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Para Brooke Brower, meu marido
e a pessoa que me faz acreditar que tudo é possível.
Para os nossos bebés felizes, Graham e Charlotte.
índice
Personagens principais...................................................................
11
Introdução........................................................................................
13
capítulo 1
Controlar o Caos........................................................
43
capítulo 2
Discrição....................................................................
93
capítulo 3
Dedicação...................................................................
117
capítulo 4
Pedidos Invulgares...................................................
137
capítulo 5
Dias Sombrios...........................................................
157
capítulo 6
Sacrifício....................................................................
177
capítulo 7
A Residência e a Raça............................................... 187
capítulo 8
Rumores e Mexericos............................................... 223
capítulo 9
Crescer na Casa Branca............................................ 239
capítulo 10
Tristeza e Esperança................................................ 259
Epílogo.............................................................................................. 285
Agradecimentos............................................................................... 293
Fontes e notas dos capítulos ........................................................... 299
Bibliografia.......................................................................................
311
Lista dos presidentes dos EUA.......................................................
315
personagens principais
James W. F. «Skip» Allen
Reds Arrington
Preston Bruce
Traphes Bryant
Cletus Clark
William «Bill» Cliber
Wendy Elsasser
Chris Emery
Betty Finney
James Hall
William «Bill» Hamilton
James Jeffries
Wilson Jerman
Jim Ketchum
Christine Limerick
Linsey Little
Roland Mesnier
Betty Monkman
Ronn Payne
Nelson Pierce
Mary Prince
Secretário-geral adjunto, 1979–2004
Canalizador, canalizador-chefe, 1946–1979
Porteiro, 1953–1977
Eletricista, tratador dos cães, 1951–1973
Pintor, 1969–2008
Eletricista, 1963–1990; eletricista-chefe,
1990–2004
Florista, 1985–2007
Secretário-geral adjunto, 1987–1994
Camareira, 1993–2007
Mordomo (tempo parcial), 1963–2007
Empregado, chefe do armazém, 1958–2013
Ajudante de cozinha, mordomo
(tempo parcial), 1959–até hoje
Empregado, mordomo, 1957–1993;
porteiro (tempo parcial), 2003–2010
Curador, 1961–1963;
curador-chefe, 1963–1970
Governanta executiva, 1979–2008
(hiato entre 1986 e 1991)
Empregado, 1979–2005
Chef pasteleiro executivo, 1979–2006
Curadora, 1967–1997;
curadora-chefe, 1997–2002
Florista, 1973–1996
Secretário-geral adjunto, 1961–1987
Ama de Amy Carter
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O M U N D O P R I VA D O D O S P R E S I D E N T E S D O S E S TA D O S U N I D O S
James Ramsey
Stephen Rochon
Frank Ruta
Tony Savoy
Bob Scanlan
Walter Scheib
Rex Scouten
Ivaniz Silva
Herman Thompson
Gary Walters
J. B. West
Lynwood Westray
Worthington White
Zephyr Wright
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Mordomo, final da administração Carter
até 2010
Secretário-geral, 2007–2011, contra-almirante
Chef, 1979–1991
(com um hiato entre 1987 e 1988)
Empregado e supervisor do departamento
de operações, 1984–2013
Florista, 1998–2010
Chef executivo, 1994–2005
Secretário-geral adjunto, 1957–1969;
secretário-geral, 1969–1986;
curador-chefe, 1986–1997
Camareira, 1985–2008
Mordomo (tempo parcial), 1960–1993
Secretário-geral adjunto, 1976–1986;
secretário-geral, 1986–2007
Secretário-geral adjunto, 1941–1957;
secretário-geral, 1957–1969
Mordomo (tempo parcial), 1962–1994
Secretário-geral adjunto, 1980–2012
Chef da família Johnson
introdução
Viver na Casa Branca é como estar no palco, onde se representam
alternadamente as tragédias e as comédias. Nós, os criados da Casa Branca,
somos os atores secundários.
Lilian Rogers Parks, camareira e costureira na Casa Branca
1929 e 1961, em My Thirty Years Backstairs at the White House
entre
P
reston Bruce encontrava-se com a mulher na cozinha da sua
casa de Washington, a ouvirem rádio e a almoçarem – a única
refeição que tomavam juntos todos os dias –, quando um locutor interrompeu a emissão com uma notícia de última hora: «O Presidente foi alvejado.»
Bruce pôs-se em pé de um salto, batendo com o joelho na mesa e
atirando vários pratos ao chão. Um ou dois minutos depois ouviram outra notícia, numa voz ainda mais estridente: «O Presidente foi alvejado.
Confirma-se que foi atingido pelos tiros. Não se conhece o seu estado.»
Isto não pode estar a acontecer, pensou Bruce. Vestiu apressadamente o sobretudo, esquecendo-se do chapéu, que lhe seria útil nesse dia
agreste de novembro, e saltou para o carro, arrancando a toda a velocidade. A mulher, Virginia, ficou para trás, de pé na cozinha e em estado
de choque, no meio dos estilhaços dos pratos partidos no chão.
Bruce, normalmente imperturbável, ia-se esgueirando pelo trânsito do centro da cidade a quase 90 quilómetros por hora — «Nem me
apercebi de como ia tão depressa», diria mais tarde — quando ouviu
de repente uma sirene da Polícia atrás de si. Um agente motorizado parou ao lado dele no cruzamento entre a Rua 16 e a Avenida Columbia,
saltou da mota e aproximou-se da porta do condutor.
— Qual é a pressa? — perguntou. Não estava disposto a aceitar
desculpas.
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— Sr. guarda, eu trabalho na Casa Branca — respondeu Bruce,
ofegante. — O Presidente foi alvejado.
Houve uma pausa de estupefação. Nem toda a gente ouvira a arrasadora notícia. «Vamos», disse o agente, atónito, regressando à sua moto.
«Siga-me!», acrescentou. Nesse dia, Bruce teve direito à sua própria
escolta policial até chegar ao portão sudoeste da Casa Branca.
Quase todos os americanos que estavam vivos em 1963 recordam
com pecisão o sítio onde se encontravam ao saberem que o Presidente
Kennedy fora alvejado. Para Bruce, porém, a notícia teve um impacto
muito especial: Kennedy não era só o Presidente dos EUA, era também
o seu patrão e — mais importante do que isso — seu amigo. Preston
Bruce era porteiro na Casa Branca e um elemento muito querido
do pessoal. Na manhã do dia anterior fora ele quem acompanhara o
Presidente, a primeira-dama e o filho de ambos, John-John, ao helicóptero dos fuzileiros pousado na Alameda Sul, que depois os transportaria para apanharem o avião presidencial, o Air Force One, na base aérea
de Andrews. Daí, os Kennedys partiriam para a sua viagem de campanha que passaria por cinco cidades do Texas durante dois dias e que
se revelaria fatal. (John-John, que faria 3 anos quatro dias depois desses eventos, adorava viajar de helicóptero com os pais. Mas só foi até
Andrews e, quando lhe disseram que não poderia acompanhar o pai
e a mãe até Dallas, começou a chorar. Foi a última vez que viu o pai.)
— Fica tudo nas suas mãos! — gritou o Presidente Kennedy a Bruce,
sobrepondo-se ao ruído dos motores do helicóptero na Alameda Sul.
— Dirija as coisas como achar melhor.
Descendente de escravos e filho de um rendeiro da Carolina do Sul,
Bruce tornara-se membro honorário da família Kennedy. Via filmes
com eles na sala de cinema da Casa Branca e acompanhava o Presidente enquanto ele se entregava a brincadeiras felizes com os filhos. Até
estremeceu quando Kennedy bateu com a cabeça enquanto andava
atrás de John-John, uma incontrolável criança de colo, pela Sala Oval.
(A secretária de JFK era um dos esconderijos preferidos de John-John
e Bruce tinha muitas vezes de ir tirá-lo de lá antes das reuniões mais
importantes.) Alto e magro, na casa dos 50 anos, de cabelo grisalho
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I n t ro d u ç ão
e com um bigode de um branco luminoso, Bruce vestia todos os dias
um fato preto com um laço branco para trabalhar. Era tão dedicado ao
seu emprego — que incluía uma questão tão delicada como a disposição dos lugares dos convidados mais nervosos nas mesas dos banquetes oficiais — que arranjou um tipo de mesa (depois conhecida por
«Mesa Bruce»), com o topo ligeiramente inclinado para tornar mais
fácil o arranjo dos cartões com os nomes das pessoas. Esta invenção
seria usada durante dezenas de anos.
Em 22 de novembro de 1963, Bruce, enquanto se esforçava por
chegar o mais depressa possível à Casa Branca, não queria acreditar
no que ouvira: «Ainda hoje sinto o choque que me percorreu o corpo
todo», recordou, mais tarde.
Quando chegou à residência presidencial, só tinha uma coisa em
mente: «Ficar à espera da Sra. Kennedy.» Juntou-se aos outros funcionários diante do televisor existente no gabinete do secretário-geral*,
que estava cheio. As notícias confirmaram o receio partilhado por toda
a gente na Casa Branca. «O que a maioria de nós pensava», escreveria
anos mais tarde, «era que qualquer presidente que saísse daqueles sete
hectares podia regressar na situação do Presidente Kennedy.»
Quando, por volta das quatro horas da manhã, Jackie Kennedy
voltou para a Casa Branca com o seu famoso fato-saia-e-casaco de lã
cor-de-rosa manchado de sangue e agarrada ao braço do cunhado,
Robert F. Kennedy, trazia o rosto quase branco e mostrava uma estranha calma espetral.
— Bruce, esperou por nós — disse-lhe ela, com suavidade, como se
estivesse a querer reconfortá-lo.
— Sim, Sra. Kennedy, sabia que eu estaria aqui — retorquiu Bruce.
Depois de uma cerimónia evocativa muito breve na Sala Leste,
Bruce subiu no elevador com a primeira-dama e o irmão do Presidente
Kennedy, e procurador-geral, a caminho dos aposentos privados do
* Aqui, «secretário-geral» é tradução do termo chief usher. Em português, esta palavra normalmente traduz-se por «arrumador», como o arrumador de salas de espetáculos, mas no caso específico da Casa Branca equivale ao secretário-geral do Estado português, sendo a pessoa que gere
todas as operações e o pessoal da residência. [N. do T.]
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2.° andar. Nesse instante de silêncio dentro do elevador, de pé junto às
duas pessoas que haviam sido as mais próximas de JFK, Bruce foi-se
finalmente abaixo e começou a soluçar. Jackie e Robert juntaram-se-lhe, abraçando-se mutuamente, e os três ficaram assim, a chorar, até
chegarem ao 2.° andar. Quando Jackie chegou ao seu quarto, disse à
sua camareira e confidente, Providencia Paredes: «Pensei que também
me iam matar.» Depois finalmente despiu a roupa que trazia, empapada no sangue do marido, e foi tomar banho.
Exausto, Bruce passou o que restava dessa noite sentado numa cadeira num quarto minúsculo do 3.° andar. Tirou o casaco e o laço e
desabotoou o colarinho da sua camisa branca de tecido rijo, mas não
se permitiu ceder ao cansaço. «Não queria deitar-me, não fosse dar-se
o caso de a Sra. Kennedy precisar de mim», contou. A sua fidelidade
foi recompensada com um gesto de reciprocidade. Pouco depois do
funeral, a primeira-dama deu-lhe a gravata que o marido usara no voo
para Dallas. «O Presidente quereria que ficasse com ela», disse-lhe ela.
(JFK trocara de gravata antes de ir para a coluna de automóveis em que
desfilaria, e onde foi alvejado, guardando a anterior no bolso.) Robert
Kennedy tirou as suas próprias luvas e deu-as ao seu amigo desgostoso:
«Guarde estas luvas», disse a Bruce, «e lembre-se sempre de que as
usei no funeral do meu irmão.»
O porteiro da Casa Branca recusou-se a deixar o seu lugar e a regressar para junto da mulher até ao dia 26 de novembro, quatro dias depois
do assassinato do Presidente. A dedicação de Bruce ao seu trabalho e
à Primeira Família da América, a família presidencial, pode parecer
extraordinária, mas não se espera menos do que isso de quem trabalha
na residência.
*
As famílias presidenciais ficam muitas vezes por conhecer. A sua
privacidade é protegida pelos assessores da Ala Oeste, onde se situa o gabinete político da presidência, e por uma equipa de cerca
de cem pessoas que se mantém deliberadamente na sombra: são os
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funcionários que trabalham na residência oficial do Presidente,
na Ala Leste da Casa Branca. Estes funcionários passam muito do
seu tempo no 2.° e no 3.° andares do edifício, que tem uma área de
4950 metros quadrados. É para o 2.° andar que a família presidencial pode fugir das pressões avassaladoras das funções oficiais mesmo que seja apenas por algumas horas preciosas, enquanto jantam
ou veem televisão. Ali, enquanto os turistas visitam o 1.° andar e os
fotógrafos amadores se amontoam no gradeamento que delimita o
perímetro da Casa Branca, com as máquinas fotográficas embutidas
dos seus telemóveis, o Presidente e a sua família mais chegada estão
à vontade para tratarem em privado das suas vidas pessoais.
Ao contrário da quantidade de assessores políticos que anseiam por
entrevistas e pela publicação das suas memórias depois de deixarem
a Casa Branca, os empregados, os mordomos, os chefs, o secretário-geral e os secretários-gerais adjuntos, os técnicos, os eletricistas,
os canalizadores, os carpinteiros e os floristas que tratam da casa mais
famosa da América têm, em geral, optado por manter-se invisíveis.
Um empregado disse-me que os seus colegas partilham «uma paixão
pelo anonimato». Como resultado, o mundo dos bastidores da Casa
Branca que vive escondido da vista do público tem um vasto património de mexericos e de intrigas.
