na periferia da fraseologia - SIMELP

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na periferia da fraseologia - SIMELP
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora
ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 49 – A cultura como meio estratégico de difusão e divulgação da Língua Portuguesa nos países hispano-falantes.
Na periferia da fraseologia: estudo contrastivo dos enunciados fraseológicos do
português e do espanhol e a sua exploração nas aulas de PLE.
Ana Belén García BENITO1
RESUMO
Por falar no Mendes, à porta o tendes; A conversa não chegou à cozinha; Fia-te na
Virgem e não corras, etc., são exemplos das unidades fraseológicas que vão ser
estudadas neste trabalho, com o objectivo de reivindicar para elas o lugar que merecem
no âmbito da Fraseologia, disciplina em que são tratadas de maneira muito diversa,
recebem denominações também muito variadas e onde, geralmente, não fazem parte do
âmbito de estudo considerado como propriamente fraseólogico.
Numa perspectiva contrastiva, serão analisadas as características formais, semânticas y
pragmáticas destas unidades em português e em espanhol, bem como os seus problemas
de classificação, estabelecimento de limites e dependência situacional.
Uma atenção especial será dada às potencialidades que oferecem os enunciados
fraseológicos nas aulas de PLE para hispano-falantes, quer do ponto de vista linguístico
e comunicativo –já que permitem conhecer mais profundamente a língua, contribuem
para o aumento da expressividade e facilitam a comunicação–, quer do ponto de vista
cultural –o interesse antropológico e cultural dos enunciados fraseológicos é evidente–.
Muitos são os autores que sublinham o facto de a fraseologia descrever o mundo real, as
experiências quotidianas, o colorido e a sabedoria de um povo, tornando-se num
importantíssimo veículo de identidade e de cultura. Desta maneira, como muito bem
aponta Guilhermina Jorge nos seus estudos sobre Fraseologia portuguesa, conhecer a
fraseologia implica conhecer o povo e a cultura que lhe deu vida, o que abre um enorme
leque de possibilidades de exploração na aula de PLE, nomeadamente num contexto de
estudantes hispano-falantes, em que a proximidade geográfica, linguística e cultural
torna muito produtiva a perspectiva contrastiva.
PALAVRAS-CHAVE: fraseologia; conteúdos culturais; português língua estrangeira.
Introdução
(Por falar no Mendes, à porta o tendes; A conversa não chegou à cozinha; Fiate na Virgem e não corras; De noite todos os gatos são pardos; Muita parra e pouca
uva; Até ao lavar dos cestos é vindima; // Hablando de Roma, por la puerta asoma;
Fiate de la Virgen y no corras; ¡Éramos pocos y parió la abuela!; No todo el monte es
orégano; El mundo es un pañuelo; La curiosidad mató al gato; ¡Vísteme despacio que
1
Professora Titular, Universidad de Extremadura, Facultad de Filosofía y Letras, Departamento de
Lenguas Modernas y Literaturas Comparadas, Área de Filologias Galega e Portuguesas, Campus
Universitário, s/n, 10071, Cáceres, España, [email protected].
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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
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tengo prisa!), são apenas um pequeno exemplo dos fraseologismos espanhóis e
portugueses que vão ser analisados neste trabalho. Análise que não está livre de
dificuldades, mas que tem como objectivo reivindicar para estas unidades fraseológicas
o sítio que merecem, quer no seio da Fraseologia ─geralmente situam-se na periferia
desta disciplina─, quer nos estudos fraseológicos ─onde têm um tratamento muito
diverso, têm sido retiradas do âmbito de estudo mais prototipicamente fraseológico e
têm recebido denominações como “no-locuciones”, “subclase de paremias no
refranísticas”, entre outras muitas designações de carácter claramente negativo.
Na verdade, trata-se de unidades de difícil classificação. Por um lado, partilham
com os outros fraseologismos as características definitórias, tais como o carácter
pluriverbal, a fixação, a idiomaticidade ou a institucionalização. Mas, por outro lado, do
ponto de vista sintáctico estas unidades possuem a estrutura de uma oração completa
─daí que muitos autores não as considerem locuções─, têm uma evidente funcionalidade
pragmática, “usam-se para”, e uma clara dependência situacional, “dizem-se quando”,
quer dizer, estão determinadas por situações e circunstâncias muito concretas ─aspecto
que, segundo alguns autores, impede situá-las com os provérbios─.
