Nero Apocalipse

Hans – Josef Klauck
Texto: Eles nunca voltarão? Nero Redivivo e o Apocalipse de João
(Do they never come back? Nero Redivivus and The Apocalypse of John)
1. INTRODUÇÃO
O autor faz uma comparação entre o império romano e seus imperadores,
especialmente Nero, e os elementos encontrados no Apocalipse de João, capítulos 13 e
17.
2. HISTÓRICO SOBRE NERO
Dio Chrysostom, em seu discurso “On Beauty” (ler discurso), fala sobre a morte de
Nero. Este discurso foi datado por Jones em 88 d.C. e dele podemos tirar cinco
informações importantes:
1) Havia incertezas sobre a morte de Nero. Ele morreu em 68 com 31 anos,
cometendo suicídio com o auxilio de seu secretário particular, mas sem outras
testemunhas.
2) A queda de Nero foi uma surpresa para muitos, pois seu reino parecia estável e
ele continuava novo e saudável.
3) Dio levanta a questão do por que todos gostariam que Nero continuasse vivo.
Ele o compara com Domiciano, porém de uma forma mais positiva.
4) Os astrólogos da época previram sua queda, mas também prometeram a ele o
governo do oriente, sendo assim alguns pensavam que ele continuava vivo e retornaria
para destruir os seus inimigos. Outro ponto importante é que os relatórios sobre sua morte
eram diversificados trazendo duvidas sobre a mesma.
5) Dio afirma que de certo modo, Nero morreu não uma vez, mas continua
morrendo com aqueles que têm a firme convicção de que continua vivo. Isto pode ser
compreendido como uma referencia aos falsos “neros” que conhecemos de outras fontes,
ou que Dio queria dizer que a expectativa do retorno de Nero foi frustrada em cada época,
mas a esperança entre as pessoas se dissipava.
O que percebemos desta parte é que Nero continua vivo, ele iria retornar do oriente
com tropas, há impostores que se passam por Nero e o nome “Nero” pode ser dado a
outras pessoas como sinônimo de tirano.
2.1 ORÁCULOS PROFÉTICOS
Uma parte dos importantes oráculos proféticos são produtos do judaísmo helenista.
Estes são datados de 150 a.C. à 150 d.C. Veremos o conteúdo de alguns de seus livros:
1) Livros 3 e 4: No livro 3, Roma é chamada de “várias cabeças” por ser uma
republica e seu governo formado por um senado. No livro 4 a sua volta é anunciada,
dizendo que ele viria carregando uma grande lança. O ataque de Nero a Roma e ao
império é vista na tradição judia como uma ação punitiva contra Vespasiano e Tito, que
destruíram Jerusalém e o templo.
2) Livros 5 e 8: Livro 5 fala que Nero retornaria declarando-se igual a Deus,
contudo, Deus provaria que ele não era. Os quatro oráculos deste livro contem algo sobre
o retorno de Nero como um adversário escatológico e sua mensagem principal é que
Nero voltaria do oriente com muitas tropas, destruiria Roma e tentaria conquistar o resto
do mundo. No entanto, Deus mandaria seu Messias e Nero encontraria seu destino final.
No livro 8, Nero é chamado de Dragão Roxo, a grande besta e no final diz que iria direto
para o Hades.
2.1.2 Passagens Questionáveis
No livro 3 é anunciada a vinda de Beliar “Beliar viria de Sebastenoi e [...] guiaria
homens na direção errada e guiaria muitos fieis para a direção errada, hebreus
escolhidos”. Beliar é usado como pseudônimo para Satanás e é pintado como um
adversário escatológico de Israel e do Messias. Já Sebastenoi poderia ser uma referência
a Samaria ou uma referência a descendência da família de Augusto que agiria como
Beliar. Levando em consideração a segunda hipótese, Nero poderia agir como Beliar, pois
é da descendência de Augusto.
Já no livro “Ascensão de Isaías”, Beliar descenderia de um grande anjo e seria um
rei de iniqüidade, assassino de sua mãe, e perseguiria a planta que os doze apóstolos
haveriam plantado. Isto foi escrito no período cristão, no entanto não sofre influência do
Apocalipse.
