o livro como espaço de exposição para fotografias

Transcrição

o livro como espaço de exposição para fotografias
User: Gfreitas Time: 03-01-2013
2
13:57 Product: OGloboProsaeVerso
PubDate: 02-03-2013 Zone: Nacional
l O GLOBO
Edition: 1 Page: PAGINA_B
K
Y
M
Color: C
l Prosa l
Sábado 2.3.2013
O LIVRO COMO
ESPAÇO DE
EXPOSIÇÃO PARA
FOTOGRAFIAS
Claudia
Andujar.
Imagem
do fotolivro
“Amazônia”,
censurado em
1978 pelo regime
militar e incluído
na mostra:
“A edição foi a
continuação
do ato de
fotografar”,
diz Andujar
Discurso
com imagens
DIVULGAÇÃO/ FOTOS DE MIGUEL RIO BRANCO
Reunindo artistas como Miguel Rio Branco,
Claudia Andujar e Rosângela Rennó, mostra
promovida pelo Instituto Moreira Salles, com
abertura no dia 9, exibe trabalhos que valorizam
todos os elementos do livro, da edição das fotos
ao design, para construir ensaios inovadores
RONY MALTZ
Especial para O GLOBO, de Nova York
[email protected]
A
narrativa começa sobrevoando a
selva amazônica. Cada página virada abre um horizonte saturado
de cores e texturas exuberantes, e
a sensação é de avançar pela topografia, explorando a natureza da
região: o céu azul espelhado nas águas lisas do
rio, chapadas ocultas sob o colchão de nuvens.
A imagem pousa na mata fechada logo abaixo:
estamos entre os Yanomami. Em poucas fotografias, o olhar percorre da longínqua paisagem
aérea aos rostos dos indígenas em close-up, intimidade que levou anos para ser conquistada.
— Quando fui lá pela primeira vez, não pensei
em livro nenhum. A edição foi a continuação do
ato de fotografar. Comecei em 1971, com uma
bolsa da Fundação Guggenheim, e virou a minha vida — conta Claudia Andujar, suíça naturalizada brasileira e coautora de “Amazônia”
com George Love, seu marido na época.
O livro raro de Andujar e Love é uma das 80
obras selecionadas para a exposição “Fotolivros
latino-americanos”, que estreia em 9 de março
no Instituto Moreira Salles, no Rio. A mostra,
que conta ainda com trabalhos de Miguel Rio
Branco, Rosângela Rennó, José Medeiros, Boris
Kossoy, Cássio Vasconcelos e Claudia Jaguaribe, entre outros, já passou por Madri, Paris e
Nova York antes de chegar à cidade, de onde segue para São Paulo e Buenos Aires.
Na edição original, de 1978, “Amazônia” tinha
prefácio do poeta Thiago de Mello. Mas o regime militar censurou o texto, o livro foi recolhido
e nunca foi a público, lembra Claudia, que no
mesmo ano foi expulsa da área pela Funai. O
Brasil vivia o auge da ditadura e a região Norte
era alvo de diversas obras desenvolvimentistas,
entre elas a construção da estrada Perimetral
Norte, que cortaria uma imensa área de reserva.
— Eles achavam que eu estava lá para denunciar os maus tratos aos índios, embora não fosse
o foco nesse trabalho — diz Andujar, por telefone. — Hoje é quase impossível encontrar o livro.
Foi na seção de turismo de uma livraria que o
fotógrafo e historiador espanhol Horacio Fernández encontrou seu exemplar de “Amazônia”.
Curador da exposição e autor do livro homônimo em que ela é baseada, publicado no Brasil
em 2011 pela Cosac Naify, Fernández começou
a pesquisar fotolivros há mais de dez anos,
quando lançou “Fotografía pública” (2000, inédito no Brasil), obra seminal sobre o gênero.
Desde então, vários autores se debruçaram
sobre o tema, dedicando-se a mapear uma produção que, como escreveu a historiadora de arte Shelley Rice em “The book of 101 books”
(2001, inédito no Brasil), representa “uma história secreta embrenhada na conhecida cronologia da história da fotografia”.
FOTOLIVRO X “LIVRO COM FOTOS”
“Fotolivros latino-americanos” é o resultado de
pesquisas feitas em 19 países, de Cuba à Argentina, por quatro anos, e abrange a produção do
continente de 1920 a 2012. Fernández contou
com o apoio de um conselho de curadores composto pelo argentino Marcelo Brodsky, o brasileiro Iatã Cannabrava, os ingleses Martin Parr e
Lesley Martin, e o espanhol Ramon Reverté.
— Há pouco mais de um ano, a principal diferença entre os fotolivros latino-americanos e os
de outras regiões era seu total desconhecimento. Tanto que já se disse que era um dos segredos mais bem guardados da história da fotografia. Pode ser exagero, mas a verdade é que
quando comecei a trabalhar no tema não existia
nenhum estudo, apenas listas sem comentários
ou ilustrações — conta Fernández, por e-mail,
destacando um aspecto particular da produção
do continente: — Chamam a atenção os fotolivros do período das ditaduras militares, que às
vezes encontrávamos em duas versões (uma
Miguel
Rio Branco.
Imagens de
“Você está
feliz?”, fotolivro
mais recente do
autor, de 2012:
“O livro tem
que ter uma
construção.
O que importa
é o todo, o
discurso”, afirma
Rio Branco
oficial e outra clandestina), sobretudo no Chile.
Um dos critérios de seleção foi o de contemplar apenas projetos nos quais o fotógrafo tem
papel ativo na realização do livro, em conjunto
com o designer gráfico e o editor. “O livro é mais
do que a soma de suas partes” explica Martin
Parr em “The photobook: a history (vol. I)”
(2004, inédito no Brasil). “O conteúdo, a edição,
a escolha do papel, a qualidade da impressão, a
fonte do texto, a encadernação, o design da ca-
pa, as dimensões — todos esses elementos precisam se encaixar harmoniosamente” escreve
Parr, ávido colecionador de fotolivros.
A diferença entre “fotolivro” e “livro com fotos” pode ser ilustrada pela comparação que
Miguel Rio Branco faz entre duas obras suas publicadas na mesma época: “Silent book” (Cosac
Naify, 1997) e “Miguel Rio Branco” (Companhia
das Letras, 1998). O primeiro, incluído na exposição, ele considera um “ensaio acabado”; o ou-