- No mestrado em Ciências Sociais da UFMA
Transcrição
- No mestrado em Ciências Sociais da UFMA
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DAYANA DOS SANTOS DELMIRO COSTA MULHERES E ESPECIALIZAÇÃO POLÍTICA: trajetórias e recursos eleitorais entre as deputadas federais/estaduais no Maranhão. São Luís-MA 2009 2 DAYANA DOS SANTOS DELMIRO COSTA MULHERES E ESPECIALIZAÇÃO POLÍTICA: trajetórias e recursos eleitorais entre as deputadas federais/estaduais no Maranhão. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para defesa pública. Orientador: Prof. Dr. Igor Gastal Grill São Luís- MA 2009 3 Costa, Dayana dos Santos Delmiro. Mulheres e especialização política: trajetórias e recursos eleitorais entre as deputadas federais/estaduais do Maranhão/ Dayana dos Santos Delmiro Costa- São Luís, 2009. 182f. Impresso por computador (fotocópia) Orientador: Igor Gastal Grill Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Mestrado em Ciências Sociais, 2009. 1. Mulheres – Política – Maranhão 2. Mulheres – Profissionalização política 3. Gênero – Recursos eleitorais I. Título CDU 396.9 (812.1) 4 DAYANA DOS SANTOS DELMIRO COSTA Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para defesa pública. Aprovada em _____/_____/_____ BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Prof. Dr. Igor Gastal Grill (Orientador) Doutor em Ciência Política Universidade Federal do Maranhão ____________________________________________ Profª. Drª. Karina Kuschnir Doutora em Antropologia Social Universidade Federal do Rio de Janeiro ____________________________________________ Prfª. Drª Arleth dos Santos Borges Doutora em Ciência Política Universidade Federal do Maranhão 5 AGRADECIMENTOS “Como o não sabes ainda Agradecer é mistério” Fernando Pessoa, Quadras ao Gosto Popular Ao finalizar este trabalho, gostaria de tecer alguns agradecimentos, não como apregoam os ditames formais da academia, mas de pincelar sentidos, relações, momentos, que possibilitaram a construção desta dissertação. Antes, devo contar que, durante as atividades no mestrado, houve objetivos que vislumbrei, mas que não foi possível alcançá-los. Esses percalços, longe de obscurecerem o trajeto, aumentaram-lhe o brilho. E, ao invés de me deterem, impulsionaram-me com mais força. Por isso afirmo com convicção, essa caminhada valeu a pena! Agradeço a Deus, por sempre me iluminar e me guiar. Sem Ele nada disso seria possível. Gostaria de destacar o papel desempenhado neste trajeto pelo meu orientador, o prof. Dr. Igor Gastal Grill. Agradeço pela exigência crescente, pelos desafios cada vez mais complexos que me eram apresentados e pelo tempo disponibilizado nas discussões e correções desse trabalho. Sem falar na paciência em entender uma orientanda demasiadamente ansiosa, obrigada mesmo! Aos professores do Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da UFMA, em especial prof. Horácio Antunes que, como coordenador do Programa, sempre se colocou à disposição nas resoluções de questões burocráticas durante minhas atividades de pesquisa. Prof. Biné pelos comentários e sugestões nas aulas de métodos e na banca de qualificação. E o prof. Carlão, meu pai acadêmico, pelo estímulo de sempre. À profª. Arleth Borges, que tem acompanhado meu desempenho desde a graduação, agradeço pelas valiosas considerações na banca de qualificação e por ter aceitado compor a banca de defesa dessa dissertação. À profª. Ilse Gomes, do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA, minha mãe na academia, pelo incentivo e pelas muitas razões que ela bem sabe. À profª. Karina Kuschnir, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, pela atenção dedicada nas respostas dos e-mails que enviava desde o início de minha pesquisa. 6 Pela oportunidade que me concedeu em participar das atividades do Laboratório de Antropologia Urbana e discutir parte desse trabalho com suas orientandas, para mim foi um momento de trocas enriquecedoras, um verdadeiro aprendizado. Agradeço também por ter aceitado o convite em participar da banca. Aos meus colegas de mestrado, nunca me esqueci do bolo partilhado em meu aniversário no primeiro dia de aula, pelo convívio diário nos estudos, pelos desabafos nas preparações dos artigos e dissertação. Muito especialmente a Lenir e Antônio Marcos, presentes em minha vida desde a graduação, na verdade, qualquer palavra mencionada aqui em relação a essa amizade ficaria muito aquém do justo. E Elthon Aragão, pelos empréstimos de livros, pelos muitos diálogos sobre a pesquisa. À Maria Tereza, por facilitar o acesso e participar de entrevista com uma deputada. Aos funcionários da Assembléia Legislativa com que pude contar no acesso às informações durante meu trabalho de campo, agradeço Srª. Iracema, chefe do setor de cadastro parlamentar, Srª. Rosália, bibliotecária e o Sr. Braulio Martins, secretário-geral da Mesa Diretora. Agradeço também todas as deputadas que concederam entrevista. Agradeço a Srª. Sara Aguiar do Departamento de Estatísticas do TRE-MA Ao Sr. Cesário e Srª. Léa Dias, por abrirem as portas de sua casa e me hospedarem, durante os dias em que estive pesquisando no município de Lago da Pedra. À turma dos alunos de graduação do Curso de Ciências Sociais em que tive a oportunidade de realizar meu estágio docência, pelas discussões e trocas em sala de aula sobre métodos e etapas dessa pesquisa. Em especial João Gilberto, Vinícius, Franklin, Romário, Anderson, Adriana, Clícia, Rafael Dantas e Reinaldo. À Natália e Thiago Lima, pela força e incentivo. À Capes\Cnpq , pela bolsa concedida. Aos meus familiares que torceram e me apoiaram. Meus pais, Miro e Adelina, pelas palavras de esperança sempre mencionadas. E ao Flávio, que por vezes deve ter detestado este trabalho, pois ele sacrificou muitos momentos que poderíamos ter desfrutado juntos. Obrigada pela seleção e padronização das imagens e pela editoração gráfica da capa desta dissertação. Suas cobranças acabaram servindo de estímulo para que eu concluísse, sem demora, mais esta etapa da vida que vamos construindo juntos. Nêgo te amo! 7 Há muito mais a quem agradecer... a todos que, embora não nomeados, contribuíram de alguma forma na construção desse texto, o meu reconhecido e carinhoso muito obrigada! 8 RESUMO Esta dissertação analisa a dinâmica de constituição das diferentes estruturas e volumes de capitais das mulheres maranhenses na política, pelo levantamento de informações sobre as origens sociais e carreiras políticas das deputadas federais/estaduais eleitas no Maranhão entre 1982 a 2006. Busquei identificar variáveis sociais que me permitissem perceber quais os recursos acumulados por essas mulheres ao longo do processo de especialização política, como foi desenvolvido o ‗trabalho político‘ na busca pelo reconhecimento dos profanos. Procurei ainda destacar por meio dos relatos das deputadas quais são suas representações sobre fazer ‗política‘ e suas concepções sobre a questão de ‗gênero‘ na política. Por último, numa perspectiva mais antropológica, faço uma análise do ‗gênero‘ como afirmação de uma identidade estratégica, assim como o acionamento de outros recursos nas lutas eleitorais por uma mulher maranhense em campanha. Considerei o significado das adesões eleitorais de alguns agentes entrevistados na campanha municipal de 2008 no município de Lago da PedraMA. Palavras-chave: Profissionalização política. Trajetórias. Gênero. Recursos eleitorais. 9 RÉSUMÉ Cette dissertation analyse la dynamique de constitution des différentes structures et les volumes de capitaux des femmes maranhenses dans la politique, à travers l'enquête d'informations sur les origines sociales, parcours et carrières politiques des députés fédéraux/de l'état élus dans le Maranhão entre 1982 à 2006. J'ai cherché identifier des variables sociales qui me permettaient de percevoir lequel les ressources accumulées par ces femmes au long du processus de spécialisation politique, comme celles-ci ont développé la ‗travail político‘dans la recherche par la reconnaissance des profanes. J'ai cherché encore à détacher à travers les histoires des députés lequel sont leurs représentations sur faire ‗política‘et leurs conceptions sur la question de ‗genre‘ dans la politique. Finalement, dans une perspective plus anthropologique, je fais une analyse de genre mange affirmation d'une identité stratégique, ainsi que la commande d'autres ressources dans les luttes électorales pour une femme maranhense en campagne. J'ai considere la signification des adhésions électorales de quelques agents interviewées en la campagne municipale de 2008 dans la ville de Lago da Pedra-MA Mots-clés: Professionnalisation politique. Trajectoires. Genre. Ressources électoraux. 10 LISTA DE SIGLAS AL- Assembléia Legislativa ARENA- Aliança Renovadora Nacional BEM- Banco do Estado do Maranhão CEMAR- Companhia Energética do Maranhão CFEMEA- Centro Feminista de Estudos e Assessoria DEM- Democratas IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPU- Inter-Parliamentary Union ONU- Organização das Nações Unidas PDC- Partido Democrata Cristão PDS- Partido Democrático Social PFL- Partido da Frente Liberal PT- Partido dos Trabalhadores PTN- Partido Trabalhista Nacional PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira PC do B- Partido Comunista do Brasil PMDB- Partido do Movimento Democrático Brasileiro PL- Partido Liberal PDT- Partido Democrático Trabalhista PSOL- Partido Socialismo e Liberdade PP- Partido Progressista PR- Partido da República TRE- Tribunal Regional Eleitoral TSE- Tribunal Superior Eleitoral UDN- União Democrática Nacional UFMA- Universidade Federal do Maranhão 11 LISTA DE QUADROS Quadro1- Representação parlamentar de mulheres no Brasil e no cenário internacional ................................................................................................................................................. 34 Quadro2- Representação feminina no parlamento conforme as regiões do mundo- 2006 ................................................................................................................................................ 34 Quadro 3- Os 20 países onde as mulheres representam pelo menos 30% na Câmara Única ou Baixa do Parlamento- ano 2005 ............................................................................................ 38 Quadro 4- Países que têm uma mulher como Chefe de Estado ou de Governo-2006 .................................................................................................................................................. 39 Quadro 5- Mulheres eleitas deputadas federais no Maranhão (1982-2006)......................... 56 Quadro 6- Quadro sinótico dos percursos das deputadas federais no Maranhão (1982-2006) ............................................................................................................................................... 58 Quadro 7- Cargo eletivo anterior das deputadas federais no Brasil ...................................... 60 Quadro 8- Participação das deputadas federais maranhenses nas comissões......................... 66 Quadro 9- Participação das deputadas federais nas comissões (2003 a 2006)....................... 69 Quadro 10- Mulheres eleitas deputadas estaduais no Maranhão (1982-2006)....................... 88 Quadro 11- Quadro sinótico dos percursos das deputadas estaduais no Maranhão (19822006) ...................................................................................................................................... 90 Quadro 12- Idade de ingresso no primeiro cargo eletivo entre as deputadas estaduais no Maranhão ..............................................................................................................................102 Quadro 13- Deputadas estaduais eleitas no Maranhão com mais de um mandato (1982-2006) ...............................................................................................................................................104 Quadro 14- Participação das deputadas estaduais nas comissões........................................ 106 12 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1- Fotos da atuação profissional de Cleide Coutinho no município de Caxias... 97 Ilustração 2- Edson Vidigal e Alexandre Costa visitando o Hospital administrado pelos Coutinho ................................................................................................................................. 99 Ilustração 3- Material de campanha de Cleide Coutinho pra deputada estadual em 2006. ................................................................................................................................................ 100 Ilustração 4- Capa do cd do relatório de atividades de Helena Heluy- 2007....................... 101 Ilustração 5- Escritório da Família Jorge de Atendimento aos moradores de Lago da Pedra ............................................................................................................................................... 115 Ilustração 6- Entrada do Sistema de Comunicação Waldir Jorge....................................... 116 Ilustração 7- Atendimento aos eleitores na residência da família Jorge em Lago da Pedra ................................................................................................................................................ 116 Ilustração 8- Foto do Waldir Filho no restaurante da apoiadora de campanha................... 145 Ilustração 9- Maura Jorge no centro de sua equipe de campanha recebendo algumas orientações............................................................................................................................. 148 Ilustração 10- Candidato a vereador Marcão e Maura Jorge visitando uma moradora do Cajueiro ................................................................................................................................ 149 Ilustração 11- Mudança de cartaz na fachada de uma residência do Cajueiro .................... 149 Ilustração 12- Maura Jorge e pequeno comerciante no Cajueiro ........................................ 151 Ilustração 13- Porta- retrato na casa de uma eleitora (de saia azul) com mãe da Maura Jorge...................................................................................................................................... 151 Ilustração 14- Manifestantes chegando no ― Alto do Waldir‖.............................................. 153 Ilustração 15- Eleitores subindo no trio elétrico .............................................................. 153 Ilustração 16- Inicio do trajeto pelas ruas de Lago da Pedra ............................................ 154 13 Ilustração 17- Candidata Maura Jorge no jantar discursando para os agentes de saúde ............................................................................................................................................... 161 Ilustração 18- organização do palanque para o culto em comemoração a vitória de Maura Jorge ...................................................................................................................................... 165 Ilustração 19- O símbolo da pomba no culto em ações de graça de Maura Jorge............ 165 14 SUMÁRIO 1-INTRODUÇÃO - RETOQUES SUCESSIVOS: caminhos na construção de um objeto..................................................................................................................................... 16 1.1 A Política como Atividade Profissional: aprendizagem de um saber específico e demarcação em relação aos profanos................................................................................... 22 1.2 Trabalho de campo.......................................................................................................... 26 Capítulo 2- A CONQUISTA DOS DIREITOS DE CIDADANIA E MULHERES NA POLÍTICA: um breve retrospecto e algumas comparações.............................................. 29 2.1 Cidadania.......................................................................................................................... 29 2.2Mulheres no Parlamento: direito de votar e serem votadas .................................................................................................................................................. 31 2.3 Mulheres na Arena Política Brasileira.......................................................................... 39 2.4 Política de Cotas para Mulheres..................................................................................... 42 Capítulo 3- TRAJETÓRIAS DAS DEPUTADAS FEDERAIS E ESTADUAIS NO MARANHÃO: recursos sociais e mecanismos de legitimidade política..........................47 3.1 O Maranhão pós- década de 80: alguns marcos políticos........................................... 47 3.2 Gênero e Profissionalização política no Maranhão.................................................... 53 3.3 Deputadas Federais Maranhenses: percursos e comparações................................... 55 3.4 O espaço de concorrência política a partir das representações dos agentes ............................................................................................................................................. 69 3.5 De ― companheira de militância‖ a deputada federal.................................................. 77 3.6 Deputadas Estaduais no Maranhão............................................................................. ..87 15 Capítulo 4 – MULHER MARANHENSE EM CAMPANHA ELEITORAL: de deputada a prefeita de Lago da Pedra................................................................................................ 110 4.1 Tornando-se herdeira política...................................................................................... 112 4.2 A campanha de 2006.................................................................................................... 122 4.3 Rumo à prefeitura de Lago da Pedra: a campanha de 2008 ................................... 130 4.3.1 Os cabos eleitorais: significados de adesões em Lago da Pedra............................... 133 4.3.2 A comerciante-vereadora.......................................................................................... 134 4.3.3 O presidente do SINPROESEMA............................................................................ 136 4.3.4 O bancário................................................................................................................ 138 4.3.5 O líder religioso católico........................................................................................... 147 4.3.6 A líder evangélica e dona de restaurante ................................................................. 141 4.4 Os atos de campanha em 2008 .................................................................................. 145 4.4.1 visitas, ‗poeirão‘ e o comício .................................................................................... 146 4.4.2 O jantar com agentes de saúde ................................................................................ 158 4.4.3 Comemorando o resultado: culto e forró na praça.................................................... 164 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 169 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 172 ANEXO.............................................................................................................................. 177 16 INTRODUÇÃO 1- RETOQUES SUCESSIVOS: caminhos na construção de um objeto. (...)diante do mistério do real, a alma não pode, por decreto, tornar-se ingênua. É impossível anular, de um só golpe, todos os conhecimentos habituais. Diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber. (BACHELARD, 1996:.18, grifos meus). Escolhi iniciar esse texto com Bachelard (1996) porque considero imprescindível fazer referência à noção de obstáculo epistemológico, para refletir sobre meus percursos e deslocamentos nessa tarefa singularmente complexa de se fazer pesquisa em Ciências Sociais. Enquanto nas ciências físicas e naturais os objetos não falam e pode-se identificar de forma clara uma fronteira entre pesquisador e objeto, nas ciências sociais estes se confundem, por serem ambos partes da sociedade. Como ressalta Louis Pinto (1998:13) “O sociólogo deve levar em consideração o fato de que faz parte do mundo social que pretende descrever e compreender”. É imperioso, para mim, considerar que, no escopo de uma investigação em Ciências Sociais, existem desafios que impõem ao pesquisador a necessidade de ultrapassar os pré-construídos. É aqui que retomo a noção de obstáculo epistemológico de Bachelard (1996), cuja opinião aparece como obstáculo a ser superado pelo pesquisador. Segundo Bachelard (1996), o pesquisador, ao olhar seu objeto de estudo, pode incorrer no perigo de se deixar levar pelas primeiras impressões. Nas palavras do autor: A opinião pensa mal; não pensa, traduz necessidades em conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade, ela se impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser superado. (BACHELARD, 1996:18) Bourdieu (1999) também adverte sobre as pré-noções como obstáculo epistemológico na atividade de pesquisa em Ciências Sociais. Bourdieu (1999) propõe a vigilância epistemológica. 17 A vigilância epistemológica impõe-se, particularmente, no caso das ciências do homem nas quais a separação entre a opinião comum e o discurso científico é mais imprecisa do que alhures [...] a familiaridade do universo social constitui, para o sociólogo, o obstáculo epistemológico por excelência [...] O sociólogo nunca conseguirá acabar com a sociologia espontânea e deve se impor uma polêmica incessante contra as evidências ofuscantes que proporcionam, sem grandes esforços, a ilusão do saber imediato e de sua riqueza insuperável. (BOURDIEU, 1999:23). Remi Lenoir (1996) aponta com precisão a dificuldade da tarefa de afastamento das pré-noções, por estas se tornarem banais e evidentes. Destaca Lenoir (1996): A primeira dificuldade encontrada pelo sociólogo deve-se ao fato de estar diante das representações preestabelecidas de seu objeto de estudo que induzem a maneira de apreendê-lo e, por isso mesmo, defini-lo e concebê-lo (...). Entre essas representações, a que aparece sob a forma de um ― problema social‖ constitui, talvez, um dos obstáculos mais difíceis de ser superado. (LENOIR, 1996:61-62) Foi seguindo as diretrizes apontadas por esses autores, que tentei fazer, antes de tudo, um exercício de elaborar perguntas, construir dúvidas sobre a participação das mulheres na política maranhense. Busquei me afastar da tendência de incorporar esquemas de pensamentos habituais. Não queria fazer uma pesquisa apologética sobre a necessidade de uma maior participação das mulheres no parlamento, tornada óbvia por argumentos de ordem numérica. Apesar da preocupação em trazer reflexões sobre a baixa participação feminina na elite política, tive o cuidado de não assumir o papel de pesquisador porta-voz. Objetivei aprofundar a compreensão sobre as relações entre gênero e política no Maranhão, iniciada desde a graduação1, tentando não ficar presa, de maneira doutrinária, a axiomas preestabelecidos ou a uma ideologia ― feminista‖. Além da experiência de pesquisa na graduação e do anseio por um estudo não engajado nas questões ― feministas‖, a exposição de um terceiro fator que me levou a iniciar essa investigação talvez possa esclarecer ao leitor os caminhos que ela veio a tomar. Um mês após minha defesa de monografia, tive a oportunidade de participar do minicurso Análise das Elites Políticas2, e dentre os referenciais de análise que tive acesso me chamou atenção os estudos Desenvolvi, como bolsista de iniciação científica, uma pesquisa que buscava identificar em que medida a condição feminina foi acionada enquanto estratégia discursiva para o fortalecimento da legitimidade de Roseana Sarney no Maranhão. Resultando em meu trabalho monográfico: Delmiro (2006). 1 18 sobre especialização política, trajetórias, lideranças e redes, me motivando a participar das reuniões do grupo de estudo sobre elites políticas. Foi por meio dessas reuniões que tive a oportunidade de aprofundar as leituras dos novos autores3 que me foram apresentados no referido minicurso, estas me auxiliaram na construção do eixo estruturante dessa pesquisa, escolhi fazer um estudo sobre profissionalização política no Maranhão sob um recorte de gênero. Assim, saltando-se de uma evidência sobre a importância da participação das mulheres na política, devido a estas terem uma presença ainda pouco expressiva nesse espaço, pergunto: diante das dificuldades que as mulheres enfrentam para adentrar no parlamento as que conseguiram ser eleitas na política maranhense utilizaram quais trunfos para obter êxito? Eis, portanto, o que me interessava identificar, as estratégias de reconversão4 de bases sociais (parentesco, títulos, exercício profissional, liderança prévia, cargos públicos) em bases eleitorais. Então mais do que refletir sobre os motivos da supremacia masculina no âmbito parlamentar, o eixo de minha análise centra-se principalmente na tentativa de contribuir para o entendimento da dinâmica da profissionalização política no Maranhão. As limitações inerentes a uma pesquisa de mestrado impunham um recorte. Delimitei o estudo sobre as diferentes trajetórias das mulheres na política maranhense apenas ao cargo de deputada federal e estadual. Todavia, havia, ainda, uma necessidade de um recorte temporal, decidi, então, delimitar o estudo a partir da década de 1980 - período em que o Brasil começa a passar pelo processo de redemocratização – até as deputadas que foram eleitas em 2006. Analiso as variações na composição da ― elite política‖ ao longo do tempo, buscando comparar a mobilização de recursos sociais entre mulheres eleitas em diferentes momentos no Maranhão. Fez parte da programação dos 20 anos do curso de Ciências Sociais na UFMA. O professor Igor Grill apresentou as diferentes concepções de autores ― clássicos‖ da teoria das elites (Mosca (1939); Pareto (1935); Michels (1958); Mills (1981); Dahl (1964); Schumpeter (1961) e propostas metodológicas de se trabalhar com o tema, na perspectiva de autores mais contemporâneos (Grynspan (1990); Bourdieu (1989), dentre outros). 2 Na graduação ainda não havia tido contato com autores que deram ênfase em seus estudos tanto à especialização política, tais como Offerlé (1996, 1999), Phelippeau (2001) e Lagroye (1994), como os autores que privilegiaram uma abordagem mais antropológica da política, tais como Mayer (1987), Landé (1977), Kuschnir (2000), Bezerra (1999), dentre outros. 3 4 Bourdieu (1979:146) refere-se às reconversões como: ― deslocamentos transversais, que supõe a passagem a um outro campo, através da reconversão de uma espécie de capital numa outra ou numa subespécie de capital econômico ou capital cultural em uma outra (...), portanto uma transformação da estrutura patrimonial que é a condição de salvaguardar o volume global do capital e da manutenção da posição na dimensão vertical do espaço social‖. (Apud: Grill: 1999:10) 19 Para por em marcha tal empreendimento, tive que buscar ultrapassar as amarras das auto-evidenciais, sendo necessário o uso de algumas noções, esquemas analíticos, que me ajudassem a pensar os problemas colocados, categorias que me auxiliassem na construção de meu objeto. Era importante um estudo de trajetória5 (Bourdieu 1996, Grynspan 1990, Miceli 2001, Offerlé 1996) até para se evitar trabalhar com o conceito de mulher como um grupo homogêneo. O exame de trajetórias individuais permite avaliar estratégias e ações de atores em diferentes situações e posições sociais, seus movimentos, seus recursos, as formas como os utilizam ou procuram maximizá-los, suas redes de relações, como se estruturam, como as acionam, nelas se locomovem ou as abandonam. Ao mesmo tempo, centrando o foco em atores, pode-se refletir sobre padrões e mecanismos sociais mais amplos. (Grynzpan, 1990:74). Utilizei ainda a noção de trajetória de Bourdieu (1996) que considera que esta ― é uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente – ou mesmo grupo -em um espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes‖, sendo assim possível deslocar-se do sujeito e situar acontecimentos biográficos em alocações e deslocamentos no espaço social. Associada à noção de trajetória de Bourdieu (1996) busquei, construir uma prosopografia com o grupo dessas 26 deputadas (22 estaduais, 4 federais). Esse método reúne dados biográficos de um grupo de atores históricos que têm algo em comum, seja uma função, uma atividade, ou ainda uma posição social. Considerando as diretrizes de Miceli (2001), ‗tais inferências devem ser lastreadas em evidências empíricas que abranjam uma quantidade representativa de casos cujas características sociais, escolares, profissionais, etc. possibilitam a reconstrução de uma trajetória para os fins de análise sociológica ou política‘. Sobre o método prosopográfico, Charle (2006) aponta que este é, e vem sendo adotado principalmente por historiadores, como uma espécie de biografia coletiva. Seu princípio é ― definir uma população a partir de um ou vários critérios e estabelecer, a partir dela, um questionário biográfico, cujos diferentes critérios e variáveis servirão à descrição de sua dinâmica social (...) segundo a população e o questionário em análise‖ (Charle, 2006:41). A prosopografia comparada permite relativizar as correlações que parecem óbvias, o autor exemplifica tal questão, com seu estudo sobre o espaço universitário, por meio de biografias coletivas dos professores da Universidade de Berlim e de seus pares da Sorbonne na passagem do século XIX para o século XX. Por meio de aplicação do método prosopográfico, 5 No decorrer do trabalho o itálico será usado como marcador de categorias teóricas, assim como na reprodução dos trechos das entrevistas. E o emprego das aspas duplas para categorias nativas. 20 Charle (2006) contradiz a ideia preconcebida de que a expansão do ensino superior se traduz em certa abertura social do recrutamento dos professores universitários. Na França, há uma continuidade entre ensino secundário e superior que permite o ingresso de novos agentes ao topo da hierarquia universitária ou um sistema de bolsas no ensino superior durante o período de acumulação de títulos universitários. Na Alemanha, diferentemente, observa-se uma ausência dessas duas ajudas, explicando por que o recrutamento social dos professores alemães permanece elitista. O uso de diferentes fontes (tais como pesquisas em arquivos, entrevistas, dicionários cpdoc6) associado a determinadas variáveis (primeiro cargo eletivo, idade de ocupação do primeiro cargo eletivo, número de mandatos, ocupação de cargos públicos e laços de parentesco com ascendente político), organizei quadros sinóticos que me permitiram uma melhor comparação entre os diferentes casos estudados, seus percursos e posições ocupadas nas dinâmicas sociais no Maranhão. Tais dados viabilizaram uma compreensão do processo de profissionalização política das deputadas, aproximando a experiência individual e diversidades das trajetórias sociais. Tal método ajuda a enfocar nos condicionantes sociais e políticos de constituição do grupo em questão. Qual o itinerário, as posições ocupadas por essas mulheres que conseguiram ‗entrar na política‘? Offerlé (1996), quando fala em ‗entradas na política 7‘ destaca a importância do estudo de trajetórias para entender a maneira como os novos ingressantes adaptam suas propriedades aos condicionantes estruturais da profissão política. As deputadas maranhenses possuem experiências variadas de constituição de capitais8, construídos com base em distintas 6 Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. 7 Entrées en politique au pluriel, puisqu‘il será question ici tout autar d‘étudier des trajectoires individuelles que des trajectoires collective (nouveaux entrants) et de percevoir de quelle manière les nouveaux entrant doivent adapter leurs propriétés aux contraintes structurelles du métier et de la profession politiques tendanciellement delimites sans être fermés ou codifiés; de quelle façon les entrants créent et recréent par leur concurrence (entre eux et avec leurs prédécesseurs) les conditions de possibilite de leur réussite politique. (Offerlé, 1996:3) 8 Além do econômico, que compreende a riqueza material, o dinheiro, as ações etc. (bens, patrimônios, trabalho), Bourdieu considera: o capital cultural, que compreende o conhecimento, as habilidades, as informações etc., correspondente ao conjunto de qualificações intelectuais produzidas e transmitidas pela família, e pelas instituições escolares, sob três formas: o estado incorporado, como disposição durável do corpo (por exemplo, a forma de se apresentar em público); o estado objetivo, como a posse de bens culturais (por exemplo, a posse de obras de arte); estado institucionalizado, sancionado pelas instituições, como os títulos acadêmicos; o capital social, correspondente ao conjunto de acessos sociais, que compreende o relacionamento e a rede de contatos; o capital simbólico, correspondente ao conjunto de rituais de reconhecimento social, e que compreende o prestígio, a honra etc. 21 trajetórias. Questionei, de início, quem são essas mulheres? Quais suas origens sociais? Tais deputadas tiveram atuação em movimentos estudantis, sindicatos ou partidos políticos antes de se elegerem? Quais são suas concepções e definições a respeito da política? O fato de ser mulher foi privilegiado como elemento fortalecedor da legitimidade política durante as campanhas? As relações de parentesco dessas mulheres influenciaram nas decisões nas urnas? O que pensam sobre o feminismo e os direitos das mulheres? Que ‗qualidades pessoais‘ ou de ‗liderança‘, buscaram utilizar para legitimar a condição de candidata? Tentei compreender as estratégias de reconversão de diferentes recursos sociais em bases eleitorais. Cabe aqui ressaltar que, quando falo em estratégias, não estou afirmando que essas mulheres fizeram ao longo de suas vidas, foi todo um trabalho conscientemente planejado voltado para a arena eleitoral, como um processo mecânico. Adoto a noção de estratégia associada ao conceito de habitus9 de Bourdieu (1990, 1994) que considera estratégia como conhecimento incorporado pelos agentes ao longo de suas vidas. Estas estratégias seriam o produto do senso prático como o sentido do jogo 10, de um jogo social particular, historicamente definido, que se adquire desde a infância, à medida que se participa das atividades sociais. Os indivíduos não constroem estratégias livremente como desejam, mas, sobretudo como podem frente às condições cotidianas de sobrevivência, sejam estas da dimensão sociocultural, econômica ou política. Coradini (2001) também ajuda ultrapassar a visão automática do uso de recursos quando fala sobre a legitimação de características sociais tidas como eleitoralmente pertinentes: (...) na relação entre qualquer característica ou recurso social de origem e ascensão, seja na esfera política ou em outra qualquer, a reconversão nunca é direta. Isso porque essa reconversão sempre depende de diferentes lógicas sociais, vinculadas a esferas diferentes, o que faz com que, inclusive, os ‗interesses‘ e o valor associado a determinadas características possam adquirir significados contrários‖. (CORADINI, 2001:9. Grifos meus). Apresentarei agora outras categorias que estão relacionadas a esta análise, como as noções de especialização política, métier político, redes, facções. O habitus, vem a ser um sistema de disposições que as pessoas obtêm via socialização, e que se traduzem em valores, comportamentos – interiorizados e exteriorizados de diferentes formas. A educação elementar tende a inculcar maneiras de postar todo o corpo, como a nadar, olhar, falar, sorrir. 9 10 O bom jogador [...] faz a todo instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige. Isso supõe uma invenção permanente, indispensável para se adaptar às situações indefinidamente variadas, nunca perfeitamente idênticas‖. (Bourdieu, 1990, p.81). 22 1.1 - A Política como Atividade Profissional: aprendizagem de um saber específico e demarcação em relação aos profanos. Quanto à discussão da política como atividade profissional, utilizo as idéias da sociologia weberiana, que a partir da distinção entre o ― viver para a política‖ e o ― viver da política‖ reflete sobre meios que dispõem os indivíduos para atuarem politicamente. Weber (2002) apoiando-se sobre critérios econômicos diferencia o modelo dos notáveis parlamentares e aquele que passa a predominar com as empresas políticas modernas. Nas palavras do autor: Há duas formas de exercer política. Pode-se viver ― para‖ a política ou pode-se viver ― da‖ política. (...) Quem vive ― para‖ a política a transforma no sentido mais profundo do termo em ― objetivo de sua vida‖, seja porque encontra forma de gozo na simples posse do poder, seja porque o exercício dessa atividade lhe permite achar equilíbrio interno e exprimir valor pessoal, colocando-se a serviço de uma ― causa‖ que dá significação à sua vida. (...) assenta-se nossa distinção num aspecto extremamente importante da condição do homem político que é o aspecto econômico. Do que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que ― vive da política‖ e diremos no caso contrario que ― vive para a política‖ (WEBER, 2002:68, grifos meus). A abordagem seguida nessa pesquisa inspira-se ainda no estudo da ― gênese da profissão política‖ na França, realizado por Phélippeau (2001). O autor ultrapassando o enfoque econômico weberiano sobre a atividade política ressalta em suas análises aspectos ligados às origens sociais, aos códigos de conduta, às representações, às habilidades adquiridas pelos indivíduos nas lutas eletivas. Phélippeau (2001) mostra como a formação da profissão política, na França, se apresenta inicialmente no regime censitário, momento em que ocorriam as rivalidades nos meios aristocráticos, cujos membros lutavam pela afirmação de seu prestígio social. Com o passar dos anos, ocorre o abandono do regime censitário, o que favorecerá gradualmente um recrutamento social mais diversificado. Esses indivíduos que não eram dotados de trunfos econômicos comparáveis aos dos notáveis vão se apoiar em recursos de outro tipo em busca de sucesso na conquista por cargos eletivos. Alguns dos quais conseguem um mandato de deputado depois de terem trabalhado muitos anos numa Assembléia Municipal, terreno onde adquiriram capacidades administrativas e aprenderam truques e as receitas que serviram para ganhar votos. Destacou Phélippeau (2001) ao falar sobre a oposição entre os notáveis e os 23 empresários políticos profissionalizados, como dois estilos de atuação política na França do século XIX: (...) as transformações técnicas e morfológicas que afetam o processo de designação eletiva tornam possível a ingerência, nessas lutas, de adversários menos ricos, que entram verdadeiramente em campanha em nome de programas e de projetos e que se tornam gradualmente políticos de profissão. Pensar a emergência de uma profissão política implica, por conseguinte, indagar-se sobre o grau de incompatibilidade entre esses modos de se apresentar para se fazer eleger, que resultam do enfretamento dos oriundos de cada um desses grupos, que tudo opõem em sociedade (PHÉLIPPEAU, 2001:192). Somando-se a essas análises, adoto a perspectiva de Michel Offerlé (1996 1999). Este focaliza nos estudos das condições sociais dos agentes e o acesso à profissionalização política. Offerlé (1996) associa a ideia de predisposições sociais e historicamente constituídas e a concepção da política como atividade especializada, exemplificando com três recursos que podem ser usados no acesso a profissão política. Destaca Offerlé (1996): En combinant l‘idée de prédispositions socialemente et historiqument constituées à la réussite politique et l‘idée de la constitution d‘une activité sociale spécialisée et professionnalisée, on a pu ainsi réfléchir sur le long terme aux activités qui préparaient le mieux à la politique, dresser a la sociographie des elites politiques, signifier une rupture historique entre le notable dilettante et l‘homme politique profissionel, styliser trois filières d‘accès à la profession politique (carrière notabilière locale, trajectoire militante, accès direct au centre) ( 1996:3). Ainda sobre os estudos das características sociais do profissional político, Offerlé (1999), numa perspectiva processual, apontou em suas análises os usos políticos que podem ser feitos de determinadas competências profissionais. Ele questiona por que certas profissões em determinados períodos constituem ‗viveiros‘ de vocação política, por que algumas profissões predispõem mais ou preparam melhor para atividade política. Offerlé (1999) destaca a necessidade de se considerar no estudo da profissionalização política o background social dos agentes, demonstra que na relação existente entre os eleitores e os profissionais da política, eles são mediatizados por suas experiências sociais anteriores. No espaço de concorrência política, existe uma transação que envolve disposições de um lado e, de outro, propriedades sociais que vão aproximando os indivíduos. Grill (2003) em seu estudo sobre as bases da herança política no Rio Grande do Sul faz uso de noções que ajudam a pensar sobre as exigências para o exercício da profissão política, sobre a política como atividade profissional destaca Grill (2003): 24 (...) a profissionalização política incide em esforços para a permanência dos agentes no meio político, na aquisição de uma competência técnica particular viabilizada pelos anos consagrados à vida pública e na dedicação plena aos papéis políticos. Conseqüentemente, gera o afastamento do meio profissional de origem e a perda progressiva dos conhecimentos específicos relativos às antigas ocupações. (...) os longos anos consagrados à vida pública lhe fornecem uma espécie de direito moral à renovação dos mandatos (GRILL, 2003:160). Além de chamar atenção para a competência técnica como direito à renovação dos mandatos, com base nos autores acima referidos, Grill (2003) com base nos trabalhos de Offerlé (1996, 1999) estabelece alguns pontos em comum e algumas distinções entre a profissão política e as demais profissões, dentre as características comuns ele ressalta: demarcação em relação aos profanos, aprendizagem e aquisição de um saber específico, controle de entrada, monopólio de gestão da atividade, controle entre os pares. Em relação às particularidades da profissão política, o autor destaca: 1) não pode ser delimitada por critérios objetivos, pois seus limites são mais fluidos, intermitentes e passageiros (portanto objeto de lutas); 2) a lógica da profissionalização política se alimenta de uma denegação identitária por parte dos seus praticantes que, apesar de consagrarem todo tempo a esse métier, como um profissional, reivindicam o exercício sobre o modo da vocação, do serviço e da arte. Para além da discussão dos ― profissionais da política‖, sigo também a idéia da constituição da política como uma espécie de métier (Lagroye 1994) que compreende aprendizado e desempenho de um conjunto de habilidades, de gramáticas, de competências técnicas e repertórios próprios da política. Tais qualificações podem ser assimiladas nas mais diferentes redes de sociabilidade do político, a exemplo da família, partido, sindicato ou movimento estudantil. Tal noção me auxiliou na compreensão de que a lógica própria da competição política exige dos agentes o desempenho de papéis, que podem até ser contraditórios, sendo que estes não se resumem ao período eleitoral, o trabalho político é algo permanente. Vale ressaltar, ainda, que os estudos sobre a dinâmica da especialização política exigem tanto uma abordagem mais societal, privilegiando dados das origens sociais e do capital de notoriedade (Bourdieu 1998) nas carreiras políticas dos agentes como abordagens de enfoques mais institucionalistas, verificando o capital de investidura (Bourdieu 1998), o 25 longo período dedicado aos anos de mandatos e ocupação de cargos públicos pelos líderes políticos. No estudo sobre as dinâmicas no espaço político especializado, busquei enfocar ainda os aspectos menos formais da política, evidenciando as interações sociais pautadas por trocas e reciprocidade, em que a lógica de mobilização política não se dá predominantemente via grupos dotados de uniformidade. Considero que a força de mobilização dos empreendedores políticos, em geral, está relacionada ao controle de recursos e a habilidade de cultivar relações a partir de tais recursos. Para tal, utilizei alguns trabalhos sobre lideranças políticas focados na perspectiva da Antropologia da Política 11, tentei identificar as ― qualidades de liderança‖ atribuídas à deputada Maura Jorge, suas concepções sobre a atividade política e sua capacidade de administrar redes de relações na campanha em Lago da Pedra e como ela joga com vários papéis ao mesmo tempo. Para pensar as alianças políticas que têm como lógica de sustentação o princípio de reciprocidade, utilizo ainda a noção de rede. Para Landé (1977) é necessário que as redes sejam limitadas para efeito de estudos, embora estas já tenham sido caracterizadas como infinitas. Isso se torna possível por meio do detalhamento das alianças diádicas12 que podem ser entre pessoas de status iguais ou diferentes, assim pode-se limitar a rede a um tamanho manejável no tempo e espaço. A noção de rede política me auxiliou na busca por apreender as teias de relações maximizadas pelo ego focal- Maura Jorge- para um fim político específico: campanha municipal 2008 em Lago da Pedra. Mayer (1987) desenvolveu a noção de quase-grupos, para pensar a rede como uma estrutura limitada, este se caracteriza como um conjunto finito de interconexões que se origina de um ego. O ego em função de mobilizações políticas específicas, estrutura conjuntos de ação baseado em várias formas de elos, a interconexão pode está baseada em relações de patronagem, parentesco, partido, amizade, religiões, etc.). Mayer (1987), ao estudar as relações entre líderes e seguidores, se baseia ainda na noção de facções como unidades de conflito acionadas em ocasiões específicas. Para Mayer (1987:149) as facções são vagamente ordenadas, suas bases de arregimentação são estruturalmente diversas e tornam-se manifestas 11 Para um histórico desse campo de estudos ver Kuschnir (2007) Landé (1977) nas discussões que desenvolve sobre relações diádicas, as concebe como um acordo voluntário entre pessoas que se dispõem a trocar serviços e ajudas em tempo de necessidade. Estas podem ser de caráter vertical ou horizontal, isto é, entre pessoas de status diferentes ou iguais. 