Localização na Fraseologia. Limites e problemas terminológicos.
Tal e como acontece com as outras unidades fraseológicas, estamos também,
neste caso, perante uma grande variedade terminológica sempre que visamos enumerar
estas estruturas: Casares (1992 [1950]) fala em timos, Haensch (1982) em fórmulas de la
vida social ou frases habituales, Beinhauer (1985 [1978] prefere fórmulas
estereotipadas, Corpas Pastor (1996) enunciados fraseológicos, fórmulas; García-Page
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SLG 49 – A cultura como meio estratégico de difusão e divulgação da Língua Portuguesa nos países hispano-falantes.
(2008) locuciones oracionales, etc. no que concerne a denominação escolhida, encontrase a sua localização nas diferentes categorias que fazem parte da Fraseologia.
Neste trabalho, centrar-nos-emos fundamentalmente em duas das propostas mais
conhecidas e aceites na denominação e localizacação destas unidades: a proposta de
Corpas Pastor, e a de García-Page.
Corpas Pastor (1996), na sua proposta de classificação das unidades
fraseológicas, localiza as que hoje analisamos num espaço por ela denominado “Esfera
III”. Esta autora trabalha com uma concepção da Fraseologia bastante alargada, em que
distingue três grandes blocos de estruturas:
Unidades
fraseológicas
ESFERA I
ESFERA II
colocações
locuções
ESFERA III
enunciados
fraseológicos
Para esta autora, estruturas como (O segredo é a alma do negócio; Branco é,
galinha o põe; Conversa puxa conversa) pertencem à “Esfera III”, enunciados
fraseológicos, na medida em que se trata de enunciados completos que constituem actos
de fala e apresentam fixação interna (material e de conteúdo) e externa.
Por outro lado, dentro dos enunciados fraseológicos distingue entre parémias e
fórmulas. As primeiras possuem significado referencial, isto é denominam uma situação
ao pôr em relação o que se comenta com uma classe de situações. No entanto, nas
segundas, o significado é de tipo social, expressivo ou discursivo. Por outro lado,
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enquanto as parémias têm autonomia textual, as fórmulas estão determinadas por
situações e circunstâncias concretas. Porém, a autora faz questão nas dificuldades de
estabelecer limites entre umas e outras, sublinhando como alguns tipos de parémias
─concretamente as que denomina “enunciados de valor específico” (As paredes têm
ouvidos), estão muito próximas das fórmulas. Da mesma maneira, algumas fórmulas
como (A otro perro con ese hueso) são consideradas “parémias” do tipo que a autora
denomina “refrán bimembre”. O critério de autonomia textual serve à autora para
separar as parémias das fórmulas dentro dos enunciados fraseológicos. O carácter de
enunciado textual é evidente nas parémias, quer pelas mudanças na entoação ao serem
inseridas no discurso, quer pela presença de deícticos contextuais, frases ou palavras que
distanciam o emissor do enunciado e introduzem a parémia no discurso: como dizia o
meu avó, como diz um provérbio alentejano, etc. Além disso, a autora sublinha a estreita
relação que existe entre as fórmulas e determinados actos de fala. De facto, a
classificação que oferece (Corpas Pastor, 1996, p. 187 e seguintes) baseia-se nos
diferentes tipos de força ilocutória destas unidades.
Desta maneira, as fórmulas podem ser classificadas da seguinte maneira, segundo
a autora, que utiliza critérios funcionais e semânticos no estabelecimento da taxonomia:
a) Fórmulas discursivas: Dependem da situação discursiva, dentro da qual têm
funções organizadoras: dirigem o discurso, mantêm a fluência das trocas
comunicativas e podem mostrar a atitude do emissor perante o que se diz.
1. Fórmulas de abertura e fecho: ¿Qué hay?; ¿Cómo estás?; ¿Qué va a ser?
2. Fórmulas de transição: Com um papel fundamental na estruturação das
trocas conversacionais: Es más, Para que te enteres; No sé qué te diga;
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Dicho sea de paso; Aquí paz y después gloria; A otra cosa, mariposa;
Vaya por Dios.
b) Fórmulas psicossociais: Tornam mais fácil o desenvolvimento da interacção
social ou expressam o estado mental e os sentimentos do emissor.
