Revista Semestre V15-2.indd - Tribunal Regional Eleitoral do
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ISSN 1415-4064 Poder Judiciário Tribunal Regional Eleitoral da Bahia SEMESTRE ELEITORAL Semest. Eleit. Salvador v. 15 n. 1/2 p. 1-528 jan/dez. 2011 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA Periodicidade: Anual Edição e distribuição: Secretaria Judiciária Coordenadoria de Jurisprudência e Documentação Seção de Editoração e Memória End.: 1ª Avenida do Centro Administrativo da Bahia, nº 150. CEP 41.745-901 Tel.: (71) 3373-7151 Fax: (71) 3373-7152 E-mail: [email protected] COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA Cássio Miranda - Juiz Renato Reis Filho - Juiz Salomão Viana - Juiz Marta Maria Barreiros Gavazza de Brandão Lima - Secretária COMISSÃO TÉCNICA Alessandra Franco Pessoa - Coordenadora de Jurisprudência e Documentação Dionísia Maria Andrade Leal - Chefe da Seção de Biblioteca e Legislação Maria da Salete Saraiva - Analista Judiciário Analúcia Guimarães - Analista Judiciário Elizabete Sales Pereira - Técnico Judiciário Osnir Mendes Madureira - Analista Judiciário Oneíza Mabel Carneiro Guedes - Chefe da Seção de Jurisprudência Nizaldo Pereira da Costa - Técnico Judiciário José Alexsander Bahia - Analista Judiciário Maurício Neves Rabello do Amaral - Chefe da Seção de Editoração e Memória Ana Cláudia Carvalho - Técnico Judiciário Adriano Mitsuo Muniz Shibasaki - Analista Judiciário Camila Guerra de Araújo e França - Técnico Judiciário Lia Mônica Borges Peres Freire de Carvalho - Técnico Judiciário CAPA Felisberto Bulcão Semestre Eleitoral. Tribunal Regional Eleitoral da Bahia. - v.1, n.1 (1997) . - Salvador: TRE , 1998- . Anual. ISSN 1415-4064 1. Direito Eleitoral. 2. Jurisprudência. I. Bahia. Tribunal Regional Eleitoral. II. Título. Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos autores e, desde que haja autorização destes e seja indicada a fonte original, poderão ser republicados. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA Presidente SARA SILVA DE BRITO Vice-Presidente CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA Corregedor Regional Eleitoral JOSEVANDO SOUZA ANDRADE Juízes CÁSSIO MIRANDA JOÃO DE MELO CRUZ FILHO MAURICIO KERTZMAN SZPORER MÔNICA AGUIAR Procurador Regional Eleitoral SIDNEY PESSOA MADRUGA SECRETARIA DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA Diretor-Geral ANDRÉ LUÍS MARTINS BESERRA Secretária de Administração MARIA ÂNGELA DOS SANTOS SILVA Secretária de Controle Interno TÂNIA REGINA DE OLIVEIRA MARQUES Secretário de Gestão de Pessoas FLÁVIO SOUZA MAGALHÃES Secretária Judiciária MARTA MARIA BARREIROS GAVAZZA DE BRANDÃO LIMA Secretária de Orçamento, Finanças e Contabilidade CARLA LUSTOSA DA SILVA Secretária de Tecnologia da Informação CÍNTHIA ALMEIDA DA SILVEIRA SUMÁRIO 1 DOUTRINA DEMOCRACIA DELIBERATIVA E REFORMA POLÍTICA NO BRASIL: TENDÊNCIAS E POSSIBILIDADES”. Jaime Barreiros Neto .......................................................................... 9 2 JURISPRUDÊNCIA 2.1 Acórdãos .................................................................................. 2.2 Resoluções .............................................................................. 2.3 Decisões do Presidente ........................................................... 53 326 340 3 ATOS DA PROCURADORIA ..... .................................................... 363 4 LEIS E ATOS NORMATIVOS 4.1 Emendas Constitucionais....................................................... 4.3 Leis Ordinárias ...................................................................... 425 426 6 BIBLIOGRAFIA .............................................................................. 7 ÍNDICE ALFABÉTICO .................................................................... 8 ÍNDICE NUMÉRICO ...................................................................... 511 517 527 DEMOCRACIA DELIBERATIVA E REFORMA POLÍTICA NO BRASIL: TENDÊNCIAS E POSSIBILIDADES Jaime Barreiros Neto* SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. O regime político da democracia: surgimento e evolução. 3. A democracia e as suas principais vertentes teóricas. 4. Democracia no Brasil: aspectos históricos. 5. A Constituição de 1988 e a opção do povo soberano pelo modelo de democracia deliberativa no Brasil. 6. Democracia deliberativa no Brasil: tendências e possibilidades diante das propostas de reforma política em discussão no Congresso Nacional. 7. Conclusões. 8. Referências. 1. INTRODUÇÃO. Nos últimos anos, sempre que ocorre uma crise política no Brasil um tema sempre polêmico é retomado, ensejando acalorados debates e suscitando muito mais dúvidas do que efetivas respostas: a reforma política, defendida por muitos e boicotada por quase todos, apresenta-se como a “fórmula mágica” para todos os males que assolam o nosso ainda recente regime democrático. Terá, no entanto, a reforma política o condão de efetivamente promover uma democratização mais efetiva no país, viabilizando uma maior participação da sociedade na construção da cidadania? Que tipo de reforma o Brasil precisa, a fim de alcançar um estágio mais elevado de desenvolvimento político? Terá a esperada reforma política o condão de estabelecer um modelo democrático mais deliberativo na nossa sociedade? Este artigo não tem a pretensão de oferecer resposta, mas sim de ofertar reflexões acerca de tão instigantes questionamentos. Para isso, inicialmente, será feita uma breve abordagem acerca do regime político democrático, sua importância, evolução, tendências e características. Em um segundo momento, por sua vez, será apresentado um panorama geral da evolução da democracia no Brasil, a partir do qual será fundamentada a opção do legislador constituinte de 1988 pelo modelo da democracia deliberativa, para, enfim, ser discutido o tema central do presente artigo, a relação possível entre uma reforma política e a expansão dos espaços de deliberação e participação política no nosso país. * Professor Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, professor da Universidade Católica do Salvador e da Faculdade Baiana de Direito e Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia. Mestre em Direito Público (UFBA). DOUTRINA 2. O REGIME POLÍTICO DA DEMOCRACIA: SURGIMENTO E EVOLUÇÃO. O ponto de partida para uma discussão acerca da relevância de uma reforma política no Brasil contemporâneo, indiscutivelmente, passa por um debate em torno do conceito, da evolução e das vertentes teóricas da democracia. Afinal de contas, o que seria, efetivamente, um regime político democrático, tendo em vista que nas mais diversas sociedades do século XXI o discurso vislumbrado é o discurso da democracia, eleições e consultas populares são realizadas, persistindo, entretanto, graves contradições, que geram inúmeras dúvidas e imprecisões quanto ao referido conceito? As origens históricas da democracia remontam ao período da antiga Grécia1:, quando mais precisamente na cidade-estado de Atenas, por volta do século VI a.C, uma crise política desenvolvida a partir da decadência do poder dos Eupátridas, classe política dominante até então, desencadeou uma série de reformas políticas, capitaneadas, primeiramente, por Sólon e, posteriormente, por Péricles, fazendo com que o poder político, até então concentrado, se diluísse através de uma assembléia popular denominada “Eclésia”, não tão popular assim, é verdade, tendo em vista que da mesma só participavam aqueles que eram possuidores da cidadania (excluídos, assim, os escravos, mulheres e estrangeiros). Na ágora, praça pública onde a “Eclésia” se reunia, entretanto, todos eram iguais politicamente, sendo este o grande espaço da deliberação política. Neste sentido, é válido destacar a seguinte passagem do pensamento de Hannah Arendt, exposto em sua “A Condição Humana”, referente à democracia grega2: A pólis diferenciava-se do lar pelo fato de somente conhecer “iguais”, ao passo que o lar era o centro da mais severa desigualdade. Ser livre significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro e também não comandar. Significava nem governar nem ser governado. Assim, dentro do domínio do lar, a liberdade não existia, pois o chefe do lar, seu governante, só era considerado livre na medida em que tinha o poder de deixar o lar e ingressar no domínio político, no qual todos eram iguais. É verdade que essa igualdade no domínio político tem muito pouco em 1 É de se destacar que alguns autores, como Robert Dahl, por exemplo, não concordam com a tese de que a democracia teria surgida na antiga Grécia. Segundo Dahl (Sobre a Democracia, p. 20, Tradução: Beatriz Sidou. Brasília – DF: UNB, 2001), teria existido uma espécie de democracia primitiva, há milhares de anos, quando os homens ainda não haviam se sedentarizado e, na divisão do trabalho dos pequenos grupos que se organizavam em busca da “caça, da coleta de raízes, frutos e outras dádivas da natureza”, naturalmente um regime democrático, pautado na igualdade formal, teria prevalecido. A sedentarização do ser humano, entretanto, segundo Dahl, teria tornado as formas de hierarquização das sociedades mais naturais, gerando, como conseqüência, o desaparecimento de governos populares por milhares de anos, substituídos que foram por monarquias, aristocracias e oligarquias. Assim, apenas por volta do ano 500 a. C. é que sistemas de governo populares voltaram a se desenvolver, especialmente na Europa (Grécia e Roma). 2 Hannah Arendt, A Condição Humana, 11.ed. p. 38-39, Rio de Janeiro: Forense Universitária: 2010. 10 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA comum com o nosso conceito de igualdade: significava viver entre pares e ter de lidar somente com eles, e pressupunha a existência de “desiguais” que, de fato, eram sempre a maioria da população na cidade-estado. A igualdade, portanto, longe de estar ligada à justiça, como nos tempos modernos, era a própria essência da liberdade: ser livre significava ser isento da desigualdade presente no ato de governar e mover-se em uma esfera na qual não existiam governar nem ser governado. O modelo de democracia instituído em Atenas, contudo, era bastante diverso do modelo concebido atualmente, baseado na representação política. Neste sentido, Noberto Bobbio, comparando a democracia dos antigos com a democracia dos modernos, na qual a eleição torna-se pressuposto essencial, professa3: Para os antigos a imagem da democracia era completamente diferente: falando de democracia eles pensavam em uma praça ou então em uma assembléia na qual os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. “Democracia” significava o que a palavra designa literalmente: poder do demos, e não, como hoje, poder dos representantes do demos. Se depois o termo demos, entendido genericamente como “a comunidade do cidadãos”, fosse definido dos mais diferentes modos, ora como os mais, os muitos, a massa, os pobres em oposição aos ricos, e portanto se democracia fosse definida ora como poder dos mais ou dos muitos, ora como poder do povo ou da massa ou dos pobres, não modifica em nada o fato de que o poder do povo, dos mais, dos muitos, da massa, ou dos pobres, não era aquele de eleger quem deveria decidir por eles, mas de decidir eles mesmos. Em Roma, tal qual na Grécia, o governo popular surgiu em meados do século V a. C., com o nome de república (expressão que pode ser interpretada como “coisa pública” ou “os negócios do povo”). Inicialmente, o governo da república era restrito aos patrícios, mas, com o tempo, a plebe, através da luta, adquiriu o direito de participar das assembléias populares. O sufrágio, entretanto, em momento algum alcançou as mulheres. A expansão territorial de Roma, no entanto, terminou por inviabilizar a democracia direta, por distanciar o povo das principais decisões políticas, como bem ressalta Robert Dahl4: Roma jamais adaptou adequadamente suas instituições de governo popular ao descomunal aumento do número de seus cidadãos e seu enorme distanciamento geográfico da 3 Norberto Bobbio, Teoria Geral da Política, p. 372. 4 Ibidem, p. 23-24. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 11 DOUTRINA cidade. Por estranho que pareça do nosso ponto de vista, as assembléias a que os cidadãos romanos estavam autorizados a participar continuavam se reunindo, como antes, na cidade de Roma – exatamente nesse mesmo Fórum, hoje em ruínas, visitado pelos turistas. No entanto, para a maioria dos cidadãos romanos que viviam no vastíssimo território da república, a cidade era muito distante para que pudessem assistir às assembléias, pelo menos sem esforço extraordinário e altíssimos custos. Conseqüentemente era negada a um número cada vez maior (e mais tarde esmagador) de cidadãos a oportunidade de participar das assembléias que se realizavam no centro do sistema de governo romano. Era como se a cidadania norteamericana fosse conferida a pessoas em diversos estados, conforme o país se expandia, embora a população desses novos estados só pudesse exercer seu direito de voto nas eleições nacionais se comparecesse a assembléias realizadas em Washington, D. C. É de se ressaltar que, ainda na Antigüidade, surgem registros acerca da existência de assembléias populares na região Trondheim, na Noruega, por volta do ano 900 d. C. Tais assembléias, chamadas de Ting, em norueguês, eram compostas por vikings livres, excluídos que eram os escravos. Segundo Robert Dahl5: A Ting caracteristicamente se reunia num campo aberto, marcado por grandes pedras verticais. Na reunião da Ting, os homens livres resolviam disputas; discutiam, aceitavam ou rejeitavam leis; adotavam ou derrubavam uma proposta de mudança de religião (por exemplo, aceitaram a religião cristã em troca da antiga religião nórdica); e até elegiam ou davam aprovação a um rei - que em geral devia jurar fidelidade às leis aprovadas pela Ting. Os vikings pouco ou nada sabiam e menos ainda se importavam com as práticas políticas democráticas e republicanas de mil anos antes na Grécia e em Roma. Dentro da lógica da igualdade que aplicavam aos homens livres, eles parecem ter criado suas próprias assembléias. Entre os vikings livres existia a idéia da igualdade, como demonstra a resposta dada por alguns vikings dinamarqueses quando um mensageiro lhes perguntou da margem do rio que subiam na França: “qual é o nome de vosso senhor”? - Nenhum. Somos todos iguais. Em todo caso, temos de resistir à tentação de exagerar. A igualdade de que se gabavam os vikings aplicava-se apenas aos homens livres, e mesmo estes variavam em riqueza e status. Abaixo dos homens livres estavam os escravos. 5 p. 28-29 et seq. 12 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA Com o fim do Império Romano do Ocidente, em 476 d. C., o período histórico denominado de Idade Antiga é encerrado, dando-se início à Idade Média, período no qual um novo sistema econômico de produção, o feudalismo, passa a prevalecer, com reflexo substancial sobre a organização política dos povos. As invasões bárbaras fazem com que a própria noção de Estado, definido por Reis Friede6 como “toda associação ou grupo de pessoas fixado sobre determinado território, dotado de poder soberano”, ou, ainda, “um agrupamento humano, em território definido, politicamente organizado”, deixe, para muitos doutrinadores, de ser reconhecida, uma vez que os ideais de soberania e direito público terminam por ceder espaço ao poder quase que absoluto dos senhores feudais, que impunham suas determinações de forma incontestável aos seus vassalos, selando os destinos de vida e morte dos mesmos, e uma clara preponderância do direito privado sobre o direito público. Sobre a organização política do período medieval, sintetiza Sahid Maluf7: O Estado medieval, que se ergueu sobre os escombros das invasões bárbaras, recebeu a influência preponderante dos costumes germânicos. As tradições romanas pouco ou nada influíram. Os reis bárbaros, francos, godos, lombardos e vândalos, uma vez completada a dominação dos vastos territórios que integravam a órbita de hegemonia do extinto império cesarista, passaram a distribuir cargos, vantagens e privilégios aos seus chefes guerreiros, resultando daí a fragmentação do poder. E como fossem imensos os territórios e impossível a manutenção da sua unidade sob um comando central único, criaram uma hierarquia imperial de condes, marqueses, barões e duques, os quais dominavam determinadas zonas territoriais, como concessionários do poder jurisdicional do Rei. Em compensação, tais concessionários se comprometiam a defender o território, prestar ajuda militar, pagar tributos e manter o princípio da fidelidade de todos ao Rei. O senhor feudal era o proprietário exclusivo das terras, sendo todos os habitantes seus vassalos. Exercia o senhor feudal as atribuições de chefe de Estado, decretava e arrecadava tributos, administrava a justiça, expedias regulamentos e promovia a guerra. Era uma espécie de rei nos seus domínios. Seu reinado, porém, repousava sobre um conceito de direito privado, não de direito público. Desse fato resultaram anomalias tais como a jurisdição privada, a cunhagem privada, a guerra privada etc. A posse das terras era vitalícia e hereditária, operando-se a sucessão causa mortis pelo direito de primogenitura: a senhoria feudal passava automaticamente ao mais velho herdeiro varão do feudatário falecido. 6 Reis Friede, Curso de Teoria Geral do Estado (Teoria Constitucional e Relações Internacionais), 1. ed., p. 5, Rio de Janeiro - RJ: Forense Universitária, 2000. 7 Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, 26. ed., p. 109, São Paulo - SP: Saraiva, 2003. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 13 DOUTRINA Com o início do período denominado de “Baixa Idade Média”, em meados do século XI, quando cessam as invasões bárbaras, o mundo começa a assistir, gradativamente, à decadência do sistema feudal e ao surgimento, ainda tímido, de um novo sistema econômico de produção, o capitalismo. Através de uma renovação das práticas agrícolas, com a descoberta de novos instrumentos de trabalho, do renascimento comercial, decorrente da expansão das áreas produtivas, que terminou por gerar um excedente agrícola, propiciador de circulação de riquezas, e do renascimento urbano, decorrente do próprio desenvolvimento comercial, ressurge a atividade econômica na Europa, fator de enfraquecimento do sistema vigente e de fortalecimento da nova ordem que começa a florescer. Neste contexto, a democracia ressurge, em cidades do norte da Itália, por volta do ano 1100, inicialmente restrita aos membros das famílias da classe superior e, posteriormente, alargada à participação da chamada “classe média”, formada por novos ricos, pequenos artesãos, soldados, pequenos mercadores e banqueiros. No século XII, mais precisamente em 1188, segundo Fávila Ribeiro8, surge, na Espanha, a concepção de democracia representativa, com a convocação das cortes de Castela e Leão. Até então, embora já se tivesse conhecido práticas representativas em Roma e na própria Grécia, não havia se verificado, de fato, a existência de instituições representativas independentes, uma vez que todas as formas de representação até então conhecidas haviam se submetido, em última instância, aos agentes do poder central, que detinham o poder de invalidar os atos dos representantes. As cortes de Castela e Leão, entre os séculos XII e XVI, quando houve o triunfo definitivo do despotismo, eram periodicamente convocadas, com efetivo poder representativo para deliberar, em especial, sobre matéria tributária. Era também da competência das cortes a autorização para a declaração da guerra e para a celebração da paz. De acordo com Fávila Ribeiro9: As cortes reunidas em 1257 e em 1291 autorizaram fosse celebrada a paz pelo rei Fernando IV. E em 1391 decidiram que não poderia a guerra ser declarada sem a sua prévia deliberação, a menos que ocorresse invasão territorial, prescrevendo ainda que nenhum tributo poderia ser cobrado sem que houvesse a concordância da representação do país. No século seguinte, mais precisamente em 1215, na Inglaterra, vem ao lume a Magna Carta, convenção firmada entre o monarca João Sem Terra e os barões feudais na qual, de forma pioneira, é suscitada uma das noções basilares da democracia moderna, aquela segundo a qual o rei, naturalmente, deve vincular-se às leis que edita. Além disso, a Magna Carta reconhece a existência de direitos ao Clero e à Nobreza independentes do consentimento 8 Fávila Ribeiro, Direito Eleitoral, 4. ed. p. 25-26, Rio de Janeiro - RJ: Forense, 1996. 9 Loc. cit. 14 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA do monarca, bem como finca a noção da existência de um parlamento com poderes de fiscalização sobre os atos praticados pelo rei. Pode-se afirmar que a Magna Carta inglesa plantou as sementes da democracia moderna, uma vez que “acaba proporcionando o desenvolvimento progressivo do ideal democrático, segundo o qual o poder não emanava mais de um ente divino ou de seus representantes na Terra, mas dos cidadãos livres e dos ocupantes de cargos eletivos”10, através da consagração de princípios basilares como: 1) respeito, pelo rei, aos direitos adquiridos pelos barões; 2) a prévia audiência do Grande Conselho11 (composto por barões e tenentes-chefes), para imposição de tributos; 3) o direito dos barões de se insurgirem contra o rei quando houvesse o desrespeito às leis do país; 4) o princípio do devido processo legal; 5) o princípio da proibição de denegação da justiça, pala cláusula 40 (“não venderemos, nem recusaremos, nem dilataremos a quem quer que seja o direito e a justiça”); 6) eleição, pelos barões, de 25 representantes para acompanhar as ações do rei, com vistas ao cumprimento do acordo estabelecido na Carta. No século XIV, por sua vez, uma grande crise econômica, decorrente das guerras e das mudanças climáticas que abateram a Europa, afetando a produção de alimentos, aliada à peste bubônica, epidemia que devastou a população do velho continente, e ao fortalecimento de uma nova classe econômica, a burguesia, terminam por fazer surgir a necessidade de uma maior organização e centralização política, propiciando o advento dos Estados Nacionais Modernos. O feudalismo, em crise, cede espaço ao surgimento das monarquias nacionais, com território delimitado, costumes, línguas e religiões particularizadas, nas quais se vislumbrava a idéia de que o rei, absoluto em seu poder, seria um catalizador das aspirações nacionais, figura sagrada, imbuída de autoridade divina. Diante desta nova realidade social e econômica, surge, portanto, o Estado nacional, simbolizado pelo poder absoluto dos monarcas, inaugurando uma nova era na história da humanidade: a Idade Moderna, período considerado como o de transição definitiva entre os dois grandes modos de produção da economia, o feudalismo e o capitalismo. Durante a Idade Moderna, que tem início na segunda metade do século XV e marco final na Revolução Francesa de 1789, o mundo assiste a um gradativo processo de fortalecimento do poder político de uma classe 10 Orides Mezzaroba, Introdução ao Direito Partidário Brasileiro, 2.ed. p. 23, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. 11 Criado por Guilherme I, O Conquistador, no século XI, o “Grande Conselho” era convocado periodicamente pelo rei e formado por barões, bispos e abades, tendo como objetivo alimentar o rei de opiniões sobre temas e problemas governamentais. Não existia, entretanto, relação de representação entre os seus membros e a comunidade, uma vez que não havia qualquer autoridade própria dos membros do Conselho, circunscritos à função de aconselhamento e interlocução do rei no que se refere a temas relevantes. Com a subida ao trono do Conde de Leicester, Simon de Montfort, após a derrubada do Rei Henrique III, na década de 60 do século XIII, representantes dos cavalheiros e dos cidadãos são convocados, em 1265, para compor o Grande Conselho, fazendo com que o parlamento inglês passasse a assumir um caráter legislativo, uma vez que os representantes tinham poder para deliberar sobre normas de caráter obrigatório e vinculativo. Conforme constatação de Orides Mezzaroba (p. 24 et seq.): “não há como negar a importância do Parlamento da época de Montfort como um marco no caminho dos governos representativos que viriam mais tarde. O funcionamento parlamentar do reino já se encontrava, nesse período, associado a uma forma de organização representativa das atribuições parlamentares”. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 15 DOUTRINA social burguesa já detentora do poder econômico, que termina por rechaçar a preponderância do poder real, impondo uma nova ordem, pautada nas premissas da liberdade e da força normativa de uma Constituição escrita, fenômeno historicamente batizado de constitucionalismo, notabilizado pela publicação da obra Qu’est-ce que le Tiers État? (Que é o Terceiro Estado), traduzida no Brasil com o título de “A Constituinte Burguesa”, escrita pelo abade francês Emmanuel Joseph Sieyès. Nesta obra, o abade Sieyès estabelece o conceito de poder constituinte como poder intangível e determinante da organização e fundamentação de um Estado, sendo tal poder titularizado na nação, definida como “um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura”12. Para Sieyès13: A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, é a própria lei. Antes dela e acima dela só existe o direito natural. Se quisermos ter uma idéia exata da série das leis positivas que só podem emanar de sua vontade, vemos, em primeira linha, as leis constitucionais que se dividem em duas partes: umas regulam a organização e as funções do corpo legislativo; as outras determinam a organização e as funções dos diferentes corpos ativos. Essas leis são chamadas de fundamentais, não no sentido de que possam tornar-se independentes da vontade nacional, mas porque os corpos que existem e agem por elas não podem tocá-las. Em cada parte, a Constituição não é obra do poder constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua delegação. É neste sentido que as leis constitucionais são fundamentais. O regime político do absolutismo, estabelecido com o apoio da própria classe burguesa, desejosa de uma centralização política que propiciasse a extinção do modelo econômico de produção feudal, começa, assim, a entrar em colapso, uma vez que a burguesia percebe que o rei, outrora necessário à afirmação do novo modo de produção econômico, o capitalismo, já não o é mais, tendo se transformado, ao contrário, em um entrave ao próprio desenvolvimento das atividades burguesas, que necessitava de liberdade. É de se ressaltar, entretanto, que o ocaso do absolutismo monárquico começa a se afirmar mesmo antes do constitucionalismo, fenômeno observado no século XVIII, o famoso “século das luzes”. No século XVII, na Inglaterra, com as chamadas “Cartas Inglesas” e com a Primeira Revolução Industrial, deflagrada a partir da criação da máquina a vapor, por James Watt, o modelo do absolutismo monárquico começa a ruir, dando-se início à 12 Emmanuel Joseph Sieyès, A Constituinte Burguesa, Qu’est-ce que lê Tiers État? Tradução: Norma Azevedo. 4. ed. p. 04, Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2001. 13 Ibid., p. 48-49. 16 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA consolidação do regime político da democracia moderna14. O primeiro dos documentos históricos posteriormente batizados de “Cartas Inglesas” que, em seu conjunto, sepultaram o absolutismo monárquico na Inglaterra foi o Petition of Rights, de 1629, documento dirigido ao Rei Carlos I pelo parlamento, no qual se exigia o cumprimento de preceitos estabelecidos na Magna Carta de 1215, e que se encontravam constantemente violados. Sobre o Petition of Rights, leciona Orides Mezzaroba15: No ano de 1628, pressionado pelo Parlamento, que exigia respeito da Coroa pelas leis inglesas, Carlos I foi compelido a sancionar o Petition of Rights, documento que buscava reafirmar os princípios da Carta Magna e que restringia as prerrogativas do rei. O novo pacto não impediu que Carlos I passasse logo a governar por doze anos sem o Parlamento. Em 1640, sob forte pressão política, Carlos I foi obrigado a convocar novo Parlamento. Contrariando as expectativas do rei, a maioria dos seus membros acabou demonstrando que na prática não eram apenas reformistas, mas, acima de tudo, revolucionários. Um dos primeiros atos do Parlamento foi acusar o rei e seu fiel servidor, o Conde de Strafford, de alta traição. Ao mencionado Conde recaiu a maior responsabilidade pelo fechamento do Parlamento, nos anos anteriores. Mas, como o Conde não poderia sofrer os efeitos de um impeachment, o Parlamento acabou aprovando e obrigando o sancionamento real do Bill of Attainder. Por este último documento, Strafford perdia o direito de ser julgado por uma Corte de Justiça, o que importava legalizar a sua execução. Passados nove anos, Carlos I teve o mesmo destino de seu auxiliar. Com isso, pela primeira vez na história, o Parlamento Inglês coloca-se acima do rei, passando, inclusive, a governar sem ele. A morte de Carlos I, em 1649, supracitada por Mezzaroba, e a conseqüente instalação da chamada “República de Cromwell” é, há de se ressaltar, outro momento marcante da decadência do absolutismo monárquico na Inglaterra do século XVII. Tudo começou em 1641, quando, na Irlanda Católica, eclode uma revolta de caráter religioso, instaurando-se uma guerra civil! Carlos I comanda o exército de repressão à citada revolta, contra a vontade do parlamento 14 Como bem ressalta Dalmo de Abreu Dallari (Elementos de Teoria Geral do Estado, 25 ed. p. 147, São Paulo - SP: Saraiva, 2005), “É através de 3 grandes movimentos político-sociais que se transpõe do plano teórico para o prático os princípios que iriam conduzir ao Estado Democrático: o primeiro desses movimentos foi o que muitos denominam de Revolução Inglesa, fortemente influenciada por Locke e que teve sua expressão mais significativa no Bill of Rights, de 1689; o segundo foi a Revolução Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de Independência das treze colônias americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo evidente nesta a influência direta de Rousseau”. 15 Orides Mezzaroba, Introdução ao Direito Partidário Brasileiro, 2 ed. p. 24-25, Rio de Janeiro – RJ: Lumen Júris, 2004. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 17 DOUTRINA inglês, que é então invadido pelo rei. Os principais líderes parlamentares são, assim, presos pelo exército real, o que desencadeia uma guerra civil entre os cavaleiros, defensores do rei, e os cabeças redondas, defensores do parlamento. O exército parlamentar, liderado por Oliver Cromwell, vence as tropas do rei na Batalha de Naseby, em 1645, obrigando Carlos I a fugir para a Escócia, onde, ao negar-se a reconhecer a Igreja Presbiteriana, é vendido pelo Parlamento escocês ao parlamento inglês, sendo executado em 1649. É iniciada, então, a República de Cromwell, período no qual é suprimida a Câmara dos Lordes, o que propicia a eliminação das estruturas feudais que atravancavam o desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra. Em 1653, com o fortalecimento de Cromwell, o parlamento é dissolvido, dando-se início a uma ditadura pessoal que só acabou com a morte do líder revolucionário, em 1658. Em 1660, finalmente, a monarquia é restaurada, tendo assumido o trono o rei Carlos II, da dinastia Stuart, descendente de Carlos I, restabelecendo-se o absolutismo monárquico e a supremacia da Igreja Anglicana16, tornada oficial por Henrique VIII, no século XVI, quando houve o fortalecimento do poder da monarquia e o rompimento da coroa inglesa com o papa. Em 1679, entretanto, o poder real é, mais uma vez, enfraquecido, com a edição da Lei de Habeas Corpus17 (Habeas Corpus Act), garantia fundamental da liberdade e instrumento de fortalecimento do parlamento, 16 Segundo lição de Alceu Luiz Pazzinato e Maria Helana Valente Senise (História Moderna e Contemporânea, 7 ed. p. 67, São Paulo - SP: Ática, 1994), “durante o governo de Henrique VIII (1509-1547), a burguesia fazia pressão pelo aumento do poder do Parlamento, o que lhe daria oportunidade de legislar sobre matéria financeira, inclusive sobre as taxas cobradas pela Igreja e sobre a liberação da prática da usura. Henrique VIII, necessitando aumentar as riquezas do Estado, aproveitou-se dessa situação para confiscar os bens da Igreja. Isso gerou desentendimentos com o papa, agravados quando o monarca solicitou a anulação do seu casamento com Catarina de Aragão. A anulação foi pedida porque, não tendo sucessores masculinos com a princesa espanhola, Henrique VIII temia que, em caso de sua morte, o trono inglês passasse para o controle da Espanha. Esse temor era compartilhado por toda a nação, que apoiou o rei, diante da negativa do papa em conceder-lhe o divórcio. O rei então rompeu com o papado e promoveu uma reforma na Igreja inglesa, obrigando seus membros a reconhecê-lo como chefe supremo e a jurar-lhe fidelidade e obediência. Assim, Henrique VIII obteve do clero inglês o divórcio de Catarina de Aragão e pôde desposar Ana Bolena, dama da Corte. O papa Clemente VII tentou intimidar o rei, excomungando-o. Porém, Henrique VIII não cedeu à pressão papal e em 1534 decretou o Ato da Supremacia, que consolidou a separação da Inglaterra e o papa. Com esse decreto Henrique VIII transformou-se no chefe da Igreja de seu país, o que lhe deu condições de reprimir todos os opositores da Reforma Anglicana. A doutrina anglicana apresentou poucas modificações em relação à doutrina católica, a não ser o desencorajamento do culto de santos e relíquias e a popularização da leitura da Bíblia, vertida para o idioma nacional. No aspecto prático, a Reforma Anglicana resolveu duas questões básicas para a monarquia inglesa: a concretização do divórcio do rei, que lhe deu uma solução para a herança do trono; e a apropriação dos bens da Igreja, os quais, vendidos para a nobreza e para a burguesia, deram o necessário suporte financeiro para a Coroa. O anglicanismo se consolidou no reinado de Elizabeth I, que renovou o direito de soberania real sobre a Igreja, além de fixar os fundamentos da doutrina e do culto anglicano na Lei dos 39 Artigos, de 1563”. 17 Sobre o significado do Habeas Corpus, leciona Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 18 ed. p. 109, São Paulo – SP: Atlas, 2005): “Habeas Corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o tribunal concedia e era endereçado a quantos tivessem em seu poder ou guarda o corpo do detido, da seguinte maneira: ‘Tomai o corpo desse detido e vinde submeter ao Tribunal o homem e o caso’. Também se utiliza, genericamente, a terminologia writ, para se referir ao Habeas Corpus. O termo writ é mais amplo e significa, em linguagem jurídica, mandado ou ordem a ser cumprida. Portanto, o Habeas Corpus é uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo juiz ou tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo – o direito do indivíduo de ir, vir e ficar”. 18 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA preponderantemente protestante, contra as arbitrariedades praticadas pelos últimos soberanos católicos da Inglaterra, da dinastia Stuart, em especial o Rei Jaime II, último dos monarcas absolutistas ingleses. Foi em 1685, com a morte de Carlos II, que o católico Jaime II assumiu o trono inglês, tentando restabelecer seu credo como oficial, loteando cargos públicos entre partidários do catolicismo. Diante da política adotada, o Parlamento inglês, de maioria protestante, decide depor o rei, oferecendo a Coroa inglesa a Guilherme de Orange, chefe do governo da Holanda e casado com Maria Stuart, filha protestante do primeiro casamento do rei Jaime II. Com a chegada de Guilherme de Orange e seus exércitos, em 1688, o rei Jaime II foge para a França, notabilizando aquele momento que historicamente foi batizado de Revolução Gloriosa, quando, sem derramamento de sangue, Guilherme de Orange assume o trono inglês, após assinar o Bill of Rights, documento através do qual o poder real é limitado, pondo-se fim ao absolutismo monárquico na Inglaterra. Através do Bill of Rights, o Parlamento impõe à monarquia limitações de poder tais como a obrigatoriedade de submissão à aprovação das câmaras de qualquer previsão de aumento de tributos, a garantia da liberdade de imprensa, da liberdade individual e da propriedade privada e a confirmação do anglicanismo como religião oficial (o que ressaltou a intolerância com o catolicismo). Realizada, então, a transição do absolutismo monárquico para a monarquia constitucional, na Inglaterra, chegamos, finalmente, ao século XVIII, quando se completa a transição do feudalismo para o capitalismo, do absolutismo para a democracia moderna. É no século XVIII que, através do iluminismo, do constitucionalismo, do fortalecimento da Revolução Industrial da Revolução Americana e da Revolução Francesa de 1789, é posto o ponto final na Idade Moderna, iniciando-se o domínio do liberalismo, palco para o retorno da democracia como regime político dominante, pautado em três marcos fundamentais: a supremacia da vontade popular; a preservação da liberdade e; a igualdade de direitos. Dois importantíssimos acontecimentos, já ressaltados, contribuíram decisivamente para o sepultamento do absolutismo monárquico e para a consagração da democracia moderna, no século XVIII: a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789. É em 1776, nos Estados Unidos da América (que ainda não eram tão unidos, uma vez que a federação americana só se formalizou em 1787, com a Constituição dos Estados Unidos da América), com a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, que é fundada a concepção de direitos constitucionais fundamentais, embora ainda sem a pretensão da universalização, que viria a ser observada na França, alguns poucos anos depois. Ingo Wolfgang Sarlet18, acerca do tema, assim dispõe: 18 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, 2. ed., p. 47, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 19 DOUTRINA As declarações americanas incorporaram virtualmente os direitos e liberdades já reconhecidos pelas suas antecessoras inglesas do século XVII, direitos estes que também tinham sido reconhecidos aos súditos das colônias americanas, com a nota distintiva de que, a despeito da virtual identidade de conteúdo, guardaram as características da universalidade e supremacia dos direitos naturais, sendo-lhes reconhecida eficácia inclusive em relação à representação popular, vinculando, assim, todos os poderes públicos. Com a nota distintiva da supremacia normativa e a posterior garantia de sua justiciabilidade por intermédio da Suprema Corte e do controle judicial da constitucionalidade, pela primeira vez os direitos naturais do homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais, ainda que este status constitucional da fundamentalidade em sentido formal tenha sido definitivamente consagrado somente a partir da incorporação de uma declaração de direitos à Constituição em 1791, mais exatamente, a partir do momento em que foi afirmada na prática da Suprema Corte a sua supremacia normativa. A característica principal das declarações da Virgínia, de 1776, e da França, de 1789, é a afirmação da liberdade humana perante o poder soberano do Estado. O absolutismo monárquico, supressor da liberdade individual, é superado, dando vazão a um paradigma de sociedade legitimada sob os preceitos liberais de reconhecimento da liberdade religiosa, de opinião e, principalmente, liberdade econômica, necessária a um momento histórico de consolidação do capitalismo de massa, promovido pela revolução industrial, como sistema econômico dominante. Posta estava, assim, a chamada “primeira geração de direitos”19, os direitos de liberdade individual perante o Estado, que, a partir desse momento, passa a ter a conotação de “um mal necessário” para a garantia da liberdade individual, devendo, entretanto, se caracterizar como Estado mínimo, mero garantidor da segurança e da liberdade, nos moldes vislumbrados por John Locke. Celso Lafer20, acerca do assunto, traça as seguintes considerações: Num primeiro momento, na interação entre governantes e governados que antecede a Revolução Americana e a Revolução Francesa, os 19 É de se ressaltar que a classificação dos direitos fundamentais em gerações de direitos se refere, tão somente, a um critério cronológico, de positivação dos mesmos nas Constituições. Não existe uma hierarquia entre os chamados “direitos humanos de primeira, segunda e terceira gerações”, e sim uma relação de interdependência entre os mesmos. Acerca de tal classificação, Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, p. 24, Rio de Janeiro - RJ: Forense, 2002 apud Ricardo Cunha Chimenti e outros, Direito Constitucional, 1. ed., p. 46, São Paulo - SP: Saraiva, 2004) tece os seguintes comentários: “... Conquanto essa maneira de ver possa ajudar a apreender os diferentes momentos históricos de aparecimento dos direitos, o termo geração, geração de direitos, afigura-se enganador, por sugerir uma sucessão de categorias de direitos, umas substituindo-se às outras – quando, pelo contrário, o que se verifica em Estado social de direito é um enriquecimento crescente em resposta às novas exigências das pessoas e das sociedades”. 20 Celso Lafer, A Reconstrução dos Direitos Humanos (Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt), p. 126, São Paulo - SP: Companhia das Letras, 1988. 20 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA direitos do homem surgem e se afirmam como direitos do indivíduo face ao poder do soberano no Estado absolutista. Representavam, na doutrina liberal, através do reconhecimento da liberdade religiosa e da opinião dos indivíduos, a emancipação do poder político das tradicionais peias do poder religioso e através da liberdade de iniciativa econômica a emancipação do poder econômico dos indivíduos do jugo e do arbítrio do poder político. Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são, neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não-Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social. Por isso são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício – é individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo do direito – pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os demais indivíduos, já que estes direitos têm como limite o reconhecimento do direito do outro [...]; e (III) quanto ao titular do direito, que é o homem na sua individualidade. A partir das revoluções liberais do século XVIII, portanto, a democracia, definitivamente, se consolida como o regime político dominante no mundo, produto da ideologia liberal que se impõe. O passar dos anos, as revoluções sociais ocorridas na Europa e o advento de novas ideologias contrárias ao liberalismo, no entanto, fazem surgir, desde então, concepções diversas acerca do que seria, efetivamente, um regime democrático. No próximo tópico, serão expostas, sinteticamente, as principais vertentes teóricas que embasam o discurso da democracia na contemporaneidade, para então, posteriormente, destacarmos a abordagem central deste trabalho: a análise crítica do modelo de democracia e das tendências e possibilidades da reforma política que se avizinha. 3. A DEMOCRACIA E AS SUAS PRINCIPAIS VERTENTES TEÓRICAS. Como já destacado no tópico anterior, a idéia de democracia passou por muitas transformações ao longo da história, sendo bastante distinta a concepção que modernamente temos do regime democrático em relação às premissas presentes na pólis ateniense. O que muitas vezes não é observado, entretanto, é que, mesmo nos dias de hoje, o conceito de democracia ainda é muito polêmico, suscitando diversas interpretações decorrentes, principalmente, da influência das ideologias no cotidiano político. Diariamente, nos mais diversos ambientes sociais em que convivemos, bem como nas notícias que lemos nas revistas, jornais e internet, e ouvimos no rádio e na TV, nos deparamos com o tema da política. Ao mesmo Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 21 DOUTRINA tempo, entretanto, em que nos envolvemos constantemente com discussões relativas à referida temática, muitas vezes observamos pessoas que afirmam que não gostam de política, não procuram conhecer o tema e, até mesmo, se aborrecem com tal assunto. Enfaticamente, tais indivíduos afirmam as suas aversões a tal espécie de assunto e, orgulhosamente, sentenciam: “não me envolvo com política! Sou apolítico”. Uma inexorável realidade, entretanto, teima em desafiar a credibilidade do discurso daqueles que se auto-intitulam “apolíticos”, fazendo com que, de forma implacável, a certeza de tal discurso reste abalada: o homem é, essencialmente, um animal político; a política, e o poder, se constituem em pressupostos inabaláveis da sociedade humana. A afirmação de que a sociedade humana é, fatalmente, uma sociedade política, fazendo com que todos os seres humanos, desde a mais tenra idade, se constituam em animais políticos, deriva da própria lógica da condição humana, eminentemente paradoxal. Afinal de contas, o ser humano, como ser condicionado, se posta, diariamente, ante o desafio de conviver com os seus semelhantes, tendo em vista a lógica de alteridade em que está mergulhado desde os primórdios da sua existência, ao tempo em que é impelido, também por sua natureza, a querer dominar e destruir o outro, em consonância com a célebre constatação atribuída a Thomas Hobbes segundo a qual “o homem é o lobo do homem”. Neste sentido, relevante se mostra a lição de J.J. Calmon de Passos21, segundo a qual: Há duas assertivas que, por força e de sua constante repetição, se tornaram lugares comuns: o homem é um animal social e o homem é o lobo do homem. Aparentemente contraditórias, elas na verdade se somam para expressar a condição humana. Somos criaturas incompletas, incapazes de realização pessoal sem a aceitação de nossa semelhante, paradoxalmente vocacionados para sermos um com os outros (interação, solidariedade etc.) permanecendo, entretanto, um em meio aos outros, sentindo-nos inéditos e irrepetíveis. Este eu exigente compele-nos a ser um contra os outros e impede-nos de ser um para os outros de modo pleno e constante, disso resultando carências e conflitos, competições e confrontos. A síntese deste processo dialético é a vida de cada qual de nós e a dos grupamentos humanos, oscilando entre o mais e o menos desses extremos. Em resumo, a realidade é a do necessário viver convivendo, cooperando e conflitando. Em “A Condição Humana”, Hannah Arendt constrói a concepção de vida activa, a fim de designar três atividades consideradas fundamentais à 21 J.J. Calmon de Passos, Direito, Poder, Justiça e Processo: julgando os que nos julgam. p. 41, Rio de Janeiro: Forense, 2000. 22 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA compreensão do ser humano como ser condicionado, às quais a pensadora alemão denomina trabalho, obra e ação22. Assim, segundo Arendt23: O trabalho é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos crescimento espontâneo, metabolismo e resultante declínio estão ligados às necessidades vitais produzidas e fornecidas ao processo vital pelo trabalho. A Condição humana do trabalho é a própria vida. O conceito de trabalho estabelecido por Hannah Arendt, assim, pode ser entendido como o conjunto de imperativos biológicos do homem, independentes da sua racionalidade, que primariamente definem o ser humano como um ser condicionado. A segunda condicionante à qual o homem está submetido na sua existência, por sua vez, é denominada, na doutrina de Hannah Arendt, pela nomenclatura “obra”. Assim então24: A obra é a atividade correspondente à não-naturalidade [unnaturalness] da existência humana, que não está engastada no sempre-recorrente [ever-recurrent] ciclo vital da espécie e cuja mortalidade não é compensada por este último. A obra proporciona um mundo “artificial” de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras á abrigada cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e transcender todas elas. A condição humana da obra é a mundanidade [worldliness]. A capacidade inerente ao homem de transformar o ambiente em que vive, se adaptando ao mesmo e impondo sua marca criativa, assim, pode ser relacionada à concepção de “obra”, firmada por Hannah Arendt. Foi principalmente a partir da obra que o homem se impôs como animal dominante na Terra, na escala progressiva da seleção natural. Não apenas, entretanto, o “trabalho” e a “obra” podem ser observados como imperativos da condição humana, na doutrina de Hannah Arendt. Também a idéia de “ação”, vislumbrada como a lógica da alteridade, a lógica do outro, em que está mergulhado o homem, pode ser apontada como uma atividade humana fundamental. Assim, mais uma vez na lição de Arendt25: 22 Vale destacar que até a publicação da 11ª edição brasileira da obra “A Condição Humana”, no ano de 2010, as três referidas atividades humanas fundamentais, o trabalho, a obra e a ação, eram traduzidos, para o português como labor, trabalho e ação, respectivamente. Tal mudança conceitual se deu, segundo os tradutores da obra, a partir de um estudo aprofundado feito a partir da análise das edições alemã, espanhola e francesa, o qual possibilitou uma compreensão mais precisa dos conceitos de labor e work, estabelecidos na obra original da autora, escrita em inglês. 23 Hannah Arendt, A Condição Humana, 11. ed. revista, trad. Roberto Raposo, p. 08, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010 24 Op. Cit., mesma página. 25 Idem, p. 08-10. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 23 DOUTRINA A ação, única atividade que ocorre diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que os homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Embora todos os aspectos da condição humana tenham alguma relação com a política, essa pluralidade é especificamente a condição – não apenas a condition sine qua non, mas a condition per quam – de toda vida política. Assim, a língua dos romanos – talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimas as expressões “viver” e “estar entre os homens” (inter homines esse), ou “morrer” e “deixar de estar entre os homens” (inter homines esse desinere). Mas, em sua forma mais elementar, a condição humana da ação está explícita até em Gênesis (“macho e fêmea, Ele os criou”), se entendemos que esse relato da criação do homem é distinto, em princípio, do outro segundo o qual Deus originalmente criou o Homem (adam) – “ele”, e não “eles”, de modo que a multidão dos seres humanos vem a ser o resultado da multiplicação. A ação seria um luxo desnecessário, uma caprichosa interferência nas leis gerais do comportamento, se os homens fossem repetições interminavelmente reproduzíveis do mesmo modelo, cuja natureza ou essência fosse a mesma para todos e tão previsível quanto a natureza ou essência de qualquer outra coisa. A pluralidade é a condição da ação humana porque somos todos iguais, isto é, humanos, de um modo tal que ninguém jamais é igual a qualquer outro que viveu, vive ou viverá. A partir da análise crítica da concepção de vida activa de Hannah Arendt, firmada nas três atividades humanas fundamentais descritas, é possível concluir pela inexorável lógica paradoxal da condição humana, uma vez que, como já demonstrado, em virtude da condicionante “obra” o homem é um ser naturalmente compelido a agir de forma criativa, impondo sua marca ao mundo, transformando e dominando o ambiente em que vive, ímpeto este que gera, como conseqüência, o desejo humano de querer dominar os outros homens (dando razão à concepção hobbesiana, já citada, segundo a qual o homem seria “o lobo” do próprio homem), ao tempo em que o ser humano também se mostra condicionado a conviver, mergulhado na lógica da “ação”, descrita pela referida cientista política. Ao necessitar do seu semelhante e, ao mesmo tempo, tentar dominá-lo e/ou destruí-lo, o homem demonstra, assim, toda a contradição inerente à sua natureza animal, fato que impõe, como ponto de equilíbrio, a irrefutável presença de uma força abstrata que pode ser considerada um pressuposto de toda e qualquer sociedade: o poder político. É o poder político, na definição de Paulo Bonavides26, “aquela energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num 26 Paulo Bonavides, Ciência Política, 10. ed. p. 106, São Paulo: Malheiros, 2001. 24 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA determinado território, conservando-a unida, coesa e solidária”. Conforme lição de Fernando Loureiro Bastos27, “o fundamento para a existência e para o exercício do poder político pode ser encontrado na necessidade de encontrar mecanismos destinados à resolução dos conflitos de interesses resultantes do acesso aos bens finitos”. Podemos assim concluir que o poder político constitui-se em pressuposto fundamental das sociedades humanas, ponto de equilíbrio entre duas necessidades inexoráveis e paradoxais: a necessidade de convivência e a necessidade de dominação. Materializado em normas de comportamento, o poder político é exercido, primariamente, através da força bruta, a qual, entretanto, não é bastante para a sua sobrevivência: o alimento do poder é a legitimidade, ou seja, o apoio, o reconhecimento das pessoas em relação à ordem instituída, sendo inviável, a qualquer forma de poder, sobreviver pautada simplesmente na referida força. A base maior da sobrevivência do poder é, assim, a força da palavra, do convencimento, a força da ideologia. Quando alguém está submetido ao poder da força bruta, a tendência natural deste alguém é reagir, na primeira oportunidade, ameaçando a continuidade do poder instituído. Quando este mesmo indivíduo, por outro lado, é dominado pelo poder da palavra, muitas vezes não percebe a dominação, agindo conforme os interesses do dominante, sem contestação. Atuam, assim, as ideologias, como espécies de “cimentos sociais”, conjuntos de crenças e valores unificadores do corpo social, capazes de garantir a ordem e a estabilidade. A ideologia é a mais pura manifestação do poder da palavra, decisivo para o exercício da política. É de se ressaltar que, historicamente, vários já foram os sentidos dados à palavra ideologia: a) um sistema de crenças políticas; b) um conjunto de idéias voltadas para a ação; c) as idéias de classe dominante; d) a visão do mundo de uma classe ou grupo social específico; e) as idéias políticas que reúnem ou articulam interesses de classe ou sociais; f) as idéias que propagam falsa consciência sobre os explorados ou oprimidos; g) as idéias que situam o indivíduo num contexto social e geram um sentimento coletivo de inclusão; h) um conjunto de idéias sancionadas oficialmente usado para legitimar um sistema ou regime político; i) uma ampla doutrina política que reivindica o monopólio da verdade; j) um conjunto abstrato e extremamente sistemático de idéias políticas. A mais conhecida definição de ideologia, entretanto, é atribuída a Karl Marx, que entendia a ideologia como um instrumento de controle da produção mental, associado à ilusão e à mistificação, ou seja, a falsa consciência do trabalhador. Antonio Gramsci, italiano marxista que viveu o período do fascismo de Mussolini, nas décadas de 20 e 30 do século XX, inspirado em Marx, costu27 Fernando Loureiro Bastos, Ciência Política: guia de estudo. p. 23, Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade Direito de Lisboa, 2007. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 25 DOUTRINA mava identificar a concepção de ideologia à produção de falsas necessidades transformadoras dos seres humanos em consumidores vorazes, fato gerador de uma “imbecilização coletiva”. Vladimir Lênin, grande líder da Revolução Russa, por sua vez, contrariando Marx, não identificava a ideologia como algo negativo, mas sim como o conjunto de idéias fundamentais de uma determinada classe social. É o conceito de ideologia, assim, bastante controverso. Andrew Heywood, importante cientista político britânico contemporâneo, entretanto, leciona que qualquer ideologia tem, como principais atributos, o oferecimento de uma explicação para a ordem vigente; o desenvolvimento de uma tese acerca do futuro desejável; e um conjunto de explicações sobre como a mudança política pode ser realizada. É a ideologia, na definição de Heywood28, um “conjunto de idéias mais ou menos coerente que fornece a base para a ação política organizada, a qual pode ter a intenção de preservar, modificar ou derrubar o sistema de poder vigente”. A partir das diversas ideologias e interesses desenvolvidos, principalmente, após a queda do Antigo Regime, várias concepções acerca da teoria democrática foram desenvolvidas, das quais destacamos, com maior ênfase, o Elitismo Competitivo, a Democracia Participativa e a Democracia Deliberativa. Primeiramente, o modelo do Elitismo Competitivo pode ser apontado como o mais difundido nos primórdios da democracia moderna, tendo como fundamento maior a idéia de que o processo democrático se estabelece a partir da competição entre grupos de interesse, sendo o processo eleitoral o instrumento a partir do qual o povo, periodicamente, elege os seus líderes. Neste modelo, portanto, o papel do eleitor se restringe à escolha dos seus representantes, fato que, por conseguinte, termina por gerar um distanciamento entre o exercício da soberania popular e o teórico titular do poder político, ou seja, o povo. Curiosamente, o advento das revoluções burguesas, apontado como fator decisivo para o surgimento das democracias modernas, também serviu de palco para grandes desconfianças e oposições ao regime democrático, apontado por muitos como ameaçador da estabilidade política. A irracionalidade das massas e o risco do deferimento de uma ampla participação política prevaleceram, como discurso, nos primórdios da Era Contemporânea, fundamentando uma perspectiva ideológica de contenção do poder popular. O desenvolvimento da representação política, contudo, terminou por fazer com que a democracia viesse a ser consagrada como modelo político mais adequado, eliminando, aos poucos, as contradições entre o liberalismo e o regime democrático. O Elitismo Político, entretanto, neste contexto, Andrew Heywood, Ideologias políticas: do liberalismo ao fascismo. 1. ed. p. 25, São Paulo: Ática, 2010. 28 26 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA desenvolveu-se como a principal teoria relacionada ao exercício do poder político, fundamentado, como já observado, em uma grande desconfiança acerca da possibilidade de alargamento do poder de sufrágio, bem como em uma defesa da idéia de que a democracia se resumiria à disputa entre grupos de interesse. Neste sentido, é válido citar a seguinte lição de Cristina Buarque de Hollanda29: As diferenças acentuadas entre as versões originais dos modelos liberal e democrático constituíram as bases de um encontro tenso. Até meados do século XIX, democracia e liberalismo eram noções políticas conflitantes e até mesmo antagônicas. Pouco a pouco, mediados pelo princípio representativo, acomodaram-se na fórmula da democracia liberal, que hoje organiza boa parte da vida política no mundo, sobretudo no Ocidente. Essa nova arquitetura política foi objeto de crítica de Gaetano Mosca (1858-1941), Vilfredo Pareto (1848-1923) e Robert Michels (1876-1936), autores que constituem o cânone do que se convencionou denominar teoria das elites. Apesar das nuances e até importantes distâncias nas visões políticas destes três pensadores, todos convergem na descrição da democracia liberal como regime utópico cuja rotina institucional não guarda vínculos com sua motivação ideal. Nessa perspectiva, as idéias de soberania popular, igualdade política e sufrágio universal compõem um universo abstrato de discurso, sem sustentação real. Na percepção elitista, todo exercício da política, alheio às suas justificativas formais, está fadado à formação de pequenos grupos que subordinam a maior parte da população. (...) Embora não constituam uma escola bem definida, com um corpo rígido e coerente de doutrinas políticas, Mosca, Pareto e Michels compartilhavam o diagnóstico de que toda forma política produz distinção entre minorias dirigentes e maioria dirigida. Nessa perspectiva, a retórica democrática, destituída de vínculos com a realidade social, serviria apenas à legitimação do poder das minorias que mobilizavam um discurso universalista com vistas a garantir seu próprio benefício. Um dos grandes expoentes do modelo elitista de democracia, ao lado de Mosca, Pareto e Michels, foi Joseph Schumpeter, economista austríaco que viveu na primeira metade do século XX (1883-1950) e, em 1942, escreveu a obra “Capitalismo, socialismo e democracia”. Contrariando a idéia de que a busca do consenso nos espaços de deliberação democrática seria viável, Schumpeter defende a concepção segundo a qual a sociedade vive de interesses antagônicos e, muitas vezes, inconciliáveis. A idéia de um bem 29 Cristina Buarque de Hollanda, Teoria das Elites, p. 09-10, Rio de Janeiro: Zahar, 2011. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 27 DOUTRINA comum a todos, assim, seria uma falácia, uma vez que a realidade social seria competitiva, sendo a política, tão somente, um jogo a ser disputado por grupos e facções em busca do poder30. A crise do liberalismo, desencadeada a partir de meados do Século XIX, alcançando o seu apogeu com a Crise de 1929 e a II Guerra Mundial, contudo, marcou o início da derrocada do modelo puramente representativo de democracia, identificado com o Elitismo Competitivo. Neste sentido, desenvolve-se um novo modelo de democracia participativa, enfatizando a necessidade de uma participação direta do povo na vida política do Estado como forma de ruptura com as estruturas então vigentes de poder, as quais sacramentavam um distanciamento do povo em relação às instâncias decisórias da sociedade, com privilégios para pequenos grupos dominantes que impunham, através de políticas de exclusão, os seus interesses em face dos anseios da coletividade. Como destaca Frank Cunningham31: O “problema da democracia” que os participacionistas explicitamente delimitam para tratar é que os procedimentos democráticos facilitam e propiciam encobrimento para regras opressivas baseadas em classe, gênero, raça ou outros domínios de exclusão contínua e subordinação. As razões que eles vêem para isso não são que representantes eleitos podem ser comprados e que a maioria das pessoas tem pouco controle sobre o comportamento dos partidos políticos e agendas legislativas. Nem é exatamente que os arranjos liberais-democráticos deixam estruturas opressivas intactas nos reinos privados. Ainda mais delibitador é que as pessoas, cuja experiência de autodeterminação coletiva é confinada principalmente ao voto, não adquirem nem o conhecimento, nem as habilidades, nem a esperança de tomar conta de suas vidas, aquiescendo assim com sua própria opressão. A participação direta, inicialmente em arenas pequenas e localizadas, é requerida para romper o círculo resultante da passividade política e da continuidade da subordinação. Em muitos países, o modelo de democracia participativa é festejado, nos ordenamentos jurídicos, como o adequado à valorização do exercício 30 Ainda segundo Cristina Buarque de Hollanda (op. cit. P. 40-41), “Schumpter opõe ao irrealismo da democracia clássica uma teoria que supõe mais próxima da realidade e que deriva o poder político da luta pelo voto. Nessa concepção, não há distinção substantiva entre os ambientes e os sujeitos da política e do comércio. Um eleitor e um consumidor dispõem de informação superficial e mediada a respeito dos seus objetos de escolha. As possibilidades de voto ou consumo tendem a definir o desejo dos eleitores ou compradores, ao invés de serem definidas por eles. Inverte-se, assim, a relação de anterioridade do modelo democrático tradicional: as elites induzem (e não expressam) as escolhas do povo. (...) A democracia compreendida por Schumpeter é, portanto, uma inversão do entendimento usual do conceito. No lugar da ficção democrática que supõe representantes diretamente vinculados ao povo, o autor identifica um cenário real constituído por elites políticas, com diferentes estratégias de captura do voto, em disputa pelo poder e referidas aos interesses dos eleitores apenas na medida do seu próprio interesse”. 31 Frank Cunningham, Teorias da Democracia: uma introdução crítica. Tradução: Delmar José Volpato Dutra. p. 160, Porto Alegre: Artmed, 2009. 28 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA da soberania popular, por permitir uma maior aproximação entre o povo e o poder, distanciando-se do modelo elitista prevalente nos primórdios da chamada “sociedade contemporânea”, estabelecida, principalmente, após a Revolução Francesa. As limitações deste modelo, no entanto, vêm sendo cada vez mais apontadas e denunciadas por importantes cientistas políticos, para os quais o mero estabelecimento de novos meios de exercício do sufrágio, a exemplo da promoção de consultas populares como plebiscitos e referendos, não seria suficiente para a realização de uma ruptura com o modelo do Elitismo Competitivo outrora dominante, uma vez que, também neste modelo, prevaleceria a disputa entre grupos e idéias pré-concebidas, pautada no princípio da maioria. Como alternativa, assim, ao modelo representativo e ao próprio modelo participativo, advém o chamado “modelo deliberativo de democracia”, o qual, aparentemente, se apresenta como o mais adequado a ser seguido na construção de um processo de reforma política no Brasil consonante com os princípios fundamentais da República estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Neste modelo, pressupõe-se como requisito para a definição das prioridades e decisões políticas a ampla discussão pública, fundamentada sempre na possibilidade de convencimento mútuo entre os participantes do processo político, sem que tal processo, portanto, se caracterize como uma mera disputa entre visões antagônicas em um jogo de vitoriosos e derrotados. Na democracia deliberativa, muito mais do que a competição entre grupos de interesse e opiniões ou preferências individuais, o que prevalece é a possibilidade de uma ampla discussão, por meio da qual o consenso é construído coletivamente, sem que haja a mera imposição da vontade dominante. A grande preocupação dos defensores do modelo deliberativo de democracia reside na defesa da legitimidade do processo democrático, construída a partir da viabilização de um amplo debate público acerca das mais diversas questões de interesse da sociedade, debate este para o qual todos devem estar preparados para buscar convencer e também para ser convencidos, dissociando-se, assim, de uma postura fechada a mudanças de opiniões pré-concebidas. Como bem destacam Denise Vitale e Rúrion Soares Melo32: (...) na proposta deliberativa a participação deve poder ser entendida como um processo de formação, ou ainda, de transformação de preferências. Através de um processo de discussão pública com uma pluralidade de outros diferentes cidadãos, as pessoas podem obter novas informações, aprender a partir 32 Denise Vitale; Rúrion Soares Melo. Política Deliberativa e o Modelo Procedimental de Democracia. In: NOBRE, Marcos; TERRA, Ricardo (org.). Direito e Democracia: um guia de leitura de Habermas. p. 227. São Paulo: Malheiros, 2008. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 29 DOUTRINA de outras experiências diferentes de problemas coletivos, ou mesmo concluir que suas opções iniciais estavam baseadas em pré-concepções, ou mesmo ignorância. Um dos principais expoentes do modelo deliberativo de democracia é o filósofo alemão contemporâneo Jürgen Habermas, para quem o discurso e a deliberação construídos a partir de uma dimensão procedimental mediada pelo direito seria a base de construção da democracia. Para construir a sua tese, Habermas, inicialmente, desenvolve a concepção de ação comunicativa, tipo de ação social destinada à promoção do entendimento entre os integrantes da sociedade dissociada de impedimentos e pautada na liberdade e na discussão racional. Como bem leciona Marcos Nobre33: Na ação comunicativa, o objetivo não é o êxito, não é o cálculo dos melhores meios para alcançar fins previamente determinados; a ação comunicativa tem por objetivo o entendimento entre os participantes da discussão. Da perspectiva da ação comunicativa, é essencial que se faça possível ouvir o maior número possível de vozes, de opiniões e de questionamentos, sem restrições. Difere a ação comunicativa da ação instrumental, espécie de ação social presente nas sociedades modernas voltada, principalmente, à neutralização de eventuais conflitos sociais, de forma a orientar o êxito da produção, distribuição e circulação de bens e mercadorias e para a qual não são relevantes singularidades de opiniões, crenças ou percepções de mundo34. Na visão de Habermas acerca da democracia, é de fundamental importância o estabelecimento de procedimentos confiáveis a partir dos quais a ação comunicativa possa ser exercida. Neste sentido, o Direito se apresenta como instrumento crucial para a garantia dessa procedimentalização 33 Marcos Nobre, Introdução, In: NOBRE, Marcos; TERRA, Ricardo. Direito e Democracia: um guia de leitura de Habermas. p. 21. São Paulo: Malheiros, 2008. 34 Melhor esclarecendo a diferença entre ação instrumental e ação comunicativa, Marcos Nobre (Idem, p. 20-21) leciona que “de um lado, Habermas sustenta que a sociedade moderna se reproduz materialmente porque neutraliza os potenciais de conflito e de dissenso sob a forma de uma ação orientadora para o êxito, para o sucesso de produzir mercadorias, de comprar e vender mercadorias segundo regras, de administrar a aplicação das leis segundo critérios impessoais, de assegurar a infra-estrutura necessária para a circulação de bens e pessoas e muitas outras coisas mais. Na lógica da reprodução material da sociedade, o mundo e os atores sociais são tomados não como sujeitos dotados de opiniões, visões de mundo e crenças, mas como mero objetos, como meios com vistas à consecução de um fim determinado. Essa lógica neutraliza, portanto, os potenciais de conflito e de dissenso, já que está orientada unicamente para a consecução de determinados fins de reprodução material previamente estabelecidos. O tipo de ação social característico desta lógica é, para Habermas, a ação instrumental. De outro lado, entretanto, a estabilização fornecida pela lógica instrumental de algumas ações sociais não elimina os potenciais de conflito e de dissenso próprios das sociedades modernas. Seu papel é unicamente o de limitar o campo em que eles ocorrem, garantindo que não coloque em risco a reprodução material da sociedade. De modo que há ainda uma outra maneira de lidar com o conflito e o dissenso próprios das sociedades modernas que não por meio da neutralização instrumental. Essa outra maneira de lidar com o conflito e o dissenso é a discussão racional, livre de impedimentos, na qual as próprias regras de discussão têm que ser estabelecidas pelos participantes. É o tipo de ação que Habermas chamada de comunicativa”. 