2.1.3 Conclusão
A lenda de Nero que sobreviveu no meio Judeu foi usada com intenções polemicas
e foi embelezada de diversas maneiras, tendo algumas das novas características rodeado
o campo do mito. Isto pode ter sido uma influencia decisiva na maneira em que o autor de
Apocalipse criativamente reescreve a narrativa de Nero.
3. NERO RESSUSCITADO NO APOCALIPSE DE JOÃO?
Nesta parte, Josef Hans tenta mostrar que a tradição de Nero pode ter sido
adaptada pelo autor de Apocalipse para os seus próprios propósitos.
3.1 APOCALIPSE CAPÍTULO 13 – “A BESTA QUE SAIU DO MAR”
Em Apocalipse 13.1, o profeta vê a besta saindo do mar com sete cabeças e dez
chifres. Já no versículo 3 uma das cabeças sofre um ferimento mortal, mas este é curado.
Depois a besta que sai da terra faz com que os habitantes da terra adorem a primeira
besta cujo ferimento foi curado. Se entendemos que a besta que sai do mar é uma
personificação do império romano e do seu poder, entendemos que as cabeças são os
imperadores. Desta forma a cabeça que sofre o ferimento mortal encaixa-se
adequadamente em Nero, o qual cometeu suicídio colocando um punhal em sua
garganta.
Isto mostra que o autor de Apocalipse ainda acredita que Nero está vivo e
retornará logo, mas também relembra a descrição da crucificação do cordeiro.
No versículo 18 o autor nos convida a calcular o nome da besta, que é o nome de
um ser humano, que vem do número enigmático 666. Pelo método da gematria, as letras
podem ser lidas como numerais e desta forma Nero Caesar, escrito em hebraico como
Neron K(ai)sar teria o total de 666 (Quadro explicativo). O versículo também nos convida
a calcular o número da besta, (therion), o qual também tem um total de 666. Este tipo de
enigma é característico da literatura apocalíptica, a qual não pode ser facilmente
percebida por pessoas de fora.
3.2 APOCALIPSE CAPÍTULO 17. 1-8 – “A MULHER E A BESTA”
Neste capítulo, Roma é representada de três maneiras:
1) Pela mulher sobre a besta, que é chamada de a “grande Babilônia” (Babilônia é
um nome usado no meio apocalíptico judeu para Roma).
2) Pela besta vermelha com sete cabeças e dez chifres a qual é idêntica ao do
capítulo 13.
3) Pelas sete cabeças, as quais têm dupla função: São as sete montanhas (alusão
a Roma a cidade dos sete montes) e sete reis (sete imperadores romanos).
No versículo 8, a besta é descrita como aquela que foi, não é e há de ser. Esta
descrição, passado, presente e futuro é similar a atribuída a Deus, aquele que era, é e há
de ser. No entanto a descrição atribuída a Deus se refere a eternidade, já a descrição da
besta refere-se a um futuro próximo, pois ela surgirá de um abismo e seu destino final é
sombrio, pois será destruída.
A trajetória da besta nos dá uma imagem invertida da trajetória de Cristo. A besta
morreu e foi para o lugar dos mortos e não para Deus. Ela volta a viver e retorna a terra,
assim como Cristo retorna na sua parousia, porém a besta no final é esperada no lago de
fogo.
Novamente se temos Roma como a besta, representada por um imperador,
encontramos diversos indicadores da lenda de Nero no texto. Nero foi imperador por um
tempo, agora não é mais, mas é esperado e retornará para a batalha final. Somente neste
ponto fica claro que Nero está morto e voltará. A razão para isto é que Nero é comparado
com Cristo, mas de uma maneira invertida como seu oponente e antagonista.
3.3 APOCALÍPSE CAPÍTULO 17. 9-18 – “OS SETE REIS E A BESTA”
Dos reis, que na verdade são imperadores, cinco caem, o sexto está vivo (provável
época em que Apocalipse foi escrito) e o sétimo reina por um período curto de tempo.
