Enquanto os gêneros épico e dramático correspondem a um olhar

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Enquanto os gêneros épico e dramático correspondem a um olhar
TEORIA DA LITERATURA I
AULA 05: GÊNEROS LITERÁRIOS
TÓPICO 03: O GÊNERO LÍRICO
Enquanto os gêneros épico e dramático correspondem a um olhar para o
mundo exterior, a lírica lança um olhar para dentro, em que predomina a
subjetividade. Vejamos as características líricas no texto abaixo.
EXEMPLOS DE CARACTERÍSTICAS LÍRICAS NO TEXTO
CONSOADA
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrarás lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
(BANDEIRA, 1993, p. 223)
O texto acima não relata nem representa uma história. O que
temos aqui é a expressão de um sentimento, de uma emoção, ligada à
chegada da morte. O eu-lírico, ou seja, a voz que se apresenta no texto
lírico (equivalente ao narrador na épica), expressa um comportamento
hipotético relacionado ao momento final da vida. O poema é
perpassado de dúvida, de mistério, de ambiguidade.
Refere-se a uma “sonora ou silenciosa canção”. Será a arte? A
poesia? O discurso não é claro, mas há a sugestão de algum tipo de
manifestação que se opõe aos ”espetáculos infatigáveis”, que podem
ser compreendidos como representação da vida cotidiana, da labuta
diária das pessoas. Há sugestões, alusões, possibilidades, as coisas não
são estipuladas com objetividade e clareza, exatamente porque a
concepção expressa é subjetiva, individual.
Vamos examinar mais dois poemas, de Cecília Meireles:
Epigrama n° 1
Pousa sobre esses espetáculos infatigáveis
Uma sonora ou silenciosa canção:
Flor do espírito, desinteressada e efêmera.
Por ela, os homens te conhecerão:
por ela, os tempos versáteis saberão
que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente,
quando por ele andou teu coração.
(MEIRELES, 1982, p. 18)
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
― não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
― mais nada.
(MEIRELES, 1982, p. 14)
Já este poema trata do poeta e da poesia. O artista é o “irmão das
coisas fugidias”, das coisas indeterminadas e imponderáveis. O que
importa, afinal, não é o poeta: este passa, quem fica é sua obra, a
poesia, o lirismo.
Os textos apresentados veiculam, portanto, a expressão de um “eu”
muito particular. Ao invés de descrições e relatos objetivos, temos evocações
e projeções de emoções. A linguagem é predominantemente conotativa,
construída por imagens (“indesejada das gentes” por morte, por exemplo).
Os textos têm natureza não-narrativa, não-dialogada, de caráter estático.
Espaço, tempo e personagens, quando aparecem, são indefinidos, e servem
como pretexto para a expressão dos sentimentos.
FÓRUM
Leia o poema abaixo, de Manuel Bandeira, e procure dialogar com ele.
Faça a ele várias perguntas, tente dar algumas respostas, faça outras
perguntas, e dê um depoimento no fórum. Você deverá enviar pelo menos
duas postagens: uma com suas impressões iniciais sobre o poema, e mais
uma, ou mais outras, comentando a mensagem de algum colega.
MOMENTO NUM CAFÉ
Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.
(BANDEIRA, 1993, p. 155)
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1985.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
Jackson, 1961.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: Jackson, 1961.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1993.
CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. 9 ed. Rio de
Janeiro: Padrão, 1981.
JESUS, Maria Carolina de. Quarto de despejo. São Paulo: Ática, 2000.
MEIRELES, Cecília. Viagem e Vaga música. Rio de Janeiro: Record,
1982.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo:
Cultrix, 2002.
MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
NASSAR, Raduan. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
NAVA, Pedro. Beira-mar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
SUASSUNA, Ariano. Auto da compadecida. Rio de Janeiro: Agir
Editora, 1959.
FONTES DAS IMAGENS
Responsável: Prof. Marcelo Peloggio
Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual