De Fugos a UFOs

Transcrição

De Fugos a UFOs
De Fugos a UFOs
Escrito por
Segunda, 22 Outubro 2007 21:02 -
Estranhos objetos voadores invadem os Estados Unidos e tudo é encoberto pelo governo. Não
estamos falando de Discos voadores mas de Fugos -- balões-bomba japoneses na Segunda
Guerra Mundial. Estes balões-bomba feitos em grande parte de papel conseguiram atingir seu
inacreditável objetivo principal: lançados do Japão, atravessaram sem escalas o oceano
Pacífico e bombardearam os EUA, atingindo não só (e principalmente) as regiões Oeste e
Meio-Oeste do país, como também os estados de Michigan e do Texas e ainda países vizinhos
(México e Canadá).
Os Fugos realmente atingiram o mito americano de inexpugnabilidade, como também,
provavelmente, ajudaram a alimentar os mitos conspiratórios tão presentes na ufologia. No
rastro do trágico ataque de 11 de setembro, comentadores e analistas se cansaram de repetir
que este seria o único ataque ao continente dos EUA na história recente, comparável apenas a
Pearl Harbor. Eles se esqueceram dos ataques de Fugos a boa parte dos estados americanos
no período de novembro de 1944 a abril de 1945. Chamar isso de conspiração seria dramático
demais, mas os Fugos já foram, sim, parte de uma real operação de encobrimento e
desinformação, o que explica o amplo desconhecimento desses fatos até hoje.
Mas vamos começar contando como eram esses balões-bomba. O balão em si era composto
de papel de seda engomado colado com pasta de batata. Sem brincadeira. Parte de toda uma
cultura japonesa em relação ao papel, boa parte deles foram construídos por alunas de escolas
japonesas. Quando cheios de hidrogênio, os balões tinham cerca de 10 metros de diâmetro e
uma cor branca azulada. Amarrados com cordas de linho ao balão, estavam o absorvedor de
choque, o lastro e o armamento. Entre os sistemas para garantir a chegada e a
auto-destruição, estavam as cargas de bombas incendiárias de 12 ou 5 quilos. Nada muito
impressionante a princípio, mas é preciso lembrar que os Fugos eram efetivamente bombas
intercontinentais. Além disso, as bombas tinham um objetivo diferente da simples destruição
imediata: a idéia era a de iniciar inúmeros incêndios florestais que consumiriam parte do
esforço de guerra americano, sem esquecer do efeito moral de provocar medo e pânico no
continente.
A forma como os Fugos funcionavam e chegavam ao seu objetivo é no entanto seu mais
curioso aspecto. Eles conseguiam ir do Japão aos EUA em apenas três dias, graças a um
fenômeno meteorológico pouco conhecido na época: as jet streams, correntes de ar a altas
velocidades presentes em grandes altitudes. De dia, o Sol aquecia o hidrogênio e fazia o balão
subir, até que uma válvula liberasse a pressão excessiva. De noite, com o esfriamento do
hidrogênio e a queda de altitude, um sensor barométrico liberava parte do lastro. Depois de
três ciclos de subir, navegar nas velozes jet streams e descer, os Fugos estariam sobre os
EUA e então ao invés de lastros, estariam liberando sua carga explosiva para depois ativar
seus mecanismos de auto-destruição. Um crime perfeito. Quando os primeiros Fugos foram
notados nos EUA, pensou-se que teriam sido lançados por submarinos japoneses próximos da
costa oeste. Só depois de algum tempo, com o grande número de Fugos e uma análise
perspicaz da areia usada como lastro – areia constatada como sendo de áreas específicas da
costa japonesa, os quais posteriormente foram bombardeados pela USAF – percebeu-se que
os balões estavam mesmo vindo diretamente do Japão.
Mesmo depois de um grande número de incidentes com Fugos terem sido registrados pelo
1/3
De Fugos a UFOs
Escrito por
Segunda, 22 Outubro 2007 21:02 -
governo, o povo americano permaneceu incauto do ataque direto a que seu país estava sendo
submetido. É aí que entra o encobrimento oficial no período de guerra, quando em 4 de janeiro
de 1945 o Escritório de Censura fez seu trabalho e censurou o tópico dos balões-bomba. A
intenção benigna era evitar que os japoneses soubessem do sucesso inusitado de seu projeto
Fugo, ficando quase tão incautos quanto o povo americano. Em histórias verdadeiras mas que
parecem saídas direto de anedotas paranóicas, o FBI e os militares realmente recolhiam partes
e destroços de Fugos e pediam que as eventuais testemunhas das certamente bizarras
aparições de Fugos ‘esquecessem o que haviam visto’. E a grande mídia cooperava com o
encobrimento, evitando publicar qualquer nota sobre os casos. Hipoteticamente: caso não
existisse uma guerra em pleno andamento, os mitos de visitas extraterrestres e incontáveis
Roswells poderiam ter começado já em 1945. É uma hipótese bastante viável, assim, que boa
parte do clima que levou à mania americana por discos voadores a partir de 1947 tenha sido
incentivado pela mal-contada e acobertada história dos Fugos.