12 26 por meio de uma interconexão de autoridade pessoal entre líder e seguidor e se baseiam muito mais em transações do que em questões de princípios. A concepção de política, baseada no princípio de reciprocidade, está presente em muitas situações do cenário brasileiro, como mostram importantes estudos desenvolvidos em diferentes dimensões da hierarquia política, que destacaram reflexões sobre a política e as relações pessoais (lealdade, reciprocidade, favor, mediação) como Kuschnir (2000a, 2000b), Bezerra (1999), Palmeira e Heredia (1995), Palmeira (1992, 1996), Grill (1999, 2003), dentre outros. Foi a partir das noções e problemáticas apresentadas que comecei a construir meu objeto, não na pretensão de busca da verdade 13, nem na ilusão de que seja um trabalho linear, e sim num movimento de construção e reconstrução, lembrando o que Bourdieu (1998) coloca sobre a composição do objeto científico: (...) a construção do objeto- pelo menos na minha experiência de investigadornão é uma coisa que se produza de uma assentada, por uma espécie de acto teórico inaugural, e o programa de observações ou de análises por meio do qual a operação se efectua não é um plano que se desenhe antecipadamente, à maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correcções, de emendas. (BOURDIEU; 1998:26-27) 1.2 - Trabalho de campo Como indica Bourdieu sobre o sociólogo em relação ao espaço de lutas pelas classificações: ― o sociólogo não é mais o árbitro imparcial ou espectador divino, o único a dizer onde está a verdade (...) é aquele que se esforça por dizer a verdade das lutas que têm como objeto- entre outras coisas a verdade‖ (Bourdieu, 1988:14) 13 27 Cabe ressaltar que o presente estudo esta relacionado a dois projetos de pesquisa14 mais amplos, estes contribuíram para nortear alguns momentos em que se dividiu essa pesquisa. Na primeira fase, realizei a maior parte do trabalho na Assembléia Legislativa do Maranhão, tive contato com assessores, assisti a algumas sessões no plenário, conquistei, aos poucos, funcionários; realizei entrevistas com deputadas; tive acesso aos arquivos da biblioteca e do setor de cadastro parlamentar. Cabe destacar, ainda, a ajuda que obtive de um amigo de minha turma de mestrado, ao me apresentar ao secretário geral da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa, facilitou meu acesso às informações e trânsito nos diferentes espaços da AL. A investigação foi desenvolvida também por meio de um mapeamento a partir de repertórios biográficos da Câmara dos Deputados e biografias publicadas sobre as deputadas federais/estaduais que exerceram mandatos no Maranhão no período 1982-2006. Utilizei, também, alguns dados de fontes secundárias, dados do site do TSE, TRE, dentre outros. Busquei, portanto, nesse primeiro momento da pesquisa, sistematizar quadros mais amplos que me permitissem analisar dados sobre a origem social e os percursos das deputadas. Como já tinha feito uma abordagem mais quantitativa, sentia necessidade de observar, mais no cotidiano, as dinâmicas na vida de uma deputada. A princípio pensei em escolher uma deputada, dentre as da atual legislatura e observar sua atuação nas campanhas municipais em termos de apoio a um determinado candidato a prefeito. Havia situações de deputadas esposas apoiando candidatos a prefeito tanto em São Luís como no interior do estado do Maranhão, mas ocorreu que entre as sete deputadas que ocupam atualmente as cadeiras na AL-MA, uma lançou candidatura à prefeitura do município de Lago da Pedra-MA. Decidi então acompanhar não um trabalho de apoio, mas de candidata. Era a oportunidade de observar diretamente a mobilização de cadeias de líderes-seguidores, de estratégias de apresentação nas campanhas eleitorais, foi assim que o foco recaiu sobre a trajetória de Maura Jorge, resultando no último capítulo dessa dissertação. 14 Ambos coordenados pelo professor do PPGCS-UFMA Igor Grill, em momentos diferentes, o primeiro, As Bases da Especialização Política no Maranhão: origens sociais, carreiras e profissionalização entre deputados federais (1945-2006), foi desenvolvido de 2006 a 2007 e o segundo em 2008: Dinâmicas da “Política Local”: a constituição de espaços municipais de concorrência eleitoral no Maranhão. 28 Minha ida ao município e a inserção na rede de apoiadores da deputada foi facilitada por uma indicação de uma amiga, cuja mãe era vereadora no município de Lago da Pedra, prima da deputada Maura Jorge e uma das coordenadoras da campanha. Esta me apresentou a sua mãe que recebeu em sua casa, onde fiquei hospedada de 19 a 25 de julho de 2008. Período em que tive a oportunidade de conhecer a deputada Maura Jorge, entrevistá-la, participar das reuniões, organização e execução de 4 atos de campanha nas eleições municipais de Lago da Pedra- um jantar com a candidata e os agentes de saúde do município, visitas da candidata de casa em casa no bairro do Cajueiro, poeirão15 e um comício de abertura oficial da campanha16. Nessa parte do trabalho de campo, pude observar a dinâmica simbólica da política (Geertz, 1980), considerando elementos da cultura local e as redes de significado dos eleitores se atualizando publicamente. Nesse mesmo período, tive a oportunidade de ouvir relatos de alguns vereadores, eleitores e lideranças locais que apoiam a atual candidatura da Maura Jorge. Por meio de conversas informais, pude perceber as bases das alianças diádicas (Landé, 1977), como os diferentes apoiadores recorriam aos valores de lealdade e reciprocidade para justificar sua adesão à campanha. Dentre os diferentes motivos e justificativas de apoio, pude identificar alguns mencionando a gratidão devido a favores concedidos pela parlamentar em outras ocasiões; outros tinham expectativas de obter maiores benefícios e outros ainda destacavam qualidades pessoais da candidata como ― preparada‖, ― experiente‖, ― simples‖, ― candidata do povo‖, atributos que segundo os informantes não estavam presentes na candidata de oposição. Quanto aos métodos utilizados no decorrer da investigação, considero o que indica Bachelard (1996), que os métodos devem evoluir e se multiplicar conforme o objeto o exija, levando-se em conta a necessária vigilância e rigor, que devem ser atitudes constantes na atividade científica. O que este autor propõe é não confundir rigor científico com rigidez metodológica, que pode estancar a criatividade e imobilizar o pensamento. Por isso não elegi um método isolado na coleta de informações, e sim uma combinação de algumas técnicas, pesquisa em arquivos, entrevistas, prosopografia, observação direta, diário de campo. Para efeito de exposição, a dissertação ficou dividida em três partes. Na primeira parte, traço um breve retrospecto sobre a participação da mulher na política, trazendo algumas 15 Categoria nativa para designar uma espécie de carreata misturada com passeatas puxadas por um trio elétrico passando principalmente pelos bairros ― adversários‖ anunciando que o candidato está bem nas campanhas. Também chamado de arrastão. 16 A explicação dada pelos organizadores da campanha para data escolhida para abertura oficial, foi devido sexta- feira cair no calendário como dia 25, por se tratar do mesmo número da candidata filiada ao DEM. 29 comparações associadas aos cenários internacional, brasileiro e maranhense. Apresento ainda uma discussão sobre a Lei de Cotas para mulheres 9.100/95 e 9.504/97 e sua influência no incentivo às candidaturas femininas na America Latina e no Brasil. Na segunda parte, faço a sistematização e análise de alguns dados sobre a trajetória das deputadas federais e estaduais eleitas no Maranhão no período entre 1982 e 2006, destacando as variáveis sobre a origem social e carreira política, dedicando uma especial atenção ao caso da ex- deputada federal Terezinha Fernandes. E, finalmente, no último capítulo analisei a trajetória da deputada Maura Jorge e sua atuação no espaço de concorrência política, enfocando principalmente nas eleições municipais em Lago da Pedra. Capítulo 2 - A CONQUISTA DOS DIREITOS DE CIDADANIA E MULHERES NA POLÍTICA: um breve retrospecto e algumas comparações. 2.1- Cidadania As análises sobre mulheres na política devem levar em conta o lento processo de mudanças políticas no país, particularmente no campo dos direitos de cidadania, pressupondo que só há democracia de direito e de fato quando os direitos de cidadania são extensivos a todos os segmentos, sem discriminação territorial, socioeconômica, de raça e de gênero. Apontarei agora, algumas reflexões sobre o exercício da cidadania no Brasil com base em 30 Carvalho (2004), para depois apresentar alguns quadros comparativos sobre a representação parlamentar feminina. As concepções sobre cidadania são várias, mas há um relativo consenso em torno da proposta de Marshal (1967), que identificou três tipos básicos de direitos de cidadania: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Os direitos civis referem-se à conquista da liberdade pessoal, a liberdade de palavra, de pensamento e de fé, o direito à propriedade e a contrair contratos válidos, além do direito à justiça; os direitos políticos referem-se ao direito de voto e ao direito de acesso a cargos públicos; os direitos sociais vão do direito ao bem-estar econômico (trabalho, salário justo, aposentadoria), educação, saúde e a segurança. O cidadão completo seria aquele que fosse titular dos três direitos, sendo que o exercício de certos direitos não gera automaticamente o gozo de outros. Foi fundamentado nos estudos de Marshall (1967) sobre as conquistas dos direitos na Inglaterra, que Carvalho (2004) tratou sobre o avanço da cidadania no Brasil enquanto fenômeno histórico. Mostrando que no Brasil há algumas diferenças do modelo inglês. A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação aos outros. A segunda refere-se à alteração da lógica da sequência em que os direitos foram adquiridos, no Brasil, o social precedeu os outros, diferentemente da Inglaterra, onde Marshall (1967) mostra que os ingleses introduziram, primeiramente, os direitos civis no século XVIII. A pirâmide dos direitos foi invertida. Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, nos anos 30, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por Getúlio Vargas – o que explicaria, em parte, a origem do Estado clientelista no país. O autor verifica que a falta de liberdade política sempre foi compensada, pelo autoritarismo do Brasil pós-30, com o paternalismo social. Enquanto que na sequência inglesa destaca Carvalho: Na sequência inglesa havia uma lógica que reforçava a convicção democrática. As liberdades civis vieram, primeiro, garantidas por um Judiciário cada vez mais independente do Executivo. Com base no exercício das liberdades, expandiramse os direitos políticos consolidados pelos partidos e pelo Legislativo. Finalmente, pela ação dos partidos e do Congresso, votaram-se os direitos sociais, postos em prática pelo Executivo. A base de tudo eram as liberdades civis. (2004:220) Com tal observação, Carvalho (2004) não pretende mostrar que só há um caminho para a cidadania. Ele considera que houve diferentes percursos como o caso da França e da Alemanha. Mas o que o autor chama atenção é para o fato de que caminhos diferentes afetam o produto final, afetam o tipo de democracia que geram. Ressalta, como consequência do 31 caminho percorrido na aquisição dos direitos no Brasil, a excessiva valorização do Poder Executivo, já que Estado é visto, por muitos, como distribuidor paternalista de empregos e favores. E ligada a essa fascinação pelo Executivo estar em busca de lideranças carismáticas, de um messias político. O autor chama essa cultura orientada mais para o Estado do que para representação de ― estadania‖ em contraste com cidadania. Para exemplificar, a busca por soluções rápidas, por meio dos líderes carismáticos, cita três dos cinco presidentes eleitos pelo voto popular após 1945, Getúlio Vargas, Jânio Quadros e Fernando Collor, destacando que nenhum deles terminou o mandato, em boa parte por não se conformarem com as regras do governo representativo, sobretudo com o papel do Congresso. Após 1985, quando da queda do regime militar, os direitos civis estabelecidos antes dele, tais como a liberdade de expressão, de imprensa e de organização, foram recuperados. Ainda assim, muitos direitos responsáveis pela aquisição da cidadania no Brasil continuam inacessíveis à maioria da população. E na história da luta por esses direitos quero, agora, chamar atenção para o processo de participação política das mulheres. Por participação política das mulheres, entendo a participação das mulheres no parlamento, nas eleições, nos governos executivos e no poder judiciário, nos conselhos e conferências de políticas públicas e também todas as ações das mulheres realizadas em função da sua auto-organização como movimento social em suas diversas vertentes – partidário, urbano, sindical, popular, rural, urbano, acadêmico. Entretanto, nessa pesquisa, dou especial atenção à participação das mulheres no parlamento e nas eleições. 2.2 Mulheres no Parlamento: direito de votar e serem votadas Os Estados Unidos da América, em 1788, foi o primeiro país a assegurar à mulher o direito de ser eleita, mas o direito de voto só vai ser conquistado pelas mulheres americanas, em 1920. Passaram-se mais 105 anos para um segundo país, agora, a Nova Zelândia, em 1893, assegurar às mulheres o direito de votar. Mas, o direito de serem eleitas as mulheres da Nova Zelândia tiveram assegurado somente em 1918. A Austrália foi o país seguinte, em 32 1902, mas ainda com a imposição de restrições, que só vão ser retiradas em 1962 (MIGUEL, 2000). Após a Segunda Guerra Mundial, intensificam-se as conquistas das mulheres neste campo, com 95 países assegurando às mulheres os direitos de votar e serem votadas. Daí em diante, quase que ano a ano, novos países asseguram às mulheres esses direitos. Mas, somente em 1971 as mulheres suíças tiveram seus direitos de votar e serem votadas assegurados. E de forma mais tardia, no ano de 1976, Portugal eliminou toda e qualquer restrição ao direito das mulheres portuguesas de votar e serem votadas. Na América Latina, Chile – em 1931, Brasil – em 1932, e Bolívia – em 1938, foram os primeiros a assegurar, ainda que muitas vezes acompanhado de condições ou restrições, o direito às mulheres de votar e serem votadas. Na Argentina, este direito é conquistado em 1947. As mulheres paraguaias foram as que mais tardiamente conseguiram seu direito de voto na América Latina – somente em 1961. Como marcos históricos desse contexto que contribuíram para o crescimento da representação parlamentar podemos citar a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a exemplo do artigo 21.1: “todos têm o direito de participar no governo do seu país, diretamente ou através da livre escolha de seus representantes”. Apesar de as regras do Direito estarem longe de representar as regras de fato, pode-se observar esse aumento por intermédio de alguns dados. Segundo a União Interparlamentar (IPU), o número de países que contam com atividades parlamentares aumentou muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1945, havia 26 parlamentos, este número cresceu até atingir 187 parlamentos no ano de 2005. Paralelamente cresceu a participação feminina. As mulheres representavam apenas 3% dos deputados em 1945 nos diversos parlamentos em funcionamento no mundo, subindo para 7,5% em 1955 e para 10,9% em 1975. Entre 1995 e 2005 a representação parlamentar feminina no mundo cresceu de 11,6% para 16,2% (ver quadro1). Nesse período de 60 anos (1945-2005) pode-se destacar alguns acontecimentos com princípios que visavam à promoção da igualdade entre homens e mulheres: a Convenção dos Direitos Políticos da Mulher de 1952 e 1960, a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher em 1979, as Conferências Mundiais sobre a Mulher: México, 1975, Copenhague, 1980 e Nairóbi, 1985 e Beijing (Pequim) 1995. 33 A Convenção de 1952 teve como principal objetivo firmar o reconhecimento do direito das mulheres a fazerem parte de governos e serem livremente escolhidas para representação política. A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, propugnou a adoção de medidas legais de proteção dos direitos da mulher, refreando as práticas de discriminação que impedem a participação feminina nas instituições políticas e em todos os campos da autoridade pública. Em 1985, em Nairóbi, dentre as proposições havia uma seção intitulada “Igualdade na participação política e nos processos de decisão‖, no seu parágrafo 86 e seguintes, afirmaram a necessidade de intensificar esforços para assegurar a igualdade da participação da mulher nos corpos legislativos nacionais e locais. Um outro marco que mobilizou mulheres de todo mundo foi a IV Conferência Mundial sobre a Mulher ocorrida em Beijing em 1995, apesar de muitas diferenças entre as representações dos vários países- sob regimes econômicos, políticos, práticas religiosas, costumes os mais diversos, houve um significativo avanço rumo à conquista da igualdade das populações femininas. Conforme pode ser observado no quadro 1, a partir dos anos 90, ocorreu um aumento significativo na percentagem de mulheres no parlamento do Brasil, alcançando metade dos índices mundiais, isso pode ser atribuído, em parte, às discussões e aprovação posterior da Lei de Cotas.17 Quadro1- Representação parlamentar de mulheres no Brasil e no cenário internacional. 17 ANO NÚMERO DE PARLAMENTOS % DE MULHERES NOS PARLAMENTOS DO MUNDO % DE MULHERES NO PARLAMENTO DO BRASIL* 1945 26 3 0,0 1955 61 7,5 0,9 1965 94 8,1 0,5 1975 115 10,9 0,3 1985 136 12 1,7 Em maio de 1995, parlamentares do sexo feminino da América Latina reuniram- se em São Paulo para discutir a experiência argentina com cotas e as políticas de cotas no restante do mundo. Além disso, a plataforma de ações adotadas pelos governos, a partir da Conferência de Beijing, endossou o compromisso de assegurar acesso igualitário à participação das mulheres, tanto nas estruturas de poder quanto nos cargos de tomada de decisões. Os encontros regionais produziram idéias sobre cotas, e levaram as participantes a propor leis sobre o assunto nos seus próprios Parlamentos; por sua vez, a Plataforma de Beijing legitimou o uso da política de cotas em âmbito mundial. 34 1995 176 11,6 6,3 2005 187 16,2 8,3 Fonte: Women in Politics: 60 years in retrospect, 1945-2005.www.ipu.org *www.tse.gov.br A percentagem de representação feminina no parlamento varia muito conforme as regiões consideradas (quadro2). De acordo com dados da União Interparlamentar destacam-se os países Nórdicos que possuem uma representação média de gênero no parlamento de 40%. Em seguida, os conjuntos dos países das Américas e da Europa possuem uma representação próxima a 20%, ou seja, metade da representação dos Países Nórdicos. Em quarto e quinto lugar, os países da África Sub-Saara e da Ásia apresentam uma taxa de participação das mulheres no parlamento de 17,5% e 16,3%, respectivamente. Bem abaixo da média mundial, de 16,8%, aparecem os países árabes, que apesar das mulheres continuarem subrepresentadas, com 8,2%, a sua participação, duplicou nos últimos oitos anos, principalmente em países como Djibuti, Jordânia, Iraque, Marrocos e Tunísia. Também abaixo da média mundial aparece o Brasil com 8,6%. Os aumentos mais importantes registaram-se em África e na América Latina, onde o aumento médio nos últimos dez anos foi de cinco pontos percentuais. Quadro 2- Representação feminina no parlamento conforme as regiões do mundo- 2006 REGIÃO Países Nórdicos % 40 Américas 20,2 Europa 19,6 África Sub-Saara 17,5 Ásia 16,3 Países Árabes 8,2 Média Mundial 16,8 Brasil 8,6 Fonte: www.ipu.org Seria inviável nessa pesquisa tentar explicar os diversos motivos da pequena presença de mulheres na elite política e quais as causas dessas variações de representação feminina nas 35 regiões do mundo. Mas existem estudos sobre essa temática com perspectiva comparativa entre países. Cito o exemplo da pesquisa desenvolvida na França por Achin (2005) sobre os diferentes processos que contribuíram para entrada das mulheres no parlamento, a autora analisa os pontos comuns e divergentes na França e Alemanha entre 1945 a 2000, articulando numa perspectiva macro e micro as mudanças (políticas, institucionais, sociais, culturais, etc.) ocorridas nesses países e as diferentes trajetórias das deputadas na França e na Alemanha. Achin (2005) considera diferentes variáveis como a origem social, profissional e política, número de mandatos, regime matrimonial, idade de ocupação de cargos eletivos das deputadas, por meio destas faz uma comparação das características das diferentes trajetórias das deputadas francesas e alemãs. Primeiramente Achin (2005) considera a variável da nacionalidade para distinguir as características das deputadas, observando as peculiaridades de cada país no recorte temporal proposto. O eixo temporal é divido na França, primeiramente, entre os anos de 1945 a 1956. As mulheres eleitas deputadas nesse período são, em sua maioria, jovens (entram no parlamento antes dos 40 anos), exercem profissões ― menos qualificadas‖ (comerciantes, artesãs, agricultoras, operárias), grau de escolarização inferior ao bacharelado, tiveram carreiras militantes em partidos e sindicatos, a autora as chama de les résistantes. O outro recorte temporal se refere às deputadas francesas eleitas depois dos anos 80. A autora as distingue de acordo com sua filiação partidário e origens sociais. São as deputadas ― socialistas‖, que em sua maioria vivem em concubinato ou são divorciadas, participaram de militância em associações, dispõem de diplomas superiores na área de Licenciatura, a autora as chama de les énarques. E as deputadas dos partidos considerados de direita (gaullistes, libérales et d‟extrême droite). Estas, em sua maioria são casadas, exercem profissões ― mais qualificadas‖ (chefes de empresas e professions intellectuelles supérieures), entram no Parlamento com mais de 50 anos e exerceram anteriormente carreiras de assistência parlamentar, Achin (2005) as chama de députées de terrain. Na Alemanha, o eixo temporal é divido em as deputadas eleitas entre 1949 e final dos anos 60. As características sociais que predominam entre as deputadas nesse período são: mulheres viúvas, profissionalmente inativas, não possuem grau de escolarização superior, exerceram profissões mais modestas, são as deputadas do ‗pós-guerra‘, Achin (2005) as chama de anciennes démocrates. As deputadas eleitas na Alemanha depois dos anos 80, são mais jovens (entram no Parlamento com menos de 40 anos), são divorciadas ou vivem em concubinato, exercem profissões ‗mais qualificadas‘, o grupo não apresenta carreiras de 36 acesso singular, a autora as chama de députées alternatives. Entre deputadas eleitas entre o fim dos anos 60 na Alemanha e o fim dos anos 80, prevalecem mulheres com diplomas de curso superior em licenciatura, exercem profissões consideradas superiores, participaram de militância partidária ou de associação, são casadas ou solteiras e praticantes de crenças religiosas (católicas ou protestantes). Achin (2005) as chama de femmes de parti, em razão da estrutura de seu capital, sua carreira depende, em boa parte, da sua participação na organização partidária. Por meio das construções desses tipos o trabalho de Achin (2005) evidencia como a profissão política não se apóia sobre um equivalente universal e não pode ser delimitada mediante uma competência sem levar em conta, variações conjunturais e históricas. No Brasil, há o trabalho de Avelar (2001), que fez uma comparação mais apurada sobre os diferentes níveis de participação feminina entre alguns países latino-americanos e o conjunto de países nórdicos. Avelar (2001) destaca que uma das causas das diferenças da participação feminina entre esses dois blocos de países é a diferença entre os países que têm forte tradição participativa e aqueles que têm um Estado forte aliado ao poder local, como é o caso dos países latino-americanos. A autora propõe uma discussão se existe ou não uma correlação positiva entre níveis de qualidade de vida e a representação política feminina. Os nórdicos são os que têm mais alto IDH e entre os países latino-americanos, a Argentina se destaca no IDH e na representação feminina. Há uma infinidade de fatores que atuam na ascensão política das mulheres, mas ao que tudo indica, é necessário um mínimo de redistribuição social de renda para que seja incrementada a representação dos segmentos. Quando discute sobre a participação das mulheres na política nos países latinoamericanos, Avelar (2001) chama atenção para o fato de estes terem passado por regime político autoritário, porém com suas peculiaridades. Na Argentina, ainda sob repressão, as mulheres das famílias de mortos e desaparecidos no regime militar, aglutinaram-se em movimentos de protesto: Las Madres de La Plaza de Mayo, organização de protesto contra os militares, ocupando a praça quase diariamente, criaram uma rede de solidariedade. Mães, filhas, esposas, irmãs foram unidas por verem seus entes queridos desaparecidos, estas construíram e continuam construindo a base da representação política feminina naquele país. “Não é sem motivo que, no ranking da representação sul-americana, a Argentina é o país com mais alta taxa de presença de mulheres na política formal, uma extensão de sua organização na sociedade civil” (AVELAR, 2001:54). 37 O Chile, devido o regime autoritário, dividiu as famílias e as mulheres entre próPinochet e anti-Pinochet. As mulheres das famílias vítimas das mortes do regime também se uniram criando foco de solidariedade. O caso do México é distinto, um país de partido único por quase um século, nas últimas quatro décadas viu a emergência da organização das mulheres nos movimentos sociais, toleradas pelo regime autoritário do Partido Revolucionário Institucional- PRI. A grande dificuldade residia na construção de movimentos autônomos sem a interferência do Estado, porque a marca da intermediação clientelística nos programas sociais do governo neutralizava a construção de identidades políticas, fossem elas femininas ou não. Ou seja, um Estado forte e desmobilizador. Em relação às razões da baixa presença feminina na política, existem alguns estudos, tais como Avelar (2001), Araújo (1998), Miguel (2001) que apresentam algumas explicações. No geral são argumentos ligados às estruturas familiares, à vida pessoal, aos sistemas econômicos, às estruturas do Estado, aos tipos de regimes políticos e ao grau de tradicionalismo e religiosidade dos respectivos países. Outras dizem respeito às relações entre movimentos sociais e partidos políticos, cujo argumento central é o de que a participação e o ativismo local não resolvem o problema da exclusão política da mulher. Outras, ainda, sob enfoques institucionalistas, afirmam sobre a dificuldade de se conseguir dos partidos a adoção de desenhos institucionais que mudem os princípios de representação democrática. Entretanto apesar da representatividade feminina na política ainda ser baixa, alguns avanços já podem ser observados, como os países que conseguiram atingir e até mesmo ultrapassar o percentual mínimo fixado pela ONU (ver quadro3). O objetivo de 30% fixado pela ONU para a representação de mulheres nos parlamentos, definido para 1995, é considerado como a ― massa crítica‖ de mulheres necessária para que tenham uma influência considerável nos trabalhos do parlamento. Exemplos de países que já ultrapassaram esse percentual é Ruanda18 (48,8%) e Suécia (45,3%). Um marco, em relação ao aumento da participação de mulheres na vida política, foi a eleição para presidente no Chile de Michelle Bachelet, primeira mulher eleita na América do Sul. Michelle Bachelet criou o primeiro gabinete paritário, composto igualmente por homens 18 Ruanda pertence ao grupo de nações que atravessaram um período traumático, a exemplo do genocídio cometido em 1994 contra cerca de 800 mil pessoas, em sua maioria membros da etnia tutsi, por parte da minoria hutu. Nessa época, as mulheres de Ruanda tiveram de assumir responsabilidades que tradicionalmente não assumiam e que, terminado o conflito, não quiseram ceder. Mulheres de todo o mundo ajudaram as ruandesas a estabelecer um regime eleitoral que introduziu o sistema de cotas e uma sensibilidade de gênero a todo o processo. A política de Cotas para mulheres no Ruanda incide diretamente sobre o Parlamento, desde 2003, as mulheres ocupam 39 dos 80 assentos da Assembléia Nacional e 6 dos 20 lugares do Senado. (Dados fornecidos pelo secretário-geral da União Interpalamentar -UIP, Anders B. Johnsson, em www.ipu.org, acesso em 05/09/08) 38 e mulheres (10 ministros para cada um). No quadro 3 apresento a lista dos países que têm uma mulher como Chefe de Estado ou de Governo. Quadro 3- Os 20 países onde as mulheres representam pelo menos 30% na Câmara Única ou baixa do Parlamento 19- ano 2005. Ruanda 48,8% Moçambique 34,8% Suécia 45,3% Bélgica 34,7% Noruega 37,9% Áustria 33,9% Finlândia 37,5% Islândia 33,3% Dinamarca 36,9% África do Sul 32,8% Países Baixos 36,7% Nova Zelândia 32,2% Argentina 36,2% Alemanha 31,8% Cuba 36% Guiana 30,8% Espanha 36% Burundi 30,5% Costa Rica 35,1% Rep. Unida Tanzânia da 30,4% Fonte: site União Interparlamentar, www.ipu.org Quadro 4- Países que têm uma mulher como Chefe de Estado ou de Governo-2006 19 País Cargo Chile Presidente Finlândia Presidente Irlanda Presidente Letônia Presidente Libéria Presidente Nos países com parlamentos unicamerais a legislatura desenvolve sua prática política por apenas uma câmara (ou casa). No Bicameralismo a legislatura de um país é dividida em duas câmaras (ou casas), na maioria dos casos, os parlamentos bicamarais são divididos em "Câmara Baixa" (geralmente a Câmara dos Deputados ) e "Câmara Alta" (Senado). 39 Filipinas Presidente Bangladeche Primeira- Ministra Alemanha Chanceler Nova Zelândia Primeira- Ministra Moçambique Primeira- Ministra São Tomé e Príncipe Primeira- Ministra Fonte: www.ipu.org 2.3- Mulheres na Arena Política Brasileira O chamado movimento sufragista ganhou força no Brasil no início do século XX, culminando com a conquista do direito ao voto pelas mulheres, que se deu em 1932, constituindo um marco inicial na história da participação da mulher no parlamento, a despeito da obtenção desse direito de cidadania, poucas mulheres venceram as resistências e ousaram se candidatar aos cargos legislativos, sendo que uma percentagem ainda menor conseguiu fazer parte do time dos eleitos. Mas bem antes de 1932, já podem ser observados no Brasil alguns marcos importantes na luta pelo direito das mulheres. Muitas foram as mulheres que, anonimamente, desbravaram os primeiros caminhos para a emancipação feminina no Brasil. Uma trajetória, porém, ficou registrada: a da pioneira Dionísia Gonçalves Pinto, nascida em 1809, no sítio da família, em Papari, Rio Grande do Norte, cidade que hoje leva o pseudônimo de sua filha mais ilustre, Nísia Floresta. Segundo o Cfemea- Centro Feminista de Estudos e Assessoria- em 1831, já então ativista pelos direitos das mulheres, Dionísia Gonçalves Pinto publica uma série de artigos sobre a condição feminina em jornais de Recife, em Pernambuco, onde passara a residir. E em 1832, aos 22 anos, seu primeiro livro: Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, obra que defende o direito das mulheres à educação e ao trabalho. No âmbito da política, as primeiras manifestações, no Brasil, pelo direito de voto das mulheres, ocorreram em 1852, quando a jornalista Violante Bivas e Velascos fundou o primeiro jornal totalmente feito por mulheres, o Jornal da Senhora. Duas décadas depois, em 1873, a professora Francisca Senhorinha de Motta Diniz criou, na cidade de Campanha da Princesa, em Minas Gerais, o jornal feminista intitulado O Sexo Feminino, também inteiramente editado por mulheres. Esse periódico faria, em 1875, uma ampla defesa do voto 40 feminino. Em 1878, estreou em São Paulo a peça O voto feminista, de Josefina Álvares de Azevedo, que mais tarde provocaria grandes debates sobre o tema. No Brasil Império, apenas uma mulher exerceu o direito de votar: a Dra. Isabel de Matto Dellom, que apelou para a Lei Saraiva que dava aos detentores de títulos científicos o direito de voto. Ela chegou a se apresentar como candidata à Constituinte, embora soubesse que não tinha nenhuma possibilidade de vencer. Cesário Alvim, então Ministro do Interior, ao saber do caso da Dra. Isabel, ficou inconformado e baixou um decreto proibindo o voto feminino em qualquer circunstância. Na Constituinte Republicana de 1890, foi apresentada emenda concedendo direito de voto à mulher; a qual, contudo, foi rejeitada, sob o argumento de não existir um movimento feminino para acompanhar os debates. No primeiro dia do ano de 1891, mais de trinta constituintes assinaram uma emenda ao projeto de Constituição, de autoria de Saldanha Marinho, conferindo o direito de voto à mulher brasileira. A pressão dos que se opunham ao voto feminino foi mais forte e, na sessão de 27 de janeiro de 1891, o deputado Pedro Américo assim se manifestou: “A maioria do Congresso Constituinte, apesar da brilhante e vigorosa dialética exibida em prol da mulher-votante, não quis a responsabilidade de arrastar para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano”. Em 1894, foi promulgada a Constituição Política da cidade de Santos, estabelecendo, em seu art. 42, a ― capacidade política aos maiores de 21 anos e às mulheres, que exercessem profissão honesta, sabendo ler e escrever e residindo no município há mais de um ano, o direito de voto‖. Tal disposição, contudo, foi revogada pelo Congresso Legislativo de São Paulo. Dessa forma, as aspirações femininas ao direito ao voto nesse período foram fracassadas. Somente em 1917 a luta ganha novo impulso, quando Deolinda Dalto, uma professora que fundara o Partido Republicano Feminino 20, organiza e lidera uma passeata de mulheres no Rio de Janeiro, as chamadas ― sufraguetes‖, na qual reivindicavam o direito de votar. Um ano após, em 1918, Bertha Lutz propõe a criação de uma associação de mulheres, com o objetivo de intensificar a luta pelo direito ao voto. Em 1922, ela cria a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e mais tarde ocupa uma cadeira na Câmara Federal. A trajetória política das mulheres não foi uma luta completamente solitária. Contou também – é verdade que em pequena parcela – com a colaboração de alguns homens de visão 20 Foi fundado em 1910 41 considerada avançada para a época. Foi assim que, em 1928, o então Governador do Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, buscou introduzir na Constituição de seu Estado o direito de voto às mulheres e no ano seguinte, em 1929, elegeram a primeira prefeita da América do Sul: Alzira Soriano de Souza21, do município de Lages, no Rio Grande do Norte. O Presidente Getúlio Vargas, em 1932, ante a pressão feminina promulgou o Código Eleitoral22, no qual estava garantido às mulheres o direito de sufrágio. Conquistado este direito, as mulheres não perderam tempo, tanto assim que já no ano seguinte, em 1933, nas eleições convocadas pela Assembléia Constituinte, elegeram a primeira deputada federal, a paulista Carlota Pereira de Queiroz; Bertha Lutz foi eleita suplente. Segundo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, durante 60 anos, de 1932 até 1992, as mulheres brasileiras conseguiram obter no máximo 7% das cadeiras do legislativo municipal. Em 1994 as mulheres representavam 8% das Assembléia Legislativas do país e 6% da Câmara Federal, para reverter essa situação de desvantagem foram promulgadas as Leis 9.100/95 e 9.504/97 inaugurando a política de cotas, implantadas como medida para incentivar as candidaturas femininas e reduzir as desigualdades de gênero na esfera política. Desde então tem crescido o número de mulheres candidatas e eleitas. Farei uma discussão mais detalhada mais adiante sobre a questão das cotas, mas já adianto que no Brasil o crescimento tem ficado abaixo do esperado e do que aconteceu em outros países que adotaram algum tipo de política de cotas. Nas eleições municipais de 2004 a média nacional de candidaturas femininas para as Câmaras Municipais foi de 22% e a percentagem de vereadoras eleitas ficou em 12% (fonte: TSE). Quanto à Câmara Federal atualmente no Brasil, a presença de mulheres só é maior do que a do Haiti, da Guatemala e da Colômbia. Apesar do número de deputadas no Brasil ter crescido entre a legislatura passada e a atual, passando de 32 para 45, elas ainda ocupam menos de 10% das 513 cadeiras da Câmara. Outro item que evidencia a baixa participação de No entanto, esta não exerceu o mandato. A Comissão de Poderes do Senado impediu que a prefeita eleita tomasse posse e anulou os votos de todas as mulheres da cidade. O Rio Grande do Norte foi o único Estado brasileiro a permitir que as mulheres fossem às urnas naquele ano. Apesar do voto feminino ter sido adotado pela primeira vez em 1928 no Rio Grande do Norte, o sufrágio feminino só foi oficializado quatro anos depois, por meio de um decreto-lei assinado pelo presidente Getúlio Vargas. Em 1945, Alzira Soriano finalmente elegeu-se vereadora e até 1958 liderava a bancada da UDN. 21 Por meio do Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, é instituído o Código Eleitoral Brasileiro, e o artigo 2 disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código. É de ressaltar que as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham que os homens com mais de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podiam isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral. Logo, não havia obrigatoriedade do voto feminino. 22 42 mulheres no cenário político brasileiro é a pequena presença delas à frente das lideranças partidárias e na Mesa Diretora da Câmara. Dentre os partidos políticos registrados no TSE apenas dois (PCB e PSOL) apresentam uma mulher na sua presidência nacional e no Maranhão, no TRE apenas dois partidos foram identificados com mulheres em sua presidência (PTN e PR) 23. 2.4 - Política de Cotas para Mulheres A― política de cotas‖ começou a ser adotada a partir da década de 70 nos países do norte da Europa e hoje muitas nações vêm implementando as cotas como estratégia para elevação dos percentuais da presença feminina nos parlamentos. Na esfera da representação parlamentar, é possível identificar dois tipos de cotas: aquelas adotadas por iniciativa própria dos partidos políticos, sem que haja legislação formal — caso dos países escandinavos e de muitos outros países europeus com partidos que assumem essas políticas — e aquelas aplicadas por meio de legislação nacional, compulsórias. Com relação às cotas adotadas via legislação, existem aquelas que incidem diretamente sobre o parlamento, pela reserva de assentos a serem ocupados pelas mulheres — modalidade que vem sendo adotada em alguns países da Ásia e do norte da África; e existem ainda as que se aplicam às eleições, isto é, incidem sobre as listas eleitorais que os partidos irão apresentar por meio de um percentual mínimo de reserva das vagas para as mulheres ou para cada sexo (ARAÚJO, 2001). Na América Latina, nos anos 90, treze países 24 aprovaram leis que estabelecem cotas. Com exceção da Argentina, todos os demais países adotaram leis de cotas nos anos posteriores à 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Beijing, em 1995, e depois de uma série de importantes encontros regionais entre as mulheres políticas da América Latina. 23 No Partido Comunista Brasileiro- PCB a presidência nacional é de Zuleide Faria de Melo e no Partido Socialismo e Liberdade-PSOL é Heloísa Helena, em todos os demais são homens que ocupam o lugar de presidente nacional do partido. E no Maranhão: o Partido Trabalhista Nacional-PTN e o Partido da RepúblicaPR, com Surama Oliveira e Lindinalva Vilela, respectivamente. Argentina, Brasil, Bélgica, Bolívia, Costa Rica, Colômbia, Equador, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela, todos com legislação nacional estipulando a cota para a candidatura de todos os partidos. 24 43 Quanto ao histórico da aprovação da Lei de Cotas no Brasil, é referência o estudo de Miguel (2000), em que a autora realiza uma pesquisa sobre os pronunciamentos dos parlamentares federais no Brasil acerca do debate sobre a política de cotas, identificando que, apesar dos diferentes posicionamentos quanto a percentagem a ser reservada e modo de aplicação, a maioria dos parlamentares considerava tal política um objetivo justo. O projeto de Lei foi apresentado pela deputada Marta Suplicy (PT) em agosto de 199525, após ter participado em maio do Encontro das Mulheres do Parlamento Latino americano. Marta Suplicy (PT) afirmou que dentre as trocas de experiências com personalidades de outros países, o que mais tinha chamado a atenção das parlamentares brasileiras tinha sido a questão das cotas eleitorais. Ela anuncia a apresentação do projeto de lei: Tenho em mãos um projeto pronto. Gostaria de convidar todas as Deputadas desta Casa para que assinem também. Na segunda e terça-feira estarei coletando as assinaturas. Não se trata de uma proposição de autoria de uma mulher, de uma pessoa; deve ser uma proposta das mulheres da Câmara Federal, que vão defendê-la em seus Estados. (Deputada Marta Suplicy - PT/SP, apud: Miguel 2000) E, se reportando a dúvidas que tinha em relação a adoção de uma política de cotas, quando se discutiu e aprovou cotas de 30% nos cargos de direção do PT, afirma: Lembro-me de que, quando isso foi votado, minha posição era de muita dúvida, uma dúvida que ia ao encontro de muitas mulheres, no sentido de se sentirem inferiorizadas. Por que temos que ter uma situação de privilégio? Por que ter uma cota? Será que não conseguimos chegar pela nossa competência, com as nossas próprias pernas? Isso, enfim, foi aprovado pelo PT, mas com muita dificuldade, porque muitas vezes as mulheres não querem, porque não têm condições de infra-estrutura para, por exemplo, morar em Belém do Pará e vir para uma reunião da executiva em São Paulo. Com quem ficam os filhos? O próprio partido teve que ir criando condições para que essas mulheres pudessem chegar a uma reunião. Isto é interessante, porque o partido foi obrigado a criar essa condição. Se não existem quadros, o partido é obrigado a capacitar mulheres para ocupar esses quadros. Então fui vendo isso no meu próprio partido. Nunca havia pensado nisso em âmbito nacional, apenas no âmbito do partido. (...) A ação afirmativa é realmente um instrumento adotado em muitos países. Demorei em ser convencida disso, mas agora não tenho a menor dúvida. É o caminho para que consigamos transformar efetivamente a situação da mulher nesse País. (Deputada Marta Suplicy - PT/SP, apud: Miguel, 2000) 25 O projeto de lei sobre cotas (que recebeu o número 783/95), foi assinado também por 26 outras Deputadas: Esther Grossi (PT/RS), Marinha Raupp (PSDB/RO), Alzira Ewerton (PSDB/AM), Ceci Cunha (PSDB/AL), Maria Elvira (PMDB/MG), Nair Xavier Lobo (PMDB/GO), Cidinha Campos (PDT/RJ), Elcione Barbalho (PMDB/ PA), Fátima Pelaes (PFL/AP), Jandira Feghali (PC do B/RJ), Maria Valadão (PFL/ GO), Ana Júlia (PT/PA), Marisa Serrano (PMDB/MS), Socorro Gomes (PC do B/ PA), Tete Bezerra (PMDB/MT), Yeda Crusius (PSDB/RS), Simara Ellery (PMDB/ BA), Zila Bezerra (PFL/AC), Zulaiê Cobra Ribeiro (PSDB/SP), Marilú Guimarães (PFL/MS), Alcione Athayde (PPB/RJ), Sandra Starling (PT/MG), Laura Carneiro (PFL/RJ), Telma de Souza (PT/SP), Conceição Tavares (PT/RJ) e Lídia Quinan (PMDB/GO). 44 Com a apresentação do referido projeto de lei, o tema da participação política das mulheres passa a ser motivo de um debate mais permanente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, culminando na aprovação da Lei 9.100/95 que previa 20% das vagas de candidatura, ampliada para 30% pela Lei 9.504/97. 26 No entanto, na visão de Araújo (2001), Miguel (2001), Avelar (2001) os resultados quantitativos iniciais da política de cotas no Brasil, continuam pouco animadores quando comparados aos de outras experiências semelhantes. A análise desse processo requer um olhar mais abrangente, que considere, mas, ao mesmo tempo, ultrapasse a abordagem centrada — em geral de maneira genérica — na denominada ― resistência‖ e/ou ― discriminação‖ masculinas. Este enfoque, embora considere um aspecto presente na realidade, não é capaz de dar conta da diversidade de fatores envolvidos no processo. Além de desconsiderar, ou considerar de forma residual, toda a lógica político-pragmática envolvida nas empreitadas em torno do poder, também não ajuda a explicar como muitos países latino-americanos com trajetórias e culturas políticas semelhantes às do Brasil, e talvez mais conservadores quanto ao chamado ― machismo latino‖, vêm apresentando quadros bem mais favoráveis às mulheres na esfera política, inclusive em relação às suas iniciativas de cotas. (ARAÚJO, 2001:232) Para Htun (2001) a natureza do sistema eleitoral de cada país afeta significativamente o sucesso da política de cotas. Todos os países com leis de cotas na América Latina elegem os seus Parlamentares a partir de listas partidárias usando representação proporcional 27, embora em alguns países um percentual fixo de Parlamentares é escolhido por representação distrital. Todas as leis de cotas latino-americanas estipulam um percentual mínimo para o número de candidatos do sexo feminino. Além desta similaridade quanto à diretriz geral, as leis e o contexto da aplicação de cotas variam significativamente. Htun (2001) e Araújo (2001) discutem sobre quatro aspectos que podem determinar o sucesso da aplicação de cotas: a natureza da lista partidária, norma O Partido Popular Socialista-PPS foi o único a encaminhar voto contrário às cotas de candidaturas. Ver o discurso do deputado Sérgio Arouca, em MIGUEL( 2000: 45). 