Tive uma primeira noção desse mundo quando, como membro
do grupo de jornalistas acreditados na Casa Branca, fui convidada
para um almoço formal oferecido por Michelle Obama a uma dúzia de
repórteres numa sala de refeições mais privada do 1.° andar da residência presidencial. Designada por Antiga Sala de Jantar da Família após
Jackie Kennedy ter criado uma nova sala de refeições independente
no 2.° andar, que é o mais usado pela família presidencial residente,
essa primeira sala fica no outro lado do corredor de acesso à Sala de
Jantar de Estado onde eu acompanhara dezenas de acontecimentos
oficiais. Nunca, no entanto, vira esse lado privado da Casa Branca e,
aliás, nem sabia que essa divisão existia. O acesso a muitas zonas da
residência é rigorosamente restringido e os repórteres e fotógrafos que
acompanham os acontecimentos solenes, como as receções na Sala
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Oriental e os banquetes oficiais (que agora se realizam num impressionante pavilhão branco na Alameda Sul), são mantidos à distância dos
convidados da Casa Branca. Para essas cerimónias mais concorridas,
a equipa da Casa Branca é muitas vezes aumentada com a contratação,
a tempo parcial, de mordomos e de outro pessoal de apoio.
Foi uma surpresa, por isso, que no dia do almoço oferecido pela
primeira-dama, um empregado nos tenha conduzido para a Antiga
Sala de Jantar da Família, que é relativamente pequena e confortável
e onde um cavalheiro vestido a rigor nos ofereceu champanhe numa
refulgente bandeja de prata. Da ementa constavam uma salada com
legumes dos jardins da Casa Branca e robalo fresco assado, tudo elegantemente servido em porcelana da época de Truman. Cada prato foi
servido por um mordomo que tinha, claramente, uma boa relação com
a primeira-dama. É tudo muito à moda de Downton Abbey, pensei eu.
A experiência deixou-me curiosa: quem eram estas pessoas tão íntimas
da família mais poderosa do mundo?
Na qualidade de jornalista da Bloomsberg News acreditada na Casa
Branca, trabalhei sempre num dos muitos cubículos minúsculos e sem
janelas existentes sob a Sala de Imprensa James S. Brady. O apertado
espaço da cave é um torvelinho constante de atividade em que os jornalistas andam de um lado para o outro a cobrirem os acontecimentos, a
falarem com as suas fontes e a regressarem a correr aos seus computadores para enviarem as suas notícias. Durante o período em que fui
correspondente na Casa Branca viajei por todo o mundo no Air Force
One e no Air Force Two (o avião do vice-presidente) — enviando notícias
da Mongólia, do Japão, da Polónia, de França, de Portugal, da China e da
Colômbia — mas a história mais fascinante encontrava-se ali, à minha
frente diariamente: os homens e as mulheres que cuidam da família
presidencial e que partilham de uma mesma lealdade feroz para com a
instituição que é a Presidência estado-unidense. Cada elemento do pessoal que serviu na Casa Branca foi uma testemunha da História, e cada
um tem histórias incríveis para contar.
A Casa Branca é o símbolo mais poderoso e mais duradouro da
presidência do país. As suas 132 divisões, 147 janelas, 28 lareiras,
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8 escadarias e 3 elevadores ocupam os seus 6 andares — mais dois
pisos escondidos em formato de mezanino — num edifício que parece
ter apenas três pisos. Esta casa é o lar de uma única família famosa
de cada vez, mas os membros que parecem ser os atores secundários
da sua equipa são os seus inquilinos permanentes.
As pessoas que trabalham na residência oficial trazem aos sete
hectares mais famosos do mundo um sentido de humanidade e de
valores próprio do Velho Mundo. Levantando-se ainda de madrugada,
sacrificam as suas vidas pessoais ao serviço da Primeira Família com
uma dignidade silenciosa e que inspira admiração. Para elas, trabalhar
na Casa Branca, independentemente da função, é uma grande honra.
As eleições podem trazer-lhes novos rostos mas elas mantêm-se,
de presidente para presidente, tendo o cuidado de reservar para si próprias as suas preferências políticas. Têm uma tarefa: fazer com que as
famílias presidenciais da América se sintam confortáveis no ambiente
privado da casa mais pública de todo o país.
No decurso do seu trabalho, muitos destes homens e destas mulheres
viram os presidentes e as suas famílias em momentos extraordinariamente vulneráveis mas só um punhado de pessoas que lá trabalharam
é que publicaram as suas memórias relativas ao tempo passado na Casa
Branca. Esta obra que o leitor tem nas mãos assinala a primeira vez em
que muitos deram a conhecer como é dedicar as suas vidas ao cuidado
diário da Primeira Família. As suas recordações vão de pequenos gestos
de bondade a episódios privados de fúria e desespero, de histórias de
equívocos e excentricidades, passando por momentos em que o triunfo
ou a tragédia nacional se sobrepuseram ao trabalho quotidiano.
Desde as brincadeiras com os filhos de Kennedy na Sala Oval ao
momento em que o primeiro presidente afro-americano chegou à
Casa Branca; desde o pedido de Nancy Reagan para que todas as suas
25 caixas de porcelana de Limoges ficassem no exato local em que se
encontravam antes da limpeza ao momento de privacidade de Hillary
Clinton durante o escândalo sexual e o pedido de destituição que lhe
atingiram o marido, o pessoal da residência vê facetas da família presidencial de que mais ninguém se apercebe.
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Embora me tenham contado as suas histórias sem restrições, os anteriores e atuais empregados da residência seguem um código de ética
há muito estabelecido que valoriza a discrição e a proteção da Primeira
Família acima de tudo o resto. Ao contrário da maioria das pessoas na
cidade de Washington, que vivem obcecadas pelo poder e que dizem
umas às outras onde trabalham antes mesmo de mencionarem os seus
nomes, os empregados evitam referir-se às suas extraordinárias tarefas. Herdaram esse código de honra de gerações anteriores que souberam manter em privado a paralisia de Franklin D. Roosevelt, levando
os convidados para os banquetes oficiais já depois de o Presidente estar
sentado, com a sua cadeira escondida da vista, e que garantiram que
as histórias que envolveram as relações de JFK com várias mulheres
nunca passassem dos portões da Casa Branca.
Os empregados da residência têm, na realidade, um acesso de tal
modo privilegiado que os atuais assessores da Casa Branca nem queriam que eles falassem comigo. Um anterior membro da equipa disse-me, por e-mail: «Penso que descobrirá que qualquer pessoa que ainda
esteja empregada não quer falar consigo porque ninguém quer perder o emprego. Fomos treinados a manter dentro da CB [Casa Branca]
o que se passa dentro da CB.»
Apesar de, no início, alguns se terem mostrado relutantes em partilharem as suas experiências de trabalho «na Casa», como lhe chamam,
foram todos extraordinariamente amáveis. Brancos e negros, homens e
mulheres, chefs, eletricistas e camareiras e dezenas de elementos já reformados convidaram-me para me sentar com eles à mesa das suas cozinhas
ou para falar com eles nos sofás das suas salas de estar. (Eu estava nessa altura grávida do meu segundo filho, o que suscitou muitas perguntas simpáticas sobre como me sentia e se queria comer alguma coisa.) Passado
pouco tempo já estavam a relatar, alegremente, as décadas de memórias
do trabalho com vários presidentes e as suas famílias. Muitos pareciam
indiferentes ao facto de terem tido vidas notáveis com um lugar na primeira fila dos assentos do teatro da História. As suas recordações não foram sempre coerentes: onde muitos conservavam recordações agradáveis
das famílias que serviram, outros contaram histórias menos elogiosas.
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Fazê-los falar nem sempre foi fácil. Algumas pessoas só se abriram comigo depois de eu ter mencionado os nomes dos seus colegas
que já entrevistara. Outros mantiveram-se muito reservados até nos
encontrarmos pessoalmente, como o eletricista-chefe William «Bill»
Cliber, que me contou histórias fascinantes sobre Richard Nixon nos
últimos dias do seu mandato, e a governanta executiva Christine
Limerick, que me falou da decisão dolorosa de deixar temporariamente o seu lugar por estar farta de ser verbalmente maltratada por uma
certa primeira-dama.
Algumas pessoas, como o mordomo preferido de George W. Bush,
James Ramsey, só quiseram falar das suas experiências positivas.
Ramsey até disse que ficava preocupado por o Governo lhe poder tirar
a pensão pela qual trabalhara toda a sua vida se ele contasse algo de
negativo (embora não haja provas de que isso pudesse ter acontecido).
Tinha um amor genuíno pelas famílias que servira. Faleceu em 2014
mas sinto-me afortunada por ter tido a oportunidade de o conhecer e
a outros elementos do pessoal que morreram antes de poderem ver as
suas histórias publicadas.
Falei com pessoas que trabalharam na Casa Branca durante o período conhecido como Camelot — incluindo o primeiro empregado da
residência a ser informado do assassinato do Presidente Kennedy —
e com mordomos, porteiros e floristas que serviram os Obamas. Ouvi
os filhos e as filhas dos presidentes descreverem como é crescer na
Casa Branca. Tive conversas sinceras com as aas primeiras-damas
Rosalynn Carter, Barbara Bush e Laura Bush, assim como com muitos
assessores de topo da Casa Branca. Muitos mostraram-se genuinamente disponíveis para ajudar a revelar as pessoas que trabalham nos bastidores em silêncio e com toda a diligência.
Apesar do sacrifício e do trabalho exigente, o pessoal da residência evita assiduamente a luz dos holofotes, e não apenas num sentido
metafórico. «Há uma regra escrita segundo a qual devemos ficar nos
bastidores. Se havia uma máquina fotográfica ou uma câmara de filmar, baixávamo-nos sempre, passando por cima dela ou contornando-a», insistiu o secretário-geral adjunto James W. F. «Skip» Allen.
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No entanto, os trabalhadores que eu entrevistei tinham um misto de inteligência e de caráter que me fez querer saber mais sobre as suas vidas.
Muitos deles possuíam também um sentido de humor irónico ou mesmo perverso. Depois da nossa entrevista, o mordomo reformado James
Hall insistiu em acompanhar-me a pé, muito lentamente, pelo átrio
cheio de gente do seu lar de idosos. Não estava só a ser cortês, confessou.
Queria era ter a certeza de que toda a gente o via com uma mulher mais
jovem. «Aqui é como em Peyton Place!*», afirmou, com uma gargalhada.
A minha pesquisa levou-me para lá de Washington e até aos seus
subúrbios. Quando Allen se reformou, mudou-se para uma quinta de 540 metros quadrados com uma grande casa do século xix, em
Bedford, na Pensilvânia. Comemos sanduíches de frango com alface e
maionese junto à piscina, durante um chuvisco ligeiro, enquanto ele
me descrevia o relacionamento muito próximo entre o Presidente e o
pessoal («Não seria nada fora do normal para um presidente saber o
dia de aniversário de alguém») e o peso do trabalho («Diga-me o nome
de um presidente qualquer: ninguém deixa a Casa Branca aparentando
ser mais novo do que quando entrou.»).
Apesar de passarem despercebidos durante as cerimónias presidenciais e as visitas de Estado com pompa circunstância, os membros do
pessoal da Casa Branca são fundamentais para a vida pública e privada
dos presidentes americanos. «De certo modo, eu e a minha família
pensámos sempre neles como se fossem anfitriões do Presidente e da
primeira-dama», disse-me Tricia Nixon Cox, a mais velha das duas filhas do Presidente Nixon, acrescentando que «eles tornavam tudo muito bonito e acolhedor».
Por vezes até ajudam o casal mais famoso no mundo a enfrentar
certas tempestades e a sentirem-se normais outra vez… mesmo que
seja só por algumas horas. Vários membros do pessoal contaram-me
que no auge do escândalo de Monica Lewinsky, Hillary Clinton começou a ficar cansada e deprimida. Disseram-me que tiveram pena dela,
sabendo que ela desejava uma coisa que não podia ter: privacidade.
* Peyton Place foi uma longa-metragem (Amar não É Pecado, 1957) e uma série de televisão
(1964–1969), cujo cenário é a pequena cidade de Peyton Place, na Nova Inglaterra (EUA).
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I n t ro d u ç ão
Um dos empregados, o secretário-geral adjunto Worthington White,
recordou como fez sair os turistas da Casa Branca e manteve à distância os agentes dos Serviços Secretos encarregues da primeira-dama
para que Hillary Clinton pudesse usufruir de algumas horas de solidão
junto à piscina. Ter tido a oportunidade de ajudar a Sra. Clinton «foi
tudo para mim», disse White.
Os empregados da residência têm, por vezes, a oportunidade de
serem testemunhas da mais pura alegria que um presidente recém-empossado pode sentir ao alcançar o pico mais alto da política americana. Em 2009, depois de terem finalmente terminado os bailes
inaugurais, os Obamas começaram a preparar-se para passar a sua
primeira noite na Casa Branca. Ainda se estavam a preparar para se
deitarem quando White lhes foi levar alguns documentos de última
hora. Quando chegou ao 2.° andar ouviu uma coisa fora do comum.
«Ouvi de repente o Presidente Obama a dizer: “Já sei, já sei. Já sei
como funciona.” Subitamente comecei a ouvir música e era Mary
J. Blige.» Os novos inquilinos tinham despido o vestuário mais formal,
estando o Presidente em mangas de camisa e a primeira-dama com
uma t-shirt e calças de treino. O Presidente pegou na primeira-dama,
recorda White, e «começaram os dois a dançar» ao som de Real Love,
de Blige. O secretário-geral adjunto fez uma pausa antes de continuar:
«Foi a coisa mais bonita e adorável que se pode imaginar.»
— Aposto que nunca viu nada como isto nesta casa, pois não? —
perguntou-lhe Obama, enquanto o primeiro casal dançava.
— Muito sinceramente, posso dizer que nunca ouvi nada de Mary
J. Blige a tocar aqui neste andar — retorquiu White.
Sem saber quanto tempo é que os Obamas terão estado assim
a dançar, foi no entanto claro para o meu interlocutor que eles tencionavam aproveitar por completo o momento.
*
Muitas famílias presidenciais dizem que pensam no pessoal da
residência como sendo os verdadeiros inquilinos da Casa Branca.
