Dr. Reggie
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Dr. Reggie
‹ 23 mm › Quando o Dr. Reggie Anderson está junto ao leito de um paciente moribundo, algo de milagroso acontece: enquanto o conforta consegue experienciar o que este está a ver, ouvir e sentir na sua travessia para o Outro Lado. Graças a estes pequenos vislumbres do Céu que Deus lhe revela, Reggie sabe que estamos mais perto do Outro Lado do que julgamos. REGGIE ANDERSON Pós-graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Alabama, Reggie é médico na Frist Clinic, chefe de gabinete do TriStar Ashland City Medical Center, e diretor clínico numa rede de lares de idosos. Vive com a mulher e os seus quatro filhos numa zona rural dos EUA. JENNIFER SCHUCHMANN é perita em transformar histórias reais em maravilhosos livros, mantendo a voz e o sentimento real do verdadeiro autor. Jennifer sente-se realizada por conseguir ajudar os autores a compilar e transmitir as suas histórias a um vasto público. Experiências emotivas que o vão preparar para o seu próprio «Encontro com o Céu». Aprenda a responder a questões como: • Haverá algo mais na vida para além daquilo que vejo? • Como será o Céu? • Será que tenho fé suficiente para me tornar uma pessoa melhor? • Estarei atento ao que Deus tem para me dizer? «As histórias repletas de esperança do Dr. Anderson ajudam a eliminar qualquer dúvida sobre o Céu. Encontros com o Céu vai confortar os que há muito anseiam por saber que a morte é uma transição, não a palavra final.» Mary C. Neal Autora do bestseller internacional Tudo o Que Vi no Céu ISBN 978-989-668-283-5 Veja o vídeo de apresentação deste livro. www.nascente.pt 9 789896 682835 Espiritualidades Encontros COM O CÉU exerceu medicina familiar durante mais de 25 anos e foi recentemente galardoado com o Frist Humanitarian Award pelo Centennial Medical Center, de Nashville. Junte-se a ele na partilha destas histórias inspiradoras, que foram moldando a forma como ele lida com a vida e com a morte. São exemplos reais que o ajudarão a enfrentar a morte daqueles que ama, oferecendo-lhe a coragem e a confiança de que irá voltar a vê-los. REGGIE ANDERSON Experiências Maravilhosas do Médico Que Toda a Vida Assistiu a Milagres Dr. REGGIE ANDERSON com JJENNIFER SCHUCHMANN Encontros COM O CÉU A História Real de um Médico «Deus fala claramente a Reggie através de acontecimentos milagrosos. Este reconhece o que esses milagres constituem: tentativas divinas e deliberadas de Nosso Senhor lhe mostrar que zela por ele. Este médico é amado por Deus e foi abençoado com um dom extraordinário. Reggie aceita-O, quer manter-se fiel e falar aos outros dos esforços espantosos que Nosso Senhor faz para que realmente o vejamos. Em Encontros com o Céu, Reggie "teceu uma bela tapeçaria", que entrelaça o seu próprio percurso com o das histórias de pessoas que conheceu através da família, dos amigos ou no exercício da sua profissão. Comunica de um modo comovente a transformação de um jovem angustiado e temeroso, que fugia de Deus, num médico admiravelmente intuitivo, que hoje corre ao encontro d’Ele em tempos trágicos e conturbados. Reggie tem para lhe oferecer um tesouro precioso. Primeiro, a história dele revela algo que todos nós precisamos de descobrir, saber e sentir nos nossos corações: o facto de que Deus nos procura de formas excecionais e magníficas! Depois, permite-nos vislumbrar os eternos desígnios de Nosso Senhor. Os encontros de Reggie com o Paraíso, que se cruzam com diversos episódios da sua vida, revelam que Deus tem um plano para cada um de nós (plano esse que inclui angústias, surpresas e alegrias) e que existe um motivo para tudo o que acontece debaixo do Sol, assim queiramos vê-lo. Estime este livro e aquilo que ele representa: um encontro com o Paraíso que fará com que se ria e chore à medida que o for interiorizando.» ÍNDICE ö ö ö PREFÁCIO................................................................................................................................................................. 9 PARTE I Se Deus existe, onde estava? CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 O paciente............................................................................................................... 15 O primeiro sonho............................................................................................ 19 O dia em que o Pai Natal morreu............................................ 29 Criado no campo............................................................................................. 38 A família das melancias..................................................................... 47 Os demónios desceram sobre a Geórgia..................................... 55 Ídolos académicos............................................................................................ 67 A «Senhora do Laboratório»......................................................... 77 Encontro com uma bela loira de outro estado.................. 86 O sonho que mudou a minha vida............................................. 98 Convencer a Karen.................................................................................... 109 Dádivas passadas, presentes e futuras..................................... 119 PARTE II Terão sido vislumbres do Paraíso? CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 CAPÍTULO 17 Encontros com o ceu.indd 7 Partidas................................................................................................................. 127 Nascer para um novo mundo........................................................ 140 A divina providência.......................................................................... 152 Uma facada no escuro............................................................................. 161 A confirmação da mudança........................................................ 172 29/9/14 17:23 CAPÍTULO 18 CAPÍTULO 19 CAPÍTULO 20 CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 22 CAPÍTULO 23 CAPÍTULO 24 CAPÍTULO 25 Um toque que cura..................................................................................... 183 Coração de vidro em Ashland City...................................... 194 «Rainha» Elizabeth................................................................................ 204 O cheiro do bem e do mal.................................................................. 216 Lauren..................................................................................................................... 226 A hora dos anjos...................................................................................... 236 Juntos para sempre................................................................................... 