Anatomia Topográfica Aplicada – conteúdo

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Anatomia Topográfica Aplicada – conteúdo
Biomecânica
Os conceitos de Biomecânica básica, em geral desenvolvidos com base no estudo humano,
podem ser relativamente bem adaptados ao estudo da biomecânica dos animais domésticos. Esta
extrapolação torna-se dificultada quando se tem em mente a avaliação de animais aquáticos ou
adaptados ao vôo.
A aplicabilidade deste tipo de estudo está relacionada, principalmente, à melhoria da
performance de animais de esporte (preferencialmente cavalos, mas também já se iniciam os
estudos envolvendo, por exemplo, cães de Agility).
O foco do estudo da biomecânica é o conhecimento das forças atuantes em cada região
corpórea e sobre o corpo como um todo, com as modificações sofridas por cada componente
anatômico, incluindo o nível estrutural. É impossível estudá-la sem pensar em forças musculares
que movimentam (responsáveis pela dinâmica) e estabilizam (responsáveis pela estática) o corpo do
animal.
Bio = vida
Mecânica = ciência que estuda as leis do movimento e do equilíbrio
Assim sendo, a biomecânica consiste no estudo das leis da mecânica, analisando as ações
das forças para a compreensão dos aspectos anatômicos e funcionais dos organismos vivos,
principalmente, em relação ao movimento.
O movimento é o meio pelo qual um indivíduo interage com o meio ambiente, seja para
mudar de ambiente pelas alterações climáticas, seja para fugir de predadores, seja para caçar, ou,
nos últimos tempos, para praticar atividades físicas em alto nível.
Trazendo este conceito para o ambiente da clínica, muitos fatores podem interferir na
movimentação dos animais: o meio ambiente (tipo de piso), forças externas às quais o animal esteja
submetido (força da gravidade, velocidade do movimento), estado mental (grau de atenção e
motivação), além do tipo da tarefa que necessita desempenhar.
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Conceitos importantes:
A cinesiologia é a disciplina que estuda o movimento.
Quando avaliamos o movimento do animal como um todo, podemos classificar este
movimento como linear (seja ele retilíneo, por exemplo quando o animal corre e se desloca para a
frente; ou curvilíneo, como o movimento percebido durante um salto, onde o animal deixa o solo e,
depois, retorna para ele) ou angular (torque: o momento da força exercida sobre uma articulação,
gerando uma rotação ou angulação em seu eixo).
*
As análises biomecânicas podem ser quantitativas ou qualitativas. Uma análise quantitativa
é capaz de mensurar, por exemplo, a altura de um salto, ou a velocidade com que o animal percorre
um determinado espaço. A análise qualitativa é capaz de determinar se a posição de determinado
membro está bem colocada durante o movimento, a qualidade da chegada de um animal ao final da
prova etc.
Tendo em vista estas análises, podemos efetivamente avaliar, na clínica ou no trato com o
animal, se: o movimento está sendo realizado adequadamente; a amplitude do movimento está
apropriada; a seqüencia dos movimentos corporais está adequada para a atividade realizada (passo,
trote, galope ou qualquer outro andamento), entre outros fatores.
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Ao estudar a mecânica, costumamos dividi-la em estática (forças que agem para manter o
corpo parado ou com movimentação constante, sendo este segundo caso não aplicável ao estudo dos
animais) e dinâmica (forças que atuam sobre um corpo, alterando a velocidade do seu
deslocamento).
*
Considerando que tanto a estática quanto a dinâmica e, portanto, todo o estudo da
biomecânica baseia-se na incidência de forças (musculares) sobre os componentes corpóreos, devese compreender o conceito de força e os fatores que interferem sobre ela. Força nada mais é que o
estudo da massa, em função da aceleração. Estão envolvidos no estudo da força conceitos como
peso e resistência ao atrito, entre tantos outros. No estudo das forças, devemos avaliar sempre:
- Magnitude: a intensidade da força;
- Direção: em que direção esta força é exercida;
- Ponto de aplicação: sobre que parte do corpo está sendo realizada a força.
Ao final deste estudo, pode-se estabelecer um diagrama de forças, que exibe a força efetiva
realizada, resultando esta em movimento, ou não.
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As forças mecânicas que podem incidir sobre o corpo dos animais podem ser:
- de compressão (quando a força é exercida da extremidade em direção ao centro – fig. A);
- de tensão (força sendo exercida do centro em direção às extremidades, “esticando” a estrutura
submetida à força – fig. B);
- de cisalhamento (atua no sentido transversal de uma estrutura – fig. C);
- de torção (em torno do eixo da estrutura – fig. D);
- de encurvamento (vergando a estrutura em seu eixo longitudinal – fig. E).
Avaliando as forças acima, percebemos que cada componente do corpo está sujeito ao
conceito de carga-deformação. Na prática, percebe-se que todo componente anatômico possui certa
elasticidade, e que, quando submetido a determinada força que não exceda o limite da elasticidade
natural, cessada a ação desta força o componente retorna à forma inicial que possuía antes de ser
submetido a ela.
Ao contrário, se a força exercida sobre o componente anatômico superou o limite de sua
elasticidade, este adentra o patamar da plasticidade. Neste momento, mesmo que a força atuante
sobre o componente anatômico seja retirada, ela deixa uma deformação na estrutura original (este é
o motivo da existência de proeminências ósseas como a tuberosidade deltóide ou os epicôndilos,
que caracterizam regiões sujeitas a constante força tensiva, e acabam alterando sua conformação e
manifestando-se na forma de proeminências; a forma de um osso se deve, portanto, às forças que
atuam sobre ele).
Se a força permanecer atuante além do limite da plasticidade, diz-se que o componente
anatômico atinge seu ponto de ruptura, e neste ponto surgem as lesões (fraturas, traumas
articulares).
Com base nos conceitos acima, ao estudarmos a aplicação das forças ao estudo dos ossos,
torna-se imperioso enunciar a Lei de Wolff: “A resistência dos ossos aumenta ou diminui à medida
que aumentam e diminuem as forças funcionais que atuam sobre o osso. Assim, os elementos dos
ossos se colocam ou se deslocam na direção das forças funcionais e aumentam ou diminuem sua
massa refletindo a quantidade das forças funcionais”.
Outros conceitos decorrem do estudo das forças atuantes sobre as articulações:
- Coaptação fechada: quando as superfícies articulares estão com o máximo contato possível uma
com a outra. Neste momento, dificilmente a articulação sofrerá um trauma, pois está muito estável.
- Coaptação aberta: quando a área de contato entre as superfícies articulares começa a se reduzir.
Quanto menor a superfície de contato, maior a propensão a traumas.
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Após a atuação de determinada força muscular sobre um componente anatômico, podemos
ter como resultado a movimentação (ou não) deste componente.
