A ÉTICA DA RESISTÊNCIA : OS EXILADOS ANTI

Transcrição

A ÉTICA DA RESISTÊNCIA : OS EXILADOS ANTI
A ÉTICA DA RESISTÊNCIA : OS EXILADOS ANTI-SALAZARISTAS DO
“PORTUGAL DEMOCRÁTICO” (1956-1975)
DOUGLAS MANSUR DA SILVA
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Mestrado em Antropologia Social, Departamento de
Antropologia Social, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas
Orientadora,
Profa. Dra. Bela Feldman-Bianco
CAMPINAS
2000
2
DOUGLAS MANSUR DA SILVA
A ÉTICA DA RESISTÊNCIA: OS EXILADOS ANTI-SALAZARISTAS DO
“PORTUGAL DEMOCRÁTICO” (1956-1975)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento de Antropologia Social do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas sob
a orientação da Profa. Dra. Bela
Feldman-Bianco
Este exemplar corresponde à
redação final da dissertação
defendida
e
aprovada
pela
Comissão
Julgadora
em
24/02/2000.
BANCA
Prof(a) Dr(a) Bela Feldman-Bianco (Orientadora)
Prof. Dr. Michael McDonald Hall (membro)
Prof(a) Dr(a) Míriam Lifchitz Moreira Leite (membro)
Prof(a) Dr(a) Maria Suely Kofes (suplente)
FEVEREIRO/2000
3
Antes quebrar
do que torcer.
[sentença republicana]
4
Agradecimentos
Esta dissertação é resultado de 36 meses de formação e de pesquisa, dos quais 24 foram
financiados, através de bolsa de demanda social CAPES. A agência CAPES ainda proveu-nos de
“auxílio-tese”, o que permitiu a confecção do material, escrito e visual, contido no trabalho. A
pesquisa contou com o apoio técnico do FINEP-PRONEX, através do vínculo do pesquisador
junto ao Centro de Estudos de Migrações Internacionais – CEMI, do IFCH/UNICAMP, e seu
projeto integrado Identidades: Reconfigurações de Cultura e Política (Estudos de migrações transnacionais de
populações, signos e capitais). O convênio CNPq/FAPESP, relativo ao projeto integrado Imigrantes
Portugueses, Imigrantes Brasileiros: globalização, antigos imaginários e (re)construções de identidades – uma
comparação triangular, coordenado por Bela Feldman-Bianco, possibilitou a realização da maior parte
do trabalho de campo. Particularmente, no período de 13 de julho a 14 de agosto, o trabalho de
campo pôde ser completado devido ao programa de auxílios financeiros para os alunos de
pós-graduação em Ciências Sociais do IFCH/UNICAMP.
Agradecemos, em especial, aos companheiros de pesquisa, os antigos exilados salazaristas,
que me prestaram solidariedade e incentivo durante todo o período de pesquisa. Na sede do
Centro Cultural 25 de Abril de São Paulo, pude contar com a companhia de Alexandre Antunes
Pereira, Luiz Taborda Botelho e Ildefonso Severino Garcia. A todos os demais que me prestaram
depoimento fica a minha dívida: Manuel Jeremias Soares, Floriano Durão, Fernando Lemos,
Alexandre Leal Dias, Manuel Lourenço Neto, Dulce Helena Pessoa Ramos, João dos Santos
Baleizão e Miguel Urbano Rodrigues.
Os amigos e interlocutores da linha de pesquisa Nação e Diáspora, no CEMI, deram
valiosas contribuições e acompanharam de perto todo o processo de trabalho: Célia Harumi Seki;
Cristina Machado Maher; Eduardo Caetano da Silva; Fábio Canabarra Bento; Gustavo Adolfo
Pedrosa Daltro Santos e Igor José de Rennó Machado. Cristina Machado Maher realizou revisões
no texto e Célia Harumi Seki acompanhou-me no início do trabalho de campo. Gladys Sabina
Ribeiro, Eneida Leal Cunha e Mary Garcia Castro leram e comentaram criticamente os resultados
parciais da pesquisa. Gladys orientou-me com relação a materiais depositados na Torre do Tombo,
em Portugal e que não puderam estar inteiramente disponíveis para este trabalho. Em diversas
ocasiões, pudemos ainda contar com a notória contribuição e motivação para os estudos sobre
Portugal e os portugueses de Omar Ribeiro Thomaz.
5
No CEMI, Cláudia Maria da Costa e Adriano de Souza Mendes prestaram-me apoio
técnico e paciência, o que se estende aos funcionários das Secretarias de Pós-Graduação e de
Pesquisa do IFCH.
Aos amigos pessoais: Vítor Barletta Machado, Tânia Fedotovas Lopes, Kátia Mika
Nishimura, Patrícia Sant´Anna, Lilian Maria Pinto Sales, Adriana Aparecida Marques. Um
agradecimento especial e uma grande dívida a Gabriela Copello Levy e a seus pais, José Alberto
Levy Sabaj e Maria Inês Copello Danzi de Levy. Também a Manuel Mugico, que me fez sentir o
calor dos dias da Guerra Civil Espanhola.
Aos colegas da turma do mestrado: Gustavo, Senilde, Lis, Paula, Patrícia, Luciana, Gilton,
Patrícia Garcia, Marko e Soraia
Com relação aos professores, quero registrar um agradecimento especial a Nádia Farage e a
Suely Kofes, pela exemplar pertinácia no trabalho de formação de cientistas sociais e antropólogos
críticos, no sentido mais completo do palavra. Michael Hall prestou-me valiosas indicações de
pesquisa, bibliográficas e em arquivos. Ao lado de Octávio Ianni, integrou a banca do exame de
qualificação e, juntos, contribuíram significativamente não só para este trabalho, mas para eventuais
pesquisas futuras que possam envolver essa temática.
Elaborações iniciais do trabalho puderam ser discutidas em dois congressos: o da ABA, em
1998 e no Workshop Nação e Diáspora: diálogos cruzados luso-brasileiros. Nessas ocasiões, pude
contar com as contribuições de diversos comentadores, dentre os quais foram-me especialmente
atenciosos Míriam Moreira Leite, Ana Maria Galano, João Pina-Cabral e Cristiana Bastos.
Agradeço aos meus familiares, que sempre estiveram próximos: José Elionai da Silva, Maria
do Carmo Mansur da Silva e Deise Mansur da Silva. E a Mansur Rodrigues Mansur, pela acolhida em
Campinas em todos esses anos.
Uma linha especial a Cristina Machado Maher. Este trabalho é seu também.
Por fim, a tarefa mais difícil, que é, sem dúvida, a de agradecer a Bela Feldman-Bianco.
Orientadora, formadora de opinião, pessoa extremamente motivada na capacitação de
pesquisadores e na consolidação de um núcleo de pesquisa, possibilitou-nos a convivência em um
ambiente de debates e de pesquisa crítica, pertinaz. Nos contatos pessoais que tive com Bela, ela me
pareceu sempre uma pessoa dedicada à tarefa de promover uma atividade universitária ao mesmo
tempo crítica, apaixonada e despida de preconceitos. O meu reconhecimento, a você, pelo ingresso
na atividade intelectual.
6
Siglas Utilizadas no Texto
CCC - Comandos de Caça aos Comunistas (Brasil)
CRP - Centro Republicano Português
DI - Diário Ilustrado
DOPS/DEOPS - Departamento de Ordem Política e Social/Departamento Estadual de
Ordem Política e Social (seção São Paulo)
DRIL - Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação
FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
FPLN - Frente Patriótica de Libertação Nacional
FRELIMO - Frente de Libertação Nacional de Moçambique
GACs- Grupos de Ação Anti-Fascista
MABLA - Movimento Afro-Brasileiro Pró-Libertação de Angola
MND - Movimento Nacional Democrático
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
MUD - Movimento de Unidade Democrática
MUNAF - Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista
OESP - O Estado de São Paulo (jornal)
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONU - Organização das Nações Unidas
OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte
PAIGC - Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PCP - Partido Comunista Português
PD - Portugal Democrático
PIDE - Polícia Internacional de Defesa do Estado (PVDE - Polícia de Vigilância e Defesa do
Estado; DGS - Direcção Geral de Segurança)
PSB - Partido Socialista Brasileiro
PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SNI - Serviço Nacional de Informação (Portugal)
UBE - União Brasileira dos Escritores
UDN - União Democrática Nacional (Brasil)
UDP - Unidade Democrática Portuguesa
UEE - União Estadual dos Estudantes (seção São Paulo)
UESP - União Estadual dos Estudantes de São Paulo
UN/ANP - União Nacional/Acção Nacional Popular
USP - Universidade de São Paulo
7
ÍNDICE
Agradecimentos ................................................................................................................ 4
Siglas Utilizadas no Texto................................................................................................ 6
Introdução ........................................................................................................................ 8
O Problema: a pertinácia __________________________________________________ 9
Sobre a experiência de pesquisa, as fontes e a documentação ______________________ 16
Capítulo I - O Portugal Democrático: uma apresentação ..............................................20
Periodização do movimento _______________________________________________ 26
Capítulo II - A Formação do Movimento e seus Antecedentes: a recusa da “imagem
oficial” de Portugal e do regime...................................................................................... 31
O regime e a resistência em Portugal ________________________________________ 33
A Situação Social do “imigrante político” português no Brasil: antigos e novos cenários _ 45
A Fundação do Jornal e os Primeiros Embates _________________________________ 55
Capítulo III - Um Jornal e um Movimento: a constituição de uma esfera pública
alternativa a partir do Brasil ............................................................................................ 71
Redes e Circuito de Trocas do Movimento Após 1958: a constituição de uma esfera pública
alternativa _____________________________________________________________ 72
Os intelectuais e a política: “guardiães” de certos aspectos da “cultura portuguesa” _____ 80
Documentação escrita e iconográfica .............................................................................83
Capítulo IV - Unidade: como e com quem? ................................................................. 100
As Visões Antagônicas sobre a Nação e o Colonialismo: a difícil tarefa da unidade ____ 103
As Esquerdas: “os modos de atuação” e “os alcances e limites da transformação social” 110
Unidade: Como e com Quem? ____________________________________________ 121
Capítulo V - Povo Português e Povos Coloniais: “aliados naturais” ............................ 127
Estratégias da Resistência após o golpe militar de 1964__________________________ 129
A Denúncia do “Salazarismo sem Salazar” ___________________________________ 136
A Liberdade em Portugal ________________________________________________ 140
Conclusões..................................................................................................................... 145
Referências Bibliográficas ............................................................................................. 151
Outras Fontes: jornais, arquivos, entrevistas, palestras e eventos ................................ 156
Anexo ............................................................................................................................. 158
8
Introdução
“Quando se escrever a história da oposição portuguesa,
interna e externa, causará espanto e admiração
a extraordinária pertinácia dos seus militantes”
(Antônio Cândido in Portugal Democrático, nov./19691)
A presente etnografia procura oferecer uma descrição e uma análise sobre a formação,
a atuação e a pertinácia, cultural e política, de um núcleo de exilados portugueses - opositores ao
regime salazarista – cujas atividades se centralizaram a partir da cidade de São Paulo entre os
anos de 1956 a 1975, reunidos em torno do jornal Portugal Democrático.
A partir de sua localização em São Paulo e na maior parte de sua trajetória junto ao
Centro Republicano Português dessa cidade, o núcleo de imigrantes que compunha o jornal foi
o dinamizador de uma série de tarefas e iniciativas de contestação ao regime português,
chegando a congregar tanto setores diversificados da sociedade brasileira (universidades,
editoras, sindicatos, associações estudantis, escritores, entre outros) quanto núcleos de
anti-salazaristas, em Portugal e no exílio em diversos países, compondo uma rede internacional
de combate ao regime autoritário português.
Procuramos contemplar o processo de configuração político-identitária desse grupo,
seus embates e negociações, nos capítulos de II a V. Nas “conclusões” ao texto, buscamos
interpretar o modo dessa atuação, através do caráter sistêmico da produção e da distribuição
dos valores e práticas que orientam e circunscrevem tanto a praxis política quanto o julgamento
ético e moral sobre essa ação.
1
Discurso de Antônio Cândido, “Vossa Vitória se Aproxima”, durante as comemorações do aniversário da
República Portuguesa, no Centro Republicano Português, em 05 de outubro de 1969. Portugal Democrático,
número 145, pág.2, novembro de 1969
9
Por adotarmos um enfoque interpretativo histórico e processual, podemos afirmar que
este estudo refere-se, em sua totalidade, a uma “história do desejo”2 desses emigrantes exilados
portugueses em se constituírem como uma resistência.
O Problema: a pertinácia
A descrição etnográfica que se segue procura interpretar como foi possível a realização,
por parte dos imigrantes anti-salazaristas no exílio, da tarefa de persistir, cultural e
politicamente, como uma resistência, mesmo em face de divergências ideológicas internas ao
movimento, de contingências adversas e frente a mudanças em contextos histórico-estruturais
que se configuram nos cenários internacional, brasileiro e português. Como foi possível a
permanência de um movimento de contestação à ditadura salazarista, de fortes tendências
esquerdistas e anti-autoritárias, durante quase duas décadas, em uma situação de exílio e em
face de uma série de imposições, entre elas, a própria existência de uma ditadura militar
brasileira a partir de 1964, e a presença institucionalizada, hegemônica e reguladora, de uma
“imagem oficial” de Portugal e do regime, no seio da imigração portuguesa no Brasil?
Uma primeira aproximação vem da importância de considerarmos o Portugal
Democrático mais do que um jornal, sendo também parte integrante e um dos principais
dinamizadores de um movimento - que se tornará internacional – de resistência ao salazarismo.
Nesses termos, o Portugal Democrático representa, ainda, a partir do Brasil, todo um núcleo
dinamizador de redes de atividades e tarefas de contestação ao regime português, nos seus
2
Antônio Cândido (1964, p.17) define a sua análise sobre a literatura brasileira como “uma história do desejo
dos brasileiros em constituírem uma literatura”. Do mesmo modo, muito das nossas idéias sobre a formação e
a noção de sistema que aplicamos neste trabalho, referenciam esta obra de Antônio Cândido.
10
aspectos político-institucionais e no seu projeto nacional apoiado em uma mentalidade colonial,
conservadora e tradicional.
Embora fosse constituído e dinamizado em sua maior parte por militantes de
tendências comunistas, o jornal procurou desempenhar em toda a sua trajetória um papel
unitário, agregando o maior número possível de anti-salazaristas para suas tarefas.
Todavia, o movimento viveu constantemente os impasses de conflitos ideológicos
internos, provocando cisões e clivagens. A essas dificuldades, somavam-se outras, de cunho
histórico-estruturais, como já referimos, ou situacionais, tais como: o desconhecimento da
situação portuguesa na sociedade brasileira em geral, numa primeira fase do movimento; a
difusão ampla e bem sucedida de discursos favoráveis ao regime português entre os imigrantes;
a sua diferenciação como fluxo migratório, frente à presença de uma imagem sobre Portugal e
sobre a imigração portuguesa até então construídas, entre outros fatores circunstanciais.
Embora conseguindo reverter algumas dessas situações, após 1958, quando ocorre
uma maior divulgação dos acontecimentos de Portugal na mídia e angaria-se o apoio de parte
da sociedade brasileira, a unidade do movimento deparar-se-á novamente com cisões
provocadas pela chegada de lideranças do campo da oposição ao regime português, tais como
Henrique Galvão e Humberto Delgado, cujas visões sobre a prática política – e, no caso de
Galvão, sobre a nação portuguesa e o colonialismo - geram conflitos e clivagens que
fragmentam as forças anti-salazaristas.
Por fim, o golpe militar de 1964 põe em sérias dúvidas a possibilidade da manutenção
de um movimento de resistência a partir do exílio brasileiro. No entanto, e contrariando as
expectativas de muitos dos próprios anti-salazaristas, o movimento mantém-se unido e
consegue persistir, sob extremas dificuldades e vigilância, explorando as ambigüidades e
contradições do discurso nacionalista-militar do regime ditatorial brasileiro e, juntamente, a
11
condenação, em âmbito internacional, do regime português e de sua política
nacional-colonialista.
Por sua pertinácia, pela maneira de atuar, concretamente, e por seus valores e produção
simbólica, tentaremos identificar na descrição e análise do processo de formação e de atuação
do grupo, os traços que nos permitam defini-lo como uma resistência.
Cabe-nos, pois, neste momento, explicitar o sentido empregado no uso dessa noção.
Utilizamo-nos, neste trabalho, da definição de Dawn Linda Raby, segundo o qual “há que fazer
uma certa distinção entre ‘resistência’ e ‘oposição’: enquanto a primeira implica uma luta activa, a segunda
significa uma atividade política mais reduzida e pacífica, que pode até ser legal ou, pelo menos, tolerada”. (D.L.
Raby, 1988, p.15). Embora o Portugal Democrático, como jornal, tenha sido publicado legalmente
no Brasil – sem sofrer qualquer tipo de censura oficial, mesmo nos períodos mais difíceis da
ditadura brasileira – as demais atividades que promoveu e/ou ajudou a dinamizar durante sua
trajetória, mesclavam setores de legalidade e ilegalidade e foram cotidianamente vigiadas de
perto pelas polícias políticas de Portugal e do Brasil. Mas o aspecto que mais nos sobressai
desse movimento de opositores ao regime português é o traço de “luta activa”, de pertinácia,
que tornará possível a sua persistência no tempo e a constante atualização de uma resistência a
partir do exílio, mesmo em face de repressões - e de exclusões em sistemas de dominação.
Trata-se, pois, de uma resistência também no sentido de afirmação incontinenti de uma diferença,
cultural e política.
*
Uma segunda aproximação à interpretação dessa pertinácia vem de uma análise
processual da configuração e das dinâmicas de manutenção do núcleo. Nos capítulos de II a V,
essa “luta activa” é identificada através de um contínuo processo de negociação política, em
que se constrói a identidade do grupo, afirmando-se como diferença a ser assinalada frente a
12
outros fluxos migratórios portugueses no interior da sociedade brasileira. Demarca-se, pois,
como fluxo migratório de singularidade histórica e política, cuja diferenciação já se inicia desde
Portugal, por trajetórias de vidas marcadas pela participação política em movimentos, idéias
e/ou ações de oposição ao regime, forçando-os ao exílio. Constróem, então, uma
auto-definição como “emigrantes políticos”, em contraposição aos grandes contingentes de
“emigrantes econômicos” com que se deparam no Brasil. Durante toda a trajetória do
movimento, este procura continuamente estabelecer os termos de sua singularidade e
diferenciação frente à imaginação da nação e sua identidade projetada pelo regime vigente e
seus apoios na imigração - ou mesmo com relação a outros núcleos de opositores existentes na
sociedade brasileira.
Ao trabalharmos com a perspectiva de configurações identitárias3, procuramos analisar, no
processo, os diferentes contextos em que são negociados tanto a inserção cultural e política do
grupo em uma nova sociedade, quanto os aspectos substantivos de seu discurso, que o
caracterizam como uma contra-hegemonia. Neste sentido, faz-se necessária uma
contextualização que justaponha os cenários internacional – de processos de reestruturação
do capitalismo e de economia política - e nacionais, em face de projetos nacionais hegemônicos
dos Estados-Nações português e brasileiro; de modo a identificarmos as coerências e
ambigüidades desses discursos, no contexto em que foram produzidos seus sentidos e práticas.
Contrariamente às análises que tendem a legitimar ideologias hegemônicas,
procuramos examinar os sentidos, alcances e limites das resistências e contestações, ainda que
utópicas, às diferentes formas de dominação implementadas por projetos nacionais e processos
internacionais de expansão do capitalismo. Essa relação procura dar conta de “tensões
3
Nossa interpretação parte de uma análise processual da constituição de visões de mundo, da produção cultural
e política, da formação social ou configuração identitária, e das práticas.
13
dialéticas” – choques entre produções de práticas distintas por identidades diferenciadas. Essas
práticas podem visar tanto a transformação quanto a perpetuação das estruturas de poder.
Para tal, temos de levar em conta os contextos históricos particulares e as localizações
específicas dos Estados Nacionais na hierarquia do sistema econômico mundial
(Feldman-Bianco, 2000). Trata-se, neste primeiro momento, de um exame da construção de
identidades enquanto política, contextualmente e em contraposição à produção de práticas
políticas em regimes dominantes de representação. Nesse jogo, contrapõem-se formas e
linguagens: 1) de dominação; 2) de resistência (ou contestação).
Desejamos ainda frisar que, ao trabalharmos com a perspectiva de configurações, a
identidade não se estabelece como uma categoria fixa. Nessa acepção, as identidades são
negociadas em jogo, isto é, dependem de situações processuais de política e de cultura, onde
sua produção emerge como um posicionamento4. Nesse sentido é que Stuart Hall (1996)
argumenta que “as identidades são apenas os nomes que aplicamos às diferentes maneiras que nos posicionam,
e pelas quais nos posicionamos, estrategicamente” (p.69). Como bem demonstrou Lévi-Strauss, não é
possível uma teoria substantiva da identidade. 5 Podemos tratá-las como redefinições das
diferenças, pois é um processo que permite apreender os grupos em transformação e sua
dinâmica cultural. É situacional, pois é com referência a uma situação particular que é possível
determinar em que aspectos baseiam-se essas diferenças.
No nosso caso, o que estará em jogo é a contestação ou a manutenção do regime
português - como instituição política dominante ou como projeto nacional de características
autoritárias e conservadoras - e o discurso projetado sobre o “caráter” do povo português. A
dinâmica das negociações envolvem questões como referência nacional (sob o signo da pátria);
situação migratória; cidadania e democracia, entre outras. Tais categorias são centrais nas
4
Ou posicionalidade, para dar ênfase à sua fluidez.
14
disputas entre visões antagônicas sobre Portugal e os portugueses e são produzidas por sistemas
de relações sociais, que envolvem 1) exclusões ou lugares em sistemas de privilégios, mas
também 2) potencialidades de linguagens e práticas por identidades coletivas,
político-culturalmente construídas.
Nesta linha, chama-nos a atenção a produção de linguagens e práticas, em disputa, que
remetem à coletividade (no caso, nacional) e suas características ou, nos termos de Anderson,
para “a maneira pela qual é imaginada”6. Fox (1990) adota o mesmo ponto-de-vista de Anderson,
mas vai além, porque trata também de contestações contra-hegemônicas, ao identificar
processo semelhante ao da imaginação da nação no que ele chama de ideologias nacionalistas7.
Nos dois casos, as linguagens e práticas são constantemente reexaminadas pelos agentes que a
produzem, e esse aspecto crítico deve-se às próprias disputas e negociações do processo de
construção da hegemonia. Mais do que isto, estão sempre negociando os lugares, o
estabelecimento dos alcances e limites da inclusão e da exclusão, (re)construindo através do
discurso - e na prática - a alteridade; as fronteiras entre “o nós” e “os outros”.
Por fim, a produção dessas visões resulta de redes e processos transnacionais8, pois
reúnem as seguintes características: a) atravessam fronteiras nacionais e étnicas; b) imigrantes
fazem circular, combinam e reelaboram a produção de signos culturais diversos, de referências
contextuais múltiplas; c) experiências transnacionais implicam na participação em redes que
articulam fluxos desterritorializados e os (re)territorializa em contextos específicos; d)
imigrantes de experiências transnacionais participam das disputas internas de, pelos menos,
dois processos hegemônicos específicos; e) são lugares de negociação, aliados aos contextos
locais: podem ser estratégias de resistência ou de legitimação de hegemonias. Essas
5
6
7
Cf, por exemplo, LÉVI-STRAUSS, Claude (1976)
Em ANDERSON, Benedict (1993)
FOX, Richard (1990)
15
características são possíveis, por articularem, no processo, campos sociais9 em pelo menos dois
países. Essas redes fazem circular signos, pessoas e valores que, ao migrarem, são
reapropriados localmente. A relação entre as reinterpretações locais e as diferentes produções
que circulam nessas redes são capazes de lançar bases para a redefinição de diferenças de
identidades - e de projetos que articulam visões diferenciadas sobre Portugal? É nossa intenção
verificar esses embates e negociações, contextualmente.
*
Na conclusão retomamos hipóteses e perguntas. Se podemos avaliar que o Portugal
Democrático desenvolveu discursos e práticas contra-hegemônicas, um dos nossos
questionamentos refere-se aos alcances e limites dessa produção de visões, de uma identidade e
de uma ética, como possível articuladora de um projeto contra-hegemônico. Uma das principais
dificuldades dessa resistência no exílio será a tarefa de consolidação de uma unidade anti-fascista,
que possibilitaria as vias de elaboração deste contra-projeto. Como veremos, a manutenção de
uma unidade dessas forças, no exílio, terá de se defrontar com disputas e dissidências
ideológicas internas, com relação à maneira mais adequada da atuação de seus membros, e
quanto aos projetos conflitivos com relação à imaginação da nação e do colonialismo, bem como
os alcances e limites pretendidos à transformação social.
Por outro lado, se não conseguiu estabelecer a unidade em torno de um projeto ou
tornar-se hegemônico, os valores e princípios ético-políticos dessa resistência permanecem em
disputa, ainda nos dias de hoje, em um contínuo processo de democratização da sociedade com vistas à conquista de direitos - como imigrantes e/ou cidadãos que dialogam e negociam
com dois projetos nacionais hegemônicos.
8
Cf. FELDMAN-BIANCO, Bela. (1992, 1995) e GLICK SCHILLER, Nina et. alli (1992)
16
Sobre a experiência de pesquisa, as fontes e a documentação
O interesse pelo tema surgiu em abril de 1997. Naquela ocasião entramos em contato
com antigos membros do Portugal Democrático, em um contexto de eleições no âmbito da
“comunidade” portuguesa. O processo de formação das chapas resgatava muito da
configuração de forças do período do salazarismo, com uma oposição significativamente
composta por membros com passado de lutas contra o regime ditatorial. Como no período
salazarista, a maior parte dos imigrantes portugueses mostrou-se apática a esses
acontecimentos e os chamados “comendadores” compunham o setor da situação de maior
força política. O novo contexto mesclava, portanto, continuidades e rupturas com o quase
meio século de regime autoritário. As “feridas” do salazarismo permaneciam abertas nos
acirrados embates que marcariam o período eleitoral. Essa longeva “sobrevivência” dos
conflitos pode ser atribuída a uma série de fatores, entre os quais destacamos: 1) o
“envelhecimento” da maior parte da “comunidade”, uma vez que o fluxo migratório para o
Brasil vem diminuindo gradativamente desde a década de 6010; por conseguinte, o regime
abrangeu e marcou a maior parte da vida dessas pessoas; 2) o 25 de Abril ocorreu em um
momento de ditadura no Brasil, o que adiou - e tem adiado - a efetiva democratização das
instituições representativas desses imigrantes junto ao governo português; 3) um resgate da
memória da resistência e dos acontecimentos do 25 de Abril, entre os antigos exilados
anti-salazaristas. Essas eleições constituíam-se, pois, no primeiro momento em que os
imigrantes portugueses puderam votar ou candidatar-se a um cargo representativo
independente de quaisquer vínculos associativos ou corporativos. Daí o seu significado e a
importância de tornar públicas algumas dessas clivagens.
9
Ver GLICK SCHILLER, Nina et. alli. (op cit, 1992)
17
O trabalho de pesquisa iniciou-se com o registro de histórias de vida de antigos
membros da resistência anti-salazarista em São Paulo e o acompanhamento das celebrações
anuais do 25 de Abril em 1997 e 1998.
Posteriormente, a pesquisa de campo abrangeu os períodos de 10 a 26/04; 10/05 a
22/06 e de 13/07 a 14/08 de 1999. Se a idéia original era a de registrar e analisar histórias de
vida, o recorte temático da pesquisa passou a dar ênfase ao período do exílio. Nesse sentido, a
catalogação e análise dos 205 números da coleção do jornal Portugal Democrático tomou o maior
tempo do trabalho e as histórias de vida passaram a ser encaradas como depoimentos de apoio
à análise, com um roteiro que procurava aprofundar as questões do período do exílio.
Paralelamente, buscavam-se outras documentações sobre a atividade dos exilados
anti-salazaristas - como no Arquivo Estado/seção DEOPS e em outros jornais ou publicações
sobre a época, incluindo a produção de memórias escritas, de panfletos ou papéis avulsos11.
No momento da catalogação do Portugal Democrático interessou-nos sobretudo os
conflitos, as situações de embates que registravam - abertamente ou de forma um tanto velada
- os posicionamentos do grupo. O recorte privilegia, pois, a atividade política mais do que a
estritamente intelectual, ainda que o trabalho pudesse contemplar uma análise deste tipo, dado
que os exilados portugueses anti-salazaristas exerceram também um papel fundamental na
constituição de instituições universitárias no Brasil e, em parte, no ambiente de contestação
cultural e política de movimentos populares e estudantis no neste país, anteriormente ao golpe
militar de 196412. Mesmo durante a ditadura brasileira, o movimento atuou no mesmo sentido,
10
Excetuando-se o período de 1974/75 - em que contingentes migratórios das antigas “colônias” e, em geral,
membros das antigas elites do regime, emigram em decorrência dos acontecimentos posteriores ao 25 de Abril
11
Alguns desses materiais puderam ser conseguidos em arquivos pessoais de Manuel Lourenço Neto, Dulce
Ramos e Fernando Lemos, assim como no acervo do Centro Cultural 25 de Abril, de São Paulo.
12
O crítico literário Antônio Cândido, em palestra sobre “Os Intelectuais Portugueses a Cultura Brasileira” (cf.
ref. bib.), chama a atenção para a presença intelectual dos exilados portugueses na constituição de núcleos de
pesquisa, instituições universitárias, na docência, na tradução e na divulgação de obras de grande importância
literária, assim como na produção própria de obras de elevado nível, tanto acadêmico, como literário e artístico.
18
dado o limite e as proporções que a situação exigia, integrando a rede de imprensa alternativa
que, de maneira velada mas marcante, criticou os pressupostos autoritários do regime
brasileiro.
A catalogação do jornal realizou-se no âmbito do Centro Cultural 25 de Abril,
associação que congrega parte significativa dos antigos exilados do regime e que, de certo
modo, é uma extensão do extinto Centro Republicano Português e do próprio jornal Portugal
Democrático. De modo que a experiência de pesquisa resultou em um contato pessoal diário em
que a evocação do passado - e sua conexão aos presentes problemas que enfrentam os
imigrantes portugueses do Brasil - era uma constante. As páginas do jornal e os depoimentos
revelavam que tratava-se não apenas de um jornal, mas de um movimento dinâmico, repleto de
redes que atravessavam diversos setores da sociedade brasileira e outros núcleos de
contestação ao regime em diversas partes do mundo.
Além da pesquisa em jornais, depoimentos e referências bibliográficas, reunimos um
conjunto de imagens e de documentos avulsos, sobretudo correspondências, que é
recuperado, em uma pequena amostra, em uma seção do trabalho. O objetivo em selecionar
tais documentos escritos e iconográficos não é, contudo, a de “ilustrar”, mas a de “revelar” o
não dito na descrição etnográfica ou nos fragmentos de textos ou depoimentos orais. As
imagens dizem respeito, pois, a um determinado tipo de representação da resistência sobre o
regime, o colonialismo português e a figura de Salazar. Os demais documentos indiciam as
redes e circuitos de troca do movimento, a maneira de estabelecer contatos e angariar o apoio
e a extensão do movimento. Dizem respeito, ainda, às multiplas frentes de batalha em que
atuavam os militantes anti-salazaristas no Brasil e os desdobramentos e conseqüências,
políticas ou mesmo pessoais, dessas atividades.
Um conjunto de manifestações que, se reunidas, podem ser qualificadas, segundo o crítico, como a realização
19
Contudo, o fato pessoalmente mais marcante da experiência de pesquisa talvez não
esteja suficientemente registrado ao longo do trabalho: a extrema motivação dessas pessoas
para a ação política; a incansável militância, a incontinente convicção ética e política, da qual a
sentença republicana - repetida a cada ato do 05 de outubro, durante os seguidos anos de exílio
- seja talvez uma das melhores expressões escritas: “antes quebrar do que torcer”.
de uma “missão cultural” portuguesa no Brasil, ainda que de forma involuntária.
20
Capítulo I - O Portugal Democrático: uma apresentação
O Portugal Democrático foi criado em 1956 por um pequeno núcleo de emigrados
portugueses anti-salazaristas radicados em São Paulo. De acordo com depoimentos13, Vítor de
Almeida Ramos, um eminente professor de literatura e Manuel Ferreira Moura, técnico-operário,
ambos comunistas, tiveram papel crucial na iniciativa de congregar um pequeno grupo de
anti-salazaristas que se encontrava disperso nessa cidade. A equipe que fundou o jornal era
marcada por sua diversidade política. De fato, encontrava-se já formada uma célula dos
anti-fascistas portugueses no Partido Comunista Brasileiro (PCB)14, e que viria a se integrar ao
jornal nas tarefas de apoio. Outros quadros, foram compostos por republicanos liberais, tais
como os militares João Sarmento Pimentel, seu irmão Francisco Sarmento Pimentel e o
historiador Jaime Cortesão, que apoiou a iniciativa, mas contribuiu para o jornal durante um
curto período, tendo retornado a Portugal em fins de 1957 15 . Carlos Assumpção Neves e
Joaquim Duarte Baptista eram remanescentes do antigo Centro Republicano Português, fechado
em 1944. Os escritores Adolfo Casais Monteiro (socialista) e Maria Archer também participaram
do jornal desde sua primeira fase. Thomaz Ribeiro Colaço, monarquista, escreve no jornal entre
1956 e 1960, quando então se afasta por causa de várias divergências políticas.
Ao longo dos quase dezenove anos de sua existência, o jornal-movimento contou com
uma lista de colaboradores que seria impossível enumerar. A maior parte das individualidades
esteve vinculada ao jornal em diferentes épocas, outros se afastaram e posteriormente
13
Depoimentos gravados de Miguel Urbano Rodrigues e de Dulce Helena Pessoa Ramos, esposa de Vítor
Ramos. De acordo com Dulce Ramos, Vítor Ramos, militante do Partido Comunista Português (PCP), já veio
ao Brasil com a tarefa designada pelo PCP de formar neste país um jornal de oposicionistas.
14
Depoimento de Alexandre Antunes Pereira.
15
Jaime Cortesão não acompanhou de perto a formação do núcleo, por morar no Rio de Janeiro, mas exerceu
uma influência intelectual decisiva, como bem demonstram as próprias páginas do jornal.
21
retornaram e apenas uns poucos o integraram do seu início até o seu fim. Entretanto, podemos
destacar alguns dos seus sujeitos mais ativos.
A partir de 1957, uma leva de jornalistas advindos do Diário Ilustrado, periódico
português, veio integrar-se ao núcleo inicial 16 . Contavam-se entre estes, Miguel Urbano
Rodrigues e Victor da Cunha Rêgo. Posteriormente, a redação contou com João Alves das
Neves, Carlos Maria de Araújo, Paulo de Castro e João Santana Mota17.
Entre os engenheiros, Carlos Cruz participou desde o primeiro momento do jornal e
trouxe João dos Santos Baleizão18. No entanto, afastam-se do jornal entre 1961 e 1963, por
divergências político-ideológicas. Manuel Myre Dores, Álvaro Veiga de Oliveira e Francisco
Vidal, todos comunistas, contribuíram para o jornal entre o fim da década de 1950 e inícios dos
anos 1960, quando vão se integrar às frentes internacionais criadas a partir de 1962, tais como a
FPLN (Frente Patriótica de Libertação Nacional), que se instala na Argélia. Esse é também o
caso do advogado e socialista, Manuel Sertório.
