um padrão, ele manda Zenit para o outro lado do wadi, e o cão para de repente, o rabo abanando, o nariz a mil por hora. Essa mudança de comportamento indica o local. Depois de quase 100 dias em campo, é o primeiro IED da dupla. Jose sabe que precisa manter-se calmo, não deixar que Zenit se desconcentre. Mas como não se empolgar? O líder do grupo é informado novamente. O sol escalda os homens enfileirados, que avançam devagar, repisando as pegadas uns dos outros, marcando com creme de barbear os lugares seguros. Outras três em seguida! O leito do rio está coalhado de explosivos. Mas onde terão posto o próximo? Diante dessa pergunta, a animação de Jose verga sob o peso do dever. Ele e Zenit são os únicos responsáveis por descobrir. ZENIT, UM PASTOR-ALEMÃO DE 35 QUILOS com um amor irrefreável por brincar de buscar a bola, nasceu no dia de Halloween de 2007. Veio de um canil na Europa, já com seu nome exótico (pronuncia-se Zinit), cujo significado, se é que existe, Jose nunca descobriu. Depois de aprovado em exames médicos, Zenit foi entregue às Forças Armadas, logo após seu primeiro aniversário, e mandado para o canil da Base da Força Aérea de Lackland, em San Antonio. Ali os cães de trabalho são treinados pelo 34P Esquadrão de Adestramento para “ganhar ímpeto, desenvolver a preensão e adquirir estabilidade ambiental e social’ segundo o Departamento de Defesa. Os dias são regrados: os cães saem apenas para comer, beber, exercitar-se e treinar. É durante essas sessões que os marines avaliam qual o papel mais adequado a cada cão: patrulha, detecção ou rastreamento. Os registros indicam que Zenit passou 13 meses nos canis de Lackland. Como a atenção dos cães é de curta duração, deve ter tido de uma a duas horas de aprendizado por dia, com lições breves, algumas de três a cinco minutos. Ao concluir o curso, Zenit estava diplomado em detecção de explosivos e patrulhamento. Apesar disso, aos 2 anos, quando Zenit enfim começou Jason Cartwright manda seu retriever, lsaac, farejar em busca de armas e explosivos em Kandahar. Os cães são treinados para se sentar ou se deitar sem latir quando localizam um odor determinado. O adestrador recompensa o cão dando-lhe seu brinquedo para roer. FARO PRECISO O extraordinário olfato canino — mais de 100 mil vezes superior ao humano — depende, em parte, de uma estrutura chamada recesso olfatório. Esse labirinto de ossos finos como papel é revestido de milhões de receptores em contato com neurônios no cérebro, onde os odores são analisados. Ao farejar mais de cinco vezes por segundo, um cão sabe até qual narina detectou um cheiro. Tudo isso ajuda os cães de combate a encontrar explosivos. Missão: achar IED Exercícios de treinamento ensinam os cães a seguir odores de dispositivos explosivos improvisados (IED, sigla em inglês) até a origem, oculta em prédios (à esquerda). Os cães trabalham soltos para que seus guias aprendam a comandar os em buscas, de início, a favor do vento. Durante uma patrulha, um cão que anda em zigue-zague pode percorrer até 3 quilômetros para cada 1 percorrido pelo adestrador. -2- sua parceria com Jose na cidade japonesa de Okinawa, em 2010, estava ainda bem cru. Jose, que não conseguira ser designado para uma missão com seu cão anterior, sentiuse mais pressionado para ser bem-sucedido com Zenit. Nem todos os cães têm bom desempenho em combate. Alguns definham com o calor ou se enervam com o barulho de tiros e explosões Alguns são demasiado leais, preguiçosos ou brincalhões. Cada cão possui suas particularidades. No entanto, certas raças costumam ter melhor desempenho no campo de batalha, como o pastoralemão, o