247 Adeus Ashland City?...................................................................... 259 PARTE III Deverei acreditar no que vi? CAPÍTULO 26 CAPÍTULO 27 CAPÍTULO 28 CAPÍTULO 29 CAPÍTULO 30 CAPÍTULO 31 CAPÍTULO 32 Véus que se rasgam.................................................................................. 275 Véus que se levantam............................................................................ 288 Porque terá Deus permitido que isto acontecesse?........................................................................................................ 299 Cumprir um luto diferente............................................................... 310 O propósito da dor..................................................................................... 322 O sonho da vida........................................................................................... 333 A presto! ou «Até já!», em italiano................................. 347 EPÍLOGO............................................................................................................................................................ 357 UMA NOTA FINAL DO REGGIE......................................................................................................... 361 AGRADECIMENTOS.................................................................................................................................... 365 Encontros com o ceu.indd 8 29/9/14 17:23 PREFÁCIO ö ö ö Conhecemos Reggie Anderson há mais de 20 anos. As nossas famílias, Anderson e Chapman, partilharam muitos altos e baixos, criando laços que poucas famílias algum dia conhecerão. Os nossos filhos cresceram juntos, frequentaram a mesma escola, jogaram nas mesmas equipas e viveram muito da sua vida em conjunto. De tal modo que, em 2009, o nosso filho Caleb se casou com Julia, filha deles, dando assim continuidade ao nosso percurso. Só falta estes miúdos nos surpreenderem com um neto! Vivemos muitas alegrias, lágrimas, tempos bons e tempos difíceis. Num belo dia de sol, na primavera de 2008, a nossa filha mais nova fez a sua travessia de volta ao Paraíso na sequência de um acidente em nossa casa. Foi, na verdade, o dia em que o nosso mundo se virou de pernas para o ar e a vida desabou à nossa volta. A vida, como a conhecíamos, mudou para sempre. Dois dos nossos primeiros telefonemas foram para Karen e Reggie Anderson. Apareceram de imediato no hospital e têm-nos acompanhado no percurso incrivelmente difícil que fizemos desde então. Abraçaram-nos, receberam-nos, e ofereceram-nos compaixão vezes e vezes sem conta nos primeiros dias, semanas e meses que se seguiram à tragédia. Foram como as mãos e os pés de Cristo na altura em que tivemos de refazer a nossa vida. Nos meses que se seguiram ao desaparecimento da Mary, demos início ao luto, à recuperação e à aceitação do que acontecera. Nesse período, reparámos que Reggie andava a escrever muito, no que presumimos que fosse um diário. A dada altura descobrimos que, 9 Encontros com o ceu.indd 9 29/9/14 17:23 na verdade, começara a passar para papel as histórias de perda que conhecera na sua vida pessoal, assim como no seu percurso profissional enquanto médico. A morte da Mary despertara nele o impulso de escrever a sua própria narrativa. Com o passar do tempo, VIMOS que o registo dessas memórias ajudava Reggie a recuperar e a conviver com os momentos difíceis da sua vida. Começou a associar essas histórias a encontros divinos, e, quanto mais escrevia, mais se apercebia de que Deus «pintara» um quadro muito mais abrangente do que ele alguma vez imaginara. Ele também concluiu que nunca estivera sozinho, e que o Deus do Universo compusera uma história elaborada de redenção e vocação que culminou com este livro profundamente intenso. Deus fala claramente a Reggie através de acontecimentos milagrosos. Este reconhece o que esses milagres constituem: tentativas divinas e deliberadas de Nosso Senhor lhe mostrar que zela por ele. Este médico rural do Tennessee é amado por Deus e foi abençoado com um dom extraordinário. Reggie aceita-O, quer manter-se fiel e falar aos outros dos esforços espantosos que Nosso Senhor faz para que realmente o VEJAMOS. Em Encontros com o Céu, Reggie «teceu uma bela tapeçaria», que entrelaça o seu próprio percurso com o das histórias de pessoas que conheceu através da família, dos amigos ou no exercício da sua profissão. Comunica de um modo comovente a transformação de um jovem angustiado e temeroso, que fugia de Deus, num médico admiravelmente intuitivo, que hoje corre ao encontro d’Ele em tempos trágicos e conturbados. Desde o seu encontro com Cristo num acampamento, até ao dia em que conheceu a sua esposa, Karen, que ouve a mensagem de Deus de formas extraordinárias. Caro Leitor, Reggie tem para lhe oferecer um tesouro precioso. Primeiro, a história dele revela algo que todos nós precisamos de descobrir, saber e sentir nos nossos corações: o facto de que Deus nos procura de formas excecionais e magníficas! Depois, permite-nos vislumbrar os eternos desígnios de Nosso Senhor. Os encontros de 10 Encontros com o ceu.indd 10 29/9/14 17:23 ENCONTROS COM O CÉU Reggie com o Paraíso, que se cruzam com diversos episódios da sua vida, revelam que Deus tem um plano para cada um de nós (plano esse que inclui angústias, surpresas e alegrias) e que existe um motivo para tudo o que se faz debaixo do Sol, assim queiramos VÊ-LO. E agora espero que o Leitor estime este livro e aquilo que ele representa: um encontro com o Paraíso que fará com que se ria e chore à medida que o for interiorizando. Mary Beth e Steven Curtis Chapman, dois seres que optam por VER Deus em toda a sua vida. P.S.: Em jeito de adenda a este Prefácio, eu (Mary Beth) gostaria de lembrar que, por detrás de cada bom homem, há uma mulher ainda melhor… (RISOS). No caso do Dr. Reggie Anderson isso é mesmo verdade. Karen é uma mulher que vive do fruto do Espírito. Já vi o modo como se entrega ao marido, aos filhos e aos amigos: de um modo admirável e altruísta. Ensinou-me a procurar e a alcançar a paz, e é muito sábia. Sem Karen não haveria Reggie, e todos quantos os conhecem sabem que a verdade é essa. Estou em dívida para com ela pelo ânimo que nos tem dado, a mim e aos meus filhos… Adoro-te, minha querida amiga! 