Wilhelm Reich uma vez disse: “Sempre tive um conflito entre

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Wilhelm Reich uma vez disse: “Sempre tive um conflito entre
Wilhelm Reich uma vez disse: “Sempre tive um conflito entre o desejo de
participar da batalha social, e o meu trabalho científico. Na luta social, você tem
que estar aqui, lá e em todo lugar; no trabalho científico você fica com seus
estudos, livros, pacientes e instrumentos.”
Isso posto, fica difícil definir Reich como um psicoterapeuta e pesquisador
se não levarmos em conta suas dimensões clínica e política. Para ele, esses
dois aspectos não se separaram jamais -- o individual e o social, o público e o
privado --, portanto, no transcorrer de sua vida foi sendo incluído, expulso ou
afastou-se de várias organizações, pois estas eram instituições em que ação e
pensamento não fluiam juntos e paralisavam diante da necessidade de aliar-se
ao poder, nunca desafiando-o, como ocorreu por volta de 1933 com a
Associação Internacional de Psicanálise, em Viena, e o movimento comunista.
Seu encontro com o mestre Freud havia ocorrido em 1919 e apenas um
ano depois, aos 23 anos de idade, Reich começou a participar das reuniões da
Sociedade Psicanalítica de Viena como membro efetivo. Era então um estudante
de medicina e nesse mesmo período conheceu Otto Fenichel, com quem passou
a compartilhar
opiniões políticas. Em 1921 deu-se o início de sua prática
psicanalítica, quando mesmo sem ter sido analisado passou a atender pacientes
encaminhados pelo próprio Freud, que muito admirava o jovem Dr. Reich.
Em muito pouco tempo, menos de um ano depois, Reich já atuava no
local que veio a exercer a maior influência em seu trabalho: a Clínica
Psicanalítica de Viena, da qual mais tarde foi eleito diretor. A clínica era
destinada a pacientes que não podiam pagar tratamento particular e, portanto, a
demanda tornou-se enorme. Na percepção de Reich isso demonstrava que a
neurose era uma “doença da massa”, uma “epidemia” que precisaria ser tratada
além dos limites da psicanálise ou, como ele mesmo dizia, requeria “uma terapia
para aplicação em massa”.
Nessa época, dirigiu com muito êxito o seminário sobre sexologia que
resultou na elaboração de sua teoria da economia sexual. Durante o período de
1920 a 1934 ele permaneceu vinculado oficialmente à IPA (Associação
Psicanalítica Internacional), desenvolvendo o que chamava de profilaxia das
neuroses e estudando a origem social das doenças mentais. Seus cursos e
palestras eram direcionados tanto para médicos como para trabalhadores, e a
natureza dos conceitos utilizados por ele nesses eventos acabou culminando no
movimento denominado Sexpol. O objetivo desse movimento era orientar
pessoas com problemas sexuais e, ao mesmo tempo, prepará-las politicamente,
tendo por base os ensinamentos aprendidos nos livros O Capital, de Marx, e A
Origem da Família, de Engels.
Esse movimento era um complexo esforço teórico-prático primeiro para
ajudar as massas em suas dificuldades sexuais e, segundo, para articular as
necessidades sexuais com aspectos políticos relevantes dentro do movimento
revolucionário dos trabalhadores. Questões da vida sexual e da educação das
crianças, por exemplo, interessavam demais ao público.
Reich antecipou a ênfase dada à sexualidade lidando diretamente com
essa questão. Ele também se adiantou no tempo antecipando o movimento de ir
ao encontro das pessoas em vez de ficar esperando na clínica; e esta constitui
uma prática utilizada hoje em dia por diversos projetos terapêuticos sociais. Em
1931, durante um congresso em Dusseldorf ele apresentou um programa com a
seguinte proposta:
1.
Distribuição livre de preservativos a todos que não pudessem obter
através de caminhos normais e uma massiva propaganda para o controle de
natalidade.
2.
Abolição das leis contra o aborto. Providências para liberdade de aborto
em clínicas públicas; salvaguardas financeiras e médicas para mulheres
grávidas e novas mães.
3.
Abolição de qualquer distinção entre casados e não casados. Liberdade
para o divórcio. Eliminação da prostituição através de mudanças econômicas e
sexo-econômicas para erradicar suas causas.
4.
Eliminação de doenças venéreas através de um abrangente programa de
educação sexual.
5.