26 27 Nesse tipo de sistema eleitoral os partidos formulam uma lista de candidatos para a circunscrição eleitoral, e o eleitor vota em apenas um nome. Apurada a votação, os votos válidos e os votos em branco são somados e o total é dividido pelo número de cadeiras a serem preenchidas, obtendo-se então o quociente eleitoral. Só entram na disputa os partidos que têm votos acima do quociente eleitoral. Seus votos são divididos pelo quociente eleitoral para que se obtenha o quociente partidário. As sobras dessa divisão servem para redistribuir as cadeiras restantes através da fórmula D‘Hondt, que é a divisão dos votos de cada partido ou coligação pelas cadeiras obtidas no primeiro cálculo, mais uma. Recebem as cadeiras ainda não ocupadas aqueles que obtiverem as maiores médias (Nicolau, 1991) 45 competitiva na lista partidária, o tamanho da circunscrição eleitoral e o compromisso partidário. Quanto à primeira questão é ressaltado se a lista partidária é aberta ou fechada. Num sistema de lista fechada, cada partido controla o posicionamento dos seus candidatos na sua lista. Neste sistema, os eleitores votam nos partidos e não nos candidatos. A quantidade de votos recebida por partido determina quantos candidatos da lista serão eleitos. Entretanto, durante a campanha eleitoral, os candidatos de um mesmo partido lutam juntos pela maximização dos votos da legenda 28·. Por outro lado, num sistema de lista aberta, como o do Brasil, os eleitores escolhem os seus candidatos votando nestes e não nos partidos. Desta forma, o fator que determina quem serão os eleitos é a quantidade de votos recebidos por cada candidato individualmente. Assim, fundamentalmente, as eleições produzem uma competição interna em cada partido, fazendo com que os candidatos de um mesmo partido disputem a preferência do eleitorado entre si e entre os candidatos dos demais partidos. (HTUN, 2001:227) O segundo aspecto é a norma competitiva na lista partidária, que Mala Htun, (2001) chama de obrigatoriedade de posição, que significa colocar mulheres em posições que lhes possibilitem ser selecionadas. Ou seja, não basta estar na lista do partido, é imprescindível estar nas primeiras posições da lista. A autora explica: Num sistema de lista fechada, o partido apresenta aos eleitores uma lista partidária com candidatos ordenados numericamente. O voto recebido pelo partido determina quantas pessoas da lista serão eleitas. Por exemplo, imaginemos que um Município vai eleger dez Vereadores. Cada partido apresenta uma lista com dez candidatos. Se um partido recebe 25% dos votos, duas ou três pessoas das primeiras posições da lista serão eleitas. Fica claro com este sistema que não basta apenas estar presente na lista do partido, há que se estar no início da lista. Obrigatoriedade de posição competitiva na lista é, portanto isto: uma norma que diz que as mulheres têm de ser colocadas no início da lista e não nas posições inferiores. (HTUN, 2001:228) A lei argentina tem uma norma de obrigatoriedade de posição competitiva da lista que diz que cada terceira posição deve ser ocupada por uma mulher 29. Em países com sistema de lista fechada, mas sem esta norma de obrigatoriedade de posição competitiva para mulheres, como a Costa Rica, a República Dominicana e a Venezuela, a eficácia de cotas tem sido menor30. Portanto, para os estudiosos do assunto de cotas para mulheres, num sistema de lista 28 29 Argentina, Bolívia, Costa Rica, República Dominicana, Paraguai e Venezuela têm sistema de lista fechada. Se, por exemplo, um partido estiver concorrendo a somente duas vagas num Distrito, pelo menos um dos candidatos terá de ser mulher. 46 fechada, torna-se imperativa a existência da obrigatoriedade de posição competitiva na lista para as mulheres. O terceiro fator, abordado, é o tamanho da circunscrição eleitoral. Este tamanho refere-se ao número de vagas disponíveis num Distrito eleitoral. Um pequeno Distrito, principalmente quando houver grande quantidade de partidos concorrendo às eleições, restringe a eficácia de cotas, porque normalmente os partidos só ganham uma ou duas vagas no Distrito. Nos sistemas de lista fechada, as primeiras posições da lista partidária, que são as únicas com chances de vitória eleitoral, são geralmente ocupadas por homens. Portanto, quanto maior o Distrito, maiores as chances de eleger mulheres. Segundo a cientista política norte-americana Htun (2001) na maioria dos países, a combinação do sistema de lista aberta, a inexistência de obrigatoriedade de posicionamento competitivo e o pequeno tamanho da circunscrição eleitoral reduz significativamente a eficácia de uma política de cotas. O quarto aspecto apontado sobre a discussão quanto a eficácia das cotas é o compromisso partidário. Na Argentina, as ativistas femininas forçaram compromisso com os partidos. As condições favoráveis para eficácia do sistema de cotas na Argentina foi uma combinação de listas partidárias fechadas, obrigatoriedade de posicionamento competitivo e uma moderada magnitude da circunscrição eleitoral. Enquanto que no Brasil, a Lei reserva 30% das vagas para cada sexo, mas não obriga que cada partido preencha as vagas destinadas para o sexo que tem representação minoritária. Em consequência, nenhum partido cumpriu a cota de 30% na média nacional nos últimos pleitos. O alcance da Lei 9.100/95 no Maranhão foi analisado por Ferreira (2003) considerando que há uma resposta positiva no que diz respeito ao aumento do número de deputadas. A autora leva ainda em consideração a administração do governo Roseana Sarney, afirmando que este, quanto ao incentivo de candidaturas femininas, repercute de forma satisfatória nos quadros do PFL e dos partidos aliados. A autora destaca: O discurso político de tom emocional e pessoal, defendido pela governadora, unido a cobertura midiática intensa, transformou-a num modelo para seus aliados (...). Nas eleições de 2002, por exemplo, estão inscritas 10 mulheres no PFL, quase todas com grande densidade eleitoral, no PMDB são 5 candidatas, três pelo PSD, uma pelo PSDC, duas pelo PV, duas pelo PGT, uma pelo PHS, uma pelo PRTB, uma pelo PT do B e cinco pelo PTN (...) assim, podemos afirmar que a discussão sobre cotas no Maranhão está de alguma forma relacionada à avaliação feita pelo governo de Roseana Sarney (FERREIRA, 2003:85). 30 Na Costa Rica, por exemplo, os partidos tendem a colocar mulheres nos últimos lugares da lista partidária. Assim, elas ficam praticamente sem chance de eleição. 47 Quanto ao número de candidatas e eleitas no Maranhão na década de 90, pode-se afirmar que houve um avanço considerável no número de deputadas dentro da AL. Na eleição de 1994 candidataram-se 30 mulheres, elegendo-se 3; já nas eleições de 1998, o número de candidatas aumentou para 68, elegendo-se 10, sendo 7 pertencentes aos partidos aliados à base política do governo Roseana Sarney, ficando as demais, ligadas aos chamados partidos de oposição. Apesar do foco do presente estudo recair sobre os recursos sociais acionados nas disputas eleitorais, considero que nas pesquisas sobre a inserção das mulheres na política parlamentar deve-se trabalhar para além de um único enfoque. Fiz esse breve retrospecto da aprovação da Lei de Cotas, suas diferentes modalidades e posicionamentos das deputadas, no intuito de envolver diferentes dimensões de análise, sempre lembrando que o problema da representatividade das mulheres envolve uma multiplicidade de causas, passando desde aspectos relacionados às condições socioeconômicas, a exclusão histórica, suas trajetórias sociais até aspectos do sistema político como a cultura política e os sistemas partidários e eleitorais. Capítulo 3- TRAJETÓRIAS DAS DEPUTADAS FEDERAIS E ESTADUAIS NO MARANHÃO: recursos sociais e mecanismos de legitimidade política. 3.1 - O Maranhão pós- década de 1980: marcos políticos. Nos estudos sobre a dinâmica política maranhense em diferentes contextos históricos, autores como Buzar (2001), Borges (2002), Costa (1997), Silva (2001), Gonçalves (2000, 2006) e Reis (2007) destacam o caráter oligárquico e patrimonialista presente nas práticas políticas desenvolvidas no estado. O uso da máquina pública em benefício particular (a exemplo da divisão de cargos entre aliados), as relações próximas com o governo federal, a mediação entre os interesses econômicos do empresariado e o Estado, o discurso 48 ‗modernizante‘, são alguns dos elementos apontados por tais autores, como aspectos fundamentais para ascensão e manutenção da chamada oligarquia Sarney ao longo dos anos no Maranhão. Apresentarei nesse tópico, alguns marcos políticos das dinâmicas sociais no Maranhão, dentro do recorte temporal da pesquisa (1982-2006). Por meio dos fatos mencionados pode-se fazer uma relação dos resultados eleitorais com as práticas oligárquicas presentes na política maranhense. A monopolização de cargos e recursos públicos por parte de alguns grupos marcam o cenário eleitoral por longos anos no Maranhão. Destaca Borges (2002): No âmbito estrito do poder político, o grupo Sarney tem sido melhor sucedido do que na administração de políticas públicas, sendo vitorioso nas urnas por tempo quase duas vezes maior ao do oligarca anterior, Vitorino Freire. As razões para tanto residem: no acesso quase monopolizado aos cargos e recursos públicos, especialmente aqueles oriundos do governo federal; acesso privilegiado aos altos escalões do poder judiciário e aos integrantes do poder legislativo; controle e uso sistemático de meios de comunicação de massas; e no êxito performático relacionado à estratégia de criação de uma identidade simbiótica da família Sarney com as tradições e marcas identitárias do Maranhão e de seu povo. (BORGES, 2002:95) Não consiste, no objetivo dessa pesquisa, fazer uma análise detalhada da política maranhense no que concerne às práticas dos diferentes governos que compreendem o recorte temporal escolhido. Centrei-me nas trajetórias das deputadas estaduais 31 e federais entre 1982 a 2006, mas farei aqui um breve retrospecto tentando contextualizar o lócus da pesquisa. Destaco, em diferentes dimensões da hierarquia política, alguns marcos políticos e econômicos. O processo de abertura política no Brasil já havia começado lentamente com o general Ernesto Geisel (1974-1979), mas foi no governo do presidente Figueiredo (1979-1985) que a volta à democracia foi acelerada. Ocorreu a anistia política e restabeleceu-se a liberdade político-partidária, extinguindo a ARENA e o MDB, artificialmente criados como partidos que seriam do governo e da oposição, respectivamente, autorizando eleições livres e diretas O número de mulheres eleitas deputada estadual no Maranhão, no período compreendido da pesquisa foi aumentando gradativamente. Segundo dados do TRE em 1982, o número de candidatas foi de seis mulheres, sendo eleita apenas: Maria da Conceição Mesquita. O número de candidatas começa a crescer significativamente em 1990: trinta e sete mulheres, no entanto apenas duas foram eleitas. Em 1994 candidataram-se trinta mulheres, elegendo-se três; já nas eleições de 1998, o número de candidatas saltou para sessenta e oito, sendo eleitas dez. Atualmente a Assembléia Legislativa dentre as suas 42 cadeiras, 7 são ocupadas por mulheres. 31 49 para os estados e municípios (1980), promovidas logo em 1982; nesse mesmo período promove-se, também, a campanha das eleições diretas para a presidência e vice-presidência da República, que, todavia, são realizadas por via indireta em 1985, por meio de um colégio eleitoral específico, enquanto se elege e instala (1987) a Assembléia Nacional Constituinte, que, por sua vez, votaria a nova Carta (5.10.1988), apelidada por Ulisses Guimarães, presidente daquela Assembléia, de Constituição Cidadã. No Maranhão, do ponto de vista político-eleitoral, o início dos anos 1980 foi marcado pela reforma partidária e pelas eleições diretas para governador em 1982. A reorganização do quadro partidário estadual implicou a formação dos seguintes partidos: a) PDS - reunindo os políticos da ex-ARENA, agrupados em torno da liderança do senador José Sarney e do governador João Castelo. b) PMDB - que permaneceu com o caráter de ― frente‖ do ex-MDB, reunindo o grupo ligado a Renato Archer e Cid Carvalho (cassados pelo regime militar), os antigos setores dos ― moderados‖ e ― autênticos‖, liderados por Epitácio Cafeteira e Haroldo Sabóia do Movimento ― Oposição pra valer‖, respectivamente. Além dos grupos comunistas ainda na clandestinidade. c) PDT - agrupado em torno das lideranças do deputado Jackson Lago (eleito pelo MDB) e de Neiva Moreira (ex-PSP, cassado e exilado durante regime militar), reunia também lideranças do movimento estudantil e de outros movimentos democráticos do período, como o Comitê Brasileiro pela Anistia. d) PT - congregando a facção do deputado Freitas Diniz (ex-MDB), o chamado grupo dos ― estudantes‖ (com base no movimento estudantil universitário), além de alguns setores da Igreja progressista (especialmente a Pastoral da Juventude). e) PTB - organizado por Cesário Coimbra. As eleições de 1982 foram marcadas pelos efeitos do ― pacote de novembro‖ (1981), que estabelecia a proibição de coligações eleitorais e a obrigação dos partidos lançarem chapas completas, ao mesmo tempo em que criava o ― voto vinculado‖, pelo qual o eleitor teria que votar em candidatos de um único partido (no caso, em 1982: vereador, prefeito, deputado federal e estadual, senador e governador), sob pena de anular o seu voto. Assim, com o auxílio adicional do ― voto vinculado‖, a chamada ‗oligarquia Sarney‘, por meio de seu partido, o PDS, elegeu 124 dos 130 prefeitos, o que alavancou sua vitória nos demais cargos em disputa: Luís Rocha (governador), João Castelo (senador), 14 deputados federais e 33 50 estaduais. Dos partidos de oposição, o PMDB conseguiu garantir 3 deputados federais e 8 estaduais, assim como 5 prefeitos, enquanto o PT elegeu 1 prefeito. Os demais partidos nada obtiveram em termos eleitorais. Quanto à conjuntura econômica dos anos 80 no Maranhão, houve certo crescimento, estes são marcados pelos chamados ― grandes projetos‖ que trouxeram para o Maranhão o programa Grande Carajás e a fábrica de alumínio ALCOA, mas segundo Borges: (...) o foco desses projetos não é gerar riquezas para o local onde se encontram e sim exportá-las, de modo que os poucos empregos que geraram (pois operam com tecnologia de ponta) e o verniz de modernidade que emprestam ao estado foram pagos a preço elevado, com transferência de recursos públicos (infraestrutura, matérias primas e incentivos fiscais e creditícios) para empresas privadas de atuação internacional. Nesse contexto, o Maranhão figura apenas como um corredor de exportações geográficas e politicamente atraente para o capital. (2002:88) Em 1986, solidamente amparado por sua condição de presidente da República e pela ampla popularidade conquistada pelo Plano Cruzado, José Sarney patrocinou a edição local da ― Aliança Democrática‖ (PFL/ PMDB/ PTB), por meio da qual foi lançada a candidatura ao governo de Epitácio Cafeteira, tradicional ― adversário‖ da facção Sarney. Do ponto de vista da denominada oligarquia Sarney, esta aliança com um ― inimigo histórico‖ foi possível porque a presença de José Sarney na Presidência da República possibilitava-lhe mecanismos variados de controle sobre o governo do Estado, neutralizando assim as possibilidades de uma reviravolta no quadro político estadual, no caso nada improvável de uma ruptura do governador Cafeteira com a facção. Sendo assim, de 1987 a 1990 o Maranhão teve como governador Cafeteira, este embora não sendo maranhense nato, se radicou em São Luís e, no começo da década de 60, se interessou pela política local, conseguindo, nas eleições de 1962, fazer-se suplente e, logo, deputado federal. A vitória de Cafeteira foi bastante expressiva, jamais alcançada por um candidato ao governo estadual, obtendo mais de 1 milhão de votos (cerca de 80% do total). No rastro de sua candidatura, a designada ‗oligarquia Sarney‘ elegeu os dois senadores (Alexandre Costa e Edison Lobão, ambos do PFL) e ampliou sua cota de deputados. A edição maranhense da ― Aliança Democrática‖ contou ainda com o apoio da maior parte da chamada esquerda32 32 Apesar de no último capítulo desse trabalho tentar refletir sobre o comportamento eleitoral por outros meios que não orientação ideológica, adoto as denominações esquerda e direita, lembrando Singer (2000). Embora Singer (2000) considere o já mencionado por Sartori (1982), que os termos esquerda e direita possuem a qualidade de serem caixas vazias, cujo conteúdo pode ser descarregado ou carregado através do tempo. O autor 51 estadual, com exceção do PT que lançou a candidatura de Delta Martins ao governo do Estado. A esquerda do PMDB, o grupo ― Nossa Luta na Constituinte‖ (origem do PSB), o PDT, os partidos comunistas, todos esses agrupamentos de esquerda por razões variadas apoiaram a candidatura de Epitácio Cafeteira a governador. (COSTA: 1997:16) Em 1990, o sistema eleitoral foi caracterizado por algumas mudanças ditadas pela Constituição de 1988: a introdução do 2º turno nas eleições para governador e a maior permissividade legal para a formação de partidos. A principal característica das eleições de 1990 foi o aumento da competitividade eleitoral dos diferentes grupos de oposição, implicando uma verdadeira mudança qualitativa do processo eleitoral estadual. O novo dinamismo eleitoral, entretanto, não foi suficiente para evitar a vitória da facção dominante no cômputo geral. Já no 1º turno, a facção elegeu o senador (Epitácio Cafeteira), 8 deputados federais e 17 estaduais; enquanto no 2º turno, depois de uma campanha bastante disputada, foi possível assegurar a vitória de Edson Lobão (― Maranhão do Povo‖). Em 1994, Roseana Sarney foi candidata ao governo do Maranhão com a coligação política- Frente Popular, sendo eleita a primeira governadora de Estado do Brasil, no segundo turno, com 50.61% dos votos válidos. Foi uma disputa eleitoral acirrada com o candidato Epitácio Cafeteira33, que segundo dados do TRE-MA, ela obteve 753.901 votos e Cafeteira 735.841 votos. Em 1998, para o segundo mandato, Roseana Sarney conseguiu se eleger no primeiro turno com 1.005.339, 66,01% dos votos válidos, disputado também com o mesmo candidato da oposição. Na gestão do ― Novo Tempo‖, Roseana Sarney reconstrói as bases da dominação política, se apresentando como pioneira das reformas ― modernizantes‘ e projetando, novamente para o Maranhão a inserção na economia transnacional e nacional. Através da propaganda das reformas, encobre a manutenção das práticas clientelistas e legitima-se diante da população. (GONÇALVES, 2006) Dentre alguns programas estaduais de seu governo, podemos destacar alguns programas: Viva Cidadão, Primeiro Emprego, Viva minha Cidade, Plano Maior de Turismo e Viva Educação. Mas o recorte que fiz para falar um pouco de sua gestão, foi discorrer sobre uma medida feita já no segundo mandato, que certamente serviu como estratégia de legitimação: a Reforma Administrativa do Estado. afirma que no Brasil um dos pontos que se aproxima da noção de esquerda é a busca de reformas sociais de baixo para cima, com participação popular e em desafio à autoridade, enquanto que a direita estaria interessada mais ou menos pelas mesmas reformas, mas através da autoridade do Estado. 33 Gonçalves (2006) fez uma análise das eleições de 1994 no Maranhão, mostrando as estratégias de desqualificação do adversário mais próximo (Cafeteira) de Rosena Sarney nos por meio de análise dos discursos e charges publicadas nos jornais O Estado do Maranhão naquele período. 52 Por meio da mensagem nº53, de 16 de dezembro de 1998, a governadora reeleita, encaminhou à Assembléia Legislativa o projeto de lei sobre a Reforma Administrativa do Estado do Maranhão, que uma vez aprovada transformou-se em Lei nº 7.356 de 29 de dezembro de 1998. Esta significou um aprofundamento das medidas implementadas no período de 1995/98. Com essa reforma, a governadora se propõe a estabelecer estratégias com o objetivo de realizar o saneamento das finanças públicas e a ― modernização dos sistemas administrativos‖. Acabou-se com a figura do secretário de estado, substituindo as vinte e duas secretarias existentes por oito Gerências de Estado, responsáveis pelas áreas de Infra-Estrutura, Qualidade de Vida, Desenvolvimento Humano, Desenvolvimento Social, Justiça, Segurança Pública e Cidadania, Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Administração e Modernização, e Receita Estadual. Instituíram-se, também, dezoito Gerências Regionais nos municípios-sede das chamadas ― regiões administrativas‖, dentre elas a Gerência Metropolitana de São Luís, administrada, no seu governo, pelo engenheiro-perito, Max Barros, deputado federal (PFL/MA) na legislatura de 2002-2006. Cada Gerencia Regional ficou responsável em promover a integração de todas as ações do poder estadual na região, supervisionar as unidades operacionais ali instaladashospitais, escolas, postos de saúde, centros sociais, equipamentos culturais, etc.- e executar diretamente as atividades de competência estadual. Silva (2001), na sua análise da Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro, nos anos 1990, observa que a Reforma Administrativa realizada no governo Roseana Sarney tem os mesmos eixos estruturantes da reforma realizada pelo governo federal. A autora afirma: A flexibilização pretende ser alcançada por meio da autonomia de gestão da máquina, via a criação das Agências Executivas e das Organizações Sociais que, por sua vez, substituirão as autarquias e as fundações públicas. Como se observa, os eixos estruturantes da reforma do aparelho do Estado no Maranhão são os mesmos que orientam o Plano Diretor da Reforma do aparelho do Estado encaminhado pelo governo federal, posto que consistem em adotar os critérios da eficiência e da racionalidade administrativa na gestão pública e transferir para o setor público não-estatal a prestação dos serviços públicos. (SILVA; 2001:173) Segundo a visão de Silva (2001), Roseana Sarney rearticulou por essa ― reforma administrativa‖, as correlações de forças do campo político pelo princípio do ― dividir para governar‖. As Gerências de Desenvolvimento Regional não possuíam autonomia 53 orçamentária e administrativa. Seu papel no projeto da reforma é estender o poder da governadora a cada região do estado, por meio da qual se assegura o controle das bases eleitorais e se institucionaliza a prática clientelista. Verifica-se, então, que diluiu pela criação das Gerências Regionais, a concentração de poder dos políticos circunscritos em pequenas regiões ou municípios. Ao mesmo tempo, adensou o poder em torno das decisões centradas em suas mãos, já que as Gerências de Estado pareciam ter alcance de manobra mais limitado, por meio da sua presença direta nas ações de governo. No segundo mandato Roseana Sarney (PFL) exerceu suas atividades somente até 2001, pois a governadora renunciou para candidatar-se à Presidência da República. O ano de 2001 foi assumido pelo então vice-governador José Reinaldo Tavares, reeleito em 2002 com o apoio ‗dos Sarney‘. Entretanto, posteriormente José Reinaldo rompe com a ‗família Sarney‘ e declara nas eleições de 2006 apoio ao candidato Jackson Lago (PDT), atual governador do Maranhão. Jackson Lago (PDT) venceu as eleições de 2006, em uma disputa apertada, conseguindo 51,82% dos votos válidos. Já Roseana Sarney (PFL), atual governadora do Estado, ficou com 48,18%. Não tive a intenção de me aprofundar na análise da política maranhense no decorrer dos 24 anos que compreendem o recorte temporal da pesquisa. Correndo o risco de ser superficial, mostrei uma visão bem sintética do cenário político maranhense nesse período, visando fornecer ao leitor algumas informações sobre o contexto em que se insere a pesquisa. Para não ficar apenas nos registros históricos, apresentarei adiante algumas concepções das deputadas sobre ― fazer política‖ no Maranhão, antes analiso alguns dados sobre os percursos das deputadas federais e estaduais no Maranhão. 3.2 Gênero e Profissionalização política no Maranhão (...) pode a variável de gênero isolada, determinar a sua influência sobre as práticas, representações e discursos políticos? Outras variáveis parecem igualmente determinantes, como a percepção política, o perfil sociológico, características pessoais, as experiências militantes precedentes, socialização política, a região eleitoral, etc. (GUIONNET, 2002:115) Pelo levantamento de informações sobre as características sociais das deputadas eleitas no Maranhão, busquei identificar as variações das estruturas e volumes de capitais dessas mulheres e o uso de tais recursos nas diferentes modalidades de construção de suas carreiras políticas. Como desenvolveram o ― trabalho político‖ na busca pelo reconhecimento dos 54 profanos? Que características sociais foram reconvertidas para política? Considero que o processo eleitoral está relacionado às mais diferentes esferas, as lógicas do estabelecimento dos vínculos que podem passar a compor as bases eleitorais dessas mulheres não são redutíveis à lógica eleitoral. Conforme ressalta Coradini (1998): (...) a eficácia do ― trabalho político‖ decorre dos recursos e possibilidades de manipulação das relações e sentidos contidos nessas diferentes esferas, a partir de uma perspectiva de acumulação de capital político. Essas esferas incluem, por exemplo, relações de parentesco, de ― liderança‖ corporativa (sindicato de professores, de trabalhadores rurais, de ― empresários‖, de ação ético-religiosa, de vizinhança (a ― comunidade‖) e afinidades sociais e de estilo de vida (os clubes, as ― festas‖, os ― desportes‖), por fim, sem pretensão de exaustão, relações estabelecidas por meio da ocupação de cargos públicos‖ (CORADINI, 1998:112113). Inspirei-me, também, em alguns estudos desenvolvidos na França, que relacionaram o processo de especialização política e a questão de gênero34 (Guionnet 2002, Achin 2005, Dulong e Lévêque 2002). Todos têm em comum a influência da abordagem sócio-histórica da política de Offerlé (1996, 1999) no estudo das formas de acesso à política, perspectiva que adoto no presente estudo. Guionnet (2002) buscou identificar em que medida a variável de ‗gênero‘ foi utilizada como identidade estratégica para legitimar a inserção das mulheres na política, nas eleições municipais francesas de 2001. A autora observou como que num contexto de ‗crise política‘ uma variável que era historicamente rejeitada- o gênero - pode ser utilizada associada à idéia de necessidade de renovação das práticas políticas 35, como uma espécie de savoir faire feminino específico. Identificou ainda que as mulheres apesar de outsiders- devido a posição de novatas que ocupavam no campo político- havia casos em que a condição de neófita tinha que ser relativizada, pois algumas mulheres tinham adquirido uma experiência prévia que contribuía na socialização política, como militância em sindicatos, participação em 34 Adoto a perspectiva de Scott (1990) cuja contribuição serviu para se pensar a diferença sexual e a sexualidade como construções sociais que sofrem variações históricas e culturais. A autora ressalta ainda que ― o gênero‖ é um elemento constitutivo das relações sociais, sendo estas relações significantes de poder. 35 (...) Là où les femmes expliquent qu‘elles sont plus proches des citoyens, plus humaines et plus pragmatiques parce qu‘elles s‘occupent des enfantes, entretiennet les relations familiales et doivent mener une double vie de labeur (domestique et remunere), les ouvriers vantaient leurs qualités de travailleurs énergiques, honnêtes, simples, désintéressés, généreux et dévoués. (GUIONNET, 2002:125) 55 associações ou envolvimento nas campanhas do marido, mostrando como na análise do uso do recurso de ‗gênero‘ nas disputas eleitorais é preciso considerar também a posição social dessas mulheres. Nessa mesma linha Dulong e Lévêque (2002) realizaram uma pesquisa sobre o uso do ‗gênero‘ como prática de mobilização eleitoral. Por meio de uma enquete com homens e mulheres, com perguntas como “Quais as qualidades necessárias para se fazer uma boa campanha?” buscaram identificar se o gênero influencia nas representações sobre o métier político. Nas respostas pode ser observado que as qualidades requisitadas para fazer campanha ou exercer um mandato municipal varia sensivelmente de acordo com o gênero, idade e experiência política dos agentes entrevistados. Os homens evocavam mais saberes técnicos enquanto que as mulheres se reportavam mais às qualidades morais e de relacionamento, como saber ouvir, compreender, conhecer a população, ser honesta. Outro estudo que contribuiu para orientar as diretrizes dessa pesquisa no que concerne à articulação entre gênero e política nas campanhas foi o trabalho de Barreira (1998). A autora traça um perfil de candidatas à Prefeitura das cidades de Fortaleza, Natal e Maceió durante as eleições de 1996. Focaliza na trajetória das candidatas, na discussão dos símbolos de campanha e dinâmica dos conflitos eleitorais, explorando a dimensão simbólica de processos eleitorais, caracterizados pela presença de ritos e discursos de campanha alusivos à condição de gênero, que incorporam a construção de espaços de identificação entre candidatas e público e diferenciação entre candidatas. Apresento agora alguns dados sobre os percursos das deputadas federais no Maranhão e posteriormente alguns depoimentos, retirados das entrevistas que realizei com as deputadas, sobre suas concepções acerca do uso da variável de gênero como trunfo nas campanhas e quais suas concepções sobre as habilidades e competências necessárias para entrar nas disputas políticas. 3.3 Deputadas Federais Maranhenses: percursos e comparações O Legislativo Federal continua sendo um espaço de difícil acesso às mulheres. Nas eleições de 1982 e 1986, não houve mulheres eleitas para o cargo de deputada federal no Maranhão. Os dados revelam que num período de 24 anos, elegeram-se no Maranhão apenas 4 deputadas federais, como mostra o quadro abaixo. 56 Quadro 5- Mulheres eleitas deputadas federais no Maranhão (1982-2006) ANO N. DE MULHERES ELEITAS NOME DAS DEPUTADAS PARTIDO 1982 1986 1990 1994 1998 2002 0 0 1 1 1 2 ----ROSEANA SARNEY MÁRCIA MARINHO NICE LOBÃO TEREZINHA FERNANDES ----PFL PSC PFL PT NICE LOBÃO 2006 1 NICE LOBÃO PFL PFL (atual DEM) Os dados mostram, ainda, que no Maranhão prevalecem deputadas federais vinculadas às agremiações partidárias tidas como de ― direita‖. Entre as quatro deputadas, duas delas se elegeram pelo PFL (uma hoje é filiado ao PMDB), uma pelo PSC e apenas uma pelo PT. Ao se comparar os dados no que tange ao número de deputadas federais eleitas no Rio Grande do Sul36 de 1982 a 2006 e às filiações partidárias destas, observa-se que, assim como no Maranhão, a presença das mulheres permaneceu pouco significativa em termos numéricos, foram eleitas nesse período apenas sete deputadas federais. As mulheres passam a marcar presença na bancada de parlamentares do RS apenas em 1994, com a eleição de Ester Grossi pelo PT e Yeda Crusius pelo PSDB. Em relação aos partidos das deputadas federais eleitas no RS, diferentemente do Maranhão, cinco são de partidos situados à ― esquerda‖, sendo três ligadas ao PT, uma inicialmente ao PT e depois ao PSOL e uma ao PCdoB, contra duas que pertencem a siglas localizadas mais ao centro (PSDB e PTB) A partir do conjunto de casos, sistematizei os dados sobre os percursos das deputadas federais no Maranhão com base nas seguintes variáveis: primeiro cargo eletivo, idade que ocupou o primeiro cargo, número de mandatos, ocupação de cargos públicos e laços de 36 Para uma comparação mais detalhada sobre a especialização política nesses dois estados, ver Grill (2007): Processos, Condicionantes e Bases Sociais da Especialização Política no Rio Grande do Sul e no Maranhão. 57 parentesco com ascendente político, como pode ser observado no quadro 6. Faço comparações entre os casos e relaciono com os dados de Barreira (2006) e Grill (2007). 58 Quadro 6- Quadro sinótico dos percursos das deputadas federais no Maranhão (1982-2006) DEPUTADA PRIMEIRO CARGO ELETIVO IDADE QUE OCUPOU O PRIMEIRO CARGO ELETIVO ROSEANA SARNEY Deputada Federal 37 anos NÚMERO DE MANDATOS e CARGOS ACUMULADOS NA CARREIRA ELETIVA 1 mandato de deputada federal (1991 a 1994); 2 mandatos no governo do Estado do Maranhão (1995 a 2001) Senadora (desde 01/02/2003) FORMAÇÃO/PROFISSÃO Ciências Sociais- UNB OCUPAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS ANTERIORES AO MANDATO DE DEPUTADA - Assessora no Quadro Técnico da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (NOVACAP) de 1974 a 1976; -Assessora do Secretário de Viação de Obras de 1977 a 1978; -Técnica em planejamento do Instituto de Planejamento Econômico e Social em 1979; - Gerente Operacional do Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos (PNCSU) do Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA) em 1980; LAÇOS DE PARENTESCO COM POLÍTICO Avós, tios-avó, Pai (foi deputado, senador pelo Maranhão entre 1971 e 1985, governador do Maranhão entre 1966 e 1971 e Presidente da República de 1985 a 1990), tios, irmãos. 59 Assessora do Gabinete Civil do Governador do Estado do Maranhão em 1981; - Secretária de Estado para Assuntos Extraordinários; Assessora do Senado Federal; Assessora do Gabinete Civil da Presidência da República de 1985 a 1989; MÁRCIA MARINHO Deputada Federal 31 anos NICE LOBÃO Deputada Federal 62 anos TEREZINHA FERNANDES Deputada Federal 47 anos 1 mandato de deputada federal (1995 a 1998) 1 mandato de prefeita em Caxias (2001 a 2004) 3 mandatos de deputada federal (1998- atual) 1 mandato de deputada federal Medicina- UFMA Secretária Municipal da Criança e Ação Social, em Caxias, Maranhão, de 1993 a 1994. Cônjuge (esposo foi eleito prefeito de Caxias em 1992 e deputado federal de 2002 a 2005) Ensino Médio Secretária da Ação Social do Estado do Maranhão de 1991 a 1994. Letras- UFMA Secretária Municipal do Desenvolvimento Social, em ImperatrizMaranhão de 2001 a 2002. Cônjuge (esposo foi deputado federal de 1979 a 1987, senador de 1987 a 1991, governador do Maranhão de 1991 a 1994 e senador 1995atual) Cônjuge (esposo foi deputado estadual de 1999 a 2000 e prefeito de Imperatriz de 2001 a 2004) 60 Quando Barreira (2006) apresenta os dados sobre cargo eletivo anterior das deputadas federais no Brasil, afirma que apenas 21% elegeram-se deputada federal sem terem cargos eletivos anteriores. Uma parte significativa já tinha ocupado algum cargo eletivo anteriormente: “As representantes, antes de serem eleitas deputadas federais, eram deputadas estaduais, vereadoras e prefeita” (BARREIRA, 2006:9). A autora chama atenção, também, para a ideia de continuidade ou reprodução das funções legislativas, sendo que um número expressivo das deputadas tinha mandatos anteriores de deputada federal. Quadro 7- Cargo eletivo anterior das deputadas federais no Brasil Cargo eletivo anterior das deputadas % Deputada Federal 44% Deputada estadual/distrital 21% Vereadora 12% Prefeita 2% Não teve 21% Construído com base nos dados de Barreira (2006) Essa constatação se difere do que acontece no Maranhão. Como pode ser observado no quadro sinótico, o acesso dessas mulheres de forma direta ao Legislativo Federal, sem passar pelo cargo de vereadora, deputada estadual ou prefeita é de 100%. Dado que não difere muito dos homens no Maranhão, conforme aponta a pesquisa de Grill (2007), quando compara os deputados do Rio Grande do Sul com os do Maranhão no que concerne ao primeiro cargo eletivo ocupado: Os dados mostram que no RS 47% dos deputados federais começaram a carreira eletiva por posições locais, como vereadores (39%), viceprefeitos e prefeitos (8% somados); contra apenas 18% no Maranhão que iniciaram por posições do mesmo tipo, isto é, como vereadores (12%) e como prefeitos e vice-prefeitos (6%). Contrariamente, no Maranhão 80% dos agentes investigados debutaram na ocupação de cargos eletivos como deputados federais (44%) ou estaduais (36%). (GRILL, 2007:10-11, grifo meu) No Rio Grande do Sul, quatro deputadas começaram suas carreiras de cargos políticos por postos nos primeiros escalões (três como secretárias municipais e uma como ministra) e três por mandatos eletivos (duas como vereadoras e uma como deputada estadual). 61 No Maranhão há um espaço político pouco competitivo e mais fechado, pois não se observa a passagem dessas deputadas por diferentes cargos na hierarquia política, nem mesmo pelo de deputada estadual. Contrastando com a percentagem de cargo eletivo anterior das deputadas brasileiras apontadas por Barreira (2006), onde 12% já tinham sido vereadoras, 21% deputada estadual e 44% ocuparam o mesmo cargo de deputada federal na legislação anterior. No Maranhão as 4 mulheres que conseguiram ser eleitas deputadas federais não iniciaram suas carreiras por posições periféricas e quando prevalece o ingresso ― por cima‖ na carreira política eletiva, quer dizer, diretamente pela ocupação de cargos mais altos na hierarquia política, o controle e a seleção prévia por parte dos agentes já estabelecidos ou das máquinas políticas se mostram decisivos, característica de contextos políticos marcadamente oligárquicos, como é o caso do Maranhão. O estudo de Costa (1998) sobre a Bahia e outros estados do nordeste brasileiro conclui que é maior o número de mulheres eleitas pelos grandes partidos e os ‗mais conservadores‘ nos estados que permanecem sob o controle das ‗oligarquias‘, perpetuando os compromissos familiares. Nesses estados, a ideologia feminista é precariamente adotada por parte das eleitas e o exemplo de mulheres que ascendem à elite política pela via dos movimentos sociais são reduzidos. Segundo o estudo de Costa (1998) no Nordeste, entrada das mulheres em altos cargos eletivos da hierarquia política, quando ocorre, na maioria das vezes, se dá em virtude das próprias relações familiares, perpetuando valores da elite tradicional. As oligarquias se utilizam das relações de parentesco para preencher os cargos do poder. Segundo Avelar (2001:50) “se as mulheres ascendem por esses canais, sua atuação nada tem a ver com as mudanças propostas pelas gerações de mulheres que lutaram pela estruturação de sua própria identidade política”. Quanto às informações sobre idades de ocupação do primeiro cargo eletivo, estas traduzem diferenças quando se compara deputados e deputadas no Maranhão. A pesquisa de Grill (2007) revela um ingresso mais cedo entre os homens, mais de 70% dos casos estrearam com idade inferior a 35 anos, sendo que no Maranhão 25% antes dos 25 anos. As deputadas maranhenses estrearam na carreira política de forma mais ― tardia‖ quando comparadas aos deputados. Entre as mulheres eleitas deputadas federais no Maranhão, apenas Márcia Marinho ocupa o cargo antes dos 35 anos. As 62 parlamentares eleitas pelo Rio Grande do Sul dividem-se entre aquelas que entraram na arena de cargos eletivos precocemente (antes dos 30 anos) - Luciana Genro, Maria do Rosário e Manuela D‘Ávila - e as demais – Kelly Moraes, Ester Grossi, Yeda Crusius e Ana Corso (com 40, 59,50 41 anos) - que entraram tardiamente (depois dos 40 anos). As deputadas federais do Maranhão ingressaram na carreira eletiva após os 30 anos (31, 37, 47 e 62 anos). Avelar (2001) chama atenção para os ciclos de vida da mulher que, em geral, são segmentados conforme a situação conjugal e a maternidade como um dos fatores que contribuem para uma entrada ― tardia‖ das mulheres. Mais adiante apresento alguns relatos das deputadas entrevistadas quanto à difícil conciliação entre a dedicação familiar e a política. Avelar (2001) destaca: Com o casamento, a mulher amplia o campo de suas tarefas domésticas, assumindo outras responsabilidades que irão demandar mais tempo e energia. Com a maternidade, mais ainda, tempo e energia tornam-se cruciais na vida da mulher. As tarefas extra-família tornam-se cada vez mais seletivas. Já a paternidade não significa necessariamente alteração no estilo de vida, razão pela qual os homens podem continuar desempenhando tarefas envolventes, como é o caso da política. (AVELAR, 2001:153) Isso não significa que devemos desconsiderar o que impõe a especialização na política no que se refere a uma dedicação da maior parte do tempo dos agentes às atividades políticas. Na carreira eletiva elas podem ter entrado com uma idade mais avançada do que os deputados, mas todas tiveram atuação prévia em esferas sociais distintas, que possibilitam um aprendizado lento e progressivo, podendo reproduzir reconhecimento nas disputas eleitorais, como, por exemplo, atuação de Terezinha Fernandes no movimento estudantil, atuação partidária e trabalhos desempenhados nas campanhas do esposo. Ainda vale destacar que a que entrou mais tarde, Nice Lobão, é a que tem o maior número de mandatos como deputada (está no terceiro mandato, somando atualmente 10 anos de mandatos eletivos). Roseana Sarney iniciou na carreira eletiva em 1991 quando assumiu como deputada federal foi eleita por dois mandatos consecutivos governadora do Maranhão (1994 e 1998) e atualmente é senadora, somando um total de 63 mais de 16 anos de mandatos eletivos. Márcia Marinho depois de ser deputada federal foi eleita em 2000 prefeita do município de Caxias e atualmente tenta retornar à prefeitura de Caxias sendo candidata pelo PMDB. Esses dados revelam a busca de continuidade dessas mulheres no interior do espaço político maranhense, próprio da exigência da profissionalização política. Somando-se ao tempo de mandatos eletivos, no estudo da profissionalização política no Maranhão, pude identificar outras variáveis que estabeleceram pistas quanto à lógica do sucesso dessas mulheres nas urnas. Questionei se houve ou não uma reconversão de uma notoriedade profissional, se tiveram acesso ao ensino superior; se estas possuem ou não parentes que ocuparam ou ocupam cargos eletivos; se estas ocuparam cargos não eletivos (tais como secretarias, presidência de partido) previamente; participaram ou não de algum movimento social. Quanto ao grau de escolarização das deputadas, o investimento no título superior só não é observado em uma deputada, Nice Lobão. Entre os homens a importância dada ao diploma de curso superior também é notória, dentre os deputados estudados por Grill (2007) 85% possuem título superior. Entre as deputadas maranhenses e gaúchas, em termos de escolarização destacase a predominância de casos com títulos superiores, a formação em cursos ligados às áreas de humanas no dois estados e observa-se a maior diversificação das vias de obtenção de títulos superiores no Rio Grande do Sul em relação ao Maranhão. Entre as sete deputadas gaúchas, seis possuem curso superior, sendo que: uma formada em pedagogia pela UFRGS; outra em educação artística pela UCS; outra em Letras pela PUC de Porto Alegre; outra em matemática pela PUC (com mestrado e doutorado); outra em Jornalismo também na PUC e Ciências Sociais incompleto na UFRGS; e; por fim; uma em economia pela USP (com especialização e mestrado). Entre as quatro deputadas maranhenses, três possuem curso superior, sendo que: uma é formada em Ciências Sociais pela UNB; outra em Letras pela UFMA; e, finalmente, a terceira em medicina pela UFMA. (Grill, 2007) Isso se traduz em diferentes ocupações exercidas. No Rio Grande do Sul, as cinco deputadas que exerceram uma profissão antes de assumir um cargo político são ligadas ao magistério. No Maranhão, as três deputadas que atuaram profissionalmente estiveram vinculadas a funções públicas (administrativas). O que corrobora as indicações sobre o 64 conjunto dos casos que apontam para o peso das carreiras como professores entre deputados gaúchos e a relevância da passagem por cargos administrativos entre deputados maranhenses. Quanto ao grau de escolarização e o uso destes como trunfo político, destaco o acionamento feito de forma diferenciada por Roseana Sarney e Terezinha Fernandes, ao se beneficiarem do espaço acadêmico. Enquanto a primeira fez uso nos jornais do título de socióloga na campanha de 1990, a segunda utiliza-se muito mais do espaço acadêmico na constituição de seu capital político oportunizado pela participação no movimento estudantil, do que do título propriamente, mais adiante retomarei de forma mais detalhada a trajetória política de Terezinha Fernandes. Como aponta Grill (2007) ― os trunfos oportunizados pelo acesso ao ensino superior (título, relações, socialização no movimento estudantil, entre outros) são extremamente relevantes para o desdobramento das carreiras políticas‖. Gonçalves (2006), em seu estudo sobre a trajetória política de Roseana Sarney, destaca os atributos e autodefinições de validação de seu capital simbólico referido à Campanha Eleitoral de 1990. Vem à tona a formação acadêmica de Roseana Sarney Murad- atributo de sustentação do peso do capital simbólico que afirma deter, independentemente de seu pai José Sarney. Ser ― socióloga‖ constitui-se em capital cultural legitimador que autoriza seu discurso. Falará na condição de candidata, mas de uma candidata que é ― socióloga‖. (GONÇALVES, 2006:95) Barreira (2006) quando fala no capital político das deputadas e senadoras apresenta situações diferentes que podem ser complementares para se pensar em um perfil político das representantes no Congresso Nacional. A autora destaca duas condições relevantes para a conquista de cargos de representação política: o capital político de base familiar e a participação em movimentos sociais. Mostra que 36% das deputadas e senadoras iniciaram a vida política em movimentos sociais diversos (incluindo lutas sindicais, movimento estudantil, luta pela terra e movimento feminista) e 25% tiveram influência familiar via filiação ou matrimônio com ascendente político e 17% ocuparam cargos de confiança em secretarias do governo. Nas palavras da autora: 65 Mulheres apoiadas por sindicatos, defensoras de interesse feministas ou atuantes em partidos políticos atestam a importância de se pensar na elaboração de carreiras políticas mediante formas visíveis de atuação no espaço público. A influência familiar também contribui para a ocupação de cargos legislativos (esposas ou filhas de político) ocorrendo também situações de parentesco não excludentes com a participação em movimentos sociais variados (BARREIRA, 2006:12). No Maranhão, a ocupação de cargos públicos e relações de parentesco com políticos são variáveis sociais que podem ser identificadas em todas as deputadas federais eleitas no período compreendido da pesquisa. Roseana Sarney foi a que ocupou o maior número de cargos públicos antes de se eleger deputada federal, é também a que possui vínculos de parentesco com diferentes ascendentes políticos. Márcia Marinho foi nomeada secretária municipal da Criança e Ação e Social em Caxias no período em que seu marido Paulo Marinho foi prefeito do referido município de 1993 a 1996. Nice Lobão ocupou o cargo de Secretária de Ação Social do Estado do Maranhão no período de 1991 a 1994, sendo seu esposo Edison Lobão governador do Estado nesse mesmo período. E Terezinha Fernandes foi Secretária Municipal do Desenvolvimento Social de Imperatriz entre 2001 e 2002, nesse período seu esposo Jomar Fernandes era prefeito de Imperatriz. No Rio Grande do Sul, casos de relações de parentesco com políticos das mulheres eleitas deputadas também podem ser identificados, duas das deputadas federais que iniciaram a carreira como secretárias municipais (Ana Corso do PT e Kelly Moraes do PTB) chegaram ao cargo nas gestões dos maridos prefeitos. Uma das atuais deputadas federais do Rio Grande do Sul, Luciana Genro, é filha de um ex-vereador, deputado federal, vice-prefeito e prefeito de Porto Alegre, além de ser Ministro do governo de Luís Inácio Lula da Silva há 6 anos. Outra parlamentar, Maria do Rosário, é casada com um importante dirigente do Partido dos Trabalhadores que já concorreu a deputado estadual e ocupou cargos de primeiro escalão nos governos controlados pelo partido no município de Porto Alegre, no estado e no país. Outra variável que destaquei na pesquisa como recurso de legitimação foi o trabalho das representantes no Congresso Nacional. Os dados do quadro 8 mostram que relativizando a idéia de divisão hierárquica do trabalho político das mulheres na Câmara, Roseana Sarney, quando foi deputada federal, não ocupou as comissões cuja presença de mulheres é mais significativa, como Seguridade Social e Família. Na 66 atuação de Márcia Marinho, Terezinha Fernandes e Nice Lobão pode ser observado a participação em comissões cujos temas em geral são considerados típicos do espaço feminino. Um dado merece ser mencionado, Barreira (2006) afirma que de fato, nunca houve até hoje nenhuma deputada presidente da Mesa Diretora da Câmara. Mostro nos quadros abaixo a participação nas comissões das deputadas federais maranhenses e em seguida com uma finalidade comparativa, apresento o quadro sistematizado por Barreira (2006) com a distribuição nas comissões das 42 deputadas federais eleitas no Brasil em 2002. Quadro 8- Participação das deputadas federais maranhenses nas comissões ROSEANA SARNEY Atuação da deputada Período Suplente da Comissão de Relações Exteriores 1991-1992 Titular da Comissão de Economia, Indústria e Comércio 1991-1992 Suplente da Comissão Mista da Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente 1992 Titular da Comissão Especial PEC n51/90 sob a Antecipação do Plebiscito 1992 Titular da Comissão Especial PEC n45/91 que altera a Legislação Eleitoral 1992 Suplente da Comissão Especial do Projeto de Lei sobre Legislação Consultoria 1992 Vice-líder do Governo Federal na Câmara dos Deputados 1992-1993 Titular da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias 1993 Suplente da Comissão de Educação, Cultura e Desportos 1993 Titular da Comissão de Educação, Cultura e Desportos 1994 Membro do parlamento Latino-Americano --- Coordenadora-geral do processo que resultou no impeachment do presidente Fernando Collor, na Câmara Federal. --- Fonte: www.senado.gov.br 67 MARCIA MARINHO Atuação da deputada Titular da Comissão Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática Período 1995 Suplente da Comissão Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática 1996-1998 Suplente da Comissão Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias. 1998-1999 Titular da Comissão Desenvolvimento Urbano e Interior 1997 Titular da Comissão Direitos Humanos 1997 Suplente da Comissão Educação, Cultura e Desporto 1995 Suplente da Comissão Seguridade Social e Família 1995-1996 Titular da Comissão Seguridade Social e Família 1996-1999 Trabalho, Administração e Serviço Público, 1995-1996 Titular da Comissão especial de Implementação das Decisões da IV Conferência Mundial da Mulher: Titular, 1997 1997 Suplente da Comissão PEC nº 25/95, Modifica Caput Art. 5º da Constituição Federal, Inviolabilidade do Direito a Vida: 1995-1996 Titular da Comissão PEC nº 33-A/95, Altera Sistema de Previdência Social 1995-1996 Suplente da Comissão PEC nº 82/95, Recursos da Seguridade Social ao SUS 1998-1999 PL nº 1.673/96, Doação de Açudes pelo DNOCS: Suplente 1997-1999 PL nº 4.425/94 do Senado Federal, Planos e Seguros de Saúde: Suplente 1996-1997 PL nº 464/95, Critérios de Proteção e de Integração Social aos Portadores de Deficiência: Suplente 1996-1997 Procuradoria Parlamentar: Suplente 1995-1999 CPI - Adoção e Tráfico de Crianças Brasileiras: Titular, 1995-1996. 