Revista Completa - Programa de Pós

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Revista Completa - Programa de Pós
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
1
AVAL
REVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ANO 6 − vol.1 − nº 11/12 − JAN-DEZ − 2013
Publicação com o apoio do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas − MAPP/UFC, do Núcleo Multidisciplinar de Avaliação de
Políticas Públicas − Numapp/UFC
Editores (permanentes):
Lea Carvalho Rodrigues
Luiz Antônio Maciel de Paula
Maria de Nazaré de Olveira Fraga
Assessores científicos
Alcides Fernando Gussi
Catia Regina Muniz
Conselho Editorial:
Alberto Oliveira-UFRJ
Alcides Fernando Gussi-UFC
Alicia Ferreira Gonçalves-UFPB
Ana Cláudia Farranha-UnB
Ana Maria Ferreira Menezes-UFC
Ary Minella-UFSC
Arthur Silvers-Universidade do Arizona
Cátia Muniz-UNICAMP
Christian Dennys Monteiro de Oliveira-UFC
Elione Maria Nogueira Diógenes-UFAL
Elza Maria Franco Braga-UFC
Horacio Frota-UECE
Inácia Satiro Xavier de França-UEPB
Joana Domingues Vargas-UFMG
Jose Borzacchiello Silva-UFC
Jose Jackson Coelho Sampaio-UECE
Jose Sydrião de Alencar-ETENE/BNB
Juan Carlos Radovich-Universidade de Buenos Aires-UBA
Lea Carvalho Rodrigues-UFC
Lia Carneiro Silveira-UECE
Lucia Maria Alves Müller-PUC-RS
Liliana Raggio Universidade de Buenos Aires-UBA
Maria de Nazaré de Oliveira Fraga-UFC
Maria do Livramento Clementino-UFRN
Maria Josefina da Silva-UFC
Maria Ozanira da S. e Silva-UFMA
Marta Arretche-USP
Michel Misse-UFRJ
Neusa Gusmão-UNICAMP
Nilson Holanda-UnB
Paulo Marques-ENAP
Raquel Maria Rogotto-UFC
Sonia Maria Missagia Matos-UFES
Susana Soares-UFRGS
Violante Augusta Batista Braga-UFC
Vitória de Cássia Felix de Almeida-URCA
AVAL − Revista Avaliação de Políticas Públicas. − v. 1 n. 11/12 jan / dez.
(2013). − MAPP/UFC. Fortaleza, CE.
Semestral
ISSN 1984-3100
1. Políticas públicas − Periódicos. I. MAPP/UFC.
CDD 361.43
Catalogação na publicação: Sonia Gomes Pereira − CRB8 7025
Produção editorial e gráfica
Setor de Publicações Mapp/UFC
Periodicidade
Semestral
Projeto Gráfico
Carlos Roberto Lamari
Tiragem
Exemplares disponíveis on line
Preparação/Revisão
Lea Carvalho Rodrigues/Fabio Damasceno
Endereço
Universidade Federal do Ceará
Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas
Rua Marechal Deodoro, 750, Bloco II Q FACED Prédio Nuper
CEP − Fortaleza CE − Brasil
e-mail: [email protected]
Diagramação e Capa
Edmilson Forte Miranda Júnior
SUMÁRIO
5
CONTENTS
EDITORIAL
ARTIGOS INÉDITOS
Institucionalização da avaliação em CT&I: o lançamento
do Plano Anual de Monitoramento e Avaliação 2013, do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
André Tortato Rauen
Tatiana de P.A. Maranhão
ARTICLES
Institutionalization of Evaluation in CT & I: the launch
of the Annual Plan of Monitoring and Evaluation 2013
by the Ministry of Science, Technology and Innovation
André Tortato Rauen
Tatiana de P.A. Maranhão
19
Múltiplas dimensões da análise de uma política
pública: o caso Prime
Darcon Sousa
Roberto Véras de Oliveira
Multiple dimensions of analysis of a public policy: the
case of Prime
Darcon Sousa
Roberto Véras de Oliveira
33
Avaliação de programas de inclusão digital: os cursos de
formação dos monitores do Acessa SP e o Centro Rural
de Inclusão Digital
Cátia Regina Muniz
Evaluation of digital inclusion programs: training
courses for monitors at Acessa Sao Paulo and Rural
Center for Digital Inclusion
Cátia Regina Muniz
57
Tecnologias de informação e comunicação na
educação e inclusão socio-digital: uma avaliação do
Programa de Informática na Educação em Fortaleza
Hérica Queiroz Oliveira
Alcides Fernando Gussi
Information and communication technologies in
education and socio-digital inclusion: an evaluation
of computers in education program in Fortaleza
Hérica Queiroz Oliveira
Alcides Fernando Gussi
69
Dinheiro direto na escola: um olhar avaliativo sobre
o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do
ensino de Fortaleza
João Inácio Campelo
Funds directly at school: an evaluative look at the
Program for the Maintenance and Development of
Education in Fortaleza
João Inácio Campelo
93
Políticas públicas, redes sociais e trajetórias
pessoais: uma etnografia do ProJovem Adolescente
Hildon Oliveira Santiago Carade
Public policies, social networking and personal development:
an ethnography study of ProJovem Adolescente
Hildon Oliveira Santiago Carade
105
Uma avaliação experiencial do projeto de modernização da
Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Heloisa dos Santos Brasil
Lea Carvalho Rodrigues
An experiential evaluation of the modernization project of
the Library of the Federal University of Tocantins, Brazil
Heloisa dos Santos Brasil
Lea Carvalho Rodrigues
125
A política nacional dos recursos hídricos na gestão da
Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba-CAGEPA:
entre a privatização e a governança
Thayene Gomes Cavalcante
Maristela Oliveira de Andrade
The national policy on water resources under the
Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA:
between privatization and governance
Thayene Gomes Cavalcante
Maristela Oliveira de Andrade
145
Os esportistas de natureza e as bicicletas pedem voz
e vez na paisagem de João Pessoa
Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá
Athletes of nature sports and bikes require more
room in the landscape of João Pessoa
Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá
INFORMES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS
Avaliação do PPA 2012-2015 do Governo do Estado da
Bahia: Uma investigação de 20 Programas prioritários
Thaiz Silveira Braga
Rodrigo Barbosa Cerqueira
PUBLIC POLICIES REPORTS
PPA 2012-2015 evaluation by the State Government
of Bahia: an investigation of 20 priority programmes
Thaiz Silveira Braga
Rodrigo Barbosa Cerqueira
RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES
A mediação do Sinaes no processo de avaliação das
bibliotecas universitárias em Fortaleza.
Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra
SUMMARIES OF DISSERTATION AND THESES
Mediation of Sinaes in the process of evaluation of
university libraries in Fortaleza
Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra
7
159
161
INDICE
TABLE
EDITORIAL
EDITORIAL
ARTÍCULOS
Institucionalización de la evaluación en CT&I: el
lanzamiento del Plan Anual de Monitoreo y evaluación
2013 del Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación
André Tortato Rauen
Tatiana de P.A. Maranhão
ARTICLES INÉDITS
Institutionnalisation de l’évaluation en CT & I: le lancement
du Plan Annuel de Surveillance et Évaluation 2013, du
ministère de la Science, Technologie et Innovation
André Tortato Rauen
Tatiana de P.A. Maranhão
19
Múltiple dimensiones de análisis de una política pública:
el caso del Prime
Darcon Sousa
Roberto Véras de Oliveira
Les multiples dimensions de l’analyse de une politique
publique: le cas du Prime
Darcon Sousa
Roberto Véras de Oliveira
33
Evaluación de programas de inclusión digital: los cursos
de formación de monitores del Acessa São Paulo y
Centro Rural de Inclusión Digital
Cátia Regina Muniz
L’évaluation des programmes d’inclusion numérique: les
cours de formation des moniteurs d’Acessa São Paulo et
du Centre Rural pour l’Inclusion Numérique
Cátia Regina Muniz
57
La información y la comunicación en la educación
y la inclusión social y digital: una evaluación de las
computadoras en programa de educación en Fortaleza
Hérica Queiroz Oliveira
Alcides Fernando Gussi
Technologies de l’information et de la communication dans
l’enseignement et socio-digital inclusion: une évaluation
des ordinateurs en programme d’éducation à Fortaleza
Hérica Queiroz Oliveira
Alcides Fernando Gussi
69
Dinero en la escuela: una mirada evaluativa sobre
el Programa de Mantenimiento y Desarrollo de la
Educación en Fortaleza
João Inácio Campelo
De l’argent placé directement à l’école : un regard
évaluatif sur le Programme pour l’Entretien et le
Développement de l’Éducation à Fortaleza
João Inácio Campelo
93
Políticas públicas, redes sociales y trayectorias
personales: una etnografía del ProJovem Adolescente
Hildon Oliveira Santiago Carade
5
7
105
Una evaluación experiencial del proyecto de modernización
de la Universidad Federal de Tocantins, Brasil
Heloisa dos Santos Brasil
Lea Carvalho Rodrigues
Les politiques publiques, les réseaux sociaux et le
développement personnel: une ethnographie du
programme ProJovem Adolescente
Hildon Oliveira Santiago Carade
Une évaluation expérientielle du projet de modernisation
de la Bibliothèque de l’Université Fédérale de Tocantins
Heloisa dos Santos Brasil
Lea Carvalho Rodrigues
125
La política nacional de recursos hídricos en la gestión
de la Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA:
entre la privatización y la gobernanza
Thayene Gomes Cavalcante
Maristela Oliveira de Andrade
La politique nationale des ressources en eau par la
gestión de la Companhia de Água e Esgoto da ParaíbaCAGEPA: entre la privatisation et la gouvernance
Thayene Gomes Cavalcante
Maristela Oliveira de Andrade
145
Los deportistas de la naturaleza e las bicicletas
requieren espacio en el paisaje de João Pessoa
Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá
Les athlètes de sport en plein air et les vélos revendiquent
plus d’espace dans le paysage de João Pessoa
Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá
159
INFORMACIONES EN POLÍTICAS PÚBLICAS
Evaluación del PPA 2012-2015 por el gobierno del
estado de Bahía: una investigación de 20 programas
prioritarios
Thaiz Silveira Braga
Rodrigo Barbosa Cerqueira
INFORMES SUR DES POLITIQUES PUBLIQUES
Évaluation de la PPA de 2012-2015 par le gouvernement
de l’état de Bahia: une enquête de 20 programmes
prioritaires
Thaiz Silveira Braga
Rodrigo Barbosa Cerqueira
161
RESUMENES DE DISERTATIÓN Y TESES
La mediación del Sinaes en el proceso de evaluación de
las bibliotecas universitarias en Fortaleza
Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra
RESUMÉS DES DISSERTATION ET THÈSES
La médiation de Sinaes dans le cadre de l’évaluation des
bibliothèques universitaires dans Fortaleza
Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra
EDITORIAL
Editorial
Neste primeiro semestre
de 2013 a revista AVAL
se vê frente a novos desafios, dado o início
de um novo ciclo de publicações. No último
ano este periódico completou cinco anos de
existência e alcançou a sua décima edição, o
que mostra a relevância que o tema da avaliação das políticas públicas adquire no meio
acadêmico e nas instituições de governo,
bem como nas instâncias não governamentais. Ao mesmo tempo que a AVAL e a Revista
Monitoramento e Avaliação se firmam como
veículos que espelham a produção científica
sobre o tema, os profissionais e acadêmicos
que atuam na área cada vez mais partilham
suas experiências quando da participação
em seminários regionais e nacionais, sobretudo os produzidos pela Rede Brasileira de
Monitoramento e Avaliação (RBMA), caminhando cada vez mais para um diálogo de
abrangência internacional.
Como parte deste contexto de profícuos
debates e trocas profissionais e acadêmicas,
ocorreu em Fortaleza o I Seminário Nordeste
“Rede Brasileira de Monitoramento e
Avaliação: Múltiplas Perspectivas de Avaliação
em Debate”, entre os 22 a 24 de abril de
2013, organizado pelo MAPP em parceria
com o Banco do Nordeste (BNB). Em sua
primeira edição, o Seminário foi constituído
com a perspectiva de regionalizar os debates
no campo de conhecimento, formação e
atuação do profissional de M&A, tendo como
temática central as “Múltiplas Perspectivas
de Avaliação” a fim de propiciar o debate
tanto no campo das diferentes concepções
teóricas e metodológicas em avaliação,
como na diversidade de experiências em
M&A desenvolvidas no setor público, privado
e terceiro setor.
O objetivo geral do Seminário foi
consolidar o monitoramento e a avaliação no
Nordeste do país por meio de debates acerca
2013 JAN/DEZ
de experiências e pesquisas realizadas em
distintos espaços, tais como os acadêmicos e
profissionais, governamentais e da sociedade
civil, visando promover a inserção regional
da Rede Brasileira de M&A. Tanto é que a
mesa de abertura do evento já expressou
esta multiplicidade de agentes em diálogo,
contando com a presença de representantes
da Universidade Federal do Ceará (UFC),
do Banco do Nordeste (BNB), do Mestrado
em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP)
e da RBMA, instituições envolvidas na
realização do evento. Nesse momento, o
coordenador do MAPP, professor Alcides
Fernando Gussi relatou sobre a evolução no
campo da avaliação de políticas públicas,
fortalecida tanto na formação acadêmica dos
profissionais que atuam na área, como na
institucionalização de uma cultura avaliativa
e ressaltou a importância de aumentar a
inserção do Nordeste no debate. Do campo
acadêmico, houve ainda a participação da
professora Maria Ozanira de Silva e Silva,
da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), como palestrante, que abordou
as concepções de avaliação, ressaltando a
importância do equilíbrio entre as dimensões
técnica e política da avaliação.
Dentre as Mesas Redondas que
compuseram o evento, a intitulada
“Diferentes apropriações da avaliação.
Avaliar para quê? Para quem?”, foi composta
por representantes do segundo e terceiro
setores: Thaiz Silveira Braga (SEPLAN/BA),
Alexandro R. Pinto (SAGI/MDS), Verônica
Machado (RIZOMA), Marcos Medeiros
Vasconcelos (SEPLAG/CE) e foi mediada pela
Profa. Lilia Belluzzo (FUNDAÇÃO SEADE/SP).
Outra mesa, intitulada “Avaliação para o
Desenvolvimento” versou sobre as pesquisas
em avaliação do/no Banco do Nordeste
e foi composta pela Profa. Alicia Ferreira
Gonçalves (UFPB), Gildomar Nepomuceno
5
6 JAN/DEZ 2013
Marinho (MAPP/BNB), Ricardo Brito Soares
(UFC) e mediada por Renato Alves dos
Santos (MAPP/BNB).
Já a mesa intitulada “Diferentes perspectivas e metodologias de avaliação. Como
avaliar?” contou com a presença de Ana Maria Alves Carneiro Silva (NEPP/UNICAMP),
Juarez Pereira Furtado (UNIFESP), Lea Carvalho Rodrigues (MAPP/UFC), sendo mediada por Luiz Antônio Maciel de Paula (UFC).
O setor acadêmico ganhou maior
destaque na mesa redonda intitulada “A
Formação de Avaliadores. Como? Por quê?
Para quê?”, composta por professores de
diferentes programas de pós-graduação de
diversas instituições de ensino superior, a
saber: Alcides Fernando Gussi (MAPP/UFC),
Alexandrina Sobreira (UFPE), Lígia Gomes
Elliot (CESGRANRIO), Marcos Valença
(UFRN), Sonia Chaves (UFBA), com a
mediação de Elione Diógenes (MAPP/UFAL).
Em seu conjunto, as palestras, as mesas
e os GTs promoveram o debate acerca do
ARTIGOS INÉDITOS
campo de M&A no país, especialmente no
Nordeste, com desenvolvimento de temáticas
relevantes para o campo da avaliação,
realizadas por acadêmicos e profissionais
reconhecidos em sua área de conhecimento,
contribuindo para o fortalecimento de M&A
no Nordeste, bem como a inserção regional
da RBMA.
Este periódico reconhece a importância
dos eventos que ocorrem no âmbito da
RBMA e registra a ocorrência do I Seminário
Nordeste da RBMA por entender que se
constituiu momento privilegiado no processo
de constituição de um pensamento próprio
no desenvolvimento da área de avaliação no
país.
Lea Carvalho Rodrigues
Alcides Fernando Gussi
Pelos editores
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
Institucionalização da avaliação em CT&I: o lançamento do Plano
Anual de Monitoramento e Avaliação 2013, do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação
Institutionalization of Evaluation in CT & I: the launch of the
Annual Plan of Monitoring and Evaluation 2013 by the Ministry of
Science, Technology and Innovation
Institucionalización de la evaluación en CT&I: el lanzamiento
del Plan Anual de Monitoreo y evaluación 2013 del Ministerio de
Ciencia, Tecnología e Innovación
Institutionnalisation de l’évaluation en CT & I: le lancement du
Plan Annuel de Surveillance et Évaluation 2013, du ministère de
la Science, Technologie et Innovation
André Tortato Rauen *
Tatiana de P. A. Maranhão**
Resumo: Examinam-se os sentidos definidos
na Resumo: O presente trabalho visa informar
e descrever a institucionalização da avaliação
no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCTI). No Executivo federal, poucos são os
esforços de consolidação e articulação das
estratégias de monitoramento e avaliação (M&A)
nessa temática específica. Com o objetivo de
preencher tal lacuna, o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou a Política
de Monitoramento e Avaliação. A metodologia
utilizada consistiu na análise de decretos, portarias,
documentos oficiais e artigos científicos para
caracterizar a nova agenda de monitoramento e
avaliação do MCTI (ex post). Os resultados têm
sido discutidos internamente no Ministério, na
Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, e
disponibilizados no endereço eletrônico do MCTI.
Finalmente, identificaram-se alguns desafios,
com destaque para a elaboração de objetivos de
avaliação focados em mensurar eficiência, eficácia
e efetividade dos programas e ações em CT&I
e para a definição das metodologias adequadas
aos objetivos das avaliações propostas, mediante
a construção de Termos de Referência com o
detalhamento dos produtos esperados.
Abstract: This paper aims to inform and
describe the institutionalization of evaluation
in the Ministry of Science, Technology and
Innovation (MCTI). It was found that there were
limited efforts of consolidation and articulation
of strategies for monitoring and Evaluation
(M & A) about this theme. To fill this gap, the
Ministry of Science, Technology and Innovation
(MCTI), launched the Policy for Monitoring
and Evaluation. The methodology used in the
analysis consisted of decrees, ordinances, official
documents and science articles to characterize
the new agenda of monitoring and Evaluation of
MCTI (ex post). The results have been discussed
internally in the Ministry, more specifically in the
Brazilian Network for Monitoring and Evaluation.
They are now available at the electronic address
of the MCTI. Among the challenges, there is the
development of Evaluation objectives focused on
measuring efficiency, efficacy and effectiveness
of programs and actions in CT & I and the
definition of appropriate methodologies to the
objectives of the proposed evaluations, through
the construction of Terms of Reference with the
detailed information of the expected products.
Palavras-Chave: Avaliação, metodologias,
monitoramento.
Keywords: Evaluation, monitoring, methodologies.
* Graduado em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre e doutor em Política Científica e
Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com Pós-doutorado em Economia da Tecnologia na
Columbia University (EUA). Atualmente é tecnologista no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. E-mail: andre.
[email protected]
** Cientista política e Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (2010), desenvolve pesquisas sobre Ciência,
Tecnologia e Educação. Desde novembro de 2010, é analista em Ciência e Tecnologia. Atualmente, trabalha na
Assessoria de Acompanhamento e Avaliação das Atividades Finalísticas – ASCAV, da Secretaria Executiva do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. E-mail: [email protected]
7
8 JAN/DEZ 2013
Introdução
A crescente necessidade de prestar
contas ao cidadão e planejar estrategicamente, com foco na eficiência, eficácia e
efetividade, tem exigido do Estado moderno esforços no sentido de monitorar e
avaliar, de forma sistemática, suas políticas públicas. Num cenário de crescentes
investimentos públicos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I), tais necessidades
mostram-se ainda mais relevantes, uma
vez que estas atividades são tidas como
essenciais ao processo de desenvolvimento socioeconômico de cidades, estados e
países (Freeman e Soete, 2008).
Em que pese o consenso sobre a
relevância do monitoramento e da
avaliação de políticas de CT&I (Zackiewicz,
2005; Furtado et al, 2008), as iniciativas
atualmente existentes ainda são esparsas;
dizem respeito apenas a um pequeno
número percentual das políticas de CT&I
atualmente existentes e carecem de
articulação entre si1. De fato, no Executivo
federal, poucos são os esforços de
consolidação e articulação das estratégias
de monitoramento e avaliação (M&A) nessa
temática específica2.
No âmbito do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), criou-se,
por meio do Decreto n.º 5.886, de 06 de
setembro de 2006, e da Portaria n.º 758, de
03 de outubro de 2006 (artigos 60 a 63), a
Assessoria de Acompanhamento e Avaliação
das Atividades Finalísticas (ASCAV), cujas
funções regimentais incluem:
• “Supervisionar e coordenar o
acompanhamento e a avaliação dos
resultados do Plano Plurianual do MCT;
• Atuar como agente facilitador do
cumprimento da portaria que regulamenta
a gestão do PPA do MCT;
ARTIGOS INÉDITOS
• Supervisionar e coordenar a elaboração
dos indicadores de avaliação dos programas
do Ministério inseridos no PPA” (MCTI, 2009
p.3).
A criação da ASCAV possibilitou a
organização e a análise das informações
das Secretarias finalísticas do MCTI,
principalmente em relação aos programas
definidos nos Planos Plurianuais (PPA) e
à construção de indicadores relacionados
ao Sistema Nacional de CT&I. Entretanto,
existem diferentes tipos de avaliação
necessários
ao
aprimoramento
de
programas e ações que não se restringem
à periodicidade e à execução físicofinanceira do PPA.
Ainda que esforços de M&A tenham
sido empreendidos no âmbito do MCTI e
em suas agências (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
CNPq e Financiadora de Estudos e Projetos
– FINEP), não havia uma sistematização das
iniciativas em M&A que garantissem um alto
nível de qualidade dos estudos contratados,
que disseminassem o conhecimento
produzido em forma de recomendações
claras aos gestores e que influenciassem,
a partir dessas recomendações, a
reorientação dos programas e ações do
Ministério de forma integrada.
Com o objetivo de preencher tal lacuna, o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCTI), mediante Portaria n.° 397/2012,
lançou a Política de Monitoramento e
Avaliação, cujo objetivo principal consiste
em “analisar, monitorar e avaliar as
políticas, programas e ações executadas ou
financiadas pelo Ministério, buscando o seu
constante aperfeiçoamento e o alcance de
seus objetivos (Art.1.º)” (MCTI, 2012a).
O lançamento de tal plano tem por
objetivo, de forma integrada e articulada
ARTIGOS INÉDITOS
em
nível
ministerial,
realizar
a
accountability das ações do Ministério e
reorientar a gestão dos instrumentos e
políticas de CT&I executadas pelo órgão
com base nos estudos realizados (Serpa,
2011, p. 72). Nesse sentido, a finalidade
última de tal esforço está associada à
necessidade de melhor compreender o
andamento, os resultados e os impactos
das políticas públicas.
Essa Portaria também instituiu a
Comissão Permanente de M&A (CPMA)3,
composta por representantes da Secretaria
Executiva, das Secretarias finalísticas, do
Gabinete do Ministro, da Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP), do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), da Comissão Nacional
de Energia Nuclear (CNEN) e da Agência
Espacial Brasileira (AEB) (MCTI, 2012a), e
definiu a ASCAV como Secretaria Executiva.
A CPMA é responsável pelo desenho das
propostas e discussão das agendas anuais
de atividades, intitulada Plano Anual de
Monitoramento e Avaliação (PAMA).
Segundo a Política de Monitoramento
e Avaliação, o PAMA deverá indicar as
políticas a serem avaliadas, definindo
produtos, responsáveis, prazos e recursos.
A Política também deverá identificar
avaliações
realizadas
anteriormente,
externas ou internas, e propor metodologias
de monitoramento e avaliação continuada,
disseminando seus resultados.
Avaliação, monitoramento,
atividades de suporte e
capacitação
Formulado pela Comissão Permanente
de Monitoramento e Avaliação (CPMA),
2013 JAN/DEZ
o PAMA 2013 definiu sete avaliações,
doze atividades de monitoramento e onze
atividades de suporte a serem iniciadas
no ano de 2013. Nesse sentido, as
diferentes Secretarias finalísticas, agências
e organizações que compõem o MCTI
forneceram suas demandas à CPMA, que
escolheu as prioritárias e as inseriu no
PAMA 2013.
O conceito de avaliação empregado
tanto pela CPMA quanto pelo Ministério é
assim definido:
Qualquer estudo, pesquisa ou relatório
referente às políticas, programas e ações
que contribuam para subsidiar o processo
decisório e/ou que gerem recomendações
e sugestões de aperfeiçoamento das
políticas, dos programas, e das ações
(MCTI, 2012a).
Para o MCTI a avaliação é, portanto,
considerada elemento estratégico na
definição das ações inerentes à formulação
política. Destaca-se a relevância das
recomendações e sugestões na formulação
dos instrumentos de fomento.
A Tabela 1 apresenta as avaliações
propostas para o ano de 2013. Nela é
possível observar o esforço do Ministério
para ter uma carteira abrangente de
avaliação. Ou seja, optou-se por não
focar em áreas específicas, e sim dar
um caráter mais amostral à política de
avaliação, resultado de um processo
coletivo de construção dessa agenda no
âmbito da Comissão.
9
10 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Tabela 1 – Avaliações descritas no PAMA 2013
N°
1
2
3
4
Ação
Objetivo da
avaliação
Fomento às inMapear a situfraestruturas de
ação da inpesquisa científraestrutura de
fica e tecnológica pesquisa, o nível
integrantes do
de utilização
Sistema MCTI.
e o perfil da
demanda por
essas infraestruturas.
Fundo Nacional de Levantamento
Desenvolvimento
de projetos
Científico e Tecapoiados pelos
nológico – FNDCT. Fundos Setoriais, bem como
posicionamento
dos projetos
frente a indicadores de input e
output selecionados.
Programa AntárAvaliar a estico Brasileiro –
trutura, orPROANTAR
ganização e
produtividade
da pesquisa
acadêmica
associada ao
PROANTAR.
Cooperação científica e tecnológica
internacional do
Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico –
CNPq
Desenvolvimento de modelo de
monitoramento
e avaliação
capaz de ser
sistematizado.
Contexto
Em que pese a priorização da consolidação, ampliação e readequação da infraestrutura de C&T pelo governo federal,
o MCTI não dispõe de um banco de dados
atualizado que permita monitorar e avaliar
sua política de fomento à infraestrutura.
Os fundos setoriais constituem-se em
inovações na gestão pública do fomento
à ciência e à tecnologia. Seu expressivo
volume de recursos permite apoiar uma
variada gama de projetos. Tal volume de
recursos e projetos apoiados exige, então,
um conjunto de dados fidedignos que
possa sistematicamente fornecer informações aos gestores da política.
Executado desde 1982, o PROANTAR é
um importante veículo de interação internacional da ciência brasileira. Ao longo
de sua existência, inúmeros projetos de
pesquisa foram desenvolvidos, inclusive
com apoio internacional. Depois de três
décadas de apoio à pesquisa científica na
Antártica, cabe, neste momento, avaliar
a qualidade da produção científica desenvolvida pelo Programa.
Historicamente, o CNPq tem se articulado internacionalmente. Tal articulação
envolve inúmeros parceiros e por vezes
complexa rede de interação, constituídos
a partir de acordos de cooperação bilateral e multilateral. Tanto em razão do
volume de interações quanto da complexidade destas, faz-se necessário organizar a
gestão de forma a monitorar o andamento
dos projetos para posteriores avalições.
ARTIGOS INÉDITOS
N°
5
2013 JAN/DEZ
Ação
Objetivo da
avaliação
Programa Nacional Avaliar os
Aeroespacial Bra- impactos do
sileiro – PNAE
Programa no
desenvolvimento
tecnológico da
indústria nacional.
6
Lei do Bem (incentivos fiscais à
inovação)
7
Fortalecimento
da infraestrutura
de pesquisa em
petróleo, gás e
biocombustíveis
Fonte: MCTI, 2012b.
Compreender
até que ponto
os incentivos fiscais contribuem
para ampliar o
investimento
privado em P&D.
Mapear a infraestrutura de
pesquisa científica e tecnológica
do setor, de
forma a identificar o nível de
utilização das
estruturas e o
perfil da demanda por elas.
Contexto
As atividades espaciais no Brasil iniciaramse ainda na década de 1960, sendo que,
em 1993 o país lança seu primeiro satélite. Atualmente, existem inúmeras atividades sendo executadas no sentido de
internalizar tecnologias críticas e transferir
conhecimento à indústria nacional. De
fato, o programa possui fins pacíficos com
alto potencial de aplicação em atividades
civis. Nesse contexto, cabe avaliar em
que medida as ações públicas impactaram
tanto a sociedade, considerada de maneira geral, quanto a indústria nacional.
Em vigor desde 2006, a lei já concedeu
incentivos da ordem de R$ 7,2 bilhões,
beneficiando cerca de 15 mil empresas.
Após 7 anos de execução, há que se avaliar a lei no sentido de compreender seus
impactos diretos.
As últimas décadas do século XX e a
primeira do século XXI têm sido marcadas
pelo crescente investimento em P&D no
setor de petróleo e gás. Notadamente,
tais investimentos foram inicialmente capitaneados pela Petrobras. Contudo, existe
uma ampla e variada indústria parapetroleira que gera emprego e renda em diferentes regiões do país. As potencialidades
socioeconômicas surgidas com as novas
descobertas de campos de exploração reforçam a relevância do setor, não só para
a economia do país, como para seu desenvolvimento tecnológico. O significativo
crescimento do setor e seu alto potencial
exigem, pois, um mapeamento completo
tanto da oferta quanto do serviço em pesquisa, no setor, existente no país.
11
12 JAN/DEZ 2013
Atualmente, todas as avaliações propostas
foram pauta de, no mínimo, duas reuniões
entre a equipe da ASCAV e as equipes técnicas
responsáveis pela gestão dos programas ou
pela solicitação de avaliação.
De acordo com a identificação das
necessidades
dessas
avaliações,
há
diferentes abordagens e ações a serem
desenvolvidas: no caso da Lei do Bem, por
exemplo, foram identificadas e comparadas
várias avaliações realizadas anteriormente,
que trazem elementos importantes a
serem considerados na realização de nova
avaliação. Outro exemplo de trabalho em
curso diz respeito à avaliação do Programa
Antártico Brasileiro – PROANTAR, que tem
por objetivo compreender os impactos do
programa na produção científica brasileira.
Trata-se, diferentemente dos outros estudos,
de uma análise cientométrica. Estes dois
exemplos, em espectros metodológicos
opostos, demonstram a grande variabilidade
das avaliações programadas pelo PAMA
2013.
Cabe destacar que cada avaliação
possui um grau de complexidade e de
adesão das equipes diferenciado (Barbier,
1999). É fundamental compreender que as
dificuldades inerentes ao processo avaliativo
acontecem em todos os países, em maior
ou menor grau, de acordo com o acúmulo
de avaliações institucionalizadas ao longo
do tempo e o decorrente aprendizado
de avaliadores e avaliados (European
Commission, 2010).
Conforme exista o uso das recomendações
feitas pelas avaliações existentes, bem
como a internalização da necessidade de
aprimoramento das políticas públicas, temse um avanço real na gestão pública e nas
práticas avaliativas (desenvolvimento de
novas metodologias). Por isso, a realização
de avaliações de impacto ou de resultado
das ações de grande porte, a exemplo dos
ARTIGOS INÉDITOS
Fundos Setoriais, terá início em 2013, mas
provavelmente se estenderá por dois anos.
Para subsidiar as ações de avaliação, o
PAMA 2013 também prevê atividades de
monitoramento. Em relação às atividades de
monitoramento, estas foram definidas como:
São
consideradas
atividades
de
monitoramento aquelas que se destinam
ao acompanhamento da implementação
e execução de políticas, programas
e ações, visando à obtenção de
dados e informações para subsidiar o
gerenciamento e a tomada de decisões,
bem como a identificação de eventuais
problemas (MCTI, 2012a).
Nesse conceito de monitoramento,
destaca-se a relevância da obtenção
sistemática de dados para que as ações
possam ser reorientadas, enquanto ainda
em execução. Ou seja, o conceito considera
a necessidade de constante sintonia fina na
ação pública.
As
atividades
de
monitoramento
executadas no âmbito do Ministério dizem
respeito a: (i) indicadores de políticas,
programas e ações de CT&I; (ii) execução
física e financeira de programas ou políticas
de CT&I e; (iii) coleta ou recebimento
sistemático de demais dados referentes às
políticas, programas e ações (MCTI, 2012b).
A Tabela 2 apresenta as ações de
monitoramento previstas pelo PAMA 2013.
Estas ações são um tanto heterogêneas,
tanto do ponto de vista dos objetivos como
do escopo, refletindo assim a escolha por um
grupo abrangente e não restrito de ações.
***
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
Tabela 2 – Ações de monitoramento descritas no PAMA 2013
N. Ação e periodicidade
Descrição
1
Monitoramento anual da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
– ENCTI (Anual).
A execução da ENCTI precisa ser monitorada
considerando os seguintes itens:
2
Elaboração de Relatório Anual Estatístico de Resultado da Lei de Informação
(Anual).
(i) redução da defasagem científica e tecnológica que separa o Brasil das nações mais
desenvolvidas; (ii) expansão e consolidação
da liderança brasileira na economia do conhecimento da Natureza; (iii) ampliação das
bases para a sustentabilidade ambiental e
desenvolvimento de uma economia de baixo
carbono; (iv) consolidação do novo padrão de
inserção internacional do Brasil e; (v) superação da pobreza e redução das desigualdades
sociais e regionais.
A Lei de Informática é um instrumento estratégico na política de incentivo à inovação
no Brasil. Empresas que investem em P&D
em TICs podem solicitar isenção ou redução
do IPI para bens selecionados. As empresas
beneficiárias devem apresentar relatório demonstrativo do cumprimento das obrigações.
O relatório anual dos resultados deve compilar
estes relatórios individuais de forma a apresentar os resultados globais da lei durante o
ano analisado.
3
Elaboração de Relatório Anual da Lei do
Bem (Anual).
Tal como na Lei de Informática, as empresas
beneficiárias da Lei do Bem precisam apresentar informações sobre a utilização dos benefícios. De posse destas informações, o MCTI
deve, por lei, confeccionar relatório global e
anual com detalhamento dos resultados.
4
Elaboração de Relatórios sobre programas
prioritários do Governo Federal (Mensal).
Cabe ao MCTI subsidiar e sistematizar o
acompanhamento das ações e programas
prioritários dos quais participa, tais como;
Ciência Sem Fronteiras, Programa TI Maior,
Inova Empresa, EMBRAPII, etc.
5
Relatório Anual de Avaliação do PPA
2012-2015 (Anual).
Por meio do levantamento sistemático de
indicadores e informações selecionadas, cabe
ao MCTI “apresentar os resultados anuais do
Plano Plurianual 2012-2015 de acordo com as
orientações do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão” (MCTI, 2012a).
6
Relatório de Acompanhamento da execução física do Plano Plurianual – PPA
(Anual).
O MCTI deve apresentar a execução físicofinanceira de suas ações de acordo com os
objetivos e programas temáticos do PPA do
Governo Federal.
7
Monitoramento do Plano de Trabalho
Institucional da Comissão Nacional de
Energia Nuclear – CNEN (Anual).
Comparar as metas definidas no Plano de Trabalho Institucional da CNEN com os resultados
observados no período.
13
14 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
8
Monitoramento Anual das Unidades de
Pesquisa do MCTI – Termos de Compromisso de Gestão (semestral e anualmente).
As diversas Unidades de Pesquisa – UP do
MCTI possuem acordos pactuados mutuamente com o Ministério. Tais acordos possuem
metas, e tais metas são periodicamente avaliadas pelo MCTI.
9
Acompanhamento dos Planos Diretores
das Unidades de Pesquisa (semestral e
anualmente).
Cada UP do MCTI possui um plano diretor que
é estabelecido para um período de 5 anos.
Cabe ao ministério acompanhar o cumprimento destes planos.
10 Monitoramento Anual das Organizações
Sociais supervisionadas pelo MCTI –
Contratos de Gestão (semestral e anualmente).
O MCTI possui contrato de gestão com algumas Organizações Sociais. Tais contratos de
gestão estabelecem metas, traduzidas em
indicadores. Nesse sentido, cabe ao Ministério
monitorar o cumprimento dessas metas.
11 Relatório dos Investimentos Governamentais em CT&I nas microempresas e
empresas de pequeno porte (anual)
Dentre as ações executadas pelo MCTI,
encontra-se a promoção das micro e pequenas empresas. Nesse sentido, por força de lei,
cabe ao Ministério produzir periodicamente
informações sobre os investimentos em CT&I
destinados a estas empresas.
12 Relatório Anual sobre a Política de
Propriedade Intelectual das Instituições
Científicas e Tecnológicas (anual)
De acordo com a Lei de Inovação, as ICTs
devem informar ao Ministério sua política de
propriedade intelectual, bem como a produção
de tecnologia e sua transferência.
Fonte: MCTI, 2012b.
Verifica-se que a maioria das atividades
identificadas como monitoramento possui
periodicidade anual. Há que se destacar
também que, dentre as doze propostas,
somente aquela relacionada ao Plano
Plurianual possui sistemas de informação
institucionalizados
com
exigência
de
preenchimento trimestral, coordenadas pela
ASCAV. Ou seja, na prática, os relatórios
anuais e semestrais, enquanto resultado de
monitoramento, precisam estar integrados
entre si, possivelmente em sistemas de
informação do Ministério, e às ações de
avaliação, para que subsidiem as análises.
Para sustentar a política de monitoramento
e avaliação do Ministério, o PAMA 2013
definiu dez atividades de suporte. Estas
atividades visam sistematizar a coleta de
dados, consolidar indicadores e informações,
bem como tornar públicos os resultados de
monitoramento e avaliação. Ou seja, trata-se
de atividades fundamentais à consolidação
da política no âmbito da instituição; servem
para dar robustez, coerência e sobrevivência
de longo prazo a esta iniciativa. Destacase, nesse sentido, que a maioria destas
atividades possui periodicidade contínua.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
15
Tabela 3 – Atividades de suporte à política de monitoramento e avaliação descritas
no PAMA 2013
N.
1
Ação
Descrição
Revisão metodológica dos Indicadores
Nacionais de CT&I.
Realizar o contínuo aperfeiçoamento dos Indicadores de CT&I disponibilizados no sítio do
Ministério, bem como criar a Conta Satélite de
Pesquisa e Desenvolvimento a ser inserida no
Sistema de Contas Nacionais do IBGE.
2
Consolidação da Rede de Indicadores
Estaduais de C&T.
Auxiliar os estados da federação na produção
de indicadores estaduais de C&T, de forma a
permitir a harmonização e compatibilização
dos dados entre estados.
3
Elaboração de estatísticas orçamentárias.
Empregando o SIAFI, elaborar séries históricas
com as estatísticas de execução orçamentáriofinanceira do Ministério.
4
Consolidação da base de dados de projetos apoiados pelo FNDCT.
Com base nas informações prestadas pelo
CNPq e pela Finep, garantir atualização
contínua da base de dados sobre os projetos
financiados com recursos dos fundos setoriais
sob responsabilidade do Ministério.
5
Produção de Indicadores de Monitoramento sobre as políticas, programas e
ações do MCTI.
Com foco nos beneficiários das políticas, produzir e publicar indicadores de monitoramento
das ações do Ministério.
6
Criação do Portal dos Centros Vocacionais.
Criação do Portal dos CVTs, com informações
de áreas de atuação, cursos oferecidos etc.
7
Mapeamento de políticas de Inclusão
Digital do Governo Federal.
Consolidação e comparação das diferentes estratégias de inclusão digital executadas pelos
diversos ministérios.
8
Suporte ao monitoramento e avaliação
das atividades de fomento ao CNPq.
Atualização e aperfeiçoamento das ferramentas de suporte ao monitoramento, especialmente aquelas associadas à Plataforma Lattes
e Carlos Chagas.
9
Implantação do projeto de modernização de processos e sistemas de informação da Finep – Modernize.
Com horizonte temporal de longo prazo, o
projeto objetiva integrar e consolidar as estruturas de informação gerenciais existentes na
instituição, de forma a alcançar um nível maior
de maturidade organizacional.
10
Revisão da metodologia de avaliação do
Programa de Subvenção Econômica.
Visando modernizar e adequar as novas
demandas gerenciais, a ação tem por objetivo rever a metodologia de monitoramento e
avaliação do Programa.
11
Plataforma Aquarius.
Criação de uma ferramenta de governança
pública, que, mediante integração de dados
e sistemas, disponibilizará e consolidará um
painel integrado para uso gerencial e para
divulgação e transparência.
Fonte: MCTI, 2012b.
16 JAN/DEZ 2013
Destaca-se que algumas das atividades
de suporte estão diretamente relacionadas
às avaliações propostas. É o caso da
“Consolidação da base de dados de projetos
apoiados pelo FNDCT” e do “Suporte ao
monitoramento e avaliação das atividades de
fomento ao CNPq”, ligados às propostas 2 e
3 da Tabela 1.
Outras atividades de suporte encontramse sistematizadas no âmbito da ASCAV: a
Coordenação Geral de Indicadores realiza
as ações 1 e 2 (TAB. 3), e a Coordenação
Geral de Programas trabalha na integração
com a Plataforma Aquarius e com os
indicadores do Plano Plurianual (ações 11 e
5, respectivamente).
Há ações de suporte que ainda serão
construídas, ou seja, se encontram em fase
de elaboração nas Secretarias finalísticas do
MCTI.
Para a realização das atividades de M&A
e suporte descritas no PAMA 2013, também
estão previstas atividades de capacitação.
Uma vez que a execução dessa agenda será
realizada não só com o auxílio de consultores
externos, mas também com técnicos do
próprio Ministério.
Nesse sentido, três grandes blocos de
capacitação estão previstos: (i) curso básico
de avaliação, (ii) curso de avaliação em
CT&I, e (iii) curso básico de contas nacionais
(Kangaré). Até abril de 2013, foram
executadas ações no âmbito dos dois últimos
blocos: um curso de avaliação em CT&I,
ministrado em 20 de abril, em Fortaleza,
por ocasião do encontro regional da Rede
Brasileira de Monitoramento e Avaliação, e
um curso Kangaré, realizado no MCTI para
os servidores.
As capacitações são voltadas tanto ao
corpo técnico do Ministério quanto aos
membros da Comissão Permanente de M&A.
Na medida em que se avance nos trabalhos
e sejam identificadas novas necessidades
de formação, não estão descartados outros
cursos de capacitação.
ARTIGOS INÉDITOS
Considerações finais
Neste momento, a execução do PAMA
2013 encontra-se em curso. Devido ao seu
ineditismo na temática de CT&I, alguns
desafios têm sido enfrentados pelas equipes
envolvidas, dentre os quais se destacam:
• a definição das metodologias adequadas
aos objetivos das avaliações propostas,
mediante a construção de Termos de
Referência com o detalhamento dos
produtos esperados ao final dessas
avaliações;
• a elaboração de objetivos de avaliação
focados em mensurar eficiência, eficácia
e efetividade dos programas e ações em
CT&I;
• a identificação de consultores habilitados
a atender o rigoroso padrão de qualidade
exigido; e
• a determinação das formas de
contratação viáveis, diante do escopo de
cada avaliação e do perfil de consultores
adequados
aos
serviços
técnicos
demandados.
Tais desafios têm sido pouco a pouco
superados. O processo coletivo de construção
e de detalhamento das avaliações do
PAMA 2013 tem apresentado momentos
de
aprofundamento
teórico
(revisão
bibliográfica) e, sobretudo, de grande
aprendizado institucional.
Por sua vez, tal aprendizado tem se
revertido na internalização de conhecimentos
em M&A no Ministério. Espera-se que esse
esforço piloto sirva não somente para iniciar
a política integrada de M&A no MCTI, mas
também para conscientizar os gestores
e a sociedade sobre a relevância de tais
atividades.
Finalmente, a expectativa institucional
consiste em absorver as lições de erros
passados e de boas práticas identificadas
pelos diferentes estudos, reorientar o
planejamento e as ações futuras, bem como
garantir a legitimidade da avaliação e das
políticas públicas avaliadas.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
17
Referências Bibliográficas
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enlightenment objectives?, in Evaluation, vol.5 (4), 1999, p.373-386. De CAMPOS, A.
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_____. Plano Anual de Monitoramento e Avaliação 2013. Brasília, 2012b, disponível em: http://
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_____. ASCAV – Assessoria de Acompanhamento e Avaliação das Atividades Finalísticas. Brasília:
MCTI, 2009.
SALLES Filho, S.; STEFANUTO, G.; MATTOS, C.; ZEITOUM, CAMPOS, F. Avaliação de impactos da
Lei de Informática: uma análise da política industrial e de incentivo à inovação no setor de
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SERPA, S. Levantamento do Tribunal de Contas da União sobre os sistemas de monitoramento e
avaliação da administração direta do poder executivo, Revista Brasileira de Monitoramento
e Avaliação, n. 2, jul.-dez., 2011:46-75.
VAITSMAN, J., RODRIGUES, R.W.S. e PAES-SOUSA, R. O Sistema de Avaliação e Monitoramento
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ZACKIEWICZ, M. Trajetórias e desafios da avaliação em ciência, tecnologia e inovação. Tese de
doutorado. Departamento de Política Científica e Tecnológica. Campinas: Unicamp, 2005.
18 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Resumen: El presente trabajo objetiva
informar y describir la institucionalización
de la evaluación del Ministerio de Ciencia,
Tecnología e Innovación (MCTI). El ejecutivo
federal hace pocos esfuerzos de consolidación
y monitoreo conjunto y estrategias de
evaluación (M & A) sobre ese tema específico.
Para llenar este vacío, el Ministerio de Ciencia,
Tecnología e Innovación (MCTI) puso en
marcha la política de monitoreo y evaluación.
La metodología consistió en el análisis de los
decretos, reglamentos, documentos oficiales
y artículos científicos para caracterizar la
nueva agenda de monitoreo y evaluación
del MCTI (ex post). Los resultados han sido
discutidos internamente en el Ministerio, la
Red Brasileña de Monitoreo y Evaluación y a
su disposición en la dirección electrónica del
MCTI. Por último, se identificaron algunos
desafíos, con énfasis en la elaboración de
los objetivos de la evaluación que se centró
en la medición de la eficiencia, eficacia y
efectividad de los programas y acciones en
CT & I y para la definición de metodologías
apropiadas a los objetivos de las evaluaciones
propuestas, mediante la construcción de los
Términos de Referencia con el detalle de los
productos esperados.
Résumé: Cet article vise à informer et
décrire l’institutionnalisation de l’évaluation
au Ministère de la Science, Technologie et
Innovation – MCTI. Compte tenu des efforts
limités de consolidation et d’articulation des
stratégies de surveillance et d’évaluation ( M &
A) dans ce domaine, le ministère de la Science,
Technologie et Innovation (MCTI), pour
combler cette lacune, a lancé la Politique de
Surveillance et Évaluation. La méthodologie
utilisée a consisté dans l’analyse de décrets,
ordonnances, documents officiels et articles
scientifiques pour caractériser le nouveau
programme de surveillance et évaluation
du MCTI (ex post). Les résultats sont
discutés internement au sein du ministère
dans le Réseau Brésilien de Surveillance et
Évaluation et sont mis à disposition du public
à l’adresse électronique du MCTI . Parmi les
défis identifiés, on remarque la conception
des objectifs de l’évaluation axés sur la
mesure de l’efficience, de l’efficacité et de
l’effectivité des programmes et des actions
en CT & I et la définition des méthodologies
appropriées aux objectifs des évaluations
proposées, à partir de l’élaboration de
Termes de Référence comportant les détails
des produits attendus.
Palavras-Chave: evaluación, metodologias,
monitoreo.
Mots-clés:
évaluation,
méthodologies.
surveillance,
Notas
1 - O número absoluto de estudos contendo avaliações de políticas/programas ou projetos de CT&I gira em torno de
quatro dezenas. Uma mesma política pode ser avaliada em diversos estudos, como é o caso, por exemplo, da lei
do bem, da lei de informática e dos fundos setoriais. Dentre as avaliações mais recentes, destacam-se SALLES
Filho et al. (2012), ARAUJO et al. (2012) e KANNEBLEY e PORTO (2012).
2 - A definição de uma Secretaria específica com foco em monitoramento e avaliação, intitulada Secretaria de
Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), foi inaugurada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome (VAITSMAN et al.,2006, p.15). Ademais, ver FURTADO et al. (2008).
3 - O regimento interno da CPMA foi aprovado pela Portaria n° 137, de 19 de fevereiro de 2013.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
19
Múltiplas dimensões da análise de uma política pública: o caso Prime1
Multiple dimensions of analysis of a public policy: the case of Prime
Múltiple dimensiones de análisis de una política pública: el caso del
Prime
Les multiples dimensions de l’analyse de une politique publique: le
cas du Prime
Darcon Sousa*
Roberto Véras de Oliveira**
Resumo: O objeto empírico deste trabalho foi o
Programa Primeira Empresa Inovadora (PRIME),
política pública de apoio ao empreendedorismo
lançada pelo governo Lula em 2009. Procuramos
analisar os discursos, os processos e as práticas
desenvolvidas durante a implementação do
Prime e suas repercussões nas trajetórias e
negócios dos empreendedores beneficiados.
Além da subvenção econômica, o Prime mobilizou
instituições e consultorias empresariais que se
envolveram diretamente no esforço de viabilizar os
empreendimentos selecionados. Os procedimentos
metodológicos adotados foram: a observação,
a consulta documental e a entrevista com os
atores participantes do Programa, no âmbito de
sua implementação sob a coordenação do Parque
Tecnológico da Paraíba. Os resultados da pesquisa
demonstraram que a implementação do Prime foi
marcada por tensões, conflitos, incongruências e
rigidez, o que desnudou os erros de concepção
do Programa e explica a ineficácia desse arranjo
institucional desenhado para apoiar os negócios
nascentes.
Abstract: The empirical object of this work was
the First Innovative Company Program (PRIME), a
public policy to support entrepreneurship launched
by Lula government in 2009. Our aim was to
analyze the discourses, processes and practices
developed during the implementation of Prime
and its impact on trajectories and business of
beneficiary entrepreneurs. Besides the economic
subsidy, prime mobilized institutions and business
consultants directly involved in the effort to
enable the selected projects. The methodological
procedures adopted were: observation, document
research and interviews with the actors
involved in the program, taking into account its
implementation under the coordination of Paraíba
Technology Park. The research results show that
the implementation of Prime was marked by
tensions, conflicts, inconsistencies and rigidity,
which laid bare the mistakes of conception of the
program and explains the ineffectiveness of this
institutional arrangement designed to support
nascent businesses.
Palavras-chave: Estado,
empreendedorismo.
Keywords: State, Public Policy, Entrepreneurship.
políticas
públicas,
* Professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: [email protected]
** Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: [email protected]
20 JAN/DEZ 2013
Introdução
O PRIME, Programa
Primeira Empresa Inovadora, foi lançado pelo governo Lula no ano
de 2009 por meio da Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP. O Programa previa
disponibilizar 1,4 bilhão de reais para apoiar
cerca de 6 mil empresas nascentes (com 2
anos de existência, no máximo) até o ano de
2011. O Parque Tecnológico da Paraíba (PaqtcPB), instituição localizada no município
de Campina Grande, de natureza privada e
sem fins lucrativos, foi escolhida juntamente
com outras 17 instituições para implementar o Programa em todo o país. Cada uma
deveria selecionar 120 empreendimentos
para ingressar no PRIME, passando assim
por rigoroso processo seletivo, constituído
de várias etapas e envolvendo avaliadores
de instituições do conhecimento. Ao final do
processo seletivo, o PaqTcPB contratou 98
empreendimentos, dos quais 18 localizados
em quatro estados do Nordeste compuseram
a amostra da nossa pesquisa. A expectativa
do Programa era gerar emprego e renda por
intermédio do estímulo a “empreendimentos
inovadores” que demonstrassem possuir viabilidade econômica e potencial para se inserir e se afirmar no mercado. Para tanto, o
governo estabeleceu um orçamento ousado,
provendo uma subvenção de R$ 120.000,00
(cento e vinte mil reais) para cada um dos
empreendimentos selecionados, recursos a
título de subvenção, os quais deveriam ser
utilizados para assegurar a dedicação do empreendedor ao negócio, para a contratação
de gestores, além de empresas de consultoria que prestariam serviços mercadológicos,
jurídicos e/ou de suporte administrativo.
O PRIME se distinguiu como política pública
de apoio ao empreendedorismo não apenas
pelo alcance geográfico, pelo montante
de recursos empregados ou pela ambição
dos objetivos. O Programa colocou à prova
um tipo de ação pública descentralizada,
ARTIGOS INÉDITOS
envolvendo agentes públicos e privados,
enaltecida em determinadas concepções
de reforma do Estado difundidas desde
as últimas décadas do século passado.
Além disso, o Programa exprimiu uma
visão de desenvolvimento afinada com
valores liberais, posta em prática mediante
instrumentos sofisticados, utilizados para
confirmar a eficácia de um modelo ideal para
a criação de novos negócios, algo que parece,
à primeira vista, paradoxal, em face dos
valores contidos no ideário empreendedor
que exaltam a emancipação econômica dos
indivíduos. Por outro lado, a criação do PRIME
evidencia a crescente inclusão do incentivo
ao empreendedorismo de caráter inovador
na agenda das políticas públicas no Brasil,
o que exige a busca de uma compreensão
mais aprofundada sobre aspectos centrais,
intervenientes e circundantes, característicos
de seu manejo como ação de governo e,
como tal, dos seus efeitos nas realidades
que pretende alterar.
Nesta direção, tomando a política pública
de apoio ao empreendedorismo inovador
– expressa por meio do PRIME e, em
particular, a partir de sua implementação
sob a coordenação do Parque Tecnológico
da Paraíba – como material empírico da
pesquisa aqui apresentada, destacamos
o caráter multidimensional da análise
que empreendemos, buscando examinar
contexto, discursos, relações e consequências
da implementação dessa política pública.
O percurso metodológico adotado na
pesquisa – cujos instrumentos manejados
foram as entrevistas, a observação direta e a
análise documental – combinou o esforço de
compreender uma política pública levando
em conta o testemunho dos indivíduos e,
ao mesmo tempo, os constrangimentos
institucionais e as condições de existência que
explicaram a história das ações e das idéias
no âmbito do PRIME. Adotamos a premissa
ARTIGOS INÉDITOS
segundo a qual a consideração ao sentido
das ações dos sujeitos se complementa
com a análise das relações e das condições
objetivas sob as quais esses sujeitos agem
de modo criativo.
Desse modo, ao ouvirmos os sujeitos
da pesquisa, procuramos dirigir um olhar
sobre suas “trajetórias” e suas posições
no “espaço social”. Esforçamo-nos para
apreender a interferência dos fatores
objetivos
em
seus
comportamentos.
Quando captamos as falas, agregamos a
perspectiva bourdieusiana da análise do
“discurso”. Nesta, tomamos os discursos
como “armas simbólicas” utilizadas na “luta”
em cada “campo” de força. Procuramos
perceber a associação dos locutores com as
posições sociais que eles ocupam e o valor
atribuído aos seus conteúdos discursivos nos
referidos “mercados linguísticos”. Lançamonos a compreender o “discurso grupal”,
suas lógicas e interesses. Foi assim que,
sociologicamente orientados, procuramos
observar por diversos ângulos nosso objeto
de estudo.
Implicações teóricas da pesquisa
Ao
investigarmos
uma
política
pública voltada para a promoção do
empreendedorismo no contexto de um
Programa de pós-graduação concentrado
na Sociologia, ressaltamos que a análise do
fenômeno empreendedor não constrange
esse campo do conhecimento, desde
quando a teoria weberiana iluminou os fatos
econômicos, vinculando-os intrinsecamente
às dimensões sociais que lhes dão sentido.
Sendo assim, revisitamos o pensamento de
Weber (1982; 1994; 2001) sobre a ação
econômica, por considerarmos isso um
exercício indispensável à compreensão do
nosso objeto de estudo.
2013 JAN/DEZ
21
O ponto de partida de Weber (1994) para
explicar a vida social é o comportamento do
indivíduo. Dotada de sentido subjetivo, a ação
do indivíduo pode ser compreensível, cabendo
à Sociologia o dever de explicar as causas e
os efeitos dessa ação, desenvolvida por um
ator que se orienta pelo comportamento de
outrem, o que informa o seu caráter social.
Como consequência disso, a Sociologia
é uma ciência hermenêutica que procura
descrever, explicar, perguntar pelo sentido
e compreender as ações portadoras de
significação, fornecendo uma perspectiva da
realidade com a imprescindível incorporação
do sujeito na análise.
No que tange à atividade econômica,
a análise weberiana, tendo o sistema
capitalista como objeto de estudo, já
demonstrava como os fatos econômicos
estão intimamente relacionados aos fatos
sociais. As investigações históricas que
desembocaram na descoberta de certo
“espírito do capitalismo” são elucidativas dos
efeitos econômicos que o comportamento
social pode provocar de acordo com o que
apreendemos. Se, por um lado, Weber
(1982) aponta que os fenômenos coletivos,
as relações sociais, as instituições e mesmo
as ações individuais sofrem as influências
indiretas dos condicionamentos econômicos,
por outro, como destacou:
[...] o conjunto de todos os fenômenos e
condições de existência de uma cultura
historicamente dada influi na configuração
das necessidades materiais, no modo de
satisfazê-la, na formação dos grupos de
interesses materiais, na natureza dos seus
meios de poder e, por essa via, na natureza
do curso do desenvolvimento econômico,
tornando-se
assim,
economicamente
relevantes (Weber, 1982, p. 119).
O desenvolvimento econômico, segundo
Schumpeter (1982), herdeiro do pensamento
weberiano, pode ser compreendido por meio
da análise do papel exercido pelo empresário
22 JAN/DEZ 2013
e de sua interligação com outros agentes da
vida social. Essa perspectiva é relativamente
pouco explorada por campos teóricos mais
influenciados pela teoria das classes sociais,
cuja pré-conceituação sobre a condição
do empresariado na sociedade capitalista
inibe a prospecção acerca do lugar que
ele ocupa e das funções que desempenha
em contextos específicos. Por vezes, o
empresário é rebaixado a uma condição
social repugnante a ponto de deixar sob
suspeição pesquisadores interessados em
lançar luzes sobre esse sujeito social sem
o uso da ótica classista. Na dicotomia das
classes, em qualquer situação, o empresário
fica relegado ao posto de vilão e a ele não
é atribuído qualquer papel importante
nas mudanças socialmente desejadas. Já
o programa schumpeteriano, conquanto
enalteça o empresário como ator social e a
ele dedique considerável energia intelectual,
não despreza as circunstâncias do entorno
de seu percurso.
Mais do que focar o indivíduo, Schumpeter
(1982) observa o processo de inovação como
um todo. Ao analisar os fatores causadores
das mudanças descontínuas que ocorrem na
vida econômica, Schumpeter (1982) elege a
inovação como principal motor das mudanças,
cuja ocorrência denotaria o “verdadeiro
desenvolvimento”. Tais mudanças, causadas
por inovações surgidas no interior do sistema
econômico, apresentam-se sob a forma de
novas combinações produtivas por meio da
introdução de um novo produto, de novos
métodos de produção, da abertura de novos
mercados, da conquista de novas fontes
de matérias-primas e da criação de novas
configurações organizacionais.