11 Encontros com o ceu.indd 11 29/9/14 17:23 PARTE I Se Deus existe, onde estava? Encontros com o ceu.indd 13 29/9/14 17:24 CAPÍTULO 1 O paciente ö SETEMBRO DE 2011 HOSPITAL DE ASHLAND CITY, ASHLAND CITY, TENNESSEE Ele era um jovem de 82 anos, orgulhoso por ser do Alabama, estava deitado na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) e, embora eu ainda não pudesse prever a hora da sua morte, já sabia qual seria a causa. Há mais de um ano que se debatia com a síndrome mielodisplásica: a sua medula óssea deixara de produzir as células sanguíneas necessárias para o organismo combater infeções. Estava imunocomprometido e tinha uma grave infeção estafilocócica que era quase impossível de tratar. Tinha sépsis e a resposta inf lamatória estava a destruir os seus órgãos. Eu sabia que ele tinha os dias contados, mas era incapaz de aceitar que ia falecer. Conhecia-o desde sempre. Fora um professor e agricultor, inteligente e determinado, orgulhoso e casmurro. Era também um homem de muita fé, que não via qualquer motivo para prolongar a sua vida na Terra depois de ter cumprido o que Deus pretendia dele. Tal como muitos dos meus pacientes mais idosos, estava convicto de que tinha encontro marcado com o paraíso e de que Jesus estava à sua espera do outro lado. Como médico, já pude constatar ao longo do tempo o que acontece aos pacientes cujos entes queridos tardam em deixar partir. Agarram-se, em desespero, ao doente da família e exigem que os médicos 15 Encontros com o ceu.indd 15 29/9/14 17:24 recorram a meios extraordinários para manterem essa pessoa aqui, quando o crente moribundo, na verdade, só quer transitar em paz para o outro lado. Há casos em que os médicos conseguem adiar a morte do paciente durante algumas semanas ou meses, mas isso tende a implicar a adoção de medidas drásticas, com a sobrevivência do visado a depender de máquinas e sondas de alimentação. De início, quando a família opta por essa via, não pensa na qualidade de vida do paciente, e, raras vezes, coincide com o desejo do interessado. Quando Deus o chamou de volta, o meu paciente estava preparado. Eu não queria que ele sobrevivesse com a ajuda de máquinas e o próprio também não. Mas, não me faltavam bons motivos para prolongar a sua existência. Ele tinha uma família alargada muito unida, alguma morava longe e queria ter a oportunidade de se despedir. Com intervenção médica intensiva, eu poderia adiar a sua morte, para que os familiares pudessem vê-lo uma última vez. A família não estava pronta para deixá-lo partir e eu compreendia isso, no fundo do meu ser. Também não estava preparado para isso. Lembrei-me das outras mortes a que assistira, nomeadamente de uma experiência inesquecível que tive enquanto fazia o internato. ö ö ö Acompanhara pacientes moribundos ao longo de todo o curso de Medicina, mas foi já no último ano de internato que, pela primeira vez, me vi na circunstância de ter de cumprir os trâmites obrigatórios depois de uma paciente falecer. Não sabia com o que contar. — Dr. Anderson — começou a senhora de idade, com a voz a esmorecer —, pode dar-me a sua mão? Vou ter com Jesus e preciso que me acompanhe. Nessa noite, senti que o véu se levantava: o véu que separa esta vida da seguinte. Com as mãos da senhora sobre as minhas, senti o calor da sua alma a passar pela minha face quando abandonou o 16 Encontros com o ceu.indd 16 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU corpo dela, levada por uma aragem inexplicavelmente fresca numa divisão onde, de resto, não circulava ar. Senti o perfume familiar de lilases e citrinos, e percebi que o véu se levantava para deixar passar aquela alma. Desde essa primeira paciente, acompanhei inúmeros outros até às portas do Céu e vi-os entrar no paraíso. Em várias ocasiões, quando me encontrava de mãos dadas com os moribundos, Deus permitiu-me entrever a entrada no Céu, onde vi cada um desses pacientes deslizar para o outro mundo. Pressenti Jesus do outro lado, na antecâmara do paraíso, a receber os defuntos recuperados. Vislumbrei cores e imagens surreais, ouvi sons mais intensos do que qualquer outro que alguma vez conheci neste mundo vulgar. Respirei perfumes de lilases, citrinos, de cedro acabado de entalhar e de pão cozido, mais aromático do que alguma vez julgara possível. Até houve ocasiões em que vi pacientes deixarem este mundo e voltarem atrás. Quando me contaram as suas histórias, lembrei-me muitas vezes da altura em que, na minha juventude, Deus me deixou entrar na antecâmara do paraíso, embora eu já não acreditasse n’Ele. O que essas experiências têm em comum é a intensidade das imagens, dos sons, dos aromas e daquilo que senti. O Céu é mais real do que tudo o que conhecemos aqui, e a sensação de paz, alegria e amor que nos inspira é indescritível. ö ö ö As memórias de outros pacientes moribundos, assim como os meus vislumbres do paraíso, pairaram no meu espírito no dia em que me sentei à cabeceira daquele meu paciente na UCI. Acreditava piamente que lhe estava reservada uma felicidade como nunca antes conhecera. Contudo, por egoísmo, não estava preparado para vê-lo desaparecer por esse portal. Sendo eu o seu médico assistente, a sua 17 Encontros com o ceu.indd 17 29/9/14 17:24 família procurava aconselhar-se comigo. Podia recomendar que lhe fizéssemos uma transfusão de sangue para prolongar a sua vida por mais alguns dias; com várias transfusões, talvez pudesse dar-lhe uma semana ou mais. Ou, em alternativa, podia deixá-lo partir. Em todo o caso, sabia que ele e a sua família me dariam ouvidos, e fariam o que eu sugerisse. Competia-me tomar uma decisão difícil, e a minha decisão profissional complicava-se devido ao que vivera com outros pacientes do outro lado do véu, onde fica o paraíso. A dificuldade era ainda maior por eu ser quem era. Além de médico daquele paciente, era também seu filho. 18 Encontros com o ceu.indd 18 29/9/14 17:24 CAPÍTULO 2 O primeiro sonho ö JUNHO DE 1962 PLANTERSVILLE, ALABAMA O pai e a mãe pertenciam a uma família com uma longa tradição no ensino, no sacerdócio e na agricultura. Há gerações que os agricultores nos ensinavam a trabalhar muito; por sua vez, os pastores protestantes ensinavam-nos que, sem Deus, o empenho no trabalho não tinha sentido; e os professores que tudo na vida era uma lição. Os meus pais eram professores de liceu. Empenhavam-se na profissão da mesma forma que na educação que me davam, assim como aos meus irmãos, em casa, e não precisavam de manuais escolares nem de tecnologia para o fazer. No início dos anos 60 do século passado, não tínhamos acesso a outra tecnologia para além de um rádio e um televisor Zenith a preto e branco, e mesmo se houvesse mais equipamento disponível na altura, não teríamos recursos para o comprarmos. Os nossos «compêndios» eram a terra onde morávamos, bem como a comunidade onde vivíamos. Fomos criados no campo, em Plantersville, no Alabama. O semáforo mais próximo ficava a aproximadamente 30 km de distância, em Selma. O pai ensinava Agricultura no liceu, e a mãe interrompera as suas aulas de Economia Doméstica para nos criar. A minha irmã mais velha, Cathy, era a única que andava na escola nessa altura, mas os nossos pais tentavam dar-nos as mesmas lições que davam aos seus 19 Encontros com o ceu.indd 19 29/9/14 17:24 alunos adolescentes. Em casa, a mãe ensinava a arte de gerir um lar à Cathy, e o pai ensinava-nos, a mim e ao Tim, o meu irmão mais novo, agricultura e pecuária. A partir do momento