A amplitude de movimento reflete a mensuração de quantos graus determinada articulação
pode se mover. Cada articulação em particular tem previamente estabelecida a amplitude de
movimento, e os valores podem variar de espécie para espécie, de raça para raça, ou mesmo de
indivíduo para indivíduo.
Além do mais, o movimento executado pode ser passivo, quando forças externas ao
organismo executam o movimento (este caso é estudado dentro da estática), ou pode ser ativo,
quando o próprio músculo do animal está gerando a amplitude do movimento (neste caso, estudado
na dinâmica).
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Conforme citado acima, nem toda contração muscular gera movimento. Este fato se dá em
função da existência de três tipos distintos de contração muscular:
- Contração concêntrica: quando há o encurtamento do ventre muscular;
- Contração isométrica: quando há tônus muscular, mas sem encurtamento do músculo;
- Contração excêntrica: quando um músculo se estende, mas apresentando tônus, pois está
estabilizando determinada articulação. Pode ser observada com freqüência nos músculos que estão
exercendo função de antagonistas de determinado movimento.
A potência muscular se deve à força do músculo associada à velocidade de contração.
Músculos fusiformes, que têm suas fibras alinhadas ao tendão, mas chegando a ele de forma
oblíqua, arranjo este que permite maior número de fibras musculares por área tendínea, costumam
ser os mais potentes.
O endurance muscular avalia a resistência de um músculo, isto é, por quanto tempo ele é
capaz de se manter contraído sem levar ao cansaço. O termo oposto é a fadiga muscular.
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Existem diversos movimentos que não dependem de comando voluntário (oriundo do
encéfalo). A seguir, encontram-se vários exemplos de reflexos que desencadeiam movimentos
independentemente do comando cerebral. Tais reflexos, involuntários, são comandados diretamente
pela medula espinal.
O reflexo de estiramento (ou miotático) se dá quando determinado músculo, submetido a
grande contração, tem suas fibras sensitivas centrais (fuso neuromuscular) estimuladas e, numa
espécie de feedback negativo, é obrigado a relaxar.
Situação semelhante ocorre na região dos fusos neurotendíneos (receptores sensitivos nos
tendões). Quando neles é percebida tensão excessiva, dá-se uma ordem de relaxamento para a
medula, resultando em relaxamento do músculo associado ao tendão em questão.
Outro exemplo de reflexo comandado pela medula espinal é o reflexo de retirada (também
chamado de reflexo flexor). Consiste no recolhimento do membro após estímulo doloroso. É
importante observar, contudo, que por se tratar de um reflexo medular, não tem serventia na
avaliação de sensibilidade dolorosa (percebida apenas no encéfalo).
A seguir à estimulação dolorosa citada, observa-se também, após meio segundo, a extensão
do membro contralateral, devido à inibição recíproca do antagonista após o estiramento.
São exemplos, ainda, de movimentos independentes do comando voluntário, a reação
positiva de sustentação (onde o animal tende a apoiar o membro quando percebe pressão sobre os
coxins), o endireitamento medular (quando o animal tende a voltar à posição estendida após ser
posicionado com a coluna sujeita a torção) entre tantos outros.
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Quando se estuda o movimento global do corpo do animal, torna-se indispensável avaliar
também os tipos de andamento que tal animal pode desenvolver. Os estudos dos tipos de
andamento dos animais apresentam certas discrepâncias, em termos de classificação, de acordo com
o grupo realizador da pesquisa. Há profissionais que considerem a existência de determinados tipos
de andamento não aceitos por outros. Uma classificação bem tradicional encontra-se especificada a
seguir. Em negrito, estão destacados os três principais termos, consagrados, que não podem ser
ignorados:
- Marcha: movimento lento, antes do passo, onde há muito tempo de apoio dos membros no solo;
- Passo: ouvem-se quatro toques dos membros no solo (isto é, cada membro toca o solo
individualmente, em um momento diferente dos demais), sempre em diagonal;
- Andamento interrompido: mais tempo afastado do solo, os membros tocam o solo alinhados (MT
e MP direitos juntos, MT e MP esquerdos juntos, e assim por diante) e não na diagonal;
- Trote: o animal toca duas vezes no solo (membros torácico e pélvico ao mesmo tempo), com os
membros cruzados. O animal passa mais tempo longe do solo, e a velocidade é maior;
- Cânter (exclusivo para cavalos) é um galope mais lento, onde os dois membros pélvicos tocam o
solo juntos, e os membros torácicos tocam separadamente – três toques;
- Galope: os quatro membros tocam o solo separadamente, rapidamente.
- Galope rotatório ou saltatório (exclusivo para carnívoros): o toque dos membros pélvicos é quase
simultâneo, depois há o toque dos membros torácicos, também quase simultâneos. Os membros
pélvicos são jogados muito à frente, quase à linha dos torácicos, e há grande flexão da coluna.
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Quando observamos a atuação dos músculos sobre os ossos, podemos acertadamente
comparar estes ossos com alavancas. De fato, os três tipos de alavancas descritos na física podem
ser encontrados no corpo dos animais. Para entendê-los, primeiramente é necessário definir os
componentes obrigatórios no estudo das alavancas:
- Potência: representada pela força muscular sobre o osso;
- Apoio: o ponto fixo, quando se inicia o movimento;
- Resistência: a força que vai agir em sentido contrário ao movimento, podendo ser representada,
por vezes, simplesmente pelo próprio peso do animal.
Avaliando-se o posicionamento destes componentes uns em relação aos outros, podemos
definir os três tipos de alavancas (representadas pelos ossos, atuando sobre a movimentação das
articulações):
- Interfixa ou de primeiro gênero: o ponto fixo está entre a resistência e a força muscular. Ex:
músculo tríceps braquial atuando sobre o cotovelo, quando o membro está livre, sem apoiar-se no
solo. Este tipo é usado para gerar movimentos;
- Inter-resistente ou de segundo gênero: a resistência está entre o ponto fixo e a força muscular. Ex:
tríceps atuando sobre o cotovelo, mas com o membro apoiado no solo. Este tipo de alavanca é
utilizado pelos músculos para sustentar o corpo dos animais;
- Interpotente ou de terceiro gênero: mais raro, quando a força muscular é exercida entre a
resistência e o ponto fixo. Costuma ser observado nos músculos antagonistas.
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Mecânica dos membros
Neste tópico, estudaremos os componentes anatômicos responsáveis pela mecânica dos
membros. Como já visto anteriormente, esta mecânica se divide em estática (onde serão estudadas
as forças atuantes para manter o animal em estação) e dinâmica (onde serão estudadas as forças
atuantes na movimentação do animal).