Quanto aos escritores, Adolfo Casais Monteiro participa do jornal desde seu início até
1963, sem nunca ter perdido o contato com o movimento, mantendo-o até sua morte em 1972.
16
Esses jornalistas vieram para trabalhar no jornal O Estado de São Paulo (OESP). Não podiam exercer mais
sua profissão em Portugal, por discordarem da linha que estava sendo imposta ao Diário Ilustrado e por
suspeitarem de infiltração de agentes da PIDE nesse periódico. De acordo com Miguel Urbano Rodrigues,
Jaime Cortesão o indicou, juntamente com Victor da Cunha Rêgo, a Júlio de Mesquita, diretor do jornal OESP.
Os demais jornalistas vieram em seguida.
17
Miguel Urbano Rodrigues colabora entre 1958 e 1959, afastando-se até 1963, quando retorna ao Conselho de
Redação, do qual só sairá em 1974. No período de 1959 a 1961, escreve no jornal Portugal Livre, dissidência
do Portugal Democrático. Somente após 1961 é que se tornará comunista, segundo relato, em decorrência do
que testemunha em África por essa ocasião, como jornalista -, permitindo sua reaproximação ao Portugal
Democrático. João Alves das Neves afasta-se definitivamente do jornal em 1960 - após dois anos de
colaboração - e também participará do Portugal Livre. Carlos Maria de Araújo, jornalista e escritor comunista,
integra o Conselho de Redação do PD entre 1958 e 1962, ano de sua morte. Vítor da Cunha Rêgo colabora entre
1958 e 1960, passando para o Portugal Livre. Participa ativamente nas atividades do DRIL até 1961. Em 1962,
funda a Editora Felmam-Rêgo, que publicará obras de cunho anti-salazarista. Com o advento do golpe militar
no Brasil em 1964, fecha as portas de sua editora e, contraditoriamente, publica uma denúncia na sua coluna de
OESP sobre a presença de comunistas no Portugal Democrático. Paulo de Castro participará do Conselho de
Redação entre 1959 e 1963. Por fim, João Santana Mota afasta-se do jornal em 1960, passando para o Portugal
Livre. Em 1961, apoiará a “Frente Anti-Totalitária dos Portugueses Livres Exilados”, de caráter marcadamente
anti-comunista, criada naquele ano por Henrique Galvão.
18
Também passarão a integrar o Portugal Livre e Baleizão também apoiará Henrique Galvão após 1961.
22
Maria Archer participará em diversas tarefas do jornal durante todo o seu período, até o 25 de
Abril. Entretanto, sua colaboração é mais efetiva entre 1956 e 1962. Jorge de Sena fará parte do
Conselho de Redação do jornal entre outubro de 1959 e março de 1963. Castro Soromenho terá
uma discreta participação no período de 1965 a 1968, ano de sua morte19. Outros escritores que
deram alguma contribuição foram Maria Antônia Fiadeiro, Sidônio Muralha, Veiga Leitão,
Fernando Correia da Silva, Mário Henrique Leiria, Fernando Muralha e Manuela Gouveia
Antunes. O ensaísta Eduardo Lourenço contribuiu brevemente para o jornal, mas nunca assinou
nenhum de seus artigos. O artista plástico e escritor Fernando Lemos, esteve próximo ao
movimento de 1958 até o seu fim em 1975, tendo integrado o Conselho de Redação entre
1958-63 e 1974-75.
Outros quadros, próximos ao Partido Comunista Português (PCP), assumiram a frente
do jornal nos períodos mais duros da ditadura brasileira. Contavam-se aí, entre outros, Augusto
Aragão, que participou do jornal até a sua morte, no final de 1970; o historiador Joaquim
Barradas de Carvalho, que contribui entre 1964 e 1970; e os sociólogos Joaquim Quitério - que
teve participação mais intensa entre 1968 e 1975 – e Antônio Bidarra da Fonseca – entre 1956 e
1972, além de Vítor de Almeida Ramos e Manuel Ferreira Moura, que participaram de toda a
trajetória do jornal.20
Além desse núcleo, responsável pela redação do jornal e por suas tarefas públicas mais
expressivas, um grande grupo de apoio permitia que este fosse viável, cuidando de tarefas
administrativas, da divulgação e da distribuição, do setor gráfico e da revisão, e das demais
atividades demandadas por um movimento conectado a redes internacionais21. Contavam-se,
19
Teve uma participação mais intensa no jornal A Semana Portuguesa, de Santos.
Vítor Ramos até sua morte em 03 de maio de 1974 e Manuel Ferreira Moura do primeiro ao último número,
de junho de 1956 a abril de 1975.
21
Tarefas como a manutenção da correspondência com diversas partes do mundo, angariação de fundos para
campanhas de libertação ou anistia a presos políticos, congressos sobre a questão portuguesa, envio de
documentação de denúncia sobre a situação portuguesa a jornais e outras entidades civis ou governamentais.
20
23
entre estes, Abílio Rodrigues, Manuel Rodrigues, Francisco Lopes, Lenine de Jesus Alexandre,
Manuel Bodas, Manuel Rocheta, Antônio Baia, Manuel Algodres, Alexandre Pereira, Silvério da
Costa Lettra, Joaquim José, Helder Costa (revisor), Manuel Soares, Alexandre Leal Dias e muitos
outros.
Quadros políticos da maior relevância deram sua contribuição ao Portugal Democrático
durante sua estadia no Brasil. O apoio mais efetivo veio de Ruy Luiz Gomes, matemático,
candidato à Presidência em 1951 pelo Movimento Nacional Democrático (MND) que, junto
com José Morgado, radicou-se em Recife, mas atuou nas ações mais importantes dinamizadas
pelo Portugal Democrático e pela “oposição democrática” no exílio, entre 1962 e 1974. Humberto
Delgado, militar, candidato às eleições presidenciais em 1958 – campanha da oposição que maior
impacto causou ao regime – contou com o apoio do Portugal Democrático em sua passagem pelo
Brasil, de 1959 a fins de 1963, apesar do registro de algumas divergências entre Delgado e os
demais exilados quanto às formas de ação mais apropriadas à resistência, conforme veremos no
decorrer do texto. O ex-embaixador Pedroso de Lima também participou de diversas atividades
promovidas no decorrer da década de 1960. Fernando Queiroga, militar que havia tentado
comandar um golpe em 194622, aproximou-se do grupo em fins da década de 1950, mas foi
afastado por suspeitas de suas ligações com o regime português 23 e por divergências sobre o
modo de sua atuação política. Henrique Galvão, militar e escritor que chegou ao Brasil após o
assalto ao “Santa Maria”24, foi recebido com grande entusiasmo, mas logo se afastou (sendo
Enfim, todos os contatos, institucionais ou clandestinos, que dinamizavam e intensificavam a rede de trocas do
movimento.
22
Levante militar que ficou conhecido como “Revolta da Mealhada”.
23
Depoimentos de Alexandre Pereira e João dos Santos Baleizão.
24
O “Santa Maria”, navio português, foi seqüestrado e desviado de sua rota por Henrique Galvão nos primeiros
dias de 1961, quando foi rebatizado de “Santa Liberdade”. A ação teve repercussão internacional e serviu para
denunciar o regime português, embora os objetivos finais da denominada operação “Dulcinéia” não estejam
ainda de todo esclarecidas, conforme veremos.
24
reciprocamente afastado) do Portugal Democrático, por seu anti-comunismo e por suas posições
frente aos então recentes conflitos em África.
Os brasileiros que mais se aproximaram do Portugal Democrático foram Octávio Martins
Moura (1956-1971), Edson Rodrigues Chaves (1971-1974) e Sylvio Band. Os dois primeiros,
advogados, foram diretores do jornal no período assinalado e Sylvio Band presidiu, a partir de
1961, o Movimento Afro-Brasileiro Pró-Libertação de Angola (MABLA). Dulce Ramos também
foi proprietária do jornal entre 1974-75. A luta anti-salazarista contou, ainda, com o apoio de
diversos intelectuais brasileiros, que aparecem nas páginas do Portugal Democrático em
colaborações ou em palestras proferidas por ocasião das comemorações anuais do 5 de outubro
(data da proclamação da República portuguesa, em 1910). Entre estes, podemos destacar o
sociólogo Florestan Fernandes, o embaixador Álvaro Lins (que acolheu Humberto Delgado em
seu exílio na Embaixada brasileira de Lisboa, em 1959); o crítico literário Antônio Cândido; a
escritora Lígia Fagundes Telles; o escritor Paulo Duarte; o sociólogo Octávio Ianni; os
historiadores Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Carlos Guilherme Mota; o
jornalista Cláudio Abramo; o editor Ênio Silveira, entre muitos outros.
A celebração anual do 5 de outubro tinha grande significado para a resistência no exílio.
A cada ano, eram avaliados os avanços e recuos da luta anti-salazarista e o “5 de outubro” era
lembrado como uma insurreição de cunho popular que havia sido gestada durante um longo
tempo, tendo sofrido sucessivas derrotas e frustrações, mas que se impôs com o apoio do povo
e do exército. As comemorações da data eram anunciadas como “uma jornada de esperança”25, em
que os signos da persistência e da incontinência de convicções, eram enunciados pela expressão
herdada do movimento republicano: “antes quebrar do que torcer”.
25
Referência que se encontra na capa do Portugal Democrático de novembro de 1967, número 124
25
Embora o jornal Portugal Democrático seja, em grande medida, esse núcleo de sujeitos sobre
o qual vamos nos debruçar, não estamos considerando-o separadamente. De fato, o Portugal
Democrático foi o dinamizador de uma série de tarefas que irão resultar em Comitês Pró-Anistia,
em publicações editoriais, em fundação de associações, núcleos de emigrantes em outras partes
do mundo e campanhas as mais variadas contra o regime português. Por sua vez, foi ainda um
espaço público 26 privilegiado de debate de questões políticas, de crítica ao regime e de
convergência de diversos intelectuais portugueses radicados no Brasil. De certo modo,
“salvaguardou” uma idéia de “cultura portuguesa” - no sentido da produção de obras de
pensamento, de cunho literário ou artístico. O Portugal Democrático não é, pois, como já dissemos,
apenas um jornal, mas um movimento da resistência anti-salazarista no exílio. Se, em sua fase
inicial, pretendia ser um órgão de informação contrário ao regime, voltado aos imigrantes
portugueses de São Paulo ou do Brasil, passou aos poucos a contribuir para a formação de uma
rede internacional de resistência e combate ao salazarismo. Esse movimento irá se articular
localmente, no Brasil, e internacionalmente, junto a outros núcleos de emigrados no exterior e
aos Movimentos de Libertação Nacional em África.
É importante deixar claro novamente que, apesar do jornal contar na maior parte dos
seus quadros, e do período em que foi publicado, com a participação decisiva de militantes
comunistas, este sempre se propôs, desde seu início, uma plataforma unitária que congregasse
todos os setores de oposição ao regime, de militares a monarquistas, de socialistas a comunistas,
de democratas a republicanos liberais ou anarquistas. No entanto, na história da resistência
anti-fascista portuguesa, interna ou externa, os maiores rios de tinta foram gastos em debates
sobre as possibilidades e as necessidades de uma unidade. Uma grande coleção de artigos sobre
26
Fazemos uso da noção de espaço público como “espaços de construção das diferenças, culturais e políticas”.
Vide ARANTES, Antônio Augusto (1996)
26
esse tema pode ser encontrado no Portugal Democrático, escrito por pessoas das mais diversas
tendências ideológicas. Não poderia ser diferente no presente trabalho.
De fato, gostaríamos de anunciar que a questão da unidade do movimento será um dos
temas centrais do presente trabalho, já que consiste no maior esforço do Portugal Democrático como de toda a resistência anti-salazarista - o de articular um projeto nacional contra-hegemônico,
dados os impasses ideológicos em que se esbarram. Em um primeiro momento, a atenuação
dessas divergências é tentada em uma plataforma ampla o suficiente para que se unissem todas as
forças da oposição, isto é, a derrubada do governo. Mas a questão que se impõe é: e depois da
queda? Neste segundo momento o problema da unidade de todas as forças anti-salazaristas
torna-se insolúvel, particularmente após a figuração definitiva da questão colonial como um fator
de clivagens. Neste período, ainda há tentativas de resgate de “uma unidade na ação”, apesar das
divergências ideológicas. A partir de 1961, os setores da oposição no exílio diferenciam-se
internamente com relação a uma série de questões: o modo de atuação política e os princípios
ético-políticos dessas práticas; os alcances e limites da transformação social e o projeto nacional, a
imaginação da nação e sua identidade. O Portugal Democrático passará a integrar a UDP (Unidade
Democrática Portuguesa), cujos princípios unitários, legatários da “oposição democrática”,
demarcarão diferenças frente aos demais movimentos da oposição, no tocante às questões
centrais acima relacionadas.
Periodização do movimento
Como uma maneira de identificarmos alguns recortes temporais em que se configuraram
distintos cenários, conflitos e posicionamentos do núcleo dos anti-salazaristas da “resistência
27
democrática”27, em sua tarefa de persistir, optamos por uma periodização, não cronológica, do
jornal-movimento, que segue:
1º Período (1956-1957): primeiro momento de formação do movimento. O jornal e
muitos dos exilados de que se compunha procuravam se localizar na sociedade brasileira. Irão se
deparar com a presença institucional portuguesa (associações, consulados, sociedades de
beneficiência, etc..), aliada ao regime e estruturada desde antes da Segunda Guerra; com o
histórico da emigração ancestral portuguesa na sociedade brasileira; com a ampla difusão de um
discurso favorável ao regime cujas pedras de toque se encontravam apoiadas sobre as noções de
Pátria e de “ordem”; com o desconhecimento da situação portuguesa e as especificidades do
regime salazarista na sociedade brasileira em geral;
2º Período (1958-1965): trata-se do segundo momento de formação do movimento,
quando organiza-se, a partir de 1958, como articulador de uma rede nacional e internacional dos
anti-fascistas portugueses no exílio, ao mesmo tempo em que adquire o apoio efetivo de setores
expressivos da sociedade civil brasileira e de demais núcleos de anti-fascistas antes dispersos pelo
país, permitindo-se a reabertura do Centro Republicano Português (CRP) e a formação do
“Comitê dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Liberdade de Expressão”;
3º Período (1959-1963/4): período da intensificação de tarefas, principalmente no âmbito
da sociedade brasileira, onde se vive um momento de grande agitação social e de reivindicações
de movimentos populares, com ascensão das esquerdas. No entanto, é também a fase em que se
debate centralmente a questão da unidade. A partir de 1959 registram-se as primeiras cisões, em
decorrência de posicionamentos diferentes com relação ao modo da atuação política, cujas
pedras de toque foram, de um lado, as atividades de Henrique Galvão e do DRIL; de outro, os
27
Auto-designação que acompanha muitas outras, cunhadas ao longo do tempo: “imigração política”;
“oposição democrática”; “democratas portugueses no exílio”; “oposição ou resistência externa”. Consideramos
“resistência democrática” a que melhor se aplica aos termos deste trabalho.
28
acontecimentos da Revolução Cubana. Após 1961, outras cisões ocasionadas por lideranças
como Humberto Delgado e Henrique Galvão, e pelo início das Guerras Coloniais põem em
cheque a unidade. A criação da Unidade Democrática Portuguesa (UDP) procura sanar essa
dificuldade e é definida uma “cartilha” de princípios para a ação. Mas, ainda em 1963, a UDP
sofre outras perdas em decorrência dos conflitos sobre os alcances e limites da transformação
social, ainda em decorrência da Revolução Cubana, da ascensão das esquerdas na América Latina
e no Brasil. Por fim, o golpe militar brasileiro põe em cheque a manutenção de uma resistência
no exílio, a partir deste país;
4º Período (1964-1967/8): com o golpe militar brasileiro e a intensificação gradativa da
repressão, a “resistência democrática” não poderá contar, como nos períodos anteriores, com o
apoio de setores populares e de esquerda da sociedade brasileira. De fato, como estratégia de
persistência, adota-se o “silêncio” frente à situação que se vive no Brasil. No entanto, as
atividades conjuntas com setores da sociedade civil brasileira não são de todo abandonadas,
embora sejam menos recorrentes: a rede de relações com a esquerda brasileira é repensada. Uma
outra estratégia consiste na intensificação das redes internacionais e do apoio aos Movimentos de
Libertação em África. Com a condenação internacional do colonialismo português, o discurso
anti-colonialista passa a ser bem aceito mesmo em setores da ditadura militar brasileira e o
“desmascaramento” internacional do colonialismo e do fascismo português torna-se a atividade
de maior eficácia política;
5º Período (1967/8-1974): Com a ascensão de Caetano, as principais atividades são o
“desmascaramento” da sua política de “liberalização gradativa”, a intensificação ainda maior das
redes internacionais e a elaboração de relatórios anuais à Organização das Nações Unidas
(ONU) condenando crimes de guerra e violações de Direitos Humanos. As atividades junto à
sociedade brasileira permanecem, apesar de serem bem mais limitadas, por conta da fase mais
29
dura da ditadura militar. Em Portugal, as contradições do regime que se tornavam insolúveis,
anunciando sua queda, geravam discussões quanto a atuação da oposição. O Portugal Democrático,
seguindo a linha do PCP, irá defender a preparação de uma “insurreição popular”, com vistas à
destruição total do aparato do “Estado fascista” e criticando os outros setores da oposição que
ainda sustentam a possibilidade de uma transição pacífica liberal como “capitulação”, e às
esquerdas golpistas, de “aventureiros”. A denúncia do caetanismo foi marcada, nas páginas do
jornal, pela expressão: “salazarismo sem Salazar”;
6º Período (1974-1975): Com o advento da “Revolução dos Cravos” e o fim do regime
salazarista, o jornal passa a divulgar o que se passa em Portugal, com uma cobertura semanal. No
entanto, o “movimento anti-fascista” se dissolve. Pelo fato do Portugal Democrático ser um dos
dinamizadores desse movimento e daí advir sua sustentação, este perde sua razão de ser, vindo a
público pela última vez em abril de 1975.
*
Essa periodização procura ter uma relação com o texto. O capítulo II aborda o primeiro
período, suas questões centrais, continuidades e rupturas com o momento anterior à Segunda
Guerra; o olhar desses imigrantes sobre a sociedade brasileira; sua inserção e localização; o início
da formação do núcleo, sua diferenciação identitária frente aos demais fluxos; os primeiros
embates e “o que estará em jogo” durante toda a trajetória do exílio: o questionamento do
salazarismo, com a produção de discursos e práticas contestatórias, que já são elaborados nessa
primeira fase do movimento. O capítulo III abrange o segundo período, descrevendo a
formação de redes que farão constituir uma esfera pública alternativa, em que o Portugal Democrático
passa a estar articulado e a ser um dos principais dinamizadores de um movimento internacional
de resistência ao salazarismo, ao mesmo tempo em que se intensificam as relações com setores
da sociedade civil brasileira. Trata, ainda, da relação entre os intelectuais e a política, aspecto que
30
passa a caracterizar o movimento também como “guardião” de certos aspectos da “cultura
portuguesa” 28. O capítulo IV analisa o momento em que mais se discute a unidade (1959 a
1963/4), frente a cisões no interior da luta anti-salazarista. No cenário internacional, tem início a
Guerra Colonial - que será um dos principais fatores de clivagens internas à resistência. O
capítulo termina por problematizar a relação do movimento com as esquerdas brasileiras e
procura sistematizar mais claramente os distintos projetos para Portugal que se encontram em
disputa. O capítulo V irá tratar do quarto ao sexto período, posteriores ao golpe militar brasileiro
de 1964, passando pelo momento de maior repressão desse regime, ao mesmo tempo que, em
Portugal, a queda de Salazar, aliado à situação internacional desfavorável, força o regime
português a algumas aberturas. A conjunção de uma série de contradições que se tornam
insolúveis provocam a queda do regime e o Portugal Democrático, conforme enunciamos, como
não era apenas um jornal, mas parte dinâmica de um movimento, perde sua razão de ser.
As “conclusões” ao texto procuram sistematizar e problematizar o que constitui a ação
dos exilados anti-salazaristas do Portugal Democrático.
28
Neste caso, a noção de cultura está se referindo à produção de obras de pensamento e não em termos
classicamente antropológicos, isto é, como visão de mundo ou produção simbólica que dá sentido às práticas
humanas, como procuramos aplicar em todo o texto.
31
Capítulo II - A Formação do Movimento e seus Antecedentes: a recusa da “imagem
oficial” de Portugal e do regime
Este capítulo, que se refere ao período inicial em que se constituiu o Portugal
Democrático, numa tentativa de união das forças anti-salazaristas no exílio, é também um
capítulo sobre o olhar desses imigrantes acerca da sociedade brasileira com que se deparam,
a presença de Portugal e dos portugueses nessa sociedade e a história ancestral da emigração
para o Brasil. Esses olhares sobre essa totalidade configurada são lançados com a intenção
de se localizarem - e de se inserirem - como fluxo migratório de peculiaridade histórica e
política.
Na medida em que se localizam, surgem paralelamente os primeiros embates junto à
presença institucional de Portugal no Brasil, através de associações que traduziam a
“oficialidade”. Deparam-se, de imediato, com a propaganda do regime, amplamente
vitoriosa entre setores imigrantes, na medida em que gera “enaltecimento”, “comodismo”
ou “apatia”, conforme delinearemos no decorrer do texto. De fato, o que estará em jogo
durante toda trajetória no exílio será o questionamento do salazarismo tanto como regime
político quanto projeto nacional, produtor de uma mentalidade conservadora e autoritária e de
uma imaginação colonial da nação-império.
Esse discurso de propaganda fundamentava-se na construção de noções de
Pátria/patriotismo e de “ordem”, e tiveram de ser frontalmente questionados pela resistência
anti-salazarista, nesse primeiro período, já que punham os dissidentes do regime no lugar de
“traidores” e “anti-patriotas”, excluindo-os de sistemas de privilégios e impedindo quase
por completo sua inserção nos demais núcleos de imigrantes portugueses.
32
Todavia, muito desse quadro de ações já havia sido estruturado, no Brasil, em um
período anterior à Segunda Guerra Mundial.
Os anos 1950 representam, portanto, a conjugação de novos e antigos cenários nos
planos internacional, brasileiro e português e frente aos quais esses “imigrantes políticos”
terão de agir. No entanto, o modo dessa atuação, tanto nesse período inicial quanto no
decorrer de toda a resistência no exílio, é em grande medida resultado de experiências
anteriores de participação em movimentos de contestação ao regime em Portugal, dentre os
quais destacamos o MUNAF, o MUD e o MND29.
Além disso, uma caracterização do regime português em alguns dos seus traços mais
significativos nos aproximará, ainda, dos motivos da rejeição sistemática levada a cabo pelos
anti-salazaristas. Como procuramos identificar, essa rejeição tem início no seu próprio país
de origem, isto é, antes da imigração – e irá se estender para a diáspora, dada a presença desse
discurso “oficial” entre os imigrantes portugueses no Brasil. Para uma análise dessa rejeição
sistemática, valemo-nos, pois, de intérpretes do salazarismo e da sua “natureza” histórica,
aliada a uma breve mas fundamental discussão sobre quais aspectos sociais, políticos e
culturais são atribuídos ao regime pela oposição no exílio. Por esses motivos, esse capítulo
inicia-se com essa caracterização e uma descrição de como se configurou a resistência
anti-salazarista em Portugal no pós-guerra para, em seguida, desdobrar-se em uma análise
sobre o questionamento do salazarismo a partir do exílio, os embates e a dinâmica de
formação do movimento de resistência em torno do Portugal Democrático.
29
Respectivamente, Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista; Movimento de Unidade Democrática e
Movimento Nacional Democrático. Frentes que procuravam fazer convergir para um plano de ação comum as
diversas tendências político-ideológicas e partidárias da oposição.
33
O regime e a resistência em Portugal
O regime português foi a mais longa ditadura de direita do século XX, tendo durado
de Maio de 1926 a 25 de Abril de 1974. Personificou-se na pessoa de Antônio de Oliveira
Salazar, que assumiu sua liderança como Presidente do Conselho de Ministros em 1928 e
teve sua literal queda somente em 1968, quando foi afastado do poder por incapacidades
físicas, sendo substituído por Marcelo Caetano.
Ao longo dos seus 48 anos, o regime passou de uma ditadura conservadora, em seus
primeiros anos, para a formação de um “Estado-Novo” de caráter fascista,
auto-denominação estabelecida a partir de 1933, quando se definem tanto sua estrutura
político-institucional quanto sua Constituição.
Contudo, a afirmação do parágrafo acima merece uma discussão. Estudiosos do
fascismo, como Payne (1995) e Griffin (1991) não consideram fascista o regime português.
Para o primeiro, uma aplicação rigorosa do termo não cabe ao caso português, visto que este
regime aproxima-se de expressões mais conservadoras e direitistas de nacionalismos
autoritários do entre guerras30. Já Griffin estabelece como traço “típico-ideal” do fascismo o
fato de ser uma forma de populismo ultranacionalista. Nesses termos, o regime português
desviava-se significativamente dessa caracterização: seu chefe não era uma figura
carismática, no sentido de se apresentar e se representar como grande líder de massas. Era
uma figura contida, reservada e que preferia atuar nos bastidores. Do mesmo modo, a
ditadura portuguesa não promoveu, a princípio, um projeto desenvolvimentista - o que é
30
No desdobramento analítico de PAYNE (op.cit), muito embora os movimentos fascistas representassem a
expressão mais extremada do nacionalismo europeu moderno, não podem ser considerado sinônimo de todos os
grupos nacionalistas autoritários surgidos no período de 1914 a 1945 (PAYNE, op.cit.). Um dos motivos dessa
confusão deve-se à coincidência do apogeu do fascismo italiano e alemão com uma era de autoritarismo político
que ocorreu na maioria dos países europeus. Do mesmo modo, a onda fascista atingiu a um grande setor do
nacionalismo europeu na década de 30, e inclusive alguns setores da direita autoritária conservadora adotaram
34
característico de outros regimes fascistas -, atuando nesse sentido somente quando se viu
forçado a tanto, logo após o início das Guerras Coloniais, em 1961. Salazar preferia apregoar
a ideologia do ruralismo, da cartilha “Deus, Pátria e Família”, “em defesa dos valores tradicionais,
da fé católica e da hierarquia social estabelecida, contra as ameaças do comunismo, da maçonaria e do
modernismo” (D.L. Raby, 1988, pp. 9) - da “pobreza digna”, de onde advém o mito do “bom
povo português”, isolado dos conflitos e paixões do mundo devido aos seus “brandos
costumes”.
De acordo com Griffin (op.cit.), apenas nos casos italiano e alemão ocorreu de
movimentos fascistas tornarem-se regime. Nos demais, como em Portugal, configuraram-se
movimentos fascistas que não chegaram ao poder, como foi o caso do integralismo lusitano
e do nacional sindicalismo de Rolão Preto.
As origens históricas do salazarismo remetem aos princípios do século XX, em que
novas forças direitistas e conservadoras propugnavam um sistema autoritário mais rígido,
distinguindo-se, porém, do radicalismo fascista. Payne (op.cit.) divide essas novas forças de
direita em duas: a direita radical e a direita autoritária conservadora, da qual deriva o
salazarismo.
Embora essas forças de direita tivessem em comum com o fascismo o
anti-liberalismo e o anti-marxismo, a direita radical e a conservadora, sobretudo esta última,
baseava-se em preceitos religiosos tradicionais mais do que no vitalismo, o irracionalismo ou
o neoidealismo secular que caracterizavam o “homem novo” fascista.
Outra diferença encontrava-se no alcance das rupturas aspiradas por cada um desses
movimentos. A direita conservadora propunha não mais do que uma transformação parcial
do sistema em um sentido mais autoritário. A direita radical desejava destruir todo o sistema
parte das aparências e dos aspectos externos do fascismo, ainda que não desejassem, nem sequer haviam sido
35
político do liberalismo vigente. Tanto a direita radical quanto a autoritária conservadora
mantinham consideravelmente sua defesa do elitismo e de uma chefatura forte com a
invocação de legitimidades tradicionais. A diferença principal entre o fascismo e as demais
linhas refere-se à política social. Ainda que os três setores sustentassem a unidade social e a
harmonia econômicas, para a imensa maioria dos grupos das direitas radicais e autoritárias
conservadoras, isto tendia a significar uma manutenção do status quo. Já os fascistas
vislumbravam utilizar formas mais radicais de autoritarismo com um interesse maior, ao
menos em tese, em mudar as relações de classe e de condição social.
Em linhas gerais, pois, os grupos da direita conservadora eram mais moderados com
relação a todas as questões político-econômicas e sociais. O fascismo lançava mão de uma
empresa maior, com relação à violência, ao autoritarismo, ao militarismo e ao imperialismo.
O mesmo pode-se dizer da direita radical, com exceção dos aspectos de mudança do status
quo e fundamento filosófico religioso, antes ressaltados. Por esses motivos, apenas a direita
autoritária conservadora não adotaria uma forma progressiva de imperialismo.
O desenvolvimento econômico, embora seja um dos principais objetivos dos três
movimentos, tinha entre os fascistas o setor mais “modernizador”. Embora as direitas
conservadoras representassem o setor que aspirava a transformação menos radical, o regime
português, sobretudo em seu começo, constituiu-se em uma exceção, dada a sua ideologia
do “ruralismo”. Os direitistas radicais e os autoritários conservadores, quase sem exceção,
fizeram-se corporativistas no terreno formal da economia política, mas os fascistas eram em
geral menos esquemáticos nesses programas.
Em que pese a origem histórica do salazarismo, onde não se identifica o mesmo tipo
de ideais autoritários dos movimentos fascistas, Manuel Lucena (1976) chama a atenção,
capazes de reproduzir, todas as características do fascismo genérico.
36
contudo, para o fato do Estado Novo representar o modelo mais próximo da estrutura
formal do regime de Mussolini. De fato, as idéias fascistas em nenhum momento
tornaram-se plenamente institucionalizadas em uma estrutura estatal - e a idéia mais
próxima do que constitui um regime fascista encontra-se no caso italiano. O regime
português, apesar de diferenciar-se dos ideais dos movimentos fascistas, estabeleceu um dos
regimes autoritários mais bem institucionalizados e bem acabados estruturalmente no
sentido de permitir realizar plenamente, ao menos em tese, a idéia central do fascismo de
que o indivíduo deve estar inteiramente subjugado às necessidades do Estado31. O autor
reconhece, ainda, a ambigüidade dessa coexistência através da expressão “um fascismo sem
movimento fascista”.
Portanto, a aplicação do termo “fascista” ao regime deve-se a uma série de
características que podem lhe ser atribuídas: a eliminação dos partidos políticos e dos
sindicatos livres, substituídos pelo partido único (União Nacional) e por sindicatos e
associações oficiais: “grêmios”, para as associações patronais e “Casas do Povo” para as
localidades rurais; a constituição de forças paramilitares tais como a Legião Portuguesa e a
Mocidade Portuguesa; a institucionalização sistemática da censura e da repressão, através da
polícia política (PIDE32). Todos esses fatores contribuíam para a existência de um Estado
policial, em que o cotidiano era vigiado de forma sutil e onipresente, estendendo-se a toda a
população, embora de maneira intensificada no tratamento aos dissidentes do regime.
Mas a contrapartida de Payne (op.cit) identifica uma maior intensificação do fascismo
em Portugal após 1936, em decorrência da onda fascista no continente europeu. Contudo, já
31
De acordo com PAYNE (op.cit.), nem mesmo Mussolini conseguiu estabelecer uma instituição autoritária tão
plenamente acabada como o Estado Novo português.
32
Polícia Internacional de Defesa do Estado. Antes, Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE). Após
Marcelo Caetano, Direcção Geral de Segurança (DGS).
37
a partir de 1942 e definitivamente após a Segunda Guerra, o regime retorna a sua postura
conservadora.
Retomando o parágrafo anterior à digressão, interpretamos o regime português
como autoritário conservador em sua fundação e fascista em sua estrutural formal
político-institucional e em sua Constituição. Embora formalmente fascista, o Estado Novo
jamais aceitou as mudanças sociais, econômicas e culturais aspiradas por este movimento.
Ensaiou, ainda, uma postura próxima da direita radical, após o início dos conflitos coloniais
em África, vendo-se forçado a um imperialismo de expansão mais agressiva, a
modernizar-se e dinamizar-se economicamente - e a colocar em prática uma radicalização
com relação à eliminação do liberalismo vigente, quando então estabelece as eleições
indiretas e o voto orgânico. Por fim, ao início da fase de Marcelo Caetano, ensaiou um
retorno ao liberalismo, mas não conseguiu dinamizar-se o suficiente de modo a evitar uma
ruptura que partiu do interior do próprio regime. Essa complexidade de análise deve-se,
muito particularmente, à sua longevidade política.
Fascista ou não, o conjunto de “corpos” que constituíam o “Estado corporativo” se
articulavam em torno da (des)mobilização popular, sendo ao mesmo tempo instrumentos
de controle e, quando necessário, de repressão. Do mesmo modo, o aspecto oficial que
tinha de se conotar às múltiplas manifestações da sociedade - a cultura nacional, as
mentalidades, a produção de conhecimentos, a difusão de informações, a vida política, a
religiosidade, a educação, a intensa propaganda que era exercida por agências como o
Serviço Nacional de Informação (SNI), entre outros, pensavam o Estado como o único
dinamizador da sociedade e seu desenvolvimento, afora uns poucos órgãos independentes,
como o Jornal A República, que eram vigiados de perto, ou em períodos eleitorais, em que as
manifestações legalmente autorizadas dos candidatos opositores eram “toleradas”, sob a
38
pressão de muitas intimidações e represálias, como ocorreu em diversos pleitos. Mas o
regime não se sustentou no poder apenas pela força policial e pela repressão, senão também
por uma mentalidade hegemônica de uma época - que concebeu um ultranacionalismo
imperialista de inspiração conservadora e tradicional.
Os anti-salazaristas questionarão todo este sistema, tanto nos aspectos
político-institucionais do regime quanto na de suas idéias e mentalidade de origem
autoritária. Os aspectos sociais, políticos e culturais atribuídos ao regime pela oposição no
exílio, sobretudo o Portugal Democrático, enfatizavam a conjugação de um Estado policial,
repressivo e censor com uma mentalidade “obscurantista”, que impedia tanto a crítica
quanto a modernização do país - e toda a produção intelectual, artística e literária que
contestasse os valores do regime. O “ruralismo”, a identidade projetada sobre o povo
português, a manutenção de altos índices de analfabetismo, enfim, a imaginação da nação de
modo a levar Portugal “a viver de forma natural” (Leonard, 1998) e, sobretudo, as bases do
ultranacionalismo de impregnação autoritária e conservadora que sustentavam a empresa
salazarista e do Estado Novo, eram objeto de contínuo questionamento dos
anti-salazaristas. Tal leque de objeções fez com que a oposição atuasse em múltiplas frentes
de batalha, uma vez que o regime buscava revestir todos os níveis da vida social. A ação dos
anti-salazaristas do Portugal Democrático estende-se, pois, à atividade universitária, ao
movimento popular, partidos, editoras, sindicatos, aos escritores e à literatura, à
manifestação artística, à imprensa. As páginas do jornal refletem, pois, em parte, a circulação
desses exilados por esses múltiplos espaços. Os alcances e limites dessas críticas e da ruptura
pretendida serão objeto de grande discussão durante toda a trajetória da resistência, tanto no
exílio quanto em Portugal.
*
39
A resistência encontrou sempre uma imensa dificuldade de atuação em Portugal.