30 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA do processo deliberativo. É o que destaca Denise Vitale, em artigo sobre o tema35, para quem, na visão de Habermas: (...) discurso, e democracia são duas faces da mesma moeda, mediados pelo direito. Uma vez institucionalizado juridicamente, o princípio do discurso converte-se em princípio da democracia. Ambos, porém, fundamentam-se a partir da mesma fonte, já que todo poder político deve ser extraído do poder comunicativo dos cidadãos. Nesse contexto, o conceito de institucionalização refere-se a um comportamento esperado do ponto de vista normativo e à institucionalização de procedimentos que garantam a equidade dos possíveis compromissos. Se, pelo princípio do discurso, as normas que pretendem validade precisam encontrar o assentimento de todos os potencialmente atingidos, o princípio da democracia assegura a formação política racional da opinião e da vontade, através da institucionalização de um sistema de direitos que garante a cada um igual participação num processo de normatização jurídica. A importância decisiva do direito reside no seu potencial de institucionalização jurídica de procedimentos que garantam os princípios formadores da teoria discursiva. Nesse sentido, falase em uma teoria procedimental através da qual a legitimidade das normas jurídicas mede-se pela racionalidade do processo democrático da legislação política. Outro importante filósofo cujas idéias podem ser apontadas como de suma importância para a compreensão do modelo deliberativo de democracia é o americano John Rawls (1921-2002), considerado um dos mais importantes estudiosos contemporâneos da questão da legitimidade das escolhas realizadas pelos grupos sociais. Em sua mais festejada obra, “Teoria da Justiça”, Rawls desenvolve a concepção de “justiça como equidade”, a partir da qual defende que o objeto primário da justiça se constitui na estrutura básica da sociedade, sendo, mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes, ou seja, a constituição política e os principais acordos sociais e econômicos, distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social. Parte Rawls de uma distinção entre o conceito de justiça como um equilíbrio adequado entre reivindicações concorrentes e uma concepção de justiça como um conjunto de princípios correlacionados com a identificação das causas principais que determinam esse equilíbrio, caracterizando a justiça como sendo apenas uma parte de um ideal social, para então afirmar que o conceito de justiça se define pela atuação de seus princípios na atribuição de direitos e deveres e na definição da divisão apropriada de vantagens sociais, sendo a sua concepção uma interpretação dessa atuação36. 35 Denise Vitale, Jürgen Habermas, modernidade e democracia deliberativa. In: Caderno CRH, Salvador, v. 19, n. 48, p. 551-561, Set./Dez. 2006. 36 Idem, p. 11. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 31 DOUTRINA Objetiva John Rawls, partindo da idéia principal de justiça como eqüidade, apresentar uma concepção de justiça que generalize e leve a um plano superior de abstração a conhecida teoria do contrato social, elegendo como base de seu pensamento a contestação à idéia de que o contrato original seria um contrato que introduz uma sociedade particular ou que estabelece uma forma particular de governo, mas sim elevando a idéia de que os princípios da justiça, para a estrutura básica da sociedade, são o objeto do consenso original. Para o filósofo americano, no estado prévio de natureza, que ele denomina posição original, os princípios da justiça são escolhidos sob um véu da ignorância, diante do qual não é dada a ninguém a possibilidade de compreender a sua real posição e interesses na sociedade. Assim, “uma vez que todos estão numa situação semelhante e ninguém pode designar princípios para favorecer sua condição particular, os princípios da justiça são o resultado de um consenso ou ajuste eqüitativo”37. Para Rawls38: o objetivo da justiça como equidade como uma concepção política é prático, e não metafísico ou epistemológico. Ou seja, apresenta-se não como uma concepção de justiça que é verdadeira, mas como uma concepção que pode servir de base a uma acordo político informado e voluntário entre cidadãos vistos como pessoas livres e iguais. Esclarecendo melhor a concepção de Rawls acerca da justiça como equidade, Michael J. Sandel assim leciona39: Rawls raciocina da seguinte forma: suponhamos que estamos reunidos, como agora, para definir os princípios que governarão nossa vida coletiva – para elaborar um contrato social. Que princípios selecionaríamos? Provavelmente teríamos dificuldades para chegar a um consenso. Pessoas diferentes têm princípios diferentes, que refletem seus diversos interesses, crenças morais e religiosas e posições sociais. Algumas pessoas são ricas, outras são pobres; algumas têm poder e bons relacionamentos; outras, nem tanto. Algumas fazem parte de minorias raciais, étnicas ou religiosas; outras não. Temos de chegar a um consenso. Mas até mesmo o consenso refletiria o maior poder de barganha de alguns sobre o dos demais. Não há motivos para acreditar que um contrato social elaborado dessa maneira seja um acordo justo. Analisemos agora uma experiência mental: suponhamos que, ao nos reunir para definir os princípios, não saibamos a qual categoria pertencemos na sociedade. Imaginemo-nos cobertos 37 Loc. cit., p. 13. 38 John Rawls, Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. In: Lua Nova, nº. 25, p. 33, São Paulo: 1992. 39 Michael J. Sandel. Justiça: o que é fazer a coisa certa. 4. ed. p. 177-178. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 32 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou gênero pertencemos e desconhecemos nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou desvantagens – se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos em uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria em uma posição superior de barganha, os princípios escolhidos seriam justos. Como se observa, a teoria de justiça desenvolvida por John Rawls pode ser entendida como de grande relevância para o estabelecimento de parâmetros para a construção do consenso em um modelo deliberativo de democracia, sendo a idéia do “véu da ignorância” bastante adequada para o firmamento de um procedimento seguro para o desenvolvimento da ação comunicativa habermasiana. No próximo tópico, será apresentada uma breve síntese histórica da evolução da democracia no Brasil, a fim de que, no tópico seguinte, uma abordagem geral acerca das propostas de reforma política em discussão no Congresso Nacional seja realizada, tendo como base a análise do modelo de democracia que, a partir da leitura do texto da Constituição Federal de 1988, apresenta-se como o mais adequado ao desenho institucional da nossa sociedade. 4. DEMOCRACIA NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS. É o Brasil, conforme enunciado previsto logo no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, um Estado Democrático de Direito, fundamentado nos princípios fundamentais da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político. Muito tem se questionado, no entanto, se essa condição brasileira de Estado Democrático de Direito tem sido plenamente realizada, ou, em realidade, deturpada por interesses individuais ou de grupos econômicos, em prejuízo das finalidades precípuas ao regime político da democracia. Afinal, será que realmente existe no Brasil participação efetiva do cidadão na vida política do Estado, entendimento esclarecido acerca das questões sociais e institucionais, igualdade de voto e transparência relacionada às receitas e gastos? Será que os parâmetros necessários à realização de uma democra- Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 33 DOUTRINA cia deliberativa, consistente, no entendimento de Joshua Cohen40, em “uma associação cujas relações são governadas pela deliberação pública de seus membros” vêm sendo observados de fato em nosso país? Os constantes abalos sofridos pelas instituições democráticas brasileiras, decorrentes da corrupção em larga escala, do abuso do poder econômico por parte de grupos de pressão, partidos políticos e titulares de mandatos eletivos, do desinteresse e do distanciamento do povo em relação à política, das dificuldades para o exercício da governabilidade, dentre outros fatores, nos últimos tempos, têm suscitado, cada vez mais, propostas de alterações, muitas vezes radicais, no nosso sistema político, sempre nos teóricos intuitos de aproximar mais o povo das instâncias deliberativas do poder, promover uma maior legitimidade dos governantes, combater a imoralidade administrativa e o mau uso dos recursos públicos e efetivar os objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que almeje efetivamente a redução das desigualdades sociais e regionais, erradique a pobreza e a marginalização, busque o pleno emprego e o desenvolvimento digno do homem. Diante do descrédito crescente relacionado à legitimidade e à eficiência das instituições políticas brasileiras, o discurso em defesa de uma ampla e higienizadora reforma política tem se tornado um grande clichê, apontado como a tábua de salvação para todos os males que afligem a democracia brasileira, como se fosse possível o milagre da imediata transformação de usos e costumes muitas vezes enraizados culturalmente há décadas, ou mesmo séculos, por meio apenas de simples alterações legislativas. Patrocinando uma breve análise histórica da estrutura política e social brasileira, é possível observar-se que pertence ao Brasil uma das mais ricas histórias políticas do mundo, apesar da sua relativamente curta existência como Estado. Desde a sua independência, em 1822, o Brasil já vivenciou quase setenta anos de monarquia, cento e dezessete anos de república, golpes de estado, mobilizações populares, a universalização do sufrágio, no passado restrito a uma minoria privilegiada entre outros fatos relevantes. Esta instabilidade política, entretanto, que acompanha o país nestes seus pouco mais de cento e oitenta anos como Estado independente, gerou um certo descrédito popular quanto a viabilidade de implementação de uma verdadeira democracia, pautada nos parâmetros da liberdade, da igualdade e da justiça social. Desde a época da colonização, convivemos no Brasil com uma estrutura política pautada em uma grande desigualdade social e cultural. 40 Joshua Cohen, Deliberação e legitimidade democrática, In: Ângela Cristina Salgueiro Marques (organização e tradução), A deliberação pública e suas dimensões sociais, políticas e comunicativas [textos fundamentais], p. 85, Belo Horizonte: Autentica Editora, 2009. Ainda segundo o referido autor (idem, p. 90), “a noção de uma democracia deliberativa está enraizada no ideal intuitivo de uma associação democrática na qual a justificação dos termos e das condições procede através do argumento público e da troca de razões entre cidadãos iguais. Cidadãos em tal ordem compartilham um compromisso com a resolução de problemas ligados à escolha coletiva por meio da troca de razões em público e entendem suas instituições básicas como legítimas na medida em que estabelecem a estrutura para a deliberação pública livre”. 34 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA Fenômenos como o patrimonialismo41, o coronelismo, o populismo, o clientelismo, o cartorialismo, o empreguismo e o nepotismo são verificados desde à época da colonização, através da confusão entre o público e o privado, o uso do poder da propaganda, as fraudes eleitorais e a corrupção, fortalecendo o poder das oligarquias políticas . O modo patriarcal pelo qual o Estado era governado durante a época da colonização, o fato de o Estado brasileiro se confundir, durante séculos, com as figuras dos donatários de terras, dos senhores de engenho e, posteriormente, dos fazendeiros do café, fez com que se tornasse extremamente dificultosa a diferenciação entre a esfera pública e a esfera privada no país. As relações familiares, assim, tradicionalmente, se sobrepuseram às relações profissionais e públicas42. O patrimonialismo, gerador do poder das elites políticas e ainda tão presente nos dias atuais, transmudou-se, com o passar do tempo, em outras práticas igualmente nocivas ao Estado democrático de Direito. Durante a República Velha, por exemplo, época do domínio político dos chamados “coronéis”, foram práticas constantemente verificadas o empreguismo, o nepotismo e o clientelismo43. A influência de todos estes fenômenos dirigiu, sem 41 Como bem ressalta Raymundo Faoro, em sua clássica obra “Os Donos do Poder”: “de D. João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo. O capitalismo politicamente orientado – o capitalismo político, ou o précapitalismo – centro de aventura, da conquista e da colonização moldou a realidade estatal, sobrevivendo, e incorporando na sobrevivência, o capitalismo moderno, de índole industrial, racional na técnica e funda na liberdade do indivíduo – liberdade de negociar, de contratar, de gerir a propriedade sob a garantia das instituições. A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade acenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi”. As origens do patrimonialismo remontam ao loteamento do território nacional, promovido pela metrópole portuguesa no século XVI. Após o fracasso das capitanias hereditárias, nas quais os donatários não gozavam de nenhum direito sobre a terra, sendo-lhes permitido, apenas, a cobrança de tributos, Portugal resolveu criar, na antiga capitania da Bahia de Todos os Santos, uma cidade na qual seria instalada a sede do governo-geral do Brasil. Assim, em 1549, foi fundada a cidade de Salvador, primeira capital do Brasil, tendo sido retomadas pela metrópole as capitanias hereditárias e distribuídas as terras em sesmarias entre os moradores que comprovassem condições financeiras de dar produtividade às terras, aumentando os rendimentos das Coroa. A partir da livre distribuição de terras promovida por meio das sesmarias, uma elite oligárquica passou a se constituir, reflexo fiel de uma estrutura social pautada no monopólio da riqueza, do prestígio e do domínio por parte dos senhores rurais. 42 Neste sentido, vale destacar as clássicas lições de Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil. 26. ed. p. 145-146, São Paulo – SP: 1995): “No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização – que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de influência das cidades – ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje. Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata, conforme definição de Max Weber. Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias”. 43 Sobre prática do clientelismo, leciona José Antonio Giusti Tavares [A mediação dos partidos na democracia representativa brasileira. In: TAVARES, José Antonio Giusti (org.). O sistema partidário na consolidação da democracia Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 35 DOUTRINA dúvida alguma, o processo eleitoral brasileiro em toda a sua história. Fraudes, compra de votos e clientelismo marcaram a história das nossas eleições, caracterizadas, na maior parte da história brasileira, como grandes mentiras protagonizadas por oligarquias que se mantiveram, e ainda se mantém, de alguma forma, no poder. Durante o império, por exemplo, era permitido votar por procuração. A cédula era assinada pelo eleitor e o alistamento eleitoral era feito no dia da eleição. Na República Velha pouca coisa mudou. Apenas uma pequena minoria da população participava das eleições. Tal fato decorre da proibição de voto aos analfabetos (cerca de 50% dos habitantes brasileiros à época) e às mulheres, bem como à facultatividade do voto. As fraudes eleitorais ainda eram muito freqüentes, transformando as eleições em verdadeiras farsas44. Seguindo-se à República Velha, um período histórico pouco democrático, onde houve um afastamento ainda maior do povo do centro das decisões políticas se sucedeu. A Era Vargas, iniciada em 1930 e consagrada como o Estado Novo, em 1937, é marcada pelo autoritarismo e pelo populismo, caracterizado essencialmente “pela ausência ou inocuidade das mediações institucionais, entre as quais o sistema representativo e os partidos, capazes de prover transitividade e responsabilidade recíproca entre as massas e o líder”45. No populismo, o líder carismático exerce um papel de conciliador de interesses entre as classes sociais, que passam a construir, de certa forma, uma aliança. O apoio popular das massas ao líder populista, a quem são imputadas brasileira. p. 366-367, Brasília – DF: Instituto Teotônio Vilela, 2003. (Coleção Brasil 2010, v. 03)]: “o clientelismo é um conjunto de mecanismos adscritivos de distribuição e alocação de benefícios derivados da ocupação do Estado, em qualquer de seus níveis ou esferas, que se faz mediante um padrão de relações individualizadas de tutelagem e dependência, através dos quais um detentor de autoridade pública ou de poder político extrai, ao mesmo tempo fragmentária e sincreticamente, de diferentes classes, associações ou grupos de sociedades, pessoas cujos interesses promove individualizadamente e que, beneficiadas pelo favor político, constituem contingentes atomizados e disponíveis de indivíduos dependentes, quanto à realização de seus interesses econômicos ou à preservação de seu status social, daquele que lhes exerce o patronato, compondo assim uma mesmo clientela”. 44 Como bem observa Jairo Nicolau (História do Voto no Brasil, 1. ed. p. 34, Rio de Janeiro – RJ: Jorge Zahar, 2002), “(...) o processo eleitoral era absolutamente viciado pelas fraudes em larga escala e, salvo poucas exceções, as eleições não eram competitivas. As eleições, mais do que expressar as preferências dos eleitores, serviram para legitimar o controle do governo pelas elites políticas estaduais. A fraude era generalizada, ocorrendo em todas as fases do processo eleitoral (alistamento de eleitores, votação, apuração de votos e reconhecimento dos eleitos). Os principais instrumentos de falsificação eleitoral foram o bico de pena e a degola. A eleição a bico de pena consistia na adulteração das atas feitas pela Mesa Eleitoral (que também apurava os votos). Nas palavras de Vitor Nunes Leal, “inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena todo-poderosa dos mesários realizava milagres portentosos”. A Câmara dos Deputados tinha uma comissão responsável por organizar a lista dos deputados presumivelmente legítimos para a legislatura seguinte (Comissão Verificadora dos Poderes). O controle da comissão pelos deputados governistas permitia que, frequentemente, parlamentares eleitos pela oposição não tivessem seus diplomas reconhecidos. Tal mecanismo era conhecido no meio político como degola e foi largamente utilizado na Primeira República”. 45 José Antônio Giusti Tavares, op. cit. p. 365. 36 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA características messiânicas, quando não divinas, é a principal característica dessa prática que, por tantos anos, dominou a política brasileira46. A redemocratização ocorrida com a queda de Vargas, em 1945, ao tempo em que restituiu a Justiça Eleitoral, extinta no Estado Novo, e propiciou a ampliação do sufrágio e a volta das eleições, não impediu, entretanto, que a presença nociva do populismo não se fizesse e o golpismo se fortalecesse. Assim foi que, em 1964, a nossa democracia restou abalada por mais um golpe de Estado, através do qual o povo brasileiro, mais uma vez, foi marginalizado do exercício dos seus direitos políticos fundamentais. As eleições para os principais cargos passaram a ser indiretas e o pluripartidarismo foi substituído por um bipartidarismo submisso aos interesses do grupo dominante. Nos anos 80, entretanto, a semente da democracia, plantada novamente durante o período de repressão, passa a gerar frutos, e o período ditatorial, de tristes lembranças, se encerra. A democracia ressurge, e as eleições se intensificam. O povo volta a eleger o presidente da república e a antiga urna de lona é substituída pela urna eletrônica (já nos anos 90). Um grande avanço! Todo este avanço dos últimos anos, entretanto, não é capaz de fazer com que o povo brasileiro supere um descrédito, ainda muito presente, relacionado às nossas instituições políticas. Escândalos de corrupção, surgidos no interior das mais variadas instâncias deliberativas da sociedade, a exemplo do Senado Federal, do Poder Executivo dos municípios, estados e União, ou mesmo dos órgãos judiciários e do Ministério Público, ao lado dos elevados gastos públicos mantidos pelo Estado, da ineficiência administrativa e da pouca legitimidade alcançada pelos partidos políticos, fazem com que renasçam, a cada instante, os velhos fantasmas do clientelismo, do patrimonialismo e do populismo desmedido, sobreviventes em pleno século XXI. A defesa de uma ampla e eficiente reforma política, assim, se faz, a cada dia, mais recorrente. Ocorre que, na grande maioria das vezes, a defesa de mudanças nas instituições políticas da sociedade é construída de forma açodada, sem uma análise mais profunda acerca dos impactos, positivos e negativos, de eventuais transformações. Em uma análise bastante racional 46 Segundo Francisco C. Weffort (O populismo na política brasileira. In: FURTADO, Celso (coord.). Brasil: tempos modernos. 3. ed. p. 49, Rio de Janeiro – RJ: Paz e Terra, 1979), “O populismo é produto da longa etapa de transformação por que passa a sociedade brasileira a partir de 1930. Como estilo de governo, sempre sensível às pressões populares, ou como política de massas, que buscava conduzir, manipulando suas aspirações, o populismo só pode ser compreendido no contexto do processo de crise política e de desenvolvimento econômico que se abre com a revolução de 1930. Foi a expressão do período da crise da oligarquia e do liberalismo, sempre muito afins na história brasileira, e do processo de democratização do estado que, por sua vez, teve que apoiar-se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja o autoritarismo institucional da ditadura Vargas (1937-1945), seja o autoritarismo paternalista ou carismático dos líderes de massas da democracia do após-guerra (1945-64)l. Foi também uma das manifestações das debilidades políticas dos grupos dominantes urbanos quando tentaram substituir-se à oligarquia nas funções de domínio político de um país tradicionalmente agrário e dependente, numa etapa em que pareciam existir as possibilidades de um desenvolvimento capitalista nacional. E foi sobretudo a expressão mais completa de emergência das classes populares no bojo do desenvolvimento urbano e industrial verificado nestes decênios e da necessidade, sentida por alguns dos novos grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo político”. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 37 DOUTRINA e pertinente acerca do tema da reforma política, Gláucio Ary Dillon Soares e Lucio R. Rennó formulam importantes observações, que, merecem ser transcritas, sobre tal realidade47: As instituições políticas são imperfeitas. O ditado popular “nada é perfeito” também se aplica às instituições políticas, como às demais esferas da vida. Sempre há vantagens e desvantagens nas escolhas institucionais que fazemos. Vantagens absolutas e desvantagens absolutas são construtos ideais: servem como referências “puras”, mas não se encontram na realidade. Há uma tendência, talvez universal, a achar que “nossas” instituições não funcionam bem. Há quase sempre um viés negativo na análise das instituições políticas que não é privilégio do Brasil. Em diferentes países, as análises sobre o funcionamento das instituições políticas frequentemente foram negativas. Muitos analisam as instituições de outros países e épocas de maneira idealizada e, no confronto entre realidade e fantasia positiva, a fantasia positiva ganha sempre. Há um ditado americano que expressa essa tendência muito bem: the grass is always greener on the other side of the fence (a grama do vizinho é sempre mais verde). Em qualquer empreitada reformadora há custos, às vezes não evidentes, muitas vezes não antecipados, regra que se aplica às mudanças nas instituições políticas. Em outras palavras, o remédio também é amargo e pode ser mais amargo do que a doença. Os reformadores responsáveis devem saber até onde os benefícios da mudança institucional se sobrepõem aos custos. Raramente temos o conhecimento necessário para fazer a contabilidade das perdas e ganhos numa mudança institucional. No mesmo sentido da ausência de uma análise mais aprofundada acerca dos efeitos das propostas de reforma política em discussão no país, verifica-se, também, que a participação popular na discussão dos temas da reforma política, os quais poderão acarretar mudanças profundas no formato da democracia brasileira, muitas vezes é relegada a um segundo plano, enfraquecendo a efetividade da Constituição Federal outrora batizada de cidadã. Tal prática não só retira parte da legitimidade do processo de evolução da democracia brasileira, como também mutila a própria coerência do ordenamento jurídico pátrio, fundado em 05 de outubro de 1988, com a promulgação da atual Lei Maior. É a Constituição de 1988 produto de um processo democrático, que culminou na adesão do legislador constituinte a um modelo de democracia deliberativa que precisa ser seguido e observado. É o que se demonstrará, no tópico a seguir. 47 Gláucio Ary Dillon Soares e Lúcio R. Rennó, Projetos de Reforma Política na Câmara dos Deputados. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon; RENNÓ, Lúcio R. (org.). Reforma Política: lições da história recente. p 09-10. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 38 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA 5. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A OPÇÃO DO POVO SOBERANO PELO MODELO DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA NO BRASIL. A Constituição Federal de 1988, como já observado, estabelece como princípios fundamentais, em seu artigo 1º, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. O parágrafo único do mesmo artigo, por sua vez, dispõe que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Uma leitura apressada deste primeiro artigo da Carta Magna poderia levar á conclusão de que o Brasil adota, tão somente, o modelo de democracia participativa, ao estabelecer que o povo é o titular da soberania, exercida, por sua vez, através da escolha de representantes eleitos periodicamente ou de forma direta, através, por exemplo, de plebiscitos, referendos ou iniciativas populares de lei. Da análise, no entanto, dos conceitos de democracia participativa e de democracia deliberativa, estudados no tópico 03 deste artigo, é possível se depreender que muito mais do que um modelo de democracia participativa, o legislador constituinte de 1988 firmou, na Lei Maior, os princípios de uma democracia deliberativa, fundamentada, como já destacado, na ampla possibilidade de discussão pública acerca das mais diversas questões de interesse coletivo. Tal constatação pode ser ratificada a partir da análise mesmo dos citados princípios fundamentais, os quais, como será observado doravante, impõem a mais ampla e igualitária participação popular na deliberação das questões públicas. A cidadania e o pluralismo político, previstos nos incisos II e V do artigo 1º da Carta Constitucional, denotam que o sistema jurídico brasileiro é constituído sob a forma de uma democracia pluralista e participativa, na qual “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”, conforme redação do parágrafo único do artigo 1º da Carta Constitucional. Ao dispor sobre a cidadania como um dos fundamentos da Constituição Brasileira, está indicada uma concepção de Estado que prima pela participação política do povo em suas questões fundamentais. Como afirma Dalmo de Abreu Dallari48: A participação política é uma necessidade da natureza humana. Para todos os seres humanos é indispensável a vida em sociedade e para que esta seja possível torna-se necessária uma organização, ou seja, é preciso que exista uma ordem, na qual as pessoas possam viver e conviver. 48 Dalmo de Abreu Dallari, O que é participação política. Coleção primeiros passos, 15. reimpressão, p. 89-90, São Paulo: Brasiliense, 2001. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 39 DOUTRINA É necessário ter sempre em conta que a ordem social é ordem humana, ordem de pessoas que têm inteligência e vontade e que se acham em constante movimento. Por esse motivo a ordem social não pode ser confundida com uma simples arrumação de coisas. Assim, portanto, não se pode admitir que nas sociedades humanas se estabeleça distinção entre os que arrumam e o que são arrumados. Em vista de tais características, todo indivíduo que viva numa sociedade democrática tem várias tarefas importantes a executar. É preciso estabelecer as regras de organização e funcionamento da sociedade; é indispensável que essas regras sejam flexíveis e que sofram alteração sempre que houver mudanças significativas na realidade social, devendo-se decidir quando e em que sentido mudar; é necessário, ainda, tomar decisões para resolver as situações de conflito, fixando os rumos em que a sociedade deve caminhar e resolvendo os conflitos de acordo com esses rumos. Para que os que vivem numa sociedade não-democrática a tarefa mais importante, como é evidente, é lutar para que ela se torne democrática. O fundamento da cidadania denota que o princípio da soberania popular é abraçado em nosso país, consistindo esse princípio na realização do ideal maior de igualdade política. Ao se referir ao pluralismo político como base fundamental do nosso ordenamento jurídico, a Constituição, por sua vez, conforme lição de José Afonso da Silva49: opta, pois, pela sociedade pluralista que respeita a pessoa humana e sua liberdade, em lugar de uma sociedade monista que mutila os seres e engedra as ortodoxias opressivas. O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, de grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos. O pluralismo político, desta forma, fundamenta a democratização do poder e o respeito à diversidade, fato que só reforça a necessidade de construção de espaços deliberativos nos quais seja assegurada a liberdade de opinião e expressão e o debate livre, a coexistência pacífica e a possibilidade de convencimento mútuo entre os mais diversos atores sociais. Cidadania e pluralismo político, assim, conformam o Estado brasileiro sob o regime político da democracia deliberativa, na qual o povo participa de forma direta e indireta das questões e decisões políticas do Estado e da sociedade a partir da viabilização de um amplo debate público acerca das 49 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 15. ed., p. 147, São Paulo: Malheiros, 1998. 40 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA mais diversas questões de interesse da sociedade. A legitimidade do Estado brasileiro sob a ótica democrática está intrinsecamente vinculada a essa característica deliberativa adotada pelo nosso regime político, estabelecido pela Constituição de 1988. Em outras passagens da Carta Constitucional também é possível notar-se a escolha do legislador constituinte pelo estabelecimento de um regime democrático deliberativo no país. O art. 58, § 2º, II, por exemplo, estabelece que cabe ás comissões formadas nas casas do Congresso Nacional realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil. Já o art. 89, VII da Constituição, por sua vez, prevê que do Conselho da República deverão participar “seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução”. O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, criados a partir da Emenda Constitucional nº. 45/04, também contam, nas suas composições com cidadãos comuns de reputação ilibada, conforme previsões, respectivamente, dos artigos 103-B, XIII e 130-A, VI. Já no artigo 204, II, é previsto que as ações governamentais na área de assistência social serão formuladas tendo como diretriz a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. Como se observa, não restam dúvidas acerca da opção do legislador constitucional por um modelo de ampla participação popular nas instâncias da democracia, conformada, portanto, sob a ótica deliberativa. Neste sentido apresenta-se como requisito de legitimidade de toda e qualquer reforma que possa advir no nosso sistema político a convergência dos mais diversos setores da sociedade. Da mesma forma, o próprio conteúdo das propostas de reforma política a serem discutidas deverá contemplar o alargamento, e não a atrofia, dos espaços de participação e deliberação pública. 6. DEMOCRACIA DELIBERATIVA NO BRASIL: TENDÊNCIAS E POSSIBILIDADES DIANTE DAS PROPOSTAS DE REFORMA POLÍTICA EM DISCUSSÃO NO CONGRESSO NACIONAL. Diante da constatação afirmada no tópico anterior deste artigo, chegamos, finalmente, ao último aspecto da nossa discussão: até que ponto as propostas de reforma política em discussão no Congresso Nacional poderão caminhar no sentido da efetivação de um modelo deliberativo de democracia no Brasil? Mudanças no sistema eleitoral, com a adoção do voto proporcional de lista fechada fato que determinaria o fim do voto nominal nos candidatos a vereador e deputado (o eleitor teria que votar apenas nas legendas partiSemest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 41 DOUTRINA dárias); financiamento público exclusivo de campanhas, fator apontado por muitos como fundamental para a redução da corrupção e para o barateamento das campanhas; possibilidade de candidaturas avulsas, dissociadas dos partidos políticos, nas eleições municipais, fator que poderá, na visão de muitos, enfraquecer as agremiações partidárias e fortalecer o personalismo político; estabelecimento de cotas para candidaturas femininas, fazendo com que as mulheres passem a ocupar 50% das cadeiras na Câmara dos Deputados, assembléias legislativas e câmaras de vereadores; fim da reeleição para os cargos de presidente da república, governador e prefeito, com a extensão do mandato para 05 anos; dentre outros temas menos polêmicos, mas também relevantes, encontram-se na pauta da reforma política, formulada por comissões especiais constituídas por deputados federais e senadores no Congresso Nacional. Todas essas possibilidades poderão, a depender do rumo a ser tomado pelas discussões, viabilizar ou macular um alargamento dos espaços de deliberação pública em nosso país, efetivando ou contrariando as bases principiológicas da Constituição Federal expostas no tópico anterior. No que se refere às mudanças no sistema eleitoral, por exemplo, com a possibilidade de adoção do sistema proporcional de lista fechada ou mesmo do voto distrital, é válida a seguinte reflexão: será que tais propostas contribuirão ou criarão obstáculos à melhor efetivação de um modelo democrático de maior participação popular? Atualmente, nas eleições para vereadores, deputados estaduais, distritais e federais, adota-se o sistema eleitoral proporcional de lista aberta, a partir do qual o eleitor tem a liberdade de escolher não apenas o seu partido político de preferência como também o seu candidato preferido para ocupar cargos eletivos nas câmaras municipais, assembléias legislativas, Câmara Distrital do Distrito Federal e Câmara dos Deputados. Argumenta-se, de forma contrária a este sistema, que o mesmo tem enfraquecido o debate de idéias, ao valorizar mais o personalismo dos candidatos do que, efetivamente, as propostas e ideologias dos partidos políticos. Foi com a Revolução Francesa, em 1789, que surgiu o ideal do sistema eleitoral proporcional. Coube a Mirabeau, um dos líderes do Terceiro Estado, defender, na Assembléia Constituinte de Provença, a tese de que “o Parlamento deveria expressar o mais fielmente possível, o perfil do eleitorado” (DIRCEU, José; IANONI, Marcos, Reforma política: instituições e democracia no Brasil atual. 1. ed. p. 22). No século seguinte, o inglês John Stuart Mill50 publica a obra “Considerações sobre o Governo Representativo”, na qual consagra a defesa do sistema eleitoral proporcional como o mais democrático e representativo. Segundo Stuart Mill: 50 John Stuart Mill, Consideração sobre o governo representativo, p. 89. 42 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA Em qualquer democracia realmente igual, toda ou qualquer seção deve ser representada, não desproporcionalmente, mas proporcionalmente. Maioria de eleitores terá sempre maioria de representantes, mas a minoria dos eleitores deverá ter sempre uma minoria de representantes. Homem por homem, deverá ser representada tão completamente como a maioria. A menos que se dê, não há governo igual, mas governo de desigualdade e de privilégio: uma parte do povo manda na outra; retirar-se-á de certa porção da sociedade a parte justa e igual de influência na representação, contrariamente a todo governo justo, mas acima de tudo, contrariamente ao princípio da democracia, que reconhece a igualdade como o próprio fundamento e raiz. Finalmente, no ano de 1885, uma conferência internacional sobre reforma eleitoral, ocorrida na Bélgica, vem a fortalecer, definitivamente, a tese do sistema eleitoral proporcional. Consagra-se, neste momento, o modelo de representação proporcional formulado pelo belga Victor D’Hont, cuja concepção era a de que os sistemas eleitorais deveriam viabilizar a representação das diversas correntes de opinião presentes na sociedade expressas pelos partidos políticos. São duas as técnicas adotadas mundialmente, na atualidade, para a representação proporcional: a do número uniforme e a do quociente eleitoral (baseada no método D’Hont). Na técnica do número uniforme, utilizada pela primeira vez na Alemanha, nas eleições parlamentares ocorridas em 1920, o número de votos correspondentes ao preenchimento de uma vaga, em cada circunscrição, é previamente estabelecido por lei, fazendo com que, tantas vezes esse montante seja atingido, tantas vagas serão obtidas. Se em uma circunscrição, por exemplo, se estipular o número de 15000 votos por vaga, e um partido obtiver 90876 votos, terá direito a seis vagas, ou seja, o número inteiro inferior à divisão dos votos obtidos, noventa mil oitocentos e setenta e seis, pelo número de votos correspondentes a uma vaga, quinze mil. A técnica do quociente eleitoral, por sua vez, é consistente de operações aritméticas sucessivas, para que haja a representação proporcional, sendo a adotada pelo Direito Eleitoral brasileiro, conforme o disposto nos artigos 106 a 113 do Código Eleitoral, nas eleições para deputados e vereadores. O processo para a averiguação do número de vagas cabíveis a cada partido ou coligação não é de tão grande complexidade, como se possa aparentar. A primeira etapa a se cumprir é a de determinar o quociente eleitoral, segundo o que dispõe o artigo 106 do CE: “determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior”. De se ressaltar que, neste caso, por votos válidos se entende os votos distribuídos aos candidatos e às legendas, não se computando os votos brancos e nulos. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 43 DOUTRINA A segunda etapa, por sua vez, é a determinação do quociente partidário, que se atinge através da divisão do número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, pelo quociente eleitoral, desprezada a fração, conforme disposto no artigo 107 do Código. Quando dois ou mais partidos estiveram coligados para a disputa de uma eleição proporcional (deputados ou vereadores), seus votos serão computados em conjunto para a determinação do quociente partidário, como se fossem um único partido. Somar-se-ão, assim, os votos de todos os candidatos lançados por todos os partidos coligados, além de todos os votos de legenda obtidos pelos mesmos partidos. Estarão, então, eleitos tantos candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. Este sistema, assim, permite que candidatos com menos votos possam ser eleitos em detrimento de candidatos com mais votos. Se o partido A, por exemplo, obteve votos suficientes para eleger quatro vereadores, os quatro candidatos mais votados dessa partido estarão eleitos, mesmo que o quarto colocado, por exemplo, tenha obtido menos votos do que o segundo colocado do partido B, o qual, contudo, não foi eleito, tendo em vista que este mesmo partido B, após os cálculos do quociente eleitoral e partidário, teve direito a apenas uma vaga na casa legislativa respectiva. A eleição de candidatos caricatos, como o palhaço Tiririca, nas eleições 2010, com a conseqüente eleição de outros personagens não tão populares, simpáticos e tão bem votados, em virtude do sistema proporcional, tem suscitado muitas críticas da sociedade. Em 2002, por exemplo, o exdeputado federal, Enéas Carneiro, foi eleito com a votação recorde na história do país de mais de 1.600.000 votos, elegendo, consigo, em virtude do sistema proporcional, correligionários que não obtiveram nem mesmo quinhentos votos, gerando uma crise de legitimidade destes novos representantes. As opções que se apresentam como alternativas a este sistema, contudo, também apresentam problemas de legitimidade: se o sistema fosse de lista fechada, como vem sendo proposto em muitos projetos de lei integrantes da chamada “reforma política”, os eleitores brasileiros votariam apenas nas legendas, ou seja, nos números dos partidos. Neste sistema, os partidos decidem previamente, antes das eleições, a ordem em que os candidatos aparecerão na lista. O eleitor votaria somente na legenda, não podendo escolher o seu candidato de preferência, não tendo, assim, a oportunidade de definir livremente os nomes daqueles que ocupariam as cadeiras conquistadas pelo partido ou coligação. De forma recorrente, lideranças políticas, juristas e cientistas políticos também aventam a possibilidade de substituição do sistema eleitoral proporcional de lista aberta pelo sistema de voto distrital nas eleições para deputados e vereadores no Brasil. O que significa, entretanto, esta propositura, na prática? 44 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA Podemos afirmar que a adoção do sistema de voto distrital nas eleições para deputados e vereadores significaria, tão somente, a substituição do sistema proporcional pelo sistema majoritário, no qual ganha a eleição os candidatos mais votados, sem a distribuição de cadeiras de forma proporcional à votação dos partidos políticos. Assim, por exemplo, o estado da Bahia elege, atualmente, 39 deputados federais pelo sistema eleitoral proporcional de lista aberta. Caso fosse adotado o voto distrital, a Bahia, provavelmente, seria dividida em 39 distritos uninominais, a partir dos quais seriam eleitos deputados federais o candidato mais votado de cada distrito. Uma outra opção, seria a divisão da Bahia em distritos plurinominais, onde seriam eleitos, pelo sistema majoritário, mais de um candidato. Indiscutivelmente, a adoção do sistema de voto distrital nas eleições para deputados e vereadores facilitaria a compreensão do processo eleitoral pelos eleitores. Por outro lado, a tão salutar e importante representação das minorias ficaria ameaçada, uma vez que, para eleger representantes, determinado partido precisaria ter o seu candidato como mais votado em determinado distrito. Um partido que tivesse vinte por cento dos votos válidos em todo o estado, por exemplo, poderia não eleger candidato algum, caso nenhum dos seus candidatos obtivesse a primeira colocação em um dos distritos uninominais, fato este que contrariaria as bases principiológicas do nosso sistema político, pautadas no modelo da democracia deliberativa, como já destacado. Um outro tema de grande relevância, suscitador de grande polêmica e que precisa ser melhor discutido pela sociedade, é o tema do financiamento público de campanhas. De acordo com o projeto de lei nº. 2679/03, da Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados, adotar-se-ia no Brasil o financiamento público exclusivo de campanhas, em substituição ao atual sistema, de natureza preponderantemente privada, embora com participação pública. Cada eleitor brasileiro contribuiria com o equivalente a sete reais para um fundo de campanhas, que seria dividido proporcionalmente entre os partidos políticos, de acordo com a representatividade de cada uma na Câmara dos Deputados. Como principais argumentos favoráveis ao financiamento público de campanhas, doutrinadores e parlamentares afirmam o combate ao fisiologismo político e ao abuso do poder econômico. Neste sentido, é de se destacar a opinião de David Samuels51, para quem o atual sistema “tende a perpetuar o status quo, por apertar ainda mais os laços entre as elites políticas conservadoras e os interesses empresariais, e limitar a capacidade de interesses novos terem voz nas instituições de representação no Brasil”. 51 David Samuels, Financiamento de campanhas no Brasil e propostas de reforma. In: Reforma Política: lições da história recente. p. 152. Rio de Janeiro: FGV, 2006. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 45 DOUTRINA Como principais argumentos favoráveis à manutenção da possibilidade de financiamento privado, afirma-se que o financiamento público não seria capaz de eliminar a pressão do poder econômico, além de violar a liberdade política do cidadão e gerar elevação dos gastos públicos. Neste sentido, vale destacar observação formulada por Paulo Adib Casseb52, para quem “o ponto central na discussão sobre a corrupção eleitoral reside em questões diversas do financiamento público de campanhas, mais precisamente na intensificação da fiscalização e limites às doações”. Um importante questionamento necessita ser feito, então, em relação a esta questão do financiamento de campanhas, condizente com tudo aquilo que foi destacado neste artigo: qual o modelo de financiamento de campanhas eleitorais que melhor consagra a escolha firmada pelo legislador constituinte originária de adoção, no Brasil, de uma democracia deliberativa? O atual modelo permite, de fato, uma equidade nas instâncias de discussão dos rumos do país nos processos eleitorais? A simples oposição dos argumentos supracitados, relacionados às temáticas do financiamento público de campanhas e dos sistemas eleitorais, já demonstra o quão palpitante é o tema da reforma política. Outras temáticas, a exemplo da adoção ou não do sistema de governo parlamentarista no Brasil, objeto de controvérsias desde a Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88; a reforma do sistema partidário, com a adoção da cláusula de barreira e a criação das federações partidárias em substituição às atuais coligações; ou mesmo o recorrente debate sobre a extinção do Senado Federal, reforçam ainda mais a atualidade e a relevância dessa discussão, a qual, como já observado, deverá ser empenhada de forma mais ampla possível pela sociedade, a fim de que, no futuro, os próprios espaços de deliberação pública suscitados pela Constituição de 1988 sejam não apenas preservados como alargados. 7. CONCLUSÕES. Definida pelo notável presidente americano Abraham Lincoln, em famoso discurso realizado em 1863, em Gettysburg, como “o governo do povo, pelo povo e para o povo”, a democracia consagrou-se, ao longo do último século, como o regime político mais adequado à consolidação das liberdades fundamentais e à promoção dos direitos humanos, sendo patente, entretanto, as suas dificuldades e imprecisões, sacramentadas em famosa afirmação de Sir Winston Churchill, grande líder político britânico durante a II Guerra Mundial, como “o pior de todos os regimes políticos, à exceção de todos os demais já testados”. Tal conclusão de Churchill denota uma impor52 Paulo Adib Casseb, Financiamento público de campanha. In: Reforma Política: uma visão prática. p. 68, São Paulo: Iglu, 2007. 46 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011. DOUTRINA tante característica do regime político democrático, salientada pelo cientista político italiano Giovanni Sartori, em sua famosa obra “Teoria Democrática”: a democracia é um processo em constante evolução. Tomando por base o pensamento de Sartori, citado, o tema da reforma política, apontado por muitos como solução para os problemas políticos brasileiros, vem mais uma vez à tona, com a divulgação do relatório final dos trabalhos da Comissão de Reforma Política do Senado Federal e também da Câmara dos Deputados. A necessidade de aprimoramento da democracia brasileira, assim, é novamente posta na berlinda, suscitando polêmica e reflexões entre os mais diversos setores da sociedade. É verdade que a democracia, como ressaltado, é um processo em constante desenvolvimento. Para que tal evolução se incremente, entretanto, é necessário participação popular e entendimento esclarecido. Em caso contrário, a reforma política poderá, tão somente, oferecer o efeito simbólico de que algo de bom está sendo feito pelo país, sem que o discurso venha a refletir a realidade. É fundamental, assim, que a sociedade civil se mobilize em torno de tal discussão, debatendo, criticamente, as reformas propostas, tendo em vista o grande impacto a ser causado na nossa sociedade pelas mesmas. A necessidade de valorização dos espaços de deliberação pública neste processo, dessa forma, apresenta-se como imperiosa, sob pena de violação aos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1998, base de todo o ordenamento jurídico, político e social. 8. REFERÊNCIAS. ANASTASIA, Fátima; NUNES, Felipe. A reforma da Representação. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2007. ANDRADA, Bonifácio de. Fragilidade da Democracia do Parlamento Contemporâneo. Plenarium, Brasília – DF, ano I, n. I, p. 108-109, nov. 2004. 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JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 2 3 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 3.389-97.2010.6.05.0000 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Aracatu RECORRENTE: Coligação HUMILDADE ACIMA DE TUDO. Advs.: Béis. Alessandro Brito dos Santos e Cláudia Anunciação Coelho. RECORRIDO: Sérgio Silveira Maia. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 90ª Zona/Brumado. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Recurso. Prestação de contas. Eleições 2008. Irregularidades não sanadas. Aprovação com ressalva. Suposto equívoco na decisão impugnada. Inexistência. Não provimento. Nega-se provimento a recurso, mantendo-se a decisão que aprovou com ressalva as contas do candidato, quando inexiste o alegado equívoco na decisão impugnada. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 25 de janeiro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência e Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral . RELATÓRIO Trata-se de recurso eleitoral interposto pela Coligação HUMILDADE ACIMA DE TUDO em face de sentença de fls. 74/75, proferida pelo Juízo Eleitoral da 90ª Zona/Brumado, que aprovou com ressalva a prestação de contas do candidato Sérgio Silveira Maia, alusiva ao pleito de 2008. Em sede de razões (fls. 79/82), a recorrente alega que a Juíza zonal laborou em erro ao julgar a prestação de contas ora sob análise, sem levar em consideração que nos autos do processo tombado sob o número 09/2009 ficou amplamente comprovado que o recorrido omitiu bens na sua prestação de contas. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 53 JURISPRUDÊNCIA Argúi-se, também, que em face da similitude dos objetos os suprarreferidos processos deveriam ser julgados conjuntamente. Instado, o eminente Procurador Regional Eleitoral se manifestou, às fls. 106/107, pelo não provimento do recurso. É o relatório. VOTO A matéria submetida à apreciação dessa egrégia Corte se restringe a análise do suposto equívoco no qual teria incorrido a magistrada zonal, na medida em que aprovou, com ressalva, as contas de candidato que não declarou à Justiça Eleitoral todos os bens que possuía no ensejo do registro de candidatura. De acordo com a parte irresignada, o juízo singular ainda procedeu de forma equivocada ao desconsiderar a Representação nº 09/2009, deixando de ultimar a reunião do feito mencionado (ação amparada no artigo 30-A da Lei das Eleições) com a prestação de contas ora em apreço. A argumentação trazida nas razões recursais não enseja acolhimento. De plano, há que se destacar que, ao contrário do que se verifica nos argumentos lançados pela coligação recorrente, não se constata a alegada existência de erro ante o processamento apartado da prestação de contas e da aludida representação ajuizada com fulcro no art. 30-A da Lei das Eleições. A título elucidativo, cumpre destacar as diferenças entre os prazos de ajuizamento e de julgamento, o objeto e o espectro de investigação das demandas, os ritos, os pedidos apresentados pelas partes e, sobretudo, entre as consequências que podem advir de um pronunciamento judicial em sede de prestação de contas, ou, em caso de ação de investigação judicial eleitoral, para apuração de captação e gasto ilícito de recursos de campanha. Desta forma, não há que se falar em desacerto do juízo singular por deixar de reunir os feitos para julgamento conjunto, até mesmo porque a aprovação, ou aprovação com ressalva das contas de campanha não constitui, num primeiro momento, fato impeditivo ao posterior julgamento e condenação de candidato que tenha violado as disposições contidas no art. 30-A da Lei n° 9.504/97. Doutra banda, em que pese o judicioso parecer do Ministério Púbico Eleitoral, após me debruçar sobre os autos, tenho que a matéria devolvida ao Poder Judiciário através da irresignação em apreço diz respeito única e exclusivamente à conduta omissiva do recorrido no que tange à declaração de bens que foi apresentada à Justiça Eleitoral, no ensejo do registro de candidatura. Por tal motivo, entendo que não se pode levar em conta a contração de obrigações após as eleições ou a abertura de conta de campanha após o 54 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA prazo normativo, até mesmo porque, procedendo doutra forma, estaríamos violando o direito de defesa da parte recorrida que se ateve a contrarrazoar a tese encampada pela coligação recorrente. A fim de espancar eventuais dúvidas acerca das constatações lançadas acima, colaciono trecho da peça recursal que sintetiza os argumentos e interesses da coligação recorrente: “No mérito, nota-se facilmente que a Douta Magistrada foi induzida a erro ao aprovar com ressalvas as contas de campanha do Recorrido, uma vez que, na representação acima indicada (autos n° 09/2009) está fartamente demonstrada a omissão de bens de propriedade do Recorrido na declaração junto a Justiça Eleitoral, na oportunidade do pedido de registro de candidatura, caracterizando, sem sombra de dúvidas o ‘caixa-dois’, veementemente vedado pelo disposto no art. 30-A, da Lei n° 9.504/97. ... Malgrado o respeito que temos para com a MM. Juíza prolatora da sentença de fls. 74/75, ora combatida, a qual merece ser reformada integralmente, temos certo que a I. Magistrada ‘a quo’ laborou em evidente equívoco, porquanto, não observou a omissão na declaração de bens do Recorrido, conforme demonstrado nos autos 09/2009, certidão inclusa.” Retornando ao ponto nodal do recurso, urge asseverar que a alegada conduta de omissão de bens carece de qualquer comprovação nos autos. A simples transcrição da exordial de uma representação, não se presta ao fim colimado pela Coligação HUMILDADE ACIMA DE TUDO. Vale salientar, outrossim, que o setor técnico desta Corte não identificou nos autos a falha mencionada nas razões da irresignação, tratando, pois, de irregularidades outras (atraso na abertura da conta bancária e realização de despesas após o prazo legal), que, a meu ver, além de estar fora do mérito recursal, não se mostram capazes – pela pouca monta das movimentações financeiras - de conspurcar a transparência das contas apresentadas. Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 25 de janeiro de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 55 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 3 8 / 2 0 11 RECURSO CRIMINAL PROCESSO Nº 8.703-61.2007.6.05.0151 CLASSE 31 MUNICÍPIO: Gandu RECORRENTES: Adailton Santos Silva e Agnaldo de Santana Luz. Advs.: Béis. Leonardo Mineiro Falcão, Joyce Meira Tavares Porto e Juraci Souza Falcão Junior. RECORRIDO: Ministério Público Eleitoral. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 151ª Zona. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. REVISOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Recurso criminal. Ação Penal. Condenação. Art. 350 do Código Eleitoral. Declaração falsa. Art. 354. Obtenção para terceiro. Fim eleitoral. Prova de domicílio. Não provimento. Nega-se provimento a recurso quando o acervo probatório obtido com a instrução do feito demonstra que o segundo Recorrente, a pedido do primeiro, subscreveu declaração falsa para alistamento de eleitor sem o necessário domicílio eleitoral. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 26 de janeiro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - MAURICIO KERTZMAN SZPORER, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de Recurso interposto por Adaiton Santos Silva e Agnaldo de Santana Luz em face da decisão que os condenou à pena de 1 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, substituída por prestação pecuniária no importe de três salários míninos, bem como ao pagamento de 56 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA 5 (cinco) dias-multa, por violação aos artigos 350 e 354 do Código Eleitoral, respectivamente, o primeira pela emissão de declaração falsa e o segundo por sua utilização com o intuito de realizar transferência do domicílio eleitoral de Edvaldo de Jesus Ribeiro. Tendo sido preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos, o benefício da suspensão condicional do processo foi concedido àquele eleitor, não tendo sido estendido aos ora Recorrentes em virtude de estarem sendo processados por outro crime de mesma natureza (fls. 101/102). Sustentam os Recorrentes que para configuração do delito tipificado no artigo 350 do Código Eleitoral seria imprescindível a presença de dolo específico, elemento que não teria sido efetivamente comprovado no decurso da instrução processual. Alegam, ainda, que as declarações acoimadas de falsas não se constituiriam em meio eficaz para a obtenção do resultado pretendido, qual seja, a transferência do domicílio eleitoral. Defendem, igualmente, que o conceito do crime de falsidade ideológica, descrito no Código Penal, afastaria a ilicitude quando o documento objeto de fraude fosse sujeito à verificação de autoridade pública. Ademais, aduzem a inocorrência de condutas ilícitas uma vez que embora o eleitor Edvaldo de Jesus Ribeiro, terceiro Acionado, tenha indicado endereço diverso do que o seu efetivo domicílio na declaração impugnada, com o intuito de transferir seu título para o Município de Gandu, há mais de seis anos ele seria residente na zona rural da aludida Municipalidade. Pugnam, ao fim, pelo provimento do Recurso. Em contrarrazões de fls. 143 a 146, o Parquet zonal sustenta que a instrução probatória demonstrou a efetiva existência de dolo nas condutas dos Recorrentes, uma vez que o segundo Apelante tinha ciência de que o eleitor Edvaldo não residia em seu domicílio e que o primeiro Recorrente se valia das declarações prestadas para se beneficiar com os votos dos eleitores transferidos. Argumenta, ainda, ser descabida de fundamentação jurídica a tese defensiva formulada no sentido de afastar a incidência do delito previsto no artigo 350 do Código Eleitoral quando se trata de documento que somente apresente endereço distinto do verdadeiro, mas no mesmo domicílio eleitoral. Requer o conhecimento e desprovimento da inconformidade. Com vistas dos autos, o Procurador Regional Eleitoral Auxiliar se manifestou pelo não acolhimento das razões recursais. É o relatório que submeto à apreciação do Juiz Revisor. Salvador, em 10 de dezembro de 2010. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 57 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 5 4 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 4.515-85.2010.6.05.0000 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Anagé RECORRENTE: Elbson Dias Soares. Advs.: Béis. Luiz Viana Queiroz, Ivan Brandi, Silvio Avelino Pires Britto Júnior e outros. RECORRIDOS: Andréa Oliveira Silva e Ismênio Nolasco Amorim (Advs.: Béis. Delcio Medeiros Ribeiro e Erick Menezes de Oliveira Júnior) e Rubens Oliveira Dias (Advs.: Béis. Ruy Hermann Araújo Medeiros, Osvaldo Camargo Junior e João Nascimento S. Bonfim). PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 161ª Zona. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Recurso. AIJE. Abuso de poder econômico e político. Captação de sufrágio. Utilização da máquina pública. Transporte de eleitores. Construção de barragem em período eleitoral. Suporte probatório frágil e inconsistente. Desprovimento. Preliminar de intempestividade. Levando-se em conta a data em que foi juntado aos autos o mandado de intimação, considera-se que o recurso foi veiculado dentro do prazo legal, motivo por que se afasta a prefacial concernente à intempestividade da irresignação. Mérito. Nega-se provimento a recurso, ante a constatação da falta de suporte probatório apto a corroborar as acusações contidas na exordial, razão pela qual a sentença que julgou improcedente AIJE não merece reproche. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 8 de fevereiro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral. 58 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de recurso eleitoral interposto por Elbson Dias Soares em face de sentença (fls. 540/546), que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral n° 306/2008. As razões recursais (fls. 563/585) repousam no argumento de que o juízo singular incidiu em erro ao deixar de reconhecer que Rubens Oliveira Dias (Prefeito do Município de Anagé à época), em comunhão com Andrea Oliveira Silva e Ismênio Nolasco Amorim (respectivamente candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito de Anagé), fizeram uso da máquina pública durante a campanha eleitoral incidindo em prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder – nas modalidades econômica, política e de autoridade. Os fatos que lastreiam as acusações renovadas através da via recursal residem basicamente no uso de veículos destinados ao transporte escolar para o translado de eleitores em mais de uma ocasião; na suspensão das aulas em um dos estabelecimentos de ensino da cidade para que todos os cidadãos locais pudessem assistir a um evento político; na distribuição de combustível aos simpatizantes da campanha dos recorridos; no transporte ilegal de eleitores no dia da eleição e na construção de uma barragem durante o período eleitoral. Em suas contrarrazões (fls. 614/620), os recorridos se concentram especialmente na alegação de intempestividade do recurso, ao argumento de que em que pese a existência de intimação pessoal do recorrente, a intimação da sentença já havia sido publicada no DJE, em momento anterior, contando-se o prazo a partir desta primeira ocasião. Por fim, no mérito, revelam a sua satisfação para com o decisum vergastado, pugnando pela sua mantença. Instado a se manifestar, o Procurador Regional Eleitoral com assento nesta Corte invocou o princípio da unidade institucional para reiterar as manifestações da Promotoria Eleitoral, requerendo o provimento do recurso. É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE. De acordo com os recorridos, a irresignação em testilha é intempestiva, pois a sentença guerreada foi publicada no Diário Oficial em 13 de julho de 2010, sendo que o recurso somente foi aviado em 16 de agosto do mesmo ano. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 59 JURISPRUDÊNCIA A questão prévia posta para acertamento nesta Corte, ao contrário do que pode parecer num primeiro momento, não é simplória. Para asseverar com certeza se o recurso é ou não intempestivo, fez-se necessário esmiuçar o caderno processual antes de apontar as diretrizes do nosso ordenamento que melhor se aplicam ao caso. Após a prolação da sentença, verifica-se que foi adotada uma série de medidas que passo a descrever. Num primeiro momento, foram expedidos os mandados de intimação de n°s 96, 97, 98, 99, 111, 112 e 113 do ano de 2010, endereçados às partes – Elbson Dias Soares, Andréa Oliveira Silva, Ismênio Nolasco Amorim e Rubens Oliveira Dias – e aos advogados Ruy Hermann Araújo Medeiros (patrono do senhor Rubens Oliveira), Délcio Medeiros Ribeiro (patrono da senhora Andrea Oliveira e do senhor Ismênio Nolasco) e Edivaldo Santos Ferreira Júnior (patrono do recorrente, senhor Elbson Dias Soares). Pois bem. Às fls. 555/557 dos autos, no dia 09 de junho de 2010, foram juntados os mandados de intimação destinados ao Dr. Ruy Hermann, ao Dr. Delcio Medeiros e à senhora Andréa Oliveira. À fl. 558, consta o mandado do senhor Ismênio Nolasco Amorim, acostado aos autos somente em 16 de junho de 2010. Na folha seguinte (559), verifica-se que o oficial de justiça cumpriu a determinação do juízo singular, ultimando a comunicação da sentença ao Dr. Edivaldo Santos Ferreira Júnior, uma vez que o respectivo mandado foi juntado em 06 de julho de 2010. A esta altura, os recorridos, então acionados, seja pessoalmente, seja através dos seus advogados já tinham ciência da decisão da lavra do Juiz da 161a Zona Eleitoral, no entanto, o senhor Elbson Dias Soares, bem como os causídicos habilitados a lhe prestar assessoria jurídica deixaram de receber o mesmo tratamento, pois ainda não haviam sido intimados. Ocorre que, mesmo após a intimação pessoal dos recorridos e advogados retromencionados, com a consequente abertura de prazo recursal após a juntada aos fólios dos mandados cumpridos, eis que a Chefe de Cartório certifica à fl. 560 que o decisum em pauta foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico no dia 13 de julho de 2010. Esta era, portanto, a segunda abertura de prazo recursal para todas as partes que se encontravam no pólo passivo da relação processual, enquanto que Elbson Dias Soares tomava conhecimento da decisão do magistrado zonal apenas neste momento. Os fatos que envolvem a comunicação do ato processual em tela não se esgotam por aí. No dia 13 de agosto de 2010, exatamente um mês após a publicação da sentença no diário eletrônico, juntou-se aos autos o mandado de intimação pessoal remetido ao senhor Elbson Dias Soares, que, por seu turno, protocolizou a irresignação em apreço no dia 16 do mesmo mês. 60 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Após este breve relato das circunstâncias que envolvem a preliminar de intempestividade, passo a tecer as considerações que reputo necessárias ao enfrentamento do tema. Ao tratar dos atos de comunicação processual, no Capítulo XLVIII do segundo volume das suas Instituições de Direito Civil, Cândido Rangel Dinamarco emite a seguinte opinião1 : “Comunicação processual é a transmissão de informações sobre os atos do processo às pessoas sobre cujas esferas de direito atuarão os efeitos deste, eventualmente acompanhadas do comando a ter uma conduta positiva ou uma abstenção. Ela é essencial ao princípio do contraditório, figurando como instrumentação técnico-processual da ciência dos atos do processo, que é inerente a este; contraditório é participação e, sem o conhecimento dos atos do adversário ou dos pronunciamentos do juiz, a parte não saberia quando reagir a eles.” Grifos nossos. Na mesma obra, só que no volume I, capítulo VII, Dinamarco lança as seguintes ponderações2 : “O princípio isonômico, ditado pela Constituição em termos de ampla generalidade (art. 5°, caput, c/c art. 3°, inc IV), quando penetra no mundo do processo assume a conotação de princípio da igualdade entre as partes. Da efetividade deste são encarregados o legislador e o juiz, aos quais cabe a dúplice responsabilidade de não criar desigualdades e de neutralizar as que porventura existam. ... O tema da prática do princípio isonômico pelo juiz é muito próximo ao da imparcialidade e com ele bastante relacionado. O juiz imparcial atua de modo equilibrado, o parcial é propenso a buscar favorecimento de uma das partes. Nem teria significado a preocupação pela imparcialidade do juiz, não fora com o fito de garantir aos sujeitos litigantes o tratamento isonômico indispensável para que, ao fim, o processo possa oferecer tutela jurisdicional para quem efetivamente tenha razão. Na outra ponta, o tema da isonomia confina com as garantias da liberdade, do contraditório e da ampla defesa, porque a igualdade das partes inclui igualdade em oportunidades de participar com liberdade, defendendo-se adequadamente. Contraditório é participação e participar do processo significa, para as partes, empregar as armas lícitas disponíveis com o objetivo de convencer o juiz a dar julgamento favo1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II. Malheiros Editores. 2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. Malheiros Editores. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 61 JURISPRUDÊNCIA rável. Dão o destaque dado a paritá nelli armi em estudos sobre o princípio isonômico, mas que bem poderia ser feito no trato do contraditório”. Grifos aditados. Valho-me das palavras do renomado processualista porque, ao meu sentir, da forma como se sucedeu a marcha processual, o recorrente foi colocado em situação de desvantagem ante as partes contra quem litigava. A oportunidade de fazer uso da via recursal foi oferecida a Andrea Silva, Ismênio Oliveira e Rubens Dias antes da publicação da decisão no diário eletrônico. Os três acionados tiveram ciência da sentença, puderam aguardar a juntada aos autos do mandado de intimação cumprido pelo oficial de justiça e, ainda assim, foram agraciados com o novo prazo que começou a correr após a publicação no DJE. Enquanto isso, Elbson Soares não havia gozado do mesmo privilégio. Nem ele, nem os seus advogados contaram com a intimação da sentença antes da publicação no DJE. Tem-se, outrossim, que o oficial de justiça deu vencimento às suas obrigações, mesmo que um mês após a aludida publicação, e procedeu à intimação pessoal do ora recorrente, que, neste segundo momento cumpriu regularmente o prazo. É bem verdade que o TSE já decidiu (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 36332) que em casos de intimação pessoal e pelo Diário, considera-se data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça Eletrônico, mas, ante as peculiaridades com as quais nos deparamos neste caso, considerar que o recurso é intempestivo, sob o meu ponto de vista, resultaria em grave afronta ao multirreferido princípio isonômico, bem como ao contraditório, já que restou evidente a situação vantajosa - e fora de parâmetros normativos ou axiológicos válidos - em que se viram as partes que figuraram no pólo passivo da AIJE n° 306/2008. Por tais razões, voto no sentido do não acolhimento da preliminar. MÉRITO. Do exame acurado dos autos, verifico que não merecem guarida as alegações do recorrente. Às fls. 155/156 consta o Contrato n° 10109/2008, firmado entre a Prefeitura Municipal de Anagé e a Transcops Cooperativa de Transportes Alternativos do Sul e Sudoeste da Bahia. O objeto da avença supracitada, de acordo com a primeira cláusula, foi o transporte de alunos e professores do ensino médio e fundamental, tanto na zona rural, quanto na sede do Município de Anagé. Destaque-se, que no pacto em apreço a prefeitura local não firmou vínculo de exclusividade com a Transcops. 