em que passei a ter idade suficiente para me sentar sozinho no carro, começou a levar-me com ele quando visitava as quintas dos alunos para verificar como iam os seus projetos escolares: tipicamente animais que criavam para uma feira qualquer. Acabadas as visitas, voltávamos para casa aos solavancos, nas estradas rurais do antigamente, e o pai explicava-me o que os alunos estavam a fazer bem e o que podiam fazer melhor. — Um dia, também hás de ter um bezerro — dizia ele, e sublinhava a importância de dar a alimentação certa ao animal ou a forma correta de tratá-lo. O pai sabia que a responsabilidade de cuidar de um animal era uma lição que um menino não podia aprender com os livros. Todos os anos, oferecia-nos um ou dois bezerros, que criávamos para mais tarde aproveitarmos a carne. Aos quatro anos, eu já preparava o leite e segurava o biberão para os animais mamarem até terem idade para comerem feno e ração. Uma vez, uma cria de veado ficou presa na capoeira do meu avô; passou a fazer parte da nossa pequena coleção de animais e criámo-la em cativeiro. Eu gostava muito dos animais que criávamos, mas também compreendia que acabaríamos por transformá-los em refeições. Embora não me agradasse a ideia de comer os animais que tratava, dava graças pela carne que nos alimentava, quer fosse de cervo, vaca, ou esquilo. Enquanto fazia as minhas tarefas, alimentava e escovava os animais, ou cuidava da horta, sonhava ser veterinário e tratar de animais doentes ou feridos. No entanto, não tendo outro exemplo a seguir além de pobres pastores protestantes, professores e/ou agricultores, iniciar uma carreira em Medicina Veterinária era um projeto quase tão realista como a minha outra fantasia: ser cowboy. ö ö ö 20 Encontros com o ceu.indd 20 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU Acabadas as tarefas domésticas, costumávamos ver televisão em família. Apanhávamos três canais e cada um de nós tinha o seu programa favorito. O pai gostava de ver o telejornal; já a Cathy, o Tim e eu preferíamos The Popeye Show. Todos ríamos das palhaçadas do nosso querido marinheiro, quando tentava ultrapassar obstáculos impossíveis para salvar a Olívia Palito, usando apenas a cabeça, os músculos e uma lata de espinafres. O programa era apresentado pelo Cousin Cliff, um ilusionista simpático, de chapéu e casaco de marinheiro, que deliciava os fãs mais pequenos com fantoches e truques de magia nos intervalos entre os desenhos animados. Uma das minhas memórias mais antigas é a de um dia quente de junho, em 1962, tinha eu quatro anos e meio. Estávamos a ver o programa, e, quando os bonecos acabaram, o Cousin Cliff fez um anúncio extraordinário. Ele e o Popeye estavam a organizar um concurso. — Querem ganhar este belo pónei? — perguntou o apresentador. No ecrã, uma imagem cheia de grão mostrava-o a passear o pónei num estábulo. Uma criança com roupa de montar e chapéu de cowboy seguia sentada no dorso do animal, segurando as rédeas nas mãos. O Cousin Cliff prosseguiu: — Vem com freio e sela incluídos, pronto para montar, e é o primeiro prémio do concurso que eu e o Popeye estamos a organizar no nosso programa. É difícil imaginar coisa mais excitante para três miúdos de Plantersville do que a possibilidade de ter um animal tão bonito: um pónei que poderíamos montar à vez! Admirámos a sua crina comprida e sedosa, imaginando-nos sentados no seu dorso, com as rédeas na mão. — Basta enviarem um postal para o Popeye nos estúdios da WAPI, em Birmingham. Não têm de escrever nenhuma frase, nem de nos mandar cupões, e não vos queremos vender nada — garantiu o Cousin Cliff. — Mãe, podemos entrar no concurso? — perguntei. — Todos os espetadores do canal 13 — relembrou Cliff — podem participar no sorteio para ganharem o pónei. 21 Encontros com o ceu.indd 21 29/9/14 17:24 A Cathy fez coro comigo: — Podemos mandar um postal para ganharmos o pónei, por favor? A mãe aceitou, aproveitando a oportunidade para nos ensinar a ler, a escrever, e explicar como funcionavam os Correios. Deixou cada um escolher o seu postal, mostrou-nos como se escrevia o endereço do destinatário, os nossos nomes e a nossa morada, embora tenha escrito quase todos os dados que me competiam a mim e ao Tim. Deu-nos a lamber os selos e ensinou-nos onde devíamos colá-los. — Levo-vos aos Correios amanhã de manhã para enviarmos os postais — prometeu. Para um menino de quatro anos e a sua irmã de sete — e até para o nosso irmão, que só tinha dois —, ganhar um pónei seria ouro sobre azul. A Cathy já começara a imaginar como escovaria o pelo do pónei e enfeitaria a crina dele com fitinhas. — Quero um vestido de cowgirl a condizer, para usar quando for montar — anunciou. Eu tinha ideias mais práticas. — Eu vou montá-lo quando formos juntar o gado para lhe darmos de comer — afirmei, lembrando-me dos filmes de cowboys que tinha visto na TV. Aos quatro anos e meio, os meus sonhos não tinham ligação à realidade. Não me ocorrera que nunca tínhamos de apanhar os vitelos com um laço quando eram horas de comer; limitavam-se a seguir o pai até à gamela quando ele trazia o balde com a ração. Na manhã seguinte, quando a mãe nos foi levar aos Correios, continuávamos a pensar sobre tudo o que poderíamos fazer com o pónei. — Posso montá-lo quando brincarmos aos índios e aos cowboys — sugeri do banco de trás. — Quando eu ganhar o pónei, levo-o para a escola! — disse a Cathy. O comentário dela preocupou-me. Voltei-me para a minha mãe, que ia ao volante. — Não mandes os postais do Tim e da Cathy. — Porque não? — perguntou. 22 Encontros com o ceu.indd 22 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU — Ontem à noite tive um sonho, e Deus disse-me que ia ganhar o pónei, por isso só precisas de mandar o meu postal. A Cathy olhou para mim como se fosse maluco, por isso não entrei em pormenores, mas na noite anterior sonhara que montava o pónei sem sela, num campo de trevos-violeta. O céu estava limpo e sentia-se uma frescura no ar. Ouvi uma voz autoritária, mas não alarmante: «Vais ganhar aquele pónei, mas tens de partilhar a tua dádiva com quem quiser montar esse cavalo especial.» Tratava-se de uma voz calma e reconfortante, e percebi logo que quem falava assim era Deus. Então, parafraseou algo que eu tinha ouvido na igreja: «Espera-se muito de quem muito recebe.» Não partilhei esses pormenores com a Cathy e a mãe. Em vez disso, insisti naquilo que me parecia um raciocínio lógico. — A Cathy e o Tim não vão ganhar, por isso escusas de mandar os postais deles, senão ficam tristes — afirmei. Obviamente, tinha muito que aprender sobre as relações entre irmãos. — Não é justo; também quero mandar o meu postal! — barafustou a Cathy. — Eu quero o pónei! — choramingou o Tim, sem perceber o que se estava a passar. Nessa altura, já a mãe estacionara o carro e tirara a chave da ignição. Voltou-se para o banco de trás. Hesitou antes de abrir a boca e me olhar nos olhos. Percebi que estava a escolher as palavras com cuidado. — Reggie, já houve milhares de crianças a enviar postais para lá. Não quero que fiques triste se não ganhares. — Não fico — respondi, com toda a confiança —, porque vou ganhar o pónei. Deus disse-me isso no sonho. Deixou escapar um suspiro. — Se Deus escolher outro menino, quero que saibas que não deves acreditar menos n’Ele por causa disso, e não quero que te zangues com Ele se não ganhares. 