Embora variasse em suas formas de atuação, com setores de clandestinidade e de legalidade,
somente com pressão externa, nomeadamente as Guerras Coloniais em África e seu
conseqüente isolamento internacional, é que o regime não mais conseguiu sobreviver às já
sucessivas superações das contradições internas e externas 33 pelas quais tinha passado.
Segundo D.L. Raby (1988), foi a partir do início da década de 40 que ocorreu o aumento da
resistência popular. Ainda de acordo com este autor, até então o regime havia se
consolidado, beneficiando-se do ápice do fascismo na Europa e do estreitamento da
colaboração entre esses regimes autoritários. Internamente, a “estabilização das finanças”,
amplamente alardeada e divulgada, bem como a efetivação de sua estrutura
político-institucional, contribuíram favoravelmente para sua manutenção. 1940 é
considerado o ano áureo do regime e marcado pela celebração da Exposição O Mundo
Português34. A fraqueza dos movimentos anti-fascistas nesse período também era notória.
Constituíam-se em sua maioria de liberais republicanos que partiram para iniciativas tão
diversificadas como lutas armadas, tentativas de adaptação à clandestinidade e golpes de
Estado frustrados (1926-1931). O setor anarquista inicia seu enfraquecimento definitivo e o
Partido Comunista Português (PCP), de pouca penetração, irá se reorganizar apenas a partir
de 1941. Os anos 30 consolidaram o regime, intensificaram e sistematizaram a repressão,
dispersaram a resistência e foram marcados pela expansão do fascismo na Europa (D.L.
Raby, 1988)35.
A partir de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial e logo após o seu fim, o cenário
mundial e português será alterado, apresentando novas tensões dialéticas decorrentes da
33
Entre os fatores externos, o regime português conseguiu sobreviver aos impactos da Crise de 1929, da Guerra
Civil Espanhola, da Segunda Guerra Mundial, onde adotou uma posição “neutra”, e à onda anti-fascista que se
sucedeu ao pós-guerra.
40
onda anti-fascista. Tais disputas envolvem, pois, a persistência política do projeto nacional
salazarista - que procura, então, reafirmar a sua hegemonia -, e a contrapartida de ideologias
nacionalistas contra-hegemônicas. A resistência rearticular-se-á principalmente pela atuação
do Partido Comunista Português, que consegue organizar uma estrutura clandestina e a
estratégia bem sucedida de infiltração nos sindicatos oficiais. O período apresenta, ainda,
uma retomada na unidade das forças oposicionistas.
É importante nos determos, pois, sobre a dinâmica da resistência anti-salazarista em
Portugal, nas década de 40 e 50, de modo a compreendermos o enfraquecimento definitivo
dos setores republicanos e liberais burgueses da “oposição democrática” 36 . O primeiro
desses movimentos de resistência, o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional
Anti-Fascista) aparece em 1943, na esteira das lutas anti-fascistas surgidas na Europa, e
representa a primeira organização unitária de oposição desde o surgimento do regime. Sua
estrutura de ação e plataforma reivindicativa assemelhavam-se aos demais movimentos
anti-fascistas surgidos em países ocupados durante a Segunda Guerra, congregando
comunistas, republicanos e uma minoria de socialistas. De caráter clandestino, o MUNAF
planejava ações armadas, tendo contudo duas posições internas quanto a este tipo de luta: os
republicanos, favoráveis a um golpe de Estado, de um lado, e o comunistas, partidários do
levantamento popular, a ser intensificado através da agitação “das massas” para lutas que se
canalizassem para o derrubamento do regime. As maiores divergências internas, portanto,
referiam-se aos objetivos do levantamento, seja para restaurar a República liberal burguesa e
seu status quo, seja aquilo que os comunistas denominavam de “democracia avançada”, com
a destruição do Estado fascista. O que de fato ocorre é que o MUNAF não levantará armas
34
35
Cf. THOMAZ, Omar Ribeiro. (1997), cap.4
É também a partir das décadas de 30 e 40 que a propaganda do regime sistematiza-se no Brasil.
41
contra o regime, apesar da constituição dos GACs (Grupos de Ação Anti-Fascista) e das
conspirações militares republicanas que são levadas a cabo, mas fracassam por falta de
organização e de apoio de possíveis dissidentes do interior do próprio regime. Essa sucessão
de tentativas frustradas demonstrará a fraqueza do setor republicano liberal burquês em
aspirar o chamado putsch autonomamente, isto é, sem contar com o apoio de setores
populares para uma “insurreição nacional”.
Após o fim da Segunda Guerra, devido às fortes pressões internas anti-fascistas,
Salazar resolve disfarçar os símbolos mais evidentes do fascismo e, ao mesmo tempo,
promove as primeiras eleições do regime. Como conseqüência dessa iniciativa surgirá o
MUD (Movimento de Unidade Democrática) em 1945, a primeira organização legal da
oposição sob o controle do Estado Novo. No entanto, o MUD não consegue efetivar suas
reivindicações mínimas para a realização do pleito: liberdade de expressão e reunião,
legalização dos partidos políticos, abolição da censura, preparação de novos cadernos
eleitorais, etc. Tal manobra do regime demonstra bem, mais uma vez, um dos seus traços
mais marcantes: o de articulador de movimentos populares e desarticulador simultâneo
desses movimentos, por determinar os seus instrumentos de regimento e controle. A
estratégia do MUD acabou por ser a de se abster à consulta eleitoral, como forma de
desmoralizar o regime. Este procedimento ocorrerá em várias outras eleições daí em diante.
No entanto, o MUD conseguirá, ainda durante o processo eleitoral, tornar-se um
movimento de expressão popular devido à iniciativa, ainda em 1945, de recolha de
abaixos-assinados em apoio às eleições e à causa democrática. Esses abaixo-assinados
tiveram grande êxito e nos depoimentos que nos foram concedidos por membros do
36
“Oposição democrática” é a expressão cunhada e pela qual se auto-denominarão os movimentos contrários ao
regime em Portugal. Vale dizer que a democracia é considerado o valor que congrega essa oposição em uma
unidade. Portanto, não é apenas oposição per se, mas oposição democrática.
42
Portugal Democrático pudemos identificar uma participação ativa desses militantes nessa
iniciativa37. Entretanto, o MUD sairá desse episódio com sua imagem um pouco arranhada,
uma vez que o setor de Lisboa do movimento ingenuamente entregou uma lista de 50.000
assinaturas às autoridades.
Passadas as eleições e as ilusões quanto à liberalização do regime, o movimento tenta
sobreviver na legalidade, promovendo um série de atividades, entre elas a criação do MUD
Juvenil, do qual também participaram muitos dos membros do Portugal Democrático 38 .
Paralelamente, o setor republicano do movimento tenta novos golpes militares, todos
fracassados, tendo de reconhecer que seus elementos conservadores teriam de estar, a partir
de agora, subordinados aos elementos mais dinâmicos e “modernizadores” da oposição. O
MUD seria tornado ilegal em 1948, mas a unidade da oposição foi ainda suficiente para um
acordo em torno da eleição presidencial em 1949, da qual foi candidato da oposição o
General Norton de Matos. A campanha teve êxito, mas as dissidências internas entre as
correntes anti-fascistas tornaram-se evidentes logo após as eleições, marcadas por outra
abstenção, devido à recusa do regime em oferecer as condições mínimas exigidas pela
oposição para a sua participação no pleito.
Neste momento, a oposição novamente se fragmenta. O clima de guerra-fria, de
anti-comunismo no Ocidente tornara-se maior que a unidade em torno do anti-fascismo. O
MND (Movimento Nacional Democrático) criado em 1949, segue como a única trincheira
de combate, através da crítica sistemática ao regime.
37
É o caso, entre as pessoas que entrevistamos, de Alexandre Leal Dias e Manuel Lourenço Neto, que
participaram diretamente nessas ações,.
38
Como Alexandre Pereira, Manuel Soares, Vítor Ramos, entre outros. Joaquim Barradas de Carvalho e
Manuel Lourenço Neto foram membros do MUNAF. Maria Antônia Fiadeiro participou dos movimentos
estudantis do início da década de 60 e Augusto Aragão, dos movimentos estudantil e operário, nos anos 50.
43
As principais lideranças deste movimento39 eram o Prof. Ruy Luiz Gomes; Eng.
Virgínia Moura e seu marido Arq. Lobão Vital, ambos do PCP; o Prof. José Morgado e a
escritora Maria Lamas. Ruy Luiz Gomes e José Morgado, matemáticos, se exilariam no
Brasil, em Recife, e participariam ativamente das atividades dinamizadas pelo Portugal
Democrático. Como veremos adiante nos capítulos III, IV e V, os dossiês anuais, denunciando
a falta de liberdades em Portugal e a violação de Direitos Humanos e Crimes de Guerra em
África, elaborados pela “oposição democrática” no exílio das Américas e encaminhados à
ONU entre 1961 e 1973, tinham sempre como primeiro signatário o Prof. Ruy Luiz
Gomes, acompanhado até 1963 de Humberto Delgado, também exilado no Brasil.
Mas retornemos. O MND é o movimento de oposição ao regime que melhor
consegue articular uma coerência teórica e prática em torno dos princípios democráticos, da
resistência ativa, de modo que este tipo de oposição em Portugal seria definitivamente
alcunhado de “oposição democrática”
40
. O liberalismo ocidental encontrava-se
desmoralizado pela população, pois havia feito “vistas grossas” à presença de regimes
autoritários em Portugal e na Espanha, principalmente em face da entrada de Portugal na
OTAN (1949) e, posteriormente, na ONU (1955), atitudes que foram qualificadas de
“vergonhosas” e de “traição” aos democratas da Península Ibérica por parte dos Aliados
ocidentais. A democracia se impõe, então, como valor e como conduta unificadora desse
campo da oposição. A própria maneira de agir na tomada de decisões internas, de maneira
coletiva e debatida, procurava se apresentar publicamente, pela oposição, como uma forma
de protesto41. O MND faz campanha contra a entrada de Portugal na OTAN e tem nesse
39
Vide RABY, Dawn Linda. (1988)
Embora jamais tivesse conseguido o apoio de todos os setores da oposição.
41
Argumentos e demonstrações desse tipo foram muito comuns por ocasião do julgamento de membros do
MND sob acusação de “alta traição” em 1954. A intenção era a de demonstrar que a conduta ético-política com
base em princípios democráticos diferenciava-se das condutas arbitrárias aplicadas durante o julgamento. De
40
44
ato a primeira contrapartida repressiva do regime. Uma série de atividades continuam a ser
realizadas, como a comemoração do 5 de outubro (data da proclamação da República) e a
tentativa de participação nas eleições presidenciais de 1951 – realizadas por causa da morte
do ex-Presidente, Marechal Carmona, neste ano. Ruy Luis Gomes foi o candidato do MND,
mas não pôde levar sua candidatura a cabo, já que tanto seus partidários mais próximos,
quanto o próprio candidato, foram fortemente espancados logo após uma retirada forçada
em um de seus comícios, em Rio Tinto. Em seguida, sua candidatura foi tornada inelegível.
Entretanto, as ações de maior relevo do MND constituíram-se nas críticas à política
externa do regime e à sua política colonial. Com efeito, é a primeira força anti-salazarista que
irá criticar abertamente a política colonialista, em 1954, por ocasião da repressão às
manifestações populares que tiveram lugar em Goa, Damão e Diu. O PCP era
anti-colonialista desde sua reorganização em 194142, mas essa posição não havia ganho
expressão em atos públicos. As críticas geraram forte repressão e o julgamento, sob alegação
de “alta traição”, determinou a condenação de suas lideranças por “delitos” menores e,
conseqüentemente, o fim do MND.
O modo de atuar da oposição variou de tentativas de golpes putschistas e ações de
protesto como abaixo-assinados, para campanhas que despertassem uma mobilização
popular. Tais atividades mesclavam setores de legalidade e de clandestinidade. A alternativa
apresentada pelo MUNAF, de tomada do poder por um golpe militar (setor republicano) ou
por uma insurreição popular (comunistas), foi substituída por ações legalistas do MUD, sem
que tais tentativas deixassem de ocorrer. A fragmentação da oposição em decorrência da
Guerra Fria teve como contrapartida a utilização do discurso e de práticas democráticas
certo modo, era também uma crítica às democracias Ocidentais, no sentido de cobrá-las quanto a sua coerência
e o seu apoio aos democratas da Península Ibérica.
42
Cf. D.L. RABY (1988, capítulo III)
45
como formas de protesto. Este é, pois, o período de formação política dos exilados do
Portugal Democrático e influenciará tanto o seu modo de atuar, a partir do exílio, quanto
representará a diversidade de maneiras de se pensar a ação política. De fato, podemos
adiantar que, a partir de então, o maior esforço estará voltado à opção por uma tomada do
poder através da mobilização popular, legal ou clandestina; e um questionamento da
mentalidade do regime - de modo que a preparar uma destruição completa das instituições
autoritárias - e instaurar um regime efetivamente democrático. Contudo, as ações golpistas
não deixarão de suceder e, em especial, após a campanha de Humberto Delgado, as
divergências com relação à maneira de conceber a ação política despertarão discussões
acirradas a respeito da conduta ética mais adequada à oposição e os seus valores - o que
tornará a unidade cada vez mais fluida e, em alguns casos, as cisões serão definitivas.
Portanto, pudemos identificar que tanto o cenário do período pós-guerra quanto a
atuação da resistência em Portugal, neste momento, serão substantivamente diferentes do
momento anterior à Segunda Guerra, demarcando o fim progressivo da alternativa
republicana liberal no seio da oposição. É com relação a esse cenário, e suas expressões no
Brasil e em Portugal, que o grupo Portugal Democrático negociará sua identidade, a partir do
exílio.
A Situação Social do “imigrante político” português no Brasil: antigos e novos cenários
O Brasil foi ao longo do século XX receptor de grandes fluxos migratórios, dentre
os quais o português destaca-se em número e diversidade. Se, por um lado, a maior parte
desse contingente é de imigrantes em busca de trabalho e da “árvore de patacas”, por outro
lado, o Brasil foi também um dos principais portos de imigrantes políticos, opositores do
46
regime salazarista. Aqui chegados, esses imigrantes exilados darão conta da presença
portuguesa no Brasil – de mão de obra pesada – e a particularidade histórico-política e social
de suas trajetórias migrantes, nesse novo contexto.
Um dos aspectos mais perceptíveis da presença portuguesa no Brasil consiste na
importância singular do associativismo que, “para além de um factor de manutenção da identidade
étnica do grupo, é um traço revelador das cambiantes que marcam a estruturação desta mesma identidade”
(Paulo, Heloísa, 1995, pág.9). As associações portuguesas no Brasil dialogam, no processo
histórico, com os traços de mudança que marcaram a história de Portugal e a imaginação da
nação e sua identidade projetada pelos regimes vigentes e por seus opositores.
De acordo com Heloísa Paulo (op.cit), podemos classificar dois tipos de associações
portuguesas, conforme as identificações que as motivam. Em primeiro lugar, um grande
número de associações beneficientes e de socorros mútuos, construídas após a
Independência brasileira, ao longo do século XIX mas, em São Paulo, principalmente nas
duas décadas iniciais do século XX. Essas associações tenderam a uma defesa dos imigrantes
e “seu caráter cultural específico” - ressaltado com o surgimento das casas regionais. Em
contrapartida, as associações de cunho político são tão antigas quanto - e já abrigaram
exilados desde os liberais do início do século XIX (vide Gabinete Português de Leitura 1828). Na metade anterior à Segunda Guerra, neste século, estiveram fortemente presentes
os exilados do republicanismo, que fundaram Centros Republicanos e jornais tanto no Rio
de Janeiro, quanto em São Paulo.43
43
É o caso, em São Paulo, do Centro Republicano de São Paulo, fundado em 1908, mas com participação ativa
nos anos 30, com o periódico Portugal Republicano (com o apoio do Centro Republicano Dr. Afonso Costa) - e
que depois abrigará a redação do Portugal Democrático. No caso do Rio de Janeiro, temos o Grêmio
Republicano Português, também de 1908 e bastante ativo nos anos 30; e a Sociedade Luso-Africana de 1931.
Por outro lado, são também da década de 30 a União Portuguesa Dr. Oliveira Salazar (1933) e os jornais
Portugal Novo e Voz de Portugal, ambos de apoio ao regime.
47
A intervenção dos Estados-Nações português e brasileiro fizeram-se marcar desde o
período anterior à Segunda Guerra. A partir dos anos 30 tem-se a imagem trabalhada e
veiculada pelo regime português em que se atribui ao imigrante um “papel heróico” no
suposto “destino imigratório” do país. No Brasil, o governo brasileiro de Getúlio Vargas,
através de sua política nacionalista, estabelece pela legislação uma restrição ao fluxo
migratório, dada a “ameaça econômica” que representavam 44. Outras medidas viriam a
proibir os meios de comunicação imigrante e, por fim, as associações de cunho político45.
As associações políticas desse período traçavam uma outra visão acerca da imigração
portuguesa para o Brasil, enfatizando a pobreza do imigrante e as misérias e perseguições
políticas vivenciadas em Portugal. Com sua proibição a partir de 1934 e perseguições
políticas que se estenderam até 1938, ainda tiveram uma pequena produção depois de 1942,
ano em que o Brasil entrou na Segunda Guerra e passou a permitir a emergência, na
sociedade civil, de discursos anti-fascistas.
Os exilados políticos do pós-guerra, embora distantes do republicanismo de 1910,
reelaboram em sua maioria esse legado de resistência da primeira metade do século. É o caso
do Portugal Democrático - e da presença significativa de Sarmento Pimentel e Jaime Cortesão,
antigos republicanos, que participam da fundação desse jornal, juntamente com a parte
majoritária de novos exilados. O primeiro irá se tornar uma espécie de decano dos exilados
anti-salazaristas de São Paulo e Jaime Cortesão será considerado um grande “professor de
democracia” 46, apesar de sua curtíssima colaboração no jornal. É também significativo,
44
Decreto Lei 19842, de 19 de dezembro de 1930, que estabelece quotas para a entrada de imigrantes e para a
ocupação de postos de trabalho em empresas. Aponta, ainda, o intenso fluxo migratório como causa de
desempregos.
45
Respectivamente, o artigo 122 da Constituição do Estado Novo do Brasil de 1937 e o Decreto-Lei 389, de 25
de abril de 1938.
46
Ref. Portugal Democrático, número 40, agosto de 1960. Nesse número, as páginas do jornal são dedicadas
especialmente a Jaime Cortesão, por ocasião de sua morte.
48
nesse sentido, a reabertura do Centro Republicano Português, em 1958, e que se encontrava
fechado desde 1944.
Algo do ambiente com que se defrontam, neste momento, é também uma
reelaboração do período anterior à guerra. É o caso da “guerrilha velada” aos exilados
anti-salazaristas, travadas por representações consulares e algumas associações da colônia,
como a Federação das Associações Portuguesas (fundada em 1931), que atuam como
verdadeiros agentes do regime. Esse é também o caso, em São Paulo, da Casa de Portugal
(fundada em 1935) e do consulado português dessa cidade. Segundo Heloísa Paulo, “(...) um
quadro de ações que se encontra articulado a partir da década de 30, cujo principal objetivo é desacreditar as
vozes dos imigrantes políticos que se manifestam contrários ao Estado novo” (op.cit., pág.10). São
exemplos dessas práticas de vigilância os relatórios consulares acerca de elementos da
oposição; circulares que emanam do Palácio das Necessidades para a PIDE; pedidos
diplomáticos para o governo brasileiro coibir as manifestações contrárias, entre os
imigrantes, ao regime vigente em Portugal 47 ; comendas entregues a importantes
personagens da “colônia salazarista” e incentivo a demonstrações de apoio ao regime e a
Salazar. Esse conjunto de ações são articuladas por redes “de controle e propaganda” do
regime, em que as informações e o policiamento vinculam a embaixada portuguesa no Rio e
o consulado de São Paulo aos órgãos governamentais de controle em Portugal. Aliada a essa
rede transnacional, encontra-se em nível local a produção de imprensa das associações
favoráveis ao regime. Os demais aspectos substantivos desse discurso sobre o “outro”
anti-salazarista serão tratados ainda neste capítulo.
Apesar de certas continuidades acima identificadas, entre o período anterior e o
pós-guerra, a conjuntura externa e interna com que se defronta o regime encontrar-se-á
47
PAULO, Heloísa (op.cit.)
49
significativamente alterada. De um lado, a onda de anti-fascismo que irá contagiar os
movimentos populares na Europa do pós-guerra – e Portugal não será exceção; de outro,
uma nova configuração geo-política, em que são criados organismos de defesa dos Direitos
Humanos, contrários à violação de liberdades fundamentais protelados na Carta da ONU.
Após esse período imediatamente posterior à Segunda Guerra, outras contradições
iriam aprofundar ainda mais as tensões do regime. É o caso da política internacional de fim
dos impérios coloniais, a favor da auto-determinação desses povos, implementada pela
ONU. Contrário a essa nova política, o regime português sofrerá inúmeras sanções e se verá
forçado ao estabelecimento de uma dinâmica de produção econômica desenvolvimentista e
modernizadora – o que não havia ocorrido até então – como forma de enfrentar as
chamadas “Guerras Coloniais” ou de “Libertação Nacional” em África, declaradas a partir
de 1961. Com efeito, uma dupla contradição irá ameaçar de morte o regime: as tensões
existentes entre um aparelho institucional rígido, restrito, pouco dinâmico e conservador em
face de exigências derivadas de um desenvolvimento industrial acima referido, com o
agravante de uma maior dependência com relação à Europa; e a contradição entre a sua
expressão ideológica autoritária e nacional-colonialista e as aspirações pluralistas e
anti-colonialistas desencadeadas pela nova dinâmica social e cultural que caracterizou os
anos 1960.
De acordo com essa nossa interpretação, o derrube da ditadura surge como
conseqüência do esgotamento de um modelo autoritário que não saberá enfrentar o impasse
do colonialismo e as pressões externas, agravadas com o crescente isolamento internacional.
A insistência no projeto nacional-colonialista, mediante o novo jogo de forças
internacionais
- e sem qualquer disposição a
negociações com os Movimentos de
50
Libertação Nacional, davam mostras de uma “evidente” queda do regime desde meados da
década de 196048.
Com relação ao caso do exilados anti-salazaristas do Portugal Democrático, à exceção
dos antigos republicanos que integraram o grupo, a Segunda Guerra e seu período
imediatamente posterior (portanto, o decorrer dos anos 40) são vividos em Portugal, com
grande intensidade de agitação política que culminam nas eleições de 1945 - a primeira à
qual o regime se vê forçado a realizar e a sabotar – e a campanha para Presidência do
General Norton de Matos, em 1949. Esse é o período em que a grande maioria dos futuros
exilados do Portugal Democrático encontram sua formação política, através dos movimentos de
unidade da oposição MUNAF e MUD, além do MND, que se estende pela década de 1950.
É também um momento de forte influência do Partido Comunista Português (PCP) como
catalizador da unidade dos setores de oposição, sendo este considerado o seu período áureo.
*
A década de 1950 registra o maior fluxo dos auto-denominados “imigrantes
políticos” que irão compor a resistência anti-salazarista na cidade de São Paulo, em
particular no Portugal Democrático. Tal fluxo se estende, contudo, até o final dos anos 60,
tendo diminuído gradativamente a sua intensidade.
As explicações para o aumento desses contingentes nos anos 1950 relacionam-se,
sobretudo, às frustrações políticas decorrentes desse período, em que a oposição sofre
derrotas e é desarticulada a unidade conquistada nos anos 1940, em grande parte devido à
difusão do “anti-comunismo” característico do início da Guerra Fria 49 . A entrada de
Portugal na OTAN (1949) e na ONU (1955) deram novo fôlego ao regime e sua
48
Carlos Guilherme Mota proferiu palestra no Centro Republicano Português de São Paulo em 05 de outubro de
1971, sob título “A descolonização é um processo inevitável”. Cf. também: MOTA, Carlos Guilherme (1989)
49
É o caso dos depoimentos de Manuel Lourenço Neto, Fernando Lemos, Alexandre Leal Dias, entre outros.
51
rearticulação interna, permitindo sua reestruturação e o exercício intensificado da repressão
política. A postura da ONU com relação a Portugal será modificada aos poucos, conforme
já comentamos de passagem.
O depoimento de Manuel Lourenço Neto dá bem a idéia deste momento:
“Resolvi vir para o Brasil, nessa altura havia uma grande repressão lá em Portugal, e uma certa desesperança
porque o fascismo tinha criado grandes dificuldades à resistência antifascista – mil novecentos e cinqüenta e
cinco. Os núcleos de resistência do Partido Comunista e do próprio MND, que já não existia, não é?
Realizaram-se muitas prisões”.
Quando perguntados, nas entrevistas, sobre os motivos da imigração, foram
unânimes os motivos políticos, embora se intercalassem, em alguns casos, com motivos
econômicos e afetivos. A vinda ao Brasil em geral era mediada por contatos anteriormente
estabelecidos.
“Sim. Bom, o motivo principal era a limitação de perspectivas de vida que a situação política portuguesa
oferecia ao sujeito que pretende humanamente se realizar, que é casar, constituir família, enfim... E a vida era
muito apertada nesse sentido. Tanto mais que grande parte da juventude portuguesa – e nem só a juventude
– via como única saída, uma boa parte, a imigração, a saída para o estrangeiro. (...) Em cinqüenta e cinco
já a coisa era apertada do ponto de vista político, no meu caso, para mim, né?, este era o lado motivador
principal; por outro lado, o fato de já ter passado por aqui e ter arranjado uma namorada que eu gostava,
correspondência e tudo o mais, isso completou a decisão para vir prá cá.” (depoimento de Manuel
Lourenço Neto)
“Eu não sabia se ia ficar aqui, mas havia – como não em mim só mas em todas as pessoas que eu estimava
em Portugal e me interessava – uma grande curiosidade em conhecer o Brasil, como português isso é muito
importante. E eu já fui criando lá conhecimentos de gente, conheci o Murilo Mendes, Marcos Rabelo...o escritor
Marcos Rabelo, vários intelectuais me diziam: ‘Olha, você vai para o Brasil! Vai para o Brasil!’. E eu dizia:
‘ Olha que eu vou, héim! Olha que um dia eu vou!’. De maneira que esse entusiasmo me trouxe, e eu não sabia
se eu ia ficar mas, a Portugal eu sabia que não ia voltar mais. Eu cortei tudo, problemas familiares, tudo, os
amigos, quer dizer, dei um golpe certo, fui embora e disse: ‘Não volto!’” (depoimento de Fernando
Lemos)
Os motivos políticos eram diversificados: perseguições pela PIDE, atividades
políticas clandestinas que se tornavam desgastantes ou falta de perspectivas profissionais
devido ao comprometimento com atividades políticas, sendo alvo de exclusões (muito
52
comuns na carreira universitária)50, da censura (no caso de artistas, jornalistas e escritores).
Enfim, toda a forma de militância ou de atividade política contestatórias tornava-se aos
poucos um constrangimento com o país. Podemos notar com isso que a oposição ao regime
não era pontual, mas estava voltada contra todo um sistema em que a permanência no país
tornava-se insuportável. Tal sentimento de alheamento51 expresso na conhecida frase de
Jorge de Sena “fui sempre um exilado, mesmo antes de sair de Portugal” 52 , fazia com que se
identificassem como outro tipo de imigrante ao chegarem ao Brasil. Não eram “imigrantes
econômicos”, mas “imigrantes políticos”; não eram “colônia”, eram “diáspora”, ou mesmo,
não eram simplesmente “imigrantes”, mas “exilados” ou “refugiados”. De certo modo, o
exílio já se iniciava em seu próprio país, dada a completa rejeição da identificação do país ou
da pátria com o regime, tanto ideologicamente quanto por contingências concretas. Aqui
chegados, viam que suas aspirações eram diferentes das que motivavam a maioria dos
imigrantes portugueses do Brasil, alcunhada genericamente de “imigração econômica”, do
mesmo modo que a presença institucional portuguesa no Brasil – alcunhada oficialmente de
“colônia”, era por assim dizer uma “extensão do regime”, corporações do Estado que
procuravam divulgar o regime junto aos emigrados, ao mesmo tempo em que se
reproduziam as exclusões aos “dissidentes do regime” ou “insubmissos da colônia” 53 ,
existentes em Portugal.
50
O historiador Joaquim Barradas de Carvalho escreveu entre 1964 e 1970 uma coluna no Portugal
Democrático chamada de “O Obscurantismo Salazarista”, em que analisava e denunciava as perdas sofridas nos
campos universitário, artístico e intelectual, devido a proibições, censuras ou retaliações a anti-fascistas, que se
viam impedidos de exercerem suas profissões em seu país de origem. Após o 25 de Abril, essa coletânea de
artigos foi reunida e publicada em livro: CARVALHO, Joaquim Barradas de. (1974) – O Obscurantismo
Salazarista, Lisboa, Seara Nova.
51
Referências a este “alheamento” aparecem em todos os depoimentos gravados.
52
SENA, Jorge de. “Fui sempre um exilado, mesmo antes de sair de Portugal”, Abril, Lisboa, no. 3, pp.36-38,
abril de 1978.
53
“Bom, pelas razões que eu expliquei, nós éramos exilados, nós estávamos excluídos mesmo. Quer dizer, nós
não tínhamos vez. As pessoas mais velhas do que eu – o Casais já era meu amigo lá, o Casais Monteiro, e
veio para aqui depois...eu ajudei-o a vir para aqui –, que eram gente já de outra geração anterior, que já
estavam queimadas, já não tinham a exercer nada, nem publicavam, nem dar aulas e tal, então essa era a
expectativa que eu tinha, era de que eu iria acabar também sendo mais um excluído, ia fazer...estava criando
a carreira de excluído, né? Então nós já éramos exilados, a gente sentava só em certos lugares onde encontrava
os amigos, onde tinha menos Pides à espreita, que já se identificava, a gente já sabia que eram...que estavam
ouvindo a conversa. Era um terror, quer dizer, éramos exilados mesmo dentro do próprio país. O país era um
país mediocrizado. Isso foi fácil de sentir, quem puder que se salve. E eu vi que a outra geração não dava mais
para salvar, já estavam velhos.” (depoimento de Fernando Lemos)
Já no decorrer da segunda metade da década de 50, os “imigrantes políticos” vão se
deparar também com um contexto adverso ao regime português, que procura
continuamente defender o seu projeto nacional, interna e externamente. A partir de sua
localização enquanto exilados no Brasil, esses “imigrantes políticos” procuram angariar o
apoio articulado de setores da sociedade civil brasileira, como forma de legitimar uma
imagem contra-hegemônica sobre Portugal e incentivando a opinião pública neste país a
pressionar o governo brasileiro. Desse modo, procuram questionar a presença
institucionalizada e oficial de Portugal, num embate frontal com as associações e às assim
chamadas “colônias”. É de se anotar que a sociedade brasileira encontrava-se em um
período de intensa democratização da vida política, portanto, cobrava-se do governo
brasileiro uma postura de coerência com os valores democráticos vividos no país e sua
aplicação em face do “problema” português. Essa conjugação entre antigas e novas tensões
no cenário internacional, português e brasileiro, demarcarão a multiplicidade de ações dos
anti-salazaristas, nos também múltiplos espaços de negociação em que irão circular. Nesse
primeiro momento, de reunião do grupo e fundação do jornal, os espaços serão locais.
Somente com o decorrer do tempo, e efetivamente a partir de 1958, é que o movimento
53
PAULO, Heloísa. (op.cit.). Terminologia utilizada em um dos ofícios encominhados pela Embaixada de
Portugal no Brasil a Salazar, para se referirem aos setores da imigração contrários ao regime.
54
anti-salazarista dos exilados portugueses do Brasil ganhará redes que o articulará a outras
partes do país e do mundo.
Contudo, na maior parte do período analisado nos demais capítulos dessa unidade,
os exilados anti-salazaristas do Portugal Democrático atuarão em múltiplos espaços públicos,
em que o local das práticas poderá se restringir ora a São Paulo, ora estendendo-se a outras
regiões do Brasil ou das Américas, ora a outras partes do mundo, articulado a redes
internacionais que farão circular os signos da diferença, do anti-salazarismo, da resistência,
além de pessoas e de valores. Quanto ao conjunto de ações locais, este expunha os embates
junto às associações e órgãos oficiais do regime. Essas ações procuravam deslegitimar o
papel representativo das associações e das visões hegemônicas sobre Portugal, no âmbito da
diáspora, procurando angariar o apoio e a simpatia inclusive de setores da sociedade civil
brasileira. As ações em nível internacional expandiam os princípios da resistência,
divulgando e denunciando as situações vividas em Portugal a outros núcleos de imigrantes,
movimentos de resistência em outras partes do mundo e a Instituições de defesa dos
Direitos Humanos, tais como a ONU, OIT (Organização Internacional do Trabalho),
Tribunais de Paz e de Crimes de Guerra, Comissões Pró-Anistia, etc. O jornal Portugal
Democrático irá se tornar um indicativo da circulação desses imigrantes exilados por esses
espaços públicos, em nível local e internacional.
Portanto, a chegada ao Brasil representa, em um novo contexto, a continuidade de
uma diferenciação e de uma luta já iniciadas em Portugal. Embora as rupturas na vida
pessoal tenham início com o próprio estranhamento do país e a rejeição dessa condição,
também expressa na conhecida frase de Casais Monteiro “nos tempos de Salazar era impossível
ser-se dignamente português”, o embate contra o regime, a partir do exílio, desenvolve-se em
múltiplas frentes, do qual o Portugal Democrático será um porta-voz privilegiado. Trata-se de
55
realizar a própria vida que não foi possível em Portugal - ou então, inventar e procurar
realizar o Portugal que não foi possível em Portugal. A rejeição sistemática, portanto, não é
a negação do país, mas de uma mentalidade ultranacionalista, um projeto nacional autoritário e
conservador e uma instituição política que dispõe de meios para a completa subjugação dos
indivíduos, sobretudos dos dissidentes do regime. O que estará em jogo, pois, é o
questionamento de uma mentalidade e de uma instituição, mas também a possibilidade de se
pensar e procurar realizar um outro país a partir do exílio.
A Fundação do Jornal e os Primeiros Embates
O ex-jornalista e professor de literatura Vítor de Almeida Ramos e o operário
Manuel Ferreira Moura, ambos comunistas e chegados ao Brasil na primeira metade da
década de 50, tiveram a iniciativa de contatar os portugueses anti-fascistas que se
encontravam dispersos em São Paulo para a formação de um órgão de imprensa contrário
ao regime. A plataforma do jornal seria ampla o suficiente para que se abarcasse as diversas
tendências anti-fascistas. O jornal pretendia divulgar a situação que se vivia em Portugal e
era a concretização da aspiração de se constituir um grupo de anti-salazaristas a partir do
exílio.
De fato, o único contingente mais ou menos organizado de opositores ao regime
português encontrava-se constituído como uma célula do Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Outros ativistas mais dispersos eram os republicanos de tradição liberal, como João
Sarmento Pimentel e Jaime Cortesão. Logo no início, o jornal contou ainda com a
colaboração efetiva de pessoas das mais variadas tendências ideológicas, como Adolfo
56
Casais Monteiro, a escritora Maria Archer e, a princípio, até monarquistas como Thomaz
Ribeiro Colaço.