1. Fórmulas expressivas: Constituem fundamentalmente actos de fala
expressivos. Podem subdividir-se em: a)Fómulas de desculpa: Con
perdón; Perdone que le moleste. b) Fórmulas de consentimento: ¡Y
tanto!; ¡Y que lo digas!; ¡Ya lo creo!; ¡Desde luego que sí!; ¡Pues claro!
c) Fórmulas de rejeição: Nanay de la China; Ni hablar del peluquín;
¡Mira quién fue hablar!; A otro perro con ese hueso; ¡Qué sé yo!. d)
Fórmulas de agradecimento: Muy agradecido; Muchas gracias; Dios se
lo pague. e) Fórmulas de réplica: No faltaba más; A mandar; Ha sido un
placer. f) Fórmulas de votos de bom desejo: Feliz Año; Felicidades;
Descanse en paz; Que te diviertas; Dios te oiga. g) Fórmulas de
solidariedade: ¿Qué se le va a hacer?; ¡Qué mala suerte! h) Fórmulas de
pêsames: Te acompaño en el sentimiento; Lo siento. i) Fórmulas de
insolidariedade: ¡A mi plin!; Con su pan se lo coma; ¡Allá se las arregle!
2. Fómulas comissivas: Com as que o emissor adopta um compromisso para
o futuro: Te doy mi palabra; Palabra de honor; Nos veremos las caras;
Te vas a acordar; Me las vas a pagar.
3. Fórmulas directivas: Com o objectivo de que o receptor faça alguma
coisa: a) Fórmulas de persuasão: Al grano; Usted dirá; Corta el rollo;
Piérdete; b) Fórmulas de informação ─cuja força ilocutória é pedir─:
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Con permiso; ¿Qué mosca te ha picado?; ¿Se puede? c) Fórmulas de
ânimo: No se ponga así; No es para tanto.
4. Fórmulas assertivas: Usadas para transmitir informação que o emissor
considera verdadeira ou relativa às suas crenças e sentimentos: a)
Fórmulas de asseveração: Ni que decir tiene; Que venga Dios y lo vea;
No creas; No te digo más; Por mis muertos; Las cosas como son; Como
lo oyes; Palabra de honor; b) Fórmulas emocionais: A sua força
ilocutória equivale a “expressar um estado de ânimo”. Por exemplo, para
expressar surpresa: Habrase visto; ¡No me digas!; para expressar zanga
ou contrariedade: ¡Maldito sea!; Me cago en tu padre; ¡Lo que faltaba
para el duro!; ¡Hay que fastidiarse! E é neste grupo que se integram
todas aquelas que constituem invocações a Deus, tais como, ¡Bendito sea
Dios!; ¡Virgen Santísima!; ¡Por amor de Dios!
5. Fórmulas rituais: como as fórmulas para cumprimentar: ¡Buenos días!;
¿Qué tal?; ¿Qué es de tu vida?; as fórmulas de despedida, Hasta luego; A
seguir bien; Vaya con Dios.
6. Várias: Não existe um verbo performativo que traduza a sua força
ilocutória. De facto, estão muito próximas das parémias: Más claro,
agua; Al agua patos; Pelillos a la mar.
García-Page (2004, 2008) na sua concepção singular da Fraseologia, considera as
locuções como o verdadeiro objecto de estudo desta disciplina, enquanto as parémias
devem ser estudadas pela Paremiologia. No conceito de locução deste autor, incluem-se,
por um lado, as tradicionais locuções, com função sintáctica de elemento oracional, isto
é, que funcionam como elementos sintácticos das orações em que se integram. Assim,
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esticar o pernil, podemos dizer que funciona como morrer, estar com a pulga no ouvido
como suspeitar, etc. Desta maneira, haverá locuções verbais ─aquelas que funcionam
como um verbo─ (cheirar a esturro; sacudir o pó; não fazer farinha,), locuções
adverbiais ─que funcionam como um advérbio─ (às escuras; por alto; sem espinhas; à
toa) , adjectivais (de trás da orelha; amigo de Peniche), nominais (a morte em pé; sopa
de urso; amigo do copo), preposicionais, conjuntivas, etc.