62 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Ora, para se chegar à conclusão no sentido de que os veículos que deveriam estar a serviço da municipalidade foram utilizados em prol da campanha política dos recorridos seria necessário vincular as acusações da peça vestibular a elementos de prova, aptos a pulverizar eventuais dúvidas acerca do ocorrido e este não é o caso dos autos. De plano, entendo que a relação de pagamentos realizados pela prefeitura no mês de novembro de 2007 é inservível para o mister a que se propôs o ora recorrente, já que os fatos apurados são referentes ao prélio eleitoral de 2008. Ainda nesta linha de raciocínio, não é demais asseverar que, como não havia um contrato de exclusividade entre a Prefeitura Municipal de Anagé e a Transcops Cooperativa, não haveria impedimentos iniciais para que os ônibus utilizados para transporte escolar em determinados dias e horários fossem locados para o desempenho de outras tarefas, mesmo que de caráter político. Não se vislumbra no caso em tela a existência de prova inequívoca do aludido favorecimento aos então candidatos Andréa Oliveira e Ismênio Nolasco através do intermédio do então Prefeito de Anagé, Rubens Oliveira Dias. As alegações no sentido de que os recorridos foram responsáveis pela realização de transporte irregular de eleitores no dia da eleição caem por terra à vista da cópia do Inquérito Policial n° 007/2009 (fls. 355/405). Para não deixar lacunas acerca do ocorrido, farei uso das palavras do delegado de polícia responsável pela investigação, que assim se expressou às fls. 402/405: “A suspeita que pairava sobre os investigados era se havia sido cometido o crime eleitoral de arregimentar votos através do transporte gratuito. O artigo 302 da Lei 4737/1965 (Código Eleitoral) prevê: Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo ... As testemunhas ouvidas foram unânimes em dizer que não houve qualquer tipo de propaganda política nos dois ônibus e afirmaram, categoricamente, que todos sem distinção de preferência política, eram transportados de forma igual. Não houve, portanto, segundo o que foi apurado, o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício de voto, pelo contrário, pois segundo os moradores da localidade, com a apreensão dos ônibus em questão, eles tiveram que andar por vários quilômetros debaixo do sol quente para voltarem para as suas residências, não havendo outro transporte para eles”. Grifos nossos. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 63 JURISPRUDÊNCIA De igual sorte, a simples alegação de que os gastos da municipalidade com combustível aumentaram consideravelmente durante o período eleitoral se revela de todo inconsistente. Não só porque a relação de gastos adunada aos autos pelo acionante (fl. 42) é incompatível com a tabela comparativa apresentada pela defesa às fls. 324/325, mas também porque o manancial probatório é carecedor de elementos que vinculem o suposto aumento de gastos com a campanha política. Na mesma linha, firmo convencimento no sentido de que a gravação acostada à fl. 26 dos autos nada prova. É impossível aferir, com as ferramentas de que se dispõe no caderno processual, se os ônibus utilizados no evento político em apreço desfalcaram a linha de transporte de estudantes e mestres, pois, como já se destacou, a cooperativa Transcop não firmou contrato de exclusividade com a prefeitura local e estava autorizada, sem incidir em afronta à legislação eleitoral, a disponibilizar os seus veículos para atividades variadas. É necessário destacar, outrossim, que os argumentos levantados no sentido de que em diversas ocasiões havia adesivos referentes à candidatura dos recorridos nos automóveis utilizados para transporte de eleitor não denotam, neste caso, a existência de abuso de poder em quaisquer de suas modalidades, seja porque é impossível aferir as circunstâncias e quais as pessoas que fizeram uso dos autocolantes (até mesmo porque em grande parte dos casos a colagem foi realizada na parte externa dos carros), seja porque, reiterando o que já foi dito, inexiste demonstração de que o serviço de transporte escolar foi interrompido para finalidades escusas. Ainda sob o viés da falta de robustez do cabedal probatório, é dever lembrar que, muito embora dois depoentes (Marcelo Cruz Brito à fl. 480 e Telma de Oliveira à fl. 483) tenham declarado que eram estudantes do Colégio Estadual Renato Viana e que no dia 25 de setembro do ano de 2008 o translado de alunos patrocinado pela prefeitura teria sido suspenso para que todos os moradores e estudantes locais pudessem acompanhar um comício que se realizaria naquela data, à fl. 451 dos autos está acostado o Ofício n° 61/2009, documento em que o Secretário de Educação do Município de Anagé assegura que não houve aula durante o turno noturno no Colégio Renato Viana durante o ano de 2008. Há de se registrar ainda que nenhum outro estudante do Colégio Estadual Renato Viana veio a juízo declarar que as aulas foram suspensas no turno noturno do dia 25 de setembro em função da realização de um comício. No que tange à construção de barragem em ocasião de pleno vapor da disputa eleitoral, entendo que a gravação de fls. 575, consistente na entrevista realizada com o senhor Elieser Cordeiro Almeida, não é de grande utilidade para os propósitos do recorrente, primeiramente porque não foi submetida ao crivo do contraditório, depois porque a construção da 64 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA barragem não denota intuito eleitoreiro, mormente se tivermos em vista: a) o Decreto n° 29/2008 (fl. 172) que trata da situação anormal caracterizada como emergencial em face da estiagem que se abateu sobre a região de Anagé; b) o Decreto n° 50/2008, que prorroga a situação anormal retromencionada; c) o Decreto n° 11.122/2008, em que o Governador do Estado da Bahia homologa o Decreto n° 29/2008 e d) a declaração de fl. 182, em que Aurelino Joaquim dos Santos autorizou o Município de Anagé a construir uma aguada em sua propriedade. Desta forma, não vislumbrando motivos para consentir com o pedido de reforma da decisão de primeiro grau, voto no sentido de negar provimento ao recurso. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 8 de fevereiro de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 65 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 7 7 / 2 0 11 REPRESENTAÇÃO PROCESSO Nº 3.486-97.2010.6.05.0000 CLASSE 42 (EXPEDIENTES NºS 5.951/2011 E 6.003/2011 – RECURSOS) MUNICÍPIO: Salvador RECORRENTES: Jutahy Magalhães Júnior (Advs.: Béis. Jutahy Magalhães Neto, Fabiany da Silva Ribeiro, Diego Freitas Ribeiro e outros) e João Almeida dos Santos (Adv.: Bel. Luiz Viana Queiroz). INTERESSADOS: PSDB – Seção da Bahia (Advª.: Belª. Ana Virgínia Coni da Silva) e Antônio José Imbassahy da Silva. RECORRIDO: Ministério Público Eleitoral. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Recursos. Representação. Procedência. Propaganda partidária. Utilização indevida. Propaganda extemporânea. Configuração. Desprovimento. Identificando-se a realização de propaganda eleitoral ante tempore durante a veiculação da propaganda partidária deferida à agremiação representada, negase provimento ao recurso, mantendo-se as sanções imputadas aos recorrentes. Vistos, relatados e discutidos os expedientes acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 21 de fevereiro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - MAURÍCIO KERTZMAN SZPORER, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recursos interpostos por Jutahy Magalhães Júnior e por João Almeida dos Santos contra decisão deste Relator que, julgando procedente Representação ofertada pelo Ministério Público Eleitoral, os condenou, bem como ao PSDB e a Antonio Imbassahy da Silva, ao pagamento 66 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) pela prática de propaganda eleitoral antecipada. Aduz o primeiro recorrente que a decisão fustigada merece reforma, pois a propaganda partidária não fora desvirtuada, tanto que o artigo 45 da Lei nº 9.096/95 destacava dentre os objetivos da propaganda partidária, a transmissão de mensagens de seus filiados sobre a execução dos programas partidários, o que fato teria ocorrido. Defende ter apenas mencionado a criação de importante lei à época em que fora ministro do Bem Estar Social, sem divulgar sua candidatura ou pedir votos, sem exteriorizar críticas às administrações anteriores com fins de comparação nem ultrapassar os limites da discussão de temas de interesse político-comunitário. O segundo recorrente também aponta error in judicando na decisão, sustentando-se na permissão para divulgar a posição do partido em relação a temas político-comunitários atribuída à propaganda partidária pelo § 1º do artigo 45 da Lei nº 9.096/95, no qual se enquadraria suas considerações sobre a segurança pública, sem que tivesse havido qualquer desvio de finalidade que propiciasse pedido implícito de votos. Requer o provimento do recurso para julgar improcedente o pedido contido na Representação. Instado a se manifestar, o Procurador Regional Eleitoral pugnou pelo desprovimento dos recursos, que teriam se limitado a negar a ocorrência de propaganda extemporânea. É o relatório. VOTO Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos. A decisão atacada não comporta qualquer reforma, pois, ao assistir as inserções destinadas à propaganda partidária do PSDB, não há como se afastar seu caráter eleitoral extemporâneo, com a divulgação de filiados da agremiação que almejavam conquistar os cargos eletivos em disputa no pleito que se aproximava, valendo-se da exposição garantida pelo horário de televisão concedido à sua Agremiação. Não tendo havido recurso do PSDB nem de Antonio Imbassahy da Silva, peço vênia para transcrever os fundamentos da minha decisão, que integralmente mantenho, em especial nos trechos que tocam aos recorrentes: A questão de fundo reside na utilização, pelo PSDB, de tempo destinado à propaganda partidária para divulgar publicidade eleitoral em momento vedado pela lei, beneficiando os demais Representados. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 67 JURISPRUDÊNCIA Para o deslinde da demanda sub judice, é imprescindível a análise do teor das propagandas inseridas na mídia de fls. 21. Quanto às inserções veiculadas no dia 16/06/2010, observo que o conteúdo difundido extrapolou os ditames legais para a realização de propaganda partidária, revelando-se, em verdade, publicidade eleitoral subliminar, porquanto além de divulgar a imagem do candidato Jutahy, bem como a mensagem “Deputado Federal”, atribuem realizações à pessoa do próprio candidato, como claramente se evidencia no excerto em destaque: “Jutahy: 305.000 pessoas na Bahia, idosas e portadoras de necessidade especiais recebem, todo mês, um salário mínimo. São pessoas muito pobres, que assim podem viver com dignidade. Isso acontece graças à LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social, criada por mim, quando fui Ministro do Bem-Estar-Social, com a decisiva participação do José Serra, então líder do PSDB na Câmara Federal. Tenho orgulho dessa lei e dessa parceira que veio beneficiar tanta gente.” ... No tocante à inserção veiculada com a participação de João Almeida, tenho que o objetivo eleitoral se encontra ainda mais realçado pois o referido candidato, após realizar críticas contra o Governador, expressamente, menciona o prélio vindouro, pedindo que a população “escale correto o seu time”. Transcrevo a seguir o teor da publicidade alvejada: JOÃO ALMEIDA: “Eu estou assustado com a violência. O governador comprou carro blindado e helicóptero para se deslocar em segurança. Tá certo? E para proteger você e sua família quando saem para escola e para o trabalho, o que faz o governo? Só propaganda mentirosa. Depois da Copa, vêm as Eleições. Escale correto o seu time. A Bahia quer menos conversa e mais trabalho.” ... Ademais, é inquestionável o prévio conhecimento dos candidatos, que participaram efetivamente da propaganda, emitindo os pronunciamentos ora impugnados, bem como a ciência da agremiação, que é a responsável pela utilização do seu espaço de propaganda partidária. Com essas razões, julgo procedente a Representação para condenar os Representados ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada um, nos termos do artigo 36, § 3º da Lei nº 9.504/97, a ser recolhida ao Fundo Partidário após o trânsito em julgado do feito. As peças recursais não ofertaram razões aptas a modificar o convencimento antes firmado no decisum desafiado, que reconheceu a prática de propaganda eleitoral ante tempore. 68 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA O então deputado Jutahy Magalhães de fato valeu-se de sua participação para referenciar a LOAS - Lei Orgânica de Assistência Social. Entretanto, o fez destacando ter sido lei por ele criada e, ainda, ressaltando a participação de José Serra, que viria a ser o candidato à Presidência da República pelo PSDB, transformando a inserção televisiva em verdadeira propaganda eleitoral em período vedado. De igual modo agiu o recorrente João Almeida, cuja manifestação, buscando associar a escalação dos times da copa que se desenrolava com a escolha de candidatos na eleição que estaria por vir, não pode ser vista de outra forma que não um pedido subliminar de votos. Pelo exposto, na esteira do parecer ministerial, voto pelo desprovimento dos recursos. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 21 de fevereiro de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 69 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 8 6 / 2 0 11 AÇÃO CAUTELAR PROCESSO Nº 4.903-85.2010.6.05.0000 CLASSE 1 (APENSO: AÇÃO CAUTELAR Nº 5.101-25.2010.6.05.0000 – CLASSE 1) MUNICÍPIO: Aporá REQUERENTES: 1. Ivonei Raimundo dos Santos (Advs.: Béis. Rafael de Medeiros Chaves Mattos, Pedro da Costa Vargens e outros); 2. José Mendes de Souza Filho (Advs.: Béis. Rafael de Medeiros Chaves Mattos, Marcelo Antônio Álvares Silva e outros). REQUERIDA: Coligação UM NOVO TEMPO. Adv.: Bel. Vagner Bispo da Cunha. RELATOR ORIGINÁRIO:Juiz Cássio Miranda. RELATOR DESIGNADO:Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Ações cautelares. AIJE contra prefeito e vereador eleitos. Sentença condenatória. Cassação dos mandatos. Pedido de efeito suspensivo a recursos. Excepcionalidade da medida. Art. 257 do Código Eleitoral. Requisitos autorizadores. Configuração. Procedência das ações. Devem ser julgadas procedentes ações cautelares que objetivam conferir efeito suspensivo a recursos interpostos contra sentença de primeiro grau, quando presentes os requisitos autorizadores da medida. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por maioria, vencidos o Relator e o Juiz Salomão Viana, JULGAR PROCEDENTES AS AÇÕES CAUTELARES, designado para lavrar o Acórdão o Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra, nos termos de seu voto, adiante lavrado, que passa a integrar o presente decisum. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de fevereiro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Juiz Relator designado; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral 70 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de Ações Cautelares ajuizadas por Ivonei Raimundo dos Santos e José Mendes de Souza Filho com a finalidade de emprestar efeito suspensivo a recursos interpostos contra a sentença prolatada nos autos da AIJE nº 371/2008, pelo Juízo Eleitoral da 44ª Zona, que determinou a cassação dos mandatos dos requerentes, prefeito e vereador do Município de Aporá, respectivamente. Sustentam, em síntese, que o entendimento sufragado no decisum mostra-se equivocado, porquanto o fato de o magistrado a quo ter negado credibilidade aos depoimentos prestados pelas testemunhas de defesa, bem como a fragilidade das provas adunadas aos autos da referida ação, são elementos suficientes para evidenciar a plausibilidade de êxito dos recursos interpostos. Na demanda cautelar nº 4903-85 o pleito liminar restou deferido pelo Juiz Plantonista, ao passo que na ação cautelar 5101-25 este Relator indeferiu o pedido. Foram interpostos agravos regimentais que, por deliberação desta Corte, através de voto de desempate, resultaram na concessão do efeito suspensivo requestado. Apesar de devidamente notificada para se manifestar, a coligação requerida quedou-se inerte. O Procurador Regional Eleitoral lançou opinativo pugnando pelo julgamento simultâneo de ambas as ações e indeferimento dos pleitos nelas formulados. Foi determinada a reunião dos feitos para serem julgados conjuntamente. É o relatório. VOTO A procedência da ação cautelar requisita a presença conjugada da plausibilidade do direito invocado - fumus boni juris - e do periculum in mora, o qual se traduz na ineficácia da decisão, se concedida somente no julgamento definitivo da ação. No caso, entendo presentes tanto o fumus boni juris como o periculum in mora. Imperioso assinalar que se deve dar mais consistência ao voto popular, a fim de que seja resguardada e assegurada a legitimidade da vontade do eleitor demonstrada nas urnas. A cassação do mandato de um eleito pela vontade popular é um fato muito sério e que requer um estudo mais aprofundado a ser feito no recurso que será apreciado por esta Corte em momento oportuno. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 71 JURISPRUDÊNCIA De igual forma em relação ao periculum in mora, eis que o eleito seria subtraído do mandato que lhe fora outorgado pelos eleitores do Município de Aporá, período de tempo que não lhe poderia ser devolvido, configurandose, pois, prejuízo irreparável. Cabe ressaltar também, por oportuno, que, conforme pacífica jurisprudência da Corte Superior Eleitoral, não restam dúvidas sobre a possibilidade de concessão de efeito suspensivo para os recursos que ordinariamente não possuem tal efeito, como é o presente caso. Ante o exposto, divirjo do eminente juiz Relator, Dr. Cássio Miranda, e julgo procedentes as presentes ações cautelares. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de fevereiro de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator designado 72 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 8 8 / 2 0 11 INQUÉRITO PROCESSO Nº 144(13.602-02.2009.6.05.0000) CLASSE 18 MUNICÍPIO: Salvador PROCEDÊNCIA: Departamento de Polícia Federal. INVESTIGADO: João Luiz Argolo dos Santos. Adv.: Bel. Jorge Salomão Oliveira dos Santos. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Inquérito. Artigo 350 do Código Eleitoral. Apuração. Deputado Federal. Declinção de competência. Remessa dos autos ao STF. Diante da eleição do investigado ao cargo de Deputado Federal, falece a este Regional competência para apuração do feito, devendo os autos serem remetidos ao Supremo Tribunal Federal, a teor do artigo 102, I, alínea “b” da Constituição Federal. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DECLINAR DA COMPETÊNCIA PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, nos termos do voto do Juiz Relator de fl. 195, que integra o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 24 de fevereiro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - MAURICIO KERTZMAN SZPORER, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de Inquérito Policial instaurado para apurar a suposta prática do crime tipificado no artigo 350 do Código Eleitoral, consubstanciado na apresentação de documentos falsos com o fim de realizar alistamento eleitoral, atribuída à João Luiz Correia Argolo. Apresentado o relatório de fls. 183/186, elaborado pelo Delegado de Polícia Federal que presidiu o Apuratório, os autos foram remetidos a esta Corte, tendo este Relator determinado seu encaminhamento ao Ministério Público Eleitoral. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 73 JURISPRUDÊNCIA Em pronunciamento de fls. 190, o Procurador Regional Eleitoral Auxiliar, diante da eleição do Investigado para o cargo de deputado federal, opinou pelo envio dos autos ao Supremo Tribunal Federal. É o relatório. VOTO Com efeito, o Investigado João Luiz Correia Argolo dos Santos elegeu-se Deputado Federal nas eleições realizadas em outubro de 2010, com mandato que somente se encerrará no ano de 2014. Portanto, como bem observou o Parquet Eleitoral, esta Corte não mais detém competência para a apuração do feito, que deve ser encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “b” da Carta Magna. Voto, pois, pela remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 21 de fevereiro de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator 74 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 0 7 / 2 0 11 REPRESENTAÇÃO PROCESSO Nº 4.824-09.2010.6.05.0000 CLASSE 42 (EXPEDIENTE Nº 64.078/2010 – RECURSO) MUNICÍPIO: Salvador RECORRENTES: José Ronaldo de Carvalho, Paulo Ganem Souto e Antônio Carlos Peixoto de Magalhães Neto. Advs.: Béis. Ademir Ismerim, Lílian Maria Santiago Reis e Déborah Cardoso Guirra. INTERESSADA: Look Comunicação Visual Ltda. Adv.: Bel. Marcus Welber Carvalhal Pinheiro. RECORRIDO: Ministério Público Eleitoral. RELATOR: Juiz Salomão Viana. Recurso. Representação. Colagem de cartazes com propaganda eleitoral em bem público. Notificação prévia dos beneficiários para restauração do bem no prazo de 48 horas. Inércia. Incidência da norma contida no art. 40-B, parágrafo único, da Lei nº 9.504/97. Aplicação de multa no valor mínimo legal (art. 37, § 1º da Lei nº 9.504/97). Negativa de provimento ao recurso. 1. Uma vez constatada a existência de propaganda irregular em bem público, bem como a inércia dos beneficiários em adotar providências para retorno ao status quo ante, impõe-se a incidência das normas contidas nos arts. 40-B e 37, caput e § 1º da Lei nº 9.504/97, justificando-se, assim, a aplicação de multa em decorrência da prática do ato ilícito. 2. Recurso a que se nega provimento. Visto, relatado e discutido o expediente acima indicado, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de fevereiro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - SALOMÃO VIANA, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 75 JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto por José Ronaldo de Carvalho, Paulo Ganem Souto e Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Neto contra decisão proferida pelo relator que me antecedeu no feito (fls. 51/53), que julgou procedente representação ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral contra os recorrentes e a pessoa jurídica Look Comunicação Visual Ltda. Segundo o Ministério Público, teria havido prática de propaganda eleitoral irregular, consubstanciada na colagem de cartazes nos muros da residência oficial do representante local do Poder Judiciário do Estado da Bahia, na sede do Município de Pojuca. Por meio da decisão recorrida, a cada um dos recorrentes foi imposta a obrigação de pagar multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fulcro nas normas contidas nos arts. 11, § 1º e 12 da Resolução/TSE nº 23.191/2009. Em suas razões (fls. 75/81), os recorrentes alegam, em síntese, que, tão logo foram intimados a respeito da concessão de medida de urgência, providenciaram a retirada da propaganda e a restauração do bem ao estado anterior, em razão do que não é cabível a penalidade que lhes foi imposta. O Ministério Público Eleitoral, de sua vez, pugnou pela manutenção integral da decisão vergastada. É o relatório. VOTO Não há controvérsia nos autos acerca da existência da propaganda que gerou o oferecimento da representação. A controvérsia reside é na questão em torno de ter havido ou não a retirada da propaganda, pelos recorrentes, no prazo concedido na decisão liminar proferida (fls. 19/20). E aí o que se vê é que, malgrado notificados (fls. 22/24), os recorrentes não adotaram as providências indispensáveis para que fosse procedida a retirada da propaganda no prazo estabelecido pelo Poder Judiciário Eleitoral, conforme se depreende do conteúdo da certidão de fl. 48. Efetivamente, a aludida certidão dá conta de que a Belª Maria de Lourdes Melo, Juíza de Direito da Comarca de Pojuca, em contato telefônico com servidor desta Casa, “assegurou que a propaganda irregular foi retirada a seu mando, por servidores daquele Juízo, em período anterior ao primeiro turno das eleições, uma vez que não havia sido retirada pelos responsáveis, em cumprimento às notificações emitidas”. E neste passo é relevante consignar que a norma contida no parágrafo único do art. 40-B da Lei nº 9.504/97 é clara ao estatuir que a respon- 76 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA sabilidade do candidato estará demonstrada se este, intimado da existência da propaganda irregular, não providenciar, no prazo de 48 horas, sua retirada, bem como a regularização da situação, e, ainda, se as circunstâncias e as peculiaridades do caso específico revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido ciência da propaganda. E como os representados foram regularmente notificados, permanecendo inertes, resta evidenciada a sua responsabilidade pela prática da ilicitude, fato que justifica a aplicação da reprimenda imposta na decisão vergastada. À vista de tais considerações, voto no sentido de que seja negado provimento ao recurso. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de fevereiro de 2011. Salomão Viana Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 77 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 11 6 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 14.725-58.2008.6.05.0036 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Amargosa RECORRENTE: Coligação AMARGOSA DO POVO. Advs.: Béis. Fernando Vaz e José Juarez Vinhas Júnior. RECORRIDOS: Valmir de Almeida Sampaio e Karina Borges Silva. Advas.: Belas. Carla Maria Nicolini e Sara Mercês dos Santos. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 36ª Zona. RELATOR: Juiz Salomão Viana. Recurso. Procedimento de investigação judicial eleitoral. Réus ocupantes dos cargos de prefeito e de vice-prefeito, reeleitos. Alegação de prática de atos configuradores de abusos de poder econômico e de poder político, de uso indevido dos meios de comunicação, de captação ilícita de sufrágio, bem como de condutas vedadas aos agentes públicos. Multiplicidade de fatos imputados. Insuficiência do acervo probatório para a comprovação dos ilícitos. Negativa de provimento ao recurso. 1. Não merece reparo a sentença que julga improcedente o pedido formulado em procedimento de investigação judicial eleitoral, quando as provas colacionadas aos autos, apesar de demonstrarem indícios da ocorrência dos fatos, não é suficiente para ensejar a formação de um juízo de valor baseado em provas robustas. 2. Recurso a que se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 15 de março de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - SALOMÃO VIANA, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral 78 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto pela Coligação AMARGOSA DO POVO contra a sentença de fls. 916/939, por meio da qual a MM. Juíza Eleitoral da 36ª Zona julgou improcedentes os pedidos formulados no procedimento de investigação judicial eleitoral n. 241/2008. A demanda foi proposta pela recorrente contra Valmir de Almeida Sampaio e Karina Borges Silva e o pedido está fundado na alegação da prática de atos configuradores de abuso de poder político, abuso de poder econômico, captação ilícita de sufrágio, condutas vedadas aos agentes públicos e uso indevido de meios de comunicação. Em suas razões (fls. 943/976), a recorrente pugna pela reforma da sentença sob o argumento de que teriam restado robustamente comprovados os seguintes ilícitos, atribuídos aos recorridos: (a) implementação do programa social “Família na Escola” sem lei específica e sem dotação orçamentária; (b) uso indevido de meios de comunicação, consubstanciado na difusão, por intermédio da propaganda política dos recorridos, da informação de que a coligação recorrente seria contrária ao programa “Bolsa Família”; (c) uso de uma máquina tipo “Patrol” pertencente ao Município de Amargosa, em propriedade rural privada; (d) uso de ônibus e veículos vinculados à prefeitura em eventos eleitorais; (e) utilização de servidores municipais a serviço da campanha eleitoral dos recorridos; (f) uso de retroescavadeira pertencente ao município para fins eleitorais; e (g) distribuição de vales-gasolina a motociclistas em troca de votos. Em suas contrarrazões (fls. 1005/1026), os recorridos refutaram as alegações do recorrente e protestaram pela manutenção integral da sentença. Instado, o Procurador Regional Eleitoral, invocando o princípio da unidade institucional, adotou as razões lançadas pela promotoria às fls. 904/913, propugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO São múltiplos os motivos apresentados pela recorrente para embasar o pleito de reforma da sentença. Nenhum deles, todavia, com força para frutificar. Assim é que, no tocante à alegação de que o programa “Família na Escola” teria sido implementado com objetivos nitidamente eleitorais – por meio da participação dos recorridos em eventos e palestras, bem como mediante a distribuição de bens e serviços –, a acusação não restou suficientemente comprovada. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 79 JURISPRUDÊNCIA Primeiro, porque o acervo documental coligido aos autos (fls. 295/352 e 587/654) revela que o programa teve início no ano de 2006, fato que foi confirmado pela própria recorrente na peça recursal (fl. 948). Segundo, porque, ao contrário do quanto afirmado pela recorrente, as fotografias acostadas aos autos – as quais retratam um evento ocorrido na Escola Municipal Professor Eraldo Tinoco (fls. 106/109) –, após periciadas, contrariam as alegações de que “(...) as instituições foram enfeitadas com as cores do partido, bandeiras vermelhas, sendo evidenciado pedido de voto”. Com efeito, a resposta contida no laudo pericial ao questionamento formulado pela própria coligação recorrente, acerca deste fato, é a de que nas imagens aparecem bandeirolas vermelhas, além de bandeirolas de outras cores, como o amarelo, o azul, o verde e o branco. Demais disso, na mesma resposta consta que não foram identificados adesivos nem bolas na cor vermelha utilizados na preparação do ambiente (fl. 720). Terceiro, porque – também ao contrário do alegado pela recorrente – as fotografias acostadas aos autos não demonstram a utilização, no evento, de carro de som e de maciça propaganda eleitoral em prol dos recorridos. Neste ponto, é oportuno transcrever a seguinte conclusão do laudo pericial de fls. 720/721: “Dois carros aparecem na foto no canto superior esquerdo à folha 106. Um é uma Kombi branca, placa JLK-1437, sem adesivos aparentes. O outro é um Gol aparentando ser da cor bege, placa JKU-7532, com vários adesivos fixados na chaparia, vidros e pára-choque (ao todo 22 puderam ser visualizados). Os adesivos que puderam ser identificados são dois adesivos retangulares com fundo em vermelho e números “65.789” na cor branca fixados na chaparia e pára-choque, e um adesivo no formato de estrela com fundo em vermelho, bordas brancas e o número “13” na cor branca ao centro, fixado no pára-brisa traseiro (Figura 4). O veículo Gol possui algo no formato de uma caixa preta acima do capô, porém, pelas imagens, não é possível identificar algum equipamento emissor de som.” Como se vê, o laudo pericial não foi conclusivo quanto à utilização de aparelho de som no veículo Gol e, quanto aos adesivos, eles estavam nitidamente presentes em somente um dos veículos. Logo, não restou comprovada a acusação, neste particular. Quanto aos demais eventos ocorridos em escolas, a prova que emerge dos autos também não permite concluir que o programa “Família na Escola” teria sido utilizado para servir a interesses eleitorais. Já no que toca à controvérsia lançada nos autos acerca de o programa ser oriundo do governo federal ou do governo municipal, bem como quanto a existir ou não lei autorizadora e dotação orçamentária específica para a sua implementação, tais questões somente teriam natureza eleitoral – e 80 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA aí, sim, se incluiriam no âmbito da competência constitucional desta Justiça especializada – se houvesse sido demonstrada a distribuição ilícita de bens pelos recorridos em período vedado, já que, em tal caso, incidiria a norma contida no art. 73, § 10 da Lei n. 9.504/97. Neste ponto, bem salientou a Promotoria Eleitoral (fl. 911): “Logo, não havendo qualquer imputação de distribuição ilícita aos participantes, torna-se inadequada a transmudação do objeto para apuração da existência de dotação orçamentária ou de lei estabelecendo o programa social, na forma pretendida pela Autora (fls. 387/388).” A conclusão, pois, no particular, é a de que, se aconteceram gastos referentes ao programa “Família na Escola” sem que existisse lei autorizadora e sem dotação orçamentária específica, o assunto tem natureza administrativa, e não eleitoral. No que se refere à alegação de que teria havido uso indevido de meios de comunicação, consubstanciado na difusão, por meio da propaganda política dos recorridos, da informação de que a coligação recorrente seria contrária ao programa “Bolsa Família”, o acervo probatório contido nos autos também não se revela apto para comprovar a ocorrência do ilícito. Com efeito, o trecho da fala do primeiro recorrido, que foi apontado como caracterizador da ilicitude, não ultrapassa os limites da crítica política regular, inerente aos debates eleitorais. Isto porque na propaganda aludida apenas são lançadas críticas ao fato de os adversários dos recorridos serem contrários ao governo Lula e, por conseguinte, ao programa Bolsa Família. Demais disso, a veiculação de propaganda com teor inverídico no horário eleitoral gratuito deveria ter sido questionada por meio de pedido de direito de resposta, providência que, ao que tudo indica, não foi adotada pela coligação recorrente. Quanto à afirmação de que teria havido uso de uma máquina tipo “Patrol”, pertencente ao Município de Amargosa, em propriedade rural privada, também não restou ela comprovada, pois as testemunhas arroladas pela coligação recorrente nada esclareceram (fls. 417/431). Ao contrário, se limitaram a afirmar que desconheciam o fato. Ademais, as fotografias de fls. 45/46 dos autos não permitem concluir se o local onde estava a máquina no momento em que foi fotografada era uma propriedade particular, como alega a recorrente, ou se tratava de uma estrada pública, como justificaram os recorridos. No tocante à alegação de que teria havido uso de ônibus e veículos vinculados à prefeitura em eventos eleitorais, também ela não restou provada, uma vez que a prova oral produzida não contribuiu para elucidar os fatos. De sua vez, quanto às fotografias apresentadas, malgrado elas exibam a imagem de um ônibus com logomarca da prefeitura e com banSemest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 81 JURISPRUDÊNCIA deiras de propaganda dos recorridos, nada há nos autos que comprove que os veículos aludidos estavam a serviço da prefeitura no momento em que foram fotografados. O mesmo ocorre quanto ao ônibus da Escola Agrotécnica de Amargosa. Quanto a isto, embora tudo leve a crer que as pessoas que eram transportadas e desciam do ônibus também iriam para evento político protagonizado pelos recorridos – dada a proximidade entre o local em que o ônibus estava e o local do evento –, as fotografias, isoladamente consideradas, não permitem que se chegue a tal conclusão de forma inequívoca, haja vista que não há, na imagem do ônibus e na imagem das pessoas transportadas, nenhum elemento caracterizador de participação em campanha eleitoral. No que se refere à afirmativa de que teriam sido utilizados servidores municipais a serviço da campanha eleitoral dos recorridos, também não foi produzida qualquer prova para demonstrar que a servidora Joseneze Brito, conhecida como “Neze da Moto” – a única cujo nome foi declinado pela recorrente – teria servido aos interesses da campanha dos recorridos em horário de expediente. Quanto à utilização dos serviços de outros servidores, a parte autora sequer se dignou de declinar os nomes dos mesmos, limitando-se a afirmar na exordial que “assim como ela, existem diversos servidores municipais ‘ajudando’ o Prefeito”. Demais disso, as fotografias acostadas aos autos (fls. 57/64) não comprovam que os servidores fotografados estavam em dia e horário de expediente naquele momento. E como não existe vedação legal para que servidores públicos participem de campanhas eleitorais, desde que seja preservado o horário do expediente, a conclusão não pode ser outra: as alegações, também aqui, não restaram provadas. No tocante à afirmação de que teria havido uso de uma retroescavadeira pertencente ao município para fins eleitorais, mais uma vez o acervo probatório é indigente, o que afasta a possibilidade de acolhimento do pedido com base em tal alegação. É que a prova deste fato limita-se às fotografias de fl. 52, que contém imagens inconclusivas. De sua vez, a prova oral produzida também não trouxe maiores esclarecimentos. Por fim, no que toca à alegação de que teria havido distribuição de vales-gasolina a motociclistas em troca de votos, verifica-se dos autos que o Comitê Financeiro do Partido dos Trabalhadores celebrou contratos de locação tendo por objeto motocicletas “para propaganda eleitoral com bandeiras em carreatas e caminhadas, e também para fiscalização noturna durante o período de campanha eleitoral” (fls. 179/182). Nos aludidos contratos consta que as despesas com combustível durante a execução dos serviços seriam de responsabilidade do locatário 82 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA na proporção de 3 (três) a 5 (cinco) litros para cada moto, de acordo com o tipo de evento. De sua vez, o relato de algumas das testemunhas arroladas pela própria coligação recorrente corroborou tais evidências, como se depreende dos seguintes excertos: “(...) que os vales gasolina era entregue para os motoqueiros irem para as caminhadas e passeatas; que os vales gasolina correspondiam ao valor de R$ 10,00 (dez reais); (depoimento da testemunha Carlos Henrique Almeida Rodrigues, arrolada pela recorrente); “(...) que a distribuição era para o pessoal que participava das caminhadas dos eventos do PT; (depoimento da testemunha Joselito Santos da Silva, arrolada pela recorrente). Como cediço, a configuração dos ilícitos imputados aos recorridos, ante as graves reprimendas que acarreta, exige prova de uma robustez tal que não deixe margem a dúvidas razoáveis, o que não ocorreu na situação sob exame. Não é difícil imaginar, ante os criminosos descalabros que cotidianamente acontecem na política dos municípios baianos, que uma sequência fática como a narrada na petição inicial pode ser verdadeira. Infelizmente, todavia, do modo como a prova veio aos autos não é possível chegar à conclusão de que os ilícitos efetivamente aconteceram. Este é, pois, mais um daqueles casos em que, apesar de haver indícios da ocorrência dos fatos, o conjunto probatório não é suficiente, não restando outro caminho para o órgão julgador senão o de se conformar com a frustração da impossibilidade de formar um juízo de valor baseado em provas robustas. Pelo exposto, em harmonia com o parecer ministerial, voto no sentido de que seja negado provimento ao recurso. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 15 de março de 2011. Salomão Viana Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 83 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 2 5 / 2 0 11 AÇÃO CAUTELAR PROCESSO Nº 5.111-69.2010.6.05.000 CLASSE 1 MUNICÍPIO: Uruçuca REQUERENTE: José Pedro de Oliveira Castro. Advs.: Béis. Janjório Vasconcelos Simões Pinho e Itamar da Silva Rios. REQUERIDO: Ministério Público Eleitoral. INTERESSADO: Reginaldo Barbosa da Silva. Advs.: Béis. Bruno Gustavo Freitas Adry, André Luiz de Andrade Carneiro, Sanzo Biondi e outros. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Ação Cautelar. Pedido Liminar. Concessão. Efeito suspensivo. Recurso em AIJE e AIME. Procedência. Vislumbrando a possibilidade de êxito no recurso interposto, julga-se procedente a ação cautelar, mantendo-se a decisão liminar que atribuiu efeito suspensivo ao recurso interposto nos autos da AIJE e AIME reunidas por conexão, nas quais o demandante teve seu diploma cassado e sua inelegibilidade decretada. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por maioria, vencidos os Juízes Salomão Viana e Cássio Miranda, JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 17 de março de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - MAURICIO KERTZMAN SZPORER, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral RELATÓRIO Cuida-se de ação cautelar, com pedido liminar, promovida por José Pedro de Oliveira Castro, na qual se requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto contra a decisão que lhe cassou o mandato de vereador e decretou sua inelegibilidade por oito anos, proferida nos autos da AIME 84 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA nº 281/2008 e da AIJE nº 279/2008, apensadas por determinação do Juiz Eleitoral da 198ª Zona. Sustenta o requerente que o Ministério Público teria instaurado procedimento administrativo preparatório para apurar denúncia de crime eleitoral, ouvindo testemunhas, requisitando documentos e requerendo diligências, tudo sem passar pelo crivo do contraditório, juntando aos autos o material unilateralmente colhido, que teria desconsiderado os depoimentos das testemunhas que relataram os fatos tal como teriam acontecido. Alega, ainda, que, quando da realização da primeira audiência, indagada pelo Juiz se confirmava o que teria antes dito ao Ministério Público, a primeira testemunha de acusação, assim não procedendo, teria recebido voz de prisão, amedrontando as demais que aguardavam para serem ouvidas. Defende que a fragilidade das provas colhidas no procedimento administrativo utilizado como alicerce da sentença zonal fora reconhecida pela Procuradoria Eleitoral em habeas corpus impetrado pelas testemunhas arroladas nas ações. Assevera ser evidente a plausibilidade do recurso, já que as provas que embasaram a condenação não teriam sido colhidas sob o crivo do contraditório. Requer seja suspensa a execução da decisão vergastada, permitindo-se que o requerente fique no cargo até o julgamento final do feito. Instado, o Parquet zonal, em manifestação de fl s. 188/202, sustenta que as alegações do demandante teriam mero intuito procrastinatório, pois a decisão do Magistrado da 198ª Zona encontraria alicerce em provas robustas, inexistindo ilegalidade ou fragilidade dos elementos probantes. Defende, ainda,000 que a alegada parcialidade do Magistrado Zonal já teria sido afastada por esta Corte quando do julgamento da exceção nº 287. Alega, outrossim, que as provas produzidas pela investigação ministerial não seriam ilegais, tendo sido submetidas ao contraditório de forma diferida. Pugna, ao fim, pela eficácia imediata da decisão proferida pelo Magistrado da 198ª Zona. Em decisão de fls. 88/90, deferi o pleito liminar, concedendo o efeito suspensivo requestado, para determinar que o requerente fosse mantido no cargo de vereador do Município de Uruçuca, decisão esta que foi ratificada por este Colegiado quando da apreciação de agravo regimental interposto por Reginaldo Barbosa da Silva na qualidade de terceiro interessado. Com vistas dos autos, o Procurador Regional Eleitoral reiterou a manifestação do Promotor de fls. 188/202, opinando pela improcedência do pedido. Pelo expediente nº 9.623/2011, o requerente apresentou manifestação acerca do referido opinativo. É o relatório. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 85 JURISPRUDÊNCIA VOTO Busca a presente ação cautelar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto contra decisão que cassou o mandato do requerente, matéria que já foi discutida por esta Corte quando do julgamento do agravo regimental interposto contra a decisão liminar proferida, que o manteve no cargo de vereador do Município de Uruçuca. Da análise das alegações do requerente e dos demais elementos encartados aos autos, tenho que existe substrato fático e jurídico para manutenção do efeito suspensivo atribuído liminarmente, uma vez que se vislumbram indícios que, in abstractu, revelam chance de êxito do recurso manejado pelo demandante. Impende destacar, primordialmente, a alegada fragilidade da prova testemunhal produzida, tendo em vista que o primeiro depoente, ao negar o que antes havia afirmado em procedimento administrativo conduzido pelo Ministério Público, teria saído da audiência preso e algemado, em virtude de reconhecido crime de falso testemunho, o que poderia ter intimidado as demais testemunhas arroladas para depor, motivando inclusive a impetração de habeas corpus preventivo, com o escopo de impedir que o Juiz decretasse a prisão de quem não confirmasse o quanto dito antes, tendo esta Corte decidido pela expedição de salvo-conduto (Habeas corpus nº 156, julgado em 18/12/2009). Destaca-se, ainda, que a inconformidade do requerente nestes autos acerca da situação retro mencionada não se refere à possível parcialidade do juiz, mas sim à imprestabilidade das provas testemunhais colhidas, não se confundindo, portanto, com o teor da matéria ventilada na exceção de suspeição ajuizada anteriormente, que abarca questões atreladas à pessoa do juiz e à suposta fragilidade da prova testemunhal. Ademais, é inegável que o afastamento do requerente do cargo de vereador para o qual foi eleito lhe causa prejuízo que não poderá ser reparado caso venha a ser provido o recurso por ele interposto. Salienta-se que o Tribunal Superior Eleitoral vem se mostrando favorável à manutenção do mandato até o julgamento final do recurso interposto, conforme posicionamento extraído do acórdão de 12/11/2009, exarado nos autos da ação cautelar nº 3346 - Sena Madureira/AC: “AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CAUTELAR. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. EFEITO SUSPENSIVO. CONCESSÃO. POSSIBILIDADE. FUMUS BONI JURIS. PERICULUM IN MORA. SÚMULAS Nos 7/STJ E 279/STF. NÃO CONTRARIEDADE. NÃO PROVIMENTO. 1. A análise da plausibilidade das alegações do recurso especial, a partir da moldura fática do acórdão recorrido, para fins de 86 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA concessão de efeito suspensivo, não contraria os enunciados das Súmulas nº 7/STJ e 279/STF. No caso, ficou assentado na decisão agravada que, a partir da leitura do v. acórdão regional, poder-se-ia verificar, em princípio, a possibilidade de êxito do recurso, pelo fato de, da moldura fática do v. acórdão recorrido, extrair-se que a participação do candidato beneficiário ou sua anuência na suposta prática violadora do art. 41-A da Lei 9.504/97 não foi bem delineada, demandando análise de sua compatibilidade com a jurisprudência desta c. Corte. Por outro lado, em análise preliminar, não pode ser desconsiderado o fato de que a controvérsia foi decidida com voto de desempate do e. Desembargador Presidente. 2. Em regra, os recursos eleitorais são recebidos tão somente no efeito devolutivo. Admite-se o recebimento do recurso no duplo efeito apenas excepcionalmente, desde que pleiteado mediante ação cautelar na qual fique evidenciada a presença de fumus boni juris e periculum in mora. Precedentes: AgR-AI nº 10.157/SC, DJE de 20.2.2009; AgR-AC nº 3.000/MT, DJE de 15.12.2008, ambos de minha relatoria. Na hipótese dos autos, a plausibilidade das alegações consubstancia-se nas dúvidas existentes sobre a robustez da prova dos autos delineada na moldura fática do v. acórdão regional. Já o perigo da demora consistiria na possibilidade de realização de novas eleições em curto espaço de tempo. 3. Agravo regimental não provido.” (Acórdão de 12/11/2009. Agravo Regimental em Ação Cautelar nº 3346 - Sena Madureira/AC. Relator: Min. Felix Fischer. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 01/02/2010, Página 427) Grifos aditados. Saliente-se que o recurso ao qual a cautelar concedeu efeito suspensivo foi recebido na Procuradoria Regional Eleitoral em 17/01/2011, devendo, em breve, ser apreciado pelo Colegiado. Por essas razões, voto pela procedência do pedido, ratificando a liminar que atribuiu efeito suspensivo ao recurso interposto pelo requerente em face da decisão proferida nos autos da AIJE nº 279/2008 e da AIME nº 281/2008, reunidas por conexão. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 17 de março de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 87 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 3 6 / 2 0 11 REPRESENTAÇÃO PROCESSO: Nº 7.898-71.2010.6.05.0000 CLASSE 42 MUNICÍPIO: Manoel Vitorino REPRESENTANTE: Ministério Público Eleitoral. REPRESENTADOS: Euclides Nunes Fernandes (Adv.: Bel. Ademir Ismerim) e Lenilton Pereira Lopes (Adv.: Bel. Sérgio Castro Sampaio). RELATOR: Juiz Renato Reis Filho. Representação. Conduta vedada. Art. 73, incisos I e IV da Lei nº 9.504/97. Utilização de veículos da prefeitura, em carreata, em favor do primeiro representado. Ilicitudes demonstradas. Responsabilidade do candidato não apurada. Prévio conhecimento não demonstrado. Procedência parcial. Preliminar de falta de interesse de agir. À luz dos §§1º e 4º do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, todo aquele que concorre para a prática da ilicitude poderá ser responsabilizado, mediante o arbitramento de sanção pecuniária, pelo que não se acolhe a preliminar. Preliminar de ilicitude da prova. Acolhe-se, parcialmente, a preliminar, somente para considerar imprestável, como meio de prova, o vídeo trazido pelo autor, porquanto desacompanhado da respectiva degravação. Preliminar de incompetência do Juízo. Em se tratando a presente demanda do descumprimento da Lei nº 9.504/97, em eleições estaduais, não há dúvida acerca da competência deste Regional para processar e julgar a causa, consoante previsão expressa constante do artigo 96 do aludido diploma legal. Preliminar de ilegitimidade passiva e ausência de prévio conhecimento. Verificando-se tratar-se de questões atinentes ao próprio mérito da ação, julgam-se prejudicadas as preliminares, devendo as mesmas serem analisadas em momento oportuno. 88 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Mérito. Julga-se parcialmente procedente a ação quando, após verificado o conjunto probatório, tem-se por evidenciada a responsabilidade do prefeito na utilização de bens móveis da prefeitura, bem como na utilização promocional de uma ambulância municipal, em favor de candidato ao cargo de deputado estadual, cujo prévio conhecimento, todavia, não foi demonstrado. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER AS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO e DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR, JULGAR PREJUDICADAS AS DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM e DE AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONHECIMENTO e ACOLHER PARCIALMENTE A PREFACIAL DE ILICITUDE DA PROVA e, no mérito, JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO PARA CONDENAR LENILTON PEREIRA LOPES AO PAGAMENTO DE MULTA NO VALOR DE VINTE MIL REAIS, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de março de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - RENATO REIS FILHO, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de representação manejada pelo Ministério Público Eleitoral em face do Deputado Estadual Euclides Nunes Fernandes e de Lenilton Pereira Lopes, prefeito do Município de Manoel Vitorino/BA, por suposta afronta ao artigo 73, I e IV da Lei nº 9.504/97, consubstanciada na utilização de veículos da Prefeitura, em favor da candidatura do primeiro representado. A exordial noticia que o agente da Polícia Federal, Tárcio Sousa Prado, em cumprimento à Ordem de Missão nº 144/2010, diligenciou visita à sede do Município de Manoel Vitorino, onde teria presenciado a ocorrência de carreata, que contava com a presença de carro de som, ambulâncias, viaturas da prefeitura e veículos particulares. Em informação acostada aos autos, o referido agente policial assevera que alguns dos veículos particulares portavam ostensiva propaganda em favor do então candidato a deputado estadual, Euclides Nunes Fernandes. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 89 JURISPRUDÊNCIA Aduz ter fotografado o episódio e buscado informações adicionais, gravando “entrevista” com o prefeito representado, tendo este informado tratar-se de mera recepção, organizada pela população local, em decorrência do recebimento da ambulância do SAMU. Entretanto, afirma que o “entrevistado” se contradisse quando indagado sobre a procedência do carro de som que capitaneava o evento. Encaminhada a informação policial ao Ministério Público Eleitoral, o eminente Procurador Regional Eleitoral Substituto ajuizou a presente ação, com o escopo de obter a condenação dos representados ao pagamento da multa prevista no artigo 73, § 4º da Lei nº 9.504/97 e a cassação do diploma do prefeito representado. Em sua defesa, Lenilton Pereira Lopes suscitou preliminares de falta de interesse de agir e de ilicitude da prova. No mérito, pugna pela improcedência da demanda, alegando inexistir nos autos qualquer prova das acusações que lhes foram feitas. Euclides Nunes Fernandes também juntou contestação, aventando, preliminarmente, a incompetência absoluta do Juízo para o julgamento do feito, a ilegitimidade passiva ad causam e a ausência de prévio conhecimento. Na questão de fundo, denega a veracidade dos argumentos levantados na proemial, afiançando não ter qualquer conhecimento do evento sob exame, atrelando aos autos declarações que confirmariam a sua presença em localidades distantes de Manoel Vitorino na data do aludido episódio. Insta, assim, pelo não acolhimento dos pedidos formulados. Em réplica, o Ministério Público Eleitoral pugnou pelo não acolhimento das preliminares e pela procedência da representação. É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZO. A competência para processar e julgar as representações decorrentes do descumprimento da Lei n.º 9.504/97 encontra-se, expressamente, prevista no artigo 96 daquele diploma legal, in verbis: “Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se: [...] II - aos tribunais regionais eleitorais, nas eleições federais, estaduais e distritais; 90 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA [...] § 3º Os tribunais eleitorais designarão três juízes auxiliares para a apreciação das reclamações ou representações que lhes forem dirigidas.” Findo o processo eleitoral, teve termo, também, a competência dos juízes auxiliares, razão pela qual foram os respectivos processos redistribuídos aos membros do Tribunal, em absoluta observância ao dispositivo legal. Em se tratando a presente demanda de representação por prática de conduta vedada a agentes públicos, em eleições estaduais, não há dúvida de que a competência originária é deste Regional. Nesta direção, inacolhese a preliminar. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. O segundo representado, Lenilton Pereira Lopes, argumenta que ao autor faltaria o interesse de agir, asseverando que, em consonância com o disposto no artigo 20 da Resolução TSE nº 23.193/09, a ação sob exame só poderia ter sido ajuizada até a data da sua diplomação, que ocorreu em 18/12/2008. A tese não merece prosperar. É que o segundo representado ostenta o cargo de prefeito da cidade de Manoel Vitorino e foi acionado na condição de agente público pela prática de condutas, supostamente, vedadas, perpetradas em benefício da candidatura do primeiro representado, que concorrera ao cargo de deputado estadual. Com efeito, à luz dos §§1º e 4º do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, todo aquele que concorre para a prática da ilicitude poderá ser responsabilizado, mediante o arbitramento de sanção pecuniária. Nesta senda, há que ser observada a data da diplomação do primeiro representado, cujo cargo estava em disputa nas últimas eleições, donde se verifica que a ação foi ajuizada em tempo hábil e perante o Tribunal competente, considerando-se que se tratava de eleições estaduais. Assim, não afasta-se a preliminar. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM e DE AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONHECIMENTO. Euclides Nunes Fernandes argumenta que não poderia figurar no polo passivo da presente demanda, uma vez que não teria qualquer responsabilidade, ou sequer conhecimento do evento ora discutido. O exame da fundamentação das aludidas preambulares revela questões atinentes ao próprio mérito da ação, devendo ser apreciadas em momento adequado, à vista do que se julgam prejudicadas as preliminares. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 91 JURISPRUDÊNCIA PRELIMINAR DE ILICITUDE DA PROVA. Aventou-se a ilicitude das provas colacionadas aos autos, em razão da ausência de degravação das declarações do Prefeito Lenilton Pereira Lopes, constantes do vídeo de fl. 22, e da inexistência dos negativos das fotografias juntadas à inicial. No que concerne à inexistência dos negativos, a jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que, em se tratando de fotografias realizadas com câmera digital, é prescindível a apresentação dos requeridos negativos, desde que as imagens encartadas se façam acompanhar da respectiva mídia, o que, de fato, ocorreu na hipótese vertente. Entretanto, no tocante à ausência da degravação do vídeo, entendo assistir razão ao acionado. Com efeito, os artigos 6º, § 4º e 22, § 1º da Resolução TSE nº 23.193/09 evidenciam a imprescindibilidade do encimado documento, senão vejamos: “Art. 6º. As petições ou recursos relativos às representações serão admitidos, quando possível, por petição eletrônica ou via fac-símile, dispensado o encaminhamento do texto original, salvo aqueles endereçados ao Supremo Tribunal Federal. [...] § 4º. A mídia de áudio e/ou vídeo que instruir a petição deverá vir obrigatoriamente acompanhada da respectiva degravação em 2 vias, observado o formato mp3 para as mídias de áudio; wmv, mpg, mpeg ou avi para as de vídeo digital e VHS para fitas de vídeo. Art. 22. [...]. § 1º No caso de representação instruída com imagem e/ou áudio, a respectiva degravação será encaminhada juntamente com a notificação, devendo uma cópia da mídia permanecer no processo e a outra mantida em secretaria, sendo facultado às partes e ao Ministério Público, a qualquer tempo, requerer cópia, independentemente de autorização específica do relator.” Grifos aditados. Demais disso, o áudio do multicitado vídeo não se apresenta em condições satisfatórias, restando impossibilitada a perfeita compreensão do seu conteúdo. Pelo exposto, acolho, parcialmente, a preliminar, para considerar imprestável, como meio de prova, o vídeo constante da fl. 22 dos autos. MÉRITO. De início, tem-se por pertinente a análise dos dispositivos legais apontados pelo representante, quais sejam os incisos I e IV do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, in verbis: 92 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; [...] IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;” O exame das evidências coligidas aos autos autoriza a conclusão de que a pretensão ministerial merece parcial provimento. As fotografias registradas pela Polícia Federal revelam a ocorrência de uma carreata em favor do então candidato ao cargo de deputado estadual, Euclides Fernandes, da qual participaram veículos da prefeitura municipal, incluindo uma ambulância da SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. A referida prova ganha robustez com a informação prestada pelo agente da Polícia Federal, às fls. 09/12, cujos principais trechos peço vênia para transcrever, à vista de sua relevância: Em 29 de setembro de 2010, durante o cumprimento da referida Ordem de Missão que teve como finalidade de diligenciar no município de Jequié-BA e adjacências a fim de cumprir dever constitucional do DPF nas Eleições 2010, dentre outros municípios, estivemos no Município de Manoel Vitorino, localizado às margens da BR 116, a 395 km de Salvador. Logo na nossa chegada à cidade, identificamos uma carreata com razoável número de veículos, onde lá estavam veículos de uso da prefeitura local, tais como ambulâncias, carros de som alugados dentre outros. O que nos chamou a atenção foi que no meio desses veículos estavam alguns com propagandas políticas de candidatos às eleições 2010, mais ostensivamente o candidato a Deputado Estadual pelo PDT, ‘EUCLIDES’, nº 12363, inclusive parecendo estar à frente da carreata, logo após o carro de som. Procedemos então um acompanhamento com nossa viatura, tirando algumas fotos. Logo após conseguimos uma pequena entrevista com o prefeito municipal local, o Sr. LENILTON PEREIRA LOPES. Ao solicitarmos informações sobre o que estaria acontecendo, este nos informou que estava em Jequié/BA onde recebera uma ambulância SAMU e estava chegando naquele momento com uma viatura do SAMU e que estaria Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 93 JURISPRUDÊNCIA apresentando à sociedade local, e que assim que chegaram, ele e sua comitiva, teriam sido recebidos pela população com muita empolgação. (Informações da Polícia Federal – fls. 09/12). Entretanto, é de se reconhecer que nada há nos autos que evidencie que o primeiro representado tenha sido, pessoalmente, responsável pela realização do evento, ou de que tenha a ele comparecido. Neste sentido, não se afigura razoável responsabilizar o candidato, porquanto não restou demonstrado o seu prévio conhecimento. O que se extrai dos autos é a participação inequívoca do prefeito, na aludida carreata, na qual se promoveu a utilização de bens móveis da Prefeitura, bem como o uso promocional da ambulância, em benefício da candidatura do primeiro representado, numa tentativa de se vincular a imagem do candidato ao aludido serviço móvel, de inegável caráter social, o que, indubitavelmente, denota afronta à legislação eleitoral. Considerando a magnitude da lesão decorrente das condutas ora apuradas, tenho que a sanção pecuniária revela-se suficiente para repreender o ilícito perpetrado, à luz do princípio da proporcionalidade. Neste sentido, eis o que se colhe do magistério de José Jairo Gomes: “Ora, o fato de uma conduta ser vedada a agente estatal não significa que sempre e necessariamente leve à cassação de diploma, pois nesta seara incide o princípio da proporcionalidade, pelo qual a sanção deve ser sempre ponderada em função da lesão perpetrada ao bem jurídico. Em tese, uma conduta vedada pode ser sancionada com multa, com a só determinação de cessação ou mesmo com a invalidação do ato inquinado. [...] A proporcionalidade opera na fixação da sanção, seja no aspecto qualitativo, seja no quantitativo. Consequentemente, em certos casos, em vez de se cassar o registro ou o diploma, pode-se optar pela multa. E mesmo na dosagem desta deve haver moderação.” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 515). Pelo exposto, julgo, parcialmente, procedente a ação, para condenar apenas o segundo representado, o Sr. Lenilton Pereira Lopes, ao pagamento de multa, no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), com fulcro no § 4º, do artigo 73 da Lei n.º 9.504/97. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de março de 2011. Renato Reis Filho Juiz Relator 94 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 6 8 / 2 0 11 RECUERSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA PROCESSO Nº 719 (3-88.2008.6.05.0110) CLASSE 29 MUNICÍPIO: Ribeira do Pombal RECORRENTE: Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB de Ribeira do Pombal. Advs.: Béis. Brenno de Melo Gomes Calasans e Paulo Miranda Fontes. RECORRIDOS: José Lourenço Morais da Silva Júnior e Jairo Monteiro do Nascimento. Advs.: Béis. Rafael de Medeiros Chaves Mattos, Tâmara Costa Medina da Silva e Pedro da Costa Vargens. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 110ª Zona. RELATOR: Juiz Salomão Viana. REVISOR: Juiz Cássio Miranda. Recurso contra expedição de diploma. Alegação de corrupção, fraude, abuso de poder político e econômico e captação ilícita de sufrágio. Exigência de prova pré-constituída. Necessidade, apenas, de que as provas a serem produzidas sejam especificamente requeridas na petição inicial. Desconhecimento da gravação por parte de um dos interlocutores. Alegação de ilicitude da prova. Inacolhimento. Pedido ancorado em provas frágeis. Improcedência. 1. Não se pode exigir que a petição inicial do procedimento que a lei rotula de “recurso contra a expedição de diploma” se faça acompanhar de toda a prova necessária ao julgamento do feito. A necessidade, apenas, é a de que as provas a serem produzidas sejam especificamente requeridas na petição inicial, tal como o foram no caso destes autos. 2. O desconhecimento da gravação por parte de um dos interlocutores não tem o condão de macular a prova, uma vez que, em juízo de ponderação, o interesse público na lisura do processo eleitoral deve prevalecer sobre os direitos à intimidade e privacidade. 3. Deve ser julgado improcedente o pedido fundamentado em fraude, abuso de poder político e econômico se o acervo probatório se revela frágil. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 95 JURISPRUDÊNCIA Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA, por maioria, vencidos os Juízes Renato Reis Filho e Mauricio Kertzman Szporer, INACOLHER A PRELIMINAR DE ILICITUDE DA PROVA e, no mérito, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de abril de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - SALOMÃO VIANA, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de procedimento que a lei rotula de “recurso contra expedição de diploma”, deflagrado a partir de demanda proposta pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA contra JOSÉ LOURENÇO MORAIS DA SILVA, conhecido como “Zé Grilo” (prefeito), e JAIRO MONTEIRO (vice-prefeito), com fundamento no inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral. O demandante sustenta que os demandados teriam praticado atos configuradores de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder político e econômico, corrupção e fraude. Os atos teriam sido materializados nas seguintes condutas: i) oferecimento, em 15/08/08, pelo prefeito demandado, em troca de voto, de bem e de vantagem pecuniária a José Arivaldo, durante visita à Associação Baixa do Umbuzeiro, além da promessa de entrega de um uniforme de futebol, de uma bola e de bebida a pessoa não identificada; ii) oferecimento, pelo prefeito acionado, de vantagens a pessoas integrantes da nação cigana, após acordo que teria sido firmado em 02/08/08 com cerca de 20 famílias residentes do Município, para calçamento de um trecho da Rua Salustiano Barreto Mendonça, onde estariam concentradas as residências das aludidas pessoas. Além disso, as principais destinatárias das vantagens seriam uma pessoa de nome Josafá (que seria beneficiada pela construção de um calçamento em uma fazenda de sua propriedade, situada na região do Tabuleiro, à margem direita da BA-110, no sentido Pombal-Tucano, logo após o Motel Xodó) e outra de nome Ataíde (que seria beneficiada com a lavratura de uma escritura relativa à compra e venda de um imóvel rural que o prefeito réu teria lhe vendido cerca de um ano antes); 96 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA iii) doação, pelos demandados, de filtros de água em troca de votos; iv) promessa feita, em troca de votos, por uma pessoa de prenome Manoel (ex-secretário municipal de saúde) e outra de prenome Sérgio (prestador de serviços para a prefeitura), por ordem dos demandados, ao eleitor Rosival Barbosa, de entrega de dinheiro, outorga de vantagens pessoais, concessão de uma linha de ônibus para transportar alunos e transferência da esposa para a sede do Município; v) contratação de 522 novos servidores municipais no ano de 2008, no período de janeiro a junho, abrangendo cargos comissionados e temporários, sem prévio concurso público e sem a demonstração de urgência e de excepcional interesse público; vi) utilização de servidores municipais, no horário de expediente, para servir aos interesses da campanha dos acionados; e vii) transporte ilegal de eleitores no dia do pleito. Na defesa que apresentaram (fls. 342/412), os réus alegaram, inicialmente, ausência de justa causa para a propositura da demanda, ante a inexistência de prova pré-constituída das alegações, e a ilicitude da prova carreada aos autos, consistente em gravação de conversa por um dos interlocutores sem a autorização do outro. No mais, rechaçaram todas as imputações que lhes foram dirigidas. Encerrada a instrução, na qual vieram aos autos documentos e foram ouvidas testemunhas, ambas as partes apresentaram alegações finais (fls. 566/657 e 672/681). Em seu pronunciamento de fls. 683/687, o Procurador Regional Eleitoral opinou pela rejeição das alegações de ausência de prova préconstituída e de ilicitude da prova e, na sequência, se pronunciou no sentido de que seja rejeitado o pedido. É o relatório, que submeto à apreciação do Juiz revisor. VOTO ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. A alegação de ausência de prova pré-constituída não merece acolhimento, visto que não se pode exigir que a petição inicial do procedimento que a lei rotula de “recurso contra a expedição de diploma” se faça acompanhar de toda a prova necessária ao julgamento do feito. A necessidade, apenas, é a de que as provas a serem produzidas sejam especificamente requeridas na petição inicial, tal como o foram no caso destes autos. Esta, aliás, é a posição que vem sendo pacificamente adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Assim, voto pela rejeição da alegação. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 97 JURISPRUDÊNCIA ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DA PROVA CONSISTENTE EM OBTENÇÃO DE GRAVAÇÃO CLANDESTINA. Alegam os demandados que as mídias alusivas às gravações de diálogos travados entre o primeiro réu, juntamente com as pessoas conhecidas como Ataíde Cigano e Tavinho Cigano, e o eleitor José Arivaldo Evangelista dos Santos, bem como a dos diálogos travados entre Manoel, Sérgio e Rosival, consistiriam em prova ilícita e imoral, porquanto as gravações teriam ocorrido sem a autorização de um dos interlocutores. Ocorre que, conforme tenho me manifestado em diversos julgamentos nesta Corte, em posicionamento amparado pela jurisprudência das Cortes Superiores, o desconhecimento da gravação por parte de um dos interlocutores não tem o condão de macular a prova, uma vez que, em juízo de ponderação, o interesse público na lisura do processo eleitoral deve prevalecer sobre os direitos à intimidade e privacidade. Quanto a isto, vale trazer à colação o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal: CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GRAVAÇÃO. CONVERSA TELEFÔNICA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES, SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. INEXISTÊNCIA DE CAUSA LEGAL DE SIGILO OU DE RESERVA DE CONVERSAÇÃO. LICITUDE DA PROVA. ART. 5º, XII e LVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é considerada prova ilícita. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (STF. Ag.Reg. no Agravo de Instrumento n. 578858, do Rio Grande do Sul, relatora a Min. Ellen Gracie. Julgamento em 04/08/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma. DJE: 28-082009). Na mesma linha, os seguintes julgados do Tribunal Superior Eleitoral: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. I - A decisão regional encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, uma vez que persiste o interesse de agir do Ministério Público Eleitoral na causa, mesmo diante da ine- 98 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA xistência do mandato eletivo, em virtude da possibilidade de aplicação da sanção de multa por infração ao art. 41-A da Lei das Eleições. II - A gravação clandestina feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, não constitui interceptação vedada pela Constituição da República. (Precedentes do TSE). III - Divergência jurisprudencial não demonstrada (Súmula 284 do STF). IV - Os fatos delineados no acórdão regional não seriam suficientes para que este Tribunal afastasse a conclusão da prática da captação ilícita de votos sem o reexame da matéria fático-probatória, vedado nesta instância, a teor da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. V - Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos. VI - Agravo regimental desprovido. (grifo nosso) (AgR-REspe n. 4198880, de Porto Velho/RO. Relator o Min. Enrique Ricardo Lewandowski. DJE - 10/05/2010, p. 21). RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA. ILICITUDE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORDEM JUDICIAL. AUSÊNCIA. CONTAMINAÇÃO DAS DEMAIS PROVAS. INCIDÊNCIA DOS VERBETES SUMULARES Nº 7/STJ e 279/STF. 1. A gravação clandestina feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, não constitui interceptação vedada pela Constituição da República, sobretudo quando se destine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. 2. No caso dos autos, não é possível saber se quem forneceu a mídia seria a própria pessoa constante da gravação, ou seja, não há como aferir se houve anuência de um dos interlocutores. 3. Para alterar a conclusão do decisum, de que as demais provas estariam contaminadas por derivação, seria necessário amplo reexame do material probatório, providência inviável nas instâncias extraordinárias (Súmulas nos 7/STJ e 279/STF). 4. Recurso especial desprovido. (grifos acrescidos). (REspe n. 35622, de Manaus/AM. Relator o Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira. DJE - 05/10/2009, p. 60/61). Recurso Especial. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Rito do art. 22 da LC nº 64/90. Apresentação do rol de testemunhas. Momento oportuno. Inicial. Precedentes. Reabertura Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 99 JURISPRUDÊNCIA de prazo. Preclusão. Pelo rito do art. 22 da Lei Complementar nº 22/90, o momento oportuno de apresentação do rol de testemunhas, pelo autor, é o do ajuizamento da inicial, sob pena de preclusão. Provas testemunhais. Requerimento do Ministério Público Eleitoral. Custos legis. Possibilidade. Art. 83, II, do Código de Processo Civil. O Ministério Público Eleitoral, conforme preceitua o art. 83, II, do Código de Processo Civil, pode requerer oitivas de testemunhas que entender imprescindíveis. Prova. Gravação de vídeo por um dos interlocutores, ainda que sem conhecimento dos demais. Possibilidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. É lícita a gravação de fita de vídeo por um dos interlocutores, mesmo sem o conhecimento dos demais. Recurso a que se dá parcial provimento. (grifos acrescidos). (ARESPE n. 27845, de Sítio Novo/RN. Relator o Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes. DJE de 31/8/2009, tomo 165, p. 37). A prova questionada é, portanto, lícita. É como voto. VOTO ALEGAÇÕES FÁTICAS. O caso é de rejeição do pedido, por absoluta ausência de um conjunto probatório mínimo que conduza ao fim colimado pelo demandante. Com efeito, no que toca à alegação de que teria havido oferecimento, em 15/08/08, pelo prefeito demandado, em troca de voto, de bem e de vantagem pecuniária a José Arivaldo, durante visita à Associação Baixa do Umbuzeiro, além da promessa de entrega de um uniforme de futebol, de uma bola e de bebida a pessoa não identificada, o que se vê da transcrição acostada à petição inicial é que três interlocutores dialogam e, em determinado momento, o “interlocutor masculino 1” solicita uma espécie de “ajuda”, consistente na doação de pisos ao “interlocutor masculino 2”, e que este questiona acerca da quantidade de metros e do local onde seriam os mesmos utilizados (fls. 55/70). Todavia, no referido diálogo, além de não ser possível extrair os nomes dos participantes, observa-se que o pedido atinente à doação do piso partiu do próprio beneficiário, restando ausente, conforme pontuado pelo Ministério Público, “a conduta pró-ativa por parte de eventual candidato em prometer o que quer que seja, em troca de votos”. 100 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Demais disso, é de se pontuar a descontinuidade dos trechos do conteúdo degravado e a falta de audibilidade da mídia acostada aos autos pelo partido autor. Tais circunstâncias muito contribuem para revelar a fragilidade, no particular, da acusação. Em acréscimo, as testemunhas arroladas pelo demandante para provar tais fatos – José Elto Evangelista dos Santos (fls. 1204/1208, anexo 7) e José Augusto Ferreira Bitencourt (fls. 975/978, anexo 6) –, foram ouvidas em termos de declarações, sem compromisso, ante o acolhimento da contradita contra elas formulada. Ainda assim, da leitura das declarações por elas prestadas verificase que nenhuma delas presenciou o fato, de maneira que seus depoimentos foram baseados naquilo que consta da mídia acostada aos autos e naquilo que elas “ouviram dizer”, por intermédio de terceiros. Por outro lado, a testemunha Edson Oliveira dos Santos, arrolada pela parte ré e ouvida sob compromisso, fez as seguintes afirmações: “que o assentamento da Fazenda Conceição é conhecido como assentamento dos moradores da Baixa do Umbuzeiro; que o depoente mora neste assentamento; que esse assentamento possui 27 (vinte e sete) casas e uma escola; que conhece o senhor José Erivaldo e este mora no aludido assentamento; que mora próximo do senhor José Erivaldo a uma distância de apenas duas casas; que viu o prefeito José Lourenço, Ataíde Cigano e outras pessoas que não conhece se dirigindo para a casa de José Erivaldo, aproximadamente no mês de junho, não recordando a data; que no mesmo dia as aludidas pessoas estiveram na casa do depoente antes de se dirigirem à casa de José Erivaldo; que ficou na sua casa recebendo outras pessoas, mas viu que a comitiva se dirigiu para a casa de José Erivaldo, não tendo acompanhado; que José Erivaldo esteve na casa do depoente, tendo entrado; que José Erivaldo chamou o prefeito para sua casa; que Erivaldo chamou o prefeito do lado de fora da casa do depoente; que o prefeito foi chamado por Erivaldo depois que este último saiu da casa do depoente; que várias pessoas entraram na casa do depoente; que Erivaldo ficou conversando com algumas pessoas na casa do depoente mas não recorda o nome de nenhuma; (...) que José Lourenço esteve em sua casa para convidá-lo para a convenção, não recordando o dia em que esta iria ocorrer; que a convenção iria ocorrer no Centro de Abastecimento, não recordando o horário; (...) que o convite para a convenção foi dirigido a todas as pessoas que se encontravam presentes aos arredores da casa do depoente; que não recorda a data exata da convenção mas seria no final do mês de junho de 2008; (...)” (fls. 1225/1229, anexo 7). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 101 JURISPRUDÊNCIA Na mesma linha foram as declarações prestadas por Odilon Santos de Souza, testemunha arrolada pelos demandados e ouvida sem compromisso: “que o assentamento Fazenda Diamante é próximo ao assentamento Baixa do Umbuzeiro; (...) que o prefeito José Lourenço esteve na casa do declarante no ano da eleição de 2008 no mês de junho, mês de São João, não lembrando a data exata, juntamente com seu motorista, que não lembra o nome, convidando-o para a convenção; (...) que depois deste dia o prefeito não esteve no assentamento no período eleitoral pois se estivesse teriam lhe contado; que quando saiu José Lourenço disse que iria para o assentamento Baixa do Umbuzeiro na casa de Edson; (...)” (fls. 1230/1233, anexo 7) Neste passo,vale salientar que a testemunha Edson Oliveira dos Santos, no depoimento que prestou – corroborado pelas declarações de Odilon Santos de Souza –, deixou claro que os fatos ocorreram no mês de junho, o que se contrapõe à afirmação, contida na exordial e confirmada pelas declarações das testemunhas arroladas pelo partido autor, de que o fato teria ocorrido em 15/08/08. Este conjunto de inconsistências muito colabora para tornar frágil a acusação. Por fim, para encerrar a discussão a respeito da primeira alegação feita na petição inicial, é de ser realçada a firme assertiva da testemunha Edson Oliveira dos Santos no sentido de que o prefeito teria comparecido à residência de José Erivaldo a convite deste. Tal assertiva, quando cotejada com o conteúdo da própria gravação acostada pelo autor – na qual restou evidenciado que o pedido partiu do próprio beneficiário – configura forte indício de que realmente o suposto ilícito teria sido forjado pelo beneficiário José Erivaldo. No que toca à alegação de que José Erivaldo teria presenciado, ainda, uma promessa de entrega de um uniforme de futebol, de uma bola e de bebida a pessoa não identificada, nem mesmo o próprio José Erivaldo compareceu em juízo para depor e confirmar o fato. Ao lado disso, inexistem outras provas nos autos, exceto a gravação de fls. 55/70, a qual, à vista da sua descontinuidade e da não identificação dos nomes dos interlocutores, impossibilita qualquer conclusão sobre os diálogos. A segunda acusação é a de que teria havido oferecimento, pelo prefeito acionado, de vantagens a pessoas integrantes da nação cigana, após acordo que teria sido firmado em 02/08/08 com cerca de 20 famílias residentes do município, para calçamento de um trecho da Rua Salustiano Barreto Mendonça, onde estariam concentradas as residências das aludidas pessoas. Além disso, as principais destinatárias das vantagens seriam uma 102 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA pessoa de nome Josafá (que seria beneficiada pela construção de um calçamento em uma fazenda de sua propriedade, situada na região do Tabuleiro, à margem direita da BA-110, no sentido Pombal-Tucano, logo após o Motel Xodó) e outra de nome Ataíde (que seria beneficiada com a lavratura de uma escritura relativa à compra e venda de um imóvel rural que o prefeito réu teria lhe vendido cerca de um ano antes). Quanto a isto, a prova é praticamente nenhuma. Com efeito, a prova dos autos não demonstra o nexo causal existente entre o calçamento da Rua Salustiano Barreto Mendonça e o apoio político dos integrantes da nação cigana aos demandados. Aliás, seria profundamente questionável que a promessa de calçamento de uma rua caracterizasse abuso de poder e/ou captação ilícita de sufrágio. Também não há nada nos autos que comprove a interrupção de obras de calçamento de outras ruas da cidade para priorizar o da rua referida, de maneira que a única conclusão a que se pode chegar é à de tudo permaneceu no campo das alegações Além disso, a alegação de que a pessoa de nome Josafá teria sido agraciado com a construção de calçamento em fazenda de sua propriedade e que “o início do acordo firmado entre o Prefeito e o cigano Josafá se constata no vídeo onde o Trator de Josafá está sendo carregado com os paralelos do ‘calçamento da rua dos ciganos’ e transportando para sua fazenda”, não passa de mera ilação, pois a mídia de fl. 89 apenas mostra um trator – que, segundo ambas as partes, pertencia ao cigano Josafá – transportando pedras, o que não autoriza concluir, sem outras provas complementares, em que circunstâncias elas eram transportadas: se foram doadas, a quem foram doadas e se realmente pertenciam ao município. Quanto à lavratura da escritura de compra e venda de um bem imóvel que teria sido vendido pelo prefeito a uma pessoa de nome Ataíde há mais de um ano, a verdade é que se trata de um ato naturalmente decorrente do negócio jurídico celebrado e que, por isto mesmo, está longe de materializar a concessão de uma vantagem pessoal. Ademais, nenhuma prova há nos autos de que o prefeito réu estaria condicionando a entrega do documento à comprovação de que Ataíde votaria em seu favor, como alegado pelo partido autor. A matéria, portanto, mais uma vez, resume-se a meras alegações. No que se refere à acusação de que os demandados teriam doado filtros de água em troca de votos, inexistem nos autos elementos aptos a comprovar que tais atos teriam sido praticados com fins eleitoreiros, pois a única prova que corrobora a acusação é a declaração da testemunha José Augusto Ferreira Bitencourt, ouvida sem compromisso, que afirmou: “(...) que foram distribuídos filtros nas casas populares do bairro Pombalzinho com a finalidade de angariar votos; que sabe que a distribuição ocorreu a mando do prefeito José Lourenço mas não recorda a data nem pessoa que teria Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 103 JURISPRUDÊNCIA distribuído; (...) que a aquisição não obedecia a um programa específico da Administração; (...)” (fls. 975/978, anexo 6). Em outro momento, na mesma assentada, a mesma testemunha deixou claro que teve conhecimento do convênio realizado entre a Caixa Econômica Federal e o Município de Ribeira do Pombal e que somente as pessoas beneficiadas com casas populares teriam recebido os filtros: “(...) que os filtros foram entregues aos proprietários de todas as casas populares do bairro Pombalzinho entregues em 2008; que tomou conhecimento de convênio realizado entre a Caixa Econômica e o Município de Ribeira do Pombal para construção de casas populares no bairro de Pombalzinho; (...) que somente receberam filtros da Prefeitura Municipal as pessoas também beneficiadas com casas populares; (...)”. (fls. 975/978, anexo 6). Ao lado disso, constam dos autos documentos que sinalizam no sentido de que as doações consistiram em concretização do “Projeto de Trabalho Técnico Social”, desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Ribeira do Pombal, que previa, de há muito, a construção de casas populares e doação de filtros de água aos beneficiados respectivos conforme se verifica das fls. 210/228 do anexo 2. Quanto à alegação de que uma promessa teria sido feita, em troca de votos, por uma pessoa de prenome Manoel (ex-secretário municipal de saúde) e outra de prenome Sérgio (prestador de serviços para a prefeitura), por ordem dos demandados, ao eleitor Rosival Barbosa, de entrega de dinheiro, outorga de vantagens pessoais, concessão de uma linha de ônibus para transportar alunos e transferência da esposa para a sede do município, a prova se resume à gravação de uma conversa entre os três personagens (fls. 91/104) e ao depoimento, sem compromisso, do próprio Rosival Barbosa Santos (fls. 1257/1262, anexo 7). Todavia, na gravação aludida há diversos cortes que impossibilitam a compreensão, com clareza, dos diálogos. Demais disso, não há comprovação de que o diálogo teria sido travado a mando dos réus. Já no que se refere ao depoimento, não possui ele credibilidade, ante o acolhimento da contradita formulada contra a testemunha. Alega também a agremiação autora que o fato estaria comprovado por meio de uma entrevista concedida por uma pessoa conhecida por Dile do Poço (que seria cabo eleitoral do prefeito demandado) à Rádio Pombal FM. Entretanto, no conteúdo da entrevista não há qualquer informação que demonstre o cometimento do alegado ilícito. Ao revés, o entrevistado noticia a ocorrência de supostas irregularidades praticadas pelo vereador Marcelo Brito (fls. 108/114). No que concerne à acusação de que teria havido contratação de 522 novos servidores municipais no ano de 2008, no período de janeiro a junho, abrangendo cargos comissionados e temporários, sem prévio concurso 104 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA público e sem a demonstração de urgência e de excepcional interesse público, também não restou demonstrada sua correlação com o período eleitoral. Com efeito, de uma simples verificação nos documentos de fls. 116/138, percebe-se que o quadro de servidores temporários do Município de Ribeira do Pombal totalizava 176 pessoas em janeiro de 2008, ao passo que este número foi elevado para 654 em junho de 2008. Por sua vez, o número de cargos em comissão somava 320 no mês de janeiro de 2008, elevando-se para 364 no mês de junho do mesmo ano. Tais constatações corroborariam as assertivas do partido autor. Em sua defesa, os demandados alegam que o Município de Ribeira do Pombal tem uma séria deficiência em seu quadro funcional, principalmente no campo de educação, tanto assim que em novembro de 2007 foi realizado concurso público para contratação de pessoal para as mais diversas áreas, inclusive e principalmente para a atividade discente. Dizem, mais, que enquanto não haviam sido contratados, mediante concurso público, os profissionais para compor o quadro funcional do município, a administração era obrigada a contratar direta e excepcionalmente outros profissionais para suprir as mencionadas deficiências e atender ao interesse público, o que teria sido feito com o início do novo período escolar (em fevereiro de 2008), principalmente no mês de março de 2008. Malgrado pareçam frágeis as alegações dos réus, o fato é que os documentos de fls. 1234/1250 do anexo 7 revelam um quadro comparativo de servidores temporários referentemente aos meses de novembro de 2007 e novembro de 2008. E aí o que se vê é que naquele período o número de servidores temporários totalizava 584 e neste último 627, fato que, quando confrontado com os dados afirmados pelo autor, retiram a densidade da alegação de que as contratações ao longo do ano de 2008 decorreram de interesses eleitorais. De fato, se em novembro de 2007 o número de servidores temporários totalizava 584, e em janeiro de 2008 – período mais próximo da eleição - totalizava 176, não se pode chegar à automática conclusão de que as contratações estivessem relacionadas à eleição, embora, repita-se, tudo esteja a indicar que havia, de fato, irregularidades, tanto assim que o Ministério Público promoveu medidas para a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta com o Município em 26/09/07, por meio do qual este se comprometeu a obedecer às normas contidas no art. 37 da Constituição Federal, sobretudo a norma relativa à obrigatoriedade de concurso público (fls. 187/190 do anexo 1). Quanto ao aumento do número de cargos em comissão, tenho como plausível a justificativa dos acionados de que decorreu ele do preenchimento de vagas já existentes e decorrentes da Lei Municipal n. 352/2003, que alterou e atualizou a tabela prevista na Lei n. 322/01. Constam dos autos Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 105 JURISPRUDÊNCIA cópias de ambas as leis e, de fato, verifica-se que houve a criação, pela Lei n. 352/2003, de diversos novos cargos (fls. 1264/1282 do anexo 7). Noticia, ainda, o partido autor, a ocorrência de irregularidades no concurso público realizado pelo município, bem como na contratação de “auxiliar de creche”, cargo que, segundo eles, não integra a estrutura administrativa do município. Tais fatos, todavia, embora possam configurar ilícitos no campo administrativo, por não possuírem relação direta com o processo eleitoral são insusceptíveis de apreciação por esta Justiça especializada. No tocante à alegação de que teria havido utilização de servidores municipais, no horário de expediente, para servir aos interesses da campanha dos acionados, diz o autor que o prefeito e o vice-prefeito teriam cedido e utilizado servidores em horário de expediente para acompanhá-los a uma visita à feira livre de Ribeira do Pombal, no dia 15/08/08, às 11 horas (em pleno horário de expediente), no intuito de angariar votos. Contudo, as fotografias de fls. 141/148 não comprovam que a visita à feira teria ocorrido no horário de expediente e nem mesmo a finalidade da tal visita. Ademais, dois dos servidores elencados pelo acionante como participantes do fato – Josefa Góis de Melo e Marcos Vinícius Valadares Barreto – já haviam sido exonerados do cargo público em comissão que ocupavam no dia em que ocorreu o fato. Por sua vez, a testemunha José Augusto Ferreira Bitencourt, arrolada pelo autor, ouvida sem compromisso, afirma “que presenciou uma visita realizada na feira livre, Central de Abastecimento, em uma sexta-feira durante período de campanha eleitoral, não recordando a data exata; que a visita ocorreu entre dez e doze horas da manhã em dia de expediente normal; que o prefeito José Lourenço lá esteve com toda sua comitiva, a exemplo de Vinícius que ocupa cargo comissionado na prefeitura; (...)”. O depoimento, todavia, não possui credibilidade, ante a ausência de compromisso da testemunha. A alegação, pois, carece de substrato probatório. Por fim, no que toca à acusação de que teria havido transporte ilegal de eleitores no dia do pleito, do mesmo modo, a acusação não se fez acompanhar de prova suficiente. O que há nos autos são fotografias de veículos de passeio transportando pessoas, sem maiores evidências. Ao lado disso, o próprio partido acionante deixa claro que a conduta não teria sido praticada pelos réus. Ao revés, na narrativa constante da exordial ele imputa a autoria do fato aos candidatos a vereador “Miranda do Sem Terra” e “Marcelo Brito”, e a “Edmilson, irmão do candidato a vereador Dian”. Desse modo, ainda que os candidatos aludidos apoiassem os demandados, tal fato, por si só, não seria suficiente para que a responsabilidade recaísse sobre estes últimos, haja vista que aqueles, também na qualidade de candidatos a vereadores, tinham interesse direto no transporte de eleitores. 106 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Por sua vez, a testemunha compromissada Hugo Raniere Oliveira Moreira, ao ser inquirida (depoimento trasladado da AIME n. 372/2008), fez as seguintes afirmações (fls. 1201/1203): “(...) que no dia da eleição se encontrava no povoado da Boca da Mata, que o veículo de fl. 21 pertencia a Miranda do Sem Terra que foi candidato a vereador, não eleito; que o de fl. 23 pertencia a Marcelo Brito, atual presidente da câmara; que o de fl. 25 pertencia a Dian, candidato vereador, não eleito; que os três veículos estavam transportando eleitores no dia da eleição sem autorização da Justiça Eleitoral; (...) que no dia da eleição presenciou o senhor José Lourenço, atual prefeito, em local próximo ao Posto de Saúde do Povoado Boca da Mata depois da entrada do povoado, relativamente distante do colégio eleitoral; que não viu o vice-prefeito sr. Jairo; que o sr. José Lourenço estava conversando com eleitores, mas não o viu conversando com os donos dos veículos; que não presenciou sr. José Lourenço transportando eleitores e veículos não autorizados pela Justiça Eleitoral; (...)”. Do cotejo do depoimento supra com as fotografias acostadas aos autos, não se pode concluir que o transporte de eleitores possuía qualquer relação com os acionados, restando também esta acusação sem o necessário suporte probatório. Este é, pois, mais um daqueles casos em que, apesar de haver indícios da ocorrência dos fatos, o conjunto probatório não é suficiente, não restando outro caminho para o órgão julgador senão o de se conformar com a frustração da impossibilidade de formar um juízo de valor baseado em provas robustas. Pelo exposto, em harmonia com o parecer do Ministério Público Eleitoral, voto no sentido da rejeição dos pedidos. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de abril de 2011. Salomão Viana Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 107 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 7 0 / 2 0 11 RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA PROCESSO Nº 726 (17.993-18.2008.6.05.0167) CLASSE 29 (APENSO: PETIÇÃO Nº 1.094-87.2010.6.05.0000 MUNICÍPIO: Ourolândia RECORRENTES: Coligação A VONTADE DO POVO, Adinael Freire da Silva e Eustáquio Freire Neto. Advs.: Béis. João Daniel Jacobina Brandão de Carvalho e Carlos Augusto Santos Medrado. RECORRIDOS: Antônio Araújo de Souza e José Neitom de Oliveira. Advs.: Béis. Ademir Ismerim e outros. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 167ª Zona/Jacobina. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. REVISOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Recurso contra expedição de diploma. Preliminares de legitimidade ativa ad causam e de ausência de interesse de agir. Inacolhimento. Regularidade na intimação dos recorridos acerca da designação da audiência de instrução. Transcrição videofonográfica apresentada conjuntamente com a inicial. Prova documental. Não violação ao princípio do contraditório. Alegação de prática de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico e abuso de poder político. Comprovação apenas do primeiro ilícito. Cassação dos diplomas. Determinação de nova eleição. Provimento parcial. Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam. Embora não exista norma expressa acerca dos legitimados para a propositura do recurso contra expedição do diploma, a jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que as coligações podem interpô-lo, tendo em vista que os atos praticados durante o processo eleitoral podem repercutir, juridicamente, não só após as eleições, mas até mesmo após a diplomação. Mantém a sua legitimidade ativa ad causam candidato que, à época do ajuizamento do RCED, concorria ao pleito com o respectivo pedido de registro de candidatura sub judice. Preliminar de ausência de interesse de agir. Candidato ao cargo de vereador possui legitimidade para impugnar diploma concedido a prefeito, por- 108 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA quanto o interesse de agir, neste tipo de demanda, reside na necessidade de ver afastado do cenário político ocupante de cargo eletivo eleito mediante a prática de condutas tendentes a afetar a lisura e a regularidade do pleito eleitoral. Alegação de nulidade dos atos processuais realizados durante a audiência de instrução. Não há que se falar em nulidade dos atos processuais praticados durante a audiência de instrução quando as partes são devidamente intimadas para comparecerem à assentada. Alegação relativa à ausência de contraditório na realização da perícia. Não se configura perícia, mas prova documental, transcrição videofonográfica que instrui a exordial, razão pela qual se revela manifestamente improcedente pedido de desentranhamento com base na ausência de contraditório quando da sua confecção. Do incidente de falsidade. Julga-se improcedente incidente de falsidade por ausência de provas, pois os recorridos, apesar de devidamente intimados da decisão de deferimento da realização da perícia, deixou transcorrer, in albis, o prazo para recolhimento dos honorários periciais. Mérito. Cabalmente demonstrada a prática de captação ilícita de sufrágio, mediante doação de materiais de construção, dá-se parcial provimento ao recurso, cassando o diploma dos recorridos e determinando a realização de novas eleições, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER AS PRELIMINARES, JULGAR IMPROCEDENTE O INCIDENTE DE FALSIDADE e DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de abril de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência;JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 109 JURISPRUDÊNCIA PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recurso contra expedição de diploma interposto por Eustáquio Freire Neto e Adinael Freire da Silva, bem como pela Coligação A VONTADE DO POVO, com fundamento no inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral, em face de Antônio Araújo de Souza e José Neilton de Oliveira, diplomados, respectivamente, prefeito e vice-prefeito do Município de Ourolândia no dia 18 de dezembro de 2008. Sustentam os recorrentes que os recorridos viciaram as eleições municipais de 2008 ao praticarem captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico e abuso de poder político, mediante: (i) fornecimento de água potável a eleitores habitantes de localidades onde o serviço de abastecimento era deficiente; (ii) utilização de recursos públicos para construção de calçada de imóvel particular; (iii) doação de terreno da prefeitura para a Associação Comercial de Ourolândia durante o período eleitoral; (iv) celebração de contrato de prestação de serviço com a Caixa Econômica Federal com o objetivo escuso de angariar recursos para a campanha política; (v) contratação de policiais militares para o exercício do cargo de professor, sem a correspondente contraprestação do serviço; (vi) veiculação, em mídia impressa, de notícia inverídica atribuída a um dos recorrentes; (vii) transporte de eleitores para Jacobina, por meio de ônibus locado pela Prefeitura, a fim de que realizassem alistamento e transferência das respectivas inscrições eleitorais para o Município de Ourolândia; e, finalmente, (viii) doação de areia e sacos de cimento em troca de voto. Pugnam, assim, pelo provimento do recurso, a fim de que sejam desconstituídos os diplomas dos recorridos. Instruíram a inicial com os documentos de fls. 28/178. Nas contrarrazões de fls. 186/208, os recorridos, após suscitar as preliminares de perda superveniente da legitimidade ativa ad causam de Adinael Freire da Silva e da Coligação A VONTADE DO POVO e de ausência de interesse de agir de Eustáquio Freire Neto, impugnaram o rol de testemunhas apresentado pelos recorrentes, bem como a perícia, as fotos e a mídia que instruíram a exordial, requerendo, assim, instauração de incidente de falsidade. No mérito, rechaçaram todas as alegações constantes na peça vestibular, requerendo o não provimento do recurso. 110 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Às fls. 212/218, o membro do Ministério Publico de 1º grau apontou a necessidade de instrução da demanda. Remetidos os autos a este Regional, a eminente Juíza que me antecedeu no presente feito determinou a expedição de carta de ordem para a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes. Realizada a audiência de instrução, retornaram os autos a este Tribunal, ocasião em que foram os contendores intimados para apresentação de alegações finais, as quais foram colacionadas às fls. 319/336 e 338/344, tendo os recorridos suscitado a nulidade dos atos praticados na assentada instrutória, de cuja realização, alegam, não foram devidamente intimados. Em atendimento ao requerimento do Procurador Regional Eleitoral, foram encaminhadas pela 167ª Zona Eleitoral cópias dos termos de audiência, do parecer ministerial e das sentenças proferidas nas AIJEs tombadas sob os nos 336/2008 e 337/2008 (fls. 353/406). Concedida oportunidade de manifestação acerca dos documentos juntados, somente os recorridos se pronunciaram (fls. 413/419). À fl. 423, determinei a instauração do incidente de falsidade, que não restou instruído em razão da ausência de recolhimento dos honorários periciais. Com vista dos autos, o Procurador Regional Eleitoral pronunciouse pelo provimento do recurso tão-somente no que concerne à prática da captação ilícita de sufrágio. É o relatório que submeto a apreciação do eminente Juiz Revisor. VOTO Adoto como relatório o de fls. 457/459 dos autos. De início, impõe-se afirmar a tempestividade do ajuizamento da presente ação, protocolizada no prazo legalmente previsto (art. 258 da Lei nº 4.737/65), razão pela qual dela conheço. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. Afirmam os recorrentes, preliminarmente, que ocorreu a perda superveniente da legitimidade ativa ad causam de Adinael Freire da Silva e da Coligação A VONTADE DO POVO, na medida em que o registro de candidatura daquele restou indeferido pela Justiça Eleitoral. Não merece acolhida a preliminar. Embora não exista norma expressa acerca dos legitimados para a propositura do recurso contra a expedição do diploma, a jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que podem ajuizá-lo: os partidos políticos, as coligações, os candidatos registrados especificamente para a eleição e o Ministério Público Eleitoral. (RCED nº 674, Rel. Min. José Augusto Delgado, DJ de 24/04/2007; RCEd nº 643, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 6.8.2004; AgRg no REspe nº 25.269, Rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 20.11.2006). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 111 JURISPRUDÊNCIA Saliente-se que a legitimidade ativa das coligações foi consagrada, mesmo após as eleições, tendo em vista o resguardo do interesse público. Sobre esta questão, é relevante transcrever, pela clareza da manifestação, trecho extraído do AgR-RESP 36.398-MA, relatado pelo Min. Arnaldo Versiani Leite Soares: “Com efeito, é assente na jurisprudência pátria que a legitimidade ad causam das Coligações partidárias persiste mesmo após o pleito eleitoral, haja vista que as prerrogativas e obrigações atribuídas às Coligações, no que se refere ao processo eleitoral, não se encerram na data do pleito, sendo essa a melhor interpretação do art. 6º, § 1º, da Lei nº 9.504/97. Isso assim se passa porque os atos praticados durante o processo eleitoral podem repercutir, juridicamente, não só após as eleições, mas até mesmo após a diplomação. Em razão disso podem elas intentar Investigações Judiciais Eleitorais e, em razão da previsão na legislação eleitoral vigente, de dois outros instrumentos para se impugnar o resultado advindo das urnas, quais sejam, o recurso contra expedição de diploma e a ação de impugnação de mandato eletivo, podem estas ações também ser ajuizadas pelas Coligações. (...) Assim, pode-se dizer que a atuação legítima da coligação partidária se preserva com relação a todos os feitos em que se discute fatos acontecidos durante o pleito eleitoral para o qual a coligação fora constituída.” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 36398, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24/06/2010, Página 46/47 ). Tendo em vista que o processo eleitoral funda-se em questões de interesse público, precipuamente na defesa do regime democrático, qualquer interpretação acerca da legitimidade para a propositura das ações eleitorais deve ser realizada da forma mais ampla possível, evitando-se, assim, indevidas restrições ao direito de acionar o Poder Judiciário com o intuito de resguardar a lisura da manifestação popular. Nessa linha de entendimento, não deve prevalecer a alegação no sentido de que, em razão do indeferimento do registro de candidatura de Adinael Freire da Silva, não teria a Coligação recorrente legitimidade para o manejo do presente feito. Isso porque, conforme já decidido por esta Corte na ocasião do julgamento dos recursos eleitorais nos 101-44.2010.6.05.0167 e 10229.2010.6.05.0167, que envolveram as mesmas partes, o indeferimento do registro do candidato ao pleito majoritário não afetou a legitimidade da Coligação, que preservou a sua autonomia, até mesmo porque não se restringiu a indicar concorrentes ao cargo de prefeito, tendo, também, requerido 112 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA o registro de candidatos a vereador, conforme comprova o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários constante às fls. 28 e 29. A questão da legitimidade ativa ad causam de Adinael Freire da Silva também foi discutida no Recurso Eleitoral nº 102-29.2010, no qual restou assentado que o momento para análise dessa condição da ação seria a ocasião do ajuizamento da demanda, quando então o registro da candidatura do aludido recorrente ainda não tinha sido indeferido por esta Justiça Especializada. Pelo exposto, inacolho a preliminar. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DO RECORRENTE EUSTÁQUIO FREIRE NETO. Também não merece acolhida a preliminar de ausência de interesse de agir do recorrente Eustáquio Freire Neto. Não obstante o mencionado autor ter disputado, nas eleições de 2008, vaga para o cargo de vereador, possui legitimidade para a propositura da presente ação eleitoral, uma vez que a jurisprudência especializada não qualifica os candidatos que poderiam impugnar a expedição de diplomas, de modo a estabelecer restrição no sentido de que somente os concorrentes ao mesmo cargo poderiam requerer a cassação dos diplomas dos seus adversários eleitos. Por outro lado, ao ocupar o polo ativo do feito, assume o candidato Eustáquio Freire Neto a função de agente propulsor da busca do interesse público, consubstanciado na fiscalização da regularidade das eleições. Assim, o interesse jurídico a ser analisado não é aquele comumente presente em demandas privadas, mas o da sociedade em ver afastado do cenário político ocupante de cargo eletivo eleito mediante a prática dos indesejáveis ilícitos eleitorais. Outro não é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, citado na manifestação do Ministério Público de 1º grau: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRA-RAZÕES. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CONTRADITÓRIO. GARANTIA. REPRESENTAÇÃO. INTERESSE DE AGIR. OMISSÃO AFASTADA. NÃO DISTINÇÃO. CANDIDATOS. REPRESENTAÇÃO. ART. 96, CAPUT, LEI Nº 9.504/97. REJEIÇÃO. 1. Os ora embargantes apresentaram contraminuta ao agravo interposto contra a inadmissão do recurso especial da parte contrária. Naquela peça são combatidos todos os fundamentos do recurso especial posteriormente provido. As manifestações da parte quanto ao tema central da controvérsia foram realizadas, motivo pelo qual se afasta a alegação de ofensa ao contraditório. Ausente a comprovação de prejuízo concreto. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 113 JURISPRUDÊNCIA 2. Motivado pelo interesse público, o candidato ao cargo de Vereador representou contra o candidato ao cargo de Prefeito no Município de Capinzal/SC. O interesse de agir reside na necessidade de se coibir a prática de condutas tendentes a afetar a lisura do pleito eleitoral e a igualdade de oportunidades entre os candidatos, não importando se haverá repercussão da decisão na esfera política do representante. 3. O permissivo do artigo 96, caput, da Lei nº 9.504/97 não faz distinção entre os candidatos habilitados a propositura de representação eleitoral, desde que o façam em mesmo pleito e circunscrição. De todo evidente o interesse do Ministério Público Eleitoral em recorrer, pois aquela instituição detém o múnus público para tanto. 4. Os embargos declaratórios prestam-se para integração e servem apenas para ajustar e corrigir deficiências do acórdão. Rejeitam-se os embargos declaratórios que não preenchem os requisitos do art. 275 do Código Eleitoral. 5. Embargos de declaração rejeitados.” (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 6506, Acórdão de 24/10/2006, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 08/11/2006, Página 112). Para atestar a tese aqui defendida, é suficiente relembrar a hipótese, tranquilamente aceita pelos tribunais, de assunção, pelo Ministério Público, da titularidade das ações eleitorais em caso de desistência do autor. “AGRAVOS REGIMENTAIS COM O MESMO OBJETO. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. PEDIDO DE DESISTÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PROCURADOR-GERAL ELEITORAL. LEGITIMIDADE ATIVA SUPERVENIENTE. COMPETÊNCIA. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. NÃO PROVIMENTO. 1. Em recurso contra expedição de diploma, a desistência manifestada pelo recorrente não implica extinção do feito sem resolução do mérito, tendo em vista a natureza eminentemente pública da matéria. Precedentes: REspe nº 26.146/TO, Rel. Min. José Delgado, DJ de 22.3.2007; AgRgREspe nº 18.825/ MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 27.4.2001. 2. Embora não haja previsão expressa para que o Ministério Público assuma o polo ativo da demanda, tal medida é justificada pela relevância do interesse público ínsito na demanda e por analogia, nos art. 9º da Lei 4.717/65 (GOMES, José Jairo. 114 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Direito Eleitoral. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 341), e nos arts. 82, III e 499, §2º, CPC. (REsp 8.536, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 24.3.1993; REspe nº 15.085/MG, Rel. Min. José Eduardo Alckmin, DJ de 15.5.1998). [...] 6. Agravos regimentais não providos.” (AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA nº 661, Acórdão de 03/11/2009, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10/12/2009, Página 9 ). “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO ART. 41-A DA LEI 9.504/97. DESISTÊNCIA TÁCITA. AUTOR. TITULARIDADE. AÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. POSSIBILIDADE. INTERESSE PÚBLICO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA. [...] 2.O Ministério Público Eleitoral, por incumbir-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal), possui legitimidade para assumir a titularidade da representação fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 no caso de abandono da causa pelo autor. 3.O Parquet assume a titularidade da representação para garantir que o interesse público na apuração de irregularidades no processo eleitoral não fique submetido a eventual colusão ou ajuste entre os litigantes. Assim, a manifestação da parte representada torna-se irrelevante diante da prevalência do interesse público sobre o interesse particular. [ ...] 7. Agravo regimental desprovido.” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 35740, Acórdão de 16/06/2010, Relator(a) Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 06/08/2010, Página 53-54 ). Pelos motivos exposto, afasto essa preliminar. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS REALIZADOS DURANTE A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. Em suas alegações finais, mencionam os recorridos que não foram devidamente intimados da realização da audiência de instrução ocorrida no Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 115 JURISPRUDÊNCIA dia 1º de dezembro de 2009, razão pela qual, juntamente com seu patrono, não compareceram àquela assentada e não produziram, por consequência, a prova testemunhal indicada nas contrarrazões. Alegam que a intimação da designação da referida audiência ocorreu na pessoa de advogada que não mais detinha poderes para representálos no feito. Do exame atento da sequência dos atos praticados pelo juízo zonal e pelos recorridos, verifico, entretanto, que não merece prosperar a alegação em foco. Na audiência realizada no dia 27 de novembro de 2009, com vistas à oitiva das testemunhas arroladas pelas partes, o magistrado de 1º grau, diante da ausência, devidamente justificada, da Belª. Lílian Maria Santiago Reis, então patrona dos recorridos, redesignou o ato processual para o dia 1º de dezembro de 2008, ordenando fossem providenciadas as intimações necessárias (fl. 292). Naquela mesma data, o Cartório Eleitoral, via fac-símile, intimou a supracitada advogada acerca da remarcação da audiência (fl. 295). Em 30 de novembro, um dia antes da data da assentada instrutória, portanto, a causídica referida, às 10:00h, protocolizou, junto ao Cartório Eleitoral, petição requerendo a juntada de substabelecimento, por meio do qual transferiu ao Bel. Ademir Ismerim, sem reservas, os poderes que lhe foram outorgados pelos recorridos. Horas depois, mais precisamente às 13:10h, a Belª. Lílian Maria Santiago Reis, já destituída de poder de representação, novamente peticiona, pleiteando, desta vez, a redesignação da audiência, tendo em vista a impossibilidade de comparecimento do advogado substabelecido (fl. 299). Na assentada do dia 1º de dezembro, o magistrado zonal, amparado pelo opinativo da Promotoria, indeferiu o pedido de adiamento, passando à oitiva das testemunhas arroladas pelos recorrentes. É evidente, da análise do encadeamento dos atos, que a intimação dos recorridos ocorreu segundo os ditames estabelecidos pela legislação processual, não havendo que se falar, deste modo, em quaisquer nulidades. O que restou vislumbrado, saliente-se, foi mais uma tentativa dos recorridos de retardar o andamento do processo, cuja instrução foi adiada por duas vezes a pedido destes. ALEGAÇÃO RELATIVA AO EXCESSO DO NÚMERO DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELOS RECORRENTES. A impugnação sub examine perdeu o objeto, pois, malgrado os recorrentes tenham arrolado, na petição inicial, testemunhas em quantidade superior à permitida pela legislação eleitoral, na ocasião da audiência de instrução apenas apresentaram 4 delas. 116 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA ALEGAÇÃO RELATIVA À AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO NA REALIZAÇÃO DA PERÍCIA. Requerem os recorrentes seja desentranhada dos autos a transcrição videofonográfica que instruiu a exordial, ao argumento de que foi confeccionada sem a obediência ao princípio do contraditório. O documento impugnado, ao contrário do que pretendem fazer crer os recorridos, em verdade, não é uma prova pericial, mas, sim, uma espécie de prova documental, trazida aos autos pelos recorrentes, que contrataram um profissional especializado a fim de que realizasse a transcrição dos depoimentos constante na mídia de fl. 165. É cediço que o contraditório em relação à prova documental é realizado mediante a produção, pela parte adversa, durante o curso do feito, de outras provas aptas a repulsar as evidências decorrentes daquela. Os recorridos, além de não haverem juntado aos autos qualquer tipo de documentação na oportunidade da apresentação das suas contrarrazões, não compareceram à audiência de instrução e nem providenciaram o recolhimento dos honorários pericias relativos à perícia deferida no curso do incidente de falsidade. Assim, não há que se falar em desentranhamento do aludido documento, que poderá, sim, ser valorado, mas como prova produzida unilateralmente pelos recorrentes. DO INCIDENTE DE FALSIDADE. O suscitado incidente de falsidade deve ser julgado improcedente por ausência de provas, pois os recorridos, apesar de devidamente intimados da decisão de deferimento da realização da perícia, deixou transcorrer, in albis, o prazo para recolhimento dos honorários periciais. MÉRITO. Conforme relatado, alegam os recorrentes que os recorridos, mediante inúmeras condutas, viciaram o pleito de 2008 ao praticarem captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico e abuso de poder político. De todos os imputados ilícitos eleitorais, porém, somente restou comprovada a captação ilícita de sufrágio, consistente em doação de areia e sacos de cimento ao eleitor Bento Antônio dos Santos. Não há provas suficientes acerca do alegado fornecimento de água potável em troca de votos. Sobre a imputação, os recorrentes lograram êxito em levar a juízo as testemunhas José Francisco Xavier e Paulo Rosalvo da Silva, as quais, apesar de confirmarem as alegações iniciais, não se envolveram diretamente nos fatos e não souberam apontar os beneficiários da conduta (fls. 304 e 305). Também apresentaram, à fl. 31, cópia autenticada de um cheque Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 117 JURISPRUDÊNCIA subscrito por Antônio Moreira de Souza Neto, sobrinho do recorrido Antônio Araújo de Souza e, à época, chefe do setor de licitações do Município de Ourolândia, no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), nominal à Maria Cristina A. Ribeiro, suposta amiga da proprietária do veículo por meio do qual se realizou a distribuição da água. O documento aludido, contudo, somente faz prova da sua existência, dele não podendo ser extraída a informação apresentada pelos recorrentes, ainda que analisado em conjunto com a prova testemunhal. O mesmo sucedeu com a imputação relativa à utilização de recursos públicos para construção da calçada da residência do eleitor Vinícius Lima de Medeiros, pois os recorrentes, para comprová-la, somente colacionaram ao feito as fotografias de fls. 38 e 39, que, desacompanhadas de outros meios probatórios, não autorizam qualquer conclusão acerca da ocorrência do ilícito eleitoral imputado. De igual modo, não vislumbro abuso de poder político e econômico ocasionados pela doação de terreno municipal para a Associação Comercial de Ourolândia e pela celebração de contrato de prestação de serviços, firmado entre a Prefeitura e a Caixa Econômica Federal, com a anuência da Caixa de Previdência dos Servidores Municipais, pois os recorrentes não se desincumbiram de comprovar, respectivamente, a intenção eleitoreira e a finalidade de desviar os recursos financeiros oriundos do ajuste para a campanha eleitoral. Ressalto que não possui idoneidade para atestar o noticiado desvio de verba pública o flagrante operado pela polícia local, que encontrou, no dia 05/10/2008, em poder do Diretor da supracitada Caixa de Previdência, a importância em dinheiro de R$ 710,00 (setecentos e dez reais) e 55 folhetos de propaganda eleitoral do candidato a vereador Janival Rodrigues e do prefeito Antônio Araújo de Souza (fl. 43). Sobre os fatos, a Promotoria Zonal, nos autos da AIJE nº 337/2008, assim se manifestou: “Cumpre, de logo, observar que não vislumbra o Ministério Público qualquer irregularidade eleitoral no contrato de fls. 21/28, onde o Município de Ourolândia (e não o candidato ANTÔNIO ARAÚJO) recebeu, antecipadamente, contrapartida de valores da CEF, em face da exclusividade nas movimentações financeiras do Município e da Caixa de previdência dos seus servidores. Não existe, nos autos, qualquer comprovação de desvio desses recursos, que pertencem ao Município de Ourolândia e não aos candidatos. Não há, ao menos, notícia de saques desses valores ou da utilização dos mesmos em algum programa ou obra municipal. De outro lado, em relação a conduta do Diretor da Caixa de 118 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Previdência de Ourolândia, consta nos autos a Certidão de fl. 19, que descreve que, efetivamente, no dia 05/10/2008 (dia das eleições) MARCOS ANDRÉ VASCONCELOS PEREIRA e APRÍGIO MARTINS DA SILVA foram abordados por Policiais Militares enquanto conduziam o veículo VW Gol, de cor prata, placa policial JRQ-3988, sendo apresentados na Delegacia de Ourolândia e que foi encontrada, em poder de MARCOS ANDRÉ, a quantia de ‘R$ 710,00 e 55 folhetos de propaganda política do candidato a vereador Janival Rodrigues, n. 121123, do prefeito Antônio Araújo e vice Neilton. As circunstâncias que compõem a situação acima descrita, levam qualquer observador (por mais ingênuo que possa ser) a chegar a uma conclusão óbvia: MARCOS ANDRÉ tinha a intenção de efetuar compra de votos em favor dos candidatos ANTÔNIO ARAÚJO, JOSÉ NEILTOM DE OLIVEIRA e JANIVAL RODRIGUES. Ocorre, todavia, que não foi indicada nos autos sequer uma única pessoa que tenha recebido vantagem pecuniária oferecida por MARCOS ANDRÉ em troca de voto.” No que tange à suscitada contratação de policiais militares para o exercício do cargo de professor, sem a correspondente contraprestação do serviço, visando-se apenas à abstenção destes em relação à repreensão dos atos ilícitos praticados durante a campanha eleitoral, também não há provas. Extrai-se dos documentos de fls. 59/75 que Jair Rodrigues de Oliveira, Josafá Alves de Souza e Paulo Ricardo V. Amorim, efetivamente, são policiais militares e professores celetistas contratados pela Prefeitura Municipal de Ourolândia. Os recorrentes não comprovaram, porém, que as contratações foram motivadas por razões políticas. O relatório extraído do Sistema de Acompanhamento de Pagamento de Pessoal, extraído do sítio do Tribunal de Contas do Município, revela que os aludidos policiais ingressaram no quadro da Prefeitura por meio de contratações ocorridas nos anos de 2005 e 2007, muito antes do início do período eleitoral. A par disso, as testemunhas não fizeram declarações contundentes acerca do ilícito apontado. Inácio Ribeiro de Brito, em seu depoimento de fl. 306, apenas afirmou “que soube que alguns policiais militares davam aula em Ourolândia, mas não sabe dizer o nome de nenhum; que também soube, por ouvir dizer, que policiais militares também recebiam como professores de Ourolândia”. Não há, assim, elementos que demonstrem a omissão dos policiais no exercício de suas funções, razão por que, também por esta alegação, não merece procedência a demanda. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 119 JURISPRUDÊNCIA Quanto ao mencionado abuso de poder econômico decorrente de veiculação de matéria jornalística supostamente inverídica, além de não ter sido demonstrada a responsabilidade pela divulgação da notícia, a qual, ressalte-se, não se afastou da verdade, não se comprovou a ampla distribuição do material impresso no município. Igual sorte acompanha a alegação relativa ao transporte de eleitores ocorrido no mês de abril de 2008. O testemunho colhido à fl. 360, prestado por Cícero Pereira da Silva, foi corroborado pelas fotografias juntadas às fls. 90/92, mas só permite a extração de uma única conclusão: a de que houve o transporte de eleitores para realização de alistamento e transferências das inscrições eleitorais. Não há evidências mínimas a respeito do patrocínio do ato. O supracitado depoente apenas asseverou que: “... que acha que foi contratado um ônibus para trazer esses eleitores para Jacobina, mas desconhece quem contratou e quem era proprietário desse ônibus; que não sabe informar se o ônibus que transportou os eleitores era particular ou se prestava algum serviço para a Prefeitura de Ourolândia.” A captação ilícita de sufrágio, consistente na doação de areia e sacos de cimento, consoante já anunciado, é a única alegação em relação à qual foram produzidas provas sólidas e contundentes. O depoimento de fls. 307 e 308, juntamente com as fotografias de fls. 103, 159/163 e 167/169, não deixa dúvidas que Antônio Araújo de Souza, candidato a reeleição, contando com o auxílio de Filomeno Bezerra dos Santos, realizou a doação de materiais de construção ao eleitor Bento Antônio dos Santos, com o fim de obter-lhe o voto. O cooptado acima citado, ouvido em juízo, foi enfático em afirmar que: “Que ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUSA e FILOMENO passaram pela casa do depoente, quando faziam algumas visitas “de casa”; que, ao perceber que a casa do depoente estava em reforma, ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUSA perguntou se aquelas obras eram em benefício dele; que o depoente respondeu que não, pois o dinheiro que usava havia ganhado em um bingo em Várzea Nova (quatro mil reais); que ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUSA perguntou ao depoente quantos sacos de cimento seriam necessários para acabar a reforma; que respondeu 20 sacos, no que ANTÔNIO ARAÚJO perguntou se quinze dava; que o depoente respondeu que sim; que ANTÔNIO ARAÚJO mandou que filomeno ‘ajeitasse’ os sacos de cimento para o depoente; que FILOMENO pediu uma xerox do documento de identidade do depoente, no que foi atendido; que no dia seguinte, um menino chegou na casa do depoente e disse que FILOMENO o aguardava; que ao chegar na casa de FI- 120 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA LOMENO, este entregou uma nota ao depoente, no qual havia ordem de pagamento de quinze sacos de cimento na loja de TURECO; que, então, foi até aquela loja, mas não pegou os sacos de cimento porque estavam em falta; que deixou a ordem na loja de TURECO; que no dia posterior , TURECO mandou levar os quinze sacos de cimento na casa do depoente; [...] que ANTÔNIO ARAÚJO pediu para que o depoente votasse nele; [...] que dois dias depois da entrega do cimento, chegou na casa do depoente uma carrada de areia, numa caçamba da Prefeitura; [...] que a foto constante da petição inicial retrata o depoente e a caçamba descarregando areia para dentro de sua casa; que do lado da caçamba tinha a foto com um bode, que é a marca da Prefeitura [...]” (Depoimento de fls. 307 e 308). O Professor Marcos Ramayana, em sua obra Direito Eleitoral (Editora Ímpetus, 4ª edição, p. 253), prevê a existência de três elementos para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, quais sejam: (i) a prática de uma ação (doar, prometer, anuir); (ii) a existência de uma pessoa física (eleitor) e (iii) o resultado a que se propõe o agente. A análise da potencialidade da conduta para influir no resultado das eleições é, portanto, desnecessária, tendo em vista que o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 possui a finalidade precípua de resguardar a vontade do eleitor. Imperiosa, dessa maneira, é a procedência do pedido de cassação dos diplomas com base na captação ilícita de sufrágio. Saliento que a utilização de veículo da prefeitura para favorecimento da candidatura dos recorridos poderia configurar, em tese, abuso de poder político. Sucede que a imposição de penalidade com base neste ilícito eleitoral, ao contrário da compra de voto, exige prova da potencialidade lesiva, o que não ocorreu no caso sub examine. Realmente, não há indícios de que este ato, isoladamente, possua o condão de interferir no resultado do pleito. Diante do exposto, em consonância com o parecer ministerial, voto no sentido de que, inacolhidas as preliminares, seja julgado improcedente o incidente de falsidade e parcialmente provido o presente recurso, determinando-se a cassação dos diplomas dos recorridos tão somente em razão da captação ilícita de sufrágio. Voto, ainda, com fundamento no art. 224 da Lei nº 4.737/65, pela realização de novas eleições no Município de Ourolândia, uma vez que, anulados os votos atribuídos ao recorrido e ao segundo colocado no pleito – em razão do indeferimento do pedido de registro da candidatura deste –, a nulidade atingiu mais de 50% dos votos válidos colhidos nas eleições de 2008. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de abril de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 121 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 8 0 / 2 0 11 RECURSO CRIMINAL PROCESSO Nº 1-04.2011.6.05.0017 CLASSE 31 MUNICÍPIO: Salvador RECORRENTE: Ministério Público Eleitoral. RECORRIDO: Alfredo Boa Sorte Júnior. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 17ª Zona. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. REVISOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Recurso Criminal. Denúncia. Artigo 39, § 5º, II da Lei nº 9.504/97. Transação penal. Ausência de intimação. Rejeição da denúncia. Procedimento sumaríssimo. Observância. Necessidade. Provimento. Aplica-se aos crimes eleitorais, quando cabível, o procedimento contido na Lei nº 9.099/95, devendo ser provido o recurso para anular a decisão e facultar ao réu a aceitação da proposta de transação penal. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de abril de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - MAURICIO KERTZMAN SZPORER, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público em face de decisão do Juiz Eleitoral da 17ª Zona que, nos autos da Ação Penal em exame, teria deixado de proceder conforme estabelecido no artigo 76 da Lei nº 9.099/95 e, entendendo ausente um dos requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, teria rejeitado denúncia por ele formulada contra Alfredo Boa Sorte Júnior. Aduz o Recorrente que o Magistrado zonal, apesar da regularidade formal da denúncia, em vez de proceder conforme estabelecido no artigo 76 da 122 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Lei nº 9.099/95, antecipando o juízo de prelibação, teria obstacularizado o autor da infração de se manifestar sobre a proposta inicial de transação penal. Sustenta que a rejeição da denúncia de igual modo teria inviabilizado a busca da verdade real, somente possível com a instrução do feito. Destaca, ainda, que se rejeitada pelo Investigado a proposta do Ministério Público, deveria ser formalmente oportunizado o oferecimento da denúncia, com a proposta de suspensão condicional do processo e que, antecedendo a denúncia oral, ainda poderia requerer diligências para garantir mais elementos de provas, nos termos autorizados pelo artigo 77 da Lei nº 9.099/95. Ressalta que procedimento idêntico fora adotado pelo Procurador Regional Eleitoral, tendo como Relator o Juiz Cássio Miranda, que proferiu decisão designando audiência preliminar na forma prevista no artigo 76 do mesmo Diploma legal. Quanto ao exame do mérito da denúncia, embora entenda não ser o momento adequado para sua discussão, afirma que o Código Eleitoral é restritivo nas hipóteses de rejeição de denúncia, nelas não se enquadrando a decisão recorrida. Para fins de manejo de recursos às instâncias superiores, prequestiona os artigos 76 e 77 da Lei nº 9.099/95, bem como os artigos 358, I do Código Eleitoral e 5º, LIV da Constituição Federal. Apesar de devidamente intimado (fls. 33), Alfredo Boa Sorte Júnior deixou de apresentar contrarrazões ao recurso. Ouvido, o Procurador Regional Eleitoral posicionou-se pela admissibilidade do apelo e, no mérito, por seu provimento. É o relatório que submeto à apreciação do Juiz Revisor. VOTO Adoto como relatório o de fls. 42/43. Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, registrando, de logo, que a pretensão recursal enseja acolhimento. Com efeito, os crimes previstos no artigo 39, § 5º da Lei nº 9.504/97 são puníveis com detenção de seis meses a um ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período e multa, enquadrandose como infração de menor potencial ofensivo, à qual deve ser aplicado o procedimento descrito na Lei nº 9.099/95. No caso em apreço, embora tenha oferecido a denúncia de fls. 01 e 02, o Promotor Eleitoral, expressamente, requereu fosse procedida à intimação de Alfredo Boa Sorte Júnior para: Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 123 JURISPRUDÊNCIA “[...] querendo, aceitar a proposta de transação penal, consistente em pena restritiva de direito, in casu, adstrita tão somente à aplicação de multa no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais), a ser revertida para a Defesa Civil deste Estado, uma vez que eventual prestação de serviço à comunidade poderia redundar, impropriamente, em benefício político ao denunciado, nos termos do art. 76 da Lei nº 9.099/95 c/c o art.39, § 5º, inciso II da Lei nº 9.504/97”. Assentado o cabimento da transação penal nos processos de competência da Justiça Eleitoral, impõe-se a observância da regra contida no artigo 76 da Lei nº 9.099/95. Nesse sentido decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul no julgamento de recurso criminal no qual, por maioria, determinouse o retorno dos autos à origem para que fosse examinado o benefício legal postulado. “Processo penal eleitoral. Transação. Cabe, também nos crimes eleitorais de menor potencial ofensivo, a aplicação do sistema processual penal da Lei nº 9.099/95. Recurso recebido como apelação e assim provido.” (Acórdão de 14/11/2001 - Recurso Criminal nº 61999 - Porto Alegre/RS. Relator: Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho. Publicado no DJE - Diário de Justiça Estadual, Tomo 225, Data 27/11/2001, Página 77.) Grifos aditados. Por essas razões, em consonância com o parecer ministerial, voto pelo provimento do recurso para anular a decisão de fls. 11/15 e determinar a adoção do procedimento sumaríssimo, devolvendo-se os autos à origem para que seja formulada a proposta de transação penal requerida pelo Parquet. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de abril de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator 124 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 2 0 5 / 2 0 11 HABEAS CORPUS PROCESSO Nº 356-65.2011.6.05.0000 CLASSE 16 MUNICÍPIO: Mata de São João IMPETRANTE: Belª. Miucha Bordoni. PACIENTE: Eujácio Simões Viana Filho. IMPETRADO: Juiz Eleitoral da 185ª Zona. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Alegação de extinção da punibilidade e ausência de justa causa. Não configuração. Denegação. Denega-se a ordem de habeas corpus que visa trancamento de ação penal, uma vez que o recebimento da denúncia interrompeu a prescrição arguida pelo impetrante. Ademais, as questões suscitadas pelo impetrante, relativas à suposta ausência de justa causa, demandam esclarecimentos acerca dos fatos e exame aprofundado do conjunto probatório, o que não se afigura possível em sede de habeas corpus. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DENEGAR A ORDEM, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 25 de abril de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de concessão de liminar, impetrado por Miucha Bordoni em favor de Eujácio Simões Viana Filho, visando ao trancamento de ação penal nº 120/04, em trâmite no Juízo Eleitoral da 185ª Zona, instaurada para apuração de suposta prática dos crimes previstos nos arts. 324, 325, 326, c/c 327, II e III do Código Eleitoral. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 125 JURISPRUDÊNCIA Afirma a impetrante que, em 19 de março de 2010, o magistrado a quo declarou extinta a punibilidade em relação aos crimes capitulados nos arts. 325 e 326, por incidência da prescrição, tendo a denúncia sido recebida apenas em relação ao crime tipificado no art. 324, c/c 327 do referido Diploma Legal. Para embasar o pedido de trancamento da ação penal, sustenta a extinção da punibilidade também em relação ao crime previsto no art. 324, pois em setembro de 2010 teria se operado a prescrição em face do transcurso de mais oito anos da data do suposto ilícito, ocorrido em setembro de 2002, durante a campanha eleitoral daquele ano, tendo como vítima a então Prefeita de Mata de São João, Márcia Carneiro Dias. Defende, ainda, a ausência de justa causa, em face da ausência de tipificação penal da conduta do agente, que não teria praticado o crime de calúnia, mas sim proferido críticas de cunho político, configurando retórica típica dos comícios eleitorais, estando ausente o elemento subjetivo do tipo – o dolo específico. Entendendo ausentes os requisitos autorizadores, o Juiz Mauricio Kertzman Szporer, substituindo este Relator, ante a sua ausência da Comarca, indeferiu o pleito liminar formulado (fls. 26/27). O ilustre Juiz Eleitoral prestou as devidas informações às fls. 32/33. Instada a se manifestar, a Procuradoria Regional Eleitoral pronunciou-se pela denegação da ordem requerida (fls. 36/41). É o relatório. VOTO Pretendendo a concessão do writ, para o fim de trancamento da ação penal, sustenta o impetrante a extinção da punibilidade e a ausência de justa causa em razão da atipicidade do suposto fato criminoso descrito, considerando que o conjunto probatório acostado aos autos não autoriza o enquadramento jurídico-penal nos artigos 324 e 327, II e III do Código Eleitoral. Defende o Impetrante o advento da prescrição de que trata o art. 109, IV do Código Penal, uma vez que, tendo o fato delitivo ocorrido em setembro de 2002, o prazo prescricional do crime do art. 324, c/c 327 do Código Eleitoral – de 8 anos – teria se operado em setembro de 2010. Ocorre que a denúncia foi recebida em 19 de março de 2010, interrompendo a contagem do prazo prescricional, nos termos do art. 117, I do Código Penal. Também não há que se falar na inutilidade da condenação ensejando falta de interesse de agir, sugerida pelo paciente, pois, como bem 126 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA observou o Ministério Público Eleitoral, “o STJ já sumulou a matéria no sentido de que não cabe a prescrição teórica ou antecipada no processo penal” (Súmula 438). Quanto à suposta ausência de justa causa, trazida sob a alegação de ausência de tipificação penal da conduta do agente, que não teria praticado o crime de calúnia, mas sim proferido apenas críticas de cunho político, tenho que razão não assiste ao impetrante, também, nesse ponto. É de se observar que o trancamento de ação penal em habeas corpus é medida excepcional, somente se justificando em face de manifesta inépcia da denúncia ou irrefutável atipicidade do fato. No caso dos autos, a denúncia foi recebida, pois atendeu aos requisitos legais, apontando indícios de materialidade e autoria. As questões suscitadas pelo impetrante demandam esclarecimentos acerca dos fatos efetivamente ocorridos e, em consequência, exame aprofundado do conjunto probatório, o que não se afigura cabível na via estreita da ação de habeas corpus. Esta ação não comporta, ademais, ampla discussão sobre a presença, ou não, dos elementos subjetivos configuradores da tipicidade penal, que deverão ser devidamente perquiridos, via cognição exauriente, no decorrer da ação penal em trâmite no juízo de primeiro grau. Assim, o trancamento prematuro da ação penal é cabível tãosomente quando emerge dos autos, de forma incontroversa, a divergência entre a imputação e os elementos de convicção em que se baseia, ficando patente o abuso do poder de investigar. Na presente hipótese, como destacou o eminente Procurador Regional Eleitoral em sua manifestação, “o que o paciente pretende com a impetração é antecipar na via excepcional e unilateral do habeas corpus a discussão de mérito, com o sacrifício do direito de prova dos fatos alegados pelo Estado. Tal não é possível, porquanto o direito ao devido processo legal também se estende ao presentante da sociedade e do Estado no Juízo criminal, que em regra é o Ministério Público”. A respeito do tema, vejamos o entendimento firmado pela jurisprudência do TSE: Recurso em Habeas Corpus. Trancamento de ação penal. Apuração fatos definidos como crime. Calúnia. Art. 324 do Código Eleitoral. Propaganda eleitoral. Divulgação co-réu. Alegações de cerceamento de defesa e ilegalidade. Inexistência. Configuração. Conduta típica. Manutenção da decisão regional. O habeas corpus é meio próprio para trancar a ação penal, por ausência de justa causa, quando desponta prontamente a atipicidade da conduta. Recurso Ordinário conhecido, mas desprovido. (grifos nosso) (AC. TSE nº 82, de 12/05/2005, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 127 JURISPRUDÊNCIA Diante do exposto, denego a ordem de habeas corpus pleiteada. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 25 de abril de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator 128 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 2 6 4 / 2 0 11 PROPAGANDA PARTIDÁRIA PROCESSO Nº 903-42.2010.6.05.0000 CLASSE 27 (EXPEDIENTE Nº 73.042/2010 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO) EMBARGANTE: Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB - Seção da Bahia. Adv.: Bel. Manoel Guimarães Nunes. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Embargos de Declaração. Propaganda Partidária. Inserções. Cassação de tempo. Art. 45, § 5º da Lei nº 9.096/95. Efeito suspensivo das decisões. Omissão. Acolhimento parcial. Dá-se parcial provimento a embargos declaratórios, para considerar a incidência da norma disposta no art. 45, § 5º da Lei nº 9.096/95, mantendo-se, todavia, inalterada a parte dispositiva do acórdão embargado, que autorizou a veiculação de propaganda partidária somente no segundo semestre de 2011. Visto, relatado e discutido o expediente acima indicado, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por maioria, vencidos os Juízes Salomão Viana e Cássio Miranda, ACOLHER PARCIALMENTE OS EMBARGOS, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 3 de maio de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência e Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de embargos declaratórios, com pedido de efeito modificativo, opostos pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB, em face da decisão que, por maioria, deferiu o pedido de veiculação de propaganda partidária, na modalidade de inserções, somente para o segundo semestre do ano de 2011, tendo em vista ter sido cassado todo o tempo a que teria direito o partido no primeiro semestre. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 129 JURISPRUDÊNCIA Na hipótese dos autos, a aludida agremiação solicitou a utilização do tempo de 20 minutos por semestre, em inserções de 1 minuto ou 30 segundos. Tendo em vista as decisões proferidas nos processos tombados sob os nos 3.822/CRE, 3.826/CRE, 3.831/CRE, 3.855/CRE, 3.867/CRE, 3.879/ CRE, 3.882/CRE, 3.896/CRE, 3.897/CRE. 3.902/CRE, 3.905/CRE, 3.907/CRE e 3.928/CRE, cassando o total de 157 (cento e cinquenta e sete) minutos e 30 (trinta) segundos do tempo de propaganda partidária que caberia ao partido, esta Corte determinou a cassação do tempo que caberia à agremiação no primeiro semestre. Aduz a embargante que, ao assim proceder, o Tribunal não considerou o § 5º do art. 45 da Lei nº 9.066/95, incluído pela Lei nº 12.034/2009, que atribui efeito suspensivo aos recursos dirigidos ao TSE nos processos de representação por propaganda partidária irregular, e que, por esse motivo, não poderia ter havido a diminuição do tempo. É o relatório. VOTO Assiste razão parcial ao embargante. De fato, em quase todas as representações acima indicadas, houve a interposição de recurso dirigido ao TSE. Conforme demonstrado pelo irresignado, apenas nos autos da representação nº 3867/CRE não houvera o manejo de apelo à Corte Eleitoral Superior, restando definitivamente determinada a cassação de 05 minutos do tempo de propaganda partidária a que teria direito o partido no primeiro semestre do ano corrente. Em que pese a interposição de recursos para o TSE, verifica-se, no entanto, que nas representações nos 3822/CRE, 3826/CRE, 3831/CRE, 3855/CRE, 3879/CRE, 3896/CRE, 3897/CRE, 3907/CRE e 3928/CRE já existe manifestação da Instância Superior desprovendo os agravos de instrumento interpostos contra as decisões que negaram seguimento aos recursos especiais. Dispõe o § 5º do art. 45 da Lei nº 9.096/95, incluído pela Lei nº 12.034/09, que: “Art. 45. § 6º Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais que julgarem procedente representação, cassando o direito de transmissão de propaganda partidária, caberá recurso para o Tribunal Superior Eleitoral, que será recebido com efeito suspensivo.” 130 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Sabendo-se que para os recursos aptos a desafiar as decisões do TSE, no âmbito da matéria em exame, não há regra análoga à disposta no parágrafo acima transcrito, conclui-se que, além dos cinco minutos fixados na representação nº 3867/CRE, devem ser subtraídos da Agremiação 127 minutos e 30 segundos, referentes ao total do tempo cassado nas representações nos 3822/CRE, 3826/CRE, 3831/CRE, 3855/CRE, 3879/CRE, 3896/CRE, 3897/CRE, 3907/CRE e 3928/CRE. Tendo em vista que esta Corte, por maioria, assentou o entendimento de que a subtração somente pode ocorrer no primeiro semestre, o partido deverá ter cassado todo o tempo referente a este período, porquanto a sanção ultrapassa em muito os 20 minutos a que teria direito. Isto posto, acolho os embargos aclaratórios, dando-lhes parcial provimento, para, tão somente, reconhecer a incidência do artigo 45, § 5º da Lei nº 9.096/95, mantendo inalterada a parte dispositiva do acórdão embargado, que autorizou a veiculação da propaganda partidária somente no segundo semestre de 2011, pelo tempo de 20 minutos. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 3 de maio de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 131 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 3 0 4 / 2 0 11 RECURSO CRIMINAL PROCESSO Nº 3.545-77.2010.6.05.0035 CLASSE 31 MUNICÍPIO: Mucuri RECORRENTE:Alessandro Mattias Loures. Advs.: Béis. Sérgio dos Santos, Roberto Albert de Almeida e Moisés Ronacher Dantas. RECORRIDO:Ministério Público Eleitoral. PROCEDÊNCIA:Juízo Eleitoral da 35ª Zona. RELATOR:Juiz Renato Reis Filho. REVISOR:Juiz Salomão Viana. Recurso criminal. Transporte ilegal de eleitores. Condenação pelo Juízo a quo. Autoria e materialidade evidenciados. Manutenção da decisão. Presença dos requisitos do art. 44 do CP. Substituição da pena. Possibilidade. Desprovimento. 1. Nega-se provimento a recurso, para manter a decisão de origem que condenou os réus pela prática do delito de transporte ilegal de eleitores, quando a prova dos autos revela-se consistente, evidenciando a autoria e a materialidade dos fatos assacados. 2. Estando presentes os requisitos estatuídos pelo artigo 44 do Código Penal, deve a pena privativa de liberdade ser substituída pela restritiva de direitos. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 10 de maio de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - RENATO REIS FILHO, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Cuida-se de recurso interposto por ALESSANDRO MATIAS LOURES, contra sentença de piso (fls. 96/101) que julgou procedente a denúncia 132 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA ofertada em desfavor do recorrente, de ODAIR JOSÉ MATIAS LOURES, e de FABIO CARDOSO DA SILVA NETO, como incursos nas penas do artigo 302 do Código Eleitoral c/c artigos 5º e 11º da Lei n.º 6.091/74, condenandolhes à pena de 04 (quatro) anos de reclusão e de 200 (duzentos) dias-multa, por terem os réus, no pleito de 2006, prometido e ofertado transporte e café da manhã a eleitores da localidade denominada Cimental, no município de Mucuri/BA. Segundo a exordial acusatória, o denunciado Fábio, que é filiado ao PTB e, à época dos fatos, fazia campanha para o deputado Benito Gama, teria ido à Fazenda Cimental, onde teria se comprometido a realizar o transporte de alguns eleitores, para que estes fossem votar em Mucuri. Por ordem de Fábio, Alessandro teria entregue a Odair uma requisição de 20 litros de combustível, para abastecimento no Posto Mucuri. Odair, então, teria se dirigido àquela fazenda, com o pretexto de comprar carvão e, na volta, teria realizado o transporte de vários eleitores até a residência do denunciado Fábio. Naquele local, teria sido oferecido café da manhã aos eleitores, oportunidade em que a polícia foi acionada e prendeu Odair e Alessandro. Em suas razões, o recorrente nega a ocorrência dos ilícitos, asseverando ter havido uma valoração equivocada dos elementos de prova coligidos aos autos, em virtude do que pugna pelo provimento do recurso, para que seja o recorrente absolvido. Em contrarrazões (fls. 124/128), o Ministério Público reitera os argumentos expendidos na proemial. O ilustre Procurador Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fl. 133), adotando integralmente as contrarrazões lançadas pela Promotoria zonal. É o relatório que ora submeto à judiciosa apreciação do eminente Juiz Revisor. Salvador, 16 de fevereiro de 2011. Dr. Renato Reis Filho Juiz Relator VOTO Adoto como relatório o constante às fls. 135/136 dos autos. Conheço da inconformidade, uma vez que atendidos os requisitos de admissibilidade. Bem analisados os autos, tenho por acertada a sentença de origem, que condenou os réus como incursos nas penas do artigo 302 do Código Eleitoral c/c artigos 5º e 11º da Lei nº 6.091/74. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 133 JURISPRUDÊNCIA De início, vejamos o que dispõe o artigo 302 do Código Eleitoral: Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo: Pena - reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa. O exame da Lei nº 6.091/74, por sua vez, revela que o legislador, ao regulamentar a matéria, estabeleceu que o fornecimento gratuito de alimentos e de transporte coletivo a eleitores é prerrogativa exclusiva da Justiça Eleitoral, senão vejamos: Art. 5º Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo: I - a serviço da Justiça Eleitoral; II - coletivos de linhas regulares e não fretados; III - de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família; IV - o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2º. Art. 11. Constitui crime eleitoral: [...] III - descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10: Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa (art. 302 do Código Eleitoral). A materialidade do delito restou provada por meio do auto de prisão em flagrante (fls. 05/54) e dos depoimentos colhidos no processo. A autoria dos réus está demonstrada diante dos depoimentos testemunhais prestados, tanto na fase inquisitorial como judicial. Importante transcrever o que declarou, em juízo, Orlando Pereira Silva, policial militar, que conduziu à prisão os réus Odair e Alessandro: “Que o depoente estava de serviço no dia da eleição quando foi chamado pelo telefone pela Promotora de Justiça, Graziela Junqueira, solicitando apoio para realizar uma prisão. Que se dirigiu até a esquina das ruas Nova Viçosa e Paquetá, onde encontrou a Promotora junto com os réus ODAIR E ALESSANDRO, sendo que estes haviam sido flagrados em uma Kombi transportando eleitores. Que encontrou a Kombi estacionada com 3 eleitores no interior dela e aproximadamente 8 pessoas em volta. [...] Que a Kombi estava estacionada quase em frente à residência do réu FÁBIO. Que havia um entra e sai de pessoas na casa do réu [...]” (ORLANDO PEREIRA SILVA, policial militar, à fl. 77) 134 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Consta dos autos, ainda, o depoimento de Paulo Rocha Guimarães, à fl. 84, que não deixa dúvida acerca dos fatos: “Que estavam na estrada esperando condução para virem votar quando um dos acusados passou e deu carona para o depoente e seu colegas mas não foi nada programado. [...] Que o depoente e seus companheiros é que pediram carona ao veículo. Quando o motorista parou, o depoente e seus companheiros avisaram ao motorista que estavam vindo para Mucuri votar. [...] Que o depoente mais umas cinco pessoas se dirigiram a pé para a casa do Dr. Fábio. Que pediram ao motorista do veículo que lhes desse um cafezinho na casa do Dr. Fábio. Indagado qual o motivo de terem pedido ao motorista o café na casa de Dr. Fábio e qual a ligação entre o Dr. Fábio e o acusado que dirigia o veículo o depoente respondeu: ele era o motorista de Dr. Fábio. Que os eleitores que pediram carona, pediram um café ao motorista e o motorista os levou até a casa do Dr. Fábio.” (PAULO ROCHA GUIMARÃES, à fl. 84) Em que pese o réu Alessandro José Matias Loures tenha negado os fatos em juízo, o mesmo afirmou, perante a autoridade policial, ter recebido uma requisição de 20 litros de gasolina, assinada pelo Dr. Fábio. Demais disso, o seu irmão, Odair José Matias Loures, confessou ter conduzido algumas pessoas à casa do Dr. Fábio, onde foi servido café, senão vejamos: “que no dia dos fatos foi à Fazenda Cimental fazer um pagamento de carvão e na volta, deu carona a algumas pessoas conhecidas Às quais pediram para ficar na porta da casa do Dr. Fábio. O declarante estacionou o veículo na porta da casa do Dr. Fábio e as pessoas disseram que queriam tomar café na casa do Dr. Fábio. As pessoas entraram e lhes foi servido o café. Que enquanto estava na porta da casa do Dr. Fábio, o irmão do depoente chegou, oportunidade em que o declarante informou que havia feito o pagamento do carvão e que as pessoas às quais o declarante havia dado carona queriam tomar o café e que eram um número considerável de pessoas às quais tiveram que fazer fila para serem atendidas.” (Depoimento pessoal do réu ODAIR JOSÉ MATIAS LOURES, à fl. 58) Bastante elucidativo é, também, o depoimento pessoal do réu Fábio Cardoso da Silva Neto, cujos principais trechos seguem transcritos: “Quanto aos fatos narrados na denúncia, tem a esclarecer que é presidente do PTB no Município e atuou na campanha do deputado Benito Gama. No domingo anterior às eleições, o declarante esteve na Fazenda Cimental para pedir votos Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 135 JURISPRUDÊNCIA para seu candidato e naquela oportunidade se comprometeu a proporcionar transporte aos eleitores. O compromisso foi assumido juntamente com o Sr. Alessandro, o qual tem vínculos comerciais naquela região. Na 5ª feira, em audiência pública realizada no Fórum, o depoente ouviu da Juíza Eleitoral a advertência feita a todos os presentes quanto à proibição legal e consequências penais do transporte de eleitor no dia da eleição. No sábado, conversou com o Sr. Alessandro, dizendo-lhe para abortar a busca dos eleitores porque aquilo iria dar problema. O Alessandro argumentou que haviam dado a palavra e que deveriam cumpri-la. O declarante então disse ao Sr. Alessandro que a responsabilidade seria toda dele, Alessandro. No domingo pela manhã, tocaram a campainha da casa do declarante e ao atender a porta, deparou-se com o Sr. Alessandro com uma Kombi cheia de eleitores. O declarante permitiu que as pessoas entrassem em sua casa e providenciou um cafezinho com pão para aquelas pessoas e disse ao Alessandro para despachar o pessoal. Em seguida, se dirigiu a Itabatã [...].” (grifos aditados) (Depoimento pessoal do réu FÁBIO CARDOSO DA SILVA NETO, à fl. 60) Para que a conduta se amolde ao tipo penal, é imprescindível que se tenha a justa correspondência entre os elementos do tipo e o ato acoimado ilícito. In casu, o tipo insculpido nos dispositivos retro encerra, além dos elementos objetivos, o elemento subjetivo, qual seja o fim específico do agente de obter vantagem eleitoral, o que resta explicitado nos autos, conforme se depreende da leitura da prova oral produzida. Nesta senda, tenho por acertada a decisão a quo, que julgou procedente a denúncia. Impende, todavia, observar que, na hipótese versada, encontram-se presentes os requisitos autorizadores da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal, in verbis: Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. A sentença de origem condenou os réus a 04 (quatro) anos de reclusão, além do pagamento de 200 dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) 136 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA do salário mínimo vigente à época dos fatos. O magistrado zonal determinou que a pena de reclusão deveria iniciar-se no regime semi-aberto. O primeiro requisito previsto no inciso I do artigo 44 do CP encontrase atendido, porquanto a pena aplicada não superou os quatro anos e o delito não foi praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa. De igual modo, o segundo pressuposto, inserto no inciso II do referido artigo, está presente, já que os réus não são reincidentes na prática de crime doloso. O terceiro requisito, de natureza subjetiva, demanda a análise da pena aplicada, à luz do binômio necessidade e suficiência. Do exame dos autos, verifica-se que os réus são tecnicamente primários, nada havendo que lhes desabone a vida pregressa. Como assentado na decisão objurgada, inexistem elementos suficientes acerca da conduta social e da personalidade dos réus, que pudessem influir na fixação da pena, de modo que as circunstâncias judiciais revelam-se favoráveis aos mesmos. Nesta direção, com vistas a se evitar o desnecessário encarceramento dos condenados, a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos ressai como medida razoável e suficiente à reprovação das práticas delitivas em comento, restando atendido, ainda, o caráter preventivo da medida punitiva. O § 2º do artigo 44 do CP assim estabelece: Art. 44. [...]. § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. Na hipótese, a condenação se deu à pena restritiva de liberdade e multa. Como consectário, a substituição da pena de prisão deverá se dar por uma restritiva de direito, mantendo-se a condenação à reprimenda pecuniária, nos termos da sentença de piso. Forte em tais razões, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a condenação dos réus e a pena aplicada, que deve ser substituída por uma restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser definida pelo juízo da execução, em observância ao estatuído pelo art. 44 do Código Penal. É como voto. Sala de Sessões do TRE da Bahia, em 10 de maio de 2011. Renato Reis Filho Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 137 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 3 6 4 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 13.653-50.2008.6.05.0193 CLASSE 30 (APENSOS: RECURSOS ELEITORAIS Nos 13.645-73.2008.6.05.0193 e 13.656-05 .2008.6.05.0193 – CLASSE 30) MUNICÍPIO: Marcionílio Souza RECORRENTES: Coligação RENOVAR É PRECISO, O POVO NO PODER, Rauildo Santos de Souza e PRTB de Marcionílio Souza. Advs.: Béis. Vagner Bispo da Cunha, Lindolfo Rebouças, Paulo de Tarso Santos, Anderson Batista, José Antônio Sampaio Gomes e Pablo Picasso Silva Dias RECORRIDOS: Edson Ferreira de Brito e Edson Pires de Souza. Advs.: Béis. Fabrício Maltez Lopes e Rafael de Medeiros Chaves Mattos. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 193ª Zona/Iaçu. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. REVISOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Recursos eleitorais. AIME, AIJE e Representação. Fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.504/97. Pedido de inelegibilidade, cassação de diploma e multa. Alegação de captação ilícita de sufrágio, abuso do poder econômico e corrupção. Arguição de arrecadação e gastos ilícitos de recursos. Ilicitude na obtenção da prova documental. Inocorrência. Comprovação da ocorrência dos ilícitos eleitorais. Cassação dos diplomas e mandatos políticos. Inelegibilidade do primeiro recorrido. Assunção dos segundos colocados. Preliminar de inadequação da via eleita. Afasta-se a prefacial, porquanto o art. 30-A da Lei nº 9.504/97 autoriza a impugnação de condutas relativas à arrecadação e gastos de recursos para fins eleitorais por meio de representação, a qual, de acordo com o § 1º do mesmo artigo, deve seguir o procedimento do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, previsto para o processamento das AIJES. Alegação de coisa julgada. A aprovação das contas de campanha não impede o ajuizamento de representação com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, uma vez que constituem ações independentes, razão por que não se acolhe a preliminar. Mérito Dá-se provimento a recursos manejados contra 138 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA decisão de 1º grau que julgou improcedentes AIME, AIJE e Representação Eleitoral, quando se comprova a prática de abuso de poder econômico, captação ilícita de sufrágio e violação ao art. 30-A da Lei das Eleições, cassando-se, por conseguinte, os diplomas e mandatos políticos e declarando-se a inelegibilidade do primeiro recorrido; determinando-se, outrossim, a imediata diplomação dos candidatos da chapa majoritária que obteve a segunda maior quantidade de votos na eleição de 2008 ocorrida naquela municipalidade. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER AS PRELIMINARES DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA e DE COISA JULGADA e, no mérito, DAR PROVIMENTO AOS RECURSOS, nos termos do voto do Juiz Relator de fls. 1.329/1.355, que integra o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 24 de maio de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recursos aviados pela COLIGAÇÃO RENOVAR É PRECISO, O POVO NO PODER, RAUILDO SANTOS DE SOUZA e pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO contra decisões lançadas pelo Juiz da 193ª Zona Eleitoral/ Iaçu, que julgou improcedentes a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 659/2008, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 656/2008 e a Representação Eleitoral nº 654/2008, ajuizadas em desfavor de EDSON FERREIRA DE BRITO e EDSON PIRES DE SOUZA, atuais Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Marcionílio Souza, eleitos no pleito de 2008. Nas peças vestibulares das supra epigrafadas AIME e AIJE, os seus autores, ora Recorrentes, requereram a decretação da inelegibilidade e cassação dos diplomas dos investigados, ora Recorridos, e, ainda, a aplicação de multa, sob a alegação da ocorrência de abuso de poder econômico, corrupção e captação ilícita de sufrágio, cujo delineamento decorre da doação de combustível, cestas básicas, dinheiro e peças de motocicleta, além de Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 139 JURISPRUDÊNCIA fornecimento de transporte gratuito a eleitores visando ao comparecimento de comício. Nas decisões vergastadas in foco, o douto Magistrado Zonal, empós declarar a nulidade da prova documental referente à distribuição de combustível e da prova pericial dela decorrente, reconheceu a fragilidade do acervo probatório, julgando improcedentes os pedidos iniciais. Pertinente a Representação nº 654/2008, os Recorrentes alegam que a prestação parcial das contas dos Recorridos fora apresentada de forma fraudulenta, contendo omissão das receitas e despesas realizadas até o dia 06.08.2010, período em que a campanha eleitoral daqueles se encontrava deflagrada. Demais disso, aduzem que na contabilização das contas de campanha foram omitidos os gastos com serviços advocatícios, comitê financeiro, propaganda eleitoral, locação de veículos para transporte de eleitores, financiamento de campanha dos candidatos ao cargo de vereador, locação de carros de som, doações de cestas básicas e de peças de motocicleta. Ao final, pedem pela procedência da Representação para que sejam cassados os diplomas outorgados aos Recorridos. Em todos os recursos ora postos a acertamento, os Recorrentes sustentam, inicialmente, que a decisão hostilizada se revela extra petita, ao argumento de que a declaração judicial de nulidade da prova documental, impulsionada pela tese da obtenção ilícita das notas de abastecimento, não foi invocada pelos demandados, que somente suscitaram a questão relativa à falsidade dos documentos, a qual, alega, restou afastada pela perícia. Afirmam, outrossim, que as aludidas notas foram entregues pelo gerente do posto de gasolina, Sr. Erasmo Cristovão de Almeida Ribeiro, o qual detinha a sua posse legítima, razão pela qual não há que se falar em presunção de furto, com a conseqüente ilegalidade na obtenção. Argumentam que, ainda que admitida a ilicitude da prova, deve esta ser valorada, à vista da proteção do Estado Democrático e do princípio da proporcionalidade. No que tange à prova testemunhal, dizem que não é correto desconsiderá-la, sob o argumento de que as testemunhas dos recorrentes afirmaram a existência das condutas ilícitas, enquanto aquelas dos investigados, ora recorridos, negaram-nas, pois os depoimentos das primeiras se encontram em consonância com o conjunto probatório constante nos autos. Quanto à prestação parcial das contas, alegam que os documentos juntados aos fólios evidenciam a existência de doações e gastos não contabilizados. Mencionam, também, que nunca houve doação de serviços advocatícios, cujos contratos, confeccionados para sustentar a tese de defesa, encontram-se imbuídos de falsidade ideológica, assim como aquele relativo à doação do carro de som. Referem que a tese relativa à ocorrência do abuso do poder econômico e da captação ilícita de sufrágio resta comprovada pelas notas de abastecimentos carreadas aos autos, documentos que culminam por eviden- 140 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA ciar a distribuição aos eleitores de grande quantidade de combustível, cujos gastos também não foram declarados na prestação de contas. Sobre as gravações de áudio e vídeo referentes à campanha eleitoral, asseguram que são imaculadas, encontrando-se em conformidade com as demais provas do processo. Por derradeiro, argumentam que as testemunhas de defesa faltaram com a verdade, a exemplo do arrendatário do posto de combustível, Sr. Carlos Alberto Roque da Cunha, que afirmou não haver negociado mercadorias no referido estabelecimento comercial durante o período anterior às eleições. Pugnam, dessa maneira, pelo provimento dos recursos para que, reconhecendo-se a licitude da prova documental e a perícia dela decorrente, sejam as sentenças invectivadas reformadas, de modo a se julgar procedentes as ações sub examine, com a conseqüente decretação de inelegibilidade e cassação dos diplomas dos Recorridos, dando-se posse imediata à chapa a qual coube o segundo lugar no certame de 2008. Em contrarrazões, os Recorridos, inicialmente, requerem que esta Corte analise a demanda nos exatos limites propostos na inicial, deixando de apreciar qualquer outro fato ou pleito apresentado posteriormente, uma vez que consumada a preclusão. Ainda, preliminarmente, argúem que a Representação enfocada é via processual inapropriada para investigar a existência da suposta captação e gastos ilícitos de recursos e que a matéria relativa à prestação de contas já fora julgada pelo órgão competente, que a aprovou, com ressalvas, devendo por tais razões, portanto, o processo, neste aspecto, ser extinto sem resolução de mérito. No tocante à questão de fundo, os Recorridos afirmam que restou peremptoriamente provada na instrução probatória a não ocorrência das ilicitudes imputadas. Evidenciam, também, que se procedeu a devida correção em relação aos equívocos detectados na prestação de contas. Aduzem que, mesmo que se admita a existência das ilicitudes, sua ocorrência jamais poderia causar desequilíbrio no certame, vez que as campanhas eleitorais dos candidatos contendores foram materializadas de igual forma. Instado nos autos da AIME e da AIJE, o ilustre representante do Ministério Público Eleitoral com assento nesta Corte, em prestígio à unidade institucional, adotou as razões lançadas pelo Parquet de 1º grau, manifestando-se pelo desprovimento do recurso. Em relação à Representação formulada com base no art. 30-A da Lei 9.504/97, o MPE manifestou-se pelo provimento parcial do recurso, a fim de que sejam cassados os diplomas dos candidatos eleitos. Em momento posterior, vislumbrando a conexão entre as partes e os fatos constantes dos feitos sub judice (AIJE, AIME e Representação), ordenei o apensamento dos processos para julgamento conjunto (fls. 1.294), dando Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 141 JURISPRUDÊNCIA azo ao pedido de reconsideração por parte dos Recorrentes, sem êxito, uma vez que mantive o meu posicionamento (fls. 1300/1301), valendo sublinhar que, desta decisão, não houve irresignação. É o relatório. VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos. Preliminares deduzidas nos autos: INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. Inicialmente, cumpre examinar a preliminar de inadequação da via eleita levantada nos autos da Representação de nº 654/2008 pelos Recorridos, sob o argumento de que as alegações referentes à suposta captação e gastos ilícitos de recursos devem ser levadas ao crivo do judiciário por meio da Ação de Investigação Judicial Eleitoral. É cediço, todavia, que o art. 30-A da Lei 9.504/97 autoriza a impugnação de condutas relativas à arrecadação e gastos de recursos para fins eleitorais por meio da Representação, a qual, de acordo com o § 1º do mesmo artigo, deve seguir o procedimento do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, previsto para o processamento das AIJEs. Em judicioso parecer, o preclaro Procurador Eleitoral pontuou “... da análise do referido dispositivo legal, verifica-se que a apuração de condutas em desacordo com o artigo 30-A segue apenas o procedimento da AIJE, não existindo óbice, portanto, para a sua proposição sob a forma de representação eleitoral...” Demais, observa-se que a aludida preliminar já foi afastada por decisão interlocutória lançada na Representação n. 654/2008 (fls. 658/661), valendo a transcrição do seguinte excerto da lavra do Juízo de primeiro grau: “(...) Inicialmente, passo a apreciar a alegação da falta de interesse de agir, na modalidade adequação, sustentando a inaplicabilidade da via processual eleita por entender que se trata de verdadeira ação de investigação judicial eleitoral e que não houve pedido na inicial de conversão da representação em referida ação. Não assiste razão aos representados, uma vez que há de se reconhecer à representação eleitoral prevista no art. 30-A, da Lei 9.504/97 a natureza de autêntica ação judicial (...) (...)Dessa forma, rejeito, a alegação de falta de interesse de agir (...)” A Representação com fulcro no supracitado art. 30-A, desse modo, não deve ser confundida com a AIJE, pois, a despeito de utilizar-se do rito 142 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA processual desta, constitui-se ação própria, com requisitos bem definidos pela Lei Eleitoral. Mercê dessas ponderações, mormente considerando no caso que inexistiu qualquer prejuízo para a parte recorrida, ensejando a máxima pas de nullité sans grief (art. 129 do CE), inacolho a preliminar. ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA. Defendem os Recorridos, ainda em sede de preliminar, que a contenda relativa à captação e gastos ilícitos de recursos deve ser extinta sem julgamento de mérito, tendo em vista anterior aprovação, pelo órgão eleitoral competente, das suas contas de campanha. Não há que se falar, porém, em coisa julgada material entre a prestação de contas prevista no art. 28 da Lei das Eleições e a Representação eleitoral da estipe em análise, quando a própria legislação autoriza a instauração desta para averiguar irregularidades havidas naquelas. Efetivamente, deve-se reconhecer que o objeto da reclamação com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 é muito mais amplo do que o da prestação das contas de campanha, cujo procedimento, instrumentalizado mediante formulários previamente definidos pela Justiça Eleitoral, não permite a averiguação da ocorrência dos ilícitos apontados na exordial. Em verdade, ao julgar as contas de campanha, realiza o magistrado apenas uma análise formal acerca dos documentos que lhes foram apresentados, observando se foram obedecidas minimamente as exigências estabelecidas pela legislação de regência. Demais disso, não há que se falar em coisa julgada quando não houve pronunciamento da Justiça Eleitoral acerca dos fatos imputados aos recorridos. A decisão que julgou as contas possui natureza administrativa, analisando principalmente aspectos meramente formais dos dados apresentados pelo candidato, haja vista o exíguo prazo para a apreciação destas, inexistindo, assim, a alegada relação de prejudicialidade com a ação prevista pelo art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Ademais, a minireforma instituída pela Lei n. 11.300/06, que acrescentou o predito art. 30-A à Lei da Eleições, teve como finalidade principal, entre outras, permitir a análise mais aprofundada das contas de campanha de forma a se evitar a malversação de recursos. Sobre a matéria, o Min. Ricardo Lewandowsky, proferindo decisão no Recurso Ordinário n. 2366-GO, em 20.10.2009, destacou: “(...)Tampouco prospera a alegação de ser inviável a análise da infração ao art. 30-A da Lei 9.504/97 em virtude dos mesmos fatos, objeto da representação, terem sido analisados quando do julgamento da prestação de contas do recorrido. O processo de prestação de contas tem natureza administrativa e sua análise é feita sobre um prisma bastante restrito. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 143 JURISPRUDÊNCIA (...) Na espécie, não pode haver preclusão entre a matéria discutida no processo de prestação das contas que o candidato estava obrigado a encaminhar à Justiça Eleitoral – até o trigésimo dia posterior à realização das eleições, por força do disposto nos artigos 28, § 2º, 29, inciso III, da Lei 9.504/97 -, e aquela da representação prevista no artigo 30-A, do mesmo Diploma legal, em que se examinou a alegação de captação e gasto ilícitos de recursos para fins eleitorais. No primeiro caso, tem-se que um processo sem contraditório, onde até mesmo de ofício pode haver a determinação de diligência para suprir as falhas. E como o prazo para julgamento do processo é muito pequeno, a Justiça Eleitoral se limita a apreciar, não raro, os aspectos formais e contábeis, aprovando ou rejeitando as contas. Na representação fundada no 30-A, de modo diverso, é possível examinar com profundidade todos os aspectos da arrecadação e gastos dos recursos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, seguindo o rito do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90. O preceito legal em que se funda a ação, como bem assinalou o acórdão recorrido (fl. 1907), tem como principal finalidade impedir o uso de recursos vedados e o emprego do “caixa dois” na campanha eleitoral. Somente aqui se permite a imposição da sanção de perda do diploma ou do mandato eletivo.” Na esteira desse entendimento, julgados do TRE-SP: RECURSO ELEITORAL. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. CAPTAÇÃO E GASTO ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. PREFEITO E VICE-PREFEITO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS APROVADAS. INDEPENDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 30-A EM RELAÇÃO A PRESTAÇÃO DE CONTAS APROVADAS. FATO QUE NÃO IMPEDE O INGRESSO DE REPRESENTAÇÃO. RECURSO PROVIDO. (RE - RECURSO nº 34203 - Taboão da Serra/SP; Acórdão de 23/03/2010, Relator(a) PAULO HAMILTON SIQUEIRA JÚNIOR, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 13/04/2010, Página 31). Por esses fundamentos, rejeito, também, esta preliminar. MÉRITO Conforme relatado, por meio dos presentes recursos, interpostos nos autos da AIME nº 659/2008, da AIJE nº 656/2008 e da Representação Eleitoral nº 654/2008, visam os Recorrentes a reformar as decisões de 1º grau para que sejam decretadas a inelegibilidade e cassação dos diplomas dos Recorridos, ao fundamento de arrecadação e gastos ilícitos de recursos 144 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA durante a campanha eleitoral e, ainda, da prática de abuso de poder econômico, captação ilícita de sufrágio e corrupção eleitoral. Da análise atenta dos autos, verifico que a pretensão exordial das três ações supra epigrafadas se lastreiam praticamente nos mesmos fatos, tanto é assim que o Magistrado a quo instruiu conjuntamente a AIJE e a AIME, juntando, inclusive, aos fólios destas ações, na qualidade de prova emprestada, cópias de termos de depoimentos e dos laudos periciais produzidos na Representação de nº 654/2008. Vale destacar que as decisões atacadas apresentam diversos pontos em comum, o mesmo ocorrendo com os recursos interpostos pelos Recorrentes. A par disso e pelas razões acima expendidas, as irresignações postas a acertamento merecem julgamento simultâneo, ressaltando, contudo, que, empós análise e constatação dos ilícitos alegados nas preludiais, suas conseqüências jurídicas, com a aplicação do correspondente ato punitivo, serão examinadas de per si. O primeiro fato que ora me debruço, constitutivo da causa de pedir de todas as demandas em julgamento, diz respeito à distribuição de combustíveis, cujas provas documentais e pericial foram declaradas, de ofício, nulas pelo douto Magistrado a quo, ao argumento de que sua obtenção se deu de forma ilícita. Cumpre, desse modo, aferir a licitude ou não da prova documental, delineada pela obtenção e apresentação em Juízo das notas de abastecimento. Com o intuito de provar a grande quantidade de distribuição de combustíveis a eleitores e correligionários políticos, os Recorrentes instruíram as iniciais com cópias de “notas de fornecimento” oriundas do Posto Dallas, antigo Tamburi, de propriedade do primeiro Recorrido, Edson Ferreira de Brito (fls. 326/329), referentes ao mês de agosto do ano de 2008. Posteriormente, na oportunidade da realização da audiência de instrução da Representação nº 654/2008, apresentaram novas cópias das referidas “notas de fornecimento de combustível”, só que, desta vez, autenticadas. O Juízo a quo, ao valorar essa prova, declarou-a nula, por entender que foi obtida de forma ilícita, baseado unicamente no fato de que a autenticação dos documentos tinha sido realizada na mesma data da audiência instrutória e que o cartório abriu o expediente às 8 horas, sendo que aquela sessão se iniciou às 8 horas e 30 minutos. Em face desta circunstância, o a quo entendeu que não houve tempo hábil para autenticar a documentação sob enfoque e, por conseguinte, aplicou a conhecida “teoria dos frutos da árvore envenenada” para também anular a perícia dela decorrente. No decisum vergastado, restou consignado que: “...as cópias fotostáticas das denominadas “notas de abastecimentos” do “Posto Tamburi”, atualmente conhecido como Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 145 JURISPRUDÊNCIA “Posto Dalas”, foram obtidas por meio ilícito. É que os documentos em referência, se autênticos, foram retirados de maneira ilegal do interior da empresa em questão, e isso por duas vezes: inicialmente, antes da propositura da ação, e, também, por ocasião da audiência de instrução, quando foram juntadas novas cópias dos mesmos, desta feita autenticadas. ... Em sabendo do local onde os documentos poderiam ser encontrados, os Representantes deveriam ter promovido a necessária busca e apreensão dos mesmos, conduto processual adequado à espécie. Não é possível aceitar que, furtivamente, tenham-nos retirado do local onde estavam para extração de cópias, e, repita-se, valendo-se do indigitado expediente legal por duas vezes.” Asseguram os Recorrentes, nas razões recursais, que a decisão fustigada encontra-se equivocada, pois as aludidas notas foram entregues pelo gerente do posto de combustível, Sr. Erasmo Cristovão de Almeida. Todavia, verifico dos elementos dos autos, que o referido gerente, de fato, detinha a posse legítima dos documentos, conforme se depreende do seu depoimento como testemunha referida nos autos da AIJE n.656/08 e AIME n. 659/8. Eis o depoimento: “Sou gerente do posto Dallas (...) (...) As notas fiscais são preenchidas tanto por mim como pelo frentista que estiver trabalhando (...) (...) As notas de abastecimento ao final do expediente são entregues a mim para conferência do caixa (...) (...) O posto Dallas antigamente chamava posto Tamburi, e continua sendo conhecido pelo nome antigo (...)” Impende dizer, porque relevante, que inobstante a audiência tenha se iniciado às 08 horas e 30 minutos, a prova in foco fora juntada após a oitiva das testemunhas, sendo que levada por uma das partes que chegou à sede do Juízo Zonal após o início daquela sessão e, por isso mesmo, entendo que não houve incompatibilidade de horário. De fato, colhe-se do termo de audiência de fls. 778 dos autos da Representação n. 654/2008 a informação de que o pedido de juntada de documentos foi formulado após a oitiva das testemunhas, quando a parte pediu a palavra para juntar os documentos autenticados. Do mesmo termo de audiência, aufere-se que o Juízo Zonal concedeu prazo de cinco dias para que os Recorrentes indicassem em poder de quem os documentos originais se encontravam, inclusive, deferiu, de logo, busca e apreensão (Representação n. 654/2008 – fls. 779). Por petitório de fls. 831/851 da supra epigrafada Representação, os Recorrentes indicaram que receberam os documentos, tanto as cópias iniciais como as fotocópias, das mãos do Sr. Erasmo Cristovão de Almeida, 146 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA gerente do aludido Posto de Combustíveis. No mesmo requerimento, solicitaram perícia nos referidos documentos e, ainda, o endereço em que os originais poderiam ser encontrados. A par disso, o Juiz sentenciante, após o fornecimento do endereço e indicação de como se obteve o documento focalizado, culminou por revogar o seu despacho que ordenara a sua busca e apreensão (fls. 853/ Representação n. 654/2008). Digno de nota o fato da parte recorrida não ter manifestado qualquer irresignação ante a juntada dos documentos em audiência, bem como após a informação de como os mesmos foram obtidos. Observa-se, ainda, que a audiência na qual se juntou os documentos, foi realizada em 25/05/2009 e o Sr. Erasmo Cristovão de Almeida foi ouvido como testemunha referida nos autos da AIME e AIJE em 29/09/2009, quando todas as partes do processo já tinham conhecimento de que o mesmo foi quem fornecera os documentos. Diante do exposto, não há, pois, em se falar em prova obtida ilicitamente, visto que obtida por meio moralmente legítimo (art.332, do CPC). Deve-se salientar, porque também importante, que não há que se falar em julgamento extra petita em razão da consideração da tese da ilicitude da prova, de ofício, pelo juízo a quo. Isso porque o direito à produção de provas lícitas nos processos judiciais e administrativos vem expressamente previsto no art. 5º, inc. LVI da Constituição Federal, consistindo, portanto, uma questão de ordem pública, que, por sua natureza, deve ser considerada pelo judiciário, independentemente de alegação das partes. Inobstante isso, mesmo que a prova tivesse sido obtida por meio pouco recomendável, de qualquer sorte deve ser imperiosamente valorada por conta da natureza dos interesses defendidos, com a aplicação do princípio da proporcionalidade, invocado para salvaguardar valores maiores, in casu, a supremacia do interesse público. Trilhando nesse entendimento, gizo o fato de que nos sistemas jurídicos em geral, os valores por eles protegidos encontram-se escalonados conforme o grau de importância atribuído pela sociedade. Assim, a materialização dos valores e direitos que se mostram mais importantes, em casos específicos, pode-se dar através da aceitabilidade processual de provas colhidas, mesmo que logradas mediante meios não previstos em lei. Nessa esteira de intelecção, a incidência da Teoria da Proporcionalidade amaina a vedação ao uso da prova obtida por meio impróprio para admiti-la excepcionalmente e em casos de extrema gravidade, dando abrigo, destarte, a outros valores fundamentais, considerados mais urgentes na concreta avaliação do caso. Nesse passo, a proibição da prova adquirida por meio distinto daquele corriqueiramente admitido, não se afigura absoluta, podendo ceder quando em colisão com outro direito fundamental, de maior peso, isso em Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 147 JURISPRUDÊNCIA decorrência de isenção ao respeito que se deve a outras garantias de igual ou superior relevância, como ocorre na vertente, pois aqui os bens jurídicos tutelados, quais sejam, o Estado Democrático de Direito, a soberania popular, a lisura e transparência das eleições suplantam – e muito – o bem jurídico hipoteticamente violado: a privacidade da empresa pertencente ao acionado. Daí é que, imperiosa é a aceitabilidade da valoração das cópias das notas de abastecimento juntadas aos autos e da perícia dela decorrente, porque fora obtida por meio moralmente legítimo, sendo, pois, lícita, seja porque, ainda que considerada ilícita, deve ser analisada em virtude do princípio da ponderação de interesse (proporcionalidade). Admitida por este Julgador a necessidade de valoração da mencionada prova documental, vislumbro que a sentença guerreada não procedeu ao seu devido e regular cotejo com o acervo probatório existente nos fólios, ao contrário, preferiu ignorá-la para examinar as demais provas isoladamente, deixando, assim, uma percepção falsa de pouco importância àqueles documentos. Note-se que tais documentos foram periciados pela Polícia Federal, conforme laudos de fls. 934/950 e fls. 1088/1091 da Representação n. 654/2008, sendo que, ao responder quesitação, informou ser possível realizar perícia em documentos xerocopiados (fls. 948) e que não foi detectados sinais de falsificação nas referidas notas (fls. 945). Já nas fls. 946, a perícia descreveu o conteúdo das notas de abastecimentos. Concluiu, também, que há notas que foram preenchidas pelo primeiro recorrido, o Sr. Edson Ferreira Brito, então prefeito eleito. Da análise acurada dos autos, verifico que tais notas, nas quais consta a assinatura de um dos Recorridos, corroboram os depoimentos das testemunhas, no sentido de que aquele, durante sua campanha, realizou doação de combustível, por meio do Posto Dallas, antigo Tamburi, com vistas à presença dos beneficiados em seus comícios e carreatas, bem como em troca de voto, vejamos: “(...) Durante a campanha passada houve distribuição de combustível no posto em que eu trabalhava, as vezes chegavam veículos para serem abastecidos e em outras eram enchidos tambores de combustíveis. Quando era pequenos abastecimentos, ele ligava ou eu mesmo ligava para ele com a finalidade de confirmar a autorização para abastecimento, mas quando era grande quantidade de combustível, quem autorizava era Erasmo, gerente do posto. O seu Edson comprava a prazo havendo controle através de notas de fornecimento. (...) Pessoalmente ele já esteve no Posto onde assinou nota de fornecimento.” (Declarações prestadas por Elizeu Braga Júnior às fls. 729/731 – Representação nº 654/2008) 148 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Já no depoimento prestado na AIJE n. 656/2008 e AIME 659/2008, na qual se apurava a captação de sufrágio, transladado posteriormente para a Representação n. 654/2008, a testemunha afirmou: “(...) Calenta comentou comigo que utilizou combustível para levar para fora de Marcionílio, inclusive doentes, em troca de votos (...)” Às fls 725/728, da Representação n. 654/2008, Raimundo Ubiratan Medrado Júnior diz: “(...) Às vezes aos sábados eu levava os cabos eleitorais na roça para pedir votos. Eu também só recebia o combustível nessas viagens. Os carros de Bené e de Renato Calenta também faziam esses serviços. Quem distribuía o combustível na Beira Rio era Dinho e Alaíde esposa de Besouro. Só me lembro que fiz duas viagens para o Beira Rio levando em média 80 litros de diesel e 220 de gasolina. O combustível era distribuído para pessoas que quisessem participar da carreata do Sr. Edson.” A testemunha Maria Aparecida Bastos Novais, por sua vez, em depoimento colhido nos autos da Representação nº 654/2008, mas utilizado como prova emprestada nos outros dois feitos, afirma que: “(...) os participantes das carreatas ganhavam combustíveis do S. Edson para colocar em seus veículos. (...) Não sei dizer quem distribuía combustível no posto de gasolina, pois não moro na cidade de Marcionílio e sim no Caxá, onde a distribuição de combustível era feita por Didi. (...) Embora eu tenha visto a chegada do combustível apenas uma vez e nessa oportunidade eu não tenha visto a distribuição de combustível, em todos os comícios do Sr. Edson Deusdete distribuía combustível (...)” (Depoimento prestado por Maria Aparecida Bastos Novais às fls. 722/724 – Representação nº 654/2008). Em sede de contestação, o representado Edson Ferreira de Brito negou que teria assinado as citadas notas, contrariando a conclusão da perícia grafotécnica realizada sob estas e utilizadas nos três feitos, de que a grafia nelas constante proveio do seu próprio punho (fls. 1.088/1.091 dos autos da Representação). À vista do exposto, não resta dúvida acerca da ocorrência da doação de combustível para realização de carreatas, pelo que entendo que tal fato configurou abuso de poder econômico, captação ilícita de sufrágio e violação ao art. 30-A da Lei das Eleições. Vejamos. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 149 JURISPRUDÊNCIA Para a configuração do ilícito tipificado no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, no entanto, exige-se a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, entregar) dirigida a um eleitor determinado ou ao menos determinável e que tenha a finalidade de obter voto. Antes do advento da Lei 12.034/2009, que acrescentou o § 1º ao art. 41-A da Lei das Eleições, o TSE já decidia “...o entendimento desta Corte é que o pedido de voto não precisa ser explícito e direto para que se configura a conduta do art. 41-A da Lei 9.504/97.” (Agravo Regimental em RCED n. 697, Acórdão de 13/10/2009, Rel. Min. Ricardo Levandowsky). Aufere-se do processo que realmente houve captação ilícita de sufrágio mediante distribuição de combustível e promessa de contratação com o município para os proprietários de ônibus aderirem à campanha transportando eleitores. O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, julgando caso similar ao presente, nos autos do RE n. 5.715, Acórdão n. 5.635/2009, Rel. Juiz Sílvio Abreu, em 21/01/2009, cuja nota taquigráfica foi juntada à estes autos pelos Recorrentes, pontuou: “Narra a exordial, em síntese, que os representados, “foram flagrados distribuindo, doando, fornecendo, anuindo-se aqueles distribuição de combustível (gasolina e óleo diesel), para diversos eleitores para participarem de uma carreata, no afã de angariarem votos e a simpatia do eleitorado.” (...) Extrai-se dos autos ser o volume de combustível expressivo (1.616 litros), notadamente considerando que o Município de Ouro Verde de Minas possui pouco mais de cinco mil habitantes. A potencialidade lesiva para comprometer o resultado do pleito revela-se clara, como bem demonstrou o Magistrado a quo: In casu, portanto, restou configurada captação ilícita de sufrágio decorrente da doação de combustível, sendo inequívoco o abuso de poder econômico em razão do volume expressivo de combustível e do vultoso valor pago ao proprietário do Posto Laia” (…). Na vertente, os documentos de fls. 786/826 dos autos da Representação n. 654/2008 noticiam a distribuição de mais de 600 (seiscentos) litros de combustível, bem como dão conta, ainda, da retirada de dinheiro em espécie do referido posto, destinada a aquisição de combustível (fls. 79; 806; 817 e 821 daqueles mesmos autos). Esses documentos convergem e harmonizam com a prova colhida no curso da dilação probatória, conforme depoimento da testemunha arrolada pela parte autora e ouvida na condição de declarante nos autos da Representação n. 654/2008 e testemunha compromissada nos autos da AIME n. 659/2008 e AIJE 656/2008, de acordo com o termo de audiência de fls. 415 deste último feito. 150 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA “(...) No posto chegavam por semana de 4000 a 5000 litros de combustível (...) Acredito que a média de venda do posto seja de 4000 a 5000 litros por semana (...) Quando o veículo a ser abastecido era a álcool eu preenchia no valor do abastecimento inserindo que era para a compra de álcool para o carro de som, entregando o valor correspondente em dinheiro para o condutor, que providenciava o abastecimento no outro posto (....) Acredito que metade das vendas eram em razão da campanha de Edson. (...) – Depoimento prestado por Elizeu Braga Júnior, fls. 414/418 dos autos da AIJE n. 656/2008, juntado como prova emprestada nos autos da Representação 654/2008.” Acerca desta circunstância, o Ministro Caputo Bastos, proferindo decisão monocrática nos autos do processo AG-8994, DJ de 29/5/2008, entendeu como configurado o abuso no ato de distribuição de 350 (trezentos e cinqüenta) litros de combustível, além de valores em espécie distribuídos a pessoas para que utilizassem os seus veículos na carreata que acompanharia o Governador do Estado do Pará do aeroporto até o centro da cidade de Braves. “(...) 2. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico e captação de sufrágio 41-A da Lei n. 9.504/97. (...) 2.3. Forte probabilidade de que a conduta investigada tenha influído no resulta do pleito que se mostra flagrante. Caracterizado o abuso de poder econômico. (..)” NE: Distribuição, em praça pública, de combustível a 331 veículos que participariam de carreata em benefício dos candidatos representados, em município com pouco mais de nove mil domicílios. (AC. De 4.3.2004 no Respe n. 21327, Rel. Min. Ellen Gracie). No tocante à configuração de abuso de poder econômico, tem-se que recentemente esta Corte decidiu em processo semelhante: “É consabido que para aferição da potencialidade lesiva das condutas em sede de Direito Eleitoral não se requer aplicação de raciocínio cartesiano, como se fosse necessário influenciar quantidade de eleitores maior ou igual que a diferença de votos entre os candidatos beneficiados e os derrotados” (Trechos do voto da relatoria do Des. Eserval Rocha, nos autos do Recurso n. 1456468.2008.6.05.0191, julgado em 02/12/2010). De há tempos a jurisprudência do TSE encontra-se firme no sentido de que o requisito da potencialidade deve ser apreciado em função da seriedade e da gravidade da conduta imputada, à vista das particularidades do caso, não devendo tal análise basear-se em eventual número de votos decorrentes do abuso, ou mesmo em diferença de votação (RCED n. 755, Acórdão de 24/08/2010, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, publicação no DJE, data 28/09/2010, pág. 11/15). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 151 JURISPRUDÊNCIA Nessa esteira de intelecção, o inciso XVI do artigo 22 da LC 64/90, com nova redação, preconiza que para configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. Observa-se que nessa parte, trata-se de matéria processual, e, assim, não incide a celeuma de que se aplica ou não ao processo em curso como o advento a novel Lei. A conduta imputada aos Recorridos, ao nosso entendimento, é grave, por configurar nítido “caixa 2”, quer por revelar os autos que a maior parte do combustível utilizado na campanha não foi declarada a essa Justiça Especializada; quer por ter havido despesas com ônibus para transportar eleitores e até mesmo a retirada de dinheiro em espécie do posto de combustível, para que se abastecesse o veículo de som da campanha com álcool em outro posto da cidade, visto que o primeiro não tinha bomba de álcool, tudo sem a necessária e devida inserção na prestação de contas. Nesse passo, às fls. 749/751, nos autos da Representação n. 654/2008, a testemunha Leonardo Rodrigues Oliveira, diz: (...) Sou proprietário do estabelecimento Barracão que tem um Gol branco a álcool, de propriedade de Lucineide prestando serviços como carro de som. O locutor do carro de som antes da política era Milton Bala (...) Às fls. 741/742, a testemunha arrolada pela defesa na Representação 654/2008, Joel Marques Costa, afirma: (...) Eu vi um Gol branco, cujo proprietário não sei informar, fazendo propaganda para o candidato Edson e Milton Bala (...). Aliado a esses depoimentos, o documento de fls. 417, dos autos da Representação n. 654/2008, comprova que realmente o referido veículo fora cedido à campanha dos Recorridos. Todavia, a prestação de contas dos Recorridos noticiou apenas a utilização de 42,5 litros de álcool, o que fora feito no Posto Marcos e Mariana, cuja nota fiscal encontra-se às fls. 448. Vale destacar, ainda, os depoimentos prestados por Elizeu Braga Júnior, às fls. 729/731, e por Raimundo Ubiratan Medrado Júnior, às fls. 725/728, nos autos da sobredita Representação, respectivamente: (...) O posto Tamburi não vende álcool. Um carro de som modelo VW Gol era movido a álcool e como não havia álcool no posto, ele pegava o dinheiro correspondente e abastecia no outro posto (...). (...) O carro de Milton Bala era a álcool. O Posto Tamburi não vende álcool. Só lembro desse carro a álcool trabalhando na campanha de Edson. Só o posto de Carlinhos vende álcool em Marcionílio (...). Já nos autos da AIME n. 659/2008, Elizeu Braga Júnior diz que: (...)Em média acredito eu saia cerca de 2.000 a 3.000 litros por semana em favor da campanha de Edson (...) No posto chegavam por semana de 4.000 a 5.000 mil litros de combustível (...). Não bastassem esses depoimentos contundentes, as notas de fornecimento de nºs 00277, 00271, 0168 e 186, às fls. 235, 271 e 224, respectivamente, declaram a retirada de valores em espécie. 152 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Demais disso, a quantidade de combustível utilizada na campanha não foi sequer computada. Evidentemente, essas condutas são sérias e graves, configurando, como dito antes, o repudiado e intolerável “caixa 2”. Destarte, resta comprovada, por meio de provas robustas e idôneas, a potencialidade lesiva caracterizadora do abuso do poder econômico a patentear a gravidade das condutas sub examine, circunstância que impõe, sem sombra de dúvida, reprovação por parte deste Tribunal, com a consequente aplicação da legislação pertinente. A violação do artigo 30-A da Lei das Eleições, também, restou fartamente comprovada. Nas contas de campanha apresentadas pelos acionados, verifica-se que há declaração de gastos com combustível no montante de R$ 4.669,00 (quatro mil, seiscentos e sessenta e nove reais). Tais gastos, no entanto, foram comprovados mediante as notas fiscais de fls. 186 e 187, tendo sido a primeira emitida em 12.09.2008, no valor de R$ 3.254,50, pelo fornecedor Marcos e Mariana Comércio de Combustíveis Ltda. e a segunda emitida em 15.9.2008, pelo Posto Dalas Comércio Derivado de Petróleo Ltda, no valor de R$ 1.415,00 As notas de abastecimento que instruíram a exordial, todavia, comprovam, juntamente com as outras provas produzidas nos autos, que no mês de agosto do ano de 2008 foi realizado considerável gasto com combustível, o qual, além de não ter transitado pela conta corrente aberta para fins eleitorais, não foi declarado na prestação de contas de campanha, fato que, inelutavelmente, compromete a regularidade da contabilidade dos gastos de campanha dos recorridos e impõe a cassação de seus diplomas, conforme norma contida no § 2º do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, alterada pela Lei nº 11.300/2006. Somam-se a isso a notícia de saques direto em boca de caixa; arrecadações e gastos antes da abertura de conta bancária e não computação de gastos com a utilização de ônibus a serviço da campanha eleitoral. Estas condutas, isoladamente, não acarretaria gravidade, entretanto, no caso específico, diante do cabedal probatório que comprova as demais irregularidades, culminam por levar incidência da conseqüência máxima prevista no art. 30-A da Lei da Eleições. Destaca-se o fato de que se apurou a prática de simulação de pagamento de serviços com dinheiro de campanha, contudo, o valor teria sido devolvido e pago posteriormente com cheque da própria Prefeitura. Nessa senda, diz a testemunha referida, Reginaldo Ribeiro Braga, nos autos da AIME n. 659, às fls. 784: (...) O cheque em questão foi para prestação de contas que depois foi sacado no banco em Iaçu e entregue a Elias. Eu prestei serviços para a campanha de Edson como letrista desenhista, tendo meu acerto ficado no valor de RS 6.000,00 para ser recebido em 2009. Eu só recebi R$ 1.500,24 através de um cheque da Prefeitura de Marcionílio, o restante até hoje não Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 153 JURISPRUDÊNCIA recebi. O cheque em questão ficou registrado para pagamento como se eu tivesse prestado serviço de viagem com o meu carro para a prefeitura de Marcionílio (...). Tem-se, assim, que este depoimento se encontra convergente com as demais provas dos autos, notadamente, com o documento de fls. 507 e 543 da Representação n. 654/2008, comprovando que a testemunha recebeu o cheque nº 850004, no valor de R$ 400,00 sacado em 30/10/2008. Esses fatos evocam lição de José Jairo Gomes, em sua obra “Direito Eleitoral”, asseverando que leciona1: “O termo captação ilícita remete tanto à fonte quanto à forma de obtenção de recursos. Assim, abrange não só o recebimento de recursos de fontes ilícitas e vedadas (vide artigo 24 da LE), como também sua obtenção de ‘modo ilícito’, embora aqui a fonte seja legal. Exemplo deste último são os recursos obtidos à margem do sistema legal de controle, que compõem o que se tem denominado ‘caixa dois’ de campanha. (...) O bem jurídico protegido é a lisura da campanha eleitoral arbor ex fructu cognoscitur, pelo fruto se conhece a árvore. Se a campanha é alimentada com recursos de fontes proibidas ou obtidos de modo ilícito ou, ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando-se ilícita. De campanha ilícita jamais poderá nascer mandato legítimo, pois árvore malsã não produz senão frutos doentios. Também é tutelada a igualdade que deve imperar no certame. A afronta a esse princípio fica evidente, por exemplo, quando se compara uma campanha em que houve emprego de dinheiro oriundo de‘ caixa dois’ ou de fonte proibida, e outra que se pautou pela observância da legislação. Em virtude do ilícito aporte pecuniário, a primeira contou com mais recursos, oportunidade e instrumentos não cogitados na outra.” Apesar de configurada a potencialidade da conduta, como demonstrado anteriormente, a mesma não é exigida para a configuração da ilicitude acima apontada, sendo pois imperiosa a conclusão pela cassação do diploma dos Recorridos, cuja contabilização de campanha não foi conduzida de forma ética e sob o manto da legalidade. No que tange à imputação relativa à doação de cestas básicas, dinheiro e peças de motocicletas a diversos eleitores, fatos mencionados nas três ações, verifico que não foram comprovados. Em relação à doação de cestas básicas, distribuídas pelo estabelecimento comercial denominado “Barracão”, afirmaram as testemunhas que: 1 Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 2. Ed./José Jairo Gomes. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 389/390. 154 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA “... Eu não cheguei a ver, porém muitos comentavam que o Supermercado Barracão andou distribuindo cestas básicas em troco de voto em Edson...” (Testemunha dos Acionantes, José Márcio Florentino Costa dos Santos – Fls. 731/733 da AIME). “... Não sei se houve distribuição de cestas básicas no supermercado Barracão durante a campanha passada...” (Testemunha dos Acionantes, Édio de Jesus Conceição – Fls. 734 e 735 da AIME) “Que eu saiba o Barracão não foram vendidas cestas básicas a pedido de pessoas ligadas a Edson para a distribuição durante a campanha. Venda fiado em meu estabelecimento só com a minha autorização. Não houve venda fiado para Edson durante a campanha” (Testemunha dos Acionados, Leonardo Rodrigues Oliveira – proprietário do estabelecimento comercial “Barracão” – Fls. 769/770 da AIME). A prova relativa à doação de R$50,00 (cinqüenta reais) e R$60,00 (sessenta reais), respectivamente, a José Márcio Florentino Costa dos Santos e Jailton Machado dos Santos evidenciou-se de extrema fragilidade, de modo a não permitir a extração de quaisquer dos efeitos pretendidos pelos recorrentes, pois foi resumida a um único depoimento, o do primeiro indivíduo, cujas declarações não foram corroboradas por outras provas constantes nos autos. A autorização para entrega de peças de motocicleta ao suposto cooptado, Sr. Édio de Jesus Conceição, também não restou comprovada, não havendo, inclusive, qualquer menção a este fato no próprio depoimento prestado por este. De igual maneira, houve prova de utilização de ônibus para realização de transporte de eleitores para eventos políticos, como se depreende dos depoimentos abaixo transcritos, prestados por Maria Aparecida Bastos Novais, às fls. 722/724, e por Antonio César Souza Silva, às fls. 735/738, nos autos da Representação n. 654/2008, respectivamente: (...) As seguintes pessoas levavam eleitores em ônibus para os comícios: Gabriel, Didi, Valteone e João do Sítio, as quais desde antes da campanha faziam transporte de alunos, atividade que continuam exercendo (...); (...) Durante a campanha havia ônibus para transporte de eleitores do lado de Sr. Edson os quais era de propriedade da Roni, Didi Bie Divão e João do Sítio, os quais na administração passada e também na atual trabalha para a municipalidade (...) O transporte que me referi era para comícios Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 155 JURISPRUDÊNCIA inclusive na zona rural (...)Não sei a quantidade precisa, mas em cada evento havia cerca de sete ônibus (...). Vale dizer que da prestação de contas dos Recorridos não constou despesas com locação de ônibus, o que, inelutavelmente, caracteriza omissão e o já citado “caixa 2”. A mídia colacionada aos autos, que comprovaria o fato acima noticiado, de acordo com a Informação Técnica nº 91/2009 de fls. 935/939, “possui evidentes sinais de edição”, não podendo, por isso, ser considerada prova hábil. Ultimada a análise dos fatos apontados nas três ações eleitorais, passo, neste momento, a examinar especificamente as noticiadas omissões na prestação das contas dos demandados, ora recorridos. De início, ressalto, em consonância com o opinativo do Ministério Público, que a não contabilização de despesas de campanha na prestação de contas parcial, apesar de consistir falha, não compromete, em definitivo, a regularidade da contabilidade dos gastos e receitas dos recorridos durante a campanha eleitoral, pois estas poderão ser declaradas quando da apresentação das contas finais. No que se refere à não contabilização dos serviços advocatícios, comungo do entendimento perfilhado pelo Juízo Zonal e pelo Ministério Público Eleitoral, no sentido de que a despesa com estes não constitui gasto de campanha sujeito ao registro e aos limites legais, bem como à emissão de recibos eleitorais, nos moldes instituídos pela Lei nº 9.504/97. As despesas com material de propaganda eleitoral, apesar de inicialmente omitidas, foram declaradas na prestação de contas retificadora, onde constou a respectiva nota fiscal (fl. 335), razão pela qual considerado sanado o vício. Por fim, a contabilização dos gastos relativos à suposta doação de cestas básicas, bem como de peças de motocicleta, não pode ser exigida, tendo em vista a não comprovação dos fatos alegados. À vista dessas considerações, comprovada a violação do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, bem como o abuso de poder econômico e a captação ilícita de sufrágio, dou provimento aos recursos para, como base no § 2º do artigo 30-A e art. 41-A, ambos da Lei 9.504/97, cassar os diplomas e mandatos políticos outorgados aos Recorridos Edson Ferreira de Brito e Edson Pires de Souza, respectivamente Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Marcionílio Souza, declarando, ainda, a inelegibilidade do primeiro Recorrido, cuja aferição do prazo deverá ocorrer no momento de pedido de registro de candidatura. E porque eleitos com 42,94% dos votos, determino a assunção imediata dos candidatos da chapa majoritária que obteve a segunda maior quantidade de votos na eleição de 2008 ocorrida naquela municipalidade. 156 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 17 de maio de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 157 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 4 2 1 / 2 0 11 CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCESSO: Nº 8-93.2011.6.05.0017 CLASSE 9 MUNICÍPIO: Salvador SUSCITANTE: Juízo Eleitoral da 17ª Zona. SUSCITADO: Juízo Eleitoral da 15ª Zona. INTERESSADO: Jean Márcio Alves Oliveira. RELATOR: Juiz Renato Reis Filho. Conflito negativo de competência. Crime eleitoral. Lugar da infração. Domicílio do acusado. Impossibilidade de determinação. Critério da distribuição. Diante da impossibilidade de se adotar como critério de regulação da competência o lugar da infração ou o domicílio do réu, fixa-se a competência através de mecanismo subsidiário previsto no artigo 6º, § 1º do Regimento Interno dos Juízos e Cartórios Eleitorais, qual seja, a realização de distribuição pelo juízo designado por este Tribunal, especificamente o Juízo da 15ª Zona Eleitoral. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DETERMINAR O ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS AO JUÍZO DISTRIBUIDOR, nos termos do voto do Juiz Relator de fls.39/41, que integra o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 14 de junho de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - RENATO REIS FILHO, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juiz da 17ª Zona Eleitoral desta Capital (fls. 17/22), que entendeu não deter competência para processar e julgar a denúncia ofertada pelo Promotor em atuação perante a 15ª Zona Eleitoral, em desfavor de Jean Márcio Alves Oliveira, pela prática do delito de veiculação de propaganda eleitoral irregular, nesta cidade, na data de 03 de outubro de 2010. 