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O Presidente Carter chamou-os «a cola que mantém a casa de pé».
Um dos empregados disse que os seus colegas eram «um grupo de
pessoas que comem, dormem e bebem a Casa Branca».
A Casa Branca tem um quadro de aproximadamente 96 pessoas a
tempo inteiro a que se juntam 250 colaboradores em tempo parcial:
o secretário-geral e secretários-gerais adjuntos, chefs, floristas, camareiras e camareiros, mordomos, porteiros, pintores, carpinteiros, eletricistas, canalizadores, técnicos e calígrafos. Além destes, há cerca de
20 funcionários do Serviço Nacional de Parques que se ocupam dos jardins da Casa Branca. Os trabalhadores da residência são funcionários
federais que servem de acordo com a vontade do Presidente.
O centro da atividade do pessoal da Casa Branca é a secretaria-geral, localizado no 1.° andar (o State Floor), perto da entrada do Pórtico
Norte. Cabe ao secretário-geral fazer a gestão do orçamento concedido
pelo Congresso para o funcionamento da Casa Branca, o que inclui
o custo do aquecimento, da iluminação e do ar condicionado e os salários dos funcionários. Em 1941, quando havia 62 pessoas no quadro de
pessoal da residência, o orçamento anual era de apenas 152 mil dólares.
Setenta e cinco anos depois, com mais pessoal, mais custos operacionais, com a inflação e outros custos adicionais, o orçamento anual já
chega aos 13 milhões de dólares. (Este valor não inclui os 750 mil dólares requeridos para fazer obras de manutenção e de restauro na Casa
Branca todos os anos.)
A função do secretário-geral é semelhante à de um gerente de um
grande hotel, embora apenas ao serviço de um só hóspede. O secretário-geral faz também a gestão de todo os empregados da residência e
trabalha de perto com a primeira-dama. Há um secretário-geral adjunto e uma equipa de supervisores que coordena os vários departamentos, ou «oficinas», tais como o gabinete da governanta ou a secção dos
floristas. Os secretários-gerais adjuntos estabelecem o contacto com os
visitantes, incluindo os convidados pessoais da família presidencial, e
registam os movimentos do Presidente dentro da Casa Branca, que depois são transferidos para a biblioteca presidencial, para a posteridade.
A tarefa do secretário-geral na Casa Branca dos nossos dias é tão
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complexa que exige o tipo de rigor e de disciplina que geralmente se
associam aos militares. Antes de o contra-almirante Stephen Rochon,
da Guarda Costeira dos Estados Unidos, ser nomeado para o cargo por
George W. Bush em 2007 — tornando-se a oitava pessoa, e o primeiro
afro-americano, a servir oficialmente nesta função —, precisou de submeter-se a oito entrevistas para o cargo, tendo de viajar constantemente entre a Casa Branca e o seu posto na Guarda Costeira em Norfolk,
na Virgínia. A sua última entrevista foi com o Presidente na Sala Oval.
Bush queria saber se Rochon se sentiria satisfeito com a nova denominação (usher, em inglês, que também tem o sentido de «arrumador»),
que era enganadoramente modesta.
— O que é que acha desta coisa de ser secretário-geral? — perguntou-lhe Bush.
— Bem, Senhor Presidente, o que é que significa um título? —
retorquiu Rochon.
Muito, pelos vistos: quando Rochon foi contratado, a função passou a ter como título «Secretário-geral da Casa Branca e Diretor da
Residência Executiva», uma descrição decisivamente mais impressionante do que a anterior. Em outubro de 2011 a função foi confiada a Angella Reid, anteriormente gerente do hotel Ritz-Carlton em
Arlington, na Virgínia, e que foi a primeira mulher e a segunda pessoa
afro-americana nomeada para o cargo.
Por mais augusto que o título pareça, o seu objetivo é simples:
o secretário-geral tem de garantir tudo o que a família presidencial
requeira. Para o secretário-geral J. B. West, isso incluiu procurar arduamente por toda a casa os hamsters perdidos de Caroline Kennedy
e chamar dezenas de especialistas para atender à interminável tentativa do Presidente Johnson de obter uma pressão mais forte para os seus
banhos de chuveiro. Jacqueline Kennedy chamou a West «o homem
mais poderoso de Washington depois do Presidente».
Da posição mais alta à mais ínfima, obter um emprego na Casa Branca
não é tão simples como responder a um anúncio ou enviar um currículo pela Internet. «Os empregos na Casa Branca não são objeto de anúncios», diz Tony Savoy, chefe do departamento de operações até 2013.
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«Quase todas as pessoas que eu entrevistava tinham um parente ou
um amigo que a recomendavam para o cargo. É preciso ter alguém que
recomende a pessoa que vai entrar», acrescenta. Muitos dos contratados ficam no cargo durante décadas e outros mesmo durante gerações:
houve uma família, os Ficklins, que teve nove dos seus membros da
trabalhar na Casa Branca.
Todas as administrações nomeiam uma secretária social, cabendo
por tradição o lugar a uma mulher… mas só até 2011, quando os
Obamas nomearam para essa posição Jeremy Bernard, que foi o primeiro homem, e a primeira pessoa abertamente homossexual, a assumir
o cargo. A secretária social, ou secretário, é um elo de ligação entre a
Primeira Família e o pessoal da residência, e entre a Ala Oeste e
a Ala Leste. A sua função inclui o acompanhamento da disposição dos
lugares nos banquetes oficiais e nos acontecimentos formais da Casa
Branca, com a distribuição de planos escritos para os membros do pessoal da residência, que indicam quantas pessoas são esperadas e quais
as salas usadas para a ocasião.
A secretária social fica muitas vezes dividida entre mundos conflituais. Letitia Baldrige, que teve essa função sob os Kennedys, mostrou
ao Presidente cartas que criticavam o cabelo comprido de John-John…
do qual a primeira-dama muito gostava. Quando o Presidente insistiu
em que ele devia cortar o cabelo, Jackie Kennedy deixou de falar com
Baldrige durante três dias.
Os empregados da residência podem tornar muito mais fácil o trabalho da secretária social de coordenar inúmeras festas e de seguir
tradições já consagradas pelo tempo. Julianna Smoot, que esteve como
secretária social dos Obamas entre 2010 e 2011, atribui à equipa de
calígrafos da Casa Branca, que trabalham num pequeno gabinete no
corredor do Gabinete Social na Ala Leste, a sua salvação de uma sua
distração durante o tempo em que esteve na Casa Branca. Um dia, no
final do verão de 2010, um dos três calígrafos — que são responsáveis
pela criação de um número gigantesco de convites para os eventos da
Casa Branca — dirigiu-se a Smoot e perguntou-lhe:
— Já pensou no Natal?
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— O Natal é em dezembro. Não podemos falar disso quando estivermos mais perto? — replicou Smoot. O Natal parecia estar muito longe
e havia tantos eventos em que era necessário trabalhar antes disso.
— Na realidade até estamos um pouco atrasados no que se refere ao
planeamento — insistiu o calígrafo, com ar preocupado.
Smoot ficou chocada. «É claro que eu não sabia!», recordou mais
tarde, acrescentando: «Foi um momento de pânico! Nós precisávamos
de arranjar um tema e, além do mais, o cartão de Natal. Penso que foi
graças aos calígrafos que tivemos Natal em 2010.»
É a secretária social que por vezes transmite as más notícias ao pessoal em nome da primeira-dama, que, por norma, quer ficar fora da
discussão. Quando Laura Bush contratou Lea Berman como sua nova
secretária social, foi a Berman que competiu ter de chamar discretamente o chef executivo Walter Scheib para lhe dizer que parasse de
servir «esta comida típica de clube de campo» à família presidencial.
Scheib disse que estava apenas a cumprir ordens e que muito do que ele
fazia dificilmente podia ser considerado «comida de clube de campo».
Na realidade, estava longe de ser muito requintada. «Se o Presidente
queria uma sanduíche de manteiga de amendoim e de mel, então, caramba, nós fazíamos o raio da melhor sanduíche de manteiga de amendoim e de mel que se pudesse imaginar», afirma Scheib, acrescentando:
«Se é isso o que o Presidente quer, é preciso tomar cuidado com o nome
que se lhe dá.» Quando Berman começou a mostrar-lhe as páginas já
marcadas de livros de cozinha de Martha Stewart, o chef enfureceu-se.
Christine Limerick chefiou cerca de vinte empregados do departamento de arrumação e limpezas, que geriu entre 1979 e 2008 (com
um intervalo entre 1986 e 1991). Seis pessoas trabalhavam no 2.° e no
3.° andares nos aposentos privados da família, num grupo que incluía
cinco empregadas de limpeza e um empregado, que aspirava e mudava os móveis mais pesados. Dois desses funcionários ocupavam-se
exclusivamente da roupa suja e o resto das zonas abertas ao público
e da Sala Oval, onde se lhes juntavam outros colaboradores quando
havia convidados e acontecimentos de maior dimensão como os jantares de Estado.
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A Casa Branca emprega também uma equipa de floristas, encabeçada por um florista-chefe que prepara os arranjos florais todos os dias
na respetiva estufa, que fica num pequeno espaço do rés do chão, por
baixo da via de acesso ao Pórtico Norte da Casa Branca. É da responsabilidade dos floristas imaginarem arranjos exclusivos que estejam
de acordo com o gosto da Primeira Família. Durante os feriados e por
altura dos banquetes oficiais, os floristas chamam voluntários para
ajudarem. Os Obamas recorrem muitas vezes a empresas de eventos
de Chicago para ajudarem a organizar os banquetes e a fazerem as
decorações natalícias. O florista-chefe concentra-se nos espaços públicos e ajuda a coordenar todas as preparações. Os membros desta
secção partilham a responsabilidade da decoração de todo o complexo,
dos aposentos privados no 2.° e no 3.° andares à Ala Oeste, passando
pela Ala Leste e pelos espaços públicos. Nenhum canto da Casa Branca
fica esquecido.
Reid Cherlin, que foi porta-voz do Presidente Obama, lembra-se de
como ficou rendido ao trabalho deles: «O que sempre me impressionou foram as flores. Quando se chegava de manhã cedo à Ala Oeste,
se fosse na hora deles, viam-se os floristas a distribuir novas jarras
com peónias», recorda, acrescentando: «Há qualquer coisa de especial
quando se põem flores frescas num local onde ninguém irá estar. Uma
coisa é pô-las na mesa do café na Sala Oval e outra é fazer enfeites em
zonas onde nem sequer se vão juntar pessoas.»
Todos trabalham em conjunto para fazer com que a residência pareça a mais perfeita possível, conta Bob Scanlan, que trabalhou como
florista entre 1998 e 2010: «Se uma flor de um arranjo estivesse em
mau estado, não era invulgar que a governanta viesse dizer: “Talvez
seja melhor irem ver o que se passa na Sala Vermelha, onde há pétalas
caídas em cima da mesa. Eu apanhei-as mas parece que ainda estão a
cair.” Estamos sempre atentos ao que os outros estão a fazer porque
tudo se reflete em toda a gente.»
A residência usa os serviços de cerca de seis mordomos permanentes e de dezenas de mordomos em tempo parcial, que vão regularmente ajudar nos banquetes oficiais e nas receções. Dos seis mordomos a
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tempo inteiro, um é designado por mordomo-chefe ou chefe de mesa.
A tarefa de atender às necessidades mais pessoais do Presidente cabe
aos camareiros, que estão sempre por perto. Há, em geral, dois camareiros que trabalham por turnos. São oriundos das forças armadas
e ocupam-se das roupas do Presidente, de recados seus e da limpeza
dos sapatos e trabalham em conjunto com as governantas. Por exemplo, se os sapatos do Presidente precisam de solas novas, o camareiro
avisa um membro do gabinete da governanta. Quando o Presidente vai
de manhã para a Sala Oval, um camareiro mantém-se à sua disposição
para o caso de ele precisar de alguma coisa, quer se trate de um café,
do pequeno-almoço ou de uma simples pastilha para a tosse. Quando
o Presidente viaja é o camareiro que lhe faz as malas, acompanhando-o
muitas vezes num carro de apoio se se tratar de um desfile automóvel
com uma camisa ou uma gravata de reserva para o caso de este entornar alguma coisa e precisar de mudar rapidamente de roupa.
No primeiro dia depois da tomada de posse, George W. Bush ficou
chocado quando conheceu os seus dois camareiros. Conta Laura Bush:
«Chegaram estes dois homens, que se apresentaram ao George, dizendo-lhe: “Somos os seus camareiros.” E ele foi falar com o pai e disse-lhe: “Estes dois homens acabaram de se apresentar e disseram-me
que eram os meus camareiros e eu não preciso de ter um camareiro.”
E o Presidente Bush [George H. W. Bush] respondeu-lhe: “Hás de habituar-te.”» E ele habituou-se. Mais tarde ou mais cedo, não há presidente
que não tenha uma ocasião em que possa dar-se ao luxo de não ter de
se preocupar com a necessidade de meter mais uma camisa na mala.
*
O pessoal da residência existe para aliviar o peso da vida quotidiana
da família presidencial, que geralmente não tem tempo para cozinhar,
ir às compras ou tratar da roupa. Trabalham também em condições de
segurança extremas — em que outra casa é que existe uma equipa de
atiradores profissionais sempre de prevenção no telhado? — e onde a
privacidade é pouca. Muitos observadores já mencionaram que a vida
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na Casa Branca pode ser como viver numa prisão, embora, como assinala Michelle Obama, seja «uma prisão realmente agradável».
Betty Finney, empregada de muitos anos da Casa Branca (conhecida por «Betty Pequena» devido ao seu tamanho reduzido), disse que
o nível elevado de segurança ajuda a que as pessoas que aí trabalham,
bem como a família, se sintam seguras. «Sabemos que os atiradores
estão lá em cima para nos proteger. Porque é que não havemos de nos
sentir em casa? Ficaríamos a pensar onde é que estariam se não os
víssemos!», afirma.
