Descarregue aqui a versão PDF

Transcrição

Descarregue aqui a versão PDF
Pneumocéfalo Após Anestesia
Sequencial
15
Cecília Toste Dias*, Costa Martins**
* Interna Complementar de Anestesiologia do Centro Hospitalar Lisboa Central
** Assistente Hospitalar Graduado de Anestesiologia da Maternidade Alfredo da Costa
Resumo
Define-se pneumocéfalo como a acumulação de ar dentro da cavidade craniana. Mesmo pequenos volumes de dois ml1
podem ser sintomáticos e na maioria dos casos tem resolução espontânea até às 72 horas 2 .
As causas mais comuns incluem traumatismo e cirurgia cranioencefálica ou otorrinoscópica. Contudo, a técnica de
pesquisa do espaço epidural com ar tem estado associada à formação de pneumocéfalo sintomático.
Apresenta-se o caso clínico de uma grávida, submetida a anestesia sequencial de urgência para cesariana, por distócia.
A técnica anestésica foi efectuada sem intercorrências, com a pesquisa do espaço epidural com ar. Quatro horas e meia
após a anestesia, inicia crise convulsiva tónico-clónica e a tomografia axial computorizada cranioencef·lica (TAC-CE)
evidenciou a presença de pneumocéfalo.
Palavras-chave: pneumocéfalo; anestesia; epidural; perda de resistência; crise convulsiva.
Abstract
Pneumocephalus is the presence of air in the intracranial cavity. Even small volumes as two ml1 can be symptomatic and
most of times have spontaneous resolution within 72 hours2.
Usually as a result of head surgery or trauma, symptomatic pneumocephalus have been associated to the identification
of the epidural space with the loss of resistance to air.
We report a case of a pregnant woman, submitted to an urgent cesarean section under sequencial anesthesia, as a result
of dystocia. The anesthetic technique was performed without problems, using loss of resistance to air to identify the
epidural space. Four hours and a half after anesthesia, there was an episode of tonico-clonic convulsive crisis and computed
tomography of the brain showed a pneumocephalus.
Keywords: pneumocephalus; anesthesia; epidural; loss of resistance; convulsive crisis
CORRESPONDÊNCIA:
Cecília Toste Dias
Serviço de Anestesiologia Hospital de São José EPE
R. José António Serrano
1550-199 Lisboa
Tel. 218 841 337
[email protected]
Revista SPA ‘ vol. 16 ‘ nº 4 ‘ Agosto 2007
Introdução
16
A pesquisa do espaço epidural com ar continua a
ser utilizada, embora esteja associada a complicações
como o pneumocéfalo ou mesmo o embolismo gasoso.
Está também associada a maior incidência de punção
acidental da duramáter, cefaleias e menor qualidade
da anestesia/analgesia, quando comparada com a
pesquisa com soro fisiológico (SF)3.
A presença de ar intracraniano pode ser assintomática
ou, devido à sua acção irritativa das menínges e/ou
aumento da pressão intracraniana, pode manifestar-se
sob a forma de cefaleias, depressão do estado de
consciência, náuseas ou vómitos. A crise convulsiva
como sintoma inicial não é comum.
Caso Clínico
Grávida, raça negra, 28 anos, com índice obstétrico
1011 e idade gestacional de 39 semanas e quatro dias,
internada para indução do trabalho de parto, por
diminuição do líquido amniótico.
Antecedentes pessoais de paludismo, hepatite B e
anemia (Hb - 10,5 mg/dl), negando epilepsia,
traumatismo, cirurgia cranioencefálica recente ou
história de alteração do estado de consciência.
Proposta para cesariana por distócia, 26 horas após
o internamento e três horas após a rotura artificial da
bolsa de águas.
À entrada no bloco operatório estava apirética,
normotensa e o cardiotocograma era normal.