Entretanto, ainda em relação à
mudança econômica, Schumpeter (1968)
reconhece que nenhum fator atua de
forma
inequivocamente
determinada,
sendo necessário investigar os mecanismos
ARTIGOS INÉDITOS
pelos quais os fatores causais atuam. Em
concordância, Weber (1994) assinala que a
criação de empreendimentos econômicos e
de inovações técnicas pode encontrar fatores
impeditivos (a exemplo das obstruções
de natureza ideológica) ou facilitadores,
mas não existe relação causal claramente
definida.
Neste sentido, o reconhecimento da
complexidade que envolve o mundo
econômico e empresarial tem implicações
importantes para os formuladores de
políticas públicas que jogam todas as fichas
em programas de estímulo à criação de
negócios. Há que se perguntar se os agentes
públicos, ainda que de elevada qualificação
e com boas intenções, estão devidamente
habilitados para tomar decisões relativas
a empreendimentos que irão operar em
ambientes competitivos, cuja lógica difere
intensamente daquela vivida no quotidiano
da burocracia pública.
Mas essa complexidade típica dos
mercados capitalistas atuais é mediada
pelas próprias relações sociais que, segundo
Granovetter (2005), outro caminhante da
esteira do programa weberiano, impactam
fortemente a produção, a distribuição e o
consumo nos mercados modernos. Para esse
autor, as relações sociais são as principais
responsáveis por manter a confiança nos
negócios e nas atividades econômicas em
geral.
Granovetter (2005) demonstrou como a
estrutura social tem impacto nos resultados
econômicos por meio das redes sociais,
principalmente de três formas; 1) as redes
sociais afetam o fluxo e a qualidade da
informação, visto que os atores sociais
preferem informações de pessoas que
eles conhecem às oriundas de fontes
impessoais; 2) as redes sociais estabelecem
punições e recompensas, cujos impactos
são ampliados porque ocorrem entre
ARTIGOS INÉDITOS
pessoas que se conhecem; 3) nas redes
sociais é mais facilmente gerada a confiança
indispensável para os negócios. Segundo
Granovetter (2005), nas redes sociais,
o compartilhamento torna as maneiras
como os atores devem comportar-se mais
claramente compreendidas e sustentadas,
reforçando a confiança. Os laços entre os
atores transmitem informações importantes
em relação aos negócios, configurando
a evidente interpenetração entre ação
econômica e ação não econômica.
Por isto, tanto a tradicional, quanto a Nova
Sociologia Econômica fortalecem a ideia
dos mercados como “construtos sociais”.
Para Steiner (2006), os empreendedores
e os agentes econômicos em geral tomam
decisões impregnadas de conteúdos sociais
mais amplos. Sendo assim, os mercados
devem ser compreendidos tendo-se em
conta as instituições e as formas de
comportamento social que criam os laços
entre os atores. Para tanto, a Sociologia
Econômica, ainda segundo Steiner (2006),
sem recusar a teoria econômica ou elevála à condição de ciência definitiva, fornece
princípios explicativos que conjugam análises
sociológicas e econômicas. Desse modo,
as contribuições da Sociologia Econômica,
que, como compreendemos, aplicam-se aos
mercados dos negócios caracterizados como
empreendedores, são apresentadas sob
duas perspectivas:
Em primeiro lugar, com ela (a Sociologia
Econômica)
trata-se
de
descrever
de maneira empiricamente sólida os
dispositivos e os comportamentos sociais
que atuam nessas formas de articulação
que cercam a transação mercantil, quer
dizer, na caracterização fina das interações
entre as diversas partes do mercado
relativas ao fato em observação. Em
segundo lugar, com a Sociologia Econômica
procura-se elaborar proposições teóricas
a respeito destas formas de articulação
que permitem as transações no mercado.
(Steiner, 2006, p. 37).
2013 JAN/DEZ
23
Dentre essas formas de articulação,
salta aos olhos a crescente mobilização de
agentes públicos para formatar políticas de
estímulo ao empreendedorismo no Brasil.
Transformado em política pública, o apoio ao
empreendedorismo sugere a necessidade de
dialogarmos com a Ciência Política, a fim de
entendermos como, num contexto de crise
do sistema capitalista e de discussão sobre
as novas formas de atuação do Estado, se
tenta edificar o mercado empreendedor no
atual estágio do desenvolvimento brasileiro.
O atual estágio do desenvolvimento
nacional é classificado por alguns como um
“Novo Desenvolvimentismo”, iniciado no
governo Lula, que retoma o papel indutor
do Estado na economia e interrompe um
ciclo de políticas neoliberais (Pochmann,
2010; Morais e Saad-Filho, 2011). Em
relação a esse “Novo Desenvolvimentismo”
brasileiro, nossas preocupações se dirigem
para as políticas públicas de estímulo aos
setores
empresariais,
especificamente
no que tange à difusão da inovação e do
empreendedorismo. Como nas formulações
teóricas sobre o Novo Desenvolvimentismo, o
governo Lula destinou considerável atenção
para agregar maior conteúdo tecnológico às
atividades empresariais do país, esforço que
se conjugou a outros no sentido de fortalecer
atividades produtivas ligadas aos segmentos
menos favorecidos da sociedade, denotando
o caráter híbrido de sua política econômica.
Ainda que privilegiando o grande capital,
esse governo lançou mão de múltiplos
instrumentos para estimular a geração de
emprego e de renda. Isto está relacionado,
como pensamos, com a heterogeneidade e
a complexidade das sociedades modernas,
nas quais as disputas pela apropriação de
recursos públicos se intensificam mediante
formas simbólicos e materiais, ante o que
os governos, resgatando suas funções na
coordenação central, devem tomar decisões
24 JAN/DEZ 2013
que resguardem os interesses da sociedade
em geral.
As políticas públicas de apoio ao
empreendedorismo inovador podem ir
de encontro aos interesses da sociedade.
Como advertiu Lerner (2009), os esforços
dos governos para criar novos negócios são
sempre uma aposta arriscada. Consultando
experiências em vários lugares do mundo
capitalista, constatamos as incertezas,
contradições e conflitos que norteiam essas
políticas. No Brasil, sempre que analisamos as
ações dos governos, podemos nos defrontar
com os problemas herdados da nossa formação
histórica que, conforme Lustosa da Costa
(2006), criaram os elementos da disfunção
do Estado brasileiro (patrimonialismo,
personalismo, mandonismo, formalismo,
clientelismo, cartorialismo, centralismo e
autoritarismos) e suas variantes modernas
de natureza cultural (corporativismo,
compadrio, vassalagem, barganha, fisiologia,
bacharelice, centralização e precariedade
da democracia). Por conta disso, segundo
esse autor, o Estado brasileiro não teria
encontrado ainda capacidade de resolver as
assimetrias regionais e de classe.
Mas a difusão dos modelos de análise
e de avaliação das políticas públicas tem
contribuído para um melhor monitoramento
das ações de governos, estimulando o diálogo
entre pesquisadores e agentes públicos,
o que pode resultar em benefícios para os
cidadãos das sociedades democráticas. Ao
comentar esses modelos, Winkler (2010) os
percebe como representações simplificadas
da realidade, norteadas por pressuposições
que, no entanto, ajudam na compreensão de
fenômenos complexos. Para esse autor, um
dos problemas da maior parte dos modelos
estaria em não facilitar o entendimento do
fosso existente entre intenção e resultado
de uma política pública. Regulamentação da
implementação, financiamento inadequado
ARTIGOS INÉDITOS
e gestão ineficiente, em geral, frustram
intenções planejadas. Por outro lado, os
modelos precisariam ser claros quanto
às suas verdadeiras contribuições e
deficiências, além de necessitarem de um
aperfeiçoamento que seja feito por meio
de testes rigorosos. Além disso, os modelos
explicariam a formulação e a escolha, mas
desprezariam a execução de políticas. A
implementação, segundo Diniz (1996), é
dificultada quando as fases antecedentes
do planejamento e da elaboração são
realizadas de forma autoritária, exigindo da
sociedade renúncia e confiança nas decisões
coercitivas e intransigentes de agentes
públicos. Lançadas dessa forma, as políticas
públicas terão sua implementação dificultada
pela ausência de corresponsabilidade dos
cidadãos.
A implementação do PRIME foi o nosso
objeto de estudo. Mas a análise dessa fase
do Programa nos empurrou para dentro de
todas as suas etapas e para algumas de suas
nuances importantes. Lá, fomos ajudados
pelas lupas teóricas aqui comentadas.
As instituições do
empreendedorismo inovador no
Brasil e seus discursos
A
matriz institucional da inovação
no Brasil é coordenada pelo Ministério
da Ciência Tecnologia e Inovação. Em
torno dos recursos mobilizados por esse
órgão, empresas públicas e privadas,
universidades, associações empresariais
e instituições ligadas ao conhecimento e à
inovação se articulam para fortalecer um
modelo de desenvolvimento econômico
baseado no enriquecimento dos conteúdos
das atividades produtivas. Segundo esse
modelo, as inovações, estimuladas por
ARTIGOS INÉDITOS
investimentos governamentais e pela criação
de sistemas nacionais e locais, seriam as
responsáveis pelas mudanças técnicas que
desencadeariam outras mudanças de cunho
social e político. Portanto, analisar as formas
institucionais assumidas no Brasil para
impulsionar o modelo neoschumpeteriano
se tornou indispensável à compreensão do
PRIME, já que as instituições influenciam
os comportamentos dos atores sociais e,
particularmente, dos agentes econômicos,
implicando consequências relacionadas a
esses comportamentos, favorecendo um
regime de acumulação capitalista baseado
na primazia da mudança técnica.
Em relação ao PRIME, esses arranjos
institucionais se valeram de uma intensa
mobilização discursiva para legitimar o
Programa. O contexto no qual o PRIME
foi lançado e implementado demonstrou
como o capital linguístico foi utilizado para
gerar adesão e convencimento. A partir do
registro das falas do Presidente da FINEP,
Glauco Arbix, observamos o manejo hábil,
contraditório e ideológico da palavra,
sempre vinculado às posições, experiências
e interesses dos falantes. Recortamos aqui
nossa análise, citando trechos da defesa
da inovação proferidos por esse ator: “[...]
inovação significa olhar para frente”; “[...] a
inovação é o único caminho”; “[...] não há
outro caminho”; “[...] só com inovação o
Brasil terá futuro”; “[...] inovar não é escolha,
é necessidade”; “[...] queremos oferecer um
cardápio para resolver o problema delas”
(das empresas).
A subjetividade contida nos pronunciamentos do presidente da FINEP, além de
ajudar a explicar as lutas por mudanças sociais e de estar relacionada a contatos por
ele desenvolvidos com aspectos objetivos da
estrutura social (a exemplo de sua imersão
em instituições de pesquisa e de capacitação
em inovação, e da posição por ele ocupada),
2013 JAN/DEZ
25
tem, sobretudo, a finalidade de, recorrendo
a Bourdieu (2004), difundir uma visão de
mundo, entre tantas emuladas pelas incertezas da vida social, que tenta mudar percepções e avaliações da realidade concreta.
Nessa luta por imposição de uma visão de
mundo, o capital cultural (sob a forma do
conhecimento científico evocado por Glauco
Arbix) transforma-se em capital simbólico,
que, mesmo somado à sua autoridade burocrática, não garante a obtenção do monopólio absoluto, tendo em vista que, para ser
eficaz, o poder simbólico precisa estar alicerçado na realidade.
Para legitimar o PRIME na realidade
concreta que estudamos, diversos atores
envolvidos diretamente com o Programa
discursaram para exaltar suas virtudes, seu
ineditismo e suas ambições. A combinação
de discursos advindos de representantes
de instituições públicas, como a FINEP e
o IPEA, com outros produzidos no interior
de organizações privadas, a exemplo da
ANPROTEC, SEBRAE e Parques Tecnológicos,
faz-nos lembrar da observação de Bourdieu
(2010), para quem as estratégias simbólicas
podem ser operadas por um mandatário
do Estado, portador do monopólio da
violência simbólica, o qual tem a seu favor
a possibilidade de manejar a perspectiva
autorizada e universal. Todavia, as lutas
por classificações no espaço social também
podem ser compreendidas tendo-se em
conta os discursos de agentes particulares
e de profissionais autorizados a falar. Esses
agentes possuem o capital linguístico que
os credencia, o que implica no poder de
auferir benefícios com o uso da palavra.
Significa, para o locutor, ter ao seu lado uma
autoridade determinante da eficácia de sua
fala. É a capacidade de se fazer ouvir referida
em certos mercados. Nesses mercados, o
valor social de um discurso se verifica em sua
relação objetiva de concorrência com outros
26 JAN/DEZ 2013
discursos. Sua eficácia depende da unidade
do mercado linguístico para o qual se destina
e das chances de produção e de expressão
em situações oportunas. Um grupo social
legitima o discurso que lhe é conveniente,
reforçando e incitando os conteúdos
de seu interesse, e censurando as falas
discrepantes. Ao esforçar-se para afirmar seu
discurso, o grupo busca conquistar posições
melhores no espaço social. Para nós, ficou
claro que o grupo social, formado por atores
de instituições historicamente vinculadas à
causa do empreendedorismo, se encontra
em frequente luta por imposição de sua visão
de desenvolvimento econômico. As relações
que estabelecem entre si contribuem para a
retroalimentação de uma produção discursiva
afinada com o ideário empreendedor, não
desprovida de interesses materiais por
apropriação de recursos públicos, a qual se
dá por meio das políticas públicas.
Mas, para além do ideário desses
atores, investigamos a inserção do Parque
Tecnológico da Paraíba numa região pobre
do Nordeste brasileiro. Essa instituição se
destacou como uma das “âncoras” (termo
utilizado pela FINEP) que mais selecionaram
projetos para o PRIME. Ao trazermos à tona
elementos dos cenários social, econômico
e produtivo do Parque Tecnológico da
Paraíba, além de resgatarmos aspectos de
sua construção histórica, movemo-nos pelas
preocupações de Ianni (1963), que, ao
analisar as representações do “tipo social”
“empreendedor” durante a expansão do
capitalismo industrial brasileiro, observou (p.
80): “[...] a orientação dessas representações
[do empreendedor] tende a escapar da
focalização das raízes da realidade social
em que elas se inserem”. No caso do Parque
Tecnológico da Paraíba, demonstramos
que o retrato socioeconômico e mesmo o
empresarial não refletem o desenvolvimento
pretendido na região geográfica de sua
ARTIGOS INÉDITOS
atuação. Por outro lado, não diminuímos
o papel dessa instituição, já que não
podemos avaliar quais seriam os custos
de sua ausência no contexto paraibano.
Entretanto, não devemos superestimar sua
influência, nem no desenvolvimento, nem
na melhoria da atividade empresarial local,
aspectos defrontados constantemente com
os limites que o modelo de desenvolvimento
capitalista brasileiro impõe, refletido também
no funcionamento dos seus mercados,
cuja estrutura é concentradora e desigual.
Estas reflexões acompanharam nossas
análises sobre as instituições do PRIME, nas
quais observamos as relações entre elas,
estudamos os seus papéis e interpretamos
os seus discursos antes de adentramos na
implementação do Programa.
A implementação do PRIME na
percepção dos participantes e as
consequências do Programa em
seus projetos de negócio.
Ao
analisarmos
o
processo
de
implementação do PRIME, procuramos
responder às questões suscitadas por Secchi
(2010), relacionadas aos padrões de interação
entre os atores e à correlação de forças
existentes, decorrentes das características
e papéis das instituições participantes,
assim como das regras e atribuições
estabelecidas. A presença de instituições
portadoras de regras formais e informais,
conforme comentou Souza (2006), influencia
o curso das políticas públicas e afetam
atores expostos aos conflitos oriundos das
disputas por poder e por recursos. Na fase
de implementação do Programa investigado,
os dilemas e tensões que acompanharam
essas disputas vieram à tona. Analisamos
a implementação do PRIME a partir das
ARTIGOS INÉDITOS
percepções dos beneficiários do Programa,
que se expressaram em relação aos
processos do PRIME, aos desdobramentos
da contratação de gestores e de consultorias
para seus empreendimentos. De igual forma,
coletamos seus depoimentos acerca do papel
exercido pelo Parque Tecnológico da Paraíba
como instituição gerenciadora do Programa.
Em face do conjunto de depoimentos que
coletamos, verificamos um encadeamento
de problemas que conspiraram contra os
objetivos dessa política pública, revelando
as dificuldades de um tipo de Programa
que poderia ser considerado moderno pelos
que assim definem as políticas nas quais o
Estado não é o protagonista central, mas
partilha sua autoridade com atores não
estatais. Não obstante, o poder hierárquico
esteve presente durante toda a implantação
do Programa, como ficou evidente nas
exigências, controles e punições previstas e
utilizadas pelo PaqtcPB.
A FINEP criou um Programa de
subvenção econômica, visando assegurar
uma renda considerada suficiente para
os empreendedores dedicarem-se aos
negócios por eles concebidos, ao mesmo
tempo em que destinava recursos para
gestores e consultores prestarem serviços
a esses negócios, supondo que o aporte de
conhecimentos desses profissionais seria
fundamental para viabilizar os projetos de
empresas. No entanto, como sustentamos,
a rigidez do sistema de rubrica fechada,
determinando em que deveriam ser gastos
os recursos, mostrou-se uma camisa de
força diante das necessidades específicas
dos empreendedores, tornando-os reféns
de terceiros, que, em sua maioria,
ineficientes ou descomprometidos com
os negócios, se limitaram a fazer um
trabalho de recomendações cosméticas
e genéricas, abocanhando a maior parte
dos recursos do Programa.
2013 JAN/DEZ
27
A comemoração inicial do PaqTcPB com
o grande número de empreendedores
aprovados, num processo seletivo que
envolveu atores e instituições credenciados
para dele participarem, logo se transformaria
em relações tensas com os empreendedores,
ante a evidente fragilidade dos projetos
e as dificuldades de combinar apoio
aos empreendedores com o rigor no
acompanhamento dos recursos liberados.
Sendo uma das instituições que mais
aprovaram projetos para o PRIME, o PaqTcPB
empenhou-se em fazer valer a remuneração
que receberia para gerenciar o Programa
(baseada num percentual sobre o total de
recursos liberados para os empreendedores),
intensificando as cobranças e as exigências.
O nível de controle cresceu à medida que
rumores e fatos concretos apontaram para
um mau uso dos recursos por parte de
diferentes atores. Desvio na utilização da
subvenção, serviços não prestados e pagos,
além de comportamentos oportunistas de
quem só estava interessado em entrar no
Programa para receber dinheiro público não
reembolsável, recrudesceram as relações e
sufocaram os empreendedores que tentavam
levar adiante seus projetos.
Ao escolher “salvar a própria pele”, como
avaliamos, o PaqTcPB priorizou o processo
em vez dos resultados. A preocupação
central passou a ser preservar a imagem da
instituição e garantir o cumprimento “formal”
das exigências do Programa, em detrimento
de relações parceiras e complementares.
A quantidade de documentos e relatórios
exigidos durante a implementação do
Programa, comprovada durante a pesquisa,
demonstra que a burocracia tornouse um fim. Mesmo os empreendedores
bem intencionados não conseguiram
compatibilizar a dinâmica de tentar inserir
um produto no mercado com as demandas
do PaqTcPB por controle. Assim como no
28 JAN/DEZ 2013
caso da política tecnológica mexicana, citado
por Villavicêncio (2001), os empecilhos
burocráticos prejudicaram a implementação
do PRIME. Entretanto, do ponto de vista do
papel fiscalizador e controlador da instituição,
os resultados parecem ter sidos satisfatórios.
O pequeno número de empresas eliminadas
por não atendimento às exigências do
programa (onze) sugere que, sob o ângulo
dos propósitos formalmente contratados, o
esforço burocrático surtiu efeito. Nos arquivos
do PRIME, devem estar guardados grandes
volumes de documentos comprobatórios e
legitimadores dos pagamentos efetuados,
fato não necessariamente determinante do
êxito do Programa ou mesmo de sua total
lisura.
Como inferimos, as condições criadas para
favorecer os negócios dos empreendedores,
propaladas na fase de divulgação do PRIME,
tornaram-se um fardo difícil de carregar para
esses empreendedores. Os comportamentos
e falas dos empreendedores sobre as fases
iniciais do Programa nos indicavam que
os problemas seriam inevitáveis, dada a
gritante inaptidão da maioria para lidar
com empresas. Faltava-lhes experiência,
conhecimento empresarial, tino, intuição
e, em alguns casos, sensatez e boa-fé. Os
relatos sobre como boa parte deles elaborou
o projeto de negócio já evidenciavam isso.
Além do mais, gestores absorvidos por rotinas
administrativas e consultorias ineficientes
e/ou interessadas apenas em embolsar
recursos públicos consumiram a maior parte
da subvenção e pouco acrescentaram aos
negócios embrionários. Some-se a isso a
superdosagem de controle e de pressão
exercida pela instituição gerenciadora sobre
os empreendedores.
Em síntese, os empreendedores do PRIME,
portadores de elevada instrução formal,
principalmente nas áreas de Tecnologia
da Informação e de Engenharia, movidos
ARTIGOS INÉDITOS
por interesses e expectativas variadas,
responderam a uma chamada pública de
um Programa com apelo tentador para
atrair projetos de negócios, cujos conteúdos
deviam basear-se na inovação. A exigência
do componente inovador nos projetos e de
capacidade técnica para formalizá-los, fatores
submetidos a avaliadores qualificados,
implicou na seleção de candidatos, em
geral, vinculados às instituições de ensino
e de pesquisa, membros de uma elite
intelectual à procura de ascensão social e de
emancipação econômica. No entanto, nem a
construção discursiva que norteou o PRIME,
nem seu sofisticado aparato de recursos
objetivos foram suficientes para contradizer
as realidades que se sobrepuseram em cada
caso.
Para averiguar essas realidades, visitamos
os membros desse grupo social, indivíduos
privilegiados da educação e que, tendo
conservado algum laço com instituições
universitárias ou incubadoras de empresas,
deveriam transformar-se, segundo as
expectativas do PRIME, em empreendedores
inovadores, inseridos em mercados rentáveis
e elásticos. No entanto, os depoimentos
desses
potenciais
empreendedores,
coerentes com as observações coletadas
e com os fatos que acompanharam a
implementação do Programa, revelaram uma
realidade de planos interrompidos, negócios
fechados, ideias que não prosperaram ou, no
máximo, empresas que permaneceram em
atividade sem que a sofisticada “engenharia”
do PRIME tivesse feito qualquer diferença.
Não hesitamos em afirmar que uma “avenida
de sonhos quebrados” foi o que restou da
implementação do Programa PRIME, sob
a coordenação do Parque Tecnológico da
Paraíba. O que deveria ser um caminho
para a geração de riquezas que trouxesse
retornos sociais, resultou em desperdícios de
recursos públicos, escoados para candidatos
ARTIGOS INÉDITOS
a empreendedores, empresas privadas e
agentes institucionais intermediários, os
quais não estão obrigados a ressarcimentos
ou retratações.
Considerações finais
Nas sociedades democráticas, é legítimo
que setores empresariais privados disputem
espaços nas decisões de políticas públicas
com o objetivo de reclamar a atenção dos
governos para os seus interesses. O que não
se pode permitir é que o capital econômico
coopte agentes públicos, imprima sua lógica
ao funcionamento do Estado e sequestre
nossa inteligência universitária. Os governos
dispõem de instrumentos variados para
fortalecer segmentos que contribuam para
a geração de emprego e de renda, sem
prejuízos aos cofres públicos, ao meio
ambiente ou à cidadania. O crédito sob
garantias, os benefícios fiscais temporários
em tempos de crise e a equalização das
condições de competição internacional para
os setores a ela expostos constituem-se em
mecanismos de preservação da estrutura
produtiva nacional, cuja defesa deve ser
feita numa atmosfera de consenso social
e como parte de uma estratégia maior de
desenvolvimento, conduzida sob a vigilância
da sociedade.
No caso do empreendedorismo inovador,
os próprios valores que compõem os
conteúdos discursivos dos atores que o
exaltam, contraditoriamente, sugerem que
esse tipo de atividade econômica prescinde
de apoio governamental. No entanto, o caso
PRIME, em discussão, evidencia as apostas
feitas com recursos públicos em projetos
individuais, elaborados por pessoas sem
familiaridade com a atividade empresarial,
que pretenderam – movidas pelos estímulos
2013 JAN/DEZ
29
que receberam e por interesses utilitaristas
ou subjetivos – concretizar o arquétipo do
empreendimento capitalista bem sucedido.
Tal pretensão não deveria ser custeada pelo
Estado. Defendemos que o apoio público
ao empreendedorismo inovador não pode
ser feito via subvenção econômica, o que
transforma a sociedade em doadora de capital
para empreendimentos privados. A esses
empreendimentos, incertos como os demais,
devem estar disponíveis os mecanismos de
apoio oferecidos aos outros empresários, os
quais não implicam na aceitação prévia da
possibilidade de prejuízo aos cofres públicos
como ocorre na subvenção.
Por outro lado, a experiência do PRIME
evidencia que, no atual ambiente econômico
em que os governos retomam um papel
importante na promoção do desenvolvimento,
multiplicam-se as oportunidades para que a
pesquisa acadêmica se some aos esforços que
monitoram a concepção, a implementação e
os desdobramentos de políticas públicas que
estimulam atividades econômicas. Formado
por diversas disciplinas que dialogam entre
si, o estudo das políticas públicas oferece
abundantes estímulos para a criação de
ferramentas, modelos e estratégias de
abordagens que podem contribuir para
o exercício da democracia, lançado luzes
sobre as iniciativas dos agentes que se
articulam para solucionar problemas públicos
relacionados aos processos econômicos.
No contexto brasileiro, propício à repetição
da histórica e à danosa mistura entre
interesses públicos e privados, o estudo
das políticas públicas torna-se imperioso
aos pesquisadores sociais. Ademais, a ação
econômica será sempre a janela através da
qual se pode compreender também a política,
a cultura, as relações, o indivíduo, a estrutura
social, enfim, as múltiplas dimensões do
desenvolvimento e das políticas públicas
escolhidas para alcançá-lo.
30 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
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ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
31
Resumen: El objeto empírico de este trabajo
fue el Programa Primer Empresa Innovadora
(PRIME), una política pública de apoyo al
emprendeduría, iniciada por el gobierno Lula
en 2009. Tratamos de analizar los discursos,
los procesos y las prácticas desarrolladas
durante la implementación del Prime y sus
repercusiones sobre el que hacer de los
empresarios y de las empresas beneficiarias.
Además de la ayuda económica, el Prime
movilizó las instituciones y consultoras que
participaron directamente en los esfuerzos
para ayudar los proyectos seleccionados. Los
procedimientos metodológicos adoptados
fueron: la observación, la investigación de
documentos y las entrevistas con los actores
que participaron en el Programa, como parte
de su implementación bajo la coordinación del
Parque Tecnológico de Paraíba. Los resultados
del estudio mostraron que la aplicación
del Prime estuvo marcada por tensiones,
conflictos, contradicciones y rigidez, lo que
evidenció los errores del Programa y explicó
la ineficacia de este arreglo institucional en el
apoyo a las empresas emergentes.
Résumé: L’objet empirique de ce travail était
d’abord le Programme Première Entreprise
Innovante (PRIME), une politique publique
de soutien à l’entrepreneuriat, lancée par
le gouvernement Lula en 2009. Nous avons
essayé d’analyser les discours, les processus
et les pratiques développées au cours de
l’Implémentation du Prime et ses répercussions
sur les chemins des entrepreneurs et
des prestations de l’entreprise. Outre
la subvention économique, Le Prime a
mobilisé institutionsI et des consultants qui
ont été directement impliqués dans l’effort
pour permettre aux projets sélectionnés.
Les procédures méthodologiques ont été
adoptées: l’observation, la recherche de
documents et des entrevues avec les acteurs
participant au Programme, la part de ses
implémentation sous la coordination du Parc
Technologique de Paraíba. Les résultats de
l’enquête ont montré que le implémentation
du Prime a été marquée par des tensions,
des conflits, des incohérences et rigidité, ce
qui à nu les idées fausses sur le Programme
et explique l’inefficacité de ce dispositif
institutionnel visant à soutenir les entreprises
émergentes.
Palabras clave: Estado, políticas públicas,
emprendeduría.
Mots-clés: Etat,
entrepreneuriat.
politiques
publiques,
Notas
1 Este artigo é parte da tese de doutorado intitulada “Políticas Públicas de Apoio ao Empreendedorismo no Brasil:
uma análise da implementação do Prime pelo Parque Tecnológico da Paraíba”, apresentada no Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
33
Avaliação de programas de inclusão digital: os cursos de formação de
monitores do Acessa São Paulo e o Centro Rural de Inclusão Digital
Evaluation of digital inclusion programs: training courses for monitors
at Acessa Sao Paulo and Rural Center for Digital Inclusion
Evaluación de programas de inclusión digital: los cursos de formación
de monitores del Acessa São Paulo y Centro Rural de Inclusión Digital
L’évaluation des programmes d’inclusion numérique: les cours de
formation des moniteurs d’Acessa São Paulo et du Centre Rural pour
l’Inclusion Numérique
Cátia Regina Muniz*
Resumo: O propósito é discutir, sob uma
perspectiva etnográfica de avaliação, a formação de monitores de dois programas de
inclusão digital, em dois estados brasileiros:
São Paulo e Ceará. Serão apresentados, descritos e analisados cursos de capacitação
dos monitores do Programa Acessa SP e do
Centro Rural de Inclusão Digital (CRID). As
informações sobre o CRID foram coletadas
em estudo realizado pelo Laboratório de Pesquisa Multimeios da Faculdade de Educação
– FACED, da Universidade Federal do Ceará
(UFC). Foi possível perceber, com a análise
dos dados, que a metodologia elaborada
pelos idealizadores do CRID privilegiou a inserção da comunidade no laboratório, articulando tecnologia e necessidades locais. Isto
evidenciou que as ferramentas tecnológicas
podem ser excelentes aliadas ao fomento do
desenvolvimento coletivo; diferentemente
dos postos do Acessa SP que não priorizam o
investimento no treinamento dos monitores,
dada a diversidade dos locais onde foram implantados, tornando difícil a elaboração de
projetos que atendam às demandas das comunidades.
Abstract: The purpose is to discuss, in an
ethnographic evaluation perspective, the
training of two monitors taking part in digital
inclusion programs in two Brazilian states:
Sao Paulo and Ceará. The training courses
for monitors at Acessa SP Program and at
Rural Center for Digital Inclusion (CRID) will
be presented , described and analyzed. Pieces of information about CRID were collected in a study conducted by the Research
Laboratory of Multimedia from Education Faculty (FACED) at Federal University of Ceará
(UFC). The results using data analysis have
proved that the methodology developed by
the creators of CRID focused on the inclusion of the community in the laboratory, thus
associating technology and local needs. This
showed that technological tools can be important elements to the promotion of collective development; this was not the case at
Accessa SP, where investment in the training
of monitors was not a priority, which is explained by the diversity of sites where they
were implanted. As a result, it was difficult
to prepare projects to meet the demands of
communities.
Palavras-chave: formação, inclusão digital, etnografia, avaliação, políticas públicas.
Keywords: education, digital inclusion, ethnography, evaluation, public policy.
* Mestre em Antropologia Social e Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. E-mail: [email protected]
34 JAN/DEZ 2013
Introdução
Os monitores dos programas de inclusão
digital são aqueles considerados pelos estudiosos destas iniciativas como os atores primordiais para o exercício de tais propostas.
Por isso, esses agentes devem estar preparados para desempenhar as funções a eles
delegadas pelos programas, por meio de
cursos de formação.
Neste sentido, Mori (2011) defende
que os telecentros devem promover
atividades de formação para que os
usuários possam desenvolver habilidades
de uso das tecnologias disponíveis nestes
locais. Segundo esta autora: “A estratégia
pode envolver mecanismos de educação à
distância, porém, dificilmente prescinde de
um agente de inclusão digital presencial,
disposto e qualificado a atuar com os
frequentadores para que efetivamente se
apropriem das TICs”. (Mori, 2011, p. 135).
Do mesmo modo, um estudo realizado
nos telecentros comunitários nos Estados
Unidos, denominados Centros Comunitários
de Tecnologia, mostrou a importância
do treinamento das pessoas para que
estas adquirissem habilidades, atitudes
e capacidade de trabalhar com públicos
diferentes para o sucesso de tais telecentros
(Cisler et al., 1999). No manual desenvolvido
pela Rede dos Centros Comunitários de
Tecnologia (CTCNet), com o apoio da National
Science Foundation e do Departamento
Americano de Housing & Urban Development,
consta que:
Nenhum outro fator sozinho é tão
importante para o sucesso de um centro
comunitário de tecnologia quanto a
qualidade do seu pessoal e dos voluntários.
Pessoal qualificado, amigável, solícito
e confiável é essencial para fazer dos
Centros Comunitários de Tecnologias um
lugar para onde as pessoas querem ir, ficar
e retornar. (Community Tecnology Center’
Network, 2003).
ARTIGOS INÉDITOS
Por este motivo, a intenção deste
artigo é apresentar a descrição e análise
realizada acerca dos cursos de capacitação
dos monitores do Programa Acessa SP
e do Centro Rural de Inclusão Digital
(CRID), a partir dos dados da pesquisa
de pós-doutorado1 e também por meio de
informações coletadas durante um estudo
realizado junto ao Laboratório de Pesquisa
Multimeios da Faculdade de Educação –
FACED, da Universidade Federal do Ceará –
UFC, financiada pela CAPES, “Educação do
campo, desenvolvimento e inclusão digital.
Mediações culturais no universo semiárido
cearense”. Esta pesquisa teve por objetivo
formular indicadores socioculturais que
permitissem observar e avaliar em que medida
o uso das tecnologias digitais na educação
estavam contribuindo para a inclusão
sociodigital, bem como para a promoção do
desenvolvimento local. E ainda refletir sobre
quais os impactos que os CRIDs, ambientes
virtuais de aprendizagem instalados em
lugares de acesso público, mantidos sob a
responsabilidade de assentamentos rurais e
mediados pela escola, promoviam nas várias
dimensões da vida social das comunidades
no interior do Ceará, em particular, no
assentamento Santana, localizado no
município de Monsenhor Tabosa.
Baseada
na
experiência
como
pesquisadora,
procurou-se,
no
pósdoutorado, analisar, sob a perspectiva da
avaliação de políticas públicas, a proposta de
inclusão digital do Programa Acessa SP do
Governo do Estado de São Paulo, coordenado
pela Secretaria de Gestão Pública, com gestão
da Companhia de Processamento de Dados
do Estado de São Paulo - Diretoria de Serviços
ao Cidadão (Prodesp), especificamente nos
assentamentos rurais Haroldina, em Mirante
do Paranapanema e Gleba XV, em Rosana,
ambos no Estado de São Paulo, cujo intuito
era desenvolver um estudo comparativo
ARTIGOS INÉDITOS
entre ambas as iniciativas de inclusão digital.
A comparação tornou-se possível, visto que,
além dos programas terem seus postos em
assentamentos rurais, os dois projetos têm
por finalidade proporcionar às pessoas, que
não têm computador e internet em suas
residências, acesso gratuito às tecnologias
de informação e comunicação. No caso dos
assentamentos rurais, esse acesso se torna
fundamental, devido às longas distâncias
entre estes locais e as cidades mais próximas.
A escolha em trabalhar com os
pressupostos da avaliação foi motivada por
Carvalho (1998, p. 92), ao considerar que
a avaliação de programas sociais permite
aferir resultados e impactos na alteração ou
não das condições de vida dos beneficiários,
ou mesmo ao repensar as opções políticas
e programáticas, devido ao incentivo dado
pelo argumento de Silva e Silva (2001, p.
72), informando que “a avaliação de políticas
públicas e programas sociais se utiliza dos
métodos e técnicas próprios da pesquisa
social”. Sendo assim, preferiu-se o método
etnográfico, baseada na experiência obtida
como docente no Mestrado Profissional
em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP),
da Universidade Federal do Ceará, no qual
os coordenadores têm defendido esta
metodologia como ideal para a coleta e análise
dos dados, articulando os procedimentos
de pesquisas quantitativas, (estatística) e
qualitativas (etnografia) (Gussi, Rodrigues, e
Gonçalves, 2006; Gonçalves, 2008b).
Neste sentido, segundo Gussi e
Rodrigues (2010, p. 27), a perspectiva
etnográfica possibilita o conhecimento das
representações, da visão de mundo, do
ponto de vista dos beneficiários e ainda dos
agentes envolvidos em programas sociais,
“do contexto institucional de formulação de
tais programas e de sua execução”. Aliado
a estes argumentos, Warschauer (2006, p.
287) endossa a utilização desta metodologia
2013 JAN/DEZ
35
para entender também a tecnologia, “já
que podem revelar as maneiras pelas quais
a estrutura social, a inovação tecnologia
e o desenvolvimento humano estão
entrelaçados”.
Fundamentada nestes autores, propus
a realização, nos termos de Geertz (1989),
de uma descrição densa2 em que se
consideram os diferentes significados que
os atores acionam publicamente por meio
de uma interpretação da estrutura desses
significados, que torna compreensível a
ação social nos seus diversos contextos .
Desse modo, aliaram-se as perspectivas da
avaliação e da etnografia para tentar decifrar
os significados atribuídos por distintos atores
ao programa de inclusão digital, denominado
Acessa SP, nos assentamentos pesquisados
e perceber se a implantação dos postos
provocou algum tipo de mudança naqueles
locais e/ou na vida dos usuários do Programa.
Neste artigo, especificamente, tratar-se-á
da formação dos monitores/gestores3 das
referidas iniciativas de inclusão digital, algo
considerado fundamental, já que são eles os
responsáveis pelo funcionamento destas.
No processo de desenvolvimento da
pesquisa de pós-doutorado, fui convidada
pelos gestores do Programa Acessa SP a
participar de dois cursos de formação de
monitores: Módulo I, dedicado aos novos
monitores que iriam começar a trabalhar
em postos recém-inaugurados; Módulo II,
curso Rede de Projetos, direcionado àqueles
que já tinham feito o primeiro módulo.
Ambos os módulos tiveram duração de
dois dias. Embora o Módulo I devesse ser
oferecido aos monitores recém-contratados,
existiam alguns que já estavam trabalhando
havia seis meses no Programa e ainda não
tinham realizado a formação básica para
o cumprimento de suas funções. O grupo
inscrito neste módulo era, em sua grande
maioria, composto de jovens entre 20 e 30
36 JAN/DEZ 2013
anos, aproximadamente, em um total de
27 monitores, sendo 60% mulheres e 40%
homens; 90% provenientes do interior do
Estado e 10% da capital. Tais cursos foram
ministrados no final do mês de junho de
2011.
A
instituição
responsável
pela
elaboração e aplicação dos cursos é o
Núcleo de Pesquisa das Novas Tecnologias
de Comunicação Aplicadas à Educação
(NAP) Escola do Futuro4, da USP. O então
coordenador dos cursos de capacitação
de monitores do Programa, Pedro5 – que
assumiu o cargo em março de 2012 e logo
depois foi transferido para a coordenação
de contratos entre esta instituição e o
Programa Acessa SP –, descreveu, em
entrevista, que a capacitação existe desde
2002 e a ideia de cursos modulares surgiu
a partir de um consenso entre os gestores,
por causa do grande conteúdo a ser
ministrado.
Pedro relata também que, no início do
Programa, os gestores trabalhavam nas
dependências da Escola do Futuro/USP, e,
apenas em 2005, ao mudar a administração,
decidiu-se que estes ficariam alocados, à
época, na Imprensa Oficial do Estado, e
hoje na Prodesp. Desse modo, perdeu-se o
trabalho conjunto e com ele o entendimento
das atividades dos pesquisadores do NAP
Escola do Futuro. Por isso, concordaram
em dividir a capacitação em módulos,
como destacado em seu relato:
O Módulo I, que antes a gente chamava
de Introdução à Inclusão Digital, ele
tinha um caráter, quando ele começou...
Era uma coisa menos de gestão, ele era
mais voltado para o monitor entender o
papel dele como monitor, como agente de
inclusão digital, então você não era um
funcionário, seu trabalho é um trabalho
diferente, não é um trabalho comum, tal,
ARTIGOS INÉDITOS
tal, tal... Enfim, um trabalho diferenciado.
Isso quando começou o Módulo I e o
Módulo II, eles tinham esse caráter, esse
papel... Pra ter essa consciência, que
trabalham em rede... Tinham dinâmicas
que fortaleciam isso... A capacitação era
muito trabalho em grupo... Mesmo sendo
só em São Paulo, na época, o interior
tinham três, quatro postos, são poucos os
postos com mais de dez anos, a maioria é
de 2008 pra cá.
Este entrevistado comenta ainda que,
quando havia um número menor de postos
do Acessa SP, o trabalho na capacitação era
mais fácil, pois, ao mesmo tempo em que
existia uma grande quantidade de conteúdo
a ser ensinado, havia um tempo maior,
já que se realizavam seis módulos com
diversos temas.
Para ele, os gestores, ao se afastarem
da NAP Escola do Futuro/USP, perderam a
noção da complexidade que é a capacitação,
tornando-se difícil convencê-los a mudar o
modelo atual, com apenas dois módulos: um
básico, acerca das funções dos monitores;
e outro, sobre a elaboração de projetos.
Desse modo, o conteúdo é único para todos
os monitores, independentemente de seus
postos estarem localizados na capital, no
interior, em regiões centrais ou periféricas,
ou seja, não há conexão entre o conteúdo
ministrado nos cursos de capacitação com a
realidade social ou cultural da comunidade
no qual o posto foi instalado. Na concepção
de Warschauer (2006, p. 270), a relação
entre conteúdo dos cursos e o contexto local
é decisiva “nas iniciativas de fornecer acesso
significativo à tecnologia de informação
e comunicação (TIC), seja em países
desenvolvidos ou em desenvolvimento”.
A seguir, far-se-á a descrição dos cursos
de que participei e, logo após, apresentarei
a formação dos gestores do CRID.
ARTIGOS INÉDITOS
A descrição do curso básico
Módulo I
Atualmente, como citado, há dois módulos
de formação de monitores do Programa com
dezesseis horas/aula cada um, ministrados
em um dos prédios do Parque da Juventude,
antigo complexo penitenciário Carandiru, na
capital.
O conteúdo deste módulo teve como foco
principal apresentar o Programa: os valores,
a missão e a visão do Acessa SP; os números
do Programa; quem são seus gestores; qual
era o papel destes. As respostas foram
encontradas no próprio site do Acessa
SP, socializadas com todos os demais e
comentadas pelos “capacitadores6”, por meio
de pesquisas realizadas pelos monitores nos
computadores e na internet. Os cursos foram
ministrados a partir de aulas expositivas,
com a utilização de vídeos, programa
PowerPoint e os computadores conectados
à internet. Buscava-se assim disponibilizar
aos monitores os dados do programa e de
seus postos de trabalho. Os “capacitadores”
não forneceram nenhum material didático
impresso e observei que nenhum monitor
realizou qualquer tipo de anotação acerca do
conteúdo.
Ao questionar este fato a um dos
“capacitadores”, este reconheceu que a
falta de anotações por parte dos monitores
acaba por gerar uma prática diferente da
teoria, porque muitos esquecem o que foi
apresentado durante os cursos.
Além disso, os monitores não fizeram
muitos questionamentos, somente forneciam
alguns exemplos quando percebiam que já
haviam presenciado alguma das situações
citadas pelos expositores. Por exemplo, no
momento da explicação sobre os valores do
Programa, um dos monitores ressaltou que
2013 JAN/DEZ
37
eles devem trabalhar com comprometimento,
ou seja, “devem vestir a camisa” do Programa,
acrescentando que não devem se acomodar
diante dos problemas que aparecerem. As
dificuldades técnicas devem ser sanadas
com o auxílio da equipe da Prodesp, sem
que haja o fechamento do Posto, como
acontecem em alguns casos mencionados
por eles no curso. No entanto, em nenhum
momento se comentou sobre o significado
de inclusão digital elaborada pelo Programa,
conceito fundamental para o entendimento
deste.
Os “capacitadores” sublinharam o papel
dos monitores, que é mostrar às pessoas que
há serviços a serem acessados na internet,
os quais podem facilitar a vida deles, tais
como segunda via de contas de luz, telefone,
inscrição para a confecção do Cadastro
de Pessoa Física (CPF), cadastro da Nota
Fiscal Paulista, entre outros. Dessa forma,
não precisam ir até o órgão responsável
para conseguir esses documentos. Estes
“capacitadores” afirmaram também que
é trabalho dos monitores fazer com que
os postos do Acessa SP deixem de serem
vistos como uma lan house gratuita, apenas
para comunicação e diversão, compreensão
esta compartilhada por alguns usuários
entrevistados na pesquisa de pós-doutorado.
Assim que os grupos de monitores
apresentaram os dados sobre o Programa,
um dos coordenadores do Acessa SP mostrou
que, em onze anos de existência, foram
realizados 55 milhões de atendimentos,
em um total de 2.205.992 de pessoas
cadastradas, em 627 postos do Acessa SP
em funcionamento (há outros 53 postos
em implantação). Estes números são muito
relativos, já que contabilizam aqueles
que se dirigem até o posto para imprimir
um documento exigido, por exemplo, no
atendimento do Poupatempo, e nunca
mais retornam. A intenção de revelar estes
38 JAN/DEZ 2013
dados, no meu entendimento, foi enfatizar a
importância do programa para o Estado de
São Paulo e a responsabilidade dos monitores
em manterem, ou mesmo ampliarem, esses
números. Desse modo, o foco se restringiu
aos números, e não à qualidade, nem ao tipo
de atendimento realizado nos postos.
Os dados fornecidos mostraram também
que, desde o ano 2000, o Programa foi
implementado em 535 municípios, tendo um
total de 1.161 monitores.
Um dos gestores do Programa, que
ministrava aquele curso, ressaltou que os
postos do Acessa SP são locais de convívio,
cidadania, informação, aprendizado e
conhecimento. Esse ambiente deve ser
construído pelos monitores, ou seja, um
ambiente que as pessoas tenham vontade de
frequentar, descobrindo coisas interessantes
que possam ser utilizadas, ou seja, objetivos
muito semelhantes aos mencionados pela
Community Tecnology Center Network
(2003), citado acima.
O gestor sublinhou ainda o papel
dos gestores como a principal fonte de
comunicação entre a coordenação do
Programa, os monitores e os parceiros, que,
neste caso, são as prefeituras municipais e
os órgãos estaduais. A partir do momento
em que há a manifestação do interesse dos
parceiros em ter um Posto do Acessa SP, os
gestores devem ir até o local reservado para
a instalação dos móveis e das máquinas,
com o intuito de realizar a vistoria e dar,
ou não, continuidade ao processo de
implantação do posto. A função dos gestores
é também cobrar resultados de todos os
Postos e auxiliar os monitores na resolução
de problemas técnicos.
Neste curso, houve uma ênfase dos
“capacitadores” na opção feita pela Prodesp
em utilizar a plataforma LINUX, software
livre7, e não o Windows nos computadores
dos Postos, visto que isso gera grande
economia devido ao não pagamento de
licenças para empresas privadas.
ARTIGOS INÉDITOS
A Prodesp modificou a versão original
do LINUX para torná-lo mais simples de
usar e mais parecido com o Windows,
isto é, mudaram a interface do sistema
para que seus usuários conseguissem
manuseá-lo sem dificuldades, visto que é
um sistema operacional de código aberto e
no qual se podem realizar as modificações
necessárias. Com o Windows, isto não seria
possível, porque seu sistema é fechado, não
permitindo alterações.
Para demonstrar como é fácil e
simples trabalhar na plataforma LINUX, o
“capacitador” solicitou aos monitores que
pesquisassem o que era rede, utilizando
internet e o editor de texto do LINUX, como
se pode observar na figura abaixo:
Figura 1. Plataforma Linux
Fonte: Autora
O conteúdo ministrado enfatizou que o
Programa Acessa SP não faz restrições em
relação à idade do usuário para o acesso,
apenas algumas exigências: de zero – embora
saibam que crianças sem alfabetização não
irão frequentar os postos; porém, querem
demonstrar que não há preconceito quanto
à idade dos usuários – até onze anos,
precisam do acompanhamento dos pais ou
responsáveis legais; de onze até dezoito
anos, o cadastro deve ser realizado na
ARTIGOS INÉDITOS
presença dos pais ou responsáveis legais,
ou pode-se levar o cadastro para que os
responsáveis assinem.
Os responsáveis pelo curso afirmaram que
a gestão do Posto do Acessa SP deve ser feita
pelos monitores e que para isso há cursos
à distância para continuar capacitando-os.
Objetiva-se assim que haja uma formação
continuada. A justificativa dada por eles,
para ministrarem tais cursos por meio da
internet, foi a inviabilidade do deslocamento
de muitos monitores a São Paulo, devido
à distância e em decorrência da falta de
financiamento. Os cursos de Educação à
Distância para monitores são: acessibilidade;
governo eletrônico; pesquisa na internet e
navegação segura.
Murray et al. (2001) descreveram que
tais cursos à distância podem apresentar
dificuldades
para
aquelas
pessoas
acostumadas apenas com o aprendizado
tradicional de sala de aula. Este fato foi
comprovado na demonstração dos números
dos monitores que estavam realizando o
curso, pois estes já tinham feito um dos
módulos à distância do Portal do Programa,
que, à época, era de apenas 10% do total.
Por este motivo, os “capacitadores” pediram
que todos se inscrevessem em um dos
cursos e prometessem concluí-lo o mais
rápido possível. Inclusive, foi solicitado à
coordenadora dos cursos que enviasse uma
mensagem eletrônica lembrando isso aos
monitores que se inscreveram.
Um dos motivos do desinteresse dos
monitores por tais cursos, informados nas
entrevistas e mensagens eletrônicas trocadas
entre eles, é a falta de comprometimento
de alguns deles com o Programa, por causa
do contrato realizado com os parceiros,
que, na maioria dos casos, é temporário.
Nestes casos, não há estímulos para que
2013 JAN/DEZ
39
os monitores prossigam com a formação
fornecida pela NAP Escola do Futuro, pois
não sabem quanto tempo permanecerão
em suas respectivas funções. Além disso, há
aqueles que não têm tempo para a realização
dos cursos, devido ao grande número de
atendimento aos usuários diariamente.
Existe também a questão de disponibilizarem
somente quatro cursos à distância, os quais
podem não atender às necessidades do
cotidiano de trabalho de todos os monitores
do Programa.
Há ainda monitores que preferem cursos
presenciais, como uma das monitoras do
assentamento Haroldina, porque podem
esclarecer as dúvidas pessoalmente.
Neste sentido, Warschauer (2006, p. 202)
acrescenta que, em várias circunstâncias,
a comunicação face a face é superior à
comunicação online:
O rico ambiente humano e físico permite
que os estudantes acompanhem de
melhor modo o que o professor está
dizendo, e permite que o professor avalie
rapidamente a maneira pela qual os alunos
estão seguindo a apresentação e, assim,
faça ajustes imediatos para esclarecer uma
questão.
Este autor destaca que a economia dos
cursos online tem sido usada como argumento
por diversos administradores universitários
para expandir a educação à distância, visto
que podem aumentar a quantidade de
alunos por professor e reutilizar o material
disponível pela internet várias vezes. No
caso do Acessa SP, os custos também foram
a justificativa dada pelos “capacitadores” e
o gerente do Programa para optarem pelos
cursos em EaD, já que reflete diretamente
em diminuição dos gastos públicos. Segundo
este gerente, o Acessa SP continuará
investindo nos cursos à distância, que, além
40 JAN/DEZ 2013
de redução dos custos, proporciona aos
monitores a inserção no processo educativo
por meio do computador e internet.
Com a finalidade de compreender melhor
que tipo de informações há nestes cursos,
realizei o módulo denominado “Pesquisa na
Internet” e pude perceber que existe um
conteúdo útil para os monitores; entretanto,
estes devem programar seu tempo para
desempenhar as tarefas solicitadas e,
principalmente, assistir aos vídeos, tendo
em vista a baixa velocidade da conexão,
que atualmente é 512kbps, o que interfere
na execução desta atividade. Em um posto
muito movimentado, dificilmente eles
encontrarão tempo, como salientaram vários
monitores naquela capacitação. As dúvidas,
se houver, serão sanadas apenas por meio de
salas de bate-papo, por meio do MSN, o que
talvez desestimule o monitor, pois precisará
interromper suas atividades, entrar no MSN,
sanar suas dúvidas e voltar.
Babin e Koulouumdjian (1989), assim
como Lima Jr, Hetkowski, Borges e Cordeiro
(2008), mostram que as questões de
aprendizado são também culturais, por isso
uma formação, como as propostas pelos
cursos de EaD, que privilegiam o ensino
a partir da vivência do novo, acaba por
criar tensões entre o modo “tradicional”
de viver e pensar, e as “novas” formas de
praticar a educação na sociedade atual,
revelando a importância de se refletir sobre
o contexto social em que vivem as pessoas
que realizarão este tipo de curso. Assim,
embora a EaD se justifique por causa da
redução dos custos deste tipo de atividade,
os cursos devem ser repensados, levandose em conta a especificidade dos locais,
nos quais os Postos são instalados. Desse
modo, os conteúdos devem também estar
atrelados ao atendimento das necessidades
ARTIGOS INÉDITOS
particulares dos monitores, em seu cotidiano
de trabalho.
Os outros dois dias foram reservados ao
curso denominado “Rede de Projetos”.
O Curso “Rede de Projetos”
Este curso destina-se aos monitores
que já realizaram o Módulo I, como citado
anteriormente. No curso de que participei,
havia cinco monitores, sendo um de um
posto da capital paulista e os demais de
cidades do interior: dois do município de
Guará e dois de Estiva Gerbi.
De acordo com o “capacitadores”, o
propósito da Rede de Projetos é fazer com
que os monitores sejam preparados para
produzir um projeto, a ser aplicado em
seus respectivos postos, pois consideram
que o Acessa SP não tem como finalidade
apenas o acesso à internet, mas também
a construção, por meio de projetos,
de um ambiente de aprendizado e de
transformação dos cidadãos. Isto significa
dizer que o Programa tem encarado
esta atividade como uma forma de se
diferenciar de outras iniciativas que
fornecem aos usuários somente o acesso
às TICs. Por isso, os responsáveis pelo
Acessa SP passaram a insistir com os
monitores na execução de projetos que
possam, de alguma maneira, contribuir
“para a produção de conhecimento ou
transformações nas condições de vida
dessas pessoas”.
Para isto, os responsáveis pela
capacitação argumentaram que o projeto
deveria ser pensado, baseado na realidade
dos postos em que trabalhavam. Por este
motivo, a primeira atividade consistiu
ARTIGOS INÉDITOS
em destacar a realidade local, citando as
principais atividades desenvolvidas em
seus respectivos municípios. No entanto,
como se mostrará abaixo, pouco se falou
do planejamento do tempo para sua
produção e execução.
Os “capacitadores” acrescentaram que
a Rede de Projetos serve para dar suporte
ao desenvolvimento comunitário dando:
a) acesso à informação;
b) participação nas redes sociais;
c) colaboração em rede;
d) apropriação da tecnologia.
Dessa forma, de acordo com estes
expositores, a Rede de Projetos funciona
por cooperação e colaboração, sendo que
o alicerce é a “vontade dos monitores
em elaborar projetos”. Neste caso, os
monitores podem reservar até 30% do
horário de trabalho, em torno de doze
horas semanais, para o desenvolvimento
dos projetos.
A ideia do curso era estimular
ainda a parceria entre os monitores e
a comunidade local, em particular, o
poder público, os comerciantes e os
empresários, para que estes financiassem
os projetos, diminuindo assim os gastos
do Programa.
Esta proposta é bem
interessante e mostra um avanço em
relação à pesquisa de Abrucio (2005), em
que um dos desafios encontrados para
melhorar a gestão pública era exatamente
a necessidade de juntar municípios e
secretarias estaduais cooperativamente
aos consórcios, parcerias ou similares, na
tentativa da manutenção de iniciativas de
políticas públicas.
Com a finalidade de incentivar a
elaboração de projetos pelos monitores,
foram exibidos vídeos, com o recurso de
projetor multimídia datashow, de projetos
2013 JAN/DEZ
41
considerados modelo e que receberam
prêmios, concedidos anualmente pela
Secretaria de Gestão Pública e da Prodesp,
podendo se inscrever todos os monitores
que desenvolvem projetos em seus postos.
Conforme os “capacitadores”, os
monitores podem utilizar os projetos
já implementados como referência ou
usá-los na íntegra, desde que atenda às
necessidades das pessoas que frequentam
os postos em que trabalham. Os referidos
projetos se encontram no Portal do Acessa
SP para que todos possam conhecê-los,
monitores ou não.
Para Murray et al. (2001), a observação
de trabalhos e projetos realizados pelos
colegas pode, por uma lado, possibilitar o
aprendizado de habilidades que não estão
disponíveis em cursos de capacitação,
mas, por outro lado, pode proporcionar
que, no caso de os colegas cometerem
erros, estes sejam replicados. Além
disso, na maioria dos casos, os autores
dos projetos não estão presentes para
explicarem suas atividades de forma a
esclarecer as dúvidas que surgem.
Como mostraram os “capacitadores”,
tais projetos foram elaborados a partir
das percepções dos monitores sobre as
necessidades dos usuários, tornado-se
complicado replicá-los, pois se concorda
com Lima Jr, Miranda e Hetkowski (2008)
que cada espaço de inclusão digital possui
sua especificidade, visto que contém
elementos sociais, culturais, econômicos
e políticos que lhe são próprios, por isso
os projetos precisam atentar para essas
particularidades no momento de sua
elaboração e execução.
Mesmo afirmando que os monitores
podem implantar projetos elaborados por
seus colegas, os “capacitadores” partem
42 JAN/DEZ 2013
da ideia da singularidade, ao sugerirem
que estes devem partir das seguintes
questões:
1)o que é o seu projeto? (curso,
palestra, oficina);
2)por que fazer este projeto?;
3)como fazer o projeto?;
4)com quem realizar o projeto?
(parcerias);
5)para quem o projeto será realizado?;
6)quando ocorrerá o projeto? (dias e
horários da semana).
Estas perguntas demonstram que o
monitor não pode simplesmente entrar na
página do Acessa SP, escolher um projeto
e aplicá-lo, porque cada posto terá uma
necessidade que pode ser bem diferente
da dos outros.
Com a intenção de auxiliar os
monitores a pensarem em um projeto,
os “capacitadores” informaram que, no
portal do Programa, existe a pesquisa
Ponline (avaliação do programa a partir
de questionários online aplicados aos
usuários dos Postos). Esta informa o
perfil dos usuários de todos os postos, a
idade e o sexo destes, entre outros itens.
Sublinhe-se que esta pesquisa poderia
auxiliar os monitores a verificar o de que
os usuários necessitam em seus postos.
Assim, ao término desse dia de atividades,
os monitores puderam elaborar seus
projetos e os incluíram junto aos outros
que se encontram na página da Rede de
Projetos do Portal do Acessa SP.
No segundo dia do curso “Rede
de Projetos”, os “capacitadores” se
restringiram em explorar mais os
projetos elaborados e desenvolvidos
por monitores, como um exemplo a ser
seguido pelos demais.
ARTIGOS INÉDITOS
No final de ambos os cursos, houve
uma avaliação na qual os monitores
conceituaram tanto o conteúdo, quanto a
forma pela qual eles foram transmitidos.
A avaliação foi positiva, não se
registrando nenhuma crítica. As monitoras
entrevistadas nos assentamentos em São
Paulo também elogiaram os cursos, não
emitindo opiniões negativas.