158 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A aludida denúncia fora remetida ao Juízo suscitante, após a declinação do Magistrado da 15ª Zona Eleitoral, ao fundamento de que, à vista da impossibilidade de se definir o lugar da infração, a competência passaria a ser fixada pelo domicílio do réu. Informando que o mesmo possui endereço na Rua Primeiro de Março, bairro da Mata Escura, nesta Capital, localidade pertencente à jurisdição da 17ª Zona Eleitoral, determinou a remessa dos autos àquele Juízo. O Juízo suscitante, por sua vez, pondera que a denúncia limitou-se a afirmar que o crime ocorrera na cidade de Salvador, sem delimitar o local específico. Informa que, paralelamente à informação de que o réu residiria no bairro da Mata Escura, existe informação constante do espelho do Registro de Candidatura (fl. 9) dando conta de que o mesmo receberia notificações e intimações da Justiça Eleitoral no bairro do Caminho das Árvores, também neste município. Assevera, assim, que, em sendo incertos o lugar da infração e o domicílio ou residência do infrator, a competência para processar e julgar o crime objeto da peça incoativa deverá ser fixada pelo critério da distribuição, à luz do § 1º do art. 6º do Regimento Interno deste Regional. Em pronunciamento de fl. 31, o Procurador Regional Eleitoral emitiu parecer acolhendo a tese do Juízo suscitante, no sentido de que seja a competência determinada pelo critério de distribuição. É o relatório. VOTO Com razão o Juízo suscitante. De logo, impõe-se a análise do teor do artigo 69 do Código de Processo Penal, de aplicação subsidiária a esta Especializada, in verbis: Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: I - o lugar da infração: II - o domicílio ou residência do réu; III - a natureza da infração; IV - a distribuição; V - a conexão ou continência; VI - a prevenção; VII - a prerrogativa de função. Depreende-se, assim, que o primeiro critério adotado pelo legislador pátrio, para a fixação da competência, consiste no lugar da infração. Da leitura da peça acusatória, todavia, não é possível extrair-se qual o local em que se deu o delito narrado, qual seja o de veiculação de propaganda eleitoral irregular, previsto no artigo 39, § 5º da Lei nº 9.504/97. À fl. 06, tem-se uma certidão lavrada por um servidor da Procuradoria Regional Eleitoral, dando Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 159 JURISPRUDÊNCIA conta de que a conduta ilícita fora perpetrada em diversos bairros de Salvador, tais quais Itaigara, Pituba, Matatu de Brotas e Paralela. É consabido que a competência territorial para processar e julgar as demandas atinentes à matéria eleitoral, nesta Capital, restou delimitada observando-se os diversos bairros existentes, cabendo a cada uma das vinte zonas eleitorais a jurisdição de acordo com os logradouros. Neste sentido, cada um dos bairros suso-mencionados pertence a zonas eleitorais distintas, à vista do que subsiste a necessidade de se avançar para o segundo critério legal, a fim de se determinar qual o juízo competente, na hipótese. O inciso II, do mencionado art. 69 do CPP, estabelece, assim, que deve ser observado o domicílio ou residência do réu. O mecanismo, em análise, também não se revela suficiente para dirimir a controvérsia, porquanto, conforme relatado, há nos autos notícia de dados diversos. Enquanto a certidão de fl. 04 indica que, segundo o Cadastro Eleitoral, o acusado residiria no bairro da Mata Escura, o espelho do seu registro de candidatura (fl. 09) aponta o bairro do Caminho das Árvores, subsistindo, pois, a incerteza. Resta, portanto, a adoção de um terceiro critério, previsto no inciso IV, do mesmo art. 69, consistente na distribuição. A matéria encontra-se regulamentada no artigo 6º, § 1º do Regimento Interno dos Cartórios Eleitorais (Resolução TRE nº 007/2001), que assim dispõe: Art. 6º Nos feitos criminais, de regra, determinar-se-á a competência pelo lugar da infração, aplicando-se, supletivamente, os artigos 70 e seguintes do Código de Processo Penal. § 1º Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do infrator, e, não sendo estes conhecidos, a distribuição ocorrerá, de forma eqüitativa e alternadamente, a cada um dos juízes eleitorais do município. Para os fins de fixação da competência para o processamento e julgamento da denúncia, dessarte, há de se proceder à sua regular distribuição, nos moldes previstos no citado dispositivo. Com estas ponderações, conheço do presente conflito, dirimindo-o, com fulcro no artigo 6º, §1º da Resolução Administrativa nº 07/2001, pelo que determino a remessa dos autos ao juízo distribuidor, designado por este Regional, qual seja o Juízo da 15ª Zona Eleitoral, para as providências cabíveis. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 14 de junho de 2011. Renato Reis Filho Juiz Relator 160 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 5 5 0 / 2 0 11 RECURSO CRIMINAL PROCESSO Nº 14.022-49.2008.6.05.0159 CLASSE 31 MUNICÍPIO: Uibaí RECORRENTE: Raul Bastos Machado Neto. Advs.: Béis. Érica Nunes Novaes Machado, Marcos Gean Alecrim Machado, Eric Nunes Novaes Machado e Alex Vinícius Nunes Novaes Machado. RECORRIDO: Ministério Público Eleitoral. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 159ª Zona/Central. RELATOR: Juiz Renato Reis Filho. REVISOR: Juiz Salomão Viana. Recurso criminal. Difamação e injúria na propaganda eleitoral. Procedência. Apresentação das Alegações finais. Ordem. Inversão. Nulidade. Reconhecimento. Preliminar de nulidade do processo referente à proposta de transação penal. Inacolhe-se a prefacial, uma vez que, designada a audiência preliminar, com a regular intimação do acusado, impõe-se reconhecer que a ausência deste revela a sua intenção de rejeitar a proposta de transação penal, o que foi ratificado pelo seu advogado. Preliminar de nulidade por inversão da ordem processual e cerceamento de defesa. A inversão da ordem de apresentação das alegações finais afronta a ampla defesa e o devido processo legal, restando evidenciado o manifesto prejuízo à defesa, em virtude do que se acolhe a preliminar, para decretar a nulidade da sentença, determinando-se seja oportunizado ao recorrente a nova apresentação das razões finais. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO REFERENTE À PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL e ACOLHER A PRELIMINAR DE NULIDADE POR INVERSÃO DA ORDEM PROCESSUAL,nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 161 JURISPRUDÊNCIA Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de junho de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - RENATO REIS FILHO, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recurso manejado por RAUL BASTOS MACHADO NETO, contra sentença exarada pelo Juiz Eleitoral da 159ª Zona/Central (fls. 179/184), que julgou procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público zonal, pela prática dos crimes previstos nos artigos 325 e 326 do Código Eleitoral (difamação e injúria na propaganda eleitoral), condenando o réu à pena de 211 (duzentos e onze) dias-multa. A decisão de origem fixou a pena em 169 (cento e sessenta e nove) dias-multa, para o crime de injúria na propaganda eleitoral. Para o delito de difamação, a pena restou fixada em 08(oito) meses de detenção, além de 20 (vinte) dias-multa. Observando o disposto no art. 44, § 2º, primeira parte, do Código Penal, procedeu-se, todavia, à substituição da pena privativa de liberdade aplicada, pela sanção pecuniária, restando, assim, o réu condenado aos aludidos 211 (duzentos e onze) dias-multa. Inconformado, Raul Bastos Machado Neto interpôs o recurso de fls. 189/216, no qual suscita a preliminar de nulidade do processo, desde a audiência de conciliação, em razão de a proposta de transação penal ter sido ofertada ao patrono do réu, e não à pessoa deste último. Arguiu, também, a nulidade do processo, por inversão da ordem de apresentação das alegações finais, o que teria ensejado o cerceamento da defesa. O recorrente segue em seu arrazoado, aduzindo a nulidade da sentença, por não terem sido enfrentadas as preliminares trazidas nas defesas apresentadas, às representações acostadas aos autos, além de argüir erro na dosimetria da pena. No mérito, o insurgente afirma que os crimes descritos na denúncia não ocorreram, considerando-se a especialidade do tipo eleitoral. Pugna, assim, pelo provimento do recurso, para que seja a denúncia julgada improcedente, culminando com a absolvição do réu. Em pronunciamento, o eminente Procurador Regional Eleitoral acolheu a tese da defesa, atinente à violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, decorrente da inversão da ordem de apresentação das alegações finais, opinando, destarte, pelo provimento parcial do recurso, com a decretação da nulidade da sentença, para que seja oportunizada à defesa novo prazo para oferecimento de alegações finais ou ratificação da peça anteriormente apresentada. À criteriosa apreciação do eminente Juiz Revisor. 162 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA VOTO Adoto como relatório o de fls. 251/252 dos autos. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO REFERENTE À PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. Da acurada análise dos autos, verifica-se que, efetivamente, a aludida proposta não foi ofertada à pessoa do acusado, que se encontrava ausente, mas, apenas, ao seu advogado. Designada a audiência de instrução e tendo havido a regular intimação do acusado, forçoso reconhecer, todavia, que a ausência deste revela o seu intuito de rejeitar a proposta de transação penal, o que, por sua vez, veio a ser confirmado pelo seu patrono, à fl. 48, restando ausente, destarte a alegada mácula processual. Rejeita-se, assim, a preliminar. PRELIMINAR DE NULIDADE POR INVERSÃO DA ORDEM PROCESSUAL E CERCEAMENTO DE DEFESA. O recorrente aponta a existência de nulidade, em razão da inversão da ordem de apresentação das alegações finais. Neste particular, tenho que razão lhe assiste. In casu, impõe-se reconhecer o manifesto prejuízo que afligiu o recorrente. É que, ao apresentar as suas alegações finais em momento anterior àquelas ofertadas pelo Ministério Público, o recorrente não teve a justa oportunidade de ter ciência das proposições expostas pelo órgão acusatório ou mesmo de rechaçá-las. Em que pese tenha sido expedida a intimação ao causídico do réu, conforme se vê à fl. 174, a peça de defesa não foi reapresentada ou ratificada, tendo o aludido advogado se recusado a receber a intimação, alegando não ter sido constituído nos autos, e que teria atuado no feito, apenas, em substituição a um colega. Do quanto apurado, não há dúvida de que o referido advogado seja procurador do réu. Consta dos autos petição por ele assinada, acompanhada de cópia de procuração do réu, em que se requer o adiamento da audiência preliminar, marcada para o dia 12/03/2009 (fls. 41/42). Posteriormente, o mesmo patrono compareceu à audiência do dia 15/04/2009, na qual se apresentou como representante do réu, oportunidade em que requereu a realização de perícia nas mídias coligidas aos autos. A despeito da valoração acerca da argumentação expendida pelo advogado, o fato é que o réu restou indefeso, tendo o Magistrado de origem entendido que as razões finais haviam sido ratificadas tacitamente. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 163 JURISPRUDÊNCIA Entrementes, em se tratando de uma ação em que se busca apurar a ocorrência de um ilícito penal, há que se assegurar ao réu todas as garantias legais, preservando-se incólumes a ampla defesa e o devido processo legal. Nesta direção, tem-se a súmula 523 do Supremo Tribunal Federal, cujo teor segue consignado: Súmula 523 do STF. No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Na hipótese vertente, o prejuízo decorrente da ausência das alegações finais é manifesto, restando evidenciada a nulidade apontada. Sobre o tema, eis o que se colhe do julgado adiante transcrito: APELAÇAO CRIMINAL. INVERSAO NA ORDEM DE MANIFESTAÇAO DAS PARTES ALEGAÇÕES DO ASSISTENTE APRESENTADAS APÓS A DA DEFESA SEM OPORTUNIZAR MANIFESTAÇAO POSTERIOR. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE ABSOLUTA. OCORRÊNCIA. A inversão na apresentação das alegações finais é causa de nulidade absoluta, porque fere os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. A ordem é cogente e obriga a relação processual, que está regida pela ação acusatória e reação defensiva. - apresentando o assistente de acusação suas alegações finais após a da defesa, sem oportunizar a esta vista dos autos, ocorre cerceamento de defesa, devendo ser anulado o processo. Recurso conhecido e provido. (TJBA - APELAÇÃO: APL 2782002007 BA 27820-0/2007. Segunda Câmara Criminal. Relatora Aidil Silva Conceição. Julgamento: 16/04/2009) Pelo exposto, em homenagem ao princípio da proteção judicial efetiva, na linha do opinativo ministerial, acolho a prefacial em exame, para decretar a nulidade da sentença, determinando seja oportunizado ao réu a apresentação de novas alegações finais, devendo-se proceder à nomeação de defensor dativo, se necessário. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de junho de 2011. Renato Reis Filho Juiz Relator 164 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 7 5 5 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 1-67.2008.6.05.0030 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Aratuípe RECORRENTES: Antônio Bonfim Pereira Lago e Taurino Silva de Jesus. Advs.: Béis. Aloísio Figueiredo Andrade Júnior, José Batista de Santana Júnior e Edilton de Oliveira Teles. RECORRIDOS: Antônio Miranda Silva Júnior e Adeval Moreira Silva. Advs. Béis.: Igor Coutinho Souza, Andréia Prazeres Bastos de Souza e Caroline Matos Bispo. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 30ª Zona / Nazaré. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Abuso de poder político e econômico. Provas insuficientes. Improcedência. Recurso. Acervo probatório frágil. Não provimento. Nega-se provimento a recurso para manter a decisão que julgou improcedente ação de investigação judicial por abuso de poder político e econômico e captação ilícita de sufrágio, quando o acionante não se desincumbiu do ônus de comprovar os ilícitos alegados. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 12 de julho de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Juiz Relator;SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recurso eleitoral interposto por Taurino Silva de Jesus, em face de sentença (fls. 487/491) do Juízo Eleitoral da 30ª Zona/Nazaré, que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral aviada por Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 165 JURISPRUDÊNCIA capacitação ilícita de sufrágio e abuso de poder político/econômico contra Antônio Miranda Silva Júnior e Adeval Moreira Silva, candidatos à reeleição, respectivamente, para aos cargos de prefeito e vice-prefeito. Em sede de razões (fls. 509/529) sustenta-se, em suma, que diante das provas constantes nos autos restou comprovada a ocorrência das práticas ilegais imputadas, motivo pelo qual, merece reforma a decisão do juízo zonal. Alega-se que os ilícitos ocorreram por meio de aluguel de casa com recursos da prefeitura; doação de material elétrico e peças de reparo para veículos que não pertencem ao município; distribuição de dezenas de caçambas de areia, bem como, pela promoção da reforma de casas, durante o período eleitoral de 2008, tudo em troca de votos. Os recorridos em sede de contra-razões (fls. 552/566) refutaram os fatos que lhe foram imputados e alegaram que a recorrente não se desincumbiu do ônus probatório. Sendo assim, pugnaram pela manutenção da sentença recorrida. Instado, o eminente Procurador Regional Eleitoral manifestou-se (fl. 579), adotando integralmente as alegações lançadas pela Promotoria Zonal, pelo desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO Após compulsar os autos, entendo que não merece acolhimento a pretensão recursal. Primeiramente, é necessário que se descrevam os fatos aduzidos na inicial, que foram os seguintes: a) Aluguel de casa com recursos da prefeitura municipal, durante o período eleitoral, em benefício de eleitora; b) doação de material elétrico aos moradores do Sapé de Baixo; c) doação de peças de reparo para veículos que não pertencem ao município; d) distribuição de dezenas de caçambas de areia; e) reforma de casas; Consta nas razões recursais que os recorridos praticaram estas condutas visando obter, de forma ilegal, o voto dos beneficiários. Antônio Miranda Silva Júnior e Adeval Moreira Silva, em defesa, negam a captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder político e econômico, juntando os documentos de fls. 54/254. Com efeito, as graves acusações contidas na peça exordial não se 166 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA confirmaram através da produção de provas robustas e consistentes. Aliás, ainda sob o prisma da falta de consistência das provas adunadas aos autos, fazendo uso das palavras do Promotor Eleitoral, cumpre advertir que “todas as testemunhas arroladas pelos impugnantes e ouvidas em juízo, foram ouvidas apenas como declarantes”. Quanto ao fato apontado no primeiro item (aluguel de casa durante o período eleitoral) verifica-se a existência do contrato de locação e de cheques da prefeitura local. Afora isso, foi ouvida a testemunha arrolada pelos investigantes, Rosenilda dos Santos, dona do imóvel locado, sem o devido compromisso do art. 415 do CPC. De acordo com a prova dos autos, constata-se que o imóvel foi alugado pela prefeitura de Aratuípe, com base na legislação municipal vigente (Lei Municipal nº 500/2007), com a finalidade de conceder benefício assistencial à moradora Araly Santos Rocha que, à época, se encontrava em situação de vulnerabilidade social. Trata-se, portanto, de um benefício concedido em virtude da inscrição da beneficiária em programa social do município, antes do período eleitoral, conforme documentos de fls. 109/112, fato que por si só não revela afronta à Lei das Eleições. Por oportuno, insta transcrever o que alegou a testemunha compromissada na forma da lei, Maridil Glória dos Santos, a respeito do fato: Maridil Glória dos Santos – fl. 347: “(...) que conhece D. Rosenilda e D. Araly, que era a depoente quem dava os cheques para Araly pagar o aluguel da casa alugada a Rosenilda; que o valor do cheque era de cem reais, que a Prefeitura pagava o aluguel de Araly porque era pessoa carente, e que a lei 500 de 2007 dá amparo as pessoas carentes, que quando dava o cheque a Araly dava o recibo anexado ao cheque e ela trazia assinado, mas nunca disse a depoente que era ela quem assinava o recibo. (...) que soube que não era Rosenilda quem assinava o recibo depois da audiência aqui na justiça”. No tocante à doação de material elétrico e de peças de carro em troca de votos, não assiste melhor sorte aos recorrentes. De início, vale destacar que as testemunhas do ocorrido (Josué Domingos do Rosário e Antônio de Jesus Raimundo) foram ouvidas sem prestar compromisso legal (fls. 273/274 e 289/291), uma vez que se considerou em primeiro grau de jurisdição que ambos tinham interesse no resultado da demanda. Afora os mencionados depoimentos não se constata a presença de quaisquer indícios da prática de ilícito eleitoral. Neste diapasão, importante asseverar ainda o quanto foi dito pela a única testemunha compromissada a respeito da suposta doação de material elétrico: Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 167 JURISPRUDÊNCIA Marcos Carlos Souza Santos – fls. 293/294: “que tem um sítio na estrada do Sapé e a fazenda fica na região de Duas Barras, que o sítio fica no Sapé de Baixo, que seu sítio não tem energia elétrica, que perto de seu sítio existe casas e outros sítios, que nas propriedades próximas casas e sítios tem energia, que quem levou a energia para estas propriedade foi o pessoal de lá mesmo em mutirão se reuniram e levou energia para lá que inclusive o depoente doou madeira para eles, que uma dessas pessoas é o Senhor Donato e Soriano, que foi convidado a participar do mutirão e não quis, que não quis porque era muita gente, era uma fiação só, que a energia fica fraca, que o sítio as vezes tem gente as vezes também não tem, que o pessoal comprou cabos, fios e postes, que parece que foi em novembro a dezembro do ano passado de 2008 que o pessoal botou essa energia, que o Prefeito não deu nenhuma ajuda para aquisição desse material”. Mas não é só isso. Naquilo que está relacionado com as acusações de compra de peças automotivas em troca de favorecimento nas urnas, o eleitor supostamente beneficiado – Josué Domingos do Rosário – foi claro ao dizer que “não está no seu conhecimento que o prefeito tenha pago peças no seu carro” e que “o seu filho não lhe comentou que o prefeito tivesse pago R$ 400,00 em peça (sic) para o seu carro.” Além do mais, a Santana Diesel, em resposta ao ofício n° 15 de 2010, esclareceu que não consta em seus registros nenhuma operação de venda, emissão de notas fiscais, nem pagamento de peças de um veículo F-4000 (modelo do automóvel da testemunha que teria sido aliciada) para a Prefeitura Municipal de Aratuípe no ano de 2008. Por fim, não ficou comprovada a compra de votos mediante a reforma gratuita de imóveis e doação de areia para construção, porquanto, baseada em prova testemunha frágil e controversa. Saliente-se que, a própria testemunha arrolada pelos investigantes, Aniceto Xavier Lopes (eleitor supostamente beneficiado pela reforma das casas), disse que o Alcaide não fez proposta de reforma da casa em troca de votos. É importante, outrossim, no que pertine a estas últimas acusações, destacar que os documentos de fls. 218/221 atestam a inclusão de Antonio Bonfim Barreto Lopes, filho da retromencionada testemunha e morador do imóvel reformado, em Programa Social do Município de Aratuípe. Desta forma, restou justificada a realização de eventuais benfeitorias na propriedade da família Lopes. No que diz respeito à entrega de areia para construção em troca de favores eleitorais, tem-se, apenas das altercações contidas na peça exordial, que, isoladamente, não se mostram capazes de ensejar a condenação requerida pelos recorrentes. 168 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA É proveitoso, neste átimo, trazer à lume as lúcidas observações lançadas pela representante do Parquet zonal no parecer de fls. 473/485: “É fato que o Município de Aratuípe está entre os mais pobres do país, com baixíssimos índices de alfabetização, com raríssimas oportunidades de emprego para a população. Não há empresas no município, fábricas ou outros meios que possam ser traduzidos em oportunidades de trabalho para os munícipes. É natural que a administração municipal figure como o maior empregador e, ainda, que o Poder Público desenvolva programas sociais de habitação, de doação de cestas básicas, assistência médica, entre outros... Desta forma, ante o exposto, com esteio nos suportes fáticos e jurídicos expostos e de todas as provas dos autos, opina o Ministério Público pela improcedência do pedido indeferindo assim o pleito dos impugnantes”. Isso posto, ante a ausência de lastro probatório apto a demonstrar as condutas imputadas aos recorridos, na esteira do parecer ministerial, voto no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo na sua integralidade a bem fundamentada decisão zonal. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 12 de julho de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 169 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 8 8 6 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 16.250-03.2009.6.05.0081 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Cristópolis RECORRENTES: Coligação UNIDOS PARA O PROGRESSO, Agamenon Dantas de Souza e Romeu Joaquim de Santana. Advs.: Béis. Gustavo Ribeiro Gomes Brito e Leonardo Oliveira Cerqueira Lima. RECORRIDOS: José Santana da Silva e Nivaldo Menezes Filgueiras. Advs.: Béis. Clodoaldo Narciso dos Reis Coelho e Danilo Matos Cavalcante de Souza. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 81ª Zona/Olindina. RELATOR: Juiz Renato Reis Filho. REVISOR: Juiz Salomão Viana. Recurso Eleitoral. AIME. Prefeito e vice-prefeito. Fraude. Abuso de poder político. Inadequação da via processual. Extinção. Preliminar de inadequação da via eleita. A ausência de repercussão econômica nos fatos que ensejaram o ajuizamento da ação em exame desautoriza o seu manejo, porquanto caracterizado, em tese, apenas, o abuso de poder stricto sensu, em virtude do que se acolhe a preliminar, para extinguir a ação, sem julgamento do mérito. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, ACOLHER A PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 19 de julho de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - RENATO REIS FILHO, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. 170 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto por Agamenon Dantas de Souza e Romeu Joaquim de Santana, respectivamente, candidatos a Prefeito e Vice nas Eleições 2008 no Município de Crisópolis/BA, e pela Coligação UNIDOS PARA O PROGRESSO contra sentença zonal que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo, manejada em desfavor de José Santana da Silva e Nivaldo Menezes Filgueiras, Prefeito reeleito e Vice-Prefeito da referida municipalidade, ao argumento de suposta ocorrência de fraude eleitoral e abuso do poder de autoridade. Insatisfeitos com a decisão de origem, os recorrentes alegam que, no dia do Pleito, teria havido manipulação fraudulenta, por parte dos recorridos, do serviço de transporte público municipal que, à época, estaria à disposição da Justiça Eleitoral, o que se teria perpetrado, em síntese, mediante as providências adiante elencadas: 1. Paralisação dos transportes no período compreendido entre as 11h até as 15h30min, quando os ônibus teriam permanecido estacionados na Praça Antonio Conselheiro; 2. Alteração das rotas originalmente estabelecidas pelo juízo zonal, de modo a obstar que os eleitores dos candidatos adversários lograssem chegar aos seus locais de votação. As acusações dão conta de que tais práticas teriam prejudicado diversos eleitores, resultando num índice de abstenção significativa em algumas localidades pontuais, é dizer, em algumas seções eleitorais específicas, justamente aquelas nas quais, segundo os recorrentes, teriam eles mais adeptos. Alegam que os três coordenadores do serviço de transporte de eleitores, designados pelo Juízo zonal, por ocasião das eleições, os Srs. Edvan Ferreira Costa, Hélio José de Mendonça e Rozenildo Barreto, possuíam efetiva relação de subordinação ou interesse econômico com os recorridos, em virtude do que invocam a aplicação do artigo 267, parágrafo único, do Código Eleitoral, requerendo seja ordenado à Prefeitura Municipal de Crisópolis o fornecimento de cópias do processo de contratação e de pagamento da empresa DIDA TRANSPORTES M.E. e dos aludidos funcionários. A derradeiro, pugnam pelo provimento do recurso, para que seja totalmente reformada a sentença invectivada. Em contrarrazões de fls. 500/514, os recorridos suscitam a preliminar de inadequação da via eleita, ao fundamento de que as acusações consistem em abuso de poder político, de autoridade e conduta vedada, práticas que não poderiam ser apuradas por meio de ação de impugnação de mandato eletivo. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 171 JURISPRUDÊNCIA Pontuam que o pedido de produção de prova estaria precluso. No mérito, em síntese, refutam a ocorrência dos fatos que lhes foram assacados, ressaltando que esta Corte já apreciou as acusações objeto da presente demanda, quando do julgamento do RCED n.º 706 e do RE n.º 16460-88. Instam, assim, pelo desprovimento da inconformidade. Em opinativo de fls. 618/619, o Procurador Regional Eleitoral posicionou-se no sentido do não provimento do recurso, esposando integralmente o pronunciamento lançado pelo Ministério Público zonal (fls. 441/445). É o relatório, que ora submeto à apreciação revisional. Salvador, 29 de junho de 2011. VOTO Adoto como relatório o de fls. 521/522. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. Os recorridos asseveram que as acusações elencadas na presente demanda conformam hipóteses caracterizadoras do abuso de poder político, de autoridade e conduta vedada, práticas que não poderiam ser apuradas em sede de ação de impugnação de mandato eletivo. Aos impugnados, imputou-se a manipulação do serviço de transporte coletivo público municipal, que estaria a serviço da Justiça Eleitoral, em benefício de suas candidaturas, para impedir que os eleitores dos candidatos adversários lograssem chegar às suas seções eleitorais. Trata-se, destarte, de prática que não guarda qualquer vinculação financeira, e que consiste, em verdade, em hipótese conformadora do abuso de poder stricto sensu, não sendo possível extrair-se, da narração dos fatos, qualquer viés econômico. Sobre o tema, tem-se o magistério de Adriano Soares da Costa, ao definir o abuso de poder stricto sensu: “É aquele em que a atuação do agente público é ilícita por desequilibrar o processo eleitoral, com o uso impróprio do seu cargo ou função pública, em favor de uma determinada candidatura” (COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 414) Com efeito, a ausência de repercussão econômica nos fatos que ensejaram o ajuizamento da ação em exame desautoriza o seu manejo, sendo este o entendimento sufragado pelo Tribunal Superior Eleitoral, senão vejamos: “RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. ABUSO DE AUTORIDADE. 172 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA - Nos termos do art. 14, § 10, da CF, na ação de impugnação de mandato eletivo serão apreciadas apenas alegações de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, não sendo possível estender o seu cabimento para a apuração de abuso de poder político ou de autoridade strictu sensu, ou seja, que não possa ser entendido como abuso do poder econômico. - Na hipótese sob exame, o Tribunal Regional Eleitoral justificou a procedência da AIME apenas em razão da prática de abuso de autoridade de delegado de polícia, que fazia abordagens e prisões contra possíveis opositores. - Recurso a que se dá provimento para afastar a cassação do mandato do primeiro recorrente. - Prejudicialidade dos apelos interpostos pelo vice-prefeito e pelo segundo colocado.” (RESPE - RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 28208 - Ibaretama/CE. Acórdão de 25/03/2008. Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA. Publicação: DJ - Diário da Justiça, Data 13/06/2008, Página 16. RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 19, Tomo 2, Página 109) Nessa direção, acolho a preliminar, para extinguir a ação, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, IV do CPC. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 19 de julho de 2011. Renato Reis Filho Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 173 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 9 5 0 / 2 0 11 PRESTAÇÃO DE CONTAS PROCESSO Nº 6.281-76.2010.6.05.0000 CLASSE 25 MUNICÍPIO: Salvador PROMOVENTE: Josivaldo de Jesus Gonçalves, candidato a Deputado Estadual. Adv.: Bel. Wenceslau Augusto dos Santos Junior. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Prestação de contas. Eleição 2010. Candidato a Deputado Estadual. Entrega intempestiva da 1ª parcial. Abertura tardia da conta. Divergência da data do recebimento dos recibos. Erros formais. Despesa não relacionada. Cheque. Valor irrisório. Princípios da insignificância, razoabilidade e proporcionalidade. Aplicação. Aprovação com ressalvas. Diante da subsistência de falhas que não afetam a confiabilidade e a transparência das contas, e à luz dos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, devem ser aprovadas com ressalvas as contas apresentadas pelo promovente. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, APROVAR AS CONTAS COM RESSALVAS, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 20 de julho de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - MAURICIO KERTZMAN SZPORER, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de prestação de contas relativa à arrecadação e aplicação de recursos de campanha para o certame de 2010, apresentada por Josivaldo de Jesus Gonçalves, candidato ao cargo de deputado estadual pelo Partido Cristão – PC. Protocolizadas as contas em 02/11/2010, após distribuição, os presentes autos foram encaminhados à Secretaria de Controle Interno para análise técnica, tendo sido emitido relatório preliminar para expedição de diligências. 174 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Instado, o promovente apresentou prestação de contas retificadora, acompanhada de documentos (fls. 59/94), com vistas a sanar as irregularidades detectadas. Retornando os autos ao setor técnico, foi emitido relatório conclusivo pela aprovação com ressalvas (fls. 96/98). Notificado, o promovente não se manifestou acerca do parecer conclusivo. Com vistas dos autos, o Procurador Regional Eleitoral opinou pela aprovação das contas com ressalvas. É o relatório. VOTO A prestação de contas ora em exame, elaborada por meio do sistema de prestação de contas eleitorais, protocolizada com atendimento do prazo legal, observou as disposições da Lei nº 9.504/97, contendo mídia e peças exigidas pela Resolução TSE nº 23.217/2010. O exame técnico procedido identificou a subsistência de falhas, quais sejam: a) entrega intempestiva da prestação de contas referente à 1ª parcial; b) erro na data do recebimento dos recibos eleitorais; c) abertura da conta bancária após o prazo legal; d) e não comprovação da despesa no valor de R$8,47, referente a sobra de campanha. Da apreciação cautelosa dos autos, evidencio que a entrega intempestiva da 1ª parcial e a incongruência da data do recebimento dos recibos eleitorais são irregularidades formais, que não afetam a lisura das contas. De igual modo, a abertura tardia da conta bancária específica, ainda mais em pequeno período (seis dias de atraso), quando demonstrada a inexistência de movimentação financeira prévia a data da sua abertura, não é mácula de natureza grave, porquanto não inviabiliza o controle desta Especializada. Quanto a não comprovação de despesa no importe de R$8,47, verifico que o promovente alega que o referido dispêndio não foi consignado na prestação de contas, por se tratar de sobra financeira de campanha, que teria sido repassada à Direção Partidária. Neste contexto, observo que embora o promovente não tenha apresentado a guia de depósito, o referido valor saiu da conta bancária específica em 15.10.2010, ou seja, posteriormente às eleições, através de compensação de cheque, consoante extrato de fl. 86, circunstância que sinaliza, a meu ver, a ausência de má-fé do candidato. Ademais, ao se considerar que a quantia de R$8,47 se revela insignificante perante os valores totais da movimentação financeira de campanha, Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 175 JURISPRUDÊNCIA e ainda diante da inexistência de outras máculas graves, entendo ser aplicável ao caso os princípios da insignificância, razoabilidade e proporcionalidade, para afastar a reprovação das contas. Ex positis, em conformidade com o relatório conclusivo elaborado pela Secretaria de Controle Interno deste Tribunal e com o opinativo ministerial, voto por aprovar, com ressalvas, as contas ora submetidas a julgamento. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 20 de julho de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator 176 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 9 8 6 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 13.225-64.2008.6.05.0162 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Madre de Deus RECORRENTES: Coligação É TRABALHO DE VERDADE, Carmen Gandarela Guedes e Paulo Sérgio de Souza. Advs.: Béis. Anhamona de Brito, Tadeu Muniz Nogueira, José Souza Pires, Thiancle da Silva Araújo e outros. RECORRIDOS: Coligação A FORÇA DO POVO DE MADRE, Eranita de Brito Oliveira e Edmundo Antunes Pitangueira. Advs.: Béis. Ademir Ismerim, Deborah Cardoso Guirra, Rafael de Medeiros Chaves Mattos e outros. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 162ª Zona/São Francisco de Conde. RELATOR: Juiz Salomão Viana. REVISOR: Juiz Cássio Miranda. Recurso. Procedimento de impugnação de mandato eletivo. Improcedência. Alegação de captação ilícita de sufrágio. Fragilidade das provas. Alegação de abuso de poder político e econômico. Cabimento de apuração de abuso de poder político com repercussão econômica em sede de AIME. Conjunto probatório que evidencia a caracterização do abuso. Incidência das normas insculpidas nos art. 1º, inc. I, d, e 15 da Lei Complementar n. 64/90. Aplicação do princípio da proporcionalidade. Preponderância da proteção à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato sobre a proteção a direitos individuais (CF, art. 14, § 9º). Ausência de previsão legal de cabimento de sanção pecuniária em sede de procedimento de impugnação de mandato eletivo. Recurso a que se dá parcial provimento. Cassação dos diplomas. Inelegibilidade. Lei Complementar n. 135/10. Irretroatividade. Decretação pelo prazo de três anos. Aplicação da norma contida no art. 224 do CE. Determinação de que sejam realizadas novas eleições sob a forma indireta (art. 81, § 1º da CF). 1. Deve ser parcialmente reformada sentença que julga improcedente pedido contido em demanda de impugnação de mandato eletivo, quando as provas colacionadas aos autos, apesar de não serem contundentes no que tange à imputação da prática de captação ilícita de sufrágio, revelam-se aptas a Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 177 JURISPRUDÊNCIA comprovar a efetiva ocorrência de abuso de poder político entrelaçado com abuso de poder econômico, consistente na utilização da máquina administrativa do município em favor da reeleição do chefe do executivo; 2. A proteção à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato é um valor constitucionalmente protegido, assim como o é a proteção aos direitos individuais, mas se tais valores estão em testilha, o conflito deve ser resolvido, à luz da aplicação do princípio da proporcionalidade, em favor proteção da coletividade, por meio da defesa da probidade e da moralidade (CF, art. 14, § 9º); 3. Tendo em vista a ausência de previsão legal de cabimento de sanção pecuniária em sede de procedimento de impugnação de mandato eletivo, neste aspecto o recurso não merece provimento; 4. Recurso parcialmente provido para o fim de que sejam cassados os diplomas dos dois primeiros recorridos, com a decretação da sua inelegibilidade por três (03) anos, contados a partir da eleição ocorrida no ano de 2008; 5. Considerando que os recorridos obtiveram 52,88% dos votos válidos, devem ser realizadas novas eleições (art. 224 do CE), porém sob a forma indireta, em obediência à norma contida no art. 81, § 1º, da CF. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por maioria, vencido o Juiz Mauricio Kertzman Szporer, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator de fls. 2.451/2.464 e, pelo voto de desempate, vencidos o Relator e o Revisor, DECLARAR A INELEGIBILIDADE DOS RECORRIDOS POR TRÊS ANOS, nos termos do voto do Juiz Renato Reis Filho de fls. 2.476/2.480, que integra o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 9 de agosto de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente, SALOMÃO VIANA, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. 178 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto por CARMEN GANDARELA GUEDES, COLIGAÇÃO É TRABALHO DE VERDADE e PAULO SÉRGIO DE SOUZA contra a sentença de fls. 2.358/2.370, que julgou improcedente o pedido contido na demanda de impugnação de mandato eletivo, cuja propositura fez nascer, junto ao Juízo Eleitoral da 162ª Zona, sediada em Madre de Deus, o procedimento n. 899/2008. A demanda foi proposta pelos recorrentes em face de ERANITA DE BRITO OLIVEIRA (atual prefeita do Município de Madre de Deus), EDMUNDO ANTUNES PITANGUEIRA (atual vice-prefeito) e da COLIGAÇÃO A FORÇA DO POVO DE MADRE e se funda nas alegações de que os demandados, nas eleições municipais ocorridas em 2008, teriam praticado atos configuradores de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder político e abuso de poder econômico. Em suas razões de fls. 2.394/2.408, pugnam os recorrentes pela reforma da sentença, ao argumento de que restaram robustamente comprovados os seguintes ilícitos praticados pelos recorridos: (a) aprovação, no final do ano de 2007, da Lei Municipal n. 454/2007, por meio da qual foram criados inúmeros cargos em comissão, cujo provimento teria sido norteado por interesses eleitoreiros da recorrida e de seus correligionários políticos; (b) uso dos servidores municipais e de funcionários de ONG´s conveniadas com o Município para realização de campanha em prol da reeleição da recorrida; (c) condicionamento da permanência de munícipes como beneficiários de programa social em troca de voto; e, finalmente, (d) exoneração de servidores de funções gratificadas por motivos meramente políticos. Nas contrarrazões de fls. 2.412/2.432 os recorridos pugnam pela manutenção, na íntegra, da sentença hostilizada, rechaçando a ocorrência dos atos cuja autoria lhes foi imputada. Instado a se manifestar, o Procurador Regional Eleitoral, invocando o princípio da unidade institucional, adotou as razões lançadas pela promotoria que atua junto ao juízo de primeiro grau às fls. 2.349/2.353, propugnando pela negativa de provimento ao recurso (fl. 2.43732). É o relatório, que submeto à apreciação do eminente Juiz revisor. Salvador, BA, 21 de fevereiro de 2011. Salomão Viana Juiz Relator VOTO O ato contra o qual o recurso foi interposto é recorrível. De sua vez, o recurso está previsto em lei, é o adequado para o caso, foi interposto tempestivamente e atende às exigências formais. Além disso, inexistem fatos Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 179 JURISPRUDÊNCIA impeditivos ou extintivos do direito de recorrer e o recorrente possui legitimidade recursal e interesse. Encontram-se, pois, satisfeitas todas as exigências intrínsecas e extrínsecas para que o recurso interposto seja conhecido, motivo pelo qual dele conheço. Os recorrentes atribuem aos recorridos a autoria de inúmeros ilícitos eleitorais, supostamente configuradores de abuso de poder econômico e político. No que concerne à imputação da prática de atos configuradores de captação ilícita de sufrágio, consistentes no condicionamento da permanência de munícipes como beneficiários de programa social em troca de voto, a verdade é que o acervo probatório existente nos autos não autoriza que se chegue à conclusão de que, efetivamente, tal prática teria sido levada a cabo por qualquer dos recorridos. Com feito, conforme consignado pelo juízo de primeiro grau, embora a testemunha Maria Helena Soares tenha mencionado que sofreu ameaça de suspensão do recebimento do benefício caso não votasse na recorrida, ela não chegou a afirmar que deixou de perceber o auxílio governamental por não haver votado na aludida candidata. Já no que tange aos demais ilícitos eleitorais noticiados, o que se vê é que a prova coligida aos autos revela que os recorrentes estão prenhes de razão ao pugnar pela reforma da sentença com fundamento na efetiva ocorrência de abuso de poder econômico, decorrente da utilização da Administração Pública Municipal de Madre de Deus em prol da reeleição dos recorridos. Com efeito, às vésperas do ano eleitoral, mais precisamente, em 04 de dezembro de 2007, a recorrida Eranita de Brito Oliveira, na qualidade de Prefeita do Município de Madre de Deus, enviou à Câmara de Vereadores o Projeto de Lei n. 28/2007, que, aprovado pelo Legislativo, resultou na edição da Lei n. 454, de 28 de dezembro de 2008, que aumentou expressivamente a quantidade de cargos em comissão do Executivo Municipal, cujos provimentos ocorreram ao longo do ano eleitoral. O documento de fls. 387/393, extraído do Sistema de Acompanhamento de Pagamento de Pessoal do Tribunal de Contas dos Municípios, comprova a ocorrência de, pelo menos, 160 nomeações em cargos comissionados no ano de 2008. Malgrado não seja vedada pela legislação eleitoral a nomeação de servidores para a ocupação de cargos em comissão em ano de eleições, mesmo durante os três meses que antecedem o pleito, a verdade é que a conduta levada a cabo pelos recorridos, aliada aos outros ilícitos comprovados nos autos e reforçada pela experiência comum, resultante da observação do que ordinariamente acontece nos rincões do interior da Bahia no período eleitoral (CPC, art. 335), revela que a criação e o respectivo preenchimento dos cargos foram motivados por razões meramente eleitoreiras. 180 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Demais disso, emerge dos autos que servidores municipais e funcionários da ONG Capacitar, conveniada com a Prefeitura de Madre de Deus, eram compelidos a fazer campanha eleitoral em prol dos recorridos e que funções gratificadas foram canceladas por motivações exclusivamente políticas. Neste passo, a testemunha Luciano Jorge de Azevedo Nascimento, ex-servidor comissionado do Município de Madre de Deus, em depoimento colhido nos autos da AIJE n. 664/2008, cuja cópia instruiu o presente feito na qualidade de prova emprestada (fl. 862), afirmou o seguinte, quanto aos ilícitos aludidos: “(...) que exercia cargo de confiança da Representada; que foi exonerado no dia 04/07/2008; que duas semanas antes da eleição, a candidata representada, juntamente com o vice, estavam fazendo visitas a residências, quando ingressaram na residência do depoente; que ao solicitarem o voto, a esposa do declarante respondeu que não votaria na representada porque a mesma havia exonerado o depoente; que ouviu quando a representada disse à esposa do depoente que este havia feito “sua escolha política”; (...) que houve uma reunião na Secretaria de Desenvolvimento Econômico em virtude da saída de um secretário em face de candidatura a vereador; que a reunião foi realizada para apresentar a secretária nova e teve a presença da prefeita, da secretária que iria assumir e do secretário que estava deixando o cargo; que a candidata a prefeita representada disse que estava em fase de campanha e que “os servidores tinham que arregaçar as mangas porque muitos que estavam fora, brigando pela outra candidata, queriam o espaço que era deles”; que foi colocado que muitos servidores não estavam comparecendo às inaugurações de obras da prefeitura; que a prefeita disse que “eles não ficassem em cima do muro’, pois tinham que trabalhar pela campanha da representada; que por duas vezes a representada perguntou ao depoente “não é Luciano”?; que a reunião referida aconteceu no final de abril ou início de maio; que no final do expediente era mandado que o depoente fosse para a rua pedir votos para a representada; (...) que muitos servidores eram cobrados para fazer campanha para a representada; (...) que essa atuação dos servidores para favorecer a campanha da representada iniciou-se em abril de 2008; (...) que encontrava com os servidores na rua fazendo trabalho de campanha; que pode citar os nomes dos servidores Jorge, Orlando e Ari, que também trabalhavam na secretária de desenvolvimento (...)” (fls. 1.562/1.565). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 181 JURISPRUDÊNCIA De sua vez, as testemunhas referidas Orlando Roque Batista Santos e Ariosvaldo da Cruz Correia Filho corroboraram o depoimento acima transcrito: “(...) que trabalhava na prefeitura desde o primeiro dia do mandato da prefeita atual; que exercia cargo de confiança nominado Assessor II; (...) que a Secretaria de Gabinete, Sra. Isabel, passou a ligar para o setor de trabalho do depoente dizendo que o mesmo tinha que comparecer aos eventos políticos e da prefeitura, para estar acompanhando; (...) que pediu exoneração em agosto de 2008; que pediu exoneração por causa dos telefonemas que vinha recebendo , já que tem pressão alta e se sentia mal; que se sentia pressionado; (...) que o secretário de desenvolvimento econômico Amilton Pereira disse diretamente ao depoente que era para pedir voto a prefeita Eranita; (...) que isso foi dito várias vezes, sendo algumas vezes no local de trabalho; (...) que a prefeita compareceu à posse da secretaria Lílian na Secretaria de Desenvolvimento, oportunidade em que disse aos servidores que todos precisam trabalhar mais para reelegê-la e que estavam fazendo corpo mole (..)” (Depoimento prestado por Orlando – fls. 1.851/1.855) “(...) que exercia cargo de confiança; (...) que no discurso de posse da secretária Lílian, a prefeita disse que os funcionários deveriam ir a rua e garantir a reeleição da prefeita e dos nossos empregos; (...) que Luciano foi demitido porque se declarou eleitor da outra candidata a prefeita Carmen; (..) que a funcionária Carla teve a FG retirada por motivo político, já que se declarou eleitora de outra candidata.” (Depoimento prestado por Ariosvaldo - fls. 1.856 e 1.857) Por seu turno, a servidora efetiva Carla Virgínia Santos Sobral, ouvida em termos de declarações, no depoimento de fls. 1.551/1.555, disse que em agosto de 2008 teve suspenso, sem justificativa, o recebimento da gratificação que vinha recebendo: “(...) que no mês de agosto de 2008, foi suspensa a gratificação, sem justificativa, sendo que continuou desempenhando as mesmas atividades; que em julho de 2008 foi a primeira vez que participou da carreata da candidata Carmem Gandarela; (...) que um dia após o referido evento, recebeu uma ligação do Sr. Antônio Carlos Soro, agradecendo, de forma irônica, a participação da declarante no referido evento político; que sua tia Valnísia lhe telefonou no mesmo dia que o Sr. Antonio disse que iria pedir ‘a cabeça” da depoente à prefeita Eranita; que ‘isso me fez crer’ que a retirada da gratificação se deveu a esse fato”. 182 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Demais disso, a utilização de empregados da ONG Capacitar como instrumento de campanha para a reeleição da recorrida restou comprovada mediante o depoimento colhido durante a tramitação do procedimento de impugnação de mandato eletivo (AIME) autuado sob o n. 13.445-62 (898/2008), cujas provas também foram utilizadas como prova emprestada neste feito: “Trabalhou de 2007 a 2008 na ONG Capacitar (...); teve uma reunião (...) para tratar de assuntos políticos e teve uma reunião em cima da casa da Prefeita (...) só participou quem a Prefeita tinha certeza que ia votar nela (...) a reunião era desse tipo assim: a Prefeita falou (...) vocês estão trabalhando, vocês precisam do emprego de vocês; tem que manter esse emprego, então para que isso aconteça eu tenho que me reeleger e vocês tem por obrigação de votar para mim (...); elaboraram uma ficha com nome, endereço, título, zona e agente ia em determinada rua (...); cada equipe ia para uma rua dessa para fazer o preenchimento da ficha para que eles pudessem fazer um catado para ver até que ponto eles tinham votos(...); a gente tinha de oito da manhã até às dezesseis horas para andar em toda Madre de Deus fazendo esse cadastro (...)” (Depoimento prestado por Sandra Regina dos Reis Santos, constante na mídia colacionada à fl. 2250) Neste passo, é de se observar que o juízo a quo, na sentença recorrida, reconheceu a prática dos aludidos ilícitos eleitorais, julgando, todavia, improcedente o pedido, por entender que os fatos – fatos comprovados, realce-se – não poderiam ser apurados por meio deste procedimento: “Há prova de que os servidores Carla Virgínia Santos e Francis Luiz Costa Junior tiveram a função gratificada cancelada em agosto de 2008, segundo fls. 601, havendo ainda indicação de que os mesmos servidores, conforme produção de prova testemunhal e o próprio depoimento da testemunha Carla Vírginia que o ato teve cunho político pelas razões de divergência dos referidos servidores. (...) (...) há prova segura de que se fez uso dos servidores para angariar votos em favor da Prefeita atual. Além dos testemunhos, há documentação juntada na inicial no referido sentido, exibindo essa conduta praticada pela Prefeita. Conforme julgado esclarecedor acima, a prática de recrutar servidores, com possíveis ameaças de desemprego, para que fossem usados na campanha eleitoral, além de realizações de reuniões e comícios com a exortação da plena campanha da Prefeita que necessitava reeleger-se compromete a lisura do processo político (...). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 183 JURISPRUDÊNCIA Assim, conforme atestado pelo Ministério Público, o que se revela nesses autos é grave ocorrência de abuso de poder político, que, por determinação constitucional, não pode ser motivo para condenação nesta demanda de AIME.” A parte final das conclusões a que chegou o juízo a quo – a de que a “... grave ocorrência de abuso de poder político, (...) por determinação constitucional, não pode ser motivo para condenação nesta demanda de AIME” – não se sustenta. É que, distintamente do quanto afirmado na sentença, as inúmeras nomeações decorrentes do aumento expressivo da quantidade de cargos em comissão da Prefeitura de Madre de Deus, mediante a edição da Lei Municipal n. 454, de 28 de dezembro de 2007, aliadas aos comprovados ilícitos eleitorais consistentes no uso de servidores municipais para realização de campanha em prol da reeleição da recorrida e na dispensa de funções gratificadas por motivos meramente políticos, conduz à inexorável conclusão de que os recorridos incorrerem, sim, em abuso de poder econômico, com o objetivo de assegurar a vitória nas eleições de 2008. Aliás, é assente a jurisprudência do TSE quanto à configuração de abuso de poder econômico em casos em que a máquina pública é utilizada a favor de campanhas eleitorais: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO ENTRELAÇADO COM ABUSO DE PODER POLÍTICO. AIME. POSSIBILIDADE. CORRUPÇÃO. POTENCIALIDADE. COMPROVAÇÃO. SÚMULAS Nos 7/STJ E 279/STF. NÃO PROVIMENTO. (...) 3. O abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), porquanto abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Precedentes: REspe nº 28.581/MG, de minha relatoria, DJe de 23.9.2008; REspe nº 28.040/BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1º.7.2008. 4. No caso, os agravantes utilizaram-se do trabalho de servidores públicos municipais e de cabos eleitorais, que visitaram residências de famílias carentes, cadastrando-as e prometendo-lhes a doação de quarenta reais mensais, caso os agravantes sagrassem-se vencedores no pleito de 2008. 5. A reiteração do compromisso de doação de dinheiro, feita individualmente a diversos eleitores, não significa 184 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA que a promessa seja genérica. Pelo contrário, torna a conduta ainda mais grave, na medida em que não implica apenas desrespeito à vontade do eleitor (captação ilícita de sufrágio), mas também tende a afetar a normalidade e a legitimidade das eleições (abuso de poder econômico). 6. A jurisprudência desta c. Corte é no sentido de que o exame da potencialidade não se vincula ao resultado quantitativo das eleições (RCED nº 698/TO, de minha relatoria, DJe de 12.8.2009). De todo modo, o e. Tribunal a quo reconheceu existir elementos suficientes para a caracterização não só da captação ilícita de sufrágio, mas também do abuso de poder econômico, que influenciou a vontade popular, avaliando, implicitamente, a diferença de votos entre os candidatos. 7. Para chegar à conclusão diversa do v. acórdão regional, haveria a necessidade de revolver o conteúdo fático-probatório dos autos, procedimento inviável neste recurso especial eleitoral em virtude das Súmulas ns. 7/STJ e 279/STF. 8. Agravo regimental não provido. (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 11708. Acórdão de 18/03/2010, relator o Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, tomo 70, de 15/04/2010, pp. 18/19). ELEIÇÕES 2004. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRECLUSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CAUSA DE PEDIR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO-OCORRÊNCIA. CONDUTA. SUBSÍDIO DE CONTAS DE ÁGUA. PREFEITO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS. CABIMENTO DA AIME. POTENCIALIDADE DEMONSTRADA. (...) 4. O c. Tribunal Superior Eleitoral, na sessão de 22.4.2008, passou a entender pela possibilidade de abuso de poder econômico entrelaçado ao abuso de poder político: “Se o abuso de poder político consistir em conduta configuradora de abuso de poder econômico ou corrupção (entendida essa no sentido coloquial e não tecnicamente penal), é possível o manejo da ação de impugnação de mandato eletivo” (REspe nº 28.040-BA, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 1º.7.2008). No ponto, o voto de desempate do e. Min. Marco Aurélio também é elucidativo: “(...) Então, assento premissa necessária a passar ao exame da controvérsia sob o ângulo da impugnação ao mandato: a circunstância de se tratar de conduta vedada pela Lei nº 9.504/97 não implica restrição, não afasta a formalização Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 185 JURISPRUDÊNCIA da ação de impugnação ao mandato e possibilidade de vir a ser acolhido o pedido. (...) Está-se diante de quadro a revelar, além de conduta vedada, o acionamento do poder econômico da Prefeitura em prol, justamente, daqueles que se mostraram candidatos à reeleição” . 5. Na espécie, abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Nesse contexto, o subsídio de contas de água pelo prefeito-candidato, consignado no v. acórdão regional, o qual se consumou com o favorecimento de 472 famílias do município nos 2 (dois) meses anteriores às eleições, e a suspensão do benefício logo após o pleito configura-se abuso de poder econômico com recursos públicos. 6. Uma vez constatado o abuso do poder econômico mediante o entrelaçamento com o abuso de poder político (v.g., conduta vedada), descabe alegar preclusão das alegações aduzidas na AIME. Decorrência da tese inaugurada no REspe nº 28.040-BA, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 1º.7.2008. (...) 10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa, desprovido. (Recurso Especial Eleitoral n. 28581. Acórdão de 21/08/2008, relator o Min. FELIX FISCHER. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, de 23/09/2008, p. 15. RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, vol. 19, tomo 3, p. 263) Diante de tal conjunto probatório, dúvida alguma pode pairar de que as condutas perpetradas macularam irremediavelmente as eleições municipais de 2008 do pequeno Município de Madre de Deus, na medida em que a recorrida, valendo-se do seu poder político, utilizou o poder econômico do município para financiar a sua campanha à reeleição. E não foi outra a conclusão da Promotoria atuante junto ao primeiro, ao se manifestar sobre os mesmos fatos nos autos do procedimento de investigação eleitoral (AIJE) n. 664/2008, cuja cópia instruiu estes autos: “No caso sob exame, restou configurada, pela análise do conjunto probatório coligido no âmbito da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a efetiva ocorrência de conduta caracterizadora de abuso de poder econômico, político e de função, consistente na utilização da Administração Pública Municipal de Madre de Deus, em prol da candidatura da representada, ainda que sem o conhecimento, conivência ou participação, em detrimento dos demais candidatos, maculando a normalidade e igualdade no pleito. (fls. 2.026/2.039) 186 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Importa ressaltar, ainda, que foi de apenas 634 a diferença de votos entre o primeiro e os segundo candidatos mais votados para o cargo de prefeito, em um universo de 11.014 votos válidos. O caso, pois, é, sim, de reconhecimento de que os recorridos incorreram na prática de abuso de poder político e econômico, em razão do que a sua conduta se subsume às normas contidas nos art. 1º, inc. I, d, e 15 da Lei Complementar n. 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar n. 135/10, que prevêem a cassação dos seus registros e/ou diplomas, bem como a inelegibilidade pelos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que os fatos ocorreram. Ultrapassada a etapa relativa ao exame dos fatos, registro que, independentemente da posição externada, por mínima maioria, pelo Supremo Tribunal Federal, mantenho o meu entendimento sobre a possibilidade da aplicação das normas contidas na Lei Complementar n. 135/2010 relativamente a fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor. Aliás, vale salientar que, no julgamento do Mandado de Segurança n. 22087-2/DF, ocorrido em 28 de março de 1996, relator o eminente Ministro Carlos Mário Velloso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que “... inelegibilidade não constitui pena...” e que, portanto, “... é possível a aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Complementar n. 64, de 1990, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência”. E não é difícil entender o motivo pelo qual não pode ser dado às causas de inelegibilidade, quaisquer que sejam elas, o mesmo tratamento que é dispensado às penas. É que ao elencar as situações que geram inelegibilidade, o que o legislador complementar faz, diferentemente de impor penas, foi estabelecer os parâmetros para que se reconheça aqueles que podem exercer um mandato eletivo. A respeito, numa visita à série de dispositivos constitucionais que versam sobre inelegibilidade, vale lembrar a letra do § 9º do art. 14 da Constituição Federal: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (os grifos não são do original). Tanto é suficiente para se concluir que as normas que contém causas de inelegibilidade não são punitivas, mas de proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato. Não se pode, entretanto, deixar de reconhecer que tais normas, se aplicadas imediatamente, têm potencial para lesar o patrimônio jurídico de determinadas pessoas: aquelas que, antes, poderiam se candidatar e exercer um mandato eletivo, e que, agora, em razão das novas normas, não podem mais. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 187 JURISPRUDÊNCIA Todavia, as lesões provocadas em tais casos não são diretas, mas reflexas, já que – repita-se – o conjunto normativo atinente às causas de inelegibilidade não tem a finalidade de impor penas, mas de proteger a probidade e a moralidade. Portanto, aqueles que, antes das novas normas, podiam se candidatar e exercer mandatos eletivos e que, agora, não podem mais, não sofreram qualquer apenação. Sofreram, sim, no seu patrimônio jurídico, os efeitos concretos de um conjunto normativo. E se tais efeitos lhes são adversos, não se pode negar a tais pessoas o direito de resistir às adversidades. Surge, então, um quadro de conflito entre dois bens jurídicos constitucionalmente protegidos: de um lado, o direito individual de certas pessoas de disputar e exercer mandato eletivo e, do outro, a proteção à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato. A solução de um conflito desta natureza, que exige a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não pode ser outra que não aquela que agasalha a proteção da coletividade, por meio da defesa da probidade e da moralidade, mesmo que isto implique o sacrifício de direitos individuais. É por tais motivos que mantenho o entendimento de que as causas de inelegibilidade não constituem pena e que, por isto, a elas não se aplica o princípio da anterioridade da lei penal. Demais disso, reconhecendo que as novas situações de inelegibilidade criadas pela Lei Complementar n. 135, de 4 de junho de 2010, podem ser violadoras de direitos individuais, posiciono-me em favor da preponderância da proteção aos interesses da coletividade, por meio da defesa da probidade e da moralidade, mesmo que isto implique o sacrifício dos aludidos direitos individuais. Por fim, impende registrar que a procedência de um pleito de impugnação de mandato eletivo somente pode acarretar a cassação do mandato eletivo e, por via reflexa, a inelegibilidade dos acionados, sendo incabível a aplicação de sanção pecuniária ante a ausência de previsão legal. Neste sentido, inclusive, tem se manifestado o TSE: Ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso do poder econômico. 1. Para afastar a conclusão do Tribunal Regional Eleitoral no sentido de que a grande quantidade de obras e serviços realizados em município às vésperas das eleições - que, na sua maioria, não eram essenciais ou atos de mera gestão tiveram conotação eleitoral e configuraram abuso do poder econômico com potencialidade suficiente para desequilibrar a disputa, seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal. 188 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA 2. A procedência da AIME enseja a cassação do mandato eletivo, não se podendo impor multa ou inelegibilidade, à falta de previsão normativa. Agravos regimentais não providos. (AgR – Respe n. 5158657 – São Pedro do Piauí/PI, Acórdão de 01/03/11, publicado no DJE de 10/05/11, Relator Ministro Arnaldo Versiani Leite Soares) Recurso especial. Ação de impugnação de mandato eletivo. Corrupção. Multa. 1. Para afastar a conclusão da Corte Regional Eleitoral que entendeu configurada a corrupção, em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, seria necessário o reexame de fatos e provas, o que é vedado nesta instância especial, conforme Súmula nº 279-STF. 2. A procedência da AIME enseja a cassação do mandato eletivo, não sendo cabível a imposição de multa a que se refere o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, por falta de previsão no art. 14, § 10, da Constituição Federal e na própria Lei nº 9.504/97. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para tornar insubsistente a multa aplicada. (RESPE n. 28186 – Pedro Avelino/RN, Acórdão de 06/12/07, publicado no DJ de 14/03/08, Relator Ministro Arnaldo Versiani Leite Soares). Diante das razões acima elencadas, voto no sentido de que seja dado provimento parcial ao recurso para, com base nas normas insculpidas nos art. 1º, inc. I, d, e 15 da Lei Complementar n. 64/90, com as alterações procedidas pela Lei Complementar n. 135/10, cassar o mandato eletivo dos recorridos Eranita de Brito Oliveira e Edmundo Antunes Pitangueira, decretando, ainda, a inelegibilidade de ambos por 8 (oito) anos a partir da eleição em que foram praticados os ilícitos. Tendo em vista que os recorridos obtiveram 52,88% dos votos válidos no pleito de 2008, conforme informações extraídas do Sistema de Gerenciamento de Eleições desta Justiça Especializada, o caso é de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, devendo ser realizadas, portanto, de imediato, novas eleições, as quais, todavia, em harmonia com a norma do art. 81, §1º da Constituição Federal, deverão ser ocorrer sob a forma indireta, devendo, até a posse do novo prefeito, o Presidente da Câmara Municipal permanecer interinamente na chefia do Poder Executivo Local. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 14 de junho de 2011. Salomão Viana Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 189 JURISPRUDÊNCIA ACÓRDÃO PROCESSO Nº 988/2011 MANDADO DE SEGURANÇA Nº 430-22.2011.6.05.0000 CLASSE 22 MUNICÍPIO: Bom Jesus da Lapa IMPETRANTE: Ednaldo Meira Silva. Advs.: Béis: Rafael de Medeiros Chaves Mattos, Tâmara Costa Medina da Silva, Pedro da Costa Vargens e outros. IMPETRADO: Juiz Eleitoral da 59ª Zona/Poções. LITISCONSORTE: Coligação BOM JESUS DA SERRA DE VOLTA AO CAMINHO CERTO. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Mandado de Segurança. Pedido liminar. Deferimento. Direito líquido e certo. Verificação. Concessão. Concede-se a segurança, ante a comprovada violação de direito líquido e certo não amparado por habeas data ou habeas corpus. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, CONCEDER A SEGURANÇA, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 9 de agosto de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência e Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de mandado de segurança impetrado por Ednaldo Meira Silva em face de ato do Juízo Eleitoral da 59ª Zona/Poções, que não deu seguimento a dois recursos eleitorais interpostos sequencialmente pelo impetrante para desfazimento de sentença que julgou procedente a AIME n° 2.199 contra ele proposta. Em suas razões (fls. 01/14) o impetrante aduz que o magistrado zonal incorreu em equívoco ao realizar juízo de admissibilidade, avocando competência que, no caso sub examine, era deste egrégio Tribunal. Ademais, alega que mesmo que cumprisse ao Juízo Eleitoral da 59ª Zona ultimar 190 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA tais providências, ainda assim se revelaria o desacerto da decisão que não conheceu do recurso interposto, razão pela qual requereu o deferimento de medida liminar para sustar a decisão impetrada. Presentes os seus requisitos autorizadores, deferi a ordem requestada em decisão proferida às fls. 17/20 dos presentes fólios. Regularmente notifi cados, os litisconsortes passivos não se manifestaram. Instado, o eminente Procurador Regional Eleitoral Auxiliar manifestou-se (fls. 30/31) pela concessão da segurança. É o relatório. VOTO Da análise minudente dos autos, entendo que assiste razão ao impetrante. A Coligação BOM JESUS DA SERRA DE VOLTA AO CAMINHO CERTO ajuizou ação de impugnação de mandato eletivo em face de Edinaldo Meira Silva e Sidney Teixeira Coelho. Esta demanda foi julgada procedente pelo Juíz Eleitoral da 59ª Zona/Poções. Da sentença foi interposto recurso eleitoral, o qual não foi admitido pelo magistrado a quo. Para fundamentar sua decisão, o juiz zonal aduz que o primeiro recurso interposto é inexistente por falta de representação processual. Por outro lado, defendeu que a segunda peça recursal não poderia ser conhecida, porquanto não se pode recorrer duas vezes da mesma decisão. Como é possível observar, trata-se de dois recursos interpostos em sequência. Em verdade, a Belª. Tâmara Costa Medina da Silva, com regular instrumento de mandato, apresentou a irresignação dos seus clientes por meio de fac-símile recebido pelo cartório eleitoral através do protocolo de nº 17.686/2011, às 13h46 do dia 30 de março do corrente ano. Por oportuno, cumpre asseverar que a decisão foi publicada no Diário da Justiça em 25 de março, uma sexta-feira, de modo que, não há que se falar em intempestividade do recurso. Ademais, os originais do fax enviado pela patrona da parte foram juntados aos autos no dia seguinte, ou seja, 31 de março de 2011. Por sua vez, em momento posterior (todavia, também no dia 30 de março de 2011), o doutor Samuel Teles Filho aforou peça jurídica de igual teor destinada a combater a sentença zonal. Saliento que foi juntado substabelecimento para este mandatário atuar no feito no dia 25 de março, através de fac-símile, juntando-se aos fólios, no dia 31 de março, o documento original. A meu ver, não restam dúvidas acerca dos equívocos perpetrados pelo juízo singular. O inicial foi considerar como primeiro recurso aquele interposto pelo Bel. Samuel Teles Filho, quando na verdade a peça aviada pela Belª. Tâmara Costa Medina da Silva foi protocolizada anteriormente. Depois, Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 191 JURISPRUDÊNCIA tem-se que o substabelecimento original conferido ao patrono da parte foi juntado em tempo hábil, de tal maneira que inexistem irregularidades que, sob este viés, impeçam o regular andamento do recurso. Como se não bastasse, cumpre salientar que o juiz de primeira instância não possui competência para exercer juízo de admissibilidade sobre recursos interpostos contra sentença proferida em AIME. Assim, vejamos o que dispõe o art. 267, § 6° do Código Eleitoral: Art. 267. Recebida a petição, mandará o juiz intimar o recorrido para ciência do recurso, abrindo-se-lhe vista dos autos a fim de, em prazo igual ao estabelecido para a sua interposição, oferecer razões, acompanhadas ou não de novos documentos. [...] § 6º Findos os prazos a que se referem os parágrafos anteriores, o juiz eleitoral fará, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, subir os autos ao Tribunal Regional com a sua resposta e os documentos em que se fundar, sujeito à multa de dez por cento do salário-mínimo regional por dia de retardamento, salvo se entender de reformar a sua decisão. De igual sorte, procede o art. 8°, § 2° da Lei Complementar n° 64/90, cujo rito é adotado em sede de AIME: Art. 8°. Nos pedidos de registro de candidatos a eleições municipais, o Juiz Eleitoral apresentará a sentença em cartório três dias após a conclusão dos autos, passando a correr deste momento o prazo de três dias para a interposição de recurso para o Tribunal Regional Eleitoral. § 2° Apresentadas as contra-razões, serão os autos imediatamente remetidos ao Tribunal Regional Eleitoral, inclusive por portador, se houver necessidade, decorrente da exigüidade de prazo, correndo as despesas do transporte por conta do recorrente, se tiver condições de pagá-las. (grifos nossos). Portanto, qualquer que seja o caminho adotado, não sobejam dúvidas no sentido de que o magistrado laborou em erro, seja pela ausência de competência para exercer juízo de admissibilidade, seja pela fundamentação equivocada que resultou no não recebimento dos recursos. Ex positis, com base nos argumentos apresentados, na esteira do parecer ministerial, concedo a segurança requerida, determinando ao juízo zonal que abra vista para contrarrazões e, empós, remeta os autos da AIME nº 2.199 para exame por esta Corte. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 9 de agosto de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator 192 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 9 9 1 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 16.467-66.2008.6.05.0118 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Cachoeira RECORRENTE: Pedro Roberto Elpídio Ferreira. Adv.: Bel. Chrisvaldo Monteiro de Almeida. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 118ª Zona. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Recurso. Prestação de contas. Eleições 2008. Candidato. Vereador. Irregularidades. Parecer conclusivo. Ausência de intimação. Cerceamento de defesa. Configuração. Acolhimento da preliminar. Retorno dos autos à origem. Preliminar de cerceamento de defesa. A norma de regência confere diversas oportunidades aos promoventes para que sejam sanadas as irregularidades eventualmente identificadas nas contas. Deste modo, olvidando-se a necessidade de intimação para manifestação acerca do parecer conclusivo, impõe-se acolher a preliminar, de modo que sejam remetidos os autos à zona de origem, a fim de que o candidato tenha a oportunidade de apresentar os documentos que reputar necessários diante do caso concreto. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, ACOLHER A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA, DETERMINANDO-SE O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 9 de agosto de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência e Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 193 JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de recurso eleitoral interposto por Pedro Roberto Elpídio Ferreira em face de sentença de fl. 33, do Juízo Eleitoral da 118ª Zona/ Cachoeira, que julgou desaprovadas as contas de campanha do recorrente, candidato à vereador. Em suas razões de fls. 58/62, o recorrente alega, em sede de preliminar, cerceamento de defesa por não ter sido oportunizada a sua manifestação acerca do Relatório Conclusivo do cartório eleitoral. No mérito, aduz que as supostas irregularidades não comprometeram a regularidade das contas. Por fim, pugna pelo provimento do presente recurso. De posse dos autos, a Secretaria de Controle Interno desse egrégio Tribunal exarou Relatório Técnico de exames pela manutenção da decisão que desaprovou as contas (fl. 75/76). Instado, o eminente Procurador Regional Eleitoral manifestou-se pelo não acolhimento da preliminar aventada e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 79/80). É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. Entendo que merece acolhimento a preliminar aventada. Compulsando os autos, verifico que após a apresentação da prestação de contas foi emitido relatório preliminar para a expedição de diligências (fls. 23/24). Intimado, o candidato não se manifestou a respeito das falhas apuradas. Sendo assim, o Cartório Eleitoral da 118ª Zona exarou Relatório Conclusivo pela desaprovação das contas. Posteriormente, os fólios foram encaminhados ao Parquet que opinou pela desaprovação, e foram conclusos ao magistrado zonal que julgou desaprovadas as contas. A meu ver, a norma de regência da matéria, sistematicamente, confere aos candidatos oportunidades variadas de se manifestar nos autos das prestações de contas a fim de sanar as irregularidades eventualmente encontradas e/ou esclarecer possíveis dúvidas. A fim de afastar eventuais dúvidas acerca do tema, vejamos o que dispunha o art. 37 da Res. TSE nº 22.715/2008: Art. 37. Emitido parecer técnico pela desaprovação das contas ou pela aprovação com ressalvas, o juiz eleitoral abrirá vista dos autos ao candidato ou ao comitê financeiro, para manifestação em 72 horas, a contar da intimação. 194 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Parágrafo único. Na hipótese do caput, havendo a emissão de novo parecer técnico que conclua pela existência de irregularidades sobre as quais não se tenha dado oportunidade de manifestação ao candidato ou ao comitê financeiro, o juiz eleitoral abrirá nova vista dos autos para manifestação em igual prazo. Vê-se, pois, que mesmo depois do parecer conclusivo, ainda existe a possibilidade de que o candidato tenha nova vista dos autos, a fim de sanar vícios remanescentes. Desta forma, vejo que a não intimação do promovente para se manifestar acerca do parecer conclusivo, mesmo que tenha se tratado de uma reprodução do parecer prévio, resultou em prejuízo, de tal modo que as contas foram desaprovadas. Neste passo, vislumbro como necessária a remessa dos autos ao juízo de origem a fim de que seja conferida a oportunidade de manifestação – assegurada pelo regramento específico, diga-se de passagem – para que então o magistrado local dê o andamento que julgar adequado ao feito, ordenando as diligências e demais medidas que reputar necessárias. Pelo exposto, acolho a preliminar. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 9 de agosto de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 195 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 0 8 5 / 2 0 11 PETIÇÃO PROCESSO Nº 282-11.2011.6.05.0000 CLASSE 24 MUNICÍPIO: Salvador REQUERENTE: João Henrique de Barradas Carneiro. Advs.: Béis. Tiago Cedraz Leite Oliveira, Flávio Aurélio Nogueira Júnior, Sérgio Tourinho Dantas e outros. REQUERIDO: Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB. Advs.: Béis. Jayme Vieira Lima filho e Manoel Guimarães Nunes. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. Ação de declaração de existência de justa causa. Desfiliação Partidária. Resolução TSE nº 22.610/2007. Grave discriminação pessoal. Configuração. Reconhecimento da justa causa. Procedência. Preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral. Inacolhe-se a preliminar, eis que a constitucionalidade do art. 2º da Resolução TSE nº 22.610/2007, que fixa a competência da Justiça Eleitoral para processar, apreciar e julgar ação de decretação da perda de cargo eletivo é matéria consolidada, consoante decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI nº 3999/DF, que declarou a constitucionalidade do referido diploma. Preliminar de ilegitimidade passiva. Tendo em vista que o partido político é um instituto único, dividido em diretórios municipais, estaduais e nacional por questões meramente administrativas, afasta-se a preliminar de ilegitimidade passiva do diretório regional. Preliminar de falta de interesse de agir. O art. 1º, parágrafo terceiro da Res. TSE nº 22.610 prevê a possibilidade de requerimento de declaração de existência de justa causa para o mandatário que já se desfiliou, razão por que se impõe a rejeição da preliminar. Preliminar de cerceamento de defesa. Rejeita-se a preliminar de cerceamento de defesa suscitada em face da dispensa do depoimento pessoal do autor e da oitiva de testemunhas, porquanto ao julgador é facultado deferir ou indeferir determinadas provas, conforme entender necessárias. Mérito. 196 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Julga-se procedente ação de declaração de existência de justa causa, quando o requerente comprova a grave discriminação pessoal de que se diz ter sido vítima por parte da agremiação pela qual se elegeu, configurando a hipótese constante do art. 1º, § 1º, inciso IV da Res. TSE nº 22.610/2007. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACÓRDÃO os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER AS PRELIMINARES e, no mérito, JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de pedido de declaração de existência de justa causa para desfiliação partidária requerido pelo Prefeito João Henrique de Barradas Carneiro, em desfavor do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, com fundamento no art. 1º, §1º, IV, c/c § 3º da Resolução do TSE nº 22.610/2007. De acordo com a inicial, o requerente foi reeleito para o cargo de Prefeito pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, ora requerido, nas eleições de 2008, sendo que, em razão de perseguição de caráter pessoal por parte de dirigentes da Agremiação, a boa relação então existente entre o autor e o partido sofreu danos irreversíveis, transbordando “os limites da discussão política para um claro desrespeito pessoal”, perpetrados mediante a prática de diversos atos de discriminação contra sua pessoa, impossibilitando sua permanência nos quadros do partido. Para prova do alegado, arrolou testemunhas e apresentou os documentos de fls. 31/223. Citado, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB apresentou defesa (fl. 227/255), suscitando, preliminarmente, a incompetência absoluta deste Tribunal Regional Eleitoral e carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam e por falta de interesse de agir originário ou, alternativamente, por perda superveniente do objeto. No mérito, rechaçou os fatos alegados na inicial, defendendo a ausência de justa causa, a impropriedade Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 197 JURISPRUDÊNCIA da juntada de faxes em fotocópias e a violação do sigilo da comunicação, a inexistência de coação ou qualquer ofensa do partido para com o autor e, ainda, que o partido foi excluído da Administração Municipal e não o contrário. Sustenta, por fim, a “impossibilidade jurídica da grave discriminação pessoal do Autor por supostas ofensas do Acionado à sua cônjuge”. Arrolou testemunhas e anexou vasta documentação (fls.256/400). Remetidos os autos ao Procurador Regional Eleitoral (fls. 405/411), este opinou pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo deferimento do pedido. Em 23 de fevereiro de 2011, determinei o sobrestamento do feito até que a Petição nº 390-40, que versa sobre os mesmos fatos e as mesmas partes, estivessem conclusos. Indicadas pelas partes as provas que pretendiam produzir (fls. 423/425), foi designada audiência para oitiva de testemunhas, ocasião em que este Magistrado encerrou a dilação probatória por entender desnecessários o depoimento pessoal e a produção de prova testemunhal. Em alegações finais, o requerente reafirma os termos da exordial; o partido requerido, por seu turno, reitera as razões lançadas na contestação, arguindo, demais disso, o cerceamento de defesa por inobservância do devido processo legal em face da dispensa do depoimento pessoal do autor e da oitiva das testemunhas arroladas (fls. 481/511). Instado, o Ministério Público Eleitoral manteve seu entendimento pelo deferimento do pedido (fls. 524). É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO (INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º DA RESOLUÇÃO TSE Nº 22.610/2007). A preliminar não merece prosperar, pois a constitucionalidade da referida Resolução é matéria que jaz consolidada, consoante a decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos ADI nº 3999/DF, declarando a constitucionalidade do referido diploma. A jurisprudência trazida pela defesa encontra-se há muito ultrapassada e destoa do entendimento firmado pela Corte Superior Eleitoral: “CONSULTA. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. PERDA DE CARGO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ELEITORAL. Não obstante a autonomia assegurada no art. 17, § 1º, da Constituição Federal, os partidos políticos estão sujeitos à jurisdição da Justiça Eleitoral quanto aos atos que tenham 198 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA potencialidade para interferir no processo eleitoral. Assim, no que tange à perda do cargo por desfiliação partidária sem justa causa, a competência para julgar a matéria pertence à Justiça Eleitoral, devido aos reflexos que a perda de cargo eletivo acarreta no âmbito eleitoral.” (AC. TSE nº 22893/2008, de 14/08/2008, re. Min. Félix Fischer). A propósito, especialmente no que se refere à reserva legal de lei complementar, vale a transcrição de jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, cuja ementa segue transcrita: AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA - PEDIDO FORMULADO POR PROMOTOR ELEITORAL PERANTE JUIZ ELEITORAL DE PRIMEIRO GRAU - RESOLUÇÃO N. 22.610 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - COMPETÊNCIA PARA AS AÇÕES DE PERDA DE MANDATO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA - INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADO EX OFFICIO PELO RELATOR - EXAME DA MATÉRIA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RESPEITO À INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA - PRESERVAÇÃO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO - RESSALVA DO PONTO DE VISTA PESSOAL. A competência para as ações de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária restou estabelecida pelo artigo 2º da Resolução n. 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, cabendo aos Tribunais Regionais Eleitorais o julgamento relativo aos mandatos “não federais”. Apesar da reserva constitucional à lei complementar para estabelecer a competência dos órgãos da Justiça Eleitoral, não há espaço para interpretações constitucionais fora da exegese previamente realizada pelo Supremo Tribunal Federal. Decorrência dos princípios da autenticidade da interpretação constitucional pela Suprema Corte, em qualquer dos modelos, concentrado ou difuso, e da preservação da força normativa da Constituição bem como de sua integridade. Acórdão 22016; ADM – Matéria Administrativa; TRE-SC – Itaiópolis-SC; Rel. MÁRCIO LUIZ FOGAÇA VICARI; DJE – Diário de JE, Data 20/02/2008. A título ilustrativo, transcrevo excerto do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, nos autos do Mandado de Segurança nº 26.603 do Distrito Federal, no qual se verifica a constitucionalidade da Resolução no âmbito formal, inclusive quanto ao seu art. 2º: “Na realidade, Senhora Presidente, e em face, precisamente, de tais premissas, torna-se necessário assegurar, ao Deputado, Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 199 JURISPRUDÊNCIA naqueles casos em que se justificar o ato de sua voluntária desvinculação do partido político pelo qual se elegeu, o direito de resguardar a titularidade do mandato legislativo, exercendo – quando a iniciativa não for da própria agremiação partidária – a prerrogativa de fazer instaurar, perante órgão competente da Justiça Eleitoral (o TSE, tratando-se de Deputado Federal), procedimento em cujo âmbito se lhe viabilize a possibilidade de demonstrar a ocorrência das exceções justificadoras da desfiliação partidária”. Em seu voto, o Ministro declarou que considera o TSE competente para apreciar a Ação de Decretação de Perda de Cargo Eletivo no caso de Deputado Federal, não se vislumbrando qualquer inconstitucionalidade no sobredito art. 2º da Resolução sob comento. Em sendo assim, consolidado tal posicionamento pelo STF – órgão máximo do Poder Judiciário a quem incumbe, precipuamente, a proteção e interpretação da Carta Magna –, não resta dúvida de que o dispositivo contido na Resolução, que disciplina a competência dos Tribunais para apreciação das ações em discussão, não confronta a Constituição Federal. Mercê destes fundamentos, rejeito a preliminar sob epígrafe. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO DIRETÓRIO PARTIDÁRIO REGIONAL. Sustenta, em síntese, o requerido, que, “tratando-se de mandato de prefeito, notadamente da esfera municipal, é óbvio que tal legitimidade se vincula estritamente ao órgão de direção partidária do município respectivo, aqui, o de Salvador/BA”. Razão não lhe assiste. Como bem salientou o Ministério Público Eleitoral, citando precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (Acórdão nº 33.017/2008 – Requerimento nº 664, Classe 18), a questão da legitimidade “está intimamente ligada à idéia de interesse processual e, levando-se em consideração que a idéia de Partido Político é um instituto único, apenas dividido em diretórios municipais, estaduais e nacional por questões administrativas e com o intuito de facilitar o engajamento deste com a população local”, resta indubitável que o diretório regional está legitimado a integrar o pólo passivo da presente lide. Peço vênia para transcrever trecho do brilhante voto do Relator do referido processo, Dr. Munir Abagge, reportando-se a entendimento jurídico do Ministro Carlos Ayres Britto: “Com efeito, se incumbe ao Diretório Municipal velar pela normalidade do processo eleitoral municipal, evitando qualquer forma de abuso (podendo, inclusive, no pleito municipal, ajuizar representação por propaganda irregular e outras funções 200 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA eleitorais, além de impugnar registro de candidatura), não vejo como se lhe recusar a legitimidade para vindicar mandato eletivo por desfiliação partidária de vereadores”. Naquela ocasião, firmou-se o entendimento, que adoto integralmente, de que a legitimidade, ativa ou passiva, é concorrente, isto é, pode ser exercida por qualquer das esferas partidárias. Sendo assim, pode ser exercida pelo diretório nacional se o mandato for federal, estadual ou municipal; pelo diretório estadual, se o mandato for estadual ou municipal; e pelo diretório municipal, quando se tratar de mandato municipal. Com base nesses fundamentos, tenho que a legitimidade, no caso, por se tratar de mandato de prefeito – municipal, portanto –, pode ser exercido tanto pelo diretório municipal quanto pelo diretório regional do partido, razão pela qual rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR OU PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. Defende o requerido a preliminar em epígrafe sob o argumento de que, uma vez que o bem jurídico pleiteado pelo autor é a desfiliação partidária e esta, de fato, já se efetivou, com o pedido de desfiliação formulado pelo requerente em 03 de fevereiro de 2010, restaria evidenciada a falta de interesse de agir ou, alternativamente, a perda superveniente do objeto. Tal preliminar também há que ser rejeitada. O pedido for formulado em consonância com a Resolução TSE nº 22.610/2007, cujo art. 1º, § 3º dispõe, in verbis: “O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução”. (grifos aditados) Desta forma, resta evidenciado o interesse de agir do requerente. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. A última preliminar, suscitada em sede de alegações finais pela parte requerida, foi arguida em face da dispensa, por este julgador, do depoimento pessoal do autor e da oitiva das testemunhas arroladas De saída, há que se dizer, porque relevante, que o Magistrado, frente à moderna sistemática processual, é o destinatário e soberano na análise da prova, e como tal, é quem deve considerar a sua necessária produção ao deslinde da controvérsia. Sabe-se que o poder instrutório faculta-lhe deferir ou indeferir determinada prova e que a questão depende de sua avaliação e da necessidade Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 201 JURISPRUDÊNCIA daquela, constituindo-se aqui, no âmbito formal, a ampla defesa, reflexo do devido processo legal. No caso específico, a norma que rege a matéria prevê, expressamente, a faculdade do magistrado de avaliar a necessidade de produção de provas, deferindo-as ou não, conforme se extrai do art. 7º, caput, da Resolução TSE nº 22.610/2007. Sobre a matéria trago à baila lição do Prof. Alexandre de Moraes, in Constituição do Brasil Comentada: “Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de darlhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.” Mercê dessas considerações, no plano jurídico-conceitual, entendo que este Relator, imbuído da apreciação do requerimento que lhe fora posto a acertamento, tem o condão e a faculdade legal de indicar, na órbita do direito e das consequências que dele resultam, quais provas são necessárias ao deslinde do feito, dispensando aquelas que entender prescindíveis, considerando os fatos e circunstâncias constantes dos autos, de maneira a se evitar eventual e futura alegação que conduza à hipótese de cerceio de defesa e, ainda, na busca da verdade. Na hipótese dos autos, verifico que a causa já está madura para julgamento, não havendo necessidade de dilação probatória uma vez que a prova documental acostada aos autos mostra-se bastante e suficiente ao deslinde da questão, nos termos do art. 6º da Resolução TSE nº 22.610/2007. À vista dessas considerações, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa. MÉRITO. A Resolução TSE nº 22.610/2007, que disciplina o processo de justificação de desfiliação partidária, prevê, em seu art. 1º, § 1º, as seguintes hipóteses para configuração de justa causa: a) incorporação ou fusão do partido; b) criação de novo partido; c) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; d) grave discriminação pessoal. No caso dos autos, o requerente pretende legitimar judicialmente sua desfiliação dos quadros da agremiação requerida, ao argumento de que foi vítima de grave discriminação e perseguição pessoal levada a efeito através da “(i) descoberta de papéis de faxes enviados do PMDB/BA divulgando notícias prejudiciais ao Requerente e a sua cônjuge; (ii) a veiculação pública 202 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA por dirigentes Regionais da intenção de expurgar o Autor dos quadros do Partido sem qualquer justa causa, que culminou na [...] suspensão imotivada do registro do Requerente e (iii) [...] a divulgação em jornais e redes sociais pelos Dirigentes Locais do partido Réu de jargões e apelidos que depreciam o Prefeito Suplicante”. Impõe-se ressaltar, antes de mais nada, que, não raro, a disputa intrapartidária provoca a exaltação de ânimos, que se traduzem em discussões acaloradas, o que é perfeitamente aceitável, porquanto a confrontação de ideias faz parte do próprio processo político democrático. É natural e salutar que no seio de uma associação de pessoas haja divergências internas, motivadas pelo conflito de objetivos, aspirações e ideais, contexto no qual se incluem as agremiações político-partidárias. Reflexo da própria sociedade, o partido político é a união de pessoas que, em princípio, comungam dos mesmos interesses, mas que poderão, indubitavelmente, possuir aspirações políticas distintas, traduzidas por embates internos, podendo até resvalar em críticas mútuas, desde que respeitados certos limites de razoabilidade e respeitabilidade. Isto posto, evidentemente não se pode entender como aceitável a perseguição política, prática condenável que cerceia a liberdade de consciência do indivíduo. O art. 1º, IV da Resolução/TSE nº 22.610/07 tem por escopo justamente proteger o filiado de situações em que ele é injustificadamente preterido no seio da agremiação partidária à qual está vinculado. Esse é o espírito da lei. No caso dos autos, observa-se que a relação entre o requerente e o PMDB começou a se tornar conflituosa em razão da divergência política entre aquele e o filiado Geddel Vieira Lima, um dos principais representantes políticos da agremiação. A partir daí, restou demonstrado nos autos que o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB e filiados seus, notadamente Geddel Vieira Lima, transbordando os limites razoáveis da divergência política, passaram a assumir uma postura inaceitável e injustificadamente desrespeitosa em relação ao requerente, que culminaram na suspensão deste último do Partido sem que houvesse a devida apuração em processo administrativo que avalizasse a aplicação de tal medida disciplinar, conforme estatuem os art. 10 e 11, II do Estatuto do PMDB. É de se notar que, muito embora o Código de Ética do PMDB preveja a hipótese de suspensão de filiado a título de providência acautelatória em processos de cancelamento de filiação, a aplicação de tal medida, por si só, já é suficiente para a delineação do clima de animosidade que imperava entre a agremiação e o filiado. A par disso, o filiado Geddel Vieira Lima, por meio do twitter, passou a se manifestar, reiteradamente, em relação ao Prefeito, utilizando-se de Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 203 JURISPRUDÊNCIA termos chulos como “Menino Maluquinho” (fl. 58) e “doido” (fl. 216), chegando a se referir à Prefeitura Municipal como “manicômio” (fl. 58) e “biruta de aeroporto” (fl. 49), fatos que rapidamente se tornaram notícia nos principais veículos de comunicação escrita locais, como é de conhecimento público e notório na sociedade soteropolitana. Não se pode olvidar que tais expressões emanaram de um integrante partidário com a representatividade do ex-Ministro e Deputado Federal Geddel Vieira Lima, que expressou sua mágoa em diversos veículos de comunicação, destacando a insustentabildiade da situação de João Henrique no Partido (fls. 40 e 62,v). Merece ainda destaque a matéria jornalística veiculada na Tribuna da Bahia no dia 12/01/2011, cujo trecho trasncreve-se a seguir: “Geddel usou seu perfil no microblog Twiter para atacar o alcaide. ‘De longe, quando leio sobre a Prefeitura de Salvador, começo a ficar incomodado em ver o nome do PMDB associado a esse manicômio e ao menino maluquinho’, disse, em postagem na rede social. Essa não é a primeira vez que Geddel dispara contra João. Além dele, diversos quadros do PMDB vêm dando declarações contra o prefeito” (grifos aditados). Como bem pontuou o Procurador Regional Eleitoral (fls. 405/411), “em face dos elementos de prova carreados, não é possível afirmar com a necessária segurança que a movimentação partidária pretendida pelo requerente seria voluntária e injustificada. Pelo contrário, antes eclodem razões para que se conclua pela ocorrência de grave discriminação.” E prossegue: “Aduza-se, por fim, que o próprio teor da peça contestatória revela o sentimento negativo que a agremiação e seus principais dirigentes nutrem pelo requerido; circunstância que, isoladamente considerada, não consubstancia elemento decisivo, porém associada à prova dos autos ganha relevo no desenho da justa causa para a desfiliação pretendida”. Percebe-se, pois, que restou evidenciada injustificável discriminação pessoal de que o requerente diz ter sido vítima, caracterizando a justa causa constante do art. 10, § 1°, IV da Resolução TSE nº 22.610/2007, o que torna inviável sua permanência no partido pelo qual se elegeu tendo em vista a sucessão de fatos que revelam a total falta de amparo para com o filiado. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados do Tribunal Superior Eleitoral: “Pedido de perda de cargo eletivo. Justa Causa. Grave discriminação pessoal. 204 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Os fatos vivenciados pelo parlamentar comprovam ter sido ele discriminado pela agremiação a qual se elegeu, vindo a sofrer as respectivas consequências, tais como a falta de espaço e representatividade a ele imposta na legenda, o que enseja a justa causa para a desfiliação. Pedido improcedente.” (PET-2759, Rel. Arnaldo Versiani Soares. DJE de 24/04/2009, Página 28). “Pedido. Perda de cargo eletivo. Desfiliação partidária. Justa causa. Grave discriminação pessoal. (...) 2. Embora a grave discriminação pessoal, a que se refere o inciso IV, do § 1º, da Res.-TSE nº 22.610/2007, possa, em regra, estar relacionada a aspectos partidários, não se pode excluir outros aspectos do conceito de justa causa para a desfiliação, inclusive os essencialmente pessoais, o que envolve, até mesmo, questões de nítida natureza subjetiva. 3. Hipótese em que a permanência do deputado no partido pelo qual se elegeu se tornou impraticável, ante a sucessão de fatos que revelaram o abandono e a falta de apoio ao parlamentar, configurando, portanto, grave discriminação pessoal, apta a ensejar justa causa para a migração partidária. Pedido Improcedente.” (grifos acrescidos) (PET - 2766, Rel. Arnaldo Versiani Soares. DJE, Tomo 80, Data 29/04/2009, Página 57/58). Em contexto semelhante, qual seja, o de que as represálias empreendidas pelo Partido pelo qual o Prefeito logrou se eleger configura discriminação pessoal apta a justificar desfiliação partidária, este e. Regional, adotou a mesma solução no julgamento do Processo 1.178, Classe “PET”, em decisão assim ementada: Petição. Ação de declaração de existência de justa causa. Resolução TSE nº 22.610/2007. Correspondência enviada pelo partido. Represália. Comprovação da justa causa. Procedência. Julga-se procedente ação de declaração de justa causa, quando o ex-filiado logra comprovar a ocorrência de fatos que demonstram a represália do partido contra a sua pessoa, ensejando, assim, o pedido de desfiliação partidária formulado pelo acionante, nos termos do art. 1º, § 1º, inciso IV da Res. TSE nº 22.610/2008. (grifei) (Ac. nº 5078 de 17.12.2008, Rel. Marcelo Silva Britto.) Em julgado ainda mais recente, esta Corte, apreciando a Petição nº 1.193, reconheceu a prática de grave discriminação pessoal contra parlamentar, deferindo-lhe o pedido de declaração de existência de justa causa Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 205 JURISPRUDÊNCIA para se desfiliar do partido ao qual pertencia (AC. TRE/BA nº 997/2009, de 28.7.2009, Relatora Juíza Cynthia Resende). Por tudo quanto exposto, na esteira do parecer do Procurador Regional Eleitoral, voto pela procedência do pedido para declarar que existe justa causa a autorizar a desfiliação do Prefeito João Henrique de Barradas Carneiro dos quadros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB. É como voto. Sala de Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator 206 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 0 8 8 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 3.556-17.2010.6.05.0000 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Barreiras RECORRENTE: Jusmari Terezinha de Souza Oliveira. Advs.: Béis. Rafael de Medeiros Chaves Mattos, Tâmara Costa Medina da Silva, Elivânia Barbosa Soares e outros. RECORRIDOS: 1. Coligação BARREIRAS É TUDO PRA MIM e Deijaci Guedes Juvenal (Advs.: Béis. Sanzo Biondi, André Luiz de Andrade Carneiro, Ruyberg Valença da Silva, Lílian Dias de Castro e outros); 2. Coligação UNIDOS SOMOS FORTES e Jenni Dias de Castro (Adv.: Bel. Thiancle Araújo). PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 70ª Zona Eleitoral. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. REVISOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Recursos eleitorais em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME. Preliminar de inadequação da via eleita. Inacolhimento. Quebra de sigilo fiscal por força de determinação judicial fundamentada. Persecução da verdade real e do interesse público. Mitigação do direito ao sigilo. Necessidade de valoração das declarações de rendimentos. Doações eleitorais ilícitas. Não demonstração da potencialidade lesiva. Provimento. Preliminar de inadequação da via eleita. Não merece guarida pedido de extinção dos processos, sem resolução do mérito, sob o fundamento da inadequação da via eleita, uma vez que a irregularidade relativa à arrecadação de recursos de campanha pode configurar modalidade de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, passíveis de apuração mediante o ajuizamento de ação de impugnação de mandato eletivo. Mérito. Por não ser direito absoluto, pode o sigilo fiscal ser quebrado por ordem judicial expressa, desde que seja necessário ao deslinde do feito, instaurado com vista a proteger interesse público relevante: a legitimidade das eleições; Dá-se provimento ao recurso eleitoral quando se verifica que os elementos de prova coligidos aos au- Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 207 JURISPRUDÊNCIA tos revelam-se inaptos a demonstrar que o excesso nas doações teve potencialidade para influenciar no resultado do certame. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR e DAR PROVIMENTO AOS RECURSOS, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que integra passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CONTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recursos interpostos por Jusmari Terezinha de Souza Oliveira, Prefeita do Município de Barreiras, contra as sentenças proferidas pelo juízo da 70ª Zona Eleitoral, que julgou procedente os pedidos constantes dos autos das Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) no 1.192/2009 e nº 1.191/2009, reunidas originariamente, em razão da conexão, determinando a cassação do mandato eletivo da Recorrente e, conseqüentemente, da sua Vice-Prefeita, Srª Regina Rocha Figueiredo Nogueira. Em suas razões recursais, pugna, inicialmente, pela extinção dos feitos sem resolução de mérito, por entender que a AIME não é via adequada para apurar os supostos ilícitos descritos nas peças vestibulares, relativos à arrecadação e gastos de recursos de campanha. Subsidiariamente, requer sejam reformadas as sentenças atacadas ao argumento de que as provas de que se valeu o Magistrado de 1º grau para fundamentar a procedência dos pedidos possuem natureza ilícita, devendo, por isso, ser desconsideradas. Alega, ademais, que o decreto de cassação não deve prevalecer, uma vez que baseado em mera presunção de fraude, supostamente existentes nas informações insertas nas retificações da declaração de imposto de renda realizadas pelos doadores da campanha eleitoral da Recorrente. Sobre o limite das doações individualizadas das pessoas físicas e jurídicas a campanhas eleitorais, menciona que não deve ser estimado mediante a verificação da simples declaração de renda apresentada ao Fisco, mas a partir de outros meios de prova que possibilitem a aferição do montante 208 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA resultante dos rendimentos brutos efetivamente obtidos pelos doadores, ainda que não declarados. Assevera, outrossim, que a responsabilidade decorrente da inobservância do limite de doação estabelecido pela legislação eleitoral é exclusiva do doador, assim como ocorre com as informações aludidas nas suas declarações de renda. Por fim, assegura que, ainda que se considere a configuração do ilícito eleitoral referido nos autos, sua ocorrência não possui potencialidade lesiva para desequilibrar o pleito. Instados, os Recorridos apresentaram contra-razões nas quais rechaçam in totum as alegações recursais, pleiteando, ao final, a manutenção das decisões hostilizadas. Ouvido, o ilustre representante do Ministério Público Eleitoral pronunciou-se pelo desprovimento dos recursos. É o relatório, que ora submeto à apreciação do eminente Juiz Revisor. VOTO Adoto como relatório o de fls. 484/485 dos autos nº 3.557-02–RE. DA CARÊNCIA DE AÇÃO POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. Não merece guarida o pedido de extinção dos processos, sem resolução do mérito, sob o fundamento da inadequação da via eleita, uma vez que a irregularidade relativa à arrecadação de recursos de campanha pode configurar modalidade de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, passíveis de apuração mediante o ajuizamento da ação de impugnação de mandato eletivo. Na esteira desse entendimento, a título ilustrativo, transcrevo recente decisão do Ministro Arnaldo Versiani, citada no pronunciamento ministerial: “Ao contrário do pretendido pelos embargantes, questões referentes à arrecadação e gastos de recursos de campanha (art. 30-A da Lei nº 9.504/97) e à prática de condutas vedadas (art. 73 e seguintes da Lei nº 9.504/97) podem perfeitamente ser conhecidas em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, desde que revelem a prática de atos de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, tal como reconhecido pelo art. 14, § 10, da Constituição da República. (Ação Cautelar nº 371413, Decisão Monocrática de 26/10/2010, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 29/10/2010, Página 38-40).” Grifos aditados. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 209 JURISPRUDÊNCIA Diante do exposto, inacolho a preliminar suscitada. MÉRITO. Inicialmente, importa mencionar que esta Corte restringir-se-á a analisar a imputação relativa à fraude na captação e aplicação dos recursos de campanha, uma vez que as outras duas acusações contidas, exclusivamente, na peça vestibular da AIME n. 3.557-02, quais sejam, a distribuição gratuita de combustível e a doação de ambulância e outras benesses em troca de votos não foram apreciadas pelo juízo zonal, ao argumento de que foram objeto de apreciação em outros feitos, e, contra esse entendimento, não houve insurgência de quaisquer das partes, tornando-se matéria preclusa. Desta forma, este órgão de segundo grau encontra-se vinculado ao princípio da devolutividade, segundo o qual somente poderá ser apreciado o objeto da insatisfação demonstrada nos recursos. Antes, porém, de examinar a questão recursal de fundo, que demanda a realização de um juízo de valor sobre as provas produzidas, fazse mister analisar a licitude do manancial probatório que fundamentou as sentenças vergastadas, consistente nas declarações de imposto de renda dos doadores da campanha da recorrente, fornecidas pela Receita Federal e colacionadas aos autos por força de determinação judicial. É cediço que o direito ao sigilo fiscal consiste em um dos desdobramentos do direito à proteção da intimidade, assegurado expressamente no inciso X do art. 5º da Constituição Federal de 1988, na medida em que as informações prestadas ao Fisco pelo contribuinte referem-se a detalhes do seu patrimônio, sendo, pois, de inegável foro íntimo, devendo, por isso, serem preservadas sob segredo. Sucede que, ainda que decorra da proteção à intimidade, o sigilo fiscal, assim como o próprio direito do qual deriva, não pode ser assegurado de forma absoluta. Diante de determinados casos concretos, impõe-se a sua relativização, a fim de que sejam garantidos direitos ou interesses de maior relevância, in casu, o interesse público. Impende ressaltar que o abrandamento desse direito somente pode ocorrer de forma lícita, sem abusos ou arbítrios. Assim, não se pode, sob o manto do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, violar quaisquer garantias constitucionais sem que sejam observados os requisitos estabelecidos pela legislação ordinária ou pela própria Lei Maior, bem como sem que seja justificada em razão da proteção de um bem jurídico de maior relevância. As informações fornecidas ao Fisco pelos contribuintes, desta feita, somente poderão ser levadas a conhecimento de terceiros nas hipóteses expressamente autorizadas pela lei de regência. O art. 198, § 1º do Código Tributário Nacional, ao regulamentar o sigilo fiscal, condiciona a divulgação de informações pela Fazenda Pública 210 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA a duas situações. A primeira refere-se à realização de convênios entre os entes federativos, com o fim de obterem dados para o melhor exercício da fiscalização dos tributos. A segunda, aplicável ao caso sub oculi, faz alusão à requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça. A propósito do tema, o Professor Alexandre de Moraes leciona que: “Os sigilos bancário e fiscal, consagrados como direitos individuais constitucionalmente protegidos, somente poderão ser excepcionados por ordem judicial fundamentada ou de Comissões Parlamentares de Inquérito, desde que presentes requisitos razoáveis que demonstrem, em caráter restrito e nos estritos limites legais, a necessidade de conhecimento dos dados sigilosos.” (In Direito Constitucional, 20ª edição, Editora Atlas, pág. 62). No caso em vitrina, com o intuito específico de investigar os fatos noticiados na proemial, relativos à prática de abuso de poder econômico, mediante arrecadação ilícita de recursos, - o que poderia, em tese, interferir na legitimidade do pleito ocorrido em 2008 -, o Magistrado a quo deferiu pedido da parte autora no sentido de que fosse expedido ofício à Receita Federal, a fim de que os autos fossem instruídos com a declaração de renda dos doadores da campanha da recorrente. A execução da medida evidenciou-se, portanto, necessária ao deslinde da causa e à apuração da verdade real, não merecendo acolhida qualquer alegação no sentido de que a decisão judicial foi arbitrária, imotivada e, por isso, inválida. Nesse sentido: “RECURSO ESPECIAL. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. ELEIÇÕES MUNICIPAIS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. ANULAÇÃO DOS VOTOS VÁLIDOS. NÃO-INCLUSÃO DOS VOTOS NULOS. REEXAME DE PROVAS. NEGADO PROVIMENTO. 1. Justificada a quebra de sigilo bancário, ordenada pelo juiz monocrático, tem-se que o disposto no art. 22, VI, VII e VIII, da LC nº 64/90 permite ao julgador proceder às diligências que julgar necessárias ao deslinde da causa, buscando salvaguardar a licitude das eleições. Tese que encontra respaldo na jurisprudência do STF, consolidada "no sentido de não possuir caráter absoluto a garantia dos sigilos bancário e fiscal, sendo facultado ao juiz decidir acerca da conveniência da sua quebra em caso de interesse público relevante e suspeita razoável de infração penal" (STF - AgRg no AI nº 541.265/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4.11.2005). Grifos aditados. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 211 JURISPRUDÊNCIA Ressalte-se que o interesse público perseguido na ação, qual seja, a proteção da legitimidade da eleição, é reconhecidamente preponderante sobre o direito individual de terceiros que, eventualmente, estejam relacionados com suposto esquema de abuso de poder em favor da recorrente. Por outro lado, não há de prosperar o argumento da recorrente de que a quebra do sigilo fiscal somente poderia ocorrer se os destinatários da violação fossem partes no feito. Isso porque, os apontados doadores de campanha não podem ocupar o pólo passivo deste tipo de demanda como litisconsortes, porquanto não possuem interesse jurídico na causa, cuja sanção, prevista para o caso de procedência do pedido - desconstituição do mandato, jamais poderia atingi-los. Assim, exigir a observância do contraditório e da ampla defesa em relação a terceiros que não fazem parte do processo e que não poderão ser alcançados por eventual acolhimento do pedido inicial perfaz-se descabida, não merecendo, deste modo, o acolhimento da tese da ilicitude da prova com base nesses argumentos. Mencione-se, neste ponto, que os referidos doadores somente poderão ser responsabilizados por eventuais ilícitos eleitorais mediante a instauração do competente processo judicial, onde, então, deverão ocupar o polo passivo da demanda, sendo-lhes assegurada a observância do princípio do devido processo legal e seus consectários. A admissão da tese da recorrente, conforme mencionado pelos recorridos em sede de contrarrazões, limitaria as possibilidades de instrução probatória da AIME. Sob a vertente defendida pela parte recorrente, outras medidas consideradas invasivas à privacidade de terceiros e comumente utilizadas em processos desta estirpe, como a busca e apreensão e a exibição de documentos, haveriam também de ser consideradas ilícitas. Na linha do entendimento aqui perfilhado: “MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. APONTADA TERATOLOGIA E PREJUÍZO IMINENTE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. TERCEIROS. INDEFERIMENTO. PRODUÇÃO DE PROVA. DIREITO SUBJETIVO DA PARTE. INTERESSE PÚBLICO. CONVENIÊNCIA E UTILIDADE COMPROVADAS. MITIGAÇÃO DO DIREITO AO SIGILO. PRECEDENTES. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. - O art. 22, VI e VIII, da Lei Complementar nº 64/90, permite ao julgador determinar todas as diligências que julgar necessárias ao deslinde da causa, inclusive a quebra dos sigilos fiscal e bancário 'que não possuem caráter absolu- 212 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA to, sendo facultado ao juiz decidir acerca da conveniência em caso de interesse público'. - Segurança concedida.” (MANDADO DE SEGURANCA nº 614, Acórdão nº 6999 de 01/06/2009, Relator(a) CARLOS ANTÔNIO SARMENTO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 03/07/2009) Grifos aditados. No mencionado feito, a discussão cinge-se à possibilidade de fornecimento de informações confidenciais, de caráter fiscal, provenientes de doadores de campanha, obtidas junto à Receita Federal, sem que, para tanto, tenha havido prévia autorização judicial, o que não ocorre no caso. Imperiosa, portanto, é a valoração pelo órgão julgador das declarações de rendimentos colacionadas aos autos, uma vez que produzidas de forma lícita. Examinadas as provas, verifico, em consonância com a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, que a suposta ilicitude não restou comprovada, sendo impertinente, dessa forma, invocá-la a título de tese argumentativa. Feitas essas considerações prévias, passo a analisar a questão meritória propriamente dita. O estudo da documentação coligida aos presentes, revela-me que o desrespeito aos limites impostos pelo legislador à doação financeira efetuada em campanhas eleitorais não possuiu o potencial de influir no resultado do certame de Barreiras, no ano de 2008. A utilização de recursos financeiros na campanha eleitoral em desconformidade com o que determina a Lei das Eleições não é suficiente, por si só, à caracterização de abuso; faz-se necessária a comprovação da potencialidade lesiva da conduta a ensejar o claro desequilíbrio entre os candidatos ao pleito. Tal requisito – potencialidade - para fins de caracterização do abuso de poder econômico, deve ser aferido diante da possível influência do ilícito no resultado apurado nas urnas, suficiente para tornar a disputa entre os concorrentes desigual, sobretudo por sua gravidade. “Eleições de 2006. Recurso Ordinário (Código Eleitoral, art. 267, II, a). Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Confecção e distribuição de camisetas. Abuso do poder econômico. Potencialidade lesiva. Influência. Pleito. Conjunto probatório. Insuficiência. Inelegibilidade (Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, I, g). Rejeição de contas. Decisão. TCU. Inexistência. Vida pregressa. Incompatibilidade. Exercício. Cargo público. Inaplicabilidade. Desprovimento. 1. Acaso existisse decisão do Tribunal de Contas da União rejeitando as contas de agente público; o que não se verifica na hipótese - a matéria, por configurar Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 213 JURISPRUDÊNCIA causa de inelegibilidade infraconstitucional, deveria ter sido argüida em sede de impugnação de registro de candidatura, sob pena de preclusão, e não em via de ação de impugnação de mandato eletivo. 2. O mesmo sucede em relação à vida pregressa do candidato, cuja hipótese de inelegibilidade não foi ainda definida por lei complementar, de que depende a aplicação do art. 14, § 9°, da Constituição. 3. O abuso do poder econômico exige, para a procedência da ação, demonstração inequívoca da existência de potencialidade lesiva da conduta, apta a influir no resultado do pleito. 4. In casu, não foi especificado na inicial quantas camisetas supostamente seriam destinadas à campanha do recorrido. Além da inexistência de provas quanto à destinação eleitoral do material, há nos autos apenas a notícia da apreensão de um determinado quantitativo, mas, evidentemente, sem qualquer potencialidade de influir negativamente na lisura do pleito eleitoral, pois sequer chegou a ser distribuído. 5. Recurso desprovido.” (RO - Recurso Ordinário nº 503304 - João Pessoa/PB, Acórdão de 27/04/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 02/06/2010, Página 71/72) Grifos aditados. No caso em exame, as declarações de imposto de renda apresentadas pelos doadores das recorrentes levam-me a concluir que, efetivamente, os limites impostos pela legislação de regência foram extrapolados, conforme se extrai do quadro sinótico avante: DOADORES R e n d i m e n t o Limite Permitido: 2007 (DIRPF 10% rendimento Original) R$ (PF), em 2007 Valor Total doado em R$ Valor excedente em R$ 1 - Everaldo França G. Júnior 1.014.954,81 101.495,48 85.464,90 - 2 - Izolda Leite P. Maia 33.547,76 3.354,77 26.000,00 22.645,23 3 - João Francisco de Souza 207.569,54 20.756,95 20.000,00 - 4-Cristiano dos S. Nascimento 26.499,53 2.649,95 7.000,00 4.350,05 5 – Everaldo Galvão 32.842,12 3.284,21 6.000,00 2.715,79 6 – Pedrita Galvão 78.907,63 7.890,76 15.000,00 7.109,24 7 – Bartira Pignata 69.377,20 6.937,72 7.000,00 62,28 TOTAL 214 36.882,59 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Sucede que, inobstante superiores aos percentuais fixados em lei, o somatório de tais excessos não foi suficiente para causar qualquer espécie de influência no resultado do pleito, como bem assentou, em seu parecer, o representante do Parquet zonal, no seguinte trecho: “... Da análise do caso sub judice, sob o prisma da temperança, com tranquilidade, conclui-se, que os excedentes ao limite legal das doações à campanha das Impugnadas, de per se, não tiveram o condão de influir no resultado das eleições ou desviar a retidão do processo eleitoral. ...” Grifos aditados. Tanto assim é, que a diferença de votos da recorrente para o candidato segundo colocado foi da ordem de 10.889, quantitativo por demais expressivo, capaz de demonstrar que a recorrente elegeu-se sem a interferência das doações irregulares recebidas. Cumpre-me registrar, outrossim, que a mera utilização de uma faculdade prevista em lei – apresentação de declaração retificadora de imposto de renda – não implica, necessariamente, na realização de fraude ou “caixa 2”, como bem faz crer a sentença do magistrado de instância inferior na seguinte passagem: “(...) Com efeito, não se está no presente feito discutindo apenas a legalidade do quantum ofertado pelos contribuintes financeiros da campanha das requeridas. O caso, ao menos como foi colocado, é muitíssimo mais grave. A principal jaça de que se acusam as impugnadas é de se terem valido, à larga, do “caixa 2”. Tal procedimento teria caracterizado possíveis abusos do poder econômico, corrupção e fraude. (...)” Considerar a apresentação das retificadoras indício suficiente de fraude é extrapolar os limites da lógica, é presumir o que não se extrai das provas constantes destes fólios. Aliás, insta ressaltar, neste ponto, que a observância dos limites das contribuições financeiras incumbe aos doadores, não cabendo falar em penalização do candidato pela suposta doação ilícita, mas, se for o caso, em responsabilização daqueles por parte do órgão de persecução penal: o Ministério Público. Desta linha de raciocínio tem compartilhado os tribunais pátrios. Observemos: “PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2008. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO. DOAÇÕES RECEBIDAS DE PESSOAS FÍSICAS ACIMA DO LIMITE LEGAL. MOTIVO INSUFICENTE PARA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS DO Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 215 JURISPRUDÊNCIA CANDIDATO. DECISÃO DO JUÍZO MONOCRÁTICO MANTIDA. CONTAS APROVADAS. IMPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Doação a candidato efetuada em valor que ultrapasse o limite legalmente permitido, promovidas por pessoas físicas ou jurídicas, de per se, consubstancia causa insuficiente à desaprovação das contas de campanha do candidato beneficiário. Precedente. 2. A pretensão dirigida à penalização do candidato pela suposta doação ilícita empreendida por terceiros - pessoas físicas e jurídicas - consubstancia hipótese não prevista em nosso ordenamento jurídico de responsabilização por ato de terceiro. 3. A eventual prática, pelo candidato, de abuso de poder econômico é passível de apuração, porém, devendo ser observada a legislação de regência da matéria (art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990). 4. Constatadas na prestação de contas do candidato a realização de doações supostamente feitas em desrespeito ao limite máximo legal estipulado (art. 23 da Lei nº 9.504/1997), cabe ao Ministério Público Eleitoral apurar a responsabilidade pelo eventual ilícito eleitoral mediante a propositura de representação, com isso, garantindo-se ao doador-acusado o pleno exercício das constitucionais garantias à ampla defesa e ao contraditório (art. 5.º, LV, da Constituição Federal de 1988). 5. Improvimento do recurso.” (RE - RECURSO ELEITORAL nº 3183 - Maruim/SE, Acórdão nº 236/2009 de 28/07/2009, Relator(a) ARTHUR NAPOLEÃO TEIXEIRA FILHO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 10/8/2009, Página 10). Recurso Eleitoral. Candidato. Prestação de contas. Doação recebida. Pessoa jurídica. Limite ultrapassado. Responsabilidade. Doação recebida acima do limite legal não pode ensejar a rejeição da prestação de contas de candidato pois é responsabilidade da empresa-doadora a observância do percentual fixado em lei. (RE - RECURSO ELEITORAL nº 1299 - colorado do oeste/RO Acórdão nº 201/2009 de 28/07/2009 Relator(a) PAULO ROGÉRIO JOSÉ. Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 147/2009, Data 10/8/2009, Página 83). Grifos aditados. Dessa forma, cobrar do candidato que, além de cumprir todas as exigências legais inerentes ao processo eleitoral, também tenha conhecimento prévio da capacidade financeira de todos os seus doadores, apresenta-se um tanto quanto desarrazoado. Por tudo quanto previamente exposto, evidenciado restou que o excesso nas doações financeiras não teve potencialidade para influenciar no resultado das eleições de 2008 no Município de Barreiras. 216 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Isto posto, trilhando a esteira de raciocínio do MPE zonal, voto por dar provimento aos recursos, de sorte a reformar as sentenças combatidas, mantendo a recorrente no cargo de Prefeita da indigitada municipalidade, assim como a sua Vice, Regina Rocha Figueiredo Nogueira. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 217 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 0 9 7 / 2 0 11 REPRESENTAÇÃO PROCESSO Nº 3.984/CRE MUNICÍPIO: Salvador REPRESENTANTE: PP – Seção da Bahia. Advs.: Béis. Milton de Cerqueira Pedreira e Ednaldo Oliveira Moura. REPRESENTADOS: PC do B – Seção da Bahia e Alice Mazucco Portugal. Advs.: Béis. Aline Ferraz Fernandes e Vandilson Pereira Costa. CORREGEDOR REGIONAL ELEITORAL: Juiz Josevando Souza Andrade. Representação. Propaganda partidária. Preliminar de inadequação da via eleita. Rejeição. Crítica ao governo municipal. Improcedência. Preliminar de inadequação da via eleita. Acolhe-se a preliminar de inadequação da via eleita apenas em relação a matéria relativa a propaganda eleitoral e a aplicação da sanção prevista no art. 36, § 3º da Lei nº 9.504/97, haja vista a existência de rito próprio. Mérito É lícita a utilização do espaço de propaganda partidária para divulgação de críticas à administração municipal, com o propósito de expor a posição do partido em relação a temas de interesse políticocomunitário. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, ACOLHER PARCIALMENTE A PRELIMINAR e JULGAR IMPROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO, nos termos do voto do Corregedor Regional Eleitoral, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Corregedor Regional Eleitoral; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO 218 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Cuida-se de representação, com pedido liminar, formulada pelo Partido Progressista - PP, por seu Diretório Regional, contra conduta do Partido Comunista do Brasil – PC do B, consistente na veiculação de propaganda gratuita político-partidária com alegado desvio das finalidades legais, transmitida pelas emissoras de televisão deste Estado, nos dias 23, 24 e 25 de maio do corrente ano, mediante inserções de 30 segundos. Alega o representante, em síntese, que as referidas inserções fazem propaganda eleitoral negativa contra a atual gestão municipal, como relata a pretensão da segunda representada em mudar Salvador, “delineando as promessas do Partido e suas quanto à sua pretensa eleição nas eleições vindouras”, razão pela qual pleiteia a aplicação da penalidade constante no art. 45, § 2º, inc. II da Lei nº 9.096/95 e a penalidade ínsita no art. 36, § 3º da Lei nº 9.504/97. Verificando a ausência dos requisitos autorizadores, neguei a medida liminar requerida (fls. 12/14). Devidamente notificados, os representados apresentaram a defesa de fls. 23/36, arguindo, em sede de preliminar, a inadequação da via eleita. No mérito, assevera que não houve violação à legislação de regência, e requer a improcedência da representação. Devidamente instada, a Procuradoria Regional Eleitoral, às fls. 40/45, manifestou-se pela rejeição da preliminar e procedência da representação. É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. Da análise dos autos, observo que merece parcial guarida a questão prévia ora sob apreciação. O rito designado no art. 33, inc. X do Regimento Interno deste Tribunal é adequado somente para a apuração de propaganda partidária irregular. Portanto, não se pode aplicar a sanção prevista no art. 36, § 3º da Lei nº 9.504, dispositivo atinente a propaganda eleitoral e de rito próprio (arts. 2º e 3º da Resolução TSE nº 23.193,) Diante do exposto, acolho parcialmente a preliminar aventada, apenas em relação a matéria relativa a propaganda eleitoral e a aplicação da sanção prevista no art. 36, § 3º da Lei nº 9.504/97. MÉRITO. De acordo com o art. 45 da Lei nº 9.096/95, a propaganda partidária gratuita, transmitida por rádio e televisão, deverá ser veiculada com o intuito Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 219 JURISPRUDÊNCIA de difundir os programas, as idéias e a doutrina dos partidos políticos, bem como as suas atividades congressuais, tornando-os conhecidos perante a coletividade. Objetivará, outrossim, conforme inovação introduzida pela Lei nº 12.034/2009, a promoção da participação política feminina, dedicando às mulheres o tempo que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 10% (dez por cento). O § 1° do artigo supracitado, por sua vez, estabelece algumas vedações ao conteúdo das comentadas propagandas, proibindo expressamente, dentre outras ações, a divulgação de propaganda de candidatos a cargos eletivos. Extrai-se ainda, da jurisprudência nacional, que as finalidades da propaganda partidária não são desvirtuadas no caso de críticas desferidas ao governo quanto à gestão administrativa. Estas críticas estão umbilicalmente ligadas ao posicionamento de partido de oposição relativo a tema de interesse político-comunitário. Como se pode observar a seguir: “PROPAGANDA PARTIDÁRIA. ALEGAÇÃO DE PROMOÇÃO PESSOAL DE FILIADO. PROPAGANDA DE PRÉ-CANDIDATO. PERDA DO OBJETO. INÉPCIA DA INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. [...] É lícita a participação de filiado em programa de propaganda política quando se destina à divulgação de ações concretas da agremiação partidária, inspiradas no ideário do partido. Não configura desvirtuamento de finalidade a utilização do espaço destinado à propaganda partidária para o lançamento de críticas sobre a forma de condução da gestão administrativa estadual e municipal, uma vez que guarda vínculo com o posicionamento de partido de oposição relativamente a tema de interesse político-comunitário. Improcedente a representação quando atendidas as prescrições legais a respeito do acesso gratuito ao rádio e à televisão para propaganda partidária.” (Acórdão nº 75/TO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 17.02.2006, p.125) “PROPAGANDA PARTIDÁRIA. CADEIA ESTADUAL. ALEGAÇÃO DE DESVIRTUAMENTO. OFENSA NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA. Assertivas que, desferindo crítica ao governo estadual quanto à forma de conduzir a gestão administrativa, guardam vínculo com a divulgação do posicionamento de partido de oposição relativamente a tema de interesse político-comunitário. Improcedente a representação quando não caracterizada transgressão da previsão legal a respeito da utilização do 220 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA espaço destinado à veiculação de propaganda partidária.” (Acórdão nº 661/SC, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 25.2.2005) “PROPAGANDA PARTIDÁRIA. ALEGAÇÃO DE OFENSAS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA NEGADO. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. Não configura desvirtuamento de finalidade a utilização do espaço destinado a propaganda partidária para o lançamento de críticas ao desempenho de agentes públicos quando não excedam o limite da discussão de temas de interesse políticocomunitário. Não caracterizando ofensa à honra ou à imagem do representante, tais críticas não autorizam a concessão de direito de resposta.” (Acórdão nº 702/PE, rel. Min. Peçanha Martins DJ de 27.5.2005) É o caso dos autos. Com efeito, da análise do conteúdo da mídia acostada aos fólios e de sua respectiva degravação, verifica-se que a propaganda impugnada não desrespeitou as regras e princípios norteadores da legislação de regência. O trecho abaixo transcrito, extraído da propaganda em análise, evidencia o acerto da conclusão acima: Alice Portugal (Deputado Federal do PC do B): “Quem ama Salvador, não pode aceitar que a cidade mãe do Brasil seja tratada com tanto descaso. A cidade precisa de um novo caminho. O PCdoB se orgulha de fazer parte do projeto que está mudando a Bahia e o Brasil. Queremos mudar também a nossa querida capital, com transporte público de qualidade, educação, moradia e saúde, melhorando a vida das pessoas. Participe dessa mudança. Venha para o PCdoB.” Do cotejo do excerto supra com a legislação eleitoral relativa à propaganda partidária, constata-se, pois, a descaracterização de propaganda irregular, eis que não houve afronta à proibição contida no inc. II do §1º do art. 45 da Lei dos Partidos Políticos. À vista dessas considerações, julgo improcedente a representação. É como voto. Sala de Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. Josevando Souza Andrade Corregedor Regional Eleitoral Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 221 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 0 9 8 / 2 0 11 AÇÃO PENAL PROCESSO: Nº 1-42.2010.6.05.0145 CLASSE 4 MUNICÍPIO: Santa Luz AUTOR: Ministério Público Eleitoral. RÉUS: Joselito Carneiro de Araújo Júnior (Advs.: Béis. Sebástian Borges de Albuquerque Mello, Marcelo Marambaia Campos e outros); Jeová Lourenço da Silva e Natanael Dantas da Silva (Advª.: Belª Maria Ivete de Oliveira); Pedro dos Reis Almeida (Advs.: Béis. Raul Silva Carneiro e Maria Ivete de Oliveira). RELATOR: Juiz Wanderley Gomes. Ação penal originária. Crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral. Prefeito e corréus. Conexão. Art. 76 do CPP. Recebimento da denúncia. Decisão zonal. Nulidade. Competência do Tribunal. Atos de instrução. Validade. Preservação. Inexistência de prejuízo. Artigo 567 do CPP. Indícios de autoria e de materialidade do delito. Recebimento da denúncia pelo Colegiado. Art. 6º da Lei nº 8.038/90. 1. Oferecida a denúncia por crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral contra diversos acusados, em sendo um deles chefe do executivo municipal, e havendo conexão entre as práticas noticiadas, é de se fixar a competência originária deste Regional, para o processamento conjunto das mesmas, pela inteligência do artigo 76 do CPP; 2. É nula a decisão de recebimento da denúncia, exarada pelo Magistrado zonal, porquanto incompetente, preservando-se válidos, todavia, os atos de instrução praticados, quando inexistente prejuízo para a defesa, à luz do artigo 567 do CPP; 3. Recebe-se a denúncia, quando os fatos descritos na exordial configuram, em tese, crime capitulado em lei, para que se possa, por meio de processo, apurar a autoria, a materialidade do delito e o grau de culpa dos réus ou a demonstração de suas inocências. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, 222 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, ANULAR A DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU E RECEBER A DENÚNCIA, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - WANDERLEY GOMES, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor de Joselito Carneiro de Araújo Júnior, Prefeito do Município de Santa Luz/BA, de Jeová Lourenço da Silva, Vereador daquela cidade, e de Pedro dos Reis Almeida e Natanael Dantas da Silva, sob a acusação de terem os mesmos praticado o crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. De acordo com a denúncia, os acusados, em lugares e dias diversos, em momentos próximos à data das eleições municipais do ano de 2008, em unidade de desígnios, visando a satisfazer interesses pessoais, em benefício próprio ou de terceiro, teriam oferecido vantagens indevidas a eleitores, em troca de votos, durante o período eleitoral, que caracterizaria o crime comumente chamado como “compra de votos”. A exordial noticia que momentos antes das eleições Pedro dos Reis Almeida teria oferecido 750 tijolos e o valor de R$30,00 à eleitora Rosinei Varjão Cardoso, em troca do voto para si e para o, então, candidato à reeleição, Joselito Júnior. Teria, ainda, oferecido uma caixa de cerveja ao eleitor Santílio da Silva Araújo em troca de seu voto. Consoante se depreende da leitura da peça incoativa, Jeová Lourenço da Silva teria ido à casa da mesma eleitora Rosinei, onde teria ofertado à sua mãe valores em dinheiro para que votasse em Júnior. O acusado teria, igualmente, no dia 03/10/2008, por volta das 21 horas, no Povoado de Miranda, oferecido R$70,00 ao eleitor Herogilson da Silva Santos. Em relação a Joselito Carneiro de Araújo Júnior, imputa-se o oferecimento, alguns dias antes da eleição, da quantia de R$20,00 à eleitora Jessica Daiane Varjão dos Santos, num local conhecido como “Val do Pão”; R$50,00 ao eleitor Cleiton, e R$20,00 ao eleitor Santílio da Silva Araújo. Por fim, a Natanael Dantas da Silva imputa-se o oferecimento de R$70,00 ao eleitor conhecido como Dermival, em troca do seu voto para o número 25. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 223 JURISPRUDÊNCIA Segundo a denúncia, haveria, nos autos, indícios significativos da autoria e da materialidade do crime, em visto que pugna o representante do Parquet pelo seu recebimento, para que, citados e interrogados os denunciados, sejam os mesmos, ao final, condenados. Inicialmente ofertada pelo ilustre Promotor de Justiça em atuação perante a 145ª Zona Eleitoral, a peça inaugural foi ratificada pelo Procurador Regional Eleitoral Substituto (fl. 159-v), em razão de ter o magistrado zonal, após o recebimento da denúncia, reconhecido a incompetência daquele Juízo para processar e julgar o presente feito, em face da prerrogativa de foro de um dos denunciados, conforme se depreende da exceção de incompetência em apenso. Remetidos os autos a esta Corte, renovou-se a citação dos investigados que ratificaram as defesas apresentadas perante a inferior instância. Nelas, pugnaram pela rejeição da denúncia, em razão de sua inépcia, aduzindo inexistirem elementos mínimos necessários para viabilizar a defesa, a exemplo da descrição da participação de cada um dos acusados em cada uma das condutas elencadas. Asseveram, outrossim, que não haveria qualquer referência, na exordial, acerca da ocorrência de co-autoria, a justificar o processamento conjunto das acusações. No mérito, alegam a absoluta ausência de provas, e instam pela absolvição dos acusados. Em réplica, o Procurador Regional Eleitoral pondera que a alegação de inépcia da inicial deve ser afastada, ao fundamento de que as condutas ilícitas estariam suficientemente descritas, de modo a se permitir a sua perfeita compreensão, não havendo qualquer óbice ao exercício da ampla defesa. Aponta a existência de conexão e continência entre as práticas que teriam sido perpetradas em concurso. É o relatório. VOTO De início, é de se pontuar que a competência para o processamento do feito, ora trazido à apreciação, é deste Regional, em razão da prerrogativa de função de que é titular um dos investigados, in casu, o Sr. Joselito Carneiro de Araújo Júnior, Prefeito da Cidade de Santa Luz/BA. Considerando a existência de conexão entre as condutas narradas na proemial, a autorizar o seu processamento e julgamento conjunto, pela inteligência do artigo 76 do Código de Processo Penal, é de se invocar a Súmula 704 da Suprema Corte, in verbis: Súmula 704. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. 224 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Incide, assim, o rito insculpido na Lei nº 8.038/90, mediante a aplicação da regra da simetria, segundo a qual o Tribunal Regional Eleitoral é o órgão, ficticiamente, correspondente ao Tribunal de Justiça do Estado, para a hipótese. Nessa linha, impende reconhecer a nulidade da decisão do Magistrado zonal, que recebeu a denúncia (fl. 99), com fulcro no artigo 567 do CPP, reputando válidos, todavia, os atos de instrução já praticados, evitando-se, destarte, a repetição de esforços, quando inexistente qualquer prejuízo para a defesa. Com essas ponderações, calcado no artigo 6º da Lei nº 8.038/90, passa-se ao exame da peça inaugural, à qual a defesa atribui a pecha da inépcia. Com esteio no magistério de Pacelli, “inepta é a acusação que diminui o exercício da ampla defesa, seja pela insuficiência na descrição dos fatos, seja pela ausência de identificação precisa de seus autores”. Nessa direção, a teor do artigo 41, inciso I do Código de Processo Penal, verifica-se que os fatos atribuídos aos denunciados, e suas circunstâncias, foram, suficientemente, descritos conforme relatado, de modo que não se vislumbra qualquer óbice ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Noutro ponto, tenho por atendidos os demais requisitos formais previstos no já mencionado artigo 41 do CPP, revelando-se medida de rigor o não acolhimento da alegação de inépcia da inicial. Superada a questão, é de se assinalar que aos denunciados, imputouse a prática de oferecimento de dinheiro e bens materiais a eleitores, com finalidade eleitoreira, de modo que se verifica que os fatos noticiados subsumem-se, em tese, ao quanto descrito no artigo 299 do Código Eleitoral. Lado outro, a exordial incoativa fez-se acompanhar do Procedimento Investigatório nº 16/08, instaurado pelo Ministério Público Eleitoral, de notícia crime e de fotografias, restando, assim, demonstrado que existem indícios suficientes de autoria e da materialidade do delito, a autorizar o seu recebimento. Nestes termos, com fulcro no artigo 6º da Lei nº 8.038/90, recebe-se a denúncia, determinando-se o prosseguimento da ação penal contra Joselito Carneiro de Araújo Junior, Jeová Lourenço da Silva, Pedro dos Reis Almeida e Natanael Dantas da Silva para que se proceda, por meio do devido processo legal, à apuração da autoria e da materialidade do delito, bem como do grau de culpa de cada um dos réus, ou a demonstração de suas inocências. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 16 de agosto de 2011. Wanderley Gomes Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 225 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 2 8 0 / 2 0 11 HABEAS CORPUS PROCESSO: Nº 76-94.2011.6.05.0000 CLASSE 16 MUNICÍPIO: Ilhéus IMPETRANTE: Jabes Sousa Ribeiro. Adv.: Bel. Fabiano Almeida Resende. IMPETRADA: Juíza Eleitoral da 26ª Zona/Ilhéus. RELATOR: Juiz Salomão Viana. Habeas Corpus. Pedido de trancamento de procedimento criminal. Excepcionalidade da medida. Necessidade de demonstração de atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade do delito. Caso em que estão presentes elementos mínimos que legitimam a instauração da persecução criminal. Denegação da ordem. 