identidade nacional, cultura e globaliza9a0
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identidade nacional, cultura e globaliza9a0
IDENTIDADE NACIONAL, CULTURA E GLOBALIZA9A0 Walter Rodrigues da Costa* 0 Brasil, de 1532 - inicio da efetiva ocupagao por Portugal - ate 1808 data da chegada da familia real portuguesa ao Rio de Janeiro - era visto, e tratado por seus dominadores - Portugal, Franca, Espanha, Holanda e Inglaterra - como fonte inesgotével de producao de riquezas, que se acumularam nas MetrOpoles, e nada mais. Diversas e cruentas foram as formas de exploragao dessa imensa area: desde a simples exploracao da madeira que emprestou seu nome a coleinia passando pelo cultivo da cana-de-acircar, do algodáo e culminando corn as principais: a mineragao, o trafico de escravos negros —a mais longa, haja vista perdurar de meados do sêculo XVI a meados do XIX, e responsavel pela transferència, para territOrio brasileiro, de negros africanos — e a escravizacao dos indios, responsavel pela dizimagao de milhOes deles. 0 descaso e o desinteresse pelo Brasil eram tamanhos que a maioria dos doze donatarios, que receberam as Capitanias Hereditarias, sequer sabia onde se situava sua propriedade, cuja dimensäo era superior a de quase todos os 'Daises europeus, inclusive a de Portugal. Como se sabe, apenas duas das citadas Capitanias — a de Pernambuco e a de Sao Vicente — foram exploradas. Os demais donatarios somente as utilizaram como titulo nobiliarquico. Desse modo, os poucos portugueses, corn alguma posicao social em Portugal, que se deslocaram para o Brasil, fizerarri-no corn o objetivo de acumular riquezas, para depois goza-las na MetrOpole, pouco, ou nada, importando-se corn o progresso da colOnia. Ou seja: nela nao desejavam fincar raizes, mas apenas sugâ-la, mais e mais. 0 mesmo pode dizer-se dos holandeses e dos espanhOis. Os demais que vieram, ou melhor, que foram trazidos, eram degredados, na sua quase totalidade, portanto considerados sem nenhum valor social e moral, * Procurador do Estado, professor na Universidade Cattilica de Goiâs e mestrando em Direito pela UFG. 254 WALTER RODRIGUES DA COSTA. IDENTIDADE NACIONAL, CULTURA E GLOSALIZKAO para o Impario e para a nobreza decadente. A migragao espontänea de pessoas livres, mas sem posses e titulos, em busca de urn horizonte novo, foi insignificante, e so teve lugar na fase aurifera. Assim, durante mais de trezentos anos, o Brasil conviveu corn a seguinte composicao social: brancos dominadores, corn os olhos e a mente voltados para a Metropole, onde gozavam as riquezas aqui exploradas, e para onde mandavam seus filhos, corn objetivo de que se educassem, a luz da cultura europêia, e para que nao tivessem lacos culturais e patios corn a colOnia; brancos degredados, sem nome, sem titulos, e sem valor, mas que tambern nä° nutriam sentimentos patios pela terra na qual, compulsoriamente, abrigavam-se; escravos negros, considerados, a moda da Gracia antiga, simplesmente como instrumentos de trabalho que falavam. Ou seja, nao ostentavam a condicao de seres humanos, portadores de sentimentos e de direitos. Os seus senhores possuiam direito de vida e morte sobre ales; indios, cuja situagäo social pouco diferia da dos negros, pois que tambem eram espezinhados e escravizados. Somente alguns missionarios os erigiam a condicao de seres humanos, e, ainda assim, corn iniimeras ressalvas. Nä° restam diividas de que cada grupo social detinha seus prOprios valores culturais, e, nä° raras vezes, urn exercia influancia sobre os do outro. Os brancos dominadores impunham os seus, a ferro e fogo; esses, por isso, oficialmente, adquiriram o status de sagrados, inquestionaveis, e de bons para todos. Contudo, tal imposicâo jamais impediu os demais grupos socials de preservarem os seus prOprios valores, e, ate mesmo, de os expandirem. Tambern é induvidoso que, ao longo desse periodo, pelas razaes ja articuladas, nao se cogitava sobre uma cultura brasileira e uma identidade nacional. Qualquer pretensäo nesse sentido, nä° so se apresentaria como desarrazoada, aos olhos da elite dirigente, como seria violentamente sufocada pelas autoridades govemamentais. A Inconfidancia Mineira e a Conjuragao Baiana, ambas do final do sêculo XVIII — e influenciadas pelos ideais iluministas de igualdade, liberdade e fratemidade — constituiram-se ern exemplos vivos e caracteristicos da repressão colonial. As injuncOes politicas que nnarcaram o continente europeu, no final do sêculo XVIII e o inicio do XIX, sobretudo a Revolugão Francesa, acabaram por provocar a fuga da familia real portuguesa para o Brasil, no final de 1807, e corn chegada ao porto do Rio de Janeiro em janeiro de 1808. A chegada da familia real ao Brasil provocou mudancas radicais na vida da colônia, nos aspectos politico, econOrnico, social e cultural. Criaram-se, alêm REVISIA DE DIREITO; PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE GOIAS, 21 (1-1); 253-258, JAN./DEZ. 2001 255 de uma corte suntuosa e nababesca, escolas, biblioteca nacional, livrarias, jornais, museu de belas artes, teatros, cafés-concerto. Nä° obstante a crescente influéncia dos ideals liberals que varriam a Europa e o restante da America, a sociedade brasileira continuava embevecida, pelos valores e pelo fausto da nobreza, que jà se encontrava em franca decadëncia. 