Balboni (2007), no entanto, ao
entrevistar uma monitora do Acessa SP
da cidade de Piracicaba, conseguiu uma
visão bem diferente da exposta pelos
monitores nos cursos de que participei.
Na interpretação desta monitora, a nova
gestão do programa tem a finalidade de
transformá-los em “agentes políticos”,
pois esta entendeu que a sugestão da
interação entre os postos e a comunidade
local, por intermédio dos monitores, seria
uma maneira de dar maior visibilidade ao
Programa junto à comunidade. Isso, de
certa forma, constituiria uma propaganda
do governo do Estado. A referida monitora
considera que esta deva ser uma tarefa
para os políticos, e não para os monitores.
Este relato revela que o conteúdo
dos cursos de capacitação pode ter
inúmeras interpretações, por isso se
considera de fundamental importância o
acompanhamento da prática dos monitores
em seus locais de trabalho, para auxiliálos em suas dúvidas e demandas.
Abaixo teremos a descrição de como se
deu a formação dos gestores do CRID.
A formação dos gestores do CRID
Diferentemente da proposta do Acessa
SP, que foi idealizada pelo governo do Estado
ARTIGOS INÉDITOS
de São Paulo, o CRID foi formulado por
professores e pesquisadores do Laboratório
de Pesquisa Multimeios da FACED/UFC.
Esta iniciativa se baseou em ideias de
inclusão digital com a participação da
comunidade, partindo do reconhecimento
das necessidades dos moradores dos
assentamentos rurais, garantindo-lhes assim
apropriação e autogestão do laboratório de
informática. De acordo com os idealizadores
do referido projeto, este tem por finalidade
o incentivo ao desenvolvimento e autonomia
das comunidades em que os CRIDs estão
inseridos.
A equipe do Laboratório de Pesquisa
Multimeios realizou formações de jovens
locais para a manutenção do CRID, o que é
essencial para os telecentros comunitários,
cuja intenção é a autossustentabilidade e a
autonomia administrativa (Laipelt, 2003). Ao
recrutarem pessoas da própria comunidade
para o trabalho nestes locais, estas se
tornam multiplicadores da experiência e
aprendizagem adquirida nos cursos de
formação.
No caso do Acessa SP, os monitores são
nomeados pela prefeitura da cidade na qual
está instalado o posto, sendo geralmente
funcionários da gestão municipal. Este fato
tem trazido problemas para o programa,
pois muitos deles têm contrato temporário,
e não demonstram comprometimento com o
Programa, como citado acima.
A formação dos gestores do CRID
pretendeu preparar equipes de pessoas para
que assumissem as funções administrativas
do laboratório de informática junto à sua
comunidade rural para auxiliar e favorecer
o processo de inclusão digital neste âmbito,
bem como estabelecer uma manutenção
preventiva e corretiva de equipamentos
computacionais (hardware e software).
2013 JAN/DEZ
43
A equipe do Multimeios da UFC partiu
do pressuposto de que a inclusão digital no
meio rural seria mais bem compreendida se
fosse aliada a um processo de formação em
gestão na área de informática educativa. Por
este motivo, pesquisadores e participantes
interagiram em todas as ações desenvolvidas
no CRID. Desse modo, foram realizados
estudos preliminares e análises necessárias
à criação do laboratório e formação dos
bolsistas formadores que iriam atuar na
comunidade rural selecionada. Nesta etapa,
foram definidos os papéis de cada membro do
grupo, decididas as estratégias de formação
e ação, elaboração e participação de
seminários, minicursos e estudos referentes
aos assuntos abordados em todo o projeto.
De acordo com relatos dos pesquisadores
deste Laboratório, envolvidos no projeto, a
implantação do CRID durou mais ou menos
três meses, e, ao seu término, “a equipe
viabilizou o acesso de crianças, jovens e
adultos à ‘cultura digital’ assim como à rede
de informações, capacitação e serviços”.
Ao entrevistar os gestores do CRID em
2009, no assentamento Santana, no município
de Monsenhor Tabosa (CE), estes relataram
que a maioria deles faz parte de pastorais,
grupo de jovens, atividades organizativas,
coordenação de corte e costura e dança.
Um deles conseguiu emprego na Câmara
Municipal devido à formação do CRID, ou
seja, é “fruto dele”.
Estes entrevistados descreveram a
formação que tiveram como um trabalho
voluntário, porém com um rico ganho em
aprendizagem. A seleção dos gestores
seguia os seguintes critérios: filho de
assentado, bom desempenho escolar,
disponibilidade de horário, interesse e idade
superior a doze anos.
Citaram também que, ao término da
formação, realizaram uma festa, que
44 JAN/DEZ 2013
denominaram de “batizado”, com entrega
de uniforme e confraternização com a
equipe do Laboratório Multimeios. Os
gestores participaram de todo o processo
de montagem, organização, gestão e
manutenção do laboratório, cujo intuito foi
capacitar tais jovens para resolver qualquer
problema sem a necessidade de intervenção
da equipe da UFC, ou seja, proporcionar-lhes
autonomia, por isso o CRID foi construído
coletivamente.
Os gestores enfatizaram ainda que o
interesse de alguns jovens era manifestado
no tempo dedicado ao aprendizado, que
chegava a ser de dezesseis horas por
dia, com a intenção de aprimorarem os
conhecimentos sobre a “novas” tecnologias,
isto é, aprenderem a “caminhar com as
próprias pernas”.
Nas entrevistas, destacaram que já foram
formadas quatro novas turmas de gestores
que tiveram como formadores os gestores
da primeira turma. O processo seletivo se
baseou na inserção daqueles que, à época,
não puderam participar devido à faixa
etária e que tinham interesse em trabalhar
voluntariamente no laboratório. Dessa forma,
iniciaram o processo de multiplicação do
conhecimento localmente, como enfatizou
Laipelt (2003) acima. Com isso, acham que
irão “cada vez mais longe”.
Segundo a diretora da escola do
assentamento (2009), as mudanças de
gestores ocorreram devido a alguns deles
terem se casado, particularmente as
mulheres. Com a chegada de filhos, não
puderam mais exercer suas funções, como
mostra o seguinte relato:
A gente começou com uma quantidade
de gestores e foram diminuindo, devido
alguns casaram, a partir do momento que
formam família, têm criança pequena e não
ARTIGOS INÉDITOS
dá para trabalhar, por isso já foram feitas
quatro formações: colocam os gestores
em três meses de experiência, aí veem
aqueles que mais se interessaram daqueles
que foram inscritos, ficam em experiência
e se derem “conta do recado” tornam-se
gestores. Procuramos sempre manter um
número de gestores considerado suficiente
para o atendimento dos usuários.
Esta diretora descreveu ainda a
participação dela e dos professores nas
oficinas oferecidas pelos pesquisadores
do Laboratório Multimeios, assim como as
dificuldades encontradas no início do projeto,
por causa do desconhecimento no uso do
computador:
No início não achamos que seria possível,
pois a gente não estava acostumada
a lidar com os equipamentos, com as
máquinas. Mas depois que tivemos as
oficinas, ficou mais fácil. O pessoal da
UFC, do Multimeios, veio aqui, realizou as
oficinas com a gente, com os educadores
e também com os educandos... Então,
quando tinha qualquer dificuldade, era só
acessar a internet que a gente conseguia...
Nós educadores tivemos várias oficinas
(com o pessoal do Multimeios): as oficinas
consistiam em ensinar como conseguir
o material que a gente precisava para
utilizar em sala de aula, e também jogos
educativos e nas pesquisas. A gente levava
os alunos ao laboratório com determinado
tema a ser pesquisado e depois socializava
com toda a sala de aula.
Após
a
formação,
os
gestores
estabeleceram uma rotina para o laboratório,
descrita por um deles (2009):
No início a ideia era não dar o peixe pescado,
mas ensinar a pescar, ao longo do tempo,
demos uma aprimorada. A gente achava
que não devia nem dar o peixe pescado,
nem ensinar a pescar, e sim revolucionar
a comunidade pesqueira, ou seja, a gente
não queria que os usuários fossem ao
laboratório apenas buscar informações,
mas conversar com os gestores para que
a tecnologia se adequasse à realidade
e necessidade local. A proposta é, por
meio de questionamentos, procurar que
ARTIGOS INÉDITOS
busquem, aprendam, sejam motivados,
tenham curiosidade.
Neste
sentido,
aperfeiçoaram
a
metodologia a partir do cotidiano do
laboratório, das experiências com os usuários
e da realidade local, diferente da proposta
do Acessa SP, cujo conteúdo ministrado
nos cursos de capacitação é único, sem
as devidas distinções para as diferentes
realidades nas quais estão instalados os
postos do Programa.
A metodologia de atendimento ao
usuário, ensinada pela equipe do Laboratório
Multimeios, refere-se à “ideia da mão no
bolso”, ou seja, se baseava na interpretação
de que, em vez de mostrar ao usuário que tipo
de informação buscar na internet, se deveria
estimulá-lo a ter autonomia para utilizar a
máquina. Neste caso, a função dos gestores
era apenas de orientação, solução de dúvidas
e ajuda básica na utilização da máquina e
da internet. Contudo, uma das propostas
do laboratório era o estímulo à busca do
conhecimento. Por este motivo, o usuário
deveria reservar, pelo menos dez minutos,
para a consulta de endereços eletrônicos de
jornais e revistas com conteúdo informativo.
Conforme os relatos dos gestores,
os usuários, ao irem ao laboratório,
precisavam ser objetivos, tinham que
saber o que iam fazer. O papel do gestor
era dar-lhes orientação de como procurar
novas informações, privilegiando a visão
educativa e social, fundamental na
concepção dos idealizadores do CRID, para
associar o conhecimento obtido na internet
com a realidade local, possibilitando o
desenvolvimento de um senso crítico. Para
um dos gestores entrevistados (2009):
Na metodologia utilizada o usuário não é
simplesmente “um robô”, isto é, senta na
2013 JAN/DEZ
45
máquina, obtém informações e as guarda
apenas para si dependendo sempre só da
máquina, não aprendendo a compartilhar
o que aprendeu. Inicialmente a pessoa
tem que fazer uma pesquisa, olhar o jornal
de sua preferência e depois socializar as
informações coletadas. A socialização é a
maneira que os usuários não se tornam
“robôs”, um incentivo ao convívio social.
Este relato evidencia que a intenção
do laboratório de informática era também
construir conhecimento coletivamente.
Os idealizadores do CRID elaboraram dez
regras de comportamento aos usuários do
laboratório e que estão afixadas de forma
bem visível logo na entrada: 1) respeitar,
sobretudo, as normas e os gestores do
CRID; 2) não comer nem beber dentro do
laboratório; 3) não fumar nas proximidades
do laboratório; 4) manter silêncio; 5) proibido
site de jogos que influenciem violência; 6)
ler jornal; 7) zelar pelos equipamentos; 8)
respeitar o horário; 9) vir com as mãos limpas
e roupas adequadas; 10) não permitido
acesso às denominadas redes sociais para
menores de 16 anos. Caso os usuários
desrespeitem algumas dessas regras, serão
penalizados com a suspensão do uso das
máquinas por uma semana; se reincidirem,
o prazo da suspensão será de um mês. Os
usuários podem utilizar os computadores
e a internet por um período de uma hora,
podendo esse horário ser renovado caso não
haja alguém a esperar.
Neste sentido, os gestores do CRID e
os professores do assentamento Santana
citaram em suas entrevistas que têm
conseguido articular o uso da internet
com as necessidades locais, utilizando a
rede mundial de computadores como uma
ferramenta educativa para estimular os
alunos a participarem do laboratório. Dessa
maneira, criou-se um vínculo entre escola e
46 JAN/DEZ 2013
CRID, mencionado por uma das professoras
deste assentamento:
A gente sente a interação entre a escola
e o assentamento, a partir do laboratório.
Existe um elo entre a educação, a educação
digital e o assentamento, porque tem a
rádio-escola que trabalha em comum com
a escola. Por exemplo: surge a necessidade
de falar sobre meio ambiente, é trabalhado
esse tema em sala de aula, trabalhado no
laboratório através de pesquisa, e essas
informações são transmitidas para todo o
assentamento pela rádio, desenvolvendo o
aspecto comunicativo do educando, pois
ele tá falando para seu pai o conteúdo
que ele trabalhou em sala de aula. Para
aqueles pais que não podem acompanhar
o processo formativo do seu filho, através
da rádio-escola e da informação obtida no
laboratório, pode estar compartilhando e
mostrando que adquiriu conhecimento
através da internet.
A relação entre CRID e escola tem
também como finalidade, de acordo com as
informações coletadas, buscar informações
para aprimorar seus conhecimentos a partir
de pesquisas sobre os mais variados temas
estudados em sala de aula, tais como: o
projeto denominado “saboreando as delícias
do campo”, no qual os alunos do 4.º e 5.º
ano do ensino fundamental pesquisam várias
receitas; a busca na internet da origem do
bumba meu boi; a origem do dia das mães e
dos pais, isto é, várias datas comemorativas
para serem apresentadas não só aos alunos
como a toda comunidade.
Nos postos do Acessa SP pesquisados,
ainda não foram elaborados projetos
comunitários, embora sejam enfatizados
no curso “Rede de Projetos” e seja uma
recomendação dos administradores do
Programa.
Para complementar as informações
acerca da qualificação dos monitores em
telecentros, destacam-se abaixo outras
experiências de formação.
ARTIGOS INÉDITOS
Outras experiências de formação
de monitores de telecentros
Laipelt et al. (2003) cita um projeto
elaborado
pela
Secretaria
Municipal
de Educação (SEMED) de Porto Alegre
(RS), denominado Projeto Telecentros
Comunitários de Porto Alegre, que foi
implantado em 2001. Estes autores afirmam
que:
[...] a visão de telecentros proposta pela
SMED ao Grupo de Trabalho (GT) tem sido
mais ampla do que simplesmente disponibilizar computadores com acesso à Internet. Tem se buscado utilizar métodos
construtivistas na capacitação dos monitores e demais usuários, considerado ponto
fundamental para que a capacitação seja
eficaz, e que eles possam usufruir plenamente das TICs disponíveis. (Laipelt et al.,
2003, p. 11).
Assim como no Programa Acessa SP,
que tem a NAP Escola do Futuro da USP
como parceiro nos cursos de qualificação
dos monitores, no caso do Programa acima
citado, os responsáveis pelo planejamento
e execução de grande parte do projeto de
qualificação é o Departamento de Ciências
da Informação, representado pelo Grupo
de Educação à Distância, ECHOS, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Conforme Laipelt et al. (2003),
este grupo foi convidado a participar do
programa de qualificação, por causa da sua
experiência na formação e aplicação das
TICs no ensino, pesquisa e extensão, não só
em cursos presenciais como à distância.
O curso elaborado pelo grupo ECHOS teve
como intuito:
a) possibilitar a aplicação de ferramentas
de TICs; b) propiciar uma melhor gestão
dos telecentros; c) promover as relações
entre comunidades e telecentros; e d)
possibilitar o armazenamento, recuperação
e geração de informações de interesse
comunitário. (Laipelt et al., 2003, p. 12).
ARTIGOS INÉDITOS
Os autores sublinham que a metodologia
aplicada no curso se baseou nas ideias
propostas por Reinhard e Macadar (2002, p.
10), cujo objetivo era:
[...] usar uma metodologia construtivista e
interativa, para preparar cidadãos e cidadãs
para uma sociedade democrática. Ou seja,
a ideia é de que através da disponibilização
das TICs elas mesmas possam elaborar e
distribuir conteúdos com significância para
sua própria comunidade. E esse resultado
final, apesar de mais moroso e de difícil
quantificação, parece ser improvável que
possa ser alcançado através de cursos de
informática normalmente ofertados pelo
mercado.
Diferente do curso proporcionado pelo
Programa Acessa SP aos seus monitores, que
se divide em dois módulos com 16 horas/
aula cada um, o curso elaborado pelo grupo
ECHOS foi dividido em três módulos com 40
horas/aula. O conteúdo e os módulos são
descritos pelos autores:
a) No primeiro módulo, Gestão de Serviços
para a Qualidade, foram abordados os
tópicos: a) cidadania e informação: aspectos
legais, éticos e sociais; b) habilidades para
o atendimento ao usuário; c) organização
das atividades do telecentro baseada na
realidade local e em outras experiências;
d) elaboração de regulamentos, controles
e arquivamento de informações. No
módulo 2, que tratou da Informação em
Rede, os conteúdos abordados foram:
a) identificação das necessidades de
informação da comunidade; b) fontes
disponíveis em rede e nas bibliotecas
locais para o atendimento às necessidades
de informação; c) recuperação e uso de
informações de interesse comunitário
ou do cidadão; d) critérios de avaliação
da qualidade da informação recuperada
em rede. Já no módulo 3, que tratou da
Produção de Conteúdos Informacionais,
os temas versaram sobre: a) geração de
documentos eletrônicos para a organização
de conteúdos de interesse local; b)
disponibilização em rede dos conteúdos de
informação de interesse local; c) geração
e organização de conteúdos de interesse
local; d) integração com a comunidade
através da ação cultural. (Laipelt et al.,
2003, p. 12-13).
2013 JAN/DEZ
47
Com a finalidade de auxiliar os monitores
a identificar as necessidades de informação
da comunidade em torno do telecentro, estes
foram orientados por professores envolvidos
no curso a realizarem uma entrevista com os
moradores, usuários ou não dos telecentros,
utilizando um roteiro produzido durante o
curso. Após as entrevistas, os monitores,
juntamente com os professores, analisaram
as respostas obtidas e, baseados nos dados
coletados, puderam elaborar um projeto8
que suprisse as necessidades da comunidade
referentes à utilização das TICs nos
telecentros. Desta forma, todo o processo de
pesquisa dos dados e produção dos projetos,
que seria desenvolvido nos telecentros pelos
monitores, foi orientado e acompanhado
de perto pelos professores participantes do
curso de “qualificação” (Laipelt et al., 2003,
p. 14).
A
referência
a
estas
atividades
desenvolvidas pelos monitores de Porto
Alegre evidencia a diferença do curso
denominado “Rede de Projetos”, no qual
os próprios monitores têm que realizar a
mesma atividade, porém sem a orientação de
professores ou dos próprios “capacitadores”.
A justificativa dada pelos “capacitadores”,
gestores e coordenadores do Programa
Acessa SP é que preferem que os monitores,
e não acadêmicos, produzam os projetos,
pois estes conhecem a realidade em que
trabalham, sabem do que precisam as
pessoas que vão até. Contudo, não citaram
a redução de custos com esta estratégia
e, principalmente, as dificuldades que os
monitores encontrariam ao tentar praticar o
que lhes foi ensinado no curso.
Outro programa de formação de monitores
citado por Leal e Brant (2012) refere-se
ao curso de Formação Gesac, integrado à
Política Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação (PNCT&I), que visa à formação
de monitores de telecentros para o uso de
tecnologias digitais. Segundo estas autoras,
este Programa teve duração de um ano,
48 JAN/DEZ 2013
com uma carga horária total de 432 horas/
aula, cuja finalidade era oferecer educação
técnica e aprimorar o desenvolvimento de
habilidades voltadas para a inclusão digital das
comunidades. O treinamento foi composto
por sete módulos de conteúdos específicos
na modalidade semipresencial, que se
destinou à capacitação de 739 monitores
de pontos Gesac, visando ao preparo destes
para repassarem a formação no uso das
TICs a, no mínimo, três representantes de
instituições da sociedade civil organizada,
tais como: paróquias, sindicatos, associações
de moradores e outros. O critério de seleção
desses monitores ou multiplicadores foi não
ter recebido formação em TIC oferecido
pelas instituições responsáveis. Desse modo,
foram montados núcleos de formação,
unidades constituídas por um professororientador e alunos-tutores vinculados a
Institutos Federais, nas cinco regiões do
país, onde a parte presencial do treinamento
acontecia (Leal e Brant, 2012, p. 98). As
autoras acrescentam ainda que:
O professor-orientador foi responsável
pela formação presencial de monitores dos
pontos e teve o papel de orientação dos
tutores em termos técnicos e didáticos,
cujo papel é estimular os monitores a
complementarem a formação à distância
e/ou presencialmente. Cada aluno-tutor
foi responsável por apoiar um número
fixo de pontos GESAC. Foram realizados
dois encontros presenciais nos polos
de formação e a etapa à distância foi
realizada no ambiente da plataforma
Moodle. Uma rede educacional foi formada
por professores dos Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia (IF),
alunos-tutores, monitores.
O material didático, diferentemente da
capacitação dos monitores do Acessa SP,
continha módulos impressos, conteúdos
didáticos digitais e ferramentas interativas
em ambiente virtual de aprendizagem. Falta
ainda aos cursos de formação de monitores
elaborados pela NAP Escola do Futuro
da USP, no caso específico do Acessa SP,
ARTIGOS INÉDITOS
material impresso, que apenas recentemente
foi disponibilizado online. No entanto, este
não foi feito para os módulos à distância –
esse material seria um meio de consulta ou
orientação, em caso de dúvidas.
O conteúdo impresso distribuído aos
monitores do Programa Formação Gesac, de
acordo com Leal e Brant (2012, p. 99):
[...] consistiu em uma coleção de
seis módulos de conteúdo que foram
desenvolvidos para sua capacitação de
forma a possibilitar, também, o apoio
dos usuários dos telecentros no uso das
TICs. Os conteúdos foram organizados
em seis módulos, sendo o módulo I
sobre introdução à educação à distância,
o módulo II sobre educação e cidadania,
o módulo III sobre educomunicação, o
módulo IV sobre metodologias, o módulo
V – hardware, o módulo VI – software e o
módulo VII – redes.
Estas
experiências
enfatizam
a
preocupação dos programas de inclusão
digital com a formação de seus monitores,
principalmente em beneficiar a comunidade
local com o uso das TICs; porém, a maneira
que trabalham esta questão nos cursos de
qualificação é bem diferente. Enquanto no
Projeto Telecentros Comunitários de Porto
Alegre há um acompanhamento e orientação
prática de todo o processo de elaboração do
projeto a ser aplicado nos telecentros, no
Programa Acessa SP, existe apenas a parte
teórica, já a prática deve ser realizada pelos
monitores, inclusive a pesquisa sobre as
necessidades locais. No caso do Gesac, os
monitores relataram que também preferiram
a parte destinada aos encontros presenciais
e reivindicaram a ampliação dos encontros
que reúnem agentes de inclusão digital,
tutores e professores, visto que estes
encontros presenciais, na interpretação
dos monitores, são uma oportunidade de
estabelecer e fortalecer laços sociais com os
demais monitores e atores do treinamento
(Leal e Brant, 2012, p. 102).
ARTIGOS INÉDITOS
Já no projeto CRID, vimos que o período
de formação dos gestores durou três
meses, com a diferença da participação
destes em todo o processo de instalação do
laboratório de informática, da montagem
e manutenção dos equipamentos até a
produção de material socioeducativo, visto
que este projeto foi concebido a partir de
uma proposta pedagógica fundamentada
em ações e atividades educativas, pensadas,
sobretudo, para a resolução de problemas
criados a partir do dia a dia da comunidade,
ou mesmo apontados durante uma atividade
pedagógica trabalhada.
Do mesmo modo, os Centros Digitais
de Cidadania9, que são centros públicos
de acesso à internet, implantados pelo
Programa Cidadania Digital, da Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Inovação, têm também
a intenção de elaboração de projetos
socioeducativos para as comunidades
envolvidas por meio da criação dos Núcleos
de Gestão Colaborativa (Nugecs), com a
participação das universidades estaduais da
Bahia. Estas universidades elaboraram um
projeto-piloto de formação e implantação
destes núcleos, bem como “a capacitação
dos gestores e monitores para que pudessem
compreender como desenvolver e mobilizar
a comunidade nesta nova configuração dos
CDC” (Miranda, Oliveira e Souza, 2008, p.
167). A capacitação foi realizada à distância,
com dois encontros presenciais, por causa
da dificuldade de deslocamento dos alunos,
semelhante ao Acessa SP. O curso foi divido
nos seguintes módulos: Software Livre;
Cultura Digital; Projeto Socioeducativo;
Gestão Participativa.
Entretanto, de acordo com Miranda,
Oliveira e Souza (2008), dos 361 centros
que participaram da formação, apenas
72 implantaram o seu Nugec. Do total de
257 alunos, apenas 38 completaram todos
os módulos, ou seja, 15%, algo próximo
ao relatado sobre os cursos à distância
disponibilizados aos monitores do Acessa SP.
2013 JAN/DEZ
49
Na concepção Lima Junior, Hetkowski,
Borges e Cordeiro (2008, p. 215), a justificativa
para a pouca participação na conclusão dos
módulos de formação foi: “[...] a queda do
‘fôlego’ inicial no processo; o conteúdo dos
módulos III e IV, que foram mais reflexivos
e menos práticos, exigindo dos alunos mais
discussão, reflexão e exposição de ideias”.
Estes autores salientaram que cursos à
distância são algo novo. Neles se confrontam
com hábitos e costumes já cristalizados, ou
seja, como citado anteriormente, trata-se de
percepções culturais.
Na entrevista com Pedro, o então
coordenador dos cursos de capacitação
dos monitores do Programa Acessa SP,
indicaram-se algumas falhas dos cursos,
sendo uma delas a falta de um planejamento
pedagógico. Segundo seu relato:
Hoje a gente não tem referência
(pedagógica), porque a gente tá no
meio da “fazeção”: olha têm quinhentas
capacitações pra fazer então faz. Não tem
retaguarda, não tem: volta, vamos estudar.
Isso começou muito em 2007, 2008, foi a
fase da expansão, tinha capacitação toda
semana... Toda semana. A gente tinha
uma coordenadora da capacitação que
saiu, aí: ah, vamo fazer outra gestão...
Para este coordenador, a situação se
complicou com a fase de expansão do
Programa a partir de 2008, porque havia
muitos monitores para serem capacitados
e um número reduzido de professores. Para
Warschauer (2006), as propostas de inclusão
digital acabam por privilegiar a “gerência
por números”. Neste caso, privilegia-se a
quantidade de pessoas a ser capacitada
em curto prazo, e não o conteúdo a ser
transmitido, de forma a transformar os alunos
no que Dias (2011) chamou de agentes de
inclusão.
Este coordenador dos cursos de
capacitação concordou que é necessário
efetuar uma capacitação diferenciada para
cada tipo de monitor, visto que há aqueles
50 JAN/DEZ 2013
que já estão trabalhando há alguns meses,
como também os que acabaram de ser
contratados e estão todos participando do
mesmo módulo para iniciantes.
Ao questionar um dos gestores do
Programa sobre a questão da diversidade
dos monitores e o conteúdo único, este
respondeu que reconhece este problema,
porém afirma não haver recursos disponíveis
para
a
realização
de
capacitações
diferenciadas para cada região ou mesmo
para cada tipo de parceria.
No momento em que assumiu sua
função como coordenador dos cursos de
capacitação, em 2011, Pedro afirmou que
não tinha informações sobre quais Postos do
Acessa SP tinham projetos em andamento,
porque não considerava um dado básico.
Por este motivo, solicitou aos responsáveis
pelo setor de tecnologia que criassem uma
página, no Portal, na qual os monitores
entrassem e cadastrassem seus projetos.
De acordo com seu relato, estas
informações são fundamentais, pois estão
previstas, em contrato com o Acessa SP,
visitas aos Postos que ainda não têm projetos
para estimulá-los a realizar essas atividades.
Contudo, devido ao grande número de postos
e a quantidade reduzida de funcionários,
esta tarefa tem se tornado bem difícil de ser
concretizada.
Em sua entrevista, Pedro mostrou que
conhece bem os problemas enfrentados
pelos monitores, porém não mostra ter poder
argumentativo junto à gestão do Programa
para modificar a situação. Do mesmo modo,
o gerente do Programa reforçou a reduzida
força política que o Acessa SP tem junto à
Secretaria de Gestão Pública, o que acarretou
o repasse de recursos escassos para este
Programa, inviabilizando a melhoria do
desempenho em alguns setores.
Na opinião de Pedro, os monitores
deveriam ser mais críticos e questionadores,
principalmente em relação ao conteúdo
ministrado na capacitação, que é um modelo
ARTIGOS INÉDITOS
a ser praticado por todos os monitores,
independentemente da localidade. No
entanto, ele está ciente de que as regras
estipuladas pelo Programa não funcionam
em todos os Postos da mesma maneira. Citou
o caso dos assentamentos pesquisados, nos
quais as monitoras não pedem carteira de
identidade aos usuários, mas anotam os
nomes e o número do documento em um
caderno, e os usuários assinam. Conforme
seu relato:
Quando eu cheguei, eu vi (o caderno). De
cara, a primeira coisa que elas falaram foi:
“Olha, o caderno tá aqui...” Falei: “Meninas,
porque vocês usam caderno”? Explicam
pra mim primeiro: “Não é pra justificar, mas
aqui a gente usa porque o pessoal pra usar
o RG, Pedro, é ruim porque eles vão sair
lá, é longe”... Isso no Mirante. “É longe se
perder no meio do caminho, aqui é muito
difícil, porque ele tem que ir até Prudente
pra tirar o RG, porque aqui em Mirante
demora quarenta dias, e eles não podem
andar sem documento. Então a gente criou
o caderno, a gente conhece todo mundo”...
Eu falei: “Meninas, maravilha”. “É que na
capacitação você disse que não pode”. “Eu
sei e continuo falando que não pode, tá
bom”? E pisquei pra elas. E falei: “Gente,
vocês é que conhecem a realidade”.
Ao visitar os assentamentos, também
observei o uso do caderno com as
assinaturas dos usuários e percebi que as
monitoras, realmente, conheciam todos e,
inclusive, conheciam o número da carteira
de identidade de alguns.
Embora Pedro reconheça que as realidades
dos municípios, e consequentemente dos
Postos, sejam diversas, o Programa aplica a
mesma política em todas; porém, até aquele
momento, não havia conseguido demonstrar
aos gestores a importância da mudança
dos módulos dos cursos de capacitação dos
monitores.
Neste sentido, Dias (2011, p. 66) afirma
que o maior desafio dos cursos de capacitação
de monitores não é tecnológico:
[...] e sim o de dar instrumentos para que
seus monitores sejam
ARTIGOS INÉDITOS
efetivamente agentes de inclusão. Para
isto, não basta entender de computadores.
É preciso criar processos que estimulem
não apenas desenvoltura para lidar com
a tecnologia, mas para ativar redes que
usem os telecentros das maneiras mais
variadas.
Esta é exatamente a proposta da Rede de
Projetos. No entanto, o processo mencionado
por Dias (2011) não se constrói em dois dias
de curso, realizado por poucos monitores,
com complementação de conteúdos à
distância. É preciso um tempo muito maior,
com a intenção de proporcionar uma
formação permanente e contínua.
Na mesma perspectiva, Lima Junior,
Hetkowski, Borges e Cordeiro (2008, p.
223) defendem um processo de formação
sistemático e contínuo, já que os processos
de inclusão digital se dão a médio e longo
prazo, que “não podem ser reduzidos à
formação instrumental de uma capacitação”.
Estes autores sugerem também que se
faça um acompanhamento in loco daqueles
monitores que encontram mais dificuldades
em conseguir completar a formação, para
que haja, dessa forma, “uma unidade entre
o horizonte político e a dimensão prática, na
qual o saber-fazer traduza em termos práticos
os aspectos formais e a intencionalidade
de inclusão sociodigital” (Lima, Hetkowski,
Borges e Cordeiro, 2008, p. 246-247).
Leal e Brant (2012) adicionam a esta
discussão que a formação de monitores é
essencial para projetos de inclusão digital;
entretanto, para que ela seja efetiva,
depende-se da articulação entre diferentes
atores externos (Governo, Instituições
Federais, sociedade civil) e internos (monitor,
promotores de inclusão digital, professororientador) ao treinamento para que se
possa conseguir um resultado satisfatório.
Por outro lado, Starobinas (2005, p. 3)
alerta que propostas como as da Rede de
Projetos devem estimular a frequência dos
usuários dos telecentros, mas não coagi-los,
2013 JAN/DEZ
51
porque muitos jovens e adultos ainda não
se sentem interessados “pelo tipo de relação
com o conhecimento e comunicação moldado
pelas TICs”. Neste caso, a imposição poderia
gerar temor e resistência.
Na conversa com a coordenadora do LIDEC
do NAP, esta antecipou as mudanças feitas
nos cursos de capacitação dos monitores,
que passaram a ter monitores-formadores.
Segundo seu relato:
De alguns anos pra cá, a gente tem
pensado... Bom, a gente tem 1.200
monitores... A gente tem que descentralizar
o que a gente faz. É o formador do
formador, ou seja, a gente forma ele pra
formar os outros. Quanto mais a gente
conseguir que os monitores pensem a
capacitação, pensem as pesquisas, os
indicadores, pensem a Rede de Projetos,
melhor. É uma tendência geral aumentar
a apropriação na ponta. Nos Encontros
Regionais também o monitor é que tá
articulando e organizando. O nosso papel é
muito mais de apoiar do que sair fazendo.
No começo teve que sair fazendo mesmo,
porque não tinha, mas depois... Faz parte
da estratégia ir descentralizando isso. O
próprio sistema vai se apropriando desse
know how, conhecimento. Os escolhidos
foram aqueles que tinham o espírito de
cuidar do programa, que se envolvem. É
identificar quem tá emergindo, tem uma
valorização de quem faz pelo programa.
Eles também vão se articular na questão
da Ponline, das questões... Quero que
saia daqui um grupo que vai organizar a
Ponline, futuramente.
Pedro confirma que a intenção era
aproveitar as experiências dos monitores
que desenvolveram projetos considerados
de sucesso para transmiti-los a outros
monitores, legitimando a própria Rede de
Projetos e indicando a real possibilidade
da elaboração e execução destes. Por isso,
decidiram que, a partir dos próximos cursos
de capacitação, serão os próprios monitores
que ministrarão as aulas.
Esta equipe de monitores, que agora
serão “capacitadores”, foi selecionada,
baseando-se nos seguintes critérios: ser
52 JAN/DEZ 2013
projetista da Rede de Projetos; contar com
boa taxa de ocupação dos equipamentos em
seu posto; ter mostrado comprometimento
com o Programa; ter feito todos os cursos
à distância; conhecer bem o Programa. As
despesas de locomoção e hospedagem são
financiadas pela NAP Escola do Futuro USP;
porém, os monitores não são remunerados.
Embora estes entrevistados considerem
uma excelente proposta, que eles mesmos
defenderam, estão encontrando dificuldades
em manter a equipe formada, visto que
alguns que já receberam a formação da
NAP Escola do Futuro não conseguem se
deslocar até São Paulo. Desse modo, ainda
não conseguiram ter uma equipe fixa.
Há ainda outros problemas citados, como
o relacionado aos cursos de capacitação,
sobre os quais existem relatos de monitores
que utilizam a oportunidade de estarem na
capital de São Paulo para fazerem compras
e acabam não comparecendo aos locais
dos cursos. Neste caso, eles retomaram a
questão da falta de comprometimento com
o Programa de alguns monitores.
Os entrevistados comentaram também
que sabem que quatro dias de curso não são
suficientes para que consigam mudar essa
realidade e, especialmente, transformar os
alunos em elaboradores de projetos. Por
este motivo, encontram-se em um dilema
sobre o conteúdo a ser ministrado: deve
conter o mínimo para manter o Programa
funcionando, ou investem na ideia de fazer
com que sejam “realmente” agentes de
inclusão digital? A segunda opção é a mais
atraente; no entanto, não sabem ainda como
fazê-lo.
Algumas considerações
Pôde-se perceber, com a análise dos
dados, que a metodologia elaborada
pelos idealizadores do CRID tanto para a
implantação do laboratório de informática,
ARTIGOS INÉDITOS
como para a formação de seus gestores,
privilegiou a inserção da comunidade
neste processo, articulando tecnologia e
necessidades locais. Este fato evidenciou
que as ferramentas tecnológicas podem
ser excelentes aliadas das comunidades
para seu desenvolvimento coletivo. Isso
ocorre quando estas se sentem parte dos
projetos de inclusão digital.
Tal fato não ocorre nos postos do
Acessa SP, que não procuram investir no
treinamento dos monitores, tendo em
vista a diversidade dos locais onde foram
implantados, tornando difícil a elaboração
de projetos que atendam às demandas
das comunidades.
Apesar de o projeto do CRID ter
conseguido atingir alguns de seus
objetivos, um deles, que se referia à
autossustentabilidade, não foi concretizado,
pois não conseguiu recursos próprios
para se manter em funcionamento. Por
isso, migrou para o programa do governo
federal denominado “Casas Digitais” 10. No
entanto, embora tenha mudado o nome
e o parceiro institucional, acredita-se
que a ideia do Laboratório Multimeios irá
ser perpetuada pelos moradores locais,
em especial pelos jovens que veem no
laboratório de informática a possibilidade
de enriquecimento do saber e um local no
qual podem obter informações úteis para
ascender profissionalmente.
O caso do Acessa SP, por outro lado,
revelou que as iniciativas de inclusão
digital podem não atender às necessidades
locais, se não houver o devido investimento
em recursos financeiros e, sobretudo,
em material humano, nos cursos de
capacitação dos monitores, de maneira
processual e continuada, dando suporte
e acompanhando-os no desenvolvimento
dos projetos comunitários.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
53
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54 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
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Edição Especial, Nov/Dez, 2005.
WARSCHAUER, M. Technology and Social Inclusion: rethinking the digital divide. MIT Press,
2003.
Resumen: El propósito es discutir, bajo
una perspectiva etnográfica de evaluación,
la formación de los monitores de dos
programas de inclusión digital en dos
provincias brasileñas: São Paulo y Ceará.
Los cursos de capacitación de los monitores
del Programa Acessa São Paulo y del Centro
Rural de Inclusión Digital (CRID) serán objeto
de presentación, descripción y análisis. Se
colectaran las informaciones sobre el CRID
en un estudio realizado por el Laboratorio
de Investigación Multimedios de la Facultad
de Educación – FACED, de la Universidad
Federal de Ceará (UFC). El análisis de
los datos mostró que la metodología
elaborada por los idealizadores del CRID
ha privilegiado la inserción de la comunidad
en el laboratorio, insertando tecnología y
necesidades locales. Esto demostró que
herramientas tecnológicas pueden ser
excelentes combinada con la promoción
del desarrollo colectivo; A diferencia de las
oficinas del Acessa SP las cuales no priorizan
la inversión en formación de monitores, dada
la diversidad de los lugares donde fueron
desplegados, lo que dificulta la elaboración
de proyectos que satisfagan las demandas
de las comunidades. Esto demostró que
herramientas tecnológicas pueden ser
excelentes si combinadas con la promoción
del desarrollo colectivo a diferencia de las
oficinas del Acessa SP las cuales no priorizan
la inversión en formación de monitores, dada
la diversidad de los lugares donde fueron
desplegados, lo que dificulta la elaboración
de proyectos que satisfagan las demandas
de las comunidades.
Résumé: Le but est de discuter, dans une
perspective d’évaluation ethnographique, la
formation des moniteurs de deux programmes
d’inclusion numérique dans deux régions
brésiliennes : São Paulo et Ceará. On
présentera, décrira et analysera les cours
de formation des moniteurs du Programme
Acessa SP et du Centre rural pour l’Inclusion
Numérique ( CRID* ). Les Informations
concernant le CRID ont été recueillies
lors d’une étude menée par le Laboratoire
Multimédia de la Faculté d’Éducation –
FACED de l’Université Fédérale du Ceará (
UFC ). Suite à l’analyse de données, il a été
remarqué que la méthodologie développée
par les créateurs du CRID a privilégié
l’inclusion de la communauté au laboratoire
tout en associant la technologie aux
besoins locaux. Cela montre que les outils
technologiques peuvent être d’excellents
alliés dans la promotion du développement
collectif; une réalité contraire s’impose aux
unités d’Acessa SP, qui ne priorisent pas
les investissements dans la formation des
moniteurs , compte tenu de la diversité des
sites où elles ont été implantées, ce qui rend
difficile à préparer des projets qui répondent
aux besoins des communautés.
Palabras-clave:
formación,
inclusión
digital, etnografía, evaluación, políticas
públicas.
Mots-clés: formation, inclusion numérique,
ethnographie,
évaluation,
politiques
publiques.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
55
Notas
1 A pesquisa foi realizada junto ao Departamento de Sociologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, IFCH,
Unicamp, tendo como título “A avaliação do Programa Acessa São Paulo em assentamentos rurais”. Esse estudo
está sendo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e teve sua
primeira parte encerrada em setembro de 2012. Haverá uma nova etapa a partir de fevereiro de 2013. Os dados
aqui apresentados fazem parte do relatório parcial entregue à FAPESP em 2012.
2 Ressalta-se que a descrição densa se articula ao conceito hermenêutico de cultura de Geertz (1989), que orientou
este trabalho.
3 O Acessa SP denomina de monitores aqueles que são responsáveis pela abertura e fechamento dos postos,
assim como pelo atendimento ao público. Já os idealizadores do CRID preferem chamá-los de gestores, já
que o laboratório de informática é gerido pela própria comunidade. Os gestores do Acessa são aqueles que
administram os postos.
4 A NAP Escola do Futuro da USP participa do programa Acessa SP desde 2001 e tem como principais responsabi¬lidades,
conforme Relatório de Gestão (2006): 1) no Programa de Capacitação Continu¬ada: desenvolver condições
(contextos e conteúdos) para que monitores, lide¬ranças e gestores possam exercer seus papéis e funções
com segurança, comprometimento, qualidade e criatividade, promovendo o uso efetivo das tecnolo¬gias e
colaborando para a construção de uma “cultura digital”; 2) produzir publicações, o Portal Acessa SP e conteúdos
educacionais; 3) elaborar projetos especiais e pesquisas.
5 Utilizarei nomes fictícios para manter a identidade dos meus informantes em sigilo.
6 O termo está entre aspas porque este é a autodenominação dada por eles para descrever suas atividades, capacitar
os monitores com conteúdos sobre o Programa Acessa SP. Estes integram a equipe do NAP Escola do Futuro e
são os responsáveis pela capacitação dos monitores da capital e do interior do Estado. Seu trabalho no Programa
de Capacitação é realizado presencialmente por meio de listas de discussão.
7 Na concepção de Cassino (2003, p. 50), software livre “é um programa de computador com código-fonte aberto,
possibilitando que qualquer técnico possa estudá-lo, adequá-lo às suas próprias necessidades e redistribuí-los,
sem restrições”; são geralmente gratuitos.
8 Não cheguei a analisar se tais projetos foram concretizados, por não fazer parte da proposta desta pesquisa.
Entretanto, na segunda fase do pós-doutorado, a intenção é me concentrar na investigação sobre a “Rede de
Projetos” do Programa.
9 De acordo com Miranda, Oliveira e Souza (2008, p. 156), os CDCs têm por finalidade “levar às populações mais
pobres, inseridas em alto índice de exclusão social, o acesso às TICs, possibilitando a geração de serviços
considerados relevantes para a comunidade local como: educação ambiental, informações sobre geração
de trabalho e renda, capacitação profissional, governo eletrônico, emissão de segunda via de documentos,
inscrições em concursos e vestibulares, entretenimentos”, entre outros.
10 As Casas Digitais estão inseridas no projeto “Territórios Digitais”, criado em 2008, que faz parte do Programa
Territórios da Cidadania, consistindo na implantação de espaços públicos e gratuitos com acesso a computadores
e internet em assentamentos, escolas agrícolas, comunidades tradicionais, sindicatos e Casas Familiares Rurais.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
57
Tecnologias de informação e comunicação na educação e inclusão
sociodigital: uma avaliação do programa de informática na educação
em Fortaleza1
Information and communication technologies in education and sociodigital inclusion: an evaluation of computers in education program in
Fortaleza
La información y la comunicación en la educación y la inclusión social y
digital: una evaluación de las computadoras en programa de educación en
Fortaleza
Technologies de l’information et de la communication dans l’enseignement
et socio-digital inclusion: une évaluation des ordinateurs en programme
d’éducation à Fortaleza
Hérica Q. Oliveira*
Alcides Fernando Gussi**
Resumo: Este trabalho surge para avaliar os
impactos do Programa Nacional de Informática
na Educação nas condições de vida dos alunos
das escolas públicas de ensino fundamental,
verificando sua relação com o processo de inclusão
sociodigital. Para essa pesquisa avaliativa foram
utilizados questionários, entrevistas com uma
comunidade escolar (professor, aluno, diretor,
família), além de observação participante, com
visitas a escolas e a realização de um grupo focal
formado por alunos. Os principais resultados
apontaram que a aprendizagem digital dos
alunos ocorre mais fora da escola, em espaços
das localidades em que vivem, como lan houses,
e que essa aprendizagem não necessariamente
implica, de uma maneira geral, em melhorias
nas condições de vida dos alunos; portanto, não
permite, de fato, uma inclusão sociodigital, pois,
em se tratando de suas condições de vida num
contexto estruturalmente excludente, percebemse os limites do alcance do PROINFO.
Abstract: This work appears to evaluate
the impacts of the National Programme for
Information Technology in Education in the living
conditions of the students of public elementary
schools, checking its relation to the process of
socio-digital inclusion. For this evaluative research
was used questionnaires, interviews with a
school community (student-teacher-director family), and participant observation, with visits
to schools and conducting a focus group made
up of students. The main results indicate that
learning occurs most digital students out of
school spaces in the localities in which they live,
such as Internet cafes and that learning does not
necessarily imply, in general, improvements in the
living conditions of the students, so, does not, in
fact, a social and digital inclusion because, when
it comes to their living conditions in a context
structurally exclusionary realizes the limits of the
reach of PROINFO.
Palavras-chave: Tecnologias de Informação
e Comunicação (TICs), avaliação, inclusão
sociodigital, PROINFO, sociedade da informação.
Key words: Information and Communication
Technologies (ICTs); evaluation; socio-digital
inclusion; Proinfo; I Society of information.
* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pelo Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas
(MAPP) da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]
** Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é atualmente professor Adjunto
da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]
58 JAN/DEZ 2013
Introdução
Este artigo situa-se no
campo da avaliação
de políticas públicas de educação contemporâneas, voltadas para a disseminação do uso
pedagógico da informática nas escolas públicas de ensino fundamental no país. O objetivo deste artigo é avaliar o Programa Nacional de Informática na Educação – PROINFO2 na cidade de Fortaleza, verificando os
impactos desse programa junto ao público
beneficiado. Buscou-se, por meio desta avaliação, aferir em que medida o PROINFO leva
à inclusão sociodigital.
Com o desenvolvimento das Tecnologias
de Informação e Comunicação (TICs),
estudos apontam, no contexto das recentes
transformações
culturais,
econômicas
e sociais, a emergência da “sociedade
da informação”, na qual a informação
assume um papel central. Como fenômeno
multifacetado e dinâmico, a “sociedade da
informação” destaca uma questão ética
no que diz respeito ao aprofundamento de
desigualdades sociais; desta vez sobre o eixo
do acesso à informação. Segundo alguns
de seus críticos, essas mudanças estão
perpetuando a desigualdade entre economias
e populações no acesso aos benefícios
provenientes dos recursos tecnológicos
disponibilizados, principalmente aqueles
relacionados às tecnologias que permitem
informar e comunicar. Por este motivo, a falta
de acesso às TICs pode aumentar ainda mais
as barreiras entre ricos e pobres (Miranda,
2005).
Diversos autores, como Castells (1999),
Lévy (1999) e Gonçalves e Oliveira (2009),
apontam que a tecnologia que amplia as
possibilidades do homem é a mesma que
o aprisiona e o exclui. As TICs vêm, então,
desafiando instituições, governo e sociedade,
no sentido de desenvolverem ações e
ARTIGOS INÉDITOS
políticas públicas eficazes que alterem essa
realidade, sobretudo na área educacional.
Nesse contexto, as políticas públicas no
Brasil vêm gradativamente incorporando as
TICs com o intuito levar à inclusão digital,
tomando a educação como instrumento para
isso. Prova disso é o empenho de governos
em implantar projetos desta natureza,
como é o caso do Programa Nacional de
Informática na Educação – PROINFO, objeto
de estudo desta pesquisa.
Para a realização deste trabalho, a inclusão
sociodigital foi considerada não apenas como
o acesso a uma máquina, mas também
como a “falta de capacidade técnica, social,
cultural, intelectual e econômica de acesso
às novas tecnologias e aos desafios da
sociedade da informação” (Costa e Lemos,
2005, p. 8).
Nesse sentido, a exclusão social hoje
perpassa a questão da exclusão digital. Ou
seja, o acesso às TICs se configura como
uma forma de inclusão digital e esta pode
ser uma facilitadora de outras inclusões,
como a socioeconômica. Para o Estado cabe,
então, a educação, a responsabilidade de
promover as oportunidades e a inclusão dos
jovens no mundo altamente especializado
do conhecimento, da comunicação, da
informação e da inovação, apesar de suas
contradições.
Para atingir os objetivos deste trabalho,
foi necessário, especificamente, analisar
o processo de implementação e gestão do
PROINFO/Fortaleza; observar a infraestrutura
(instalações elétricas, mobiliários) dos
Laboratórios de Informática Educativa – LIE;
verificar os usos que professores e alunos
fazem das TICs que possuem nas escolas;
analisar em que medida o acesso às TICs
significa, do ponto de vista da comunidade
educacional, a saber, professores, alunos,
ARTIGOS INÉDITOS
diretores e família, a afirmação de sua
inclusão digital.
Para tanto, neste artigo, realizarei
considerações metodológicas sobre o
processo da pesquisa, abordando o
percurso
metodológico
utilizado.
Em
seguida, apresentarei os resultados da
pesquisa avaliativa desenvolvida. E, por
fim, nas considerações finais, apresentarei
pontos acerca da avaliação realizada sobre
o PROINFO em Fortaleza, expondo seus
limites e possibilidades no tocante à inclusão
sociodigital.
Percurso metodológico da
pesquisa avaliativa
Os objetivos deste estudo foram
alcançados por meio de uma metodologia
realizada em três fases: 1.ª) construção da
trajetória de implementação do PROINFO,
sobretudo, em Fortaleza, utilizando-se a
pesquisa bibliográfica e documental e, ainda,
mediante relatos dos gestores do programa;
2.ª) identificação do perfil socioeconômico
dos alunos e a forma como o computador é
utilizado dentro e fora do entorno da escola,
por intermédio de uma pesquisa quantitativa,
com a utilização de questionários aplicados
em seis escolas municipais de ensino
fundamental; 3.ª) construção de um
conhecimento do PROINFO para medir seus
limites e possibilidades no tocante à inclusão
sociodigital, a partir de um estudo de caso
em uma comunidade escolar, utilizando-se
algumas técnicas de pesquisa qualitativas
como: entrevistas, observação participante e
grupo focal.
A pesquisa foi realizada como estudo
de caso3, tomando como caso específico
2013 JAN/DEZ
59
o PROINFO no município de Fortaleza. O
campo de estudo, onde se desenvolveu
a pesquisa, foi, primeiramente, focado
em 06 (seis) escolas municipais de ensino
fundamental, localizadas em vários bairros
periféricos, distribuídos nas seis Secretarias
Executivas Regionais de Fortaleza4 (SERs).
A escolha das escolas de ensino
fundamental, de cada Secretaria Regional,
se deu por serem as maiores escolas em
quantidade de alunos matriculados. Foram
selecionadas escolas de cada uma das SERs,
visando abranger a cidade de Fortaleza como
um todo. Nas seis escolas selecionadas,
foram aplicados questionários aos alunos e,
posteriormente, foi escolhida, dentre elas,
uma escola para aplicação de outras técnicas
de pesquisa com os sujeitos da comunidade
escolar.
Para a seleção da escola na qual seria
realizada a pesquisa qualitativa, foi feita
a tabulação dos dados coletados com os
questionários e uma análise comparativa
dos resultados de cada uma das seis escolas
pesquisadas. A partir daí, foi possível
identificar aquela que apresentou um melhor
desempenho do seu laboratório dentre as
demais.
Segue
abaixo
uma
descrição
pormenorizada de cada uma das etapas da
pesquisa e em que medida elas contribuíram
para responder aos objetivos deste artigo.
a. Levantamento bibliográfico e documental
Inicialmente,
foi
realizado
um
levantamento bibliográfico para a devida
compreensão e análise aprofundada do tema
em estudo, permitindo, com isso, iniciar
uma descrição do contexto do programa
no âmbito municipal, bem como buscar
aspectos teóricos das categorias analisadas.
60 JAN/DEZ 2013
Os dados e informações específicas
foram subsidiados com um levantamento
documental por meio de referências da
legislação e documentos normativos relativos
à estruturação do PROINFO Nacional e
Municipal. A este se somaram questões e
informações de planejamento do Programa,
assim como todo o acervo documental do
PROINFO em Fortaleza.
b. Aplicação de questionários
Para a obtenção dos dados dos alunos
investigados na pesquisa, foi elaborado um
questionário contendo perguntas fechadas.
Assim, foram listadas as perguntas que
tinham como intuito: compreender o perfil
socioeconômico dos alunos; conhecer a
realidade da utilização das TICs no contexto
pessoal e educacional; verificar os recursos
informáticos existentes nas escolas, bem
como o modo como é utilizado o computador
na escola e fora dela; aferir o tempo que os
alunos despendem na realização das tarefas
no computador; conhecer, de forma geral, o
que pensam os alunos sobre o uso das TICs.
Apliquei questionários com os alunos
do 9º ano do ensino fundamental de 06
(seis) escolas que possuem laboratórios de
informática, distribuídos em diversos bairros,
atingindo as 06 (seis) Secretarias Executivas
Regionais de Fortaleza.
c. Realização de entrevistas5
A partir da aplicação dos questionários,
foi feita uma compilação dos dados obtidos
para comparar os resultados de cada escola.
Em seguida, selecionei aquela com o melhor
resultado diante do funcionamento do seu
laboratório de informática em relação às
demais, para realização das entrevistas
ARTIGOS INÉDITOS
com a comunidade escolar. O critério de
escolha dos sujeitos para essa fase foi o de
conveniência e de intencionalidade6.
Assim, foram selecionadas duas professoras
do LIE, a diretora e um representante do
conselho escolar do segmento pais de alunos
da escola selecionada para a pesquisa mais
qualitativa. O diálogo entre esses usuários
contribui para melhorar a compreensão das
suas necessidades e prioridades, e perceber
como o programa tem impactado a vida dos
alunos no contexto pessoal e educacional.
Nessa etapa, também selecionamos
gestores e ex-gestores que participaram
da implementação do programa em nível
estadual e municipal. O corpo técnico ajudou
a responder as questões referentes à política
adotada para implementação do PROINFO/
Fortaleza, bem como entender como vem
acontecendo a gestão do mencionado
programa.
As quatro entrevistas realizadas com
os membros da comunidade escolar
foram feitas na própria escola, agendadas
previamente. Nesta etapa, foi utilizado um
roteiro, e busquei assumir uma postura
mais de ouvinte. Foram priorizados relatos
sobre a infraestrutura e manutenção do
LIE, o nível de participação dos professores
e alunos no LIE, a contribuição do LIE para
a aprendizagem digital, as contribuições
trazidas pela aprendizagem digital na vida dos
alunos e como o LIE colabora efetivamente
para a inclusão digital e social dos alunos.
As entrevistas foram gravadas com o
consentimento dos atores envolvidos e,
posteriormente, transcritas cuidadosamente.
d. Observação participante
Realizei observação participante por meio
de visitas no laboratório de informática da
ARTIGOS INÉDITOS
escola selecionada com o intuito de verificar
aspectos da infraestrutura instalada, da
manutenção
técnico-pedagógica
dos
laboratórios e do uso de softwares educativos,
com registros de dados em diário de campo.
e. Realização de grupo focal
Na busca pelo aprofundamento da
compreensão dos dados coletados pelas
entrevistas e questionários, foi utilizada a
técnica do grupo focal com alunos da turma
do 9º ano da escola onde foi aplicada a
pesquisa de campo. Confesso que tentei
aplicar o grupo focal da forma mais tradicional
possível, mas, por conta das limitações de
tempo e da pouca disponibilidade dos alunos,
sempre muito impacientes, não apliquei
esse processo de uma forma tão criteriosa,
mas, mesmo assim, tentei captar e pontuar
algumas situações que julguei importantes
e complementares aos pressupostos e
objetivos do estudo.
As falas dos alunos, bem como os relatos
dos outros sujeitos da comunidade escolar,
foram fundamentais para conhecer e avaliar
a realidade dos laboratórios.
f. Análise dos dados
Por fim, após a pesquisa de campo,
realizei uma análise e interpretação dos
resultados a partir do cruzamento dos dados
quantitativos e qualitativos, de acordo com
as categorias de análise que norteei nesta
pesquisa e os seus objetivos, de forma a
compreender os impactos educacionais e
socioeconômicos da introdução das TICs no
processo educacional.
Apresento, a seguir, os resultados obtidos
nesta pesquisa avaliativa sobre o PROINFO
em Fortaleza.
2013 JAN/DEZ
61
Trajetória do programa de
informática na educação nas
escolas municipais de Fortaleza
A primeira fase da pesquisa procurou
constituir a trajetória institucional do Proinfo,
apresentando uma breve contextualização
da história da política de informática
em educação no Brasil, descrevendo,
especificamente, o PROINFO/Federal, com
uma breve discussão da literatura a ele
referente.
Foram percebidas, na análise da trajetória
de implementação do programa em Fortaleza,
algumas deficiências que ocorreram,
sobretudo, em virtude da vontade política.
Muitas atividades do Núcleo de Tecnologia
Educacional (NTE)7 foram prejudicadas pela
falta de prioridade em ações que envolviam
informática na Educação. Constatamos,
então, que identificar a problemática de
cada laboratório e realizar a formação de
professores não é uma tarefa fácil para
o NTE, especialmente quando os órgãos
mantenedores são muitas vezes alheios
à concepção de trabalho do núcleo. Esse
fato impacta diretamente as questões de
infraestrutura e formação do professor,
aspectos que, como veremos, limitam o
alcance do PROINFO de promover a inclusão
social.
A segunda fase da pesquisa avaliativa
consistiu em fazer uma apreciação do
PROINFO nas escolas municipais de ensino,
a partir do perfil socioeconômico dos alunos
e a forma como o computador é utilizado
pelos estudantes dentro e fora do entorno da
escola. Buscou-se constatar, com a realização
dessa fase da pesquisa, algumas evidências
sobre os usos que os alunos fazem das TICs
62 JAN/DEZ 2013
que possuem na escola, necessárias para
subsidiar a realização da próxima fase da
avaliação, que é o estudo de caso em uma
comunidade escolar, o qual será apresentado
no próximo tópico.
Após a aplicação dos questionários,
realizamos tabulação e verificação dos
dados. A partir daí, foi possível identificar
duas hipóteses sobre os LIEs, quais sejam: a
aprendizagem digital dos alunos ocorre mais
fora da escola, em espaços das localidades
em que vivem, como lan houses, inexistindo
uma vinculação do aprendizado via
computador mediado pela educação e uma
mudança nas condições de vida dos alunos.
Os alunos, apesar de a maioria não
possuir computador em casa, acessam
mais a internet em lan-houses e na casa de
amigos e parentes. Observou-se, a partir
dos dados, que a frequência de uso na
escola é baixa, em virtude da quantidade de
computadores existentes no laboratório ser
pequena em relação à quantidade de alunos.
Muitas vezes, as aulas acontecem com dois
alunos dividindo o mesmo computador. Por
conta desse pouco tempo, os professores
do LIE acabam priorizando as atividades
de pesquisa para a realização de trabalhos
escolares. Isso faz os alunos gostarem de
utilizar o computador mais fora da escola
por terem mais liberdade de acesso a
determinadas páginas da internet.