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Membro torácico:
Estática:
Pensando de maneira prática, parece ao leigo que um cavalo demanda muito mais energia
para se manter em estação que um cão; afinal, seus membros são maiores, o peso corporal é maior,
enfim, tudo leva a crer que seu esforço para se manter em posição quadrupedal será maior.
Este conceito seria plenamente correto se o cavalo dependesse exclusivamente de força
muscular em seu membro torácico para se manter em estação, uma vez que, quanto maior a força
muscular empregada na manutenção da estática do corpo, maior a fadiga a que os músculos
envolvidos estão sujeitos, havendo necessidade de repouso ao cabo de certo tempo.
Durante o processo evolutivo, os cavalos desenvolveram uma série de alterações em seu
membro torácico (quando comparados aos demais animais domésticos), de modo que a estática é
possível com demanda mínima de atuação muscular. Para tanto, houve fusão entre muitos de seus
ossos (rádio e ulna, por exemplo), o que possibilitou que estes assumam a função de verdadeiras
colunas de sustentação. Além do mais, a presença de articulações do tipo gínglimo neste membro
confere a ele um efeito de mola, que é responsável por manter a articulação “travada” sem que seja
necessária força muscular atuante para isso (coaptação fechada). Finalizando, grande parte do tecido
muscular envolvido no membro torácico foi substituída por elementos fibrosos, que atuam na
estática sem que haja demanda energética (o músculo bíceps braquial, por exemplo, tem
aproximadamente um terço de sua massa substituída por um elemento tendíneo).
Devido a todas estas alterações, e à grande especialização sofrida pelos membros do cavalo
ao longo de sua evolução, esta espécie será o modelo anatômico utilizado como base para a aula de
mecânica dos membros. A seguir, serão descritos os componentes anatômicos atuantes na estática
do membro torácico.
Estabilização da face cranial do membro:
- Corda bicipital: tendão do músculo bíceps braquial.
- Lacerto fibroso: fita fibrosa que parte da corda bicipital em direção ao terceiro osso metacarpiano
(existente apenas nos eqüídeos). Juntamente com a corda bicipital, estabiliza as articulações do
ombro, cotovelo e carpo, impedindo sua movimentação em direção cranial.
Estabilização da face caudal do membro:
- Músculo serrátil ventral: mantido em contração, estabiliza o ombro do animal caudalmente
(portanto, aqui, há um pequeno gasto de energia; este gasto, ainda assim, é reduzido, pois o músculo
serrátil ventral dos cavalos é substituído em grande parte por tecido conjuntivo fibroso).
- A estabilização caudal do cotovelo se dá pelo próprio tipo da articulação, um gínglimo.
Estabilização do carpo e dos dedos:
Um conjunto de elementos fibrosos atua nesta sustentação. Este conjunto é conhecido como
aparelho suspensor da articulação metacarpo-falangeana (ou “aparelho suspensor do boleto”), e é
constituído por:
- Tendão do músculo extensor digital comum, que estabiliza
dorsalmente a região.
- Tendão do músculo extensor digital lateral.
- Ligamento suspensor (também chamado de ligamento sesamóideio
proximal, ou músculo interósseo nas demais espécies): este ligamento
tem um prolongamento distal em direção à face dorsal do membro, e
assim, quando hiperestendido, atua como mola, suspendendo o boleto e
levando-o de volta à posição normal (figura ao lado).
- Tendão do músculo flexor digital profundo.
- Tendão do músculo flexor digital superficial.
- Ligamentos da articulação metacarpo-falangeana.
Há ainda estruturas que atuam na fixação dos tendões flexores aos ossos, auxiliando ainda
mais na sustentação do corpo do animal. São elas:
- Brida radial (também conhecida como check superior ou ligamento acessório do tendão flexor
digital superficial).
- Brida cárpica (check inferior ou ligamento acessório do tendão flexor digital profundo).
O conjunto de estruturas aqui descritas, responsáveis pela estática do membro torácico, pode
ser observado no esquema a seguir:
Dinâmica:
Os principais músculos envolvidos estão especificados a seguir.
Ombro: realiza principalmente flexão/extensão; pode fazer também abdução/adução e
supinação/pronação.
Extensão: músculos braquiocefálico e supraespinhal. O nervo envolvido é o supraescapular.
Flexão: músculos deltóide, redondo maior e grande dorsal. O nervo envolvido é o axilar.
Cotovelo: realiza apenas flexão/extensão.
Extensão: músculo tríceps braquial (principalmente a cabeça longa). O nervo envolvido é o radial.
Flexão: músculos bíceps braquial e braquial. O nervo envolvido é o musculocutâneo.
Mão e dedos:
Extensão: músculos crânio-laterais. O músculo ulnar lateral do cavalo é uma exceção (pois integra
o grupo crânio-lateral, mas atua como flexor. Nas demais espécies, onde é um extensor
propriamente dito, seu nome é extensor carpo ulnar). O nervo envolvido é o radial.
Flexão: músculos caudo-mediais. Os nervos envolvidos são o mediano e o ulnar.
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Membro pélvico:
Estática:
Há uma diferença básica em relação à estática do membro torácico: todos os mamíferos
domésticos despendem energia muscular no membro pélvico para sustentar o seu peso. Ainda
assim, este gasto de energia não é tão pronunciado, visto que o centro de gravidade do animal está
deslocado em relação ao membro torácico, de modo que o membro pélvico sustenta apenas 30% a
40% do peso total do animal.
Nos cavalos em particular, espécie em que se observa uma série de adaptações do aparelho
locomotor (em especial dos membros) e que, portanto, é utilizada como modelo anatômico das
aulas de mecânica dos membros, observamos uma constante alternância do apoio entre os membros
pélvicos direito e esquerdo. O animal sadio tem a possibilidade de manter sua estática sustentando o
peso nos membros torácicos e em apenas um membro pélvico de cada vez, enquanto descansa o
contralateral. Esta atitude se deve ao fato do animal cansar o membro durante a permanência
prolongada em estação (já que há gasto de energia muscular para isso), e é possível devido à menor
proporção de peso que precisa ser sustentada por estes membros, de forma que o apoio é eficiente
mesmo que feito, alternadamente, em um membro pélvico de cada vez. Este padrão de apoio pode
se alterar em decorrência de processos patológicos em membro torácico: neste caso, o animal
desloca seu centro de gravidade em direção aos seus apêndices caudais (o que é conseguido pelo
deslocamento de ambos os membros pélvicos cranialmente) e, neste momento, necessitará manter o
apoio sempre em ambos os membros pélvicos, sem alternância, como costuma ser seu hábito
quando sadio.
Cavalos despendem energia muscular principalmente na região proximal ao joelho;
distalmente, assim como no membro torácico, estruturas fibrosas favorecem a estática.