1995-1996 Fonte: www.camara.gov.br NICE LOBÃO Atuação da deputada Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional: Suplente Período 2005 68 Desenvolvimento Urbano: Suplente 2005-2006 Titular Direitos Humanos 2005-2006 Economia, Indústria, Comércio e Turismo: Suplente 2006 Educação e Cultura 2007 Finanças e Tributação: Suplente 2005 Titular da Comissão Relações Exteriores e de Defesa Nacional 2005 Titular da Comissão Seguridade Social e Família 2005 Fixação do Salário Mínimo: Titular --- PEC nº 3/99, Mandato Eletivo: Titular --- PEC nº 54/99, Quadro Temporário Servidor Público: Titular --- PEC nº 137/99, Subteto: Suplente --- PEC nº 306/00, Plano Nacional de Cultura: Titular --- Sessão Legislativa/Posse: Titular --- PEC nº 374/96, MPU: Suplente --- PEC nº 601/98, Direitos Sociais: Titular --- PL nº 1.399/03, Estatuto da Mulher: Titular --- PL nº 1.756/03, Lei Nacional da Adoção: Suplente --- PL nº 3.198/00, Estatuto da Igualdade Racial: Suplente --- PL nº 3.561/97, Estatuto do Idoso: Primeira-Vice-Presidente e Titular --- PL nº 5.234/05, Proteção Crianças Ameaçadas de Morte: Titular 2006 PLP nº 18/99, Responsabilidade Fiscal: Suplente --- CPI: Biopirataria: Titular --- Mortalidade Materna: Titular. --- Fonte: www.camara.gov.br TEREZINHA FERNANDES Atuação da deputada Período Titular da Comissão Amazônia e de Desenvolvimento Regional 2005 Titular da Comissão de Desenvolvimento Urbano 2005 69 Suplente da Comissão Fiscalização Financeira e Controle 2006 Titular da Comissão Minas e Energia 2006 Titular da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional 2005 Suplente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional 2006 PL nº 1.756/03, Lei Nacional da Adoção: Suplente --- PL nº 3.337/04, Agências Reguladoras: Titular --- PL nº 5.234/05, Proteção Crianças Ameaçadas de Morte: Titular --- PLP nº 76/03, SUDENE: Suplente --- PLP nº 91/03, SUDAM: Titular --- PEC nº 007/03, Agentes Comunitários de Saúde: Suplente --- Titular da Comissão Externa: Acidente na Base de Alcântara --- Fonte: www.camara.gov.br Quadro 9- Participação das deputadas federais nas comissões (2003 a 2006) COMISSÃO Nº. TOTAL DE TITULARES Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento rural Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional Ciência e Tecnologia Constituição e Justiça e de Cidadania Defesa do Consumidor Desenvolvimento Econômico, Indústria e ComércioDesenvolvimento Urbano Direitos Humanos e Minorias Educação e Cultura Finanças e Tributação Fiscalização Financeira e Controle Legislação Participativa Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Minas e Energia Relações Exteriores Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado Seguridade Social e Família Trabalho, Administração e Serviço Público Turismo e Desporto Apud: Barreira (2006) 40 Nº. DE MULHERES TITULARES 01 17 03 40 60 20 14 02 02 02 01 17 13 32 30 17 14 16 03 02 08 01 01 04 00 26 30 17 02 02 00 33 25 18 07 04 01 70 Os dados explicitam que, quando se compara a participação nas comissões das deputadas federais eleitas no Maranhão com os dados das deputadas eleitas em todo Brasil, identifica-se uma frequência de mulheres em certas comissões, tais como Comissão de Educação e Cultura e Comissão de Seguridade Social e Família. Esse fato, não é uma peculiaridade apenas do contexto brasileiro, o estudo de Guionnet (2002) sobre a participação de mulheres na política francesa, ressalta um maior envolvimento delas com questões ligadas à área social, da educação e cultura, a autora destaca: A ce propôs l‘enquête diffusée par Libération de 31 mars 2001: sur 85 grandes Villes françaises, 65% des femmes de l‘exécutif municipal sont affectées à l‘action sociale, 62% à l‘éducation, 40% à la culture, 35% à l‘environnement, 23% à la politique de la ville, 15% aux finances, 15% a La sécurité, 15% aux sports, et 11% aux transports. (GUIONNET, 2002:9) 3.4 - O espaço de concorrência política a partir das representações dos agentes O espaço da política é o espaço onde os concorrentes se opõem a partir de concepções sobre o mundo social e visões sobre a ― política‖. Por meio das entrevistas realizadas com sete mulheres que conseguiram ‗entrar na política‘ maranhense (duas exdeputadas estaduais, uma ex-deputada federal e quatro deputadas estaduais da atual legislatura) busquei identificar quais os princípios que regem a disputa eleitoral no Maranhão, na ótica das mulheres. A apresentação dos depoimentos a seguir visa destacar os aspectos mencionados e valorizados pelas deputadas como qualidades necessárias para se fazer política. Segue abaixo alguns relatos. Você tem que ter vivência, você tem que ter cultura. Hoje por exemplo nas discussões, na busca dos projetos, se você não tiver conhecimento a coisa passa despercebida. (...) Quando você não tem um nível muito bom de cultura, não tem muito conhecimento fica difícil e se for mal assessorado, fica ainda mais difícil, porque não tem que lhe abra. (...) Eu acho que você tem ter cultura e tem que ter amigos, para você deslanchar no seu trabalho. Se você tem um conhecimento muito grande, mas se você não tem amizade, com os seus amigos que estão lá 71 fazendo as secretarias, que passam esse senso de responsabilidade, de comprometimento que você tem... as pessoas não tem interesse em lhe ajudar, é nesse aspecto. (...) Eu entrei em quase todas as áreas onde tinha necessidade. Porque você vê a minha vida começava às sete horas e não tinha hora para acabar... meia noite, uma hora. Eu passei doze anos assim. Porque você ta na Assembléia e lá você esta a mil por hora e de lá você vai para as secretarias, para levar as solicitações dos bairros. Nossa não é fácil é muito difícil. (Marly Abdalla, entrevista em 05/03/07) Olha do meu ponto de vista, a minha expectativa é o Dutra que já tem experiência então o Dutra tem possibilidade de se destacar. O Flávio, porque o Flávio tem domínio em uma área, que é essa área mais ligada ao Direito, ao mundo do Direito. Ele tem essa possibilidade. (...) Na tribuna o Dutra se destaca. O Dutra tem destaque como orador, que ele vai e fala mesmo, ele é falador. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) No primeiro trecho, reproduzido da entrevista, a fala é da ex-deputada estadual Marly Abdalla, viúva do ex-presidente da Federação das Indústrias Alberto Abdalla. Esta teve três mandatos no Maranhão pelo antigo PFL, de 1990 a 2002. Foi candidata a vice-prefeita de São Luís em 2004, exerce a direção da Universidade Integrada da Terceira Idade- UNITI na UFMA desde 2005 e em 2008 disputou uma vaga de vereadora pelo DEM nas eleições municipais de São Luís, entretanto não foi eleita. Em seu depoimento, podem-se identificar alguns elementos sendo valorizados como aspectos indispensáveis para se obter êxito na carreira eletiva, tais como: ‗vivência‘, conhecimento e amizade. Dentre essas qualidades mencionadas, pude perceber que a informante não atribuía peso igualitário para todas, o recurso das relações sociais parece ter um peso maior. Isso pode ser observado no seguinte fragmento: “se você tem um conhecimento muito grande, mas não tem amizade com os seus amigos que estão lá fazendo as secretarias (...) as pessoas não têm interesse em lhe ajudar”. A amizade com as pessoas que ocupavam as secretarias e com políticos situados em diferentes níveis da hierarquia política é o que possibilitava um melhor atendimento de suas bases eleitorais. Marly Abdalla (DEM) afirmava no decorrer da entrevista que teve bom trânsito nas secretarias e boa relação com os colegas da Assembléia, afirmou que todos a chamavam de tia Marly por conta da administração da educação infantil do SESI. “Carinhosamente tia Marly pra cá, tia Marly pra lá, porque pegaram das crianças. Um respeito muito grande por mim” (Marly Abdalla, entrevista 05/03/07) 72 A amizade é um trunfo importante na conquista de aliados eleitorais, esta pode facilitar os acessos37, Kuschnir (2000a) destaca em sua pesquisa sobre a trajetória dos Silveira, as alianças que envolvem o acesso, sendo este o que diferencia os parlamentares das demais pessoas. No caso pesquisado pela autora, tanto na atuação do deputado como da vereadora, a troca motivada pela ‗amizade‘ aparece e os vínculos mais fortes sempre foram com pessoas específicas e não com organizações. Isso pode ser exemplificado pelo do depoimento de Marly Abdalla (DEM) sobre Roseana Sarney na época em que era governadora facilitando suas atividades políticas na área habitacional. Marly Abdalla relata: Eu tive muitos projetos, modéstia parte muito atuante. Fiz moradia ali na Cidade Operária nós temos o Recanto dos Pássaros, foi um projeto da Ozinete e a parte política foi minha. Depois nós fizemos o Marly Abdalla I e Marly Abdalla II lá na Cafeteira, onde são 750 casas. Foi a governadora Roseana Sarney que doou o terreno para que eles fizessem a moradia e a parte política também foi feita por mim com a mesma pessoa que é a Ozinete, que a parte do social era com ela. (Marly Abdalla, entrevista em 05/03/07) No segundo caso destacado, a fala reproduzida é da ex-deputada federal Terezinha Fernandes (PT), esposa do ex- deputado estadual e ex-prefeito da cidade de Imperatriz (MA) Jomar Fernandes (PT). Atualmente ela ocupa a Secretaria do Trabalho e Economia Solidária no governo Jackson Lago (PDT). Terezinha Fernandes (PT) apresenta em seu depoimento algumas qualidades de ‗liderança‘ que considera importante no desempenho e destaque nas atividades políticas: experiência, domínio da área do Direito e ser bom orador são alguns dos atributos mencionados pela entrevistada. Quando questionada sobre a possibilidade de destaque dos deputados recém- eleitos38, ela menciona Domingos Dutra (PT) e Flávio Dino (PCdoB). Em relação ao primeiro destaca a experiência como trunfo político, Dutra (PT) já foi eleito duas vezes deputado estadual em 1990 e em 2002. Em 1996 foi eleito vice-prefeito de 37 Para Kuschnir "[...] a conquista de acessos, ou a entrada para a política, é resultado da colaboração dos membros de uma rede em uma série de trocas. Votos, cargos, indicações, pedidos de promoção, interferência em processos burocráticos e legais, encaminhamento de pedidos são os principais recursos de que os Silveira dispõem para trocar com os membros de sua rede. Em contrapartida, recebem financiamentos, bens materiais e ajuda em forma de trabalho na campanha. Esta é a base que constitui o sistema de dar, receber e retribuir acessos." (Kuschnir, 2000:105) 38 Nas eleições de 2006 para deputado federal, a entrevista foi realizada em abril de 2007. 73 São Luís. Enquanto que Flávio Dino (PCdoB) ocupa pela primeira vez um cargo eletivo, mas sua atuação na área do Direito é destacada por Terezinha Fernandes (PT) como recurso agenciado em seu favor no cenário político. Flávio Dino (PCdoB) advogou para diversos sindicatos e de 1994 a 2006 foi Juiz Federal. 39 A eloqüência é outro elemento enfatizado por Terezinha Fernandes (PT), que afirma que Dutra (PT) se destaca como orador. Apesar da Terezinha Fernandes não mencionar, Dutra (PT) também é da área do Direito, tendo prestado assistência jurídica a diferentes setores dos movimentos sociais. Com suas devidas peculiaridades a trajetória de ambos lembra o que afirma Bourdieu (1998:191) sobre a reconversão para a política do capital de notoriedade “é frequentemente produto da reconversão de um capital de notoriedade acumulado em outros domínios e, em particular, em profissões que, como as profissões liberais, permitem tempo livre e supõem certo capital cultural ou, como no caso dos advogados, um domínio profissional da eloqüência”. A deputada Telma Pinheiro (PTB), ao falar de sua trajetória política, menciona que a ocupação de cargos públicos anteriormente contribuiu, atrelado às suas atividades profissionais. Como pode ser observado no trecho da entrevista abaixo: Como eu era da prefeitura desde 69, ingressei no quadro como funcionária, e a partir daí formada em engenharia fui ser engenheira do quadro dos servidores da prefeitura. E eu fui ocupando os cargos mesmo por trabalho, por reconhecimento de trabalho, não foi nada político, fui indicada por prefeitos, por governadores, para ocupar cargos de confiança por trabalho mesmo, por competência profissional. (...) Quando em 83 eu ocupei a Secretaria de Urbanismo em São Luís, depois fui ser Secretária de Terras e Habitação, depois Secretária de Infra-estrutura e de Obras (...) o meu trabalho como técnica na época houve um reconhecimento da sociedade ludovicense porque fui a vereadora mais votada em 95 aqui em São Luís e como deputada estadual de dois mandatos, no primeiro mandato eu tive um bom número de votos, no segundo mandato, na segunda eleição, eu quadrupliquei o número de votos. (...)então eu volto 10 anos depois a ocupar uma secretaria que tem exatamente esse mesmo objetivo, de cidades, de organização social, da questão do uso do solo, da habitação, enriquecido agora pela minha experiência política. (Telma Pinheiro, entrevista 14/03/2007) 39 Para saber mais sobre a reconversão dos trunfos constituídos no espaço profissional de Flávio Dino para política ver Barros Filho (2007) que realizou um estudo sobre as diferentes lógicas que unem recursos sociais, herança política e atividade profissional no percurso de Flávio Dino. 74 Outro fator mencionado pelas entrevistadas como mecanismos que contribuem para o sucesso nas urnas é o vínculo com familiares políticos. As deputadas Fátima Vieira (PP) e Graça Paz (PDT) destacam: Hoje eu ser deputada estadual no Maranhão o grande peso foi meu pai já ter iniciado, já ter uma política muitos anos. Então houve uma necessidade de uma candidatura minha e o reconhecimento de todo trabalho que foi feito tanto pelo meu pai como por mim durante a administração no município de Bacabal e na região do Médio Mearim. (...) A minha campanha eu devo ao reconhecimento dos trabalhos feito por ele, ao nome dele, as iniciativas dele, o apoio, tanto apoio financeiro, como todo apoio que foi dado pelo meu pai. (Fátima Vieira, entrevista em 07/03/07) Hoje sou formada em Administração de empresas e entrei na vida política através de meu marido, que foi deputado por três mandatos consecutivos e terminou que passou essa missão para mim. Todas às vezes eu acompanhava, eu que fazia a campanha em toda baixada maranhense porque eu sou da baixada e ele é da região do sertão maranhense e eu tomava conta da campanha lá na região da baixada, ia a vários municípios. E como a minha família já era envolvida na política, então nessa ocasião eu já não era uma criança, uma mulher, mãe, e meus primos prefeitos e eu tinha também um irmão prefeito e daí a gente fez essa política no interior. (Graça Paz, entrevista em 07/03/07) Fátima Vieira é filha do ex-prefeito da cidade de Bacabal (MA) José Vieira (PSDB), foi diretora do Pronto Socorro de Bacabal (MA) por cinco anos e está atualmente exercendo seu primeiro mandato de deputada estadual. Segundo Fátima Vieira (PP) o reconhecimento que obteve de seus eleitores nas urnas se deve aos trabalhos e apoio de seu pai. O uso dos laços de parentesco com personalidades políticas como trunfo eleitoral pelas deputadas federais e estaduais no Maranhão será melhor discutido adiante, mas já adianto que são vários os casos de herança política, lembrando que esses aspecto não se restringe ao universo de candidaturas no Maranhão. 40 Graça Paz (PDT) é esposa do ex-deputado estadual e candidato a prefeito de São Luís em 2008, Clodomir Paz (PDT), está no seu segundo mandato de deputada estadual. No relato de Graça Paz (PDT) as relações familiares também são apontadas como um 40 Como mostra o trabalho de Grill (2003:85) sobre o Rio Grande do Sul: ― Mesmo após vinte anos de estruturação do sistema partidário (pós-regime militar), apesar da rotinização de eleições em todos os níveis e a despeito de que o universo empírico refere-se a um dos contextos em que a ― fidelidade partidária‖ e a ― politização‖ da população são exaltadas como virtudes ímpares, não há qualquer indício de tendência a que candidatos provenientes de ― famílias de políticos‖ constituam uma raridade entre os profissionais da política‖. 75 recurso para entrada na política. Seu envolvimento nas campanhas do marido e a experiência política de sua família na região da baixada maranhense são enfatizadas pela deputada. Outro aspecto que pode ser notado em sua fala é a questão de conceber a atividade política como ― missão‖. O esforço de denegação (Offerlé, 1997) da condição de profissional político, é recorrente na visão das atividades políticas das deputadas entrevistadas. Muitas quando questionadas sobre como entraram na política afirmavam que no início não queriam, foram impulsionadas ― pela pressão‖, pela ― missão social‖. A deputada Graciete Lisboa (PSDB), ex-esposa do médico e prefeito da cidade de Bacabal (MA) Raimundo Lisboa (PDT), quando fala de sua atuação na Secretaria de Saúde de Bacabal, afirma que nesse período não pensava em disputar cargo eletivo. Não, não. Eu achava que muita coisa podia mudar, eu tinha muito medo da questão política (...). Mas por atender esse público que era muito carente, que me procurava, que muitas vezes nem chegava até ele, muitas vezes eu tirava do bolso, comprava o remédio ou tirava da própria secretaria, enfim dava meu jeito, muitas vezes ele nem ficava sabendo e eu já tava resolvendo. E por atender esse povo... Então começou por aí. (Graciete Lisboa, entrevista em 30/08/07) Marly Abdalla (DEM) também menciona durante a entrevista que não queria entrar na política representativa, só aceitou devido à pressão que recebeu nos bairros. Ela afirma: Então eu tive um convite da Divinéia na época para que eu fosse candidata. E eu disse que não, não quero me meter em política. Eu quero ser política só para fazer o social mesmo. Mas aí houve uma pressão muito grande, até a mão eles fizeram os meus retratos. Aí eu conversei em casa, que as pessoas queriam que eu fosse candidata. „Olha política traz muito sofrimento, você é muito sensível é melhor não ser‟- mas a pressão foi tão grande nos bairros que eu acabei aceitando e eu fui uma das mais votadas, na primeira, na segunda e na terceira eleição. (Marly Abdalla, entrevista em 05/03/08) Em relação ao uso do gênero como mecanismo para obtenção de legitimidade política nas campanhas, das deputadas entrevistadas, a que deu mais ênfase nesse aspecto foi a Terezinha Fernandes (PT), a deputada Graça Paz (PDT) também mencionou que fez uso, mas segundo ela com muita cautela, para não perder os votos masculinos. Eu tenho a impressão, também não é dado científico, de que o fato de eu ser mulher me ajudou muito na campanha, porque assim, tem poucas 76 mulheres participando, que chega que sobe no palanque. Então eu chego aos palanques e só tem homens, chego a determinadas mesas de reunião, debates, seminários, eu chego lá só tem homens, só tem eu de mulher. Então isso ajuda muito de certa forma, porque você chega e fala e não sei o que é, marca. Meu Deus em quantos e quantos lugares eu andei por ai e as pessoas falando „nossa que maravilha, vou votar em você‟, de tantos discursos no meio de homens o meu se destacava. Então isso me beneficiou. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) Eu não atentei muito pra isso, mais aqui acolá nos discursos da gente, a gente pede. Mas eu tinha muito cuidado de pedir os votos para as mulheres, mas ao mesmo tempo eu já tava ali, peço também o voto dos homens porque eu tinha uma liderança e a grande maioria do sexo masculino e isso nunca me dirigia muito à mulher porque a gente fica até preocupada de está ofendendo os homens, porque quando eu fazia isso, acontecia de um homem ou outro dizer assim: “Ah a senhora não quer nosso voto?!” (Graça Paz, entrevista em 07/03/07) A relevância dos aspectos levantados pelas deputadas - competência profissional, talento oratório, laços de parentesco, experiência política, ocupação de cargos públicos, capital de relações sociais- sobre os recursos acionados no espaço de concorrência eleitoral maranhense, evidenciam variações quanto a condição de acesso e consolidação na carreira eletiva. Outro fator que contribui para a condição de acesso dessas mulheres à política é a Lei de Cotas. Apesar das limitações dessa lei no Brasil, já discutidas anteriormente, as deputadas maranhenses se posicionaram positivamente sobre a questão das cotas e do compromisso dos partidos em relação à questão da mulher no parlamento. Das sete deputadas entrevistadas, todas afirmaram acreditar que a política de cotas incentiva de alguma forma a participação feminina no parlamento. A ex-deputada federal Terezinha Fernandes (PT) afirmou que no início era contra essa proposta, mas que atualmente tem uma visão diferente, apesar de ainda considerar algumas críticas: E em relação à política de cotas a senhora acha que incentivou as candidaturas ou não, a senhora tem acompanhado? Quando o PT começou a discutir essa proposta, essa proposta é da Marta né? Eu era contra, eu achava que nos iríamos conseguir conquistar o nosso espaço sem precisar de esmola. Então eu fui contra na época. Mas hoje eu já tenho uma visão diferente, eu acho que cumpriu um papel (...) eu acho que cumpriu uma etapa, porque garantiu com que efetivamente naquele momento, o partido se preocupasse em trazer em atrair mais mulheres para o seu espaço. (...) Hoje eu tenho a impressão que acabou que criando uma área de conforto. (...) Então que acontece geralmente? Eles deixaram de se esforçar pra atrair mulheres para que a mulher possa participar efetivamente e se conformam em ter mulheres apenas 77 para ocupar aquelas vagas, elas efetivamente não estão disputando, é só pra constar. Mas eu acho que houve um espaço de tempo em que isso foi importante sim, e as mulheres de fato tanto que a gente encontra as mulheres por aí participando em função disso. Eu acho que não é pra resolver, não resolveu o problema, a idéia não era essa a gente sabia que não resolvia. Mas eu acho que deu um impulso sim. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) A deputada estadual Graça Paz (PDT) afirmou que as cotas estimularam a participação das mulheres nas disputas eleitorais, apesar do PDT não ter cumprido o preenchimento mínimo de 30%. A deputada afirma que o partido tem um compromisso muito grande em relação ao interesse das mulheres. Em entrevista ela destaca: Estimulou porque antes a cota mínima era mínima para o sexo feminino, graças a Deus isso foi reformulado. Hoje são 30% no mínimo e no máximo 70% para qualquer um dos sexos. E dentro do seu partido, ele cumpriu nas últimas eleições com esse preenchimento mínimo de 30%? Infelizmente não, apesar de nós termos essa cota 30% de preenchimento mínimo e máximo 70% para candidaturas de ambos os sexos, mesmo assim essa cota não é preenchida pelas mulheres (...). O PDT tem uma atuação muito participativa eu diria no Brasil, principalmente falando a nível de Maranhão, principalmente falando a nível de São Luís. Nós temos mulheres aí na luta é pelos direitos da nossa classe e dentro do PDT, principalmente dentro da militância do PDT, existe um trabalho muito grande, em relação ao interesse das mulheres. (Graça Paz, entrevista em 07/03/07) A ex-deputada estadual Marly Abdalla (PFL) não considera as cotas como fator mais importante nas disputas eleitorais, pode até incentivar de alguma forma, mas aponta outros fatores que considera importante para o sucesso nas urnas. Quando questionada a respeito da eficácia da política de cotas, Marly Abdalla enfatiza: É eu acho que ainda é muito insignificante, não abrange... A mulher tem que ser mais audaciosa, a mulher tem que ser mais corajosa, a gente ver que tem até algumas partindo assim, se saindo... mas eu ainda acho que tem que crescer muito, tem que lutar mais, ta faltando mais coragem para a mulher enfrentar e as vezes condições também infelizmente, porque para entrar numa campanha você tem que ter carro, tem que ter combustível, uma série de coisas e você vê que uma pessoa mais humilde tem a tendência, mas não tem as condições. A política de cotas apenas incentiva de alguma forma. (Marly Abdalla, entrevista em 05/03/07) 78 3.5 - De “companheira de militância” a deputada federal. (...) o habitus do político supõe uma preparação especial (BOURDIEU, 1998:169). Descendente de uma família de trabalhadores rurais, atualmente secretária do Trabalho e da Economia Solidária do Maranhão, Terezinha Fernandes passou por esferas diversas e desempenhou diferentes papéis ao longo de sua trajetória. De aluna do curso de Letras e moradora da casa dos estudantes universitários, militante do movimento estudantil no final dos anos 1970, atuante na construção do Partido dos Trabalhadores no Maranhão, funcionária pública, esposa de político, a deputada federal transitou por múltiplos ambientes, exercendo diferentes atividades. Herdou e adquiriu capitais específicos que lhe ofereceram possibilidades de manobras de conversão para as disputas políticas. Tal é o que procurei evidenciar com a análise que se segue, as diferentes práticas, trunfos e estratégias no percurso de um agente, no caso em pauta, uma mulher maranhense que conseguiu ser eleita deputada federal. Terezinha Fernandes nasceu em Sobradinho, comunidade rural do município de Barreirinhas41, localizada às margens do rio Preguiça, onde viveu até os 14 anos de idade. De uma família de onze irmãos, foi a única que conseguiu ingressar na universidade. Seu pai foi agricultor e sua mãe conciliava as atividades domésticas com os trabalhos de artesanato de Buriti42. Perdeu a mãe ainda na infância, quando tinha apenas 10 anos. Em 1969 se deslocou para São Luís com o objetivo de dar continuidade aos estudos, pois só tinha cursado até a terceira série, passou em São Luís a estudar na escola pública Ivar Saldanha. Na adolescência participou do grupo de jovens na igreja católica da Vila Vicente Fialho, onde morou com o irmão até passar no vestibular para Letras na UFMA em 1977. Depois disso passou a morar no lar universitário. Fato que segundo Terezinha contribuiu para entrada no movimento estudantil. Destaca Terezinha: 41 42 Município localizado na microrregião Lençóis Maranhenses, com uma distância de 252km de São Luís. Também chamado de miriti, o buriti é a fruta do buritizeiro (palmeira amazônica facilmente encontrada no norte do Maranhão). Semelhante a um coquinho, ele possui uma casca dura, de coloração vinhoavermelhado e coberta por desenhos que lembram escamas. Muitos ribeirinhos têm na palmeira sua principal fonte de renda. 79 (...) foi na universidade que eu tive minha iniciação política mesmo... aí me mudei para ficar morando na casa do estudante universitário, ficava lá na rua do Norte. Então lá a gente entrava em contato com muita gente, conversava com muita gente, e a casa, o lar universitário de qualquer forma, era um ponto de referência para quem fazia movimento, era um espaço bom para se recrutar militantes e aí por isso que nós fomos procurados. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) Na graduação, conheceu aquele que viria ser seu esposo, Jomar Fernandes, na época estudante do curso de Engenharia e líder estudantil. “(...) nós nos conhecemos nesse grupo... fundamos o grupo Tarefa que foi por esse que Jomar disputou a presidência do DCE, aí ganhou a eleição em 80”. Terezinha menciona que chegou a disputar a presidência do Diretório Acadêmico de Letras, mas não conseguiu ser eleita, perdendo para sua colega de curso Lúcia Brandão. Além da participação no movimento estudantil, chegou por volta desse período, a participar também de algumas campanhas eleitorais de pessoas que viriam ajudar a organizar o PT no Maranhão, a exemplo das candidaturas de Haroldo Sabóia e Freitas Diniz. Terezinha Fernandes, ao relatar sua ― história de vida‖ buscou atribuir coerência às opções que fez devido, segundo ela, a uma consciência política adquirida ao entrar na universidade. Segundo suas narrativas, a entrada na UFMA foi um ponto determinante na sua trajetória. É possível identificar em sua fala elementos que denotam a partir daí um caminhar progressivo 43. (...) A mudança de lá (saída do interior para São Luís) houve lógico uma mudança de vida, mas de qualquer forma a minha visão ainda era uma visão muito restrita das coisas então me transformei numa outra pessoa, abri os olhos a partir do momento que eu entro na universidade. Então em quatro anos eu passo a enxergar a vida, o mundo, o meu quintal, a minha vida com uma realidade totalmente diferente daquilo que eu vivia. E aí, a partir daí que eu tive de fato segurança, que eu inconscientemente, que era na verdade de forma inconsciente, que eu tentava enfrentar só o meu passado de lutar por conquistar um espaço, uma profissão, uma vida melhor, aí eu transfiro isso para minha vida política, aí deixa de ser uma luta só minha e passa a ser de fato uma luta coletiva, aí eu me junto a outras pessoas e a outros grupos que já estavam atuando na época. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) No movimento estudantil, Terezinha destaca sua participação na luta pelo processo de derrubada da Ditadura, menciona as campanhas que fez parte para levantar fundos e mandar para greve do ABC paulista. Cita também a greve em favor da meia 43 Para uma problematização sobre relatos biográficos como construções lineares, apontando para um determinado sentido, ver Bourdieu (2005) 80 passagem em 197944 em São Luís, iniciada pelos universitários, ressalta em diferentes momentos a experiência de militar num período de difícil relação dos universitários com a polícia. Na UFMA, Terezinha e seu namorado começam a fazer parte de uma rede de militantes, muitos continuaram posteriormente a participar da dinâmica política maranhense. O nome de Jomar Fernandes aparece inúmeras vezes, com centralidade nos fatos relatados, demonstrando que ambos debutaram politicamente como militantes e em espaços comuns. Fato que se difere das outras trajetórias das deputadas federais eleitas no Maranhão. Duas - Márcia Marinho e Nice Lobão- apesar de apresentarem laços de casamento com políticos, lembram os casos analisados por Grill (2003) das chamadas ― primeiras-damas‖ 45. Sobre suas atividades de militância destaca Terezinha: E aí eles (os estudantes) chegaram lá pro Jomar cobrando uma postura de não sei o que, eu sei que Jomar foi e lá eles começaram a história dessa greve, que resultou naquela situação toda. Mas aí mais era o Jomar e o Márcio, que mais se destacavam da Engenharia e o pessoal todo ia atrás do grupo, eles eram muito unidos, então faziam muita confusão. E aí juntando com Juarez não sei se vocês chegaram a conhecer, estava Cintra, ai tava pela UEMA que na época era FESMA estava Joãozinho Ribeiro, o Ivan Teles, deixa eu ver quem mais..., o Júnior que hoje eu não sei que ele faz da vida, um tempo ele ainda teve aí pelo meio da política. Então esse povo todo eram militantes das causas do movimento e tinham lá nossas divisões, mas na hora, o Agenor, com o pessoal que estavam no comando do movimento porque eles estavam no Diretório nessa época né? Foi em 79 e aí foi que a greve de fato acabou tomando corpo. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) A gente pra fazer uma greve vocês não imaginam o que a gente sofria. O pessoal do primeiro escalão ficava escondido, eu, por exemplo, tinha época, que Jomar era escondido que nem eu sabia onde é que ele estava a mãe não sabia, ninguém sabia. O pessoal levava porque era assim esconde o primeiro escalão, e o segundo escalão tem que segurar as 44 A greve que visava ao direito à meia-passagem dos estudantes, alcançou significativa mobilização. Contou com a participação não só de universitários, mas secundaristas, professores e trabalhadores que enxergaram no movimento estudantil uma maneira de expressão possível, dentre as duras amarras da ditadura militar. Várias pessoas foram presas, feridas, ônibus quebrados para que o direito fosse reconquistado. Ver mais em Borges (2006)-Estudantes e Política: movimento estudantil e greve pela meia passagem no contexto da redemocratização. Ciências Humanas em Revista (UFMA) 45 Em relação às candidaturas de ― primeiras damas‖ destaca o autor: ― são alçadas à política em grande parte devido às suas atuações como ― parceiras coadjuvantes‖ das atividades dos maridos, adquirindo notoriedade e sendo impulsionadas pela liderança e prestígio deste‖(GRILL 2003:97). Enquanto que o caso de Terezinha Fernandes se assemelha mais ao que o autor chama de ― companheiras de militância‖, citando como casos ilustrativos, as candidaturas de Miriam Marroni e Maria Helena Sartori, apesar do vínculo de parentesco ser relevante, o autor demonstra que nas campanhas é ―mediante a apresentação das biografias militantes das próprias candidatas que o elo é fixado‖. (GRILL 2003:105) Seria interessante fazer um estudo da Terezinha Fernandes em campanha para observar como isso se processa. 81 pontas aqui em baixo (...) enfrentar polícia, fugir da polícia, pra garantir que as nossas assembléias acontecessem. Que ai a gente tirava o movimento do campus, trazia pra cá, que aqui a gente fazia era movimento popular mesmo, não era só movimento estudantil, acabava então a gente fazia isso pra mobilizar, ai as lideranças só chegavam lá na hora do ato, depois saiam de novo, pra não serem apanhados. Então a gente trabalhava num nível de radicalidade, de acordo com a realidade que a gente estava vivendo naquele momento. A polícia federal era assim, agora não, mas até alguns tempos atrás, a gente tinha muito ranço, muita dificuldade de conviver com a policia essa coisa toda porque foi um período muito duro né? Muito ruim na vida da sociedade brasileira e na nossa vida, então a gente sabia que precisava endurecer mesmo, garantir que as coisas acontecessem, a gente tinha essa consciência e segurava. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) Foi justamente desse grupo que militava no movimento estudantil no final da década de 1970 e início dos anos 1980, que saíram algumas lideranças para a criação do Partido dos Trabalhadores no Maranhão 46. Terezinha conta sobre sua participação na construção do PT no Maranhão, destacando como eram organizados os núcleos do PT nos bairros, menciona como exemplo os bairros da Divinéia, São Cristovão, Sá Viana e Anjo da Guarda “a gente ia mesmo pros bairros (...) a gente começou a fazer o PT crescer e tudo”. Em 1981, Terezinha se formou. Assim como seu esposo ela também já tinha passado em um concurso na Secretaria de Fazenda do Estado, quando decidiram morar em Imperatriz-MA47. Lá iniciaram e desenvolveram durante muitos anos um trabalho de consolidação do PT. Em Imperatriz, Terezinha e seu marido, como funcionários públicos, continuaram a militância, agora juntamente com as atividades partidárias, militam na categoria. Participaram de várias campanhas do PT em Imperatriz, no início, sem serem candidatos. ― E só depois de anos a gente lá dentro, trabalhando, conscientizando, organizando o pessoal. Depois de alguns anos aí a gente cria candidato (...) fizemos greve pra cachorro, parava caminhão nesses postos, sempre na militância política e dentro da categoria”. Somente em 1986, Jomar Fernandes lança candidatura a deputado estadual. Em 1988 Jomar se candidata a prefeito de Imperatriz, em 1990 a deputado estadual, em 1994, foi candidato a vice-governador na chapa com Jackson Lago, em 1996 candidata46 Para maiores detalhes sobre os diferentes segmentos que contribuíram na construção do PT no Maranhão, ver BORGES (2008)- PT Maranhão 1982-1992: origens, organização e governos municipais. 47 Situa-se na divisa com o estado do Tocantins, é depois de São Luís, o maior núcleo populacional do Maranhão, atualmente com 236.311 habitantes. (IBGE) 82 se a prefeito novamente, mas só conseguiu obter êxito nas eleições de 1998 como deputado estadual e na de 2000 como prefeito de Imperatriz. A ex-deputada ressalta sua participação intensa e constante nas campanhas do marido. Afirma que fazia de tudo nas campanhas, atividades de coordenação, fazer discursos. Ressalta que sua experiência de militante estudantil ajudou muito. Eu sempre fiz tudo, de campanha o que você quiser pensar, boa parte a gente fazia mesmo desde quando estava no movimento estudantil, o que foi bom nesse período. Nesse período, por exemplo, a gente tinha um mimeógrafo no DCE lá que escrevia o discurso ou escrevia o texto a gente mesmo datilografava a gente mesmo mimeografava a tinta ou a álcool, mas a gente fazia tudo. Então naquele tempo militante era aquele camarada que sabia falar no carro de som pra fazer convite, ao mesmo tempo, mas depois chegamos lá, nós levamos essa experiência pra lá, mas assim nós éramos militantes fabulosos porque tudo que precisava fazer precisa varrer a sede, então a gente varre a sede, ta bom, agora precisa lavar a mão e ir fazer discurso lá na rua grande, ia pra lá e fazia a reunião, então a gente fazia tudo. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) Quando seu esposo assume a prefeitura de Imperatriz em 2001, Terezinha Fernandes passou a ser a secretária de Ação Social do município, o que lhe possibilitou um contato ainda maior com os que ela chama de ― eleitores do PT‖. Ao falar de seu trabalho desempenhado na secretaria, destaca as atividades voltadas para capacitação profissional dos jovens, políticas direcionadas para os idosos, portadores de necessidades especiais e crianças carentes. Por volta desse período, segundo Terezinha, o PT de Imperatriz começa a cogitar a possibilidade de seu nome como candidata a deputada federal em 2002. Mas Terezinha menciona que não tinha interesse a princípio 48, pois não queria sair de Imperatriz, deixar de acompanhar o governo de seu marido de perto. Mas acabou sendo convencida pelo ― pessoal do PT‖ e por seu esposo. Pela história que eu tinha no PT no Maranhão, tudo isso. Pelo nível de relação que a gente construiu eu o Jomar ao longo da nossa vida de militância, eles achavam que de repente eu até poderia entrar na disputa pra ganhar (...) Eu nem queria sair de Imperatriz naquele momento, porque eu queria ficar lá com o Jomar, acompanhando ele no governo, então eu digo eu não posso sair daqui, mas aí convenceram o Jomar, depois de 7ou 8 meses de que deveria ser de fato meu nome. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) 48 Ao longo da pesquisa citei alguns casos em que a negação inicial a vontade de se candidatar aparece como argumentos nos depoimentos de algumas deputadas, em outros trabalhos (Grill 2008, Kuschnir 2000, 2001) percebe-se que esse tipo de argumento é recorrente nos relatos de vários políticos. Reforçando o que dizem os autores sobre profissionalização política e denegação identidária. 83 As atividades de campanha de Terezinha Fernandes se deram, em grande parte, por meio de uma dobradinha política com seu amigo de militância, o candidato a deputado estadual, Domingos Dutra. ― Onde eu não tinha espaço e o Dutra tinha lá eu tava, onde eu tinha eu também levava o Dutra e assim a gente fez e deu certo”, afirma Terezinha. A relação de apoio não se limitou ao PT do Maranhão, Terezinha se lamenta que, no Maranhão, o PT tem muitas divergências internas, então tinha que contar com o apoio também de outros ― grupos‖ do Partido, a exemplo do PT do Piauí. No seu comício de lançamento da campanha, destaca que contou com o apoio do então deputado federal Wellington Dias49 e fala da importância de dialogar com outros ― grupos‖. (...) quando eu desci do palanque eu disse cuidado comigo porque eu gostei, eu gosto muito de brincar, eu digo tenham muito cuidado comigo porque eu gostei desse papel, se vocês me derem área eu vou acabar querendo ficar por aqui. Mas o certo foi uma campanha muito boa, uma campanha bonita, porque a gente conseguiu envolver muita gente, que era a diferença naquele tempo, estávamos eu, os grupos, sempre tivemos essas divergências dentro do PT e assim, mas assim, o nosso grupo como a gente tem mais presença pra lá, então a gente dialoga com os outros grupos. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) Aqui destaco que tanto o fato do seu nome começar a ser cotado no momento em que seu esposo ocupa a prefeitura de Imperatriz, como as referidas alianças políticas, podem demonstrar a forte relação que há dos diferentes níveis da hierarquia política, nas articulações de uma campanha. Lembra também o apontado por Palmeira (2006) que a lógica política é feita ao mesmo tempo de relações institucionais e de relações pessoais. Candidata pelo PT, Terezinha Fernandes consegue atingir um total de 57.583 votos, sendo eleita em 2002, deputada federal no Maranhão. A maior parte dos votos foram obtidos em Imperatriz, seguido de São Luís e Barreirinhas. Três localidades que Terezinha Fernandes constrói identidades ao longo de seu itinerário, em Barreirinhas acredita que os votos alcançados se devem ao fato de ser sua terra natal e por ali ainda hoje conservar amizades. Em São Luís por sua história de militância, e Imperatriz, a maior percentagem atingida, atribui aos anos de militância partidária e sindical, às relações desenvolvidos no funcionalismo público e principalmente a projeção política de seu esposo no referido município. Ocupou o primeiro cargo eletivo em 1992 quando foi eleito vereador de Teresina e em 1994 elegeu-se deputado estadual chegando à presidência do diretório regional do PT, onde ficou de 1995 a 1997. Em 1996 foi candidato a vice-prefeito de Teresina na chapa de Nazareno Fonteles mas não avançou para o segundo turno. Em 1998 foi o primeiro deputado federal eleito pelo PT no Piauí, atualmente é o governador do referido estado. 