retriever do Labrador e sobretudo o pastorbelga malinõis, que tem a reputação de destemido, fogoso e capaz de suportar o calor. O que funciona em um meio pode não dar certo em outro. A história sugere que cada situação de batalha requer uma raça e uma tática específicas. Benjamin Franklin incentivou o uso de cães contra os índios. Dizia-se que os conquistadores espanhóis usavam cães bullmastiffs contra os nativos americanos. Durante a Segunda Guerra Seminole, iniciada em 1835, as Forças Armadas americanas usaram sabujos criados em Cuba para rastrear índios nos pântanos da Flórida. Cães teriam protegido soldados na Guerra de Secessão. Na Primeira Guerra Mundial, os dois lados empregaram dezenas de milhares de cães como mensageiros. Na Segunda Guerra, os marines americanos se serviram de cães nas ilhas do Pacífico para farejar posições japonesas. No Vietnã, calcula-se que 4 mil cães foram usados para guiar patrulhas na selva, salvando inúmeras vidas — apesar disso, os militares decidiram deixar muitos deles para trás quando os Estados Unidos se retiraram da região. No auge das guerras do Afeganistão e Iraque, as Forças Armadas americanas tinham aproximadamente 2,5 mil militares trabalhando com cães. Alguns se tornaram lendários por seu heroísmo, como Cairo, um pastor-belga malinois aclamado por seu trabalho com o grupo de elite um pastor-alemão, cujo adestrador, Mike Dowling, escreveu um livro sobre suas tormentosas façanhas no Iraque e declarou: “Era Rex que me dava forças para me erguer e prosseguir’ Os laços imemoriais entre homem e cão são a essência do nosso fascínio por esse tipo de trabalho em dupla: a confiança humana nos sentidos superiores do animal, já que o cão tem uma percepção dos odores 100 mil vezes mais apurada que a do homem; a seriedade do empenho do soldado, em contraste com a despreocupada alegria do cão na caçada ou na brincadeira; o altruísmo e a lealdade entre adestrador e cão, que se arriscam para salvar vidas. Mas a imagem de cão e soldado com uma vida de dupla de cinema não corresponde à realidade. Em geral, a burocracia militar considera um cão de trabalho como um equipamento, e isso Jose compreendeu assim que viu a identidade de Zenit — N103 — tatuada na orelha do animal. Depois das sessões de treinamento em Okinawa, Jose sempre devolvia Zenit ao canil, obedecendo ao protocolo, e sabia que era vital estabelecer-se como o dominante da dupla no tom de voz e na ação.’Cães são como criancinhas’ diz o sargento de artilharia Kristopher Knight, que treinou Jose e Zenit no Campo de Provas de Yuma, Arizona. “Precisam que lhes digam o que fazer. Precisam saber que suas necessidades básicas — oxigênio, alimento, água — serão atendidas. Dois betas nunca darão certo. Um tem de ser o alfa, e é imperioso que seja o adestrador’ A verdade é que, até o Afeganistão e aquele dia de agosto de 2011, Jose podia recitar esse mandamento. Se Zenit tivesse pisado em um IED e morresse, Jose não derramaria uma lágrima. A relação dos dois era estritamente profissional e precisava manter-se assim. Se Zenit fosse morto, Jose começaria tudo de novo com outro cão. JOSE ARMENTA CRESCEU DURÃO porque sua vida não era fácil. Sua família vivia em uma área pobre da cidade, East Los Angeles, onde seus pais tinham ligação com gangues e se separaram quando Jose era pequeno. A mãe, de origem porto-riquenha, cuidava dos filhos o melhor que podia. O pai, de descendência mexicana, ia e voltava. Uma das mais antigas lembranças de Jose é á de um acidente de carro no qual ele escapou, mas sua irmã morreu. Jose tinha 5 anos, e ela, 4. O aluguel vivia atrasado, e às vezes