Estabilização do quadril:
Para a manutenção da estática desta articulação e conseqüente sustentação do membro
pélvico, é necessária ação muscular especialmente do grupo extensor associado a ela: o músculo
glúteo médio é o principal, recebendo o auxílio dos músculos glúteos profundo e acessório (este
último, existente apenas nos ungulados). O músculo glúteo superficial não atua na estática do
quadril dos eqüinos, devido a uma particularidade de sua terminação: este músculo se insere no
terceiro trocanter, uma proeminência óssea lateral do fêmur existente apenas nesta espécie, o que
confere ao músculo em questão um trajeto que determina função flexora do quadril. Para as demais
espécies animais, este músculo tem ação extensora e pode ser considerado para a estática do
quadril.
A estática desta articulação é completada pela ação dos músculos do grupo isquiotibial, isto
é, os músculos bíceps femoral, semitendinoso e semimembranoso. A ação destes músculos se
faz, contudo, por meio de contração isométrica ou mesmo excêntrica.
Conforme citado anteriormente, toda a porção do membro distal ao joelho não necessita de
força muscular na manutenção da estática. Os componentes anatômicos atuantes estão descritos a
seguir:
Estabilização do joelho:
Existe uma configuração toda especial do joelho dos eqüinos, cuja função é a de “travar” a
articulação do animal em estação para que, uma vez na posição correta, não haja necessidade de
ação muscular para a estática desta articulação. A este conjunto de alterações denomina-se
aparelho de sustentação patelar, que é responsável por travar a patela junto à projeção medial da
tróclea do fêmur, onde permanece “encaixada” devido aos tendões patelares medial e intermédio.
Para que a patela assuma este posicionamento típico da estática, é necessária ação muscular para
início do movimento, onde o músculo vasto medial (sem ação concomitante dos demais
componentes do quadríceps femoral) desloca a patela proximal e medialmente, travando-a na
posição supracitada. Para o animal retomar o movimento, é necessária a ação contrária dos
músculos reto femoral e vasto lateral, que tracionam a patela, agora, em direção proximal e lateral,
devolvendo-a ao sulco troclear e restabelecendo a mobilidade normal da articulação.
Estabilização conjunta do joelho e do tarso:
Estas duas articulações, mas principalmente o tarso, têm sua estabilidade devida ao
aparelho recíproco do membro pélvico, formado basicamente por elementos tendíneos (de tecido
conjuntivo fibroso) no cavalo, mas que recebem o nome de “músculos” devido à sua origem
homóloga a estruturas anatômicas realmente musculares das demais espécies animais: o músculo
fibular terceiro (completamente constituído por tecido conjuntivo fibroso, também conhecido pelo
nome de corda femorometatársica, que posiciona-se cranialmente à tíbia), e o músculo flexor
digital superficial (posicionado caudalmente, contendo pouquíssimas fibras musculares e enorme
proporção de tecido conjuntivo fibroso).
Tais estruturas atuam como se envolvidas em um aparelho de roldanas, onde a tensão de
uma acaba estabilizando a outra, sustentando tanto o joelho quanto o tarso, seja na estática, seja na
dinâmica, de modo que a movimentação de tarso é sempre restrita. Esta restrição é responsável pela
dificuldade que os cavalos apresentam em realizar o movimento de retroceder, pois para isso é
necessário o relaxamento destas estruturas, o que lhes causa instabilidade e desequilíbrio.
Estabilização da região distal do membro:
A constituição da região de metatarsos e falanges do membro pélvico do cavalo apresenta
grande semelhança com a região de metacarpos e falanges do membro torácico. Desta forma,
encontramos no membro pélvico um aparelho suspensor da articulação metatarso-falangeana
(muitas vezes denominado, assim como no membro torácico, de “aparelho suspensor do boleto”,
termo não anatômico), que apresenta a maioria dos componentes com correspondência no membro
torácico. Todos os elementos constituintes deste aparelho suspensor serão aqui discriminados,
sendo os termos exclusivos do membro pélvico (em contraste ao torácico) grafados em “itálico”.
- Tendão do músculo extensor digital longo, que estabiliza dorsalmente a região e possui menos
força de contenção que o correspondente torácico (o músculo extensor digital comum).
- Tendão do músculo extensor digital lateral.
- Ligamento suspensor (também chamado de ligamento sesamóideio proximal, ou músculo
interósseo nas demais espécies): como no membro torácico, este ligamento tem um prolongamento
distal em direção à face dorsal do membro, e assim, quando hiperestendido, atua como mola,
suspendendo o boleto e levando-o de volta à posição normal.
- Tendão do músculo flexor digital profundo.
- Tendão do músculo flexor digital superficial.
- Ligamentos da articulação metatarso-falangeana (sendo que o ligamento anular, no membro
pélvico, recebe a alcunha de ligamento anular plantar).
- Brida társica (também conhecida como check do membro pélvico ou ligamento acessório do
tendão flexor digital profundo). No membro pélvico, diferentemente do membro torácico, há
apenas uma brida.
Dinâmica:
O membro pélvico é o mais importante para gerar o movimento, enquanto o membro
torácico é responsável por receber a chegada do animal ao solo.
A articulação sacro-ilíaca é a responsável pela transmissão desta força gerada pelo membro
pélvico à coluna do animal. Quanto maior a amplitude de movimento desta articulação, maior é a
possibilidade do animal levar o membro pélvico à frente durante a corrida, com conseqüente
possibilidade de deslocamento mais veloz.
Os principais músculos atuantes na dinâmica do membro pélvico estão descritos a seguir:
Quadril:
Extensão: principalmente músculo glúteo médio. O nervo envolvido é o glúteo cranial.
Flexão: possibilitada pela ação conjunta do músculo glúteo superficial (que atua como flexor
exclusivamente nos eqüinos, conforme explicado anteriormente) com o reto do abdome (que
possibilita uma flexão mais potente, já que traciona o coxal em direção cranial), auxiliados pela
contração dos músculos sartório, reto femoral e tensor da fáscia lata. Os nervos envolvidos são o
glúteo caudal (para o músculo glúteo superficial), o glúteo cranial (para o músculo tensor da fáscia
lata) e o femoral (para os músculos reto femoral e sartório).
Joelho:
Extensão: realizada principalmente pelo músculo quadríceps femoral (constituído pelos músculos
reto femoral, vasto lateral, vasto medial e vasto intermédio), e com auxílio do sartório e do tensor
da fáscia lata. Os nervos envolvidos são o femoral, auxiliado pelo safeno (para o quadríceps e
sartório) e o glúteo cranial (para o tensor da fáscia lata).
Flexão: obtida pela atuação do grupo isquiotibial: músculos bíceps femoral, semitendinoso e
semimembranoso. Os nervos envolvidos são o isquiático e seus ramos.
O músculo semimembranoso pode receber fibras do nervo obturatório, o que não é comum.