49 84 Menciona que uma das marcas de seu mandato foi combater a ― oligarquia Sarney50‖. De uma forma mais específica, destaca alguns pontos da atuação de seu mandato. Ressalta que trabalhou muito para garantir a inclusão dos trabalhadores rurais no cenário do Estado, participou também de discussões voltadas para o projeto espacial do Brasil, o que incluía o Centro de Lançamento de Alcântara 51, atuou na área do Direito da criança e do adolescente, na educação, lutando por melhorias e expansão do campus da UFMA de Imperatriz, afirma que conseguiu 59 hectares para universidade doados pelo IBAMA. Outra ênfase dada em seu mandato foi a luta contra as privatizações, faz menção principalmente a luta pela não privatização do Banco do Estado do Maranhão- BEM e da CEMAR. Terezinha afirmou que as atividades políticas sempre absorveram boa parte de seu tempo, e com a ocupação de um cargo eletivo, o ritmo de trabalho se intensificou ainda mais. O fato dos filhos morarem em São Luís desde 1997, e do marido ser político, facilitava o desempenho de suas atividades. Relata que em Brasília trabalhava o dia inteiro de terça, quarta e quinta-feira, “nas reuniões, nas comissões, era no gabinete atendendo gente, e era respondendo ligação, e era indo nos ministérios. Mas é bom que você pare, refresque a mente e que você tenha contatos e fique sempre se realimentando com as bases”. Fica evidente no relato acima, a importância atribuída por Terezinha a habilidade que o político tem que ter na busca por conciliação das atividades desempenhadas em Brasília com os contatos mais localizados. Acredita que poderia ter feito mais pelo Maranhão de um modo geral, mas que em relação ― a sua região‖ trabalhou bastante. A concepção de que o político não pode esquecer-se das ― bases eleitorais‖ está presente na visão de muitos deputados federais no Brasil52. Destaco uma situação em que se pode 50 No decorrer da entrevista, Terezinha Fernandes mencionou que só não disputou a reeleição de deputada federal, para dar sua contribuição na luta pelo fim da ― oligarquia Sarney‖. A ex- deputada foi convidada para ser candidata a vice- governadora de Edson Vidgal (que deixou o Superior Tribunal de Justiça- STJ), pelo então governador José Reinaldo Tavares (PSB) para compor a chapa que disputou o governo do Maranhão contra Roseana Sarney em 2006. 51 Afirma que fez um projeto para que parte dos lucros obtidos com tal atividade fosse repassada para a população que habita nas proximidades do CLA, baseada na experiência da PETROBRÁS em alguns municípios do RJ, com sua saída o projeto foi arquivado. 52 No trabalho de Bezerra (1999), por exemplo, é possível perceber as concepções, práticas e relações sociais produzidas em torno da atuação dos parlamentares orientada para suas "bases eleitorais". O autor 85 perceber Terezinha atuando como mediadora na liberação de recursos federais para sua ― bases‖. Então assim a Universidade, por exemplo, quando o Fernando Ramos foi eleito, ai ele entrou em contato comigo, eu disse:olha reitor vem pra cá porque essa bancada foi eleita... , então venha pra cá com seus pleitos, chama pra gente tomar um café e vamos lutar pra gente conseguir dinheiro pra universidade. No primeiro ano nós não conseguimos, mas no segundo ano conseguimos, no terceiro ano conseguimos e todos os anos seguintes a gente conseguia e vai continuar conseguindo. (...) eu não lutei muito pelo Maranhão, mas pela minha região eu lutei aquela parte de lá Tocantins e Sul do Estado, fiz um bucado de coisa que assim se for comparar com gente que tem aí não sei quantos mandatos com o meu de um só, se botar na balança assim eu não perco. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) Ao selecionar os fatos que determinaram ― entrada na política‖, Terezinha busca enfatizar que a questão ideológica sempre esteve presente, não se define como política se identifica mais com o termo ― militante‖. Procura deixar claro em sua fala, o desinteresse econômico obtido pela atividade política, afirmando que, pelo contrário, ao longo dos anos tinha gastado muito em favor de uma causa, se endividando várias vezes com campanhas e em benefício do partido, “nós éramos altos funcionários do Estado, mas assim, a gente gastava tudo que tinha pra construir o PT”. Essa ênfase no investimento de tempo, dedicação, devoção a instituição pode ser observada na situação relatada abaixo, em que Terezinha se refere a sua tristeza e indignação no momento em que o presidente Lula se deslocou para o Maranhão com o objetivo de declarar apoio para Roseana Sarney nas eleições para o governo do estado em 2006. Eu não sou política por incrível que pareça. Por que assim, a vinda do Lula agora na campanha da Roseana, eu viro um militante comum, nessa hora eu peguei o avião aqui o Lula tava chegando em Timom. Eu peguei o avião fui pra Brasília duas horas da tarde, fui pra Brasília, eu digo eu vou só para fazer o discurso. E fui. Não fui lá nem ver meus filhos lá no apartamento que eu ocupava, fui direto pra câmara pra me inscrever, pra fazer o discurso, pra brigar com o Lula. (...)Aí viram, souberam né? Souberam assim, eu cheguei conversei com o Henrique Fontana, que era meu líder, eu digo olha Henrique to vindo aqui por isso, por isso e por isso. E ele „não pode Terezinha, muito cuidado, não pode, o Lula ta errado, vocês tão certo o PT tá certo em apoiar o Jackson, mas você não pode, faltam poucos dias pra eleição, você é deputada do PT, é uma das vice-líder da gente aqui, se você sobe nessa tribuna a imprensa do Brasil todinho só tá atrás de uma coisinha‟. Aí lá demonstra como esta atuação inscreve-se num sistema complexo de relações de dependências mútuas, constituído, entre outros, por representantes dos poderes locais, nacional e agentes privados. 86 vem o Arlindo Chinaglia que é o líder do governo, era né? „Terezinha não pode, de jeito nenhum não pode, não pode‟. Eu digo não pode? (...) O certo é que eu cometi a besteira de comentar com eles quando faltavam uns minutos não me deixaram falar acabaram a sessão 7 horas em ponto. Eu chorei, briguei(...) Pra na hora o Lula num ato daquele, chegar aqui e mudar tudo que a gente lutou durantes anos, eu luto por isso há 30 anos, há 30 que eu luto por isso. Pra numa tarde o Lula vim aqui e mudar isso tudo. Gente isso não é brincadeira! O cara que eu ajudei a projetar a nível nacional, a nível do Maranhão, carreguei bandeira pro Lula a vida toda, carreguei e continuo carregando. Pro camarada chegar e fazer isso com a gente, Ave Maria! Pra quem não tem ideal pode até... mas eu tenho um ideal dentro de mim. E eu ainda acredito que o PT vai se reestruturar, vai se restabelecer como um partido que eu acreditei que eu apostei que eu ajudei a construir esses anos todos. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) Com base nos relatos acima, reporto-me ao que Bourdieu (1998) discute sobre uma lógica particular do capital delegado, que é a investidura. Na relação de Terezinha Fernandes com PT, há um investimento mútuo, é a lei que rege as permutas entre o agente e a instituição mencionada por Bourdieu (1998:192): “a instituição dá tudo (...) àqueles que tudo deram a instituição, mas porque fora da instituição e sem a instituição eles nada seriam”. As redes de relações formadas por militantes e dirigentes do PT, os diferentes fatos que relembra, fazem-na sentir parte da memória política do partido. Quando fala que sua candidatura não estava nos seus planos, enfatiza que só acabou acontecendo porque ― o PT indicou o seu nome e a convenceu‖. E a indicação foi em boa parte devido sua história no partido. A relação agente/instituição também pode ser problematizada, no que diz respeito à posição que o agente ocupa dentro da instituição. No episódio mencionado, Terezinha ocupa uma posição social capaz de interferir na imagem daqueles que estão no seu campo de ação, caso lhe fosse concedida a palavra. O receio de que a situação se concretizasse é expresso nas palavras do Henrique Fontana, ― você é deputada do PT, é uma das vice-líder da gente aqui, se você sobe nessa tribuna ...”. A candidatura somente em 2002 também é explicada por questões conjunturais, Terezinha explica que na época da fundação do partido, ela não tinha o perfil de candidato do PT “O PT era radicalíssimo naquele tempo então a gente não tinha a cara do PT, a cara do PT era do trabalhador, de preferência de um trabalhador com a cara 87 bem quebrada”. Terezinha e seu esposo foram candidatos somente quando o partido começa a falar para bases mais amplas. Com a vitória de Jackson Lago, nas eleições de 2006, Terezinha passou a ocupar a Secretaria do Trabalho e da Economia Solidária do Maranhão. Fala que não consegue deixar de fazer política, por mais que não esteja ocupando cargo eletivo. Ressalta que mesmo sendo mãe de quatro filhos, isso não a impediu de militar. O principal, segundo Terezinha, para uma mulher continuar desempenhando suas atividades políticas é a compreensão do marido, e destaca que isso só acontece quando o marido é militante. Porque se não for marido militante, nenhum marido compreende não aceita e a vida política da mulher acaba não vai pra frente. Isso eu digo com certeza. Porque a mulher aceita acompanha o marido, tudo que ele faz a sociedade aceita, mas a mulher sendo mulher não aceita, a não ser que ela seja solteira, que ela faça opção de não ter família, de não casar para ter uma militância política (...). Eu viajava pra tudo quanto era canto do Brasil ia por aí. Lá explodiu a base espacial de Alcântara, lá chego. Pediram a comissão externa formamos a comissão externa, aí eu viajo pra cá, vou não sei pra onde, não sei pra onde, e quando chego em casa digo: meu bem de madrugada vou viajar não sei pra onde. Passo final de semana todinho viajando, quando chega segunda-feira de madrugada vou viajar pra Brasília, acha que isso é fácil? Não é fácil. (Terezinha Fernandes, entrevista em 03/04/07) O vínculo de parentesco com político mais encontrado entre o grupo das deputadas que pesquisei, foi com o cônjuge. E pude identificar em outros relatos, o fato de o marido fazer parte do meio político, sendo destacado como fator importante no desempenho das atividades políticas, devido o tempo de dedicação que a mesma exige. Os exemplos das situações e relatos aqui destacados servem para mostrar as diferentes lógicas da trajetória de Terezinha Fernandes, que ora se assemelha em alguns aspectos com outros políticos, ora se diferencia com suas peculiaridades. Com o olhar voltado para percurso de um agente, busquei numa perspectiva mais ampla, contribuir com os estudos sobre as lógicas e processos que regem as disputas políticas, atentar para problemática das relações hierárquicas entre membros das mesmas redes sociais, assim como enriquecer a discussão sobre gênero e política. 3.6 Deputadas Estaduais no Maranhão Da eleição realizada em 1982 até a última, em 2006, foram eleitas no Maranhão um total de 22 deputadas estaduais conforme pode ser observado no quadro 10. Em 88 comparação com as deputadas federais considerei as mesmas variáveis. Os dados foram em grande parte adquiridos por meio da biblioteca e dos arquivos do setor de cadastro parlamentar da Assembléia Legislativa do Maranhão. Utilizei ainda para análise seis entrevistas em profundidade com atuais e ex-deputadas (Graça Paz, Fátima Vieira, Graciete Lisboa, Telma Pinheiro, Marly Abdalla e Maura Jorge). Estas relataram além de dados sobre suas origens sociais, percursos profissionais e políticos, aspectos sobre suas representações, valores sobre ‗a política‘ e suas posições sobre questões referentes a participação da mulher na política. (ver modelo do questionário- anexo). Quadro 10: Mulheres eleitas deputadas estaduais no Maranhão (1982-2006) ANO Nº de mulheres eleitas Nome das deputadas estaduais 1982 1986 1990 1 1 2 Maria da Conceição S. Mesquita(PMDB) Conceição Andrade(PMDB) Maura Jorge(PFL) Marly Abdalla(PFL) 1994 3 Marly Abdalla(PFL) Janice Braide(PSD) Maria Aparecida Cardoso (PRP) 1998 11 Maura Jorge (PFL), Malrinete Valério(PRP), Marly Abdalla(PFL), Luzivete Botelho(PSDB), Janice Braide (PSD), Sandra Rodrigues (PSC), Maria Aparecida Queiroz Furtado (PL), Tereza Murad (PDT), Telma Pinheiro (PFL), Helena Heluy (PT), Maria da Graça Nunes Melo53 2002 8 2006 7 Graça Paz (PDT), Tereza Murad(PSB), Maura Jorge (PFL), Janice Braide(PSD), Gardênia Maria Santos Ribeiro Gonçalves, Telma Pinheiro (PFL), Helena Heluy (PT), Cristina Archer(PSDB), Socorro Waquim(PMDB) Eliziane Gama (PPS), Fátima Vieira (PP), Graça Paz (PDT), Graciete Lisboa (PSDB), Cleide Coutinho (PSDB), Helena Heluy (PT), Maura Jorge (DEM) Percebe-se por meio do quadro acima que no decorrer dos anos houve um aumento considerável no número de deputadas eleitas no Maranhão. Observa-se que tanto nas eleições de 1982 como na de 1986 apenas uma mulher conseguiu ser eleita deputada estadual, Conceição Mesquita (PMDB) e Conceição Andrade (PMDB) respectivamente; já durante a legislatura de 1999 a 2002 as mulheres ocuparam um Nas eleições de 1998 Telma Pinheiro (PFL), Helena Heluy (PT) e Maria da Graça Nunes Melo tinham ficado como suplente assumindo posteriormente. O mesmo aconteceu nas eleições de 2002 com Gardênia Maria Santos Ribeiro Gonçalves. 53 89 número maior de cadeiras na Assembléia Legislativa Maranhense, somando um total de 11 deputadas. Atualmente a Assembléia Estadual do Maranhão conta com a participação de 7 mulheres: Maura Jorge (DEM), Helena Heluy (PT), Cleide Coutinho (PSDB), Graciete Lisboa (PSDB), Fátima Vieira (PP), Graça Paz (PDT) e Elisiane Gama (PPS). Apresento abaixo no quadro 11 as propriedades sociais das deputadas estaduais. 90 Quadro 11- Quadro sinótico dos percursos das deputadas estaduais no Maranhão (1982-2006) FORMAÇÃO/PROFISSÃO OCUPAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS ANTERIORES AO MANDATO DE DEPUTADA LAÇOS DE PARENTESCO COM POLÍTICO DEPUTADA PRIMEIRO CARGO ELETIVO IDADE QUE OCUPOU O PRIMEIRO CARGO ELETIVO CONCEIÇÃO MESQUITA Vereadora em Coroatá 40 Ens. Médio Empresária/Administração Hospitalar Diretora-Presidente da Casa de Saúde e Maternidade Dr. João Mota em Coroatá de 1975 a 1979 Cônjuge (foi deputado estadual) CONCEIÇÃO ANDRADE Deputada Estadual 31 Direito/Advogada Não se aplica Não se aplica MARLY ABDALLA Deputada Estadual 51 Pedagoga/Administração escolar Não se aplica Filho foi vereador em São Luís MAURA JORGE Deputada Estadual 29 Direito/Advogada Não se aplica Mãe e cônjuge (esposo foi prefeito de Arari) APARECIDA CARDOSO Deputada Estadual 37 Ens. Médio/técn. Contabilidade Não se aplica Não se aplica APARECIDA FURTADO Prefeita de ParaibanoMaranhão (1993 a 1996) 38 Ens. Médio/Empresária Não se aplica Não se aplica JANICE BRAIDE Deputada Estadual 52 História/Escrivã Não se aplica Cônjuge (esposo foi prefeito de Santa Luzia) 91 MALRINETE VALÉRIO Deputada Estadual 33 Ens. Médio/Comerciante Tesoureira Municipal do município de Bom Jardim-MA em 1997 Pai (filha de ex-prefeito de Bom Jardim) - Assessora Especial da Prefeitura em São LuísMA de 1972 a 1983; - Secretária Municipal de Urbanismo em São Luís-MA de 1980 a 1983; TELMA PINHEIRO Vereadora de São Luís (1997 a 1999) 45 Engª Civil- UEMA - Secretária Municipal de Planejamento em São Luís-MA de 1987 a 1988; Não se aplica - Secretária Municipal Adjunta de Administração em São Luís-MA de 1994 a 1995; Secretária Municipal de Infra Estrutura em São Luís-MA de 1995 a 1996. SANDRA RODRIGUES Deputada Estadual 28 Ens. Médio/Empresária - Secretária Municipal de Desenvolvimento Econômico, Assistência Cônjuge (esposo foi prefeito de Timom) 92 Social e do Trabalho do município de TimonMA de 1997 a 1998 MARIA DA GRAÇA MELO Prefeita de PedreirasMa (1989 a 1992) 49 Ens. Médio/Empresária Não se aplica LUZIVETE BOTELHO Vereadora em Açailandia por dois mandatos (1989 a 1996) 29 Superior/Func. Pública Federal - Assessora no Ministério do Trabalho em Brasília-DF em 1983; Cônjuge (esposo foi prefeito de Pedreiras) Cônjuge (esposo foi prefeito de Açailandia) - Secretária do Ministro Almir Pazzianoto em 1984. CRISTINA ARCHER Deputada Estadual 48 Comunicação Social - Secretária Municipal de Desenvolvimento Social no município de Codó-MA de 1997 a 2000; Cônjuge (ex-esposa do prefeito de Codó) - Secretária Municipal de Desenvolvimento Social no município de Codó-MA de 2000 a 2002. GRAÇA PAZ Deputada Estadual 50 Administração Não se aplica Cônjuge (esposo foi deputado estadual) HELENA HELUY Vereadora de São Luís (1997 a 2000) 54 Direito/Jornalismo- UFMA Não se aplica Não se aplica 93 GARDÊNIA GONÇALVES Deputada Estadual 44 Arquiteta Não se aplica Pai (foi governador do Maranhão ) e mãe (foi prefeita de São Luís). TEREZA MURAD Prefeita de Coroatá (1993 a 1996) 37 Ens. Médio/Empresária Não se aplica Pai (foi deputado), cônjuge (esposo foi prefeito de Coroatá) - Secretária Municipal de Educação no município de TimonMA de 1993 a 1996; SOCORRO WAQUIM Deputada Estadual 48 Licenciada em GeografiaUFPI/professora universitária - Assessora de Educação na Gerência de Desenvolvimento Regional em CaxiasMA de 1999 a 2000; Cônjuge (esposo foi vereador por 5 mandatos em Timon, foi eleito deputado federal) - Gerente da Gerência Regional de Caxias-MA em 1999; - Gerente Municipal de Desenvolvimento Humano no município de Caxias-MA de 2001 a 2002. GRACIETE LISBOA Deputada Estadual 51 Ens. Médio/Func. Pública - Secretária de Ação Social de Bacabal de 2005 a 2006. Cônjuge (ex-esposa do prefeito de Bacabal) 94 FÁTIMA VIEIRA Deputada Estadual 47 Pedagogia- Universidade da Paraíba (privada) - Diretora de Pronto Socorro no município de Bacabal de 2001 a 2005. Pai (filha de ex-prefeito de Bacabal) CLEIDE COUTINHO Vice-prefeita do município de CaxiasMA em 1999 52 Medicina- Universidade Federal da Bahia - Secretária de Saúde de Caxias de 1999 a 2000; Cônjuge (esposo prefeito de Caxias) Deputada Estadual 30 ELISIANE GAMA - Secretária de Ação Social de Caxias de 2005 a 2006. Comunicação Social-UFMA Não se aplica Não se aplica 95 No que tange ao grau de escolarização/profissão 54 das deputadas estaduais percebe-se a predominância das seguintes categorias: empresárias (6), advogadas (3), funcionárias públicas (3), comunicólogas(2) e professoras/pedagogas (2). Identifica-se ainda uma médica, uma engenheira civil, uma arquiteta uma administradora, uma contadora e uma historiadora (ver quadro sinótico2). Das 22 deputadas apenas 7 cursaram até o Ensino Médio, demonstrando que 68,18% conquistaram vitórias nas urnas como deputadas das mulheres que investiram no diploma de curso superior. Uma análise mais detalhada para identificação se houve a reconversão da atuação profissional das deputadas em trunfo político, exigiria um estudo mais aprofundado da trajetória de cada uma delas, no entanto, exemplifico rapidamente com dois casos: Helena Heluy (advogada) e Cleide Coutinho (médica). No primeiro caso, destaco um trecho da biografia produzida no site da Assembléia Legislativa ressaltando a atuação profissional de Helena Heluy na advocacia sempre em ― defesa da causa dos oprimidos‖. Filiada ao PT desde 1988, advogada, promotora de Justiça, procuradora de Justiça, jornalista, fundadora e membro da Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz de São Luís, Helena tem dedicado seu mandato à causa dos excluídos, dos sem teto, dos sem terra. Trata-se de uma luta ininterrupta em defesa dos postulados da democracia, da liberdade, dos direitos humanos, da mulher, das crianças, dos encarcerados etc. Como advogada, dedica sua vida à defesa da causa dos oprimidos. Em sua prática de vida, dá prova permanente de seu compromisso, coerência e coragem.55 No trecho destacado, percebe-se a ênfase na vinculação de sua atividade profissional com uma história militante, contribuindo para construção de uma imagem de porta-voz de causas legítimas. Por meio de sua atuação, enquanto advogada conseguiu representar diferentes segmentos dos movimentos sociais, contribuindo para a construção de um poder simbólico que é produto dos atos subjetivos de reconhecimento, é um poder que aquele que lhe está sujeito dá àquele que o exerce. Como afirmou Bourdieu (1998:188) “o homem político retira sua força política da confiança que um grupo põe nele. Ele retira o seu poder propriamente mágico sobre o grupo da fé na representação que ele dá ao grupo e que é uma representação do próprio grupo e da sua relação com os outros grupos”. 54 Foi considerada a principal profissão, com base nas fichas de cadastro parlamentar, preenchidas pelas deputadas. 55 Trecho extraído do site http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/biografia.php, acesso em 05/07/08 96 Somando-se aos vínculos estabelecidos com os movimentos sociais, as relações construídas ao longo de sua atuação profissional- fato de ter sido professora do Departamento de Direito da Universidade Federal do Maranhão e ter integrado por 25 anos o quadro do Ministério Público Estadual- possibilitaram a Helena Heluy o uso de estratégias de diferenciação na lógica de concorrência política. Então sua passagem pela UFMA, pelo Ministério Público, sua relação com os movimentos sociais e Igreja Católica56 demonstram como a disputa política compreende diferentes lógicas. No segundo caso, destaco alguns trechos do material de campanha da deputada Cleide Coutinho “Drª. Cleide:uma história de luta pela saúde e compromisso social” . O material, em questão, dispõe de 15 páginas onde se observa a apresentação da candidata desempenhando diferentes papéis ao longo de seu percurso social- estudante, esposa, mãe, médica, política- com fotos que ressaltam o seu capital social constituído a partir das mais diversas lógicas, sempre relacionando a imagem da candidata ao seu cônjuge e ao município de Caxias. Como a questão em pauta é o uso da atuação profissional como trunfo político, destaquei apenas as imagens e trechos que põem em relevo o desempenho da medicina em Caxias pelo casal Cleide e Humberto Coutinho. No entanto, não se pode esquecer da multidimensionalidade dos recursos dos agentes políticos, acumulados em diferentes esferas sociais, sendo o uso da notoriedade profissional na busca por adesão de uma base eleitoral, apenas um desses recursos. Para uma compreensão dos diferentes papéis desempenhados pela deputada em questão, exigiria um estudo mais aprofundado, numa perspectiva mais etnográfica. Na foto número 9, é destacada o início da carreira médica do casal ainda jovem no Hospital Miron Pedreira. No trecho desta foto, percebe-se como é construída uma imagem de ‗inconformados com o atraso‘, que atribui ao casal a insatisfação com um determinado tipo de instalações médicas encontradas em Caxias no inicio de suas carreiras :“as instalações da instituição frustraram os jovens médicos”. Conferindo aos Coutinho a busca por melhorias na área da saúde no município: “Logo depois, junto com outros profissionais alugaram instalações para montar um hospital e alguns anos depois construíram a Casa de Saúde e Maternidade de Caxias que se tornou a grande referência de saúde em todo Maranhão”. 56 A deputada é fundadora e membro da Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz de São Luís 97 Ilustração 1- Fotos da atuação profissional de Cleide Coutinho no município de Caxias 98 As fotos de números 10 a 14 enfatizam o sucesso profissional da dupla de médicos. Diz o material: “(...) A Casa de Saúde foi o primeiro hospital do Maranhão a realizar um transplante de rim (...) as pessoas faziam fila para disputar uma consulta, uma cirurgia ou uma internação no hospital da Drª. Cleide e do Dr. Humberto”. Por meio das fotos e dos dizeres é creditado ao casal, a realização de uma série de benefícios públicos na área da saúde em Caxias. O material de campanha da parlamentar mostra ainda a mobilização de vínculos constituídos em outros domínios com apoiadores visitando o hospital “A fama dos médicos Cleide e Humberto Coutinho crescia na cidade e na região (...) inclusive com pessoas ilustres visitando o hospital, tal como o ministro do STJ, Edson Vidigal e o saudoso Senador Alexandre Costa” (ver fotos 19 e 20). Abaixo das fotos 22 e 23 identifica-se no próprio material em questão a afirmativa de que “o sucesso profissional e pessoal do jovem casal levou ao sucesso político”. 99 Ilustração 2- Edson Vidigal e Alexandre Costa visitando o Hospital administrado pelos Coutinho 100 Tais imagens demonstram não só a reconversão da exercício da medicina para a política, como também Cleide Coutinho acionou seu capital social e político constituído ao longo de sua atuação profissional como médica, como esposa do Humberto Coutinho e na rede de relações pessoais com grandes eleitores57. Aqui vale lembrar um dos tipos de capital político identificado por Bourdieu (1998:192) o capital delegado, a presença nas fotos de pessoas como Edson Vidigal, Alexandre Costa e do próprio cônjuge investem, consagram Cleide Coutinho como candidata oficial a uma eleição – ― ato propriamente mágico de instituição‖ - marcando a transmissão de um capital político. Até mesmo nos slogans de campanha das duas deputadas- Helena Heluy e Cleide Coutinho - nota-se a evocação de suas atuações profissionais. Ilustração 3- Material de campanha de Cleide Coutinho pra deputada estadual em 2006. Com a figura de um estetoscópio no material de campanha, Cleide Coutinho convoca seu público eleitor com slogan ― Saúde e Compromisso Social‖. O pequeno trecho do material destaca sua singularidade feminina entre os candidatos, ― capacidade que os mesmos possuem em administrar adesões, fruto da mediação operada por eles entre diversos segmentos da população e o espaço político em níveis variados‖ (Grill, 1999) 57 101 apresentando-a como ― mulher de fibra, coragem e determinação‖ e ao mesmo tempo ressalta sua ― competência profissional‖. Helena Heluy que desempenhou ao longo dos anos atividades como advogada, promotora de Justiça, procuradora de Justiça adota um slogan que também remete a sua atuação profissional, ― Justiça pra toda vida‖. Ilustração 4 - Capa do cd do relatório de atividades de Helena Heluy- 2007 Tentei demonstrar, por meio dessa rápida abordagem, como a notoriedade profissional das duas deputadas em questão, foi utilizada como recurso político nesse empreendimento. Outros exemplos poderiam ser explorados como o caso da deputada Elisiane Gama (PPS) e sua atuação profissional como comunicadora na rádio evangélica FM Esperança, a atuação como advogada da ex-deputada Conceição Andrade nas questões de conflitos de terras no Maranhão ou ainda a administração escolar do SESI (Serviço Social da Indústria) realizada durante muitos anos pela ex-deputada Marly Abdalla. 102 Entretanto, nem todos profissionais da política fazem uso de sua atuação profissional como recurso nas disputas eleitorais, pelo contrário alguns não chegam nem a exercê-la ou se desligam posteriormente da profissão devido o tempo de dedicação que é exigido às atividades políticas. Levando isso em consideração, busquei identificar qual a idade que essas mulheres que se elegeram deputada estadual no Maranhão ocuparam o primeiro cargo eletivo e quanto tempo estas já têm de mandato. (Ver quadro 12 e 13) Quadro 12- Idade de ingresso no primeiro cargo eletivo entre as deputadas estaduais Idade Entre 18-35 Entre 36-45 + de 45 Nº de casos 6 6 10 Os dados mostram que mais de 40% das mulheres iniciaram suas carreiras após os 45 anos, o que não difere muito das deputadas federais como já foi demonstrado. Tentando identificar o que Avelar (2001) apresenta em relação à difícil conciliação entre a esfera familiar e a política por parte das mulheres, devido à situação conjugal e a maternidade, perguntei às deputadas que entrevistei se isso procede. Sobre tal questão afirmaram as deputada Graça Paz, Fátima Vieira 58 e as ex- deputadas Marly Abdalla59 e Telma Pinheiro60, respectivamente: Não é fácil, nunca foi fácil. Não só para as mulheres que têm uma vida ativa politicamente como para as mulheres que trabalham fora. Ela tem que conciliar os trabalhos de dona de casa, de mãe, de avó no meu caso que eu tenho que dar atenção para meus netos também. Isso para gente é muito difícil, porque o fato de nós estarmos fazendo parte de uma área que antes era masculina, isso não nos tira nossas tarefas de casa. Nós nos preocupamos com as tarefas de casa, com a escola dos filhos, com as reuniões, que normalmente são as mulheres, claro que existem pais que fazem, mas na sua grande maioria quem participa ativamente da vida da As entrevistas realizadas com as deputadas Graça Paz e Fátima Vieira ocorreram separadamente em seus respectivos gabinetes no dia 07/03/07 , vésperas do Dia Internacional da Mulher fato que contribuiu na concessão da entrevista. 59 A entrevista foi realizada no dia 05/03/07 na sala da coordenação da Universidade da Terceira IdadeUNITI-UFMA. 60 A entrevista foi realizada no dia 14/03/07 na SECID, atualmente Telma Pinheiro assume a Secretaria das Cidades. 58 103 família nessas particularidades, como dona de casa, como mãe, é a mulher (Graça Paz). “Há muita dificuldade, principalmente quando a gente tem casa, a gente tem filhos, tem marido então é muito complicado, dá muito trabalho, mas a gente tenta conciliar (Fátima Vieira). Ah meu Deus essa é uma situação muito... precisa uma compreensão muito grande, da família, do marido. Época de campanha você chega em casa três horas, quatro horas da manhã. Meu marido era empresário, tinha as empresas dele, tinhas as articulações, os amigos que era outra ala e tudo isso preenchia o tempo dele e eu tinha oportunidade de preencher o meu. E ele sempre respeitou, e é isso que falta, esse respeito mutuo, não pode se apossar da vida do outro. Agora lógico, você tem que ser correta, tem que ter limites, tem satisfação pra dar, mas de ambas as partes. Sempre houve uma compreensão e eu fui muito feliz nesse aspecto”. (Marly Abdalla) É um equilíbrio né? O equilíbrio que eu busco, remindo o tempo. Como eu não tenho mais filho pequeno, mas sou avó, o meu esposo é um homem muito compreensível, a minha família também, pelas minhas ausências. Por exemplo, até agora eu não fui em casa almoçar e não devo ir, talvez chegue entre 10 ou 11 horas da noite, mas eu tento conciliar compensando a minha família com momentos especiais, para compensar as minhas ausências que são mais do que as minhas presenças. (Telma Pinheiro) Pode-se perceber por meio dos quatro depoimentos que todas destacaram a dificuldade de conciliação entre a esfera familiar e as atividades políticas. A deputada Graça Paz chama atenção para certas atividades em que ainda se concentra entre as mulheres como por exemplo o acompanhamento do desempenho dos filhos nas escolas. A ex-deputada Marly Abdalla dá ênfase sobre a questão do tempo de dedicação que uma campanha exige, o que, segundo ela, requer uma compreensão maior por parte do marido e da família. Telma Pinheiro também ressalta sobre o fator tempo como um dos maiores desafios. No quadro sinótico, é possível perceber, de forma mais detalhada, a idade de ocupação do primeiro cargo eletivo das 22 deputadas estaduais e em que tipo de cargo eletivo estrearam na política. Entre as deputadas eleitas no Maranhão no período de 1982 a 2006, 14 não haviam ocupado nenhum cargo eletivo anterior, somando mais de 60% as que ingressaram diretamente como deputada estadual. Tanto no âmbito federal como no estadual identifica-se no Maranhão o predomínio do ingresso ― por cima‖ na política. Apenas 8 mulheres iniciaram suas carreiras eletivas passando por diferentes cargos na 104 hierarquia política,4 como vereadoras: Conceição Mesquita, Telma Pinheiro, Luzivete Botelho e Helena Heluy e 4 como prefeitas/vice-prefeitas: Aparecida Furtado, Maria da Graça Melo, Tereza Murad e Cleide Coutinho. Outro indicador que pesquisei sobre as deputadas que contribuiu para compreensão da dinâmica de profissionalização política foram os anos acumulados de mandatos eletivos. Tais dados demonstram que algumas mulheres permanecem em cargos eletivos por um longo tempo. (Ver quadro 13) Quadro 13: Deputadas estaduais eleitas no Maranhão com mais de um mandato (19822006) DEPUTADAS ESTADUAIS NÚMERO DE MANDATOS Maria da Conceição Mesquita 2 (sendo eleita em 1978 e 1992) Maura Jorge 4 (sendo eleita em 1990,1998,2002 e 2006) Marly Abdalla 3 ( sendo eleita em 1990, 1994, 1998) Janice Braide 3(sendo eleita em 1994,1998, 2002) Helena Heluy 3 (sendo eleita em 1998 61,2002, 2006) Telma Pinheiro 2 (sendo eleita em 1998, 2002) Graça Paz 2 (sendo eleita em 2002 e 2006) Considerando o número de mandatos, quem se destaca é a deputada Maura Jorge somando mais de 16 anos de mandatos eletivos, seguida de Marly Abdalla, Janice Braide e Helena Heluy, com três mandatos consecutivos. Além do número de mandatos eletivos, destaco também a ocupação de cargos públicos por parte dessas mulheres antes de se elegerem deputada estadual. Os dados explicitam que 10 mulheres ocuparam cargos públicos antes de serem eleitas deputadas, o que equivale a 45% dos casos. Como demonstram os dados do quadro sinótico Em termos de tempo de dedicação dessas mulheres às atividades políticas, não considerei apenas o número de mandatos. Como pode ser identificado nos quadros acima, de modo geral, a carreira política dessas mulheres são longas. Com destaque para: Telma Pinheiro, Luzivete Botelho e Socorro Waquim. Telma Pinheiro, atual Apesar de ter assumido somente em janeiro de 2001 como primeira suplente, considero os anos de mandatos como vereadora de São Luis de 1997 a 2000. 61 105 secretária estadual das Cidades e Infra-Estrutura, apesar de ter ingressado na carreira eletiva somente aos 45 anos, em 1996, como vereadora, já ocupava cargos públicos desde 1972, somando mais de 30 anos de dedicação a carreira política. A ex-deputada Luzivete Botelho que disputou sem sucesso a prefeitura do município de Itinga-MA em 2004, ocupou cargos públicos desde 1983 e Socorro Waquim, atual prefeita de Timom, começou em 1993 como secretária de Educação do referido município. Ressalto que a ocupação de cargos públicos pode funcionar entre os concorrentes no espaço político como capital significativo de diferenciação, muitas vezes não propriamente pela atividade desempenhada, mas tais cargos acabam funcionando como títulos. Dos casos pesquisados, doze não exerceram cargos públicos antes do primeiro cargo eletivo, mas dentre estas, há casos de ocupação de cargos públicos posteriormente, a exemplo de Conceição Andrade que foi Secretária de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural no governo Zé Reinaldo Tavares (abril 2002 a 2006) e Marly Abdalla que foi Secretária de Estado de Desportos e Lazer no governo Roseana Sarney (abril 1994 a 1998). Durante o desenvolvimento de meu trabalho de campo pensei numa proposta de análise das representações e significados da política entre as atuais deputadas no cotidiano da Assembléia Estadual Maranhense. Desde diferentes perfis dos gabinetes, o trabalho de ‗atendimento‘ visando manter as bases, as reuniões de comissão, a organização das agendas, as relações com os assessores de gabinete, enfim as diferentes formas de atuação de cada uma delas. Mas as limitações impostas pelo tempo que disponho para o desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado fizeram com que me detivesse ao já destacado em relação às deputadas federais. Fiz uma apresentação da presença dessas mulheres nas comissões (ver quadro 14). Como minha fonte de pesquisa em relação a esses dados foi basicamente as pastas do setor de cadastro parlamentar da Assembléia Legislativa, apresenta algumas limitações, visto que das 22 pastas analisadas 11 não estavam preenchidas nesse tópico 62. 62 Onze deputadas que não informaram os dados sobre as atuações nas comissões: Marly Abdalla, Janice Braide, Aparecida Cardoso, Malrinete Valério, Telma Pinheiro, Luzivete Botelho, Sandra Rodrigues, Maria da Graça Melo, Tereza Murad, Cristina Archer e Socorro Waquim. 106 Quadro 14- Participação das deputadas estaduais nas comissões Maria da Conceição Sena e Silva de Mesquita Atuações Período 2ª Vice-Presidente da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do MA. Biênio 1985/1987 Presidente da Comissão de Economia, Energia, Meio Ambiente, Recursos Naturais e Tecnologia 1984 Conceição Andrade Atuações Período Vice- Presidente da Comissão de Agricultura, Indústria, Comércio e Turismo 1987-1988 Membro da Comissão Parlamentar composta para averiguação ― in-loco‖ das situação dos trabalhadores rurais envolvidos em conflito de terras em Buriticupu. Agosto 1987 Membro da Comissão Parlamentar para visitar o pólo Petroquímico da Bahia visando à implantação de uma refinaria de Petróleo no Maranhão 1987 Membro da Comissão Especial de investigação do material de guerra apreendido no Povoado Aldeia município de Bacabal 1987 Membro da Comissão Parlamentar PréConstituinte. 1987 Maura Jorge Atuações Período 107 Presidente da Comissão de Obras, Serviços Públicos e Habitação 2007-atual Vice-Presidente de Política Agrária, Produção e Desenvolvimento Sustentável 2007-atual Titular da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher 2007-atual Suplente da Comissão de Saúde 2007-atual Suplente da Comissão de Assuntos Municipais e de Desenvolvimento Regional 2007-atual Suplente da Consumidor 2007-atual Comissão de Defesa do Helena Heluy Atuações Período Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos 2007-atual Titular da Comissão de Política Agrária, Produção e Desenvolvimento Sustentável 2007-atual Titular da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher 2007-atual Suplente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final 2007-atual Suplente da Comissão de Ética 2007-atual Graça Paz Atuações Período Presidente da Comissão de Orçamento, Finanças e Fiscalização 2007-atual Vice-Presidente da Comissão de Previdência, Assistência Social e da Família 2007-atual Vice-Presidente da Comissão da Infância, Juventude e Idoso 2007-atual Suplente da Comissão de Defesa do Consumidor 2007-atual 108 Suplente da Comissão de Ética 2007-atual Suplente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher 2007-atual Elisiane Gama Atuações Período Presidente da comissão de Defesa dos Direitos da Mulher – Presidente 2007-atual Titular da comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura e Desporto 2007-atual Titular da comissão de Ética 2007-atual Suplente da comissão de Defesa do Consumidor 2007-atual Suplente da comissão da Infância, Juventude e Idoso 2007-atual Fátima Vieira Atuações 4ª Secretária da Mesa Diretora Período 2007-atual Graciete Lisboa Atuações 4ª Vice-presidente da Mesa Diretora Período 2007-atual Cleide Coutinho Atuações Período Presidente da Comissão de Previdência, Assistência Social e da Família 2007-atual Vice-Presidente da Comissão de Saúde 2007-atual Vice-Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher 2007-atual 109 Suplente da Consumidor Comissão de Defesa do 2007-atual Suplente da Comissão de Meio Ambiente, Minas e Energia 2007-atual Suplente da Comissão de Ética 2007-atual Conforme foi demonstrado em relação à freqüência das deputadas federais em determinadas comissões, entre as deputadas estaduais também se evidencia a recorrência da participação destas em comissões como Defesa dos Direitos da Mulher e Previdência, Assistência Social e da Família. Um aspecto que diferencia das deputadas federais é que, entre as estaduais, há um casos de vice-presidência e secretária da Mesa Diretora. Conceição Mesquita foi a 2ª vice-presidente da Mesa Diretora entre os anos de 1985 e 1987 e atualmente, em relação a Mesa Diretora, a deputada Graciete Lisboa ocupa a 4ª vice-presidência e a deputada Fátima Vieira ocupa a posição de 4ª secretária. No que se refere às relações de parentesco com políticos entre as deputadas estaduais eleitas no Maranhão, não se difere muito do que ocorre com as deputadas federais. Pode ser identificado entre os 22 casos analisados, 16 deputadas que apresentaram os usos do parentesco em suas carreiras políticas, sendo que o vínculo com o cônjuge prevalece, seguido dos laços com o pai, duas figuras masculinas. Outro fator que merece ser destacado é o cargo eletivo ocupado, pelos cônjuges das deputadas estaduais, impera o cargo de prefeitura. Feita essa análise mais geral dos perfis e posições ocupadas pelas deputadas estaduais eleitas no Maranhão no período de 1982 a 2006, partirei agora para a parte etnográfica da pesquisa, focalizando em um estudo de caso. Como já salientado na introdução do trabalho, escolhi uma deputada estadual que lançou sua candidatura como prefeita no período da pesquisa. Tal fato possibilitou uma observação participante, no município de Lago da Pedra, cujos atos de campanha são descritos e analisados a seguir. 110 Capítulo 4 – MULHER MARANHENSE EM CAMPANHA ELEITORAL: de deputada a prefeita de Lago da Pedra Os estudos sobre a participação das mulheres na política, permitem explorar a discussão se há aspectos singulares ou não do estilo feminino de fazer política. Essa participação diferencial da mulher na política tem sido abordada por diferentes ângulos. Alguns autores privilegiam a atuação das mulheres nos mandatos, outros enfocam a especificidade em relação às campanhas eleitorais. Para Miguel (2001), apesar das múltiplas identidades femininas, fala-se de uma perspectiva social, como um ponto de partida comum, que caracteriza a contribuição diferencial da mulher na política, a exemplo da participação de forma mais recorrente em determinadas comissões ou secretarias específicas, como já foi demonstrado no capítulo anterior. Avelar (2001) chama atenção para o fato, de que seja qual for o seu partido, as mulheres tendem a dar mais atenção e prioridade às políticas dos direitos da mulher e às políticas públicas relacionadas com questões familiares, tais como condições de vida para as crianças, saúde, reprodução.63 No entanto, nesse capítulo, o foco recai sobre o segundo aspecto: análise de candidatura feminina. Em relação às especificidades das campanhas femininas, há o já mencionado trabalho de Barreira (1998) que ao tomar como objeto de análise, as candidaturas de mulheres nas campanhas de 1996 para prefeitura nas cidades de Fortaleza, Natal e Maceió, destacou como os discursos, slogans e rituais podem ser nomeados de jogos de identificação e diferenças. A autora demonstra como entre as candidatas há uma associação entre definição de fronteiras pelo do fato de ser mulher e simultaneamente colocam-se como expressão de uma totalidade reafirmando certos valores morais e políticos. Exemplifica com o acionamento de adjetivações presentes nos materiais de campanhas analisados, tais como: ―m ulheres de luta‖, ― mulheres experientes‖ e ― mulheres virtuosas‖ na trajetória de candidatas provenientes de diferentes contextos sociais. 63 Demonstra ainda, como em algumas entrevistas, candidatas em busca de Dentre os exemplos de temas defendidos por diferentes deputadas na Câmara de Deputados Federais do Brasil, relacionados com a questão feminina, destacam-se os que se relacionam com a violência doméstica; o reconhecimento da paternidade, pela aprovação da gratuidade do exame de DNA; a prevenção do câncer ginecológico gratuita; atenção para os projetos sobre mortalidade materna; licenças para mães adotantes; registros de união após 5 anos de vida em comum; direitos das empregadas domésticas, dentre outros. (Jornal C-Femea/www.cfemea.org.br) 111 reconhecimento político, ressaltaram qualidades que, segundo estas, estariam presentes mais nas mulheres que em homens. Em entrevista, Elma Sales, 50, ex-prefeita de Paulo Jacinto-AL, diz o seguinte:“As mulheres são mais cuidadosas, mais criativas. Desenvolvem, desde pequenas, o senso de responsabilidade. Além disso, nós temos um sexto sentido que nos permite ver as coisas mais profundamente”. Outra prefeita eleita também no interior de Alagoas, Silvana Costa Pinto, de 33 anos, do PFL, partilha da mesma opinião: “Nós agimos muito pelo coração, conseguimos juntar o raciocínio com o sentimento e isso nos permite ter uma visão mais geral das coisas”. (entrevista concedida à Tribuna de Alagoas, in:Barreira 1998). Apesar das propriedades suprapartidárias acionadas, a autora mostra como dependendo do contexto analisado, apareciam também situações em que as candidatas buscavam uma diferenciação com base em critérios ideológicos. Enquanto Barreira (1998) analisou no mesmo ano -1996- candidatas ao cargo de prefeita em cidades diferentes, neste capítulo faço uma comparação da mesma mulher candidata- a então deputada Maura Jorge- em campanhas diferentes no Maranhão. Analiso atos de campanha em municípios do Maranhão, visitados por Maura Jorge, durante a campanha para deputada estadual de 2006, por meio de um vídeo. Em seguida faço um exame, de caráter mais etnográfico da campanha de Maura Jorge para prefeitura do município de Lago da Pedra em 2008, por meio de observação participante. Para uma melhor compreensão, apresento antes o percurso de Maura Jorge, por meio de entrevista64 com a candidata, demonstrando como ela constrói sua trajetória desde ― filha de prefeita‖ até se tornar herdeira política. Vale ressaltar que não limito a análise na identificação do uso do recurso de ‗gênero‘ nas disputas eleitorais, acionado por Maura Jorge. Considero também seus diferentes movimentos e estratégias mobilizados nas campanhas e o significado das adesões eleitorais de alguns agentes entrevistados na campanha de 2008. 64 A entrevista ocorreu em Lago da Pedra em circunstâncias eleitorais, momento em que a situação de entrevista pode apresentar-se para o entrevistado como oportunidade de difundir suas propostas e de enfocar em seu discurso aspectos relacionado à campanhas. 112 4.1 - Tornando-se herdeira política Maura Jorge (DEM) nasceu em Lago da Pedra65, no início dos anos 60, filha do fazendeiro Waldir Jorge e da ex-prefeita Raimundinha Jorge, está no seu quarto mandato de deputada estadual. Sua família participa das disputas políticas em Lago da Pedra há muitos anos contra a facção política liderada por Luis Osmani (PDT), em meio a esse período sua mãe chegou a exercer quatro mandatos como prefeita da cidade 66. Maura Jorge ao relatar sobre a origem política de sua família ressalta o fato de seu pai combater na época o chamado Vitorinismo 67 em Lago da Pedra: Naquela época tinha o Vitorinismo, muito forte aqui na nossa região e meu pai como sempre um jovem destemido, foi quem levantou a bandeira de oposição, porque tinha só uma ala preponderante, que mandava na época, não me lembro muito bem o motivo, boicotaram a candidatura dele, e ele achou por bem enfrentar e lançou para a candidatura minha mãe, a origem da nossa política foi o meu pai, mas por conta disso. (Maura Jorge-entrevista em 20/07/08) O fato de ter uma mãe prefeita marcou a infância de Maura Jorge, que desde criança já a acompanhava nas inaugurações das obras, nos discursos, e sempre gostava de observar o trabalho social. Raimundinha Jorge teve seis filhos, quatro mulheres e dois homens, dentre os quais, Maura Jorge e o caçula- Waldir Filho - desde cedo gostavam de participar das atividades políticas da mãe. Maura Jorge afirma que antes da Município do Maranhão, localizado na micro-região de Pindaré, a 307 km de São Luís, atualmente com uma população de 42.666 hab. (site-IBGE) 65 66 67 A ex-prefeita Raimundinha foi eleita em Lago da Pedra em 1972, 1976, 1996 e 2000. Para uma melhor compreensão do ― Vitorinismo‖ no Maranhão ver os clássicos trabalhos de BUZAR (1998, 2001) e mais recentemente o trabalho de Morais Filho (2007) sobre as relações políticas nesse período na região do Médio Mearim: Feudos, Canudos e Bolchevismos no Maranhão: Oposicionistas e Vitorinistas num mundo de guerras locais. 