sua família simplesmente se mudava para outra casa, outra escola — 15 ao todo. Ele era sempre o recém-chegado, o forasteiro. Nos tempos do ensino médio, ele vivia na garagem, atroando os ares com heavy metal. Tocava bateria numa banda. Usava cabelo moicano e piercing no nariz. No entanto, até os extremos de rebeldia de Jose eram relativamente brandos: matar aula, beber cerveja, fumar cigarro, jogar videogame. Vivendo em um mundo violento de gângsteres reais e aspirantes, de tiroteios e tráfico de drogas, ele queria escapar. O que mais desejava era o oposto daquele mundo: Jose queria ser um marine. Em julho de 2007, aos 18 anos, alistou-se e foi mandado para Camp Pendieton. O rapaz, que cresceu sem raízes e sem religião, apaixonou-se logo pela atmosfera de tradição e ritual da vida militar. Apelidaram-no de Socks (meias) por causa de seu uniforme civil de bermudão e meião até o joelho. Concluída a sua instrução de recruta, ele se alistou para treinamento na polícia do Exército e, por fim, foi designado para a base americana em Okinawa. Estava entre os primeiros da classe, por isso lhe ofereceram também a chance de ir para Lackland e começar um treinamento como adestrador de cães. Jose sempre amou cães. Na sua atribulada infância, eles lhe davam estabilidade. Já tivera um dálmata, um pitbull e um chow-chow-pequinês, chamado Bandit, famoso por morder um amigo dele no traseiro. Mas Jose compreendia que um cão militar era um instrumento que ele tinha de dominar, assim como um técnico precisa conhecer o sonar de um submarino ou um operador de drone tem de aprender a controlar um Predator -3- A vida militar, com suas asperezas e disciplina inflexível — justamente o que o salvava das ruas e de uma vida igual à de seus pais —, parecia mais humana nos momentos em que ele recompensava um cão ao afagar seu pescoço ou fazer um elogio. Ele amou o trabalho, mas também se sentiu inspirado por um propósito mais elevado. Uma bomba encontrada significaria várias vidas salvas. A primeira impressão de Jose sobre Zenit foi que o cão parecia meigo demais e um tanto indisciplinado, cheio de energia juvenil. Jose já tinha um cão, um malinois, mas ansiava por experimentar com um pastoralemão. Escolheu Zenit. Um cão novato nos marines aprende a procurar IËD em etapas breves, incrementais. Depois de bem adaptado à obediência básica, o animal é ensinado a reconhecer uma variedade de odores associados a explosivos, como o nitrato de amônia, usado na maioria dos IED no Afeganistão. Ela passa depois a praticar o “Bering" um exercício importante no qual o adestrador com anda os movimentos do cão a distância. Primeiro, o adestrador solta o cão e manda-o na direção de um “lançador de pássaro’ uma catapulta acionada por controle remoto contendo uma bola de tênis. A obediência a comandos de voz e sinais de mão é crucial e, às vezes, difícil de aprender. Quando o cão chega perto do lançador, o adestrador aciona o mecanismo e a bola sai pelos ares. O cão vai buscá-la e a entrega ao adestrador, recebendo elogio e carinho. Quando o cão já aprimorou suas habilidades em ser direcionado, o adestrador começa a esconder no entorno objetos impregnados com odores característicos de todos os tipos de material explosivo. Muda o lançador de lugar constantemente para que os odores se espalhem em várias distâncias e o cão adquira prática em procurar por áreas extensas e alertar o adestrador para tudo o que tiver cheiro de bomba. Por fim, saem de cena os lançadores e a bola de tênis e ficam só os odores. Depois de encontrar cada um deles, o cão é chamado e recompensado com o brinquedo. Eis a essência do