Tal nervo é importante para os músculos adutor da coxa e pectíneo (responsáveis pela adução do
membro pélvico, embora também atuem na flexão da articulação – principalmente o adutor). O
músculo pectíneo atua principalmente sobre o quadril (há profissionais que fazem a pectinectomia
para retirada de parte da carga sobre o quadril de animais displásicos).
Os músculos do grupo isquiotibial também atuam na abdução do membro pélvico, devido à
sua inserção lateral na tíbia. Para os carnívoros, a abdução é auxiliada pelo músculo abdutor crural
caudal (cuja terminação sofre uma curvatura antes de se inserir, o que lhe dá a configuração de
roldana e contrabalança a pequena proporção do ventre muscular, ampliando a força de execução do
movimento).
Tarso e dedos:
Os músculos atuantes sobre o tarso e os dedos estão localizados na região crural (dos ossos
tíbia e fíbula), e têm sua disposição variando de acordo com a espécie animal. A descrição que se
segue utiliza o cavalo como modelo, seguindo o padrão estabelecido para todas as descrições deste
texto. Toda a inervação dos músculos aqui citados advém do nervo isquiático e seus ramos.
Diferentemente do membro torácico, não conseguimos distinguir os músculos desta região
como extensores ou flexores em função de sua posição mais cranial ou caudal no membro.
Além do mais, também em contraste como membro torácico, o movimento de flexão do
tarso se faz com o ângulo da articulação se fechando dorsalmente, ao contrário do carpo, onde a
flexão da articulação diminui seu ângulo na face palmar. Já a flexão e extensão dos dedos de ambos
os membros é semelhante, com o ângulo da articulação se fechando na face palmar/plantar. Esta
diferença faz com que um músculo que atue simultaneamente sobre o tarso e os dedos desencadeie,
concomitantemente, a flexão do tarso e a extensão dos dedos, ou vice versa. Ao contrário, no
membro torácico, a contração de um músculo que atue sobre o carpo e os dedos será responsável
pela flexão simultânea das duas articulações, ou extensão simultânea das mesmas. A compreensão
desta disposição facilita o entendimento dos músculos da região e suas respectivas ações sobre a
dinâmica do tarso e dos dedos:
- Músculo extensor digital longo (responsável pela extensão do dedo e flexão do tarso, esta última
de pouca importância, já que o tarso tem pouca mobilidade – devido à presença do aparelho
recíproco do membro pélvico e à morfologia da articulação do tarso, um gínglimo angular perfeito,
sujeito ao mesmo efeito de mola que trava a articulação, já explicado para o cotovelo).
- Músculo fibular terceiro (constituído exclusivamente por tecido conjuntivo fibroso).
- Músculo tibial cranial (responsável pela flexão do tarso).
- Músculo extensor digital lateral (responsável pela extensão do dedo, mas atuando com menor
força que o extensor digital longo).
- Músculo poplíteo (atuante na estabilização do membro e responsável por pequenos movimentos
de lateralidade, variando a amplitude em função da espécie animal).
- Músculo flexor digital profundo (responsável pela flexão do dedo e extensão do tarso).
- Músculo sóleo (não possui potência nos quadrúpedes domésticos, está ausente nos carnívoros).
- Músculo flexor digital superficial (no cavalo, não tem força de movimento, só estabiliza o
membro. Nos demais, atua na flexão dos dedos e extensão do tarso).
- Músculo gastrocnêmio (atuante na extensão do tarso). Recebe auxílio dos músculos sóleo e
flexor digital superficial, sendo muitas vezes denominado em conjunto com eles de “tríceps da
sura”. Os tendões de todos estes músculos, em conjunto, formam o tendão calcâneo, o famoso
“tendão de Aquiles”.
***
Mecânica da coluna
Na tentativa de explicar as estruturas de sustentação da coluna, foram propostas diversas
teorias, e dentre elas observamos muitas que comparam a coluna a uma ponte. Tais teorias estão em
desuso nos dias de hoje; dentre elas, a teoria da “ponte pênsil” é a única ainda aceita. Esta teoria
considera os membros como colunas de sustentação, ficando a coluna suspensa entre eles.
Atualmente, a teoria mais aceita para explicar a mecânica da coluna é a “teoria do arco e
corda”, teoria esta muito antiga, mas ainda adequada mesmo em face dos estudos mais modernos.
Nela, apregoa-se que a coluna funciona como um arco, que tem capacidade de se adaptar às forças
tensivas atuantes sobre ele. Estas forças de tensão são efetuadas pelas cordas (musculares), que se
agrupam em três conjuntos:
- Uma corda dorsal: formada pelos músculos epaxiais (situados acima dos corpos
vertebrais), que podemos resumir em três grupos: iliocostal (o grupo mais lateral, que além de
estabilizar o arco, pode gerar movimento de extensão da coluna e flexão lateral da mesma);
longuíssimo (apresentando os mesmos movimentos do grupo iliocostal); e tansversoespinhal (este
último não sendo capaz de fazer a flexão lateral devido ao seu posicionamento mais medial em
relação aos demais grupos já citados, mas auxiliando esta flexão com um ligeiro movimento
rotatório entre as vértebras).
- Duas cordas ventrais, descritas a seguir:
- Corda ventral interrompida: recebe este nome por não existirem músculos ventralmente às
vértebras na região do centro do tórax. É constituída pelos músculos longos (que estabilizam a
coluna e atuam como flexores desde a cabeça até o início do tórax) e iliopsoas (formado pelos
músculos psoas maior e menor, além do quadrado lombar, que em conjunto fazem flexão da
coluna desde o final do tórax até o quadril, na região do sacro).
- Corda ininterrupta ou sem interrupção: origina-se no corpo das vértebras, mas seu centro fica
distante delas. Começa na região abdominal (sendo formada nesta região pelo conjunto dos quatro
músculos abdominais: reto, oblíquo externo, oblíquo interno e transverso do abdome) e
continua-se na região torácica com os músculos reto do tórax e escaleno, que se insere novamente
nas vértebras, já na região cervical. Todos estes músculos da corda ininterrupta estabilizam e
flexionam a coluna, sendo que os três músculos laterais do abdome (oblíquos e transverso) e o
escaleno atuam também em movimentos de lateralidade.
A atuação conjunta destas cordas musculares sobre o arco representado pela coluna permite
sua estabilidade sem que esta carga seja transferida para os membros, já que as cordas estabilizam o
arco independentemente das forças atuantes sobre ele.
Alguns autores consideram tal teoria falha, por não contemplar a cabeça e o pescoço. Ao
considerarmos os ligamentos da coluna, porém, esta carência é suprida, visto que o ligamento nucal
é o principal responsável pela sustentação da cabeça do cavalo. Este ligamento existe também nas
demais espécies de forma menos desenvolvida, mas está ausente no gato.