Outra constatação, ao tentar verificar os
usos que os alunos fazem das TICs existentes
nas escolas, foi a de que a aprendizagem
digital não necessariamente leva a um
reposicionamento no mercado de trabalho.
Nos dias atuais, é muito forte a alegação
de que, quanto mais habilidades com o
computador, mais chances há de disputar
uma colocação no mercado de trabalho. Essa
exigência por mais qualificação, provocada
ARTIGOS INÉDITOS
pelas mudanças na estrutura do trabalho
nas últimas décadas, tem levado as políticas
públicas, em especial, as educacionais, a se
voltarem para a questão da empregabilidade8.
Finalmente, na terceira etapa da pesquisa
avaliativa proposta, desenvolvemos uma
análise das falas dos sujeitos, obtidas
mediante estudo de caso em uma escola
de ensino fundamental de Fortaleza, a
partir das seguintes categorias empíricas:
infraestrutura dos laboratórios; participação
dos alunos e docentes no PROINFO;
aprendizagem digital e inclusão sociodigital.
Dentre os sujeitos pesquisados, temos
quatro categorias distintas em uma
comunidade escolar: o diretor, que é o
gestor da escola; os professores do LIE, que
conduzem as atividades nos laboratórios com
os alunos e os professores de sala de aula;
a mãe de um aluno da escola; e os gestores
que acompanham o programa nas escolas
estaduais e, também, nas municipais. As
falas dos informantes foram analisadas à luz
dos objetivos propostos pelo estudo. A seguir,
apresentamos os resultados desta fase da
pesquisa a partir dos seguintes aspectos
que nortearam a avaliação: infraestrutura;
participação no LIE dos docentes e alunos;
aprendizagem digital: dentro ou fora da
escola?; aprendizagem digital: impacto na
vida dos alunos.
a. Infraestrutura
Nas visitas que realizei na escola
investigada, observei que o laboratório,
quanto aos aspectos físico-estruturais,
conta com computadores modernos e os
mobiliários conservados. No entanto, a
maior dificuldade tem sido a relação aluno/
computador. O laboratório conta com uma
quantidade pequena de equipamentos para
ARTIGOS INÉDITOS
o número total de alunos matriculados na
escola.
Agora o que dificulta a efetivação dessa
dinâmica é a falta de computadores, pois
eu tenho que trazer a turma fracionada.
Eu trago metade da turma e a professora
fica com a outra metade da turma. (...)
Eu atendo antes do recreio uma turma.
Eles terminam e o restante desce. Depois
do recreio eu atendo a outra turma. No
mesmo dia eles são atendidos. (professora
02).
Mesmo com todas as recomendações do
PROINFO para montagem de um laboratório
adequado e confortável para os alunos,
problemas como queda na energia elétrica
são frequentes na escola. A energia oscila
muito, inviabilizando a ligação de todos os
computadores:
Somando isso ao fato de haver poucos
computadores por aluno, o prejuízo é ainda
maior, sobretudo, para o aluno, que é o
mais prejudicado. Não podemos deixar de
citar a frase de um aluno que fiz questão
de colocar no diário de campo numa
das minhas visitas nos laboratórios para
realização dos questionários: “Tia, a gente
quase não vem pra cá. Pede pra gente vir
mais aqui”. Realmente, a frequência de uso
do computador pelo aluno na escola acaba
sendo baixa.
De fato, todas as quatro categorias
de
sujeitos
entrevistados
afirmaram
ter deficiência na infraestrutura do
laboratório, inclusive no suporte técnico dos
equipamentos.
b. Participação no LIE dos docentes
e alunos
Para a construção dessa pesquisa
avaliativa, foi pertinente identificar a
relação entre o professor de sala de aula e
2013 JAN/DEZ
63
o professor de LIE nas aulas no laboratório.
Sobre esse assunto, apesar de os docentes
terem interesse de participar, a maioria não
tem o tempo necessário para se dedicar e
colaborar no planejamento da aula realizada
no laboratório. Em virtude disso, alguns
delegam a direção da aula ao professor
responsável pelo LIE.
A apropriação desta ferramenta por parte
dos docentes os levou a escolher pela absorção
ou rejeição em seu trabalho. Por isso, a maioria
dos professores ainda não se apropriou
dessa nova ferramenta para subsidiá-los no
processo de ensino e aprendizagem. Como
consequência, a participação no laboratório
por muitos docentes ainda não é completa.
A preocupação que surge com os relatos
anteriores é que essa experiência de outro
professor conduzindo os trabalhos com
alunos nos laboratórios seja desconectada
das atividades que ocorrem dentro da sala
de aula, e as aulas se resumam apenas a
pesquisas.
Outra questão que se impõe para a
construção desta pesquisa refere-se à
participação dos alunos no LIE. Todos os
relatos dos sujeitos entrevistados indicaram
que os alunos adoram estudar com essa
ferramenta na escola, pois o fato de não
estarem em uma sala de aula sentados já os
deixa ativos, e não passivos – os estudantes
se interessam muito por aulas diferentes das
tradicionais.
De acordo com os professores, apesar
de haver proibições de acesso a sites de
relacionamento por parte da escola, eles
próprios respeitam o momento de aula e não
costumam sair do site proposto para sites de
relacionamento.
As falas deixam claro que os gestores
acreditam que essa proibição dos sítios de
relacionamento não deveria acontecer, pois
64 JAN/DEZ 2013
isso só aumenta a vontade dos alunos por esse
recurso. Quando os estudantes estiveram
fora da escola, irão certamente acessá-los
sem o devido acompanhamento. No entanto,
é um desafio para o professor saber auxiliar
os alunos no processo de organizar e digerir
as mais diversas informações disponibilizadas
na rede internet, em especial nos sites de
que os alunos mais gostam. Mais uma
vez, chega-se à questão da formação do
professor com abordagens inovadoras como
de fundamental importância no processo de
introdução da Informática na Educação.
c. Aprendizagem digital: dentro ou
fora da escola?
A pesquisa qualitativa desenvolvida
mostrou a evidência de que a aprendizagem
digital do aluno acontece mais fora da escola,
em espaços das localidades em que vivem,
como as lan houses. Portanto, a escola tem
contribuído pouco para a aprendizagem
digital. Essa evidência foi confirmada a
partir dos relatos dos sujeitos participantes
da pesquisa. Embora a percepção dos
sujeitos seja ambígua e, em alguns
relatos, seja afirmado que aprendizagem
esteja associada à escola, o que repercute
predominantemente nos sujeitos é a
compreensão da aprendizagem acontecendo
mais fora da escola. Isso tem acontecido
devido às condições infraestruturais do LIE
e, especialmente, em virtude da formação
do professor ainda ser insuficiente para
dotar o docente de conhecimentos para
trabalhar e compreender a utilização da
ferramenta computacional como instrumento
pedagógico.
[...] E outra coisa, o aluno, fora da escola
pode ficar interagindo com o mundo, ele
ARTIGOS INÉDITOS
tá aqui ao mesmo tempo escutando uma
música, ao mesmo tempo falando com
uma pessoa, assistindo vídeo. E na escola
ele fica restrito. É como se o aluno tivesse
só uma visão. Agora aqui é o momento
de leitura, então vamos só ler. Agora é
o momento do vídeo, então vamos só
assistir vídeo. E o menino está preparado,
esses jovens de hoje, para fazer 10 ou 20
coisas ao mesmo tempo. E a escola não
está preparada para esse tipo de coisa.
(gestora municipal).
Só que na lan house eles fazem mais
jogos. E aqui são jogos criados por
educadores, totalmente educativos. Jogos
que trabalham português, ciências. São
jogos destinados ao aprendizado. E na lan
house são jogos propriamente ditos. (...)
A escola ajuda o aluno a se inserir nessa
realidade que não tem como mais de não
existir. (professora 2).
Portanto, de um modo geral, de acordo
com os relatos, constatou-se que o uso do LIE
ainda é muito limitado e, por isso, não tem
sido utilizado de maneira a criar algo novo a
partir das diversas áreas do conhecimento.
Para o aluno restam apenas trabalhos nos
formatos tradicionais, que normalmente não
agregam muito conhecimento, além dos já
obtidos em sala de aula.
d. Aprendizagem digital: impacto na
vida dos alunos
Um tema indagado aos sujeitos era em
que medida a aprendizagem digital contribui
para a melhoria da qualidade do ensino e a
formação profissional do aluno. Questionouse isso para investigar, como hipótese, se o
LIE colabora com a inclusão sociodigital dos
alunos.
A percepção dos sujeitos envolvidos com
o programa, de um modo geral, traz a noção
da importância da aprendizagem digital para
melhorar o ensino, a formação profissional e,
com isso, facilitar a melhoria das condições
de vida dos alunos. Os sujeitos percebem
ARTIGOS INÉDITOS
as novas tecnologias como facilitadoras da
inclusão sociodigital do aluno.
Eles vão pouco ao laboratório. Mas,
mesmo assim, a gente acredita que esse
laboratório, ele faz um diferencial imenso,
ele é uma oportunidade, muitas vezes ele
é a única. Único contato que os alunos têm
com o computador, com a internet, né?!
E eles são receptivos. (gestora municipal)
Entretanto,
incluir
sociodigitalmente
implica não somente saber manusear
o computador. O processo de inclusão
deve ser visto, também, sob os aspectos
socioeconômicos e cognitivos. A partir
dessa abordagem e dos vários relatos orais,
verificou-se que o LIE, da forma que está
sendo utilizado pela escola, não é suficiente
para realizar isso tudo. Embora se ressalte a
importância do programa para permitir que
os alunos de escolas públicas tenham acesso
ao computador e, com isso, não se sintam
tão excluídos, conclui-se que ele não traz
mudanças substantivas nas condições de
vida do aluno.
Considerações finais
Diante dos resultados desta pesquisa e
de todos os argumentos dos sujeitos deste
estudo, é possível considerar que o PROINFO,
nos moldes atuais, não tem permitido uma
melhoria nas condições de vida dos alunos e,
com isso, sua inclusão social. Isso se deve,
principalmente, em virtude do contexto
sociopolítico estruturalmente excludente no
qual o programa foi concebido.
Importante mencionar, ainda, que, no
percurso deste trabalho, que se constitui em
uma avaliação preliminar do PROINFO na
cidade de Fortaleza por meio de um estudo
de caso, foram surgindo alguns temas e
2013 JAN/DEZ
65
questões que sugerem o aprofundamento
em pesquisas futuras.
A pesquisa foi
desenvolvida com algumas limitações
relacionadas ao tamanho da população e ao
método de investigação que forneceram ao
trabalho uma característica específica, não
permitindo a generalização dos resultados
para toda a Rede Municipal de Educação.
Para uma avaliação mais profunda de
toda a Rede de Ensino, seria apropriada a
realização de estudos de casos múltiplos, o
que não coube no escopo deste trabalho.
Apesar disso, acredita-se que a pesquisa
realizada constitui uma metodologia de
avaliação que pode analisar o PROINFO. Esta
mesma metodologia poderá ser reproduzida
numa avaliação de maior amplitude nas
escolas de Fortaleza.
66 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
67
Resumen: Este trabajo busca evaluar
los impactos del Programa Nacional
de Tecnologías de la Información en la
Educación en las condiciones de vida de
los estudiantes de las escuelas primarias
públicas, comprobando su relación con el
proceso de desarrollo de la inclusión sociodigital. Para esta investigación evaluativa
se utilizaron encuestas, entrevistas con la
comunidad escolar (estudiantes, maestros
y director - familia), y la observación
participante, con visitas a las escuelas y la
realización de un grupo de discusión formado
por estudiantes. Los principales resultados
indican que el aprendizaje ocurre para la
mayoría de los estudiantes digitales fuera de
los espacios escolares en las localidades en
las que viven, como los cibercafés y que el
aprendizaje no implica necesariamente, en
general, la mejora de las condiciones de vida
de los estudiantes, por lo tanto, de hecho no
permite la inclusión social y digital, ya que,
cuando se trata de sus condiciones de vida
en un contexto estructuralmente excluyente
se perciben los límites del PROINFO.
Résumé: Ce travail apparaît pour évaluer
les impacts du Programme national des
technologies de l’information en éducation
dans les conditions de vie des élèves
des écoles publiques élémentaires, en
vérifiant sa relation avec le processus de
développement socio-inclusion numérique.
Pour cette recherche évaluative a été utilisé
des questionnaires, des entretiens avec la
communauté scolaire (élèves-enseignantdirecteur - famille), et l’observation
participante, avec des visites dans les écoles
et la réalisation d’un groupe de réflexion
composé d’élèves. Les principaux résultats
indiquent que l’apprentissage se fait la plupart
des étudiants hors des espaces numériques
scolaires dans les localités dans lesquelles
ils vivent, comme dans les cybercafés
et que l’apprentissage n’implique pas
nécessairement, en général, l’amélioration
des conditions de vie des étudiants, afin ,
n’a pas, en fait, une inclusion sociale et
numérique, parce que, quand il s’agit de
leurs conditions de vie dans un contexte
structurellement exclusion se rend compte
des limites de la portée des Proinfo.
Palabras clave: Tecnologías de la
Información y la Comunicación (TIC),
evaluación, socio-inclusión digital, PROINFO,
sociedad de la información.
Mots-clés: Technologies de l’Information
et de la Communication (TIC), l’évaluation,
socio-inclusion numérique, PROINFO, société
de l’information.
Notas
1 Este artigo é resultado da dissertação do Curso de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade
Federal do Ceará - UFC.
2 O PROINFO foi criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 1997, por meio da Portaria n.º 522, de 9 de abril
de 1997. De acordo com relatórios oficiais, o programa tem a finalidade de promover a melhoria do processo
de ensino-aprendizagem mediante introdução da informática na Rede Pública de Ensino Fundamental e Médio.
3 “O estudo de caso conta com muitas das técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas, mas acrescenta duas
fontes de evidencias que usualmente não são incluídas no repertório de um historiador: observação direta dos
acontecimentos que estão sendo estudados e entrevistas das pessoas neles envolvidas.” (YIN, 2005, p.26).
4 Existem no município de Fortaleza 6 (seis) Secretarias Executivas Regional – SERs para prestar serviços municipais,
identificando as necessidades e demandas da população. Elas são distribuídas da seguinte forma:
SER I, que abrange 15 bairros e 68 unidades escolares; SER II, com 21 bairros e 42 unidades escolares; SER III,
que abrange 16 bairros e 59 unidades escolares; SER IV, com 19 bairros e 38 unidades escolares; SER V, com 16
bairros e 114 unidades escolares; SER VI, que abrange 27 bairros e 109 unidades escolares.
68 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
5 Segundo Rigotto (1999), as técnicas de relatos orais, como um todo, colocam o sujeito num lugar de destaque,
valorizando as suas experiências e o que tem a dizer sobre elas. O tipo de técnica utilizado para o propósito deste
trabalho foi a entrevista aberta. O uso de entrevistas abertas permite uma relação de troca e aprendizagem, ou
seja, tanto o pesquisador quanto o entrevistado descobrem, aprendem e refletem sobre o objeto da investigação.
(CALDEIRA, 1981).
6 “Conveniência é quando não há aleatoriedade de escolha e os elementos são selecionados pela facilidade de acesso
a eles. O critério de intencionalidade se caracteriza pela seleção de uma população em que haja conhecimento
aprofundado sobre ela e quer atender a alguns critérios.” (COOPER e SCHINDLER, 2003 apud OLIVEIRA, 2009,
p.86).
7 Os NTEs são estruturas descentralizadas de apoio ao processo de informatização das escolas, auxiliando tanto o
planejamento e incorporação das novas tecnologias quanto o suporte técnico às equipes administrativas das
escolas.
8
Gentilli (2002) considera a noção de empregabilidade um conceito liberal, que emergiu no contexto da
reestruturação produtiva, inspirado na teoria do capital humano. Essa percepção está vinculada a uma questão
meramente tecnológica de dominar e ter habilidades para manusear uma máquina, sendo que essa dimensão,
não necessariamente, poderá levar o aluno a ingressar no mercado de trabalho.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
69
Dinheiro direto na escola: um olhar avaliativo sobre o Programa
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino de Fortaleza
Funds directly at school: an evaluative look at the Program for the
Maintenance and Development of Education in Fortaleza
Dinero en la escuela: una mirada evaluativa sobre el Programa de
Mantenimiento y Desarrollo de la Educación en Fortaleza
De l’argent placé directement à l’école: un regard évaluatif sur le
Programme pour l’Entretien et le Développement de l’Éducation à
Fortaleza
João Inácio Campelo*
Resumo: O objetivo do artigo é tecer
considerações avaliativas sobre o Programa
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
(PMDE), no contexto da reforma educacional
brasileira, e suas implicações para a gestão
da escola pública do município de Fortaleza.
A intenção foi elencar possíveis elementos
indicativos das categorias que embasaram
a criação do programa – descentralização,
transparência, participação, autonomia e gestão
democrática – presentes na implementação e
execução do Programa e no cotidiano das escolas
públicas municipais. A metodologia da pesquisa
levou em consideração as peculiaridades
das escolas da amostra, as relações de força
manifestas e as especificidades presentes na
materialização desta política governamental. A
pesquisa realizou-se em duas unidades escolares:
uma pertencente à Secretaria Executiva Regional
(SER) I e outra à SER VI. Ao final apresentamos
uma síntese a partir do marco referencial de
análise e dos pontos destacados no decorrer
da pesquisa, como: a relação público/privado,
a gestão democrática e a descentralização/
centralização.
Abstract: The aim of this article is to provide
evaluative considerations about the Program for
the Maintenance and Development of Education
(PMDE), in the context of the Brazilian educational
reform, and its implications for the management
of public schools in Fortaleza. Our objective was to
identify possible indicative elements of categories
that supported the creation of the program –
decentralization, transparency, participation,
autonomy and democratic management – which
are present in the implementation and execution
of the Program on a daily basis in public schools.
The research methodology took into account the
peculiarities of the schools in the sample, the
manifest relations of strength and the specificities
present in the execution of this government
policy. The research was carried out in two
school units belonging to different municipal
subdivisions: SER* I and SER VI. At the end, we
present a synthesis considering the landmark
analysis and the points highlighted along the
research such as: the public / private relation,
democratic management and decentralization /
centralization.
Palavras-chave: Avaliação, educação, autonomia, gestão democrática.
Keywords: Assessment, education, autonomy,
democratic management.
* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela UFC; Técnico em Educação pela Prefeitura Municipal de Fortaleza; e
Docente universitário da Faculdade da Aldeia de Carapicuíba e da Faculdade Tecnológica Darcy Ribeiro. E-mail:
[email protected]
70 JAN/DEZ 2013
Introdução
No Brasil, embora a
gestão
democrática da educação figure como norma jurídica
desde a Constituição Federal de 1988, sua
regulamentação tem sugerido uma diversidade de interpretações que variam segundo
o lugar e os agentes envolvidos. A década de
1990 apresentou-se como um momento ímpar nas formulações de propostas no campo
educacional, mais especificamente da gestão
da educação. Peroni (2006) destaca que tais
mudanças ocorrem na esfera do Estado, da
produção, do mercado e também no âmbito
ideológico-político-cultural, em consequência dos processos de Reestruturação Produtiva, da Globalização, do Neoliberalismo e da
Terceira Via. De acordo com a autora, estas
são estratégias do capitalismo para a superação de sua crise.
Fundamentado nesse arcabouço teórico,
este artigo tem como objetivo central tecer
considerações avaliativas do Programa
de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino (PMDE) no contexto da reforma
educacional brasileira, assim como suas
implicações para a gestão da escola pública
do município de Fortaleza. Considerando que
a defesa da política pública para a criação
do Programa repousa em categorias como:
descentralização, transparência, participação,
autonomia e gestão democrática, nossa
intenção inicial foi trazer à tona possíveis
elementos indicativos dessas categorias,
presentes na implementação e execução
do Programa, bem como no cotidiano das
escolas públicas municipais.
Para Ala-Harja e Helgason (2000), a
avaliação pode ser definida como uma análise
sistemática de aspectos importantes de um
programa e seu valor, o objetivo principal é
fornecer resultados confiáveis e utilizáveis.
Assim, considerando que o Programa objeto
da nossa avaliação foi implementado em
2001 e continua em execução desde então,
ARTIGOS INÉDITOS
nosso critério de avaliação para essa política
pública foi realizar uma avaliação somativa.
Como considera Ala-Harja e Helgason (2000),
esse modelo de avaliação é conduzido
frequentemente quando o programa já está
implementado há algum tempo (avaliação
ex post) para o estudo de sua eficácia e o
julgamento de seu valor geral.
Com base nesse modelo de avaliação, a
investigação visa identificar até que ponto
os objetivos do Programa estão sendo
alcançados. Afinal, no contexto político
brasileiro, os políticos enfatizam suas
boas intenções quando estão decidindo
uma determinada intervenção pública,
mas nem sempre estarão interessados em
estudar seus efeitos. Por trás da relutância
em solicitar avaliações e em discutir seus
resultados, pode haver o receio de que
algumas deficiências venham a ser expostas.
O Programa foi avaliado tendo em
vista que as estratégias do capitalismo,
na tentativa de superação de sua crise
estrutural (globalização, reestruturação
produtiva e neoliberalismo), têm redefinido
as formulações das políticas públicas
sociais, principalmente em relação às
políticas educacionais. No caso brasileiro,
essas redefinições foram contempladas no
Plano Diretor da Reforma do Aparelho de
Estado, no qual as políticas sociais deixam
de ser consideradas atividades exclusivas
do Estado e passam para a esfera “pública
não estatal” (Bresser Pereira, 1997, p.
7), instituída por meio da criação das
Organizações Sociais (OS) em suas diversas
formas de instituição legal.
A concepção metodológica que norteou
o desenvolvimento da pesquisa levou
em consideração a importância das
peculiaridades das escolas da amostra,
as relações de força manifestas e as
especificidades presentes na materialização
de uma política governamental. Atendendo
ARTIGOS INÉDITOS
a essa exigência metodológica, a pesquisa
realizou-se em duas unidades escolares,
sendo uma pertencente à Secretaria
Executiva Regional (SER) I e outra à SER
VI. Observe-se que a ética na coleta das
informações foi contemplada, entre outros
procedimentos, pela realização de entrevistas
somente mediante o consentimento prévio
dos entrevistados e pelo respeito às opções
de anonimato, quando foi o caso. A utilização
de áudio somente ocorreu com a autorização
específica dos participantes. A adesão à
pesquisa foi voluntária.
Para as considerações finais, apresentamos
uma síntese a partir do marco referencial
de análise e dos pontos que se destacaram
no decorrer da pesquisa, como: a relação
público/privado, a gestão democrática e a
descentralização/centralização.
Orientações das políticas públicas
em educação: participação,
autonomia e descentralização
Inserido no contexto dos construtos legais
e teóricos acerca da gestão democrática
participativa e os princípios da autonomia
escolar, discutiremos o contexto teórico e
político da descentralização. Analisaremos
ainda a forma como esta é abordada no Plano
Diretor da Reforma do Aparelho de Estado,
proposto a partir de 1995 no governo de FHC
pelo ex-ministro Bresser Pereira.
De acordo com Farah (2000), as políticas
públicas promovidas pelo Estado até o
início dos anos 1980 se caracterizavam, em
primeiro lugar, pela centralização decisória
e financeira na esfera federal, cabendo aos
Estados e municípios, quando estes eram
envolvidos em política específica, o papel
de executores das políticas formuladas
centralmente. Como características desse
2013 JAN/DEZ
71
desenho institucional, podemos citar a
predominância da troca de favores de cunho
clientelista, a falta de integração entre as
políticas públicas sociais e a exclusão da
sociedade civil do processo de formulação,
implementação e controle das políticas
públicas e da ação governamental.
No Brasil, a partir da década de 1970,
e ganhando impulso na década de 1980,
cresce o debate sobre a reforma da ação
do Estado na área social. Para Farah
(2000), esse processo veio se consolidar na
Constituição de 1988, que teve como eixos
a democratização dos processos decisórios
e a busca da igualdade dos resultados das
políticas públicas, sendo a democratização
vista como condição da equidade desses
resultados.
As propostas enfatizadas neste momento
foram a descentralização e a participação dos
cidadãos na formulação e implementação
das políticas públicas. Os estudos de Farah
(2000) apontam que a descentralização e a
participação eram vistas como ingredientes
fundamentais desta reorientação substantiva
das políticas sociais, voltada para a garantia
da equidade e para a inclusão de novos
segmentos da população na esfera do
atendimento estatal. Assim, pelo menos no
discurso teórico e legal, há uma migração de
uma política de exclusão para uma política
de inclusão. No entanto, no contexto prático
do cenário social, é fundamental analisar
se, na formulação, na implementação e nos
resultados dessas políticas, predominam
mecanismos que realmente promovam a
descentralização administrativa e financeira
e a participação da sociedade civil.
No final da década de 1980 e início dos
anos 1990, apesar do contexto democrático
que balizava a ação do Estado, a crise fiscal
e a escassez de recursos predominavam
no discurso público. Por outro lado, a
crescente desigualdade social provocava o
72 JAN/DEZ 2013
agravamento da crise social. Nesse contexto,
a ação do Estado era incapaz de fazer frente
às demandas crescentes na área social.
Assim, temos que:
[...] ao lado da preocupação com a
democratização dos processos e com a
equidade dos resultados, foram introduzidas
na agenda preocupações com a eficiência, a
eficácia e a efetividade da ação estatal, assim
como com a qualidade dos serviços públicos.
Neste processo de redefinição da agenda
de Reforma, disputou espaço internamente
o ideário neoliberal que ganhara força nos
países centrais e nas agências1 multilaterais
de financiamento. Para a ideologia neoliberal,
o Estado é essencialmente ineficiente,
ineficaz e provedor de serviços de baixa
qualidade. A crise econômica e a crise do
Estado resultam do próprio Estado e de sua
intervenção excessiva. (Farah, 2000, p. 16).
Com relação especificamente à área
social, a agenda neoliberal propunha a
privatização por meio da transferência
da produção de serviços públicos para o
setor privado lucrativo; a descentralização
das políticas sociais para as esferas locais
de governo, como forma de aumentar a
eficiência e a eficácia do gasto público; a
ação estatal voltada apenas para serviços
essenciais não passíveis de oferta pelo
mercado e para segmentos específicos da
população mais vulneráveis e expostos a
situações de pobreza extrema; e mudanças
na gestão dos programas estatais, de forma
a dotá-los da eficiência e eficácia atribuída à
gestão privada (Farah, 2000). Os princípios
e diretrizes dessa agenda foram formatados
no Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado, implantado a partir de 1995 no
governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em um contexto de alterações na
economia capitalista mundial, em que se
ARTIGOS INÉDITOS
destacam a reestruturação produtiva e a
globalização, impondo enormes desafios para
a inserção do Brasil no cenário internacional,
Farah (2000) propõe uma ação estatal que,
diferentemente da abordagem neoliberal,
não promova o desmantelamento do Estado,
mas sim uma reforma que corresponda aos
novos desafios que se apresentam a uma
nação em desenvolvimento. A intenção é
integrar à agenda “democrática” dos anos
1980 novos ingredientes voltados à busca
da eficiência, da eficácia e da efetividade na
ação estatal.
A autora afirma que não se trata, neste
caso, de privatização como alternativa
prioritária ou exclusiva (potencialmente
segmentadora e excludente), mas de novas
formas de articulação com a sociedade civil
e com o setor privado, visando à garantia da
provisão de serviços públicos. Nesse cenário,
ocorre a substituição do modelo de provisão
estatal por um modelo em que o Estado deixa
de ser o provedor direto exclusivo e passa a
ser o coordenador e fiscalizador de serviços
que podem ser prestados pela sociedade
civil ou pelo mercado ou em parceria com
estes setores.
Nesse novo paradigma de políticas
públicas, Farah (2000) acredita que a
descentralização não significa apenas
transferir recursos financeiros e atribuições,
de forma a garantir eficiência, mas é vista,
sobretudo, como redistribuição de poder,
favorecendo a democratização das relações
entre Estado e Sociedade e a democratização
do acesso aos serviços públicos. Essa deve
ser a perspectiva, a descentralização só
faz sentido se favorecer o processo de
democratização da gestão e das relações de
poder. De todo modo, pode-se dizer que a
reformulação da gestão estatal tampouco
é monopólio do neoliberalismo, sendo
incorporada à agenda de reforma por atores
que não comungam com o neoliberalismo,
ARTIGOS INÉDITOS
mas defendem a democratização das
políticas públicas e a equidade das políticas
sociais.
Na mesma linha teórica de Farah,
Diniz (2007) nos alerta que a participação
espontânea da sociedade não garante
por si só o sucesso da gestão movida
pelos pilares da democracia participativa
e descentralizada. No que diz respeito à
sociedade, é preciso considerar seu grau
de organização e a disposição dos cidadãos
para participar da vida social; a densidade
e qualidade da representação. No que se
refere ao governo, devemos considerar que
o grau de descentralização administrativa,
a autonomia das diversas esferas de poder,
a articulação entre elas, a capacidade de
comando e de coordenação do Estado são
alguns dos fatores que favorecem a eficácia
desse padrão de gestão pública.
É nessa efervescência teórica e política
de novos paradigmas, como administração
gerencial, descentralização, controle social,
gestão democrática e participação, que o
Plano de Reforma do Aparelho de Estado
(Pdrae) de FHC e Bresser Pereira emerge,
fortalecendo e ampliando, no seio da
sociedade civil, o chamado terceiro setor.
O Plano, num esforço de diagnóstico da
administração pública brasileira, aponta uma
distinção de três dimensões da reforma: a) a
dimensão institucional legal, relacionada aos
obstáculos de ordem legal para o alcance
de uma maior eficiência do aparelho do
Estado; b) a dimensão cultural, definida pela
coexistência de valores patrimonialistas,
e principalmente burocráticos, com os
novos valores gerenciais e modernos na
administração pública brasileira; e c) a
dimensão gerencial, associada às práticas
administrativas. (BRASIL, 2005).
Observa-se que o Plano deixa claro
que, para promover a mudança da cultura
administrativa e reformar a dimensão-gestão
2013 JAN/DEZ
73
do Estado, era necessário providenciar a
mudança do sistema legal, isso implica
mudanças nas normas constitucionais sempre
que for necessário. A título de exemplo, entre
muitos outros, o Plano estabelece que
A rigidez da estabilidade assegurada
aos servidores públicos civis impede a
adequação dos quadros de funcionários às
reais necessidades do serviço, e dificulta a
cobrança de trabalho. Da mesma forma, a
transformação do concurso público – cuja
exigência generalizada na administração
pública representou o grande avanço da
Constituição de 1988 – em uma espécie de
tabu dificulta as transferências de funcionários
entre cargos de natureza semelhante. Por
outro lado, as exigências excessivas de
controles de compras e o detalhismo dos
orçamentos são exemplos dessa perspectiva
burocrática implantada na lei brasileira, que
dificultam de forma extraordinária o bom
funcionamento da administração pública.
(Brasil, 2005, p. 41)
Com essas afirmações, o Plano destaca
a “necessidade” e a intenção de modificar
a legislação da estabilidade dos servidores
públicos, a forma de ingresso no serviço
público e ainda a lei de licitações. Não
é intenção desse trabalho de pesquisa
aprofundar a dimensão institucional-legal
proposta no Plano. A intenção inicial é trazer
à tona o objetivo claro de Bresser Pereira
e do governo do FHC de ameaçar direitos
históricos conquistados em duras e longas
lutas travadas pela classe trabalhadora. O
alerta segue ainda no sentido de que políticas
de descentralização e o público não estatal,
com ou sem alterações no sistema jurídico
brasileiro, são fortalecidos a partir de 1995
com a implementação do Pdrae, e, após
dez anos do atual governo do Partido dos
Trabalhadores – PT, essas políticas seguem
74 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
fortalecidas2. Isso pode significar que o
governo brasileiro do PT não relegou todas
as propostas políticas e administrativas do
Pdrae.
O Pdrae divide o Aparelho do Estado
em quatro Setores: 1) Núcleo Estratégico.
Corresponde ao governo em sentido lato.
É o setor que define as leis e as políticas
públicas, e cobra o seu cumprimento. É o
setor onde as decisões estratégicas são
tomadas; 2) Atividades Exclusivas. É o setor
em que são prestados serviços que só o
Estado pode realizar. Refere-se a serviços em
que o poder extroverso do Estado exerce a
ação de regulamentar, fiscalizar e fomentar;
3) Serviços Não Exclusivos. Corresponde ao
setor onde o Estado atua simultaneamente
com outras organizações públicas não
estatais e privadas. As instituições desse
setor não possuem o poder de Estado. Este,
entretanto, está presente porque os serviços
envolvem direitos humanos fundamentais,
como os da educação e da saúde; 4)
Produção de Bens e Serviços para o Mercado.
Corresponde à área de atuação das empresas.
É caracterizada pelas atividades econômicas
voltadas para o lucro que ainda permanecem
no aparelho do Estado. Estão no Estado
seja porque faltou capital ao setor privado
para realizar o investimento, seja porque
são atividades naturalmente monopolistas,
nas quais o controle via mercado não é
possível, tornando-se necessário, no caso
de privatização, a regulamentação rígida.
(BRASIL, 2005).
Após estabelecer os setores do Estado,
o Plano prossegue com a proposta de
reforma do Estado e trabalha as Formas de
Propriedade. O Pdrae assegura que “ainda
que vulgarmente se considerem apenas
duas formas, a propriedade estatal e a
propriedade privada, existe no capitalismo
contemporâneo
uma
terceira
forma,
intermediária, extremamente relevante: a
PROPRIEDADE PÚBLICA NÃO ESTATAL”.
(Brasil, 1995, p. 43). Na concepção do Plano,
esse tipo de propriedade é constituído pelas
organizações sem fins lucrativos, que não
são propriedade de nenhum indivíduo ou
grupo e estão orientadas diretamente para o
atendimento do interesse público.
O Plano faz a relação entre Setores de
Estado e Forma de Propriedade, afirmando
que o tipo de propriedade mais indicada
variará de acordo com o setor do aparelho
do Estado. O quadro abaixo demonstra
claramente a relação entre setores de
Estado, formas de propriedade e forma de
administração que o Plano pretende adotar.
Quadro 1 – Setores de Estado e as formas de propriedade
Formas de propriedade
Setores de Estado
Núcleo Estratégico
Legislativo, Judiciário,
Presidência, Ministérios,
Ministério Público
Atividades
exclusivas
Regulamentação,
Fiscalização, Fomento,
Segurança Pública,
Seguridade Social
Estatal
•
•
Pública não
estatal
Privada
Formas de administração
Burocrática
•
Gerencial
•
ARTIGOS INÉDITOS
Serviços não
exclusivos
Universidades, Hospitais,
Centros de Pesquisa,
Museus
Produção para o
Mercado
2013 JAN/DEZ
•
Empresas Estatais
Fonte: Brasil, 2005.
Ora, ao analisarmos apenas as relações
entre os tipos de administração (burocrática
e gerencial), os setores do Estado e as
formas de propriedade defendidas no Plano,
fica evidente que a reforma do aparelho de
Estado proposta por FHC e Bresser Pereira
comunga plenamente com a ideologia política
da terceira via defendida por Giddens3. Essa
relação evidencia-se no fato de o Plano inserir,
no cenário político e econômico brasileiro,
uma terceira forma de propriedade: a pública
não estatal, denominada pela teoria crítica
de Peroni, Adrião e Montaño como terceiro
setor.
Nesse contexto, a definição que constitui
o foco maior deste trabalho de pesquisa é
aquela que o Plano define como propriedade
pública não estatal, na qual se inserem
os serviços não exclusivos e que abarca
políticas sociais como a educação. O objetivo
do Plano é transferir para o setor público
não estatal (terceiro setor) estes serviços
mediante programas de publicização. Para
tanto, modifica-se ou cria-se legislação
específica necessária para o surgimento e
fortalecimento das organizações sociais, ou
seja, entidades de direito privado, sem fins
lucrativos, que tenham autorização do Poder
Legislativo para celebrar contrato de gestão
com o Poder Executivo e assim ter direito à
dotação orçamentária.
É importante destacar que autores como
Peroni e Adrião (2007) trazem argumentos
teóricos que sustentam que o Conselho
Escolar (CE), empresa jurídica de direito
•
75
•
•
privado sem fins lucrativos, e, com autorização
legislativa para executar os recursos oriundos
de programas de dinheiro direto na escola,
como o PMDE, faz parte das organizações
sociais inseridas no chamado terceiro setor.
Portanto, o Conselho Escolar é elemento
integrante da política de fortalecimento do
chamado terceiro setor.
O receio é que a obrigatoriedade da criação
de uma Unidade Executora-UEx (Conselho
Escolar) para recebimento de recursos
pela escola possa se constituir em espaço
público não estatal na educação, conforme
explicitado no Plano da Reforma do Estado
(1995), uma vez que, além de receber e
administrar esses recursos, o Conselho
Escolar também pode firmar convênios e
parcerias com a área privada e pública para
captar recursos.
Neste sentido, Costa (2005) reafirma a
necessidade de estarmos alerta contra
a impressão de novidade das propostas
de gestão descentralizada, baseadas na
existência de uma suposta esfera pública não
estatal. O autor teme que, em um cenário
político onde não haja rompimento com as
estruturas do capital e nem com a ideologia
neoliberal, isto possa significar apenas a
reedição de antigos esquemas clientelistas e
fisiológicos.
As críticas acima são pertinentes e merecem
aplausos. A sociedade civil precisa estar
atenta aos resultados reais das políticas
educacionais, para garantir que ocorram
no cotidiano escolar as afirmações de
76 JAN/DEZ 2013
Romão (2004), quando atesta que a gestão
democrática faz parte de uma escola cidadã,
que é estatal quanto ao financiamento, pois o
Estado deve repassar os recursos diretamente
à escola para que o dirigente escolar possa
executar o que o coletivo escolar deliberou e
aprovou em seu projeto político-pedagógico.
O autor arremata que essa escola é ainda
pública, pois seus objetivos, finalidades e
resultados destinam-se igualmente a toda a
sociedade, sem exceções e distinções.
De qualquer modo, considerando o que
foi dito sobre gestão democrática do
ensino e considerações de autores como
Schlesener (2006), que apregoa que a
gestão democrática é um processo contínuo,
gerador de uma nova experiência de
gestão política, que nasce da consciência
crítica elaborada na ação e no debate, não
mais enraizada no individualismo nem nos
objetivos do mercado e do consumo, tornase visível a necessidade de analisarmos se a
política de descentralização do financiamento
da educação, desdobrada em programas
de dinheiro direto na escola, tendo o
Conselho Escolar como Unidade Executora,
está comprometida realmente com a
democratização e autonomia da escola ou se
configura mais uma política de fortalecimento
do terceiro setor com intenções de perpetuar
a ideologia neoliberal e o fundamentalismo
de mercado.
Trajetória e marcos legais do
programa de manutenção e
desenvolvimento do ensino
(PMDE)
O objetivo deste item é discorrer sobre
o processo de criação, implantação e
implementação do Programa de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino (PMDE)
ARTIGOS INÉDITOS
no município de Fortaleza, apontando as
alterações expressas na legislação referente
ao Programa ao longo do período de 2001
a 2010. Assinalaremos, ao longo desse
tópico, as principais modificações ocorridas
tanto no âmbito legal quanto no aspecto
administrativo, financeiro e pedagógico.
A Secretaria Municipal de Educação –
SME do governo de Fortaleza não elaborou
uma legislação específica para normatizar os
princípios e diretrizes do PMDE. O documento
que normatiza o repasse do Programa referese a um convênio assinado a cada ano pelo
representante da pasta da Secretaria de
Educação e pelos gestores das unidades
escolares que compõem o Sistema Municipal
de Educação. É importante esclarecer que
todos os Convênios referentes aos repasses
anuais do Programa foram publicados no
Diário Oficial do Município – DOM, conforme
estabelece o princípio da publicidade dos
atos públicos.
Extrapola os limites deste artigo a análise
aprofundada dos parâmetros legais que
balizam o convênio do PMDE. No entanto,
sempre que necessário, nos reportaremos a
esta.
Inicialmente, queremos destacar a
Portaria n.º 448, da Secretaria do Tesouro
Nacional do Ministério da Fazenda – STN/MF,
de 13 de setembro de 2002, que divulga o
detalhamento da natureza de despesa para
material corrente (custeio) e para material
permanente (capital), respectivamente,
para fins de utilização pela União, Estados,
DF e Municípios, com o objetivo de auxiliar,
em termos de execução, o processo de
apropriação contábil da despesa que
menciona. Assim, a despesa pública que
constitui o repasse do PMDE é dividida em
despesas de custeio e capital.
O primeiro repasse do PMDE ocorreu no
ano de 2002, sob o governo municipal de
Juraci Vieira de Magalhães. Desde então,
ARTIGOS INÉDITOS
o convênio tem passado por inúmeras
modificações que serão destacadas ao longo
deste tópico. Os recursos do Programa são
oriundos da receita do Tesouro Municipal
e obedecem à classificação orçamentária
pública especificada no Convênio.
O Convênio é organizado no âmbito de
cada Secretaria Executiva Regional – SER.
Embora seja elaborado um convênio para
cada SER, todos são de igual teor e contêm
sempre a assinatura do chefe do Poder
Executivo, que representa o município de
Fortaleza; do secretário da pasta do sistema
municipal de educação e dos diretores e
presidentes dos Conselhos Escolares das
unidades de ensino da circunscrição de cada
SER.
O Convênio elaborado para o repasse de
2010 tem por objeto a execução de ações do
PMDE, pautadas pelo princípio constitucional
que garante a todos o direito à educação.
De acordo com o documento municipal, o
objetivo é:
[...] fornecer o necessário suporte a
todas as Unidades de Educação Básica do
município de Fortaleza, com a promoção
de ações pertinentes à manutenção e
desenvolvimento do ensino, a serem
realizadas mediante uma prática de gestão
democrática e com a participação de toda a
comunidade escolar, em consonância com
as diretrizes do Orçamento Participativo, no
processo de identificação de necessidades,
priorização de gastos/investimentos e
na execução transparente dos recursos
financeiros transferidos às escolas através
de seus Conselhos Escolares. (Fortaleza,
2010, p. 1).
O repasse referente ao ano de 2010
contempla toda a educação básica, mas nem
sempre foi assim. Inicialmente, o Programa
contemplava apenas os alunos do Ensino
Fundamental. A partir do ano de 2007, o
PMDE passou a inserir, nos parâmetros de
cálculos, os alunos da Educação Infantil
(creches municipalizadas e pré-escola) e os
2013 JAN/DEZ
77
alunos do Ensino Médio, embora o sistema
municipal de ensino conte apenas com
uma unidade escolar que ofereça esse nível
de ensino. Fato que não causa espanto,
visto que, de acordo com o artigo 210 da
Constituição brasileira, a prioridade do
município com a oferta da educação pública
é o Ensino Fundamental.
O discurso do governo inclui o caráter
democrático no relato do objetivo do
Programa, pois vem explícita a execução do
programa pautada em uma prática de gestão
democrática. Isso quer dizer que a unidade
escolar, ao planejar os gastos e eleger as
prioridades da execução do programa,
deverá fazê-lo de forma democrática, ou
seja, deverá promover a democratização dos
processos de tomada de decisão, baseada
no diálogo e no consenso, com ações
gestoras que possibilitem a participação
efetiva de toda a comunidade escolar,
desde a identificação das necessidades,
priorização de gastos e execução até a
prestação de contas e sua aprovação. Este
caráter democrático e participativo presente
no discurso do Programa, a constituição
do Conselho Escolar como pessoa jurídica
sem fins lucrativos e a autonomia da escola
constituem os aspectos principais que
alicerçam nossa pesquisa avaliativa.
De acordo com a Cláusula sétima do
Convênio que regulamenta o repasse de
2010, os recursos serão destinados à
cobertura de despesas corrente (material
de consumo e/ou serviços) e capital
(materiais permanentes), que concorram
para a manutenção e desenvolvimento do
ensino. O Convênio veda a utilização do
recurso em gastos com pessoal e em obras
de infraestrutura, ainda que realizadas
para beneficiar direta ou indiretamente a
unidade escolar. São permitidas apenas
contratação de serviços para pequenos
reparos de construção civil e manutenção e
conservação de equipamentos.
78 JAN/DEZ 2013
O Sistema de Contabilidade do Orçamento
Público do Município de Fortaleza demonstra
várias fontes de recursos para as despesas com
educação4. No entanto, o repasse do recurso
do PMDE tem sua origem na Fonte 101, que
resguarda os recursos para as despesas com
manutenção e desenvolvimento do ensino.
Assim, a Cláusula sétima procura obedecer
ao disposto no artigo 70 da LDB, que deixa
claro que ações constituem despesas e
serão consideradas como de manutenção e
desenvolvimento do ensino, compreendendo
as que se destinam a:
I. remuneração e aperfeiçoamento do
pessoal docente e demais profissionais da
educação;
II. aquisição, manutenção, construção e
conservação de instalações e equipamentos
necessários;
III. uso e manutenção de bens e serviços
vinculados ao ensino;
IV. levantamentos estatísticos, estudos
e pesquisas visando precipuamente ao
aprimoramento da qualidade e à expansão
do ensino;
V. realização de atividade-meio necessária
ao funcionamento dos sistemas de ensino;
VI. concessão de bolsas de estudo a alunos
de escolas públicas e privadas;
VII. amortização e custeio de operações de
crédito destinadas a atender ao disposto
nos incisos deste artigo;
VIII. aquisição de material didático-escolar
e manutenção de programas de transporte
escolar. (Brasil, 1996, p. 164).
Em complemento e justaposição ao
artigo anterior, o artigo 71 vem estabelecer
as despesas que não constituem ações de
manutenção e desenvolvimento do ensino,
isto é, aquelas realizadas com:
I. pesquisa, quando não vinculada às
instituições de ensino, ou, quando efetivada
fora dos sistemas de ensino, que não vise,
precipuamente, ao aprimoramento de sua
qualidade ou à sua expansão;
II. subvenção a instituições públicas ou
privadas de caráter assistencial, desportivo
ou cultural;
III. formação de quadros especiais para a
administração pública, sejam militares ou
civis, inclusive diplomáticos;
ARTIGOS INÉDITOS
IV.
programas
suplementares
de
alimentação,
assistência
médicoodontológico, farmacêutica e psicológica,
e outras formas de assistência social;
V. obras de infraestrutura, ainda que
realizadas para beneficiar direta ou
indiretamente a rede escolar;
VI. pessoal docente e demais trabalhadores
da educação, quando em desvio de função
ou em atividade alheia a manutenção e
desenvolvimento do ensino. (Brasil, 1996,
p. 166).
Estes artigos fazem emergir uma das
questões mais intrincadas da educação
básica brasileira: definir o que é e o que não
é manutenção e desenvolvimento do ensino.
Para Carneiro (1998), a ausência de um
conceito e de uma definição clara e objetiva
definida em lei contribuiu para o desperdício e
a irresponsabilidade de recursos importantes
ao longo da história educacional do nosso
País. Embora o autor não tenha apresentado
dados, ele afirma que os gestores públicos,
principalmente o Poder Executivo Municipal,
usaram os recursos da educação para as
ações mais estapafúrdias possíveis, as
quais, com a ausência de precisões legais,
contaram com a cumplicidade dos Tribunais
de Contas, que faziam vista grossa para as
referidas despesas.
Em termos gerais, o Convênio delibera
que as despesas permitidas com o repasse
do recurso são as seguintes: aquisição
de materiais de capital5 necessários à
manutenção e desenvolvimento do ensino,
observadas as limitações expressas no próprio
documento legal; aquisição de material de
custeio6 (material pedagógico, de limpeza,
de escritório, elétrico, hidráulico, etc.); e
contratação de serviços de capacitação,
pequenos reparos na manutenção da rede
física, dos móveis e equipamentos.
ARTIGOS INÉDITOS
Implicações do PMDE para a
gestão escolar
Embora
as
unidades
escolares
alicerçadas
pelos
princípios
da
descentralização, gestão democrática,
participação e autonomia recebam e
executem o PMDE desde o ano de 2001,
somente em 2008 o município de Fortaleza,
por meio da Lei n.º 9.441, elabora e
aprova seu Plano Municipal de Educação.
Esse importante instrumento legal traça
as diretrizes, objetivos, metas e ações da
política municipal de educação. Enquanto
diretriz de gestão educacional, estabelece
transparência na gestão, execução e
prestação de contas dos recursos públicos
pelo sistema de ensino e unidades
escolares. Promete ainda aprimorar
os mecanismos de descentralização,
transparência e participação democrática
no
planejamento,
execução
e
acompanhamento do financiamento da
educação municipal.
O Plano Municipal de Educação de
Fortaleza, seguindo as diretrizes e
objetivos estabelecidos no PNE para
a gestão do ensino público, também
visa assegurar progressiva autonomia
pedagógica, administrativa e financeira
das escolas. Para tanto, estabelece como
ação de financiamento da educação:
Fortalecer a autonomia financeira das
escolas mediante a garantia de repasses de
recursos diretamente aos estabelecimentos
públicos da rede municipal, conforme os
dispositivos legais (art. 15, LDB); garantir
o repasse de recursos para as escolas
municipais por meio do PMDE; e garantir o
repasse de recursos de forma sistemática
no início de cada semestre letivo para as
escolas municipais por meio do PMDE, de
forma a atender às reais necessidades das
escolas diagnosticadas pelo PPP (Projeto
2013 JAN/DEZ
79
Político-Pedagógico). (Fortaleza, 2008, p.
123).
Os programas de dinheiro direto na
escola como forma de descentralização
de recursos, atendendo aos princípios
da gestão democrática e da autonomia
da unidade escolar, vêm fortalecendo e
ampliando as funções de um importante
órgão colegiado no âmbito do cotidiano
escolar: o Conselho Escolar. De acordo com
o Plano Nacional de Educação (2001), com
a função de Unidade Executora atribuída
a esse órgão colegiado na aplicação
dos recursos financeiros administrados
pelas escolas, estes aumentaram de R$
11.643,00 em 1995, para R$ 54.591,00 em
1998. Salientamos que a instituição legal
do Conselho Escolar em cada unidade de
ensino é uma das condições básicas para
o recebimento dos programas de dinheiro
direto na escola, inclusive o PMDE.
Conforme Oliveira (2001), ao pressupor
a democracia como princípio e como
método, os Conselhos Escolares devem
estar atentos aos fins almejados para a
educação, bem como aos consequentes
processos que lhes são correlatos. Nesses
termos, esses colegiados apresentamse como espaços públicos privilegiados,
nos quais tensões e conflitos podem ser
superados, o que deve desestabilizar
práticas monolíticas ou “harmoniosas”
de gestão escolar. Dessa forma, devem
configurar-se como espaços institucionais
de articulação, de soluções locais para os
problemas do cotidiano escolar.
Reinaldo (2008) confirma seu apoio
ao colegiado escolar e afirma que sua
atribuição consiste em deliberar, nos
limites de sua competência, e aconselhar
os dirigentes, no que julgar prudente,
sobre as ações a empreender e os meios a
utilizar para o alcance dos fins da escola.
Na versão do autor, o Conselho Escolar
80 JAN/DEZ 2013
existe para dizer aos dirigentes o que a
comunidade quer da escola e, no âmbito
de sua competência, o que deve ser feito.
Conforme a Lei n.º 7.990, de 23 de
dezembro de 1996, o município de Fortaleza
dispõe sobre a criação do Conselho
Escolar nas escolas públicas municipais.
Estabelece que o Conselho Escolar seja
um órgão colegiado de natureza jurídica,
organização democrática, constituição
paritária e participativa dos diversos
segmentos
escolares.
Estabelece
ainda a sua constituição, estrutura e
funcionamento, atribuindo-lhe funções
de natureza consultiva, deliberativa,
normativa e avaliativa.
Prosseguindo com a política de
fortalecimento dos Conselhos Escolares
e com a política de descentralização de
recursos financeiros na educação pública,
tendo como uma de suas ações os
programas de dinheiro direto na escola,
o município de Fortaleza, mediante
Decreto n.º 10.851, de 18 de agosto de
2000, considera que é imprescindível
adotar medidas racionalizadas visando
à ampliação do repasse de recursos
financeiros diretamente aos Conselhos
Escolares. Considera ainda que os diversos
segmentos que compõem a comunidade
escolar são os que têm melhores condições
para definir e priorizar as necessidades da
escola.
A partir dessas considerações, o
Decreto delega mais uma competência
ao Conselho Escolar: observado o limite
de sua competência administrativa, fica
o Conselho Escolar imbuído de receber
e administrar os recursos destinados à
manutenção e desenvolvimento do ensino
municipal em comum acordo com a gestão
da unidade escolar. Receberá e gerenciará
outros recursos financeiros transferidos
pelo Poder Municipal destinados a dar
ARTIGOS INÉDITOS
suporte às atividades características da
escola, prestando contas da aplicação
destes recursos aos setores administrativofinanceiros da municipalidade, nos prazos
estabelecidos por estes em conformidade
com a legislação vigente. O Decreto deixa
claro ainda que os recursos devam ser
aplicados exclusivamente nas atividades
de manutenção e desenvolvimento do
ensino. Isso implica observância restrita
aos ditames dos artigos 70 e 71 da LDB.
É mister observar que, ao atribuir a
função de unidade executora ao Conselho
Escolar, o município de Fortaleza obriga
este ao disposto no Decreto Federal n.º
2.896, de 23 de dezembro de 1998, que
dispõe sobre as obrigações acessórias das
Unidades Executoras do programa dinheiro
direto na escola e dá outras providências.
O aludido Decreto Federal indica, entre
outros aspectos, que:
Art 1º As Unidades Executoras, a que se
refere o inciso I do parágrafo único do
art. 8º, da Medida Provisória nº 1.784,
de 14 de dezembro de 1998, das escolas
instituídas e mantidas pelo poder público,
participantes do Programa Dinheiro Direto
na Escola, são sociedades civis com
personalidade jurídica de direito privado,
sem fins lucrativos, que têm por finalidade
receber e gerenciar os recursos destinados
às escolas, inclusive aqueles recebidos
do Fundo Nacional de Educação – FNDE.
(Brasil, 1998, grifos nossos).
Institucionalizando essa constatação,
a Procuradoria Geral do Município de
Fortaleza (PGM) oficializa a equiparação
dos Conselhos Escolares vinculados às
escolas municipais ao Decreto Federal
em epígrafe, por meio do Parecer
n.º 49/2002. O Decreto municipal
assegura ter realizado uma consulta
à Lei Orçamentária Municipal, tendo
constatado que os Conselhos Escolares
não são unidades orçamentárias do Poder
Público municipal, o que faz presumir, em
ARTIGOS INÉDITOS
virtude disso, que os referidos Conselhos
não pertencem à estrutura administrativa
do Município, direta ou indireta. Assim, o
Decreto afirma que os Conselhos Escolares
foram criados no âmbito do Município de
Fortaleza, seguindo os mesmos critérios
e características dispostos no exemplo da
União.
Dessa forma, o Decreto Municipal
reafirma a condição dos Conselhos
Escolares como sociedades civis com
personalidade jurídica de direito privado,
sem fins lucrativos, e vai além: afirma
que, por serem pessoas jurídicas de
direito privado, e por não serem unidades
orçamentárias à luz da legislação licitatória
(Lei n.º 8.666/93), os Conselhos Escolares
não são obrigados a licitar a aplicação
dos recursos que lhes são repassados
pela Receita Pública por intermédio dos
programas de dinheiro direto na escola.
Nesse cenário, outro aspecto a destacar
é a obrigação do Conselho Escolar
em realizar o disposto na legislação
tributária. Assim, entre outras obrigações,
o Conselho, ao efetuar contratações para
execução de serviços, obriga-se a reter e
recolher a contribuição para o Instituto
Nacional da Seguridade Social – INSS e o
Imposto sobre Serviços – ISS municipal.
É obrigado ainda a declarar, no âmbito
municipal, mensalmente, a Declaração
Digital de Serviços – DDS e, no âmbito
federal, anualmente, a Relação Anual de
Informações Sociais – RAIS e a Declaração
do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
– DIPJ.
Para além da função executora de
recursos financeiros, os representantes
do Conselho Escolar devem ficar atentos
ao fato de que este colegiado deve ser
um instrumento de tradução dos anseios
da comunidade e nunca de legitimação da
voz de dirigentes ou do sistema. Portanto,
2013 JAN/DEZ
81
é essencial que o Conselho congregue em
si a síntese do significado social da escola,
para que possa constituir-se na voz da
pluralidade dos atores sociais a quem a
escola pertence.
Peroni e Adrião (2005) alertam que
o Conselho Escolar não deve perder-se
apenas em funções executoras, sob o risco
de promover um esvaziamento político da
escola, uma nova forma de participação
sob tutela, sob controle. Nesse caminho,
poderá haver um retrocesso político em
relação às lutas pela democratização da
gestão escolar empreendidas a partir dos
anos 1980.
Nessa linha de raciocínio, Libâneo
(2001) afirma que o Conselho Escolar é
um mecanismo útil para a implantação de
decisões colegiadas na unidade escolar,
desde que existam sujeitos coletivos
interessados pela vida da escola e nela
envolvidos. Isto significa que o Conselho
Escolar não deve ser manipulado, no
sentido de atender a interesses pessoais
que o desviem de sua verdadeira e
necessária função educacional. Assim,
uma comunidade escolar que constitua
uma unidade capaz de propor seu próprio
projeto financeiro pedagógico poderá
tornar-se interlocutora das autoridades
do sistema e, dessa maneira, vir a ser um
agente de mudanças na própria política
educacional.
Considerações
avaliativas sobre o PMDE
Tendo como referência as pesquisas
efetivadas durante o estudo de caso,
analisaremos neste item a política de repasse
dos recursos financeiros da educação sob a
forma de programas de dinheiro direto na
82 JAN/DEZ 2013
escola – a exemplo do PMDE, que, inserido
na estratégia proposta pelo Plano de Reforma
do Estado no Brasil (Brasil, Mare, 1995),
pode representar um modelo da passagem
das políticas sociais para o setor público não
estatal, fato agravado pela obrigatoriedade
da constituição de unidades executoras
(pessoa jurídica de direito privado) nas
escolas públicas como condição obrigatória
para recebimento do Programa.
As observações e análises dos dados da
pesquisa oferecem condições para fazermos
algumas considerações importantes sobre
o processo de implantação e execução do
PMDE, tanto por parte do Sistema quanto
pelas escolas da amostra selecionada no
município de Fortaleza.
O Convênio que normatiza o PMDE,
celebrado anualmente entre a SME e as
unidades escolares representadas pelas
suas respectivas UEx, assevera que a
escola, ao executar o Programa, deve
exercer plenamente autonomia de gestão,
assegurando
à
comunidade
escolar
participação sistemática e efetiva nas
decisões colegiadas, desde a seleção das
necessidades educacionais prioritárias a
serem satisfeitas até o acompanhamento
do resultado do emprego dos recursos do
Programa.
Nesse sentido, as entrevistas e
observações revelam que a escola tenta
orientar suas ações com base nessas
diretrizes. Logo que o recurso do Programa
é creditado na conta bancária aberta para
esse fim, a escola promove uma reunião
inicial com os membros do Conselho Escolar
e/ou representantes da comunidade escolar
para dar ciência do crédito do Programa7 e
selecionar a aquisição dos materiais e bens
a serem adquiridos e/ou serviços a serem
contratados de acordo com as finalidades
do Programa, para suprir as necessidades
prioritárias da escola que representam. O
ARTIGOS INÉDITOS
Convênio exige que sejam lavradas as atas
tanto da reunião inicial quanto das demais,
principalmente a reunião para dar ciência à
comunidade escolar das despesas efetuadas
na execução do Programa , bem como
anexadas estas ao processo de prestação de
contas.