23 Encontros com o ceu.indd 23 29/9/14 17:24 — Percebo, mãe, mas vou ganhar — atirei eu para o ar, e peguei no manípulo para abrir a porta do carro. Entrámos os quatro nos Correios, e a mãe explicou ao carteiro, o Sr. Fisher, que tínhamos postais para enviar ao Popeye. Não ficou surpreendido; nesse dia, já recebera uma fila ininterrupta de crianças excitadas e de postais em riste. — Vou ganhar o pónei — afirmei, cheio de confiança, ao Sr. Fisher quando lhe entreguei o meu postal. — Bem, rapaz, não cries expetativas muito altas — replicou num tom bondoso. — Já houve muitos meninos e meninas a mandarem postais para lá. Apeteceu-me dizer ao Sr. Fisher que eu tinha mais do que esperanças vãs: tinha certezas. E as certezas não eram só minhas, eram garantias dadas por Deus. No entanto, ainda me faltava vocabulário para exprimir tudo o que me ia na alma. Além disso, tornava-se evidente que as pessoas não acreditavam muito em mim. — Sim, senhor — respondi, bem-educado. ö ö ö A mãe diz que aceitei melhor a fé em Deus do que os meus irmãos. A ser verdade, não me lembro como nem porquê. Não me lembro de uma única altura em que não tenha acreditado em Deus quando era pequeno e vivia no campo. A fé era para mim tão palpável como o barro vermelho sob os meus pés descalços e calejados, e Deus era tão suave como o algodão que o vento trazia das plantações. À imagem do kudzu1, a fé criava raízes e crescia em todas as direções sem que ninguém tivesse de a regar. Eu sabia que Deus era eterno como os carvalhos seculares que se erguiam nos nossos terrenos. A Sua bondade, graça e misericórdia eram para mim tão vivas e abundantes como as rolas, os esquilos e os pinheiros que via todos os dias. Planta perene e trepadeira da família das Leguminosas, abundante no sul dos Estados Unidos. [N. do E.] 1 24 Encontros com o ceu.indd 24 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU Claro que, quando era pequeno, no Sul, também tínhamos uma religião formal. Os meus pais eram protestantes batistas estereotipados: iam à igreja sempre que as portas estavam abertas. Embora eu fosse com eles, nem sempre concordava com o que ouvia ali. Preferia a ideia de Deus usar mel, e não vinagre, para atrair os fiéis, e quando os pastores evangélicos falavam do inferno, desligava-me um pouco. A mãe dava aulas de catequese e o pai era diácono, logo eu passava a vida na igreja ou próximo dela. No entanto, ao contrário dos meus pais, nunca abracei a ideia de que Deus se encontrava na igreja. Deus estava em todo o lado. Ouvia ecos d’Ele no lago quando ia à pesca, via-O quando, deitado no chão, olhava para as nuvens brancas à deriva num mar de céu azul. Para mim, aproximar-me de Deus não era sentar-me calado na igreja; era calar-me perante a sua criação e atentar na sua voz tranquila, que era quase um sussurro. Deus era tão visível e presente como a paisagem, particularmente como contrafortes dos Apalaches. Ao ar livre sentia que estava na minha catedral, e era a partir da terra que Deus nos providenciava comida, roupa e abrigo. Não me faltava nada, não havia mais nada que desejasse. ö ö ö Estávamos a trabalhar em família no jardim perto de casa, enquanto o Tim dormia a sesta, quando nos chegou aos ouvidos, por uma janela aberta, o toque do telefone. A mãe correu a atendê-lo. Passado um instante, chamou-nos da porta. — Deixem o que estão a fazer e venham cá! Larguei a enxada e passei com cuidado entre os rebentos que começavam a despontar do chão. — Despachem-se! — insistiu. O pai, a Cathy e eu apressámos o passo, e, quando entrámos em casa, a mãe estava atrapalhada com o televisor na sala de estar. Ouvi a interferência quando entrei pela porta dos fundos. 25 Encontros com o ceu.indd 25 29/9/14 17:24 — Isto não sai da CBS; alguém vá a correr lá fora, mudar a antena! — gritou, a tentar apanhar o canal que queria. — O que foi? — perguntou o meu pai à saída, a correr na direção da antena. Dois dos três canais disponíveis eram emitidos de Birmingham, o terceiro de Montgomery. Alguém tinha de sair para apontar fisicamente a antena para a origem do sinal, depois gritávamos pela janela até encontrarmos a posição certa quando queríamos ver um canal que viesse de outra direção. — Já está? — perguntou ele, em voz alta. — Um bocadinho mais para a esquerda — disse a mãe. O pai voltou a ajustar a antena. — Ainda não. Foste longe de mais — disse ela. Logo a seguir, acrescentou: — Aí mesmo! A interferência diminuíra, e ouvi a voz conhecida do Cousin Cliff. — O que se passa? — perguntou o pai, entrando de rompante pela porta dos fundos, para se juntar a nós na sala de estar. — Chiu! — gritou a mãe, a apontar para o televisor. — Hoje sorteámos o primeiro prémio do nosso concurso — informou o Cousin Cliff. — Parabéns ao vencedor do pónei Tex: Reginald Anderson, de Plantersville! A Cathy e os meus pais ficaram embasbacados. O Cousin Cliff prosseguiu: — Telefonamos-te para a semana, Reginald, e o Tex está ansioso por ir passear contigo! Foi então que se viraram todos para mim. Estavam à espera de uma reação, de uma explosão de alegria, mas eu não sabia o que fazer, ou o que dizer. Estava grato, mas não surpreendido. — Reggie, ganhaste o pónei! — disse a Cathy, lançando os braços à volta do meu pescoço. — Eu sei — respondi baixinho. — Bem te disse. — Mas como é que sabias? — perguntou a mãe. — Deus disse-me num sonho — lembrei. 