Considerando este importante papel dos ligamentos na estabilidade da coluna, torna-se
imperioso citá-los, ainda que a teoria clássica do arco e corda não os inclua. A ação dos ligamentos
na estabilização dos movimentos da coluna atua de forma contrária à ação muscular já explicada
nos conceitos das cordas: enquanto a corda dorsal é uma extensora da coluna, os ligamentos
posicionados dorsalmente à coluna atuam estabilizando o movimento de flexão. De modo
semelhante, as cordas ventrais são flexoras da coluna, enquanto o ligamento posicionado
ventralmente atua estabilizando sua extensão.
O movimento de flexão realizado pela coluna permite maior amplitude que o movimento de
extensão. Portanto, há apenas um ligamento para estabilizar a extensão, mas há vários que
estabilizam a flexão.
- Estabiliza a extensão: ligamento longitudinal ventral (situado ventralmente aos corpos
vertebrais).
- Estabilizam a flexão: ligamento longitudinal dorsal (situado dorsalmente aos corpos vertebrais),
ligamentos interarqueados (também chamados de interarqueais, flavos ou amarelos, e que estão
localizados entre os sucessivos arcos vertebrais), ligamento interespinhoso (localizado entre os
processos espinhosos das vértebras) e ligamento supraespinhoso (uma continuação natural do
ligamento nucal, estendendo-se dorsalmente aos processos espinhosos das vértebras).
Finalizando os conceitos associados aos ligamentos atuantes na estabilização da coluna,
cabe uma consideração particular ao ligamento nucal do cavalo, que é extremamente desenvolvido,
devido ao seu importante papel na sustentação da cabeça do animal. Este ligamento origina-se no
osso occipital, e é composto por um funículo nucal (central) e lâminas nucais (laterais). Sua ampla
extensão (considerando continuar-se no ligamento supraespinhoso) faz com que interfira inclusive
sobre o posicionamento do membro pélvico: ampla flexão ou extensão do pescoço tracionam o
membro em direção caudal (figuras A e B). Os demais posicionamentos do pescoço permitem
maior amplitude dos movimentos de flexão do membro pélvico em relação à coluna (figuras C e D).
Para concluir o estudo da mecânica da coluna, é importante ressaltar que o tamanho e
posição do corpo da vértebra e do disco intervertebral também são importantes na estabilidade de
cada região da coluna em particular: as vértebras cervicais dos quadrúpedes têm o corpo maior e são
mais centrais, portanto suportam maiores cargas; nos bípedes, onde a carga lombar é maior, as
vértebras lombares é que são as mais desenvolvidas e centrais. Nas regiões torácica e lombar, onde
a sustentação de carga é menor, o corpo das vértebras é menos desenvolvido e o posicionamento
não é centralizado (deslocado em direção ao dorso do animal).
Aula proferida pelo Prof. MSc. Marcelo Castro em 17/10/11 e 24/10/11
Transcrição da Profa. Ana Grabner
Pelvilogia e pelvimetria
Pelvilogia:
A pelvilogia consiste no estudo da pelve. A importância desta região vai além do estudo do
osso coxal, pois engloba também o osso sacro, componente da coluna onde, em muitas espécies,
está abrigada a região final da medula espinhal (cone medular). É ainda a região da cauda eqüina
(saída de importantes nervos do plexo sacral, como por exemplo o obturatório e o isquiático).
Existem também, nesta região, componentes viscerais protegidos pelo arcabouço ósseo da pelve:
reto (dorsalmente), cérvice do útero e vagina nas fêmeas, glândulas acessórias do genital nos
machos (localização média), e uretra (ventralmente).
Na pelve, há chegada de fibras nervosas simpáticas e parassimpáticas, estas últimas no plexo
pélvico, que controla a micção e defecação. Há ainda vascularização abundante, com os ramos
finais da aorta e tributárias da veia cava caudal.
O acesso cirúrgico à pelve é dificultado pelos ossos que delimitam a região. Desta feita, tal
acesso é conseguido ou por uma abordagem cranial (pelo abdome), ou através dos músculos do
períneo. O acesso cranial é dificultado por pressupor dupla incisão de peritônio e este, como toda
serosa, é responsável por causar aderências. O acesso caudal, através dos músculos do períneo, é
mais fácil, mas é uma região ricamente vascularizada e inervada, e estes vasos e nervos tendem a
serem muito ramificados, exigindo do cirurgião amplos conhecimentos anatômicos da região.
Os nervos desta região têm ação sobre o esfíncter do ânus e dão estabilidade à parede
muscular que delimita a pelve caudalmente. Quando lesionados, predispõem ao surgimento de
hérnias perineais, secundárias à flacidez muscular decorrente da falta de tônus.
Para os grandes animais, o conhecimento da pelve é relevante para a realização de
inseminação artificial e ultrassonografia transvaginal.
Constituição da pelve:
A pelve óssea é formada pelos dois coxais (direito e esquerdo, cada um composto pela fusão
dos ossos ílio, ísquio e púbis), pelo sacro e pelas duas ou três primeiras vértebras caudais.
Além disso, há músculos (mais bem descritos a seguir) e ligamentos (sacro-ilíacos e sacrotuberal) que delimitam a região. Em carnívoros, não há ampla lâmina ligamentosa fechando este
conjunto, necessitando muito mais de complementação muscular que nas demais espécies. Isto
porque os carnívoros possuem apenas a parte tubular do ligamento sacro-tuberal, enquanto os
demais animais possuem uma ampla lâmina partindo deste ligamento, denominada ligamento sacrotuberal largo; esta lâmina origina-se na parte tubular do ligamento sacro tuberal e direciona-se para
o coxal, havendo nela apenas um pequeno orifício para a passagem de vasos e nervos. O ligamento
sacro-tuberal dos carnívoros é palpável, embora fique relaxado nas fêmeas prenhes, o que determina
que o parto ocorra em breve.
A pelve possui articulações intrínsecas (entre os próprios ossos da pelve) e extrínsecas
(unindo ossos da pelve a outros ossos). São elas:
- Articulações intrínsecas da pelve: sínfise pélvica (unindo o coxal direito ao esquerdo, mais
rígida nos machos que nas fêmeas) e articulação sacro-ilíaca (ou sacro pélvica, entre o sacro e a
asa do ílio, importantíssima para a movimentação da pelve), além da articulação sacro-caudal, e
daquelas observadas entre as vértebras caudais envolvidas na pelve. A importância das duas
primeiras articulações citadas é muito maior que das últimas.
- Articulações extrínsecas da pelve: coxo-femoral (entre o acetábulo do coxal e a cabeça do
fêmur), lombossacra (entre a última vértebra lombar e o sacro, mais acometida patologicamente em
cavalos atletas) e entre a última vértebra caudal a constituir a pelve e a vértebra caudal
seguinte.
