Imunidade e Nutrição Neonatal Canina
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Imunidade e Nutrição Neonatal Canina
Revisão da Literatura Imunidade e Nutrição Neonatal Canina Immunity and Canine Neonatal Nutrition Christianne Silva Barreto1 Nereu Carlos Prestes2 Barreto CS, Prestes NC. Imunidade e nutrição neonatal canina. MEDVEP Rev Cientif Med Vet Pequenos Anim Anim Estim 2004; 2(5):5760. O recém-nascido canino tem uma fisiologia que difere da do animal adulto, principalmente no aspecto nutricional e imunológico. Ao nascer, tem pouca reserva energética, uma gliconeogênese hepática deficiente e pouca proteção imunológica. O acesso às mamas deve ocorrer o mais precocemente possível, para que o neonato mame o colostro e obtenha proteção imunológica mais eficaz. A qualidade e composição do colostro e do leite materno dependerão dos desafios a que a mãe foi exposta e de sua prévia imunização. O histórico materno, juntamente com a avaliação clínica do neonato, fornecerá subsídios ao Médico Veterinário para uma atuação preventiva. Uma monitorização no ganho de peso é necessária para promover a sobrevida do recémnascido, pois qualquer alteração poderá ser corrigida com suplementação nutricional. Um manejo nutricional com alimentação caseira ou comercial é indicado se ocorrer impossibilidade da mãe em amamentar ou dos filhotes em mamar adequadamente. Ultrapassando o período mais crítico (oito semanas), o cãozinho terá mais condições de crescer saudável. PALAVRAS-CHAVE: Imunidade materno-adquirida; Lactação; Animais lactentes. 1 Doutoranda da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – UNESP – Campus de Botucatu; Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária, FMVZ, UNESP, Distrito de Rubião Júnior, s/n – CEP 18618-000, Botucatu, SP; e-mail: [email protected] 2 Professor Adjunto – Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – UNESP – Campus de Botucatu; e-mail: [email protected] INTRODUÇÃO A Imunologia e a Nutrição são temas abrangentes e especialmente congruentes na Neonatologia canina. Cerca de 30% dos neonatos vêm a óbito na primeira semana de vida1, e a principal causa é o maMedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2004; 2(5):57-60 Imunidade e Nutrição Neonatal Canina nejo nutricional inadequado. Uma nutrição imprópria pode promover retardo na imunocompetência e no desenvolvimento corporal2. As glândulas mamárias produzem o colostro, que gradualmente se transforma em leite; os neonatos devem mamar estas duas secreções para obter proteção contra agentes nocivos3. REVISÃO DE LITERATURA A estrutura da placenta em cães é endoteliocorial, em que o epitélio coriônico fica em contato com o endotélio dos capilares maternos 3. Como conseqüência, de todas as imunoglobulinas (G, A, M, E e D), somente a IgG consegue ser transferida para o feto através da placenta no período intra-uterino, em porcentagem baixa – 5 a 10%4,5. A imunidade transplacentária é determinada pelo nível da imunidade sistêmica da mãe4. O colostro é produzido pelos linfócitos das glândulas mamárias6 e pelas proteínas transferidas, a partir da corrente sangüínea, sob influência de estrógeno e progesterona3, sendo responsável por 95% dos anticorpos absorvidos pelo neonato canino. Nos primeiros dias de vida, o recém-nascido deve mamar o colostro (imunidade passiva), para ter acesso às imunoglobulinas (Ig). Após esse período, esta secreção sofre alterações na sua composição e gradualmente é transformada em leite3. Quando a produção láctea atinge seu pico (3 semanas pós-parto), este é considerado maduro6. Caso o recém-nascido tenha acesso ao colostro e ao leite, a proteção imunológica estende-se até a 10a semana de vida7. Animais privados do colostro são mais vulneráveis às infecções6, devido à imaturidade do seu sistema imunológico2. Este período crítico termina com o amadurecimento imunológico, em torno de oito semanas de vida2. A IgG é a imunoglobulina predominante no colostro, seguida pela IgA e IgM, porém em menor quantidade. A IgG está presente em maior concentração no sangue, tem peso molecular pequeno (180kDa) e, por isso, consegue atravessar facilmente os vasos sangüíneos5. Sua atividade é maior até 72 horas de vida do neonato, pois após este período é facilmente degradada pelo ácido gástrico2. A IgA atua de preferência nas superfícies5, porém pode agir dentro das células intestinais8. Seu peso molecular é de 150kDa, sendo secretadas como dímeros5. São mais resistentes à digestão enzimática4, pois se unem a uma estrutura de 71kDa, conhecida como componente secretor5. Encontramos grande quantidade no lúmen intestinal dos neonatos caninos, neutralizando as infecções virais4, porém sem ação bactericida8. Embora a capacidade digestiva dos intestinos aumente com a idade, a IgA (fração secretora) consegue manter-se intacta3. 