Prevenção de neuroses e problemas sexuais por meio educação
afirmativa da vida. Estudo de princípios pedagógicos sexuais. Estabelecimento
de clínicas terapêuticas.
6.
Treinamento de médicos, professores e trabalhadores sociais em todos
aspectos relevantes para higiene sexual.
7.
Tratamento em substituição à punição em casos de abuso ou crime
sexual. Proteção das crianças e adolescentes contra sedução de adultos.
Representantes de várias organizações no Congresso aliaram-se a Reich
na defesa desses objetivos e um relevante número de pessoas de outras
organizações entusiasmaram-se com seus esforços. Chegou-se a contabilizar
40.000 simpatizantes de suas idéias por toda a Alemanha. E é verdade que suas
atividades ganhavam ainda mais importância quanto mais se avultava a ameaça
do nazismo. Por isso mesmo, crescia seu interesse pela propaganda de Hitler,
que se valia da psicologia de massa. Passou pelo menos três anos, entre 1930 e
1933, debruçado no estudo da propaganda nazista. Ele procurava compreender
porque o povo alemão em geral era tão receptivo àqueles apelos. Tal estudo
deu origem à produção de sua obra tida como a mais impactante, depois
tornada um clássico, A Psicologia de Massa do Fascismo.
A respeito desse livro, Roudinesco e M. Plon concluem, no Dicionário de
Psicanálise: “Longe de olhar o fascismo como produto de uma política ou de
uma situação econômica, de uma nação ou de um grupo, Reich o viu como
expressão de uma estrutura inconsciente e estendeu sua definição à
coletividade para sublinhar que, em definitivo, o fascismo se explica por uma
insatisfação sexual das massas. De fato, Reich retomava um tema que já tinha
sido tratado de outro modo por Freud em Psicologia das Massas e Análise do
Ego, mas lhe dava um conteúdo radicalmente novo no momento mesmo em que
o nazismo se espalhava pela Alemanha. A obra teve repercussão mundial e a
doutrina reichiana foi retomada por todos os teóricos do freudo-marxismo e
depois, por volta de 1970, pelos movimentos libertários.”
Myron Sharaf, por sua vez, escreveu que as explicações dadas pela
esquerda à ascenção do nazismo eram extremamente superficiais e pasmaram
Reich, pois negavam a significância do sucesso de Hitler ao reinvidicar de modo
simples e ingênuo que as coisas em breve estariam melhores. Myron defende
também a tese de uma similaridade entre a crítica de Reich à psicanálise e aos
partidos marxistas. Como afirma Myron, cada um dos casos seria iniciado por
uma “descoberta negativa”. No caso da psicanálise, a descoberta negativa era
de que os pacientes não necessariamente melhoravam depois de o
“inconsciente se tornar consciente”, e no caso do marxismo, os trabalhadores
não necessariamente abraçariam causas
revolucionárias face à miséria
econômica.
A psicologia social era necessária para explicar as contradições
existentes, as frustações econômicas sofridas pela classe trabalhadora e sua
falta de ação afirmativa contra as condições sociais. A partir do conhecimento
desta contradição, Reich começou a desenvolver a idéia de que a “estrutura de
caráter” do trabalhador, além de refletir sua posição sócio-econômica, também
refletia sua experiência social, principalmente na família de origem. Arguia que a
autoridade familiar sobre o trabalhador durante sua infância o “treinava” para
obedecer não somente aos pais, mas todas as figuras autoritárias em geral, ao
mesmo tempo suprimindo seus impulsos sexuais. Como conseqüência, o medo
de revoltar-se e o medo da sexualidade estariam “ancorados” na estrutura de
caráter das massas.
Ele então aplicou em sua análise social as descobertas clínicas sobre
couraça de caráter. Esta impediria o paciente de entrar em contato, ou de
aprofundar tal contato, e de tomar uma posição mais agressiva em relação aos
problemas
sociais.
“A
supressão
da
sexualidade
natural
da
criança,
particularmente da sexualidade genital, leva a criança a ficar apreensiva, tímida,
obediente, com medo da autoridade, boa e acomodada, paralisando as forças
rebeldes e fazendo com que qualquer rebelião seja carregada de ansiedade;
produzindo, através da inibição da curiosidade e do pensamento sexual da
criança, uma inibição geral do pensamento e das faculdades críticas.
Resumindo, o objetivo da supressão sexual é produzir um indivíduo ajustado e
submetido à ordem autoritária a despeito de toda miséria e degradação.