Por outro lado, nesta proposta, também são consideradas como locuções um
grupo heterogéneo de unidades que apresenta estrutura formal lexicalizada de oração:
que pode estar formada por um sintagma nominal sujeito e um predicado verbal (não
estar pelos ajustes; cair o Carmo e a Trindade), pode constituir uma oração impessoal
(haver roupa na corda; chover no molhado)─, que integra um nutrido grupo de fórmulas
pragmáticas sem verbo expresso (Qual cabaça!; Fia-te na Virgem!; Lagarto, lagarto!),
e, finalmente, que acolhe uma série de unidades que deambularam de um lado para outro
justamente por terem estrutura oracional (Por falar no Mendes, à porta o tendes; As
paredes têm ouvidos; Para quem é, bacalhau basta; Tão certo como dois e dois serem
quatro; De noite todos os gatos são pardos; Cada macaco ao seu galho).
A proposta de García-Page repara também nas regiões escuras que existem entre
as unidades que integram a Fraseologia. Muitas delas, devidas às transformações
experimentadas por algumas unidades como consequência da sua própria história. O
autor fala, por exemplo, no encurtamento de algumas parémias ou no esquecimento
secular de partes de parémias bimembres ou plurimembres, como factores que tem
contribuído para a formação de locuções.
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Características específicas.
Além de partilhar com as locuções não oracionais características definitórias tais
como a pluriverbalidade, a fixação, a idiomaticidade ou a institucionalização, uma
grande parte dos enunciados fraseológicos apresenta o traço textual e pragmático de
constituir unidades comunicativas. Daí que muitas delas sejam emitidas com uma
entoação especial e que seja possível falar em características formais, semânticas e
pragmáticas específicas.
Do ponto de vista formal e como acontece com as restantes unidades
fraseológicas, as fórmulas constituem sequências de palavras estáveis que representam
formas fixas de analisar e conceber a interacção comunicativa. Porém, ao constituírem
formas de comportamento aceites pela conjunto da comunidade falante, reflectem
valores culturais e dependem das mudanças sociais que eventualmente possam
acontecer. Podemos dizer, portanto, que estão duplamente estereotipadas.
Um outro aspecto que as caracteriza é a dependência situacional. As situações
concretas em que aparecem geralmente implicam trocas conversacionais. No entanto,
também podem aparecer em textos escritos, não só porque eles reflectem estas trocas,
mas também porque existem algumas fórmulas próprias da escrita. São enunciados préfabricados, prontos a serem usados em determinadas situações comunicativas. Qualquer
coisa como um subsistema comunicativo para as situações de interacção, motivado pelo
desejo de um funcionamento coerente, económico e fluente do discurso, a partir de uma
norma aceite pela comunidade de falantes. Trata-se quase de uma “gramática social”
─termo utilizado por Corpas Pastor─, pois as fórmulas fazem com que a interacção
social seja mais fácil: mantém a ordem da comunicação, controlam as situações
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emocionais e as reacções em situações sociais e facilitam a escolha de meios
comunicativos na produção linguística.
No que diz respeito aos aspectos semânticos, a petrificação formal destas unidades
apresenta também um lado semântico, pois nelas o significado denotativo passa para um
segundo plano, de maneira a adquirirem um significado especializado segundo o seu uso
num dado contexto. O significado denotativo primário é assim substituído pelo uso
contextual a unidade. A partir daí desenvolvem significados segundo o seu uso no
discurso: surpresa, advertência, convite, conselho, etc. Por outro lado, a maior parte
delas pertence ao estilo neutro e ao coloquial ou familiar, embora também existam
exemplos considerados vulgares ou grosseiros até: ¡Tu madre!. Muito frequentes são as
conotações irónicas e humorísticas: Dios nos pille confesaos; Pies, ¿para qué os
quiero?; depreciativas ou para expressar zanga: !A tomar por culo!.