A gestão escolar orienta que cada
representante do CE verifique as prioridades
com os segmentos que representam para
que, em um período posterior, com a chegada
da verba, essas necessidades já tenham
sido pelo menos pensadas e discutidas com
os segmentos, uma vez que o Convênio
estabelece um período determinado para
executar e prestar contas do Programa.
Os Diretores afirmaram, em suas falas,
que esse período de tempo estabelecido
representa uma dificuldade na execução do
programa. Pois, em geral, o núcleo gestor e
os representantes do CE não possuem tempo
disponível para se dedicarem à execução
das ações do Programa, devido ao excesso
de atividades desenvolvidas e ao tempo
exíguo de operacionalização do Programa
e sua prestação de contas. O problema
do tempo insuficiente persiste até mesmo
quando o cargo de presidente do CE é
exercido por um professor, pois, nesse caso,
como relatado anteriormente, a legislação
municipal disponibiliza cinquenta por cento
da sua carga horária para o exercício de suas
responsabilidades como presidente do CE.
É válido ressaltar que os recursos do
PMDE direcionados para cada escola ficam
sob a responsabilidade dos CEs, mas são o
presidente e o diretor que mais trabalham,
porque são eles que devem movimentar
a conta bancária da unidade executora
e realizar ou garantir a realização das
pesquisas de preços. Isso implica que o
diretor e o presidente assinam os cheques
destinados ao pagamento das despesas
efetuadas. Essa responsabilidade torna-
ARTIGOS INÉDITOS
os sujeitos às penalidades administrativas,
cíveis e criminais que venham a ocorrer por
conta de danos administrativos ou prejuízos
ao erário causados por erros ou dolos na
execução do Programa8.
Após a reunião que dá ciência do
crédito do recurso à comunidade escolar,
os representantes do CE são convocados
novamente para uma reunião em que
apresentam suas prioridades. Entre estas,
são escolhidas as mais viáveis de acordo com
o valor estabelecido para custeio e capital. É a
partir da definição coletiva e democrática das
despesas que serão efetuadas que o diretor
e o presidente do CE ficam responsáveis pela
realização da pesquisa de preços junto ao
mercado acerca do que se vai comprar com
a verba, necessitando avaliar, no mínimo,
três orçamentos distintos para então decidir
onde vão adquirir os bens. Na fala dos
entrevistados, a escola vem cumprindo essa
dinâmica rigorosamente.
Na concepção da comunidade escolar,
especialmente nas falas dos diretores,
presidente do CE e segmento professor,
há autonomia, mas, ao mesmo tempo,
percebe-se que essa autonomia restringe-se
apenas ao aspecto financeiro e no âmbito da
execução do que é permitido pelas normas
do Convênio. Nesse sentido, podemos
considerar a ideia de Silva (1995, p. 58),
que, ao examinar a questão da autonomia
da escola pública, destacou três pontos
fundamentais: “a noção de liberdade que
é sempre relativa (capacidade de escolha);
critérios de poder (capacidade de influenciar
coisas e pessoas); e a responsabilidade para
exercer essa autonomia”.
Ainda ancorados nessa concepção de
autonomia, sabemos ser ela sempre relativa,
pois as políticas educacionais que garantem
os salários, livros didáticos, merenda escolar
e formação continuada são executadas pelo
sistema educacional, e não pela escola.
2013 JAN/DEZ
83
Todavia, o trabalho investigativo demonstra
que a escola tem a gestão da autonomia
financeira e administrativa para decidir entre
o que é permitido pelo PMDE e definir suas
prioridades para execução na escola.
Nesse cenário, destacamos ainda que, na
execução dos programas de dinheiro direto
na escola, por se tratar de dinheiro público,
existem normas de Direito Financeiro Público
e Direito Tributário para serem seguidas
pelo CE ao exercer funções de UEx. Além
de obedecer aos limites para os valores de
custeio e capital, o CE, como pessoa jurídica
de direito privado sem fins lucrativos, deve
cumprir obrigações acessórias tributárias
no âmbito federal, tais como: apresentação
anual da Declaração do Imposto de Renda
Retido na Fonte (DIRF); Declaração de
Isenção do Imposto de Renda Pessoa Jurídica
(DIPJ); e Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS). No âmbito municipal, ao
contratar serviços, o CE também se obriga
a reter e recolher o Imposto Sobre Serviços
de Qualquer Natureza (ISSQN) e, no
âmbito federal, reter e recolher também a
contribuição previdenciária para o Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS) e o
Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).
Não constitui objeto deste artigo averiguar
se o CE realiza essas obrigações tributárias.
Porém, em relação a essa realidade,
gostaríamos de acrescentar que os diretores
relataram uma enorme dificuldade para
cumprir essas obrigações tributárias. No relato
destes, como a formação pedagógica não
abrange disciplinas financeiras e tributárias,
a SME deveria promover capacitações
nessas áreas, além de disponibilizar
setores contábeis que proporcionassem o
suporte necessário para a realização dessas
obrigações tributárias. O alerta segue no
sentido de que, caso esse aspecto tributário
não esteja sendo cumprido, ou o esteja de
forma errada, os órgãos fiscalizadores do
84 JAN/DEZ 2013
governo, um dia, podem apresentar a conta.
Nesse caso, o CE, como executor primário,
será o primeiro a recebê-la.
Essa nova realidade constata a afirmação
de Peroni (2007) de que a burocracia estatal
foi ressignificada, redistribuindo as funções e
atribuindo atividades que antes a escola não
possuía, o que faz com que, ao ampliar suas
funções, integrando a gestão financeira,
passe a vivenciar os problemas e obrigações
característicos do exercício dessas funções.
Para além das dificuldades em cumprir
as retenções, recolhimentos e obrigações
tributárias, as observações e relatos
demonstram que o PMDE é muito bem
avaliado, ainda que sejam ressaltadas
as excessivas exigências burocráticas
da execução e da prestação de contas
dos recursos. Para os entrevistados, os
resultados do Programa têm sido altamente
positivos. De um modo geral, os inquiridos o
consideram como uma conquista importante
a ser fortalecida tanto pela escola como pela
SME. Um dado a ser enfatizado é que, em
ambas as escolas da amostra, a despeito
da ausência de uma participação efetiva,
o CE representa uma instância importante
de participação da comunidade escolar na
tomada de decisões sobre as ações internas.
Os entraves à participação efetiva surgem
como desafios que devem ser superados e
nunca como empecilhos ao funcionamento
do CE.
Retomando as categorias de gestão
democrática, participação e autonomia
evidenciadas no trabalho investigativo, os
depoimentos revelam muitas e variadas
questões relativas à participação, entre elas,
destacaremos: 1) pouco entendimento sobre
o papel do CE e, sobretudo, dos conselheiros,
como no caso dos representantes dos
pais e dos alunos, o que transparece uma
participação passiva, só presencial, quando
muito; 2) devido ao pouco entendimento
ARTIGOS INÉDITOS
sobre as normas e diretrizes do PMDE,
a tendência natural é desmotivar-se, é
achar “enjoado”, como alega uma mãe;
3) a ação do CE tende a ficar restrita às
questões financeiras do PMDE, relegando
suas funções deliberativas e consultivas
acerca dos aspectos políticos, pedagógicos e
curriculares da escola; 4) o reconhecimento,
por parte da direção, da falta de regularidade
nas reuniões do CE, bem como a tentativa
dos gestores em justificar esse fato.
Diante de tais questões, consideramos
que, embora haja indícios de democratização
da gestão escolar, ainda é muito incipiente
a participação da comunidade escolar
nas instâncias coletivas, como o Conselho
Escolar. A escola precisa criar estratégias
adequadas de incentivo e motivação para
trazer pais e alunos para as reuniões do
CE. A ideia é tentar fazer um trabalho para
que se compreenda o sentido de espaço
colegiado de decisão para a construção de
relações mais democráticas e participativas.
As constatações evidenciadas durante o
trabalho empírico delatam um órgão colegiado
como o CE funcionando muito mais para
gerir o PMDE. Quem mais participa no CE é o
diretor, o presidente e o segmento docente.
Alunos e pais têm participação incipiente
e tímida, demonstrando desconhecimento
da importância de participar no processo
de tomada de decisão. A despeito desses
problemas, a avaliação do PMDE nas escolas
da amostra foi positiva e, além de abrir
espaços para participação e autonomia,
representa também a possibilidade de
obter melhores equipamentos, melhorias
nas instalações físicas e maior variedade de
recursos pedagógicos.
Por fim, vale destacar a responsabilidade
que assumem os membros do CE,
principalmente a pessoa eleita como
presidente, que tem seus dados cadastrados
junto à Receita Federal do Brasil (RFB) para
representar uma empresa privada, inclusive
ARTIGOS INÉDITOS
assinando cheques e assumindo riscos
de ressarcir valores financeiros ao Poder
Público, caso haja problemas na prestação
de contas. Esse panorama tem causado
grandes dificuldades para as escolas
conseguirem eleger e compor a diretoria do
CE. Assim, é preciso considerar que essa
dificuldade pode trazer sérios transtornos
ao funcionamento das escolas, visto que, se
estas não constituírem o CE com o devido
registro no cartório, cadastro do CNPJ
na Receita Federal do Brasil e habilitação
bancária para movimento da conta corrente,
não receberão o repasse do PMDE e de
nenhum outro programa de dinheiro direto
na escola.
Principais problemas, vantagens e
sugestões
A finalidade deste item consiste na
explicitação dos pontos de vista apresentados
pelos sujeitos da pesquisa, sejam vinculados
ao sistema, sejam ligados às escolas.
Refere-se, pois, às concepções, às opiniões,
às impressões e aos envolvimentos desses
sujeitos no processo de implementação do
PMDE, bem como, na maioria dos casos, à
execução do período em que aconteceram as
entrevistas nas escolas e no sistema. Tratase, portanto, da avaliação que membros das
UEx e representantes do sistema educacional
que trabalham diretamente com o PMDE
fazem acerca do processo de implantação
e da execução do Programa e de seus
impactos sobre a gestão escolar. O aspecto
avaliativo discorre ainda acerca da conexão
escola-sistema, observando a relação escolacomunidade, a organização da própria escola
e a qualidade do ensino.
Nesse sentido, a avaliação da eficácia do
PMDE deve ser pensada em termos de como
2013 JAN/DEZ
85
os atores educacionais envolvidos diretos
e indiretamente vivenciam sua execução,
dimensionada pelo grau de ingerência ou
não dos órgãos do sistema que orientam
a gestão escolar e as UEx na condução do
Programa.
Sob essa ótica, entre as vantagens
apresentadas, boa parte dos entrevistados
afirma que o PMDE possibilitou maior
participação e democratização da gestão
da escola. Fala-se de transparência, de
autonomia, de compromisso, de maior poder
de decisão. Outro aspecto destacado diz
respeito ao gerenciamento dos recursos, isto
é, ao fato de que o repasse do dinheiro é
feito diretamente para a escola, e à liberdade
que esta tem para elencar suas prioridades,
implicando também a solução de problemas
imediatos.
Em menor grau, aparece a ideia de que
o PMDE permite maior aproximação da
comunidade escolar na discussão sobre a
aplicação dos recursos, fazendo com que seja
chamada a opinar nas tomadas de decisões.
No depoimento de um pai, “a comunidade
sabe que a escola recebe dinheiro e quer
saber também o que foi comprado com esse
dinheiro”.
Outro aspecto compreendido como
vantagem proporcionada pelo PMDE é a
melhoria das condições de manutenção
dos equipamentos e de funcionamento
das escolas. Desse modo, afirma-se que
o ambiente de trabalho reúne melhores
condições, pois a estrutura física melhorou
bastante e a aquisição de material é muito
mais funcional em relação às demandas da
escola. Na fala dos diretores escolares, com
o PMDE é possível decidir o tipo de material
(limpeza ou pedagógico), a quantidade e
a marca que vai ser adquirida. Em relação
aos bens de capital, o diretor afirma que
é permitido à escola decidir se compra um
televisor ou uma filmadora. A vantagem
86 JAN/DEZ 2013
é que quem vai dar a palavra final é o
levantamento das prioridades realizado no
âmbito da escola, e não o sistema de ensino,
como era feito, antes da implementação do
PMDE.
No que concerne aos problemas, de
modo geral, os sujeitos asseveram que,
embora necessários, os recursos repassados
pelo PMDE são insuficientes para os fins a
que se propõem. Igualmente, a fixação
dos percentuais das rubricas para custeio
e capital é visto pelos entrevistados como
limitadores na efetivação de algumas ações
das Unidades Executores. Na opinião dos
gestores escolares e presidentes do CE, seria
bom que fosse permitido à escola definir os
percentuais de custeio e capital9 de acordo
com suas necessidades e prioridades.
Outro problema destacado fortemente
e de forma unânime pelos sujeitos da
pesquisa diz respeito à prestação de contas.
Nesse caso, fala-se da pouca familiaridade
dos membros do CE e da própria gestão da
escola com cálculos e exigências contábeis,
além da falta de tempo.
A pesquisa de preços, no entanto,
constitui o principal problema, de acordo
com os sujeitos da pesquisa. Essa dificuldade
surge devido ao fato de o PMDE não prever
gastos de deslocamento para a realização
da pesquisa de preços. O preenchimento
do formulário da planilha de pesquisa, a
entrega do orçamento em papel timbrado
devidamente carimbado e assinado pelo
estabelecimento comercial e a exigência das
certidões negativas da Previdência Social
(INSS) e do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) aparecem como um grande
limitador da pesquisa de preços, pois nem
todos os estabelecimentos comerciais estão
legalizados para atender essas exigências.
Além disso, segundo o presidente do CE da
escola (A), a incerteza quanto à efetivação das
compras faz com que alguns comerciantes
ARTIGOS INÉDITOS
se neguem a preencher a planilha de preços
e de entregar as certidões acima referidas.
Outro destaque considerado problemático
refere-se ao atraso no cronograma de
desembolso dos recursos do PMDE. Nesse
aspecto, os entrevistados destacaram
duas dificuldades: a primeira se refere ao
tempo decorrido entre a aprovação do PAF
e o repasse do Programa, pois os preços
aprovados no PAF podem sofrer alterações
devido ao lapso temporal decorrido para a
efetivação das compras; a segunda se refere
ao fato de o recurso ser liberado somente
a partir do início do segundo semestre
letivo (julho ou agosto) – de acordo com
os entrevistados, nesse período, o estoque
de materiais feito por ocasião do repasse
anterior já tem acabado, o que prejudica o
funcionamento da escola.
Os sujeitos da pesquisa fizeram uma série
de sugestões para que o Programa fosse
mais adequado às aspirações e necessidades
das escolas, sendo a mais frequente a de que
os recursos do PMDE devam ser ampliados,
isto é, deve-se aumentar o valor per capita
por aluno10.
Outra sugestão unânime, que soou mais
como uma exigência, foi a de que haja um
setor de assessoria contábil e jurídica que
possa auxiliar e instruir a gestão da escola
e a Unidade Executora tanto na execução
do recurso como na organização dos
documentos que compõem a prestação de
contas. De acordo com o presidente do CE,
essa assessoria seria de ajuda fundamental,
principalmente na realização das retenções
e recolhimentos dos impostos, bem como na
realização das obrigações acessórias exigidas
na legislação tributária.
Sugere-se a redução das exigências
burocráticas do PMDE. Faz-se referência,
principalmente, ao processo de aquisição
dos materiais de custeio e bens de capital
e à prestação de contas. Da mesma forma,
ARTIGOS INÉDITOS
reivindicam-se programas de capacitação
permanente do núcleo gestor da escola e
dos membros dos Conselhos Escolares.
Considerações finais
Este artigo se propôs a investigar o
Programa de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino (PMDE) como expressão das
mudanças ocorridas na formulação e
implementação das políticas públicas
educacionais relativas às conexões entre
gestão democrática do ensino, autonomia
da escola e Conselho Escolar com função de
Unidade Executora (UEx). Acreditamos que o
PMDE materializa essas mudanças quando se
relacionam estas transformações ao campo
educacional e, mais especificamente, quando
identificamos o Programa nas redefinições
ocorridas nas propostas de financiamento e
gestão escolar.
No
bojo
dessas
redefinições,
a
responsabilidade
pela
execução
das
políticas sociais deveria ser repassada
para a sociedade por meio da privatização
(mercado) ou da constituição de uma esfera
híbrida denominada de público não estatal
ou terceiro setor, como preferem chamá-lo
Peroni e Montaño. Essas propostas presentes
no projeto de reforma do Estado brasileiro
foram justificadas no discurso do governo
simplesmente porque as políticas sociais
são consideradas serviços não exclusivos
do Estado e, assim sendo, de propriedade
pública não estatal ou privada.
Assim, ainda considerando o contexto das
redefinições da política educacional, o PMDE
apresenta-se como um forte instrumento
para o avanço no processo de implantação
das organizações sociais (OS) no âmbito da
educação básica do município de Fortaleza,
exemplificando a opção governamental
de, em nome da gestão democrática,
descentralização e da flexibilização, transferir
parte das políticas públicas de financiamento
da educação para a esfera pública não estatal.
Esse aspecto é facilmente constatado, se
2013 JAN/DEZ
87
considerarmos a instituição dos Conselhos
Escolares como empresa jurídica de
direito privado sem fins lucrativos. Ora, a
obrigatoriedade da instituição dos Conselhos
Escolares em empresa privada segue os
ditames da terceira via proposta por Giddens
(2005) e da publicização defendida no Plano
Diretor de Bresser Pereira e FHC. Portanto,
aplicam-se nesse contexto as críticas
contundentes de Montaño (2010), Peroni e
Adrião (2007) e Dourado (2005) de que a
política da terceira via segue a tese de que a
crise está no Estado.
Nessa perspectiva, o discurso de gestão
democrática, participação e autonomia da
unidade escolar, defendido na implantação
do Programa, como uma das formas de
ampliação da participação, historicamente
assumida como possibilidade de a sociedade
civil exercer o controle democrático sobre
o Estado, é ameaçado pela limitação
do emprego das energias de usuários e
profissionais na assunção de tarefas técnicas,
burocráticas e gerenciais. Comprova essa
tendência a ausência de políticas indutoras
ao fortalecimento dos Conselhos Escolares,
como órgãos de gestão colegiada das
unidades escolares, ou mesmo a inexistência
de ações que estimulem a solidariedade e
ação coletiva no âmbito das escolas ou nos
sistemas de ensino.
Por outro lado, em um contexto
educacional onde, ou não havia quaisquer
mecanismos democráticos de gestão, ou, se
havia, estes eram incipientes, o PMDE parece
ter contribuído para sua institucionalização,
inclusive induzindo a incorporação da
presença de todos os segmentos escolares
em seu funcionamento. Tal constatação
não deixa de indicar um relativo avanço,
principalmente, quando a escola estabelece
um cronograma sistemático de reuniões.
Se não tivesse a “motivação” do repasse
88 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
do Programa, possivelmente as escolas
continuariam sem qualquer tipo de
mecanismo coletivo de participação.
Diante dessas considerações, é justo
ressaltar que o PMDE evidenciou aspectos
positivos. Dentre estes, podemos citar a
possibilidade real de participação coletiva
dos diversos segmentos que compõem o
Conselho Escolar, assim como a autonomia
financeira da escola, que é uma bandeira de
luta histórica dos educadores. Precisamos
reconhecer que o PMDE, se tiver sua execução
balizada nos princípios democráticos, pode
permitir às unidades escolares espaços
de liberdade, na medida em que lhes
proporciona os recursos necessários para
escolher o que adquirir para o cumprimento
do seu projeto político-pedagógico.
Finalmente, nesse novo cenário de
redefinições das políticas educacionais, a
reflexão deve prosseguir no sentido de que
a descentralização do financiamento da
educação pública municipal, desdobrada
em programas de dinheiro direto na escola,
como o PMDE, não pode se constituir em
porta aberta à privatização do ensino. É como
afirma Romão (2004), a luta da sociedade
civil deve prosseguir no sentido de garantir
à escola pública o caráter estatal quanto ao
seu financiamento; o caráter democrático
quanto à sua gestão; e o caráter público
quanto à sua destinação e avaliação.
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ARTIGOS INÉDITOS
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90 JAN/DEZ 2013
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ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
91
Resumen: El objetivo de este artículo es
hacer consideraciones evaluativas acerca
del Programa de Mantenimiento y Desarrollo
de la Educación (PMDE), en el contexto
de la reforma educacional brasileña y sus
implicaciones para la gestión de la escuela
pública en la ciudad de Fortaleza. La intención
era percibir los elementos indicativos de
las categorías en que se basaran para la
creación del programa – descentralización,
transparencia, participación, autonomía
y gestión democrática – presentes en la
implementación y ejecución del programa
y en la vida cotidiana de las escuelas
públicas municipales. La metodología
de la investigación tomó en cuenta las
peculiaridades de las escuelas elegidas, las
relaciones de poder y las características
especiales que están presentes en la
materialización de esta política del gobierno.
La investigación se llevó a cabo en dos
unidades: una escuela perteneciente a la
Secretaría Ejecutiva Regional (SER I) y otro
a la SER VI. Al final presentamos una síntesis
del marco referencial de análisis y los puntos
destacados en el curso de la investigación,
tales como: la relación público/privado, la
gestión democrática y descentralización/
centralización.
Résumé: L’objectif de cet article est
de tisser des considérations évaluatives
sur le Programme pour l’Entretien et le
Développement de l’Éducation ( PMDE*),
dans le cadre de la réforme de l’éducation
du Brésil, et sur ses implications pour la
gestion des écoles publiques de Fortaleza.
On a cherché à énumérer les possibles
éléments indicatifs des catégories qui
ont soutenu la création du programme la décentralisation , la transparence , la
participation , l’autonomie et la gestion
démocratique - présents lors de la mise en
œuvre et l’exécution du Programme et aussi
dans le quotidien des écoles publiques. La
méthodologie de recherche a pris en compte
les particularités des écoles de l’échantillon,
les rapports manifests de force et les
spécificités présentes dans la matérialisation
de cette politique gouvernementale. La
recherche a été menée dans deux unités
scolaires appartenant à deux sections de
sous-division administrative municipale: SER
I et SER VI. À la fin, nous présentons une
synthèse du point de repère d’analyse et
des points mis en évidence au cours de la
recherche, tels que la relation public / privé,
la gestion démocratique et la décntralisation
/ centralisation .
Palabras-clave:
Avaliação,
educação,
autonomia, gestão democrática.
Mots-clés:
évaluation
,
éducation,
autonomie et gestion démocratique.
Notas
1 Dentre estas, podemos citar o Bird, BID e o FMI.
2 Como exemplo é pertinente citar a política de descentralização financeira da educação, que segue fortalecida, com
a abrangência do PDDE para toda a educação básica, bem como a criação de novos programas de dinheiro
direto na escola (Mais Educação e Escola Aberta).
3 Além da aprovação, entre outras, da Lei n.º 12.101, de 27 de novembro de 2009. Dispõe sobre a certificação das
entidades beneficentes de assistência social. Para aprofundar os embates teóricos da terceira via, consultar
o trabalho de Giddens, intitulado “A Terceira Via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da
socialdemocracia”.
4 Fonte 100 – Recursos Ordinários; Fonte 101 – Recursos destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino;
Fonte 104 – Transferências do FUNDEF; Fonte 105 – Contribuição do Salário Educação; Fonte 109 – Transferências
do FNDE; Fonte 146 – Operações de Crédito Internas; Fonte 181 – Recursos de Convênios; e Fonte 187 –
Recursos de Convênios da Educação.
5 A Portaria n.º 448, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda – STN/MF, de 13 de setembro de
2002, define no artigo 2.º que Material Permanente é aquele que, em razão de seu uso corrente, não perde a
sua identidade física, e/ou tem uma durabilidade superior a dois anos.
6 A Portaria n.º 448, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda – STN/MF, de 13 de setembro de
2002, define no artigo 2.º que Material de Consumo é aquele que, em razão de seu uso corrente e da definição
da Lei n.º 4.320/64, perde normalmente sua identidade física e/ou tem sua utilização limitada a dois anos.
7 Quando nos referimos a materiais, falamos de despesas de Custeio; ao nos referirmos a bens, o destaque segue
para despesas de Capital.
8 A SME e as escolas convencionaram chamar essa assembleia de reunião para a lavratura da Ata de Prestação de
Contas.
9 Como visto em itens anteriores, o Convênio do PMDE já repassa os recursos com as rubricas de custeio e capital
estabelecidas em 70% e 30%, respectivamente.
10 No Convênio referente ao ano de 2010, consta o valor de R$ 48,00 por aluno matriculado na Educação Básica e
R$ 130,00 por aluno matriculado na Educação Infantil.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
93
Políticas públicas, redes sociais e trajetórias pessoais: uma
etnografia do ProJovem Adolescente
Public policies, social networking and personal development: an
ethnography study of ProJovem Adolescente
Políticas públicas, redes sociales y trayectorias personales: una
etnografía del ProJovem Adolescente
Les politiques publiques, les réseaux sociaux et le développement
personnel: une ethnographie du programme ProJovem Adolescente
Hildon Oliveira Santiago Carade*
Resumo: Este artigo é fruto de uma etnografia realizada em turmas de beneficiários
do ProJovem Adolescente, localizadas no Alto
das Pombas, bairro popular da cidade de Salvador. Meu objetivo é investigar as relações
entre a implementação de políticas públicas e
a trajetória pessoal de determinados atores.
Para tanto, grande destaque será dado ao
circuito de relações estabelecidas pelo programa, quais sejam, a sua inserção no bairro,
as relações com a família, com as instituições
públicas e o poder local. Este estudo almeja
estabelecer uma abordagem alternativa às
análises baseadas na eficácia e/ou eficiência
de uma política pública, interessando-se em
saber como os indivíduos produzem, reproduzem e ressignificam a produção estatal.
Como conclusão, aponto para a importância
da análise da trajetória dos indivíduos e das
redes sociais se se quiser entender as tramas
que emergem durante o processo de implementação de uma determinada política.
Abstract: This article is the result of
an ethnography conducted in classes
of beneficiaries ProJovem Adolescente,
located in the Alto das Pombas, popular
neighborhood of Salvador. My goal is to
investigate the relationship between the
implementation of public policies and
personal history of certain actors. Therefore,
great emphasis will be given to circuit
relations established by the program, namely,
its insertion in the neighborhood, relations
with family, with public institutions and local
authorities. This study aims to establish an
alternative approach to the analysis based
on the effectiveness and/or efficiency of
public policies, interested in knowing how
individuals produce, reproduce and reframe
state production. In conclusion, I point to
the importance of analyzing the trajectory of
individuals and social networks if you want to
understand the plots that emerge during the
process of implementation of a given policy.
Palavras-chave: políticas públicas, juventude, ProJovem, redes sociais, trajetória pessoal.
Keywords: public policies, youth, ProJovem,
networks, personal history.
* Mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutorando em Antropologia pela mesma
universidade. E-mail: [email protected]
94 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Introdução
Este artigo1 propõe
uma reflexão sobre a
relação entre políticas públicas, redes sociais
e trajetórias pessoais. Tive como campo empírico o contexto de implementação do Pro-
tos e mesmo contrastantes. Ora, certos indivíduos mais do que outros não só fazem
esse trânsito mas desempenham o papel
de mediadores entre diferentes mundos,
estilos de vida e experiências (Velho e Kuschnir, 2001, p. 20).
Jovem Adolescente, um dos quatro eixos do
Veremos, no decorrer desta análise, que
Programa Nacional de Inclusão de Jovens, no
Benedito, orientador social do ProJovem
bairro do Alto das Pombas, uma das muitas
Adolescente no bairro do Alto das Pombas,
áreas desprivilegiadas da cidade de Salvador.
desempenhou um papel deveras importante
Porém, no início desta pesquisa, o ProJovem
no tocante à implementação do projeto, o
Adolescente ainda não operava com esta no-
que por vezes acarretava um amalgamento
menclatura. Explico. Este projeto nada mais
entre a sua trajetória pessoal e os destinos
é do que a reformulação do Programa Agen-
do programa. Neste sentido, evita-se pensar
te Jovem. Logo, para compreender o proces-
a implantação de uma política pública como
so de implantação do ProJovem Adolescente
algo restrito às altas esferas estatais, como
no citado bairro, proponho um mergulho no
se fosse uma ação insulada, incapaz de
processo de transição no modelo de provisão
apreender as configurações sociais dos locais
à juventude, ocorrido no país entre os anos
onde ela é estabelecida.
de 2007 e 2008. Neste trajeto, ficará mais
Assim, embora as políticas para a juventude
claro ao leitor o que são estes programas e
sejam o palco das ações, eu não almejo uma
de que forma eles foram mobilizados pelos
análise de cunho avaliativa, cujo interesse
atores que deles participaram. Eis aí a inter-
seria tentar estipular os pontos positivos
secção entre políticas sociais e a biografia de
e negativos das iniciativas. Pretendo, pois,
determinados sujeitos.
analisar como os atores interpretam, alteram
Articulando-me
ideia
e ressignificam aquilo que foi estabelecido
de mediação, atino para a possibilidade
em um desenho institucional de política
de
como
social, atentando para a interação entre
irreconciliáveis pela cultura brasileira, a
as disposições normativas e as ações dos
saber, o Estado e a sociedade, os poderosos
sujeitos que vivenciam um determinado
e os despossuídos, enfocando, desta forma,
processo. Os dados etnográficos foram
os sujeitos que transitam em diversas
coletados no quadriênio 2008-2011. Vejamos,
esferas sociais, pilhando ideias, estilos de
pois, toda a teia de relações suscitada pela
comportamento, retóricas políticas e práticas
implementação de políticas públicas no
sociais. Nos termos de Velho e Kuschnir
bairro do Alto das Pombas. Comecemos com
(2001), estaríamos lidando com brokers:
os primórdios da realização desta iniciativa
articular
os
em
torno
extremos
da
tidos
Os indivíduos, especialmente em meio metropolitano, estão potencialmente expostos a experiências muito diferenciadas, na
medida em que se deslocam e têm contato
com universos sociológicos, estilos de vida
e modos de percepção da realidade distin-
no bairro, quando o ProJovem Adolescente
ainda não operava com esta nomenclatura.
ARTIGOS INÉDITOS
Quando o ProJovem Adolescente
ainda se chamava Programa
Agente Jovem
Grosso modo, o Programa Agente Jovem,
doravante PAJ, constituía-se em uma das
provisões estabelecidas pelo Estado – a partir
da fusão das três esferas governamentais
em torno das responsabilidades pela
execução do projeto (o governo federal era
responsável pela dotação orçamentária, ao
passo que as instâncias estadual e municipal
se ocupariam da execução do projeto) –
endereçadas aos adolescentes na faixa
de 15 a 17 anos de idade, que estariam
enquadrados na frouxa categoria “jovens
em situação de risco e vulnerabilidade
social”. O objetivo do programa era formar
jovens conscientes do seu papel enquanto
cidadãos ativos, transformando-os, pois, em
“protagonistas sociais” capazes de modificar
e melhorar, a partir do efeito multiplicador,
as condições de vida local (Brasil, 2000).
O projeto baseava-se na metodologia da
capacitação teórico-prática com duração
de doze meses, cujo conteúdo teórico
compreendia carga horária mínima de 300
horas/aula, e o prático envolvia a atuação do
jovem na comunidade. A ementa do projeto
previa dois tipos de núcleos: o básico, em que
seriam abordados temas que despertassem
a autoestima do jovem e o específico, que
contemplava a ação comunitária nas áreas
de saúde, cidadania e meio ambiente (Brasil,
2000).
O grupo etnografado era formado por vinte
adolescentes (oito moças e doze rapazes),
que eram assistidos por Benedito (nome
fictício), orientador social do programa e
2013 JAN/DEZ
95
líder comunitário do bairro Alto das Pombas.
Com seu pulso firme e carisma, trafegando
na linha tênue entre a “autoridade” e o
“afeto”, conforme discutido por Myriam Lins
e Barros (1987), Benedito era o responsável
por este núcleo do projeto [em Salvador
havia cerca de 50 núcleos do programa], por
sua inserção no bairro e fora dele.
A partir da leitura do desenho
institucional do programa, pude observar
algumas diferenças entre aquilo que o
projeto preconizava e aquilo que de fato
ocorria no âmbito do PAJ/Alto das Pombas.
Primeiramente, a figura do orientador social
deveria ser alguém que tivesse uma formação
em nível superior. Todavia, Benedito mal
havia completado o Ensino Médio. “A
Prefeitura escolhe alguém do bairro mesmo
para evitar os gastos com o transporte” –
disse ele. Em verdade, o orientador social
desempenhava um papel central em toda a
trama. E aqui se desenrola a trajetória de
mediação estabelecida por Benedito. Era
ele quem ministrava todos os conteúdos
pedagógicos do PAJ, embora o projeto
estipulasse a existência de pedagogos que
cumpririam as cargas horárias destinadas
a assuntos referentes ao meio ambiente,
à saúde e à participação social; era ele
quem detinha o poder classificatório, nos
termos de Bourdieu (1989), no tocante à
seleção dos jovens a serem beneficiados
pelo projeto, redefinindo a letra oficial do
programa, retirando do rol de critérios de
admissão a categoria “renda familiar” (os
adolescentes deveriam ser provenientes de
famílias com renda per capita de até meio
salário mínimo) para adotar o princípio, por
assim dizer, mais subjetivo do “engajamento”
dos adolescentes (“entram aqui os jovens
mais interessados” – dizia ele); era Benedito,
96 JAN/DEZ 2013
na qualidade de presidente da associação
de moradores local (cargo que era por ele
exercido à época), quem reorientava as
ações dos adolescentes em prol da realização
de atividades comuntárias; era ele, enfim,
quem traçava os destinos do projeto.
Desta
forma,
paulatinamente,
a
implementação desta política pública
foi diferindo sobremaneira daquilo que
estava estabelecido em seu projeto. Como
interpretar esta discrepância? Uma rápida
espiadela por entre os estudos dedicados
às políticas públicas nos informa que
a distinção entre o “projeto” e a “vida
real” afigura-se como uma regularidade
sociológica. Hegemonicamente, a grande
premissa metodológica destas pesquisas é
analisar as políticas públicas a partir de seus
pressupostos, com o intuito de diagnosticar
a sua eficácia e/ou eficiência. Trata-se,
desta forma, de análises institucionais e/
ou programáticas de uma dada política,
sublinhando sobremaneira o momento da
implementação como chave explicativa para
a avaliação destes programas, estabelecendo
um modelo dicotômico de análise: o que era
para ser feito e o que foi realmente feito.
Assim, o momento de implementação de
uma política (policy-executing process)
equivaleria à sua formulação (policy-making)
(Wedel et al., 2005).
No tocante às políticas públicas para
a juventude, associa-se à premissa
metodológica acima apresentada uma
construção teórica a respeito da categoria
juventude, forjada no campo da Sociologia.
Trata-se da assertiva de ser a juventude uma
“construção social”. Apesar de a entrada
da juventude se fazer pela fase nomeada
de adolescência e comportar algumas
transformações biológicas, psicológicas e de
ARTIGOS INÉDITOS
inserção social, a “construção social” desta
categoria se revela na maneira variada com
que as sociedades e os períodos históricos
lidam e representam este momento. Esta
pluralidade se concretiza nas condições
sociais (classes sociais), culturais (identidades
étnicas, filiações religiosas, visões de
mundo), de gênero, nas regiões geográficas,
dentre outros. Nessa perspectiva, não se
pode tipificar rigidamente a juventude como
um período que tem um começo, um meio
e um fim. Tampouco, podemos afirmar a
existência de apenas uma maneira de ser
jovem. Logo, não existe uma “juventude”,
mas juventudes, no plural (Pais, 1993;
Margulis e Urresti, 1996; Abramo, 1997;
Carrano, 2002; Sposito e Carrano, 2003;
Dayrell e Gomes, 2005).
Neste diapasão, algumas iniciativas, por
parte do poder público, de inclusão social de
jovens em situação de risco foram criticadas
devido, principalmente, a dois motivos: ao
desvirtuamento dos objetivos dos programas
no momento de sua implementação e às
bases frágeis – no caso, os pressupostos
[quando, sub-repticiamente, pretendem
ocultar as desigualdades de classe vigentes
na sociedade] – que os assentavam. A
primeira crítica diz respeito ao modo como o
projeto estaria sendo executado; a segunda,
ao modo como ele teria sido pensado. Alguma
coisa escapava destas análises gerencialistas,
preocupadas demasiadamente com as
questões institucionais de uma dada política
pública.
Retomo Durkheim (1978), em sua
afirmação de que nenhuma instituição
humana poderia estar assentada em
um engano. Algo que se afigura como
uma regularidade sociológica não pode
se configurar como um erro. Assim, eu
ARTIGOS INÉDITOS
teria, pois, de compreender os padrões de
implementação do Programa Agente Jovem,
não valorando a diferença entre o que foi
estipulado em seu desenho institucional e
o que de fato ocorria. Ao analisarem uma
política a partir de seus fins, os autores
acima citados negligenciaram a vivência dos
indivíduos que estiveram inseridos em um
determinado projeto. Ao se moverem em um
terreno normativo, eles não lograram uma
compreensão da ação humana. Quando esta
foi mobilizada, foi apenas para demonstrar
como a prática forja orientações que, por
vezes, negam ou reafirmam as intenções
contidas nas orientações iniciais.
Assim, resolvi colocar entre parênteses os
objetivos propostos pelo programa. Tendo
por inspiração os trabalhos de Damo (2006)
e Cravino et al. (2002), optei por não discutir
as premissas do PAJ em si mesmas, quais
sejam, o conjunto de valores que visam formar
o “cidadão-participante”, mas demonstrar
como o projeto se realizava, efetivamente,
em meio a configurações sociais concretas,
preocupando-me não com o “ator político”,
mas com o “ser-no-mundo”. Desta maneira,
analisei a forma como o programa foi
experienciado pelos diversos atores que
giravam em sua órbita, numa resposta
às análises de cunho gerencialista, mais
preocupadas com os critérios administrativos
de eficácia e/ou eficiência de uma política
pública. Desta opção teórico-metodológica,
o programa foi interpretado como uma outra
atividade mundana qualquer, povoada por
romances, intrigas, desavenças e tensões.
De fato, os autores que se dedicaram
aos estudos sobre as políticas públicas
para a juventude já haviam atinado para o
quão multifacetada é esta categoria social.
Assim, eles creditaram a ineficiência das
2013 JAN/DEZ
97
políticas públicas a esta falta de percepção
das diversas identidades grupais às quais se
inscrevem os jovens, advindas, notadamente,
das suas disposições de gênero e raça, das
suas vivências de classe e das suas filiações
culturais (UNESCO, 2004; Castro, 2004).
Todavia, essa linha de raciocínio termina
por reificar a alteridade, como se o fato de
os jovens pertencerem a grupos distintos
impedisse o comum acordo entre eles.
Ademais, a identidade não é criada apenas
por processos de engajamento político e
cultural. Ela também surge a partir de um
conjunto de afetos.
Desta forma, pude entrever o sentido
da participação política para esses jovens.
Percebi que a dinâmica das relações do
grupo concorria para o engajamento ou não
dos atores nas atividades do programa. A
emoção, a afetividade, as desavenças – esses
elementos tão comuns da vida humana,
geralmente não mencionados nos projetos
de políticas públicas (que apresentam a vida
humana apenas em termos de racionalidades
e necessidades formais) – são tão ou mais
potentes do que a razão e as questões
pragmáticas, identitárias e institucionais.
Não era um cogito revolucionário que os
movia; era uma pragmática das emoções
e dos sentimentos humanos. Neste
sentido, as emoções aparecem como
um duradouro elemento político. Neste
momento, eu gostaria de sublinhar o fato
de a implementação de uma política pública
não se realizar em um terreno “neutro”,
desprovido de relações sociais. A história da
gênese do PAJ, em sua unidade no Alto das
Pombas, se confunde com a história pessoal
de seu orientador social. Este fato trouxe
grandes consequências para a dinâmica do
programa em sua inserção no bairro.
98 JAN/DEZ 2013
Da amálgama entre políticas
públicas e trajetórias pessoais
Apesar de o PAJ ter sido criado em plena
segunda gestão do presidente Fernando
Henrique Cardoso (mais precisamente no
ano de 2000), ele só veio a ser implantado
no Alto das Pombas em 2005. Benedito foi a
figura central para a existência desta unidade
do projeto. Estávamos no início do mandato
do então prefeito João Henrique Carneiro;
e o Partido dos Trabalhadores (PT) era
uma das legendas políticas que fazia parte
da base de sustentação do seu governo.
Benedito era ligado a partidários e políticos
profissionais desta agremiação. Um deles
é o deputado Yulo Oiticica, cuja bandeira
de luta gira em torno de temas ligados à
juventude. Yulo Oiticica havia prometido a
Benedito, inicialmente, a inclusão de alguns
adolescentes na turma do PAJ, no bairro do
Engenho Velho da Federação (turma para
qual Benedito prestava serviços técnicos
em informática). Tal não foi a surpresa de
Benedito quando soube que havia sido criado
uma turma específica para o bairro do Alto
das Pombas. Neste dia, ao se encontrar com
o deputado e ouvir as boa novas, ele teria
chorado de alegria. “Eis aqui uma turma só
para você”, teria dito o deputado. Enfim,
o PAJ/Alto das Pombas surgiu como uma
espécie de “dádiva” de Yulo Oiticica.
Uma vez no Alto das Pombas, o programa
foi inserido na lógica de apoios e oposições à
Benedito. Ora, de acordo com o antropólogo
Hugo Cadenas Ramos, segundo a teoria social
clássica, a sociedade se compõe, se não de
pessoas, ao menos de ações encarnadas.
Assim, é compreensível que os paradigmas
sobre as políticas públicas utilizem o conceito
de ação como uma forma de entender
as relações entre Estado e sociedade. No
entanto, “a ação social só pode aparecer
ARTIGOS INÉDITOS
enquanto produto de uma observação
e como tal só pode adquirir sentido na
sociedade se esta for comunicada” (Ramos,
2006, p. 132). Se não temos a noção de que
a ação tem se realizado no mundo, esta não
possui significação para o mundo social. Só
quando é comunicada, a ação passa a ser
uma realidade para a sociedade. Logo, uma
política pública é também um fenômeno
da comunicação. É enquanto fenômeno da
comunicação que o PAJ aparece no bairro
Alto das Pombas como o “curso de Benedito”.
Como já mencionei anteriormente, um dos
poderes pelos quais Benedito era investido
como principal mediador do programa era,
nos termos de Bourdieu (2009), o poder
classificatório. Além da categoria “jovens não
engajados”, um outro critério de exclusão era
o fato de o adolescente pertencer ao grupo
de jovens da Igreja, dada a sua rivalidade
para com esta agremiação. Essa rivalidade
guarda suas origens no passado religioso de
Benedito. Foi na paróquia católica do bairro
onde ele deu seus primeiros passos no âmbito
do ativismo político, filiando-se ao grupo que
ele um dia iria se opor. Trata-se do grupo de
jovens ligado ao movimento carismático da
Igreja. Benedito nunca me explicou ao certo
porque ele resolveu abandonar a entidade.
Sempre gostava de afirmar que as pessoas
eram pouco engajadas, o que contribuiu
para o seu afastamento.
Uma vez liderando seu próprio grupo de jovens
(pelo menos era assim que o programa era
visto no bairro), Benedito foi estipulando as
suas medidas, de modo a se impor perante o
outro grupo. “No primeiro ano do programa
eu deixei algumas vagas para essas pessoas,
mas todas as nossas atividades eles queriam
sabotar” – disse ele. Embora afirmasse que
a participação de um jovem no movimento
religioso se caracterizasse como um
critério de exclusão para o PAJ, alguns dos
adolescentes do programa nutriam esta
dupla filiação, talvez como uma forma de
ARTIGOS INÉDITOS
melhor espionar o que acontecia no gramado
vizinho. Contudo, ele não poupava críticas
para esse grupo de jovens, mesmo ante à
presença dos adolescentes que ostentavam
o duplo vínculo. Em relação a Marcelo, o
líder do grupo, Benedito tinha uma enorme
ojeriza à sua figura, talvez pelo fato de ele
namorar Agripina, sua ex-namorada.
Assim sendo, temos de ficar atentos
à trajetória dos atores, se quisermos
compreender a dinâmica de implementação
de uma política pública. No caso do PAJ/
Alto das Pombas, posso afirmar que o
programa estava entregue à própria sorte,
a partir das iniciativas do próprio Benedito.
Quando o programa ficou sem espaço físico
onde pudessem ser realizadas as atividades
pedagógicas, tendo-se em vista mais uma
das desavenças de Benedito [desta vez foi
com o padre que terminou por expulsar o PAJ
das cercanias da Igreja], ele encontrou na
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da UFBA [localizada em uma área fronteiriça
ao bairro do Alto das Pombas] um bom
lugar onde ele pudesse dar continuidade
às atividades do projeto. A centralização do
programa em torno da figura de Benedito
explica o que com ele aconteceu após as
reformulações estabelecidas pelo Governo
Federal, quando o PAJ passou a operar com
a nova nomenclatura, qual seja, Projovem
Adolescente.
A conversão para o ProJovem
Adolescente
Com as mudanças no desenho institucional
do programa, pude compreender, de uma
maneira mais acurada, as interações entre os
atores e as instituições estatais (em especial,
a produção normativa do Estado). Eis o que
se sucedeu com o PAJ.
Em meados de julho de 2008, algumas
mudanças de cunho institucional alteraram
2013 JAN/DEZ
99
os destinos do PAJ. Com a reestruturação
do conjunto de programas que compõem a
política de proteção social para a juventude,
o PAJ foi incorporado ao Programa
Nacional de Inclusão de Jovens: Educação,
Qualificação e Ação Comunitária (ProJovem).
Originalmente, o ProJovem foi implantado
em 2005, tendo por objetivo a inclusão
social de jovens de 18 a 24 anos, visando à
integração entre o aumento da escolaridade,
a qualificação profissional e a participação
sociopolítica.
Porém, em 2007, após amplo processo
de avaliação, o ProJovem se reorganizou e
ampliou o seu raio de atuação. Em linhas
gerais, o projeto foi integrado ao Sistema
Único de Assistência Social (SUAS). Este, por
sua vez, é uma prerrogativa do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS), cujo objetivo é a integração
de todas as ações socioassistenciais
patrocinadas pelo Estado, numa espécie de
gestão acompanhada e avaliada tanto pelo
poder público quanto pela sociedade civil,
igualmente representados nos conselhos
nacionais do Distrito Federal, estaduais
e municipais de assistência social (Brasil,
2008). De acordo com o MDS, o ProJovem
transformou-se em uma ação unificada para
a juventude, com a participação de várias
instâncias ministeriais, destinado aos jovens
egressos de outros programas sociais, como,
por exemplo, o Bolsa Família e o Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil, ou
em estado de “vulnerabilidade social”,
independentemente da renda, tendo sido
encaminhado pelos Centros de Referência
de Assistência Social (CRAS) – unidades
de gestão descentralizadas, que prestam
serviços de proteção social – pelo Conselho
Tutelar ou pelo Ministério Público. O ProJovem
original transformou-se em ProJovem Urbano.
Outras três modalidades do programa foram
criadas: o ProJovem Campo (reorganização
do programa Saberes da Terra, tendo por
100 JAN/DEZ 2013
objetivo o acesso e a permanência dos
jovens agricultores no sistema educacional)
e o ProJovem Trabalhador (unificação dos
programas Consórcio Social da Juventude,
Juventude Cidadã e Escola de Fábrica,
visando à preparação dos jovens ao
mercado de trabalho) – todos endereçados
a jovens acima de dezoito anos de idade
– e o ProJovem Adolescente, reformulação
do Programa Agente Jovem, destinado aos
jovens de 15 a 17 anos de idade (Brasil,
2008).
Desta feita, em julho de 2008 (após
quase um ano de implantação oficial das
mudanças), o PAJ do Alto das Pombas, como
dos demais núcleos do programa presentes
em todo o país, passa a operar com a nova
nomenclatura. A conversão para ProJovem
Adolescente trouxe consigo certa mudança
no perfil dos beneficiários. Eram cerca de 60
jovens, distribuídos em uma turma matutina
e outra vespertina, que, comparados à turma
anterior (que ainda se chamava de PAJ),
apresentavam um perfil socioeconômico
menos saudável, para me utilizar do jargão
dos economistas.
Aos olhos dos veteranos, os novos
beneficiários nada mais eram do que “o
pessoal da baixada do Alto das Pombas
e adjacências”. A frequência de contatos
diários entre Benedito e os adolescentes foi
reduzida drasticamente. O programa, que
antes consumia as tardes inteiras dos dias
úteis da semana, passou a ocupar duas horas
diárias de três dias semanais (de segunda
a quarta-feira). Benedito também perdeu
o controle em torno da remuneração dos
jovens. Como o ProJovem é atrelado ao Bolsa
Família, outro programa de transferência de
renda estipulado pelo governo federal, as
mães dos adolescentes passaram a gerenciar
o recebimento do benefício. Anteriormente,
era Benedito quem detinha a prerrogativa de
repassar o benefício aos adolescentes, o que
ARTIGOS INÉDITOS
não deixava de ser uma forma de relação
de poder entre os jovens e ele, pois muitas
vezes ele se utilizava do expediente de não
pagar a bolsa como uma forma de conseguir
a obediência dos seus pupilos. Esta mudança
no desenho institucional do projeto fez
com que, paulatinamente, Benedito fosse
perdendo o interesse para com os destinos
do programa. Em seu entender, o projeto
ficou engessado por rotinas burocráticas,
diminuindo o raio de ação dos próprios
indivíduos.
De fato, não se tratava de uma situação
confortável para Benedito, levando-se em
consideração o quanto ele era uma pessoa
acostumada a centralizar em torno de si
todas as tarefas e atividades das quais
participava. Tal centralização, inclusive, teve
bastante repercussão para o destino dos
projetos sociais por ele coordenados. No
transcorrer do meu trabalho de campo, aos
poucos, fui notando o quanto a estrutura
do ProJovem Adolescente e a estrutura da
associação de moradores do bairro, da qual
Benedito era presidente, estavam como que
imbricadas. O locus para tal amalgamento
era o Colégio Municipal Tertuliano Góes,
onde, em uma sala emprestada pela diretora
da instituição, Benedito atendia em nome
da associação comunitária local. No âmbito
das atividades da associação dos moradores,
alguns adolescentes mais próximos a ele
eram recrutados para o auxiliar nas tarefas do
bairro. Entretanto, ao se envolverem nestas
demandas, eles por vezes se envolviam nos
destinos do ProJovem.
Em algumas ocasiões, Benedito transferiu
para um dos adolescentes a tarefa de
conduzir as atividades pedagógicas do
ProJovem. Com o tempo, estas substituições
passaram a ser cada vez mais corriqueiras,
talvez pelo fato de ter havido algumas
mudanças no horizonte político de Benedito.
Este saiu fortalecido das eleições municipais.
ARTIGOS INÉDITOS
A candidata ao Poder Legislativo municipal
por ele apoiada, Marta Rodrigues (PT-BA),
conseguiu se eleger. Já no alvorecer do ano
de 2009, Benedito foi indicado a um cargo
no gabinete da sua vereadora. No mês de
maio do mesmo ano, o deputado Nelson
Pelegrino (PT-BA) assumiu a Secretaria de
Justiça do Estado da Bahia. Tal ascensão
também o beneficiou, pois a vereadora Marta
Rodrigues ganhou status político justamente
por meio do mecenato do citado deputado.
Resultado: mais um cargo político acumulado
por Benedito. Enquanto isso, as duas turmas
do ProJovem estavam minguando. Em
outubro de 2009, apenas dois adolescentes
frequentavam o turno vespertino do
programa, o que obrigou o cancelamento
prematuro do ano letivo do projeto. No final
de 2010, o projeto foi oficialmente extinto,
pelo menos no que diz respeito ao núcleo do
Alto das Pombas.
Aqui reside, talvez, a chave explicativa
do problema. Muitas políticas públicas estão
alicerçadas nas bases frágeis do carisma
pessoal. Toda a sociologia weberiana
sobejamente tem afirmado o quanto o
carisma é algo etéreo, que se dissolve no
ar, encontrando sérios entraves para a sua
transmissão. Ainda que Benedito deixasse
a condução das atividades do ProJovem
a um dos mais dedicados adolescentes,
toda a sua dedicação não conseguiu fazer
frente à figura do próprio Benedito. Durante
um grande intervalo de tempo, o PAJ, o
ProJovem, qualquer que seja a denominação
do programa, pôde seguir adiante porque
houve um amalgamento entre o projeto
social, estipulado pela produção normativa
do Estado, e as características pessoais
de Benedito. Quando surgiram outras
oportunidades, o grupo declinou, tendose em vista que o Estado continuava tão
ausente quanto antes.
2013 JAN/DEZ
101
Considerações finais
A execução de uma política pública se insere
em um determinado lugar, com uma rede
de relações que caracteriza cada espaço
social específico, cujas práticas individuais
são influenciadas – mas não totalmente
determinadas – pelo contexto institucional/
estrutural em que se inscrevem as suas
ações (Cravino et al., 2001). Desta forma,
a implantação de uma política não implica
tão somente a incorporação de recursos
materiais, mas também a assunção das
relações sociais que, por assim dizer, a
atravessam.
Assim, a ação política proposta pelo ProJovem
Adolescente se encontrou associada a outras
esferas sociais, tais como a religião, a política
eleitoral, o parentesco, a comunidade.
Desta forma, para se compreender como
os indivíduos experienciam a sua inserção
em um projeto de política pública, temos
de recorrer à lição deixada por Malinowski
e Mauss de que os ditos sistemas sociais se
encontram interligados (Peirano, 1998).
O padrão das redes sociais se confirmou na
dinâmica externa do programa. Estas redes
podem ser concomitantemente um fator
de apoio ou um fator de desagravo para os
indivíduos. No caso em tela, a história da
gênese do projeto, em sua unidade no Alto
das Pombas, se confundiu com a história
pessoal de seu orientador social. Tendo uma
carreira pregressa de rupturas políticas, ele
trouxe para dentro do programa os ecos
conflituosos do passado, suscitados por
seu engajamento em projetos de “inclusão”
e “profissionalização” de jovens e a sua
militância em movimentos sociais. Se o
programa era visto pela comunidade como
102 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
“o curso de Benedito”, e não como uma ação
do Estado, isto trouxe sérias consequências
para a sua dinâmica. Tendo-se em vista
ainda que Benedito também era o presidente
da Associação dos Moradores, o seu “grupo”
emergiu como contraposto a outros grupos,
notadamente o grupo de jovens da Igreja
Católica.
Por fim, os dados apontam para a grande
liçãodeixada por Gilberto Velho (2004), qual
seja: a não existência de projetos individuais
“puros”, sem referências a outrem ou
ao social. “Os projetos são elaborados e
construídos em função de experiências
socioculturais, de um código, de vivências
e interações interpretadas” (Velho, 2004,
p. 26). Desta forma, como sugestão para
uma agenda de pesquisa, as trajetórias dos
atores se constituem em dados a serem
considerados por ocasião da avaliação de
uma política pública.
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104 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Resumen: Este artículo resulta de una
etnografía realizada con beneficiarios del
ProJovem adolescente, que se encuentran
en el Alto de las Pombas, barrio popular de
Salvador. El objetivo es investigar la relación
entre la aplicación de las políticas públicas
y la historia personal de algunos actores.
Por lo tanto, es de gran importancia conocer
los circuitos de relaciones establecidos por
el programa, a saber: su inserción en el
barrio, las relaciones con la familia, con
las instituciones públicas y las autoridades
locales. Este estudio busca establecer
un enfoque alternativo para los análisis
basados en la eficacia y/o eficiencia de las
políticas públicas, interesados en conocer
cómo los individuos producen, reproducen
y replantean lo propuesto por el Estado. En
conclusión, señalo la importancia de analizar
la trayectoria de los individuos y de las redes
sociales si se quiere entender las parcelas
que surgen durante el proceso de aplicación
de una determinada política.
Résumé: Cet article est le résultat d’ une
ethnographie menée dans des classes
de bénéficiaires ProJovem Adolescente,
situédans le Alto das Pombas, quartier
populaire de Salvador. Mon but est d’ étudier la
relation entre la mise en œuvre des politiques
publiques et de l’histoire personnelle de
certains acteurs. Par conséquent, une grande
importance sera accordée aux relations de
circuits établis par le programme, àsavoir,
son insertion dans le quartier, les relations
avec la famille, avec les institutions publiques
et les collectivités locales. Cette étude vise
àétablir une approche alternative àl’analyse
fondée sur l’efficacitéet/ou l’efficacitédes
politiques
publiques,
qui
souhaitent
savoir comment les individus produisent,
reproduisent la production de l’état. En
conclusion, je souligne l’importance de
l’analyse de la trajectoire des individus et des
réseaux sociaux si vous voulez comprendre
les parcelles qui apparaissent au cours du
processus de mise en œuvre d’une politique
donnée .
Palabras clave: política pública, juventud,
ProJovem, redes sociales, trayectoria
personal.
Mots-clés: l’ordre public, la jeunesse,
ProJovem, réseaux sociaux, trajectoire
personnelle.
Notas
1 Este artigo foi financiado pela Fapesb. Deste trabalho, surgiram minha monografia de conclusão de curso e minha
dissertação em antropologia, ambos pela UFBA
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
105
Uma avaliação experiencial do projeto de modernização da
Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins, Brasil1
An experiential evaluation of the modernization project of the
Library of the Federal University of Tocantins, Brazil
Una evaluación experiencial del proyecto de modernización de la
Universidad Federal de Tocantins, Brasil
Une évaluation expérientielle du projet de modernisation de la
Bibliothèque de l’Université Fédérale de Tocantins
Heloisa dos Santos Brasil*
Lea Carvalho Rodrigues**
Resumo: O artigo apresenta os resultados
da avaliação da modernização da biblioteca
da Universidade Federal do Tocantins, Campus de Palmas. O objetivo foi avaliar o processo verificando se os resultados atendem
às necessidades de informação da comunidade acadêmica. A pesquisa é interpretativa,
e a modalidade de investigação é o estudo
de caso, com pesquisa bibliográfica, documental, observação participante, aplicação
de questionários e a realização de entrevistas
qualitativas com usuários, técnicos e membros da gestão da universidade envolvidos
no processo. Constatou-se que o processo
de modernização da biblioteca do Campus de
Palmas é considerado por seus usuários como
significativo. Contudo, os investimentos e
ações são realizados de modo fragmentado.
Foram priorizadas as tarefas administrativas
da biblioteca, razão por que a infraestrutura
para a informatização, os recursos humanos
e o acervo não condizem com as necessidades dos usuários da referida biblioteca.
Abstract: The paper presents the results of
the evaluation of modernization of the library
of Palmas Campus at Federal University of
Tocantins. The objective was to evaluate the
process by checking if the results meet the
information needs of the academic community. The research is interpretative and the
mode of investigation is case study, including
document and bibliographic research, participant observation, applying questionnaires
and conducting qualitative interviews with
users, technicians and members of the university management involved in the process.
It was found that the process of modernization of Palmas Campus library is regarded
by its users as significant. However, investments and actions are carried out piecemeal.
Priority was focused on administrative tasks
of the library. That is why the infrastructure
for computerization, material and human resources do not match the needs of the users
of that library.
Palavras-chave: bibliotecas universitárias,
avaliação institucional, Universidade Federal
do Tocantins, metodologias de avaliação.
Keywords: university libraries, institutional
evaluation, Universidade Federal do Tocantins, evaluation methods.
* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Especialista em Docência do
Ensino Superior pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Bibliotecária da UFT. E-mail: heloisabrasil@uft.
edu.br
** Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp, com pós-doutorado em Antropologia Social pelo Centro de
Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), é atualmente professora associada na
Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]
106 JAN/DEZ 2013
Introdução
As bibliotecas variam
de acordo com as características da sociedade ou da instituição
a que estão vinculadas. Por isto, os seus
acervos e serviços são desenvolvidos com
base nos interesses do seu público. Dessa
forma, existem várias tipologias para denominá-las, entre elas: bibliotecas escolares,
especializadas, comunitárias, hospitalares,
universitárias, etc.
A biblioteca do tipo universitária é assim
caracterizada por ser vinculada a uma
Instituição de Educação Superior (IES).
Segundo Cunha (2010, p. 6), a função
desse tipo de biblioteca é “proporcionar
acesso ao conhecimento”. Desse modo,
a biblioteca universitária dará suporte à
universidade por meio da disseminação
da informação que pode servir de apoio
à docência, às pesquisas, aos projetos de
extensão e também contribuirá com os
interesses/ações da administração da IES.
A biblioteca universitária também
tem a possibilidade de ser depositária e
dinamizadora de toda construção técnica,
científica e cultural da comunidade
acadêmica, por meio do tratamento e
da disponibilização das monografias,
dissertações, teses, relatórios de pesquisas,
anais de eventos e produções literárias dos
diversos membros dessa comunidade.
De acordo com a análise da literatura,
desde a segunda metade do século XX,
as bibliotecas universitárias federais
brasileiras se encontram em processo
intenso de informatização e automação. Foi
nesse contexto que se avaliou o processo de
modernização da Biblioteca Professor José
Torquato Carolino, da Universidade Federal
do Tocantins (UFT), vinculada ao Campus
Universitário de Palmas dessa Instituição
Federal de Ensino Superior (IFES).
ARTIGOS INÉDITOS
Conforme informação presente no
Catálogo de Cursos da UFT (UFT, 2010),
a referida instituição desenvolve, desde
o ano de 2006, esforços para modernizar
seu Sistema de Bibliotecas Universitárias
(SISBIB). Este sistema é composto por
oito bibliotecas, sendo duas no Campus de
Araguaína e uma em cada um dos demais
Campi da UFT. O objetivo desta pesquisa,
assim, foi avaliar os resultados preliminares
do processo de modernização da Biblioteca
do Campus de Palmas.
Segundo os autores Meneghel e Lamar
(2001), a partir da década de 1990, o
Estado brasileiro promoveu a modernização
da administração pública, na tentativa
de aumentar a eficácia e a eficiência dos
serviços públicos. Segundo os autores, a
partir desses pressupostos, o objetivo da
modernização da educação superior seria a
eficiência, e não a qualidade dos serviços.
Assim, ela estaria pautada na economia de
recursos materiais e humanos, e não no
atendimento às necessidades dos agentes
sociais.
Como a biblioteca da UFT do Campus
de Palmas é um setor da administração
pública federal, avaliou-se o seu processo
de modernização partindo da seguinte
questão central: em que medida esse
processo está articulado e responde às
necessidades da comunidade acadêmica
da UFT no Campus de Palmas?
Uma vez que a referida biblioteca é parte
de uma instituição pública, seus projetos e
serviços são considerados como de cunho
público e social. Por isso, esta pesquisa
se caracteriza como uma avaliação de
políticas públicas que, segundo Silva (2008,
p. 172), é um “mecanismo de construção
de conhecimento crítico sobre políticas e
programas sociais, podendo realimentar
ARTIGOS INÉDITOS
decisores públicos e lutas sociais por
cidadania, rumo à construção de uma
sociedade justa e mais igualitária”.
A abordagem dessa avaliação está
pautada nas concepções de análise de
políticas desenvolvidas por Lejano (2006),
o qual propõe um modelo experiencial de
avaliação. Nesse modelo, a compreensão
deve ter como principal instrumento a
experiência local dos atores da política,
experiência da qual o pesquisador pode
se aproximar por meio de entrevistas e
técnicas de observação.
O tipo de pesquisa adotado nesta
avaliação foi o estudo de caso, uma vez
que a UFT desenvolveu o processo de
modernização nas suas oito bibliotecas
universitárias, mas, nesta avaliação, se
considerou apenas a biblioteca do Campus
de Palmas. Para a pesquisa de campo
utilizou-se a triangulação de métodos,
procedimento metodológico recomendado
para a avaliação de políticas públicas
por Minayo (2005), porque possibilita
a utilização de diferentes instrumentos
de coletas de dados em uma mesma
avaliação. Destacamos, no entanto, que a
análise ultrapassa a triangulação de dados
no sentido de buscar apenas modelos de
convergência, por comparação e contraste
de resultados, ou modelos de validação
de dados quantitativos com os resultados
dos dados qualitativos; aproximando-se
mais dos modelos de transformação, em
que se interpretam os dados quantitativos
de forma correlacionada aos dados
qualitativos (Creswell; Clark, 2007, p.63).
Consideramos, ainda, que a proposta
de Lejano ultrapassa qualquer desses
modelos porque se pauta na experiência
dos sujeitos e da vivência do pesquisador
com a situação em estudo, de onde advêm
2013 JAN/DEZ
107
dados de observação que não cabem nos
modelos acima elencados.
Assim, a coleta de dados foi feita a
partir das seguintes ferramentas: pesquisa
documental, bibliográfica, observação
in loco, aplicação de questionários a
usuários da biblioteca do Campus de
Palmas e entrevistas com usuários da
biblioteca e servidores da UFT, entre eles:
membros da gestão e técnicos envolvidos
na implementação do processo de
modernização.
Foram aplicados 127 questionários.
Desse total, 17 respondentes eram
professores, um de cada curso de
graduação do Campus de Palmas; 102 eram
discentes, sendo seis alunos matriculados
em cada um dos 17 cursos de graduação
desse Campus; quatro eram usuários da
biblioteca provenientes da comunidade
externa e quatro eram membros da
categoria de técnico-administrativos em
educação daquela universidade.
Após a aplicação desse questionário,
dez dos respondentes foram convidados
para uma entrevista, sendo eles: um
representante da categoria de técnicoadministrativos em educação do Campus
de Palmas, um representante dos usuários
da comunidade externa, quatro professores
e quatro alunos, sendo um aluno e
um professor representativos de cada
área do conhecimento. Também foram
entrevistados nove servidores da UFT.
Para garantir o sigilo quanto à identidade
dos entrevistados e questionados, os seus
nomes foram trocados na apresentação
dos resultados.
Por meio da interpretação das
entrevistas e da observação participante,
foi possível perceber que os envolvidos na
gestão do processo de modernização da
108 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
biblioteca o veem como uma solução para
os problemas que esse setor apresentava
quando foi transferida da Universidade
do Estado do Tocantins (Unitins) para a
UFT. Esta cessão fez parte do processo de
constituição da UFT.
Segundo os entrevistados, nesse
momento, as bibliotecas universitárias
funcionavam de forma inadequada, uma
vez que os acervos estavam desatualizados,
as estruturas físicas eram improvisadas,
os recursos humanos não pertenciam
ao quadro de pessoal da UFT, mas eram
provenientes da Unitins, e, além disso,
nenhuma biblioteca era informatizada.
Diante desse cenário, a UFT incluiu o
processo de modernização das bibliotecas
como uma das metas do seu Planejamento
Estratégico para os anos de 2006 a 2010.
Segundo o Catálogo de Cursos da UFT
(UFT, 2010), o processo de modernização
das bibliotecas dessa IFES é caracterizado
por investimentos em melhoria da
infraestrutura
dos
espaços
físicos,
aquisição de acervo da bibliografia básica
e complementar dos cursos de graduação,
aquisição de equipamentos de informática,
de mobiliários e informatização desses
setores.
Considerações dos usuários sobre
os investimentos no processo de
modernização
Inicialmente, procurou-se saber com que
freqüência os participantes dessa pesquisa
utilizam a biblioteca. Conforme a tabela
abaixo, constatou-se que a categoria que
mais utiliza esse setor é a discente, uma vez
que 80% deles a frequentam mais de uma
vez por semana. Os demais alunos (20%)
informaram que a utilizam mensalmente,
raramente ou nunca a utilizam.
Tabela 1 – Distribuição de usuários por frequência de uso da Biblioteca do Campus de Palmas da UFT
Técnico-administrativos em educação
Usuário Externo
%
Total de
Respondentes
%
Total de Respondentes
%
00
0%
00
0%
01
25%
04
27%
00
0%
00
0%
20%
00
0%
02
50%
03
20%
01
25%
01
25%
11%
03
20%
03
75%
00
0%
02
2%
02
13%
00
0%
00
0%
101
100%
15
100%
04
100%
04
100%
Categorias
Discentes
Frequência
de utilização da Biblioteca do
Campus de
Palmas
Total de
Respondentes
%
Total de
Respondentes
Diariamente
25
25%
Uma vez por
semana
15
15%
Mais de uma
vez por semana
41
40%
Mensalmente
07
7%
Raramente
11
Nunca utiliza
Total
Docentes
03
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
Os técnico-administrativos em educação
que participaram desta pesquisa não utilizam
a biblioteca com frequência. Conforme
os dados, apenas um afirmou a utilização
mensal, enquanto os demais (três) a usam
raramente. O representante dessa categoria
que foi entrevistado afirmou que tem o hábito
de adquirir os livros de que necessita, além
de considerar as regras de funcionamento
da biblioteca como rígidas, principalmente
a cobrança de multas no caso de atraso na
devolução de livros emprestados.
Dos usuários externos que responderam
ao questionário, três utilizam a biblioteca
semanalmente, e um, mensalmente. O
usuário dessa categoria que foi entrevistado
afirmou que utiliza somente as salas de estudo
da biblioteca para estudar para concurso.
Segundo ele, “não faço o uso da biblioteca
em si, só utilizo o espaço da biblioteca. Eu,
enquanto usuário, vamos chamar assim,
109
sou um usuário passivo, porque eu não sou
uma pessoa que posso utilizar dos serviços
diretamente, né?” (Carlos, usuário da
comunidade externa da UFT).
Entre as categorias de usuários da
biblioteca da UFT/Campus de Palmas,
há várias diferenças quanto ao seu uso.
Professores, por exemplo, podem emprestar
mais livros da biblioteca e têm um prazo
maior que os demais usuários para a
devolução; porém, Carlos, usuário externo,
foi o único a se declarar como alguém com
direitos e benefícios limitados. Quando esse
usuário afirma que não faz “uso da biblioteca
em si”, pode-se entender que ele não tem
acesso à essência da biblioteca. Além disso,
o termo “passivo”, utilizado por Carlos,
pode ter uma conotação forte, porque pode
mostrar como ele se sente com relação à
atenção que recebe da biblioteca, ou seja,
sem participação.
Tabela 2 – Distribuição de usuários por frequência de uso de outras bibliotecas em Palma
Técnico- Administrativos em
Educação
Usuário Externo
%
Total
de Respostas
%
Total de
Respostas
%
04
25%
00
0%
02
50%
43%
12
75%
04
100%
02
50%
100%
16
100%
04
100%
04
100%
Categorias
Discentes
Frequência
a outras
bibliotecas
Total de
Respostas
%
Total de
Respostas
Sim
58
57%
Não
44
Total
102
Docentes
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.
Do total de usuários que respondeu ao
questionamento sobre a necessidade de
utilizar outras bibliotecas, além desta da
UFT, 51% afirmaram que fazem uso de
outras bibliotecas na capital do Tocantins.
Solicitou-se aos participantes desta pesquisa
que informassem, de forma aberta, o motivo
pelo qual procuram outra biblioteca. Dos 64
que afirmaram esse hábito, 48 responderam
a essa solicitação.
110 JAN/DEZ 2013
As justificativas mais recorrentes, indicadas
nos questionários e nas entrevistas, permitem
o entendimento de que as motivações dos
usuários pela procura de outras bibliotecas
estão relacionadas a três características da
biblioteca da UFT do Campus de Palmas: 1)
a localização da biblioteca; 2) as condições
do espaço físico; e 3) a qualidade do seu
acervo. Estes aspectos serão analisados a
seguir.
Localização da biblioteca da UFT
do Campus de Palmas
A localização da referida biblioteca aparece
como um dos fatores que influenciam os
seus usuários a procurar outras bibliotecas
na cidade de Palmas. Sobre isto, observa-se
que esse Campus se localiza na parte norte
da cidade, mas, conforme afirmam Kran e
Ferreira (2006), a maioria da população de
Palmas reside na área sul dessa capital.
Além disso, o Campus esta localizado numa
distância aproximada de quatro quilômetros
do centro da cidade, o que significa que
está relativamente distante para a maioria
da população que reside na Capital, o que
leva alguns dos envolvidos nesta pesquisa a
procurar outras bibliotecas mais próximas de
suas residências.
As condições do espaço
físico da biblioteca
Com relação a essa motivação dos
usuários para buscar outra biblioteca
em Palmas, os entrevistados informaram
que havia muito barulho no ambiente
da biblioteca. Disseram também que, no
período de chuvas no estado do Tocantins,
ARTIGOS INÉDITOS
ocorria a formação de poças de água
da chuva nos espaços de estudo e no
acervo. Observamos, ainda, que existiam
muitas lâmpadas queimadas no espaço da
biblioteca. Dadas essas condições, esses
entrevistados indicaram que procuravam
bibliotecas com espaços mais silenciosos,
organizados e confortáveis.
À época da pesquisa de campo,
durante o primeiro semestre do ano
de 2010, os investimentos referentes
à infraestrutura da biblioteca ainda
não tinham sido experimentados pela
comunidade acadêmica, haja vista que
o novo prédio ainda estava em fase de
construção. Mas, por meio da análise
das entrevistas e dos questionários,
foi possível perceber que os usuários
tinham fortes expectativas com relação
à estrutura que estava em construção.
Quando essa temática foi colocada nas
entrevistas, de modo descritivo, os
usuários revelaram suas expectativas,
quase sempre com comparações, e, por
várias vezes, os déficits do atual espaço
físico foram os parâmetros para expor o
que eles esperavam do novo prédio.
Por meio do questionário e perguntas
abertas aos usuários, sobre as suas
expectativas quanto ao novo prédio que
estava sendo construído, temos que, das
cento e vinte pessoas que responderam
a essa questão, parte citou mais de uma
expectativa. São elas: espaço adequado e
confortável para estudos e pesquisas (77);
aumento do acervo de livros e assinatura
de periódicos (47); acervo organizado (24);
aprimoramento dos serviços informatizados
(11); equipe maior para o atendimento aos
usuários (10) e profissionais capacitados
para o atendimento (06).
Essas últimas respostas mostraram que
eles esperavam mais do que mudanças
na estrutura física da biblioteca, porque
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
a organização do acervo não depende
somente do espaço disponível, mas
também da equipe de profissionais que o
organiza. O aprimoramento dos serviços
informatizados também é um exemplo de
que a expectativa deles não estava ligada
apenas a questões de infraestrutura,
pois eles diziam querer um atendimento
melhor, haja vista as referências à equipe
de pessoal da biblioteca.
Sendo assim, percebemos que era
grande a expectativa dos usuários por
essa “nova biblioteca”. Isso indicava que
eles esperavam que essa mudança de
espaço físico fosse dar condições para
o nascimento de outra biblioteca. De
certo modo, essa esperança se mostrava
alimentada pelos discursos da gestão da
111
UFT, pois havia uma divulgação muito forte
desse novo prédio. Percebemos, também,
que os servidores que trabalhavam nessa
biblioteca também tinham uma “esperança
de dias melhores” com relação a essas
mudanças.
Avaliação do acervo
A terceira característica da biblioteca
da UFT do Campus de Palmas, que
influenciava os membros da comunidade
a procurar outra biblioteca, é a formação
e a quantidade de exemplares do acervo
dessa biblioteca. Aspectos que serão
analisados a seguir.
Tabela 3 – Distribuição dos usuários quanto à avaliação da disponibilidade de títulos do
acervo da biblioteca do Campus Universitário de Palmas da UFT
Categorias
Disponibilidade de títulos frente às necessidades dos usuários
Sim
%
Às Vezes
%
Não
%
Respondentes
%
Discentes
40
40%
54
55%
05
05%
99
100%
Docentes
06
43%
07
50%
01
07%
14
100%
Técnico-administrativos
em educação
02
50%
02
50%
00
00%
04
100%
Comunidade Externa
02
50%
02
50%
00
00%
04
100%
Total
50
41%
65
54%
06
05%
121
100%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados coletados em campo.
A análise dos dados da tabela acima
permite a identificação de que a maioria
(54%) dos usuários consultados considerava
que a biblioteca nem sempre possuía os
títulos de livros de que eles precisavam.
Contudo, é possível perceber, por meio das
observações e da interpretação dos dados
provenientes das entrevistas, que alguns
usuários consideram que a aquisição de
livros provocou melhorias significativas
neste acervo. Eles informam que o acervo
foi expandido, fazem comparações com o
acervo que foi herdado da Unitins; porém,
ressaltam que este acervo de livros ainda
precisa melhorar, sobretudo, em dois
aspectos: 1) aumento na variedade de títulos
de livros; e 2) na quantidade de exemplares
dos livros do acervo da biblioteca.
112 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Tabela 4 – Distribuição dos usuários segundo a avaliação da quantidade de exemplares
dos livros da bibliografia básica dos cursos de graduação do Campus de Palmas da UFT
Quantidade de exemplares dos livros da bibliografia básica
Categorias
Pouco suficiente
Suficiente
%
%
Insuficiente
%
Respondentes
%
Discentes
14
14%
59
60% 25
26% 98
100%
Docentes
02
15% 09
70% 02
15% 13
100%
Total
16
14% 68
61% 27
25% 111
100%
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.
Para a análise dos dados da tabela
acima foram consideradas as respostas dos
discentes e docentes, porque eles são os
usuários potenciais desta bibliografia básica.
Sobre a quantidade de exemplares dos livros
da bibliografia básica, notamos que, nas duas
categorias, apenas 14% dos entrevistados
consideraram a quantidade de exemplares
suficiente, enquanto 86% a consideram
como insuficiente ou pouco suficiente. O
diálogo com alguns dos membros dessas
categorias permitiu a percepção de que a
insuficiência da quantidade de exemplares
de livros é o fator que mais incomoda esses
usuários, ainda que alguns professores
tenham evidenciado que as reclamações dos
alunos sobre essa questão diminuíram após
o início dos investimentos em acervo.
Os alunos informaram que o período
mais difícil é o de provas, uma vez que se
esgotam os exemplares. Para eles, os livros
são disputados entre os cursos, já que
alguns títulos de livros são utilizados por
vários cursos.
Observamos que os professores percebiam
a pouca quantidade de exemplares pelas
reclamações dos seus alunos e pareciam
entender as suas exigências sobre essa
questão, mas mostraram-se conformados
com a situação, pois por vezes justificaram
que a biblioteca nunca teria um livro por
aluno. Essa postura é compreensível, haja
vista que os docentes possuem acervos
particulares e não necessitam entrar na
disputa por livros da biblioteca, o que foi
evidenciado pelos alunos.
Tabela 5 – Distribuição dos usuários segundo avaliação sobre a atualização das fontes
de informação do acervo da biblioteca
Categorias
Atualização do Acervo
Sim
%
Não
%
Respondentes
%
Discentes
51
52%
47
48%
98
100%
Docentes
10
67%
05
33%
15
100%
Técnico-administrativos em educação
02
50%
02
50%
04
100%
Comunidade Externa
01
25%
03
75%
04
100%
Total
64
53%
57
47%
121
100%
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
Com relação à atualização do acervo, os
usuários que participaram desta pesquisa
estavam bastante divididos, haja vista que
a maioria (53%) considerava que o acervo
era atualizado, mas a quantidade daqueles
(47%) que consideravam o contrário também
era bastante grande.
Além disto, três dos entrevistados,
membros da comunidade externa, classificam
o acervo da biblioteca como desatualizado,
fato compreensível, uma vez que a aquisição
de livros é exclusiva para o atendimento das
bibliografias dos Cursos de Graduação da UFT.
Sendo assim, as expectativas dos membros
das categorias de técnico-administrativos
em educação e da comunidade externa não
estão incluídas ou previstas na formação
desse acervo.
Por meio das entrevistas, foi possível
identificar que existem usuários que sentem
falta de outros tipos de investimentos para o
acervo. Segundo Patrícia:
Outra coisa que sinto também é..., livros
para ler mesmo de leitura, clássicos brasileiros, romantismo, simbolismo, mais vi-
113
sível assim pra gente ter uma leitura assim..., inclusive livros contemporâneos...
os livros assim estão sempre assim saindo
na mídia, os livros atuais de leitura, ficção
científica, autoajuda, não só livros didáticos sabe, mas para, para uma leitura cotidiana mesmo, sinto falta disso. (Patrícia,
aluna de Curso da Área de Saúde).
Encontramos
outros
usuários
que
concordaram com a avaliação de Patrícia.
Além disso, alguns professores também
expressaram anseios por encontrar na
biblioteca coleções específicas; por exemplo,
sobre o “Tocantins, tem que ter uma área
específica com as obras do Tocantins, com
as obras raras, nós já tivemos aí mapas...”
(Lídia, professora da Área de Humanas).
Ou outra entrevistada que afirmou: “Se a
gente pudesse ter jornais microfilmados...,
pra gente fazer pesquisa seria muito bom”
(Júlia, professora da Área de Ciências Sociais
Aplicadas).
A partir das afirmações acima, é possível
entender que, para esses usuários, acervo
atualizado significa mais que aquisição
constante de bibliografia básica.
Tabela 6 – Distribuição dos usuários segundo avaliação sobre a variedade dos tipos de
fontes de informação do acervo da biblioteca
Categorias
Disponibilidade de CDs, periódicos e outras fontes desejadas
Sim
%
Às vezes
%
Não
%
Respondentes
%
Discentes
29
31%
28
30%
36
39%
93
100%
Docentes
04
27%
05
33%
06
40%
15
100%
Técnico-administrativos em
educação
01
33%
01
33%
01
33%
03
100%
Comunidade Externa
01
25%
01
25%
02
50%
04
100%
Total
35
30%
35
30%
45
40%
115
100%
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.
Com relação aos dados da tabela acima,
verificamos que, em todas as categorias,
os
usuários
questionados
indicaram
que a biblioteca não tinha o de que eles
precisavam nos seus acervos de periódicos
e de multimeios. Apenas 30% sentiam-se
atendidos quanto a este item, contra 70%
que declararam não haver disponibilidade
ou haver disponibilidade parcial desses
tipos de material. Solicitamos que os
114 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
respondentes indicassem no questionário,
de forma aberta, quais os tipos de fontes de
informação de que eles precisavam, e não
encontraram na biblioteca; 42 participantes
responderam a esta solicitação, e alguns
indicaram mais de uma fonte. De modo
que os suportes menos encontrados foram:
periódicos científicos (28), CDs (22), DVDs
(18), internet (03) e jornais (02).
Apesar de a UFT não adquirir suportes
de informação digitais, a biblioteca tem
um pequeno acervo, que é formado por
doações ou por CDs que acompanham livros
(suplementos). Percebemos que parte dos
usuários, ao identificar no livro que há este
tipo de suplemento, procura os servidores
da biblioteca e solicita esse material.
Esse acesso depende da autorização do
bibliotecário, já que o material não recebe
tratamento técnico e não está indexado no
SIE , o que o torna um serviço restrito e sem
garantias de ser realizado para o usuário.
A partir das entrevistas, verificamos que
ocorreram menções quanto à necessidade
de melhoria do acesso às mídias digitais que
a biblioteca possuía no período da pesquisa.
Patrícia, aluna de um dos cursos da Área da
Saúde, diz: “Sei que tem CDs, mas não os
vejo, é difícil encontrar, é bagunçado, nunca
consegui ter acesso”.
Quanto à assinatura de periódicos, no
Relatório de Avaliação Institucional Interna
da UFT do período 2007-2008, há uma
justificativa de que a falta de assinatura de
periódicos é suprida pela disponibilidade de
os usuários acessarem o Portal de Periódicos
da CAPES (UFT, 2009c).
A partir dos dados da tabela 7, abaixo,
é possível entender a reclamação dos
usuários quanto à assinatura de periódicos
impressos, apesar de terem a possibilidade
de acessar gratuitamente os periódicos
disponíveis no Portal da Capes.
Tabela 7 – Distribuição de usuários quanto à existência de orientação para a utilização
do Portal de Periódicos da Capes
Categorias
Orientação sobre a utilização do Portal de Periódicos da Capes
Sim
%
Algumas vezes
%
Não
%
Respondentes %
Discentes
04
05%
23
26%
60
69% 87
100%
Docentes
03
21%
05
36%
06
43% 14
100%
Técnico-administrativos em educação
02
67%
01
33%
00
00% 03
100%
Comunidade Externa
00
00%
01
33%
02
67% 03
100%
Total
09
08%
30
28%
68
64% 107
100%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.
Os dados indicam a falta de orientação
sistemática e adequada aos usuários para
a utilização do Portal de Periódicos da
Capes, o que leva ao desconhecimento
dessa ferramenta de pesquisa por parte dos
alunos (note, na tabela acima, que 69% dos
discentes declararam não ter orientação
quanto ao uso desta ferramenta), que assim
sentem a necessidade da assinatura de
periódicos impressos. Além disto, existem
periódicos importantes para uma biblioteca
universitária que não estão disponíveis
nesse Portal; por exemplo, o Le Monde
Diplomatique Brasil.
Por meio das entrevistas e da
observação, verificamos que os professores
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
que reivindicaram essa assinatura, tanto
conhecem como utilizam esse Portal, porém
tomam essa atitude baseados nas condições
dos seus alunos da graduação, uma vez que
esse público tem menos experiência com
esse recurso, situação que é agravada pela
falta de orientação.
Também foi evidente nos depoimentos
dos
professores
que
eles
tinham
conhecimento de que o Governo Federal
não disponibilizava recursos específicos
para a aquisição de periódicos científicos
na versão impressa, uma vez que ele
disponibilizava o acesso gratuito ao Portal
de Periódicos da CAPES; entretanto, alguns
115
reivindicaram que o Campus adquira esse
tipo de assinatura com os seus recursos
próprios (sem rubrica).
Avaliação do atendimento
prestado pelos
servidores da biblioteca
Apresentamos, a seguir, dados sobre a
avaliação dos sujeitos da pesquisa sobre
o atendimento prestado pelos servidores
da biblioteca.
Tabela 8 – Distribuição dos usuários quanto ao atendimento prestado pelos servidores
da biblioteca do Campus Universitário de Palmas da UFT
Atendimento dos servidores da biblioteca
Categorias
Ótimo
%
Bom
%
Regular
%
Ruim
%
Respondentes
%
Discentes
16
16%
45
46%
32
33%
04
05%
97
100%
Docentes
03
20%
06
40%
06
40%
00
00%
15
100%
Técnico-administrativos em
educação
03
75%
00
00%
01
25%
00
00%
04
100%
00
00%
03
100%
00
00%
00
00%
03
100%
22
18%
54
45%
39
33%
04
04%
119
100%
Comunidade
Externa
Total
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.
Conforme os dados da tabela acima,
63% dos envolvidos nesta pesquisa
consideram o atendimento prestado pelos
servidores da biblioteca como bom ou
ótimo. Estes dados podem significar que
essa maioria se sente bem atendida por
esses profissionais da biblioteca da UFT de
Palmas, porém uma parcela considerável
(33%) dos questionados indicou que
esse atendimento é regular, sendo que
a afirmação foi mais presente entre os
membros das categorias de discentes e
docentes.
Os
usuários
que
indicaram
o
atendimento como regular ou ruim
foram convidados a comentar, de forma
aberta, as suas respostas, sendo que 46
deles atenderam a essa solicitação. Eles
elencaram os seguintes fatores como
condicionantes das suas respostas: 1) a
116 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
A observação sobre capacitação
feita pela quase totalidade dos usuários
entrevistados relacionava-se a questões
de técnicas de atendimento ao público. Já
Téo se referiu à necessidade de formação
dos servidores da biblioteca de forma
que estes fossem qualificados para a
“ação cultural ” e científica, de modo que
bibliotecários e assistentes fizessem mais
do que a administração da informação
e a localização de livros no acervo.
Segundo ele, estes deveriam atuar como
mediadores de informação, ser criativos
para contribuírem tanto com a formação
do acervo quanto com a formação dos
usuários da biblioteca.
Nesta mesma linha de raciocínio, é
que Milanesi (2002, p. 98) afirma que os
profissionais da informação devem ir além
da “organização passiva de um acervo à
espera de leitores, em contrapartida, é
possível criar atividades e serviços que
são, claramente, estímulos à ampliação
do conhecimento pelos conflitos que
suscitam, pelo prazer que oferecem – ou
pelos dois”.
quantidade de servidores insuficiente (22);
2) a necessidade de melhoria na qualidade
do atendimento (16); 3) a necessidade
de capacitação dos atendentes (07); 4) a
demora no atendimento (05).
Podemos considerar que as observações
dos usuários se relacionavam ao fato
de que a quantidade de servidores tem
relação com a demora no atendimento e
a necessidade de melhorar a qualidade
do atendimento pode ser resolvida com a
capacitação dos servidores da biblioteca.
A opinião de um dos entrevistados sobre
a capacitação dos servidores da biblioteca
foi singular. Téo acredita que, no geral, o
servidor dessa biblioteca:
Não é um leitor, não é um ativista cultural,
ele é no máximo é um burocrata do livro.
Se você vai à biblioteca de Palmas o atendimento é péssimo, não tô dizendo que as
pessoas gritam com você, que tratam mal,
mas são pessoas que não tem..., que não
tem a menor intimidade com a vida cultural, com o livro, com a literatura, com a
poesia, com a ciência que tá lá colocada,
não tem nenhuma relação, entra e sai e
aquilo lá é um castigo. (Téo, servidor técnico-administrativo em educação da UFT).
Tabela 9 – Distribuição dos usuários quanto à quantidade de pessoas envolvidas no
atendimento da biblioteca do Campus de Palmas da UFT
Categorias
Suficiência do número de servidores da biblioteca
Sim
%
Não
%
Respondentes
%
Discentes
25
26%
73
74%
98
100%
Docentes
03
21%
11
79%
14
100%
Técnico-administrativos em educação
01
25%
03
75%
04
100%
Comunidade Externa
00
00%
04
100%
04
100%
Total
29
24%
91
76%
120
100%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.
ARTIGOS INÉDITOS
As considerações dos usuários sobre
a quantidade de servidores da biblioteca
ficam mais evidentes depois da análise dos
dados da tabela acima, pois se verifica que
76% dos usuários consultados entenderam
que a quantidade de servidores da
biblioteca não era suficiente.
Os entrevistados fizeram, também,
referências a menor quantidade de
pessoas para o atendimento informatizado
(empréstimo, devolução, renovação de
empréstimo e reserva de livros) do que
para o auxílio à consulta do acervo e
para a oferta de serviços especializados
de disseminação de informação. Segundo
os usuários, havia horários em que eram
formadas grandes filas para o atendimento
no balcão de empréstimo. Conforme o
professor Cláudio:
Pra mim o atendimento é bom, a única...
outra crítica que eu teria à biblioteca é
a falta de funcionários, às vezes faz uma
fila bem grande, então é falta de funcionários, tem que ter mais funcionários. Então as únicas críticas que eu teria seriam
a falta de funcionários, porque o acervo
tá crescendo cada vez mais, mas não se
contratam mais funcionários, então vai
ficar cada vez pior na minha visão esse
atendimento, mas não é culpa da biblioteca, é porque não tem funcionário (Cláudio, professor da Área da Saúde).
A relação construída pelo professor
Cláudio entre a quantidade de servidores
da biblioteca e o crescimento do acervo
pode ser bem compreendida com os
seguintes dados: no ano de 2004, a
biblioteca possuía 40.812 exemplares
de livros e 22 funcionários (UFT, 2004),
enquanto no ano de 2010 o seu acervo
era composto por 79.264 exemplares
de livros e o seu quadro de pessoal era
formado por 21 pessoas, entre servidores
e bolsistas (UFT, 2010d). A partir dessa
2013 JAN/DEZ
117
relação, é possível inferir que o acervo
foi praticamente duplicado, enquanto os
recursos humanos foram reduzidos.
Nota-se que a UFT tentava resolver os
problemas da quantidade insuficiente de
pessoal com a participação de bolsistas
na equipe da biblioteca. Alguns dos
entrevistados criticaram essa atitude da
Instituição. Para a aluna Graça:
Na verdade eu sempre sou atendida por
estagiários, eu creio que o aluno ele não
tem conhecimento de tudo, do funcionamento da biblioteca..., é como o..., o
próprio aluno, ele tem período muito pequeno é, de seis meses, um ano de biblioteca, quando o aluno já começa ter o
conhecimento se muda de estagiário, né?
(Graça, aluna da área de Ciências Sociais
Aplicadas).
A partir da observação, foi verificada
uma intensa rotatividade de sujeitos na
composição desse quadro de pessoal
da biblioteca, principalmente entre os
bolsistas, cuja maior parte estuda em
cursos integrais e por isto encontra
dificuldades em cumprir um horário
fixo nas atividades administrativas da
biblioteca. Na avaliação da aluna acima
citada, essa rotatividade não contribuía
com a qualidade do atendimento dos
usuários da biblioteca.
Avaliação da informatização
dos serviços da biblioteca
Para iniciarmos a discussão sobre a
avaliação dos serviços ofertados pela
biblioteca, vamos, em primeiro lugar,
apresentar os dados de pesquisa sobre
a eficiência do serviço informatizado de
empréstimo.
118 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Tabela 10 – Distribuição dos usuários quanto aos serviços informatizados de empréstimo de livros da Biblioteca do Campus de Palmas da UFT
Eficiência do serviço informatizado de empréstimo
Categorias
Eficiente
%
Pouco
Eficiente
%
Ineficiente
%
Respondentes
%
Discentes
76
78%
19
19%
03
03%
98
100%
Docentes
11
73%
03
20%
01
07%
15
100%
Técnico-administrativos em
educação
03
100%
00
00%
00
00%
03
100%
Total
90
78%
22
19%
04
03%
116
100%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.
Os dados mostram que os membros da
categoria usuários externos não tinham
acesso aos serviços informatizados de
empréstimo, devolução e reserva de
livros da biblioteca, por isto, conforme
tabela acima, serão analisadas apenas as
respostas dos membros das categorias
de discentes, docentes e técnicoadministrativos em educação.
Os dados mostram que 78% dos
usuários consultados aprovavam o serviço
informatizado de empréstimo e devolução
de livros. No entanto, 19% do total de
usuários
questionados
consideraram
o serviço pouco eficiente, e 3% do
total de usuários considerou o serviço
informatizado de empréstimo e devolução
como ineficiente. Por meio dos comentários
dos usuários nos questionários e dos
depoimentos obtidos nas entrevistas,
percebemos que as críticas a esse serviço
estavam
relacionadas
à
ocorrência
de algumas falhas nos serviços de
empréstimo e devolução, entre elas o fato
de que algumas vezes o sistema ficava
inoperante. Os entrevistados também
citaram casos em que a devolução do
livro não era computada. Além disso,
foram registradas reclamações quanto
ao sistema não permitir a renovação do
empréstimo de livros de modo on-line
e sobre o fato de acesso ao serviço ser
limitado a determinados públicos.
A questão do acesso limitado ao
serviço de empréstimo de livros para
determinados públicos foi evidenciada
por alguns professores e por um técnicoadministrativo
em
educação.
Eles
questionaram o fato de os alunos da
especialização lato sensu não poderem
realizar esse tipo de empréstimo. Além
disso, o técnico-administrativo em
educação também questionou a restrição
desse serviço aos demais profissionais
que trabalham na UFT, de forma
terceirizada, que são os motoristas, os
vigilantes, os que trabalham na limpeza
e manutenção, etc.
Entretanto, observamos que, quando
a biblioteca não era informatizada, os
funcionários terceirizados e os alunos das
especializações da UFT eram cadastrados
como usuários e podiam utilizar o serviço
de empréstimo de livros das bibliotecas
como os demais servidores e alunos
dessa IFES, situação que foi modificada
após a informatização das bibliotecas. A
esse respeito vale reter as observações
de Biagin e Carcino (2009, p. 38), pois,
de acordo com esses autores, nesse
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
processo de construção de bibliotecas
informatizadas, virtuais e até digitais,
existem “interesses por vezes divergentes
que estão relacionados a uma lógica
de fundo”. Para eles, essa lógica está
pautada em princípios econômicos e
comerciais que valorizam a perpetuação
da hegemonia capitalista e, sendo assim,
119
não interessa partilhar o acesso às fontes
de informação com os membros das
classes “subalternas”.
Abaixo, colocamos uma tabela sobre
a frequência com que os usuários se
utilizam da plataforma on-line, de forma
a perceber os problemas porventura
existentes na utilização desse recurso.
Tabela 11 – Distribuição dos usuários quanto às frequências com que pesquisam no
catálogo on-line do SIE
Categorias
Frequência de consulta ao catálogo on-line
Sempre
%
Às vezes
%
Nunca
%
Respondentes
%
Discentes
02
02%
19
20%
76
78%
97
100%
Docentes
02
13%
04
27%
09
60%
15
100%
Técnico-administrativos em
educação
00
00%
01
25%
03
75%
04
100%
Comunidade
Externa
00
00%
00
00%
04
100%
04
100%
Total
04
03%
24
20%
92
77%
120
100%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.
Na época da pesquisa de campo, a
biblioteca do Campus de Palmas não
dispunha de computadores disponíveis
para os usuários consultarem diretamente
o catálogo on-line do SIE. Dessa forma,
quando os usuários precisavam saber se
havia na biblioteca determinada fonte
de informação, era necessário que eles
solicitassem essa consulta aos atendentes
nos terminais de empréstimo e devolução
de livros da biblioteca, o que levava
alguns usuários à fila de espera somente
para identificar se a biblioteca possuía ou
não determinado livro.
Com este cenário, não foi difícil entender
por que os dados da tabela acima indicam
que somente 2% dos discentes e 13% dos
docentes têm o hábito de consultar esse
catálogo da biblioteca.
Para o acesso adequado dos usuários
ao acervo, é necessário que haja na
biblioteca terminais de computadores
para a consulta ao catálogo e servidores
disponíveis para auxiliar os usuários
em suas pesquisas. Segundo Mangue
(2006, p. 160), “no sistema brasileiro
a universidade concentra sua atenção
sobre
o
software
negligenciando,
paradoxalmente,
a
aquisição
dos
equipamentos para uso do sistema, isto é,
dificultando o acesso ao software e, por
conseguinte, o atendimento ao usuário
final, com consequentes efeitos negativos
para o atendimento ao usuário”.
120 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Há que se considerar que qualquer
investimento na biblioteca deve ser
motivado pelas necessidades dos usuários,
pois se eles não usufruírem dos recursos
implantados não há razão para fazê-lo.
O auxílio aos usuários da biblioteca do
Campus de Palmas será discutido a partir
dos dados da próxima tabela.
Tabela 12 – Distribuição dos usuários quanto à orientação para utilizar o catálogo on-line do SIE
Apoio à utilização do catálogo on-line
Categorias
Servidor
da Biblioteca
%
Colega
%
Docente
%
Nunca
recebeu
apoio
%
Respondentes
%
Discentes
06
06%
03
03%
07
07%
82
84%
98
100%
Docentes
02
13%
00
00%
00
00%
13
87%
15
100%
Técnico- administrativos em
educação
00
00%
00
00%
00
00%
04
100%
04
100%
Comunidade
Externa
00
00%
00
00%
00
00%
04
100%
04
100%
Total
08
07%
03
02%
07
06%
103
85%
121
100%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.
De acordo com a tabela acima, 85%
dos membros da comunidade acadêmica
consultados nesta pesquisa disseram
nunca terem sido ensinados a utilizar
o catálogo on-line do SIE. Os dados
apresentados na tabela acima indicam
que, na biblioteca do Campus de Palmas,
a orientação dos seus usuários quanto ao
uso do catálogo on-line do SIE não é uma
prática constante. Essa falta de orientação
explica o fato de a maioria dos usuários
não utilizarem essa ferramenta do SIE
(conforme os dados da tabela 11).
Segundo Carvalho (2004), os serviços
mais atingidos pela informatização são: a
consulta ao catálogo e a bases de dados das
bibliotecas, tanto no suporte on-line como
em CD-ROM, a pesquisa bibliográfica, o
tratamento da informação, a aquisição de
acervo, a comutação e o acesso à internet.
A partir desse pressuposto, a maioria dos
serviços atingidos pela informatização
são aqueles relacionados com a consulta/
pesquisa/localização e o acesso dos
usuários às fontes de informação. Porém,
no caso da UFT, os serviços mais atingidos
pela informatização estão relacionados
com as atividades administrativas da sua
biblioteca.
Avaliação da informatização
dos serviços da biblioteca
A partir dos dados coletados no campo,
verificamos que a biblioteca do Campus
de Palmas, desde o ano de 2006, passou
por um processo de transformações que
visava proporcionar atendimento básico
para uma biblioteca universitária, qual
seja: um acervo com a bibliografia básica,
infraestrutura adequada, mobiliários e
sistema de armazenamento e recuperação
das informações do acervo.
Quando se constata que, nos últimos
anos, a biblioteca da UFT do Campus
de Palmas passou do sistema de
ARTIGOS INÉDITOS
fichas catalográficas para um sistema
informatizado, que houve diminuição
na quantidade de recursos humanos e
que para ela se prepara um novo prédio
estruturado segundo os conceitos e
recursos contemporâneos, entende-se
que ela vem passando por um constante
processo de modernização, embora esse
processo se encontrasse desarticulado
dos reais interesses dos seus usuários.
Isto porque, como bem mostrado no
corpo do artigo, os efeitos do processo de
modernização/informatização da biblioteca
da UFT do Campus de Palmas mostravamse mais direcionados para administração
da biblioteca do que para o atendimento
às necessidades dos seus usuários. Uma
confirmação disto é o fato de que os
serviços executados pelos servidores e
bolsistas eram informatizados, porém os
serviços mais relacionados com o acesso
dos usuários à informação e aqueles que
dependem da relação mais direta entre os
servidores e os usuários da biblioteca não
eram viabilizados de forma adequada.
Apesar disto, para a maioria dos
usuários consultados nesta pesquisa a
informatização da biblioteca pareceu
ser o ponto alto dessa modernização,
mas somente no aspecto empréstimo,
devolução, renovação e reserva de livros,
já que faltavam orientação e computadores
para os usuários utilizarem os serviços do
catálogo on-line do SIE.
Como mostraram os dados, no processo
de modernização dessa biblioteca, foi
necessário adquirir equipamentos de
informática, aumentar a quantidade
de servidores e investir na capacitação
destes trabalhadores, para assim ofertar
de forma efetiva os serviços ainda em fase
de implementação.
2013 JAN/DEZ
121
Verificamos, também, que os usuários
queriam para o acervo mais do que os
livros que compõem a bibliografia básica
dos cursos. Eles também queriam obras
literárias, assinatura de periódicos,
coleções especiais e outros tipos de fontes
de informação. Assim, é necessário que
se considerem os interesses dos docentes
e discentes para além do ensino; os dos
servidores técnico-administrativos em
educação e dos usuários externos tanto
na formação do acervo, quanto na oferta
de serviços.
De modo geral, o grande desafio
dessa biblioteca é ampliar e estreitar
a relação com o seu público, para isso
é necessário uma aproximação com os
usuários para assim identificar os seus
interesses e, a partir disso, desenvolver
ações de extensão, eventos culturais,
cursos, informativos, etc., isto é, serviços
especializados
de
disseminação
de
informações, orientações para a pesquisa
e para a formação do pensamento crítico.
A partir desses dados, concluímos
que esse processo mostrou-se em
acordo com os pressupostos do projeto
de modernização da educação superior
brasileira, o qual está baseado em ideais
liberais e enfatiza os aspectos técnicos,
o aumento da eficácia da administração
pública e a produtividade, em detrimento
das necessidades dos agentes envolvidos
nesse processo.
122 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Referências bibliográficas
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Relatório das atuais condições da Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins (Campus
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Planejamento Estratégico 2006-2010: por uma
universidade consolidada democrática, inserida na Amazônia. Palmas: UFT, 2006b.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
123
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Relatório de Avaliação Institucional – UFT 20092010. Palmas: UFT, 2010h.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Relatório de Avaliação Institucional Interna da UFT
2007-2008. Palmas: UFT, 2009c.
Resumen: El artículo presenta los resultados de la evaluación de la modernización de
la biblioteca de la Universidad Federal de Tocantins, Campus Palmas. El objetivo fue evaluar el proceso y verificar si los resultados
cumplen las necesidades de información de
la comunidad académica. La investigación es
interpretativa y si constituye como un estudio de caso; hubo investigación bibliográfica y documental, observación participante,
cuestionarios, entrevistas cualitativas con los
usuarios, técnicos y miembros de la dirección
de la Universidad que participan en el proceso. Se observó que el proceso de modernización de la biblioteca del Campus de Palmas
es considerado por sus usuarios como significativo. Sin embargo, las inversiones y las
acciones se realizan de forma fragmentaria.
Se priorizan las tareas administrativas de la
biblioteca y, a causa de eso la infraestructura
de informatización, recursos humanos y materiales no coinciden con las necesidades de
los usuarios de esta biblioteca.
Résumé: Cet article présente les résultats de
l’évaluation de la modernisation de la bibliothèque du Campus Palmas de l’Université fédérale de Tocantins. L’objectif était d’évaluer
le processus tout en vérifiant si les résultats
répondent aux besoins d’information de la
communauté universitaire. La recherche est
interprétative et le mode d’investigation est
l’étude de cas, appuyée sur la recherche bibliographique et documentaire, l’observation
participante, l’application de questionnaires
et la réalisation d’entretiens qualitatifs avec
les utilisateurs, techniciens et membres de
la direction de l’Université impliqués dans le
processus. Il a été constaté que le processus de modernisation de la bibliothèque du
Campus Palmas est considéré par ses utilisateurs comme significatif. Toutefois, les investissements et les actions sont menés de
façon fragmentée et se sont concentrés sur
les tâches administratives de la bibliothèque,
ce qui explique pourquoi l’infrastructure pour
l’informatisation et les ressources humaines
et matérielles ne correspondent pas aux besoins des utilisateurs de cette bibliothèque.
Palabras-clave: bibliotecas universitarias,
evaluación, Universidade Federal do Tocantins, metodología.
Mots-clés: bibliothèques universitaires,
évaluation, Universidade Federal do Tocantins, méthodologie.
Notas
1 Os dados e as reflexões presentes neste artigo são fruto da dissertação de mestrado de Heloisa dos Santos
Brasil (BRASIL, 2011), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Lea Carvalho Rodrigues, defendida junto ao Mestrado
Profissional em Avaliação de Políticas Públicas da UFC (MAPP).
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
125
A política nacional dos recursos hídricos na gestão da Companhia de
Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre a privatização e a governança1
The national policy on water resources under the Companhia de Água
e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: between privatization and governance
La política nacional de recursos hídricos en la gestión de la Companhia
de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre la privatización y la
gobernanza
La politique nationale des ressources en eau par la gestión de la
Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre la privatisation
et la gouvernance
Thayene Gomes Cavalcante*
Maristela Oliveira de Andrade**
Resumo: O trabalho propõe uma avaliação
da Política Nacional dos Recursos Hídricos/
PNRH com base na premissa do caráter público da água e do seu valor econômico, visando problematizar a apropriação dos espaços públicos e a abertura da gestão pública
à participação da sociedade civil. Trata-se de
uma breve análise dos instrumentos de gestão do sistema de abastecimento de água da
Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba
(CAGEPA) e de suas ações em João Pessoa,
por meio de pesquisa documental e bibliográfica, assim como mediante entrevistas
com um gestor da diretoria da empresa. A
avaliação da PNRH na CAGEPA será feita
a partir da análise da eficácia de seus instrumentos no que tange às ferramentas de
controle e mediação de conflitos ambientais,
econômicos e sociais, que envolvem o Estado, a sociedade civil e a iniciativa privada.
Abstract: The paper proposes an assessment of National Policy of Water Resources/
PNRH based on the premise of the public
character of water and his economic value to discuss the ownership of the public
spaces and the opening of public management to social participation. This is a brief
analysis of management tools Companhia de
Águas e Esgotos da Paraíba (System Water
Company’s Water and Sewerage Paraíba)
(CAGEPA) and its actions in João Pessoa, in
documentary and bibliographic research, as
well as based on interviews with a manager
of the company’s Board. PNRH in CAGEPA assessment will be considered from the
effectiveness of its instruments in relation
to the tools of control and conflict mediation
environmental, economic and social, involving the State, civil society and the private
sector.
Palavras-chave: gestão pública, recursos
hídricos, Estado.
Keywords: public management, water resources, State.
* Graduada em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal da Paraíba; Professora de
Sociologia pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba. E-mail: [email protected]
**
Professora Associada do Departamento de Ciências Sociais e dos Programas de Pós-Graduação em
Desenvolvimento e Meio Ambiente/PRODEMA e em Antropologia/PPGA da Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: [email protected]
126 JAN/DEZ 2013
Introdução
Quando se levantam
temas relacionados à
utilização dos recursos hídricos 2, pensa-se
imediatamente em estratégias de controle, regulação e planejamento, devido aos
fatores que tornam esses recursos progressivamente escassos para o provimento das necessidades humanas, ambientais
e econômicas 3.
O Estado é o responsável, é o gestor
nesse processo de controle, regulação e
planejamento. A discussão que se pretende
travar aqui, embora de forma preliminar,
faz menção a essa problemática, isto é,
às soluções encontradas pela legislação e
investidas pelas políticas públicas ambientais
para resolver os conflitos que envolvem
a questão da insuficiência da água para a
multiplicidade de usos a que ela se faz
necessária. É do Estado a incumbência de
mediar e administrar os problemas que
envolvem os recursos hídricos, a fim de
alcançar resultados positivos quanto aos
objetivos sociais que deve suprir com relação
ao acesso à água. Seu papel inclui a adoção
de alguns instrumentos na gestão dos
recursos hídricos que tenham o potencial de
suprir as exigências sociais e as demandas
provenientes dos contextos socioculturais
específicos, pois está assegurado na
legislação o caráter público da água. Desse
modo, a reflexão acerca de alguns desses
instrumentos que visam controlar, regular e
planejar os recursos hídricos merece atenção
no que tange à sua efetividade e às suas
reais implicações nesse contexto de carência
e desperdício desordenado.
A intenção de abordagem que se pretende
aqui parte do entendimento da problemática
da água com relação aos diversos contextos
que a levam a ser um bem escasso e, a partir
ARTIGOS INÉDITOS
dessa percepção, reflete sobre o surgimento
de um debate direcionado à criação de
leis e políticas específicas para moderar e
racionalizar os usos, com foco na Política
Nacional de Recursos Hídricos e em sua
pretensão descentralizante/participativa.
O debate acerca da sustentabilidade
hídrica é sintomático, pois acompanha uma
alteração paradigmática no que tange às
crises que abalavam a economia com o uso
intensivo dos recursos naturais. A notória
realidade de que o setor econômico não era
uma instância autossuficiente caracterizarase como mito. Partia-se assim para a atenção
na preservação dos recursos naturais com
vistas ao desenvolvimento sustentável –
conceito que dava subsídios para se pensar
em longo prazo, com possibilidades de
ininterrupção e de garantias de suprimento
às futuras gerações.
Com sua idealização do progresso, o
capitalismo apresentava contradições e
irracionalidades que indicavam a necessidade
de mudança na forma de concebê-lo. Os
desenvolvimentistas tiveram que se submeter
a essa nova ordem, findando a era do puro
economicismo e dando início à percepção
desenvolvimentista aliada à estabilidade
ambiental (Buarque, 1990).
O desenvolvimento deveria ser enxergado
em associação à natureza, de forma
equilibrada, visando atender às diversas
camadas da sociedade e à sobrevivência
das gerações futuras, necessárias tanto à
produção de meios quanto à subsistência
da humanidade. Até o momento em que
todos esses limites não são explicitados,
o meio ambiente não era uma questão
preocupante; porém, quando se toma
consciência da fragilidade e quando toda a
sociedade reconhece como um problema
ARTIGOS INÉDITOS
que precisa ser pensado, o discurso se
altera para a necessidade de se encontrar
respostas, soluções à questão. A emergência
de um discurso ambiental foi resultado da
conjugação de múltiplos fatores paralelos
– de âmbito social, econômico, cultural,
tecnológico,
político,
ecológico,
etc.
(Cavalcante, 2009). Destacam-se, nesse
processo, alguns acontecimentos grandiosos
que estimularam mais diretamente o
surgimento dessa questão, que provocaram
a destruição ambiental e humana, e tiveram
de ocorrer para alertar a sociedade mundial,
contribuindo assim para a formação de
uma nova consciência sobre o meio
ambiente. Dentre os casos que ampliaram
a preocupação com o meio ambiente/
humanidade e despertaram o debate da
sustentabilidade, salientam-se os seguintes:
(a) o desastre nuclear da Usina Chernobyl na
Ucrânia, em 1986, responsável pela emissão
de enormes quantidades de radiação para
a atmosfera a partir da explosão de um
reator; (b) o exemplo do acidente em uma
fábrica de pesticidas em Bophal, na Índia,
no ano de 1984, que lançou 45 toneladas de
metil isocianato na atmosfera, acarretando
a morte imediata de milhares de pessoas e
consequências à saúde de outros milhares.
A preocupação relativa aos recursos hídricos é uma das apreensões mais representativas do conceito de desenvolvimento
sustentável, devido às características de escassez, à extrema essencialidade quanto ao
processo produtivo, à subsistência humana,
etc. Amparados num conceito de sustentabilidade hídrica, os debates davam conta dessas preocupações e se encaminhavam para
uma sistematização de ideias em direção ao
planejamento sustentável, que, portanto,
deve levar em consideração um programa
2013 JAN/DEZ
127
para além das dimensões sociais, ecológicas
e econômicas, da sustentabilidade espacial e
cultural, visando à efetivação do desenvolvimento sustentável.
O último Relatório Mundial das Nações
Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos
Hídricos (WWDR4 – World Water Development
Report), com dados da discussão mais
recente no Fórum Mundial da Água em 2012,
é um documento que pretende analisar os
recursos de água doce no planeta a partir
de uma visão geral e da perspectiva de
análise de riscos e incertezas mediante as
ofertas e demandas dos recursos hídricos.
Sua intenção é o provimento de ideias e
sugestões de ferramentas para as lideranças
agirem frente aos riscos; e a proposta é
criar estímulo a partir da identificação de
instrumentos que possibilitem a obtenção do
máximo de benefícios aos diferentes setores
interessados. Um trecho do relatório resume
bem sua perspectiva e intenções perante
nossa precária situação atual e futura:
Todos os aspectos do desenvolvimento
têm um componente baseado na água:
ela é o único meio que liga setores
distintos, e pelo qual as principais crises
mundiais podem ser tratadas de forma
conjunta. A água é um elemento-chave
para o crescimento verde e um fator
determinante para o desenvolvimento de
economias mais verdes. É muito pouco
provável que se possa satisfazer a uma
demanda por água em contínuo aumento
somente com soluções relacionadas ao
seu suprimento. Ao contrário, as soluções
adequadas à crise mundial da água
encontram-se em nossa capacidade de
gerenciar melhor a demanda, enquanto
se busca uma forma de equilibrar e obter
o máximo de benefícios oferecidos pela
água. O “nexo água-alimentos-energia”
ilustra as dificuldades das opções, bem
como os riscos e as incertezas a que devem
fazer frente, na atualidade, os dirigentes
políticos. São muitos os exemplos das
128 JAN/DEZ 2013
consequências desejadas ou indesejadas
de se optar por uma causa e não por outra
(como a segurança alimentar no lugar
da segurança dos recursos hídricos). Um
desafio crucial consistirá em integrar as
complexas interligações em estratégias
de resposta que considerem os diversos
compromissos e interesses das diferentes
partes envolvidas. (UNESCO, 2012, p.4)
Diversas são as vias que agravam a
questão da disponibilidade hídrica no
planeta e é com muita cautela que essa
questão deve ser tratada, pensada e
repensada. Trata-se, de fato, de um desafio
complexo que demanda comprometimento e
gerenciamento sistemático.
Em resposta à necessidade de se buscar
resultados apropriados para equacionar
a problemática ambiental que envolve
os recursos hídricos, foi sendo criado um
arcabouço institucional e legal que tivesse a
capacidade de amenizar as consequências
dos riscos que a escassez destes recursos
proporciona.
Debates,
conferências,
encontros, fóruns iam alimentando a
preocupação, discernindo as questões
e despertando interesses em direção ao
alcance de metas e à busca de melhores
resultados e resoluções para os conflitos. A
legislação que ia se compondo em âmbito
internacional, nacional, regional, estadual
e municipal é reflexo de um momento
histórico específico e das perspectivas
do contexto ambiental em que estavam
inseridas. Elas vêm se apresentando em
complementaridade, mesmo que, muitas
vezes, a percepção da problemática se
diferencie e, muito embora os interesses
venham se fundamentando em discretas
diferenças, o fato é que a proposta
resultante de toda essa arregimentação é a
otimização dos recursos hídricos como um
bem indispensável ao desenvolvimento de
ARTIGOS INÉDITOS
determinada região. Ou seja, o potencial
de
desenvolvimento
socioeconômico
depende muito de sua sustentabilidade
hídrica, e esse é, inegavelmente, o fator
determinante de toda essa mobilização
mundial (Silans, 2008).
Primeiramente, o Código de Águas de 1934
e, depois, a Constituição Federal de 1988
demonstraram-se legislações emblemáticas
para o ponto de partida desta discussão em
nível nacional, despertando uma atenção
especial às variadas preocupações e
demandas que envolviam a área dos recursos
hídricos; contudo, não apontavam para a
abrangência dos interesses que emanavam
das variadas demandas.
A Política Nacional dos Recursos Hídricos,
por sua vez, revela sua adequação à
multiplicidade de interesses das mais
variadas ordens que a sociedade apresentava
a partir do princípio de que ela é formada
por indivíduos, grupos e classes sociais que
têm interesses diferentes, muitas vezes
conflitantes, nos quais as políticas públicas,
instituições e leis devem intervir. Porém,
não se pode dizer que a lei n.º 9433/97
não atenda aos apelos do capital; ao
contrário, vamos perceber que ela respeita
algumas circunscrições internacionalmente
hegemônicas
e
demonstra
também
tendência à ampliação do espaço mercantil
(Silvestre, 2002). Porém, a grande “sacada”
desta lei, que a diferencia positivamente das
anteriores, consiste no caráter democrático e
descentralizador, bem como na possibilidade
de abertura de canais de participação
popular que influenciem qualitativamente
a transformação do estado da gestão de
recursos hídricos no Brasil.
As características desse modelo de gestão
na lei n.º 9.433/97 se baseiam na concepção de
ARTIGOS INÉDITOS
um Estado regulador e mediador de conflitos
que utiliza “a descentralização, a participação
pública e uma visão integrada como método,
e o desenvolvimento sustentável (com o seu
tripé: equidade social, eficiência econômica
e sustentabilidade ambiental) como objetivo
finalístico” (Brasília, 2006). Este trabalho
vai justamente tentar refletir a respeito da
compreensão desta política gestatória dos
recursos hídricos.
Nesse
sentido,
pretende-se
aqui
compreender o acesso à água potável
como direito público, um direito do cidadão
assegurado por essa legislação brasileira. A
análise envolve, previamente, a discussão
em torno do fortalecimento do espaço
público e a abertura da gestão pública à
participação da sociedade civil na elaboração
de suas políticas e na institucionalização
de práticas participativas inovadoras que
pretendem apontar uma nova qualidade de
cidadania e marcar rupturas com a dinâmica
predominante na gestão pública ambiental.