Primeiramente a criança se submete à estrutura autoritária familiar, preparando
o caminho para o sistema autoritário geral. A formação da estrutura autoritária
acontece durante e através do processo de inibição e ansiedade sexual.”
Reich lançou mão dessas mesmas idéias durante o aparecimento do
nazismo para tentar explicar o que levou as pessoas a votar de modo submisso
num governo autoritário. Mas, segundo pôde concluir, a média do povo alemão
naquela época não era simplesmente “encouraçada”. A miséria econômica que
mobilizava os trabalhadores estava impregnada de desejos e emoções que
apareciam de forma distorcida. Desejo de liberdade e medo da liberdade
permeavam a população. A propaganda nazista pregava “uma vida mais
excitante” ao mesmo tempo que propunha “lei e ordem”, o que ressoava
profundamente com o desejo e o medo daquelas pessoas. Isso revelava a
genialidade de Hitler em lidar com a psicologia de massa e suas contradições.
Na opinião de Reich, Hitler ao mesmo tempo que apoiava a família
tradicional, também endossava muitas das demandas dos jovens contra os
adultos. Ele instigava muitos jovens a sair de suas casas para participar do
movimento coletivo. Eles eram encorajados a ter filhos, dentro ou for a do
casamento, para melhorar a raça ariana e os nazistas enfatizavam a visão de
“Mãe Alemanha” e “Pai Hitler”, criando a possibilidade de muitos alemães
simplesmente transferirem seus sentimentos familiares à super-nação “Terra do
Pai” (Fatherland).
Hitler subiu ao poder em 1933, ano em que foram publicados Análise do
Caráter e Psicologia de Massa do Fascismo. O primeiro deveria ter sido
publicado pela Editora Psicanalítica Internacional, mas, frente a problemas
“políticos”, o diretor alegou o cancelamento do contrato e comunicou o fato de
que ele deveria então publicá-lo por conta própria; Reich ficou muito conhecido
como anti-fascista. Nesse mesmo período Freud havia adotado com seus
discípulos uma estratégia que consistia -- por receio de represálias do governo -em excluir os militantes de extrema esquerda. Foi esse mesmo Freud que viu-se
questionado no livro de Reich que questionava
conceitos fundantes da
psicanálise, como por exemplo o “impulso de morte”, numa análise profunda
sobre o problema do masoquismo. Já em artigo publicado em 1929 -- e mais
tarde incorporado ao livro Análise do Caráter – Reich fazia uma distinção entre
as diferentes estruturas de caráter baseados na presença ou ausência de
“potência orgástica”. Em 1924 no Congresso Psicanalítico em Salzburg Reich
apresentou seu artigo “A Importância terapêutica da libido genital”, no qual
introduziu formalmente seu conceito de “potência orgástica”. Definiu-a como a
capacidade para entregar-se ao fluxo de energia biológica sem inibição, a
capacidade para a descarga de toda a excitação sexual reprimida através de
contrações involuntárias do corpo, relatando em mais detalhes em seu livro A
Função do Orgasmo. Esse livro foi com freqüência mal interpretado,
caricaturado
e
ridicularizado
por críticos
ignorantes ou
incapazes
de
acompanhar as distinções qualitativas meticulosas feitas pelo autor. Potência
orgástica diz respeito a qualidade e não a quantidade, fluxo da presença entre a
falta e o excesso.
Ele correlacionava aqui seu trabalho analítico com a genitalidade, isto é, a
expressão desimpedida da sexualidade passou a ser o objetivo da análise do
caráter. Reich descrevia psicanaliticamente o caráter genital como sendo
aquele em que uma pessoa passou pela fase ambivalente do desenvolvimento
genital, ou seja, está findo o desejo de incesto ou de eliminar o genitor do
mesmo sexo.
Em relação a essa questão, Paulo Albertini afirma:
“O Caráter Genital e o Caráter Neurótico é organizado por Reich em dois
extremos. De um lado, no pólo da saúde, ele supõe a possibilidade da existência
de uma estrutura em que haveria alto grau de harmonia intrapsíquica, o
chamado caráter genital; de outro lado, no pólo da doença, ele descreve a
estrutura em que um intenso conflito interno se faz presente, o caráter neurótico.