Toda a engenhosidade envolvida no projeto Fugo porém não teve resultados equivalentes. O
encobrimento americano aparentemente funcionou: sem ter certeza de que os Fugos tinham
alcançado seu objetivo e com recursos cada vez mais escassos (somando-se a isso os
bombardeios, ainda que meio às cegas, feitos pela USAF às "fábricas" de Fugos), os
japoneses cancelaram o projeto em abril de 1945. Como se não bastasse seu insucesso em
provocar pânico, como os Fugos atingiram os EUA durante o inverno a intenção de causar
incêndios florestais não logrou pleno êxito. Isso não foi burrice, mas algo explicado devido ao
período de inverno ser justamente a época do ano na qual as jet streams eram mais
apropriadas a levar os balões.
Apesar dos mais de 300 incidentes com Fugos registrados ao longo do continente americano,
não apenas nos EUA mas (como já dissemos) no México e Canadá, estima-se que mais de
9.000 Fugos tenham sido lançados. A grande maioria deles deve ter caído no Pacífico antes de
alcançar seu objetivo. Dos mais de 300 incidentes, apenas um, conforme registros ocasionou
mortes, e mortes particularmente trágicas: em um piquenique de igreja na cidade de Bly, no
Oregon, cinco crianças e uma mulher grávida morreram ao ser provocada a explosão de uma
bomba Fugo não detonada. Esse incidente com mortes, em 5 de maio de 1945, finalmente
quebrou parte da censura (um mês depois do cancelamento dos Fugos) e daí em diante a
desinformação passaria a operar, minimizando e mesmo ridicularizando a eficiência do projeto.
Depois da guerra, o New York Times diria: o “Primeiro Prêmio por armas de guerra inúteis vai
ao Japão, por seus balões-bomba de ‘origem única’ pretendendo espalhar fogo e terror”. Longe
de serem inúteis, os Fugos permaneceram como o único ataque ao continente americano e
ainda mais com baixas durante toda a guerra – e pode-se dizer, até 11 de setembro de 2001.
Documentos mais relevantes sobre os balões-bomba só seriam liberados em 1980, sendo que
muito da informação colhida pelo projeto Fugo seria usada pelos EUA em projetos de balões
experimentais em plena Guerra Fria. Inútil, não? Ironia das ironias, um destes projetos
chamado Mogul teria sido um dos responsáveis pelas histórias de queda de disco voador em
Roswell em 1947.
Os Fugos ainda trazem algumas ironias desconcertantes. Um deles enroscou-se em linhas de
transmissão de eletricidade que serviam à uma usina de enriquecimento de urânio em Hanford,
Washington. Urânio esse que seria jogado em Nagasaqui meses depois, sob a forma
2/3
De Fugos a UFOs
Escrito por
Segunda, 22 Outubro 2007 21:02 -
arrasadora de uma bomba atômica. Como se não bastasse, a forma como os fios do balão
enroscados nas linhas de transmissão causaram um curto-circuito viria a ser repetida nos anos
90 por avançadíssimas bombas americanas no Iraque e em Kosovo, compostas de tiras de
carbono destinadas a se enroscar em fios de alta tensão. Outra: Planos de ataques
bacteriológicos lançados por balões teriam sido encontrados há pouco no Paquistão. Este era
justamente o maior temor de uso dos balões-bomba durante a Segunda Guerra, algo que
acabou nunca ocorrendo. Devemos notar que, como o inusitado ataque de aviões suicidas de
11 de setembro (que lembram ataques Kamikazes), um ataque terrorista lembrando ‘Fugos’ é
um perigo real mas amplamente desconhecido.
Longe de serem meras curiosidades históricas, como visto os Fugos têm inúmeras
implicações no cenário atual. Eles também ensinam que a História real se relaciona com as
teorias ufológicas de conspiração, tirando-lhes os detalhes mais mirabolantes, e ao mesmo
tempo que a ufologia, sem constrangimento, se relaciona com a História, que tem sim suas
conspirações e encobrimentos governamentais. Que são algo bem terrestre, humano e
concreto.
Kentaro Mori
3/3