O primeiro número do jornal, com periodicidade mensal, aparece em 7 de julho de
1956 e, a partir da celebração, neste ano, da data do “5 de outubro”, conta já com
colaboradores efetivos, tendo-se ampliado sua inserção nos antigos quadros de militantes
republicanos. Entretanto, as dificuldades esperadas não deixam de se concretizar e o jornal
perde sua periodicidade nos números 13/14, de junho/julho de 1957. A pequena
penetração atingida nas primeiras tiragens devia-se, principalmente, ao quase completo
desconhecimento do que se passava em Portugal, seja entre brasileiros, seja entre
muitíssimos dos imigrantes portugueses que se encontravam no Brasil havia vários anos,
alheios às atividades da “colônia” ou então, quando tinham acesso a informações de
Portugal, encontravam-nas mediadas pela censura e pelas agências de propaganda do
regime 54 . Entretanto, nesse período em que o jornal deixou de ser publicado, esses
anti-salazaristas permanecem reunidos, como movimento, intensificando o estabelecimento
de contatos com núcleos de anti-salazaristas em outras partes do Brasil, como no Rio de
Janeiro, além da chegada de novos contingentes de jornalistas, alguns deles demissionários
do periódico português Diário Ilustrado, em 1957, e então contratados, em sua maioria, pelo
jornal O Estado de São Paulo, que iriam se agregar ao movimento. Contavam-se entre esses
jornalistas, Miguel Urbano Rodrigues (que, na época, não era militante do PCP); Victor da
Cunha Rego; João Alves das Neves; Carlos Maria de Araújo (também escritor e militante do
PCP) e Sant’Anna Mota, entre outros. Do mesmo modo, conseguiu-se a aproximação de
diversos ativistas, pessoas que iriam tornar o jornal possível através do trabalho gráfico, de
54
Essa é uma avaliação recorrente nas próprias páginas do jornal, conforme veremos em passagens de artigos
transcritos a seguir, neste capítulo.
57
impressão, distribuição, divulgação, fazendo-o de forma voluntária, pela causa de sua
militância.
O primeiro ano do jornal já deixava claro que este rejeitaria o projeto de nação
estadonovista, numa tentativa frustrada de negociar os seus interesses junto aos imigrantes
portugueses e mesmo os brasileiros, de uma forma geral.
Mas, em grande medida, esse fracasso inicial se deve por encontrarem uma
sociedade brasileira que desconhecia a situação de Portugal, sendo difícil sua inserção. Esse
desconhecimento da situação portuguesa pode ser atestado no relatório de 11 de junho de
1957 do DEOPS, por ocasião da visita do Presidente Gal. Craveiro Lopes ao Brasil 55. O
relator, acompanhando uma reunião do movimento estudantil (em 8/6/57), surpreende-se
com o pedido de uma senhora portuguesa que participa da reunião, a escritora Maria Archer,
para que se votesse “uma moção de protesto contra a visita do Gal. Higino Craveiro Lopes a São Paulo
e em repúdio aos gastos excessivos feitos pelo Governo brasileiro no acolhimento a um ditador português”. A
moção também criticava a atribuição do título de Doutor Honoris Causa a Craveiro, proposto
pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. O
relator, um tanto perplexo, descreve que a moção foi aprovada, mas que os estudantes
brasileiros não compreendiam as razões da revolta da escritora contra seu país e mesmo o
fato de se encontrar foragida de sua terra natal. E segue: “afirma um dos estudantes diretor da
UESP [União Estadual dos Estudantes de São Paulo], com quem palestramos a respeito que, ele
próprio tendo buscado colher informações junto ao consulado português a respeito da escritora Maria Archer,
ali lhe informaram ter a mesma sido forçada a deixar Portugal, por ser tida como comunista e agitadora”.
Outros estudantes perguntavam-lhe: “ – se o Gal. Craveiro Lopes é ditador e odiado pelos democratas
55
Ref. Arquivo Deops, registro (50-C-24 – 321, 321A e 323)
58
portugueses, como se explica a recepção que não só a colônia, mas o próprio Gabinete Português de Leitura e
a Casa de Portugal no Rio de Janeiro lhe vêm proporcionando de uma maneira tão espontânea e patriótica?”.
A ingenuidade do estudante diretor da UESP fica atestada ao procurar informações
sobre Maria Archer junto ao consulado português. O funcionário do consulado não lhe
informa a verdade, uma vez que Maria Archer tinha se tornado uma dissidente do regime em
tempos recentes, por conta do seqüestro de um de seus livros pela PIDE, em que relatava o
julgamento do Capitão Henrique Galvão. Em seus livros, eram comuns as referências ao
espaço colonial português, a mestiçagem e a ideologia da irmandade e da democracia racial,
de Gilberto Freyre, que inclusive prefaciou um de seus textos56. Maria Archer chegou a
ganhar prêmios de literatura distribuídos pelo Serviço Nacional de Informações (SNI),
órgão responsável pela propaganda do regime57. A atribuição de comunista era, portanto,
genérica aos dissidentes do regime. Quanto às perguntas dos estudantes sobre as
manifestações patrióticas, vemos nelas o desconhecimento de que tais associações eram de
política oficial e corporativa e que tal recepção fazia parte da imagem e da propaganda do
regime junto à “colônia” de portugueses no Brasil.
Alguns leitores poderão achar normal o fato de estudantes brasileiros
desconhecerem a situação portuguesa de tal maneira. O fato é que, após 1958 e com maior
intensidade no período de 1961 a 1964, os exilados portugueses anti-salazaristas serão
acompanhados de perto pelos agentes do DEOPS, sendo de seu conhecimento tanto suas
tendências ideológicas, quanto as características do regime português e a situação em
Portugal. Do mesmo modo, há uma aproximação cada vez maior dos anti-salazaristas com
os movimentos de esquerda e estudantis brasileiros, nesses anos. A atribuição de um título
de Doutor Honoris Causa a um ditador português seria impensável nessas circunstâncias.
56
ARCHER, Maria (1957) – Terras Onde se Fala o Português, São Paulo, Ed. do Autor.
59
*
Um dos primeiros embates travados nas páginas do jornal, como forma de procurar
aproximar setores dos emigrados para o lado anti-salazarista, encontrava-se na disputa sobre
a noção de Pátria, ou melhor, na tentativa de se retirar a aproximação amplamente bem
sucedida do discurso hegemônico em que se justapunha Pátria e governo e, portanto,
relacionando patriotismo a uma identificação com o regime ou à própria figura
personalizada de Salazar. Nesse sentido, os anti-salazaristas, contrários ao governo, eram
portanto “traidores”, anti-patriotas. Essa é uma disputa que se prolonga ao longo do tempo,
sobre a qual podemos encontrar vários artigos em diversos anos do jornal. Entretanto, tal
discussão apresenta-se como desafio frontal à negociação nesse momento inicial, sendo em
ocasiões posteriores repetidos os argumentos que são suscitados dessa disputa, nesse
primeiro ano do jornal, como tática de sua inserção. Um dos artigos mais significativos da
postura do movimento é “O Patriotismo Deles”, que foi publicado e republicado a pedido
de leitores, tendo sido posteriormente incluído no livro-coletânea Salazar Visto do Brasil, de
1962, com artigos em sua maioria publicados no Portugal Democrático 58 . O texto, que
dividimos em duas partes para a análise, é de Júlio Silvestre e foi publicado pela primeira vez
em novembro de 1956:
[I]
“O PATRIOTISMO DÊLES”
“Penosíssima tarefa a da publicação de um jornal de oposição ao governo lusitano no meio da
comunidade portuguesa do Brasil. Ninguém pode imaginar a soma de sacrifícios, de más vontades, de
animadversões até, que têm de arrastar todos aqueles que se traçam o dever de alimentar, longe da pátria e dos
que mandam nela, a pequenina mas sempre viva chama do ideal democrático.
O português do Brasil, se não de um modo geral, na sua grande maioria, confunde lamentavelmente
o país com o governo. Pouco se lhe dá o regime que este siga. Vermelho, verde ou amarelo, o essencial é que ele
saiba enaltecer aquilo que faz. Enaltecendo-se a si, enaltece logicamente o país. Se há verdade na sua
propaganda, melhor para os que lá vivem; se não há, perdoa-lhe a mentira pelo que ela contribui para o
57
CF. Portugal Democrático, número 11, abril de 1957, pág.1.
No livro, SILVESTRE, Júlio – “O Patriotismo Dêles” in CUNHA RÊGO, Victor da. (org.) (1962) – Salazar
Visto do Brasil, São Paulo, Editora Felman-Rêgo, pp-14-16.
58
60
prestigiar fora da terra. Num ou noutro caso, o que ele não consente e de maneira nenhuma leva à paciência
é que outros portugueses, pelo simples facto de discordarem do regime que lá vigora, se atrevam a contestar e a
empanar o brilho, falso ou verdadeiro, dessa propaganda. Ele admite facilmente, numa roda de amigos, à mesa
de um bar ou botequim, que efetivamente exista miséria, opressão, toda a espécie de tirania e arbitrariedade
de que a oposição se queixa.
Já muitos nos têm confessado a situação deprimente em que viviam no tempo em que as constantes
revoluções e crises de governo davam de Portugal no estrangeiro a idéia de um país à deriva. Pouco lhes importa
que o povo português nesse tempo fosse mais feliz do que é hoje e desfrutasse do direito, que hoje lhe negam de
reclamar e protestar contra as administrações ineptas ou corruptas. Pelo contrário : estamos em dizer que muito
português do Brasil votaria de bom grado pela eterna supressão da liberdade e do bem-estar do povo a que
pertence, se essa liberdade e esse bem-estar, concorressem de algum modo para reduzir a propaganda oficial que
os envaidece... no estrangeiro.
Chamam a isto patriotismo. É possível que seja. Mas é um patriotismo falso, um patriotismo sem
raízes na terra nem laços de solidariedade com o povo que nela vive. É um patriotismo que aumenta ou diminui
consoante o prestigio pessoal que dele se tira. Não o compreendemos porque se opõe inteiramente ao nosso.
[ II ]
O nosso patriotismo entendemo-lo como um sentimento fraternal, um elo de amizade e de família com
um povo que tem de comum conosco língua, história, tradições, defeitos e virtudes que nos caracterizam e
distinguem no meio da grande família humana. Para nós só o povo conta, porque só ele é eterno e só ele dá
sentido e expressão a esse conceito de Pátria. O que nos orgulha nele não é o conformismo e a submissão com
que resignadamente se sujeita às ordens e às leis dos que o governam, mas a altivez, o orgulho e a liberdade com
que procure continuar e realizar sua missão na história. O que nos orgulha nele não é o trabalho
do seu governo, a lisura das suas contas, a estabilidade da sua moeda, a ordem
policiada em que ele vive; o que nos orgulha nele é o que ele teve e não tem agora, a
plena liberdade de se afirmar através da obra dos seus poetas e dos seus artistas, dos
seus professores e dos seus operários, dos seus industriais e dos seus agricultores,
de todos, enfim, que constituem o corpo, o sangue, a seiva de uma pátria. E que ele
viva livre e feliz, senhor da sua vontade e do seu destino.
Nós sabemos, sim, que para a maioria dos homens e, neste caso, para a maioria dos portugueses que
aqui vivem, a liberdade deixou de ser uma bandeira suficientemente respeitável para
justificar ataques a um sistema de governo que a não reconhece nem respeita. Mas o
que nós não podemos compreender é que se aceite, se defenda e se aplauda um governo cuja maior condenação
se encontra no simples facto de ele recusar toda a crítica, todo o reparo, toda a observação que não parta da
camarilha que o cerca. O que nós não compreendemos é como se possa acreditar em afirmações que se façam
numa imprensa onde nem sequer houve o rebuço ou a inteligência de apagar o infamante estigma que exibe no
cabeçalho de todos os jornais: "VISADO PELA COMISSÃO DE CENSURA". Como pode
haver verdade onde a liberdade se nega? O que é a verdade se não o resultado de uma suprema e
última apuração que se faça de princípios, de conceitos, de idéias e factos através da analise, da discussão e da
crítica? Como se pode acreditar que seja branco aquilo que nos não deixam analisar e verificar se é preto?
Sempre respeitamos o patriotismo dos outros. O que não podemos respeitar e absolutamente
desprezamos é esse falso patriotismo que se alimenta de mentiras douradas e se recusa, pelo rebuço de reconhecer
a verdade, a desagravar com o seu protesto a situação deprimente e vexatória em que vive perante o mundo o
povo a que pertence.” [grifos nossos]
61
O texto contrapõe a postura de “conformismo” de muitos imigrantes à “liberdade
para continuar a realizar sua missão na história”. O primeiro apoia-se nos fundamentos da
estabilidade e da ordem, ao passo que o segundo apresenta-se como a liberdade de
expressão e de criação, possíveis através do exercício da crítica. A criação opõe-se, portanto,
ao obscurantismo. Tais contraposições expressam tanto uma crítica a um patriotismo
conservador e conformista - que reconhece sua miséria mas não pretende transformá-la quanto expressam um desejo da resistência no exílio: a de ter a liberdade e a possibilidade de
inventar e tornar possível a afirmação de uma outra imaginação do que seja a nação
portuguesa e a pátria
O primeiro trecho do texto deixa evidente um aspecto muito comentado nas
entrevistas que realizamos: um certo enaltecimento do regime português59, e que encontrava
grande difusão entre os imigrantes. O que é bastante comum nesses depoimentos é também
o fato de alegarem que muitos imigrantes sabiam das más condições de vida em Portugal, da
ausência de liberdades e de possibilidades de trabalho, mas aproveitavam-se da propaganda
difundida pelo regime como forma de “auto-afirmação” ou como “uma maneira de se defender
frente as piadas dos brasileiros”60. Embora esta seja uma elaboração do discurso anti-salazarista,
é de se comentar que a imigração portuguesa é ainda hoje estigmatizada pela população
brasileira, em uma série de imagens que remetem tanto ao seu caráter de colonizador e de
mesquinhez comerciante (“pão-duro”), quanto às características desse fluxo migratório,
constituído em sua maior parte de trabalhadores pouco qualificados, que aceitavam os
piores serviços e exerciam dupla jornada de trabalho - e que revelam um outro aspecto da
sua situação social no Brasil. Gladys Sabina Ribeiro (1990) comenta que este estigma surgiu
59
Registrado nas entrevistas com Alexandre Antunes Pereira, Fernando Lemos, Manuel Lourenço Neto,
Alexandre Leal Dias, Manuel Soares.
60
Depoimento de Alexandre Pereira, entre outros.
62
historicamente no momento em que o imigrante português, no Brasil do final do século
XIX, passou a representar uma nova ideologia de trabalho, assalariado, liberal burguês e do
relógio de ponto, aceitando sem maiores contestações a implantação da nova ordem de
trabalho, da disciplina industrial capitalista, em substituição a uma recente abolição da
escravidão - cujo processo não foi acompanhado da qualificação dos antigos trabalhadores
negros aos novos postos de trabalho. Não temos o embasamento suficiente para
afirmarmos com clareza que o discurso favorável ao regime fosse apropriado por esses
contingentes migratórios como forma de auto-defesa ou auto-afirmação, ainda que esta nos
pareça uma lógica provável. O que de fato podemos atestar é que essa atitude será criticada
pelos imigrantes anti-salazaristas e essa crítica será compreendida muitas vezes como ato
anti-patriótico.
Ainda de acordo com esse exame, o enaltecimento do regime associado a um “ato
patriótico” gerava “apatia” entre setores contrários ao regime, pois que se isentavam de
manifestar suas opiniões publicamente, além dos que se utilizavam desse discurso, ainda de
acordo com a oposição, por uma situação de “comodismo” frente a essa difícil “realidade”,
apesar de reconhecê-la em situações informais. A esse Portugal “apático”, que nos faz
lembrar da expressão “uma terra de brandos costumes”, caraterístico do discurso do regime como
anunciamos anteriormente, é contraposto o Portugal que tem de continuar “a realizar a sua
missão na história”, como vemos na segunda parte do artigo ou mesmo noutro trecho de um
artigo posterior em que se afirma que os militantes anti-salazaristas podem testemunhar a
“dedicação pela nossa Pátria humilhada mas não desvirilizada” (Portugal Democrático, n.27, agosto de
1959, pág.1). As críticas ao Portugal do discurso oficial, “alheio às paixões humanas”, parecem
se aproximar do outro extremo, o do Portugal expansionista, explorador de novos mundos,
“viril” e que nos faz lembrar o discurso nacional-colonialista. De fato, setores dos
63
anti-salazaristas vão defender um projeto de modernização econômica para Portugal e,
embora a maioria dos membros do Portugal Democrático fosse favorável ao fim do
colonialismo, não se pode afirmar com todas as letras que essa era uma posição consensual
nesse período.
Com vistas a conseguir o apoio da maioria dos imigrantes portugueses, as páginas do
jornal apresentavam o discurso em que se aproximava o “imigrante econômico” do
“imigrante político”, tendo sido ambos forçados a emigrar por situações contingentes
causadas pelo mesmo regime. Insistia-se na separação entre Pátria e regime – e isso tinha de
ser explicitado a todo momento, como um cuidado para que não fossem imediatamente
taxados de traidores. Um caso significativo ocorreu na visita do Presidente Gal. Craveiro
Lopes quando, ao iniciarem os textos de crítica à sua visita, esclareciam: “amamos o povo de
Portugal e não o confundimos com a figura de seu governante ou de seu regime. Somos a favor da nação
portuguesa, que apoia o fim do salazarismo”. (Portugal Democrático, n. 13/14, junho/julho de 1957,
pág. 12)
Mas, vamos retornar ao texto de Júlio Silvestre, no momento em que este faz uma
contraposição entre um patriotismo que se orgulha do “conformismo” e da “submissão” e outro,
que representa a “altivez”, o “orgulho” e “a liberdade com que procure continuar e realizar sua missão
na história”. Encontra-se subentendido aí uma critica ao discurso oficial da “ordem”, sempre
utilizado como uma marca do regime em contraposição ao caos que representou os
dezesseis anos da República, e como justificativa para a falta de liberdades em Portugal. Nas
passagens grifadas, o autor parece retomar a crítica ao conformismo que impede a
reivindicação da liberdade. De fato, a contraposição central do texto de Júlio Silvestre se dá
entre a opção por uma “ordem” que abdica da liberdade e seu conformismo, e a opção na
64
qual a bandeira da liberdade é uma forma de expressão de um Portugal empreendedor e
moderno.
Por fim, neste trecho Júlio Silvestre ainda acaba por anunciar o que viria a ser uma
das principais táticas de negociação dos exilados anti-salazaristas em São Paulo, após 1958.
Trata-se da bandeira da liberdade de expressão, pela anistia e pelo fim da censura, afirmada
através da obra de seus artistas e intelectuais e da produção cultural que se desvincula do
regime. Essa será uma das maneiras de se aproximar e de angariar o apoio de setores
expressivos da sociedade brasileira.
Afirmando-se como “imigrantes políticos”, como “exilados”, os anti-salazaristas
interpretam a sua situação migratória frente ao projeto hegemônico do Estado-Nação
português como a de sujeitos sistematicamente excluídos, e assim consideram também
todos os “imigrantes econômicos”, já que é o mesmo regime que os força a emigrar e é o
mesmo sistema de governo que, quanto à liberdade, “nem a reconhece, nem a respeita”.
Entretanto, não se posicionam ao lado dos que se utilizam da propaganda oficial do regime
como forma de defesa. A intenção é de ataque, de ação auto-afirmativa como português,
mas com a liberdade de crítica, de manifestação contrária como forma de patriotismo e não,
em contraposição, a comodidade de um discurso “falseado”. Para esses “imigrantes
políticos”, a bandeira da liberdade de expressão estará associada a do patriotismo.
No Brasil como em Portugal, a defesa da liberdade novamente tem de ser
contraposta à da “ordem” oficial. Esse discurso de “ordem”, amplamente difundido e
vitorioso entre a imigração portuguesa no Brasil, argumentava que Salazar havia equilibrado
as finanças, que as ruas eram tranqüilas e bem cuidadas. A referência à “ordem”
transpassava todo o discurso salazarista e procurava justificar medidas autoritárias, como a
censura e a repressão policial. Uma constante desse discurso consistia na comparação entre
65
a desordem generalizada da I República (que durou de 1910 a 1926) e a ordem restabelecida
com a ditadura. A epígrafe do texto de João Alves das Neves “Um Certo Patriotismo”, de
outubro de 1958, anuncia-o da seguinte maneira:
“Muitas e estranhas coisas têm ocorrido em Portugal, depois que Salazar tomou conta do poder. Através de
poderosos órgãos de propaganda, tentou a Situação, no país e fora dele, a generalização de ‘slogans’, segundo
os quais tudo era podridão e vício, ruínas e desordens, antes do chamado ‘estado novo’” (em minúsculas no
original)
De fato, o tema do patriotismo, associado à defesa da liberdade e a crítica da
“ordem” são as maiores constantes nesse primeiro período. A crítica à associação entre
Pátria e regime auxilia-se constantemente, nas páginas do jornal, de dados, reportagens e
depoimentos que demonstram que o país não se encontrava equilibrado financeiramente e
que a desigualdade social e a miséria eram crescentes. Não faltariam comparações com
outros países da Europa, dentre os quais Portugal colocava-se em último lugar, ou
comparações com a situação portuguesa antes da ditadura, frente aos demais países
europeus. A intenção era a de demonstrar que não se estava a criticar o regime por ato de
anti-patrotismo ou traição, mas com base em dados concretos. Em outras ocasiões, o leitor
era levado a se indagar: a “farsa da ordem” é mais compensatória que a restrição das
liberdades? Se, de fato, existisse ordem, argumentavam, o regime não teria necessidade de
ser repressivo e policial.
*
Uma outra discussão merece destaque neste capítulo sobre a chegada, a formação
inicial do Portugal Democrático e as primeiras impressões sobre a presença portuguesa e sua
66
“colônia” no Brasil. Trata-se dos conflitos com a presença institucional do regime,
particularmente, com as figuras dos comendadores61.
Os primeiros números do jornal foram seguidos de grande expectativa quanto a
represálias, intimidações ou ameaças do regime, o que, de fato, viria a ocorrer, em forma de
difamação em um períodico português “oficioso” – A Voz 62. Entretanto, devido a sua
pequena infiltração nessa primeira fase, o próprio jornal assumiu um tom mais moderado,
em que se procurava justificar a sua posição. Será mais persuasivo e provocador a partir de
1958 quando se torna mais difundido, em parte devido a novos quadros, mas
principalmente pelo fato da questão portuguesa se encontrar melhor divulgada na mídia e na
sociedade brasileira. A sua interrupção em julho de 1957, ao contrário do que se pode
esperar, não foi conseqüência direta de visita de Craveiro Lopes ao Brasil63, sendo contudo
esta a primeira vez em que é notado por órgãos policiais responsáveis pela segurança do
Presidente português em sua passagem pelo país. Mas, deve-se à própria precariedade de seu
funcionamento e às dificuldades materiais em mantê-lo, dada a sua restrita inserção64. As
dúvidas quanto às possíveis represálias do regime faziam com que os primeiros números
tivessem poucos artigos assinados e a maior parte deles com pseudônimos. Isso irá diminuir
com o tempo, sem que deixasse de ser um prática.
Apesar da rejeição de qualquer identificação com a presença institucional portuguesa
ser imediata, esta não se encontra tão explicitada inicialmente. Será tornada pública somente
durante a visita de Craveiro Lopes, em que se criticam as celebrações organizadas pelos
61
Os comendadores, em sua maioria imigrantes “bem sucedidos” em sua aventura migratória, eram portadores
de “comendas” delegadas pelo governo português. Esse título, de caráter honorífico, destinava-se aos cidadãos
que se destacavam na “colônia”. Tratava-se, sobretudo, de uma honraria de cunho político, símbolo da ascensão
social e do papel privilegiado de “representante”, oficial e corporativo, dos emigrantes junto ao regime
português.
62
Cf. Portugal Democrático, número 11, abril de 1957.
63
Segundo depoimentos de Alexandre Pereira e Alexandre Leal Dias
64
Ainda de acordo com os depoimentos antes citados.
67
comendadores, para recepcionar o Presidente. Mas as críticas seriam frontais logo após o
ressurgimento do jornal em junho de 1958 e questionavam a atuação pública e a legitimidade
com que se apresentavam como representantes dos imigrantes portugueses do Brasil. O
manifesto que abaixo transcrevemos é o primeiro texto tornado público na grande imprensa
brasileira em que se questiona a representatividade das lideranças institucionais migrantes. O
texto foi reproduzido na edição de agosto/setembro de 1958 e intitulado “Os Srs.
Comendadores e os Portugueses do Brasil”:
“Um grupo de comendadores portugueses do Rio de Janeiro que há muito se vem evidenciando pelo
servilismo das suas atitudes perante o sr. Salazar e a ditadura do Estado Novo deslocou-se, recentemente, a
Lisboa para assistir à cerimonia da posse do abúlico presidente nomeado pelo seu ídolo. Aproveitando a
ocasião, esses senhores que se dizem representantes da Federação das Associações Portuguesas do Brasil, mas
que tudo decidem sem consultar os sócios das agremiações filiadas, entregaram ao Homem Forte uma ridícula
mensagem de adesão e fidelidade da colônia lusa em terras brasileiras. Protestando contra tão abusiva atitude,
os organismos representativos da oposição ao regime - entre os quais o nosso jornal - enviaram à imprensa um
comunicado que foi publicado com grande relevo pelo Estado de S. Paulo. É o seguinte o texto desse documento:
"O jornal que v. exa. tão brilhantemente dirige e que tão altos serviços tem prestado à causa de
Portugal, publicou ontem um telegrama da agência "France-Presse" relativo à presença de alguns portugueses
do Brasil na cerimônia da posse do almirante Américo Tomás. Reproduzia-se no citado telegrama uma
mensagem entregue ao sr. Oliveira Salazar por aqueles senhores, que se arvoraram na circunstância, a
exemplo do que têm feito em ocasiões anteriores, em intérpretes dos "portugueses do Brasil". Tão extemporânea
atitude de um grupo de pessoas que nada representa determinou um compreensível sentimento de indignação em
milhares de membros da colônia lusa. Afirma-se na mensagem em questão que "os portugueses do Brasil
acompanham com verdadeira fé a obra iniciada por Salazar que, com ajuda de Deus, há de elevar cada vez
mais o nome de Portugal, para a glória da raça".
Nunca se fez, como V. Exa. sabe, nem se poderia fazer, nenhum plebiscito entre a colônia lusa para
avaliar das suas simpatias pelo sr. Salazar. Mas é de conhecimento geral que há no Brasil dezenas, quiçá
centenas de milhares de portugueses (incluindo praticamente todos os intelectuais da colônia) que não professam
a menor admiração pelo Estado Novo e pelo seu chefe, considerando-o mesmo o grande responsável pela trágica
situação a que Portugal chegou. Através da imprensa brasileira colheu-se até durante a recente campanha
eleitoral a impressão de que a maioria dos portugueses residentes neste imenso País é contrária à permanência
no poder do ditador.
O sr. comendador Albino de Sousa Cruz, que se intitula ridiculamente chefe da colônia, sem que
ninguém lhe tenha passado procuração, e o grupo de comendadores que o acompanhou a Lisboa podem, falando
em seu próprio nome, admitir que Deus tem atenções especiais para com o seu ídolo. Mas não podem, sem
ofender a dignidade de muitos milhares de patriotas, apresentar o pleito de fidelidade dos portugueses do Brasil
ao sr. Salazar. Não é outro o motivo que nos leva a solicitar a v. exa. a publicação deste esclarecimento,
indispensável para evitar que muita gente de boa-fé atribua qualquer significado à mensagem ridícula e
inautêntica inventada por um punhado de comendadores que julgam que o seu dinheiro lhes confere todos os
direitos, inclusive o de representar uma colônia digna, como a portuguesa, incapaz de se prosternar perante o
homem que, há trinta e dois anos, priva Portugal das mais elementares liberdades".
68
aa. Pelo Comité dos Intelectuais Portugueses Pró-Liberdade de Expressão - Secção de São Paulo65e
Centro Republicano Português.
A contestação do papel de “representantes” dos imigrantes luso-brasileiros gera
uma das primeiras manifestações públicas do Comitê de Intelectuais e Artistas Portugueses
Pró-Liberdade de Expressão, criado em 1958, com seções em São Paulo e no Rio de Janeiro,
atividade da qual o Portugal Democrático é o grande dinamizador. A partir desse momento, tal
Comitê manifestar-se-á sempre publicamente, junto à imprensa brasileira, sobre questões
ocorridas em Portugal ou que digam respeito à presença portuguesa no Brasil. Contestará,
sobretudo, as expressões e atividades oficiais do regime no Brasil, procurando questionar
inclusive seu papel como promotor da “moderna” cultura portuguesa. A iniciativa visava
ainda retirar das instituições oficiais o seu lugar até então hegemônico de divulgador das
informações, de promotor da cultura, sob a guarda da censura e das restrições. O processo
que se tem início é o da produção de uma cultura crítica, de exame da situação e das
manifestações, contrariamente às promovidas oficialmente. Como em outros setores da
vida social, o regime tomava a frente da produção cultural e da propaganda (promovidos
pelo mesmo órgão, o SNI) tornando-se o principal elemento dinamizador e, ao mesmo
tempo, o seu controlador, sob a censura.
A iniciativa atingiu, aos poucos, uma forte inserção em determinados setores da
sociedade brasileira, como os meios intelectuais, o jornalismo, associações de escritores e
artistas, universidades, enfim, vários espaços formadores de opinião pública. É de se levar
em conta que nesse período a situação portuguesa já tinha ganhado relevância na mídia,
após as eleições presidenciais portuguesas de 1958, à qual concorreu como candidato da
65
Pelo Comitê: Adolfo Casais Monteiro, Carlos Maria de Araújo, Fernando Lemos, Francisco Lopes, J. Alves
das Neves, J. Pedroso de Lima, J. Santana Mota, J. Santos Baleizão, J. Sarmento Pimentel, Maria Archer,
Miguel Urbano Rodrigues, Vítor da Cunha Rego e Vitor Ramos. Pelo Centro Republicano Português:
CarlosCruz, J. Abel Martins, J.Duarte Batista, J. Gonçalves Paratudo e Vitor Rosado; Pelo Portugal
Democrático, Otávio Martins de Moura, diretor.” Portugal Democrático, número 16, ago./set. de 1958, pág. 8
69
oposição o Gal. Humberto Delgado. Este acontecimento é também um marco para a vinda
de vários intelectuais portugueses para o Brasil.
Pela primeira vez, um setor da “oposição democrática” no exílio configurava um
espaço efetivo de intervenção pública e partia para a disputa da representatividade da presença
portuguesa no Brasil, da produção de uma cultura e de práticas políticas diferenciadas,
contra-hegemônicas.
*
Esse capítulo descreveu e analisou o momento de formação inicial de um núcleo de
imigrantes anti-salazaristas exilados no Brasil, reunidos em torno do jornal Portugal
Democrático.
Nesse trajeto, procuramos caracterizar as relações entre regime autoritário
português (salazarismo) e fascismo e, em contraposição, as dificuldades e particularidades da
resistência anti-fascista em Portugal, nos anos 1940 e 1950. Tal cenário, em Portugal,
exerceu forte influência nas histórias de vida dos exilados anti-fascistas que fazem compor o
Portugal Democrático.
Com a chegada ao Brasil deparam-se com a situação social do imigrante português
nesse país e com a presença já institucionalizada e “oficializada” do regime, em associações,
órgãos do governo e em setores da então denominada “colônia”.
É frente a essa justaposição entre antigos e novos cenários que esses imigrantes
terão de se localizar, como fluxo migratório de peculiaridade distinta. A diferenciação entre
“imigrantes políticos” e “imigrantes econômicos” é então construída.
Nos primeiros embates que passam a ser travados, ainda tiveram que se defrontar
com o desconhecimento da situação que se vivia em Portugal na sociedade brasileira, o que
impede uma maior inserção nesse momento. A essas dificuldades, soma-se a ampla difusão,
70
bem sucedida, de um discurso “oficial”, favorável ao regime, entre os imigrantes
portugueses, de modo geral.
Como estratégia de inserção e como forma de afirmarem sua diferença frente aos
demais imigrantes e à sociedade brasileira, procuram questionar esse discurso hegemônico,
ao mesmo tempo em que definem os termos de seu discurso.
71
Capítulo III - Um Jornal e um Movimento: a constituição de uma esfera pública
alternativa a partir do Brasil
Este capítulo trata do segundo momento de formação do movimento, após um primeiro
período de difícil inserção na sociedade brasileira e entre os setores emigrantes. Refere-se ao
momento em que o núcleo dos exilados anti-salazaristas do Brasil torna-se aos poucos, um
movimento articulado e um dos principais dinamizadores de uma rede nacional e internacional
de unificação do combate ao salazarismo. Ao mesmo tempo, no Brasil, ganha expressão e apoio
de setores da sociedade civil brasileira, formadores de opinião, e dos demais núcleos
anti-salazaristas deste país. Esse crescimento, que é mais intensificado entre os anos de 1958 e
1960, vai convergir na reabertura do Centro Republicano Português (CRP) e na formação de um
“Comitê dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Liberdade de Expressão”. A inserção dos
anti-salazaristas em setores da sociedade brasileira, constituindo redes e configurando uma
“esfera pública alternativa”, deve-se a uma série de fatores de convergência, nesse período.
O primeiro acontecimento de relevo são as eleições presidenciais de 1958 – em que foi
candidato da oposição unificada, Humberto Delgado – e cujo impacto para uma imagem
negativa do regime repercutiu tanto em Portugal quanto internacionalmente.
No Brasil, ocorre a efetiva inserção do núcleo anti-salazarista e da questão portuguesa em
setores formadores de opinião pública. Isso se deve, em grande medida, a acontecimentos que
ganham a mídia, como as eleições (de 1958) já citadas e o seqüestro do “Santa Maria”, em 1961,
acompanhados da chegada de lideranças políticas, como Humberto Delgado (1959), Henrique
Galvão (1961) e Ruy Luiz Gomes (1962). Além disso, as redes e os contatos estabelecidos entre
militantes e profissionais de atividade intelectual, propiciam a chegada de novos quadros de
intelectuais, artistas e escritores portugueses que se exilam no Brasil – e que irão ocupar espaços
na imprensa, na universidade e nas artes. Num primeiro momento, esse fator contribui para a
72
efetivação e alargamento do movimento, mas será motivo de disputas e cisões internas, como
veremos no capítulo IV.
A intensificação e participação conjunta com setores da sociedade civil brasileira na
promoção de tarefas, incentivando o movimento a se estender internacionalmente e a dinamizar
uma rede composta de núcleos emigrados em diversas partes do mundo, beneficiam-se, ainda, de
um novo cenário, em que tem início o isolamento internacional do regime português, ao mesmo
tempo em que no Brasil encontra-se uma situação favorável à discussão do “problema
português”. Essas expectativas otimistas chegaram a gerar debates no jornal, tais como o “E
Depois da Queda?”66 - em que se discutiam os diferentes projetos que deviam ser construídos e
viabilizados desde já, ou então, de acordo com outras posições, somente após a queda do regime.
Redes e Circuito de Trocas do Movimento Após 1958: a constituição de uma esfera pública alternativa
O Portugal Democrático volta a ser publicado com regularidade em junho de 1958, em plena
campanha de Humberto Delgado. As eleições presidenciais portuguesas de 1958 foram
marcadas pela retomada da unidade da oposição em Portugal e a candidatura de Delgado teve
forte apoio popular. Pela primeira vez decidiu-se levar a campanha até as urnas, como uma
maneira de deixar evidente as práticas “oficiais” de sabotagem durante o pleito. Os resultados
das eleições denunciaram essas manobras, repercutindo negativamente na imagem internacional
do regime. Em Portugal, tem início um período de intensas atividades com vistas à derrubada do
salazarismo, com um fator novo, identificado a partir da campanha de Delgado: a presença de
dissidentes do regime nas fileiras da oposição67.