Deve-se registrar que o autor tem o cuidado de esclarecer que essa
classificação refere-se a tipos ideais e que, na verdade, os caracteres reais são
estruturas mistas, que se aproximam mais de um ou outro extremo. Apesar
desse cuidado reichiano, tomando a proposta do trabalho como um todo, já de
início é necessário observar que não faz parte da orientação freudiana qualquer
tentiva de suposição de um estado de saúde, uma vez que, para ele, a neurose
seria um acompanhante constante da vida civilizada.”
Albertini cita o aspecto reichiano clínico de forma sempre conectada ao
aspecto social, e lembra a afirmativa de que a satisfação sexual genital gera
melhores condições para a ocorrência de sublimações, isto é, uma pessoa livre
de maiores urgências sexuais torna-se conseqüentemente mais liberada para o
trabalho. E a sublimação gera cultura no seu sentido mais desenvolvido. A esse
propósito Reich afirmava: “Se a primazia do intelecto é a finalidade do
desenvolvimento social, ela é inconcebível sem a primazia genital. A hegemonia
do intelecto não só põe fim a uma sexualidade irracional como tem como
condição prévia uma economia da libido regulada”.
Quanto ao caráter neurótico, afirma Albertini, na descrição reichiana
existe um forte mecanismo de defesa reativo no lugar da sublimação, sendo que
na esfera do trabalho haverá um sofrimento e redução da criatividade
acompanhado de reação compulsiva e repetitiva constante, em decorrência da
formação recalcada.
Vemos assim que a instância recalcadora diminui a vitalidade orgânica
geral, instância comum nos neuróticos, conforme Ricardo Rego observa. Há
aqui uma diferença clínica fundamental, marcada por Reich, em relação à
psicanálise freudiana. Enquanto Freud estimulava a livre associação para a
liberação de conteúdos, Reich estimulava a respiração como veículo de
desinibição do inconsciente motor, emocional e perceptivo. Indo de encontro à
tese freudiana em O ego e o id quando diz que o reprimido se funde com o id e
é simplesmente uma parte dele.
Isso significa dizer que não apenas de recalque vive o insconsciente, mas
também das repressões contidas no organismo como um todo. Reich,
amparando-se nessas descobertas, amplia sua técnica ativa de acesso ao
inconsciente por meio da observação, ação e interpretação das expressões não
verbais, com o uso do toque, por exemplo, para os desbloqueios musculares,
liberando emoções, imagens, fantasias e movimentos contidos na expressão
somática do caráter. Conseqüentemente, durante o processo terapêutico o
psiquismo e suas fixações passam a ser acessados de diferentes maneiras e
não só através das livres associações verbais.
Também em seu livro Análise do Caráter, fundamentado a partir da teoria
do recalque, Reich passa a dar importância ao modo “como” o paciente diz, à
maneira “como” o corpo fala, liberando defesas caracteriológicas para serem
analisadas. Assim, além de se conscientizar, a pessoa entra em contato com
sua vitalidade orgânica, aceitando a natureza existente dentro de si. A técnica
reichiana trabalha então com as couraças musculares e com a couraça psíquica,
buscando um fluxo unitário entre as funções psíquicas e somáticas, um estado
fluido suficientemente bom que impeça formação desnecessária de estase.
Reich afirma que a satisfação sexual suficientemente boa é a melhor forma de
manter o equilíbrio e descarregar a maior quantidade de libido.
A postura ativa e positiva reichiana fica bem clara em seu artigo sobre o
masoquismo, no qual finalmente contrapõe a tese do instituto de morte
freudiano. Freud entendia o masoquismo como a expressão dos impulsos
destrutivos em direção ao mundo, que se voltam contra si mesmo por frustação
e medo de punição. Atormentar-se seria menos perigoso e menos doloroso que
perder o amor dos mais próximos. A partir disso, Freud explicava que o “instinto
de morte” levava ao masoquismo primário.
Reich, evitando qualquer confronto direto com a autoridade de Freud,
escreveu então um brilhante artigo, estudo de caso de um paciente masoquista,
no qual desafiava diretamente o conceito de “instinto de morte”. Trabalhando
com profundas intervenções somáticas e psíquicas, o psicoterapeuta chega
finalmente a analisar as queixas repetitivas e auto-agressivas do paciente como
profundas demandas por amor. Através de sua miserabilidade, ele forçaria o
psicoterapeuta a amá-lo. A excessiva demanda por amor estaria conectada ao
intenso medo do paciente de ser deixado só, algo vivenciado por ele na primeira
infância. Tal dor estaria somaticamente ligada, e de modo direto, à pele, local de
primeiro contato, fazendo, por exemplo, com que o paciente tivesse fantasias de
ser queimado, beliscado ou de ter sangramentos na pele. No entanto, esses
desejos não representam necessariamente um desejo de dor. O paciente quer
“sentir o calor da pele” e a dor é tomada como pechincha ou elemento de troca.