A técnica anestésica utilizada foi uma anestesia
sequencial, com pesquisa do espaço epidural com ar,
que decorreu sem intercorrências. O bloqueio
subaracnoideu (BSA) foi realizado com levobupicaína
0,5% (1,5 ml) e sufentanil 0,0025 mg.
Catorze minutos após a execução do BSA nasceu
um nado-vivo do sexo feminino com 3230 g e Apgar
9 ao primeiro minuto e 10 ao quinto minuto.
Durante a cirurgia e período pós-operatório imediato,
a parturiente esteve consciente e hemodinamicamente
estável.
Já na enfermaria e 4h30 após a técnica anestésica,
iniciou crise convulsiva tónico-clónica com cerca de
dois minutos de duração. Manteve um Score de Coma
de Glasgow de 11 durante cerca de 30 minutos, em
Revista SPA ‘ vol. 16 ‘ nº 4 ‘ Agosto 2007
Figura 1 - Presença de ar nas cisternas pré-pôntica e ponto-cerebelosa
esquerda.
ventilação espontânea, com SpO2 de 96% e sempre
hemodinamicamente estável. Nesta altura foi medicada
com diazepam 5 mg ev e transportada para a unidade
de cuidados intensivos.
Foi observada pela neurologia já vigil, embora confusa,
sem outras alterações no exame neurológico. Pedida
TAC-CE que revelou: ‹‹ presença de aérocelos nos
espaços cisternais basais, cisternas do ângulo pontocerebeloso esq, cisterna pré-pôntica, cisterna pentagonal
e vala sílvica dta›› (fig.1).
Nas primeiras horas após a crise convulsiva, manteve
cefaleias, sem náuseas, vómitos ou alterações visuais.
Teve alta para a enfermaria 48 horas pós-parto, sem
alteração do estado de consciência ou novo episódio
de crise convulsiva e hemodinamicamente estável.
Discussão
As convulsıes no puerpério exigem um diagnóstico
diferencial cuidado, podendo traduzir um vasto leque
de patologias associadas à gravidez ou não, sem descurar
as possíveis complicações da técnica analgésica/
anestésica.
Desde a primeira descrição de anestesia epidural
por Corning em 1885 que são utilizados diferentes
métodos para a pesquisa do espaço epidural. A técnica
de perda de resistência (PR) atribuida a Forestier e
Sicard é a mais utilizada, podendo ser pesquisada com
SF ou ar4.
Os defensores do uso do ar para a pesquisa do
espaço epidural têm vindo a diminuir, já que esta técnica
está associada a maior incidência de punção vascular,
embolismo gasoso, punção acidental da duramáter,
cefaleias e pneumocéfalo. Existem mesmo autores que
são mais pragmáticos e apelam à não utilização da PR
com ar5.
O pneumocéfalo geralmente cursa com cefaleias
intensas, náuseas, vómitos ou alteração do estado de
consciência e, raramente, crise convulsiva. O diagnóstico
faz-se através de TAC-CE que detecta volumes tão
pequenos como 0,5 ml1.
Existem estudos contraditórios quanto à
superioridade analgésica quando se utiliza ar ou soro
fisiológico, embora a maioria dos autores conclua que
a PR com soro fisiológico acompanha-se de melhor
qualidade analgésica3,6,7.
Beilin et al7 num estudo com 160 parturientes, tendo
utilizado ar para a PR em 80 mulheres e soro fisiológico
nas restantes, concluiu que a qualidade da analgesia é
melhor quando é utilizado soro fisiológico. Por outro
lado Kick et al8 concluiram num estudo com 3195
epidurais realizadas para a analgesia de trabalho de
parto, não haver diferença na qualidade analgésica.
Neste caso, o pneumocéfalo manifestou-se
exclusivamente por crise convulsiva. Mauri-Llerda et
al9 descreve caso de pneumocéfalo após anestesia
epidural cuja sintomatologia foi cefaleias e, cinco dias
após a cirurgia, episódios de convulsões tónico-clónicas.