26 Encontros com o ceu.indd 26 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU Uma semana mais tarde, o pónei Tex foi recebido com toda a pompa e circunstância em Plantersville. O Cousin Cliff apeou-se do carro, com o seu chapéu de marinheiro, e ajudou o pónei preto e branco a sair. Com as rédeas na mão, o pónei percorreu o nosso quintal até ao sítio onde o esperávamos em família. Depois de o Cousin Cliff ter preparado a sela, trepei lá para cima e ele ajudou a Cathy a sentar-se atrás de mim. Peguei nas rédeas e a minha irmã no boneco do Popeye que o apresentador lhe ofereceu. O pai e a mãe ficaram para trás, com o Tim, que não sabia o que achar de tudo aquilo. Por motivos que não compreendi, tornei-me de súbito numa pequena celebridade. Reuniu-se uma multidão, e um fotógrafo tirou fotografias enquanto outro homem da WAPI nos filmava. Eu e a Cathy revezámo-nos a dar voltas de pónei no quintal e, passada uma semana, vimo-nos na mesma situação, agora na TV. Nós dois parecíamos felizes. A mãe e o pai baralhados. Nessa altura, moravam cerca de 500 pessoas em Plantersville, e, nas semanas seguintes, ficámos amigos de muitas delas. Creio que toda a gente ouvira falar do menino da terra que tinha ganho o pónei, e os locais passavam por nossa casa para os filhos poderem dar uma volta no Tex. Ficaram admirados com a sorte que me calhara. Eu sabia que tudo acontecera exatamente como estava previsto. Como Deus dissera que aconteceria. Assim que os meus pais recuperaram do espanto, creio que ficaram satisfeitos com todas as lições que o Tex permitiu que aprendesse. Aprendi a partilhá-lo não só com os meus irmãos, mas com a comunidade. Aprendi ainda a alimentá-lo e a escová-lo, assim como a limpar a coxia. Também havia lições mais subtis e ainda mais importantes para tirar. Aprendi que Deus conversa comigo — com todos nós —, mas para ouvi-Lo precisamos de fé. Aprendi a confiar n’Ele e nas experiências que nos uniram, mesmo quando os outros se mostravam céticos. Aprendi igualmente que Deus tinha um papel ativo na minha 27 Encontros com o ceu.indd 27 29/9/14 17:24 vida, que era bondoso e que tinha planos para mim. Porém, não tardaria a esquecer algumas dessas lições e teria de voltar a aprendê-las do modo mais penoso que se possa imaginar. 28 Encontros com o ceu.indd 28 29/9/14 17:24 CAPÍTULO 3 O dia em que o Pai Natal morreu ö DEZEMBRO DE 1965 PLANTERSVILLE, ALABAMA Jesus Cristo era presença incontornável no Natal em Plantersville. Quer fosse em casa, na igreja, ou até inclusivamente na escola, a história da Imaculada Conceição era contada nas palavras que constam do Evangelho segundo S. Mateus. Nesses tempos, não se falava de «férias de inverno»; mas de «férias de Natal», e a população frequentava uma das três igrejas cristãs na praça da vila, repleta de árvores. Todos os anos, a nossa árvore era enfeitada com os mesmos pingentes prateados e a gambiarra do costume. Embora as figuras do presépio mudassem diariamente de sítio debaixo dos ramos, o menino Jesus estava sempre em lugar de destaque. Os dias que antecederam o meu oitavo Natal não me pareceram diferentes dos que antecederam os sete anteriores. Cortáramos uma árvore e tínhamo-la colocado no mesmo canto de sempre da nossa casa. O cheirinho a pinheiro acabado de cortar e as agulhas pegajosas que caíam no chão convidavam-nos a sonhar com os brinquedos que o Pai Natal nos ia trazer. As tradições natalícias eram previsíveis. O Pai Natal também. No entanto, naquele ano seria diferente. Quando a minha turma da 3.ª classe fez a troca de prendas, o carrinho de brincar que eu levara para oferecer não foi o maior presente nem o mais caro de todos, 29 Encontros com o ceu.indd 29 29/9/14 17:24 mas não deixou de ser recebido com um grande sorriso e um «Obrigado!» cheio de entusiasmo. Contudo, na hora de abrir a minha prenda, fiquei desiludido por saber que tinha sido levada pelo Arthur. Toda a gente sabia que a família dele tinha dificuldade em pôr comida na mesa. O Arthur usava roupa remendada e sapatos gastos. Embora tenha ficado triste por saber que não me ia calhar um brinquedo novo, jurei que não o deixaria transparecer. Sabia que o presente do Arthur, qualquer que fosse, fora comprado com sacrifício pela sua família. Ele deve ter ficado tão embaraçado como eu quando abri a tampa e vi os Life Savers. A minha prenda nem sequer era um brinquedo; era uma embalagem de rebuçados! Os meus colegas ficaram em suspenso, à espera da minha reação. — São os meus favoritos! — disse eu, e pus um rebuçado na boca. Toda a gente sorriu; o sorriso do Arthur foi o maior de todos. Fiquei sinceramente grato pelo presente. Tinha pena dele; devia custar ser pobre. ö ö ö Nesse ano não me sentaria ao colo do Pai Natal na Loja dos 300 da Woolworths. Aos oito anos já não tinha idade para isso. Decidi, pelo contrário, tal como o meu irmão Tim, que enviar-lhe uma carta daria o mesmo resultado. Reunimo-nos na mesa da cozinha, de lápis e folha na mão, para «salivarmos» a pensar nas possibilidades infinitas de presentes. Nas nossas cartas, não só dissemos ao Pai Natal tudo o que queríamos, sem pouparmos pormenores, como também o informámos de que fora um bom ano: tínhamos obedecido, regra geral, aos nossos pais e até nem tínhamos brigado muito. Também o relembrámos do quanto trabalháramos. Nessa altura, o pai era o único elemento da família que tinha rendimentos. A mãe cuidava de nós e do jardim, e fazia conservas de fruta e de legumes para não nos faltar comida no inverno. O dinheiro era 30 Encontros com o ceu.indd 30 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU particularmente escasso nesse ano. Os meus pais tinham amealhado o mais possível para comprarem uma escola antiga, que estava prestes a ser demolida. Tinham o intuito de aproveitar os tijolos e a madeira para construírem uma casa nova para a família que não parava de crescer. Contudo, o pouco que tinham poupado não chegava. Sem pedir um empréstimo não teriam dinheiro para comprar o edifício devoluto, e sem o material reciclado não teriam dinheiro para construir uma casa nova. Assim sendo, ainda que contrariados, tinham pedido crédito ao banco. Como não havia dinheiro para pagar a ajudantes, coube-me a mim e ao meu mano recuperar o material de construção. Eu e o Tim juntámo-nos para limpar tijolos antigos, arrancar pregos de restos de madeira e separar as tábuas reutilizáveis das que estavam demasiado estragadas para terem préstimo. Depois, nas horas vagas (que não eram muitas), o meu pai e o meu avô usavam o material reaproveitado para irem construindo a nossa casa nova. Eu e o Tim ajudávamos quando podíamos. Decerto isso faria com que merecêssemos mais consideração do Pai Natal. No dia 25 fui o primeiro a levantar-me. Ditavam a tradição e o respeito que não devia abeirar-me da árvore e do monte de presentes que nos aguardava sem os meus irmãos por perto. Acordei o Tim e a Cathy, o que não foi difícil. Estavam tão ansiosos como eu por descobrirem os tesouros que o homem das barbas brancas deixara para cada um de nós. Corremos os três até à sala de estar, onde se erguia a árvore de Natal. Porém, travámos de repente quando nos deparámos com um imprevisto. Afinal não havia um monte de presentes em volta da árvore. Aliás, só havia dois: um com o nome da Cathy, outro com o do Tim. — Onde estão as prendas todas? — perguntou ele, desiludido com o pouco que a árvore tinha para nos oferecer. — Ah! Estas são para mim — guinchou a Cathy, assim que avistou duas bonecas da Loja dos 300 encostadas à direita do tronco. 