113 sua mãe ser prefeita a cidade de Lago da Pedra não tinha praticamente nenhuma estrutura, para ela o primeiro mandato de sua mãe marca a origem de Lago da Pedra. (...) não tinha estrada, não tinha energia, não tinha nada, a origem do Lago da Pedra foi com ela, a primeira escola que teve aqui foi ela quem fez, a energia também foi ela que trouxe, o mercado municipal, eu era pequenininha mas eu me lembro foi ela quem fez, eu tenho boas recordações dessa época sabe (...) porque foi justamente aí que eu comecei a me integrar nessa vida política, de vivenciar a verdade é essa, porque desde criança, eu já participava de uma forma ou de outra, da vida política do meu município. Tem uma coisa que me marcou e eu não sei por que também e ao mesmo tempo eu acho que sei (...) de todas essas obras que eu falei que foram delas, do mandato dela, a que me marcou, foi a inauguração do primeiro ginásio daqui, eu tinha uns 9 anos ou 10 anos e eu me lembro bem, aquilo pra mim era uma coisa extraordinária eu participar da inauguração de um colégio.(Maura Jorge-entrevista em 20/07/08) Ao explicar hoje, o fato da inauguração do ginásio ter ficado muito presente em sua memória, Maura Jorge atribui como fator de coerência a preocupação que sempre teve com a questão educacional, relatou que a educação esteve de forma contínua entre as prioridades de seus mandatos. Foi dela o projeto de lei para criação do Centro de Estudos Superiores de Lago da Pedra na estrutura da Universidade Estadual do Maranhão. “Sempre achei penoso constatar a frustração dos jovens que concluíam o ensino médio e se deparavam com as dificuldades para cursar uma faculdade diante da impossibilidade de se manter em cidades distantes que têm curso de formação superior”, justificou a deputada. Essa relação do cotidiano familiar e do cotidiano da política aparece também do depoimento de outras deputadas, falas que demonstram a idéia de ― permanência‖ da atividade política, se diferenciando do caráter temporário atribuído por grande parte dos eleitores, o tempo da política, que será tratado mais adiante. A minha família do lado da minha mãe, é uma família que já vem, que foram políticos. O meu tio avô foi o primeiro prefeito do município de Mirinzal, (...)junto com esses antecedentes, vamos dizer assim, da gente, a gente começa ter logo a ter um reconhecimento da situação do estado, da situação do município, daquela localização onde a gente tem aquela atuação, os parentes têm aquela atuação política. Então aquela convivência com os políticos, aqueles assuntos, aquelas discussões políticas, aquelas discussões que são super interessantes, a respeito da economia, a respeito da situação de uma forma geral, do nosso estado, 114 do nosso país. Leva com que a gente se envolva, acaba se interessando, a gente acaba se envolvendo. (Graça Paz, entrevista em 07/03/07) Minha mãe tinha uma grande escola de datilografia e todo final de ano, as turmas eram formadas 50, 60, 70 alunos e ela fazia uma festa que tinha uma natureza também profissional e política. E ela convidava figuras para ser paraninfa destas turmas como La Roque, Alexandre Costa, como Vitorino Freire, como Sarney até os meados de 65 (...)E ela tinha toda uma relação com esses políticos daquela época, e de certa forma eu gostava muito de ouvir, de acompanhar a vida dos políticos. Eu me lembro que eu tinha assim 16 anos o Henrique de La Roque um grande deputado federal, foi fazer uma visita a minha casa, lá no Monte Castelo e eu fiquei assim...me preparei, me arrumei, porque eu queria fazer parte, quando ele chegasse, da comitiva que iria recepcioná-lo. Então eu sempre tive muita tendência para liderança, para esse embate político. (Telma Pinheiro, entrevista em 14/03/07) No caso da Telma Pinheiro, na construção de sua biografia, enfatizou as visitas comuns em seu lar, por parte de políticos influentes no cenário político maranhense. Os vínculos de sua mãe com estes lhe possibilitaram acesso a um círculo de contatos políticos e pessoais, e estes viabilizaram a ocupação vários cargos públicos e eletivos no Maranhão, como já foi demonstrado no capítulo anterior. Mas vale ressaltar, que Telma Pinheiro enfatiza que se ela deu continuidade e permanece atualmente na política, ainda que não seja em cargos eletivos, isso se deve aos seus próprios ― méritos‖. A deputada Graça Paz, mencionou que a convivência desde a infância com políticos acabou levando-a a se envolver com questões e discussões relacionadas à atividade política e situação de seu município. Na adolescência, Maura Jorge passou a morar em São Luís, estudou no colégio Dom Bosco até a oitava série, cursou o ensino médio no colégio Marista e se preparou para fazer vestibular para medicina. Segunda ela, o sonho de sua mãe era ser médica, como ela não tinha conseguido, depositou esse sonho na filha. Maura Jorge tentou vestibular algumas vezes para medicina, mas não passou. Afirmou que sempre quis mesmo psicologia, “talvez por gostar de entender as pessoas, de dialogar, tanto que hoje acho que sou um pouco psicóloga, eu chego, adentro as casas e gosto de ouvir”, ela destaca. Maura Jorge passou para psicologia em Campina Grande na Paraíba e como o curso só começava no segundo semestre, ela veio passar as férias em Lago da Pedra, foi quando conheceu Rui Filho, começaram a namorar e ela não voltou mais para 115 Campina Grande. Transferiu o curso de Psicologia para o curso de Direito na Universidade Federal do Maranhão e casou aos 17 anos com Rui Filho. Mesmo morando em São Luís, as idas à Lago da Pedra eram constantes para Maura Jorge, que nesse período desenvolvia vários trabalhos sociais no município juntamente com seu irmão caçula. A família Jorge atende há vários anos inúmeros moradores de Lago da Pedra em um escritório localizado no centro da cidade, que por ficar no alto de uma ladeira juntamente com a residência da família e o sistema de comunicação Waldir Jorge, os moradores da região chamam de ― Alto do Waldir‖ (ver ilustrações 5, 6 e 7). Atendem ainda na própria casa da família, os pedidos são de diversas ordens, consultas, cirurgias, remédios, materiais de construção, transferências, emprego, terrenos, passagens, dentre outros. Segundo os moradores o atendimento prestado não se limita ao período eleitoral, “o bom da família Jorge é que pra eles não tem tempo ruim, estando ou não na prefeitura, em época de campanha ou não, eles sempre nos atendem, diferente do atual prefeito”, afirmou um eleitor. Ilustração 5- Escritório da Família Jorge de Atendimento aos moradores de Lago da Pedra 116 Ilustração 6- Entrada do Sistema de Comunicação Waldir Jorge Ilustração 7- Atendimento aos eleitores na residência da família Jorge em Lago da Pedra O desenvolvimento de trabalhos sociais fazia parte do cotidiano de Maura Jorge e de seu irmão mais novo, o que acabou contribuindo para que ambos futuramente disputassem cargos eletivos, ela lembra: 117 ... eu comecei a me envolver com o trabalho social, com associações. Ele era o mais novo e eu a mais velha, tínhamos assim uma identidade eu e ele e nós começamos assim a fazer esses trabalhos sociais, com associações, eu tinha 20 anos e foi a partir desses trabalhos, que surgiu a idéia de candidatura dele pra prefeito, foi o prefeito mais novo do Brasil, acho que com 22 anos e era um ídolo pra mim, apesar de eu ser mais velha. (Maura Jorge-entrevista em 20/07/08) Maura Jorge nutre até hoje um sentimento de ― adoração‖ pelo irmão, disse que ele foi um grande exemplo para ela, que tenta fazer política inspirada no jeito que ele fazia. O irmão mais novo de Maura Jorge, Waldir Filho, foi eleito prefeito de Lago da Pedra em 1988, período em que foi presidente da Federação dos Municípios do Estado do Maranhão – FAMEM, por dois mandatos. Em 1994 foi eleito deputado estadual, mas não chegou a exercer até o final do mandato devido um acidente aéreo 68 em 1995, do qual foi vítima fatal durante viagem para participar de uma itinerância da AL. Apesar da morte ter ocorrido há mais de dez anos, no trabalho de campo, pude perceber que esse sentimento de grande admiração por Waldir Filho, não é mantido apenas por Maura Jorge, mas por várias pessoas do município. Presenciei muitos relatos emocionados sobre Waldir Filho, observei fotos dele em estabelecimentos comerciais e nas salas de várias residências, fui informada que a data em que ocorreu o acidente- 25 de março- é feriado municipal em Lago da Pedra em sua homenagem. Dentre os relatos, destaco o de uma jovem e de um senhor que viajavam comigo na van em minha primeira ida ao município Eu era muito pequena, mas me lembro bem, muito bem dele. Ele falava com todo mundo, sorria o tempo todo. Tem uma coisa que jamais esquecerei, sabe, eu tinha muita vontade de ter uma boneca, dessas mais arrumadinhas, e eu lembro que numa noite de natal, o Waldir Filho se vestiu de papai Noel, e saiu com um saco de brinquedos enorme lá pelo meu bairro, foi uma alegria só, muita criança em volta dele e eu só olhando, não conseguia chegar perto, foi quando ele olhou pra mim e veio até onde eu estava, meu Deus eu não estava nem acreditando e o que ele tirou de dentro do saco? Uma boneca linda e me abraçou e me entregou. Ainda hoje guardo essa boneca, tenho muito ciúmes dela, nunca vou esquecer daquele dia. “Ah o Waldizinho era muito simples, a Maura lembra muito ele, mas acho que ele era ainda mais do povo, lembro de uma vez que ele passava lá na rua, vindo da associação todo suado, parou na minha porta e começou a conversar, ele sempre tinha histórias para contar, e minha Não houve sobreviventes no acidente, este vitimou o piloto da aeronave e os três deputados maranhenses - deputados Jean Carvalho, João Silva e Waldir Filho - quando viajavam para cidade de Imperatriz. Eles estavam em um bimotor, que caiu durante o mau tempo. 68 118 mulher perguntou se ele queria água e ele não só aceitou a água, como disse que iria tomar um banho, a senhora acredita? Ofereci roupas limpas do meu filho e ele aceitou, deixou as dele lá por casa mesmo, ele era simples demais, não fazia diferença, tratava todo mundo igual e era muito desapegado das coisas materiais. Realizar sonhos, resolver problemas, ser o prefeito mais jovem do Brasil, conseguir ser eleito deputado estadual ainda muito jovem, a ― simplicidade‖, estão entre os atributos reconhecidos a Waldir Filho por muitos moradores de Lago da Pedra. As representações sobre Waldir Filho expressam muitos dos trunfos simbolizados pelos líderes carismáticos, alguns destacavam ainda o fato dele ter morrido fazendo política, ― morreu desempenhando sua missão‖, demonstrando que aquilo que parece ser uma propriedade individual é fruto de posições ocupadas por Waldir Filho, na história política de Lago da Pedra. Os sentimentos demonstrados pelos moradores de ― admiração‖, ― gratidão‖, ― lealdade‖ evidenciam que a política envolvem também outras lógicas. Maura Jorge se considera herdeira política do irmão. Contou que foi na época do mandato dele de prefeito que surgiu a idéia dela ser candidata a deputada estadual. Segundo a deputada, Waldir Filho priorizava a questão de lançar candidatos que fossem ― da terra‖ e apontou inicialmente seu tio, Dr. Rui, pai do deputado Mauro Jorge, que atualmente é contra o ― grupo político‖ da Maura Jorge, mas ele não aceitou, surgindo a possibilidade da indicação da primeira candidatura de Maura Jorge, ela relata: Teve a indicação do meu tio que é médico, o Dr. Ruy, que é pai do deputado Mauro Jorge que é contra a gente, mas o sonho do meu tio era ser prefeito e não deputado e não aceitou, então meu pai e nosso grupo político resolveram me lançar por conta dessas circunstâncias, primeiro pelo desejo do grupo de ter alguém que fosse da terra e depois porque meu tio, que era a pessoa indicada pelo grupo não ter aceito, porque o homem traça seus caminhos mas é Deus quem determina. E de repente eu me vi sendo candidata a deputada, muito nova, inexperiente ainda ... foi pela influência do grupo e da família e pela necessidade de ter um candidato da terra. Fui eleita deputada no ano que me formei e não exerci nem minha profissão porque não tive como conciliar as duas coisas. (Maura Jorge-entrevista em 20/07/08) Pode-se perceber no relato acima, alguns aspectos relacionados à questão da especialização política. Maura Jorge com 29 anos, foi eleita deputada estadual pela 119 primeira vez em 1990. Chamo atenção para o recrutamento precoce69 que muitas vezes ocorre entre os profissionais políticos, e o tempo de dedicação exigido para aqueles que querem se dedicar a carreira política (Offerlé 1999). Maura Jorge não chega se quer a exercer a profissão de advogada, por ter escolhido se dedicar à carreira política, afirmando que não conseguiu conciliar as duas coisas. Outro elemento é ― influência da família‖, mencionada por Maura Jorge, que apesar dela se referir ao momento específico de indicação da candidatura, percebe-se em outros momentos da construção de sua trajetória, que muito antes da candidatura houve um trabalho de socialização e incorporação de práticas concernentes à política devido ao ambiente em que Maura Jorge cresceu, habilidades adquiridas nos trabalhos sociais com o irmão, relações de parentesco com políticos e vínculos da família Jorge com outras famílias de tradição política do Maranhão. Grill (2008) ao discutir sobre os trunfos derivados dos laços familiares acionados por políticos no Rio Grande do Sul, destacou algumas lógicas de diferenciação nas lutas eleitorais: o uso do ― nome‖, a ― imagen‖ da família em virtude da reputação familiar na memória política local, a familiaridade com o meio político devido a precocidade dos contatos com códigos que marcam o funcionamento dessa esfera e os acessos a determinados cargos oportunizados por vínculos de parentes. Apesar de demonstrar por meio dos diferentes casos analisados que estes aspectos estão associados, o autor identificou que a ênfase no ― nome‖ está entre as mais freqüentes. No caso em pauta, o nome de registro da candidata é Maura Alves de Melo Ribeiro, mas devido ao reconhecimento do nome de seu pai- Waldir Jorge- como o fundador do ― grupo político‖ e da associação feita por muitos moradores de Lago da Pedra do nome ― Jorge‖ com os principais feitos e obras realizados nesse município, ela adotou o nome parlamentar Maura Jorge. Em estudo comparativo sobre os condicionantes no processo de especialização política entre os deputados no Rio Grande do Sul e no Maranhão destaca Grill (2007:10, grifos meus): ― Com base nos dados coletados é possível observar que mais da metade dos parlamentares dos dois estados inauguraram na carreira eletiva (ocuparam o primeiro cargo conquistado em pleitos eleitorais) com menos de 35 anos. Esse ingresso precoce se torna ainda mais visível quando é considerada a idade detida nos primórdios da ocupação dos cargos (incluindo eletivos e nomeações), quer dizer, mais de 70% dos casos estrearam com idade inferior a 35 anos, mais da metade antes dos 30 anos e entre 23% no Rio Grande do Sul e 25% no Maranhão antes dos 25 anos. 69 120 Na campanha de 2008, quando estive no município pude ouvir algumas vinhetas e propagandas que passavam na rádio Santa Maura, divulgando a campanha, este também foi reproduzido como fundo de um telão que passavam imagens da candidata na abertura de um comício. Destaco um trecho abaixo onde o pertencimento a família Jorge é o que inicia a chamada: “Natural de Lago da Pedra, filha de Waldir Jorge de Melo e Raimunda Alves de Melo, Maura Jorge iniciou a vida política no município de Lago da Pedra onde sua família tem tradição política e social na história do município, sua mãe foi prefeita por quatro mandatos com uma grande folha de serviços prestados ao povo de sua terra, seu irmão Waldir Jorge de Melo Filho foi prefeito de Lago da Pedra e exercia o mandato de deputado estadual quando faleceu vítima de acidente aéreo, Maura Jorge está no seu quarto mandato de deputada estadual e agora encara mais esse desafio disputar as eleições municipais aqui em Lago da Pedra (...) e é por isso que o povo de Lago da Pedra quer Maura Jorge como prefeita dessa cidade para dar continuidade ao seu trabalho na construção de uma Lago da Pedra melhor” (trecho do material de campanha divulgado na rádio Santa Maura) O uso estratégico do pertencimento à região também pode ser identificado no depoimento, como trunfo acionado pela candidata. Atualmente o fato de ser lagopedrense tem sido um dos códigos acionados por Maura Jorge nas campanhas municipais. Tratarei mais adiante especificamente das atividades de campanha de Maura Jorge da disputa pela prefeitura no município de Lago da Pedra em 2008. Apesar da convivência desde pequena com o dia-a-dia da mãe prefeita, dos trabalhos em associações com o irmão, da participação nos trabalhos de atendimento aos eleitores da família, Maura Jorge afirma que assumiu muito inexperiente, considera os anos de 1990 a 1994, como um marco no seu aprendizado em como fazer uma política mais institucional. Maura Jorge afirmou que no inicio o ambiente da Assembléia Legislativa era desconhecido para ela, não tinha ainda conhecimento de como fazer um projeto de lei, da prática das alianças, das trocas de apoio, fazer pronunciamentos. ― Eu não tinha ainda a malícia da política‖, ela afirma. Ressalta também que em seu primeiro mandato teve que enfrentar o preconceito por ser jovem e bonita, demonstrando que características que podem ser valorizadas em determinadas situações, em outros momentos podem ser apontadas como elementos negativos. 121 Falavam que eu tinha sido eleita só pelo fato de eu ser bonita, não por minha competência, lembro que me chamavam de musa da Assembléia, (...) mas tudo tem um aprendizado na vida da gente, tudo tem um início pra que a gente possa aprender e foi um aprendizado que valeu porque garantiu minhas outras reeleições. Maura Jorge - entrevista em 20/07/08) As experiências vividas nesse período, ensinaram a Maura Jorge as regras do jogo político. Ela afirmava sua experiência adquirida, ― agora eu já conheço o caminho das pedras, já sei como buscar apoios”. A deputada reclama que a política no Maranhão tem um complicador, que é o fato do Legislativo se deixar atrelar muito ao Executivo. Segundo Maura Jorge, o Legislativo não se deixa fazer valer: O que conduz esse atrelamento, essa vinculação é a condição de vida do nosso povo, se você vai para o interior, vê que o povo vive na miséria, os direitos que estão assegurados na Constituição fica só na Constituição, na prática é só balela, e isso faz com que o eleitor veja nas eleições uma oportunidade para se dar bem, aí o vereador ou o deputado, o Legislativo, para ele conseguir uma reeleição ele tem que está atrelado de certa forma ao Executivo para conseguir levar as obras, o colégio, a estrada que na verdade não é o papel do Legislativo esse é o papel do Executivo, mas termina que se confundem esses papéis e o Legislativo tem que ser o Executivo na sua essência para ter a força de voltar para o mandato, se não, não se reelege, essa é a realidade do nordestino(Maura Jorge -entrevista em 20/07/08) Maura Jorge afirma ter aprendido muito sobre política nos quatro anos do primeiro mandato. Esta consegue não só as reeleições, como aumenta consideravelmente sua margem de votação. Nas três eleições pelo PFL ela obteve sucesso nas urnas. Segundo dados do TRE, ela se elegeu em 1990 deputada estadual com 14.219 votos, no ano de 1998 aumentou para 27.253 votos, em 2002 sobe para 37.612 votos e nas últimas eleições, no ano de 2006 concorreu pelo PDT perdendo alguns números de votos, mas ainda assim foi uma das deputadas mais votadas com 34.126 votos. Como a facção política de Maura Jorge perdeu as eleições municipais em Lago da Pedra em 2004, em reuniões a indicaram como ― salvadora da pátria‖, como ela 122 costuma falar. A percepção do seu conjunto político é de que o nome Maura Jorge, era o único que poderia vislumbrar essa chance de retomar o poder municipal em Lago da Pedra. Mas antes de falar da campanha municipal, irei detalhar alguns aspectos da última campanha para deputada estadual. 4.2 - A campanha de 2006 Em 2006, Maura Jorge disputou pela quarta vez o cargo de deputada estadual no Maranhão. Segundo ela, essa foi uma eleição muito difícil. Afirmou que se sentia muito só no período da campanha no sentido da falta de apoiadores tanto da família, como nas alianças políticas. Ela já não tinha mais o irmão que sempre foi o companheiro mais próximo nessas lutas, a liderança do pai estava debilitada. Este já teve dois AVCs e não tem mais a mesma mobilidade para gerir e coordenar campanhas, estava sem o apoio da prefeitura em Lago da Pedra e contra o governo do estado. Maura Jorge nas três campanhas anteriores- 1990, 1998 e 2002- foi candidata ao cargo de deputada estadual pelo antigo PFL, hoje DEM, sempre declarando e recebendo apoio do ― grupo Sarney‖ nas disputas eleitorais. Mas segundo ela, por circunstâncias políticas70 teve que disputar as eleições de 2006, filiada ao PDT. Os relatos que se seguem agora, partiram da observação de um vídeo de uma hora de duração, com alguns momentos da campanha de Maura Jorge para deputada estadual em 2006. Tal fonte traz algumas limitações para a pesquisa por ter sido produzido pelo próprio Sistema de Comunicação Waldir Jorge. Ainda assim, o material permitiu-me analisar alguns aspectos da campanha de 2006. O vídeo mostra passeatas, carreatas e comícios realizados em municípios maranhenses próximos: Lago da Pedra, Lago do 70 Em 2005 alguns deputados migraram para o PDT com o objetivo de apoiar o governador José Reinaldo Tavares. Estes fizeram um acordo formando uma frente para vencer as eleições no Maranhão. A exemplo dos deputados Pavão Filho, Pedro Veloso, Maura Jorge, Antonio Bacelar e Camilo Figueiredo. Mas no segundo turno das eleições para governador do Maranhão de 2006, Maura Jorge declarou apoio a senadora Roseana Sarney (DEM), que disputava o governo contra Jakson Lago (PDT), este último venceu as eleições. 123 Junco e Lago dos Rodrigues, numa dobradinha da candidata Maura Jorge e do candidato a deputado federal Carlos Brandão 71 (PSDB). Antes de iniciar os comícios o vídeo mostra carros e motocicletas com pessoas segurando bandeiras dos candidatos, estes eram guiados por um trio elétrico com um animador e pessoas dançando em cima. O animador cantava os jingles de campanha e enaltecia a força política dos candidatos. Dentre as frases repetidas pelo animador, me chamou atenção, quando ao som de um forró ele mencionava que tudo tinha virado um ― M‖, ― M‖ de Mulher, ― M‖ de Maura, ― M‖ de Maranhão Melhor 72. Apesar do fato de ser mulher, ser acionado na fala do animador, algumas vezes, nas bandeiras isso não acontecia. Em cima do Trio e em alguns carros, havia bandeiras com um único ― M‖ de onde saíam apenas as palavras Maura Jorge, Maranhão Melhor. A primeiro município visitado foi Lago da Pedra, no dia 21 de agosto de 2006 pela manhã. Ocasião em que a candidata estava aniversariando. Ao lado do candidato a deputado federal Carlos Brandão e vereadores do município que pertenciam a sua facção política, Maura Jorge inicia seu discurso. Não havia palanque, a candidata estava bem próxima dos eleitores, em uma área aberta, em baixo de uma mangueira. Maura Jorge iniciou seu discurso afirmando que não havia melhor lugar para passar o aniversário, que não fosse sua casa, sua terra natal, ao lado de seus companheiros, por isso ela ali se fazia presente. Afirmava que estava ali para conversar com ― seu povo‖ ao lado de seus amigos que não eram amigos do poder e sim do Maranhão, disse apontando para os vereadores e para o candidato a deputado federal. Em seguida, destacou que atualmente havia um descrédito muito grande em relação aos políticos, mas sabia que isso não acontecia com a Maura Jorge: Louvo e agradeço a Deus porque estou no meu terceiro mandato e posso em todos os lugares desse estado, desafiar que ninguém vai dizer pra deputada que no município que ela foi votada ela não ajudou a construir uma nova realidade e por isso que eu estou aqui na minha terra, com meu povo, conclamando vocês não só para ser um eleitor da Maura Jorge e 71 De família com tradição política no município de Colinas-MA. Foi chefe de gabinete do vicegovernador José Reinaldo Tavares de 1995 a 2002, secretário-chefe da Casa Civil no governo José Reinaldo (2003 a 2006). Eleito deputado federal em 2006 pelo PSDB com 134.643 votos. 72 slogan utilizado pela candidata na campanha de 2006 124 do Carlos Brandão, mas, que vocês possam ser mensageiros assim como o povo do Brandão tá fazendo com ele lá em Colinas. Continuando seu discurso, Maura Jorge começa agradecer ao candidato a deputado federal pela ajuda naquele momento, considerado por ela, de dificuldades na arena política, o chama de irmão, um irmão que tem demonstrado lealdade a levando para muitos municípios, fazendo o seu nome ficar mais conhecido no Maranhão e declara que seu voto e deu ― seu povo‖ é para ele. (...)Quero te agradecer aqui em público, muitas das vezes eu chego Brandão hoje eu to ruim e ele diz „tô junto com você nessa luta‟ e é por isso que o povo do Lago da Pedra, o grupo da Maura Jorge vai votar em você, pela sua lealdade com a Maura Jorge e pela sua ajuda de irmão que você ta me dando, porque a gente só conhece os amigos quando a gente tá na dificuldade e você tem sido esse irmão da Maura Jorge na dificuldade que ela está (...)tenha certeza que aqui vai ser casado é Maura Jorge e Carlos Brandão. Em nenhum momento do comício os candidatos falam de seus partidos, enfatizavam muito a questão da amizade, como motivo do apoio mútuo. A lógica que orientava a união era a capacidade que os mesmos possuíam em administrar adesões em suas respectivas regiões. O vínculo durante a campanha de 2006 de Maura Jorge com Carlos Brandão e lideranças locais demonstra também, que nesta campanha que houve uma intercâmbio entre os níveis hierárquicos da política: municipal, estadual e nacional. Ainda se remetendo ao sentimento de família, se refere aos eleitores, dizendo que eles também são seus irmãos, que os ama do fundo de seu coração, afirma que ela e os lagopedrenses têm uma aliança e que esta tinha sido consolidada por Deus. E por isso estava ali para mais uma vez pedir os seus votos e que ajudassem com os argumentos para os outros eleitores também votassem na Maura Jorge. Afirma que o argumento da beleza é bem vindo, que até ficava feliz, quando ouvia alguém dizer que votava na Maura Jorge porque é bonita, mas que não só por isso, mas principalmente pelo seu trabalho em Lago da Pedra. Percebi, assim, como a candidata estabelece vínculos para cima com um candidato a deputado federal e vínculos para baixo com os eleitores, se reportando a idéia de família, construindo uma condição de iguais, ao chamar todos de irmãos. O primeiro por está lhe concedendo ajuda num momento de dificuldade no cenário 125 político, afirma que este se tornou mais que amigo, um irmão; e os eleitores por serem, assim como ela, filhos de Lago da Pedra, formando segundo a candidata, uma família política. (Landé, 1977) Encerra sua fala ensinando aos eleitores a ordem de votação dos cargos nas urnas e o seu número. Agradece a Deus por lhe conceder mais um ano de existência no meio do seu povo e, finalmente menciona o nome de a uma liderança do bairro e sua esposa que tinham ajudado a organizar o comício agradecendo-os publicamente e deixa um forte abraço para todos que ali se faziam presente: Quero agradecer a Deus por esse momento de alegria com meu povo, com a minha gente, com meus irmãos e que em muitos outros aniversários nos possamos está fazendo conquistas juntos. Percebi durante o discurso da candidata, momentos que poderia ser identificado como uma forma de vinculação com o protestantismo, enquanto trunfo eleitoral73. O acionamento do nome de Deus foi um aspecto constante em sua fala. É importante mencionar que a mãe da candidata além de ter sido prefeita por quatro mandatos, exerce há muitos anos uma posição de liderança dentro de uma organização protestante de Lago da Pedra74 e a própria candidata na sua opção religiosa se define como evangélica. Cito como fato ilustrativo desse acionamento do vínculo religioso com a política eleitoral, um momento em que aparece no vídeo, em que no meio do comício, entre os eleitores alguém pergunta se no dia da vitória ela daria um churrasco com muita cerveja. A candidata respondeu que os vereadores poderiam dar as cervejas e que o candidato a deputado federal já tinha prometido a contratação de uma banda, e pergunta em seguida. Mas eu, sabem o que eu vou fazer? E responde em tom reforçado: Eu darei um grande culto de louvor a Deus! Ouve-se nesse momento aplausos efusivos de alguns eleitores. Mas ao mesmo tempo, percebi que no transcorrer do discurso a candidata teve o cuidado de não mencionar nome algum de instituição, nem católica ou evangélica. E se os chamou de irmãos, foi por outros motivos, já mencionados anteriormente. 73 Sobre análises das diferentes lógicas e modalidades de candidatos com vínculos com organizações religiosas e o uso de tal recurso nas lutas eleitorais ver Coradini (2001) em Igrejas, filantropia e legitimação de candidaturas. 74 A mãe da candidata é chamada por muitos moradores de Lago da Pedra de ― mulher de oração‖, esta é líder do chamado ― círculo de oração‖ da Igreja Assembléia de Deus. Na campanha de 2008, que será tratada mais adiante, pude presenciar em sua casa, um espaço reservado para oração pela campanha, onde diariamente várias senhoras se reuniam com tal propósito. 126 Quando terminou o primeiro comício, a carreata seguiu rumo a Lago do Junco, com todos os carros e motocicletas buzinando, as pessoas com apitos e agitando bandeiras deram continuidade aos atos de campanha, chamando atenção daqueles que moravam nas proximidades da estrada que liga os municípios. Nas imagens que mostram os carros chegando ao município de Lago do Junco, é possível perceber que apesar da candidata está filiada ao PDT na campanha em questão, aparecem nas fachadas das casas, os cartazes de Maura Jorge sempre ao lado da candidata ao governo Roseana Sarney. Em Lago do Junco, o candidato a deputado federal Carlos Brandão, inicia o pronunciamento, ao som de fogos de artifícios, afirmando que ali estava previsto apenas uma passeata, pois ainda tinham um compromisso em Lago dos Rodrigues, mas como o número de participantes era bem expressivo, acabou mudando os planos, afirmando em cima do trio, ao lado de Maura Jorge e lideranças locais, (...) esta passeata foi muito bonita e por isso em respeito a Lago do Junco mudamos nossos planos, esse povo merece algumas palavras, uma palavra de carinho, de abraço, para agradecer vocês que vieram nessa caminhada para nos apoiar, apesar de ainda termos marcado o comício com o Valdemar do Lago dos Rodrigues. O candidato começou falando da importância de sua candidatura para deputado federal, como estratégia para apoiar o candidato a prefeito na eleição que ocorreria em 2008 em Lago do Junco que pertencesse a facção da Maura Jorge. Falou ainda que soube de um candidato que havia passado em Lago do Junco, falando mal de sua pessoa, o chamando de ― puxa-saco do governador‖. Disse que queria esclarecer tal situação, afirmando que havia sido Chefe de Gabinete do vicegovernador José Reinaldo nos dois mandatos. Afirmou que nesse período pode ajudar muito o Maranhão por ocupar a referida função, atendi lideranças políticas do estado inteiro, conseguindo obras, inclusive para Lago do Junco. Além do cargo ocupado, o candidato aciona também suas origens familiares como trunfo eleitoral. Afirmando que veio de uma família de tradição política em Colinas, cita o fato de seu pai já ter sido prefeito naquela localidade, deputado estadual, secretário estadual de saúde e seu irmão estava no segundo mandato de prefeito. Fala 127 também da reputação de sua família. Ao mesmo tempo menciona o fato dele está ali ao lado de uma pessoa que todos conhecem, a Maura Jorge. Sou de uma família honrada, que tem a vida limpa e eu passei três anos como chefe da Casa Civil, vasculharam minha vida e não acharam uma mácula. O dinheiro foi para o povo, para o benefício do povo. Por isso estou aqui para pedir voto ao lado da Maura Jorge que é uma pessoa que vocês conhecem e porque sou uma pessoa que tem serviços prestados nesse município. Tenham certeza que daqui a dois anos estarei aqui, nas eleições municipais, com esse grupo para transformar Lago do Junco. Após encerrar agradecendo a todos os presentes, o candidato passa a palavra para Maura Jorge. Esta inicia falando dos serviços prestados em Lago do Junco, menciona o poço, energia, escola e os empregos gerados por meio da gerência regional, que segundo a candidata, foram feitos com ajuda de seus mandatos. Em seguida, se remete a campanha anterior fazendo críticas a um determinado adversário, que segundo a candidata, em outros momentos já esteve em Lado do Junco apoiando sua campanha, mas atualmente tinha mudado de lado por dinheiro, intencionado em comprar a consciência do Lago do Junco. Disse que tinha um recado para dar a esse candidato. Quero dizer para ele que a Maura Jorge é uma vencedora, a Maura Jorge é uma guerreira, a Maura Jorge não se dobra, não tem medo de ameaças (...) a Maura Jorge tem liderança por isso sou respeitada. Para se fazer legítima, Maura Jorge elenca qualidades a seu respeito, que lhe dariam direito de ser respeitada politicamente: ser vencedora, guerreira, destemida e ter liderança, são uns dos aspectos mencionados. Maura Jorge continua seu discurso olhando agora para os vereadores que estavam em cima do trio, dizendo que se orgulhava por tê-los como representantes, os chamando de homens éticos que não haviam se corrompido pelo poder público. Falou das vezes em que ajudou e atendeuos pedidos dos vereadores do Lago do Junco, mencionando que estes foram várias vezes em seu gabinete e ela sempre atendeu conseguindo benefícios para Lago do Junco em diversas áreas, cita exemplos na saúde, educação e os empregos que gerou por meio da gerência regional. 75Afirmou que agora, 75 ― Os processos de formação das candidaturas, assim como de obtenção de votos e acessos, são pautados por práticas que negam o caráter espontâneo e gratuito das trocas (...) o êxito do político depende 128 era a vez deles a ajudarem a ganhar as eleições de 2006, que, segundo ela, estava sendo uma luta. Encerra o discurso agradecendo, pedindo votos, ressaltando que a voz que pede é uma voz que representa todas as mulheres, convoca o apoio de todas as mulheres daquela localidade e alega que estava ali cumprindo uma missão estabelecida por Deus para lutar ― pelo seu povo‖. Afirma que apesar do cansaço das atividades de campanha sentia-se revigorada pela presença das pessoas que a escutavam naquele momento. Essa luta não é da Maura Jorge mas de todas as mulheres, do Lago do Junco, do Lago da Pedra e do Lago dos Rodrigues. Eles querem calar a minha voz, mas a minha voz é o instrumento que Deus me deu para lutar pelo meu povo e pela minha gente (...)e eu encerro nesta noite tendo a certeza que não terei apenas eleitores em Lago do Junco mas defensores da Maura Jorge, que lutam não com armas de fogo, mas com a arma da verdade, a verdade dos argumentos dos muitos trabalhos que aqui já fiz. Ao se despedir, Maura Jorge desce do trio, em meio a abraços, apertos de mão e fotos. Devido a multidão, segue com dificuldades para o seu carro para dar continuidade às atividades políticas. No caminho para Lago dos Rodrigues, as imagens mostram um aumento do número de carros, vans, e motocicletas, que agora seguiam para o comício principal da noite. Ao chegar em Lago dos Rodrigues, perceberam que havia faltado energia no município, mas ainda assim, uma multidão eufórica, já a aguardava. Suspeitando de boicote político, o candidato a deputado federal, inicia o comício, dizendo que iria iniciar suas palavras pedindo liberdade ao Lago dos Rodrigues, exclamando em cima do trio liberdade ao povo de Lago dos Rodrigues! Apagaram a luzes, mas não apagaram a consciência desse povo, apagaram as luzes mas não apagaram a chama do coração de vocês. Saúda a todos, destacando a presença da liderança local Valdemar e sua esposa que haviam organizado o comício, dizendo esta impressionado com a força política daquele e da sua companheira de chapa, deputada Maura Jorge. Muitos no Maranhão já falavam que vocês são fortes, mas eu não sabia que era desse tanto. Após usar dos diretamente da sua capacidade de atender a comunidade e de negociar com os órgãos públicos‖ (Kuschnir, 2000:145) 129 mesmos recursos acionados em seu discurso no município de Lago do Junco, passa a palavra para Maura Jorge. A candidata inicia falando que se apresentava mais uma vez como candidata a deputada estadual, que poderia muito bem esta como candidata a deputada federal ou governadora, mas sentia que seu trabalho ainda estava incompleto, que talvez isso aconteceria somente no futuro. Disse que o que a movia esta ali naquele momento era um único sentimento, sentimento de gratidão e que tal sentimento estava fazendo uma ligação forte dela com aquele povo. Mencionou que primeiro, era uma gratidão a Deus, por permitir que ela ali estivesse com seu povo, segundo uma gratidão aos eleitores, que tinham se deslocado de suas casas para se fazerem presente e ouvir a Maura Jorge e gratidão por todos os abraços calorosos recebidos, beijos e apertos de mão, que a Maura Jorge naquele momento se resumia a gratidão. Em seguida pede votos e repete algumas vezes o seu número. Ao falar da ordem de votação dos cargos na urna, fala quais são os seus candidatos, nesse momento percebe-se a continuidade do apoio da candidata em relação a Roseana Sarney, mesmo a Maura Jorge estando no PDT.O meu candidato ao governo do estado pelo partido, que eu sou do PDT é o Jackson, mas quem quiser votar na Roseana fique a vontade, afinal estamos vivendo numa democracia. Encerrou pedindo que Deus orientasse a todos na hora de escolher os representantes, deixando um beijo no coração de todos. A habilidade de Maura Jorge no acionamento de diferentes identificações- mulher, lagopedrense, cristã, pertencente a ― família Jorge‖- nos comícios mostra que o uso do gênero nas campanhas, geralmente aparece associado à trajetória social do agente. Depende também da configuração social e política em que se realizam as eleições e de determinados atos de campanha 76. A performance feminina acionada se difere caso a caso. O trabalho de Scotto (1995) mostra uma mulher candidata 77, articulando o gênero a outras identidadesmulher, negra e favelada- que diferem das acionadas por Maura Jorge. Pode ocorrer 76 No caso da campanha municipal de 2008, por exemplo, Maura Jorge participou de um jantar somente para as mulheres de Lago da Pedra, momento em que sua condição de gênero foi bem mais acionada. 77 Benedita da Silva como candidata do PT, durante a campanha para a prefeitura do Rio de Janeiro em 1992 130 também, deslocamentos e continuidades dos perfis femininos acionados por uma mesma mulher candidata. Roseana Sarney, por exemplo, na campanha ao governo do Maranhão de 1994 e 1998, mantém nas duas eleições uma articulação que se assemelha a de Maura Jorge, gênero, identidade regional e religiosidade. Mas o perfil feminino acionado na primeira eleição se caracterizou muito mais como mulher dinâmica, que visitava e conhecia de perto vários municípios maranhenses. Já na campanha eleitoral de 1998, acometida por sérios problemas de saúde, muito pouco participa pessoalmente da campanha, o que ocorre é o deslocamento do atributo que compõe sua performance de mulher dinâmica para uma mulher forte e guerreira que sabe gerenciar seu estado de saúde precário. (Delmiro, 2006) Conforme já mencionado, Maura Jorge consegue obter êxito nas eleições de 2006, obtendo 34.126 votos. Por ser evangélica atribui, à Deus a vitória, “creio que foi de Deus, ele moveu os corações das pessoas para que reconhecessem o meu trabalho.”(entrevista em 20/07/08) 4.3 - Rumo à prefeitura de Lago da Pedra: a campanha de 2008 Eu vou se Deus quiser Dar o voto certo na mulher Depois eu vou fazer a festa na praça Mas deixa eu explicar A mulher certa É aquela que tem alegria Que tá com o povo todo dia É a candidata da massa É a Maura Jorge Que tem aceitação Não foi imposição Não é carta marcada Maura foi escolhida pela população E tem aprovação Porque é preparada Quer ir mais eu? Vamos Quer ir mais eu? Vambora Votar no 25 O povo disse É a Maura Jorge agora! (jingle da campanha 2008- grifos meus) 131 Na campanha de 2004, a facção política de Maura Jorge disputou as eleições municipais em Lago da Pedra tendo como candidata a prefeita Célia Arruda (viúva de Waldir Filho e irmã do atual candidato a vice-prefeito Laércio Arruda). Representando a outra facção, tinha-se os candidatos Luis Osmani, e o vice Dr. Neguinho, este último passou por um processo de migração entre as facções, pois já tinha sido o vice de D. Raimundinha em campanhas anteriores. Isso mostra que o tempo da política78 é o tempo em que são possíveis os rearranjos, esses movimentos são inerentes ao processo eleitoral (Palmeira, 1996). Na época, Lago da Pedra possuía um colégio eleitoral de 29.485 eleitores, sendo que na busca de adesões entre as duas facções- ― do lado do Luiz‖ e ― do lado do Waldir‖- como falam os habitantes locais, fazem das eleições no município, disputas acirradas, cujo resultado está longe de ser algo preestabelecido. O desfecho das eleições de 2004 não foram favoráveis para a facção de Maura Jorge, tendo sido eleito prefeito de Lago da Pedra, Luiz Osmani com 10.963 votos e a candidata apoiada pela família Jorge obteve 10.684 votos. Como já assinalei, Maura Jorge mesmo desprovida do apoio da prefeitura de Lago da Pedra foi eleita em 2006, para o seu quarto mandato de deputada estadual. Segundo seus articuladores de campanha, isso mostrou a força política de seu nome no município, local em que obteve maior votação. Por isso, como forma de recuperar a administração de Lago da Pedra para sua facção política, em 2008, Maura Jorge candidata-se a prefeita do município. O prefeito Luis Osmani não pôde concorrer à reeleição devido a complicações79 com o Tribunal de Contas da União, por isso lançou sua ex-esposa Fátima Salles como candidata a prefeita. Tal decisão foi alvo de críticas de muitos moradores de Lago da Pedra, que acusavam a candidata de despreparada, “ela não tem experiência política, 78 Períodos em que devido às atividades de campanha, a população percebe a política e os políticos como parte da sua vida social. 79 Contra o prefeito Luís Osmani pesa a acusação de corrupção ativa apresentada pelo Ministério Público. De acordo com a denúncia, o prefeito e os secretários municipais Osimar Fonseca dos Santos e Kleber Ferreira teriam tentado subornar o vereador do município, Ananias Bezerra, com R$ 30 mil, para que este votasse, em 2004, pela aprovação das contas relativas ao exercício financeiro de 1996, época em que Luis Osmani também era prefeito de Lago da Pedra. (portal do poder judiciário do MA- www.tj.ma.gov.b) 132 não compareceu ao debate com os professores e se ganhar será apenas uma marionete na mão do Luiz”, comentava uma eleitora com o motorista da van que nos levava para Lago da Pedra, se referindo à candidata Fátima Salles 80. O jingle com o qual inicio essa sessão retrata esse contexto, quando diz que Maura Jorge não é ― carta marcada‖. Como em 2008 eram duas mulheres na disputa pela prefeitura em Lago da Pedra, o jingle apresenta Maura Jorge como a ― mulher certa‖, ― que está com o povo todo dia‖, ― candidata da massa‖. E devido seus quatros anos de mandato como deputada, a letra destaca que ela é ― preparada‖. Esse foi um dos jingles que marcava o início da campanha de Maura Jorge em Lago da Pedra. A campanha de Maura Jorge foi realizada por meio da mobilização de um conjunto de agentes que já tinham vínculos anteriores com a candidata. Esses cabos eleitorais primários (Mayer, 1987) atuavam como elos entre a candidata e o eleitorado. Afirmavam fazer isso por diferentes motivos, seja por anos de amizade, lealdade à família Jorge, por gratidão a benefícios recebidos no passado, por acreditarem ser Maura Jorge a pessoa que possui as qualidades necessárias para melhor administrar o município. Tentei examinar alguns casos desses apoiadores diretos na campanha eleitoral de Maura Jorge, buscando a partir das entrevistas reconstituir a trajetória desses cabos eleitorais, se atuaram em sindicatos, movimentos religiosos, comunitários e as diferentes lógicas subjacentes no apoio à referida candidata. Faço isso considerando que o conjunto de ação envolve uma grande variedade de bases (parentesco, partido político, religião, etc.) para a formação das interconexões, sempre visando o apoio político ao candidato (Mayer, 1987). Identificar as figuras centrais da candidatura de Maura Jorge foi possível, como já mencionado, por meio de uma vereadora de Lago da Pedra que me hospedou em sua casa, local em que aconteciam algumas articulações da campanha. Esta era uma das coordenadoras de campanha da deputada, e foi por meio de sua rede de relações sociais: familiares (por ser prima de Maura Jorge), vizinhos e colegas políticos que tive acesso aos mais diferentes espaços no empreendimento eleitoral de Maura Jorge na campanha municipal 2008 em Lago da Pedra. Fora dessa rede, praticamente não tive contato com 80 No material de campanha da candidata apareciam os três: Luiz Osmani no centro, abraçando Fátima Salles e o vice Dr. Neguinho, demonstrando uma tentativa de transferência de capital político. 133 o município. A outra candidata a prefeita - Fátima Salles (PDT)- e sua rede de apoiadores, ficou-me desconhecida, devido à radicalidade das disputas entre as facções em ocasião da campanha eleitoral. No tempo da política as facções são mais facilmente identificadas, isto é, o conflito aparece de forma mais declarada. Em Lago da Pedra, há casos de eleitores que nem se quer passam por lugares tidos como politicamente da oposição, ― a farmácia do 12‖, ― a padaria do 25‖, são termos utilizados por moradores de Lago da Pedra, ao se referirem ao número do candidato em que os proprietários dos estabelecimentos votam. Geralmente se freqüenta o comércio e os bares de quem compartilha o mesmo candidato, isso dificultava meu livre trânsito entre os dois grandes blocos de adversários políticos81. 