Algumas falhas de segurança que ocorreram mais recentemente,
porém, puseram a nu a vulnerabilidade deste potente símbolo da democracia americana e da família que a considera como seu lar. E também
mostram como pode ser multifacetado e fundamental o trabalho de alguém da residência. Sendo o primeiro presidente negro, o Presidente
Obama supostamente enfrenta três vezes mais ameaças do que os seus
antecessores. Em 2014, alguns antigos membros do pessoal ficaram
horrorizados quando um homem armado com uma faca conseguiu trepar pela cerca da Casa Branca, atravessar a correr a Alameda Norte e
entrar mesmo pelo piso principal da mansão, sem ser intercetado pelos
vários agentes dos Serviços Secretos, para acabar por ser dominado por
um agente que estava de folga. Noutro incidente igualmente assustador,
em 2011, uma empregada fez, sem o saber, de investigadora particular
ao ser a primeira pessoa a dar por uma janela partida e a reparar num
pedaço de cimento branco no chão da Varanda Truman. A sua descoberta permitiu perceber que um homem tinha realmente disparado sete
balas contra a residência alguns dias antes. (Os Serviços Secretos sabiam da existência de um tiroteio mas concluíram, erradamente, que os
tiros haviam sido disparados por gangues rivais durante um confronto
armado e que o alvo não era a mansão executiva.) Todos os empregados
da Casa Branca são treinados para serem «muito observadores» e sabem que devem relatar qualquer coisa fora do vulgar, diz Limerick, em
especial se isso puder pôr em perigo a Primeira Família.
Não há seguramente nada de vulgar quanto à vida da residência, por
muito que o pessoal se esforce por fazer com que o Presidente e a sua
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família se sintam como em sua casa. Além das muito concretas preocupações com a segurança, o ambiente doméstico da Casa Branca tem
pouquíssimas semelhanças com o de uma casa americana normal.
O filho dos Reagans, Ron, contou-me da visita que ele e a mulher fizeram aos pais. Quando chegaram, sendo já tarde para jantar, decidiram
ir à cozinha privada da família, à procura de ovos e de uma frigideira.
Quando um mordomo os ouviu na cozinha a uma hora tão tardia, foi
a correr ver o que se passava, com uma expressão preocupada.
— Posso ajudar? Não querem que alguém vos faça isso? — perguntou, com ar muito sério.
— Não, obrigado — respondeu Reagan. — Mas pode dizer-me onde
é que estão os ovos? E onde é que guardam a frigideira?
O mordomo não se mostrou satisfeito. A última coisa que o pessoal
quer é sentir-se inútil. No fim, Reagan até teve de pedir ao mordomo
que trouxesse ovos da cozinha do rés do chão porque na cozinha da
família Reagan não havia nenhum.
«Eles querem mesmo, mas mesmo, fazer o que fazem. Não querem
ficar a fazer figura de corpo presente», disse-me ele.
Hillary Clinton foi outro membro de uma família presidencial que
às vezes queria tratar das coisas por si própria, concebendo uma zona
na cozinha do 2.° andar onde se podia comer para a família poder ter aí
as suas refeições num ambiente informal.
«Percebi que tinha feito bem quando a Chelsea ficou doente, uma
noite», disse. Nessa noite, recorda, o pessoal «ficou doido» quando ela
se pôs a fazer ovos mexidos para a filha.
«Oh, trazemos uma omeleta lá de baixo», disse-lhe o mordomo.
Hillary retorquiu: «Não, só quero fazer ovos mexidos com puré de
maçã e dar-lhe a comer o que eu daria se estivéssemos a viver noutro
qualquer outro ponto da América.»
Embora a Primeira Família possa por vezes tentar esquecer-se da
imponência majestática da residência, muitos dos empregados disseram que até se sentem reconfortados com isso. «Se estivermos a ter
um dia mau ou menos bom com a Primeira Família ou com a equipa
deles, podemos afastar-nos um pouco e observar a casa de longe», diz
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Limerick, acrescentando: «Se eu visse a Casa Branca iluminada à noite,
pensaria: Eu trabalho mesmo dentro desse edifício e tenho tido o maravilhoso privilégio de o poder fazer. Com isso a minha cabeça ficava a funcionar
melhor e conseguia lidar com o problema no dia seguinte.»
*
A Casa Branca é a materialização física da democracia americana. Fica numa área de sete hectares no centro de Washington, num
terreno de que o Serviço Nacional de Parques cuida ao longo de todo
o ano. O edifício principal, formalmente conhecido como mansão
executiva, está dividido em espaços públicos e privados. A mansão
pode parecer que tem apenas três pisos mas o seu formato engana:
o edifício tem na realidade seis pisos e dois níveis mais pequenos em
mezanino. Para além dos dois pisos subterrâneos, há o Ground Floor
(andar térreo), onde estão localizadas a cozinha principal, a estufa dos
floristas e a oficina de carpintaria, e o State Floor (o 1.° andar). Nos
dois mezaninos estão localizados o gabinete do secretário-geral e a
cozinha do chef pasteleiro. O 2.° e o 3.° andares são ocupados pelos
aposentos privados da família presidencial. A cozinha do pessoal e as
zonas de armazenamento ficam nas caves. A Ala Oeste (West Wing)
e a Ala Leste (East Wing) têm os seus pisos ocultos, o mais famoso
dos quais é o Gabinete de Crise (Situation Room), que fica sob a Ala
Oeste. O Gabinete de Crise tornou-se o símbolo de poder da presidência, sendo o local onde o comandante-chefe se reúne com os seus conselheiros quando tem de lidar com crises de maior dimensão e fazer
telefonemas que não podem ser intercetados com chefes de Estado
e de Governo estrangeiros.
O pessoal da residência tem a sua própria cafetaria, uma sala de
refeições, uma sala de estar e espaços de armazenamento no mezanino da cave, que é na realidade um piso inteiro. A cafetaria é separada
da cozinha principal do rés do chão, onde são preparadas as refeições
para a Primeira Família e os banquetes oficiais. (Além desta cozinha,
há uma outra, mais pequena, no 2.° andar da residência que é de uso
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exclusivo para as refeições privadas da família.) O pessoal da Casa
Branca reúne-se por tradição na cafetaria da cave para comer, conversar e descontrair-se. Foi, durante anos, o local onde o pessoal se reunia
para apreciar a gastronomia tradicional sulista, que incluía frango frito,
pão de milho e feijão-frade, esmeradamente confecionada por um grupo de cozinheiras entre as quais se encontrava uma mulher conhecida
por «Miss Sally», que usava sempre chapéus elaborados quando estava
a trabalhar e que adorava provocar os seus colegas — ao praguejar por
vezes como um carroceiro — quando os servia. Embora a cafetaria da
cave tivesse sido encerrada recentemente, numa aparente tentativa de
redução de custos — para grande desgosto dos funcionários —, o local
é ainda um ponto de encontro para onde o pessoal leva a sua própria
comida, para comer e conversar.
Às vezes até os assessores políticos de topo descem à cave para comer com o pessoal da residência. Reggie Love, o ex-assistente pessoal
de Obama — conhecido como o seu «duplo» — tornou-se tão próximo de alguns dos mordomos que ia comer com eles à cozinha nos
fins de semana, quando a cafetaria destinada ao pessoal da Ala Oeste e
conhecida como Messe da Marinha, estava fechada. Love deixou a Casa
Branca em 2011 mas ainda vai jogar às cartas com os mordomos da
Casa Branca quando está em Washington.
*
É na Ala Oeste que ficam a Sala Oval e a equipa política do Presidente.
Na Ala Leste ficam os gabinetes da primeira-dama e da sua equipa.
O percurso entre as duas alas equivale mais ou menos à distância de
um lado ao outro de um campo de futebol americano.
O pessoal da residência tem de recolher os tapetes e montar as cordas e pilaretes nas zonas do rés do chão e do 1.° andar que são abertas
às visitas do público. Todas as tardes, depois de terem passado milhares
de pessoas, os empregados têm de limpar tudo, de retirar os pilaretes e
de desenrolar os tapetes para o 1.° andar não parecer tanto um destino
turístico se a Primeira Família quiser passar aí algum tempo.
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«Não percebi, até lá ter trabalhado, que o Presidente e primeira-dama
não estão tão afastados das zonas de visita do público. Estão só um andar acima», diz Katie Johnson, secretária pessoal do Presidente Obama
entre 2009 e 2011. Das suas responsabilidades fazia parte garantir que
o Presidente era rigoroso no cumprimento da sua agenda e coordenar-se com a primeira-dama e o pessoal da residência. Johnson era também a pessoa destacada para a tarefa nada invejável de dizer ao pessoal
da Ala Leste que o Presidente ia chegar atrasado para o jantar familiar.
A residência é «como um apartamento de Nova Iorque muito, muito chique», diz Johnson, candidamente, acrescentando: «Há muita coisa que se passa no exterior e à volta dela mas, lá dentro, é a nossa casa».
Katie McCormick Lelyveld, a primeira assessora de imprensa de
Michelle Obama, sentava-se por vezes num gabinete adjacente ao salão de beleza do 2.° andar. E lembra-se de como esses andares eram
sossegados por comparação com a algazarra do piso inferior: «No espaço doméstico privado não há dezenas de pessoas que parecem andar
a esvoaçar, de um lado para o outro. Esforçam-se por encarar tudo como
se fosse uma casa privada. E os agentes não estão dentro mas fora.»
«A Casa Branca foi construída à escala humana», diz Tricia Nixon
Cox. Houve um dia em que, depois de uma cerimónia de boas-vindas
na Alameda Sul, um príncipe europeu que estava de visita se voltou
para ela e disse: «Isto é mesmo uma casa.» Sentira-se surpreendido
pela escala da mansão executiva, quando comparada com os palácios
que conhecia. «Para ele, parecia pequena!», exclama Tricia.
Podendo ser menos imponente do que alguns palácios reais, a
Casa Branca está longe de ser modesta. O grande átrio de entrada na
fachada norte abre-se, num dos lados, para a Sala Leste, que tem quase
25 metros de comprimento, e, no noutro, para a Sala de Jantar de
Estado, que é muitas vezes usada para banquetes oficiais em honra de
chefes de Estado e de Governo estrangeiros. Entre as duas há outras
três salas: a Sala Verde, a Sala Azul e a Sala Vermelha.
Os aposentos privados da Primeira Família, situados no 2.° e no
3.° andar, estão ligados por um corredor principal em cada piso: no 2.°
andar há 16 divisões e 6 casas de banho e, no 3.°, mais 20 divisões e
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9 casas de banho. Os camareiros e as camareiras têm por vezes o seu
alojamento nestes andares, bem como os filhos do Presidente. Os quartos destinados aos convidados não têm os números nas portas mas são
conhecidos pelo pessoal da residência por números, como num hotel.
Todas as semanas, cada uma das camareiras da Casa Branca se encarrega de limpar uma série de quartos. De todos o que mais detestam é
o quarto número 328.
«É o quarto mais difícil de limpar», afirma a camareira Betty Finney.
O quarto 328 tem uma cama de trenó e essas camas «são extraordinariamente difíceis de fazer! Quando fazemos uma cama queremos que
ela fique com um aspeto perfeito e o trabalho que dava a consegui-lo
era muito. Sabíamos todas que tinha de ser feito, mas detestávamos.»
Cada piso principal tem uma sala de forma oval: a Sala de Receção
dos Diplomatas no rés do chão, onde o Presidente Roosevelt fazia os
seus discursos à lareira e por onde a Primeira Família costuma entrar
na residência; a Sala Azul no 1.° andar, que dá para a Alameda Sul
e que tem um lustre francês de vidro lapidado e cortinados de veludo de tom azul-vivo; e, finalmente, a Sala Oval Amarela, no 2.° andar,
que dá para a Varanda Truman. Esta sala foi em tempos uma biblioteca com um acesso privado ao gabinete do Presidente Lincoln, que
é agora o Quarto Lincoln, criado para que Lincoln pudesse evitar as
multidões que o queriam ver na Sala do Tratado. É agora um gabinete
privado para uso do Presidente. A Ala Oeste, onde fica a Sala Oval,
só seria construída várias décadas mais tarde. Até então, a residência
serviu como casa e local de trabalho do Presidente.
Há quatro escadarias que dão para a residência executiva: a Grande
Escadaria, que vai do rés do chão ao 2.° andar; a escadaria ao lado do
elevador presidencial, que vai da cave ao 3.° andar; uma escada de caracol ao lado do elevador do pessoal que vai do mezanino do 1.° andar,
onde fica a cozinha de pastelaria, até à cave; e finalmente a quarta escadaria, a verdadeira «escada de serviço», que vai do 2.° andar, junto
ao Quarto da Rainha (um elegante quarto em tons cor-de-rosa que recebeu essa designação devido à realeza que já lá ficou), até à extremidade leste do 3.° andar. As camareiras usam por vezes estas escadas
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quando precisam de limpar os quartos no 2.° andar e não querem perturbar a família. Permite-lhes subir mesmo até ao 3.° andar e voltar
pelo mesmo caminho.
A Casa Branca foi concebida pelo arquiteto de nacionalidade irlandesa James Hoban, depois de ter ganhado uma competição idealizada pelo Presidente George Washington e pelo secretário de Estado
Thomas Jefferson. O design da casa foi inspirado no modelo da Leinster
House, a mansão georgiana de Dublin do século xviii que é a sede do
Parlamento irlandês. Os primeiros residentes consideraram-na demasiado grande, crítica que raramente se ouve atualmente, quando há
banquetes oficiais que têm por vezes de ser organizados para centenas
de convidados numa cozinha apertada e quando quase todos os quartos de hóspedes se encontram apinhados com amigos e parentes no
período da tomada de posse.