66
Entre julho de 1958 e maio de 1960.
Humberto Delgado, militar de carreira amplamente bem sucedida dentro do regime, muda seus
posicionamentos a partir de missões que realiza em países de regime democrático, como Estados Unidos e
67
73
No Brasil, a campanha de Delgado teve ampla divulgação na mídia, expondo, pela
primeira vez, a situação que se vivia em Portugal a um público mais amplo. Os anti-salazaristas
no exílio puderam, então, manifestar com maior clareza suas opiniões, em órgãos de grande
imprensa, dando início a contatos, no interior do Brasil, com outros núcleos anti-salazaristas que
então se formam68, articulando um movimento que dentro em breve se tornaria internacional.
Uma das primeiras iniciativas constituiu-se na reabertura do Centro Republicano Português
(CRP), fechado desde 1944. O CRP passaria a congregar a sede do Portugal Democrático e um
espaço de reuniões e atividades sociais dos imigrantes anti-salazaristas. Em seguida, a chegada de
vários intelectuais portugueses, a partir de 1957, incentivou a formação do Comitê dos Intelectuais e
Artistas Portugueses Pró-Liberdade de Expressão, como uma forma de intervenção e de dinamização
de tarefas que aproximavam os intelectuais portugueses dos intelectuais brasileiros, angariando
apoio e solidariedade.
As bandeiras da liberdade de expressão, fim da censura e anistia aos presos e exilados
políticos, foram as pedras de toque de uma aproximação dos núcleos de exilados anti-salazaristas
portugueses e, em boa medida, espanhóis, com os setores da sociedade civil brasileira, como
associações de escritores, de imprensa, intelectuais, artistas, professores universitários e,
posteriormente, sindicatos, associações de bairro e movimentos estudantis. O “Comitê”
manifesta-se publicamente, entre 1958 e 1963, nas ocasiões que envolvem as questões acima
assinaladas, muitas vezes com declarações de apoio de entidades civis e intelectuais.
Inglaterra. Vide DELGADO, Iva – “O Brasil e a saga de Humberto Delgado” in COGGIOLA, Oswaldo (org.)
(1996) –Espanha/Portugal: o fim das ditaduras, São Paulo, Xamã/FFLCH, pp. 67-94.
68
No Rio de Janeiro, o núcleo que já se encontrava formado, estreita seu relacionamento com o Portugal
Democrático. Outros núcleos são formados em Niterói, Porto Alegre, Fortaleza. O primeiro núcleo
internacional a se constituir e a compor essa rede foi o da Venezuela. Seguiram-se os da Argentina e da França.
No início de 1960, integram-se núcleos de Juiz de Fora e Belo Horizonte, no Brasil e, internacionalmente, os do
Canadá (Toronto e Montreal), Inglaterra e Tchecoslováquia. Até o fim desse ano, os de Salvador (Brasil) e do
Uruquai. Em 1961, os de Pelotas (Brasil) e da União Sul-Africana. Em 1962, os de Duque de Caxias e Recife
(Brasil). Em 1963, Curitiba e Londrina (Brasil). Em 1964, o da Holanda. E em 1965, o da Bélgica. A partir de
então, a rede se estabiliza e, aos poucos, tornar-se-á mais intensificada internacionalmente, estendendo-se à
74
Embora essas redes atravessassem distintos setores da sociedade civil brasileira, um traço
comum as distinguia: eram redes de esquerda, que faziam a ligação entre partidos, movimentos
populares, profissionais de atividades intelectuais ou mesmo personalidades individuais. Esse
princípio unitário, no interior do campo das esquerdas – e apesar da diversidade ideológica
interna – singularizou a estratégia de inserção dos anti-fascistas do Portugal Democrático na
sociedade brasileira, uma vez que a “colônia” de imigrantes portugueses havia se mostrado
“apática”, num primeiro momento, conforme vimos no capítulo anterior.
Tal estreitamento permitiu que se realizasse, em 1960, a “I Conferência Sul-Americana
Pró-Anistia aos Presos e Exilados Políticos de Portugal e Espanha”, entre os dias 20 e 23 de janeiro, em
São Paulo. Outro ato de extrema importância ocorreu em 27 de maio de 1962, no Cine-Teatro
Paramount, denominado “Ato público de solidariedade aos trabalhadores e aos povos de Espanha e Portugal”.
O fichário do DEOPS referia-se a tal evento com as seguintes informações:
“Levamos ao conhecimento dessa Chefia que, segundo nossos observadores, realizou-se na manhã de ontem
dia 27, das 9:10 às 12:50 horas no Cine Teatro Paramount, à Av. Brigadeiro Luiz Antônio, o anunciado ato
público de solidariedade aos trabalhadores e aos povos de Espanha e Portugal.
Os trabalhos, que contaram com a presença de cerca de 900 pessoas (lotando a platéia e os camarotes),
foram presididos pelo deputado Cid Franco, tendo ainda tomado à mesa, os seguintes elementos: dep. José da Rocha
Mendes Filho; dep. Germinal Feijó; dep. Paulo de Tarso; dep. Jethero de Faria Cardoso, João Louzada, Gen.
Humberto Delgado, Luiz Carlos Prestes, dr. Walter Dias, (advogado da Associação dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas de Jales); Prof. Ênio Sandoval Peixoto, Helena Silveira (preseidente da UBE);
Maurício Vasconcellos Pinheiro (presidente da UEE); Dolores Mello Vassão (secretária da Comissão Paulista
Pró-Anistia de Presos e Exilados Políticos de Espanha e Portugal); Itala Schwartzmann (presidente da Federação
das Mulheres do Estado de São Paulo); Maria de Lourdes Prestes Maia; Maria Archer (da UBE), Edgard
Leuenroth; Prof. Florestan Fernandes e os líderes sindicais Pedro Francisco Lovine, Gentil Neves Correia,
Floriano Francisco Dezen, José Molinídio, Thimoteo Spínola e José Xavier dos Santos”69 – segue a descrição
resumida dos trabalhos.
Por essa lista de participantes do ato, podemos identificar tanto uma variedade de
extratos da sociedade civil brasileira (escritores, sindicalistas, federação de mulheres, estudantes),
Alemanha e à Austrália, além das “colônias” portuguesas em África, perdendo-se, aos poucos, muitos dos
contatos com núcleos internos ao Brasil.
69
Ref. Arquivo Deops (41-E-5-14)
75
quanto a presença de destacadas lideranças do meio político e intelectual. A diversidade de
tendências ideológicas, no interior do campo das esquerdas, também singulariza esse grupo. Os
deputados, em sua maioria, eram do Partido Socialista Brasileiro (PSB), mas contava-se aí o
então dirigente do PCB, Luís Carlos Prestes; o anarquista Edgard Leuenroth, além de Florestan
Fernandes70. A efetiva inserção nesses meios é fruto de um trabalho continuado de divulgação da
luta anti-salazarista realizado nesses anos, no interior dessas redes de esquerda, além da
divulgação mais ampliada dos acontecimentos em Portugal na sociedade brasileira, que já
assinalamos.
*
Logo após as eleições de 1958, o CRP convidou Humberto Delgado para a participação
nas comemorações do 5 de outubro. O convite gerou repercussão em Portugal e na mídia
brasileira. Delgado aceitou o chamado, mas o governo português recusou-lhe a autorização para
a viagem. Meses depois, Humberto Delgado exilou-se na Embaixada brasileira em Portugal, sob
o apoio do então Embaixador Álvaro Lins71. A medida gerou atritos entre os dois governos e
durante o período de negociações (de mais de dois meses), Humberto Delgado permaneceu na
Embaixada. Desembarcou no Brasil, afinal, em 21 de abril de 1959. Outros participantes da
campanha de Delgado também chegam ao Brasil entre 1958 e 196072.
Nessa altura, o Portugal Democrático constitui o primeiro “Conselho de Redação” fixo e
consegue reunir um grupo de ativistas que coordenarão as atividades administrativas, de
divulgação e distribuição do jornal, tornando-o viável. Apesar de certas tarefas pré-estabelecidas,
70
Que num depoimento seu junto ao Deops, por essa época, afirmava-se como um “socialista democrata”. Ref.
Reg. (50-C- E – 141)
71
LINS, Álvaro (1961) – Missão em Portugal, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
72
Entre estes, contavam-se Jorge de Sena e Manuel Sertório.
76
o jornal só vinha a público por um esforço conjunto, envolvendo muitos personagens, cuja
maioria dos nomes não apareciam em suas páginas73.
Com essa nova organização, rapidamente o jornal expandiu sua penetração, reunindo já
em agosto de 1959 diversos núcleos no interior do Brasil e em alguns países da América do Sul,
conforme destacamos em nota. Essas redes não deixarão de se estender até 1965, alargando-se a
diversos países da Europa, da América do Norte e, posteriormente, nos países do leste europeu
e da África. A cada número do jornal, podia-se ver no Expediente o aumento da lista de
representantes, no interior do Brasil e internacionalmente. Aumenta bastante também a sua
circulação clandestina no interior de Portugal74. A constituição dessas redes só foi possível, ao
que tudo indica, graças às bases de apoio do PCP75 em núcleos de emigrados de diversas partes
do mundo.
O Editorial do número 27, de agosto de 1959, intitulado “Um Jornal e um Movimento”,
deixa evidente esse entusiasmo e a intenção de tornar-se um dos principais dinamizadores de um
movimento anti-salazarista de extensões internacionais.
"A onda anti-salazarista que está alastrando, irreprimível, por todo o Mundo onde vivem Portugueses
tem, não há dúvida, a sua origem primeira nas manifestações de simpatia com que foi acolhida, há pouco mais de
um ano, a candidatura nacional e independente do General Humberto Delgado.
Ninguém duvida também de que a força desse movimento se deve, em boa parte, aos esforços da imprensa
democrática mundial, particularmente, do Portugal Democrático, jornal que a pouco e pouco, foi polarizando a ação
dos núcleos democráticos lusos de todos os Continentes, a ponto de se transformar, de fato, no órgão mais eficiente
da luta anti-salazarista.
A prova irrefutável dessa afirmação encontra-se nos diversos números da coleção desse mensário,
notadamente a partir da edição de julho findo, quando começamos a dar expressivo relevo à atuação de “comitês”
e associações que recentemente se fundaram longe da Mãe-Pátria, animados todos do propósito único de contribuírem
para a rápida democratização de Portugal. No presente número insiste-se e acentua-se a importância dessas
atividades.
73
O primeiro Conselho de Redação, fixado em 1958, foi constituído por: Adolfo Casais Monteiro, Carlos
Maria de Araújo, Fernando Correia da Silva, Fernando Lemos, João Alves das Neves, Paulo de Castro e Vítor
Ramos; e o Conselho de Administração por: Antônio Bidarra da Fonseca, Carlos Cruz, Carlos Neves, Francisco
Lopes e Manuel Ferreira Moura.
74
Conf. Portugal Democrático, número 27, agosto de 1959, pág. 1
75
De acordo com depoimento de Fernando Lemos. A maior parte dos representantes locais desses núcleos
também era de militantes do PCP.
77
Podemos indicar sem pecado de exagero que das mais longínguas regiões do globo estão afluindo à redação
de “Portugal Democrático” as mais inequívocas manifestações de estímulo e apreço, individuais e coletivas,
oferecendo irrestrita solidariedade não apenas ao nosso jornal, mas também, e sobretudo à Causa em que se
empenharam todos os Democratas Portugueses, isto é, a reunião de forças visando derrubar, tão breve quanto
possível, o odioso e por demais prolongado domínio do regime fascista de Salazar.
Vindo ao nosso encontro, oferecendo ao nosso jornal a sua incondicional colaboração, os Portugueses
espalhados pelo mundo estão proporcionando-nos os meios eficazes de levarmos a toda a parte uma voz democrática
ao serviço de Portugal, pois a sua adesão solidifica também com cada vez mais energia, os golpes que hão de fazer
cair a ditadura sanguinária que há cerca de trinta anos oprime todo o Povo Português.
Assim, hoje mais do que nunca, “Portugal Democrático” consubstancia as ambições de todos os
Portugueses, pois se transformou no maior porta-voz dos nossos líderes democráticos fixados em Portugal e no
estrangeiro, ao mesmo tempo que está possibilitando aos militantes anti-salazaristas sem exceção, desde os mais
cotados intelectualmente aos mais humildes, os meios de testemunharem a sua dedicação pela nossa Pátria
humilhada mas não desvirilizada.
Somos cada vez mais e, ao acorrermos ao campo de batalha, tornar-no-emos ainda melhores combatentes.
É o que estamos observando na Venezuela, onde os democratas portugueses se agigantam e aperfeiçoam os métodos
de combate; é o que vem ocorrendo na Argentina, onde os nossos compatriotas se afirmam galvanizados pelo ardor
de Henrique Galvão; são as organizações anti-fascistas que surgem quase do nada, no Canadá e em França, e
esperamos que muito em breve nos Estados Unidos, na Inglaterra e onde quer que vivam portugueses patriotas. E
são, finalmente, as organizações que, no Brasil, sob o comando do General Delgado, vão aperfeiçoar-se e alargar-se.
A todos estes agrupamentos e a todos os seus orientadores e militantes, “Portugal Democrático” abre,
fraternalmente, as suas colunas. O nosso movimento progride. Vamos unificá-lo. Vamos preparar-nos para
destruir a ditadura salazariana. Com firme esperança na liberdade que voltará a iluminar Portugal”.
Com a configuração do movimento e a intenção de unificá-lo em uma plataforma de
ações e de princípios, os núcleos de emigrados anti-salazaristas do Brasil pensaram em realizar o
Congresso dos Democratas Portugueses, em 31 de janeiro de 1960. No entanto, a iniciativa
termina por ser, a princípio, adiada e, em seguida, abortada. Os esforços foram conjugados então
em prol da “I Conferência Sul-Americana Pró-Anistia aos presos e exilados políticos de Espanha e Portugal”,
cuja decisão de realização foi retirada em uma reunião no Cine-Teatro Paramount, promovida no
dia 20 de setembro de 1959 por “entidades de bairros, sindicais, populares, estudantis, femininas, religiosas
e outras” (Portugal Democrático, n.29, outubro/1959, pág.8). Nota-se aí, outra vez, a
aproximação cada vez maior dos anti-salazaristas portugueses com entidades civis brasileiras. A
Conferência teve lugar na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, entre os dias 20 a 23
78
de janeiro de 1960, com amplo êxito76. Contou-se com a participação de núcleos e lideranças de
imigrantes exilados de Portugal e Espanha de diversos países sul-americanos. Foram preparadas
teses, dossiês e votaram-se manifestos que condenavam os regimes de Portugal e Espanha. Por
fim, um relatório elaborado pela Comissão Organizadora, coordenado pelo Prof. Florestan
Fernandes e secretariado pela Dra. Dolores de Mello Vasão, foram enviados a entidades de
defesa dos Direitos Humanos e a diversos governos, incluindo os de Portugal e Espanha77.
A conjugação desses núcleos e o estabelecimento das redes de trocas - agregando tanto
setores da sociedade brasileira, quanto anti-salazaristas em todo o Brasil e, em breve, em outras
partes do mundo - tornava estreita essa colaboração e permitia a efetivação desse circuito de
trocas, materiais e simbólicas, dos signos do anti-salazarismo e da contra-hegemonia. O
estreitamento dessas redes e sua eficácia tornava possível a configuração de um esfera pública
alternativa, viabilizando a inserção, a atualização e o debate em torno de um projeto que se
apresentasse como proposta contra-hegemônica. Em outros termos, como um lugar de
construção das diferenças culturais e políticas, de negociação da identidade frente a processos
sociais, mas também espaço para se imaginar utopias e ideais de transformação da sociedade.
Nesse sentido, é organizada no Rio de Janeiro uma espécie de sucursal do Portugal
Democrático que, em agosto de 1960, anuncia a criação dos “Serviços de Informação Internacional
Portugal Democrático”, nessa cidade. A criação de tal “serviço” é resultado de discussões internas
que levaram, segundo o artigo, às seguintes conclusões: “a) estão maduras algumas questões que colocam
a ditadura em posições internacionais dificilmente superáveis; b) a Oposição dispõe de elementos de apoio em alguns
países, nomeadamente no Brasil, que podem servir de base a um aperfeiçoamento do seu trabalho – eliminar ou
dificultar os esteios externos da ditadura, - capitalizar para si a evolução favorável à democracia que se verifica no
76
De acordo com notas do jornal. O que também pode ser indiciado junto aos registros do DEOPS sobre o
evento. Ref. Reg. (50-C – 5- 14)
79
mundo” (Portugal Democrático, n.39, pág.8). O texto deixava ainda claro que não se tratava de
transferir a luta de oposição à ditadura para fora de Portugal, mas constituir um canal
centralizador e difusor de informações sobre Portugal, esclarecimentos dificultados nesse país
pela ação da censura, contatando jornais e outros meios de informações públicas através dos
quais pudessem ser divulgadas as notícias e os artigos que chegassem a essa central. Visavam
ainda a reunião de elementos de informação sólidos e bem documentados, que seriam usados
para a elaboração de dossiês; o estreitamento das ligações com os diversos núcleos de
portugueses espalhados pelo mundo e o “contato com meios oficiais e oficiosos de determinados países que
nos facilitem as tribunas oficiais da ONU e outras (...)”. Com isto, estabelecia-se definitivamente a rede
internacional, espaço de circulação de signos, pessoas e valores, cujas trocas se intensificariam até
o fim do regime.
A constituição dessas redes e de uma esfera pública alternativa, em nível internacional, vão
viabilizar a publicação de dossiês cuidadosamente elaborados e enviados anualmente à ONU,
denunciando violações de Direitos Humanos, a política colonial e os crimes de guerra, após o
início dos conflitos coloniais em África. Elaborados a partir de 1961, serão assinados sempre
pelos Democratas Portugueses da América78, isto é, núcleo de emigrados oposicionistas espalhados
pelas Américas e cuja aproximação se deve à participação nessas redes. Em 1962, a Conferência
Européia Pró-Anistia aos Presos e Exilados Políticos de Portugal, realizada em Paris, contará
com dossiês e ajudas de custos provenientes dessas redes, além do “Boletim da Conferência”,
publicado juntamente com o Portugal Democrático, mas editado pelos “serviços de informação”79.
Do mesmo modo, esse espaço internacional aproximará, a partir de 1960, o movimento
77
Cf. Atas da I Conferência Sul-Americana Pró-Anistia aos Presos e Exilados Políticos de Portugal e Espanha
(1960)
78
Designação atribuída ao conjunto dos seis núcleos da oposição democrática nas Américas (Brasil, Venezuela,
Estados Unidos, Uruguai, Argentina e Canadá).
79
Também a II Conferência Sul-Americana Pró-Anistia aos Presos e Exilados Políticos de Portugal e
Espanha, realizada no Uruguai em 1961, contou com este mesmo tipo de apoio.
80
anti-fascista dos exilados portugueses aos movimentos de Libertação Nacional em África.
Amílcar Cabral, do PAIGC (sob o pseudônimo de Abel Djassi), desde então, publica vários
artigos no Portugal Democrático, além de Américo Boavida, Mário Pinto de Andrade, Agostinho
Neto (todos membros do MPLA), entre outros.
No Brasil, o jornal contará com a chegada de novos contingentes após 1959,
participantes da campanha de Humberto Delgado, como é o caso de Jorge de Sena, Manuel
Sertório e Henrique Pereira Santo. Muitos anti-salazaristas se aproximam do jornal ao tomarem
conhecimento deste, como é o caso dos imigrantes Manuel Soares, Alexandre Leal Dias, Silvério
da Costa Lettra, Alexandre Antunes Pereira, entre muitos outros. Entretanto, as dissidências
internas marcarão o ano de 1961. Conforme veremos, as diferentes posições quanto a linha do
jornal, o sentimento “anti-comunista”, a questão colonial e seus empasses e a chegada de
lideranças que se mostram fortemente individualistas, como Humberto Delgado e Henrique
Galvão, ameaçam a unidade conquistada nesses anos e força o núcleo do jornal a reafirmar os
seus princípios de ação.
Os intelectuais e a política: “guardiães” de certos aspectos da “cultura portuguesa”
Como afirmamos anteriormente, um dos modos de inserção da questão portuguesa no
Brasil deveu-se à sua entrada em setores da formação da opinião pública neste país. O Portugal
Democrático é, pois, um indicativo dessa circulação dos anti-salazaristas e da questão da resistência
em múltiplas esferas da sociedade brasileira. De fato, se temos atribuído uma centralidade na
análise da inserção do movimento em atividades conjuntas a movimentos político-sociais e/ou
partidários, parte dessa militância ocorreu também em universidades, em meios literários e
artísticos e no jornalismo. A contribuição de intelectuais portugueses à “cultura brasileira” é
81
notória neste século e, podemos afirmar, deve-se praticamente - senão em sua totalidade - a
agentes contrários ao regime salazarista.
Os indícios dessa atividade e do ambiente de efervescência cultural e política que
ajudaram a promover estão presentes em manifestos em que intelectuais vêm a público
reivindicar uma política cultural para Portugal e para os portugueses no Brasil. Tais
manifestações têm lugar por ocasião da realização de bienais, reuniões de escritores, simpósios
universitários ou mesmo em visitas de intelectuais portugueses ao Brasil. Tais manifestos eram
dirigidos ao governo de Portugal e não circulavam apenas em meios restritos, mas na grande
imprensa, como no caso do jornal OESP. De início, tais manifestos eram assinados pelo Comitê
do Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Anistia e Liberdade de Expressão, posteriormente,
eram assinados em nome de uma frente unitária.
Um sentido muito comum aos manifestos encontrava-se na idéia de que estavam a
realizar, no exterior, a “cultura portuguesa” que não foi possível realizar em seu país, devido à
censura, ao obscurantismo das idéias e mentalidades do regime, além das discordâncias
político-ideológicas.
Tal sentido impulsionava esses intelectuais a uma tarefa de realizadores de uma cultura
crítica, moderna e contestatória. Impusionava-os, ainda, à tarefa de “guardiães” de tais aspectos
da cultura portuguesa, uma vez que consideravam o traço inovador, no campo das idéias, das
artes e da ciência, uma das principais características de Portugal. Eram comuns as referências ao
papel “inovador” e “desbravador” de Portugal no Ocidente e sua contraposição ao período
salazarista, em que Portugal encontrava-se “vigiado” intelectualmente, além de ser um dos países
mais pobres da Europa.
De fato, um dos campos sociais que mais dinamizavam a atividade anti-salazarista no Brasil,
sobretudo em São Paulo, com conseqüências para o estabelecimento de redes e de contatos com
82
o movimento em diversas partes do mundo e internamente ao Brasil é a atividade intelectual. Tal
característica ajudou a promover a vinda de significativos e numerosos contingentes de
intelectuais ao Brasil e a inserção nessa sociedade, como já ressaltamos. Não podemos dar conta
da maior parte dos contatos estabelecidos entre essas redes, mas podemos afirmar que Fernando
Lemos, Adolfo Casais Monteiro, Jorge de Sena, Ruy Luiz Gomes, José Morgado, Zaluar Nunes,
Jaime Cortesão, Miguel Urbano Rodrigues, Víctor da Cunha Rêgo, Joaquim Barradas de
Carvalho, Castro Soromenho, entre muitos outros, vieram ao Brasil por intermédio de relações
que dizem respeito ao campo social da atividade intelectual.
Em decorrência da qualidade do trabalho que exerceram no Brasil, da quantidade e
diversidade das áreas de conhecimento que ajudaram a criar e a dinamizar nesse país, o crítico
literário Antônio Cândido (vide palestras e eventos) refere-se a uma contribuição que pode ser
encarada, em sua totalidade, como uma “missão cultural portuguesa” no Brasil, ainda que de
modo involuntário. Tal conjunto de atividades, seu registro, documentação e avaliação de sua
importância merecem estudos específicos que ultrapassam os alcances do presente trabalho.
*
Nesse capítulo, descrevemos como o Portugal Democrático foi um dos principais
dinamizadores de um movimento que, em um curto período, estendeu-se por todo o Brasil e
ganhou dimensões internacionais. Essa configuração foi possível através da constituição de redes
que articulavam e negociavam a inserção dos anti-salazaristas tanto em setores da sociedade
brasileira, formadores de opinião, quanto de diversos núcleos de anti-salazaristas espalhados
pelo Brasil e pelo mundo. Verificamos que o alargamento dessas redes deveu-se em muito a
contatos do PCP - entre os demais núcleos de exilados - e a contatos entre profissionais de
atividade intelectual, contrários ao regime. Além disso, as redes que se estabeleceram junto à
83
sociedade brasileira caracterizavam-se como redes de esquerda, para além da Universidade, da
imprensa ou do meio artístico.
Além das redes de esquerda e da atividade militante, profissionais de atividade intelectual
estendiam a ação anti-salazarista a múltiplos setores da sociedade civil brasileira. A ação desse
núcleo pode ser indiciada nas páginas do Portugal Democrático e através do estabelecimento de
redes, contatos e campos sociais que propiciavam a vinda desse intelectuais ao Brasil. A realização
da atividade intelectual nesse país era muitas vezes encarada como uma tarefa de produção de
uma “cultura portuguesa” que não era possível de se realizar em Portugal. Por esses motivos
eram, de certo modo, “guardiães” de alguns aspectos da “cultura nacional”. Apontamos, ainda,
que a avaliação dessas atividades e os alcances de sua contribuição merecem um estudo à parte.
A circulação dos signos do anti-salazarismo e dos ideais de transformação social nessas
redes de trocas - atravessando múltiplos setores da sociedade brasileira e demais núcleos de
anti-salazaristas, internacionalmente - dinamizavam um conjunto de tarefas. Tais atividades iam
desde a publicação do jornal quanto a realização de Conferências, atos públicos, manifestos,
formação de Comitês e associações diversas, entre outras. Os contatos estabelecidos, no interior
dessas redes, compunham uma esfera pública alternativa, a partir do Brasil, de contestação ao
regime, de construção da diferença cultural e política e de imaginação de projetos e utopias que
visavam, de diferentes modos, a transformação da sociedade.
Em face de permanências das restrições no interior de Portugal, essa esfera pública servirá
de apoio à resistência interna a esse país.
Documentação escrita e iconográfica
1. (Página 86) Carta de Silvério da Costa Lettra, datada de 17/12/1959, enviada de São Paulo a
Manuel Lourenço Neto, residente em Niterói, estabelecendo os primeiros contatos com vistas a
84
uma aproximação e intensificação das relações entre os núcleos anti-salazaristas de São Paulo e
do Estado do Rio de Janeiro.
2. (Página 87) Carta de 09/01/1960, que estabelece alguns dos critérios sobre os sistemas de
relações de trocas, centralização e distribuição das informações e materiais do movimento.
3. (Página 88) Capa da Ata da 1ª Conferência Sul-Americana Pró-Anistia para os Presos e Exilados
Políticos da Espanha e Portugal, custeada com verbas de campanhas de solidariedade em
diversas partes do mundo, dinamizadas e centralizadas pelo Portugal Democrático.
4. (Página 89) Expediente do número 55 de dezembro de 1961, com a lista de representantes em
diversas partes do mundo e os nomes de integrantes do Conselhos de Redação e Administração.
5. (Página 90) Charge de Fernando Lemos sobre o ditador português que integrava a série “Salazar,
o rato”, publicada no número 27, de agosto de 1959, capa.
6. (Página 91) O ditador português em outra charge. Sátira da propaganda do regime: “Salazar,
salvador da Pátria”. E de conhecidos lemas do Estado Novo: “Tudo pela nação, nada contra a
nação”; “ditosa Pátria que tais filhos tens”, chancelas impressas em documentos oficiais, número
29, outubro de 1959, página 7.
7. (Página 92) Nas páginas do jornal eram comuns os espaços a expressões artísticas de autores
contrários ao regime e/ou que sofreram sanções ou censuras em Portugal. O jornal era indicativo
da atuação dos anti-salazaristas no Brasil em múltiplas esferas da sociedade, entre elas, a
produção intelectual, artística e literária. “Uma Frente de Batalha Chamada Poesia”, publicada no
número 29, de outubro de 1959, página 5.
8. (Página 93) Carta da UDP, de 21 de agosto de 1962, que passa a centralizar o movimento
anti-salazarista e anti-colonialista português no Brasil a partir de 1961. No alto, o símbolo criado
por Fernando Lemos para o movimento (originalmente em cores vermelhas).
9. (Página 94) Carta de Ruy Luis Gomes divulgada pela UDP, de 31 de julho de 1962, em que
apelava para o apoio à realização da Conferência da Europa Ocidental pela Anistia aos Presos e
85
Exilados Políticos Portugueses, do qual resultou, entre outras questões, a resolução da criação de
uma frente única internacional: a FPLN.
10. (Página 95) Cartaz de campanha internacional de apoio à liberdade aos presos políticos de
Portugal. Reproduzido no número 115, de fevereiro/março de 1967, capa.
11. (Página 96) Fac-símile da capa de edição patrocinada pela UDP, com finalidade de arrecadação
de fundos, na qual denunciava-se as prisões políticas em Portugal e dinamizava a campanha pela
libertação de Maria da Piedade Gomes e os presos políticos da cadeia de Peniche.
12. (Página 97) Clichê de postal editado pela FPLN sobre a Guerra Colonial e distribuído
internacionalmente. Reproduzido no número 122, de outubro de 1967, página 4.
13. (Página 98) Contra-capa do número 133, de setembro de 1968, onde se reproduz parte do
documento de denúncia da Guerra Colonial e de violações dos Direitos Humanos, encaminhado
à XXIII Assembléia Geral das Nações Unidas, seguida das assinaturas dos núcleos
anti-salazaristas das Américas. Ao lado, apelo “pela unidade de ação”, por ocasião da “morte
pública” de Salazar.
14. (Página 99) Capa da edição extra 133, de setembro de 1968, com manifesto “pela destruição do
Estado fascista português”, por ocasião do afastamento político de Salazar. Essa edição foi
distribuída durante a realização do Simpósio “42 Anos de Fascismo em Portugal”, organizado
pela PUC-SP.
15. (Página 100) Carta-denúncia, anônima, enviada ao Dops (Ref. Arq. Deops, registro 41-E-5-14)
86
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100
Capítulo IV - Unidade: como e com quem?
Este capítulo refere-se à fase do movimento em que se discute centralmente a
questão da unidade anti-salazarista, com vistas à articulação entre a resistência interna e a
constituída no exílio, sobretudo a partir do Brasil. A conjugação de aspectos favoráveis à
oposição ao regime, como a série de reivindicações que têm lugar em Portugal após as
101
eleições de 1958 e o surto revolucionário de 1960 a 1962, põe a resistência em face de
perspectivas de uma eminente queda do regime, viabilizada pelo restabelecimento de uma
unidade. O novo contexto apresenta, pois, como desafio frontal, a constituição de uma
plataforma de ação comum que contemplasse, entre outras, as seguintes questões: a
definição do papel da resistência no exílio no interior da luta anti-salazarista; o
posicionamento político do movimento com relação à questão colonial, após o início dos
conflitos em África em 1961; o modo de atuação política dessa unidade no exílio; e os
alcances e limites pretendidos à transformação social.
A partir de 1959 e sobretudo após 1961, a opção por um posicionamento frente a essas
questões tem de ser assinalada e assumida publicamente, em decorrência de novos
contextos históricos sociais que então se processam.
Com relação aos aspectos situacionais, no Brasil, temos: 1) a intensificação da
atuação e das redes e circuitos de trocas do movimento anti-salazarista na sociedade
brasileira; 2) a presença marcante de anti-salazaristas em setores de formação da opinião
pública neste país; 3) a vinda para o exílio brasileiro de destacadas lideranças da resistência cujas práticas políticas forçaram uma discussão na qual se repensasse ou reafirmasse os
princípios da ação política, assim como as estratégias mais adequadas a um movimento de
resistência constituído a partir do exílio; 4) as conseqüências da campanha de Humberto
Delgado e 5) o crescimento das manifestações populares no Brasil que reivindicavam a
realização de reformas estruturais de base nessa sociedade.
No entanto, o período de 1959 a 1964 apresenta uma série de conflitos internos que
impedem o efetivo estabelecimento de uma unidade no exílio. Os motivos de tais conflitos
podem ser atribuídos ao desdobramento de dois eventos específicos: o primeiro deles é a
repercussão alcançada em toda a América Latina dos acontecimentos da Revolução Cubana,
102
a partir de 1959; o segundo é o início das Guerras de Libertação Nacional nas então colônias
portuguesas da África.
Com relação ao primeiro evento, registram-se duas cisões, que de certo modo
acompanham o desenvolvimento dos acontecimentos em Cuba: a criação do Portugal Livre dissidência do Portugal Democrático, em 1959; e anos depois, em 1963, a retirada coletiva de
membros do “Conselho de Redação” do PD, por discordarem da linha que vinha sendo
adotada pelo jornal. O fator crucial dessas cisões deve-se a posicionamentos diferentes com
relação ao modo de atuação política com vistas à derrubada do regime e, por conseguinte, os
alcances e limites pretendidos para a transformação social e serão explicitados no decorrer
do capítulo.
O segundo evento - o início da Guerra Colonial, em 1961 - provocará cisões que
serão definitivas, pois que dizem respeito às diferentes maneiras de se imaginar a nação
portuguesa e o estatuto das suas então “colônias” ou “províncias ultramarinas”.
Com o vislumbre de uma eminente queda do regime, o que estará em jogo é a
configuração de um projeto contra-hegemônico e de um plano de ação que possibilitem uma
unidade, senão ideológica, ao menos na ação. Mas os opositores ao regime, sobretudo no
exílio, não entram em acordo com relação a um modo de ação comum, nem com relação à
questão - “e depois da queda?”.
A criação da Unidade Democrática Portuguesa (UDP), em 1961, conseguirá reaver a
unidade de parte do movimento, em contraposição à Frente Anti-Totalitária dos Portugueses
Livres no Exílio, criada neste mesmo ano por Henrique Galvão. O anti-comunismo e as
posições de Galvão com relação à questão colonial não mais possiblitarão a unidade de toda
a oposição no exílio. Por ter provocado uma cisão definitiva entre as forças anti-salazarista
no exílio, a questão colonial será tratada primeiramente.
103
As Visões Antagônicas sobre a Nação e o Colonialismo: a difícil tarefa da unidade
O ano de 1961 inicia-se, para a luta anti-salazarista, com a notícia do seqüestro do
paquete “Santa Maria”, rebatizado de “Santa Liberdade”. O capitão Henrique Galvão
comandou as operações cujas finalidades não estão ainda completamente esclarecidas.
Alguns depoimentos afirmam que sua intenção era justamente a de tomar o navio e levá-lo
até o Brasil, provocando uma exposição mundial e denunciando o regime português 80. Se
essa foi a sua real intenção, podemos afirmar que foi extremamente bem sucedido.
Mas Henrique Galvão teve o navio que comandava interceptado por forças
norte-americanas quando dirigia-se à África. Após a negociação da rendição, o capitão
esperou a posse do recém-eleito Presidente do Brasil, Jânio Quadros, em Brasília - que havia
se comprometido, anteriormente, a acolhê-los, caso fosse necessário81.
Após a posse de Jânio, Galvão negociou sua rendição, aportou em Recife e libertou
os tripulantes. Durante a viagem, muitos militantes anti-salazaristas agregaram-se ao grupo –
entre os quais Humberto Delgado – e vários desses afirmam, em depoimentos concedidos a
outros pesquisadores, que a intenção inicial de Galvão era a de se dirigir até Angola,
conquistar o apoio dos revoltosos com o governo português e proclamar a independência
desse país82.