processo para um cão. Procurar IED é um jogo: identificar um odor e ganhar um brinquedo. Zenit era um buscador motivado e um parceiro perfeito. Em meados de 2010, a dupla foi escolhida para trabalhar em zona de combate e mandada ao Campo de Provas de Yuma para sintetizar em regime intensivo tudo o que um adestrador e um cão precisam saber em uma zona de guerra, passar pelo teste definitivo e provar que estavam preparados. Em um vilarejo afegão simulado, o adestrador e o cão têm de procurar um complexo conjunto de IED. Alguns são impregnados com odor, para o cão achar. Outros, sem odor, ficam expostos, para o adestrador detectar. Se juntos eles descobrirem mais de 80%, a dupla recebe aprovação final para sair em campo. “Jose era o tipo do cara versado na malandragem das ruas quando entrou para os marines”, avalia um de seus superiores, o sargento Alfred Nieto. “Porém, ele e Zenit sabiam o que estavam fazendo. Disso, não resta dúvida. Acho que os dois cresceram muito em conjunto’ Depois de aprovados no treinamento em Yuma, eles embarcaram em um avião, pernoitar amna Alemanha e seguiram enfim para Camp Leatherneck, a base principal dos marines no Afeganistão. De lá, Jose e Zenit foram mandados para Alcatraz. Em um piscar de olhos, passaram de um vilarejo afegão fictício no deserto do Arizona a um vilarejo real na província de Helmand, um dos lugares mais perigosos do mundo. TRÊS MESES DEPOIS, eles estão em um wadi na periferia de Sangin, cercados por vários IED. Os achados sucedem-se rapidamente, ora por Mulrooney, ora por Jose e Zenit Dois anos de treinamento com o cão, três meses na zona de guerra com Zenit ao lado, comendo a ração operacional dos marines, arrumando seu equipamento e o do cão, botando a mochila nas.costas, trabalhando, esperando, acordando à meia-noite para garantir que Zenit faça as necessidades no local designado e de repente tudo, a vida como soldado e adestrador, a vida de moleque de rua, de forasteiro e ser humano batalhador, comprime-se em 15 minutos e 50 metros. Jose acha que descobriu o padrão. Parece que o Talibã enterrou os explosivos nos pontos de acesso ao wadi, supondo que os soldados se sentiriam mais seguros ocultos no leito seco de rio do que expostos em campo aberto. Tudo está acontecendo muito depressa. Ele respira fundo para conter a agitação e se manter concentrado. O faro canino costuma ter a máxima eficiência, ou sensibilidade, em clima fresco e calmo. Os odores tornam-se mais voláteis em temperaturas mais altas, e o vento pode diluir ou dispersar um cheiro por uma área grande, camuflando sua origem. Aqui não há vento. Mas, em pleno meio-dia, com uma secura de deserto e um calor de fritar, Jose sente o sal do suor que pinga em seus lábios. Zenit está na margem oposta, atento aos comandos de Jose, de orelhas em pé, as patas resvalando no terreno acidentado. O animal também está muito excitado, à procura daquele monte de cheiros que vai lhe render o brinquedo. Onde? Uma trilha larga segue da margem elevada até o wadi, e Zenit passa por ela sem mudar de comportamento. Jose mantém distância. Os homens vêm atrás, afastados, marcando a rota com creme de barbear baseados no avanço de Jose. O militar se desvia do trecho mais percorrido da trilha e sobe por uma pequena elevação. Dá um passo, depois outro. Então a terra cede, e um estrondo ensurdecedor invade seus ouvidos. Quando os olhos de Jose se abrem, ele está deitado de costas. Só pode ver o céu. A explosão arremessou-o por 6 metros para dentro do wadi. Ele sabe o que está acontecendo, mas no consegue entender nada. Tem a boca cheia de terra, e seu corpo grita, parece em