31 Encontros com o ceu.indd 31 29/9/14 17:24 A dúvida do Tim ficou em suspenso, mas ignorou-a. — Olha, tropas! — gritou, quando viu os bonequinhos verdes mais à esquerda. Vi um grande envelope com o meu nome na árvore propriamente dita. E era tudo. Não havia mais presentes à vista. Teria o Pai Natal escondido as outras prendas? Haveria alguma pista no envelope? A Cathy ficou babada pelas bonecas, e, na voz do Tim, ouvi um general a berrar para um soldado se pôr «na linha». Tirei uma carta do envelope, com os dedos trémulos de ansiedade, ou talvez de medo. A mensagem estava escrita no mesmo tipo de papel onde eu redigira a carta para o Pai Natal, mas agora era ele a comunicar comigo. «Querido Reggie», começava o texto. Estranhamente, estava escrito na letra caraterística da minha mãe. «A espingarda de pressão de ar que recebeste nos anos também vale para o Natal. É pena que o Pai Natal não te possa oferecer mais nada este ano. O próximo será melhor. Lembra-te que os teus pais gostam muito de ti. Pai Natal.» Abalado, fiz o que qualquer miúdo de 8 anos faria. Desatei a chorar e a soluçar, descontrolado. Claro que não me tinha esquecido da arma. Pedira que ma dessem para ajudar a caçar esquilos, de forma a alimentar a família. Como agricultores, cultivávamos alimentos; como caçadores, caçávamo-los. Precisava da espingarda para dar o meu contributo. Quando voltei a olhar para a carta manchada de lágrimas, lembrei-me de o pai ter dito que uma espingarda de pressão de ar era uma prenda cara, mas tinham arranjado maneira de comprá-la. Agora, no dia de Natal, com o meu irmão e a minha irmã especados a olhar para mim, agarrados aos brinquedos novos, tinha de tentar compreender o porquê de o Pai Natal, com todos os recursos de que dispunha, não ter nada para me oferecer. Atirei-me para cima do sofá e chorei ainda mais alto. Os meus pais acordaram com o barulho e apressaram-se a ir à sala de estar. Fiz um intervalo no choro para recuperar o fôlego. Nessa altura, vi-os entreolharem-se e começaram a sussurrar. 32 Encontros com o ceu.indd 32 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU — Não pensei que ficasse tão sentido — disse a mãe. — Quando eu era pequena, nunca me davam prendas no Natal. — Também não estava à espera disto — comentou o pai. Posto isso, berrei ainda mais alto. Não compreendiam. Eu não estava apenas magoado por não ter recebido prendas; estava magoado por a minha irmã mais velha e o meu irmão mais novo terem recebido as deles. Porque haveria o Pai Natal de ter presentes para eles e não para mim? Até o Arthur tinha dinheiro para comprar rebuçados. Será que o Pai Natal não me podia ter dado qualquer coisa? Afundei a cabeça na almofada e continuei a chorar. A mãe sentou-se ao meu lado no sofá e fez-me festas nas costas. Depois de ter chorado tudo o que tinha para chorar, deitei-me de lado e olhei para ela. — Porquê? — perguntei. — Porque é que fui o único que não teve prendas? A mãe levantou-se de repente e levou o meu pai para outra divisão, onde voltaram a falar baixinho. Acabada a conversa, o meu pai pegou no telefone. Limpei as lágrimas com as costas da mão e enchi-me subitamente de esperança. — Ele vai ligar para o Pai Natal? — perguntei. — Não, vai telefonar para o Tom Tomlinson — disse a mãe. De início, fiquei desiludido. Não percebi como isso poderia resolver a situação. O Sr. Tomlinson era o dono da loja de ferragens da vila. O que é que esse pode fazer? Então, ouvi a conversa do meu pai. Estava a tentar convencer o Sr. Tomlinson a abrir a loja no dia 25. — É só por uns minutos — disse ele. — O Pai Natal esqueceu-se do meu menino, e tenho de corrigir isso. Queremos ir aí escolher uma bicicleta nova. Pelos vistos, isso deve ter chamado de alguma forma a atenção do Sr. Tomlinson. Também chamou a minha. Uma bicicleta nova? Seria verdade? Teria direito a escolher uma bicicleta nova para o Natal? 33 Encontros com o ceu.indd 33 29/9/14 17:24 O pai conseguiu convencer o Sr. Tomlinson de que era o tipo de freguês que merecia ter a loja aberta naquele dia. Poisou o auscultador, pegou nas chaves do carro e disse-me: — Anda daí, filho. Vamos à loja de ferragens. Isso excedeu todas as minhas expetativas. O Pai Natal esquecera-se de mim, mas o pai e a mãe iam compensar-me da melhor maneira possível: com uma bicicleta nova! Sentado no banco da frente do carro, eu estava em pulgas. Assobiava e balançava as pernas para a frente e para trás. A viagem até ao centro nunca tinha demorado tanto como naquele dia de Natal. Reparei que a vila estava às moscas quando estacionámos. Só me apercebi de que a loja estava realmente aberta quando vi uma luz acender-se. O Sr. Tomlinson foi receber-nos à porta e levou-nos até às bicicletas novas, luzidias, que tinha no fundo da loja. — Ei-las — anunciou com um gesto teatral. Levantei o olhar, expetante, para o meu pai. — Força. Vê de qual gostas mais — disse ele, apontando para a fileira de corpos metálicos com rodas pretas. Percorri o expositor várias vezes até cravar o olhar numa Schwinn com rodas de 66 cm. Tinha letras escritas a branco, travões no guiador e pedais que rodaram quando lhes dei um toque com o pé. Aquela bicicleta seria o meu orgulho e a minha alegria para todo o sempre. O pai olhou primeiro para o preço, seguidamente para o Sr. Tomlinson. Enquanto eu me imaginava a subir rampas e a descer encostas, reparei que ele e o dono da loja estavam a ver os preços das Huffys que se encontravam por perto. — Não queres ver nenhuma destas? — perguntou-me o pai. Não queria. Queria a Schwinn vermelha. — Pronto, levamos essa — disse ele, fazendo um aceno para o Sr. Tomlinson. — Obrigado! — exclamei, efusivo, dando um abraço do tamanho do mundo ao meu pai. O rosto dele iluminou-se como a árvore de Natal que nos esperava em casa. 34 Encontros com o ceu.indd 34 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU A caminho da caixa, os dois foram regateando o preço. Peguei na bicicleta e manobrei-a com cuidado pelos corredores até à porta principal. Ao chegar à caixa, ouvi o pai dizer: — Acho que o preço é justo; o problema é que não tenho assim tanto dinheiro. Posso pagar-lhe um dólar hoje e depois outro por semana, às prestações? Não ouvi a resposta do Sr. Tomlinson, mas nitidamente não ficou satisfeito. — Por favor, é Natal e é para o meu filho — insistiu o pai. — Eu sei que é Natal! Vim cá de propósito para lhe abrir a porta, e agora diz-me que não tem dinheiro para pagar? — Estou a pedir-lhe por favor! — disse o pai, num sussurro, com a intenção de eu não ouvir. — Juro que venho pagar-lhe o que puder todas as sextas-feiras. — Mostrava-se desesperado. Eu sabia que ele não estava a pedir uma borla, apenas crédito; mas, para ele, era a mesma coisa. Nunca tinha visto o meu pai assim. Ele nunca implorava. Era um homem orgulhoso que nunca pedia ajuda a ninguém. Foi então que percebi tudo. O Pai Natal não se esquecera de mim. O homem bondoso do fato vermelho, no qual eu acreditava há tantos anos, nunca teria permitido que o meu pai se rebaixasse por algo que ele próprio teria toda a facilidade em oferecer-me. A não ser que o Pai Natal não tivesse os poderes que eu imaginava. Ou que não existisse de verdade. Foi nessa altura que percebi. Não havia Pai Natal. Não existia. Os dois homens acabaram a conversa, e levantei a cabeça quando a porta se abriu e fez com que a campainha soasse. — Obrigado. Nem imagina a importância que isto representa para mim — disse o pai, dando um aperto de mão ao Sr. Tomlinson. Segurou a porta para eu passar com a bicicleta. Seguimos para o carro, e fixei o olhar na estrada, para não ter de o encarar olhos nos olhos. 