De acordo com os posicionamentos posteriores de Galvão, podemos afirmar que seu
projeto para a África era a da constituição de Repúblicas nacionais independentes, de
minorias brancas que promovessem o desenvolvimento do país, numa espécie de apartheid -
80
Cf. RABY, Dawn Linda. (1995)
Portugal Democrático, número 45, fevereiro de 1961, pág. 1 e centrais
82
Cf. RABY, Dawn Linda. (1995)
81
104
nos moldes que se constituíra na África do Sul e na Rodésia, ex-colônias britânicas83. Mas
essas posições de Galvão só ficariam esclarecidas em ocasiões posteriores. Nesse momento,
a notícia do assalto ao “Santa Maria” provocou enorme entusiasmo, mas a chegada de
Galvão ao Brasil provocaria as maiores fraturas na unidade anti-fascista.
*
Embora tenham ocorrido outros conflitos no interior do movimento anti-salazarista
no exílio, dos quais trataremos mais detidamente em passagens posteriores, as principais
clivagens desse período, desagregando a unidade, ocorrerão entre os partidários de
Henrique Galvão e os demais anti-salazaristas, apesar das inúmeras reuniões realizadas no
ano de 1961 para tentar evitar essa fragmentação. Como já afirmamos, a posição quanto à
questão colonial será o principal motivo das clivagens entre os anti-salazaristas no exílio, e
será definitiva.
O capitão Henrique Galvão é um dissidente do regime. Em 1940, havia sido o
principal organizador da exposição O Mundo Português84. Apologista do Estado Novo e do
colonialismo, passará aos poucos para a fileira dos anti-salazaristas, após o conhecimento
das condições de trabalho nas colônias portuguesas da África. Denunciará essas práticas e
acusará o regime de não ter uma política de desenvolvimento para as colônias. Em
conseqüência, foi preso e condenado, mais de uma vez. Durante suas passagens pelas
cadeias do regime expressou um sentimento de revolta incontrolável 85. De acordo com
D.L.Raby (1988), não aceitava ordens de patentes inferiores, tinha um espírito altivo e se
considerava uma liderança histórica, pois partia do princípio de que a história estava
83
Esses e outros posicionamentos de Galvão com relação à questão colonial serão melhor explicitados no
decorrer deste capítulo.
84
O trabalho de Omar Ribeiro Thomaz (1996) dedica-se, em uma de suas seções, a este tema, ressaltando a
importância de Henrique Galvão para a maneira como se produziram as representações sobre o império
português.
85
Segundo Dawn Linda Raby (1988), de acordo com depoimentos que colheu para sua pesquisa.
105
destinada aos grandes homens e só a eles cabiam a condução dos destinos de uma nação.
Por esse motivo, não se conformava com o fato de estar preso. Era, ainda, um homem de
ações imediatas e de um extremo individualismo86.
Mas Galvão conseguiu fugir da prisão e procurou asilo, primeiro na Argentina,
depois na Venezuela, segundo maior núcleo de imigrantes portugueses da América do Sul.
Nesse país, conseguiu organizar, a partir de 1959, o DRIL (Diretório Revolucionário Ibérico
de Libertação), em conjunto com espanhóis e que visava ações para a derrubada dos regimes
“fascistas” em seus países. Entretanto, a principal tarefa que leva a cabo é o seqüestro do
“Santa Maria”. A medida causou grande entusiasmo e teve uma grande repercussão
internacional, como já frisamos. Acolhido no Brasil, irá se aproximar de Humberto
Delgado, mas, posteriormente, suas notórias posições anti-comunistas - e com o início do
conflitos em Angola - distancia-se do posicionamento desses núcleos anti-salazaristas,
fundando então a Frente Anti-Totalitária dos Portugueses Livres no Exílio.
No dia 5 de março de 1961 realizou-se em São Paulo uma reunião entre os
anti-salazaristas, incluindo membros do Portugal Democrático, Portugal Livre, Henrique Galvão
- que compareceu apenas por alguns minutos - e diversos representantes de outras regiões
do Brasil, além de um delegado dos partidos africanos, deslocado especialmente para essa
reunião. Tratava-se de uma tentativa de salvaguardar a unidade entre os núcleos de
anti-salazaristas reunidos no Brasil e retirar o apoio aos conflitos recém iniciados em África.
A pauta de trabalho, coordenada por Manuel Sertório, fixou-se nos seguintes pontos:
“1 – apreciação do problema de uma maior penetração democrática na colônia portuguesa do Brasil; 2 –
apreciação do problema da interligação dos vários núcleos políticos de emigrados e destes com a frente interna”
(Portugal Democrático, n.47, abril/1961, pág.8).
86
Podemos afirmar que é problemática a relação direta entre traços da personalidade de Galvão e seus
posicionamentos políticos, proposta por D.L.Raby. No entanto, tais características de sua personalidade são
106
Essa foi a primeira de uma série de reuniões que gerariam a idéia da constituição de
uma frente internacional, como a FPLN87. Em contrapartida, o apoio retirado nessa reunião,
favorável à autonomia das então “colônias portuguesas em África”, não mais tornaria
possível uma unidade de todos os anti-salazaristas em exílio no Brasil.
A partir desses conflitos, a palavra “unidade” - constantemente referida nas páginas
do jornal - teria de ser ainda mais substantivada. Nesse sentido, a unidade passava a
representar não apenas uma luta comum contra um regime, mas também contra sua política
e fundamentos coloniais, isto é, a favor dos movimentos africanos de libertação nacional e
pela destruição de todo o aparato estatal do Império. Passaria, ainda no fim desse ano, a se
autodenominar “Unidade Democrática”, conforme veremos em detalhe. Por ora,
interessa-nos as primeiras reações aos acontecimentos em África e os posicionamentos
distintos de cada lado.
Henrique Galvão criou, como referimos, a “Frente Anti-Totalitária dos Portugueses
Livres Exilados”, que teve pouco êxito, mas conseguiu congregar alguns dos antigos
membros do Portugal Democrático, como Santana Mota, Tomaz Ribeiro Colaço e depois, João
dos Santos Baleizão. A expressão “anti-totalitária” era referência direta aos comunistas. O
Portugal Democrático aproximou-se dos movimentos africanos mas, ao que tudo indica, sofreu
uma redução na diversidade de seus quadros, compostos em sua maioria de comunistas,
numa tendência que se inicia em 1961 e que se efetivará a partir de 1963.
As principais intervenções publicadas no jornal a respeito da questão colonial e as
suas conseqüências para a unidade devem-se a Adolfo Casais Monteiro. Em julho de 1961
apontadas em outros depoimentos por nós registrados, relacionando-as com suas atitudes e posições políticas.
87
A criação da FPLN (Frente Patriótica de Libertação Nacional) foi proposta na “Conferência Internacional dos
anti-fascistas portugueses”, no ano de 1962, em Paris. A idéia partiu dos exilados anti-salazaristas do Brasil e
visava convergir, num canal de ligação, os movimentos de resistência internos a Portugal com os demais
núcleos espalhados pelo mundo. Em dezembro desse mesmo ano, realizava-se sua primeira reunião, em Roma.
107
seria publicado o seu artigo, “As Soluções do Capitão Henrique Galvão para o Problema
Colonial”:
“1) A discussão efetiva de problemas políticos tem que evitar as evasivas por meio das quais se
procura ladear, precisamente, o essencial; se os pontos de vista teóricos se mostram inaplicáveis aos problemas
concretos, resulta de todo inútil afirmá-los. 2) Quando um "sim" no plano doutrinário se transforma num
"mas" quando se passa à análise da realidade, é porque alguma coisa está errada; ser um adepto da
autodeterminação, mas considerá-la inviável significa, realmente, não ser adepto dela. Eis o que me parece
necessário objetar, fundamentalmente, às opiniões do cap. Henrique Galvão sobre o problema colonial, mais
uma vez expressas em artigo do "Estado de S. Paulo” (4-6-6l) sob o titulo "Angola: a verdade e as
mistificações”.
Afirma o autor tratar-se dos princípios de um pensamento democrático; e assim, condena o
colonialismo e a discriminação racial, para dizer em seguida que "o direito que tem todos os povos à
autodeterminação é incontestável". Porém, mal isto acaba de afirmar, o cap. Henrique Galvão logo em seguida
especifica que "este direito, como todos os direitos humanos, não é absoluto. Carece de uma definição jurídica
objetiva e realista - e tem como limitações, ou obrigações inerentes, o respeito pela pessoa humana e a segurança
das condições que garantam a evolução progressiva das sociedades autodeterminadas – digamos: subentende
uma capacidade política, moral e, econômica para o seu exercício". Depois do que faz um paralelo entre a
criança e os “povos em tal menoridade política”.
Não precisamos de mais para compreender o pensamento do Cap. Henrique Galvão. Como
democrata que se considera (mas não seria mais exato declarar-se antes liberal?) não pode deixar de admitir
que os povos tenham o direito de se governarem; mas apressa-se a corrigir a admissão de tal direito, ao reservá-lo
para os que têm maioridade política. Nem precisaríamos de mais para verificarmos o equívoco em que consiste
a sua posição, pois com efeito essa restrição anula aquilo de se diz ser apenas um corretivo. Com efeito, se um
povo só tem direito à autodeterminação DEPOIS de ter alcançado a maioridade, precisamos de um critério
de maioridade; e quem o vai estabelecer? Como definir a “capacidade política, moral e econômica” que para
tal seria necessária?
Todos os ditadores alegam precisamente, contra a vontade dos povos que oprimem, essa suposta falta
de maioridade. Suprimem os instrumentos da democracia para salvar a sua nação da desordem e do caos em
que cairiam se a sua mão férrea e sábia não os conduzisse. Pergunta-se: com que fundamento podemos negar
aos povos africanos o direito de se governarem a si próprios, sem cairmos na mesma atitude dos ditadores? Com
a mesma lógica, um adepto do salazarismo dirá que a ditadura acabará logo que o povo português tiver
alcançado a maioridade política. Poderá o Cap. Henrique Galvão “provar” que nós a possuímos? Poderá
provar que o caso das populações africanas seja diferente do nosso?
Na realidade, tal diferença não existe. Todas as razões alegadas pelo Cap. Henrique Galvão são
subjetivas. Tudo quanto diz sobre os "perigos" que resultariam da independência de Angola é mera
"suposição". O direito à liberdade não é susceptível de prova: nem o nosso, nem o dos angolanos. Mas, no caso
dos negros, o Cap. Henrique Galvão fala em nome das "boas intenções" do branco incapaz de outra atitude
perante o negro senão a do "civilizado" perante o “bárbaro". Mas porque há-de este bárbaro acreditar que o
civilizado, que não o civilizou, lhe pode estabelecer a data e as condições da maioridade? Pois que. sem dúvida,
o cap. Henrique Galvão, embora sempre omisso a este respeito, não encara outra solucão senão a tutela do
branco sobre o negro, até que chegue aquela data.
Há, presente sob as diversas "razões" alegadas pelo cap. Henrique Galvão, uma razão fundamental,
que não é democrática nem anti-democrática: é nem pensar que possa sequer pôr-se em dúvida a superioridade
A FPLN instalou-se na Argélia, tendo sido a principal responsável, a partir de então, pela criação das ‘rádios
livres`.
108
do "civilizado branco". Simplesmente, as razões desta ordem nunca foram tidas em conta, em qualquer
momento da história, quando algum povo tomou consciência da sua vontade de ser livre. E é perfeitamente
inútil alegar, contra essa aspiração à liberdade, que não admite compromissos, sejam que razões forem, as
quais podem até ser válidas de qualquer outro ponto de vista. Mas sempre serão válidas, quando o sejam, dum
ponto de vista alheio a essa vontade de independência.
No caso presente, não estamos nós, portugueses adversários da ditadura, em condições de evitar a
tragédia angolana; nem podemos impedir que as tropas de Salazar chacinem os negros, nem que estes chacinem
pretos ou brancos. Em tais condições, falar na menoridade dos angolanos está inteiramente fora do assunto,
já que NÓS não podemos negociar com ELES. Alegar a menoridade dos angolanos, só pode ser tomado por
eles como um convite para que deponham as armas, e fiquem à espera até se estabelecer em Portugal um regime
democrático, que trataria de lhes dar essa maioridade que, MESMO ANTES DA DITADURA, o
europeu não se empenhou em lhes “dar”. Não devemos estranhar, portanto, que os angolanos considerem isto
risível. E é como de fato consideram, sem que me pareça haver, em nome da democracia, maneira de se achar
que neste riso se manifeste qualquer espécie de menoridade, a qual se provaria, pelo contrário, se tivessem a
ingenuidade de tomar a sério as especiosas razões que lhe prometem o céu, no futuro, convidando-os a ir sofrendo
na terra o seu cativeiro, enquanto esperam por aquele”.
O texto acima explicita quais eram as diferentes visões sobre o colonialismo
português e, em grande medida, diz respeito à maneira diferenciada pela qual se imaginava a
nação portuguesa, sua geografia e os estatutos diferenciados entre cidadãos portugueses e
povos coloniais ou “indígenas”. Henrique Galvão mantinha, com poucas alterações, a idéia
central do “Estatuto Colonial” de 1930: a gradação de níveis de cidadania entre a população
da metrópole e os povos do ultramar88.
De fato, Galvão não era favorável ao projeto nacional-colonialista do regime
português, principalmente no tocante às políticas de desenvolvimento. Sua proposta era a de
reformulá-lo, de modo a gerar condições para que essas “províncias ultramarinas”
atingissem sua “maioridade política”. Para Galvão, esta era uma postura de um
anti-colonialista. Nesse sentido, via um caminho de libertação para a África somente através
de uma ação que prouvesse o desenvolvimento dessas regiões, vinculado, em alguma
medida, à metrópole e, em hipótese alguma, de maneira inteiramente autônoma. Essa
atitude, marcadamente paternalista, era tanto a origem de sua revolta com o regime - pelo
109
abandono que atestou em suas passagens pela África - quanto de seu posicionamento
contrário à auto-determinação completa, chegando mesmo a defender a iniciativa da
proclamação da independência das oficialmente denominadas “províncias ultramarinas”,
desde que se seguisse à instauração de um governo de minorias brancas, como ocorreu na
África do Sul e na Rodésia.
A proposta de Henrique Galvão mantinha, ainda, a já referida escala gradativa em
que variavam diferentes estatutos de cidadania, do português do continente – no topo da
escala – aos diferentes povos “coloniais” ou “indígenas” em seus “usos e costumes”. Galvão
reafirmava, com isto, suas aspirações civilizatórias, com base ainda no discurso da
“irmandade” entre esses povos, da qual derivava a responsabilidade histórica e cultural de
Portugal.
A postura da maioria dos demais anti-salazaristas era a da auto-determinação plena
dos povos “coloniais”, reconhecendo suas aspirações de liberdade e independência que,
aliás, eram as mesmas aspirações desses anti-salazaristas com relação a Portugal. Nesse caso,
o mapa português não ia “do Minho ao Timor”, como era imaginado pelo projeto colonial,
mas “do Minho ao Algarve”, em que a nação restringia-se praticamente ao continente.
Esse postulado fez com que se repensasse a unidade. Com efeito, podiam ser
encontradas, nesse momento, mais de uma modalidade de anti-salazaristas, com posições
distintas quanto à questão colonial. Com um agravante, o explícito sentimento
anti-comunista de Henrique Galvão, taxado de “discriminatório” pelos demais
anti-fascistas.
88
O “Estatuto Colonial”, de 1930, baseava-se em uma escala gradativa, segundo a qual estabeleciam-se
diferencialmente os direitos e deveres dos “cidadãos” portugueses, da metrópole e do ultramar. Cf. THOMAZ,
Omar Ribeiro. (op.cit, capítulo III)
110
Mas, antes de nos referirmos à maneira como foram reafirmados os princípios da
unidade, vamos nos debruçar sobre outros fatores geradores de conflitos no campo da luta
anti-fascista no exílio: os diferentes ideais de transformação social e a maneira de se realizar
a teoria e a prática política.
As Esquerdas: “os modos de atuação” e “os alcances e limites da transformação social”
A atuação dos anti-salazaristas no Brasil, a definição do seu papel no interior das
lutas de resistência ao regime, além da maneira de se pensar a prática política, as estratégias
de ação e os alcances e limites da transformação social, geraram constantes debates e cisões,
no interior do movimento, particularmente no âmbito da sociedade brasileira do início da
década de 1960. Os primeiros sinais dessas dissidências surgem à chegada de Humberto
Delgado ao Brasil89, com relação aos critérios da prática política mais adequados a uma
resistência no exílio.
Humberto Delgado aporta no Brasil em 1959 e reúne em torno de si um grupo de
partidários. O Portugal Democrático o apoiará como liderança política durante toda sua
permanência nesse país, de 1959 a fins de 1963. No entanto, este será um apoio repleto de
conflitos.
Em primeiro lugar, o espírito de liderança de Humberto Delgado, exarcebado por
um certo individualismo90 nas ações, é considerado um comportamento político que, além
de “autoritário”, expunha excessivamente os anti-fascistas a riscos de repressão 91 .
Humberto Delgado tinha, ainda, a intenção de formar milícias com vistas a uma ação contra
89
Humberto Delgado chega ao Brasil em 21 de abril de 1959.
Depoimentos de Fernando Lemos, Dulce Ramos e Alexandre Pereira.
91
Depoimentos de Alexandre Antunes Pereira, Fernando Lemos, Miguel Urbano Rodrigues e Dulce Ramos.
90
111
o regime a partir do exílio, mas ficou decepcionado por não encontrar partidários para essa
iniciativa entre a maioria dos anti-salazaristas92. Mesmo assim, Delgado chegou a treinar
milícias em fazendas próximas à região de Campinas, interior de São Paulo93.
O Portugal Democrático parecia estar certo quanto às exposições excessivas
decorrentes dessas iniciativas. O Deops passará a acompanhar de perto os passos de
Humberto Delgado no Brasil, com relatórios regulares sobre suas atividades, principalmente
após o início dos treinamentos94. Do mesmo modo, Delgado possibilitou a aproximação de
suspeitos agentes secretos da PIDE, como Rodrigo de Abreu95, que chegou até mesmo a
publicar um artigo no Portugal Democrático, em setembro de 1960. Quando Humberto
Delgado, um tanto contrariado, decide deixar o Brasil em dezembro de 1963 para integrar-se
à FPLN (Frente Patriótica de Libertação Nacional), tem contudo o apoio do Portugal
Democrático.
Mas, vamos descrever como este apoio será retirado em ocasião posterior.
Humberto Delgado conseguirá criar, a partir da “II Conferência da FPLN” realizada em
janeiro de 1964, a Junta Revolucionária Portuguesa, que visava o derrubamento da ditadura
fascista e a subida ao poder de um governo provisório. A FPLN e o Portugal Democrático
apoiarão Delgado até o início de 1965 quando este, um tanto irritado com o adiamento das
ações e por seu “individualismo exarcebado”96, de acordo com as acusações do jornal, resolve
abandonar a FPLN. Dias depois, ao tentar ultrapassar a fronteira portuguesa, é assassinado
por agentes da PIDE. Imediatamente, o regime português tentará atribuir o assassinato às
recentes desavenças internas da oposição.
92
Segundo depoimento de Fernando Lemos, mas também em RABY, Dawn Linda. (1995)
Cf. RABY, Dawn Linda. (1995)
94
Ref. Arquivo Deops (41-E-5-1)
95
Cf. RABY, Dawn Linda. (1995)
93
112
Vemos que as críticas a Humberto Delgado voltavam-se para seu personalismo nas
ações. Muito embora tenha titubeado, inicialmente, quanto ao seu apoio aos Movimentos de
Libertação Nacional, tomou logo em seguida partido favorável à auto-determinação desses
povos - posição que não mais abandonará até o fim de sua vida. Do mesmo modo, também
não expressou sentimentos anti-comunistas. Por esses motivos, apesar dos conflitos acima
assinalados, o Portugal Democrático não deixará de apoiá-lo, em sua passagem pelo Brasil - sem
contudo atuar conjuntamente nas tarefas de milícias – e, posteriormente, enquanto fez
parte da FPLN, retirando seu apoio ao “general” apenas no momento em que este abandona
a FPLN para tentar uma ação individual, que não dará certo.
A postura política de Humberto Delgado no exílio, aproximando-se em um
primeiro momento de Henrique Galvão mas distancinado-se, contudo, de seus
posicionamentos após o início das Guerras Coloniais e dos acontecimentos do “Santa
Maria”, pode ser melhor contextualizada a partir da análise da trajetória de um outro
periódico: o Portugal Livre .
*
Humberto Delgado, ao chegar ao Brasil, não consegue esconder a sua frustração
com o modo de atuação política da resistência no exílio97. De fato, imaginava a possibilidade
de formar milícias, como já nos referimos - ou talvez criar uma junta de governo a partir do
exílio. O Portugal Livre encampará esta proposta.
O Portugal Livre é fundado em São Paulo, já em 1959, em decorrência do aumento da
influência comunista no Portugal Democrático, mas sobretudo devido à discordância com
relação ao modo de se conduzir uma insurreição contra o regime português. De fato, o
96
Portugal Democrático, número 90, janeiro de 1965, pág.1. O Editorial dessa edição lamenta a saída de
Humberto Delgado da FPLN, por ocasião do seu 3o congresso mas defende, contudo, a postura do unidade,
contrária à posição “anti-unitária e personalista do general”.
113
Portugal Livre estará mais próximo de lideranças históricas como Henrique Galvão,
Humberto Delgado e Fernando Queiroga que, a partir de 1959, chegam à América Latina e
aspiram a tomada do poder através de um golpe - de inspiração nitidamente individualista para, em seguida, conclamar o apoio da população. Para tal, aliam-se aos exilados espanhóis
da Venezuela, e dessa fusão surgirá o DRIL (Diretório Revolucionário Ibérico de
Libertação) -, organização sem princípios ideológicos definidos, mas que visava uma ação
imediata e urgente para por fim aos regimes autoritários em Espanha e Portugal98. Tal ação
tem, ainda, forte inspiração nos acontecimentos da Revolução Cubana que, por essa ocasião,
ainda não tinha definido a sua orientação para o comunismo99. A ação mais importante
levada a cabo pelo DRIL será o seqüestro do Santa Maria, como vimos.
O Portugal Democrático distancia-se desse modo de atuação política, que qualifica de
“aventurismo”, propugnando, em contrapartida, a preparação de uma insurreição popular.
Por conseguinte, atribui um papel diferenciado à resistência no exílio, em que as ações
internas a Portugal são prioritárias e a resistência no exílio deve oferecer apoio externo a
essas ações. O Portugal Livre estará próximo ao DRIL mas, após o acontecimento do Santa
Maria, o jornal dissolve-se, por falta de apoio e por dissidências internas.
Segundo depoimentos100 , os primeiros sinais da cisão entre o Portugal Livre e o
Portugal Democrático já se apresentavam em 1959 - devido às discordâncias internas do
Conselho de Redação com a linha editorial do Portugal Democrático, com o aumento da
participação comunista101, o que influenciará no posicionamento do jornal com relação ao
modo de ação política a ser adotado. De um lado, os comunistas defendiam um outro
97
Depoimento de Fernando Lemos e também em RABY, Dawn Linda. (1995)
Cf. RABY, Dawn Linda. (1995)
99
O que justifica, pois, a presença no DRIL de Henrique Galvão, um notório anti-comunista.
100
Depoimento de João dos Santos Baleizão.
101
O aumento da presença de comunistas vem por conta tanto de sua divulgação quanto resultado da
configuração efetiva de redes nacionais e internacionais.
98
114
modelo de preparação da ação insurrecional; de outro, os liberais republicanos não
apoiariam uma ação como a de Cuba, sobretudo porque distanciava-se do apelo populista
contido nas mensagens insurrecionais de Galvão, Delgado e Queiroga . Por esses motivos,
um grupo de colaboradores se afastou do jornal e decidiu fundar o Portugal Livre.
Esse novo jornal terá curta duração (1959 a 1961) e contará com a presença dos
jornalistas João Alves das Neves, Víctor da Cunha Rêgo, João Santana Mota e Miguel
Urbano Rodrigues, entre outros. A bandeira do jornal dará ênfase à liberdade de expressão,
ao fim da censura e anistia aos presos e exilados políticos e à democracia. Como se vê, são
questões comuns ao Portugal Democrático, mas com um modelo que consideravam mais
autônomo de tomada das decisões internas.
Mas o jornal Portugal Livre se desagrega por dissidências provocadas com a chegada
de Henrique Galvão e seu posicionamento quanto à questão colonial102 e, de acordo com nossa
hipótese, também devido ao fato de não contar com as mesmas bases de inserção de que
dispunha o Portugal Democrático, através das redes que este consegue estabelecer a partir de
1958, como vimos103. De fato, o que caracteriza e diferencia o relativo “sucesso” do Portugal
Democrático de duas outras iniciativas levadas a cabo por setores dos anti-salazaristas no
Brasil, nomeadamente, os jornais Portugal Livre e A Semana Portuguesa104 - este último editado
em Santos entre 1965 e 1968 – vem do fato de poder contar com as redes de inserção,
interiores ao Brasil e internacionais, que permitirão, ainda, a sua manutenção durante quase
102
Segundo depoimento de Miguel Urbano Rodrigues
Essa hipótese é reforçada com o depoimento de João dos Santos Baleizão, em que atestava que o Portugal
Livre havia sofrido as mesmas dificuldades de inserção entre os emigrantes portugueses, como ocorreu com o
Portugal Democrático.
104
Alguns colaboradores do Portugal Democrático participaram nessa iniciativa, como o escritor Castro
Soromenho, além de Joaquim Duarte Baptista (diretor do jornal) e Paulo de Castro. O jornal tinha um caráter
mais informativo e menos político.
103
115
todo o período de sua publicação105. Como vimos, as dificuldades de manutenção de um
jornal anti-salazarista, dirigido apenas ao público da “colônia” eram imensas. O
internacionalismo do Portugal Democrático é o que facilitará sua inserção e manutenção, tanto
entre os setores de esquerda da sociedade civil brasileira, quanto entre os demais núcleos de
anti-salazaristas no exílio espalhados pelo mundo.
Como dissemos de passagem, os posicionamentos de Henrique Galvão quanto à
questão colonial, dividirão internamente os dinamizadores do Portugal Livre. João Santana
Mota apoiará o Capitão Henrique Galvão após sua chegada ao Brasil, o que também
acontece com Tomaz Ribeiro Colaço, já afastado do Portugal Democrático, desde que este
tinha se aproximado do Embaixador Álvaro Lins, seu desafeto, entre 1959 e 1960. João dos
Santos Baleizão, que também apoiará Galvão, deixará o Portugal Democrático, em definitivo,
apenas em 1963, por considerar que sua estrutura de decisões internas estava se tornando
anti-democrática106, atribuindo essa situação aos “comunistas”. Em entrevista que nos foi
concedida, considerava ainda que o apoio concedido pelo Portugal Democrático aos desertores
do exército colonial que passavam para as fileiras do Movimentos de Libertação Nacional e a maneira como considerava o problema das “províncias ultramarinas” – eram “absurdas”,
já que se tratava de manifestações de “alta traição” e de claras manifestações de
“anti-patriotismo”.
Após o fim do jornal Portugal Livre, anos depois, João Alves das Neves, que não apoia
Galvão, paradoxalmente ganhará e aceitará um cargo do regime junto à “colônia”107. Vítor
da Cunha Rêgo, que também assume uma posição anti-colonialista, fundará a editora
Felman-Rêgo, em 1962, e publicará diversas obras de análise e crítica ao regime e sobre a
105
O depoimento de João dos Santos Baleizão, que participava simultaneamente da administração do Portugal
Democático e do Portugal Livre, também nos aponta nessa direção.
106
De acordo com depoimento.
116
situação social em África, mas terá de fechar sua editora às pressas, após o golpe militar de
1964, ao mesmo tempo em que partirá do Brasil. Contudo, antes, denuncia nas páginas de O
Estado de São Paulo, a infiltração de “agentes altamente perigosos ao serviço do Estado Soviético” no
Portugal Democrático108, outra atitude paradoxal. Apenas Miguel Urbano Rodrigues retornará
ao Portugal Democrático e participará deste até 1974, tendo passado também para as fileiras do
PCP109.
*
Mas os desdobramentos da Revolução cubana ainda demarcariam outras clivagens
entre os anti-salazaristas no exílio. O Brasil, como diversos países da América Latina,
passará por um período de intensificação das esquerdas. O impacto dos acontecimentos de
Cuba - e sua orientação para o comunismo - acirrava os debates tanto no interior das
esquerdas quanto da direita. Nessa altura (1962 -1963) identifica-se uma disputa interna ao
Portugal Democrático com relação à orientação do movimento. O apoio às esquerdas no Brasil
e a aspiração dos setores comunistas por uma transformação revolucionária, tanto no Brasil
quanto em Portugal, punham em questão os alcances e limites da transformação social. De
fato, os setores liberais republicanos - e mesmo socialistas - do movimento discordavam de
muitos desses pressupostos, tais como: uma “democracia avançada”, acompanhado de
reformas sociais, com vistas a um processo de implantação de um Estado socialista.
No entanto, o fator crucial dessas cisões - assim como no caso das atividades do
DRIL - devem-se a posicionamentos diferentes com relação ao modo da atuação política
107
Chefe dos “Serviços de Informação e Imprensa”, que cuidavam da produção e circulação de notícias de
Portugal entre a “colônia”. Cargo de confiança do regime.
108
No Portugal Democrático é publicada a réplica, escrita e enviada a O Estado de São Paulo por Pedroso de
Lima, criticando o editorial de 21 de julho de 1964 - “Infiltração Comunista”, de Victor da Cunha Rêgo. Cf.
Portugal Democrático, número 85, agosto de 1964, pág. 8.
109
De acordo com depoimento, Miguel Urbano Rodrigues conta-nos que após os acontecimentos do Santa
Maria, do qual participou das negociações finais, pôde certificar-se de que aquele tipo de ação não passava
de uma “aventura”.
117
com vistas à derrubada do regime e, por conseguinte, aos alcances e limites pretendidos para
a transformação social.
A aproximação do movimento anti-salazarista no Brasil com setores da esquerda
brasileira - nomeadamente o PSB mas, principalmente com o PCB – e a orientação
adquirida pelo jornal Portugal Democrático após 1961, geraram discordâncias quanto às
decisões internas que definiam as linhas editoriais do jornal e sua política110.
De fato, a crescente influência do PCP e do PCB sobre o jornal parece ter lugar após
1961, como vimos, adquirindo características partidárias que são subtilmente denunciadas
por Jorge de Sena, em um artigo de outubro de 1962 intitulado “A Unidade”, em que se
referia à oposição como “pequeno burguesa” e sem espírito democrático, por querer tornar
“sua” a Revolução e não do povo. Em depoimento que nos foi concedido por João dos
Santos Baleizão, é feita uma denúncia de censuras internas a artigos que não expressassem a
opinião do Partido Comunista. De fato, ao se retirarem em conjunto do “Conselho de
Redação” em março de 1963, Adolfo Casais Monteiro, Fernando Correia da Silva, Fernando
Lemos, Jorge de Sena e Paulo de Castro, escreveriam a seguinte declaração:
“Os abaixo-assinados, ao mesmo tempo em que proclamam a necessidade absoluta de uma frente
única na luta contra o salazarismo e o fascismo em Portugal, tornam pública a sua decisão de abandonarem
o Conselho de Redação de Portugal Democrático, por não se considerarem em condições de exercer a
responsabilidade que lhes cabia na definição de uma política comum para o jornal. Nestas condições, saudando
a valorosa turma que o orientará e redigirá manifestam a sua intenção de continuar a prestar a Portugal
Democrático a sua colaboração; e declaram que são e serão fiéis ao lema de que todas as correntes, sem
discriminação alguma, devem ser chamadas à tarefa de derrubar o fascismo português e de salvar Portugal e
o seu povo. Onde alguma discriminação for mantida, sempre a liberdade estará em perigo, e será traído o direito
do povo português de decidir os seus destinos. Aa.”111 [grifos nossos]
110
João dos Santos Baleizão, em depoimento, denuncia a prática de veto a alguns artigos, que acabou por gerar
discussões internas. O próprio Portugal Livre, segundo ele, formou-se com o intuito de ser um jornal em que os
seus editores pudessem se manifestar autonomamente, em contraposição ao que ocorria no Portugal
Democrático.
111
Portugal Democrático, número 70, março de 1963, pág. 2
118
Ingressam no “Conselho de Redação”, em substituição, Augusto Aragão, Miguel
Urbano Rodrigues e Antônio Bidarra da Fonseca, os dois primeiros do PCP; e permanecem
Manuel Sertório (socialista) e Vítor Ramos (comunista). De fato, Adolfo Casais Monteiro se
reaproximar-se-á do jornal, mas não mais fará parte do seu Conselho, o que acontecerá
apenas com Fernando Lemos, após o 25 de Abril, na última fase do jornal. Os demais não
mais escreverão, mas continuarão a se integrar em atividades anti-salazaristas. Daí em
diante, os novos integrantes do “Conselho de Redação” serão sempre comunistas, como
Joaquim Barradas de Carvalho, Joaquim Quitério, Manuel Ferreira Moura, Francisco Vidal,
Álvaro Veiga de Oliveira e Alexandre Pereira, entre outros.
De fato, o jornal passará a ter, desde então, uma “política comum” que se aproxima
mais da linha do PCP no combate ao anti-fascismo, embora não deixe de reivindicar e
aspirar uma plataforma unitária. O PCP era a única corrente da oposição que se encontrava
organizada112, nesse momento, como em grande parte de todo o regime salazarista. Os
socialistas encontravam-se dispersos e os setores liberais democráticos encontravam-se
enfraquecidos.
Esta política comum estará ainda melhor definida após 1964. Por esse motivo, uma
outra “versão” dos fatos pode ser construída, em contraposição à tese de que tais
dissidências internas tenham sido provocadas tão somente por uma “partidarização”
excessiva do movimento, provocando uma interferência nas suas dinâmicas de tomadas de
decisões e ações políticas comuns. De fato, um outro fator de dissidências internas está
relacionado a um momento específico em que se vivia na sociedade brasileira, em que se
encontrava em cheque os alcances e limites da transformação social. A contextualização
desses posicionamanentos permite-nos interpretar alguns dos motivos dessas dissidências
112
O Partido Socialista só se organizará a partir de 1973.
119
ideológicas, tanto quanto da própria “partidarização” levada a cabo pelos comunistas, nesse
momento.
É de se notificar, primeiramente, que o Brasil encontrava-se em um período de
grande agitação social, em que os setores populares, mas sobretudo as esquerdas partidárias,
reivindicavam transformações na sociedade e na maneira como se encontrava estruturada.
Discutia-se
na
sociedade
brasileira
questões
como:
desenvolvimento
X
subdesenvolvimento; dependência econômica X capitalismo nacional, em que um
sentimento “internacionalista”, de utopias ideológicas de esquerda, aliavam-se a um
“nacionalismo”. A imagem, presente e incômoda, dos acontecimentos recentes da
Revolução Cubana, motivava e tornava apreensivo os debates entre setores tanto da esquerda
quanto da direita. O golpe militar de 1964 procura ser uma reação a essa crescente
mobilização popular.
Tal momento de “apreensão” em que se vivia na sociedade brasileira pode ser
indiciado na informação reservada do Deops, em 21/12/1961:
“Levamos ao conhecimento desta chefia que, segundo informação reservada, ‘tanto em Portugal como
no Brasil cresce a oposição ao fascismo salazarista’.