George Washington tinha previsto que a cidade de Washington,
a capital do estado com o mesmo nome, rivalizaria com a beleza e a
grandeza de Paris e de Londres mas, de início, a cidade ficou muito
atrás dessas pitorescas capitais da Europa. Em 1800, na altura em que o
Presidente John Adams e a sua mulher, Abigail, se tornaram os primeiros residentes da Casa Branca, havia apenas seis divisões habitáveis e os
Adams trouxeram apenas quatro criados com eles. A casa nova estava
longe de estar completa e Washington era de tal modo um entreposto
pantanoso e isolado que a Primeira Família andou perdida durante horas entre Baltimore e a capital. Quando finalmente chegaram, tiveram
de passar por tábuas de madeira porque os degraus da frente ainda
não haviam sido instalados. Os estábulos e uma lavandaria ocupavam
a zona que é hoje a Ala Oeste e os funcionários municipais precisaram de encerrar um bordel que funcionava nas barracas dos operários
que estavam a construir a Casa Branca. (Os carpinteiros e os pedreiros
ficaram tão incomodados pela decisão que o bordel foi transferido para
uma zona da cidade onde dava menos nas vistas.)
«Não temos nem uma cerca, um pátio ou qualquer outra zona confortável», escreveu Abigail à filha, acrescentando que «as escadas principais ainda não foram construídas e não o serão durante este inverno».
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Quando Abigail Adams se mudou para a Casa Branca, calculou que
seriam necessários pelo menos 30 criados para a fazer funcionar adequadamente. (Hoje trabalham lá quase 100 pessoas.) Nos primeiros
mandatos, as famílias presidenciais trouxeram o seu próprio pessoal
(empregadas de limpeza e camareiras, cozinheiros e camareiros), pagando diretamente do seu bolso. Em décadas mais recentes algumas
famílias trouxeram um ou dois empregados mais leais e que antes os
serviam, mas a maioria confia na competência do pessoal da residência.
Em 1814, quando se aproximava do fim a Guerra de 1812, os ingleses
deitaram fogo à Casa Branca, que ficou reduzida a cinzas. O Presidente
James Madison pediu a Hoban para ajudar a reconstruir a mansão, que
já era nessa altura um símbolo nacional. Desde então, todos os presidentes têm procurado deixar a sua marca no edifício. A mansão foi
sujeita a diversos embelezamentos de estilo vitoriano durante o século
xix mas foi em 1902 que Theodore Roosevelt contratou uma famosa
firma de arquitetos de Nova Iorque, a McKim, Mead & White, para
a renovar de acordo com o seu estilo original neoclássico. Roosevelt
mandou fazer quartos de hóspedes no 3.° andar e deitar abaixo uma
série de estufas gigantescas — usadas pela família presidencial para
cultivar fruta e flores — para abrir caminho para o alargamento e aquilo que viria a ser conhecido por Ala Oeste. Mais tarde, ainda nesse ano,
Roosevelt transferiu o seu gabinete do 2.° andar da residência para a
Ala Oeste e o seu sucessor, William Howard Taft, acrescentou a Sala
Oval, terminada em 1909.
A última grande renovação deu-se durante a administração Truman
quando o telhado estava, literalmente, a dar de si e se descobriu que
a casa apresentava um risco sério de desabamento. As coisas haviam-se
tornado tão perigosas que, quando a primeira-dama convidou as Filhas
da Revolução Americana para um chá na Sala Azul, o lustre — que era
grande como um frigorífico — começou a oscilar furiosamente por cima
das desprevenidas convidadas, em parte porque o Presidente estava a tomar banho por cima delas, no 2.° andar. Além disso, a perna de um dos
pianos de Margaret Truman chegou a mergulhar no chão apodrecido da
sua sala de estar durante uma sessão particularmente animada de piano.
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Truman mandou substituir a estrutura original de madeira da mansão
por uma nova estrutura de aço e acrescentou-lhe um espaço exterior no
2.° andar que dá para a Alameda Sul, que ficou conhecido por Varanda
Truman e que ainda é um dos pontos preferidos pela Primeira Família
para momentos de descontração.
Nenhum dos residentes mais recentes da Casa Branca a transformou seguramente mais do que Jacqueline Kennedy, que iniciou um
esforço muito público para restaurar o interior (odiava a palavra «redecorar») para a transformar na «mais perfeita casa» do país. Pediu
à sua amiga Rachel «Bunny» Mellon, filantropa famosa, para redesenhar o Roseiral e o Jardim Leste, substituindo o cor-de-rosa de Mamie
Eisenhower por um branco suave e por um azul claro. Aumentou o
trabalho do pessoal da Casa Branca ao trazer a célebre decoradora de
interiores Sister Parish para ajudar na restauração, pesquisando em
toda a casa por «tesouros» e desfazendo-se de «horrores». «Se há coisa
que não suporto são espelhos vitorianos: são horrendos. Ponham-nos
nas masmorras», gracejou Jackie, insistindo em que «tudo na Casa
Branca tem de ter um motivo para estar onde está». Nomeou Henry
Francis du Pont, colecionador de mobiliário americano antigo e herdeiro da fortuna da família, para presidente do Comité de Belas-Artes da
Casa Branca, criado por Jackie um mês depois de se ter mudado para
a residência. Era da responsabilidade dos membros do Comité procurarem peças de qualidade museográfica em todo o país e convencerem
os seus proprietários a doarem-nas à Casa Branca. Foi também quem
criou o Gabinete do Curador, garantindo desse modo que as mobílias e
as obras de arte da mansão fossem adequadamente inventariadas e cuidadas. Quando fez a primeira visita guiada televisiva da Casa Branca,
em 1962, teve uma audiência de 80 milhões de pessoas e a iniciativa
ajudou a transformá-las numa das primeiras-damas mais populares.
Na altura só tinha 32 anos.
A Casa Branca dos nossos dias ainda mantém a marca deixada
por Jackie Kennedy. Pegara num edifício que há muito parecia enfadonho e ajudou a fazer dele um paradigma de elegância, trazendo à
função presidencial um misto de sensibilidade histórica e de elegância
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I n t ro d u ç ão
contemporânea. Deu também um novo estilo continental ao pessoal
da Casa Branca, contratando o chef francês René Verdon e nomeando
Oleg Cassini estilista oficial. E as suas atenções alargaram-se aos aposentos privados. Quando a Antiga Sala de Jantar da Família, no andar
de baixo, se revelou demasiado formal como ponto de encontro para
a sua jovem família, decidiu transformar um espaço do 2.° andar, que
fora o quarto de Margaret Truman, numa cozinha com uma sala de
jantar privativa.
Hoje, o pessoal fala da Casa Branca com uma reverência que é
normalmente reservada para as suas primeiras famílias preferidas.
Um funcionário da residência disse que, todas as vezes que levava pessoas amigas a fazer uma visita à Casa Branca, a terminava com um pedido para olharem em volta e absorverem tudo o que viam: «Andaram
exatamente pelo mesmo espaço que tem sido percorrido por todos os
presidentes desde que John Adams foi Presidente.»
De todos as vezes que aconteceu, diz, «foi emocionante».
*
O pessoal da Casa Branca delicia-se com cada milímetro da mansão que conhece, com os seus cantos pouco conhecidos e os segredos
históricos. Os vestiários subterrâneos, onde os mordomos guardam os
seus smokings bem engomados e as camareiras deixam os seus uniformes (camisas de cor pastel e calças brancas) ficam a uma distância
muito curta de um abrigo antiaéreo existente sob a Ala Leste e que
foi mandado construir pelo Presidente Franklin Roosevelt durante
a Segunda Guerra Mundial. Esta sala é agora o Centro Presidencial
de Operações de Emergência, construída com o objetivo de aguentar
um ataque nuclear. O bunker em forma de tubo é o local para onde o
Presidente deve ser levado no caso de existir um ataque. A Sala dos
Mapas no rés do chão foi em tempos uma sala de bilhar antes de ser
transformada no centro secreto de planeamento do Presidente durante
a Segunda Guerra Mundial. Foi aí que, rodeado pelos mapas que registavam os movimentos das forças americanas e inimigas que FDR
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O M U N D O P R I VA D O D O S P R E S I D E N T E S D O S E S TA D O S U N I D O S
estudou a invasão da Normandia. Foram poucas as pessoas que beneficiaram da autoridade necessária para entrarem nessa sala. «Quando
a sala teve de ser limpa», escreveu o secretário-geral J. B. West, «o guarda de segurança cobriu os mapas com panos, ficando em sentido enquanto a empregada limpava o chão». Décadas mais tarde, Bill Clinton
usou esta mesma sala para o seu depoimento perante o grand jury,
o júri do processo de acusação, no caso Lewinsky. Hoje é usada, nos
dias de festa, como sala de espera para os convidados do Presidente
que vão ser fotografados com o casal presidencial na Sala de Receção
dos Diplomatas, que fica ao lado.
Há outras salas que evocam acontecimentos diferentes, cobrindo
séculos da História americana. Abigail Adams usou a grande Sala
Leste — que é a maior sala da Casa Branca, com tetos que têm mais
de seis metros de altura — para estender roupa, por nela haver muitas correntes de ar. A sala, que depois foi um abrigo temporário para
soldados durante a Guerra Civil, serve agora de cenário para a maioria das conferências de imprensa do Presidente. A Sala de Jantar de
Estado, muitas vezes utilizadas para banquetes oficiais que requerem
uma coreografia pormenorizada e que estão associados à assinatura
de acordos militares e comerciais significativos, serviu em tempos de
gabinete a Thomas Jefferson. A Sala Verde, que é agora uma sala de
estar formal no 1.° andar, começou por ser o quarto de Jefferson, onde
ele também tomava o pequeno-almoço. James Monroe usou-a como
sala de jogos, e foi aí que foi embalsamado Willie, o adorado filho de
11 anos de Abraham Lincoln, com o rosto iluminado por velas enquanto lhe punham camélias nas mãos. A pequena Sala de Estar Lincoln
de estilo vitoriano, situada no 2.° andar, foi usada como gabinete para
o telégrafo no final do século xix. Era onde se refugiava Richard Nixon,
nos dias mais sombrios do caso Watergate, deixando-se aí ficar durante
horas no meio dos seus pesados cortinados e dos móveis de madeira
escura, com a música em altos berros, a lareira acesa e o ar condicionado no máximo.
No 3.° andar existe um santuário que não se vê de fora, situado no
telhado do Pórtico Sul, com uma varanda que oferece uma visão de
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I n t ro d u ç ão
180 graus do National Mall e do Monumento a Washington. Esta construção foi concebida pela primeira-dama Grace Coolidge como o seu
«Salão Celestial». Conhecido agora como Solário, este refúgio escondido serve de sala de estar da família presidencial. Foi aqui que a pequena Caroline Kennedy fez o pré-escolar, que o Presidente Reagan esteve
a recuperar depois de ter sido alvejado numa tentativa de assassinato e é
onde Sasha e Malia Obama ficam a conversar com as suas amigas que
vão dormir à casa onde agora moram.
*
Ninguém, de entre o pessoal da residência que entrevistei, se importou por ser considerado um «empregado doméstico». Não há nada
de humilhante em trabalhar na Casa Branca, seja em que posição for.
«É bem giro quando estamos todos os dias no meio do mobiliário e de
todos os restantes elementos que são do melhor que existem no país
sem termos a possibilidade de os ter», diz o florista Ronn Payne.
Para o chef pasteleiro executivo Roland Mesnier, a confeção de sobremesas muito elaboradas para cinco presidentes representou o apogeu
da sua carreira: «A Casa Branca é o máximo dos máximos. E se não o
for na Casa Branca, onde é que será?»
É esta dedicação bem distinta ao serviço, e o orgulho que os funcionários têm no que fazem, que tem permitido às famílias presidenciais
da América trabalhar e viver no complexo da Casa Branca com confiança e segurança e usufruir de momentos preciosos de sossego. As histórias do pessoal da residência oficial deixam-nos ver instantes da vida
dos nossos presidentes e das suas famílias quando vivem confinados
à função, literal e simbolicamente. As suas extraordinárias histórias
— algumas comoventes, algumas hilariantes e outras trágicas — merecem um lugar na História americana.
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Capítulo 1
controlar o caos
De uma presidência para outra, a transformação no pessoal doméstico
é tão súbita como a morte. O que eu quero dizer é que nos deixa
num vazio misterioso. De manhã servimos o pequeno-almoço a uma família
com quem passámos vários anos. Ao meio-dia essa família desapareceu da nossa
vida e aparecem novos rostos, novas decisões e novos gostos e desgostos.
Alonzo Fields, mordomo e chefe de mesa entre 1931 e 1953,
em My 21 Years in the White House
Foi a única vez em que um emprego se desfez de mim.
Walter Scheib, chef executivo entre 1994 e 2005
U
ma ou duas vezes em cada dez anos, normalmente num dia
de novembro em que o frio penetra até aos ossos, os americanos ficam colados às cerimónias públicas de transição
de poder de um presidente para o presidente seguinte. Centenas de
milhares de pessoas inundam o parque conhecido por National Mall,
em Washington, para verem o Presidente eleito tomar posse do cargo,
numa cerimónia calma e meticulosamente coreografada a que Lady
Bird Johnson chamou «o grande desfile quadrienal americano».
Nos bastidores, este pacífico acontecimento é acompanhado por um
número surpreendente de procedimentos logísticos complexos. Laura
Bush chama à «mudança de famílias» uma «obra-prima coreográfica,
concretizada com uma velocidade excecional» e o êxito da sua execução
depende do conhecimento institucional e da flexibilidade da equipa
da residência da Casa Branca. O zumbido da atividade da Casa Branca
começa ainda mais cedo do que é habitual no Dia da Tomada de Posse,
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O M U N D O P R I VA D O D O S P R E S I D E N T E S D O S E S TA D O S U N I D O S
com trabalhadores a entrarem ainda antes de o dia nascer. É quando
o seu dia chega ao fim que começa uma nova era da História americana.
A Casa Branca pertence ainda à família do Presidente cessante até ao meio-dia, quando se inicia o mandato do novo Presidente.