4.3.1 - Os cabos eleitorais: significados de adesões em Lago da Pedra. Tomando Maura Jorge como ego de um conjunto de ação, analisei como esta mobilizou para sua candidatura, agentes que por sua inserção social definem não apenas o seu próprio voto, mas são capazes de influenciar pessoas a eles vinculadas por algum tipo de lealdade, é o que Moacir Palmeira (1996:51) chama de eleitor de voto múltiplo. Este pode ser um pai de família, um sindicalista, um líder religioso, etc. O conjunto de apoiadores de Maura Jorge que tive contato no período do trabalho de campo, era composto por amigos, familiares, vereadores, lideranças de sindicatos, de movimentos religiosos, empresários, comerciantes e fazendeiros. Como não seria possível apreender todos os vínculos, delimitei aos que tive um contato maior durante as reuniões e atos de campanha que acompanhei no período de 19 a 25 de julho e após o resultados eleitorais nos dias 11 e 12 de outubro de 2008. O conjunto era composto por dez apoiadores principais, que entrevistei e tive conversas informais. Irei caracterizá-los de modo mais geral, para depois descrever de forma mais detalhada 5 casos. Entre os dez integrantes da coordenação da campanha de Maura Jorge, três eram mulheres e sete eram homens. Seis já concorreram em alguma eleição ou ocuparam cargos eletivos, nove possuem familiares com militância política, sete já ocuparam cargos de assessoria ou de confiança e todos declararam já terem atuados diretamente 81 Para maiores detalhes sobre as tensões e fronteiras sociais no tempo da política, ver GUEBEL(1996) 134 em campanhas anteriores, identifiquei tanto casos de campanhas para outros candidatos, como para a família Jorge. Os exemplos que se seguem permitem demonstrar, como Maura Jorge administra os elos com diferentes modalidades de apoiadores, como a candidata amplia sua rede de seguidores, propagando sua imagem em diferentes setores, sendo essa uma dimensão importante do métier político. Nas entrevistas com os apoiadores, as trocas, recompensas e gratificações simbólicas, podem ser identificadas como o que dá sentido ao engajamento nas lutas políticas. 4.3.2 A comerciante-vereadora Filha de comerciante, vereadora de segundo mandato em Lago da Pedra, essa grande eleitora foi uma das coordenadoras da campanha de Maura Jorge na disputa pelo cargo de prefeita em Lago da Pedra. Refere-se à sua atividade profissional no comércio, como fonte de experiências positivas para ser conhecida no município. Sempre tive muita vocação voltada para as vendas (...) depois me estabeleci comercialmente, montei meu próprio armarinho, isso me fez ter contato com o povo, conheci muita gente. Com essa minha forma de tratar bem, conquistei amigos, clientes.(Entrevista em 23/07/08) Somando-se à sua profissão, explica seu contato maior com a população lagopedrense, por meio de atividades desempenhadas na Secretaria de Ação Social de Lago da Pedra em 1997, a convite da prefeita na época (sua tia e mãe de Maura Jorge). A tia Raimundinha como prefeita de Lago da Pedra, tava no terceiro mandato e me convidou para trabalhar na Secretaria de Ação Social e eu aceitei. (...) Eu era responsável mais pelo serviço externo, tipo fazia cadastro, quando tinha os projetos, os convênios. Por exemplo, quando tinha conjuntos habitacionais, eu ia pro campo cadastrar as famílias, quando havia distribuição de cestas básicas, eu estava lá no campo, eu prestei um bom serviço para a Secretaria de Ação Social na época (...) distribuição de quites bebês para grávidas carentes. Na época nós tivemos um projeto Teto Seguro, que no caso era distribuição de ripas e telhas, para as pessoas que tinham casas cobertas de palha, e a assim acho que minha entrada na secretaria contribuiu muito... (Entrevista em 23/07/08) 135 Fazer a mediação entre benefícios e a população de Lago da Pedra durante 1997 a 2000 é apontado por essa grande eleitora como um aprendizado adquirido, que viria a contribuir para sua entrada na política, ocupando cargos eletivos. Ela afirma que aproveitou bem a oportunidade que lhe foi concedida na Secretaria de Ação Social e lançou sua candidatura a vereadora em 2000, apoiada por sua tia que disputava a reeleição na prefeitura. Registrei candidatura e fiz meu trabalho, fiz a campanha do jeito que a gente faz aqui, no corpo a corpo, nos bairros, nas visitas, atendendo da forma como é feita a política aqui né? Eu fiz isso e tive o privilégio de ser uma das vereadoras de Lago da Pedra. (Entrevista em 23/07/08) No trecho, ― atendendo da forma como é feita a política aqui‖, refere-se aos favores e trocas concedidas a eleitores em busca de adesão. A distribuição de bens ou favores aparece como modo legítimo de fazer política. São essas práticas que geram compromissos entre o candidato e o eleitor em Lago da Pedra, como lembra Palmeira (1996:48) ― boa parte da arte do político consistirá em conseguir adesões por meio de compromissos criados por sua própria ação na época da política, isto é, criados na própria campanha.‖ Ela destaca que nos dois últimos anos de seu mandato, concorreu a presidência da Câmara Municipal, tendo sido eleita. Orgulha-se por ter sido uma das poucas mulheres que conseguiram ocupar um lugar na Câmara Municipal de Lago da Pedra, ressaltando o fato de ter sido presidente da Câmara. Em 2004, candidatou-se novamente, e embora a sua facção política tenha perdido as eleições para prefeito, ela conseguiu ser reeleita. Refere-se a tal fato como fruto do reconhecimento de seu trabalho político. Ela explica que dentre os fatores de adesão à candidatura de Maura Jorge está a gratidão às oportunidades e apoio que sempre recebeu de sua tia Raimundinha, tanto que a pedido de sua tia, ela registrou candidatura apenas para obter a licença e ter tempo integral para se dedicar a campanha de Maura Jorge. E outro fator mencionado pela grande eleitora é por acreditar que o objetivo da Maura Jorge ser prefeita não é pelo poder e sim pelo povo, para ajudar o município. Ela destaca na entrevista: 136 A Maura quando ela entra na casa do eleitor para pedir o voto, para conquistar o voto, ela diz que está aí nessa campanha é pelo povo. Ela não tem nenhum interesse tipo „eu quero ser prefeita pelo poder‟, não. Até porque atualmente ela é deputada, então poder por poder ela já está em um, então o objetivo dela é ajudar, é beneficiar é colaborar. (Entrevista em 23/07/08) A apoiadora atribui a Maura Jorge uma qualidade de ‗desprendimento‘ , afirma que admira o fato dela querer deixar de ocupar um cargo de deputada estadual, que segundo ela da uma projeção política bem maior a nível de estado para o político, para ser prefeita de Lago Pedra. Isso prova o quanto ela realmente se preocupa com o desenvolvimento do município, afirma a grande eleitora. Sobre o modo de fazer campanha de Maura Jorge, ela elogia o fato da Maura Jorge querer conhecer o eleitor, pegar na mão, abraçar, até aquele que não é eleitor ela visita, trata todo mundo da mesma forma. (Entrevista em 23/07/08) Foi possível identificar tanto nas conversas informais como na entrevista com a vereadora, construções de representações sobre a candidata, como aquela que tem competência, tanto pelo fato de descender de uma família de tradição política em Lago da Pedra, como por estar no seu quarto mandato de deputada estadual. Outro aspecto destacado constantemente sobre a candidata era o desinteresse por benefícios econômicos por meio da atividade política de prefeita, já que esta vinha de uma família estabelecida economicamente. 4.3.3 O presidente do SINPROESEMA Trata-se de um grande eleitor que é professor e agente de saúde. Nasceu em Lago da Pedra, mas aos nove anos foi morar no povoado Santo Agostinho. Relatou-me que na sua adolescência e juventude sempre esteve envolvido com movimentos religiosos da igreja católica. Foi seis anos coordenador do grupo de jovens, posteriormente se tornou membro da Conselho da igreja matriz e no povoado em que reside foi coordenador da Pastoral da Juventude na Paróquia São José. Seu pai era representante do povoado, era ele quem levava as questões e as necessidades do povoado de Santo Agostinho para a serem discutidas e resolvidas na 137 sede de Lago da Pedra. Com o passar dos anos, seu pai adoece, e esse apoiador passar a desempenhar as funções antes exercidas pelo seu pai. Ele justifica que foi assim que começou a se interessar por questões políticas. Quanto ao seu posicionamento enquanto eleitor, explica sua adesão à facção da família Jorge, devido às relações de parentesco, afirmou que seu pai sempre apoiou a família de Waldir Jorge e enquanto líder do povoado e chefe de família acabava influenciando no voto dos demais. O grande eleitor classifica como algo ― lógico‖, ― automático‖ o fato de alguém se posicionar a favor da facção apoiada por um parente seu. Como eu já venho de uma família de tradição em fazer parte do grupo Waldir Jorge, então lógico que automaticamente eu passei a fazer parte desse grupo e apoiar esse grupo. Meu pai já apoiava, minha mãe, tios e tias. (Entrevista em 11/10/08) Apesar de nem sempre ocorrer uma correspondência entre as relações de família e o pertencimento a uma determinada facção política. Palmeira (1996), ressalta que a vinculação familiar nesse tipo de sociedade é particularmente importante e que as obrigações sociais que alguém tem para com membros de sua família estendem-se à esfera política. Em relação aos trabalhos de campanha, desempenhados por esse cabo eleitoral, o primeiro ocorreu em 1996, quando este foi coordenador geral do Comitê, na campanha de D. Raimundinha. Quem era o prefeito de Lago da Pedra naquele período era Luiz Osmani, que tentava reeleição, a família Jorge consegue ganhar as eleições, e no ano seguinte D. Raimundinha em seu terceiro mandato de prefeita convidou esse grande eleitor para ser diretor da Escola de Lago da Pedra, que ocupou tal cargo de 1997 a 2004. Em 2005 afirmou que permaneceu no quadro de funcionários da prefeitura porque é concursado como agente de saúde de seu povoado, e na escola que direcionava ficou atuando como professor. Ele relatou que sempre fez campanha para Maura Jorge para 138 deputada estadual, mas em 2006, Laércio Arruda se candidatou a deputado estadual82 e ele resolveu apoiá-lo. Em 2006 surgiu um novo grupo em Lago da Pedra e eu me engajei nesse grupo apoiando Laércio Arruda, então coordenei a campanha do Laércio aqui no município e tive essa participação contribuindo para a formação desse novo grupo. (Entrevista em 11/10/08) Em abril de 2007, concorreu para o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Maranhão – SINPROESEMA, em Lago da Pedra e obteve votação expressiva, desempenha atualmente tal função. Quando se refere à sua participação na campanha 2008 em Lago da Pedra afirma que a princípio foi procurado tanto pelas lideranças da facção do prefeito atual quanto da Maura Jorge. O fato de ele ter sido um dos principais coordenadores da campanha de Laércio Arruda é mencionado pelo grande leitor como um dos motivos da procura pelas facções. E a gente começou a participar de reuniões, fazer reuniões entre a gente, até que eu cheguei ir a São Luís a pedido da deputada no dia 11 de junho e lá em nome do grupo a gente fez esse compromisso e de lá já veio marcada uma reunião no dia 13 de junho onde todo grupo se reuniu com ela aqui em Lago da Pedra e nesse dia decidimos apoiar a Maura Jorge a prefeita de Lago da Pedra e na chapa compondo como vice o Laércio Arruda. (Entrevista em 11/10/08) A insatisfação desse grande eleitor com as ações atual prefeito em relação aos professores e agentes de saúde de Lago da Pedra também é citada como uma das motivações em apoiar a candidatura de Maura Jorge. Menciona que foi acertado com a candidata antes mesmo de a campanha começar, que com seu êxito nas urnas, ele irá desenvolver um trabalho conjunto na prefeitura voltado para as referidas categorias. 4.3.4 - O bancário 82 Não foi eleito deputado estadual pelo PSL, mas conseguiu obter votação expressiva em Lago da Pedra, segundo dados do TRE o total obtido pelo candidato foi de 4.864 votos. 139 Piauiense de uma família com tradição política na região de Santa Cruz no Piauí desde os anos 60, afirma que todos os prefeitos que já administraram Santa Cruz são seus parentes. Por influência de um dos seus onze irmãos, profissionalmente exerceu a atividade de gerência em vários bancos nos estados de Pernambuco, Brasília e Maranhão. Depois de gerenciar o Banco do Estado em Brasília foi convidado para gerenciar agências do Banco do Estado no Maranhão, passando por agências nos municípios de Imperatriz, Caxias, São Luís e Lago da Pedra, neste último passou mais tempo, chegando a se aposentar e abrir o seu próprio banco. Afirma que quando chegou em Lago da Pedra a família Jorge contribuiu muito para sua adaptação no município, juntamente com um grupo de bancários que se reuniam com freqüência, do qual ele começou a fazer parte, e estes começaram a visitar sua casa. Já tendo conhecido a família Jorge, esta também freqüentava sua residência, desses encontros de amigos, Maura Jorge conheceu um bancário também recém chegado no município, aquele que viria a ser seu esposo, relação esta facilitada e incentivada por esse grande eleitor. Segundo ele “eu já conhecia a Maura desde que ela era bem jovenzinha, lembro bem, sempre foi linda, mas o fato de eu ter apresentado o Rui pra ela fortaleceu nossa amizade e de lá pra cá desenvolvemos uma relação de lealdade”. (entrevista em 12/10/08) Em relação às atividades políticas, apesar de nunca ter ocupado nenhum cargo eletivo, o bancário afirma tenho sangue político nas veias. Destaca que não era candidato porque o banco em que trabalhava não permitia, mas apoiou e coordenou campanha desde as primeiras candidaturas de Maura Jorge. Em 2004 chegou a se preparar para ser candidato a vereador apoiado pela facção dos Jorge, mas não conseguiu nesse momento obter sua aposentadoria junto ao extinto BEM 83, atual Bradesco, o que inviabilizou sua candidatura. Naquele ano ficou apoiando a candidatura de Célia Arruda, candidata dos Jorge à prefeitura de Lago da Pedra, “foi um momento nada fácil pra Maura, perdemos as eleições aqui mas eu estive sempre junto dela”. Em 2006, foi o responsável pela coordenação da campanha de Roseana Sarney em Lago da Pedra, mas afirma que sua relação de gratidão e lealdade a Maura Jorge foi maior, 83 O Banco do Estado do Maranhão-BEM foi vendido ao Bradesco em 10 de fevereiro de 2004. 140 afirmou que não deixava de ser difícil conciliar mas isso não o impediu de apoiar e acompanhar Maura Jorge na campanha para deputada estadual naquela ocasião. 84 A adesão a campanha de Maura Jorge de 2008 a princípio viria acompanhada de sua candidatura a vereador, visto que agora já havia se aposentado. “Mas em uma conversa que eu tive com a Maura, ela disse me queria como coordenador, que aqui em casa seria o centro das reuniões, que era melhor assim, e assim realmente foi feito”. Ele explica que sua casa sempre esteve e sempre estará disponível para Maura Jorge. Durante o trabalho de campo tive a oportunidade de observar o cotidiano da casa desse cabo eleitoral no período eleitoral. Todos os dias logo cedo aconteciam as reuniões com a equipe de campanha de Maura Jorge, juntamente com a candidata, para avaliação dos atos de campanha ocorridos no dia anterior e programação de novos atos. No início percebi que minha presença inibia alguns de tecer comentários 85 e sugestões, mas aos poucos com a explicação da deputada sobre minha condição de pesquisadora sobre sua trajetória política e a influência da apoiadora que me hospedou fui adquirindo a confiança da equipe. Não era raro o dia que no decorrer da reunião apareciam eleitores solicitando uma conversa particular com a candidata, esta saia da reunião para atender o eleitor, já havia na casa um local reservado para tal situação. Ela os recebia com um forte abraço e sorriso no rosto e se colocava a disposição para ajudar no que fosse preciso. Houve ocasiões em que foi solicitada minha ajuda para digitar o nome, endereço e tipo de questão a ser resolvida, identifiquei os mais diversos tipos de pedidos, tais como carrinho de cachorro quente, emplacamento e pagamento de impostos da moto, contas de água atrasadas, materiais de construção, cirurgias, medicamentos, terrenos, emprego, dentre outros. Durante a grande circulação de pessoas em sua casa, esse grande eleitor administrava o ambiente, organizava a ordem de entrada dos eleitores, oferecia 84 Roseana Sarney e Maura Jorge têm um histórico de alianças políticas em diferentes contextos, mas em 2006 a senadora Roseana Sarney foi candidata ao governo do Maranhão pelo antigo PFL e Maura Jorge candidata a deputada estadual pelo PDT. 85 Era comum a candidata perguntar sobre a situação do adversário, sobre a quantidade de público em seus atos de campanha, alguns por não me conhecerem ficavam desconfiados sobre o que realmente poderiam falar. 141 cafezinhos, biscoitos, doces, para as pessoas da equipe de campanha e para os eleitores, deixava sua geladeira a disposição para que todos bebessem água. As reuniões na casa desse apoiador não tinham hora para acabar, geralmente acabavam mais cedo, quando tinha ato de campanha a tarde. Segundo ele, não havia tempo para vida particular naquele momento, “como já tinha deixado a gerência, eu entrei de cabeça mesmo”. Esse cabo eleitoral usava também sua influência como presidente da Associação dos Comerciários para aumentar a rede de apoiadores da campanha, eram poucos os horários de repouso. Ouvi várias vezes a candidata elogiando o grau de dedicação desse apoiador, Maura Jorge afirmava que a ajuda dele era voluntária mesmo, que em muitas ocasiões tirava do seu próprio bolso para ajudar resolver problemas de eleitores, abre realmente as portas de sua casa para um bom trabalho de campanha. Falando sobre esse aspecto, o cabo eleitoral explica que ao mesmo tempo em que se sente na obrigação de tal atitude, tem prazer em contribuir, com seu tempo, sua casa, seu próprio dinheiro 86 e colocava que isso era o mínino que poderia fazer pela grande amizade em relação aos Jorge, principalmente pela Maura. “Aqui em casa realmente foi o centro, aqui traçamos metas, aqui se fiscalizou, se analisou, passamos juntos os momentos de angústia, os momentos de alegria e foi bom, foi maravilhoso”. (entrevista em 12/10/08) 4.3.5 - O líder religioso católico Esse cabo eleitoral morou no povoado Três Lagos87 até os nove anos de idade, depois passou a residir em Lago da Pedra, onde começou a se envolver com o grupo de jovens da Igreja Católica, fato que contribuiu, segundo ele, para seu primeiro envolvimento com campanhas políticas, por meio da candidatura de Conceição Andrade88 a deputada estadual em 1986. Esta recebeu o apoio político da Igreja Católica de Lago da Pedra “fiz campanha pra ela com meus vinte e poucos anos, mas ainda não tinha lá muito jeito pra coisa”. Em 1988 foi que se envolveu de maneira mais direta na 86 Segundo Kuschnir a doação de bens por parte dos assessores simboliza uma adesão ao mundo e aos valores do político. ― Do ponto de vista sociológico, essa é uma contribuição moralmente obrigatória, em função dos laços de fidelidade e lealdade que estruturam a relação entre as pessoas‖(2000:85). 87 88 Maior povoado do município de Lago da Pedra-MA Segundo dados do TRE em 1986 Conceição Andrade foi eleita pelo PMDB com 10.220 votos. 142 dinâmica política de Lago da Pedra. Relata que na época foram três candidatos a prefeito: Waldir Filho, Aroldo Barros e o José Maria. Afirma que foi candidato a vereador apoiando o candidato José Maria que também era apoiado pela então deputada estadual Conceição Andrade e pela Igreja Católica. Sobre sua candidatura para vereador em 1988 o grande eleitor destaca: fizemos uma campanha pé no chão o candidato era pobre e os componentes que apoiavam ele também eram todos pobres, nós nos confiávamos no apoio do sindicato dos trabalhadores rurais e sonhava-se em vitória pelo número elevado de sindicalista mas as vezes as pessoas que se sindicalizam é mais pensando em obter uma aposentadoria ou um direito de saúde... de modo que quem ganhou aquela eleição foi o Waldir Filho (entrevista em 11/10/08) Desde 1988 que ele não deixou mais de se envolver com as atividades políticas do município, seja como candidato a cargo eletivo ou apoiando campanhas para prefeito, até então todas sem êxito. Resolveu apoiar o candidato da família Jorge somente em 2004, quando Célia Arruda saiu candidata. Justifica o apoio por esta ser, sua amiga de infância, juntamente com seu irmão Laércio Arruda, se identificava por ela ser uma candidata jovem e resolveu aderir a campanha também porque estava descontente com as práticas do atual prefeito Luiz Osmani. “Nessa eu fui para rua, fiz discursos, subi no palanque, briguei com eleitor, pena que o resultado foi negativo, mas ainda assim eu permaneci no grupo”. Em 2006 trabalhou na campanha de Laércio Arruda para deputado estadual que apesar de não se eleger como já mencionado despertou o interesse dos duas principais facções que se preparavam para as eleições de 2008. Ele relata que aconteceram várias reuniões até chegarem a decidir de que lado optar a trabalhar nas campanhas municipais de 2008 em Lago da Pedra. Primeiro ouviram o que tinha a dizer e oferecer a facção do Luis Osmani. Segundo esse grande eleitor durante as possíveis negociações e propostas apresentas pelo então prefeito Luis Osmani, ele afirmou que tinha espaço para equipe do Laércio Arruda mas deixou claro que não tinha vaga para deputado federal, pois esta era do Sebastião Madeira e pra deputado estadual a vaga era do Mauro Jorge89 e em relação ao cargo de vice-prefeito disse que poderia ser pensado mas não deixou claro que a vaga de vice-prefeito seria do Laércio Arruda. Já na reunião com a Maura Jorge, ele afirma 89 O deputado Mauro Jorge (PDT) apesar de primo de Maura Jorge(DEM) é oposição política à deputada. Este é apoiado pelo Governador Jakson Lago (PDT) e pela facção de Luiz Osmani em Lago da Pedra. 143 que ela deu mais garantia, deixando claro que o cargo de vice seria do Laércio Arruda, além de algumas secretarias. E na análise que nós fizemos depois das duas reuniões o nosso grupo estava dividido, tinham aqueles que queriam ficar com o Luiz, outros defendiam que deveríamos tocar a campanha sozinhos e alguns queriam ficar com a Maura ... aí ficou a questão vamos pra onde? ... até que o Laércio disse que com o Luiz não tinha menor condição, que por questões familiares essa aliança seria inviável. E quanto a Maura ficamos alguns dias naquela interrogação, eu fui duas vezes em São Luis conversar com ela, até que foi marcada uma reunião na casa da Célia Arruda e foi realizada a união... no mesmo dia a notícia já correu na cidade que o Laércio era o vice da Maura. (entrevista em 11/10/08) Sobre a campanha de 2008 destaca que gostou muito de um aspecto novo na campanha da Maura Jorge, ressaltando que dessa vez ela se dispôs a conhecer o eleitor, segundo ele isso é muito positivo para Lago da Pedra, em comparação a outras campanhas em que ela já tinha feito como deputada estadual. O cabo eleitoral enfatiza que eram outras pessoas, a exemplo da mãe dela é que faziam campanha no município para Maura Jorge, ― esse trabalho de ir na casa do eleitor, de conversar e conquistar a Maura não fazia, ela aparecia mais em reuniões e palanques.‖ 4.3.6 A líder evangélica e dona de restaurante Natural de Caxias mora em Lago da Pedra desde o cinco anos de idade. Define sua relação com a Maura Jorge como uma relação de família, menciona que seu avô era muito amigo do Waldir Jorge, pai da Maura Jorge. Minha irmã, a Lauza foi morar com eles, a Maura ainda era criança.(...) Tenho por eles um sentimento de família. É um pessoal que sempre ajudou a gente, não só eu como Lago da Pedra inteiro. Essa apoiadora é dona de um dos restaurantes que serviam como base de apoio para as pessoas que trabalhavam na campanha. Pude almoçar no restaurante de dona Nega no dia em que participei das visitas no bairro do Cajueiro, lá pude observar várias pessoas conversando sobre vários assuntos, mas os comentários sobre política prevaleciam. Uns falavam sobre o número de pessoas que os adversários políticos estavam conseguindo reunir em suas atividades, outros davam sua opinião em que 144 bairro que a Maura Jorge tinha que fazer mais visitas, alguns contavam piadas e faziam brincadeiras com os números das candidatas, enfim era um espaço de sociabilidade onde trocavam-se idéias desde assuntos pessoais a várias informações sobre as possibilidades dos futuros atos de campanha. E a dona do estabelecimento passeava entre as mesas sempre sorridente, se mostrando muito amigável com todos, perguntava se precisavam de mais alguma coisa. Chamou minha atenção um quadro com a foto do Waldir Filho bem na área central do restaurante, quando terminei de almoçar perguntei a apoiadora o motivo da foto está ali e se poderíamos gravar uma conversa. Ela muito simpática pediu desculpas pelo barulho que as pessoas faziam, mas que poderíamos sim conversar. Foi quando me disse: Essa foto que eu tenho do Waldir é uma relíquia, tenho uma na minha bíblia que para ela sair de lá é preciso muita coisa, outro dia até as filhas dele estiveram aqui me pedindo essa foto e eu disse não isso é uma relíquia (...) sabe minha filha, quando ele começou na campanha eu estava com um ano e quatro meses de viúva aí ele veio aqui e me chamou queria que eu fosse com ele acompanhá-lo pelos interior a fora, a esposa dele tava grávida do segundo filho e ele tinha problema de gastrite e tinha que fazer a comidinha dele separada, ajeitar a roupa dele, ele foi pra mim um bebezão. Ele disse: ‗vamos trabalhar que quando eu for eleito eu vou te ajudar‟. Aí passei uns 90 dias mais ele pelo interior fazendo campanha. Às vezes ele cansado me falava eu não agüento mais e eu dizia nós vamos vencer, em nome de Jesus! Quando saiu o resultado a emoção foi tão grande (...) ai o locutor dele dizia o Waldir tá te chamando e eu emocionada não, eu não, mas ele me agradeceu lá de cima do palanque lembro bem das palavras dele “uma amiga que esteve muito presente do meu lado, minha irmã” (...) eu agradeço a Deus em primeiro lugar e depois a ele porque tudo que eu tenho hoje foi através dele que eu consegui. (entrevista com apoiadora) 145 Ilustração 8- Foto do Waldir Filho no restaurante da apoiadora de campanha A experiência de ter trabalhado na campanha do Waldir Filho lhe rendeu ampliações e melhorias no seu estabelecimento, construindo na parte superior uma pensão. Em relação ao trabalho na campanha para Maura Jorge, a cabo eleitoral fala que além do apoio por meio do restaurante, participa também do grupo de oração em favor campanha, coordenado pela mãe da Maura Jorge. Afirma que trabalha na campanha afirmando para todos da igreja em que freqüenta que a Maura Jorge é o melhor nome para administrar o município, e que faz isso não apenas por gratidão mas porque acredita que foi Deus quem designou a Maura Jorge para ser prefeita de Lago da Pedra. 4.4 - Os atos de campanha em 2008 No dia vinte de julho de 2008, na casa de um cabo eleitoral em Lago da Pedra, fui apresentada a deputada Maura Jorge por sua prima e coordenadora da campanha. Nessa ocasião pude realizar a entrevista com a candidata demonstrando logo minha intenção em acompanhá-la nos atos de campanha. Maura Jorge disse que se lembrava de meu primeiro contato por telefone e que sua prima já tinha comentado que meu trabalho era sobre mulheres na política. Comentou que se sentia honrada por saber que sua trajetória faria parte dessa pesquisa, e em seguida se dispôs a colaborar no que fosse preciso. 146 Aos poucos fui percebendo que o local escolhido para entrevista era o mesmo que aconteciam as reuniões da equipe de campanha. No decorrer da entrevista, algumas pessoas foram chegando e ao final de nossa conversa, a sala já estava com umas doze pessoas. Percebi pelos olhares curiosos que muitos queriam entender minha presença naquele local, a candidata foi logo afirmando que todos poderiam ficar tranqüilos, me apresentou como uma pesquisadora da universidade que queria analisar sua trajetória política e avisou que eu participaria das reuniões e atos de campanha. Como mencionei anteriormente, alguns no início ficaram um pouco desconfiados, mas depois fui conquistando a confiança daquela equipe. No decorrer da semana, fiquei no município para acompanhar os eventos programados nessa reunião: um jantar com os agentes de saúde, visitas domiciliares, ‗poeirão‘ e o comício de abertura da campanha. Fiz uma etnografia desses atos de campanha, buscando demonstrar como o agente mobilizou os mais diversos recursos para a disputa política. 4.4.1 visitas, „poeirão 90‟ e o comício Na campanha de 2008, Maura Jorge utilizou em vários momentos, como nos comícios e em reuniões menores, o discurso de que estava feliz porque agora iria conhecer mais de perto o seu eleitorado, queixava-se que nas campanhas para deputada não tinha tempo para visitas domiciliares, mas que esse sempre foi o seu desejo, de “entrar, sentar e conversar na casa de seus eleitores”, afirmava a deputada. Nas reuniões de articulação com a equipe de campanha, os coordenadores sempre enfatizavam que a candidata tinha que visitar primeiramente os bairros onde o atual prefeito poderia estar conquistando eleitores por ter asfaltado recentemente suas ruas. Os bairros do Cajueiro e Planalto se encontravam nessa situação. A equipe de campanha decidiu então, que na quarta-feira a deputada passaria o dia visitando os moradores do Cajueiro e no dia seguinte seria feito um ‗poeirão‘ no Planalto. E para acompanhar as duas atividades, teria um carro de som, tocando o jingle numa linguagem de pandeiro 90 Ver nota 14 na introdução. 147 repentista, que criticava a qualidade das obras realizadas pelo atual prefeito, dentre elas incluía o asfaltamento. Na construção do jingle, observa-se uma tentativa de desqualificação não apenas das obras, mas do próprio prefeito, na substituição do número da outra candidata- doze- pela palavra ― doido‖. Conforme demonstra o trecho abaixo: Vou contar, vou contar Só não gosto de fuxico Do doido pro 25 grande diferença há Vou contar, vou contar Só não gosto de fuxico Do doido pro 25 grande diferença há (...)outro dia fui a feira só pra comprar o jornal Descendo do meu fusquinha Me lasquei e me dei mal Meu chinelo afundou Até o carro atolou no asfalto sorrizal Ter asfalto é coisa boa Mas eu não posso negar Tem que ser asfalto bom E pra isso o dinheiro dá Mas o asfalto que o doido trouxe O povo tá rezando pra chuva não carregar (trecho do jingle da campanha de Maura Jorge em 2008) Na reunião, antes de seguirmos para o bairro do Cajueiro, um dos cabos eleitorais, orientava a equipe a não deixar a candidata caminhar sozinha 91, teria sempre que ter um grupo de pessoas à sua volta, só em caso do morador solicitar uma conversa particular com a Maura Jorge é que todos aguardariam do lado de fora da casa. Com tênis, jeans e boné em tom rosa, a candidata se prepara para as visitas, expressando uma imagem de feminilidade e descontração. As visitas começaram às 8h da manhã. Maura Jorge seguia acompanhada de sua equipe, principalmente ao lado do candidato a vereador Marcão, que tinha muitos conhecidos no bairro e da vereadora Léa Dias. Durante as visitas a candidata entrava nas casas para cumprimentar as pessoas, falar o motivo de sua candidatura e ouvir os moradores. Observei que a candidata ressaltava em sua fala uma situação de 91 Ao falar dos rituais de campanha, Kuschnir (2002: 256-257) destaca o não-isolamento em locais públicos do candidato como parte do jogo de forças nas disputas eleitorais. ― A companhia de motoristas, secretários, assessores e militantes marca a posição diferenciada do candidato em relação aos demais. Ele está no centro, ao redor do qual giram as pessoas comuns. A força simbólica dessa dinâmica é grande‖. 148 desprendimento do cargo de deputada por compromisso com o município. “Estou aqui disputando a prefeitura, não pelo poder em si, já sou deputada estadual, mas sim porque tenho um compromisso com minha gente”, afirmava a candidata. E após abraçar todos os moradores da casa, pedia para o candidato a vereador Marcão, anotar o que a família estava precisando. Alguns moradores recebiam a candidata com alegria e faziam pedidos dos mais variados, tais como empregos, materiais de construção, remédios e consultas. Outros afirmavam já ter compromisso com o ― outro lado‖, apontando para o cartaz do adversário em sua casa. Nesses casos, a candidata geralmente demorava um pouco mais na casa, apresentando outros argumentos, como as obras já realizadas por sua mãe, que ela gostaria de dar continuidade e dos benefícios que ela tinha conseguido para o município por meio de seus mandatos como deputada. Em alguns casos o eleitor não mudava de posição, em outros solicitava uma conversa a sós com a deputada, que geralmente resultava na mudança do cartaz na fachada da casa. Nas imagens que se seguem pode ser observado alguns momentos das visitas domiciliares no bairro do Cajueiro, como a deputada acompanhada de sua equipe, entrando na casa de eleitores e a mudança do cartaz em uma das fachadas das casas. Ilustração 9- Maura Jorge no centro de sua equipe de campanha recebendo algumas orientações 149 Ilustração 10- Candidato a vereador Marcão e Maura Jorge visitando uma moradora do Cajueiro Ilustração 11- Mudança de cartaz na fachada de uma residência do Cajueiro Depois de três horas de visitas, houve uma parada em um comércio do bairro, em que o proprietário fez questão de distribuir refrigerantes e biscoitos para a candidata e sua equipe, dizendo que ele juntamente com sua esposa sempre votaram em sua mãe e 150 que tinham prazer em votar na Maura Jorge. Essa atitude demonstra que nos momentos de campanha, as doações espontâneas podem ser feitas não apenas por parte dos políticos, mas dos eleitores também. “Ao oferecer algo ao candidato, o potencial eleitor assume a posição de doador, revertendo sua inferioridade momentânea” (Kuschnir, 2002: 255). Em algumas casas tinham moradores que se emocionavam com a presença da candidata e falavam do carinho e respeito que tinham por dona Raimundinha. Mostravam fotos que haviam tirado com a mãe de Maura Jorge. Outros agradeciam mostrando melhorias realizadas na residência, afirmando que estas tinham sido feita com a ajuda da família Jorge. Havia também muitos casos em que alguém da família já estivera hospitalizado em São Luís, em outras situações e que atualmente se encontrava melhor, por intermédio da família Jorge. Nesses casos, o morador agradecia bastante a visita e afirmava que todos naquela casa votariam na candidata. Em nenhum momento a candidata desqualificava diretamente o trabalho da atual administração, deixando por conta apenas do carro de som. Distribuía sorrisos e abraços mesmo para aqueles que não a recebiam muito bem, dizendo que tinha a certeza que eles sabiam qual a era a melhor opção para o município. As visitas foram encerradas às 15:30h. Nesse momento, ouvi a candidata comentando com sua prima que se encontrava cansada e com sede. Essa perguntou se queria que comprasse água, mas a candidata vendo um vendedor de picolé que passava pela rua, o chamou e abraçando-o disse que queria arrematar aquele carrinho. Falou para todos que se encontravam na rua que podiam pegar picolé e cremosinho a vontade, depois de sentar-se em uma calçada na sombra e tirar pedaços dos picolés de alguns, se despediu entrando em seu carro, com alguns membros de sua equipe, pedindo que sua prima acertasse com o vendedor. Aqui apesar de não ser uma festa, me reporto aos exemplos de outros pesquisadores citados por Kuschnir (2002:249) sobre rituais de comensalidade na política92, no que se refere a busca do político em passar uma imagem de nivelamento como o universo de eleitores. Mais do que pagar picolé para os 92 Citando episódios em que políticos buscavam tratar os eleitores de ― igual pra igual‖, observados por Grill (1999)- ― rodadas de cerveja‖ ou ― chimarrão‖ e por Chaves (1993)- festas dos ranchões- Kuschnir destaca: Combinam-se aqui doação/hierarquia e congregação/igualdade (...) Devemos notar que ― pagar uma bebida‖ não é a mesma coisa que ― beber no mesmo copo‖ (2002: 250) 151 moradores do Cajueiro, Maura Jorge sentou e provou junto, fazendo com que essa situação rendesse comentários simpáticos sobre a candidata. Ilustração 12- Maura Jorge e pequeno comerciante no Cajueiro Ilustração 13- Porta- retrato na casa de uma eleitora (de saia azul) com mãe da Maura Jorge 152 Concluída a atividade daquele dia, nos dirigimos para o restaurante de uma das apoiadoras de campanha, que já tinha esse papel de receber os eleitores que trabalhavam na campanha da família Jorge. Lá foram traçadas algumas coordenadas para a atividade do dia seguinte, o ‗poeirão‘. Como já assinalei anteriormente, o restaurante de dona Nega era um espaço onde eleitores se encontravam para atualizar informações como tinha sido seu trabalho de campanha, como estava a situação da Maura Jorge em seus respectivos bairros, o que os vizinhos comentavam, quantas casas tinham cartazes da Maura Jorge, onde havia eleitores com probabilidade de mudança na opção do voto em favor da candidata, dentre outros assuntos. Era um momento que fazia parte de um ritual que reforçava a identidade da equipe em relação com a ligação destes com a Maura Jorge. Ainda que houvesse conflitos internos em relação à proximidade com a líder política. No dia seguinte, a cidade amanheceu ao som de fogos de artifício e carro de som, anunciando que a tarde aconteceria o maior ‗poeirão‘ que Lago da Pedra já tinha presenciado. Nos intervalos da programação da rádio Santa Maura todos eram convidados a participar da concentração do ‗arrastão‘ que seria no ― alto do Waldir‖ e de lá seguiria para o bairro do Planalto. Cheguei ao local de concentração às 16h, o ― arrastão‖ estava programado para sair às 17h. Aproveitei para conhecer a estrutura do sistema de comunicação Waldir Jorge e observar as pessoas que iam chegando, com seus mais variados meios de transporte, mas as motos prevaleciam. Havia um trio elétrico tocando vários jingles da candidata, com um animador em cima convidando a todos a participar e anunciando algumas vezes, que estava chegando o momento da saída. Muitas pessoas disputavam uma vaga em cima do trio, para controlar tal situação, tinha um grupo que escolhia quem poderia subir orientando aos que subiam que tinham que dançar e não deixar as bandeiras paradas. O objetivo do ― poeirão‖ era mostrar a facção oposta quem tinha mais eleitores e ao mesmo tempo anunciar o comício do dia seguinte, o comício ― do 25‖, tanto pela data, que seria na sexta-feira 25, quanto pelo número da candidata. Ao som de foguetes, buzinas, jingles e frases de efeito pronunciadas pelo animador, aos poucos vai formando-se um cortejo festivo que segue pelas ruas de Lago da Pedra, conforme pode ser observado nas imagens abaixo. 153 Ilustração 14- Manifestantes chegando no “Alto do Waldir Ilustração 15- Eleitores subindo no trio elétrico 154 Ilustração 16- Inicio do trajeto pelas ruas de Lago da Pedra A candidata não participou dessa atividade, por ter que conciliar as atividades de campanha com o mandato de deputada. Todas as terças e quintas-feiras Maura Jorge tinha que ir para São Luís, para se fazer presente na Assembléia Legislativa. Mas aos que perguntavam pela candidata, a equipe de campanha afirmava que ela estava chegando. Ao longo do trajeto outras pessoas iam se incorporando àquela espécie de carreata misturada com passeata, cantando e dançando. A massa de manifestantes aos poucos se assemelhava a uma festa de carnaval. Passando pelas ruas do bairro do Planalto, moradores identificados com a facção oposta vaiavam a manifestação e acenavam com o polegar pra baixo. Nesse momento o trio elétrico parou e o animador, acompanhado por outras pessoas que já sabiam de tal estratégia, começou a cantar o jingle que criticava as irregularidades no orçamento da administração atual prefeito, que por tal motivo não pode se candidatar. A letra ressalta a vinculação da candidata adversária com referido acontecimento, e ainda a acusa de despreparo, como pode ser observado, nos trechos que se seguem. 155 Será que foi ele? Será que foi ela? Que fugiu da prefeitura Pulando pela janela Levando o dinheiro para não pagar o povo E agora andam juntos Querendo enganar de novo Eles dois estavam juntos naquele acontecimento Com a bolsa de dinheiro para fazer pagamento Ela fugiu com a bolsa e ele desapareceu Será que eles pensam que o povo já se esqueceu? Será que foi ele? Será que foi ela? Que fugiu da prefeitura Pulando pela janela Mas o povo já conhece a sua caricatura Sua fama, seu passado, seu orgulho, sua usura Ela é despreparada Ela não tem estrutura E ainda quer ser eleita Pra mandar na prefeitura (Jingle da campanha de Maura Jorge em 2008) Seguindo para o lugar de onde havia saído, o trio elétrico conduzia os manifestantes para o fim da atividade, estes ao chegarem no ― alto do Waldir‖, aos poucos se dissiparam. O ‗arrastão‘ foi encerrado às 20h , com o animador exclamando “amanhã, 25, será o dia da maior concentração cívica de Lago da Pedra, não percam”, referindo-se ao comício de abertura da campanha. Embora algumas atividades de campanha já terem sido realizadas antes do dia 25, o lançamento oficial da campanha de Maura Jorge aconteceu com um comício. “São os comícios que sinalizam o início do tempo da política‖. (Palmeira, 1995:35) Na sexta-feira 25, às 5:30h da manhã os carros de som e os fogos de artifício, já acordavam os moradores de Lago da Pedra. Entre os intervalos dos jingles da candidata, os carros de som anunciavam: “É hoje! É hoje! Que a nossa estrela maior vai falar! Maura Jorge a mulher certa em que você vai votar!‖. Na casa da prima da candidata na qual estava hospedada, o telefone não parava de tocar desde muito cedo, alguns candidatos a vereador e pessoas envolvidas com a organização do comício chegavam entusiasmadas e apressadas, afirmando terem muito 156 trabalhos a fazer. Minha ajuda foi solicitada para organizar e digitar os dados dos moradores e pedidos feitos nas últimas visitas. Uma das organizadoras da agenda da candidata disse que a Maura Jorge não participaria das reuniões com a equipe de campanha naquela manhã, porque tinha duas ― visitas solicitadas93‖, que não poderia deixar de atender: uma conversa requerida pelo padre da cidade e uma visita a família de um líder de associação, que havia falecido naquela semana. Os detalhes sobre a atividade do dia começaram a ser tratados sem a presença da candidata, desde a montagem e som do palanque, os carros que transportariam as pessoas do povoados próximos para assistir o comício, a ordem e o tempo dos candidatos a vereador que teriam direito a pronunciamentos no palanque, dentre outros assuntos. À tarde, na praça em que aconteceria o comício, vendedores ambulantes já armavam suas barracas com os mais variados produtos, prevalecendo bebidas e churrasquinhos. Estes aproveitavam a ocasião para conversar sobre as expectativas do evento, e comparar a força política que cada uma das candidatas aparentava ter. À noite o mesmo animador do ― poeirão‖, agora com palavras mais solenes, se referia aos nomes das pessoas que estariam presente na atividade e avisava que em poucos instantes começaria o comício. O comício foi iniciado com a fala de Célia Arruda, candidata a prefeita da facção de Maura Jorge, nas eleições de 2004. Esta saudou a todos os presentes e se reportando a última eleição municipal em Lago da Pedra, disse que apesar de não ter obtido vitória nas urnas naquela ocasião, era muito grata a todas as pessoas que tinham votado nela. Pediu a esses eleitores que votassem nos candidatos Maura Jorge e Laércio Arruda, pois tinha a certeza, que nesse ano Deus já havia estabelecido a vitória. Em seguida falaram os candidatos a vereador e o candidato a vice-prefeito, todos ressaltaram suas propostas e pediram voto para Maura Jorge. Em seguida, o apresentador do comício anunciou que a candidata a prefeita iria falar e passou o microfone a ela. Maura Jorge antes de iniciar o seu discurso, convidou sua mãe para que ficasse ao seu lado, segurando a sua mão, enquanto falava da visita 93 A equipe diferenciava visitas domiciliares realizadas pela equipe da candidata nos bairros, daquelas em que os próprios eleitores solicitavam. Geralmente essa solicitação era feita mediada pelos principais apoiadores da campanha, que avaliavam antes quem era o eleitor solicitante e o caso a ser tratado. 157 que tinha feito a família de um líder de associação, o Sr. Raimundo Vianna que havia falecido na segunda-feira, pediu a todos que fizessem um minuto de silêncio 94. Sobre demonstrações de solidariedade em situações semelhantes a essa, destacam Palmeira e Heredia (1995): (...) não será surpresa no enterro de figuras importantes da comunidade e até mesmo de cidadãos comuns, a presença de candidatos ou políticos a eles ligados, que não deixarão passar a oportunidade de, brindando os participantes com discursos laudatórios ao morto ou simplesmente oferecendo sua solidariedade aos familiares, estabelecerem ou reforçarem ligações sociais que poderão se traduzir em votos. (PALMEIRA e HEREDIA, 1995:33) Prosseguindo, Maura Jorge faz uso do texto bíblico que fala da passagem do profeta Neemias animando o povo a reedificar os muros de Jerusalém: ― Estais vendo a miséria em que estamos, Jerusalém assolada, e as suas portas, queimadas; vinde pois e reedifiquemos os muros.