0 imortal romancista, Machado de Assis, em seus contos, e, o especialmente, nos romances A Mao e a Luva, Quincas Borba e Memeinas POstumas de Bras Cubas, retrata, com precisâo e riqueza de detalhes, como pensava e se comportava a nobreza brasileira, bem assim como era a vida na corte. No Brasil Imperial, as idéias dominantes, os valores culturais, as posigOes sociais, e, por conseguinte, os modos de vestir-se e de comportar-se, eram importados da Europa. Equivale a dizer: a identidade nacional, no que tange aos valores culturais do grupo social dominante, definia-se em relegado a algo que lhe era exterior, ou seja, em relagao aos valores europeus; como bem salienta o sociOlogo e antropOlogo Renato Ortiz, na introdugao de seu livro Cultura Brasileira e Identidade Nacional — Editora Brasiliense, 2 a edigao, 1986. Essa aceitagâo dos valores europeus, como vâlidos para o Brasil, ou, o retrato do colonizado — culturalmente — precedido pelo retrato do colonizadornas felizes palavras do historiador franc é- s Albert Memi, na obra do mesmo nome alcangou nä° apenas a classe hegemOnica, mas tambem os intelectuais e os estudiosos, que os incorporaram por inteiro e, em conseqiiència, passaram a explicar e a adotar, como verdades incontesthveis, todas as teorias europêias acerca da evolugâo daquele continente, e da involugäo do americano, tais como: o positivismo de August Comte, o chamado darwinismo social, e o evolucionismo de Spencer. Corn amparo nessas teorias evolucionistas, os estudiosos nos estertores do sêculo XIX, e nos albores do XX, aceitavam, pacificamente, a tese de que o processo civilizatOrio brasileiro, encontrava-se em estâgio inferior, em relacäo àquele jA galgado pelas nagOes europêias. Ou seja: tinham como incontestävel a evolugäo natural da humanidade, do estagio primitivo para o mais avangado, e assim sucessivamente. Na &Ica desses teOricos brasileiros, dois fatores apresentavam-se como determinantes para explicar a realidade brasileira, bem assim a de outras nagiies, a saber: clima e raga. Segundo Renato Ortiz em Cultura Brasileira e Identidade Nacional, para os citados estudiosos, dentre os quais se destacam Eucl ides da Cunha e Nina Rodrigues, a histOria brasileira era apreendida em termos deterministas, com clima e raga explicando a natureza indolente do brasilei- 256 WALTER RODRIGUES DA COSTA. IDENTIDADE NACIONAL, CULTURA E GLOBALIZACAO ro, o proceder tibio e inseguro da elite nacional, o lirismo quente dos poetas da terra, o nervosismo e a sexualidade desenfreada do mulato. E mais: nada se tern a respeito das populacOes negras, transformando o period° escravocrata em urn longo e duradouro silancio sobre as etnias africanas que povoaram, e que povoam, o Brasil. Importa dizer: o negro nä° era considerado parte integrante da realidade brasileira. No entanto, a partir da aboligao, o negro aparece, aos olhos dos intelectuais, como fator dinamico da vida brasileira. Ou, nas palavras de Silvio Romero e de Nina Rodrigues: como aliado do branco que prosperou. Dale que surgiu a tese, ainda hoje influente, consoante a qual o Brasil se formou atraves da fusão de Vas ragas fundamentais: o branco, o negro e o Indio. Claro, corn uma posigao de destaque e de inquestionavel superioridade do branco. 0 desenvolvimento urban° e industrial, o surgimento de uma classe India e de urn incipiente proletariado, a revolugâo cultural traduzida pelo modernismo, bem como os ideais libertarios que marcaram as primeiras dacadas do saculo XX, acarretaram profundas transformagOes no Pais. Corn isso, tem-se uma reviravolta total na historiografia brasileira como bem destaca Carlos Guilherme Mota, corn reflexos imediatos e contundentes na analise da realidade e do desenvolvimento nacional: o conceito de raga é substituido pelo de cultura. E, desde entao, ganham corpo e dimensào os sentimentos de brasilidade e de identidade nacional. As manifestagOes culturais e populares alcangam uma dimensao e uma importancia jamais vistas, ou sequer imaginadas. Dessa forma, os simbolos e os valores culturais autOctones perderam o estigma de