58 A IgM está presente no colostro em concentrações mínimas e sua grande importância está no fato de agir durante a resposta imune primária3. É a primeira imunoglobulina encontrada no intestino dos recém-nascidos8; seu peso molecular é de 900kDa. As imunoglobulinas D e E não são encontradas no colostro das fêmeas domésticas3. O pico de absorção das imunoglobulinas colostrais ocorre nas primeiras 12 horas de vida do recémnascido e vai diminuindo até aproximadamente 36 horas4,9, sendo a absorção bastante reduzida após as primeiras 12 horas de vida10. Os anticorpos colostrais alcançam o intestino, principalmente o íleo, e sofrem pinocitose pelas células epiteliais, acessando os capilares sangüíneos. Em geral, com 24 horas de vida, as células intestinais dos neonatos são substituídas por células mais maduras, o que impede a absorção das imunoglobulinas3. O pH gástrico mais elevado6, a facilidade de absorção das células intestinais por ainda estarem imaturas9 e a ausência da flora intestinal nas primeiras 24 horas de vida4 favorecem a absorção das imunoglobulinas. Um leve atraso no início da amamentação pode levar a um retardo no processo de amadurecimento celular3. Os anticorpos colostrais e lácteos promovem proteção para infecções adquiridas por via oral ou através da mucosa intestinal2. Após 30-36 horas do parto, o colostro passa por um processo de modificação, transformando-se em leite6. O colostro é composto por nutrientes, água, fatores de crescimento, enzimas digestivas e imunoglobulinas maternas (G, M e A) e difere do leite quanto à quantidade de água e à composição nutricional9. Neste ocorre uma redução na concentração de IgG e aumento da IgA3,6. Cães com seis semanas de idade já iniciam a produção de anticorpos pelas tonsilas e tecidos linfóides, o que, embora precário, é um processo de imunidade ativa2. Eventualmente, pode ocorrer falha na transferência de imunidade passiva (FTP), podendo ser ocasionada por alterações na produção, distúrbios de ingestão e absorção inadequada do colostro. Caso se suspeite da ocorrência de FTP, deve-se pesquisar qual o tipo de falha e assim manejar adequadamente a alimentação deste neonato3,4,6. Qualquer alteração no processo natural de obtenção de imunidade passiva promoverá um comprometimento na defesa imunológica deste animal9. Poffenbarger et al.11 (1991) utilizaram 22mL de soro de cadelas adultas sadias via SC ou VO, obtendo boa cobertura imunológica. Bouchard et al.10 (1992) afirmaram que a administração de 8mL/SID/VO ou SC de soro sangüíneo de cadelas sadias para neonatos caninos que não tiveram acesso ao colostro também fornece boa proteção imunológica. A amamentação pode ser dividida em três fases, de acordo com o comportamento da mãe e do neo- MedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2004; 2(5):57-60 Imunidade e Nutrição Neonatal Canina nato. Fase I (do nascimento à 3a semana de vida), fase II (da 3a à 5a semana de vida) e a fase III (depois dos 30 dias). Nas fases I e II a mãe exerce papel fundamental12. Cadelas primíparas ou submetidas a cesariana podem não sincronizar a descida do leite com o parto (agalactia temporária)6. Um recém-nascido sem acesso adequado ao leite materno manifesta esta alteração com choro constante, inatividade e alteração no ganho de peso2. Os neonatos têm reservas limitadas de glicogênio e uma gliconeogênese hepática incapaz de responder às suas necessidades13,14, e isto diminui sua habilidade em manter níveis séricos de glicose15. Caso ocorra a morte da mãe, ou a sua impossibilidade em amamentar, deve ser instituída a alimentação artificial; porém algumas regras devem ser seguidas quando se pensar em algum sucedâneo para o leite materno16. O leite da cadela é duas vezes mais rico em proteínas do que o leite da vaca, rico em gordura e pobre em lactose6. A lactose não é bem tolerada pelos cães, sejam eles neonatos ou não17. Este dado é importante no caso de fornecimento de leite de vaca, pois devemos diluí-lo para se minimizar o efeito deste açúcar16. Em média, a concentração de lactose no colostro é baixa (30g/L) e aumenta durante o processo de amamentação9. Caso se opte por formulações caseiras, a esterilização das mamadeiras, a qualidade da água e a capacidade estomacal do animal devem ser consideradas18, devendo-se fornecer energia, gorduras, minerais e proteínas de alto valor biológico17. A fonte de gordura é um grande ponto de interrogação para os profissionais. Produtos como creme de leite, leite de coco, manteiga17, óleo de milho ou soja6 e iogurte integral18 são algumas das opções descritas na literatura. O ovo de galinha é uma fonte de proteína de alto valor biológico, porém possui, na clara e na membrana que envolve a gema, uma substância pouco tolerada (ovidina), altamente alergênica e de difícil digestão16,17. O leite substituto poderá eventualmente ser armazenado sob refrigeração por no máximo 24 horas, aquecido em banho-maria