Fundamental também para interpretar os conhecimentos que contêm estas
unidades é conhecer os aspectos sócio-culturais da comunidade a que pertencem, bem
como as situações que motivam o seu uso. Corpas Pastor propõe utilizar “quadros de
situação”. Os falantes considerando as fórmulas como fazendo parte de quadros
concretos de estruturas conceptuais que contém informação sobre os objectos e situações
estereotipadas associadas a essas unidades, sobre a sequenciação e as partes constituintes
da situação e sobre os papeis semânticos dos diferentes participantes. Os quadros de
situação para as fórmulas são esquemas cognitivos que contém a informação necessária
para o seu uso correcto, e motivam o seu uso num preciso momento. Representam a
percepção prototípica e convencional de tais situações por parte dos integrantes duma
comunidade de falantes, ao mesmo tempo que reflectem de maneira fiel a sua cultura.
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Quanto aos aspectos pragmáticos, nas fórmulas, os quadros de situação
proporcionam informação sobre os seus aspectos deícticos, nomeadamente informação
sobre a cena, ou como diz Corpas Pastor (1996, p. 214), o contexto físico faz referência
às restrições temporais e locativas destas unidades. Também as situações de que
dependem fornecem informação sobre os participantes, com dados como: o género, a
idade, o papel social, a familiaridade que existe entre os interlocutores, etc. Finalmente,
no que diz respeito à deixis discursiva, esta corresponde às fórmulas com a sequenciação
e a obrigatoriedade dentro das restrições contextuais.
Na periferia da Fraseologia, no centro da frequência de uso.
Estas unidades, como já foi indicado, têm sido situadas e tratadas muito
perifericamente dentro da Fraseologia. No entanto, a sua frequência de uso é muito
elevada nas trocas conversacionais. Na verdade, na língua quotidiana estão
continuamente presentes, aspecto este que responde, segundo Yagüe Gutiérrez (2005, p.
14-17), a três factores: a expressividade, o conforto e a adequação, todos eles
intimamente relacionados com as características essenciais da língua coloquial.
A expressividade pode definir-se como aquilo que fica da subjectividade do
falante na comunicação linguística, e na língua, como sabemos, existem inúmeros
mecanismos para materializar esta expressividade. Porém, alguns deles, atingem uma
frequência de tal uso, que conseguem incorporar-se ao sistema da língua. Isto é o que
acontece com as fórmulas: a maior parte delas são expressões que alguém usou num
dado momento e depois de muito repeti-las passaram para a língua de maneira fixa,
portanto podem ser utilizadas pelos falantes sem terem que pensar para elaborar a sua
própria mensagem. Assim, é muito habitual os utentes recorrerem a estes enunciados já
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existentes, que lhes servem para expressar zanga, surpresa, incredulidade, etc., a cada
momento. O falante destaca a sua atitude relativamente ao que ouviu, e o ouvinte não
precisa de descodificar a mensagem, já que, ao conhecer a fórmula, compreende
imediatamente o seu significado.
Quanto à característica do conforto, existe nos falantes uma clara tendência para
realizar o menor esforço possível para atingir o acto de comunicação. No caso das
fórmulas, o falante, em vez de ter que elaborar a sua própria mensagem, dispõe de umas
unidades pré-fabricadas que pode utilizar para expressar o que deseja, de maneira a
utilizar menos tempo na elaboração das suas mensagens, aspecto fundamental no
colóquio. O objectivo principal é que o falante se expresse e o seu interlocutor o
compreenda o mais rapidamente possível e da maneira mais efectiva. E uma das formas
para conseguir isto é utilizar fórmulas, essas partes do discurso já feitas que pode usar
em muitas situações, que exprimem de maneira rápida o que quer transmitir e que, pela
sua tradição e frequência de uso, são imediatamente reconhecidas pelo interlocutor.
Relativamente à adequação, entendida como a tendência do falante para adaptar
espontâneamente a sua linguagem às variáveis de uma situação comunicativa concreta, é
impossível interpretar a maior parte dos actos comunicativos sem conhecer o contexto
comunicativo. É necessário conhecer outras variáveis, tais como a intenção do falante, a
força ilocutiva, etc. Deste modo, para poder interpretar muitas fórmulas, temos que
conhecer os pressupostos conversacionais, crenças dos falantes, intenções, regras de
interacção dialogal, etc.
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Potencialidades de exploração nas aulas de PLE para hispano-falantes.