fatores explicativos do atraso do Pais, e adquiriram a condigao de sinOnimo de identidade nacional e popular. A titulo de ilustragao, tome-se a famosa maxima do historiador Nelson Werneck Sodra, segundo a qual so é nacional o que é popular. Renato Ortiz- obra citada- ao analisar a cultura popular e a identidade nacional assim conclui, em singela sintese, literalmente: " 1— a memOria coletiva so pode existir enquanto prâtica que se manifesta no cotidiano das pessoas; 2 — o que caracteriza a memOria nacional é precisamente o fato de ela nao ser propriedade particularizada de nenhum grupo social, ela se define como urn universo que impOe a todos os grupos. Contrariamente a memOria coletiva, ela nao possui uma existancia concreta, mas virtual, por isso nao pode se manifestar imediatamente enquanto vivancia; 3 — ao, inte- REVISTA DE DIREITO ; PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE GOIAS, 21 (1-1): 253-258, JAN./DEZ. 2001 257 grar em urn todo coerente as pegas fragmentadas da história africana (negra) — candomblê, quilombos, capoeira — os intelectuais constrerem uma identidade negra que unifica os atores que se encontravam anteriormente separados; 4 — os fenOmenos culturais encerram sempre uma dimensâo onde se desenvolvem relagOes de poder, porêm seria imprOprio considerâ-los como expressâo imediata de uma consciOncia politica ou de urn programa partiario. E importante ter em mente que as expressOes culturais näo se apresentaram na sua concretude imediata, como projeto politico." A nova etapa imperialista, ou colonialista, eufemisticamente denominada de globalizag5o, na qual sobrepae-se aos demais 'Daises hegemOnicos que constituem o chamado grupo dos sete — sob a batuta dos Estados Unidos — caracteriza-se por formas de dominagäo muito mais vorazes e letais, que as do colonialismo anterior— seculos XVI a XIX — camufladas pelo alto grau de sofisticacao em que se encontra. Os 'Daises ricos não se contentam corn a desenfreada exploragäo econOrnica —que produz milhOes de desempregados e de famintos e miser-ON/els — sua dominagäo alcanga a soberania nacional, ao ponto de ditarem as prioridades socials e as politicas pUblicas. Mas pars que a dominagao seja completa, necessOrio se faz que tarnbern a cultura absorva todo o ideOrio do neoliberalismo. Nele, tudo que é prblico é satanizado, enquanto o privado é sacralizado. Os governantes e os beneficiados pelo processo, contando corn a prestimosa e fundamental colaboragâo e cumplicidade dos meios de comunicagao, que exercem decisiva influOncia no cotidiano das pessoas, quer no que concerne ao modo de vida, quer no que diz respeito aos valores culturais e politicos, disseminam os valores neoliberais, que se tornam hegemOnicos, e verdades absolutas. Sem a dominagao e o controle das consciOncias o neoliberalismo nao consegue impor sua nefasta politica de descredito do Estado, e da soberania nacional. 0 dominio das ideias e do cotidiano ultrapassou todas as barreiras imaginOveis. Basta que se tomem como exemplo as roupas e os calgados predominantes, e ate mesmo, as palavras que compOem o dia a dia das pessoas ditadas pelo neocolonialismo cultural. 258 WALTER RODRIGUES DA COSTA. IDENTIDADE NACIONAL, CULTUFlA E GLOBALIZAC/10 CONC LUSA° Ao final deste singelo e despretensioso trabalho que, em breves linhas, procura rememorar os quinhentos anos de histewia oficial do Brasil — notadamente no que tange a sua cultura e a identidade nacional, benn assim no que conceme as influancias alienigenas que sofreram — pode-se concluir: ao longo de trezentos anos quando se cogitou de construir uma cultura e uma identidade nacional, pois que, nesse periodo, houve total prevaléncia dos valores culturais e dos ideals europeus; somente ao final do sêculo XIX é que os estudiosos brasileiros comecaram a preocupar-se corn a cultura e corn a identidade nacional brasileiras; nao obstante o rigido controle exercido pela MetOpole, e o completo divercio entre a classe dominante e o Brasil, os valores culturais autOctones e a identidade nacional sempre existiram, como valores populares, e mais que isso: resistiram a todos os percalcos que se Ihe opuseram, e constituiram-se nos alicerces da cultura e da identidade atuais; o colonialismo atual, convenientennente chamado de globalizacao, nutre-se do mesmo objetivo dos anteriores, qual seja: a exploragao a exaustäo das antigas colonias, ironicamente denominadas de paises em desenvolvimento, a qual pressupbe o controle total das riquezas, das politicas pUblicas, dos valores culturais, do modo de vida, e ate dos valores morals e dos ideals. Para finalizar, repete-se a frase do historiador Nelson Werneck Sodrê, segundo a qual so 0 nacional o que e popular.