Em Portugal, ‘a esquerda predomina as forças oposicionistas e será herdeira do regime opressor de
Salazar’.
No Brasil, o jornal ‘Portugal Livre’, órgão mensal de forças oposicionistas, obedecia ao Gal.
Humberto Delgado, porém deixou de circular, ao passo que ‘Portugal Democrático’, periódico mensal de
oposição, é controlado e dirigido pela oposição de esquerda.
As forças anti-salazaristas do Brasil de tendências esquerdistas reuniram-se recentemente no Centro
Republicano Português de São Paulo e decidiram unificar os diversos grupos anti-fascistas e anti-salazaristas
numa nova organização, a qual foi denominada ‘Unidade Democrática Portuguesa’. (...) O novo movimento
anti-salazarista tem por objetivo unificar a luta (...). Visa também orientar o movimento das forças
oposicionistas no exterior e coordenar o apoio político e financeiro para as lutas internas. A nova entidade
reconhece o direito à auto-determinação e independência dos povos coloniais e apoia sem restrições ‘a luta heróica
e justa dos povos das colônias portuguesas’, considerando-os ‘fortes aliados contra a ditadura fascista de
Salazar’.
A nova entidade nada tem a ver com o capitão Henrique Galvão, pois este não reconhece a
independências das colônias portuguesas.
A esquerda portuguesa taxa o capitão Henrique Galvão de ‘salazarista sem Salazar’.
O Partido Comunista Português está atuando e progredindo dentro do território português do
continente europeu.
120
Os comunistas portugueses do Brasil estão colaborando com o PCB nas lutas reivindicatórias.
Os comunistas portugueses e espanhóis residentes em São Paulo colaboraram com o PCB, na ampla
divulgação de manifestos redigidos pelo mesmo PCB e seus aliados PSB e PTB (ex.anexos)”113
Outros indícios são as cartas-denúncia enviadas ao Deops com maior freqüência
entre 1962 e 1964.114
O ideal do internacionalismo, entre os anti-salazaristas comunistas, empenhava-os
em atividades de militância na sociedade brasileira, dialogando e atuando conjuntamente
com os movimentos da esquerda neste país115. A forma de atuação e as ações reivindicativas,
que tendiam a um cunho marcadamente revolucionário, não agradavam a uma parte
significativa dos anti-salazaristas. Jorge de Sena escreveu artigos no Portugal Democrático, tais
como “As Esquerdas” e o já referido “A Unidade”, em que criticava duramente essa maneira
de atuar. Entretanto, as discordâncias quanto à prática política e aos alcances e limites da
transformação social eram recíprocas. Em depoimento, Miguel Urbano Rodrigues afirmou
que esse setor do movimento anti-salazarista era “ético, mas não verdadeiramente revolucionário”, e
que um sentimento internacionalista o impedia de estar alheio à situação brasileira. Tais
dissidências estendiam-se ainda para a questão: E Depois da Queda? – em que se reivindicava,
de um lado, a transformação radical da sociedade portuguesa e da estrutura estatal; de outro,
defendia-se o retorno das instituições democráticas, mas sem maiores alterações na
estrutura político-econômica. De fato, este é o momento em que a esfera pública alternativa, a
que nos referimos no capítulo III, consegue realizar um de suas principais “tarefas”: a de
tornar explícito os posicionamentos de setores dos anti-fascistas, configurando alguns dos
projetos voltados ao Estado-Nação português. De acordo com nossa hipótese, o projeto
formulado e dinamizado pelo PCP tornar-se-á, em vista da persistência do regime português
113
114
Ref. Deops, registro (41-E-5-5)
Uma das quais selecionamos na seção de documentação escrita e iconográfica.
121
e do conflito colonial, o que mais irá congregar novamente os anti-salazaristas no exílio
brasileiro, após 1964, trazendo de volta, em torno de uma plataforma unitária, militantes que
haviam se afastado do movimento nesse período imediatamente anterior ao golpe militar
brasileiro, como João Sarmento Pimentel, Adolfo Casais Monteiro e Fernando Lemos.
Jorge de Sena deixará o Brasil após o golpe militar, aceitando o convite para lecionar em uma
universidade norte-americana.
Descrito o contexto, podemos compreender como tais discordâncias e acusações
faziam parte do jogo político, em um momento em que as disputas tornaram-se mais
públicas e acirradas. Tais disputas põem em cheque a unidade. Todavia, o golpe militar,
paradoxalmente, tornará novamente a postura de tomada de decisões internas unitárias,
embora tenham ficado no Brasil, após 1964, uma parcela majoritária de militantes
comunistas. O jornal refletirá a partir de então muito da postura do PCP, mas ao mesmo
tempo atrairá de volta, aos poucos, os demais militantes que haviam se afastado no período
imediatamente anterior ao golpe, como já descrevemos. Alguns outros militantes deixam o
Brasil nesse momento, por considerarem inviável uma atuação política a partir desse país.
Contam-se entre estes, Víctor da Cunha Rêgo, Manuel Sertório e Jorge de Sena, entre
outros.
Unidade: Como e com Quem?
Retornemos a 1961, no momento em que se discutia os termos da unidade dos
anti-salazaritas no exílio e o seu papel no interior da resistência.
115
Depoimentos de Miguel Urbano Rodrigues, Alexandre Pereira e Dulce Ramos
122
Frente à impossibilidade da unidade entre as duas correntes anti-salazaristas no
exílio, naquele momento116, a unidade teve de ser repensada, nos termos de uma “Unidade
Democrática”, sem preconceitos ideológicos e “contra qualquer adiamento da tarefa da liberdade”,
seja para o povo português, seja para os povos das “colônias”. A epígrafe ao artigo
“Unidade: como e com quem?” de Adolfo Casais Monteiro, publicado em outubro de 1961,
deixa claro esse posicionamento do grupo:
“Em política, não há teoria sem prática. Ora, o problema da unidade das forças oposicionistas não
pode resumir-se à declaração teórica, por parte de grupos, partido e indivíduos, de que a entendem necessária,
e estão dispostos a realizá-la. É indispensável que se estabeleça claramente como é tal unidade, e com quem.
Não ignoramos a existência de sectores que se consideram oposicionistas, e que até se considerem democráticos,
mas que todavia não se definem de forma a podermos identificá-los como tais. A unidade não pode existir entre
atitudes contraditórias; pode, sem dúvida, admitir diversidade, divergências táticas e técnicas, digamos assim.
Mas exclui evidentemente aquilo que só poderia inutilizá-la.”
Os conflitos até então registrados, referentes à questão colonial e às práticas políticas
de lideranças recém-chegadas, foram desgastantes e geraram alguns afastamentos. Como
forma de reaproximar muitos desses militantes e de efetivar na prática a nova unidade, foi
criada em outubro de 1961 a UDP (Unidade Democrática Portuguesa). A UDP vem
substituir e teve as mesmas funções dos “Serviços de Informação” criados no ano anterior e
visava congregar o maior número possível dos anti-fascistas, aliados ao Portugal Democrático e
ao Centro Republicano Português. Desse modo, a linha do jornal permanecia unitária,
refirmando os princípios do anti-colonialismo, contrário às discriminações ideológicas, e
propondo uma unidade na ação, já que no campo ideológico esta era impossível. Os
militantes que não se identificassem ou não quisessem colaborar com o jornal – que se
encontrava cada vez mais próximo da linha do PCP neste momento - e que conjugassem
dos princípios da “unidade democrática”, poderiam participar da UDP ou do Centro
Republicano Português. A UDP, de fato, conseguiu reintegrar os militantes anti-salazaristas,
116
A “Frente Anti-Totalitária dos Portugueses Livres no Exílio” e o agrupamento em torno do CRP.
123
à exceção dos partidários de Galvão. A “Declaração” de seus princípios era ampla o
suficiente para congregar tais oposicionistas:
“1) serão as ações unitárias de todas as forças políticas que poderão levar à vitória a luta que o Povo
Português trava pela Democracia; 2) que a direção da luta das forças democráticas portuguesas reside em
Portugal, onde também se encontra o principal campo de ação de luta contra a ditadura fascista de Salazar;
3) que a atividade dos oposicionistas no exterior se funda na importância e na necessidade de desmascarar
internacionalmente a ditadura e de coordenar o apoio político e financeiro para as lutas internas; 4) que é seu
objetivo ajudar a reforçar e a alargar a unidade de todos os anti-salazaristas, tanto em Portugal como no
estrangeiro, sem discriminações políticas e partidárias de qualquer espécie, verberando formal e publicamente
quaisquer ações de caráter discriminatório e divisionista; 5) que reconhecem o direito à auto-determinação e
independência dos Povos Coloniais e em conseqüência apoiam sem restrições e inequivocamente a luta dos Povos
das Colônias Portuguesas pela sua libertação, considerando a mesma um forte aliado da luta do Povo
Português contra a ditadura fascista de Salazar. São Paulo, 22 de outubro de 1961. aa. Adolfo Casais
Monteiro; Augusto Aragão; Jorge de Sena; Carlos Cruz, Ricca Gonçalves, João Manuel Tito de Morais;
Fernando Lemos; João Sarmento Pimentel; Joaquim Duarte Baptista; Francisco Sarmento Pimentel e
Manuel Alfredo Tito de Morais”.
Note-se que, nesta “declaração” de princípios, encontram-se explicitadas, ainda, o
papel da resistência no exílio e que serão efetivamente levadas a cabo a partir de então. Essa
definição de papéis afastava as tentativas de Delgado de formar milícias a partir do exílio, já
que a direção e o principal campo de lutas encontravam-se em Portugal, de acordo com
essas considerações.
O próprio Deops passou, então, a agir em três frentes, nesse momento. Quanto à
“Frente Anti-Totalitária dos Portugueses Livres Exilados”, que teve curta duração,
acompanhou-a com certa distância, ao concluírem que eram “anti-comunistas”. Humberto
Delgado, conforme relatamos, teve seus passos seguidos até deixar o Brasil. E as atividades
centralizadas no Centro Republicano Português eram acompanhadas de perto, mas
principalmente em manifestações públicas, à exceção de ocasiões em que recebiam
denúncias anônimas quanto a atuação de agentes comunistas, de cuja existência, aliás,
tinham pleno conhecimento. Essas denúncias foram mais intensificadas entre 1961 e 1964 e
procuravam criar um certo terror sobre “a ameaça comunista”, conforme pudemos
124
identificar nos arquivos do Deops117. Por ocasião do golpe militar brasileiro, em 1964, Vítor
da Cunha Rego escreverá no jornal “O Estado de São Paulo”, um artigo em que acusa a
infiltração de agentes comunistas no Portugal Democrático, como já frisamos de passagem.
A UDP irá permanecer até 1974, tornando-se um dos elementos mais dinâmicos do
movimento após 1964. No entanto, sua “declaração de princípios” não consegue conter os
conflitos internos registrados principalmente entre 1961 e 1964. Após o golpe, a prática do
movimento tornar-se-á mais coerente com essa “declaração”.
*
Neste capítulo, procuramos descrever e analisar as dinâmicas internas ao
movimento anti-salazarista no exílio brasileiro, que modificam e reafirmam a unidade do
movimento em face de contextos histórico-políticos específicos, em que surgem tais
conflitos internos. Os principais motivos dessas divergências recaíam sobre a maneira como
se pensava a prática política; quais as visões sobre a nação e o colonialismo português – a
maneira pela qual eram imaginados; e os alcances e limites da transformação social.
O incentivo ao debate dessas questões, nas páginas do jornal, procurava sanar essas
divergências em prol de uma plataforma de ação comum. Mas a sucessão de conflitos, cisões
e clivagens não permitirão essa unidade, em termos ideológicos. O afastamento de posturas
discriminatórias força os anti-salazaristas a repensarem os termos dessa unidade,
qualificando-a substantivamente de “democrática”. Nesse ínterim, surge a UDP (Unidade
Democrática Portuguesa), em que a unidade é pensada como “não ideológica, mas de ação”,
procurando encerrar as divisões que impedem uma ação conjunta e reafirmando os
princípios ético-políticos, em torno da democracia, do anti-colonialismo e contra as
117
Há uma série de cartas anônimas, denunciando a presença de comunistas no Centro Republicano Português e
alegando que se tratavam, ainda, de perigosos terroristas. As cartas datavam do fim de 1961 a fins de 1962. Ref.
Arquivo Deops (41-E-5-14)
125
discriminações ideológicas, como os únicos princípios capazes de congregar o núcleo de
forma coerente. Entretanto, apesar de ser um primeiro passo no sentido da unidade, as
divergências ideológicas seguem intensas até o golpe militar brasileiro de 1964.
Após 1962, momento imediatamente posterior à criação da UDP, não é mais a
questão colonial o principal elemento desagregador, mas a vinculação do núcleo com
setores da esquerda brasileira, assim como os alcances e limites de cada projeto de
transformação social. O golpe de 1964 provoca novas perdas e fragmentações mas, ao
contrário das expectativas, o movimento permanece no Brasil, e é a partir de então que terá
um política comum quanto ao anti-colonialismo, a democracia como valor unitário, e a ação
conjunta, independente de correntes político-ideológicas.
A aliança com setores da sociedade civil brasileira e com os partidos de esquerda não
são de todo abandonadas após o golpe, mas perdem sua intensidade. A manutenção do
Portugal Democrático após 1964 será bem recebida pelas esquerdas brasileiras que terão nele,
ainda que de forma reduzida e dissimulada, um meio de expressão de valores como a
democracia e a liberdade.
Seguem, nas páginas do jornal e nas posturas políticas do movimento, o
posicionamento favorável ao anti-colonialismo e aos movimentos de libertação nacional em
África. Do mesmo modo, permanecem as críticas ao regime português e a contínua
negociação e inserção dos anti-salazaristas na sociedade brasileira. As dificuldades impostas
à atuação no Brasil fazem aumentar o fluxo das redes internacionais do movimento, através
de órgãos como a UDP, que passa a ser um dos elementos principais na dinamização das
tarefas, assim como a próprio Centro Republicano Português, que permanece como
referência da unidade das forças anti-salazaristas. Dos conflitos, cisões e clivagens, emergem
as idéias de que a resistência no exílio só pode sustentar um projeto contra-hegemônico em
126
uma plataforma de ações comuns, onde a ação é um valor em si . Este será o principal substrato
a uma “ética da resistência”. Mas, por ora, vejamos os desfechos de mais outras negociações
identitárias, frente a um novo cenário, de restrições ainda maiores à liberdade.
O golpe militar brasileiro tornaria as coisas mais difíceis, mas o jornal consegue
negociar sua permanência ao se apropriar de partes do discurso do regime militar, no
tocante às suas posições frente ao cenário mundial e seu nacionalismo exacerbado.
127
Capítulo V - Povo Português e Povos Coloniais: “aliados naturais”
Este capítulo trata do momento posterior ao golpe militar brasileiro de 1964 e das
negociações de identidade dos exilados anti-salazaristas no exílio, neste período. Entre 1964
e 1968, o regime ditatorial brasileiro consolida-se e inicia o seu período de maior repressão
entre 1968 e 1974. Em Portugal ocorre um contraponto, em que a desagregação final do
regime inicia-se já em 1967, com a eminente substituição de Salazar, e torna-se mais
acelerada após 1970.
Sem poder contar com a intensidade do apoio da sociedade brasileira antes
conseguido, o núcleo procura sobreviver, conectado às redes internacionais do movimento
anti-salazarista, que torna-se o espaço de maior circulação de trocas. No Brasil, adotam a
tática, contingentemente imposta, do “silêncio” frente à situação brasileira, que se
demonstra na atitude de não criticar em hipótese alguma o governo, nem permitir que
membros da resistência no exílio atuassem paralelamente em qualquer movimento contrário
ao regime, solicitando, em alguns casos, o afastamento de alguns desse militantes ou a opção
de escolha entre a luta anti-salazarista e a luta anti-regime ditatorial brasileiro118. Entretanto,
as atividades com setores da sociedade civil brasileira não são de todo abandonadas,
restringindo-se a iniciativas que eram “toleradas” por esse regime, como a publicação de
livros e proposição de seminários em que se criticavam as políticas coloniais portuguesas e
denunciava-se a Guerra Colonial.
118
Ildefonso Garcia, português e anti-fascista, conta em seu depoimento que a ele foi solicitado que se afastasse
temporariamente do movimento anti-salazarista, por suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro e com o
jornal “Combate”, após o golpe de 1964. Dulce Ramos também nos contou que Vítor Ramos havia feito um
pedido a Miguel Urbano Rodrigues, para que deixasse de atuar nas questões brasileiras, de modo a impedir a
desagregação do movimento anti-salazarista no Brasil e o fechamento do jornal. Fernando Lemos, que opta por
apoiar iniciativas de contestação ao regime brasileiro, é fichado mais vezes no DEOPS do que em todo o
período em que havia participado do Portugal Democrático..
128
De fato, a bandeira principal desse período, como estratégia de inserção e
negociação dos anti-salazaristas no Brasil, será a da ênfase nas questões coloniais. Ao
mesmo tempo em que realizavam a denúncia do salazarismo e do colonialismo,
internacionalmente e internamente ao Brasil, conseguiam permanecer com a publicação do
Portugal Democrático e com a Unidade Democrática Portuguesa, permitindo a centralização de
informações advindas do mundo inteiro sobre o regime português e os conflitos em África,
e sua posterior distribuição, através do próprio jornal, de boletins de informação a órgãos de
imprensa, então criados, ou por dossiês e publicações editoriais, encaminhados a entidades
como a ONU ou distribuídos em formato de livro, no Brasil e em outras partes do mundo.
Com a abertura a que se vê forçado o regime português após 1968, o Portugal
Democrático passa a criticar o que denominam a “farsa da liberalização”, proposta por
Caetano e que dá mostras de ter sido definitivamente fracassada em 1970. As críticas se
estendiam, ainda, a outros setores da oposição, como “capitulação”, aos que acreditavam
que o próprio regime pudesse conduzir a sua estrutura político-institucional e econômica a
uma abertura gradativa à democracia, ou “aventureiros”, aos atos de sabotagem ou
tentativas de golpe de setores de ultra-esquerda, sem que se procurasse conquistar o apoio
popular. A linha seguida pelo jornal era a mesma do PCP, isto é, de uma “acção
revolucionária” com vistas à preparação de uma “insurreição popular”, de modo a derrubar
o regime e impedir qualquer reação ou, em outras palavras, levar a cabo a destruição total do
aparato corporativo do Estado, estendendo a participação na vida política a toda a
população, nos termos denominados de uma “democracia avançada”.
É o que de fato ocorre, imediatamente após os acontecimentos do 25 de abril,
quando retornam os exilados e os presos políticos são libertos. Os integrantes do Portugal
Democrático, em parte significativa, voltam a Portugal, entre maio de 1974 até fins de 1975,
129
para se baterem a favor dos avanços da Revolução, que passa a restringir os seus limites a
partir das ações que têm lugar em novembro de 1975.
Estratégias da Resistência após o golpe militar de 1964
Após o golpe militar brasileiro lançaram-se dúvidas sobre a continuidade da
resistência anti-salazarista neste país, sua atividade militante e a publicação do jornal. O
Centro Republicano Português permaneceu fechado nas primeiras semanas e muitos
documentos que pudessem ser identificados como “materiais subversivos” foram
eliminados às pressas119. Aos poucos, retomaram-se as atividades e foi feita uma reunião
para avaliar as “condições objetivas” para a continuidade da publicação do Portugal
Democrático120. Alguns exilados acharam que insistir na edição do jornal poderia representar
uma provocação. Outros se afastaram e não mais colaboraram. Uma minoria deixou o país
imediatamente, como foi o caso de Manuel Sertório, que partiu para a Argélia.
Sem poder contar com o apoio de setores da sociedade civil brasileira à medida que
a ditadura avançava, o núcleo de exilados anti-salazaristas reunidos em torno do Centro
Republicano Português decidiu pela continuidade da publicação, dando ênfase à questão
colonial, ao observarem que o tratamento dado à Guerra Colonial era um dos aspectos que
mais irritava o regime português, além do que, a crescente pressão internacional, com
sucessivas condenações ao regime, propiciava um cenário de relações externas em que a
defesa aberta e declarada do colonialismo português acarretava em uma imagem negativa do
119
Depoimentos de Dulce Helena Ramos, Alexandre Antunes Pereira, Alexandre Leal Dias e Ildefonso Garcia.
Depoimentos de Miguel Urbano Rodrigues e Alexandre Antunes Pereira. De acordo com Miguel Urbano
Rodrigues, a primeira edição do jornal após o golpe de 64 serviu de “teste”. Neste número, o jornal fez uso
deliberado de termos marxistas, no que denominou uma “edição provocativa”. Não tendo sofrido qualquer veto,
decidiu-se pela continuidade da publicação.
120
130
país. O editorial “Povo Português e Povos Coloniais: Aliados Naturais”, de junho/julho de
1964 enunciava essa nova linha editorial. A decisão foi acertada. De fato, o Brasil votou
contra as sanções a Portugal, no “Conselho de Segurança” da ONU, entre 1964 a 1967 mas,
a partir de 1968, passou a abster-se, justamente na fase mais repressiva da ditadura brasileira.
Essa mudança de atitude se deve a debates no interior do regime brasileiro e a escolhas
estratégicas de política externa.
O Portugal Democrático acompanhava de perto os projetos nacionais de Brasil e Portugal
e, principalmente, a política externa do Brasil com relação a Portugal e às ex-colônias em
África. Na medida do possível, procurava intervir publicamente “a favor do Brasil” e contra
o colonialismo português.
Nos primeiros anos do regime militar, o Estado brasileiro discutia internamente a
sua postura com relação à África. Havia uma proposta, oferecida por Salazar, de o Brasil
utilizar as colônias portuguesas em África como “portos livres”, isto é, zonas de comércio
que poderiam atrair o Brasil por apresentar-se como pólo de exportação de produtos
industrializados. Esta proposta integrava-se à idéia de criação de uma comunidade
luso-brasileira. Salazar tinha grande interesse em angariar o apoio do Brasil para a sua
política colonial, em face das pressões internacionais e condenações que vinha sofrendo. O
apoio do Brasil tinha força simbólica, tanto para os organismos internacionais, quanto para
empanar os movimentos de libertação nacional, que contavam com o apoio do Brasil. O
aspecto simbólico residia, sobretudo, no fato de o Brasil ter sido ex-colônia de Portugal, o
que legitimava, de certo modo, o discurso da “irmandade”, a constituição de uma
“comunidade de sentimentos” entre países de língua portuguesa e, por conseguinte, a
presença de Portugal - pelo passado histórico comum e pela língua - em tais territórios
africanos.
131
O discurso do Chanceler português Franco Nogueira, de 21 de julho de 1964,
sintetizava as esperanças de aproximação dos interesses coloniais com o regime militar
brasileiro:
“Nós não pomos limites à colaboração com o Brasil e pensamos, ao contrário, que quanto mais
estreita, mais profunda e mais ampla for essa colaboração tanto melhor será para os interesses do Brasil e de
Portugal. De tudo que dizemos ao Brasil nesta linguagem temos em mente uma vasta Comunidade de
mais de cem milhões de habitantes, já neste momento apoiada num lago atlântico luso-brasileiro e exercendo
um papel de relevo que, sem exagero se poderia classificar de mundial” (citado em Bava Jr., 1986, pp.
111)
Do lado brasileiro, o Presidente Mal. Castelo Branco defendia uma alternativa
neocolonial na formação da Comunidade afro-luso-brasileira, revelando os interesses do
regime militar brasileiro, nessa ocasião, em se credenciar como “natural” mediador no
processo de “independência” das então colônias portuguesas em África.
Carlos Lacerda, político brasileiro conservador (liderança histórica da UDN),
também se manifestou publicamente a favor dos “portos livres”, como sendo esta a única
maneira de o Brasil penetrar nos mercados africanos. Entretanto, setores nacionalistas da
ditadura passaram a avaliar a questão de outra maneira. A partir de 1968, com base no
cenário existente à época, os governos dos generais Costa e Silva e Garrastazu Médici
contestavam o poder efetivo de tais mercados, uma vez que se encontravam em situação de
guerra, nos quais os produtos que o Brasil se interessava em exportar não encontrariam
grande demanda121 . Ao mesmo tempo, o andamento dos conflitos, com forte pressão
internacional favorável à auto-determinação122, fazia com que se apostasse mais na derrota
121
Todas essas questões são tratadas na coluna “Notas e Comentários”, no artigo “Brasil e África”, do número
107 do Portugal Democrático, em junho de 1966, pág. 3
122
Segundo BAVA JR. (op.cit., pp. 113 e 114), a diplomacia desses governos caracterizava-se pelo seu
alinhamento com o Departamento de Estado norte-americano que, por sua vez, recomendava que a expansão de
países em desenvolvimento desse ênfase ao comércio com os países desenvolvidos, paralelamente a integrações
regionais, o que frustava a expansão da Comunidade de língua portuguesa. No cenário internacional, ainda, a
militarização da questão colonial, por parte de quem não tinha poderes metropolitanos (Portugal), provocou a
132
do colonialismo português, sendo mais interessante negociar diretamente com os países
recém independentes. Paralelo a tudo isso, encontrava-se ainda difundido um certo
sentimento “anti-colonialista” entre os núcleos mais nacionalistas dos militares, que se
expressava pela manifestação contrária ao colonizador - o mesmo que explorou o Brasil - e
aproximava a causa de independência dessas colônias à afirmação da autonomia e do
nacionalismo brasileiro123.
Esta última opção irá se configurar como vencedora. A conjugação de todos esses
detalhes contextuais, aliados a uma perspicácia dos imigrantes anti-salazaristas em manipular
as contradições do discurso nacionalista militar, apropriando-se do que nele mais os
interessava, permitiu uma situação inédita: a publicação de um jornal de esquerda, formado
por notórios comunistas e socialistas, entre outros, em pleno regime ditatorial militar, em
que a esquerda brasileira sofria seu pior período de repressão. Alguns brasileiros chegavam a
brincar, de acordo com depoimentos, ao dizerem que “o único jornal de esquerda do Brasil era
português”124.
O cancelamento, por parte do Brasil, do acordo tentado por Salazar em 1966,
causou de fato entusiasmo entre os Movimentos de Libertação Nacional. Meses antes,
quando o Brasil havia acenado a favor do acordo, a pressão exercida pelos países africanos
sobre o governo brasileiro teve resultado favorável, de tal forma que a própria imprensa
havia de comentar que representava um “mal negócio” (Diário Popular de 10-9-1966,
transcrito em Portugal Democrático de outubro de 1966).
internacionalização do conflito, sua condenação e, em última instância, legitimando a luta armada de libertação
nacional.
123
De acordo com depoimentos de Alexandre Pereira, que afirmou ainda que setores nacionalistas da ditadura
militar brasileira “admiravam” o jornal por seu aspecto de crítica à expansão colonial portuguesa, intervindo a
seu favor - a pedido de Octávio Martins de Moura, então diretor brasileiro do jornal - em ocasiões em que esteve
para se fechado pelo DEOPS e pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas).
124
Depoimentos de Miguel Urbano Rodrigues e Alexandre Pereira.
133
Podemos afirmar que as únicas intervenções dos exilados portugueses quanto a
políticas estabelecidas pelo Estado brasileiro, durante o período da ditadura, referiam-se a
tratados assinados entre Brasil e Portugal, acordos comerciais, de apoio e amizade ou de
colaboração mútua. No entanto, essa intervenção era sempre feita manifestando-se um
sentimento de preocupação com os possíveis prejuízos que a medida implicaria ao Brasil,
ressaltando a situação constrangedora internacional de Portugal. É o caso do “Acordo
Cultural e Comercial” efetivado em 1968, e sobre o qual enviam uma avaliação dirigida ao
Itamarati e ao Congresso, considerando os termos do acordo desfavoráveis ao Brasil 125, já
que em Portugal “não havia vida cultural” nem “mercado interno com poder de compra
comparável ao do Brasil”. Ação semelhante irá ocorrer em 1972.
Se o movimento procurava não intervir criticamente na política brasileira, por outro
lado, as questões portuguesas eram tratadas com viés marxista, com um discurso favorável à
democratização, ao avanço em questões sociais e à insurreição popular - o que não deixava
de ter um valor significativo para os movimentos de contestação ao regime brasileiro, que
não poderiam em hipótese alguma por a debate tais questões, sob pena de repressões,
violência policial ou censuras.
Por conseguinte, a permanência de uma organização de oposição ao regime
português em plena ditadura brasileira não foi nem um pouco tranqüila. O governo
brasileiro sofreu diversas pressões para que fechasse o Centro Republicano Português e o
Portugal Democrático126. No entanto, o jornal contava com um diretor brasileiro - conforme
determina a lei que regulamenta os órgãos de imprensa nesse país - de nome Otávio Martins
de Moura, e que por contar com amigos em altos escalões militares, favoráveis à causa
125
Portugal Democrático, número 128, abril de 1968, pág. 8. O mesmo tipo de protesto vem a lume no número
111, de outubro de 1966, pág. 1, e no número 173, de novembro de 1972, pág. 3.
126
Depoimentos de Alexandre Pereira, Miguel Urbano Rodrigues e Fernando Lemos
134
anti-colonialista propalada pelos exilados, tais “apoios” militares permitiam que o jornal e o
movimento fossem tolerados, desde que não se aproximassem da esquerda brasileira 127.
Desse modo, escaparam de ver suas atividades encerradas várias vezes. O desgaste pessoal
nas tarefas já era imenso antes do golpe, e as dificuldades agravaram-se ainda mais após a
ditadura brasileira. No início de década de 1970, o jornal sofre grandes perdas, como a morte
de Augusto Aragão, Manuel Rocheta, do próprio Otávio Martins de Moura e de amigos
como Adolfo Casais Monteiro. Com o advento do golpe militar em 1964, Silvério da Costa
Lettra, em desespero, comete o suicídio. Apesar das perdas, um aspecto marcante era o
pedido insistente desses militantes para que não abandonassem a luta, acontecesse o que
fosse128. As atividades, no entanto, continuam no mesmo ritmo, mas passam a dar cada vez
mais ênfase à ação e à divulgação de denúncias do colonialismo português e dos crimes de
guerra em redes internacionais, sem deixar de atuar, embora de maneira muito limitada, em
eventos no Brasil.
As redes de trocas com os Movimentos de Libertação em África, com a FPLN e
com a resistência interna tornaram-se ainda mais estreitas. As colunas “Colonialismo e
Anti-Colonialismo” e “Pela Anistia e Contra a Repressão” documentavam as ações dos
movimentos em África e as campanhas de anistia em todo o mundo. O jornal passou a ser
mais informativo e tais colaborações eram provenientes de diversas partes do mundo e do
Brasil. De fato, tornou-se mais lido fora do que dentro do Brasil e, por esse motivo, teve
grandes dificuldades financeiras em se manter, por conta de aumentos de tarifas
internacionais de postagem. Entre 1971 e 1974 passa a ter quatro páginas, ao invés das oito
habituais.
127
De acordo com os mesmos depoimentos anteriores.
É o caso do depoimento de Augusto Aragão, descrito no Portugal Democrático, número 154, de dez/1970 e
jan/1971, pág. 2: “Suas últimas palavras foram para a luta do povo português e para exortar a equipe de
128
135
Mas algumas atividades foram realizadas no Brasil. O estreitamento das relações
com as editoras Civilização Brasileira, Paz e Terra e Brasiliense propiciou a publicação de
diversas obras sobre questões africanas e coloniais, e de depoimentos sobre os conflitos em
África, descritos e analisados por desertores que recebiam a acolhida do movimento. Uma
outra iniciativa bastante divulgada na mídia foi a promoção de um debate em que se avaliava
os até então “42 Anos de Fascismo em Portugal”, realizado pela PUC-SP em fins de 1968. O
debate, cuja intenção era a de trazer debatedores de ambos os lados, não contou com
representantes do regime - que se eximiram de comparecer - o que repercutiu negativamente
na imprensa brasileira e no meio estudantil. O farto material analítico e documental que foi
produzido para este evento, além de uma exposição, foram publicados em um número da
Revista Paz e Terra, inteiramente dedicada a essa questão, em 1969, sob o título “43 Anos de
Fascismo em Portugal”129.
Paralelamente
a
essas
atividades,
as
principais
ações
consistiram
no
“desmascaramento internacional do regime”, em que a UDP permaneceu durante todo o
período com a sua tarefa de centralização e difusão de informações para órgãos de imprensa,
no Brasil e no exterior, chegando a publicar por um longo período um Boletim dirigido às
agências noticiosas, escrito em cinco línguas diferentes. A reunião dessa extensa
documentação permitia a elaboração anual de dossiês enviados à ONU, lançados por
ocasião das comemorações do 5 de outubro, que também não deixaram de acontecer. Em
alguns anos, como em 1966, os relatórios foram lidos na própria Assembléia ou no
Conselho de Segurança da ONU, por membros do Portugal Democrático, como Vítor Ramos e
Ruy Luiz Gomes, que se encontrava no Brasil desde 1962, no Recife, e era sempre o
“Portugal Democrático” a vencer todas as dificuldades da hora presente: ´aconteça o que acontecer – disse – o
jornal tem que continuar!”
129
Revista Paz e Terra, número 10, dezembro de 1969.
136
primeiro signatário desse documento que contava com a assinatura dos núcleos dos
“portugueses democratas da América”, reunindo os núcleos do Brasil, Uruguai, Argentina,
Venezuela, Canadá e Estados Unidos.
Uma outra iniciativa consistiu na denúncia da ação dos Consulados, encaminhada à
ONU. Os portugueses dissidentes do regime que quisessem viajar para outros países,
inclusive por motivos profissionais, não recebiam o visto de autorização, tendo de ser
forçados, com o tempo, a pedir a cidadania brasileira. Esta era já uma prática antiga dos
Consulados portugueses, denunciada no jornal pela primeira vez em 1963. Os próprios
oposicionistas portugueses brincavam que se tratava de um “passaporte para a cadeia”, já que o
único visto concedido era “válido somente para Portugal”. No entanto, em 1967, os membros do
Portugal Democrático e outros membros opositores ao regime decidiram pedir passaportes
conjuntamente, para que ficasse caracterizado o tratamento diferenciado por motivos
políticos. A prática foi relatada à Comissão de Direitos do Homem, acompanhada de
documentação com referência a casos anteriores. O sucesso da iniciativa gerou uma
campanha mundial, em que imigrantes portugueses notoriamente oposicionistas
encaminhavam seus passaportes para terem seus vistos negados e, com isso, efetivar a
denúncia. (Portugal Democrático, número 116, abril de 1967).
A Denúncia do “Salazarismo sem Salazar”
137
A partir de 1967/68, começa um novo ciclo de negociações, envolvendo a disputa
de poder em Portugal. Desde 1962 o regime vinha sofrendo derrotas externas e se isolando
cada vez mais. A oposição crescente alia-se aos Movimentos de Libertação Nacional,
quando surgem novas modalidade de ação, como grupos de sabotagem e terrorismo.
Paralelamente, seguem os modelos anteriores de oposição, com ações formais legais e
clandestinas, com uma novidade: a participação cada vez mais ativa de setores da esquerda
católica e dos socialistas. O PCP, com outros núcleos de ações armadas, adota a postura da
“acção revolucionária”, isto é, a preparação de um levantamento popular ou “insurreição
nacional” junto à população. Já em 1967 se tornava-se evidente a necessidade de
substituição de Salazar, sob as pressões dirigidas ao regime, inclusive por setores da
burguesia industrial, dada a necessidade de uma maior dinamização econômica, a ser
propiciada por uma abertura liberal. Trata-se, portanto, do ciclo em que ocorre a
substituição de Salazar, da implantação de um “novo” projeto hegemônico, em que se
apelava para um discurso de liberalização gradativa. Tais facetas caracterizarão o governo de
Marcelo Caetano, que substitui Salazar após a queda de uma cadeira em setembro de 1968,
que o deixará definitivamente impossibilitado de exercer atividades políticas até sua morte
em 1970.