Muitos dos músculos envolvidos na pelve já foram demonstrados na aula de biomecânica
(associados ao quadril) e não serão repetidos aqui. Ao final, contudo, há uma descrição dos
músculos do períneo, que constituem o limite caudal da pelve e ainda não foram descritos no curso
de Anatomia Topográfica.
Inervação da pelve:
- Cranialmente, nervo femoral, que atua nos músculos extensores do joelho e flexores do
quadril.
- Caudolateralmente, nervos glúteos cranial e caudal, além do nervo isquiático, o mais
importante da região, atuando sobre a extensão do quadril.
- Medialmente, nervo obturatório, que atravessa o forame obturado e atua principalmente
na adução do quadril.
***
Pelvimetria:
A pelvimetria consiste no estudo das mensurações da pelve e sua importância,
principalmente quando envolvidas na avaliação da facilidade do parto. Para tanto, foram
estabelecidos diversos pontos de referência, entre os quais é mensurado o intervalo. Estes
intervalos, quando comparados entre si, oferecem dados importantes ao veterinário que os avalia.
As principais medidas são:
- Diâmetro conjugado verdadeiro: do promontório (extremidade ventral e cranial do sacro) à
margem cranial da sínfise pélvica. Esta medida demonstra a altura da entrada da pelve.
- Diâmetro bi-ilíaco: diâmetro transversal, obtido entre os tubérculos do músculo psoas
menor direito e esquerdo.
Associando estas duas medidas, é possível avaliar a forma da entrada da pelve (oval em
sentido vertical, circular, ou oval em sentido horizontal) e, de acordo com esta forma, os animais
domésticos podem ser classificados em:
- Dolicopélvicos (altura da pelve maior que a largura, comum no garanhão);
- Mesatipélvicos (com as duas medidas equilibradas, é o caso das éguas boas de parição);
- Platipélvicos (com a largura predominando em relação à altura, como em algumas raças de
cães com grande dificuldade de parição – Bulldog, por exemplo).
Ainda assim, estas mensurações internas da pelve não eram práticas para quem trabalhava a
campo com ruminantes, com a única possibilidade de mensurar parâmetros externos no animal
vivo. Desta forma, estabeleceu-se uma extrapolação dos parâmetros externos do animal às medidas
internas da pelve descritas no estudo anterior, com base na experimentação científica, de modo que
o estudo da pelvilogia fosse mais facilmente aplicável à produção.
Para tanto, avalia-se a altura da cernelha em contraposição à medida obtida entre o túber
coxal direito e tuber coxal esquerdo. Por meio de uma fórmula matemática, estas medidas acabam
correspondendo, respectivamente, aos diâmetros conjugado verdadeiro e bi-ilíaco.
***
Períneo:
Seu nome advém da expressão “ao redor do ânus”. Na anatomia, porém, consideramos que
esta região se estende até a genitália do animal. A principal importância do estudo desta região,
além do acesso cirúrgico à pelve, consiste nas herniorrafias perineais.
Hérnias perineais são mais comuns em machos que em fêmeas, devido a fatores hormonais e
da própria biomecância nos diferentes sexos. Em geral, as hérnias surgem entre o diafragma pélvico
e o diafragma urogenital, dois conjuntos de músculos que constituem, juntos, o limite caudal da
pelve. São eles:
- Diafragma pélvico: engloba os músculos dorsais ao ânus, que se estendem até as vértebras
caudais e o sacro: coccígeo (mais lateral) e levantador do ânus (mais medial). O músculo esfíncter
externo do ânus também é importante, embora não seja habitualmente incluído neste grupo.
- Diafragma urogenital: constituído pelos músculos ventrais ao ânus, possuindo variações
entre os machos e as fêmeas. Em uma descrição com início no músculo mais dorsal do grupo, são
eles: obturador interno (lateralmente), ísquio-uretral (pequeno), bulboesponjoso no macho,
substituído pelos constritores da vulva e do vestíbulo nas fêmeas, e retrator do pênis nos machos
ou retrator do clitóris nas fêmeas. O músculo isquiocavernoso (associado à raiz do pênis) também
é importante para os machos.
Junto ao músculo obturador interno, lateralmente, passam os nervos e vasos perineais
(nervos para o ânus, a musculatura esfinctérica e a genitália).
Para finalizar a região, há um componente anatômico característico dos carnívoros
localizado na região perineal: as glândulas do saco anal (ou glândulas paranais), responsáveis pela
produção de um odor fétido característico, e que estão sujeitas à ocorrência de processos
patológicos (infecção, inflamação), constituindo um foco de intervenção por parte dos veterinários
que atuem com cães e gatos.
***
Aula proferida pelo Prof. MSc. Marcelo Fernandes de Souza Castro em 07/11/11
Transcrição da Profa. Ana Grabner
Tipos Constitucionais
Define-se como tipo constitucional o esquema arquitetônico ao qual correspondem
indivíduos que, mesmo que sejam de origem diversa, serão dotados das mesmas atitudes e aptidões
funcionais.
Para tanto, os animais estão sujeitos a certos fatores que interferem e moldam seu tipo
constitucional, de modo que sua constituição individual se deve a estes fatores:
- Genótipo: a carga genética do animal;
- Fenótipo: a interação do genótipo com fatores ambientais;
- Parátipo: são fatores não genéticos, associados a características fisiológicas (hormônios e
sistema nervoso, influenciando no comportamento) e ao meio externo: clima, temperatura, umidade,
nutrientes disponíveis, facilidade de acesso à água, alimentação, moléstias etc.
Para a determinação dos tipos constitucionais, é necessária a avaliação de certos fatores
morfológicos, como:
- Perfil: construção da cabeça;
- Formato corpóreo como um todo;
- Proporções corpóreas: harmônicas ou não;
- Harmonia de conformação: de acordo com o tipo de trabalho ou atividade que o animal
possa exercer.
***
O estudo do perfil dos animais é dito aloidismo. Segundo Baron, de acordo com o tipo de
perfil que possui (avaliação da transição fronto-nasal – “stop”) o animal pode ser classificado como:
- Retilíneo ou ortóide: possui a transição fronto-nasal homogênea;
- Concavilíneo ou selóide: possui uma ligeira depressão na transição fronto-nasal;
- Convexilíneo ou certóide: possui uma ligeira elevação na transição fronto-nasal.
Esta classificação também está associada com a aptidão funcional. Em geral, animais com
cabeças mais robustas são mais adequados à carga, enquanto os mais afilados são melhores
corredores. Cães de cabeça mais robusta também costumam ser usados para transporte, ou mesmo
para guarda.