Algumas das características das fórmulas que foram referidas, tais como a sua
expressividade, o facto de permitirem uma interacção rápida e eficaz nas trocas
conversacionais ou a sua dimensão sociocultural, explicam, como já foi dito, a
elevadíssima frequência de uso que têm e tornam estas unidades extremamente atraentes
para aqueles que aprendem uma língua estrangeira. Assim, as potencialidades que
oferecem nas aulas de PLE para hispano-falantes são muitas, quer do ponto de vista
linguístico e comunicativo, quer do ponto de vista antropológico e cultural. No entanto,
as fórmulas ─como acontece com a maior parte das unidades fraseológicas─costumam
também ser esquecidas e ter pouca presença nos manuais, actividades e outros materiais
destinados à aprendizagem duma língua estrangeira, como, neste caso o português. E,
nos casos em que são incluídas nestes materiais, costumam aparecer sem as instruções
pragmáticas necessárias e sem as informações socioculturais imprescindíveis para a sua
interiorização.
Neste sentido, do ponto de vista comunicativo, as fórmulas, como sequências de
actos de fala que apresentam uma enorme multifuncionalidade, deviam ser mostradas
nos dicionários e noutros materiais de aprendizagem, em corpora textuais de diálogos,
como reacções típicas a um determinado acto de fala do interlocutor. Trata-se do que
alguém faz quando utiliza uma determinada fórmula e em que condições. É
imprescindível incorporar a componente pragmática. A falta de adequação entre a forma
e a função da mensagem cria uma barreira comunicativa que pode produzir erros mais
graves inclusive do que os gramaticais, e também mais difíceis de corrigir. Estamos
perante o ponto mais importante da didáctica das fórmulas: o reconhecimento e a
aprendizagem dos quadros de interacção em que podem ser utilizadas. Segundo Briz
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(1996, p. 10), quando aprendemos uma língua, a capacidade interactiva, o facto de trocar
informação e interpretá-la, é tão importante como a capacidade gramatical para formar
orações do sistema. É, pois, fundamental para um estudante de qualquer língua
estrangeira, ser capaz de compreender um enunciado como acção realizada numa
situação, como unidade comunicativa e unidade de interacção verbal dirigida a alguém
que também age.
Assim, a nossa proposta para a aprendizagem das fórmulas, é partir das diferentes
situações de comunicação em que podem aparecer, e criar “quadros de situação” para
que o estudante conheça o seu significado, para que servem e quando podem ser usadas.
A seguir, mostramos os “quadros de situação” de algumas fórmulas do espanhol e do
português:
Estamos conversados!
1. PARTICIPANTES
Género:
pode ser usada independentemente do tipo de interlocutores
Idade:
os interlocutores são pessoas adultas
Papel social:
o emissor tem alguma autoridade(moral, profissional) sobre a
outra pessoa
Familiaridade: a fórmula indica uma certa familiaridade entre os falantes
___________________________________________________________________
2. CENÁRIO
Tempo:
não há restrições temporais
Lugar:
não há restrições de lugar. Porém, é importante que os
interlocutores estejam próximos. A fórmula pode ser usada
em conversas telefónicas
___________________________________________________________________
3. MOTIVAÇÃO
Razão:
o falante A usa-a para dizer a B que considera que não há mais
nada a dizer sobre um assunto e, portanto, não deseja
continuar a falar sobre ele
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___________________________________________________________________
4. RESTRIÇÕES CONTEXTUAIS
Sequenciação: o falante A usa a fórmula imediatamente após uma intervenção de
B sobre um assunto que o chateia por considerá-lo reiterativo.
É habitual B responder com fórmulas como: Pronto. Está bem!;
Como quiseres
Estilo:
Coloquial
DIÁLOGO
A-Acho que o melhor será levarmos apenas um carro. É mais económico.
B-Pois é. E podemos estabelecer turnos para conduzir.
A-Boa ideia! Bom, então eu levo o carro. Está bem?
B-De jeito nenhum! Sou eu que o levo.
A-O meu carro é maior e tem mais potência. É melhor levarmos o meu. Pronto. Estamos
conversados!
B-Bom. Como quiseres
.
No se hable más!; No hay más que hablar!