Enquanto desenvolvia seus conceitos sobre masoquismo, seu trabalho
político-sexual o levava a pesquisar quantas filosofias religiosas encaixavamse com o padrão masoquista por meio da figura onipotente de dominação que
promovia um alívio da sina interna (tensão sexual), que o indivíduo por si só
não poderia atingir, portanto, alguém deveria fazer por ele, mas em forma de
punição, como absolvição e libertação.
********************************
A educação das crianças como prevenção às neuroses sempre esteve
presente em seus projetos e pesquisas, e ele chegou a defender a criação de
uma nova forma pedagógica. Muito aprendeu e desenvolveu com a psicanalista
russa Vera Schmidt (1889-1937), na tentativa de criar novos enfoques para a
teoria da sexualidade infantil. Depois cultivou uma profunda e duradoura
amizade com o pedagogo escocês A. S. Neill (1936 e 1957) (essas datas estão
corretas? Se não forem de nacimento e morte, creio que pode tirar) fundador da
famosa escola Summerhill que revolucionou o sistema de ensino na Inglaterra,
depois de ter passado pela Alemanha e Áustria, instalando-se definitivamente e
até a atualidade no País de Gales. Summerhill admite uma intensa participação
das crianças, sempre numa postura de parceria, abolindo toda e qualquer
punição externa. Reich exerceu influência sobre Neill pessoalmente, mas não
sobre a forma como ela dirigia a escola. Ao passo que Neill influenciou Reich no
tocante ao seu interesse e sua confiança no investimento em educação infantil
como a melhor forma de contribuição para desenvolvimento da civilização. Foi
com esse pensamento que Reich escreveu Crianças do Futuro.
David Boadella escreveu em um de seus livros: “Reich disse que por todo
seu trabalho havia uma linha condutora simples: o tema da excitabilidade
bioenergética e da mobilidade da substância viva. Estudou primeiramente esta
energia como libido, à qual seríamos capazes de nos render em sensações
agradáveis, expansivas e que faziam contatos com o que chamava de “potência
orgástica”. Quando o fluxo é bloqueado, instala-se uma estase que seria a fonte
energética da neurose. Em sua teoria da análise do caráter, seguiu a antítese
entre os impulsos primários da pessoa auto-regulada e os impulsos secundários
destrutivos que estavam presos na rígida couraça do caráter neurótico.
Desenvolveu o conceito de democracia do trabalho que implicava na expressão
criativa de energias produtivas, diagnosticando que quando a produtividade é
frustada, há uma devastação social. Desenvolveu o termo “praga emocional”
durante análise do fascismo e da instalação da couraça de caráter na sociedade.
Reich pôde desenvolver um profundo trabalho no organismo quando se
afastou da psicanálise, estudando as funções da energia vital e seu processo no
sistema nervoso autônomo, que provocava contrações rígidas que formavam a
couraça muscular, no caso das neuroses. A descarga dessas contrações
provocava correntes vegetativas involuntárias que ele conseguia medir com seu
osciloscópio, acreditando serem elétricas. Seu trabalho abrangia também o
contato energético entre mãe e bebê, reconhecida como saúde emocional
posterior. Tal trabalho teve continuidade com o empenho de sua filha, a pediatra
e psicoterapeuta Eva Reich.
Ele mergulhou também no estudo da atmosfera, descobrindo a energia
pulsante que promovia a vida e a hidratação dos tecidos corporais. Na presença
de poluentes nocivos de diversos tipos, a energia atmosférica estagna-se e
torna-se fonte de doença. Mais tarde desenvolveu o acumulador de energia, que
acabou por levá-lo à prisão em decorrência de uma ação movida pelo órgão
responsável pelo controle de medicamentos nos Estados Unidos.
Wilhelm Reich, que nasceu em 1897, na Áustria, veio a falecer em 1957,
numa prisão dos Estados Unidos, vítima de ataque cardíaco. Todas as cópias de
seus livros e revistas nos EUA foram incinerados antes de seu julgamento. Seu
corpo recebeu uma sepultura simples em Orgonon, seu local de trabalho e
moradia. Mesmo após sua morte, seu desejo testamentário continuou a refletir
suas idéias: ele deixou todos os seus bens para o Fundo para crianças Wilhelm
Reich, que deveria se dedicar principalmente ao cuidado e assistência a
crianças e adolescentes em dificuldade e também ao custeio de pesquisas
orgonômicas.