Na manhã desse dia, o Presidente em funções recebe para um café
a nova Primeira Família. Assim que a Primeira Família sai, o pessoal
amontoa-se na opulenta Sala de Jantar de Estado, onde serviram tantos
banquetes oficiais, para se despedirem da família presidencial. Cedem
muitas vezes às várias emoções que sentem quando, nessa ocasião
e num período de apenas seis horas, trocam um patrão, que em alguns
casos até é um amigo, por outro. Em muitas circunstâncias tiveram
oito anos para se tornarem mais próximos da família que está de partida e raramente tiveram tempo para conhecerem os novos residentes
da mansão presidencial. É raro haver um olho seco na sala, mesmo que
muitos possam sentir-se empolgados quanto ao futuro.
«Quando chegaram os Clintons, e Chelsea veio com eles, não disseram uma única palavra», recorda a governanta-chefe Christine Limerick
relativamente ao Dia da Tomada de Posse de 2001. «Mas agora vou emocionar-me: [o Presidente Clinton] ficou de frente a olhar para cada pessoa enquanto dizia “Obrigado”. Toda a gente se comoveu», acrescenta.
Durante a sessão de despedidas, os funcionários da residência oferecem à família um presente — que por vezes é a bandeira que foi
hasteada na Casa Branca no dia em que o Presidente tomou posse
— numa bonita caixa esculpida à mão concebida pelos carpinteiros
da Casa Branca. Em 2001, Limerick, a florista-chefe Nancy Clarke e a
curadora-chefe Betty Monkman deram a Hillary Clinton uma grande
almofada feita com amostras dos tecidos que ela selecionara para decorar diversas salas da residência.
Neste dia há pouquíssimo tempo para pensar. Por volta das onze horas
da manhã, as duas primeiras famílias presidenciais saem da Casa Branca
para o Capitólio. Entre esse momento e, aproximadamente, as cinco horas da tarde — quando o novo Presidente e a sua família regressam, para
descansarem e se prepararem para os bailes inaugurais —, toda a equipa deve ter completado o trabalho que decorre da saída de uma família
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C o n t ro l a r o C ao s
e preparação da entrada de outra. Nesse momento, quando os olhos de
Washington e do mundo estão voltados para o Capitólio, o pessoal da residência só pode sentir-se grato pelo facto de a atenção do público se desviar
da atividade tumultuosa que se desenrola dentro de portas.
Como a contratação de profissionais para fazer a mudança exigiria uma variedade de procedimentos de segurança, o pessoal da residência é o único responsável pela entrada do Presidente recém-eleito
e pela saída do Presidente cessante e da sua família. Não é permitido
qualquer tipo de apoio externo. Ao longo do dia, mesmo enquanto continuam a desempenhar as suas funções tradicionais, os trabalhadores
da residência funcionam também como profissionais de mudanças
e apenas com um período de seis horas para assegurarem a mudança.
Mas é um trabalho tão grande e tão exigente, no aspeto físico, que toda
a gente é chamada a colaborar: os ajudantes de cozinha ajudam a dispor a mobília e veem-se carpinteiros a colocarem fotografias emolduradas nas mesas laterais. É uma atividade tão fisicamente intensa que,
no dia da chegada de Clinton, um dos empregados sofreu uma lesão
grave nas costas ao levantar um sofá e não conseguiu voltar ao trabalho
senão vários meses depois.
Para o supervisor do departamento de operações, Tony Savoy, o Dia
da Tomada de Posse é o momento mais importante da sua carreira.
O seu departamento ocupa-se habitualmente das receções, dos jantares,
da mudança na disposição dos móveis para a gravação de entrevistas
televisivas e dos eventos ao ar livre mas, durante a tomada de posse,
é a sua equipa que «os faz entrar e os faz sair», como diz Savoy. As camionetas que trazem os pertences da nova família entram por um dos
portões, e dezenas de trabalhadores da residência, das operações e das
equipas de técnicos, carpinteiros e eletricistas apressam-se a tirar os
móveis dos veículos e a porem-nos exatamente onde o decorador de interiores da Primeira Família os quer. «A melhor transição é quando eles
não perdem» e conseguem ficar mais quatro anos, brinca Savoy, disfarçando a ansiedade muito séria que acompanha esta espantosa tarefa.
Nas seis horas que decorrem entre a partida da Primeira Família
e a chegada do Presidente recém-eleito e da sua família, toda a equipa
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tem de pôr tapetes limpos e colchões e cabeceiras de cama por estrear,
retirar quadros e, em resumo, decorar tudo de acordo com o estilo
preferido da família que está a chegar. Abrem as caixas com os seus
pertences, dobram-lhes as roupas na perfeição e põem-nas nas gavetas. Até dispõem as escovas e a pasta dentífrica nas casas de banho.
Não há pormenor que fique por atender.
O florista Bob Scanlan ajudou a fazer a transição de Clinton para
George W. Bush em 2001. A transição para a família Bush foi relativamente fácil porque já conheciam o território melhor do que muitos
outros. George W. Bush era um visitante frequente da Casa Branca
quando o pai foi Presidente. A família estava habituada a estar rodeada de uma equipa muito grande e Laura Bush reconhece por isso
que tiveram «uma vantagem enorme» relativamente às restantes
famílias presidenciais por terem passado tanto tempo na Casa Branca
quando o primeiro Presidente Bush («o velho Bush», como o pessoal
lhe chamava afetuosamente) esteve em funções. «A única família
que esteve na mesma situação foi a de John Quincy e de Louisa
Adams», acrescenta.
Bill Clinton sabia da familiaridade de Bush com a Casa Branca
e com o seu pessoal e dizia, a brincar, que Bush até conhecia a localização de todos os interruptores. Clinton só estivera na Casa Branca um
punhado de vezes antes da tomada de posse, uma vez como membro
ainda adolescente da Nação dos Rapazes da Legião Americana, tendo
ficado numa fotografia a apertar a mão ao Presidente Kennedy, outra
como convidado dos Carters em 1977 (que também foi a primeira visita de Hillary Clinton à Casa Branca) e várias vezes como participante
dos jantares da Associação dos Governadores Nacionais enquanto foi
governador do Arkansas. Antes de se mudarem, Hillary disse que só
fora uma vez ao 2.° andar, quando Barbara Bush lhe fez uma visita guiada depois de o marido ter ganhado as eleições. Ao 3.° andar
é que nunca chegara a ir. Quando se mudaram, Hillary dedicou-se
a estudar a história da Casa Branca, pedindo aos curadores para fazerem um livro que mostrasse como cada sala fora ao longo da História,
incluindo as primeiras fotografias e desenhos que existissem.
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C o n t ro l a r o C ao s
Nos nossos dias, no entanto, foi Barack Obama o Presidente que
achou a transição mais difícil. Mudou-se, com a família, da sua casa
na zona de Hyde Park, em Chicago, diretamente para a Casa Branca.
Os Obamas estavam ainda menos habituados a terem uma equipa de
pessoal doméstico do que os Clintons: tinham só uma governanta em
Chicago e nem uma ama tinham, deixando as filhas, Sasha e Malia,
com a mãe de Michelle, Marian, durante a campanha. Sem ter tido
o benefício de crescer como filho de um presidente — ou de viverem
no ambiente relativamente luxuoso de uma mansão de governador —,
foi preciso algum tempo para Obama e a sua família se sentirem mais
confortáveis na sua nova vida.
*
Em 30 de janeiro de 2009 uma multidão de 1,8 milhões de pessoas
reuniu-se debaixo de uma temperatura ambiente de pouco mais de
dois graus positivos para ver Barack Obama a tornar-se o primeiro afro-americano a tomar posse do cargo presidencial. Não foi só a maior das
multidões que assistiu à tomada de posse de um presidente como foi
também a maior que assistiu a qualquer tipo de acontecimento público
na história da cidade de Washington.
A maioria dos americanos nunca ouvira falar de Barack Obama até
2004 quando, como senador pelo estado do Ilinóis, se dirigiu numa
intervenção eletrizante à Convenção Nacional do Partido Democrata.
A sua meteórica ascensão deixou os Obamas quase sem tempo para se
prepararem para a vida na Casa Branca. Sabendo-o, o pessoal da residência quis ajudar a facilitar a transição. Deve ter parecido surreal a Obama
quando o secretário-geral se voltou para ele, quando atravessava pela
primeira vez as portas do imponente Pórtico Norte como Presidente,
e lhe disse: «Senhor Presidente, seja bem-vindo à sua nova casa.» Foi
durante alguns momentos mais sossegados dessa tarde e ao cair da noite, entre o desfile a que tiveram de assistir e o primeiro baile inaugural,
que os Obamas petiscaram no buffet que lhes foi preparado na Antiga
Sala de Jantar Familiar, em que nenhum pormenor foi deixado ao acaso.
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Esse dia foi o resultado de meses de um planeamento prévio meticuloso. Para os funcionários da residência, a transição de uma administração presidencial para outra começa cerca de dezoito meses antes
da tomada de posse, quando o secretário-geral prepara pastas, para o
novo Presidente e para a nova primeira-dama (com o desafio acrescido
de não saber quem serão), que incluem uma planta pormenorizada da
Casa Branca, uma lista do pessoal e uma visão geral das mudanças que
podem ser feitas na Sala Oval.
Gary Walters, que serviu como secretário-geral entre 1986 e 2007, começou a recolher informações sobre os candidatos durante as primárias,
muito antes de o candidato presidencial ser selecionado. Foi uma situação especialmente difícil a que se verificou, quando os presidentes Ford,
Carter e George H. W. Bush fracassaram nas suas tentativas de conseguirem um segundo mandato. «É a família residente quem manda mas
é preciso termos muita atenção ao que vai acontecer», afirma Walters.
Em dezembro, depois das eleições e antes da tomada de posse,
Walters organizava uma visita guiada pela Casa Branca com a família
que ia entrar orientada pela primeira-dama em funções. É nessa altura
que a futura primeira-dama recebe um livro com os nomes e as fotografias de todas as pessoas que trabalham na residência. O livro ajuda
a nova Primeira Família a conhecer os nomes de todos os empregados
e é, em parte, também, uma medida de segurança para que possam
alertar os Serviços Secretos se virem alguém que não reconheçam.
É a família presidencial que vai sair que paga a mudança dos seus
pertences pessoais da Casa Branca. O Presidente recém-eleito também paga o transporte das suas coisas para a mansão, quer com o seu
próprio orçamento quer com os fundos provenientes da campanha
ou recolhidos para a transição. Cabe à nova família organizar com os
Serviços Secretos o transporte dos seus pertences para a Casa Branca
na manhã da tomada de posse.
Um problema logístico que surge em cada tomada de posse é o transporte do mobiliário da nova Primeira Família e dos seus objetos de
maior dimensão para a Casa Branca. Depois das eleições presidenciais
de 1960, a secretária social dos Kennedys, Letitia Baldrige, transmitiu a
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C o n t ro l a r o C ao s
Jackie num memorando que pedira à secretária social dos Eisenhowers,
Mary Jane McCaffree, se podiam «transportar disfarçadamente muitas
coisas sem os [Eisenhowers] saberem e ela disse que sim, que o secretário-geral podia guardar caixas, malas, etc., sem serem vistas, e depois
pô-las à vista ao bater das doze horas. Não é maravilhoso?! Parece mesmo
tirado de Alfred Hitchcock». Baldrige recorda-se de ter chegado à Casa
Branca com a camareira de Jackie, Providencia Paredes, e o camareiro
de Jack Kennedy, George Thomas, num carro com o vestido da tomada
de posse e toda a bagagem dos Kennedys. Chegaram quando toda a
gente já se reunia no Capitólio para a cerimónia da posse. O Jardim Sul,
ainda coberto de neve, encontrava-se iluminado pela luz brilhante do
sol. «Cronometrámos a viagem de Georgetown para a Casa Branca para
não chegarmos antes do meio-dia porque é a esse hora, oficialmente,
que o novo Presidente toma posse da Casa Branca», relata.
Quase meio século depois ainda se aplicam as mesmas condições.
Os conselheiros da família Obama começaram a reunir-se com o pessoal da residência logo a seguir às eleições e, na semana antes da tomada de posse, grande parte do mobiliário dos Obamas já fora enviado
para a Casa Branca, tendo ficado guardado na Sala Chinesa, no rés do
chão, para poder ser levado rapidamente para cima. Os Bushes tinham
dito ao secretário-geral Stephen Rochon que queriam fazer a mudança
da forma mais fácil possível mas Rochon quis ter o cuidado de fazer
com que os Bushes nunca se sentissem a ser empurrados para saírem:
«Quisemos manter tudo fora da vista da família que vai sair. Não é que
não soubessem que as coisas lá estavam mas não queríamos que sentissem que os queríamos mandar embora.»
Outros conselheiros de Obama fizeram contactos semelhantes com
o pessoal da residência. Cerca de dois meses antes da tomada de posse,
a florista-chefe Nancy Clarke reuniu-se com o decorador dos Obamas,
Michael Smith, para tratar dos arranjos florais para os aposentos privados onde os amigos e a família passariam a noite da inauguração do
mandato presidencial.
«O tempo é muito limitado para preparar a casa e por isso tivemos
uma equipa completa a trabalhar, para termos a certeza de que tudo
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estava o mais perfeito possível no tempo que tivemos à nossa disposição», diz a secretária social Desirée Rogers, uma confidente do círculo
íntimo dos Obamas desde os seus dias de Chicago e a sua primeira
secretária social. No Dia da Tomada de Posse, «chegámos à casa o mais
cedo que pudemos», recorda, «e dispusemos as coisas, preparámos
tudo e arrumámos a roupa em cada quarto».
Semanas antes da tomada de posse, Rogers reuniu-se com os floristas e analisou o tipo de flores a pôr nas mesas redondas, assim como
o tipo de castiçais e de velas que seriam usados para os momentos
preciosos em que a família presidencial iria apreciar o ambiente novo
envolvente antes de mudar de roupa para os bailes inaugurais.
«Todas essas pequenas coisas podem ajudar as pessoas a sentirem-se confortáveis e bem-vindas», diz o florista Bob Scanlan.