1. PARTICIPANTES
Género:
pode ser usada independentemente do tipo de interlocutores
Idade:
os interlocutores são pessoas adultas
Papel social:
o emissor tem alguma autoridade(moral, profissional) sobre a
outra pessoa
Familiaridade: a fórmula indica uma certa familiaridade entre os falantes
___________________________________________________________________
2. CENÁRIO
Tempo:
não há restrições temporais
Lugar:
não há restrições de lugar. Porém, é importante que os
interlocutores estejam próximos. A fórmula pode ser usada
em conversas telefónicas
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3. MOTIVAÇÃO
Razão:
o falante A usa-a para dizer a B que considera que não há mais
nada a dizer sobre um assunto e, portanto, não deseja
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ISBN: 978-972-99292-4-3
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continuar a falar sobre ele
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4. RESTRIÇÕES CONTEXTUAIS
Sequenciação: o falante A usa a fórmula imediatamente a uma intervenção de
B sobre um assunto que o chateia por considerá-lo reiterativo.
É habitual B responder com fórmulas como: Vale. Lo que tú
digas!;Pa ti la perra gorda.
Estilo:
Coloquial
DIÁLOGO
A-Creo que lo mejor es que llevemos sólo un coche. Es más barato.
B-Sí. Además, siempre podemos turnarnos para conducir.
A-¡Buena idea! Entonces, yo llevo el coche. ¿De acuerdo?
B-¡De ninguna manera! Lo llevo yo.
A-Mi coche es más grande y más potente. Es mejor llevar el mío. ¡Venga! ¡No se hable más!
B-Bueno. Pa ti la perra gorda.
Por outro lado, o interesse antropológico e sócio-cultural das fórmulas é
evidente. Muitos são os autores que sublinham o facto de a Fraseologia descrever o
mundo real, as experiências quotidianas, o colorido e a sabedoria de um povo, tornandose num importantíssimo veículo de identidade e de cultura. Desta maneira, como muito
bem aponta Guilhermina Jorge nos seus estudos sobre fraseologia portuguesa (2001),
“conhecer a fraseologia implica conhecer o povo, a cultura que lhe deu vida”, o que abre
um enorme leque de possibilidades de exploração na aula de PLE, nomeadamente num
contexto de estudantes hispano-falantes, em que a proximidade geográfica, linguística e
cultural torna muito produtiva a perspectiva contrastiva. Neste sentido, queremos
mostrar também alguns exemplos de trabalho com fórmulas nas aulas de PLE para
hispano-falantes, aprofundando as realidades culturais diferentes ou semelhantes que
estão por trás delas.
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1) Algumas fórmulas podem ser utilizadas na aula simplesmente para estabelecer
o contraste entre as duas línguas que, às vezes, escolhem fórmulas com referentes
diferentes para expressar a mesma coisa em situações idênticas: (Por falar no Mendes, à
porta o tendes // Hablando del rey de Roma, por la puerta asoma; Quando as galinhas
tiverem dentes // Quando las ranas críen pelo. Assoa-te a esse guardanapo! // ¡Toma
castaña!; Viviendo y aprendiendo; Branco é, galinha o põe // Más claro, agua; Cada um
sabe as linhas com que se cose // Alla cada uno; Cada macaco ao seu galho // Cada
mochuelo a su olivo; Nem tanto ao mar nem tanto à terra // Ni tanto ni tan calvo; Pão
pão, queijo queijo // Al pan, pan y al vino, vino; Ou vai, ou racha! // Ahora o nunca; Até
ao lavar dos cestos é vindima // Hasta el rabo, todo es toro; O que for, soará // Lo que
sea, sonará; Deus os fez, Deus os juntou // Dios los cría y ellos se juntan).
2) Outras podem servir para introduzir informações geográficas:
_ (Quem não foi a Lisboa, não viu coisa boa): para aconselhar a visita a esta
cidade.
_ (Alma até Almeida): para encorajar alguém ou elogiar a quem nunca desiste.
Almeida, pela sua localização perto da fronteira foi sempre
uma povoação ameaçada e daí a sua fortificação. Em várias
épocas, a cidade foi cenário de cercos e batalhas,
nomeadamente durante as invasões francesas, em especial na
última, à qual responderam os sitiados com inusitado valor,
sustentando a praça galhardamente.