Neste ano de 1967 o PCP elabora o documento secreto “Acção Revolucionária,
Capitulação e Aventura”, de autoria de Álvaro Cunhal, no qual analisava os diferentes quadros
da oposição e concluía com um alerta para os riscos de uma possível capitulação de setores
da oposição, isto é, para a crença de que a eminente substituição de Salazar iria dar início a
um processo de liberalização do regime. Do mesmo modo, criticava a ação de grupos, em
sua maioria de extrema esquerda, que queriam a destruição do regime sem um trabalho
anterior com a população, qualificando essa posição de “aventurismo”. Com a queda
138
repentina de Salazar e seu afastamento definitivo da vida política, o Portugal Democrático,
seguindo a linha da “acção revolucionária” passa a conclamar, em seus editoriais, o apoio de
todas as forças oposicionistas para o levantamento nacional. Entretanto, conforme havia
sido previsto, alguns setores da oposição encampam o discurso da “abertura liberalizante”.
O Portugal Democrático passará a se atribuir como principal tarefa “o desmascaramento
internacional do salazarismo sem Salazar”, referindo-se ao governo de Marcelo Caetano. O
Editorial “Falando Claro” e a chamada de capa “Democratas Portugueses definem a sua posição”, do
número 121, de setembro de 1967, deixam claras as posturas favoráveis à “acção
revolucionária” ao mesmo tempo em que manifesta o apoio a uma estratégia, interna a
Portugal, de preparação da insurreição popular “com vistas à destruição total do Estado fascista”.
Lançaram-se manifestos pelo levantamento nacional e inúmeras críticas à liberalização,
como uma “via superada, ou via impossível”130, que se tornaram constantes entre setembro de
1967 até fins de 1969.
Pela avaliação do jornal, no número 145, de novembro de 1969, ou seja, logo após as
primeiras eleições da Era Caetano, em que se repetiram as “farsas eleitorais” anteriores,
alegava-se criticamente que havia passado o momento propício à insurreição - em fins de
1968 – devido às “ilusões legalistas”, isto é, aos setores da oposição que investiram na
liberalização gradativa. Nota-se que o diálogo do jornal, neste momento, se dá diretamente
com os movimentos e acontecimentos internos a Portugal e à “África portuguesa”. Por
ocasião da morte de Salazar em 1970, o editorial “Morreu o bicho, não morreu a peçonha”131,
afirmava que a permanência das estruturas fascistas, no caetanismo, era já uma realidade.
De fato, Marcelo Caetano ensaia uma ligeira abertura que vai do outono de 1968 às
eleições legislativas em outubro de 1969. Muda o nome da PIDE para Direcção Geral de
130
Portugal Democrático, número 139, abril de 1969
139
Segurança (DGS), mas mantém sua estrutura; o mesmo ocorre com o partido único, que
passa a se chamar Acção Nacional Popular (ANP). Algumas personalidades puderam
retornar do exílio, como Mário Soares e o bispo do Porto. No entanto, após as eleições, que
têm o seu processo semelhante às promovidas por Salazar, a Assembléia é integralmente
composta por deputados do partido oficial. A partir de 1970 começa a ser notório o impasse
na evolução da abertura política anunciada pelo regime. Por fim, a revisão constitucional em
1971, com a publicação de uma nova Lei de Imprensa, não elimina contudo a censura.
O ano de 1970, apesar de ser considerado, nas páginas do Portugal Democrático, como
um ano de retração das atividades oposicionistas - o que atribuem a uma certo “cansaço” tem como contrapartida uma série de fatos que vêm confirmar que a abertura está sendo
adiada. Nesse mesmo ano, por ocasião da visita de Marcelo Caetano ao Brasil, um grupo de
oposicionistas tenta fazer chegar até ele um manifesto formal de apelo à abertura do regime,
mas Marcelo Caetano não os recebe132. A seguir a este período pós-1970, as “ilusões legalistas”
são progressivamente abandonadas, mesmo por esses setores da oposição, o que
corresponde à radicalização da luta anti-fascista em Portugal133. Emergem grupos de ação
política armada.
O Portugal Democrático manterá sua iniciativa de apoio a uma “acção revolucionária” e
segue na denúncia incontinenti de “traição” e do “salazarismo sem Salazar” – dirigidas a Marcelo
Caetano - e da intensificação da Guerra Colonial, com o assassinato de algumas de suas
lideranças 134 . A mesma campanha de denúncia dos “vistos do passaporte apenas para
131
Portugal Democrático, número 152, setembro de 1970, pág. 1
Depoimento de Miguel Urbano Rodrigues e também nas páginas do jornal. Contavam-se entre esses
oposicionistas, João Sarmento Pimentel e Paulo de Castro.
133
Cf. RABY, Dawn Linda., (1988) e ROSAS, Fernando., (1993).
134
Assassinatos como os de Eduardo Mondlane (da FRELIMO), em 1965; Amílcar Cabral (do PAIGC), em
1973 e outros, além de inúmeras tentativas frustradas, denunciadas nas páginas do jornal.
132
140
Portugal” é repetida, ainda em 1969, como forma de demonstrar a continuidade dos
métodos.
Com o atestado do fracasso do reformismo pela oposição e com o agravamento das
contradições na instituição militar entre 1973 e 1974135, criam-se as condições para um
levantamento militar. O lançamento do livro do Gal. Spínola, Portugal e o Futuro136 , em
fevereiro de 1974 traz à tona o conflito no seio do regime em torno do insolúvel problema
“ultramarino”. O “Movimento dos Capitães”, em 25 de Abril de 1974, será seguido de
intensa mobilização popular.
A Liberdade em Portugal
No Brasil, a notícia da queda do regime foi saudada nas páginas do Portugal
Democrático com a manchete “A Liberdade em Portugal” “25 de Abril e 1 de maio datas históricas”
“Forças Armadas e Povo Confraternizam-se nas ruas”137 . Foram tomadas providências para o
“saneamento” dos Consulados e da Embaixada. Uma festa de despedida aos exilados
políticos, para revisitarem sua Pátria ou se “baterem pela Revolução”, estava sendo
preparada quando, durante a reunião realizada na casa de Vítor Ramos, este foi acometido
por um ataque (aneurisma) e faleceu em 03 de maio de 1974. A festa, aguardada para o dia
seguinte, tornou-se um ato na Universidade de São Paulo – a primeira manifestação política
estudantil em alguns anos de ditadura no Brasil – que contou com amplo apoio dos
estudantes e com uma platéia tão numerosa que teve de ser realizado ao ar livre, de maneira
improvisada. O número do Portugal Democrático de maio de 1974 teve como editorial um
135
Cf. ROSAS, Fernando. (op.cit.)
SPÍNOLA, Antônio de. – Portugal e o Futuro – análise da conjuntura nacional – Editora Nova Fronteira,
1974.
136
141
texto eufórico intitulado “O Renascimento de uma Nação”, uma colaboração de Florestan
Fernandes – “A Era da Esperança” e a reportagem do Ato realizado na USP. Destacamos a
mensagem de despedida de Miguel Urbano Rodrigues, escolhido para falar em nomes dos
companheiros do Portugal Democrático sobre a trajetória da luta anti-salazarista no exílio:
"Tínhamos projetado participar de uma festa. Viríamos aqui para receber a solidariedade da
juventude universitária de São Paulo àqueles que até o dia 25 de ábril eram exilados portugueses. Mas o ato
não mais uma festa. A profunda alegria que vocês e nós sentíamos ainda há poucas horas ante o vendaval de
liberdade que agita Portugal foi turvada por um fato que nos atingiu a todos. Um fato inseparável da trágica
fragilidade da condição humana. Vítor Ramos companheiro nosso, professor da Universidade de São Paulo,
pioneiro da resistência antifascista portuguesa no Brasil, não está a nosso lado. A morte abateu-o; no preciso
momento em que intervinha ontem, numa reunião da Unidade Democrática Portuguesa.
Vítor Ramos não pode comemorar a vitória longamente esperada. Interpreto o sentimento do pequeno
grupo de combatentes antifascistas do «Portugal Democrático», afirmando aqui que sempre vimos nele, pela
sua firmeza, serenidade e talento, o símbolo das virtudes humanas e políticas daqueles que na diáspora
portuguesa lutaram contra o fascismo e o colonialismo. Mas não é apenas a emoção que me leva a evocar o
companheiro perdido. A sua ausência fortalece em nós a saudade de outros como Augusto Aragão, Adolfo
Casais Monteiro, Manuel Rocheta e Castro Soromenho que ficaram pelo caminho. Morreram no Brasil, não
chegaram a viver a alvorada da democracia em Portugal.
O exílio é uma escola de paciência. Nenhum exilado pode manter viva a fé nos princípios que estão
na origem do seu combate e sentir-se permanentemente identificado com a luta do seu povo, cumprir, numa
palavra, o seu dever, se não souber vencer a amargura, o desalento, as humilhações e sobretudo a solidão que
o distanciamento gera. Não me envergonho de vos confessar que para nos mantermos realistas tivemos,
dialeticamente, de fazer concessões ao romantismo. Sonhamos durante anos com o fim do fascismo.
Imaginávamos o povo nas ruas, festejando a derrocada da ditadura salazarista, colocávamos indagações,
insondáveis, vislumbrando o amanhã posterior à longa noite do fascismo. Sabíamos que um dia chegaria um
25 de abril. E sabíamos que só unidos poderíamos, no Interior e na diáspora, combater com eficácia um
inimigo que erigira as escolas de tortura em instrumento fundamental de defesa da ditadura mais científica e
duradoura deste século.
Soubemos esperar combatendo, e combatendo nos mantivemos unidos. Nunca perdemos a confiança
no povo português. E era difícil como escreveu Adolfo Casais Monteiro, ser-se dignamente português nos
tempos de Salazar. A adulação, o obscurantismo, a barbárie eram glorificados como virtudes pelos epígonos
do Estado autocrático e liberticida; o amor da liberdade, a defesa dos oprimidos, o respeito pela cultura, a
coragem de desafiar as leis e os dogmas fascistas eram encarados como crimes e punidos pelo aparelho de
repressão de um Estado medieval à frente do qual Salazar agia como um cardeal do Concilio de Trento.
Nossa contribuição como exilados para a derrubada desse regime, cimentado no ódio e na violência,
foi modesta. Mas houve uma tarefa que, pelas condições especiais existentes em Portugal, a contribuição da
emigração política era importante; a denuncia do colonialismo. Durante muitos anos o tema foi tabu em
Portugal.
Dia após dia, pulverizamos os mitos do império, das «Províncias Ultramarinas», da Nação una e
indivisível do Minho ao Timor. Chamamos as coisas pelo seu nome. Condenamos a guerra colonial,
divulgamos as listas com os nomes dos autores de massacres monstruosos, não hesitamos em apontar o desprezo
da comunidade universal aos assassinos e os torturadores dos patriotas angolanos, guineenses e moçambicanos.
137
Portugal Democrático, número 186, maio de 1974.
142
Foi a partir de São Paulo, que se articulou um movimento dos núcleos da emigração democrática portuguesa
em seis países americanos com o objetivo de, unitariamente levar ao conhecimento da Comissão dos Direitos
do Homem, os crimes da máquina de repressão do Estado fascista português e de, interpretando a vontade do
povo amordaçado de Portugal, exigir perante o Conselho de Segurança e a Assembléia Geral das Nações
Unidas a paz em África, o regresso dos exércitos portugueses, a independência para Angola, Moçambique e
Guiné-Bissau. Como democratas mantivemo-nos sempre fiéis ao principio de que nenhum povo é
autenticamente livre enquanto em seu nome outros povos são subjugados pela força, aviltados pela dominação
colonial.
O que menos nos chamaram os porta vozes do fascismo foi renegados e traidores. Muitos de nós não
obtivemos passaporte nos últimos dez anos ou recebemos um passaporte que era válido “exclusivamente para
Portugal”. Em outras palavras, um passaporte para as masmorras da PIDE. Quero, contudo, relembrar que
nunca confundimos as Forças Armadas de Portugal com a camarilha fascista e colonialista que as envolveram
numa guerra criminosa, nunca confundimos os assassinos e torturadores com os soldados e os oficiais envolvidos
contra sua vontade numa guerra podre que apenas interessava aos algozes do povo e às grandes empresas
multinacionais que controlam as riquezas das colônias. Os acontecimentos posteriores ao 25 de Abril
confirmaram que estávamos certos, que interpretávamos corretamente os sentimentos do nosso povo,
demonstraram que as Forças Armadas eram elas também, vitimas de uma engrenagem torturadora. O
Exército português como disse Mário Soares, não é o exército chileno (...)
Portugal está retomando o seu lugar na história. Não alimentamos, porém, a ilusão de
que construiremos o futuro apenas com poesia e flores. As insígnias do fascismo foram destruídas, mas a
estrutura sócio-econômica por ele montada - uma estrutura que transformou Portugal no pais de maior miséria
e maior concentração de riqueza da Europa - permanece intacta.
Daí o perigo do otimismo ingênuo. A contra ofensiva das forças políticas cujos interesses
fundamentais se acham ameaçados só poderá ser contida se as forças políticas democráticas se conservarem
unidas contra os desafios e provocações, incluindo os de grupelhos irresponsáveis de ultra-esquerda.
Mas a lição é de civismo e força que o povo de Portugal está dando, a cada dia, nos enche de confiança.
Ontem mesmo, a equipe de Portugal Democrático discutia com Vítor Ramos em sua casa, os mil
problemas fascinantes que a libertação de Portugal coloca para nós, combatentes da causa democrática. De
certa forma ele está aqui também, com todos nós, companheiros, alunos, professores da Universidade de São
Paulo. É pelo seu comportamento, na breve trajetória para a morte que é a vida, que os homens se definem.
As palavras, os atos, o exemplo ficam. Não concebo outra forma de eternidade.
Nas pessoas de Dulce Ramos, Irene Aragão e Mercedes Soromenho presto comovida homenagem a
três patriotas mortos no exílio, a três combatentes exemplares. Para ti, Vítor Ramos, companheiro e irmão,
uma saudação especial nesta noite em que estás mais do que nunca presente. Encarnas para nós o povo
revolucionário de Portugal”138. [grifo nosso]
Após mais duas edições, o jornal passará a ser publicado com periodicidade semanal
a partir de outubro de 1974, reproduzindo notícias do “Diário de Notícias”, como uma
forma de dar cobertura dos acontecimentos no país. Entretanto, por estar cumprido o
principal motivo para o qual apareceu, encerra o Portugal Democrático sua publicação em abril
de 1975, no número 205, cuja capa traz uma bandeira de Portugal, um cravo e a letra de
143
“Grândola, Vila Morena”. A edição é comemorativa do primeiro ano do 25 de Abril e, nas
páginas desse número, é anunciada a intenção de retomar sua publicação tempos depois, o
que de fato não ocorreu, por pressões dos novos contingentes de imigrantes, partidários do
antigo regime e recém chegados ao Brasil, junto ao Comando de Caça aos Comunistas
(CCC), para o encerramento definitivo do jornal. Nesse mesmo ano, novos contingentes
dos antigos exilados retornam ao seu país de origem, para participarem dos avanços e
disputas da “Revolução dos Cravos”.
*
Neste capítulo, vimos como o movimento dos anti-salazaristas no Brasil se articulou
após o golpe militar de 1964. Num período de extrema repressão, conseguiu negociar sua
permanência e inserção, ainda que restrita, nessa sociedade.
As atividades desenvolvidas, embora se centralizassem no Brasil, no tocante à
distribuição de informações que permitissem a denúncia mundial do regime português, da
Guerra Colonial e dos massacres em África, tornaram-se ainda mais intensificadas em
âmbito internacional.
Essa foi uma escolha estratégica, já que na sociedade brasileira tornava-se cada vez
mais difícil a atuação dos anti-salazaristas, aliados a outros núcleos da resistência ou a setores
das esquerdas deste país. Com base no discurso nacionalista-militar brasileiro, o movimento
conseguiu atuar nos momentos mais repressivos da ditadura. Mas o centro da resistência no
exílio deixa de ser o Brasil e torna-se cada vez mais internacional. O Portugal Democrático
estará mais integrado dinamicamente a essas redes de trocas entre núcleos de diferentes
países. As ações contra-hegemônicas partem de um apoio mútuo que se configura na
distribuição de tarefas entre os setores da resistência, tanto no exílio quanto internamente a
138
Portugal Democrático, número 186, maio de 1974, pág. 8
144
Portugal. Aos anti-salazaristas do Brasil, coube esse papel crucial de denúncia do
colonialismo.
Todavia, alguma atividade continuou a ser desenvolvida junto à sociedade brasileira
e, embora se praticasse a estratégia do “silêncio” com relação à situação do país, as páginas
do jornal não deixaram de abordar temas como liberdade, democracia, transformação social,
Revolução, entre outros. Em uma sociedade sob censura, o Portugal Democrático, embora não
se dirigisse a fatos da sociedade brasileira, constituiu-se em espaço de difusão e discussão
desses valores e ideais, permitindo a participação, em suas páginas, de formadores de
opinião e intelectuais brasileiros que não encontravam espaço para a manifestação de tais
ideais em outros veículos de informação pública.
A abertura do regime em Portugal teve grande repercussão no Brasil e na América
Latina e, de certo modo, possibilitou o avanço nos debates sobre a abertura desses regimes
autoritários. Em um caso particular, os acontecimentos do 25 de Abril permitiram as
primeiras manifestações públicas estudantis depois de anos de práticas repressivas. Os
exilados que agora retornavam, tinham a esperança de poder atuar na transformação da
sociedade brasileira e, vários destes, apoiaram ações, em Portugal, de combate à ditadura
militar brasileira.
145
Conclusões
O problema a que nos propomos nesta etnografia consistiu na pertinácia dos militantes
anti-salazaristas exilados no Brasil e reunidos em torno do Portugal Democrático. Essa
persistência, cultural e política, teve de ser negociada frente a cenários distintos, em que
configurações histórico-estruturais e situacionais fizeram produzir dinamicamente a
diferenciação e a singularidade identitária – bem como as ações contra-hegemônicas - desse
núcleo de portugueses exilados.
Embora o grupo tenha variado em sua composição, permaneceu o Portugal
Democrático como resistência, como “luta activa”, localizando sua centralidade em São Paulo,
mas integrando-se e dinamizando redes e circuitos de trocas internacionais, constituídos
sobretudo a partir de 1958.
Em sua configuração histórica e política, podemos caracterizá-lo como um movimento
social do pós-guerra, em que emergem as bandeiras da pacificação, dos Direitos Humanos, do
anti-fascismo e do anti-colonialismo, defendidas por organismos internacionais, bem como um
discurso de democratização entre as grandes potências ocidentais que, como vimos, não era de
todo coerente na prática. Por conseguinte, sofreu também as conseqüências da Guerra Fria e do
anti-comunismo. Por esses motivos também, o Portugal Democrático foi substantivamente
diferente dos movimentos de resistência no exílio surgidos anteriormente à Segunda Guerra.
A esse cenário, somava-se a sua localização a partir da sociedade brasileira. Em um país
até então democrático, onde a presença de Portugal e do português, como fluxo migratório ou
como antigo colonizador, se deparava com a singularidade histórica nas relações entre os dois
países, a “imagem oficial” de Portugal e do regime teve de ser questionada, do mesmo modo que
146
a “situação social” do imigrante político português teve de ser examinada criticamente, num
primeiro momento de negociação da inserção na sociedade brasileira.
O movimento iniciou sua estruturação a partir desses questionamentos e conseguiu
efetivar-se, então, através de sua inserção em redes de esquerda que atravessavam diversos
setores formadores de opinião no Brasil, projetando os signos da diferença e da resistência em
uma esfera pública alternativa. A ação do movimento era ampla e estendia-se a múltiplas frentes
de batalha, de modo a questionar o regime, como sistema, como instituição político-institucional
ou projeto nacional de características autoritárias e conservadoras. O Portugal Democrático foi,
portanto, um espaço centralizador de um movimento político, mas também cultural, tanto no
sentido da produção de visões contra-hegemônicas, quanto produtor de obras de pensamento,
através de intelectuais que procuravam imaginar uma outra “cultura nacional” portuguesa,
moderna, crítica, e sem compromissos com o caráter oficial das produções do regime.
Este espaço de debates e de trocas, materiais e simbólicas, possibilitou a articulação de
discursos e práticas, dinamizando tarefas que ganham expressão pública. Mas, apesar da
configuração de uma esfera pública alternativa, deste “espaço de construção das diferenças” não
surgiu um projeto definido, que angariasse o consentimento ativo desses militantes, mas sim um
conjunto de ações contra-hegemônicas.
Todo o nosso esforço esteve voltado a descrever e analisar essas dificuldades
encontradas pela resistência em articular tal projeto contra-hegemônico. De fato, o movimento
partiu da produção de categorias diferenciais com relação às noções de Pátria (referência
nacional); situação migratória; democracia e cidadania - em que se denunciava a exclusão dos
dissidentes do regime em sistemas de privilégios e “direitos” estabelecidos pelo regime
salazarista. Tais linguagens e práticas contestatórias, que potencializaram uma identidade
coletiva, político culturalmente construída - estabelecendo uma fronteira entre o “nós” e os
147
“outros” - não serão suficientes, contudo, para, além da produção de contestações, em discursos
e práticas, apresentar uma contra-proposta teórica e prática às visões hegemônicas do regime.
Se considerarmos apenas a resistência no exílio brasileiro, podemos avaliar que, embora
tenham conseguido persistir, inserir e atualizar-se na sociedade brasileira, frente a projetos
hegemônicos dos Estados-Nações português e brasileiro; e em face de cenários mundiais, em
que se alteravam as relações internacionais, as dinâmicas do capitalismo e do sistema
político-econômico, gerando novas tensões dialéticas - os impasses ideológicos não permitiram a
articulação de um projeto contra-hegemônico, que se integrasse ou que resultasse de um debate
dinâmico com os demais núcleos de resistentes espalhados pelo mundo ou internos a Portugal.
Embora o Portugal Democrático tenha aspirado, em toda a sua trajetória, uma
plataforma unitária, essa unidade foi possível tão somente nos termos de uma ação prática
comum, sem que os fins dessa ação fossem consensuais. As principais dissidências internas, que
impediram a formulação de um projeto contra-hegemônico deveram-se a três visões antagônicas
no interior do movimento: 1) em torno imaginação da nação portuguesa e do espaço colonial; 2)
quanto aos alcances e limites da transformação social; 3) quanto ao modo de atuação da
resistência no exílio, o que, por sua vez, definia o papel dessa resistência na totalidade do
movimento anti-salazarista, interno ou externo a Portugal.
Com relação ao primeiro aspecto, as linguagens e práticas que remetiam à coletividade
nacional, configuraram distintas visões entre os anti-salazaristas no exílio, com relação à
imaginação da nação e seu projeto nacional-colonialista. Tais cisões foram definitivas, como
vimos. Do mesmo modo, com relação ao segundo aspecto, as visões sobre os alcances e limites
da transformação social, da democracia e da cidadania não eram comuns. A questão “E Depois
da Queda?” tornara-se insolúvel. Nesse sentido, restava a produção de contestações ao regime,
pertinazmente, para depois da “destruição” do inimigo comum, procurar efetivar um outro
148
projeto nacional. Tais impasses na oposição, que podem ser identificados não apenas entre os
anti-salazaristas no exílio, mas com relação a toda a resistência ao regime português, permitem
explicar em parte os avanços e disputas e, principalmente, os recuos que sucederam ao 25 de
Abril. Tratava-se justamente do momento em que se disputava os alcances e limites da
transformação social e da nova imaginação da nação.
O Portugal Democrático, composto em sua maioria de militantes do PCP, procurou,
contudo, realizar a tarefa da unidade e, embora não tenha conseguido resolver esses impasses,
persistiu como símbolo da resistência, da “luta activa”, desencadeando ações e discursos que
contestaram e ajudaram a minar o regime. Após o golpe militar brasileiro, intensificou o seu
apoio aos Movimentos de Libertação Nacional em África. Sob extrema vigilância, conseguiram
sustentar um movimento anti-salazarista no exílio brasileiro, centralizando informações e signos
da contestação e de denúncia do regime que circulavam em redes internacionais. Nesse cenário,
ainda, tiveram continuamente de negociar sua inserção e atualização na sociedade brasileira.
Os militantes do Portugal Democrático, muitos deles intelectuais que deram uma notória
colaboração à cultura brasileira, em diferentes campos: literatura, artes, ciências, matemática, em
universidades e na imprensa, entre outros, produziram no Brasil a cultura portuguesa e a
atividade militante que se viram impedidos de realizar em seu país, sob os signos da diferença e
da contestação ao fascismo. Pensaram, no exílio, um outro país e outros ideais e utopias de
realização humana.
Podemos avaliar ainda que a produção e as práticas dos exilados anti-salazaristas do
Portugal Democrático estavam apoiadas em uma ética, isto é, em concepções sobre o tempo e a
pessoa humana que pautavam uma conduta (FARAGE, 1997).
Toda a ação dessa resistência está imbuída de valores que cercam a prática política.
Desde a participação nos movimentos de contestação ao regime em Portugal, como o MUNAF,
149
o MUD e o MND, valores como a “luta activa”, a necessidade pertinaz da crítica e da criação,
bem como a necessidade de uma ação unitária com vistas à derrubada do regime. Se pensarmos
com Sahlins (1979), para quem o julgamento de toda a ação humana encontra-se culturalmente
estabelecido, o modo da produção simbólica e da praxis ético-política do Portugal Democrático
encontrava-se circunscrita a padrões sistêmica e culturalmente estabelecidos de modo a julgar a
ação política com relação aos seguintes aspectos: 1) o agente ou sujeito moral; 2) os valores/fins
morais ou virtudes éticas; 3) os meios da ação.
O agente dessa resistência é pertinaz - são homens e mulheres de tarefas que procuram
agir e tomar decisões de maneira coletiva e debatida. O principal valor moral ou virtude ética é,
pois, a ação unitária. Desse modo, o individualismo nas ações, em nome ou não de lideranças
históricas, é condenado como ação anti-ética ou, em outros termos, “aventurismos”, que põem
em risco a continuidade do trabalho de resistência de muitos. Os meios da ação são, portanto,
coletivos; muito embora as tarefas sejam específicas, visam, contudo, a uma finalidade comum.
Essa interpretação implica em afirmarmos que tais homens e mulheres de tarefas têm como valor
comum a disciplina coletiva, o que implica em abrir mão de certas idéias ou planos de ação em
nome de convicções, socialmente estabelecidas, tal como este “sistema ético”. A este vínculo
entre uma ética e a ação política podemos chamar, ainda, de praxis, unindo neste termos, razão
simbólica e razão prática. (Sahlins, op.cit.).
A praxis ético-política circunscrita a esse “sistema ético” encontra convergência numa
definição categórica da noção de pessoa. A definição cultural acerca do conjunto de valores ou
propriedade que tornam uma pessoa humana, faz reunir os múltiplos aspectos valorativos dessa
conduta. Nesse sentido, encontramos uma afirmação categórica em um dos número do Portugal
Democrático: “o que torna uma pessoa humana é o fato de ter Direitos”. Nesse sentido, o que torna uma
pessoa humana é o fato de empreender uma ação para a conquista desses Direitos, estando a
150
atribuição de “humanidade” intrinsecamente relacionado ao aspecto político. A ação é, pois, um
valor ético em si, daí a pertinácia do movimento: é como um ato de afirmação de sua
humanidade. A política, nesses termos, é ainda “conquista”, o vir-a-ser, portanto, algo a ser
imaginado e praticado dia-a-dia. É, pois, invenção, criação. Tal sentido de uma ética nas práticas
políticas - e da pessoa humana, justificam e avaliam, criticamente, todas as ações – ou utopias –
da tarefa de resistir.
151
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(52-Z-O- 5944); Alexandre Antunes Pereira (52-Z-O-13428); Alfredo Masson (30-C-1);
Augusto Aragão (52-Z-O-4369); Fernando Lemos (52-Z-O- 14775); (41-E-5-5);
(50-Z-9-41176); (50-D-26-5611); (50-C-O-2455); (21-2-14-1949); Francisco Lopes
(50-H-67-777 e 778); Francisco Vidal (50-Z-O-4373); Henrique Galvão (41-Z-3-3523);
Humberto Delgado (41-E-5-1); Ildefonso Garcia (50-Z-129-3918); João Alves das
Neves (52-Z-O-26138); João Sarmento Pimentel (52-Z-O-13427); Fernando Correia da
Silva (30-C-1-16988); Joaquim Quitério (30-C-1); Jorge de Sena (41-E-5-5); Lenine de
Jesus Alexandre (30-C-1); Manuel Rodrigues da Silva (30-C-1); Maria Archer
157
(50-C-24-321); (20-C-22-646); (50-D-67-153); (50-J-O-813); (30-B-38-187); (30-C-13604
a 13874); (30-C-1-15433); (41-Z-3-2416 e 2449); Miguel Urbano Rodrigues
(52-Z-O-14573); Manuel Myre Dores (52-Z-O-35379); Paulo de Castro (52-Z-O-11955);
Ruy Luiz Gomes (20-C-44-277); (50-E-33-2529); (21-Z-14-6057); Victor da Cunha Rêgo
(52-Z-O-984; 50-Z-130-1676; 50-Z-9-2590); (30-C-17937); Vítor de Almeida Ramos
(50-K-104-427); (52-Z-O-4374); (30-Z-160-1157); (52-Z-O-4372); (52-Z-O-4376);
(50-C-22-7491); (50-C-22-7499); (52-Z-O-10119); (20-c-43-3282); (50-H-32-501)
Entrevistas
Alexandre Antunes Pereira: 12 de abril e 18 de abril de 1997
Ildefonso Garcia: 12 de abril de 1997
Manuel Jeremias Soares: 08 de junho de 1999
Floriano Durão: 10 de junho de 1999
Fernando Lemos: 16 de junho de 1999
Alexandre Leal Dias: 17 de junho de 1999
Manuel Lourenço Neto: 28 de junho de 1999
Dulce Helena Pessoa Ramos: 14 de julho de 1999
João dos Santos Baleizão: 29 de julho de 1999
Miguel Urbano Rodrigues: 14 de agosto, 23 de setembro e 27 de setembro de 1999
(Todas as entrevistas foram realizadas na cidade de São Paulo, à exceção de Manuel
Lourenço Neto, realizada em Niterói/RJ)
Palestras e Eventos
CÂNDIDO, Antônio. - “Os Intelectuais Portugueses e a Cultura Brasileira” , palestra proferida
durante o “Simpósio Internacional Sinais de Jorge de Sena”, Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Araraquara, 02 de setembro de 1998
Eventos: celebrações do aniversário da Revolução de 25 de Abril em 1997, 1998 e 1999,
organizadas pelo Centro Cultural 25 de Abril (CC25A) de São Paulo
158
Anexo
Roteiro
- Eu gostaria que o(a) Sr(a) me contasse um pouco de sua história de vida, quando
nasceu, onde...?
Dados sobre migração e exílio:
 Quando migrou?
 Como estava Portugal naquele momento? Qual o ambiente em que se vivia?
 Como veio? Só; com algum membro da família? Já possuía parentes e/ou amigos no
Brasil?
 Por que migrou?
 Impressões sobre o Brasil. Como foi a “adaptação”? Veio direto para S.P?
 O(A) Sr(a). sofreu algum preconceito?
 Havia outros portugueses? Quando se juntou a outros portugueses?
Sobre o Portugal Democrático e o salazarismo:
 Como era o ambiente com os demais imigrantes (ou a colônia)?
 Como era a presença portuguesa no Brasil? Qual o contexto em que se vivia?
 Qual era o seu sentimento frente ao regime salazarista, suas idéias e motivações?
 Como se formou o grupo PD e/ou, como começou a participar? Foi levado ao PD
por alguém? Fez alguém participar?
 Participava de alguma atividade política/cultural já em Portugal?
No Brasil, ação política:
 Fale um pouco de como era fazer o jornal, como se encontravam ou se reuniam, as
pessoas que conheceu e mais teve contato;
 Como era o Centro Republicano Português? O Comitê dos Intelectuais e Artistas
Portugueses Pró-Anistia e Liberdade de Expressão? A Unidade Democrática
Portuguesa? Como se formaram? Como eram decididas as atividades?
 Como era a distribuição de tarefas do jornal?
 Na sua opinião, o que mais congregava esse grupo, apesar das diferenças?
 Como foi o impacto da chegada de Humberto Delgado?
 Como foi o relacionamento da oposição no Brasil com Humberto Delgado?
 Como foi o impacto da notícia do seqüestro do “Santa Maria”?
 Como foi o relacionamento da oposição no Brasil com Henrique Galvão?
 Qual foi o impacto do golpe militar de 64 e a ação dos opositores pós-64?
 O impacto da Guerra Colonial e do 25 de Abril;
 Na sua opinião, o que caracteriza o grupo Portugal Democrático?
Ligações com Portugal, Família e Casamento:
 O (A) Sr(a). mantém ligações com Portugal? Tem ainda parentes lá? Continua em
contato com Portugal (viagens, negócios, parentes, etc...)?
 Tem parentes que viveram no Brasil e retornaram a Portugal?
 Tem parentes em outras partes do mundo? Mantém contato com eles?
159
 Se é casado(a), verificar se casou com português ou não;
Identificação:
 Considera-se português, brasileiro, ou o que ?
 Como é ser português (fora de Portugal)?
 Questões sobre dupla cidadania;
 Participação em alguma associação? Em Portugal, Brasil ou outros lugares - como,
onde e por que?
 O que o(a) Sr(a). acha da colônia portuguesa do Brasil, antes e hoje?
 Como pensar Portugal de antes e de hoje? Pontos de referência: 25 de Abril e antes da
entrada de Portugal na CEE;
 (Se comentar) sobre a língua e irmandade Br/Po. O que pensa do Brasil e dos
brasileiros? Diferenças entre brasileiros e portugueses; invisibilidade
160
Roteiro (Questões-Chave)
Emigração e exílio:
 De como era a vida em Portugal, o ambiente em que se vivia e sobre os motivos da
emigração; (era já um exilado em Portugal?)
 Como foi a emigração;
 Chegada, impressões sobre o Brasil, primeiros dias, liminariedade e “adaptação”;
 Situações de liminariedade, preconceito, alienação;
 O encontro e a possível união a outros portugueses;
Sobre o Portugal Democrático, a colônia e o salazarismo:
 A presença portuguesa no Brasil;
 Sobre a formação e/ou o encontro com o grupo Portugal Democrático;
 Participações em atividades políticas/culturais em Portugal, no Brasil, no âmbito da
oposição, seja na diáspora ou não;
 Opiniões sobre acontecimentos relevantes e sobre o relacionamento interno do
grupo;
Ligações com Portugal, família e casamento:
 Parentes em Portugal e no mundo;
 Retorno (de parentes no Brasil) para Portugal;
 Ligações com Portugal (viagens, negócios,...)
 Casamento interétnico;
Identificação:
 Auto- identificação (étnica?)
 Como é ser português fora de Portugal;
 Dupla cidadania;
 Associativismo;
 Portugal e portugueses, ontem e hoje;
 (Se comentar): irmandade; relação Brasil/Portugal - brasileiros/portugueses;
invisibilidade;