‖ E compara a liderança e papel libertador que aquele personagem bíblico teve em relação ao seu povo com seu objetivo de chegar a prefeitura de Lago da Pedra. A candidata afirmou: Quando estava me dirigindo para cá nesta noite, lembrei da passagem de Neemias tirando seu povo do cativeiro, assim vos falo que chegou a hora da libertação de Lago da Pedra. Disse que estava disposta a mudar a situação atual de Lago da Pedra, em relação a educação, saúde e geração de empregos. Afirmou que a senadora Roseana Sarney que já havia confirmado conseguir liberação de recursos para instalação de energia elétrica nos povoados que ainda não tinham, caso ela fosse eleita. (Bezerra, 1999). Prosseguiu falando várias de suas propostas, sempre prometendo mudança. Afirmou também, que nessa campanha ela iria conhecer mais de perto seu eleitor. Para terminar, Maura Jorge acionou a tradição política de sua família, afirmando que tinha certeza que entre as pessoas que ali se faziam presentes, “havia aquelas que se lembravam da Maurinha acompanhando sua mãe nas atividades políticas‖. E que somado a esse fato, ainda tinham os quatros mandatos de deputada estadual, que lhe davam conhecimento e experiência para melhor administrar seu município. Encerrou, 94 A candidata soube do falecimento do líder de associação pelo celular, no momento em encontrava-se na estrada viajando para São Luís, o que a impediu de participar do enterro. Eu estava no mesmo automóvel e pude presenciar sua ligação logo em seguida para sua mãe, relatando, de forma preocupada, o ocorrido e solicitando que sua mãe fosse em seu lugar, ― em momento de campanha o que não pode é ficar sem ninguém representando a gente lá‖, afirmou a candidata. 158 dizendo que ela sim, era uma candidata que falava 95, não mandava ninguém falar por ela e conclamou a todos a votar 25. Descendo do palanque, liderou uma passeata de encerramento da atividade, no meio dos eleitores, da praça principal até o ― alto do Waldir‖, embalada ao som dos jingles. Nesse momento, Maura Jorge já não é mais a candidata distante do palanque 96, “eleitores e políticos se esbarram, abraçam-se, pedidos são feitos, pequenas conversas são entabuladas, candidatos dançam e cantam como qualquer um” Palmeira e Heredia (1995:43). Além das passeatas e visitas domiciliares, outro evento de campanha eleitoral que pode possibilitar um contato mais próximo entre candidatos e eleitores são as reuniões com aspecto festivo, freqüentes nesse período (tais como jantares, feijoadas ou churrasco), promovidas não com a motivação central de conquistar votos, mas sim de “certificar a identidade do candidato como político digno do exercício de um mandato, justamente num momento em que esta identidade está ameaçada pela aproximação das eleições” (Kuschnir, 2002:243). Tive a oportunidade de acompanhar a candidata Maura Jorge, num jantar organizado por lideranças do sindicato dos agentes de saúde de Lago da Pedra, para os trabalhadores da referida categoria. A seguir, descrevo alguns aspectos observados nessa atividade de campanha eleitoral. 4.4.2 O jantar com agentes de saúde O evento foi realizado na área externa da casa de uma apoiadora de campanha. Começou às 20 horas, com o representante dos agentes de saúde agradecendo a presença da deputada, do candidato a vice- prefeito Laércio Arruda e dos candidatos a vereadores. Se referiu a mesa que eu estava presente, juntamente com os advogados de Maura Jorge e sua chefe de gabinete, e anunciou que ali, estavam presentes também “pessoas que não são do município, mas que são companheiros nossos, pois estão em 95 Fazendo referência ao episódio do debate com os professores em que a outra candidata a prefeita não compareceu, mandando um representante e ao último comício da outra facção cujo o atual prefeito tinha feito o discurso no lugar da candidata. 96 Palmeira e Heredia (1995) chamam atenção para as diferentes modalidades de interação entre candidatos e eleitores nas atividades de campanha, de acordo com os contextos, nos quais estão inseridos (estar em cima de um palanque ou numa passeata por exemplo). 159 Lago da Pedra com o mesmo objetivo que nós lagopedresenses estamos” 97. Em seguida, saudou os seus companheiros de profissão e agradeceu a dona da casa, por ter cedido o local para a realização do jantar. Dando continuidade, o líder dos agentes de saúde afirmou que havia distribuído o convite do jantar para os 123 agentes de saúde que atuam em Lago da Pedra, com objetivo destes ouvirem um pronunciamento da Maura Jorge, que estava ali naquela noite “não como candidata, e sim como deputada que muito tem nos ajudado”. Disse que gostaria, antes da fala da candidata, de ter uma conversa rápida com seus companheiros de trabalho, sobre as estratégias de como estes poderiam atuar na campanha de Maura Jorge e Laércio Arruda. Propôs que os agentes comunitários, no momento em que estivessem trabalhando, divulgassem o nome de Maura Jorge, na casa das famílias visitadas. “São vocês que conhecem as pessoas da comunidade, como agentes de saúde, vocês tem acesso desde a casa do professor, zelador, vigia. Vamos fazer a nossa parte para ajudar a coligação A Força do Povo!”, afirmou o cabo eleitoral, provocando fortes aplausos. Em sua fala, o agente de saúde fez menção, ainda, ao episódio do dia anterior ao jantar. Tinha acontecido um treinamento para os agentes de saúde, promovido pela administração do atual prefeito. Disse estar ciente que neste treinamento sua imagem tinha sido denegrida em público, pela atual secretária de saúde. “Sei que ela se aproveitou de minha ausência no treinamento e me apunhalou pelas costas, eu já tinha dito pra ela minha posição sobre a atual administração, lá na câmara dos vereadores‖. Fez várias críticas a situação na área da saúde em Lago da Pedra e ao treinamento, que segundo ele, havia sido sonegada até alimentação para alguns, durante o treinamento e perguntou se diante disso, todos não queriam mudança. Mais uma vez o público se manifestou com intensos aplausos. Encerrando sua fala, o apoiador de campanha, afirmou que sabia que todos que estavam ali presente já votavam na Maura Jorge, mas que estes tinham a responsabilidade de propagar suas idéias e propostas nas famílias visitadas entre os moradores de Lago da Pedra. O mesmo chamou para dar continuidade, a delegada dos agentes do município. Esta fez uso da palavra também tecendo críticas a atual Percebi que a chegada no mesmo carro da deputada, juntamente com seus assessores legitimava minha presença no jantar. 97 160 administração no que concerne à área da saúde. Entre os vários assuntos abordados, destacou a insatisfação com valores descontados em seus salários. ― É lamentável os descontos realizados pela prefeitura em cima de nossos vencimentos, isso tem diminuído a quantidade de arroz e feijão na boca de nossos filhos, isso não pode acontecer durante mais quatro anos”. Finalizou dizendo que tinha convicção que a Maura Jorge já era a vitoriosa. Em seguida, o vice-prefeito Laércio Arruda fez uso do microfone, afirmando estar ali não para falar de política e sim para cantar98. Com todos acompanhando com palmas, cantou uma das músicas de campanha e passou a palavra para o líder dos agentes de saúde, que disse que todos agora iriam ouvir a deputada. A candidata, fortemente aplaudida, se dirigiu para microfone e corrigiu que apesar de ter sido anunciada como deputada, não falaria ocupando tal cargo. O contexto no qual ela se encontrava, propiciava o acionamento da identidade regional, mais do que do cargo de deputada99. Assim Maura Jorge inicia seu discurso: Bom eu vou pedir permissão aqui para o Valdielson pra que eu não fale como deputada, eu quero me despojar aqui do cargo de deputada e quero falar como lagopredense. Tenho absoluta certeza que esse é que é o sentimento que nos reúne e acima de tudo nos une nessa noite. Então eu não vou falar como deputada e sim como prefeita em nome de Jesus e pela vontade do povo. 98 Além de exercer a profissão de dentista, é cantor de música sertaneja em Lago da Pedra. Ao refletirem sobre os diferentes papéis que os políticos podem assumir ao comunicarem-se com universos sociais regidos por lógicas distintas, destacam Velho e Kuschnir (2000:88) ― O potencial de metamorfose do político, sua habilidade para transitar em mundos e províncias de significado com alterações drásticas de papéis e da própria apresentação do self, constituem a base de uma identidade dinâmica e complexa do mediador‖. 99 161 Ilustração 17- Candidata Maura Jorge no jantar discursando para os agentes de saúde Maura Jorge teceu alguns agradecimentos. Primeiro a Deus pela oportunidade de todos estarem ali presente, diz estar agradecida pelo gesto de carinho da eleitora que disponibilizou a casa, agradece também ao Valdielson por estar conduzindo o trabalho e sua equipe de assessores. Finalizando seus agradecimentos, percebi que a candidata buscou legitimar e valorizar seu trabalho político, se referindo a minha presença como uma pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão 100. Disse que queria agradecer a pesquisadora que a tinha escolhido, para fazer um estudo sobre sua trajetória enquanto mulher maranhense na política. (...) a Dayana que esta aqui nos visitando, está fazendo um trabalho pela Universidade Federal do Maranhão. E eu agradeço porque ela está defendo uma tese de mestrado e me escolheu como deputada, como política do Maranhão, para falar sobre mim nessa tese. Então eu me sinto muito honrada Dayana, quero te dizer isso diante do nosso povo. Prosseguindo seu discurso, a candidata afirmou que tinha ficado magoada, após saber das últimas histórias que estavam sendo propagadas ao seu respeito em Lago da Pedra. Afirmou que isso a fez meditar na palavra de Deus, no livro de Provérbios, que 100 Tal situação tem sido comumente vivenciada por pesquisadores na área da ciência política, a exemplo de Kuschnir (2003). 162 falava sobre a importância de andar na verdade para se chegar aos bons lugares. Ressaltou que estavam proferindo mentiras sobre sua pessoa, denegrindo a imagem da Maura Jorge e de seu trabalho. Mas afirmou que não tinha medo, porque acreditava na passagem bíblica que diz que os anjos do Senhor acampam ao redor daqueles que o temem. A candidata disse estar preocupada com a música da outra candidata que diz ― Vamos continuar‖ e pergunta para todos os presentes, continuar com o quê? Afirmando que com todas as categorias que ela tinha dialogado até aquele momento, apenas tinha ouvido reclamações sobre a atual administração. Maura Jorge destacou que entre os profissionais da saúde se falava em humilhação. “Quando fui conversar com o pessoal da educação, se falava em descaso com a merenda escolar, com o educador. Aí eu vou e me reúno com os desportistas, a mesma falta de respeito. Como podemos falar em continuar?” Maura Jorge propõe em seu discurso, no lugar de ― continuísmo‖, mudança. Acionando a legitimidade divina, disse que para tal, Deus a tinha escolhido. Que a sua candidatura era direcionada pelos propósitos de Deus para trazer mudança para Lago da Pedra. “Eu tenho absoluta certeza de que foi Deus que aqui me colocou, se ele me fez aceitar esse desafio, é porque ele tem um propósito. Um propósito de uma administração digna, que respeita nosso cidadão”. Encerrando seu pronunciamento disse que os agentes de saúde são como verdadeiros anjos do povo de Lago da Pedra, que ao adentrarem os lares dos mais carentes, acabavam acalentando muitas famílias. Pedia naquela noite, portanto, que como anjos, eles se tornassem os mensageiros da verdade, e se sentissem transformados numa Maura Jorge que quer dar um basta em tudo que se implantou com a atual administração. Finalizou dizendo que se Lago da Pedra estava passando por uma situação ruim atualmente, era porque na campanha da Célia Arruda ela avisou que ― tinha lobo que se vestia em pele de cordeiro, mas muitos não acreditaram‖. Mas que não se preocupassem porque ela e o candidato a vice- prefeito Laércio Arruda, eram os agentes da esperança. Quando a candidata terminou sua fala, muitos aplaudiram, gritaram e abraçaram a candidata. No momento do jantar o ambiente foi se tornando 163 mais descontraído, cada um se servia, enquanto a candidata conversava, comia e bebia junto de seus eleitores.101 Maura Jorge se autoconsagra ― a mulher certa‖ para administrar Lago da Pedra, anunciada em seu jingle de campanha. Agora, não apenas pelos aspectos anunciados na letra: ― aquela que tem alegria‖, ― que está com o povo todo dia‖, ― a candidata da massa‖, mas baseada também em símbolos do sagrado102, como a bíblia e designações associadas a esse universo: ― aquela que anda na verdade‖, ― escolhida por Deus‖, ― agente da esperança‖. Assim, por meio da análise das diferentes situações que observei, nota-se que a campanha de Maura Jorge em 2008, foi realizada enfatizando-se principalmente quatro elementos: a tradição política da ― família Jorge‖, a identidade regional, a atuação enquanto deputada estadual e a dimensão do sagrado. Além do jantar, visitas, comícios e passeatas, tive a oportunidade de observar também a festa da candidata, em comemoração à vitória nas urnas. Maura Jorge foi eleita prefeita de Lago da Pedra com 12.659 votos, enquanto a candidata da outra facção- Fátima Sales- obteve 12.097 votos. Demonstrando o clima ainda de competição entre as facções, depois de apurado o resultado positivo, carros de som e várias casas de eleitores de Maura Jorge, tocaram repetidas vezes uma música com lira melancólica e choro de criança ao fundo, em tom provocativo aos eleitores da outra facção, com a seguinte letra: A partir de agora você vai curtir o melô do chororô O hino da vitória Chora eleitor apaixonado Chora nem que seja escondido Chora eleitor apaixonado Chora nem que seja escondido Quantas vezes avisei amigo meu E você não quis me acompanhar Agora chora o amargo da derrota E não tem jeito o remédio é chorar 101 Observei que a candidata não parou em uma única mesa para jantar, visitou todas as mesas em que estavam dispostos os agentes de saúde. Neste momento, Maura Jorge tirou fotos, ― beliscou‖ a comida de outros pratos e ouviu demandas pessoais de seus eleitores. De modo que quando saí do evento com a candidata e sua equipe de assessores, já era madrugada. 102 A análise de Barreira (1998:66) destaca: ― Não por acaso, os rituais da política têm tradicionalmente evocado, de modo direto ou indireto, a presença do sagrado, a partir de símbolos deslocados e readaptados a cada situação particular‖. 164 Com seu prestígio reforçado, Maura Jorge agora se encontrava diante do desafio de comemorar com seu eleitorado evangélico sem desagradar aos demais. A candidata juntamente com sua equipe de campanha, decidiu comemorar o êxito obtido nas urnas, fazendo duas noites de festa em Lago da Pedra: um culto no dia onze e um forró no dia doze de outubro de 2008. Analiso em seguida as duas situações. 4.4.3 Comemorando o resultado: culto e forró na praça. O local e horário escolhido para realização dos dois eventos foi o mesmo, as 19:00h na praça principal do município. Mas o cenário, as atitudes, roupas, falas e gestos da candidata foram bem diferenciados, demonstrando a habilidade e plasticidade de comportamentos que são exigidos dos políticos, de acordo com situações específicas na qual se encontram. O palanque armado para o culto foi todo emoldurado com balões azul e branco. No alto de forma bem centralizada, tinha uma grande pomba de isopor com uma bandeira do número 25 presa no bico. A intenção segundo a equipe de campanha, seria remeter por meio desses adornos, a passagem bíblica em que o personagem Noé percebe que o dilúvio acabou, após soltar uma pomba. E naquela noite esse símbolo representava os bons tempos anunciados para o município com a vitória da nova prefeita. (ver fotos 18 e 19) 165 Ilustração 18- organização do palanque para o culto em comemoração a vitória de Maura Jorge Ilustração 19- O símbolo da pomba no culto em ações de graça de Maura Jorge Devido às relações construídas nos atos de campanha que já havia observado anteriormente, pude ter acesso e transitar à vontade em todo espaço do palanque. Observei que na frente havia um púlpito bem centralizado que dividia cadeiras reservadas para os familiares de Laércio Arruda à direita e os de Maura Jorge à 166 esquerda. Os vereadores eleitos, juntamente com os pastores e cantores sentaram-se nas fileiras mais atrás, de modo que toda parte dianteira foi tomada por familiares da prefeita e do vice-prefeito recém-eleitos. Ao fundo ficaram os músicos e algumas pessoas da equipe coordenadora da campanha. Um pastor local foi escolhido para conduzir o culto, este começou lendo vários textos bíblicos que faziam referência a importância do ato de agradecer a Deus pelos benefícios alcançados. Em seguida chamou a candidata das eleições de 2004, Célia Arruda, para cantar. A viúva de Waldir Filho, juntamente com suas filhas, representando a união da família Jorge com a família Arruda, após rápido pronunciamento em agradecimento aos eleitores de Lago da Pedra, falou que a música que iria cantar, fazia referência à vitória concedida por Deus à Maura Jorge, que tinha como tema ― De coração pra coração‖. À medida que o culto prosseguia, os vereadores eleitos pela coligação A Força do Povo se pronunciavam. Enquanto Maura Jorge, sentada ao lado de seu esposo e de seus pais, assistia à reunião, sem muitos acenos ao público. Dois cantores conhecidos nacionalmente no meio evangélico foram contratados especialmente para o evento, pastores da igreja que Maura Jorge freqüenta em São Luís, também estavam presentes, além de lideranças locais de municípios vizinhos, como Bacabal e Lago do Junco. Após vários pronunciamentos, músicas e orações, o pastor que coordenava o culto chamou as duas famílias, Jorge e Arruda, para se posicionarem ao lado do púlpito para que ele e o povo de Lago da Pedra orassem pelas mesmas. A família de Maura Jorge encontrava-se bem mais numerosa, com irmãos, primos, sobrinhos, filhos. A deputada e prefeita recém-eleita encontrava-se maquiada, de salto e vestes de tecido brilhoso, remetendo seriedade e solenidade ao ambiente. Esta ficou em pé juntamente com seu esposo Rui, seus pais- D. Raimundinha e Sr. Waldir Jorge- e se posicionou para receber a oração ao lado da família Arruda. Por último, obedecendo à hierarquia da ordem de ― autoridade política‖ nos pronunciamentos em palanque (Palmeira e Heredia, 1995) foi dada a oportunidade para que Maura Jorge falasse. Esta antes de começar o seu discurso disse que iria falar naquela noite com pessoas que eram seus irmãos duas vezes, ― irmãos em Cristo e irmãos lagopedrenses‖. E, se reportando a música cantada por Célia Arruda, disse que 167 assim como Deus tinha falado ao seu coração, naquela noite iria falar ao seu povo de coração pra coração. Agradeceu a todos presentes e citou o versículo que diz que o homem traça os seus caminhos, mas é Deus quem determina onde o homem vai chegar. E começou a falar do fato dela deixar de ser deputada para se tornar prefeita de Lago da Pedra. Maura Jorge afirmou: O homem traça os seus caminhos, mas é Deus quem determina onde vamos chegar. É bem verdade que eu tracei o meu caminho, para estar hoje lá na Assembléia Legislativa como deputada, mas Deus me disse: Maura Jorge teu percurso mudou, mudou a tua história. E hoje vocês estão vendo aqui a irmã, a mulher, a companheira, a interiorana e lagopedrense que sou, como prefeita da nossa cidade. Após a manifestação de aplausos, Maura Jorge continuou perguntando, qual era o pai ou mãe que não queria o melhor para seus filhos. E disse que o povo de Lago da Pedra como filhos de Deus, iria receber agora o melhor. Agradeceu a todos que abriram as portas de sua casa, durante as visitas que ela fez nos bairros, disse que sempre orava antes de realizar tais visitas. Quando eu levantava pelas manhãs para minhas visitas nos lares, eu orava: Senhor toca no coração dessas pessoas e sensibiliza (...) esse foi o melhor encontro que eu tive com meu povo, porque nessa campanha eu pude ter intimidade com cada um de vocês. Maura Jorge afirmou que após esse resultado nas urnas, estava se espelhando em Salomão, e contou a história desse personagem bíblico, que quando se constituiu rei não pediu nada a Deus além de sabedoria, e era isso que ela estava a pedir a Deus naquela noite, ― peço a Deus sabedoria para conduzir o meu povo‖ . Em seguida, referiu-se aos seus pais como colunas que a sustentavam, dando ênfase às orações de sua mãe. Continuando seu discurso, Maura Jorge falou das perseguições que havia sofrido no final de sua campanha, e agradeceu a Deus pelo livramentos. Finalizou enfatizando que a vitória comemorada naquela noite, não era da Maura Jorge, “essa vitória é primeiramente de Deus e depois do povo de Lago da Pedra”. 168 No evento do dia seguinte, os elementos usados no palanque que juntos completavam o cenário de um culto foram substituídos por um ambiente construído agora para um show de uma banda de forró. No mesmo palco, observei a ausência de balões, pomba, bandeira, cadeiras e púlpito dando lugar ao jogo de luz, estrutura de som mais amplificada e a presença de um animador que se comunicava constantemente com o público que se aproximava. Em baixo, havia muitas barracas montadas com vendedores de diferentes petiscos e bebidas. Uma quantidade maior de jovens em relação à atividade do dia anterior, também podia ser observada. Maura Jorge chegou às 20h, acompanhada do marido e dos filhos, vestindo uma blusa mais descontraída e jeans. Os vereadores eleitos e o vice-prefeito Laércio Arruda estavam presentes, mas não fizeram discursos. O número de pessoas em cima do palanque era bem menor que no dia anterior, todos em pé, observavam apenas Maura Jorge fazendo pronunciamento. Esta foi bem mais sucinta em suas palavras, agradeceu aos jovens de Lago da Pedra pela participação na campanha e prometeu a estes que iria investir em educação, cursos profissionalizantes e geração de empregos no município durante sua gestão. A nova prefeita de Lago da Pedra disse que amava os jovens e que entendia um pouco de suas concepções e visões de mundo, porque conciliava sua atividade política com um cotidiano compartilhado com seus quatro filhos adolescentes. Nesse momento, chamou para frente do palanque seus dois filhos que se faziam presente e enquanto estes acenavam para o público, Maura Jorge agradeceu a ambos pela força transmitida no decorrer da campanha e pela compreensão e maturidade em relação ao seu pouco tempo dedicado à família ao longo dos anos, devido às exigências dos mandatos. No mesmo sentido, agradeceu seu esposo, encerrando sua fala ao seu lado juntamente com seus dois filhos. Em seguida o animador anunciou a banda que tocou para o público até o amanhecer. Ao analisar esses diferentes atos de campanha, busquei demonstrar como a candidata mobilizou os mais diversos recursos no tempo na política em Lago da Pedra, me limitando a esse período. Reconheço que para uma análise mais ampla dos papéis e da atuação do político com sua diferenciada rede de relações, seria necessário considerar outras dimensões, tais como a relação da deputada com seus eleitores fora do 169 período de campanha, sua relação com outros deputados na Assembléia Legislativa e seu trânsito nas diferentes esferas do Poder Público, mas ciente das limitações que o tempo impõe numa pesquisa de mestrado, optei por deter-me ao período eleitoral, sem esquecer que pela própria natureza de seu objeto, uma etnografia é sempre incompleta. 5- Considerações Finais Minha intenção ao longo desse trabalho foi analisar o processo de profissionalização política no Maranhão sob um recorte de gênero. Essa iniciativa se desdobrou em três sentidos: identificar os perfis das deputadas federais/estaduais maranhenses no período compreendido entre 1982-2006, refletir sobre as estratégias de reconversão de bases sociais em trunfos eleitorais e observar esse tipo de acionamento nas práticas de uma mulher maranhense em campanha. Ficou claro, em relação ao número de deputadas eleitas no Maranhão nas duas últimas décadas, que houve um aumento considerável no que se refere ao cargo de deputada estadual. Entre as deputadas federais, apenas 4 mulheres conseguiram se eleger nesse período. A apresentação dos dados sobre a trajetória das carreiras políticas analisadas demonstrou que o acesso ao cargo de deputada no Maranhão encontra-se ligado tanto na esfera federal como na estadual predominantemente às relações de parentesco com político (com destaque para os casos de relação com o cônjuge), somado à ocupação de cargos públicos e à reconversão da notoriedade profissional em alguns casos, como critério de legitimação política. Busquei, ainda, identificar os princípios que regem a disputa eleitoral no Maranhão a partir da perspectiva dos agentes. Dentre os elementos mais mencionados como imperiosos para se obter êxito na carreira eletiva, as deputadas destacaram vários aspectos, tais como a experiência política, no sentido de mandatos anteriores, a amizade, eloqüência e vínculos com familiares políticos. Demonstrando as variações quanto à condição de acesso e de consolidação da carreira eletiva entre as deputadas no Maranhão. 170 Como parte da demonstração das possibilidades de combinação e acionamento de trunfos políticos ao longo dos itinerários das deputadas, analisei dois casos mais detalhadamente: o percurso de uma deputada federal e outra estadual. Embora, tenha utilizado estratégias de pesquisa bastante distintas e desiguais no exame dos perfis, os dados mostraram como duas mulheres de origens sociais bem diferenciadas (no primeiro caso uma filha de trabalhadores rurais e no outro uma filha de latifundiário) acionaram distintos trunfos na busca pelo reconhecimento nas urnas. Enquanto que no primeiro exemplo, Terezinha Fernandes combinou principalmente militância e relações matrimoniais, no segundo caso, Maura Jorge acionou sobretudo a tradição política familiar e a identidade regional. Apesar das peculiaridades destacadas nas análises, os dois exemplos demonstraram como pode ocorrer o intercâmbio dos diferentes níveis da hierarquia política, superando a idéia dicotômica de local x nacional de atuação política. Os dados evidenciaram também, que o mesmo recurso político pode ser utilizado de forma diferenciada. Em relação ao uso do gênero como mecanismo para obtenção de legitimidade política, foi observado que o acionamento ocorre, mas geralmente com menor peso em relação a outros trunfos eleitorais. No que se refere à estrutura do espaço político no Maranhão, os dados demonstraram o predomínio do ingresso ― por cima‖, por parte tanto das deputadas federais, como das estaduais, configurando um espaço político ― fechado‖. Em relação às primeiras, todas não ocuparam cargo eletivo anterior ao de deputada federal, e entre o grupo das 22 deputadas estaduais, apenas 8 iniciaram suas carreiras como vereadoras ou prefeitas. Corroborando as idéias de autores que discutem sobre o processo de profissionalização política, o tempo de dedicação dessas mulheres às atividades políticas, em geral, somam vários anos. Não apenas pelo número de mandatos acumulados, mas também por atividades desempenhadas antes da ocupação do cargo eletivo. Identifiquei ao longo da pesquisa casos de passagem por secretarias, militância ou participação nas campanhas dos maridos, antes de serem eleitas deputadas. O conhecimento e as práticas adquiridas nessas esferas acabam funcionando como capital significativo de diferenciação entre os concorrentes na arena política. Semelhante aos dados encontrados em outras pesquisas sobre a participação das mulheres na política, constatei no Maranhão a recorrência das deputadas federais e 171 estaduais em comissões ligadas a área social, sugerindo discussões futuras sobre gênero, poder e recursos desiguais não abordadas no presente trabalho. Apresentei no último capítulo, três elementos na análise do percurso de um agente: o gênero acionado nas campanhas, mecanismos de herança na política e as lógicas de adesões de cabos eleitorais numa determinada configuração. No primeiro aspecto, quanto ao uso de gênero como identidade estratégica, a imagem de mulher construída pela candidata geralmente estava associada a outros elementos. A candidata relacionou a imagem de mulher tanto a seus anos de mandatos acumulados como deputada, como ao modo de fazer política de maneira mais pessoalizada e a sua opção religiosa: ― mulher preparada‖, ― mulher certa que está com o povo todo dia‖, ― a candidata da massa‖, ― a mulher escolhida por Deus‖, ― a mulher que anda na verdade‖. No segundo aspecto, por suas origens sociais, Maura Jorge entra na política herdando ― redutos‖ conquistados por sua família ao longo dos anos. Isso reforça o que já foi discutido em vários trabalhos que abordam essa temática, o peso que desempenham os mecanismos de hereditariedade nas disputas políticas. Finalmente, entre as lógicas de adesões entre os apoiadores de campanha, foi possível perceber relações de reciprocidade onde as trocas e recompensas davam significado ao engajamento nas lutas políticas. A administração desses elos se mostrou um componente indispensável para o exercício do métier político e para a construção e divulgação da imagem da candidata, assim como para a fixação dos atributos que compõem o perfil de uma mulher que se especializou na atividade política. 172 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACHIN,C. ― Le mystère de la chambre basse. Comparaison des processus d´entrée de femmes au parlement, France-Allemagne, 1945-2000‖. Dalloz, Coll. Bibliotlèque dès Tlèses, 2005. ARAÚJO, Clara. Potencialidades e Limites da Política de Cotas no Brasil. Ver. Estudos Feminsta, ano 9, 2001. AVELAR, Lúcia. Mulheres na elite política brasileira. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer: Editora da UNESP, 2001. BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996 BARREIRA, I. Chuva de papéis: ritos e símbolos de campanhas eleitorais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Núcleo de Antropologia Política, 1998. -----------------, I. Práticas parlamentares, habitus e performances no campo da política: a participação de mulheres no Congresso Nacional. In: 30º Encontro Anual da ANPOCS, 2006, Caxambu. 30º Encontro Anual da ANPOCS. São Paulo : ANPOCS, 2006 BARROS FILHO, J. A tradição engajada: origens eleitorais no percurso de um agente. Dissertação de mestrado, UFMA, 2007. BEZERRA, M.O., Em Nome das “Bases”. Rio de Janeiro: Relume Dumará,1999. BORGES, A. S. Conexão Eleitoral e Atuação Parlamentar: representantes e bases eleitorais no Maranhão. Tese de doutorado, IUPERJ, 2005. --------------, A. S. Estudantes e Política: movimento estudantil e greve pela meia passagem no contexto da redemocratização. Ciências Humanas em Revista, UFMA, 2006. -------------, A. S. PT Maranhão 1982-1992: origens, organização e governos municipais. São Luís, EDUFMA, 2008 BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. ----------------,P, CHAMBOREDON, Jean-Claude e PASSERON, Jean Claude. O Ofício do Sociólogo. Petrópolis: Vozes,2004. ----------------,P. Lições de Aula. São Paulo, Vozes, 1988. ----------------, P. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998 ----------------, P. ― A ilusão biográfica‖. In: FERREIRA, M e AMADO, J. (orgs.) Usos e abusos da História Oral, Rio de Janeiro, FGV Ed, 1996. 173 ----------------, P. Stratégies de reproduction et modes de domination. Actes de la recherche en sciences sociales, Volume 105, Nº 1. p. 3 – 12, 1994 ----------------, P. BOURDIEU, Pierre. Da regra à estratégia. Coisas ditas. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1990. p.77-95 BUZAR, Benedito. Vitorinistas e Oposicionistas, Lithograf, São Luís, 2001. CARVALHO, J. M. De. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004 CHARLE, Christophe. A prosopografia ou biografia coletiva: balanço e perspectivas. FGV, Rio de Janeiro, 2006. CORADINI, O. L. Origens sociais, mediação e processo eleitoral num município de imigração italiana. In: PALMEIRA, M; BARREIRA, I. Candidatos e Candidaturas: enredos de campanha eleitoral no Brasil. São Paulo: Anna Blume, 1998. COSTA, A. A. As donas do poder: mulher e política na Bahia. Salvador: Ed. Do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher- FFCH/UFBA, 1998. COSTA, Wagner C. da. Do “Maranhão Novo” ao “Novo Tempo”: a trajetória da oligarquia Sarney no Maranhão. São Luís, UFMA, 1997. DELMIRO, D. dos S. Gênero e Política no Maranhão: um estudo sobre os mecanismos de Legitimidade de Roseana Sarney. Monografia em Ciências Sociais, UFMA, 2006. DULONG, Delphine. SANDRINE, Lévêque. Une ressource contigente. Les conditions de reconversion du genre em ressource politique. Politix, v.15, nº60, 2002. P. 81-111. FERREIRA, M. Mulher e participação política no Maranhão. In: FERREIRA,M., ALVARES, M.L.M., FERREIRA, E. Os poderes e os saberes das mulheres: a construção do gênero. São Luís, EdUfma, 2001. ---------------, M. Mulher no legislativo: um estudo sobre as cotas. In: Souza, Chaquime e Lima e.Teoria e prática nas Ciências Sociais. Araraquara: Cultura Acadêmica, 2003. p.69 – 90. GEERTZ, Clifford. Negara: O Estado teatro no século XIX. Bertrand, 1980 GONÇALVES. Maria de Fátima da Costa. A Invenção de uma Rainha de Espada: reatualizações e embaraços na dinâmica política do Maranhão Dinástico. Tese de Doutorado em Políticas Públicas. UFMA, 2006. GRILL, I.G. As bases sociais do compromisso: a constituição de um espaço de concorrência eleitoral no sul do Rio Grande do Sul. Dissertação de mestrado, UFRGS-IFCH-PPG Ciência Política, 1999. ----------, I. G. Parentesco, Redes e Partidos: as bases das heranças políticas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tese de Doutorado em Ciência Política, IFCH-UFRGS, 2003 174 ----------, I. G. . Processos, condicionantes e bases sociais da especialização política no Rio Grande do Sul e no Maranhão. In: 31.º Encontro Anual da Anpocs, 2007, Caxambú. 31.º Encontro Anual da Anpocs, 2007. GRYNSPAN, Mario. Os idiomas da patronagem: um estudo de trajetória de Tenório Cavalcanti. Rev. Brasileira de Ciências Sociais, nº14, outubro 1999. GUEBEL, Claudia. O bar de Tita: política e redes sociais. In: Heredia, B; Teixeira, C; Barreira, I. (Orgs.) Como se fazem eleições no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. GUIONNET, Christine. Entrées de femmes em politique. L‟irréductibilité du genre à l‟heure de La parité. Politix, v.15, nº60, 2002. P.113-146. HTUN, Mala. A política de Cotas na América Latina. Revista de Estudos Feministas. vol.9 nº.1 Florianópolis 2001 KUSCHNIR, K. O Cotidiano da Política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000a. -----------------, K. Eleições e representação no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJNúcleo de Antropologia da Política - NuAP; Relume Dumará, 2000b -----------------, K. Rituais de Comensalidade na política. In: Heredia, B; Teixeira, C; Barreira, I. (Orgs.) Como se fazem eleições no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. ----------------, K. Antropologia da Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. ----------------, K. Karina . Uma pesquisadora na metrópole: identidade e socialização no mundo da política. In: KUSCHNIR, Karina; VELHO, Gilberto. (Org.). Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. 1 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. LAGROYE, J. Être du métier. Politix, Année 1994, Volume 7, Numéro 28. p. 5 - 15 LANDÉ, Carl H. Introduction: the dyadic basis of clientelism. In: SCHMIDT, S.W.; alli.(Orgs.). Friends, followers and factions. A Reader in political clientelism. Berkeley: University of California Press, 1977. LENOIR, R. ― Objeto sociológico e problema social‖. In: CHAMPAGNE, Patrick et al Iniciação à prática sociológica, Rio de Janeiro, Vozes,1996. NICOLAU, J.M. O Sistema Eleitoral Brasileiro: a questão da proporcionalidade da representação política e seus determinantes. In: LIMA JUNIOR, O. B. (Org.) Sistema Eleitoral: teoria e prática. Rio de Janeiro, IUPERJ/Rio Fundo, 1991. MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967 MAYER, Adrian C. A importância dos quase-grupos no estudo das sociedades complexas. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo: Global, 1987.p.127-155. MICELI, Sérgio. Biografia e cooptação. In:_____. Intelectuais à brasileira. São Paulo: 175 Companhia das Letras, 2001. MIGUEL, Sônia M. A política de cotas por sexo: um estudo das primeiras experiências no legislativo brasileiro. Brasília. Cfemea, 2000. MIGUEL, Luís Filipe. Política de interesses, política do desvelo: representação e singularidade feminina. Rev. Estudos Feministas, ano 9, 2ºsem. 2001. MORAIS FILHO, J. R. R. Feudos, Canudos e Bolchevismos no Maranhão: oposicionistas e vitorinistas num mundo de guerras locais, monografia-UFMA, 2007 OFFERLÉ, Michel. Entrées en politique. Politix, V. 9, Nº35, p. 3 – 5, 1996 OFFERLÉ, M. Professions et profession politique. In: La Profession politique. Paris: Belin, 1999. PALMEIRA, Moacir; HEREDIA, Beatriz. Os comícios e a políticas das facções. Anuário Antropológico. Rio de Janeiro: 1995. p.31-90. ----------------, M. ― Política, facções e voto‖. In: PALMEIRA, M. e GOLDMAN,M.(orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de Janeiro: Contra-capa, 1996. ------------------, M. Eleição municipal, política e cidadania. In: PALMEIRA, M. G.S; Barreira, C. Política no Brasil: Visões de antropólogos. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2006. PHELIPPEAU, Eric. ― Sociogênese da profissão política‖. GARRIGOU, A; LACROIX, B. Norbert Elias. A política e a história. São Paulo: Perspectiva, 2001. PINTO, Céli Regina, Moritz, Schulz e Moraes. Perfis, trajetórias, desempenhos: uma pesquisa com as vereadoras gaúchas. Porto Alegre: Ed. Universidade, UFRGS, 2000. SAFFIOTTI, Heleieth I. B. Rearticulando Gênero e classe social. In: COSTA e BRUSCHINI. Uma questão de Gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. SILVA, Ilse Gomes. Entre o Local e o Nacional: a “reforma” do aparelho do Estado no Maranhão. In: Participação Popular e ― Reforma‖ do Estado Brasileiro nos anos 1990: contradições e impasses. Tese. (doutorado em Ciências Sociais), 2001. SCOTT, J. Uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade: mulher e educação, v.15. 1990. SCOTTO, Gabriela. O Visível e o Invisível: considerações sobre uma candidatura. Comunicações do PPGAS/MN, Rio de Janeiro, v. 5, p. 21-38, 1995. SINGER, A. Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Edusp, 2000 VELHO, Gilberto e KUSCHNIR, Karina (orgs.) Mediação, Cultura e Política. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001 WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002. 176 Outras fontes: Dicionário Histórico-Biográfico- CPDOC. Entrevistas com as deputadas: Marly Abdalla. Realizada pela mestranda na sala de coordenação da UNITI-UFMA em 05 de março de 2007 Graça Paz. Realizada pela mestranda no Gabinete da deputada em 07 de março de 2007 Fátima Vieira. Realizada pela mestranda no Gabinete da deputada em 07 de março de 2007 Telma Pinheiro. Realizada pela mestranda na SECID em 14 de março de 2007 Terezinha Fernandes. Realizada pela mestranda e orientador na SETRES em 03 de abril de 2007. Graciete Lisboa. Realizada pela mestranda na residência da deputada, em 30/08/07 Maura Jorge. Realizada pela mestranda no município de Lago da Pedra, em 20/07/08 Entrevistas com cabos eleitorais: 5 entrevistas. Realizadas pela mestranda entre julho e outubro de 2008, no município de Lago da Pedra. Vídeo: Vídeo de atos de campanha de Maura Jorge em 2006, produzido pelo Sistema de Comunicação Waldir Jorge. Internet: www.cfemea.org.br. Acesso em 03/11/07. www.tse.gov.br. Acesso em 07/01/08 www.ipu.org. Acesso em 23/11/07 www.camara.gov.br. Acesso em 07/01/08 www.senado.gov.br. Acesso em 09/01/08 www.al.ma.gov.br. Acesso em 05/07/08 177 ANEXO Roteiro de Entrevista 1 – Qual o perfil (étnico, de origem geográfica, social, etc.) dos seus antepassados por parte paterna e materna? 2 - Qual o grau de escolarização do seu avô paterno? 3 - Em qual instituição de ensino superior ele concluiu o curso superior? 4 - Qual o grau de escolarização do seu avô materno? 5 - Em qual instituição de ensino superior ele concluiu o curso superior? 6 - Quais foram as atividades profissionais exercidas pelo seu avô paterno? 7 - Quais foram as atividades profissionais exercidas pelo seu avô materno? 8 - Qual o grau de escolarização do seu pai? 9 - Em qual instituição de ensino superior ele concluiu o curso superior? 10 - Qual o grau de escolarização da sua mãe? 11 - Em qual a instituição de ensino superior ela concluiu o curso superior? 12 - Quais foram as atividades profissionais exercidas pelo seu pai? 13 - Quais foram as atividades profissionais exercidas pela sua mãe? 14 - O Sr.(a) poderia descrever como foi a sua infância e como acompanhava a política neste período? 15- Em que momento e idade o Sr.(a) começou a militar politicamente? 16 - Qual o grau de escolarização que o Sr.(a) possui? 17 - Em qual escola o Sr.(a) concluiu o primeiro grau? 18 –Em qual escola o Sr.(a) concluiu o segundo grau? 19 – Em qual instituição de ensino e curso o Sr.(a) conclui o nível superior? 20 - Quais foram as atividades profissionais que o Sr.(a) exerceu antes de participar de eleições como candidato? 21 - O Sr.(a) exerceu algum tipo de liderança política (estudantil, partidária, sindical, associativa, comunitária, etc.) no período que precede a sua entrada nas disputas eleitorais como candidato? Poderia descrever como se deu a sua participação nestes 178 espaços? Quais foram seus principais aliados e adversários? Quais as polarizações que existiam nestes espaços? 22 - O Sr.(a) ocupou cargos públicos (secretarias, assessorias, chefias de gabinete, etc.) antes de exercer mandatos eletivos? As questões abaixo devem ser feitas somente aos deputados que ocuparam cargos públicos antes dos mandatos eletivos? 23 - Como se deu a sua indicação para ocupar tais cargos públicos? 24 - Quais foram as suas principais realizações no exercício destes cargos? 25 - Qual a importância dos cargos públicos para o seu ingresso nas disputas eleitorais? 26 - O Sr.(a) se dedica ou se dedicou à produção literária, histórica ou acadêmica? As questões abaixo devem ser feitas somente aos deputados que possuem produção escrita 27 - Quais são os principais temas tratados na sua produção? 28 - Como o Sr.(a) define a ― tradição intelectual maranhense‖? 29 - Quais são as principais disputas entre os intelectuais maranhenses da segunda metade do século XX e início do século XXI? 30 - Como o Sr.(a) se define como ― escritor‖? 31 - Qual são os tipos de engajamento que pode ser encontrado nos seus textos? 32 - Como o Sr.(a) vê a relação entre trabalho intelectual e político? 33 – Entre os seus parentes há ocupantes ou ex-ocupantes de cargos políticos ou eletivos? As questões abaixo devem ser feitas somente aos deputados que contam com ocupantes de cargos políticos ou eletivos na sua rede de parentesco 34 - Qual a importância de descender de uma ― família‖ dedicada às atividades políticas, partidárias e eleitorais no momento do ingresso nas competições 179 eleitorais? 35 - Qual a importância de descender de uma ― família‖ dedicada às atividades políticas no momento da sua escolha partidária? 36 - Qual a importância de descender de uma ― família‖ dedicada às atividades políticas, partidárias e eleitorais nas campanhas eleitorais? 37 - Quais são as principais características comuns da atuação política dos membros da sua família? 38 - Qual a influência da sua atuação profissional prévia na sua primeira campanha eleitoral e nas demais? 39 - Qual a relevância da liderança política prévia na sua primeira campanha eleitoral e nas demais? 40 - O Sr.(a) poderia descrever as suas campanhas eleitorais em termos de cabos eleitorais, apoios, bases, etc. fazendo, se for o caso, também uma comparação entre elas? 41 - Quais as razões, na sua opinião, que levam alguns indivíduos a se dedicarem de forma intensa e permanente à atuação política? 42 - Entre elas, quais as que pesaram mais para a sua opção de se dedicar à atuação política? 43 - Qual o peso da sua formação escolar, sobretudo acadêmica, no exercício de funções políticas? 44 - Quais as habilidades, competências e conhecimentos necessários para alguém desempenhar uma função eletiva? 45 - Qual(is) dela(s) o Sr.(a) julga mais importante para a sua atuação? 46 - Quais são os fatores, na sua opinião, que contribuem para a permanência de um político entre os ocupantes de cargos eletivos por um longo período? 47 - Quais as principais expectativas do eleitor em geral no Maranhão em relação a um ocupante de cargo eletivo? 48 - Quais as principais expectativas do seu eleitorado em relação aos seus mandatos? 49 - Como o Sr.(a) caracteriza a atuação dos ocupantes do cargo de deputado federal no Maranhão? 50 - Quais são as principais características da sua atuação política? 180 51 - Quais são as prioridades dos seus mandatos eletivos? 52 - Seus filhos se dedicam a algum tipo de militância política ou desempenham alguma liderança política? 53 - O Sr.(a) identifica em algum deles inclinação para a atividade política? 54– Em caso de resposta afirmativa, por quê? Questões relacionadas a questão de gênero 55 – A Sra conhece os ― movimentos sociais‖ ligados à questão de gênero ou ― feminista‖? 56 – Qual a sua opinião sobre tais ― movimentos sociais‖? 57 – Como a Sra caracteriza a sua relação com estes ― movimentos sociais‖? 58 – A Sra já se sentiu discriminada devido à ― condição de mulher‖ ou ao ― pertencimento de gênero‖ no exercício dos mandatos? 59 – Nos seus mandatos, qual a importância atribuída aos ― direitos da mulher‖? 60 – Quais as iniciativas, projetos ou propostas que a Sra propões ou pretende propor que estão relacionados com esta temática? 61- A Sra tem acompanhado o processo de implementação da política de cotas para as mulheres nas disputas eleitorais no Brasil? 62- Em caso afirmativo, qual a sua opinião a respeito desse sistema de cotas e as disparidades existentes no âmbito político, entre homens e mulheres? Este estimulou de alguma forma sua candidatura? 63- O partido que a Sra faz parte cumpriu nas últimas eleições com o dispositivo que dispõe sobre o preenchimento de no mínimo 30%? 64- O partido que a Sra faz parte dispõem de alguma instância nacional de mulheres (secretaria, grupo, comissão, núcleo)? 65- Em caso afirmativo como se da a organização e articulação das mulheres nessa instância aqui no Maranhão? A Sra faz parte? Quais atividades desempenhadas? Há uma mediação das direções partidárias com os movimentos feministas ou de mulheres? 66- Durante sua campanha o fato de ser mulher foi privilegiado como elemento fortalecedor da legitimidade política? A Sra enxerga o voto feminino como um arsenal à disposição das mulheres? 181 67- Dentre muitos fatores explicativos para pequena presença das mulheres na elite política, existem aqueles referentes aos ciclos de vida da mulher, que são segmentados conforme a situação conjugal e maternidade. A Sra encontra dificuldades no exercício das tarefas familiares e sua vinculação com a política?