Desta forma vemos no sétimo, duas possibilidades, Tito e Nerva, os quais reinaram por
apenas dois anos. Sendo assim, como o autor, que escreve nos dias de Vespasiano ou
Domiciano, sabia sobre o curto reinado do sucessor? Isto significa que o autor sabia
sobre Tito ou Nerva, e ele está escrevendo não durante o período do reinado do sexto rei,
mas durante o reinado do oitavo.
No versículo 11 temos a informação de que a besta, que também é uma cabeça,
pertence aos sete reis. Isto faz sentido se besta e rei puderem ser igualados. O próximo
passo seria pegar uma lista dos imperadores romanos, do primeiro século d.C. e tentar
encaixá-los na data de apocalipse 17. Contudo isto acarretaria em diversas incertezas,
mas a ordem mais provável seria de Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero como
quinto, Vespasiano como sexto, Tito como sétimo, Domiciano como oitavo. Domiciano
então se encaixaria na data tradicional data para apocalipse (95 d.C.)
Isto significa que o autor se utiliza de um velho mecanismo da escrita apocalíptica,
a recapitulação da história no tempo futuro, ou prevê certos eventos mediante vaticinium
ex eventu (profecia de eventos passados). Ele dá a impressão de estar escrevendo
durante o império de Vespasiano e anunciando a vinda do sétimo e do oitavo imperador,
porém na verdade ele escreve durante o império de Domiciano, sendo mais provável que
tenha escrito durante o final do seu reinado do que do que em seu começo. (Domiciano
reina de 81 à 96 e o autor deve ter escrito o livro em 95).
Para o autor, Domiciano, que
é o oitavo mas um dos sete, é o Nero Redivivus. Isto não é algo impossível, pois João
Batista e Jesus eram vistos como o Elias que retornara.
No versículo 16 percebemos que a besta e os dez chifres se voltam contra a
mulher. Mas se a besta é Roma representada por um imperador e a mulher também é
Roma, na condição da deusa de Roma, como pode Roma se tornar contra Roma? A
resposta é simples se olharmos novamente para a lenda de Nero, pois nesta Nero voltaria
e destruiria a cidade de Roma e tentaria governar novamente sobre todo Império.
O autor utiliza uma linguagem poético-mitológica. Ele funde artisticamente a
narrativa poética, com a tradição bíblica, a história política e a Cristã, formando um corpo
só, totalmente integrado. A lenda de Nero é apenas uma corda desta composição, porém
sem ela uma importante parte se perde sem compreensão.
4. CONSIDERAÇÕES
Josef Hans não defende que devemos esperar a volta de Nero nos dias de hoje,
mas sim que o autor de Apocalipse escreve tendo em mente a lenda de Nero e apesar da
narrativa estar no tempo futuro é algo passado, que em parte ele já conhece, mas que
ainda espera o grande fechamento.
O argumento parece descartar o fator da revelação divina, na qual o anjo mostra
ao autor de Apocalipse acontecimentos futuros e parece defender que a escrita é na
verdade um produto da criatividade do autor, que nada mais faz do que utilizar-se de seu
contexto e de fatos conhecidos para escrever um livro, porém de forma bastante
enigmática, característica básica de uma literatura apocalíptica.
Sem dúvida alguma há características da lenda de Nero que se encaixam
perfeitamente em alguns versos dos capítulos 13 e 17 de Apocalipse, no entanto não há
provas extremamente concretas, pois todas as idéias apresentadas partem de uma
pressuposição e não de verdades comprovadas.
Trazendo o elemento da fé novamente em consideração podemos entender que
um anjo pode ter revelado ao autor coisas futuras e que este não estaria sendo apenas
criativo, mas que Deus tinha um propósito em deixar para seu povo previsões sobre o
futuro, a sua volta e colocar assim em seus corações a esperança futura da sua vitória. O
autor não precisa ser somente criativo, mas pode ter sido sim um servo de Deus, utilizado
por Ele para escrever sobre um futuro distante e não apenas sobre seu contexto.