_ (Uma vez a Cascais para nunca mais!): para aconselhar alguém a não repetir
uma acção que da primeira vez não resultou. A equivalente em espanhol é: (¡Una
y no más!).
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3) Outras trazem para o interior da aula diferentes aspectos da história de ambos
os países: (Tudo como dantes, quartel general em Abrantes). Fórmula que se diz quando
as coisas permanecem sem alterações.
Respondia com esta frase o povo quando perguntado sobre como iam as coisas no
tempo da 1ª invasão francesa. De facto, o general Junot tinha instalado
calmamente o seu quartel-general em Abrantes e em Lisboa nada se fazia com
intenção de se opor ao avanço dos franceses. D. João VI, então regente não tomava
qualquer medida no sentido de evitar a progressão para Lisboa. Daí que, quando
alguém perguntava o que se passava, a resposta fosse esta.
4) Outras há que introduzem aspectos relacionados com a imagem nacional.
Assim, haverá alguma coisa que identifique verdadeiramente Portugal? Ou, por outras
palavras, o que tem Portugal para vender ao mundo, para além do vinho do Porto e do
fado? O bacalhau, por exemplo, que pode ser apresentado através da fórmula: (Para
quem é, bacalhau basta), usada para dizer que para uma pessoa insignificante, qualquer
coisa serve. A partir daí, o professor pode falar na “Importância do bacalhau na cultura
portuguesa”: produto descoberto pelos vikings, que o secavam ao sol, e mais tarde pelos
espanhóis, que o comiam salgado, foram os portugueses que ofereceram o bacalhau e as
suas deliciosas maneiras de cozinhá-lo à gastronomia internacional. É pois um trunfo
gastronómico português. Deve-se aos portugueses o reconhecimento de terem sido os
primeiros a introduzir na alimentação este peixe. É curioso que este património nacional
não se pesque em Portugal, sendo no entanto internacionalmente reconhecido que o
legítimo processo de transformação é o português.
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Tópico que pode ser aproveitado para apresentar outras unidades fraseológicas
como: (Apertar o bacalhau; Ficar em águas de bacalhau).
5) Outras fórmulas podem servir também para apresentar produtos da cultura do
outro através da publicidade que se faz em cada país:
BOGANI, em Portugal, que na sua publicidade (Conversa puxa Bogani) e
através da manipulação da fórmula (Conversa puxa conversa), evoca o conforto que
proporciona uma chávena de bom café e boa conversa. O professor pode aproveitar para
falar no café na cultura portuguesa, introduzir as diferentes maneiras de tomar café, os
diferentes tipos (bica, pingado, galão...), etc.
Ou DONETTES em Espanha ─embora não seja este um produto especificamente
espanhol─, que até tem um site na net nometoqueslosdonetes.com, para o qual as
pessoas podem enviar frases originais a integrarem a palavra Donettes. A frase que
resultar seleccionada, ganhará 1000 euros e passará a aparecer nas embalagens dos
Donettes.
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Conclusões.
As fórmulas caracterizam-se, como foi dito, por uma especial dificuldade para se
integrarem nos esquemas fraseológicos tradicionais. Dificuldade que resulta do facto de
estarmos perante combinações de palavras em que a função comunicativa é mais
importante do que a função designativa. Contrariamente ao que acontece com outras
unidades poli-lexicais, a sua estabilidade não provém de propriedades sintácticas ou
semânticas, mas sim das suas propriedades pragmáticas, isto é, da maneira como são
utilizadas na comunicação. O facto de estarem fixadas pragmaticamente pelos usos
convencionalizados explica também a diversidade terminológica na denominação destas
unidades, presente em grande parte dos estudos a elas dedicados.
No entanto, a sua expressividade, o conforto e a elevada frequência de uso que
apresentam, fazem com que estas unidades sejam muito atraentes para aqueles que
aprendem uma língua estrangeira. Circunstância que pode ser aproveitada nas aulas de
PLE para hispano-falantes, quer do ponto de vista linguístico-comunicativo, através de
“quadros de situação” como os que mostramos, quer do ponto de vista antropológico e
cultural, para introduzir na aula aspectos diversos da cultura do outro, de maneira
original, atraente e divertida.
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