O novo Presidente preencheu a maioria dos cargos da Ala Oeste com colaboradores leais da sua campanha presidencial e do início da sua carreira
política, incluindo o seu porta-voz de muitos anos, Robert Gibbs, que foi o
seu primeiro assessor de imprensa na Casa Branca, e a sua amiga pessoal,
Valerie Jarrett, convidada como conselheira sénior. Michelle Obama trouxe também a sua própria equipa, cuja maioria conhecia já há vários anos.
Poucos dias após a mudança, Michelle pediu à sua equipa da Ala Leste
e a todos os empregados da residência para se reunirem no Salão Leste.
Katie McCormick Lelyveld, então assessora de imprensa da primeira-dama, recorda-se bem de como a sua chefe mostrou quem mandava.
«Esta é a equipa com que entrei aqui», disse a primeira-dama ao pessoal da residência já com muitos anos de casa, apontando para o seu pequeno grupo de assessores políticos. «Vocês fazem parte da nossa nova
equipa», disse-lhes antes de se voltar para os próprios colaboradores,
entre os quais se encontrava Lelyveld: «E cabe-vos, a vós, certificarem-se de que conhecem todas estas pessoas. Elas já cá estavam antes de
chegarem e são elas que fazem funcionar esta casa. É o território delas.»
Após esse discurso a equipa da primeira-dama espalhou-se pela sala,
indo apresentar-se aos funcionários.
«Nessa altura foi uma questão de nós investirmos neles para termos
a certeza de que sabíamos qual era o seu papel e de como é que nos
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C o n t ro l a r o C ao s
encaixávamos no quadro mais geral. Os miúdos novos na escola éramos nós», afirma Lelyveld.
A partir desses primeiros dias, Lelyveld começou a aconselhar-se
com os trabalhadores da residência. Quando quis pensar numa maneira inteligente de revelar à imprensa a ementa do primeiro banquete
oficial dos Obamas, foi à cozinha e perguntou à chef executiva Cristeta
«Cris» Comerford como é que ela achava que devia ser disposta a sala
para os jornalistas poderem ver o que ela estava a preparar sem a distrair do seu trabalho. Quando pediu opinião ao pessoal dos departamentos Técnico e de Operações, sobre o modo como devia reorganizar
a disposição dos móveis para uma entrevista televisiva no 1.° andar,
lembraram-lhe que a Casa Branca não é uma casa normal. «Estamos a
trabalhar num museu», diz Lelyveld, «e não são apenas duas cadeiras
para uma entrevista» mas «duas cadeiras da Sala Azul que são mais
velhas do que nós, e séculos mais velhas, que têm de ser afastadas
do caminho. Por isso, pede-se ao pessoal, cujo trabalho é cuidar desse
espaço, para o fazer.» (O mobiliário é tão precioso que um camareiro
foi avisado pelo seu chefe de que, se partisse um certo relógio francês de bronze dourado que estava à vista na Casa Branca desde 1817,
era melhor nem voltar lá. Nunca ganharia dinheiro suficiente em toda
a sua vida para conseguir substituí-lo.)
Na sexta-feira depois da tomada de posse, Obama deu descontraidamente uma volta pelas instalações para se apresentar. Quando chegou
à cozinha do 2.° andar, deu com vários mordomos à volta de um televisor. Com ar brincalhão, deu uma palmada no ombro de James Jeffries,
perguntando:
— O que estão a ver?
— Estamos a ver o que se passava no Memorial Lincoln antes da
tomada de posse — respondeu Jeffries. — Parabéns por ter sido eleito
Presidente.
– Obrigado – disse Obama, com o seu sorriso característico, de orelha a orelha, saindo da cozinha.
Quando, minutos depois, o Presidente voltou a passar na cozinha,
Jeffries encheu-se de coragem e disse-lhe:
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– Acabei de lhe dar os parabéns. Amanhã, se por acaso eu for chamado para vir trabalhar, pode dar-me os parabéns a mim por ter estado
a trabalhar aqui há 50 anos.
– Não vou esperar até amanhã – retorquiu Obama, sem uma hesitação. – Posso fazer já isso. Parabéns.
Embora Desirée Rogers descreva a relação de Obama com o pessoal como simplesmente «muito, muito cordial», o novo Presidente
mostrou-se bastante mais reservado e menos conversador do que os
seus antecessores mais próximos. Alguns empregados disseram que
tinham saudades da fácil camaradagem que haviam estabelecido com
Bush, Clinton e Bush. «Com os Bushes, eles queriam que nós nos sentíssemos próximos deles», disse o secretário-geral Rochon, acrescentando que, com os Obamas, «era necessário manter tudo completamente
profissional». Mas os Obamas acabaram por estabelecer laços de amizade com alguns dos homens e mulheres que trabalham nos bastidores.
O mordomo James Jeffries disse que há um entendimento e um respeito implícitos entre os Obamas e o corpo de mordomos, que é largamente afro-americano, sobre as realidades inerentes à condição dos negros
na América. O Presidente Obama reconheceu-o quando disse que parte
do afeto dos mordomos para com a sua família se explica porque «eles
olham para a Malia e para a Sasha e dizem, “Bem, esta parece-se com a
minha neta, ou é esta que se parece com a minha filha.”»
O porteiro Vincent Contee, de 84 anos, trabalhou todas as segundas e terças-feiras de 1988 a 2009, acompanhando o Presidente quando
ele ia e vinha no elevador para a Sala Oval. «Dávamo-nos formidavelmente», recorda, acrescentando: «Eu via-o de manhã e ele conversava
comigo e perguntava-me como me corria o dia.» Durante os 21 anos
que passou na Casa Branca, Contee nunca deixava de se sentir fascinado porque, além de falar regularmente com os presidentes, também
acompanhou celebridades como Nelson Mandela e Elizabeth Taylor
no elevador quando iam encontrar-se com o Presidente nos aposentos
privados da família. Diz ainda que nem mesmo os presidentes conseguem por vezes esconder o seu cansaço. Chegava sempre um momento
em que cada presidente que ele serviu se voltava para ele durante a curta
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descida de elevador e suspirava: «Só desejava poder voltar para a cama
e dormir o dia todo.»
A caminho da Sala Oval, Obama falava de desporto com Contee:
«Ele sabia que eu era um fã do futebol. Sou fã dos Redskins. Dizia-me
quando eles eram derrotados, sabe?, o que eles não fizeram ou o que
deveriam ter feito.» Por vezes, Obama pedia-lhe para levar o seu cão de
água português, Bo, a passear nos jardins. Quando terminava o passeio, era Contee quem levava Bo para o quarto, no 3.° andar.
Mesmo assim, os Obamas eram uma família especialmente preocupada com a sua própria privacidade e o secretário-geral Rochon sentiu
que existia algum distanciamento entre o pessoal e o novo Presidente.
Os Obamas pareciam sentir-se «desconfortáveis», afirma, por terem
«tantos mordomos e empregados à sua inteira disposição». Para um
casal que só recentemente acabara de pagar os empréstimos que lhes
haviam sido concedidos para estudarem, o nível de serviço pessoal oferecido pela equipa da Casa Branca deve ter sido enervante. É preciso
garantir-lhes a sua própria privacidade», disse-me Contee, exemplificando: «Falávamos com eles por momentos e depois eles iam tratar das
suas coisas e nós das nossas.»
Os Obamas procuraram, em especial, educar as filhas num ambiente tão normal quanto possível, apesar de viverem numa casa que dispõe
de uma equipa de dezenas de cozinheiros, mordomos e empregados
domésticos. Michelle Obama disse a um entrevistador, em 2011, que a
sua filha mais velha, Malia, nessa altura com 13 anos, ia começar a lavar a sua própria roupa e que a mãe, Marian Robinson, que vive numa
suite no 3.° andar, a ensinaria a fazê-lo. «A minha mãe ainda lava a sua
própria roupa. Não quer desconhecidos a mexerem na sua roupa mais
íntima», salientou. O anterior cabeleireiro da primeira-dama, Michael
«Rahni» Flowers, confirma que «Michelle é uma mãe com uma personalidade muito simples e direta, tal como a mãe dela. Basta olharem
para nós com aquela expressão muito peculiar e ficamos transformados em pedra, paralisados».
Kate McCormick Lelyveld recorda-se de como a primeira-dama
estabeleceu regras básicas para as filhas. «Embora apreciasse o facto de
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haver empregados que davam atenção a esses pormenores, eles não estavam ao serviço das miúdas», conta, acrescentando que Michelle fazia
questão de lembrar às filhas: «Não se habituem a ter alguém que faça a
vossa cama, porque isso faz parte da vossa lista de deveres.»
No entanto, e depois de dois anos esgotantes passados em campanha e com uma agenda frenética, os Obamas não podiam deixar
de agradecer o apoio de que beneficiavam. «Há certas vantagens que
servem para tornar mais fáceis os dias que seriam demasiado longos,
como é o caso de ter alguém que decida o que cozinhar para o jantar»,
explica Lelyveld.
As tradições custam a desaparecer na mansão do executivo. Quando
os Obamas disseram aos mordomos que podiam trocar os seus smokings engomados por camisas e calças informais aos fins de semana,
poucos foram os que aceitaram a proposta. «O mais provável é que
alguns dos empregados mais velhos, na casa dos 70 e dos 80 anos,
já tenham vários smokings a que estão habituados e qualquer outra
coisa obrigá-los-ia a arranjarem novas roupas. É possível até que se sintam mais confortáveis nesses smokings», diz Lelyveld. Quando muitos mordomos insistiram em manter o seu vestuário formal, Lelyveld
conta que se sentiu estranha ao usar calças de caqui ou de ganga junto
deles, apesar de já se ter habituado a um código de vestuário mais confortável durante o curso da campanha: «Eu tinha muita consideração
pelo respeito que eles demonstravam por aquilo que faziam.»
Era claro que os Obamas sentiam saudades da vida que levavam em
Chicago. Obama disse uma vez que «todos os presidentes estão perfeitamente cientes de que somos apenas residentes temporários» da Casa
Branca, acrescentando que «aqui somos como inquilinos». Depois de
duas campanhas extenuantes, o Presidente recusa-se a faltar aos jantares em família mais do que duas vezes por semana. Estas refeições
noturnas eram preparadas por Sam Kass, o chef pessoal que trouxeram
de Chicago, até dezembro de 2014, quando Kass deixou o seu posto
para se mudar para Nova Iorque.
Como recorda o antigo assistente pessoal do Presidente, Reggie Love,
todas as manhãs, quando fazia a pé o percurso dos seus aposentos para
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a Ala Oeste, Obama pedia ao secretário-geral Stephen Rochon que o
pusesse a par dos vários assuntos relativos à vida doméstica com que
toda a gente tem de lidar, quer viva na mansão executiva ou num beco
suburbano. «Vivemos num edifício e há alguém que é responsável pela
manutenção. Por isso, se a pressão da água não é a apropriada ou se o
wi-fi não está a funcionar, é preciso falar com alguém a respeito disso,
não é verdade?», realça.
Uma das preocupações do Presidente, nos seus primeiros tempos,
foi o campo de basquetebol da Casa Branca. Durante a campanha de
2008, Obama gostara do ritual de fazer um jogo informal nos dias das
reuniões do partido e das primárias que iriam conduzir à nomeação
do candidato presidencial. E nas duas vezes em que não jogou, em
New Hampshire e no Nevada, perdeu as votações. Pouco tempo depois de ter tomado posse, disse a Rochon que queria o campo de ténis
do Jardim Sul, que se encontrava rodeado de pinheiros, transformado num campo de basquetebol completo. Foram instaladas tabelas
de basquetebol amovíveis, pintadas novas linhas no solo e encomendadas bolas de basquetebol com o selo da Casa Branca. O empreendimento custou 4995 dólares.
O projeto, no entanto, demorou vários meses a ficar terminado.
Obama acabou por ficar impaciente, dizendo a Rochon nos seus passeios
matinais: «Sabe, almirante? Isto não é coisa que requeira muita ciência.»
Houve uma manhã em que Rochon não mencionou o progresso
dos trabalhos. Quando o Presidente lhe perguntou como é que iam «as
suas tabelas», Rochon respondeu: «Bem, Senhor Presidente, tenho o
gosto de o informar de que estará tudo terminado pelas 11h30 de hoje.»
Os olhos de Obama até se iluminaram. E às 10h30, uma hora antes
da previsão para o fim da obra, já estava no campo a jogar com Love,
que foi avançado dos Blue Devils da Universidade de Duke.
*
O cabeleireiro de Michelle Obama, Michael «Rahni» Flowers, ocupava-se dos seus penteados desde a adolescência da primeira-dama
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e foi a sua primeira opção para as cerimónias da tomada de posse.
Embora oficialmente não haja cabeleireiros na equipa da residência,
é única a sua perspetiva dos bastidores no que se refere aos acontecimentos desse dia memorável.
O dia de Flowers começou às quatro horas da madrugada na Blair
House, a elegante moradia que fica no outro lado da rua, diante da
Casa Branca, onde por tradição se alojam o Presidente recém-eleito e a
sua família antes de mudarem para a mansão executiva. Nessa manhã,
Flowers penteou Michelle, as filhas e a mãe e acompanhou os Obamas
durante o resto do dia, para o Capitólio e para os dez bailes inaugurais
oficiais dessa noite.
Flowers notou de imediato como a maioria dos mordomos afro-americanos ficaram excitados com o novo Presidente. «Era um orgulho que ia para lá do simples orgulho. Era algo que nunca pensaram
ver acontecer», diz Flowers, ele próprio negro, salientando: «Vi-o no
modo como falavam e no modo de andarem. Percebia-se pelos rostos sorridentes. Era uma coisa que ia para lá dos seus sonhos mais
ambiciosos.»
Toda a gente parecia calma nessa manhã, conta Flowers, à exceção
de Marian Robinson, a mãe da primeira-dama. Robinson estava à beira
de uma mudança drástica: acabara de lançar um clube desportivo para
seniores em Chicago, vencendo até uma competição desportiva, mas
Michelle pedira-lhe para ir viver com eles para a Casa Branca, para ajudar a tomar conta das miúdas, e agora ela iria trocar a sua cidade-natal
por uma vida nova sujeita a regras muito estritas.
«Ela é uma mulher muito independente», observa Flowers. Podia,
por si própria, não ter decidido dessa maneira, acredita Flowers, mas
«contou-me que Michelle lhe pediu para o fazer e ela tem de pensar
nas miúdas». Quando deixou a sua bem-amada Chicago, Robinson
disse-lhe: «Estão a obrigar-me a ir com eles e isso não me faz sentir
muito confortável mas estou a fazer exatamente o que você está a fazer.
Temos de fazer o que tem de ser feito.»
O novo Presidente não se mostrou muito perturbado por essa mudança tão radical. Depois de fazer um ambicioso discurso inaugural
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— referindo-se aos objetivos políticos como a reforma dos cuidados de
saúde e renovando ao mesmo tempo a sua mais ampla promessa de
alterar a controversa retórica habitual da Casa Branca —, perguntou
com ar ocasional: «Que tal estive?»
«Barack está sempre muito calmo e tem um temperamento sempre
muito controlado, enquanto Michelle é um tipo de pessoa mais imediatista», diz Flowers.
Devido a uma falha na agenda (alguém se esquecera de incluir
o tradicional almoço no Capitólio depois da tomada de posse), os
Obamas tiveram apenas 45 minutos para se prepararem para os bailes nessa noite. Enquanto se arranjavam rapidamente, o Presidente foi
ao pequeno salão de beleza do 2.° andar da Casa Branca e perguntou
à mulher que laço é que ela achava que ele devia usar.
— Quero estar o mais apresentável possível para ti — disse-lhe
Obama.
Quando ele ia sair, Flowers reparou que um dos botões de punho do
Presidente não estava bem colocado.
— Barack, verifique os seus botões de punho — disse-lhe Flowers.
— Oh, isso é simpático: as pessoas preocupam-se — replicou
Obama, afavelmente.
Quando a estilista da primeira-dama, Ikram Goldman, que tivera
Michelle Obama como cliente na sua boutique de topo de Chicago
antes de ela se mudar para a Casa Branca, ouviu Flowers a tratar o Presidente por «Barack», repreendeu-o. «Ela sugeriu que eu devia tratá-lo
por “Senhor Presidente”», recorda Flowers, «mas quando eu o tratava
por “Barack”, ele sorria. Eu fui ao casamento deles, conheci o pai [de
Michelle], e ele não mudou de atitude para comigo». Flowers ainda se
ressentia da repreensão: «Não teria sido natural para mim.» A transição — dos nomes próprios para os títulos formais — é um ritual
de passagem para muitos amigos do futuro Presidente. A secretária
social dos Kennedys, Letitia Baldrige — que mais tarde se tornou uma
juíza de etiqueta — tratava o casal por «Jack e Jackie», que no entanto
passou a ser «Senhor Presidente e Sra. Kennedy» imediatamente a
seguir às eleições presidenciais de novembro de 1960. «O Presidente
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e a Sra. Kennedy podiam ser jovens e amigos pessoais desde muito
cedo mas havia uma aura de grande dignidade que agora os rodeava», afirmou. E são poucas as pessoas que ainda tratam o Presidente
Obama pelo seu nome próprio.
*
O Dia da Tomada de Posse — um acontecimento assombroso para
cada novo presidente — começa horas antes do juramento proferido
ao meio-dia no Capitólio. Logo ao princípio da manhã, o Presidente
estreante recebe informações e tem um briefing sobre segurança nacional com o conselheiro de segurança nacional do Presidente cessante e
com o seu próprio conselheiro de segurança nacional. No final dessa
reunião, um militar de alta patente do gabinete militar da Casa Branca
explica-lhe os códigos confidenciais usados para lançar um ataque
nuclear. Depois do juramento, um assessor com a «bola de futebol»
— a pasta com os códigos de lançamento— andará sempre por perto.
(Depois do juramento, o Presidente recebe o cartão que de facto já lhe
permite lançar esses ataques.) Tudo isto acontece antes de um serviço
religioso matinal.
Enquanto ainda está a adaptar-se ao peso da sua nova função, o novo
Presidente deve também adaptar-se à vida na residência. No dia a seguir à tomada de posse, o Presidente Obama dirigiu-se à Sala Oriental
para se apresentar ao pessoal. O Presidente ficou «com uma expressão
de surpresa», conta o florista Bob Scanlan: «Foi tipo: “Uau!” Ele não
fazia a menor ideia de que havia tanta gente a tratar da casa.» A equipa
que Obama cumprimentou nesse dia era responsável não apenas pelo
apoio aos aposentos privados mas também pela manutenção do 1.° andar e da constante movimentação das visitas públicas.
O pessoal da Ala Oeste, dos quais muitos se haviam habituado a
um tipo de vida com objetivos claros durante a campanha, é de repente atirado para os seus novos papéis sem perceber muito bem
como as coisas funcionam. Para a secretária pessoal de Obama, Katie
Johnson, o próprio Dia da Tomada de Posse foi «um caos completo».
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Quando chegou à Casa Branca nessa manhã foi informada de que
não havia autorização para ela entrar. Estava, como diz, «a ter o meu
curso intensivo em poucos segundos». (Foi um dos assessores principais de Obama, Denis McDonough, que acabou por lhe resolver o
problema com a segurança.) Mas os seus problemas não acabariam ali.
«Retrospetivamente, a Ala Oeste é, na realidade, uma coisa minúscula,
mas nessa altura era como se fosse um labirinto», recorda. Depois de
estar instalada na Sala Oval Exterior, o seu pequeno gabinete mesmo
encostado à Sala Oval, passou grande parte do dia a receber instruções
apressadas sobre a maneira de usar o sistema telefónico, que era «chocantemente complexo». E lembra-se, durante as primeiras semanas de
funções da nova administração, de ser incapaz de transferir uma chamada de um dirigente de topo para o Presidente, que estava a bordo
do Air Force One. A chamada nunca lá chegou e o próprio Obama teve
de ligar diretamente do avião para quem o procurava. «Fiquei em pânico!», recorda Johnson.
Para os funcionários da residência, naturalmente, este não foi o primeiro dos seus rodeos e conseguiram acalmar os nervos em franja de
Johnson. Os membros da equipa da Ala Oeste confiam na secretaria-geral para os ajudarem a instalar-se e Johnson mantinha sempre os
membros da equipa do secretário-geral ocupados com diversas questões, incluindo a de saber onde ficavam os floristas para lhes poder
pedir que substituíssem as maçãs Gala que o Presidente mantém na
Sala Oval. «Telefonava sempre ao secretário-geral quando precisava de
fazer perguntas sobre qualquer coisa», recorda: «Se alguém queria um
determinado vinho na Sala Oval, eu telefonava para a secretaria-geral e
eles encontravam-no.»
Havia outras vezes em que precisava de ajuda dos secretários-gerais
adjuntos e dos camareiros para localizar notas importantes do Presidente, em especial quando havia um papel de que o pessoal da Ala Oeste
andava à procura mas ninguém conseguia encontrar. «Sempre que entrava em pânico por andar desesperada à procura de qualquer coisa e com
o Presidente em viagem, sem eu lhe poder perguntar, com as pessoas a
dizerem-me que havia um papel com uma decisão importante qualquer
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e o Presidente a dizer que mo entregou e que eu juro que não tenho,
pedia-lhes para verificarem», afirma, quase ofegante, acrescentando:
«Eles iam à procura e encontravam-no em 90 por cento dos casos».
Reggie Love lembra-se de como os secretários-gerais adjuntos
foram tão pacientes quando o ajudaram a «navegar pelas traseiras da
casa da Casa Branca». E recorda: «Há uma alcunha para cada corredor
e para cada sala.»
Dias mais tarde, os Obamas começaram a «movimentar-se pela casa
a pouco e pouco», assinala Scanlan, normalmente depois de os turistas
e a maioria do pessoal da residência terem saído: «Para eles também
é um processo elaborado, porque obriga a conhecer quase cem pessoas que não se veem todas de repente. Talvez uma governanta, ou um
florista de cada vez. Pode estar só um chef a cozinhar. Não conhecem
todas as outras pessoas que estão lá em baixo nas oficinas e que acabam por vir a conhecer mas só passado algum tempo.»
Finalmente, os membros da família presidencial acabam por se habituar a esse serviço, ou pelo menos a aprenderem a viver com ele. «Penso
que o pessoal da Casa Branca já descobriu como é que pode realmente
receber as famílias presidenciais, instalá-las e fazê-las sentirem-se tão
normais quanto possível, apesar de haver sempre dezenas de pessoas a
andarem por ali, a porem flores, a aspirarem e a arranjarem as coisas»,
afirma Michelle Obama, acrescentando: «Começamos a encará-los
como se fizessem parte da família e este local é maravilhoso por isso.»
*
Cada Primeira Família porta-se de maneira diferente com o pessoal
doméstico da Casa Branca. No final dos anos 1920 e no começo dos
anos 1930, a família de Herbert Hoover preferia não ter os empregados
à vista. O toque de três campainhas servia para mandar os criados, os
mordomos e todos os outros empregados a correr para os seus locais
reservados. Franklin D. Roosevelt (FDR) e Truman eram muito mais
descontraídos, dizendo aos funcionários que não havia problema em
continuarem a trabalhar sempre que eles entravam numa sala.
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Nos tempos de hoje, o relacionamento entre a Primeira Família e
o pessoal tornou-se muito mais confortável. A camareira Ivaniz Silva
disse que a primeira-dama normalmente já sabe os nomes de toda a
gente ao fim de uma semana, pelo menos os da dezena de camareiros
e camareiras e de mordomos que trabalham regularmente no 2.° e no
3.° andares.
Um dia, conta Silva, estava a fazer as limpezas quando Barbara
Bush entrou e a fez parar.
— Oh, ainda não a tinha visto — disse-lhe a Sra. Bush.
— Mas eu estou no livro — insistiu Silva.
— Tem a certeza? — A primeira-dama foi buscar o livro com a lista
dos empregados da residência preparado pelo secretário-geral e voltou
alguns minutos depois. — Oh, esta fotografia não é suficientemente
boa. Foi por isso que não a reconheci! — exclamou a Sra. Bush, brincando com ela.
Além da mobília e pinturas novas, cada família presidencial traz
também um espírito diferente para a Casa Branca. A mudança de ambiente dos Eisenhowers para os Kennedys, em 1961, não só foi apressada — de um casal com netos que personificava a década de 1950 para
um jovem casal maravilhoso com dois filhos pequenos — como trouxe
diferenças consideráveis. Os funcionários tiveram de se habituar ao estilo mais descontraído de entretenimento dos Kennedys: um vestuário
mais informal do que formal, cocktails antes do jantar e autorização
para fumar em todo o lado. Nos jantares de cerimónia, os Eisenhowers
serviam seis pratos e sentavam os convidados numa gigantesca mesa
de banquete em forma de E. Os Kennedys decidiram rapidamente alterar a disposição dos convidados, passando-os para quinze mesas redondas onde se sentavam oito ou dez pessoas, e reduziram as ementas
para quatro pratos.
Jackie Kennedy, já habituada a criados e a um ambiente de riqueza,
não perdeu tempo a ir explorar as 132 divisões da mansão. Na manhã
seguinte à tomada de posse do marido, dirigiu-se ao secretário-geral
J. B. West e disse-lhe: «Gostava de conhecer hoje todo o pessoal. Pode
guiar-me pela Casa Branca para os conhecer nos sítios onde trabalham?»
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Encarando com relutância a ideia de levar a primeira-dama aos
postos de trabalho sem um aviso prévio, West sugeriu-lhe em alternativa levar-lhe o pessoal em grupos de três. Cada grupo, dos chefes de
pessoal aos mordomos, passando pelos camareiros e pelos cozinheiros, ficou extraordinariamente nervoso com o formalismo da inspeção. Quando saíram do elevador, surpreenderam-se ao encontrarem
a primeira-dama de calças (uma visão especialmente chocante para a
época), botas castanhas e cabelo despenteado. À medida que os empregados se apresentavam um por um, recorda Wells, Jackie tentou
arranjar maneira de memorizar os nomes, repetindo-os lentamente,
e, embora não tomasse notas, acabou por se lembrar de todos. Uma
das empregadas que foi ao seu encontro nesse dia, Lucinda Morman,
era uma costureira experiente e a primeira-dama pedir-lhe-ia mais tarde para lhe adaptar um dos seus vestidos exclusivos de Oleg Cassini.
Jackie Kennedy era uma perfecionista e envolveu-se ao pormenor
no funcionamento diário da residência. À noite fazia notas para seu
próprio uso, verificando cada ponto à medida que cada tarefa ia ficando
terminada ao longo do dia. Também escrevia diariamente notas dirigidas a West num bloco amarelo que levava para todo o lado.
«Ela tinha sempre uma lista para mim», contou West, recordando
que «ela tinha os nomes de todas as pessoas que tinham qualquer tipo
de autoridade sobre qualquer coisa e, por baixo de cada nome, punha
todas as coisas que queria abordar com cada uma delas».
A Sra. Kennedy também notou que alguns dos empregados da residência ficavam nervosos quando estavam perto da Primeira Família e,
sobre as camareiras, escreveu o seguinte apontamento: «Sentem-se tão
aterrorizadas por estarem na C.B. — por causa da Primeira Família,
etc. — que ficam paralisadas com medo e entram em pânico — que
até a Lucinda, que me conhece bem, se põe a pedir-me desculpa durante dez minutos se deixa cair um alfinete.» Para as ajudar a ultrapassar os seus receios, sugeriu que começassem a ir ao 2.° e ao 3.°
andares com maior frequência, para se habituarem a conviver com
a família presidencial. «Não consigo ensinar­-lhes nada, nem tenho
tempo para isso, quando ficam assim tão assustadas», escreveu ainda.
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