Bibliografia:
Boadella, David, Nos Caminhos de Reich, Ed. Summus, 1985.
Sharaf, Myron, Fury on Earth, da Capo Press, EUA, 1983
Matthiesen, Sara, A Educação em Wilhem Reich, Ed. Unesp, 2005
Albertini, Paulo (organizador), Reich em Diálogo com Freud, estudos sôbre
psicoterapia, educação e cultura, Ed. Casa Do Psicólogo, 2005.
Reich, Wilhelm, The Mass Psychology of Fascism, Condor Books, USA
Character Analysis, Vision Books.
OS PRINCIPAIS NEO-REICHIANOS
W. Reich deixou um legado de importantes discípulos, que por sua conta
deixaram uma segunda geração de discípulos que hoje ocupam um lugar de
destaque na psicoterapia em todo o mundo, e que são chamados de neoreichianos por partirem de conceitos e princípios reichianos, mas atualizados e
influenciados por suas próprias pesquisas no campo.
Seu trabalho em couraça muscular foi desenvolvido por dois neoreichianos – Alexander Lowen e John Pierrakos. Ambos estudaram com Reich
antes de trabalharem em colaboração. Desenvolveram juntos por volta de 1950
uma técnica que denominaram “Bioenergética”, termo reichiano que significa
energia biológica amplificado das técnicas reichianas. Pierrakos mais tarde
separou-se de Lowen e desenvolveu seu próprio trabalho ao qual denominou
“core-energétics”. Os dois contribuíram profundamente com conceitos e
técnicas. Lowen por exemplo desenvolveu o importante conceito de “grounding”,
articulando com muita sabedoria a técnica de trabalho “bioenergético” com os
conceitos da psicanálise. Escreveu vários livros de em caracteriologia. Pierrakos
alinhavou o caminho caracteriológico com um trabalho em comunidade ao qual
chamou
de
“core-energetics”
que
tinha
um
conteúdo
particular
de
espiritualidade. Lowen e Pierrakos foram descendentes diretos de Reich da
época em que ele já morava nos EUA.
Outra duas importantes abordagens vinculadas com a época européia de
Reich, através de sua discípula direta Dra. Ola Raknes da Noruega. Gerda
Boyesen e David Boadella, que respectivamente desenvolveram a Biodinâmica
e a Biossíntese.
Boyesen, norueguesa, psicóloga, cliente e aluna de Raknes, desenvolveu
um trabalho em que juntava a experiência psicoterapêutica dos conceitos
reichianos com um trabalho direto no corpo através das técnicas de massagens
inspiradas pelo trabalho da fisioterapeuta Nic Waal e da vegetoterapia inspirada
por Reich e desenvolvida na Noruega por Raknes. O objetivo eram os
desbloqueios da couraça muscular, de tecido e visceral e conseqüentemente da
subjetividade contida.
Já Boadella que também foi cliente de Raknes, primeiro desenvolveu um
trabalho baseado num profundo conhecimento do desenvolvimento embriológico
do ser humano, não somente pelo conhecimento em si da embriologia orgânica,
mas pela articulação entre as camadas embriológicas e o que tem de vida
contida nelas, por exemplo o ectoderma se desenvolve em direção ao sistema
nervoso, responsável pela relação sensorial com o ambiente, o mesoderma em
direção ao sistema muscular e esquelético, ação e movimento e o endoderma à
parte visceral do corpo ligada às emoções mais primitivas. O trabalho de
Boadella não parou aí indo em direção a conceitos de movimento e postura que
chama de “Posturas da Alma” entre outros.
Outro importante neo-reichiano que podemos citar é a Biossistêmica do
Prof. Jerome Liss, que lida com o corpo e sua ação não verbal nos sistemas
humanos.
No Brasil existem escolas que representam todas esta abordagens, além
de algumas em nível universitário.
Para aprofundar:
Lowen, Alexander, O Corpo em Psicoterapia, Ed.Summus.
Boadella, David, Nos Caminhos de Reich, Ed. Summus.
Boyesen, Gerda, Entre Psiquê e Soma, Ed. Summus.
Liss, Jerome, Biossistêmica, Ed. Summus.
Pierrakos, John, Core Energética.

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