35 Encontros com o ceu.indd 35 29/9/14 17:24 Arrumámos a prenda na bagageira. — É uma rica bicicleta — disse o pai. Porém, para mim, já perdera o encanto. Envergonhado por aquilo a que assistira e pelo meu comportamento, teria de bom grado devolvido a bicicleta a troco do orgulho que o meu pai perdera. No entanto, sabia que não podia corrigir o mal que já estava feito. O pai humilhara-se para me oferecer uma bicicleta. Ele sabia isso. O Sr. Tomlinson também. E até à passagem de ano, toda a vila viria a saber do sucedido. Restava-me fingir que não tinha dado por isso; era a única maneira que encontrava de valorizar o sacrifício dele. Até chegarmos a casa, tentei mostrar-me feliz. — Gostas da bicicleta nova? — É a melhor bicicleta do mundo! — Ainda te há de servir por muitos anos! — Se calhar para toda a vida — respondi, com o maior entusiasmo que consegui simular. — Obrigado por a teres comprado. Quando chegámos a casa, ajudou-me a tirá-la do carro. — Posso ir já dar uma volta? — perguntei. — Claro, mas não te demores muito. A tua mãe vai servir o jantar de Natal daqui a pouco tempo. — O sorriso do meu pai iluminou-lhe o rosto, sentei-me no selim e pedalei o mais depressa que pude pela rua abaixo. Confundiu a minha ansiedade por afastar-me com amor pela bicicleta nova. Na verdade, simplesmente não suportava a ideia de vê-lo contar à mãe quanto tinha custado ou aquilo de que abrira mão para ma oferecer. Ao acelerar pela estrada fora, rumo ao outro lado da ribeira cheia, não conseguia deixar de pensar no espetáculo a que assistira na loja de ferragens. Assim que me apanhei longe da vista, guinei para fora do caminho. Passei a pedalar entre as amoreiras e entrei no bosque. Saltei de cima da bicicleta acabada de estrear e empurrei-a pelo campo fora. Assim que me escondi, deixei-a cair no chão, e deixei-me cair ao 36 Encontros com o ceu.indd 36 29/9/14 17:24 ENCONTROS COM O CÉU lado dela. Ali, no meio das folhas secas e das trepadeiras acastanhadas, chorei lágrimas mornas de vergonha e jurei não permitir que algo assim voltasse a acontecer. ö ö ö Quando as férias de Natal acabaram, voltei à escola e pedi ao contínuo que me desse trabalho. A troco de 25 cêntimos por dia, ajudei-o a esvaziar caixotes de lixo, a limpar quadros de ardósia e a apanhar detritos do chão. Para mim, o Pai Natal morreu nesse ano. A partir dessa altura, convenci-me de que não teria mais nada de graça na vida. Se quisesse alguma coisa, teria de fazer por merecê-la. 37 Encontros com o ceu.indd 37 29/9/14 17:24 ‹ 23 mm › Quando o Dr. Reggie Anderson está junto ao leito de um paciente moribundo, algo de milagroso acontece: enquanto o conforta consegue experienciar o que este está a ver, ouvir e sentir na sua travessia para o Outro Lado. Graças a estes pequenos vislumbres do Céu que Deus lhe revela, Reggie sabe que estamos mais perto do Outro Lado do que julgamos. REGGIE ANDERSON Pós-graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Alabama, Reggie é médico na Frist Clinic, chefe de gabinete do TriStar Ashland City Medical Center, e diretor clínico numa rede de lares de idosos. Vive com a mulher e os seus quatro filhos numa zona rural dos EUA. JENNIFER SCHUCHMANN é perita em transformar histórias reais em maravilhosos livros, mantendo a voz e o sentimento real do verdadeiro autor. Jennifer sente-se realizada por conseguir ajudar os autores a compilar e transmitir as suas histórias a um vasto público. Experiências emotivas que o vão preparar para o seu próprio «Encontro com o Céu». Aprenda a responder a questões como: • Haverá algo mais na vida para além daquilo que vejo? • Como será o Céu? • Será que tenho fé suficiente para me tornar uma pessoa melhor? • Estarei atento ao que Deus tem para me dizer? «As histórias repletas de esperança do Dr. Anderson ajudam a eliminar qualquer dúvida sobre o Céu. Encontros com o Céu vai confortar os que há muito anseiam por saber que a morte é uma transição, não a palavra final.» Mary C. Neal Autora do bestseller internacional Tudo o Que Vi no Céu ISBN 978-989-668-283-5 Veja o vídeo de apresentação deste livro. www.nascente.pt 9 789896 682835 Espiritualidades Encontros COM O CÉU exerceu medicina familiar durante mais de 25 anos e foi recentemente galardoado com o Frist Humanitarian Award pelo Centennial Medical Center, de Nashville. Junte-se a ele na partilha destas histórias inspiradoras, que foram moldando a forma como ele lida com a vida e com a morte. São exemplos reais que o ajudarão a enfrentar a morte daqueles que ama, oferecendo-lhe a coragem e a confiança de que irá voltar a vê-los. REGGIE ANDERSON Experiências Maravilhosas do Médico Que Toda a Vida Assistiu a Milagres Dr. REGGIE ANDERSON com JJENNIFER SCHUCHMANN Encontros COM O CÉU A História Real de um Médico «Deus fala claramente a Reggie através de acontecimentos milagrosos. Este reconhece o que esses milagres constituem: tentativas divinas e deliberadas de Nosso Senhor lhe mostrar que zela por ele. Este médico é amado por Deus e foi abençoado com um dom extraordinário. Reggie aceita-O, quer manter-se fiel e falar aos outros dos esforços espantosos que Nosso Senhor faz para que realmente o vejamos. Em Encontros com o Céu, Reggie "teceu uma bela tapeçaria", que entrelaça o seu próprio percurso com o das histórias de pessoas que conheceu através da família, dos amigos ou no exercício da sua profissão. Comunica de um modo comovente a transformação de um jovem angustiado e temeroso, que fugia de Deus, num médico admiravelmente intuitivo, que hoje corre ao encontro d’Ele em tempos trágicos e conturbados. Reggie tem para lhe oferecer um tesouro precioso. Primeiro, a história dele revela algo que todos nós precisamos de descobrir, saber e sentir nos nossos corações: o facto de que Deus nos procura de formas excecionais e magníficas! Depois, permite-nos vislumbrar os eternos desígnios de Nosso Senhor. Os encontros de Reggie com o Paraíso, que se cruzam com diversos episódios da sua vida, revelam que Deus tem um plano para cada um de nós (plano esse que inclui angústias, surpresas e alegrias) e que existe um motivo para tudo o que acontece debaixo do Sol, assim queiramos vê-lo. Estime este livro e aquilo que ele representa: um encontro com o Paraíso que fará com que se ria e chore à medida que o for interiorizando.»