***
O estudo do formato do corpo é a heterometria. De acordo com o formato do corpo, o
animal pode ser classificado como:
- Hipermétrico: animal grande
- Eumétrico: animal médio
- Elipométrico: animal pequeno
Associando esta classificação à aptidão funcional, podemos perceber que animais
eumétricos costumam ser bons para corrida (tamanho considerável sem muito peso). Por outro lado,
animais hipermétricos magros seriam excelentes. Por isso, é necessária a avaliação global da figura
do animal (peso, altura, comprimento...), já que este tipo de classificação não avalia as proporções
corpóreas. Podemos comparar raças distintas, ou mesmo espécies diferentes, como no exemplo
acima.
***
O estudo das proporções corpóreas é a anamorfose. Envolve o comprimento do corpo,
mas leva em conta a cabeça e também mensurações torácicas. Em geral, não leva em conta o
comprimento dos membros. De acordo com suas proporções corpóreas, os animais podem ser:
- Brevilíneos ou braquimorfos: animais curtos;
- Mediolíneos ou mesomorfos: animais equilibrados;
- Longilíneos ou dolicomorfos: animais alongados;
- Anacolimorfos: animais cujo corpo parece um cilindro, ou um bastonete. O corpo é longo
e os membros são curtos.
Para a correta avaliação das proporções corpóreas, são utilizados os índices zoométricos.
Para sua adequada determinação, os índices que evolvem perímetro torácico devem ter este
perímetro avaliado na região média do tórax. São eles:
- Índice do perfil corpóreo: comprimento do tronco X 100 / perímetro torácico;
- Índice torácico transversal: largura do tórax X 100 / altura do tórax;
- Índice dáctilo-torácico: perímetro metacarpo X 100 / perímetro torácico;
- Índice cefálico: largura da fronte entre as órbitas X 100 / comprimento da cabeça.
***
O estudo da harmonia de conformação leva em conta as classificações anteriores somadas
à aptidão funcional do animal (conformação anatômica adaptada ao trabalho, carga, defesa, esporte,
produção de carne, produção de leite, produção de ovos...).
Esta harmonia está associada aos fatores externos do corpo do animal, que nem sempre
correspondem às características anatômicas (por exemplo, no caso da cavidade torácica, que é
reduzida em relação ao tórax visto externamente, já que o diafragma invade o gradil costal).
O equilíbrio da conformação gera o conceito da beleza harmônica que deve ser avaliada na
dependência da finalidade à qual o animal se destina.
Estudos relacionados à harmonia de conformação vinculada às diferentes espécies animais
estão relacionados a seguir:
Caninos:
Os tipos constitucionais são associados ao estudo dos tipos de crânio e dos tipos de cabeça:
Tipos de crânio levam em consideração o formato dos ossos da cabeça. É avaliada a
medida obtida entre o osso nasal e o occipital em comparação com a medida obtida entre os arcos
zigomáticos. Segundo esta classificação, os cães podem ser:
- Braquicefálicos: possuem comprimento reduzido em relação à largura (Ex: Boxer);
- Mesaticefálicos: têm as medidas equilibradas (Ex: Cocker);
- Dolicocefálicos: possuem o comprimento excedendo muito a largura (Ex: Whippet).
Tipos de cabeça avaliam a cabeça do cão como um todo, e não apenas a parte óssea. De
acordo com esta classificação, um cão pode ser:
- Graióide: possui cabeça cônica, com a região da narina mais afilada, alargando
gradativamente em direção caudal (Ex: Collie, Whippet, Saluki);
- Lupóide: possui cabeça piramidal, semelhante à da classificação anterior, porém com o
alargamento mais severo (Ex: Pastor Alemão, Malamute);
- Bracóide: possui cabeça em forma de paralelepípedo, quando vista dorsalmente (Ex:
Cocker);
- Molossóide: possui cabeça em forma cúbica, larga (Ex: Mastim, Mastiff, Rottweiler,
Boxer).
Obs: Não há correspondência exata entre a classificação dos tipos de crânio e dos tipos de
cabeça. De forma geral, pode-se dizer que animais lupóides e bracóides estão associados aos
mesaticefálicos. Animais Graióides correspondem aos dolicocefálicos. Molossóides associam-se
aos braquicefálicos.
Outra observação de ordem geral que pode ser associada aos cães está representada abaixo:
- Cães longilíneos são adequados à corrida e caça;
- Cães mediolíneos costumam ser bons para pastoreio;
- Cães brevilíneos adaptam-se bem à carga e à guarda.
Eqüinos:
- Longilíneos são adaptados à velocidade por possuírem membros longos. O perfil costuma
ser retilíneo ou côncavo. São animais úteis para o esporte (Ex: Puro Sangue Inglês);
- Mediolíneos são harmoniosos, em geral possuem perfil reto ou convexo, e são úteis para
trabalho a campo, pólo, salto (Ex: Manga-larga, Árabe);
- Brevilíneos possuem grande massa corpórea, tronco muito desenvolvido, pescoço curto,
são musculosos, e em geral possuem perfil convexilíneo. São úteis para tração (Ex: Percheron).
Bovinos:
Têm sua harmonia de conformação avaliada de acordo com a finalidade a que se destinam:
- Produção de leite: cabeça leve, perfil côncavo, pescoço longo, ossos mais finos, úbere
muito desenvolvido e tendem ao longilíneo;
- Produção de carne: animal compacto, cabeça mais curta, pescoço e tronco curtos e
musculosos, membros curtos e musculosos e tendem ao brevilíneo;
- Animais para rodeio não costumam ser avaliados, mas há a possibilidade de
enquadramento de acordo com suas características principais.
Os exemplos abaixo avaliam certas raças, comparando seu tipo constitucional com a
finalidade a que se destinam:
- Longilíneos (holandês, gir) - leite
- Brevilíneos (charolês, nelore) - carne
- Mediolíneos (red polled, guzerá) - misto
Ovinos:
Não há regra que classifique o corpo dos animais em função da produção de lã, visto que
não há interferência deste fator com o corpóreo. Para carne e leite, a classificação é semelhante ao
padrão observado nos bovinos.
Caprinos:
Avalia-se carne, leite e resistência.
Suínos:
- Produção de carne: animais longilíneos e mediolíneos. Este padrão se inverte em relação
ao observado nos ruminantes, e pode ser explicado pela observação de que o lombo é carne nobre,
de modo que animais longilíneos estão aptos a fornecer maior quantidade desta carne;
- Produção de banha: animais com escore corpóreo mais desenvolvido, perímetro maior,
como os brevilíneos.
Aves:
Para aves, leva-se em consideração para mensuração, além do tronco, o pescoço.
- Produção de carne: brevilíneos;
- Produção de ovos: mediolíneos;
- Combate: longilíneos.
***
Aula proferida pelo Prof. MSc. Marcelo Castro em 19/09/11
Transcrição da Profa. Ana Grabner

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