chamas. Não consegue respirar. Mulrooney é o primeiro a vir para o seu lado e corta fora seu colete. Jose repete sem parar: “Estraguei tudo. Ainda tenho as pernas?” E depois: -4- “Onde está Zenit?” Mulrooney diz: “Você está bem, cara. Você vai ficar bom’ Há um procedimento quando alguém é “pego como os homens se referem a um acidente desse tipo. Os marines isolam a área, e o pessoal do corpo médico põe um torniquete na cintura de Jose para estancar a hemorragia. Buyes chama um helicóptero, e todos se empenham em ganhar a “hora de ouro’, o tempo em que fazem de tudo para tirar um soldado ferido do campo de batalha para aumentar suas chances de sobreviver. Mas o helicóptero mais próximo está removendo outro marine ferido da área e demora duas horas para chegar. Jose perde muito sangue, mas, para a surpresa geral, se mantém consciente, perguntando por Zenit. O cão, que estava a 6metros da explosão, sabe que alguma coisa saiu errada. Zenit está deitado ao lado de Jose, as orelhas grudadas na cabeça, que ele apoia sobre as patas. Permanece ali enquanto os homens se esforçam para salvar Jose antes da chegada do helicóptero. Segundo o protocolo, adestrador e cão são postos a bordo e levados depressa do local. UMA LUZ DISTANTE — Jose se lembra dela. Recorda que se deixou levar na direção da luz, vencido por um cansaço imenso. Foi no helicóptero. Lembra-se de sentir Zenit ali perto. De pensar em suas três irmãs mais novas e no irmão (ele, que nunca teve alguém mais velho como modelo, se pergunta qual seria o deles), em sua noiva (como ela irá descobrir?) e na irmã que morreu (será que está prestes a vê-la?). Lembra-se então de virar as costas para a luz distante, sacudir o sono e reentrar em seu corpo. JOSE PERDE MUITO SANGUE, mas se mantém Consciente, chamando por Zenit. O cão, que estava a 6 metros da explosão, sabe que alguma coisa saiu errada e está deitado ao lado de Jose, de orelhas grudadas na cabeça. O que veio em seguida não foi fácil. Ele acordou na Alemanha e tornou a acordar dez dias depois, no Hospital Walter Reed. Houve 12 operações, uma transferência para o Centro Médico Naval em San Diego. As duas pernas tiveram de ser amputadas acima do joelho. Ele dormiu 20 horas por dia durante um mês. Son hava que alguém estava fazendo experimentos com ele usando golfinhos. Acordou se debatendo, chamando por Zenit, e soube que o N103 não tinha vindo com ele para os Estados Unidos. Fora designado para outro adestrador, também segundo o protocolo. “Fiquei furioso’ diz Jose. “E senti inveja. Nunca culpei Zenit pelo que aconteceu. Éramos uma equipe. Se alguém teve culpa, fui eu. Só queria o meu cachorro’ Pareceu-lhe que, de modos diferentes, a dupla não passava de um equipamento militar, a ser desmontado quando um dos componentes não funcionasse mais. No Afeganistão, Zenit foi mandado de volta a Camp Leatherneck e logo passou por um teste com outro adestrador e seguiu em mais de 50 patrulhas com outras unidades. Conseguiu fazer mais um achado de IED. Em casa, nos meses depois da operação, Jose esperou que as incisões cicatrizassem, depois se exercitou para fortalecer o tronco e o que restava de suas pernas. Deramlhe próteses provisórias, apelidadas de “shorties’ sem a articulação do joelho para que ele aprendesse a se equilibrar e ficar em pé e a se habituar à pressão sobre as pernas. Mais tarde, ele ganhou próteses com a articulação dos joelhos para reaprender a andar. Recuperação física é uma coisa, e recuperação mental é outra. A mulher de Jose, Eliana, com quem ele se casou seis meses depois de ter sido ferido, lembra-se de dias terríveis: Jose, aos 24 anos, em