Entretanto, esse novo padrão (legalinstitucional) permanece mantendo fortes
brechas para tornar-se instrumento de
expansão do capital e da mercantilização.
Instrumentos
como
concessão,
licenciamento, outorga, cobrança pelo uso
da água são meios utilizados pela legislação
para garantir a utilização racional do recurso,
mas que, ao mesmo tempo, podem ampliar
o espaço mercantil. Ensaiaremos aqui uma
reflexão acerca da eficácia da ferramenta da
cobrança pelo uso da água – direcionada à
população e gestada pelo governo –, no que
diz respeito ao alcance de seus objetivos.
Nesse sentido, será propícia a análise
dos sistemas de abastecimento de água,
responsáveis pelo provimento de recursos
hídricos de qualidade à população de um
2013 JAN/DEZ
129
Estado; investigando os significados e
possíveis contradições e/ou eficácia do
atributo da água como um bem público,
mas que, ao mesmo tempo, possui valor
econômico e pode ter seu gerenciamento
conferido por meio de concessões públicas.
Há, de fato, uma nova concepção de
gestão ambiental dos recursos hídricos,
propiciada pelo novo debate ambiental legal.
Essa gestão, por muitas vezes, embora
sugira a participação de outros atores na
governabilidade e na política ambiental
(Alier, 2009), por intermédio da participação
e descentralização, parece privilegiar
empresas capitalistas, deixando de cumprir,
muitas vezes, seu papel nessa mediação de
conflitos.
Com relação à governança relacionada ao
objeto de estudo – abastecimento público
de água potável à população –, percebese manifestação mais direta no que diz
respeito a uma educação ambiental. Os
espaços de governança que sugerem as
legislações focam-se mais no âmbito das
decisões que envolvem os conflitos nas
bacias hidrográficas, momento anterior a
esse processo de distribuição de água que,
por sua vez, teoricamente, não possibilitaria
muita atuação participativa. No entanto, isso
não quer dizer que não haja espaço para a
participação no contexto do abastecimento
de água. Ao contrário, nessa perspectiva, o
Estado tem um papel importantíssimo, que é
a criação de mecanismos de regulação política
com potencial de promover ou estimular a
percepção de atitudes e comportamentos
que acompanhem as demandas ambientais
e induzam a um estilo de vida alternativo.
O uso racional e sustentável da água
ainda está distante de ser concretizado
em plenitude; porém, tornou-se uma das
130 JAN/DEZ 2013
maiores preocupações dos ambientalistas,
do mercado, da população, dos dirigentes,
das grandes potências mundiais, pois se
trata de um recurso que é extremamente
indispensável à subsistência da humanidade
e da economia. No ano de 1992, a
ONU publicou um documento intitulado
“Declaração Universal dos Direitos da Água”,
com um conjunto de posturas e atitudes que
visam promover o uso sustentável da água.
São dez artigos que servem para despertar
a consciência ecológica da população e dos
governantes para a questão da água. Três
ganham destaque por se apresentarem
pertinentes ao objeto deste estudo. São
eles: (a) o artigo sexto é bastante pertinente
ao estudo presente, pois imputa um valor
econômico à água por ser rara e dispendiosa;
(b) o sétimo fala da consciência com
relação às possibilidades de esgotamento
dos recursos hídricos e que, por isso, não
devem ser desperdiçados, nem poluídos; (c)
o oitavo, por fim, fala do cumprimento às
leis que regram sua utilização – obrigações
jurídicas para o homem e para o Estado.
Esta declaração dos direitos universais
da água é oportuna neste momento,
pois compila, em apenas dez artigos, um
resumo das intenções principais de uma
diversidade de legislações criadas a respeito
dos caminhos que se deve traçar em termos
de gestão dos recursos hídricos, ou seja, os
objetivos que as leis devem priorizar a fim de
que se convertam em políticas públicas.
Em virtude das crescentes problemáticas
de cunho ambiental e suas repercussões
na vida humana, particularmente aquelas
relacionadas à escassez e degradação da
água, a gestão das águas se torna objeto de
política em evidência no mundo. A realidade
hídrica varia de uma região para outra, o
ARTIGOS INÉDITOS
que requer uma avaliação sobre a realidade
local, a fim de que se possam buscar novas
alternativas e adotar políticas de uso da
água que se adequem à determinada
realidade. No caso do Brasil, as políticas
públicas ambientais possuem uma variedade
de realces quanto aos recursos hídricos e,
portanto, devem tentar o equilíbrio nas mais
variadas demandas por setores.
No que diz respeito aos recursos hídricos, a
legislação ambiental brasileira apresentou-se
com mais especificidade por meio do Código
de Águas em 1934. Este tinha como pretensão
romper um estado de coisas obsoleto em que
se encontrava a legislação nacional quanto
ao uso de águas no Brasil. Na sua descrição,
as leis, sem especificidade para a questão
das águas, estavam em desacordo com as
necessidades e interesses da coletividade
nacional, daí a necessidade de se criar uma
legislação que permitisse ao poder público
controlar e incentivar o aproveitamento
industrial das águas e tomar, particularmente,
medidas para o aproveitamento racional da
energia hidráulica. Tratava-se de um modelo
burocrático com prioridade para os setores
da economia, devido ao contexto nacional
desenvolvimentista em que se encontrava
o país. A ênfase na energia hidráulica
provinha da demanda das companhias
elétricas, que se sentiam limitadas devido
ao fato de os detentores do potencial de
concessão de aproveitamento dos recursos
hídricos serem exclusivamente os Estados e
municípios. Com vistas ao desenvolvimento,
essa legislação imputou maior importância à
geração de energia por meio dos recursos
hídricos (hidrelétricas).
Contudo, com a Constituição Nacional
de 1988 (CF/88), que ficou conhecida como
“verde”, por dar um verdadeiro destaque à
ARTIGOS INÉDITOS
proteção ambiental, e especialmente à Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela lei n.º 9.433, de 1997, um novo padrão institucional de atenção aos recursos
hídricos se apresentou, sendo então considerado um modelo sistêmico e de gestão
participativa (Silans, 2008).
A CF/88 propõe uma nova concepção sobre meio ambiente equilibrado aos cidadãos,
impondo ao poder público e à coletividade
o dever de preservá-lo para as gerações
presente e futura, acompanhando o debate
e as ações com vistas ao desenvolvimento
sustentável. Para tal, ela faz uso de limitações e restrições à sua exploração e difere da legislação anterior, principalmente no
que diz respeito à viabilização do seu aproveitamento apenas para fins econômicos e
à preferência que era dada às demandas
do setor elétrico em detrimento de outros.
Um novo modelo de gestão dos recursos hídricos já vinha se desenhando e se constituindo em política, que não somente regra
o direito com autorizações, obrigações ou
restrições, como também vem compor um
conjunto de objetivos que dão forma a um
programa de ação governamental e condicionam a sua execução.
O código de águas, embora já tratasse
de usos múltiplos, tornara-se inadequado
pelo fato de priorizar o esforço industrializante da Era Vargas, o que não mais satisfazia às demandas do país, especialmente
no que tange à sustentabilidade.
A Política Nacional de Recursos Hídricos
(lei n.º 9.433/97) vem trazer uma concepção de gestão de recursos hídricos transformada, acompanhando as alterações no
debate que se travava nas décadas de 1980
e 1990 – o Estado enquanto mediador de
conflitos com fundamentação na descen-
2013 JAN/DEZ
131
tralização e participação no seu escopo. O
consórcio entre os conceitos de desenvolvimento sustentável, utilização racional dos
recursos hídricos e sustentabilidade ambiental no tratamento das políticas públicas
ambientais no Brasil emerge e motiva as
ações que se direcionam às iniciativas de
um Estado planejador e mediador dos variados interesses que envolvem e que são
tratados nessa política de recursos hídricos.
A política nacional dos recursos
hídricos e a universalidade do
direito à água
No Brasil, embora com dificuldades,
resultantes da diversidade de situações e
problemas presentes na grande extensão
territorial do país, um modelo de gestão
encontra-se em implantação, podendo ser
identificados, em suas frentes prioritárias,
programas que se desdobram em ações
concretas nas esferas governamentais
(Pompêo, 2006). A Política Nacional dos
Recursos Hídricos (lei n.º 9.433/97) vem
acompanhar a ordem da Política Nacional
do Meio Ambiente (lei n.º 6.938/81) nesse
sentido. E são algumas dessas frentes que
neste trabalho serão discutidas.
A lei n.º 9.433/97 compreende uma
alteração substancial na gestão dos recursos
hídricos, que inclui a criação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e a criação
do Sistema Nacional de Gerenciamento dos
Recursos Hídricos, com fundamentação legal
e em consonância com as leis que precedem
esta iniciativa: Código de Águas (Decreto
n.º 24.643/34), Política Nacional do Meio
Ambiente (lei n.º 6.938/81), Constituição
132 JAN/DEZ 2013
Federal de 1988 e todos os debates e agendas
internacionais. Essas leis já anunciam o
que vai estar na PNRH, especialmente nos
dois aspectos que ganham destaque nessa
discussão: caráter público da água e valor
econômico da água.
A PNRH, no seu artigo primeiro, estabelece
as bases, os fundamentos de sua política.
Destaco os parágrafos que aqui nos cabem:
• a água é um bem de domínio público (1.°
parágrafo);
• a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico (2.º parágrafo);
• a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e da
comunidade (6.° parágrafo).
A PNRH declara a água como bem de
domínio público de interesse comum e,
por reconhecê-la como recurso natural
limitado, dotado de valor econômico, situa
o disciplinamento em situações conflituosas,
em contextos de qualidade ou de escassez.
Esta política contém um papel central no
contexto da problemática ambiental e
das políticas públicas. Deste modo, neste
capítulo, o foco será os parágrafos primeiro
e sexto em seus supracitados fundamentos.
Segundo Machado (1998), o caráter da
água enquanto “bem de domínio público” não
encontra consistência no fato de pertencer
à União ou aos Estados, mas incide sim na
gestão e na prestação de contas à população
acerca dos recursos hídricos de forma
contínua, transparente e motivada. Ou seja,
o poder público tem o dever de observar,
cuidar e controlar os recursos hídricos, pois
esta característica de propriedade pública
destes recursos se dá pelo interesse que
ARTIGOS INÉDITOS
eles possuem em si, que é o interesse da
coletividade, um caráter público (e não pelo
fato de não poder ser o seu uso concedido
ao setor privado, dado que a lei assim o
permite).
A gestão pública das águas:
a governança e a gestão
compartilhada
Dentro dessa ótica, não é só o governo
o responsável pela gestão dos recursos hídricos, mas esta deve envolver a iniciativa
privada, os cidadãos e os órgãos públicos.
Trata-se do modelo de gestão compartilhada/descentralizada que se propôs na PNRH,
cujo desafio consiste justamente na articulação das ações do Estado, Sociedade e Mercado.
Segundo Costa (2003), esse modelo de
gestão compartilhada significa conjugar às
instituições originais (Estado) atribuições de
regulação e/ou planejamento de dispositivos
de articulação intergovernamental, intersetorial e de interesses de agentes particulares – como a sociedade civil e empreendedores. A sociedade civil é importante para a
viabilização de processos participativos que
orientem o uso sustentável dos recursos. Já
os empreendedores colaboram com investimentos para a utilização dos recursos cujo
retorno será, teoricamente, revertido para a
racionalização dos próprios recursos hídricos.
O espaço de atuação do Estado fica, por sua
vez, na formulação de políticas de comando
e controle, agindo em função do disciplinamento legal e fiscalização, além da mediação
dos conflitos nessa gestão descentralizada.
Silva (2005), na discussão do prefácio da
obra “Mediação de conflitos socioambien-
ARTIGOS INÉDITOS
tais”, refere que interesses socioambientais
convergentes e divergentes são costumeiramente intensos, pois ocorrem em função
de diferentes formas e interesses de uso e
acesso aos recursos. Os gestores públicos ou
privados devem, portanto, estar preparados
para administrá-los dentro deste cenário,
pois, de acordo com seu debate, a mediação
de conflitos e a gestão de interesses estão
em evidência, dado que o mérito público
deve permear os âmbitos político, econômico, ecológico e social.
A gestão ambiental surge como um campo conflituoso dentro desse jogo de pretensões entre os diferentes atores sociais envolvidos. Segundo Theodoro (2005), a gestão
ambiental pode ser entendida justamente
como um processo de mediação de interesses e conflitos entre os atores – comunidade, instituições, poder público e privado
– que agem sobre os meios físico-naturais
e construídos, definindo e redefinindo continuamente o modo como os diferentes atores alteram a qualidade do meio ambiente e,
também, como distribuem os custos e benefícios de suas ações.
É necessário que alguns pilares estejam
bastante consolidados para que se possa
assegurar uma gestão ambiental efetiva. O
primeiro pressuposto é a existência de uma
legislação ambiental sólida. Nesse aspecto,
a legislação brasileira, tida como avançada,
poderia ser a grande base de sustentação.
Porém, segundo alguns autores, os entraves
à aplicação das leis, bem como a adoção de
providências técnicas mais concretas em relação a problemas ambientais, são imensos.
O segundo pressuposto requer instituições
públicas fortalecidas, que permitam a coordenação e a implementação dessa legislação. No entanto, segundo Bursztyn (apud
2013 JAN/DEZ
133
Theodoro et al., 2005), o desmonte das instituições públicas, provocado após a adoção
de políticas neoliberais, especialmente na
década de 1990, revela profundas fragilidades no setor administrativo brasileiro. O último, tão importante quanto os anteriores, é a
legitimidade social, que se traduz em apoio à
sociedade. Nesse contexto, nos dias atuais,
quando não mais se aplica a simples solução
de se mudar um pouco para não modificar
o todo, uma parte significante da sociedade
passou a tomar consciência da necessidade
de mudanças, como solução para viabilizar a
continuidade (Theodoro et al., 2005)
A implementação desse modelo de gestão
repercute numa transformação da lógica de
gestão da administração pública, que reflete
uma tendência das últimas décadas (especialmente desde os anos 1990), abrindo um
espaço de interlocução muito maior e mais
complexo, e ampliando o grau de responsabilidade de outros segmentos na gestão
pública. Trata-se, de fato, de novos espaços
institucionais que estão se criando para as
relações que se pretendem entre usuários
e os setores público e privado. Espaços nos
quais se torna possível, caso os instrumentos
de participação sejam efetivados, a alteração dos padrões de governança por meio do
estabelecimento de novas mediações entre
Estado e sociedade civil, baseadas no aprimoramento de suas relações democráticas
(Milani, 2008).
Essa ideia se ajusta ao conceito de governança. A governança surge como a totalidade de maneiras pelas quais os indivíduos e
as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns; é um meio e
processo capaz de produzir resultados eficazes no que diz respeito não só a instituições
e regimes formais autorizados a impor obe-
134 JAN/DEZ 2013
diência (coercitivos), mas também a acordos
informais que atendam aos interesses das
pessoas e instituições.
No plano global, a governança foi vista
primeiramente como um conjunto de
relações
intergovernamentais,
mas
agora deve ser entendida de forma mais
ampla, envolvendo organizações não
governamentais (ONG), movimentos civis,
empresas multinacionais e mercados de
capitais globais. Com estes interagem
os meios de comunicação de massa,
que exercem hoje enorme influência.
(Comissão sobre Governança Global apud
Gonçalves, 2005 p. 4).
Para Gonçalves (2005), a definição de governança perpassa o processo que objetiva
e é capaz de produzir resultados eficazes,
sem necessariamente a utilização expressa
da coerção; porém, sem excluir a dimensão
estatal, pois diz respeito à totalidade das diversas maneiras para administrar problemas,
com a participação e ação do Estado, setores
privados e da sociedade civil.
O conceito de Participação Social, conjugado ao de governança, contribui ainda mais
para o entendimento do que se propõe na
política de recursos hídricos quanto à descentralização e participação:
Para Sayago (2000), a participação, mais
do que uma ação mecânica de escolha de
representante, significa “partilhar um lugar
no mapa”, criar uma identidade coletiva
que envolva a crença que, quando as
pessoas se abrem umas às outras, cria-se
um tecido que as mantém unida. Sennet
(1998) lembra que isso significa que,
em geral, podemos dizer que o senso de
comunidade, de uma sociedade que tem
forte vida pública, nasce dessa união da
ação compartilhada e de um senso do eu
coletivo compartilhado (Theodoro et al.,
2005 p.49).
Partindo da ideia de que a participação
se encontra na sociedade, em combinações
das mais variadas, Theodoro et al. (2005)
salientam que ela se manifesta enquanto
ARTIGOS INÉDITOS
participação individual, participação coletiva, participação passiva, participação ativa,
participação voluntária e participação instrumental. Estas se revelam conforme as formas que assumem na vida social. Segundo
sua discussão, quanto mais a comunidade
se integra, mais ela se liberta e desenvolve
políticas horizontais, fazendo crescer mais a
adesão voluntária do que o governo quer e
somando esforços na direção do que a comunidade deseja. Sendo assim, a introdução
da participação comunitária na gestão ambiental extrapola a simples informação sobre
os planos de desenvolvimento, ela celebra
um diálogo interminável na configuração
de projetos entre planejadores, agentes de
mercado e comunidade, construindo assim
novas formas de compreensão do ambiente
natural e das políticas públicas.
Apesar das transformações nesses
espaços tenderem a ampliar os canais de
representatividade dos setores organizados
para atuarem junto aos órgãos públicos no
gerenciamento dos recursos hídricos, esse
princípio ainda possui muitas fragilidades. A
participação social dos sujeitos geralmente
se dá nos conselhos de meio ambiente,
nos comitês de bacias e nas áreas de
proteção ambiental, participação esta que se
desenvolve nos âmbitos de pouca influência
no processo decisório destas instâncias.
Ainda assim, pode-se dizer que, mediante
esses canais, potencializa-se a participação
de uma multiplicidade de atores inseridos
em novos espaços públicos de interação e
negociação na gestão pública.
Nesse sentido, com relação ao processo
de governança descentralizada da água,
requer-se o desenvolvimento de processos
de articulação de ações e decisões, bem
como o aprimoramento de estratégias de
ARTIGOS INÉDITOS
manejo e gestão das águas, tomando como
partida a bacia hidrográfica, que é a unidade
territorial para a implantação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação
do Sistema Nacional de Gerenciamento
dos Recursos Hídricos. Esse tipo de gestão
pode se constituir, ao mesmo tempo, em
um progresso significativo para o processo
participativo, mas pode também abrir
brechas para a representação de influências
mercadológicas:
Geralmente a utilização do conceito inclui
leis, regulação e instituições, mas também
se refere a políticas e ações de governo, a
iniciativas locais, e a redes de influência,
incluindo mercados internacionais, o
setor privado, e a sociedade civil, que são
influenciados pelos sistemas políticos nos
quais se inserem [...]. Como não há um
conceito único de governança, ou uma
única abordagem, podem se identificar
três formas de vê-la: a) os que se
preocupam com a deficiência financeira
e administrativa (lado econômico); b)
os que enfocam nas questões políticas,
como democracia, direitos humanos
e processos participativos; c) os que
procuram ver se há ou não coerência
entre o sistema político-administrativo e o
sistema ecológico na gestão dos serviços.
Três elementos fazem parte do sistema de
governança: um elemento político, que
consiste em balancear os vários interesses
e realidades políticas; o fator credibilidade,
instrumentos que apoiem as políticas, que
faça com que as pessoas acreditem nelas.
(Jacobi, 2008 p. 28).
Segundo a abordagem de Jacobi
(2008), a gestão pública ambiental, mais
especificamente a gestão compartilhada das
águas sugerida na legislação, constitui-se em
uma institucionalização, sempre complexa
e contraditória, de práticas participativas e
inovadoras, apresentando, desse modo e ao
mesmo tempo, avanços e conflitos. Avanços,
no que diz respeito à ampliação do espaço
2013 JAN/DEZ
135
democrático; e conflitos, no que diz respeito
às brechas para a assimilação mercadológica.
O marco legal e as
políticas públicas relativas
aos recursos hídricos
Essa característica legal do disciplinamento
dos recursos hídricos na legislação brasileira,
conforme exposto, possibilita a participação
direta da iniciativa privada na gestão dos
recursos hídricos em alguns contextos e
casos. De acordo com o que foi mencionado,
toda água é insusceptível de apropriação
privada e livre para o consumo, seja ele
humano, animal, seja para fins agrícolas e
industriais (Silva, 1997); mas as concessões,
licenciamentos e outorgas são instrumentos
legais que proporcionam ao mercado o
gerenciamento dos recursos hídricos em
determinados contextos.
A criação da Agência Nacional de águas
– ANA (lei n.º 9.984/00) contribui com esse
processo de reorganização do sistema de
gestão de recursos hídricos, que ocasiona
um método de negociação entre os diversos
agentes públicos, usuários e sociedade civil
organizada. A ANA é vinculada ao Ministério
do Meio Ambiente, sendo a entidade
federal responsável pela implementação
da Política Nacional de Recursos Hídricos
e pela coordenação do Sistema Nacional
de Gerenciamento dos Recursos Hídricos.
Dentre as suas atribuições, ela tem o dever
de participar da elaboração do Plano Nacional
de Recursos Hídricos e prestar apoio na
elaboração dos planos estaduais de recursos
hídricos (que tratam do estabelecimento de
ações no sentido de fortalecer o sistema
136 JAN/DEZ 2013
de gestão dos recursos hídricos da bacia);
implantar o Sistema Nacional de Informações
sobre os Recursos Hídricos; autorizar o
direito de uso de águas (outorga) e fiscalizálos; além de arrecadar, distribuir e aplicar as
receitas auferidas mediante cobrança.
A outorga é um dos instrumentos básicos
da PNRH para o gerenciamento dos recursos
hídricos que já havia sido estabelecido desde
o código de águas e reforçado na Constituição
Federal. É a ferramenta utilizada pelo poder
público para o disciplinamento do acesso aos
recursos hídricos, já que ela é responsável
por conceder o direito ao uso da água, com
a intenção de que tal uso seja conferido
com controle ou restrições para as diversas
atividades econômicas que se pretendem.
Assim a outorga é o ato administrativo
mediante o qual o outorgante, o poder
público, estabelece termos e condições com
vistas à harmonização entre os múltiplos
usos da água, garantindo a todos os
usuários o acesso aos recursos hídricos,
conforme a disponibilidade em cada bacia
hidrográfica, agindo no sentido de assegurar
que as atividades humanas se processem
em um contexto de desenvolvimento
socioeconômico sustentável e assegurando
a disponibilidade dos recursos hídricos aos
seus usuários atuais e às gerações futuras,
em padrões adequados de qualidade e
quantidade.
Entende-se como uso da água qualquer
utilização, empreendimento ou atividade em
recurso hídrico que altere seu regime ou
suas condições qualitativas ou quantitativas,
independentemente de haver ou não retirada
de água, barramento ou lançamento de
efluentes, como determinado na legislação:
derivação ou captação de corpo hídrico ou
de aquífero subterrâneo para abastecimento
ARTIGOS INÉDITOS
público, consumo final ou insumo de processo
produtivo; o lançamento em corpo hídrico
de esgotos e demais resíduos líquidos ou
gasosos, tratados ou não, com o fim de sua
diluição, transporte ou disposição final; o uso
para fins de aproveitamento de potenciais
hidrelétricos; outros usos que alterem o
regime da água, tais como dessedentação
de animais, recreação, navegação, dentre
outros (art.12 – lei n.º 9.433/97). O poder
público, segundo Silans (2008 p. 255-256),
classifica três tipos de outorga:
1. licenciamento ambiental, cuja permissão
é concedida às atividades com potencial
poluidor, incluindo licença de instalação e
operação;
2. outorga de lançamentos, concedida às atividades que utilizam o corpo hídrico para
destinação final dos resíduos;
3. outorga de uso da água, destinada especialmente aos usos consuntivos. Subdivide-se em: concessão de uso, licença
de uso e permissão de uso. Estas variam
entre si com relação à utilidade pública,
precariedade do curso hídrico e tempo de
autorização.
A outorga autoriza/confere o direito de
uso, após análise da demanda apresentada
pelo interessado e da disponibilidade ou
oferta de água existente em um corpo
de água, observando os demais usos
existentes somados à vazão necessária para
manutenção da vida aquática e à vazão
requerida para diluição dos efluentes. No
entanto, um questionamento me parece
bastante pertinente ao contexto das
concessões públicas para o uso dos recursos
hídricos: há de fato um disciplinamento do
acesso à utilização da água? Ou a outorga
ARTIGOS INÉDITOS
apresenta brechas para a apropriação
dos recursos hídricos ao atendimento dos
interesses privados e de mercado?
Conforme aponta Silvestre (2003), as
formas de apropriação e uso da água devem
ser tratadas como relações sociais e de poder,
e as normas que as regulam, como frutos
de pressões que os diversos grupos sociais
exercem sobre o Estado, como resultado
e condição da reprodução destas relações,
pois a regulação do uso da água é assunto
eminentemente político.
A lógica é de simples compreensão:
“A água é essencial à produção e, numa
sociedade mercantil, é impossível se
compreender a lógica subjacente às normas
que regulam sua apropriação sem ter em
conta os interesses econômicos em disputa”
(Domingos Neto & Silvestre, 2011, p. 3).
A multiplicidade de interesses dos
sujeitos e grupos sociais contribui nessa
compreensão, pois o Estado está envolto
numa rede de conflitos que as políticas
públicas devem mediar, ou seja, há um
embate que desemboca nas relações de
poder:
Os fundamentos da Lei 9.433 revelam sua
adequação às necessidades atuais do capital,
as contradições que o permeiam e traços
marcantes do Estado e do ambientalismo
mundialmente hegemônicos. A reforma
brasileira assemelha-se a outras que
estão sendo realizadas no mundo e que,
invariavelmente, tendem a ampliar o
espaço mercantil. A nova política pretendese democrática e descentralizadora;
configura-se, em princípio, como um espaço
aberto à participação popular. Trata-se,
porém, de uma vigorosa ação do Estado
que o desobriga de responsabilidades que
até então lhe eram imputadas e aumenta
as possibilidades de controle sobre esse
recurso. Sob a aparência de atender a
todos e proteger os recursos hídricos, a
Lei poderá constituir-se em um importante
2013 JAN/DEZ
137
instrumento para a expansão do capital e
a destruição da natureza. Apesar disso,
ao colocar a água como bem de domínio
público, contém abertura legal para as lutas
de resistência contra sua mercantilização.
(Silvestre, 2003, p. 7).
No contexto do abastecimento de água, há
um embate de décadas acerca da estatização
ou privatização das empresas responsáveis
pelo saneamento e provimento dos recursos
hídricos para consumo. Tal tendência se
baseia na lógica do projeto neoliberal que
enfatiza o modelo de privatização dos
recursos públicos.
Segundo Batista Júnior (1994), a
proposta desse projeto tem dois objetivos
principais, que são a redução do Estado e a
máxima abertura à importação e à entrada
de capitais de risco. Esta redução ocorre,
por exemplo, com as privatizações, que,
sustentadas no argumento de desoneração
dos cofres públicos e promoção da eficiência
nas infraestruturas, se implantam em
importantes setores e vão se apropriando
dos espaços públicos.
No caso do saneamento público brasileiro,
essa pressão também se manifesta de
maneira recorrente, especialmente desde
meados da década de 1960, com fortes
pressões para a desestatização, privatização
ou municipalização dos serviços de
saneamento.
Por saneamento, entendem-se os serviços
que se destinam ao abastecimento público de
água em padrões de potabilidade (captação,
tratamento e distribuição) e esgotamento
sanitário (recolhimento, tratamento e
reposição em padrões de diluição nos corpos
hídricos). A Companhia de Água e Esgotos
da Paraíba, responsável pela execução
destes serviços no Estado da Paraíba – com
abrangência de quase 92% das cidades
138 JAN/DEZ 2013
–, não deixa de passar por esses conflitos
que permeiam a gestão pública, e é nesse
sentido que a discussão vai se encaminhar
neste momento.
O abastecimento público da
água pela CAGEPA: desafios
de uma gestão pública
A Companhia de Água e Esgotos da
Paraíba (CAGEPA) é uma sociedade de
economia mista, que tem como competência
a administração de todos os serviços de água
e esgotos (saneamento), compreendendo
planejamento e execução das obras e
instalações, operação e manutenção dos
sistemas, medição do consumo de água,
faturamento e arrecadação de tarifas
aos usuários, aplicação de penalidades e
quaisquer outras medidas a eles relacionadas
na sua jurisdição. Tal competência está
amparada na lei estadual n.º 3.459, de 31
de dezembro de 1966 (CAGEPA, 1984). A lei
estadual n.º 9.260/10 reforça esse caráter
e coloca a CAGEPA com a titularidade dos
serviços de saneamento básico na Paraíba:
A Companhia de água e esgotos da
Paraíba - CAGEPA, sociedade de economia
mista, instituída nos termos da lei estadual
3459/66, é a entidade organizada
pelo estado da Paraíba para prestar os
serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário, submetendo-se ao
planejamento, coordenação e regulação,
inclusive tarifária, da Agência Reguladora
da Paraíba – ARPB e, se for o caso, havendo
comum acordo, a órgão municipal criado
com essa finalidade ou a pessoa jurídica
originária de consórcio público celebrado
entre estado e município. (art. 10, da lei
n.º 9.260/10).
ARTIGOS INÉDITOS
Por empresa de economia mista ou
sociedade de economia mista, entende-se
a conjugação entre o Estado e particulares
na reunião de recursos para a efetivação
de determinada finalidade. Como envolve
diferentes atores, o seu patrimônio social é
dividido entre eles na proporção em que as
ações se distribuem. No caso da CAGEPA, o
percentual público consiste em 99,9%, ou
seja, embora haja brechas para a apropriação
direta do capital privado na empresa (a
qualquer momento mais ações poderão ser
vendidas, aumentando o espaço privado nos
lucros da empresa), a participação extraestatal
é mínima, e esse fator congrega ainda mais
para o controle e responsabilização pública
que se deve cobrar quanto ao atendimento
das demandas populacionais com relação
aos empreendimentos do saneamento.
Entretanto, a realidade de transferência de
responsabilidades ao capital privado parece
ser muito presente na realidade da CAGEPA.
Netovich Maia Duarte, diretor comercial
da companhia, em entrevista a esta
pesquisa, alerta para as pressões de
diversas vias que agem no sentido de
desestatização do saneamento. Segundo
ele, embora haja uma forte defesa acerca
das defasagens e inoperâncias do serviço
público, os exemplos de privatizações
com relação aos serviços essenciais, como
o fornecimento de água, comprovaram
inadequação e falência operacional, como
ocorreu no caso das privatizações no Reino
Unido. A transferência de responsabilidade
dos serviços de abastecimento de água
às multinacionais pela primeira-ministra
na década de 1980 gerou uma crise de
suprimento de recursos hídricos à população
após 204 anos sem este problema. Na sua
interpretação, privatizações indiscriminadas
de serviços públicos essenciais – geração,
ARTIGOS INÉDITOS
transmissão e distribuição de energia
elétrica, telefonia fixa, e especialmente o
fornecimento de água e coleta de esgotos
– não são aceitáveis pelo fato de que toda
empresa privada tem como principal foco o
lucro, e este, muitas vezes, vai de encontro
ao provimento das necessidades de pessoas
de baixo poder aquisitivo relacionadas a
estes serviços fundamentais.
A desestatização dos serviços de saneamento, segundo ele, envolve a diminuição
do papel do Estado, as privatizações (que
incluem terceirizações e parcerias público-privadas) e a municipalização dos serviços. Segundo sua abordagem, a defesa
da municipalização dos serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário
na Paraíba não é viável, pois a capital é
responsável por 63% da arrecadação da
CAGEPA. Logo, se tirasse João Pessoa, iria
promover um desequilíbrio financeiro na
empresa que prejudicaria todo o Estado.
“Pensando nisso, a mudança não é aceitável e o nosso propósito é manter a CAGEPA
enquanto empresa pública, e não inviabilizá-la” (Netovich Maia Duarte, em entrevista em agosto de 2012).
Nesse sentido, a Parceria PúblicoPrivada (PPP) é outra brecha permitida
pela lei federal n.º 11.079/2004. Esta Lei
se aplica aos órgãos da Administração
Pública direta, aos fundos especiais, às
autarquias, às fundações públicas, às
empresas públicas, às sociedades de
economia mista e às demais entidades
controladas direta ou indiretamente pela
União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A Parceria Público-Privada aparece como o
contrato administrativo de concessão, em
que se observam as seguintes diretrizes
de contratação: eficiência no cumprimento
das missões de Estado e no emprego
2013 JAN/DEZ
139
dos recursos da sociedade; respeito aos
interesses e direitos dos destinatários dos
serviços e dos entes privados incumbidos da
sua execução; indelegabilidade das funções
de regulação, jurisdicional, do exercício
do poder de polícia e de outras atividades
exclusivas do Estado; responsabilidade fiscal
na celebração e execução das parcerias;
transparência dos procedimentos e das
decisões; repartição objetiva de riscos entre
as partes; sustentabilidade financeira e
vantagens socioeconômicas dos projetos de
parceria.
Segundo análise de Di Pietro (apud
Moura & Aguiar, 2010), as parcerias públicoprivadas se apresentam como institutos
velhos com nova roupagem: “Tal vocábulo
é utilizado para designar todos os modelos
de sociedade que, sem formar uma nova
pessoa jurídica, são organizadas entre o
setor público e o privado, para a consecução
de fins de interesse público” (Moura & Aguiar,
2010, p. 179).
A supracitada lei estadual n.º 9.260/10,
em seu artigo 18, caminha nesse sentido ao
estabelecer critérios para a gestão associada
dos serviços de saneamento na Paraíba.
Neste artigo, o Poder Executivo estadual
fica autorizado a realizar gestão associada
de serviços públicos de saneamento
básico, mediante convênios de cooperação
celebrados com os municípios, bem como
a constituir consórcios públicos em prol do
interesse da coletividade.
Respaldado pelo interesse coletivo, o Poder
Executivo abre possibilidade para parcerias
público-privadas: “[...] a CAGEPA poderá
contratar empresas privadas para a execução
de atividades específicas necessárias à
operação e manutenção dos sistemas” (art.
18, inciso 4, da lei n.º 9.260/10). Foi o caso
da iniciativa do governo do Estado em 2010
140 JAN/DEZ 2013
para o esgotamento sanitário de Patos.
Tal cidade, com apenas 7% de sua área
urbana saneada neste ano, teria 100% de
sua área saneada por meio da experiência
de Parceria Público-Privada na Paraíba, que
investiria uma cifra de R$ 148 milhões para
o empreendimento, a serem pagos no prazo
de vinte anos ao banco fornecedor mediante
futuras contas das ligações domiciliares
de cada usuário dos serviços na cidade de
Patos. A PPP seguiria da seguinte forma: a
empresa ganhadora da licitação (empresa
paulista Engeforme Comércio e Construção
Ltda., com trinta anos no mercado)
assina o contrato com o Estado, cria uma
Sociedade de Propósitos Específicos (SPE),
faz a captação dos recursos junto à Caixa
Econômica, executa a obra e a entrega ao
Governo do Estado, que vai operacionalizar
o sistema por intermédio da CAGEPA, que
tem a incumbência de fiscalizar todo o
andamento da obra.
Esse caso ilustra um espaço de captação
de recursos pela iniciativa privada, cedido
pelo Estado, que inclina a correspondência
aos interesses do modelo neoliberal de
gestão e administração pública, de modo
que a distribuição dos recursos (naturais e
financeiros) tende a atender, em primeira
instância, às pressões dos empreendimentos
capitalistas, favorecendo o mercado. Este
modelo é conflituoso porque choca com uma
variedade de interesses escamoteados que a
descentralização deveria abarcar.
Cabe-nos aqui a discussão de Martins
(apud Theodoro et al., 2005) sobre as
fronteiras móveis de demarcação dos
espaços do Estado, da sociedade e do setor
produtivo, que tendem a gerar conflitos.
Na sua explanação, as dificuldades no
estabelecimento de delimitações que
precisem esses espaços são muitas e se
baseiam no fato de que, na realidade das
ARTIGOS INÉDITOS
interações entre tais categorias na prática
social, há interações que geram fronteiras
movediças, com sobreposição variável entre
elas, não se podendo definir com exatidão
onde começa e onde termina a outra, já que
as configurações são instáveis.
No entanto, as reivindicações dos
novos sujeitos sociais fazem deles grandes
protagonistas nesse processo. No caso
da instalação da PPP na CAGEPA, esse
espaço de participação social e governança
se apresentou revertendo a lógica que
se pretendia instalar. O Sindicato dos
Trabalhadores na Indústria de Purificação
da Água e em Serviços de Esgoto do Estado
da Paraíba (STIPDASE – PB) e o Sindicato
dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas da
Paraíba (STIUP – PB) elaboraram denúncias
fundamentadas em documentos e estudos
que demonstraram a inviabilidade da
iniciativa, bem como revelaram que poderia
se tratar de um plano de privatização
da CAGEPA. A exposição do contrato à
população, os estudos e a denúncia geraram
o cancelamento do contrato, reforçando a
defesa pela definição do espaço público:
O STIPDASE-PB sempre encabeçou lutas
pela defesa dos trabalhadores da CAGEPA,
assim também como na manutenção
de uma empresa pública, eficiente e
eficaz, prestando um bom serviço à
população paraibana. O STIPDASE-PB,
que sempre defendeu os interesses dos
trabalhadores da CAGEPA, travou lutas
contra privatização e outras formas de
se privatizar, como o uso de PPPs, muito
ocorrente no setor de saneamento,
sendo um dos únicos sindicatos do
Nordeste e do Brasil que conseguiu
impedir a concretização de implantação
de uma PPP na cidade de PATOS e
derrotou o projeto de municipalização de
Campina Grande”. (STIPDASE, nota de
esclarecimento, 2012).
Segundo Theodoro et al. (2005), a
emergência de novos sujeitos sociais,
portadores de novas exigências, traz
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
reflexos para a relação entre o Estado
e o setor produtivo. Diante das novas
demandas sociais, exigem-se novos
procedimentos de mediação dos conflitos
com base em interesses coletivos e
individuais, ao mesmo tempo, e não apenas
fundamentados em interesses econômicos
exclusivamente individuais.
Conforme já fora apontado, no caso do
abastecimento de água e no de saneamento
básico em geral, os espaços de participação
são restritos. A própria lei n.º 9.260/10, ao
retratar o controle social, restringe apenas ao
141
caráter consultivo a atuação da Conferência
Estadual de Saneamento Básico5. De
qualquer modo, embora haja fragilidades no
que tange aos canais de representatividade
e participação definidos pelas legislações
no âmbito do abastecimento público,
as transformações que ocorrem nesses
espaços de conflitos vêm se desenvolvendo;
convém fortalecê-los, visando suprir as
carências e demandas de uma pluralidade
de atores inseridos nesses novos espaços de
representação na gestão pública.
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Resumen: El trabajo propone una evaluación de la política nacional de los recursos
de agua/PNRH basada en la premisa del
carácter público del agua y su valor económico, para discutir la apropiación de los
espacios públicos y la apertura de la gestión pública a la participación de la sociedad civil. Se trata de un breve análisis de
herramientas de administración de la Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA (Sistema de Abastecimiento de Agua y
Alcantarillado de Paraíba - CAGEPA) y sus
acciones en Joao Pessoa, a través de la búsqueda documental y bibliográfica, así como
entrevistas con el Gerente de la empresa.
Además, presentaremos la evaluación de la
PNRH en la CAGEPA respecto a la eficacia
de sus instrumentos y a las herramientas de
control y mediación de conflictos ambientales, económicos y sociales, el Estado, la
sociedad civil y el sector privado.
Résumé: Cet article propose une évaluation de la Politique Nationale des Ressources Hydriques/PNRH basée sur le principe
du caractère public de l’eau et de sa valeur
économique, visant à remettre en question l’appropriation des espaces publics et
l’ouverture de la gestion publique à la participation de la société civile. Il s’agit d’une
brève analyse des outils de gestion du Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA
(Réseau d’Approvisionnement en eau de la
Société des Eaux et Égouts de Paraíba - CAGEPA) et ses actions à João Pessoa, à travers
la recherche bibliographique et documentaire, et aussi par le biais d’entretiens avec un
gestionnaire du conseil d’administration de la
société. L’évaluation de la PNRH au sein de
CAGEPA sera élaborée à partir de l’analyse
de l’efficacité de ses instruments par rapport
aux outils de contrôle et de médiation des
conflits environnementaux, économiques et
sociaux impliquant l’État, la société civile et
le secteur privé.
Palabras clave: administración pública, recursos hídricos, Estado.
Mots-clés: gestion publique, ressources
hydriques, État.
Notas
1 Este artigo é parte da monografia de conclusão do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade
Federal da Paraíba, defendida em 2012.
2 Costuma-se utilizar o termo “recursos hídricos”, em vez de águas, ao se falar em questões ambientais. O termo
“águas” é utilizado quando se remete às águas em geral: doce, salgada, potável, mineral, etc.; já o termo
“recursos hídricos” se refere àquela compilação de águas (superficiais ou subterrâneas) que seja compatível
para uso humano (SEMARH/SRH – SERGIPE).
3 São muitos os vieses que desembocam nessa questão tão emblemática para a humanidade: a distribuição
das águas; a heterogeneidade da distribuição geográfica dos recursos hídricos; as nossas contribuições
mais diretas, tais como poluição, contaminação, desperdício (que será um dos enfoques desta discussão),
desmatamento, mau uso dos recursos, má gestão, etc.; e as indiretas, como as mudanças climáticas, o
aumento da temperatura global, que elevam os índices de evaporação, dentre outros. Estes são agravantes
que se expandem diariamente devido ao crescente aumento da população e, consequentemente, em virtude
do aumento das demandas energética, agrícola, dentre outras.
4 O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos é o documento
principal elaborado pelo Programa Mundial de Avaliação de Recursos Hídricos (WWAP), um programa da
ONU-Água com sede na UNESCO. A ONU-Água é o mecanismo de coordenação das Nações Unidas para
todas as questões relacionadas à água doce, convergindo no trabalho de 28 organismos-membros das
Nações Unidas e de 25 organizações associadas. O trabalho ocorre em estreita colaboração com os membros
e os associados da ONU-Água na preparação do Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento de Recursos
Hídricos, um produto coletivo resultante da mais ampla colaboração no Sistema das Nações Unidas.
5 Composta pelos titulares dos serviços, órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico,
prestadores de serviços públicos de saneamento básico, usuários de serviço de saneamento básico,
entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de
saneamento.
ARTIGOS INÉDITOS
2013 JAN/DEZ
145
Os esportistas de natureza e as bicicletas pedem voz e vez na
paisagem de João Pessoa
Athletes of nature sports and bikes require more room in the
landscape of João Pessoa
Los deportistas de la naturaleza e las bicicletas requieren espacio
en el paisaje de João Pessoa
Les athlètes de sport en plein air et les vélos revendiquent plus
d’espace dans le paysage de João Pessoa
Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá*
Resumo: Este artigo reflete sobre o uso
das bicicletas no esporte e como veículo de
transporte, vinculado a uma concepção de
cidade e articulada a políticas públicas. Para
além de um simples modismo, a inserção
das bicicletas e o modo de vida de quem as
usam diz respeito às escolhas políticas, às
concepções de espaço público, a educação
para o convívio social, incluindo o trânsito
e a valorização das diferenças nas diversas
possibilidades de se viver na cidade. Baseia-se na dissertação de mestrado de Sá (2011)
que pesquisou a relação entre cidade sustentável, políticas públicas e esporte de natureza na cidade de João Pessoa. Dentre os
vários esportes de natureza pesquisados, o
ciclismo foi o escolhido por possuir potencialmente maior abrangência na sua prática
e se inserir como meio de transporte para
milhares de brasileiros trabalhadores. Assim
cada vez mais o ciclismo está associado diretamente, por diferentes razões e interesses à
ideia da melhoria da qualidade de vida urbana em várias cidades brasileiras e do mundo
e vem se expandindo na área esportiva.
Abstract: This article discusses the use of
bicycles in the sport and as a transport vehicle, as well as its link to a conception of the
city, taking into account public policies. More
than just a fad, the insertion of the bikes
and the lifestyle of the ones who make use
of them regard policy choices, conceptions
of public space, and education for social interaction, including traffic and appreciation
of differences in the various possibilities of
living in the city. It is based on a master’s
thesis that investigated the relation among
sustainable city, public policy and sports of
nature in João Pessoa. Cycling was chosen
for this article for it potentially has greater
scope in practice and by the fact that it is
used as a means of transportation by thousands of Brazilian workers. Thus, cycling is,
for different reasons and interests, increasingly directly associated with the idea of
improving the quality of urban life and has
expanded in sports.
Palavras-chave: esporte, políticas públicas, sustentabilidade.
Keywords: sport, public policy, sustainability.
* Mestre em gestão ambiental pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]
146 JAN/DEZ 2013
Introdução
O pequeno trecho da
música acima reflete
em muito o espírito de como os ciclistas,
sejam eles atletas ou não, encaram o
problema da inserção das bicicletas
como forma de transporte. Apesar da
visão apoteótica da “graciosa”, como é
denominada pelos músicos, neste pequeno
trecho, estão presentes dois grandes
problemas da sociedade brasileira: o
distanciamento entre os interesses do
governo e Estado; e as novas dinâmicas de
vida que circulam na sociedade em função
dos problemas ambientais, do aumento da
circulação de formas diferenciadas de se
viver via internet e do desejo crescente da
sociedade civil de ampliar seus espaços
de interlocução com as instituições
governamentais, pois esta ainda se vê
alijada do processo democrático de
participação, quando se pensa nas cidades
como direito e cotidiano.
Na cidade de João Pessoa, capital do
Estado da Paraíba, esta situação não é
diferente. De manhã cedo, é possível ver
inúmeros trabalhadores se deslocando
para seu trabalho de bicicleta. De todos
os tipos e tamanhos, elas ocupam os
acostamentos e, muitas vezes, calçadas.
Seus usuários não carregam nenhum
aparato de sinalização ou proteção,
como capacetes, buzinas ou retrovisores.
O risco e o perigo pela condução deste
veículo são assumidos por cada um em sua
individualidade, como se nada dissesse
respeito aos administradores públicos
ou governantes. Como se as bicicletas,
mesmo quando citadas no código de
trânsito como veículos, fossem ainda uma
escolha lúdica e prazerosa de quem a usa.
Esta situação não ocorre apenas entre os
ARTIGOS INÉDITOS
trabalhadores, mas atingem também as
categorias de esportistas, particularmente
os de natureza, que se utilizam deste
veículo para sua prática desportiva
diária. Eles, mesmo que possuam, muitas
vezes, condições econômicas que lhes
permitam ter equipamentos de segurança,
também são reféns das prioridades das
políticas públicas, no que diz respeito
à infraestrutura urbana de trânsito,
pavimentação, educação e saúde.
Este artigo busca refletir como o uso
das bicicletas no esporte e como veículo de
transporte está vinculado a uma concepção
de cidade e articulado a políticas públicas.
Para além de um simples modismo, a
inserção das bicicletas e o modo de vida
de quem as usa dizem respeito às escolhas
políticas, às concepções de espaço
público, à educação para o convívio social,
incluindo o trânsito, e à valorização das
diferenças nas diversas possibilidades de
se viver na cidade.
Politicamente, isto significa alteração de
prioridades e abertura democrática para
escutar os novos tipos de reivindicações
feitas pela população, principalmente
entre os jovens.
Atualmente, um dos aspectos que mais
vem chamando a atenção das autoridades
envolve o conceito de mobilidade urbana.
Vasconcellos (2005) diz que a mobilidade
urbana é a liberdade de deslocamentos
de pessoas e bens a todas as atividades
essenciais das cidades. Segundo este
mesmo autor, fatores como idade, renda,
escolaridade e gênero geram diferentes
formas de deslocamentos (Vasconcellos,
2005, p.12).
No entanto, os aspectos citados por
ele não são suficientes para explicar as
ARTIGOS INÉDITOS
diferentes mobilidades, caso não se leve
em conta a forma da distribuição de renda,
as oportunidades de participação, a forma
de governo e o tipo de sociedade em que
se vive. Ou seja, a mobilidade não se
define apenas por aspectos individuais de
escolhas, mas também por aspectos que
estruturam e moldam a sociedade como
um todo, sobretudo sobre suas políticas.
Assim, numa sociedade construída sobre
pilares de segregação social, o fato de se
investir pouco em transporte coletivo de
qualidade, em passarelas para pedestres
e para bicicletas já diminui em muito a
mobilidade de determinados segmentos
da sociedade. É neste sentido que o
ciclismo, mesmo analisado sob o enfoque
do esporte de natureza, ganha relevância
numa cidade como João Pessoa.
Esta questão que envolve o ciclismo e
gera cada vez mais debates e discussão se
espalha pelo Brasil afora de várias formas
diferentes. Como exemplo mais recente,
cito o I fórum de bicicleta de Manaus,
realizado em abril de 2012, envolvendo
vários atores sociais: esportistas; governo
estadual, por meio da secretaria de
transporte, turismo e saúde; ONGs;
assembleia legislativa; e empresa privada,
como a Caloi.
Portanto, sob o imperativo de uma
nova ordem do capital que se impõe sobre
um mundo assustado, com ameaças de
escassez de recursos naturais, excessos
de poluição, mudança de valores e das
formas de coesão dos diversos grupos
sociais, há espaços, mesmo em nível
micro, para a viabilização de novas formas
de se estruturar a vida cotidiana brasileira.
Isto inclui as diferentes – e até então
descartáveis – formas de deslocamento e
2013 JAN/DEZ
147
usufruto da infraestrutura de transporte
urbano.
Este artigo se baseia na dissertação de
mestrado de Sá (2011), que pesquisou a
relação entre cidade sustentável, políticas
públicas e esporte de natureza na cidade
de João Pessoa. Dentre os vários esportes
de natureza pesquisados, o ciclismo foi
o escolhido para este artigo por possuir
potencialmente maior abrangência na
sua prática e se inserir como meio de
transporte para milhares de brasileiros
trabalhadores. Assim, cada vez mais o
ciclismo está associado diretamente, por
diferentes razões e interesses, à ideia da
melhoria da qualidade de vida urbana em
várias cidades brasileiras e do mundo e
vem se expandindo na área esportiva.
A Constituição Federal e
novos traçados na concepção
dos esportes e das cidades
Uma das características marcantes
do cenário brasileiro é sua enorme
desigualdade social e econômica, inclusive
entre as regiões geográficas do país.
Isto foi muito bem explicitado nas mais
diversas obras do falecido e renomado
economista Celso Furtado. Segundo ele,
a modernização do Brasil em torno do seu
parque industrial foi feita com a maioria
do povo na miséria ou sem acesso a
oportunidades mínimas. Em discurso no
ano 2000, na sede do Banco do Nordeste,
quando propôs a recriação da SUDENE1,
Celso Furtado diz:
A política econômica praticada tradicionalmente em nosso país criou uma so-
148 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
ciedade com graves distorções e sujeita a crises intermitentes de balança de
pagamentos externos (Furtado, 2000, p.
210).
A
Constituição
Federal
de
1988
reconheceu estas desigualdades e trouxe,
em vários de seus ordenamentos, diretrizes
importantes para tornar mais equitativos
os interesses econômicos do Estado, da
iniciativa privada e dos cidadãos. Com
isso, buscava-se uma melhor simetria
econômica e social entre as regiões
brasileiras.
Essas
intencionalidades
poderiam ser sintetizadas no princípio da
existência digna ou da dignidade humana.
No campo da política urbana, surgem
novos enfoques que, mais tarde, vão
possibilitar a consolidação do Estatuto das
cidades.
A Carta Magna garantiu a destinação
de recursos públicos para o desporto e o
lazer, ambos reconhecidos pelo seu valor
socializador, que se projeta na relação
homem, cultura e natureza. Segundo Melo
(2009), o desporto deve ser entendido
como um fenômeno social amplo e com
caráter multidimensional, pois engloba o
campo econômico, educacional, social,
cultural, ambiental e político.
Dentro dos espaços das cidades, as
práticas desportivas e de lazer se articulam
de diversas formas como expressão de
elementos culturais e sociais. Elas são
geradores de demandas econômicas e
serviços a exigir políticas que permitam
maior inclusão da população dentro do
que se denominou de melhor qualidade
de vida e de direito à cidade.
O
direito
à
cidade
pode
ser
compreendido como um direito coletivo,
de todas as pessoas, ao usufruto equitativo
da cidade dentro dos princípios da justiça
social e territorial, da sustentabilidade
ambiental e da democracia. Ou seja,
o direito à cidade envolve o direito à
moradia, ao acesso à terra urbanizada,
ao saneamento ambiental, à mobilidade
urbana, ao trabalho, à cultura, ao lazer,
à educação, à saúde e a todos os bens e
serviços necessários à reprodução social
com dignidade e qualidade. O direito à
cidade também envolve o direito de recriar
a cidade, o direito de ter uma cidade
radicalmente democrática, onde todos
possam participar das decisões relativas à
forma como a cidade deve funcionar e ao
modo de organizar a vida coletiva (Junior
e Barbosa, 2012).
Em 2012, quando se analisou o censo
do IBGE 2 de 2010, percebeu-se que –
apesar dos avanços da Constituição na
perspectiva de inclusão social e dignidade
da pessoa e do direito à cidade, em que
pesem os esforços feitos pelas políticas
de Estado – as desigualdades persistiam
e podiam ser observadas no interior dos
traçados das cidades, nos bairros e nas
instalações urbanas de uso público e
privado. Estas desigualdades são notórias
nas possibilidades e na qualidade dos bens
que podem ser consumidos pelos diversos
segmentos da sociedade. Dentre esses
bens, figuram as bicicletas. Os espaços
ocupados na cidade pela população
demarcam, visivelmente, em países tão
assimétricos como o Brasil, as diferentes
possibilidades de participação econômica
e social.
Lefebvre, em 1980, já apontava o espaço da cidade como produto social e, portanto, produtor de contradições. Segundo ele, o mundo real é caracterizado por
ARTIGOS INÉDITOS
desigualdades sociais, crises financeiras,
fragmentação do conhecimento, necessidades distintas e, sobretudo, pelo agravamento do conflito entre o capital e o
trabalho. Estas questões remetem a uma
visão do espaço como um componente
dialeticamente definido dentro da economia política. Assim, as cidades podem ser
compreendidas como o espaço, o locus de
coexistência da pluralidade e das simultaneidades de padrões, da maneira de viver
da vida urbana e dos conflitos sociais.
A cidade de João Pessoa
e as bicicletas: um
convívio em construção
A cidade de João Pessoa, capital da
Paraíba, situada no litoral do Estado, é
conhecida nacionalmente por possuir
belíssimas praias e por estar situada
em um dos pontos mais orientais das
Américas. Por outro lado, até o início da
década de 1980, era uma das capitais
mais pobres do Nordeste brasileiro e do
Brasil.
De acordo com o censo do IBGE
de 2010, a cidade apresenta forte
desigualdade social. Dos seus 64
bairros, com uma população estimada
em 716.000 habitantes, ela apresenta,
em 59 deles, setores caracterizados
como aglomerados subnormais, isto é,
localidades que apresentam, no mínimo,
unidades habitacionais carentes de
serviços públicos essenciais e, por isto,
não apresentam condições mínimas de
moradia, como favelas, cortiços e outros.
Nestas localidades, o abastecimento de
2013 JAN/DEZ
149
água é precário, não há esgotamento
sanitário, há carência de coleta de lixo
regular, e a maior parte do fornecimento
de luz é feito de forma irregular. Nestas
localidades, moram 12,7% da população,
o equivalente a 91.351 habitantes. Os
bairros com maior número de favelas são
Mangabeira, Alto do Mateus e Oitizeiro. As
favelas mais antigas estão no Grotão, no
Padre Zé e no bairro São José. Este último
ganha maior visibilidade por se situar
vizinho ao bairro de Manaíra, um dos mais
luxuosos de João Pessoa. No dizer de
Suassuna (2006, p. 55): “O bairro São José
tem o mesmo direito de ser atendido com
infraestrutura básica e serviços urbanos
qualificados como os bairros vizinhos, da
cidade formal, possuem”.
O contraste desta realidade está
presente na forma como os ciclistas vão
se organizar para a prática de seu esporte
favorito. Por exemplo, entre os bairros da
Ponta do Seixas, Altiplano e Cabo Branco,
um maior fluxo de ciclistas pode ser
percebido no amanhecer e ao entardecer.
É a partir deste ponto, entre o bairro da
Penha, Altiplano e Cabo Branco, que se
pode evidenciar, durante as primeiras
horas do dia e ao entardecer, um maior
fluxo de ciclistas, que passam a ocupar
as ciclovias existentes e os acostamentos.
Ali, uma ciclofaixa permite o uso do
ciclismo para fins recreativos, treinamento
e deslocamento para o trabalho. Isto não
ocorre por acaso. Os bairros citados acima,
por estarem próximos à orla, apresentam
uma forte expansão imobiliária, que
atrai determinados setores e segmentos
sociais mais favorecidos economicamente.
Seguindo a lógica que sempre norteou
o ordenamento das cidades, os locais
150 JAN/DEZ 2013
públicos das classes mais privilegiadas
tendem a possuir, em médio prazo,
uma maior qualidade nas instalações
públicas e contínua manutenção de sua
infraestrutura. Um simples olhar ao vai e
vem das bicicletas próximas a estes locais
pode nos ajudar a demarcar as diferentes
possibilidades de acesso aos bens de
consumo, instalações públicas e recursos
financeiros.
Ciclistas, atletas amadores ou simples
esportistas, vindos de realidades tão
diferenciadas, com seus uniformes e
capacetes, formam seus grupos, suas
turmas e tribos. Adotam este esporte por
razões diferentes: paixão às magrelas,
indicação médica, companhia de amigos,
prazer pela aventura. Transformam as ruas
e estradas de João Pessoa em passarelas
para sua prática. Mesmo os trabalhadores
sem uma indumentária própria para tal,
ao se deslocarem com suas bikes para o
serviço, formam seus grupos: o vizinho do
bairro, o colega de trabalho, o filho que
leva na garupa para a escola. Os ciclistas
constroem suas redes de relacionamento
e, muitas vezes, inconscientemente, de
algum modo, rompem a fragmentação dos
bairros. Neste cruzamento de bicicletas,
há algo em comum entre os praticantes: o
espaço público, as ruas e as infraestruturas
para a prática desta modalidade. Este
esporte, aos poucos, vai se moldando aos
interesses econômicos, por apresentar
uma série de vantagens nas economias.
Na economia doméstica, há uma redução
de gastos com passagens para o trabalho
e escola, o que pode chegar a até 30% do
orçamento mensal e a até 40% do custo
de manutenção de um veículo, como um
carro. Também se podem contabilizar
ARTIGOS INÉDITOS
alguns casos citados na pesquisa de Sá
(2011), como a diminuição de gastos com
remédios, principalmente nos associados
ao sedentarismo.
Na cidade de Barcelona (Espanha), por
exemplo, o maior ganho no uso diário das
bicicletas foi a queda de mortes no trânsito,
que apresentou uma diminuição de 24%3.