17
Conclusão
Quando se realiza a pesquisa do espaço epidural
com ar devemos pensar no pneumocéfalo como causa
de alterações neurológicas. Mesmo pequenos volumes
de ar intracraniano podem ser sintomáticos.
A utilização do ar, devido á maior elasticidade do
êmbolo na pesquisa da PR, proporciona uma maior
comodidade e facilidade na execução da técnica. Por
outro lado acarreta complicações que estão menos
presentes ou mesmo ausentes no uso da técnica de
PR com SF, pelo que os autores defendem a sua não
utilização.
Revista SPA ‘ vol. 16 ‘ nº 4 ‘ Agosto 2007
Bibliografia
18
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Kuo MY, Lien WC, Wang HP, Chen WJ. Nontraumatic tension pneumocephalus - a differential diagnosis
of headache at the ED. American Journal of Emergency Medicine (2005) 23, 235-236.
Pastor-Juan, Poyatos C. Soto-Sarrión C. Neumocéfalo tras anestesia epidural. Rev Neurol 2003; 36 (10).
Valentine SJ, Jarvis AP, Shutt LE. Comparative study of the effects of air or saline to identify the extradural
space. Br J Anaesth 1991; 66: 224-227.
Ash KM, Cannon JE, Biehl DR. Pneumocephalus following attempted epidural anaesthesia. Can J Anaesth
1991 / 38: 6 / pp 772-4.
Van de Velde M. Identification of the epidural space : Stop using the loss of resistance to air technique !
Acta Anaesth. Belg., 2006, 57, 51-54.
Russell R, Douglas J. Loss of Resistance to Saline Is Better Than Air for Obstetric Epidurals. International
Journal of Obstetric Anesthesia 2001;10:302-6.
Beilin Y, Arnold I, Telfeyan C, Bernstein H, Hossain S. Quality of analgesia when air versus saline is used for
identification of the epidural space in the parturient. Reg Anesth Pain Med 2000;25:596-9.
Kick O, Multon O, Legendre E, Lepelletier D. Loss of Resistance to Air or Saline and Patchy Blockade in
Epidural Analgesia for Labor. Anesthesiology 2004; 101: A1211.
Mauri-Llerda JA, Tejero-Juste C, Dolz-Aspas R. Neumoencéfalo y crisis epilépticas agudas sintomáticas. Rev
Neurol 2007; 44 (2), 126-127.
Lucas DN, Kennedy A, Dob DP. Dural puncture and iatrogenic pneumocephalus with subsequent transverse
myelitis in a parturient. Can J Anesth 2000 / 47: 11 / pp 1103-1106.
Chou S, Ning M, Buonanno F. Focal intraparenchymal tension pneumocephalus. Neurology. 2006;67:1485.
Kozikowski GP, Cohen SP. Lumbar Puncture Associated with Pneumocephalus: Report of a Case. Anesth
Analg 2004;98:524-6
Zakowski M. Pot Partum Headache. Society for Obstetric Anesthesia and Perinatology Fall 2005, 10-11.
Barbosa F, Cunha F, Rocha A, Junior H. Pneumoencéfalo Intraventricular após Perfuração Acidental de DuraMáter. Relato de Caso. Rev Bras Anestesiol 2006;56(5):511-517.
AmesWA, Hayes JA, Pétroz GC, Roy LW Loss of resistance to normal saline is preferred to identify the
epidural space: a survey of Canadian pediatric anesthesiologists. Can J Anesth 2005 / 52: 6 / pp 607-612
Evron S, Sessler D, Sadan O, Boaz M. Identification of the Epidural Space: Loss of Resistance with Air,
Lidocaine, or the Combination of Air and Lidocaine. Anesth Analg 2004;99:245-50.
Revista SPA ‘ vol. 16 ‘ nº 4 ‘ Agosto 2007