na hora da preparação e, na hora da administração, aquecido somente o necessário18. O ideal é fornecê-lo 5 a 6 vezes ao dia, não sendo necessário fornecer durante a madrugada16. Mesmo com a alimentação artificial, os neonatos devem receber água17. O leite deve ser administrado somente para animais alertas, jamais para animais hipotérmicos, ofegantes ou com distensão abdominal16,19. A administração do leite artificial pode ser realizada através de mamadeiras utilizadas para dar água e chás para bebês recém-nascidos6. A administração do leite através da mamadeira é mais fácil, porém deve-se tomar cuidado com a ingestão de ar18. Para a alimentação com sonda, pode-se usar a sonda uretral flexível, tomando cuidado com o posicionamento correto da mesma18. Nas formulações comerciais, devemos observar as calorias do produto e o prazo de validade. No comércio encontramos facilmente formulações para lactentes, como o Pet Milk (Vetnil®), Max Milk (Totalalimentos®), Size Nutrion 1st. Age Milk (Royal Canin®), entre outros. Estes alimentos preconizam valores reduzidos de lactose e, em alguns casos, a adição de probiótico (Max Milk-Totalalimentos®). Das doenças que acometem o recém-nascido, a síndrome do leite tóxico, embora importante, não está bem caracterizada. Acomete geralmente neonatos entre 3 e 14 dias de vida, tendo como causa principal a incompatibilidade com o leite materno, associada ou não a toxinas do leite6. Christiansen19 (1988) acredita que as toxinas do leite devem-se a uma subinvolução do útero ou a uma metrite, que poderia promover uma mastite subclínica. Schäfer-Somi et al.20 (2003) afirmaram, porém, que mesmo as cadelas com mastite clínica ou subclínica causadas principalmente por Staphylococcus intermedius, não necessariamente induzem infecções (septicemias) nos neonatos. Os sinais clínicos desta síndrome são desconforto, fraqueza progressiva, hipotermia, timpanismo, tenesmo e gemidos19. O tratamento indicado é a retirada dos neonatos do contato com a mãe, aquecimento e alimentação artificial6. No diagnóstico diferencial aconselha-se observar se todos os neonatos estão doentes e o estado de saúde da mãe16. Em casos menos graves, depois do tratamento com antibiótico na mãe, os neonatos podem voltar a mamar dentro de 2 a 3 dias6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A sobrevida do neonato canino requer do Médico Veterinário conhecimentos sobre Nutrição e Imunologia, pois nesta fase da vida há uma interdependência destas ciências. Informações precisas sobre o histórico da mãe e uma avaliação detalhada do neonato favorecem a intervenção veterinária, caso haja necessidade de uma suplementação alimentar ou de alterações no protocolo vacinal deste paciente. A alimentação artificial com sucedâneos caseiros ou comerciais pode garantir o desenvolvimento do animal, até que ele adquira condições físicas de ingerir alimentos pastosos. Barreto CS, Prestes NC. Immunity and canine neonatal nutrition. MEDVEP Rev Cientif Med Vet Pequenos Anim Anim Estim 2004; 2(5):57-60. The physiology of canine puppy differs from that of the adult animal, mainly in nutritional and immunologic aspects. When it borns, the puppy has a little energy reserve, a deficient hepatic glyconeogenesis and a poor immunological protection. The breasts access must occur as precociously as possible so that the neonate can suck colostrum and develop a more efficient immunological system. The quality and the MedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2004; 2(5):57-60 59 Imunidade e Nutrição Neonatal Canina composition of colostrum and milk will depend on the challenges to which the mother was exposed and on its previous immunization. The medical history of the bitch together with the clinical evaluation of the neonate will supply the necessary information so the Veterinarian can have a preventive performance. Monitoring weight profit is necessary to promote puppy survival, since any alteration could be corrected with a nutricional supplementation. The nutricional handling with home or industrial food is prescribed if the bitch is not able to breast feed or if the puppies cannot adequately suck. Whenever they exceed the most critical period (eight weeks), puppies will have better conditions to grow in health. KEYWORDS: Immunity, maternally-acquired; Lactation; Animals, suckling. REFERÊNCIAS 1. Freshman JL. Save those puppies! Neonatal care for the breeder and technician. In:______. Canine Reproduction Symposium; 1998. Anais; 1998. p.50-2. 2. Hoskins JD (ed.). Veterinary pediatrics. 2º ed. Philadelphia, USA; 1995. 605p. 3. Tizard IR. Imunidade no feto e no recém-nascido. In: ______. Imunologia veterinária – uma introdução. 6a ed. [S.l.]: Roca; 2002a. 4. Chappuis G. Neonatal immunity and immunisation in early age: lessons from veterinary medicine. 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