uma cadeira de rodas pela casa, de cortinas fechadas, tentando aceitar nova vida. “De guerreiro da pesada, eu me transformei em um rapaz em cadeira de rodas’ diz Jose. “A mente não faz uma transição fácil. Nem sei se um dia fará” Nesse meio-tempo, o ex-soldado empenhou- se por reaver Zenit. “Ele era como o meu velho escudo’ diz. “Cada arranhão conta uma história. Nada parecia bem sem ele:’ A sensação de que falta algo não é exclusiva de Jose. Alguns adestradores mutilados conseguem adotar seu cão depois que o animal é aposentado. Outros pedem seu cachorro enquanto ele ainda está na ativa. As Forças Armadas não têm um programa formal para reunir os cães com seus adestrfldores, e alguns homens se deparam com um processo inescrutável e frustrante em um momento no qual precisam de clareza. Para Jose, foram telefonemas e papelada, meses de espera. Por fim, mandaram Zenit para o Centro de Combate Aéreo e Terrestre, na Califórnia. Outros meses se passaram e enfim, em junho de 2012, depois que o Corpo de Fuzileiros Navais aprovou a adoção, Jose e sua mulher fizeram a viagem de carro até a base. Ele se aproximou de Zenit em sua cadeira de rodas, e o cão lambuzou-o todo de beijos. “Eu não conseguia parar de sorrir’ lembra-se Jose. “Por dias. Estou sorrindo até hoje. Senti que era o começo de uma nova vida.” ANOITECE EM SAN DIEGO. Jose está sentado à beira da piscina em sua casa, tomando uma cerveja, descansando da prótese, jogando bola para Zenit. O cachorro aprendeu a comer bife é dormir no sofá. Jose o mima, como nunca pudera fazer. O pelo do pastor-alemão reluz ao sol, enquanto ele persegue a bola com uma dedicação e a devolve a seu dono, que repete sem parar “muito bem!”. A guerra está longe, mas parece sempre presente. “Por muito tempo, eu me repreendi por aquele dia confessa Jose. “Não parava de pensar no que poderia ter feito diferente. Acho que o IED estava fora do ponto onde mandei Zenit procurar ou apenas enterrado fundo demais. Sempre dizem, com razão, que nenhum cão acerta 100%.” Por mais de um ano depois daquele dia no wadi, Jose teve de aprender a andar com suas novas pernas. Fazia fisioterapia várias vezes por semana. “Ele sempre chegava brincando, otimista, ouvindo sua música motivadora diz sua fisioterapeuta, Dawn Golding. Às vezes, quando ele sai para jantar no Buifalo WiId Wings, uma criança vê s’!as pernas de plástico e metal e pergunta se ele é um Transformer. “Que nada, mano’ Jose responde. “Isso é o que acontece quando a gente não come verdura!” E abre um sorrisão. Jose aprendeu a velejar e esquiar e já excursionou pelo Cobrado e pelo Alasca. Trabalha como coordenador de patrulhas da polícia militar, no turno das 4 às 13 horas. Volta para casa, encontra- se com a mulher, que está grávida, e os dois levam Zenit à praia. “É o .meu parceiro silencioso’ diz Jose. “Faz a ponte entre três mundos: a pessoa que eu era antes do Afeganistão, a que fui lá e a que passei a ser depois. Brinco dizendo que, quando ele morrer, vou mandar empalhá-lo e o porei ao lado da cama. No fundo, não consigo imaginar. Não sei o que farei quando isso acontecer’ -5- Jose — irmão, marido e futuro pai — ergue o braço e lança a bola, que descreve um arco contra o céu do entardecer, como uma esperança vã. Antes de ela quicar pela segunda vez, Zenit já a tem na boca e corre para devolvê-la ao dono. Eliana e Jose Armenta distraem-se com seus boston terriers, Oreo e Sassy, e seu pastor-alemão, Zenit. Jose perdeu as pernas em uma explosão quando patrulhava com Zenit. Em 2012, ele adotou o cão. “Os cachorros completam nossa família”, ele diz. Logo um bebê virá aumentá-la. -6-