Isto pode significar menos gastos com
saúde pública em termos de internações
por acidente. Dados no Brasil, neste
caso, vão em direção oposta, mostrando
significativo aumento nos acidentes de
trânsito envolvendo bicicletas. Isto se
explica por alguns motivos: a. aumento
do número de ciclistas; b. falta de uma
política e de programas educativos para o
uso compartilhado das vias públicas; e c.
influência da concepção da sustentabilidade
e do cuidado ambiental, que se incorporam
nas ideologias da energia limpa e menos
agressiva ao ambiente. No aspecto
cultural, no imaginário de uma grande
parcela da população, persiste a ideia
das ruas como espaço privilegiado para
os carros, e não para o pedestre e outras
formas de transporte, mesmo quando
o código de trânsito deixa claro que os
pedestres têm preferência sobre qualquer
veículo, e as bicicletas, sobre os carros
(art. 29 do Código de Trânsito4). Ou seja,
os maiores protegem os mais vulneráveis.
Outra falsa concepção é que as bicicletas,
por sua lentidão, atrapalham o trânsito.
Estes fatores, aliados à falta de educação
para o trânsito, fazem com que haja
competição em relação a espaços nas ruas
e desrespeito com relação à sinalização e
ordem de preferência no trânsito. Estes
dois últimos aspectos citados têm nítida
relação com as políticas econômicas a
ARTIGOS INÉDITOS
partir da década de 1950, que associaram
a indústria automobilística e o consumo
de carros à ideia de desenvolvimento e
progresso, influenciando assim os traçados
urbanísticos – como, por exemplo, Brasília.
Em João Pessoa, nos finais de
semana, é comum ver carros e ônibus
de turismo estacionados nas ciclofaixas,
principalmente
em
locais
próximos
a áreas turísticas, mesmo que haja
sinalização indicando que esse espaço se
destina ao uso de bicicletas. Este tipo de
comportamento gera insegurança para
quem usa as magrelas. Assim se refere
o vice-presidente da Federação Paraibana
de Ciclismo:
Precisamos começar a pensar o futuro
nesses pequenos detalhes: melhorar a
questão do trânsito, educação, questão
de campanhas educativas. Esta questão
de respeito ao próximo. Dificilmente você
vê uma campanha falando do respeito
do motorista com o ciclista e vice-versa.
Educação é tudo. A gente tem que ver
que os ciclistas também precisam receber algumas informações importantes.
Essas campanhas tanto vão servir para
ciclistas quanto para motoristas. Para
que possamos evitar mortes, tanta coisa
negativa. Porque no trânsito os ciclistas
têm direitos, mas também têm deveres
(Paulo, vice-presidente, 2011).
Nas cidades que já incorporaram
as bicicletas a suas rotinas e políticas
públicas, tanto no trânsito como no
desporte e lazer, como Aracaju e Curitiba,
já há programas sistemáticos de educação
para o respeito às ciclofaixas, ciclovias
reforçadas por uma forte sinalização,
dentre outras iniciativas.
Na pesquisa de Sá (2011), as bicicletas
(20,7%) em João Pessoa são o meio de
transporte mais utilizado após os carros
(35,2%) para deslocamento entre os
esportistas de natureza com 20,7% na
2013 JAN/DEZ
151
categoria Master 5, superando, inclusive,
as motocicletas (13,4%).
Outro fator citado pelos esportistas que
dificulta o uso da bicicleta como veículo
esta vinculado à falta de mais banheiros
públicos com instalações adequadas para
troca de roupa após um treino ou mesmo
para tomar um banho, principalmente
numa cidade em que o clima é quente.
Mesmo no ambiente de trabalho, ainda
são poucos os lugares em que há um local
adequado para tal. Como destacado por
um esportista (50 anos) em João Pessoa:
Faltam em João Pessoa instalações como
na orla do Rio de Janeiro. Um banheiro
público para que se possa tomar um banho após o exercício e ir para o trabalho.
O que antes poderia parecer um luxo
para um grupo de esportistas privilegiados,
começa a fazer parte de uma reivindicação
mais geral da população que se sente
instigada a buscar novas opções em sua
relação com o esporte, o lazer, a saúde e
a cidade. Talvez, o pensamento de Santos
(2008, p.102) possa sintetizar o que as
bicicletas começam a significar para as
pessoas e as mudanças que pleiteiam:
Nada fazemos hoje que não seja a partir dos objetos que nos cercam. Não há,
todavia, por que se desesperar, já que a
vida das coisas não é dada para todo o
sempre. Se estas podem permanecer as
mesmas na sua feição rígida, altera-se
ao longo do tempo, seu conteúdo, sua
função, sua significação, sua obediência
à ação. As determinações mudam, mudando os objetos. As ações revivificam
as coisas e as transformam.
O ciclismo se subdivide em várias
categorias, conforme o tipo de terreno ou
espaço em que é praticado. Entretanto, a
grande maioria dos adeptos a este esporte
o escolhe por ser praticado ao ar livre,
152 JAN/DEZ 2013
em contato direto com a natureza. Pelo
menos cinco de suas categorias permitem
esta proximidade: ciclismo de estrada,
montain bike, cross-country, downhill
(DH), free hide, BMX.
Na cidade de João Pessoa, grande parte
dos praticantes, independentemente de
classes sociais, concentra-se nas seguintes
categorias: cross-country, montain bike e
estrada. Cada uma destas categorias e
seus praticantes exigem maior ou menor
envolvimento com determinados setores
de serviços públicos e espaços públicos.
Por exemplo, o ciclismo de estrada
envolve boa pavimentação das estradas,
segurança pública e eficiente sistema de
socorro e emergência. Já o MBK envolve
estrutura de apoio para trilhas, muitas
vezes envolve albergues públicos (poucos
no Brasil), exige uma relação mais
direta entre os habitantes das pequenas
comunidades e vilarejos e os ciclistas, o
que pressupõe sensibilidade e educação
para alteridade.
Na pesquisa de Sá (2012), em
João Pessoa, o espaço público teve
o predomínio de quase 80% entre os
esportistas pesquisados. Isto se deve à
“gratuidade” e onde se realiza a atividade,
principalmente entre os esportistas cujo
poder aquisitivo é menor. Por ser uma
cidade com uma bela orla marítima, as
praias se destacam como o espaço mais
utilizado, com 51%, seguido das trilhas e
sítios, com 15%, das ruas, com 15%, e
das estradas, com 12%. As trilhas e sítios
nesta cidade se concentram dentro do
espaço urbano nos bairros de Mangabeira,
Altiplano e Valentina.
Nem sempre o convívio entre os ciclistas
e outros esportistas, como os caminhantes
e corredores, é tranquila. Muitas vezes,
ARTIGOS INÉDITOS
ocorrem acidentes (atropelamentos) por
falta de sinalização e educação. Como
foi dito por uma caminhante assídua
na Av. Cabo Branco, que tem o trânsito
interrompido diariamente entre as 5 horas
e as 8 horas da manhã para prática de
esporte:
Já vi vários acidentes nesta avenida de
ciclista atropelando o pessoal da caminhada na pista. Porque o povo não foi
instruído, não tem educação para isso.
E também acho que ela não está bem
adequada. Eu acho que realmente é um
improviso isso aqui.
O Fórum Nacional de Reforma Urbana
(FNRU), com sede na cidade de São Paulo,
levou para a Conferência Rio+20 e para a
Cúpula dos Povos, em junho de 2012, no
Rio de Janeiro, a necessidade de inverter a
lógica da mobilidade calcada na economia
do consumo de carros particulares, ou
seja, na primazia do transporte individual
movido por fontes poluidoras não
renováveis para os transportes coletivos
ou movidos por energia limpa. No caso
das bicicletas, elas são normalmente
transporte individual, mas não poluem.
Destaque-se, porém, que, hoje, já existem
vários tipos de bicicletas que fazem as
vezes de transporte coletivo, seja como
táxi, seja como forma de lazer. Também
existem vários modelos de bicicletas a
motor movidas por baterias recarregáveis
para uso em pequenos e médios percursos.
O que as falas da caminhante, dos
esportistas, dos representantes do FNRU
apontam de forma convergente é a
impossibilidade de se falar em mobilidade
sem uma visão articulada entre os diversos
setores relacionados à Política Urbana,
incluso nela a sociedade civil organizada
e seus diversos atores sociais.
ARTIGOS INÉDITOS
A inclusão dos ciclistas de esportes de
natureza dentro de uma agenda para as
cidades exige uma nova percepção do que
se compreende como política e gestão.
Se o discurso da sustentabilidade pode
ser apropriado pelo mercado, este não
possui ainda a onipotência de se apropriar
de todas as formas como os espaços da
cidade são cotidianamente ocupados.
Ainda que as instituições democráticas,
principalmente
as
organizações
desportivas brasileiras, sejam frágeis em
sua representatividade, pela forma como
estão estruturadas burocraticamente,
os esportistas, em sua prática diária,
estabelecem grupos formais e informais
que podem e atuam como promotores
de reivindicações e mudanças. Isto está
explicitado na forma simples como o
seu Joaquim, conhecido carinhosamente
como “padeiro”, e seus companheiros
de MBK, o grupo Raio de Sol, disseram
numa entrevista a Sá em 2012: “Podemos
fazer pressão quando ocupamos de forma
coletiva e organizada os espaços públicos
para sua prática saudável de esporte e
educação ambiental”.
Dois outros aspectos importantes
para os ciclistas de João Pessoa quando
se fala em espaço e políticas públicas
são o socorro e a segurança. O primeiro
está relacionado ao Ministério da Saúde
e o outro à Polícia Militar, DETRAN, DER
e Corpo de Bombeiro. A princípio, as
falas sobre políticas públicas envolvem
o Estado. Se o Estado segue a ideologia
neoliberal, sua tendência é interferir mais
nos processos regulamentadores, nas
gestões de contratos sociais, na promoção
de instrumentos e políticas indutoras de
estratégias planejadas, e na garantia
da proteção social. Na prática, isto não
2013 JAN/DEZ
153
acontece de maneira eficiente em cidades
com pouca expressão em nível nacional, o
que significa pouca influência econômica
e política no Estado. Assim, o discurso que
os esportistas ouvem quando reclamam
de segurança é que, de modo geral,
faltam recursos financeiros e pessoais.
Se faltam recursos para tal demanda, é
que ela ainda não é prioridade na gestão
como uma política importante voltada
para a melhoria das condições de uso dos
espaços públicos da cidade.
Em que pesem as dificuldades, os
ciclistas
pessoenses
reconhecem
e
respeitam
o
trabalho
desenvolvido
pelo Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência, o SAMU/192, que também atua
em parceria com a Polícia Rodoviária
Federal, importante para os ciclistas de
estradas. No caso dos bombeiros, eles
são acionados pelos ciclistas trilheiros
por meio de celulares. Nestes espaços
da prática do esporte, o que, no entanto,
ainda impera é o socorro improvisado,
chegando a quase 80% dos casos.
Segundo um ciclista de estrada,
representante da equipe da Paraíba:
Na segurança, nós temos que prevenir.
O motorista não respeita, não. A gente
previne andando na estrada, no acostamento e sempre com cuidado, olhando
de um lado para o outro. Porque aparece
sempre um indivíduo para fechar e trancar a gente para cair do outro lado. A
gente praticando só vê acidente em João
Pessoa, de bicicleta. Eu mesmo fui atropelado. Um carro me pegou por trás.
O mesmo tipo de fala se repete em
outro ciclista de MBK:
A segurança é muito ruim porque não
existe uma cultura de respeitar o ciclista,
até porque a gente não tem uma cultura
da bicicleta como transporte.
154 JAN/DEZ 2013
Com relação ao meio ambiente urbano
e rural, os ciclistas de natureza têm muito
a colaborar. Eles vêm tentando trabalhar
o grupo a pensar, de maneira mais
consciente, a relação homem/natureza.
Assim, em vez de signos e discursos, os
esportistas contribuem com a experiência
no cheiro, no calor, no frio, no medo, na
escuridão, no risco, na adrenalina e na
beleza, enfim com a percepção da natureza
como parte do habitar. Para seu Pires,
gestor do MBK: “Quando entramos na mata
e ela está suja, é comum começarmos a
limpar. Já fizemos muito mutirão limpando
o que ninguém vê. Muitas vezes, as trilhas
parecem depósitos de lixo. Como maior
exemplo, cito a limpeza na represa ‘Rabo
do pavão’”.
Em quase 90% dos entrevistados por
Sá (2012), a vivência, o experimentar, o
estar com e no meio da natureza modificou
e ampliou a percepção do meio ambiente.
Contudo, esses entrevistados também
criticam os ciclistas que jogam copos
plásticos, embalagens de cereais nas
matas, deixando rastros, principalmente
durante eventos desportivos. Para muitos,
as matas continuam a representar o local
naturalizado para o lixo, assim como os
rios, os lagos e os mares.
Os maiores incômodos relacionados à
poluição vêm da visão do lixo e do excesso
de som instalado de maneira irregular em
contraposição ao silêncio das matas.
Se os ciclistas de natureza com suas
magrelas pedem passagem na cidade é
porque eles, de alguma forma, percebem
que elas podem gerar novas formas de
trabalho e emprego para a sociedade.
Pequenas oficinas especializadas exigem
uma mão de obra que, muitas vezes, surge
ARTIGOS INÉDITOS
do próprio grupo de ciclistas. De modo
geral, estes mecânicos aprenderam tudo
sobre a bicicleta no convívio com outros
ciclistas. Ainda não há, infelizmente, uma
política de empregos formados para este
tipo de atividade. Outro campo é o de
eventos.
Os eventos relacionados ao ciclismo
envolvem um grupo grande de apoio.
Ainda hoje muitos dos que participam
deste apoio o fazem de forma voluntária,
por serem amigos dos ciclistas ou mesmo
parentes. Não obstante, a tendência é
que isto venha a ser um tipo de trabalho
gerador de renda. Isto significa que os
gestores voltados para as secretarias de
juventude e renda comecem a ter uma
percepção mais diversificada e aberta
sobre o papel do ciclismo como esporte
na vida cotidiana das cidades.
Considerações finais
Este artigo buscou mostrar o quanto a
atividade esportiva do ciclismo vem, aos
poucos, ocupando espaço no cotidiano
da cidade de João Pessoa. Esta cidade,
de grande beleza natural, sofre, no
entanto, de uma série de problemas de
infraestrutura, tendo como causa central o
modelo de desenvolvimento e concepção
urbana que, durante anos, marcou o
processo de crescimento das capitais
brasileiras.
Em que pese a ainda frágil democracia
brasileira, aos poucos, vozes de vários
segmentos da sociedade, respaldadas pela
ideia da cidade como direito, começam a
pressionar para que os gestores pensem os
ARTIGOS INÉDITOS
espaços públicos, o problema da mobilidade,
da saúde e da educação como uma rede que
se articula para aumentar a possibilidade de
inserção social e diminuir as desigualdades
sociais. Isto inclui levar em conta as diversas
práticas esportivas e o ciclismo como uma
alternativa para os deslocamentos diários de
trabalhadores e estudantes.
Independentemente do slogan da
sustentabilidade, a revalorização do espaço
público exige que a este sejam dados os
equipamentos e instalações necessários
para o uso de toda a população, e não
mais apenas para um pequeno segmento
privilegiado. Neste sentido, os esportistas
se unem à grande parcela da população na
cobrança de melhor segurança das ruas,
o que inclui cuidados com a sinalização
e a pavimentação. Além disso, passa a
ser urgente a ampliação das ciclovias e
ciclofaixas, bem como a realização de um
programa permanente de educação para o
trânsito que envolva a concepção do direito
ao espaço compartilhado, o respeito ao outro
e às leis de trânsito.
A valorização do ciclismo representa
energia limpa como transporte, mais espaços
livres para pedestres e maior economia no
orçamento individual. No entanto, pode
representar mais mortes por acidentes, mais
gastos com jovens alijados do mercado de
trabalho por conta da irresponsabilidade do
Estado quanto ao problema dos acidentes no
trânsito por falta de infraestrutura adequada.
Do ponto de vista ambiental, o mundo e os
ciclistas pessoenses, de forma global e local,
já falaram sobre o aumento da consciência
ambiental a partir do convívio direto com a
natureza e nos espaços das ruas.
Cabe aos gestores públicos não fazer
ouvidos de mercador e, de fato, usar de
seu poder – que lhe foi dado mediante
2013 JAN/DEZ
155
voto – para, de forma ousada, construir,
em conjunto com a sociedade, um novo
espaço de uso para as cidades. Um
espaço menos segregador e mais cheio
de confiança pode começar pelo maior
investimento em sinalização, campanhas
educativas, melhoria da pavimentação,
iluminação e segurança no trânsito.
Os ciclistas esportistas pedem passagem. Mas, junto com eles, vêm os trabalhadores e as crianças que gostam das
bicicletas e querem usá-las para ir para
suas escolas e brincar; os idosos que, ao
prolongarem sua vida nos esportes ou
simplesmente pedalando, resguardam sua
saúde.
Talvez o que esteja em jogo na
condução das magrelas e na bagagem dos
ciclistas sejam os imperativos dos direitos
humanos, a liberdade, a solidariedade,
a diversidade, a equidade e o respeito à
natureza. Isso exige dos gestores públicos
o compromisso e a responsabilidade
em ampliar todas as possibilidades de
fortalecer e legitimar a democracia,
que compreende o direito de se viver
dignamente na cidade e de escolher o
próprio modo de vida.
156 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
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Resumen: Este artículo reflexiona sobre
el uso de la bicicleta en el deporte como
vehículo para el transporte, a partir de una
concepción de ciudad y articulación a las
políticas públicas. La inserción de las bicicletas y el modo de vida de quienes las usan
informa sobre las políticas públicas, los conceptos de espacio público, educación para
la convivencia social, incluyendo el tránsito y la apreciación de las diferencias en las
distintas posibilidades de vivir en la ciudad.
Se basa en la tesis doctoral de Sá (2011),
quienes investigó la relación entre la ciudad
sostenible, políticas públicas y el deporte de
la naturaleza en la ciudad de João Pessoa.
Entre los muchos deportes en la naturaleza
investigados, el ciclismo fue elegido por la
mayor amplitud en su práctica y el hecho
de que es un medio de transporte para miles de trabajadores brasileños. Así que cada
vez más ciclismo está asociado directamente, por diferentes motivos e intereses a la
idea de mejorar la calidad de vida urbana
en varias ciudades en Brasil y en el mundo
y se ha expandido en la zona deportiva.
Résumé: Cet article porte sur les éléments
suivants : l’utilisation du vélo pour la pratique d’activité sportive et en tant que véhicule de déplacement, son lien à une conception de la ville et son rapport avec les
politiques publiques. Plus qu’un phénomène
de mode, l’insertion des vélos et le mode de
vie de l’utilisateur concerne les choix politiques, les conceptions de l’espace public et
l’éducation pour l’interaction sociale, y compris la circulation et l’appréciation des différences dans les diverses possibilités de vivre
en ville. L’article est basé sur un mémoire
de mastère qui a enquêté sur la relation entre la ville durable, les politiques publiques
et les sports en plein air à João Pessoa. Le
cyclisme a été choisi pour cet article car il
a potentiellement une plus grande portée
dans sa pratique et s’insère comme moyen
de transport de milliers de travailleurs brésiliens. Par conséquent, le vélo est, pour
plusieurs raisons et intérêts, de plus en plus
directement associé à l’idée d’améliorer la
qualité de vie urbaine et est en pleine expansion dans le domaine du sport.
Palabras-clave: deporte, políticas públicas, sostenibilidad.
Mots-clés: sport, politiques publiques, durabilité.
158 JAN/DEZ 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Notas
1 SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. É um órgão autárquico recriado em 2007
por lei complementar, com sede em Recife e que abarca os nove Estados do Nordeste, extremo norte de
Minas Gerais, Vale do Jequitinhonha e norte do Espírito Santo. Sua missão é promover o desenvolvimento
includente e sustentável, e a integração competitiva de sua área de atuação na economia nacional.
2
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
3
Dados disponíveis em: <http://www.mobilize.org.br>. Acesso em: 15 jun. 2010.
4 Art. 29, inciso XII, § 2º respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecida neste artigo, em ordem
decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os
motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.
5 Master – categoria referente aos esportistas com mais de 25 anos cujo processo de crescimento e
desenvolvimento foi praticamente concluído e que, a princípio, possuem mais independência financeira e
social.
INFORMES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS
2013 JAN/DEZ
159
Avaliação do PPA 2012-2015 do Governo do Estado da Bahia:
Uma investigação de 20 Programas prioritários
PPA 2012-2015 evaluation by the State Government of Bahia: an
investigation of 20 priority programmes
Evaluación del PPA 2012-2015 por el gobierno del estado de Bahía:
una investigación de 20 programas prioritarios
Évaluation de la PPA de 2012-2015 par le gouvernement de l’état
de Bahia: une enquête de 20 programmes prioritaires
Thaiz Silveira Braga*
Rodrigo Barbosa de Cerqueira**
A Secretaria do Planejamento do Estado
da Bahia (SEPLAN) vem implantando,
desde abril de 2011, a sua metodologia de
Monitoramento e Avaliação dos Programas
de Governo. A Instrução Normativa
n.º 002, de 20 de novembro de 2012,
instituiu o processo de Monitoramento
e Avaliação dos Programas de Governo
do Plano Plurianual (PPA) no âmbito do
Poder Executivo Estadual e normatizou
seus procedimentos. Entretanto, mesmo
antes de o processo de Monitoramento e
Avaliação ser disciplinado no âmbito da
administração pública, a Superintendência
de Gestão e Avaliação (SGA), a partir
de meados de 2012, adotou uma
metodologia de Avaliação Inicial (AI) das
ações de política pública materializadas
no PPA 2012-2015.
O projeto de Avaliação Inicial proposto
para o Governo do Estado da Bahia foi
uma adaptação da Avaliação Executiva
dos Projetos Estruturadores do Governo
do Estado de Minas Gerais, que permite
fornecer aos governantes uma série
de propostas de ajustes nos aspectos
avaliados dos projetos, ao mesmo tempo
em que estabelece referência para a
elaboração de Programas de Governo.
A AI, por sua vez, foi realizada com
finalidades distintas: investigar elementos
da concepção, planejamento e gestão
inicial, que estejam impactando a
execução dos Programas do Governo já
publicados no PPA. Destaca-se que não
houve a pretensão de chegar a conclusões
sobre os resultados, efeitos ou impactos
dos programas, uma vez que, à época da
* Thaiz Braga, economista, mestre em economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), doutora
em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e diretora de avaliação da Superintendência
de Gestão e Avaliação (SGA) da Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN). E-mail: thaiz.
[email protected].
** Rodrigo Cerqueira, economista, graduado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador de
avaliação da Diretoria de Avaliação (DAV) da Superintendência de Gestão e Avaliação (SGA)/Secretaria de
Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN). E-mail: [email protected].
160 JAN/DEZ 2013
realização da avaliação, o PPA ainda não
havia completado um ano de execução.
Quanto aos processos e instrumentos
utilizados para a AI, estes foram
customizados às necessidades do Governo
do Estado da Bahia. Desta forma, a AI foi
caracterizada pela coleta de informações
documentadas, a elaboração de proposta
de Matriz do Marco Lógico (MML),
a realização de pesquisa de campo,
combinando abordagens e procedimentos
quantitativo e qualitativo, e a geração
de planos de melhorias para os temas
avaliados dos programas. A elaboração de
uma proposta para a MML foi importante
para a identificação dos objetivos do
programa e verificação da aderência
das propostas apresentadas para a
consecução destes objetivos; a análise
dos indicadores propostos e das suas
fontes de verificação; a caracterização das
condições externas que podem influenciar
o alcance dos objetivos propostos. Com
relação à pesquisa de campo, as técnicas
empregadas foram: questionário online, grupo focal e entrevistas coletivas
presenciais. O questionário permitiu
padronizar a aplicação dos mesmos
critérios a diferentes programas, além de
tornar possível a identificação das relações
entre diversos tipos de variáveis. Este
instrumento de pesquisa foi disponibilizado
eletronicamente e respondido pelo
próprio investigado. Foram 38 questões
apresentadas em quatro blocos: o
primeiro bloco permitiu caracterizar o
perfil do respondente. Os blocos que se
seguiram buscaram identificar a clareza
dos objetivos do programa, bem como a
precisão de sua concepção e elaboração,
seus elementos de planejamento e a
adequada gestão das suas ações. O
recurso ao grupo focal, por sua vez,
possibilitou a compreensão mais precisa
INFORMES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS
do significado das respostas agregadas e
a elucidação dos pontos não esclarecidos
pela análise quantitativa. Os participantes
dos grupos focais foram escolhidos
entre os respondentes do questionário
conforme perfis específicos. Por fim,
a entrevista coletiva foi realizada com
gestores da SEPLAN e pretendeu revelar o
desempenho da secretaria no processo de
planejamento, construção e condução da
elaboração do PPA, seus acertos e falhas
e seus reflexos nos programas. O método
de análise das informações coletadas foi a
análise de discurso.
Ainda no que tange à pesquisa
de campo, foram convocados 521
representantes
dos
20
programas
selecionados como prioritários do Governo
do Estado da Bahia, sendo que, destes,
432 responderam aos questionários,
resultando em um aproveitamento da
amostra de aproximadamente 83%.
Logo após a pesquisa de campo, com
os dados sistematizados, descritos e
analisados, foram realizadas reuniões de
apresentação (devolução) dos resultados
com os objetivos de: apresentar os
pontos fortes (boas práticas) e pontos
fracos (fragilidades) dos programas,
e construir propostas de ação para
implementação dos planos de melhorias
sugeridos para aqueles pontos fracos
priorizados pelos executores. Esta etapa
da AI permitiu, também, a coleta de
material para finalização dos relatórios,
a partir da incorporação das sugestões
dos participantes e da publicização dos
resultados preliminares da AI.
Esta avaliação apontou elementos
importantes que podem influenciar na
execução e, portanto, no desempenho
dos programas, e que serão observados
pelo monitoramento em curso no
âmbito da SGA.
RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES
2013 JAN/DEZ
161
A mediação do Sinaes no processo de avaliação das bibliotecas
universitárias em Fortaleza
Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra*
Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Avaliação de Políticas
Públicas da Universidade Federal do Ceará - UFC, em 2012. Orientador da dissertação: Francisco
Ari Andrade.
Dissertação apresentada ao Mestrado de
Avaliação em Políticas Públicas (MAPP –
UFC) com o objetivo de analisar o processo
de avaliação das bibliotecas universitárias de
Fortaleza realizado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas (INEP)/Ministério
da Educação (MEC) no contexto das
políticas públicas para educação superior.
Atualmente, a avaliação das instituições de
educação superior (IES) é realizada pelo
Sinaes, formalizado pela Lei n.º 10.861, de
14 de abril de 2004. Esse sistema é formado
por três componentes principais: a avaliação
da instituição, dos cursos e do desempenho
dos estudantes. Como o objetivo do Sinaes é
abarcar grande parte das variáveis envolvidas
no processo ensino-aprendizagem durante a
avaliação das instituições de ensino superior,
a biblioteca universitária vem consolidando
sua importância nesse processo, pois
seu papel é bem delimitado no momento
avaliativo. Buscando conhecer melhor o
envolvimento da biblioteca universitária de
instituições de ensino superior privado nesse
processo de avaliação, nossa pesquisa buscou
responder ao seguinte questionamento: qual
é a compreensão que avaliadores do MEC,
dirigentes de instituições particulares de
ensino superior e bibliotecários têm sobre
a biblioteca universitária no processo de
avaliação, tendo em vista que ela é um dos
grandes elementos de avaliação existentes
no Sinaes? De acordo com a sinopse da
educação brasileira apresentada pelo INEP/
MEC em 2009, o Ceará conta com 54 IES,
sendo que, desse montante, 42 instituições
se concentram na capital. Desse universo,
decidimos limitar a pesquisa àquelas
localizadas no município de Fortaleza. Foram
visitadas quatro instituições, correspondendo
esse quantitativo a 10% do total dos
estabelecimentos. Fazem parte do universo
da pesquisa instituições de ensino superior
mantidas por organizações que obedecem à
classificação descrita no Decreto n.º 3.860,
de 09 de julho de 2001, que dispõe sobre a
organização do ensino superior, a avaliação
de cursos e instituições.
A pesquisa é de cunho qualitativo, e a
metodologia utilizada foi a pesquisa de
campo, na qual optamos por entrevistas
semiestruturadas com a finalidade de
deixar o entrevistado livre para discorrer
sobre os pontos levantados na questão.
O foco da pesquisa está em bibliotecas de
instituições de educação superior privadas
de Fortaleza. Os dados foram analisados
sob a perspectiva da análise do discurso do
sujeito coletivo, que se baseia na opinião
dos atores envolvidos com a pesquisa. Como
cenário interno, observou-se o modo como
se articula a biblioteca universitária do setor
privado com a instituição nas dimensões de
estrutura física e atividades pedagógicas.
* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela UFC e Professora do curso de graduação em Biblioteconomia da
Universidade Federal do Ceará.
162 JAN/DEZ 2013
Procuramos estabelecer linhas de conexão
entre o instrumento do Sinaes e a efetividade
da biblioteca no processo avaliativo
determinado pelo INEP/MEC. Diante dessa
realidade, buscou-se analisar as bibliotecas
a partir do entendimento dos avaliadores do
INEP, dos dirigentes das instituições privadas
e dos bibliotecários.
Os resultados obtidos apontam que a
biblioteca universitária ainda está em
posição bastante frágil nas instituições de
ensino superior privadas, havendo grande
disparidade entre os conceitos apresentados
RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES
para essa unidade de informação. Concluiuse também que está presente no processo
de avaliação das bibliotecas grande
subjetividade por parte dos avaliadores.
Pode-se afirmar, ainda, que o entendimento
do que é avaliado nas bibliotecas não é
uniforme e que a inserção dessa unidade
de informação nos processos de ensinoaprendizagem é incipiente.
Palavras-chave: ensino superior, avaliação,
biblioteca universitária, avaliação, Sinaes.
Mediation of Sinaes in the process of evaluation of university
libraries in Fortaleza
Thesis submitted for the Mestrado em
Avaliação de Políticas Públicas – MAPP/
UFC (Masters in Public Policy Evaluation)
with the objective to analyze the process of
evaluation of university libraries in Fortaleza
carried out by Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Inep/MEC (National Institute for Educational
Studies and Research Anísio Teixeira) in the
context of public policy for higher education.
Currently, the evaluation of higher education
institutions is carried out by Sinaes. This
system was formalized by Law No. 10,861,
issued on April 14, 2004. It consists of three
main components: a review of the institution,
its courses and student performance. Because
the goal of Sinaes is to encompass much
of the variables involved in the teachinglearning process during the evaluation of
higher education institutions, the university
library, whose role is clearly limited in the
evaluative moment, has consolidated its
importance in this process. Seeking to better
understand the involvement of the university
library of private higher education institutions
in the evaluation process, our research
sought to answer the following question:
what is the understanding that del Ministério
da Educação – MEC (Ministry of Education)
evaluators, leaders of private institutions
of higher education and librarians have
about the university library in the evaluation
process, having in mind that it is one of the
major elements of Evaluation carried out
by Sinaes? According to the synopsis of
the Brazilian education presented by Inep/
MEC in 2009, Ceará has 54 institutions of
higher education, and out of this amount, 42
institutions are concentrated in the capital.
Out of this universe, we decided to limit
the search to those located in Fortaleza.
Four institutions were visited; this number
corresponds to 10 % of institutions. For the
survey, we considered institutions of higher
education maintained by organizations that
meet the classification described in Decree
No. 3.860, 09 July 2001, which rules the
organization of higher education as well as
the evaluation of courses and institutions.
The research is a qualitative study and the
methodology used was field research. We
chose semi-structured interviews in order
RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES
to leave the interviewee free to discuss the
points raised in the question. The focus of
research is on libraries of private institutions
of higher education in Fortaleza. Data were
analyzed from the perspective of discourse
analysis of the collective subject, which is
based on the opinion of the actors involved
with the research. Internally, we observed
how the university library of the private
sector articulates with the institution in
terms of physical structure and pedagogical
activities. We seek to establish lines of
connection between the instrument of
Sinaes and the effectiveness of the library in
the evaluation process determined by Inep/
MEC. In this context, we sought to examine
the libraries from the perspective of Inep
2013 JAN/DEZ
163
evaluators, managers of private institutions
and librarians.
The results indicate that the university library
is still quite fragile in private higher education
institutions and that there is great disparity
among the concepts presented for this unit
of information. It was also concluded that
there is much subjectivity on the part of
the evaluators in the process of evaluation
of libraries. It can also be stated that the
understanding of what is evaluated in the
libraries is not uniform and that the inclusion
of this unit of information in the teachinglearning process is incipient.
Keywords: higher education, evaluation,
university library, review, Sinaes.
La mediación del Sinaes en el proceso de evaluación de las
bibliotecas universitarias en Fortaleza
Tesis presentada al Mestrado de Avaliação
em Políticas Públicas (MAPP – UFC) con la
finalidad de analizar el proceso de evaluación
de bibliotecas universitarias de Fortaleza,
llevado a cabo por el Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira - Inep/MEC (Instituto Nacional de
Estudios e Investigaciones Educacionales
Anísio Teixeira) en el contexto de las políticas
públicas para la educación superior.
Actualmente, la evaluación de instituciones
de educación superior se lleva a cabo por el
Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior – Sinaes (Sistema Nacional de
Evaluación de la Educación Superior)
formalizado en la ley 10.861, de 14 de
abril de 2004. Este sistema consta de tres
componentes principales: la evaluación de
la institución, de cursos y desempeño de
los estudiantes. Como las metas del Sinaes
abarcan a un gran número de variables
involucradas en el proceso de enseñanzaaprendizaje durante la evaluación de
instituciones de educación superior, la
biblioteca universitaria ha consolidado su
importancia en este proceso, porque su
papel está bien definido en el momento de
la evaluación. Para comprender más acerca
de la inserción de las instituciones privadas
de enseñanza superior en este proceso de
evaluación, nuestra investigación intentó
responder la siguiente pregunta: Qué
comprensión es la de los evaluadores del
Ministério da Educação – MEC (Ministerio de
la Educación), directivos de instituciones de
educación superior privada y bibliotecarios
acerca de la biblioteca de las universidades
como parte del proceso de evaluación,
teniendo en cuenta que es uno de los
principales elementos de evaluación en
Sinaes? Según la sinopsis de la educación
brasileña presentada por Inep/MEC en
2009, Ceará cuenta con 54 instituciones
164 JAN/DEZ 2013
de educación superior (IES), siendo que de
ese total, 42 instituciones se concentran en
la capital. De este universo hemos decidido
limitar la búsqueda a los ubicados en la
ciudad de Fortaleza. Cuatro instituciones
fueron visitadas, lo que representa el 10%
del número total de las instituciones. Forman
parte del universo de instituciones las
mantenidas por organizaciones que cumplen
con la clasificación descrita en el Decreto nº
3.860, de 09 de julio de 2001, que establece
la organización de la educación superior,
la evaluación de cursos e instituciones de
educación superior. La investigación es de
carácter cualitativo y la metodología utilizada
es la investigación de campo, donde elegimos
las entrevistas semiestructuradas para que él
entrevistado fuera libre para exponer sobre
las cuestiones planteadas en la pregunta. El
foco investigativo se fija en las bibliotecas
universitarias de las instituciones privadas
de educación superior de Fortaleza. Los
datos se analizaron desde la perspectiva
del análisis del discurso del sujeto colectivo,
que se basa en la opinión de los actores
involucrados con la investigación. Como
escenario interno se observó como ocurre la
articulación del sector privado y la biblioteca
RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES
universitaria, cuanto a las dimensiones
de la estructura física y las actividades
pedagógicas. Buscamos establecer líneas de
conexión entre el instrumento del Sinaes y la
efectividad de la biblioteca en el proceso de
evaluación determinado por el Inep/MEC. En
esta realidad se buscó analizar las bibliotecas
desde la comprensión de los evaluadores
del Inep, los directores de las instituciones
privadas y los bibliotecarios. Los resultados
obtenidos muestran que las bibliotecas de
las universidades siguen siendo de muy
frágil posición en instituciones de educación
superior privada, y existe una gran disparidad
entre los conceptos presentados para esta
unidad de información. Se concluyó también
que un considerable grado de subjetividad
de los evaluadores se hace presente en el
proceso de evaluación de las bibliotecas. Se
puede afirmar que la comprensión de lo que
se valora en las bibliotecas universitarias no
es uniforme y que la inserción de esta unidad
de información en el proceso de enseñanzaaprendizaje está en su inicio todavía.
Palabras clave: Educación superior, evaluación, biblioteca universitaria, evaluación,
Sinaes.
La médiation de Sinaes dans le cadre de l’évaluation des
bibliothèques universitaires dans Fortaleza’
Thése présenté dans le cadre du Mestrado
em Avaliação de Políticas Públicas - MAPPUFC (Master en Évaluation des Politiques
Publiques) dans le but d’analyser le processus
d’évaluation des bibliothèques universitaires
de Fortaleza mené par Inep/MEC (Institut
National d’Études et de Recherche sur
l’Éducation) dans le contexte des politiques
publiques pour l’enseignement supérieur.
Actuellement, l’évaluation des établissements
d’enseignement supérieur est réalisée par
Sinaes, formalisé par la loi n ° 10 861 du
14 avril 2004. Ce système est composé de
trois éléments principaux : un examen de
l’institution, des cours et de la performance
des élèves. Étant donné que le but de Sinaes
est d’ englober beaucoup de variables
impliquées dans le processus d’enseignementapprentissage lors de l’évaluation des
établissements d’enseignement supérieur,
la bibliothèque de l’université consolide
son importance dans ce processus car son
rôle est clairement défini dans l’évaluation.
Cherchant à mieux comprendre l’implication
RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES
de la bibliothèque universitaire des
établissements d’enseignement supérieur
privés dans le processus d’évaluation,
notre recherche visait à répondre à la
question suivante : quelle compréhension
les évaluateurs du Ministério da Educação –
MEC (Ministère de l’Éducation), les dirigeants
des établissements privés d’enseignement
supérieur et les bibliothécaires ont-ils sur la
bibliothèque de l’université dans le processus
d’évaluation, étant donné qu’elle représente
l’un des principaux éléments de l’évaluation
du Sinaes? Selon le rapport de l’éducation
brésilienne présenté par Inep/MEC en
2009, la région Ceará a 54 établissements
d’enseignement supérieur, dont 42 sont
concentrés dans la capitale. Pour cette
recherche, on a décidé de se limiter aux
établissements qui sont situés dans la ville
de Fortaleza. Quatre établissements ont été
visités, ce nombre correspond à 10% des
établissements. Tous les établissements
d’enseignement supérieur
participant à
l’enquête sont entretenus par des institutions
qui répondent à la classification décrite
dans le décret n° 3.860 du 09 juillet 2001,
qui prévoit l’organisation de l’enseignement
supérieur, l’évaluation des cours et des
institutions.
La recherche est une étude qualitative et la
méthode utilisée a été l’enquête de terrain.
Nous avons choisi de travailler avec des
entretiens semi-structurés afin de permettre
aux participants de discuter librement les
points abordés par la question interrogée. Les
bibliothèques des institutions d’enseignement
supérieur privées de Fortaleza composent
l’objet de la recherche. Les données ont été
analysées du point de vue de l’analyse du
discours du sujet collectif, laquelle est basée
sur l’opinion des acteurs impliqués dans la
recherche. Dans l’aspect intérieur, nous
avons observé comment la bibliothèque
universitaire du secteur privé s’articule avec
l’institution en termes de structure physique
2013 JAN/DEZ
165
et d’activités pédagogiques. Nous cherchons
à établir des lignes de connexion entre
l’instrument du Sinaes et l’efficacité de la
bibliothèque dans le cadre de l’évaluation
déterminée par Inep/MEC. Compte tenu de
cette réalité, nous avons cherché à examiner
les bibliothèques à partir du point de vue des
évaluateurs de l’Inep, des gestionnaires des
établissements privés et des bibliothécaires.
Les résultats indiquent que la bibliothèque
universitaire est encore très fragile dans les
établissements d’enseignement supérieur
privés et qu’il y a une grande disparité
de concepts concernant cette unité
d’information. Il a aussi été conclu qu’un
haut niveau de subjectivité de de la part des
évaluateurs est présent lors de l’évaluation de
grandes bibliothèques. On peut dire aussi que
la compréhension de ce qui est évalué dans
les bibliothèques n’est pas uniforme et que
l’inclusion de cette unité d’information dans
le processus d’enseignement-apprentissage
est naissante.
Mots-clés: enseignement supérieur, évaluation, bibliothèque universitaire, Sinaes.
2013 JAN/DEZ
167
REVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Introdução
A Revista Avaliação de Políticas
Públicas volta-se primordialmente a: publicação de análises e resultados de pesquisas
em avaliação de políticas públicas; reflexões teórico-metodológicas sobre avaliação; desenvolvimento de
ferramentas e estratégias metodológicas que contribuam para a avaliação de políticas públicas e reflexões
sobre o exercício da multi e da interdisciplinaridade.
O objetivo central da revista é, além de divulgar resultados de pesquisas nacionais e internacionais sobre a
temática avaliação de programas e políticas sociais na
forma de artigos e ensaios, constituir-se em um veículo
que, especialmente voltado à avaliação, possa aglutinar resultados de pesquisas e reflexões teórico-metodológicas produzidas por pesquisadores de diferentes
localidades e áreas do conhecimento, sobre uma diversidade de temas como: Educação, Saúde, Planejamento Urbano, Segurança Pública, Desenvolvimento Rural,
Turismo, Microfinanças, Trabalho e Geração de Renda,
Políticas Afirmativas, entre outros.
A Revista Avaliação de Políticas Públicas atuará, portanto, como um importante meio de divulgação de
pesquisas acadêmicas sobre programas e políticas sociais que vêm sendo efetuadas na região Nordeste, em
diálogo com aquelas realizadas em outras regiões do
país, e mesmo em outros países, possibilitando, assim,
a socialização dos resultados dessas produções científicas, a realização de análises comparativas e a interlocução entre pesquisadores de diferentes perspectivas
teórico-metodológicas.
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
Normas
Gerais e
Seções
A Revista tem periodicidade semestral
e recebe para publicação trabalhos
elaborados pelos mais diversos profissionais e estudantes de pós-graduação redigidos em português, espanhol, inglês ou francês, desde que contribuam para o
a discussão e desenvolvimento da produção científica
em avaliação de políticas públicas. Os manuscritos devem destinar-se exclusivamente à Revista Avaliação
de Políticas Públicas, não se admitindo sua submissão
simultânea a outro periódico, quer do texto, de figuras
ou tabelas, no todo ou em parte, admitindo-se exceção apenas para resumos e notas prévias publicados
em anais de eventos científicos. Além do mais, mesmo para publicação de partes de um artigo em outros
locais, os autores necessitam solicitar aprovação por
escrito aos Editores.
O periódico não se obriga a devolver os manuscritos
recebidos e informa que os conceitos e declarações
contidos nos trabalhos a serem publicados são de total
responsabilidade dos autores, podendo não refletir o
pensamento de seus Editores.
Os manuscritos devem ser organizados segundo as
diretrizes constantes destas instruções, as quais têm
como inspiração os últimos critérios indicados pelas
bases de indexação nacionais e internacionais.
A Revista publica as seguintes seções, cada uma delas
devendo atender a determinados requisitos:
os instrumentos, técnicas e estratégias metodológicas
que embasaram a pesquisa. Máximo de 15 páginas.
Editorial: Seção de responsabilidade dos Editores da
revista. Máximo de 2 páginas.
Informes sobre Políticas Públicas: Trata-se de um
espaço criado para atualizar os estudiosos do tema
com respeito a projetos e programas governamentais
de caráter social (seus objetivos, diretrizes, público-alvo, forma de implementação, instituições envolvidas),
bem como sobre alterações em programas e projetos
em andamento, projetos de lei em tramitação nas assembléias legislativas estaduais e no Congresso Nacional. Constitui-se também em espaço para divulgação
de eventos e fatos relativos à área que expressem os
Artigos Originais: Aceitam-se três modalidades: 1)
artigos com forte base empírica; 2) artigos voltados à
reflexão teórico-metodológica sobre a avaliação de políticas públicas. Quanto ao item 1, salientamos que os
artigos não poderão se restringir à descrição da pesquisa ou detalhamento de resultados, devendo estabelecer diálogos teóricos e uma densa abordagem sobre
Revisão de Literatura: Os textos deverão abordar
um tema específico de interesse da área de políticas
públicas; contemplar a sistematização do pensamento
de autores importantes para a área, estabelecendo o
diálogo entre diferentes tendências teóricas de forma a
poder se constituir em texto de referência a estudiosos
do tema; privilegiar a pluralidade sem se descuidar da
densidade teórica. Máximo de 10 páginas.
Resenhas: Leitura analítica, interpretativa e/ou crítica
de obra que verse sobre a temática da revista, publicada há não mais que 2 (dois) anos Máximo de 4
páginas.
Comunicações em Congressos: Publicação de
resumos expandidos de trabalhos apresentados em
Eventos e Congressos e que não tenham ainda sido
publicados em periódico. Os resumos deverão conter:
objetivos, problematização, metodologia, relevância e
conclusões. Máximo de 2 páginas.
Resumos de Dissertações e Teses: Nesta seção
serão publicados resumos expandidos de dissertações
e teses, contendo: objetivos, problematização, metodologia, relevância e conclusões. Máximo de 2 páginas.
168 JAN/DEZ 2013
diferentes interesses afetados, positiva ou negativamente, por políticas e programas específicos.
Avaliação dos manuscritos
Os manuscritos a serem avaliados devem ser enviados
ao periódico exclusivamente via correio eletrônico para
o seguinte endereço: [email protected]. Em arquivo à parte devem ser indicados o título do trabalho,
nome dos autores, sua titulação máxima e sua posição
na instituição em que trabalham, bem como endereço
completo e e-mail para contato. Concomitantemente,
digitalizados ou por via postal, os autores devem enviar: ofício dirigido ao Editor solicitando a apreciação
do manuscrito pela equipe do periódico; autorização
para sua publicação, documento este que deve ser assinado por todos os autores. O endereço para envio
postal do material complementar é:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ; MESTRADO EM
AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS; REVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS; RUA MARECHAL
DEODORO, 750 - BENFICA/QUADRA FACED; CEP 60
020-060 FORTALEZA-CE. Em caso do envio do material digitalizado, o mesmo deve ser encaminhado pelo
e-mail: [email protected].
No caso de existir conflito de interesse entre os autores
e determinados pareceristas nacionais ou estrangeiros,
deve ser incluída carta confidencial em envelope selado dirigido ao Editor Científico do periódico, indicando
o nome das pessoas que não deveriam participar no
processo de avaliação. Da mesma forma, os pareceristas poderão manifestar-se, caso haja conflito de interesse em relação a qualquer aspecto do artigo a ser
avaliado. As informações reveladas ao Editor Científico
serão utilizadas de forma estritamente confidencial.
Nos trabalhos de investigação envolvendo seres humanos de grupos vulneráveis(crianças, adolescentes,
idosos, indígenas, presidiários, entre outros) recomenda-se fortemente que o Projeto de Pesquisa tenha sido
submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizada a pesquisa ou
da universidade.
Os manuscritos passam inicialmente por uma primeira
revisão do Editor que avalia se são de interesse para
os leitores e se atendem às Normas de Publicação do
periódico. Em seguida os manuscritos são encaminhados para avaliação de dois especialistas. Junto com o
arquivo do artigo, os pareceristas recebem por via eletrônica também arquivo do Instrumento de Avaliação
e das Normas de Publicação do periódico, tendo até 20
dias para emitir parecer conclusivo, indicando ou não
o manuscrito para publicação. De posse do parecer
conclusivo, o Editor o analisa em relação ao mérito
encontrado e em seguida encaminha aos autores o
parecer de aceitação da publicação, de necessidade
de reformulação ou de recusa justificada do artigo. Os
autores devem processar as modificações no texto ou
elaborar justificativa quando da não aceitação de algumas delas. Somente após aprovação final por parte
dos pareceristas e dos Editores é que os manuscritos
são encaminhados para publicação. Os Editores dispõem de plena autoridade para decidir sobre a conveniência de publicação dos manuscritos, mesmo que
já aprovados, podendo, inclusive, sugerir novas alterações aos autores.
Da apresentação dos manuscritos
Os manuscritos devem ser redigidos na ortografia oficial, em formato compatível ao MS Word for Windows,
em fonte Arial tamanho 12, espaço 1,5, para papel
tamanho A4, com 2,5 cm para as quatro margens e
parágrafos alinhados em 1,0cm.
A preparação do texto deverá atender a estrutura seguinte:
Título: deve ser apresentado justificado, em caixa alta
apenas a primeira letra, negrito e nos idiomas português, inglês, espanhol e francês; deverá ser conciso,
com no máximo 12 palavras, porém informativo. Em
nota de rodapé indicar a agência de fomento, se for o
caso e, também, se o artigo faz parte de Relatório de
Pesquisa, Tese, Dissertação ou Monografia de Final de
Curso, entre outras.
Autores: nome(s) completo(s) do(s) autor(es) com alinhamento à direita.
Resumo e descritores: em português, inglês, espanhol
e francês, devem caber na primeira página do trabalho; digitados em espaço simples, com até 150 palavras; para os artigos originais a redação deve obrigatoriamente incluir elementos da problematização, objetivos, métodos, resultados e conclusão. Após o resumo
devem ser apontados de 3 a 5 descritores ou palavras-chave que servirão para indexação dos trabalhos. Na
primeira página apresentar seqüencialmente o título
do trabalho, resumo em português e inglês seguidos
das respectivas palavras-chave. Após as Referências
devem estar os resumos e palavras-chave nos idiomas
espanhol e francês.
Estrutura do Texto: deve obedecer a orientação de
cada categoria de trabalho descrita anteriormente, de
modo que sejam garantidas a uniformidade e padronização dos textos publicados na Revista. Os anexos se
houver, devem vir no final do texto.
Ilustrações: tabelas, figuras e fotos devem estar inseridas no corpo do texto contendo informações mínimas pertinentes à ilustração. Só serão publicadas ilustrações em preto e branco; os sujeitos não podem ser
identificados ou então suas fotos devem estar acompanhadas de permissão por escrito.
Texto: deverá obedecer a estrutura exigida para cada
categoria de trabalho. No caso de artigos. As citações
no texto devem atender as Normas da ABNT, mas
especificamente NBR 6022:2003 e outras correlatas,
cujos exemplos estão ao final destas instruções. No
texto deve estar indicado o local de inserção das figuras, gráficos, tabelas, da mesma forma que estes
2013 JAN/DEZ
estiverem numerados, seqüencialmente. O texto deve
empregar itálico, apenas para termos estrangeiros e
sem aspas.
Agradecimentos: podem aparecer após as conclusões/considerações finais, quando os autores desejarem destacar a colaboração de pessoas que merecem
reconhecimento, mas que não se enquadram na condição de autores.
Citações: para citações bibliográficas de literatura no
texto colocar o sobrenome do autor, ano da publicação
e a página consultada. Ex. (Azevedo, 1993, p. 60). As
citações literais curtas (menos de três linhas) serão
integradas no parágrafo, seguidas pelo sobrenome do
autor referido no texto, ano de publicação e página (s)
do texto citado, tudo entre parênteses e separado por
vírgulas. As citações de mais de três linhas serão destacadas do texto em parágrafo especial, sem aspas,
tamanho da letra menor que a do texto, espaço simples e recuo de 4 cm da margem esquerda do texto.
As referências sem citação literal devem ser incorporadas no texto, indicando entre parênteses, ao final, o
sobrenome do autor e o ano da publicação. Se houver
mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, eles
são diferenciados por uma letra após a data: (Adorno,
1975a), (Adorno, 1975b) etc (todas).
Notas: deverão estar no final do texto e numeradas.
As notas devem ser explicativas e não bibliográficas,
breves, sucintas e claras. As citações bibliográficas devem estar no corpo do texto.
Referências: devem ser elaboradas em acordo
com Normas da ABNT, mas especificamente NBR
6023:2002. Nas citações e na elaboração das Referências autores devem atentar para características como
atualidade, pertinência e seletividade das obras utilizadas no artigo.
Critérios bibliográficos:
Livro: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DA OBRA, Prenomes. Título da obra: subtítulo. Número da edição.
Local de Publicação: Editora, ano de publicação.
Exemplo:
ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Heranças e urgências: ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro: Revan: Fase, 2000.
169
Título da obra: subtítulo. Número da edição. Local de
Publicação: Editora, ano de publicação. Páginas inicial
e final do capítulo.
Exemplo:
ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A
condição humana. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Forense
Universitário, 1983, p. 31-88.
Capítulos do mesmo autor da obra principal: Iniciar
com o nome do autor, o nome do capítulo citado seguido pela palavra In. Substitui-se o nome do autor
por um travessão de seis toques e um ponto após o In.
Nome da obra, local, editora, data e páginas.
Exemplo:
VERÇOSA, Élcio de Gusmão. Chegará o desenvolvimento também à terra dos marechais? In:______. Cultura e educação nas Alagoas. 2 ed. Maceió: EDUFAL,
1997. p. 175-197.
Coletânea: sobrenome do autor, seguido do nome e da
data (como nos itens anteriores) / título do capítulo /
VÍRGULA/ in (em itálico)/ iniciais do nome, seguidas do
sobrenome do(s) organizador(es) /VÍRGULA/ título da
coletânea, em itálico /VÍRGULA/ local da publicação /
VÍRGULA/ nome da editora /PONTO.
Exemplo:
ABRANCHES, Sérgio Henrique. (1987), Governo, empresa estatal e política siderúrgica: 1930-1975, in O.B.
Lima & S.H. Abranches (org.), As origens da crise, São
Paulo, Iuperj / Vértice.
Livro em formato eletrônico:
SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente.
São Paulo, 1999. v. 1. Disponível em: <http://www.
bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em:
8 mar. 1999.
Artigo de periódico: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR
DO ARTIGO, Prenomes. Título do artigo: subtítulo. Título do Periódico, local, número do volume, número do
fascículo, páginas inicial e final do artigo, mês e ano.
Exemplo:
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Revista Sociologias, Porto Alegre, nº16, p. 0111, jul/dez,2006.
Publicação com 02 autores: devem ser assinalados os
nomes dos dois autores, separados por ponto e vírgula.
Artigos de periódicos (com mais de três autores): seguem as normas dos livros.
Exemplo:
AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de
serviço e programas sociais. 2ª ed. Petrópolis:Vozes,1994.
Exemplo:
VEIGA, José Eli et al. O Brasil rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento, Nead, Série Textos para
Discussão, n. 1, p. 05-37, ago, 2001.
Publicação de mais de três autores: Indica-se o primeiro autor, acrescentando-se a expressão et al.
Exemplo:
ADORNO, Sérgio et al. O jovem e a criminalidade urbana de São Paulo. São Paulo, Fundação SEADE/Núcleo
de Estudos da Violência da USP, 1995.
Capítulo de livro: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DO
CAPÍTULO, Prenomes. Título do capítulo: subtítulo. In:
SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DA OBRA, Prenomes.
Artigo de periódico (formato eletrônico)
Exemplo:
AQUINO, Julio Gropa; MUSSI, Monica Cristina. As vicissitudes da formação docente em serviço: a proposta reflexiva em debate. Educação & Pesquisa, São
Paulo, v. 27, n. 2, p. 211-227, jul. 2001. Disponível
em: <http://www.scielo.com.br>. Acesso em: 08 de
maio de 2008.
170 JAN/DEZ 2013
Artigo de jornal com autor: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DO ARTIGO, Prenomes. Título do artigo: subtítulo. Título do Jornal, cidade, data, páginas inicial e
final do artigo e, eventualmente, da coluna.
Exemplo:
DIMENSTEIN, G. Escola da vida. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 14 jul. 2002. Folha Campinas, p. 2.
Artigo de jornal sem autor: Destaca-se em letra maiúscula apenas o primeiro nome do título do artigo, seguido do título do jornal, data completa, número ou título
do caderno, seção ou suplemento, indicação da página
e, eventualmente, da coluna.
Exemplo:
FUNGOS e chuva ameaçam livros históricos. Folha de
S. Paulo, São Paulo, 5 jul. 2002. Cotidiano, p. 6.
Dissertações e Teses: SOBRENOME DA/O AUTORA/
OR, Prenomes. Título da obra: subtítulo. Ano de apresentação. Categoria (Grau e Área de Concentração) –
Instituição, Local.
Exemplo:
DINIZ, Carmen Simone G. Entre a técnica e os direitos
humanos: possibilidades e limites da humanização da
assistência ao parto. 2001. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) – Programa de Pós-Graduação em
Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da USP,
São Paulo.
Trabalhos apresentados em eventos científicos: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DO TRABALHO, Prenomes. "Título do trabalho". In: NOME DO EVENTO,
Número da edição do evento, Cidade onde se realizou
o evento. Anais... (ou Proceedings... ou Resumos...)
Local de publicação: Editora, Ano de publicação. Páginas inicial e final do trabalho.
Exemplo:
PRADO, Danda. "Maternidade: opção ou fatalidade?"
In: SEMINÁRIO SOBRE DIREITOS DA REPRODUÇÃO
HUMANA, 1., 1985, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ALERJ/Comissão Especial dos Direitos da Reprodução, 1985. p. 26-29.
Decretos, Leis, Constituição federal: Nome do local
(país, estado ou cidade), título (especificação da legislação), número e dados da publicação. No caso da
Constituição colocar o ano entre parênteses.
Exemplos:
BRASIL. Decreto n. 2.134, de 24 de janeiro de 1997.
Regulamenta o art. 23 da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro
de 1991, que dispõe sobre a categoria dos documentos públicos sigilosos e o acesso a eles, e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, n. 18, p. 1435-1436, 27 jan.
1997. Seção 1.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
1988.
Relatório oficial
Exemplo:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Relatório 1999.
Curitiba, 1979. (mimeogr.).
Gravação de vídeo
Exemplo:
VILLA-LOBOS: o índio de casaca. Rio de Janeiro: Manchete Vídeo, 1987. 1 videocassete (120 min.): VHS,
son., color.
Ilustrações, abreviaturas e símbolos: as tabelas: devem ser numeradas consecutivamente com algarismos
arábicos, na ordem em que foram citadas no texto. A
cada uma deve-se atribuir um título breve precedido
pela palavra “TABELA” seguido do seu número de ordem, não se utilizando traços internos horizontais ou
verticais. As notas explicativas devem ser colocadas no
rodapé das tabelas e não no cabeçalho ou título. Caso
algum valor tabulado mereça explicação, este poderá
ser salientado por um asterisco abaixo da tabela. Os
quadros são identificados como tabelas, seguindo uma
única numeração em todo o texto. As figuras (fotografias, desenhos, gráficos, etc.), citadas como figuras,
devem estar desenhadas e fotografadas por profissionais. Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos, na ordem em que foram citadas no
texto. As ilustrações devem ser suficientemente claras
para permitir sua reprodução em 7,2 cm (largura da
coluna do texto) ou 15 cm (largura da página). Não se
permite que figuras representem os mesmos dados de
tabela. Nas legendas das figuras, os símbolos, flechas,
números, letras e outros sinais devem ser identificados
e seu significado esclarecido. Para ilustrações extraídas
de outros trabalhos, previamente publicados, os autores devem providenciar permissão, por escrito, para
a reprodução das mesmas. Estas autorizações devem
acompanhar os manuscritos submetidos à publicação.
Utilize somente abreviações padronizadas. Evite abreviações no título e no resumo. Os termos por extenso
aos quais as abreviações correspondem devem preceder sua primeira utilização no texto, a menos que
sejam unidades de medidas padronizadas.
Errata: os pedidos de correção deverão ser encaminhados em, no máximo, 30 dias após a publicação.
Lea Carvalho Rodrigues
Luis Antônio Maciel de Paula
Maria de Nazaré de Oliveira Fraga
Editores