03.02.2016 às 00:49 No lago de Yparacaí

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03.02.2016 às 00:49 No lago de Yparacaí
03.02.2016 às 00:49
No lago de Yparacaí
Homero Fonseca
“Recuerdos de Ypacaraí” está para o Paraguai
como “Aquarela do Brasil” para nós. É uma
espécie de hino extraoficial, conhecido no
mundo inteiro. Desde garoto que conheço a bela
guarânia, cujos primeiros e célebres versos
dizem: “Una noche tibia nos conocimos / Junto al
lago azul de Ypacaraí / Tu cantabas triste por el
camino / Viejas melodías en guaraní”.
Curiosamente, a canção, do músico paraguaio
Demetrio Ortiz,
recebeu letra da argentina
Zulema de Mirkin (1923 - 2012 ), que nunca
havia posto os pés em suas margens, somente
conhecendo o cenário de seus versos em 1990,
quando estava com 67 anos e 40 anos depois de
compô-los.
Dia 1º de janeiro, Assunção inerte sob a ressaca
do reveión, resolvemos ir conhecer o lago
“pessoalmente”. Fica a 48 km da capital, e nosso
destino foi a cidade de San Bernardino, na
margem leste.
Embalado pela sugestão da música, imaginava um local bucólico: um pequeno lago de águas azuis, meio deserto, em cujas
margens, sob um cipreste, casais enamorados trocavam juras de amor em noites de plenilúnio, como na canção. (Não me
perguntem como o cipreste foi parar aí, não faço a menor ideia, mas sempre visualizei o cenário com um cipreste.)
O primeiro impacto é que o lago tem mais de 100km2 de superfície (24Km de norte a sul e de 5 a 6 km de leste a oeste). E
suas águas nada têm de azuis: são barrentas e hoje estão tremendamente poluídas pelos despejos das 11 cidades do seu
entorno. Essa situação levou os mais abonados a trocarem San Bernadino por Encarnación, novo point de veraneio
paraguaio, com sua praia artificial. Yparacaí também não é exatamente um lugar bucólico: fica numa região de intenso
movimento turístico e suas águas são cruzadas por catamarãs, lanchas e esquis aquáticos.
Apesar da recente fuga dos ricaços, a região ainda abriga mansões espetaculares, em meio a um verde intenso onde
despontam ruínas de antigos hotéis e cassinos, cujo principal acionista oculto era ninguém menos que Alfredo Stroessner,
conforme nos informou Juan, nosso guia. A decadência teve início com a queda do ditador após 35 anos de tirania, em 1989.
À margem do lago, uma muvuca: os ricos que se
foram tiveram seu lugar ocupado pelas classes
médias: carrões com som estridente, camelôs
fazendo assados na hora, sorvetes, chipas e o
mais que houver, grande quantidade de pessoas
na relva, aproveitando a sombra, tomando
cerveja ou conversando. Apesar da poluição,
uma boa quantidade de visitantes se joga à
água, muitas crianças, com boias e trajes de
banho, como em qualquer praia.
Apesar do furo em nossas expectativas, o
passeio valeu a pena: o grande lago de águas
turvas preserva uma beleza majestática. Na área,
existem ateliês do estonteante artesanato local e
uns restaurantes rústicos, onde experimentamos
a melhor e mais autêntica comida regional,
incluindo a “sopa guarani” (na realidade uma
espécie de grande pastel, seco, à base de
farinha de milho, ovos, queijo fresco, cebola picada e coalhada.) Bom que dói.