1. O trancamento da ação penal mediante o uso do habeas corpus é medida excepcional, somente autorizada quando houver demonstração – de plano – da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade do delito. 2. Uma vez constatada a existência de elementos que representem um mínimo de viabilidade de satisfação futura da pretensão condenatória, a instauração da persecução criminal se legitima. 3. Ordem denegada. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DENEGAR A ORDEM, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de setembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - SALOMÃO VIANA, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. 226 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de procedimento de habeas corpus, com pedido de concessão de medida de urgência, impetrado por Djalma Eutímio de Carvalho, em favor de Jabes Ribeiro, visando ao trancamento de procedimento criminal em curso junto ao Juízo Eleitoral da 26ª Zona, sediada no Município de Ilhéus, neste Estado, no qual o paciente figura como réu, em razão de suposta prática de corrupção eleitoral ativa, delito capitulado no art. 299 do Código Eleitoral. O impetrante, em seu arrazoado, alega que a exordial acusatória é inepta, porquanto descreve fato atípico e não aponta o beneficiário da conduta ilícita descrita. Sustenta, ainda, que a peça acusatória não encontra amparo nas provas produzidas nos autos do inquérito policial, o que evidenciaria a ausência de justa causa para que o procedimento criminal tenha curso. Por entender que estavam atendidas as exigências legais para tanto, requereu que fosse concedida, liminarmente, ordem para expedição de salvo-conduto, com o sobrestamento da prática dos atos do procedimento criminal tombado sob o n. 2-93.2010, até o julgamento do writ. Ao final, pugnou pelo acolhimento definitivo da pretensão deduzida, para que seja ordenado o trancamento do aludido procedimento criminal. Indeferida a medida de urgência postulada (fls. 172/174), foi aberta a oportunidade para a autoridade apontada como coatora prestar informações. Certificado o decurso do prazo decendial sem manifestação da autoridade notificada, foram os autos remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se pronunciou pela denegação da ordem. Às fls. 184/185, foram juntadas as informações prestadas extemporaneamente pela Juíza Eleitoral da 26ª Zona, acompanhadas dos documentos de fls. 186/221. À vista do falecimento do impetrante, admiti o ingresso do paciente Jabes Sousa Ribeiro no pólo ativo da relação jurídica processual, na qualidade de impetrante do habeas corpus em seu próprio favor. É o relatório. VOTO Inicialmente, devo registrar que no curso do processo sob exame sobreveio o falecimento do impetrante, motivo que levou o paciente a requerer o seu ingresso na relação jurídica processual na qualidade de “...litisconsorte do impetrante falecido...” (sic). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 227 JURISPRUDÊNCIA Por óbvio, tendo em vista o falecimento do impetrante num caso desta natureza, não se há que pensar na aplicação das normas que regem a sucessão processual. E como o falecimento gera um quadro de perda de capacidade de ser parte, também não se há que falar na possibilidade de um litisconsórcio em que um dos litisconsortes não pode ser parte. De outro lado, todavia, é inegável a existência de interesse jurídico do paciente para ingressar no procedimento de habeas corpus, evitando, com isto, que o processo respectivo seja extinto sem a resolução do mérito. Em vista disso, admiti o ingresso do paciente Jabes Sousa Ribeiro no polo ativo da relação jurídica processual, na qualidade de impetrante do habeas corpus em seu próprio favor (fls. 223/224). Feitas estas considerações, passo ao exame da questão de fundo. E aí o que se vê é que o caso não é para a concessão da ordem. Com efeito, o trancamento de um procedimento criminal mediante o uso do habeas corpus é medida excepcional, somente autorizada quando houver demonstração – de plano –, da atipicidade da conduta, da ocorrência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade do delito. É como tem decidido o Supremo Tribunal Federal (HC 101012/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 10/12/2010; HC 94835/SP, Segunda Turma, Relª. Minª. Ellen Gracie, DJU de 24/10/2008; HC 89398/SP, Tribunal Pleno, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 26/10/2007). A interrupção de um procedimento criminal por meio do habeas corpus, destarte, deve se restringir aos casos em que não houver qualquer dúvida de que o procedimento a nada conduzirá, já que a via estreita do writ não se presta à análise aprofundada de acervo probatório. E como, no caso sob exame, diferentemente do quanto é defendido pelo impetrante, há elementos que indicam um mínimo de chances de que, ao fim do procedimento, seja satisfeita a pretensão condenatória, torna-se legítima a instauração da persecução criminal, em atendimento ao princípio da obrigatoriedade. Efetivamente, o conjunto probatório que acompanha a petição inicial é conducente à conclusão de que existem, sim, indícios mínimos autorizadores da continuidade do procedimento criminal, já que foi descrito um fato típico e é profundamente questionável a tese segundo a qual a identificação do beneficiário da conduta seja elemento do tipo, de sorte que, sem ela, não haveria como prosseguir na persecução criminal. Demais disso, a denúncia é clara e respeitou as exigências contidas no art. 357, § 2º, do Código Eleitoral, possibilitando, assim, o exercício da ampla defesa, o que leva à conclusão de que não é plausível a linha de raciocínio de que haveria inépcia. No ponto, bem salientou o Procurador Regional Eleitoral, quando consignou em seu parecer que “O que o paciente pretende com a impetração 228 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA é antecipar na via excepcional e unilateral do habeas corpus a discussão de mérito, com o sacrifício do direito de prova dos fatos alegados pelo Estado. Tal não é possível, porquanto o direito ao devido processo legal também se estende ao presentante da sociedade e do Estado no juízo criminal, que em regra é o Ministério Público” (fl. 181). Diante do exposto, na mesma linha adotada pelo Ministério Público Eleitoral, voto no sentido de que seja denegada a ordem de habeas corpus. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de setembro de 2011. Salomão Viana Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 229 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 2 8 8 / 2 0 11 RECURSO CRIMINAL PROCESSO Nº 13.315-09.2008.6.05.0183 CLASSE 31 MUNICÍPIO: Teixeira de Freitas RECORRENTE: Tyago Ramos de Oliveira. Advs.: Béis. Athos Batista Coelho e Neusa Rodrigues Coelho. RECORRIDO: Ministério Público Eleitoral. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 183ª Zona. RELATOR:Juiz Salomão Viana. REVISOR:Juiz Cássio Miranda. Recurso criminal. Pedido de realização de perícia grafotécnica em boletim de ocorrência policial. Desnecessidade. Indeferimento. Tipo previsto no art. 11, III da Lei n. 6.091/74. Promoção de concentração de eleitores por meio de transporte coletivo com o fim de fraudar o exercício do voto. Conjunto probatório robusto. Comprovação da prática do ilícito. Negativa de provimento ao recurso. 01. É desnecessária a realização de perícia grafotécnica em boletim de ocorrência policial sob o fundamento de que teria havido adulteração no documento original quando é juntada aos autos cópia autenticada do próprio documento original, cujo conteúdo é idêntico ao do documento questionado; 02. A matéria eleitoral impõe que o Poder Judiciário leve em conta a experiência comum, resultante da observação do que ordinariamente acontece (CPC, art. 335) e tal experiência é reveladora de que, infelizmente, é prática dominante nos rincões do interior da Bahia o transporte irregular de eleitores no dia da realização do pleito; 03. O fornecimento de transporte, de uma só vez, no dia das eleições, a diversas pessoas que iriam exercer o direito de votar, materializa concentração de eleitores, com o fim de fraudar o exercício do direito de votar, mormente quando considerado que em municípios de pequeno porte é frequente a troca de votos por favores ou doações; 04. Recurso a que se nega provimento. 230 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de setembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - SALOMÃO VIANA, Juiz Relator, SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recurso criminal interposto por Tyago Ramos de Oliveira contra a sentença que o condenou pela prática do crime previsto no art. 11, III, da Lei n. 6.091/74, impondo-lhe a pena de 4 anos de reclusão, além do pagamento de 200 dias-multa, com a substituição da primeira delas por pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária a ser paga à entidade privada com destinação social conhecida como “Pestalozzi”, , no valor de 20 (vinte) salários mínimos. Segundo a denúncia, no dia 5 de outubro de 2008, dia do primeiro turno das eleições, por volta das 9h20, na BR-101, na altura do trevo da Avenida Paulo Souto, o denunciado foi abordado por policiais rodoviários federais, transportando eleitores diversos para suas seções eleitorais, num veículo VW/Kombi, ano de fabricação e modelo 1990, de cor branca, placa policial GSI 7101/MG. Na abordagem, também se verificou que o denunciado não possuía habilitação para conduzir veículos automotores. Em vista disso, o recorrente foi denunciado como incurso nas penas a que se refere o art. 11, III, c/c o art. 5º, da Lei n. 6.091/74 e com o art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro. O juízo singular, porém, somente condenou o réu pelo delito de transporte ilegal de eleitores, absolvendo-o do delito de trânsito, sob o fundamento de que não restou demonstrado o perigo de dano, previsto no tipo legal mencionado (fls. 106/116) Em suas razões (fls. 123/129), o recorrente pugna pelo provimento do recurso para o fim de que seja totalmente modificada a sentença e de que seja deferido o pedido de perícia grafotécnica no documento denominado “Boletim de Ocorrências Policiais – Folha B3”, juntado à fl. 16 dos autos, confirmando, assim, que o mesmo foi adulterado com a inclusão de um novo texto, com tinta de caneta esferográfica, e não carbonada, e com caligrafia diferente. Postula, ainda, que, após a perícia, seja ele absolvido das imputações que lhe foram feitas. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 231 JURISPRUDÊNCIA Em contrarrazões (fls. 136/137), o Ministério Público Eleitoral pugnou pela negativa de provimento ao recurso, posição que também foi perfilhada pela Procuradoria Regional Eleitoral. É o relatório, que submeto à apreciação do eminente Juiz revisor. Salvador, BA, 06 de setembro de 2011. VOTO Adoto como relatóro o constante às fls.149/150 dos autos. DO PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA NO BOLETIM DE OCORRÊNCIA POLICIAL. Em sua peça de recurso, o recorrente reitera o pedido de realização de perícia grafotécnica no boletim de ocorrência policial (Folha B3), sob o argumento de que tal documento teria sido adulterado, com a inclusão de um novo texto, escrito com tinta e caligrafia distintas do restante do conteúdo do documento. A alegação, todavia, é totalmente impertinente. Com efeito, o pleito em referência já foi objeto de decisão – aliás, acertada decisão – pelo juízo singular, quando, na sentença, assim consignou: “Em relação ao pedido de perícia no boletim de ocorrência a mesma é desnecessária e protelatória, vez que há nos autos cópia autenticada do boletim de Ocorrência Policial n. 392/2008, fornecida pela Polícia Rodoviária Federal, dando conta que o mesmo confere com os originais. Bem como, o fato de que os fatos na ocorrência narrados foram corroborados com os depoimentos de Thales Ramos de Oliveira, Rosilda Maria de Jesus, Floripes da Conceição de Jesus, Sheila Neres de Jesus e Outros” (fl. 107). De fato, consta nos autos cópia autenticada do boletim de ocorrência n. 392/2008 (fls. 96/101), donde se conclui que é completamente desnecessária a realização de perícia para averiguar a autenticidade do boletim juntado às fls. 11/16 dos autos, bastando, para tanto, que se confira este com aquele cuja cópia autêntica encontra-se às fls. 96/101. E desta conferência resulta a inquestionável conclusão de que os documentos são idênticos. Por tal razão, voto no sentido de que seja indeferido o pedido de produção de prova pericial ora formulado. 232 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA DA ANÁLISE DOS FATOS. O recurso não merece provimento. É que o exame dos autos revela que os fatos imputados ao ora recorrente foram robustamente comprovados por meio da prova testemunhal colhida no curso da instrução. Neste passo, vale o registro de que o recorrente, quando ouvido, tanto na fase policial quanto em juízo, confessou que realizou o transporte irregular de eleitores, nestes termos: “Adquiriu o referido veículo há dois anos e que o mesmo encontrava-se em reforma, saindo da oficina de lanternagem na sexta-feira, dia 03/10/2008, e que para ganhar um dinheirinho resolveu fazer transporte clandestino de pessoas; QUE no dia de hoje, embora não esteja vinculado a nenhum partido ou candidato, desde as 06:00 horas da manhã está transportando pessoas para votar, cobrando o valor de R$ 1,00 (Um real) por pessoa; QUE por último, estava transportando 08 (oito) pessoas, as quais conhece pelos nomes de Maria Bernarda, Sheila Neres e Eliene de Jesus, e que fizeram lotação no bairro São Lourenço e imediações com destinos variados, uma na Rodoviária Nova e as outras no Jerusalém e Castelinho; QUE o interrogado não sabe informar se as mesmas estavam indo votar ou não, uma vez que o interrogado estava somente preocupado em ‘faturar’ um trocado a mais, pois está desempregado; (...)” (termo de interrogatório do acusado prestado na fase policial, fl. 9). “lida a denúncia para o interrogado, o mesmo afirmou serem verdadeiros os fatos nela narrados; que nunca existiu nenhum vínculo entre o denunciado e o vereador Netinho; que estava transportando pessoas no dia da eleição e cobrava pelo transporte das pessoas; que o transporte das pessoas não se destinava a seções eleitorais específicas, o transporte era feito de um lugar para o outro de forma aleatória; que no momento da abordagem dos policiais o denunciado estava se deslocando para o bairro Jerusalém; que o denunciado não conhecia nenhuma das pessoas que estava transportando; que o veículo em que o denunciado transportava as pessoas era de sua propriedade; que à época do fato em apuração o denunciado não tinha habilitação para dirigir veículos e ainda não a possui; que o veículo apreendido ainda continua apreendido; (...)” (termo de interrogatório do acusado prestado em juízo, fls. 36/37) Da leitura dos excertos acima reproduzidos, verifica-se que o transporte irregular de eleitores efetivamente ocorreu e que este fato se tornou incontroverso nos autos, ante a confissão do denunciado. O cerne da controvérsia cinge-se, pois, à comprovação do especial fim de agir, necessário para a configuração do delito de transporte ilegal de Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 233 JURISPRUDÊNCIA eleitores, qual seja, a finalidade específica de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto (art. 11, III da Lei n. 6.091/74, c/c o art. 302 do CE). É que o denunciado, em ambas as oportunidades em que foi ouvido, negou que estivesse com esta intenção ao praticar o ato. E quanto a isso, a prova testemunhal colhida comprovou que o transporte irregular se deu com a finalidade de que os eleitores transportados votassem no então candidato a vereador conhecido por “Netinho”. Com efeito, as declarações prestadas por Thales Ramos de Oliveira, irmão do réu, são bastante esclarecedoras e demonstram, de forma cristalina, que o transporte clandestino se deu em favor do vereador Netinho (fls. 70/71). Este cenário foi confirmado, ainda, pelas testemunhas Rosilda Maria de Jesus (fl. 71), Floripes da Conceição de Jesus (fl. 71) e Sheila Neres de Jesus (fl. 71). Por oportuno, vale transcrever trechos dos depoimentos respectivos, nas partes que mais interessam: “(...) que na eleição de 2008 o declarante não fez campanha para nenhum candidato a prefeito e nem vereador; que o declarante estava na Kombi com o seu irmão Tyago, no dia da eleição; que a Kombi era dirigida pelo denunciado e à época não tinha habilitação, e por esta razão o denunciado chamou o declarante para juntos fazer transporte de eleitores; que no dia da eleição o declarante encontrava-se em sua casa, assistindo o programa Esporte Espetacular, quando o denunciado o convidou para ir ‘ali comigo’, ou seja, com o denunciado; tendo o declarante aceitado o convite, entrado na Kombi e daí partindo para o Bairro Tancredo Neves e chegaram em uma casa a onde tinha cerca de 200 pessoas; que o declarante saltou da Kombi entrou na referida casa e ainda pediu um copo d’água; que o declarante viu quando as pessoas que estava naquela casa exibiam o título de eleitor e logo em seguida entraram na Kombi, cerca de 08 ou 12 pessoas, que seriam levadas para votarem na seção do Bairro Jerusalém, e todos os eleitores já com o candidato a vereador indicado para votar, que era o candidato ‘Netinho’; que no porta luvas da Kombi, tinha santinhos do vereador Netinho; (...) que o denunciado estava iniciando o primeiro transporte de eleitores, quando foi abordado pela Policia Rodoviária Federal; (...) que logo, no início do convite do denunciado, o declarante não percebeu que era para transporte de eleitores, na modalidade compra de votos, mas quando chegou naquela casa no Bairro Tancredo Neves e viu mais de 200 pessoas e todas as 200 pessoas direcionadas para votar no candidato a vereador Netinho, o declarante desconfiou que o transporte era realmente direcionado somente para transportar eleitores para votar no candidato a vereador 234 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Netinho; que o candidato a vereador Netinho encontrava-se na referida casa, onde tinha mais de 200 pessoas, quando o declarante e o denunciado chegaram; que o denunciado propôs pagar para o declarante, de R$ 50,00 a R$ 100,00 caso ficasse transportando juntamente com o denunciado, os eleitores; que foi o candidato a vereador Netinho quem contratou o denunciado para transportar os eleitores; que cada eleitor estava recebendo R$ 30,00 para votar no candidato a vereador Netinho; (...) que a Kombi não pertencia ao denunciado e sim, salvo engano, à Rádio a onde o vereado Netinho trabalhava, Rádio Caraípe; (...) afirma o declarante que as testemunhas Rosilda, Floripes e mais duas vieram para este Fórum, para esta audiência, trazidas pelo vereador Netinho, no seu próprio veículo, um Celta branco; (...)” (termo de declarações prestado por Thales Ramos de Oliveira, fls. 70/71). “(...) que votou no candidato a vereador Netinho, mediante o pagamento de R$ 20,00 pelo voto; que realmente estava na casa a onde se reuniu mais de 200 eleitores para votar no candidato a vereador Netinho; que a casa fica situada na Rua Santa Tereza, Bairro Tancredo Neves; informa a depoente que veio para esta audiência pelo vereador Netinho, que não teve nenhuma orientação hoje do vereador Netinho; confirma a depoente que todo o depoimento prestado por Thales é a expressão da verdade; que ao receber a intimação para esta audiência, a depoente foi até a Rádio Caraípe, a onde o vereador Netinho trabalha, tendo o vereador Netinho orientado à depoente a prestar o depoimento como prestara antes deste, porém, este é o depoimento verdadeiro.” (depoimento da testemunha compromissada Rosilda Maria de Jesus, fl. 71). “(...) que estava na casa da Rua Santa Tereza, onde se encontrava mais de 200 eleitores para votarem no candidato a vereador Netinho; que recebeu para votar no candidato a vereador Netinho R$ 30,00; que na quarta-feira desta semana o vereador Netinho esteve na residência da depoente, orientando a mesma para que prestasse o depoimento, conforme ela falou no seu primeiro depoimento, o qual retifica em todos os seus termos, porque ‘a mentira tem pernas curtas’; que todas as pessoas que estavam na Kombi no dia em que houve a abordagem da Polícia Rodoviária Federal, trabalharam na campanha do vereador Netinho e iam votar no candidato para vereador Netinho; confirma a depoente que no porta luvas da Kombi tinha santinho do Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 235 JURISPRUDÊNCIA candidato a vereador Netinho; confirma a depoente que todo o depoimento prestado por Thales é a expressão da verdade.” (depoimento da testemunha compromissada Floripes da Conceição de Jesus, fl. 71). “(...) que estava na Kombi dirigida pelo o denunciado quando houve a abordagem pela Polícia Rodoviária Federal; que as testemunhas Rosilda e Floripes estavam na Kombi; que Thales também estava na Kombi; (...) que retifica o seu depoimento e confirma de que recebeu cerca de R$ 20,00 ou R$ 30,00 para trabalhar no dia da eleição para o candidato para revereador Netinho; que veio para este Fórum em um veículo de cor branca não sabendo a quem pertence o carro, mas o referido veículo foi buscar a depoente na sua casa; (...) que antes desta audiência a depoente ligou para o vereador Netinho e obteve do vereador sobre o que falar nesta assentada; (...).” (depoimento da testemunha compromissada Sheila Neres de Jesus, fl. 71). É bastante um exame do conjunto dos depoimentos prestados para se concluir que as testemunhas foram convergentes em confirmar que houve a prática do ilícito, tendo ficado demonstrada, além da realização do transporte coletivo de eleitores, a finalidade específica de fraudar o exercício do direito de voto. Ao lado disso, há uma peculiaridade nos depoimentos prestados pelas três últimas testemunhas. É que elas apresentaram duas versões distintas quando ouvidas em juízo. A verdade, porém, é que há fortes indícios de que as primeiras versões apresentadas decorreram de orientação do candidato beneficiado para que elas depusessem em favor do denunciado. Tanto que elas próprias confirmaram este fato ao serem reinquiridas. Concluo, destarte, que o recorrente praticou, sim, o ato ilícito cuja autoria lhe é imputada, já que, ao fornecer o transporte, de uma só vez, a diversas pessoas que iriam exercer o direito de votar, resultou promovendo, no dia da eleição, sob a forma de transporte coletivo, uma concentração de eleitores, com o fim de fraudar o exercício do direito de votar, pois o seu objetivo, inequivocamente, era o de que aqueles eleitores direcionassem seus votos para o candidato a vereador “Netinho”. De mais a mais, as circunstâncias que brotaram nos autos impõem que o Poder Judiciário leve em conta que o fato se deu no dia das eleições. E aí a experiência comum, resultante da observação do que ordinariamente acontece (CPC, art. 335), revela que, infelizmente, a prática dominante nos rincões do interior da Bahia é o transporte irregular de eleitores no dia da realização do pleito. 236 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Aliás, não deve ter sido outro o motivo pelo qual o veículo fretado pelo recorrente foi flagrado: os órgãos de fiscalização adotaram medidas com o objetivo de coibir a prática dominante. Os atos praticados se subsumem, pois, à norma antigamente contida no 302 do Código Eleitoral e que, hoje, se encontra insculpida no art. 11, III da Lei n. 6.091, de 15 de agosto de 1974. À vista do exposto, voto no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a manutenção, na íntegra, da sentença vergastada. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 22 de setembro de 2011. Salomão Viana Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 237 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 2 9 7 / 2 0 11 RECURSO CRIMINAL PROCESSO Nº 1.087-61.2011.6.05.0000 CLASSE 31 MUNICÍPIO: Paulo Afonso RECORRENTE: Alberto Gomes da Cruz. Advs.: Béis. Manuel Natividade, Gláucio de Assis Natividade e Elizabeth Guedes de Carvalho Pimentel. RECORRIDO: Ministério Público Eleitoral. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 84ª Zona. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. REVISOR: Juiz Salomão Viana. Recurso Criminal. Ação Penal. Código Eleitoral, art. 302. Lei nº 6.091/74. Transporte ilegal de eleitores. Não caracterização da conduta. Ausência de dolo específico. Provimento. Preliminar de nulidade da sentença. Rejeita-se a prefacial tendo em vista que o prazo concedido ao Ministério Público para oferecimento da denúncia é impróprio, sem consequências processuais. Ademais, não se deve pronunciar nulidade quando do mérito o juiz puder decidir a favor da parte a quem esta aproveite. Mérito. Dá-se provimento ao recurso para reformar a decisão que julgou procedente a ação penal por transporte ilegal de eleitores, quando não ficou comprovado o dolo específico do recorrente em cooptar ilicitamente intenções de voto. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR e, no mérito, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 26 de setembro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência e Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. 238 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de Recurso Criminal aviado por Alberto Gomes da Cruz, em face de sentença, de fls. 81/86, do Juízo Eleitoral da 84ª Zona/Paulo Afonso, que julgou procedente a Ação Penal proposta com embasamento na acusação de transporte ilegal de eleitores. Em sede de razões (fls. 99/100) o recorrente alega, previamente, nulidade do processo porquanto não observado o prazo legal de 10 dias, contado da prática da infração, para o oferecimento da denúncia. No mérito, aduz que não existiu o dolo específico, consistente em impedir, embaraçar ou mesmo fraudar a livre manifestação do voto, indispensável à caracterização do delito que lhe foi imputado. Por fim, requer a reforma da decisão que o condenou. O recorrido em sede de contra-razões (fls. 104/105) alega que a configuração do crime ficou comprovada diante da instrução criminal. Sendo assim, pugnou pela manutenção da sentença recorrida. Instado, o eminente Procurador Regional Eleitoral se manifestou (fl. 109/110) pelo provimento do recurso. É o relatório. VOTO Adoto como relatório o de fls. 112 dos autos. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO FEITO. Entendo que não merece acolhimento a aludida nulidade. Argúi o recorrente a nulidade do processo ao argumento de que não teria sido observado o prazo de 10 (dez) dias entre a pretensa infração penal e o oferecimento da denúncia. Primeiro, insta destacar que não houve ocorrência de prescrição da pretensão punitiva estatal; depois, o prazo para oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público não é peremptório, de tal modo que não restou prejudicada a ação penal. Neste sentido, vejamos o posicionamento do STJ em feito da Relatoria do Ministro Félix Fisher: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS (EC Nº 22/99). TRÁFICO DE DROGAS. DEMORA NO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. I - Não acarreta, por si, extinção da punibilidade e nem preclusão, a inobservância de prazo para o oferecimento da denúncia Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 239 JURISPRUDÊNCIA em crime de ação penal pública. (HC 9599 RJ 1999/0046176-2. Relator(a): Ministro FELIX FISCHER. Julgamento: 14/06/1999. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA. Publicação: DJ 16.08.1999 p. 87.) Neste mesmo sentido se posiciona o Tribunal Regional Federal da 4a Região: INQUÉRITO POLICIAL Nº 2005.04.01.023856-4/SC. RELATOR. DES. FEDERAL TADAAQUI HIROSE. DJU de 16.11.2006. EMENTA: PROCESSO PENAL. NOTÍCIA-CRIME. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. PRAZO. ART. 46, CPP. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. GESTÃO TEMERÁRIA. LEI Nº 7.492/86, ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO. DEPUTADO ESTADUAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO. 1. O art. 46 do CPP estabelece o prazo de 15 dias, contados do recebimento do inquérito ou das peças de informação, para que o Ministério Público ofereça a denúncia. Inexiste preclusão quanto a esse prazo, que é denominado processual impróprio. Gera mera irregularidade, que pode ser alegada em um eventual pleito de liberdade provisória, por exemplo, mas não macula a ação penal; Por fim, dispõe o art. 249, § 2°, do Código de Processo Civil, que o juiz não pronunciará a nulidade quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem esta aproveite. Assim, diante da jurisprudência que importa a regra contida no art. 249, § 2° do CPC para a seara criminal e tendo em conta que os argumentos acerca do vício em apreço não se sustentam pelo fato de que a o prazo em questão é impróprio e gera mera irregularidade, rejeito a alegação de nulidade do feito. MÉRITO. Após me debruçar sobre os autos, chego à conclusão de que merece acolhimento a pretensão recursal. Primeiramente, é necessário que se descreva o fato sobre o qual recai a presente demanda, qual seja: transporte ilegal de eleitores, configurando violação ao disposto no art. 11, III, c/c art. 5° da Lei nº 6.091/74. O Ministério Público Zonal alega na denúncia que o réu, ora recorrente, praticou o delito acima mencionado, por ter transportado os Srs. Valdemar José de Farias e José Manoel de Sá do Povoado Agrovila III para votar no Povoado Quixaba, ambos na cidade de Glória/BA, no dia 06 de outubro de 2002. 240 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Com efeito, insta salientar alguns aspectos relevantes das provas colhidas durante a instrução criminal. Inicialmente, tem-se que o réu, em depoimento pessoal (fl. 53), não nega o fato de ter transportado duas pessoas em seu automóvel no dia da eleição, de tal modo que este acontecimento é incontroverso. Por outro lado, não é possível ignorar as informações prestadas pelo depoente José Manoel de Sá, devidamente compromissado na forma da lei, no sentido de que: José Manoel de Sá – fl. 64: “Que o depoente é primo carnal do acusado; Que a genitora do acusado é irmã do pai do depoente; Que confirma o teor do seu depoimento prestado ao delegado de polícia constante às fls. 16; Que o depoente reside na Fazenda Gato e que na época dos fatos da denúncia votava no Povoado Quixaba; Que o depoente acha que dá mais de 10KM entre as duas localidades; Que após o fato da denúncia, o depoente transferiu o seu título para votar na Agrovila 5, que é perto da casa do doente; Que o acusado apenas transportou o depoente e o Sr. Valdemar José de Farias o qual também votava na Quixaba.” Na mesma linha trilha o Sr. Valdemar José de Farias, ao dizer que: Valdemar José de Farias – fl. 65: “Que o acusado é casado com a prima longe do depoente; Que o depoente confirma que no dia dos fatos prescritos na denúncia o depoente e o Sr. José Manoel de Sá iam votar na Quixaba e por isso estavam na beira da estrada aguardando condução, quando por ali passou o acusado, dirigindo um veículo tipo pampa, tendo o depoente dado com a mão e o acusado parou o carro; Que Alberto Gomes da Cruz conduziu o depoente até o Povoado Quixaba, onde votava; Que o acusado transportou tão somente o depoente e José Manoel de Sá; Que do local onde o depoente reside até o Povoado Quixaba dista cerca de quatro léguas [...] [...] Que o depoente não sabe dizer se havia veículos da Justiça Eleitoral para transportar os eleitores”. À luz dos elementos coligidos ao caderno processual, vejamos as disposições contidas nos arts. 11, III e 5º da Lei nº 6.091/74: “Art. 5º Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo: I - a serviço da Justiça Eleitoral; II - coletivos de linhas regulares e não fretados; III - de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 241 JURISPRUDÊNCIA IV - o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o Art. 2.” ... “Art. 11 - Constitui crime eleitoral: (...) III - descumprir a proibição dos artigos 5, 8 e 10: Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias multa (Art. 302 do Código Eleitoral);” Por oportuno, cumpre asseverar que o art. 11 do dispositivo supra mencionado nos remete expressamente ao art. 302 do Código Eleitoral, que determina: “Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo: Pena - reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.” Sendo assim, em uma interpretação sistemática e teleológica, forçoso reconhecer que a configuração do ilícito está diretamente relacionada ao dolo específico de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto, o que não ficou provado nos autos da presente demanda. Considero pertinente trazer à baila o entendimento esposado pelo douto Procurador Regional Eleitoral Auxiliar, que trilha por esta mesma linha (fls. 109/110): “A prova colhida demonstrou a autoria e materialidade de fato capitulável no art. 11, inciso III, da Lei 6.091/74. Contudo, não ficou demonstrado o dolo. Ao dar carona a dois eleitores, o réu/recorrente apenas cumpriu um costume muito comum em áreas rurais. Não ficando provada cabalmente a sua intenção de cooptar eleitores para este ou aquele candidato, não é possível condená-los por este crime”. Ademais, em que pesem as alegações de José Manoel no sentido de que é “primo carnal” do acusado e de Valdemar José de Farias, no sentido de que o acusado é casado com uma prima sua, o que em tese e, por si só, já afastaria os comandos contidos no supramencionado art. 5º, o magistrado zonal passou ao largo desta questão, decidindo ainda assim pela condenação do réu. Em verdade, está-se diante de uma situação que não merece atrair sanção de natureza criminal, visto que, em verdade, está evidente o simples oferecimento de carona a um membro da família e a um conhecido, sem quaisquer repercussões eleitorais. 242 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Neste passo, destaco jurisprudência desta Corte que se adequa perfeitamente aos fatos aqui discutidos: “Recurso criminal. Transporte ilegal de eleitores. Dolo específico. Ausência. Desprovimento. Deve ser mantida decisão que absolveu os Recorridos considerando-se não ter restado demonstrada a prática de transporte de eleitores com a finalidade específica de aliciar votos.” (TRE-BA, RECR nº 07, Feira de Santana – BA, Relator. José Maurício Vasconcelos Coqueiro, publicado em 16 de março de 2009). Diante de tudo que foi exposto, reiterando a ausência do dolo específico para a configuração do tipo penal, na esteira do parecer ministerial, voto no sentido de dar provimento ao recurso, reformando a decisão zonal. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 26 de setembro de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 243 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 3 0 4 / 2 0 11 RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA PROCESSO Nº 647 (1.69.2008.6.05.0191) CLASSE 29 MUNICÍPIO: Capim Grosso RECORRENTE: Coligação CAPIM GROSSO PAZ E PROGRESSO. Adv.: Bel. José Souza Pires. RECORRIDOS: Itamar da Silva Rios (Advs.: Béis. Luiz Viana Queiroz, Marcio Moreira Ferreira e Maurício Oliveira Campos) e João Dias de Souza (Adv.: Bel. Epifânio Dias Filho). PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 191ª Zona. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. REVISOR: Juiz Salomão Viana. Recurso contra expedição de diploma. Abuso de poder econômico e político. Captação ilícita de sufrágio. Captação e gastos ilícitos de recursos. Rejeição de contas municipais. Existência de provas que demonstram o cometimento de abuso de poder político e econômico. Provimento. Preliminar de ausência de prova pré-constituída. Rejeita-se a preliminar, porquanto, não bastasse a juntada aos autos de provas aptas a subsidiar a interposição do RCED, o entendimento do TSE é no sentido de que o requisito da prova pré-constituída não é mais obrigatório, sendo facultado às partes requerer a produção de provas durante o andamento do feito, desde que indicados na petição inicial. Mérito. Dá-se provimento a recurso contra expedição de diploma, diante da existência de lastro probatório apto a demonstrar que os recorridos violaram as regras legalmente estabelecidas, afetando a lisura do pleito e a paridade de armas entre os concorrentes. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR, no mérito, DAR PROVIMENTO AO RECURSO e, por maioria, vencidos o Revisor e o Juiz Cássio Miranda, 244 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA APLICAR A INELEGIBILIDADE POR TRÊS ANOS, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 27 de setembro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência e Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral . RELATÓRIO Trata-se de Recurso Contra Expedição de Diploma, interposto pela Coligação “Capim Grosso Paz e Progresso” em face de Itamar da Silva Rios e João Dias de Souza, sob alegação de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico, abuso de poder político, captação e gastos ilícitos de recursos e condutas vedadas aos agentes públicos. Em suas razões de fls. 21/35, a Coligação “Capim Grosso Paz e Progresso” imputa aos recorridos as seguintes condutas: abuso de poder político em festa junina; gasto e arrecadação irregular de recursos eleitorais; utilização de servidores públicos em campanha; concessão de vantagem indevida a cidadãos com recursos públicos; extrapolamento do valor máximo de gastos de recursos informados à Justiça Eleitoral; abuso de poder por contratação irregular de servidores e captação ilícita de sufrágio. Alegam, ainda, que os diplomas expedidos devem ser desconstituídos em razão da rejeição das contas municipais dos exercícios de 2006 e 2007. Em suas contrarrazões de fls. 2.680/2.703 e 2.844/2.865, os recorridos pugnam, inicialmente, pelo não conhecimento do recurso, ao argumento de que não há nos autos prova pré-constituída. No mérito, requerem seja negado provimento à presente demanda. Instado a opinar, o Procurador Regional Eleitoral com assento nesta Corte exarou manifestação pela rejeição da preliminar aventada e, no mérito, pelo provimento do recurso. É o relatório. VOTO Adoto como relatório o constante à fl. 3377 dos autos. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. Afirmam os recorridos que o presente RCED não deve ser conhecido, em razão de falta de prova pré-constituída apta a comprovar os fatos alegados pela recorrente. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 245 JURISPRUDÊNCIA Não merece acolhimento a preliminar, pois a acionante colacionou aos autos, como meio de prova, cópia das Ações de Investigação Judicial Eleitoral de nos 1.459, 1.443, 1.802 e 1789, documentos relativos à prestação de contas dos recorridos, bem como CD’s que compunham os retromencionados feitos, dentre outras provas. Não obstante a documentação acostada, o atual entendimento do TSE é no sentido de que é prescindível a prova pré-constituída, já que é possível a produção, durante a tramitação do recurso contra a expedição de diploma, de todos os meios lícitos de prova, desde que indicados na petição inicial. É o que podemos aferir deste precedente abaixo transcrito: ELEIÇÕES 2006. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ART. 262, IV, DO CÓDIGO ELEITORAL. DEPUTADO ESTADUAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E DE AUTORIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Para que a petição inicial seja apta, é suficiente que descreva os fatos que, em tese, configuram ilícitos eleitorais. Precedentes. 2. Esta Corte já assentou a possibilidade de produção, no Recurso Contra Expedição de Diploma, de todos os meios lícitos de prova, desde que indicados na petição inicial, não havendo o requisito da prova pré-constituída. 3. É assente neste Tribunal o entendimento de que a ação de impugnação de mandato eletivo, a ação de investigação judicial eleitoral e o recurso contra expedição de diploma são instrumentos processuais autônomos com causa de pedir própria. 4. A utilização de recursos financeiros na campanha eleitoral em desconformidade com o que determina a Lei das Eleições não é suficiente, por si só, à caracterização de abuso, sendo necessária a comprovação do potencial lesivo da conduta. 5. O conjunto probatório dos autos não permite concluir que tenha havido abuso de poder político e de autoridade. 6. Recurso Desprovido. (RCED n. 767, julgado em 04.02.2010. Relator: Ministro Marcelo Ribeiro). Pelo exposto, não acolho a preliminar. MÉRITO. Conforme relatado, trata-se de recurso contra expedição de diploma ajuizado em face de Itamar da Silva Rios e João Dias de Souza, sob alegação de captação ilícita de sufrágio, arrecadação e gastos ilícitos de recursos, conduta vedada aos agentes públicos e abuso de poder econômico e político. Primeiramente, cumpre esclarecer que os fatos em apreço neste recurso, em sua maioria, foram discutidos em sede das AIJE’s nos 1.459, 1.443, 1.802 e 1.789, já apreciadas por este Regional. 246 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA O litígio em análise funda-se nos seguintes fatos alegados pelo recorrente: a) suposta afronta às normas eleitorais no ensejo da realização da festa junina de 2008 no Município de Capim Grosso; b) compra de votos mediante promessa de material esportivo para um time de futebol local; c) utilização de servidores públicos em campanha; d) concessão de vantagem indevida a cidadãos com utilização de recursos públicos; e) contratação irregular de servidores; f) gastos e arrecadação irregulares de recursos, abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio; g) extrapolação dos limites de gastos de campanha informados à Justiça Eleitoral pelos ora recorridos; e h) rejeição de contas municipais dos exercícios de 2006 e 2007. Passo, então, à análise de cada um deles. A) DO ABUSO DE PODER POLÍTICO EM FESTA JUNINA. No que toca aos festejos juninos, verifico que o conjunto probatório carreado aos autos demonstra que o prefeito local efetivamente participou da festa típica, adotando, porém, comportamento plenamente lícito. Não há como concluir que o gestor municipal se valeu da festa junina do município para promover sua reeleição, como pretende a recorrente, pois sequer era candidato ao tempo do evento. Demais disso, quando indagado acerca da realização da festa de São João no ano seguinte, Itamar da Silva Rios teve o bom senso de destacar que estaria ocupando oficialmente o cargo de prefeito municipal até o dia 31 de dezembro de 2008. Do mesmo modo, o arremesso de CDs promocionais que, ao que tudo indica, foram fornecidos pela própria banda, não serve como prova do cometimento do aludido ilícito eleitoral. B) COMPRA DE VOTOS MEDIANTE PROMESSA DE MATERIAL ESPORTIVO PARA TIME DE FUTEBOL LOCAL. Também não restou provada a promessa de doação de material esportivo em troca de votos. Do exame da cópia da degravação de uma reunião promovida pela primeira dama do município e pelo candidato a vereador Sandoval Vilas Boas com jovens do Bairro Sacramento, trazida aos autos às fls. 2500/2505, oriunda da AIJE nº 1.789, não podemos aferir nenhuma concessão ou promessa de vantagem em troca de voto. No referido documento, inclusive, afirma a primeira dama que repudia a compra de votos, aconselhando os jovens a nunca venderem o seu direito político supremo. Ademais, ainda que restasse demonstrado o pedido de voto, a exigida anuência do candidato beneficiário não foi comprovada. Não é possível a presunção acerca do consentimento do recorrido somente porque o suposto ilícito tivesse sido praticado pela sua esposa. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 247 JURISPRUDÊNCIA C) UTILIZAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS EM CAMPANHA ELEITORAL. No que concerne à alegação de utilização de servidores públicos em campanha eleitoral, não há configuração de qualquer ilícito, porquanto inexiste norma que proíba o servidor de participar de campanha do seu candidato predileto, contanto que não o faça em horário normal de expediente, conforme dispõe o art. 73, III da Lei nº 9.504/97. Aos fólios foi juntada documentação comprovando que existiam servidores públicos participando de campanha eleitoral, todavia, não ficou demonstrado que isto ocorria durante o horário de trabalho. Não obstante o afastamento das acusações até então mencionadas, restou evidente nos autos a prática de ilicitudes outras, que conspurcaram absolutamente o resultado do prélio eleitoral de 2008 no Município de Capim Grosso. É sobre estas questões que passo a me debruçar neste átimo. D) DA CONCESSÃO DE VANTAGEM INDEVIDA A CIDADÃOS E DAS CONTRATAÇÕES IRREGULARES DE SERVIDORES. Conforme consignado nos outros feitos, Itamar da Silva Rios, na qualidade de prefeito, em 28 de março de 2008, fez publicar o edital de n° 31/2008 (fls. 1881/1886), por meio do qual promoveu a abertura de concurso público para o preenchimento de 146 cargos municipais. A realização do certame, todavia, foi obstada por um provimento liminar exarado em sede de ação cautelar preparatória, ajuizada por Josefa Iodália de Oliveira Souza e Hildete Silva Rios de Carvalho, membros da Câmara Municipal de Capim Grosso. Dias após a concessão da medida liminar, foi publicado o Decreto Municipal n°434/2008 (fls. 1915/1917), autorizando a contratação temporária de pessoal para atender a interesse público, constando do referido ato normativo que as contratações não poderiam ultrapassar o total de 296 vagas e teriam o prazo de 6 meses, com a possibilidade de prorrogação por mais 3 meses. Como se não bastasse, conforme se depreende dos documentos de fls. 1918 e 1920, foram instituídos os Decretos Municipais de n°s 437 e 446/08, que, respectivamente, permitia a contratação de 100 professores e declarava estado de emergência no município, autorizando a contratação de servidores sem especificação de vagas. Diante desses fatos, entre maio a junho do ano em que se realizou o pleito eleitoral foram contratadas 272 pessoas para prestação de serviços, sem o devido processo seletivo. 248 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA As justificativas sobre a epidemia de dengue somada à decretação do estado de emergência não justificam a contratação da maior parte dos profissionais, como é o caso dos cem professores, por exemplo. Para ratificar o que apresenta o acervo documental, válida é a transcrição de alguns depoimentos: Que tem ciência da existência de contratações irregulares no município de Capim Grosso; que entende como contratação irregular aquela feita sem nenhum critério e sem que tenha sido dada oportunidade a outras pessoas; que tem visto essas contratações na área de agentes de saúde e também em postos de saúde; que as pessoas que chegavam no ponto de apoio dos agentes de endemias dizendo que foram indicadas por vereadores ou pelo Prefeito; que essas pessoas falavam diretamente com o coordenador, o qual entrava em contato com o prefeito e, após, começavam a trabalhar; que a maioria das pessoas que chegam no ponto de apoio, chegam dessa maneira; que essas pessoas são contratadas como agente de saúde. [...] que as pessoas contratadas apresentavam no posto uma ordem escrita onde se consignava a indicação para que a pessoa exercesse o cargo; que já viu uma dessas ordens, mas a mesma não estava assinada, tendo o portador dito ao coordenador que foi indicada pelo vereador EDNON. [...] que não eram pedidos currículos dos contratados. [...]. (grifou-se). (Depoimento prestado por Amilton José Santos Brito, nos autos da AIJE 1459/2008 - fls. 1948/1950). [...] que trabalha como agente de saúde há 9 anos, dos quais 8 anos como concursada; que no setor de esquistossomose existem 13 pessoas contratadas e quatro concursadas; que as pessoas foram contratadas nos meses de maio, junho e julho, época em que também foram chamadas pessoas do concurso. [...] que as pessoas contratadas se apresentam com ordens de vereadores ou após determinação do Prefeito ao chefe; que já viu diversas ordens assinadas por vereadores se recordando com precisão de ordens assinadas pelos vereadores ELUIZIO, ELGA; que também já viu pessoas que trabalham no setor assinarem ordens para contratação, tais como Josemir, que era chefe de transportes e Ednon, que é vereador; que o chefe se chama Moraes e quando este recebe a ordem, diz ao portador que conversará com quem assinou e com o próprio Prefeito, para averiguar a ordem; que tais ordens são escritas em papéis sem qualquer formalidade, inclusive já viu ordens assinadas em guardanapos. [...] que, como havia muita demanda para exame, em razão do Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 249 JURISPRUDÊNCIA número alto de pessoas contratadas, o microscópio quebrou, sendo que os agentes estão apenas cumprindo horário, sem trabalhar efetivamente. [...] que o aumento do número de agentes piorou a qualidade dos serviços, já que o aumento do número de laminas quebrou o microscópio e mofaram as amostras, bem assim aumentou o tempo de visitação em cada casa, já que ao invés de passar para outra residência o agente tem que passar treinamento para os outros. (grifou-se). (Depoimento prestado por Alexandra Rios Oliveira nos autos da AIJE 1459/2008 - fls. 1951/1953). [...] que exerceu o cargo de secretário de transportes na gestão do atual prefeito, até o início do presente ano, tendo sido exonerado em virtude de ser irmão do vereador Ednon, por imputação de prática de nepotismo; [...] que os contratos foram levados a termo pelo prefeito; [...] que não houve processo seletivo para a contratação de motoristas, tendo o depoente alegado ao prefeito estado emergencial; [...]. (grifou-se). (Depoimento prestado por Josemir Rios de Queiroz nos autos da AIJE 1459/2008 - fls. 1979/1980). Diante disto, entendo que restou configurada a prática de conduta vedada aos agentes públicos, bem como o abuso de poder político, consoante conclusão desta Corte manifestada no julgamento simultâneo dos Recursos Eleitorais nos. 13.176-33, 14.563-83, 14.564-68, 14.606-20 e 15.175-84. E) GASTOS E ARRECADAÇÕES IRREGULARES DE RECURSOS, ABUSO DE PODER ECONOMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. Avançando sobre as demais alegações, chama a atenção o fato de que o valor de R$30.000,00, referente ao extrapolamento dos gastos de campanha declarados inicialmente, é muito próximo dos R$26.760,00 utilizados para o pagamento de 669 pessoas na antevéspera da eleição de 2008 (conforme expediente de fls. 7196/7262 do Processo nº 1.812/09). O recorrido, no ensejo da prestação de contas de campanha, apresentou relação fictícia de apenas 10 credores de campanha que fariam jus ao recebimento do valor acima mencionado. Todavia, da análise do Processo n° 1.802/08, cuja cópia integra os presentes autos, verifica-se que o montante de R$26.760,00 foi utilizado para o pagamento de mais de seiscentas pessoas, identificadas pelo candidato como funcionários de campanha, mediante petição assinada de próprio punho, dirigida ao Juízo Zonal. Para uma melhor elucidação dos fatos, destaco que o magistrado 250 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA zonal, no ano de 2008, cientificando-se acerca da ocorrência de saques de valores elevados na semana anterior ao pleito, com o escopo de evitar a prática de determinados ilícitos eleitorais, exarou a Portaria n° 15, determinando que as agências bancárias locais não autorizassem saques acima de R$2.000,00. Diante do empecilho da Justiça, Itamar da Silva Rios apresentou petição requerendo saque no valor de R$ 27.250,00 para pagamento de supostos funcionários de campanha. Neste diapasão, cumpre asseverar que a relação nominal apresentada pelo candidato contava com 757 pessoas (fls. 515/540). Após o indeferimento do pedido, o juiz reconsiderou a sua decisão, autorizando a utilização da quantia, desde que o adimplemento das obrigações do então candidato para com os seus funcionários somente pudesse ocorrer mediante ordem de pagamento bancária. Às fls. 548/573 do presente RCED, foi acostada cópia do Processo n° 1.802/08, onde consta documentação fornecida pelo Banco Bradesco da qual se extrai que, em 02 de outubro de 2008, seiscentas e sessenta e nove pessoas foram beneficiadas com o recebimento da quantia de quarenta reais cada uma, totalizando o montante de R$26.760,00. Não nos parece razoável a tese da defesa, quando alega que o candidato agiu de boa-fé ao fazer com que os recursos financeiros transitassem pela conta de campanha, em atenção à autorização judicial. A fim de refutar, de imediato, tal alegação, deve-se salientar que esse foi o único meio encontrado pelos recorridos para realizar os supostos pagamentos, uma vez que, consoante já mencionado, havia uma portaria da lavra do magistrado zonal que proibia a realização de saques em valor superior a R$2.000,00. Assim, a justificativa de boa-fé por parte dos recorridos, desacompanhada de outros fatores, é de pouca valia. Ademais, as alegações no sentido de que os limites de gastos com a campanha foram excedidos por conta de um erro de digitação do contador não merecem prestígio, pois, somente após a rejeição das contas eleitorais é que a recorrente passou a defender a referida tese. Por entender que o número de 669 funcionários de campanha é demais elevado para o porte do Município de Capim Grosso, verifico que o intuito dos recorridos foi mesmo de cooptar votos de forma ilícita, beneficiando inúmeros eleitores, 48 horas antes das votações, em manifesto abuso de poder econômico, também reconhecido nos feitos anteriormente julgados por esta Corte. Outrossim, a respeito da realização de despesas antes da abertura da conta bancária, quais sejam: R$200,07 a João Soares Lima, R$836,00 a Rubem Araújo, R$5.003,82 a Rogeres Magno Vilas Boas e R$357,20 a Antonio Silva, entendo que as irregularidades não merecem maiores reperSemest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 251 JURISPRUDÊNCIA cussões, pois representam pequenos valores no que se refere ao contexto da campanha e pelo fato de terem sido pagas através de cheques da conta eleitoral, com a devida consignação. No que se refere à alegação de simulação de aluguel de veículos para captação ilícita de votos e ausência de descrição de despesa referente a aluguel de dois ônibus e outros gastos ordinários, não existem provas nos autos capazes de corroborá-la. F) EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DE GASTOS DE CAMPANHA INFORMADOS À JUSTIÇA ELEITORAL A ultrapassagem dos limites de gastos de campanha informados à Justiça Eleitoral também restou comprovada, existindo fortes indícios de que esta irregularidade está intimamente relacionada ao abuso de poder econômico perpetrado mediante o beneficiamento de mais de seiscentos eleitores. Conforme consta nos autos, o candidato, na sua prestação de contas de campanha, informa que arrecadou recursos em dinheiro no valor de R$200.569,68. Todavia, da análise de suas contas bancárias, verificase um excedente de R$30.000,00 (fl. 1.416), - quantia muita próxima dos R$26.760,00 utilizados para o pagamento de 669 pessoas -, referente a uma receita de origem não identificada, creditada no dia 10/09/08, sob a rubrica de transferência de valores entre contas. G) REJEIÇÃO DE CONTAS MUNICIPAIS DOS EXERCÍCIOS DE 2006 E 2007. Por fim, aduz a recorrente que as contas dos exercícios de 2006 e 2007 do Município de Capim Grosso, geridas pelo candidato à reeleição, ora recorrido, foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, conforme Pareceres Prévios de nos 280/08 e 519/08, por irregularidades insanáveis que culminaram, inclusive, com a imputação de multa ao gestor. Alega, outrossim, que as contas de 2006 foram rejeitadas também pela Câmara de Vereadores, por decurso de prazo, através do Decreto Legislativo n° 008/2008. De fato, o recorrido teve suas contas desaprovadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios, mas este fato, por si só, não acarreta as consequências almejadas pela recorrente. CONCLUSÃO. Diante de tudo o que foi exposto, entendo que restou explícita a quebra da isonomia entre os candidatos que disputaram a eleição municipal passada, maculada por manifesto abuso de poder econômico perpetrado pelos ora recorridos. 252 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA É cediço que a potencialidade lesiva das condutas nos feitos eleitorais não deve ser aferida por meio de raciocínio cartesiano, em que se verifique se o ato ilícito influenciou eleitores em quantidade maior ou igual à diferença de votos entre o primeiro e segundo colocados. Mesmo assim, não se pode olvidar que a diferença de 441 votos foi facilmente suplantada pelas 272 contratações temporárias, sem realização de processo seletivo, e pela distribuição de quarenta reais a 669 pessoas. Importante ressaltar que os critérios de contratação suscitados pela recorrente em suas razões não são suficientes para afastar a extensão e o impacto político gerado pelo oferecimento de garantia de emprego, ainda que provisório, a parcela considerável do eleitorado local. Evidente, desta feita, o uso desvirtuado dos recursos arrecadados e da máquina pública em favor da campanha dos candidatos eleitos. É por essas razões que voto no sentido de dar provimento ao presente recurso contra expedição de diploma, a fim de que sejam cassados os diplomas dos recorridos, anulando-se os votos por eles recebidos e determinando-se, por conseguinte, a realização de eleições indiretas, em atenção aos comandos do art. 224 do Código Eleitoral conjugados com o art. 81 da Constituição Federal. Ademais, ressaltando meu posicionamento quanto a não concessão de eficácia retroativa à Lei Complementar nº 135/2010 para atingir fatos concernentes à eleições pretéritas, é que voto pela inelegibilidade de Itamar da Silva Rios e João Dias de Souza, por três anos, a partir da data da eleição em que foram cometidas as ilicitudes, com fulcro na Lei Complementar nº 64/90. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 27 de setembro de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 253 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 3 3 9 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 15.240-22.2009.6.05.0113 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Riacho de Santana RECORRENTES: Coligação RIACHO EM BOAS MÃOS, Partido dos Trabalhadores – PT de Riacho de Santana e Fábio Ricardo Guimarães Castro. Advs.: Béis. Custódio Lacerda Brito, Éder Adriano Neves David e João Carlos Silva Aguiar Soriano. RECORRIDOS: Tito Eugênio Cardoso de Castro, João Daniel Machado de Castro e Alexandre Hermenegildo Cardoso de Castro. Advs.: Béis. Danilo Matos Cavalcante de Souza, Gercino Hermenegildo Cardoso de Castro Filho e Amando Magno Barreto Ribeiro. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 113ª Zona. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. REVISOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Improcedência. Captação ilícita de sufrágio. Consultas médicas em troca de voto. Comprovação. Prática pelas esposas dos candidatos. Ciência dos beneficiados. Provimento parcial. Inelegibilidade e multa. Não aplicação. Cassação de mandato. Comprovada a oferta de atendimento médico a eleitor, formulada por esposas de candidatos, em troca de votos para seus cônjuges, dá-se parcial provimento ao recurso para cassar os mandatos dos recorridos, não se cominando a inelegibilidade nem a multa pretendida pelos recorrentes. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por maioria, vencidos parcialmente os Juízes Salomão Viana e Cássio Miranda e totalmente o Juiz Wanderley Gomes, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator de fls. 639/643, que integra o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 3 de outubro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA, Vice-Presidente no exercício da Presidência - MAURICIO KERTZMAN SZPORER, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. 254 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Cuida-se de recurso interposto pela Coligação Riacho em Boas Mãos, pelo Partido dos Trabalhadores – PT e por Fábio Ricardo Guimarães de Castro contra decisão do Juiz da 113ª Zona que, julgando improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, extinguiu o processo com resolução do mérito. Os Recorrentes ajuizaram a AIME com o fim de desconstituir os mandatos do prefeito, do vice-prefeito e de um vereador eleito, que alegam terem sido conquistados com a prática de corrupção eleitoral, com abuso do direito de captar votos por parte das esposas dos Recorridos. Argúem a flagrante captação ilícita de sufrágio vedada pelo artigo 41-A da Lei n° 9.504/97, requerendo, ao final, o provimento do recurso para reformar a decisão de primeiro grau e, por conseguinte, desconstituir os mandatos dos Recorridos, imputando-lhes a inelegibilidade por três anos e multa, além de proceder à diplomação do segundo colocado no pleito. Em contrarrazões de fls. 576 a 589 e 594 a 610, os Recorridos alegam que a parte Recorrente não se desincumbiu do ônus de comprovar a ocorrência dos fatos imputados. Alegam que alguns depoimentos de testemunhas se deram de maneira falsa, levantando dúvida acerca da sua credibilidade. Defendem ser indispensável a comprovação de que o candidato teria participado diretamente do ato, dele tenha tido prévio conhecimento ou ao menos consentido. Requerem, por fim, que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença na íntegra. Em pronunciamento de fl. 632, o Procurador Regional Eleitoral, em prestígio à unidade institucional, opinou pelo provimento do recurso. É o relatório que submeto à apreciação do Juiz Revisor. Salvador, 28 de abril de 2011. VOTO O cerne da irresignação sub judice reside na alegação de que os elementos probatórios acostados teriam demonstrado a prática de captação ilícita de sufrágio, perpetrada através da oferta de consulta e de exame médico pelas esposas dos Recorridos para a Sra. Ivani de Souza e para seu filho Janilson Barrem de Souza, em troca de votos para os candidatos impugnados, que concorreram aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. Do compulsar dos autos, entendo que assiste razão aos Recorrentes, senão vejamos. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 255 JURISPRUDÊNCIA As provas testemunhais apresentadas sustentam de sobremaneira as alegações aventadas pelos Impugnantes, conforme se depreende dos excertos a seguir transcritos: “Que a depoente se recorda que foram pedidos votos pelas Sras. Nádia, Carla e Margarete; Que tem conhecimento que as Sras. Nádia é esposa de Tito, Margarete de Daniel e Carla de Alexandre; Que as três senhoras pediram votos na casa da depoente; (...) Que foi prometido a depoente, em troca do voto nos candidatos Tito e Alexandre, um exame com um médico dermatologista em Guanambi; (...) Que a Sra. Nádia pegou o nome completo da depoente em uma quinta-feira e pediu para que ela fosse até a sua casa no sábado; Que no sábado a depoente foi com seu irmão Janilson atpe(sic) a casa da Sra. Nádia; Que a Sra. Nádia os atendeu e escreveu em um papel o nome do médico que iria atendê-la em um endereço em Guanambi; Que confirma que o papel com o nome do médico e endereço recebido da Sra.Nádia é o de folha 11 dos Autos; ...” (depoimento da Sra. Ivani de Souza – fls.115). “Que tem conhecimento que sua irmã recebeu uma proposta de tratamento médico em troca de voto; (...) Que o depoente esteve presente quando foi pegar a ordem para o exame; Que o depoente esteve com sua irmã na casa da Sra. Nádia, esposa do candidato Tito; Que o depoente viu a ordem; Que o papel juntado na folha 11 é a ordem que foi assinada pela Sra. Nádia; Que a Sra. Nádia preencheu todo o papel e o entregou à testemunha Ivani; (...) Que depois ela começou a preencher o papel e ao mesmo tempo recomendava o voto para Tito e Alexandre; Que a Sra. Nádia perguntou ao depoente como ele estava; Que o depoente disse que se não fosse o problema de gastrite, estaria bem; Que a Sra. Nádia perguntou a ele se não queria um exame de endoscopia; Que a Sra. Nádia disse inicialmente que daria metade do exame, mas depois resolveu dar R$60,00; Que o depoente deveria receber o restante do valor, mas não conseguiu e não fez o exame; Que a Sra. Nádia pediu ao depoente para votar em Tito e Alexandre; Que o depoente foi com a testemunha Ivani até o Comitê às 07 horas para pegar a condução para fazer o exame; (...)” (depoimento do Sr. Janilson Barrem Souza, fls. 134). Ademais, o documento referido pela Depoente, encartado às fls. 11, registra os seguintes dizeres:“Dermatologista/ Dr. Ariovaldo / End. Pça. da Igreja Matriz – Guanambi-BA/ Valor R$50,00 c/ desconto por ordem de 256 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA chegada”, conteúdo que se coaduna com as afirmações da testemunha, ainda mais quando se considera que no verso do documento consta a observação: “Comitê, 7hrs, segunda-feira”, indicando o local e horário descrito pelo irmão da testemunha, Sr. Janilson. Outrossim, os depoimentos do médico, Dr. Ariovaldo, e da Sra. Noélia, secretária responsável pelos agendamentos, reforçam as acusações, uma vez que embora afirmem a ausência de consulta marcada para a Sra. Ivani, apontam a existência de consulta para a Sra. Nádia, como se depreende dos excertos a seguir transcritos: “que apenas a senhora Nádia marcou consulta para o dia 15 de setembro, mas a ela não compareceu; que todas as marcações de consultas são realizadas por mim na agenda aqui apresentada; (...)”. Destaca-se, ainda, que as afirmações retro foram corroboradas pela certidão de fls. 403, que atestou constar na agenda uma consulta marcada em nome da Sra. Nádia no dia 15 de setembro de 2008. Ademais, verifico que a defesa não impugnou a veracidade do referido documento, tão somente alegou que este poderia ter sido emitido pela Sra. Nádia quando ela ocupava o cargo de Assistente Social no Município. Entretanto, não apresentou prova desta afirmação, inexistindo sequer o depoimento desta senhora. Vale ressaltar que o magistrado que prolatou a sentença atacada reconheceu ter havido atuação ilícita por parte das esposas dos Recorridos, concluindo, contudo, não ter sido demonstrado que a promessa do exame médico consistiria em “um padrão de conduta persistente na campanha que não pudesse ser ignorado pelos impugnados,....” Assim, no tocante à anuência dos Recorridos, entendo que se faz presente, uma vez que não há como se admitir que desconhecessem os atos praticados por suas próprias esposas em benefício de suas campanhas. Destaca-se do parecer ministerial exarado em primeiro grau: “... Portanto, os fatos foram devidamente provados na instrução processual. Outrossim, data venia, não parece crível que tal estrutura de captação ilícita de sufrágio fosse ignorada pelos beneficiários/impugnados, haja vista ter sido executada direta e pessoalmente pelas respectivas esposas; ao revés, as regras de experiência que envolvem o jogo político sugerem exatamente a conclusão oposta: primeiro, por se tratar, as envolvidas, de esposas dos impugnados; segundo, por se de todo “recomendável” que práticas tais sejam levadas a efeito por interpostas pessoas, justamente para viabilizar a tese defensiva da ausência de participação/conhecimento do ilícito, na hipótese de sua eventual descoberta.” Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 257 JURISPRUDÊNCIA No caso em apreço, ainda mais evidente esse conhecimento já que o ato foi perpetrado em visita conjunta feita pelas esposas dos três candidatos aliados, a Sra. Nádia, mulher do prefeito; a Sra. Margareth, do vice-prefeito e a Sra. Carla, que teria se identificado como esposa do vereador. Se meros correligionários partilham suas ações políticas, que dirá três esposas agindo juntas em benefício da campanha de seus maridos concorrentes pela mesma chapa. Observo, ainda, que a conduta perpetrada deteve potencialidade para alvejar a legitimidade do pleito, ainda mais quando a diferença de votos entre os concorrentes somente atingiu 3,5% (595 votos). Assim, considerando-se que o acervo probatório constante dos autos confirmou a prática de captação ilícita de sufrágio, devem ser aplicadas aos Recorridos as reprimendas previstas no artigo 41-A da Lei nº 9.504/97. Quanto à inelegibilidade, incabível sua imputação por meio da ação de impugnação de mandato eletivo e, no que diz respeito à multa, embora exista previsão no artigo 41-A no qual se funda a presente condenação, também não pode ser aplicada em sede de AIME. Portanto, meu voto é pela cassação dos mandatos conferidos aos Recorridos, convocando-se o suplente do vereador eleito e, no que se refere à disputa majoritária, considerando-se que o primeiro colocado obteve 51,75% dos votos válidos do certame, é o caso de aplicação do artigo 224 do Código Eleitoral que prevê a renovação do pleito, na forma prevista no artigo 81, § 1º da Constituição Federal. Voto, pois, pelo provimento parcial do recurso. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 30 de agosto de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator 258 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 3 4 1 / 2 0 11 PETIÇÃO Nº 370-49.2011.6.05.0000 CLASSE 24 MUNICÍPIO: Entre Rios REQUERENTE: Reginaldo Nunes de Rezende. Adv.: Bel. Guttemberg Oliveira Boaventura. REQUERIDO: Partido Renovador Trabalhista Brasileiro - PRTB – Seção da Bahia. Adv.: Bel. Wallace Sertório. RELATOR: Juiz Carlos Alberto Dultra Cintra. Petição. Pedido de declaração de existência de justa causa. Grave discriminação pessoal. Não ocorrência. Indeferimento. Preliminar de carência da ação. Afasta-se a prefacial, porquanto comprovado nos autos que o requerente encontra-se regularmente filiado à agremiação partidária. Mérito. Ante a inexistência de grave discriminação pessoal, tendo em vista a ausência de elementos probatórios, indefere-se o pedido de declaração de ocorrência de justa causa, para fins de desfiliação partidária. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR e, no mérito, INDEFERIR O PEDIDO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 3 de outubro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência e Relator ; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de petição, interposta por Reginaldo Nunes de Rezende, na qual este requer a declaração judicial da existência de justa causa para Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 259 JURISPRUDÊNCIA sua desfiliação partidária, ao argumento de que sofreu e vem sofrendo grave discriminação pessoal por parte de integrantes da direção do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB de Entre Rios. O requerente alega que recebeu simulacro de processo disciplinar que, dentre outras cominações, opina pela desfiliação do ora autor, sob o único argumento de inadimplência com as contribuições mensais, sem que oportunizasse ao mesmo qualquer possibilidade de parcelamento do débito junto à tesouraria do partido. Por fim, afirma que requereu o seu registro individualmente, tendo o Partido da República o impugnado, além de ter se negado a fornecer os recibos eleitorais. Em sede de defesa (fls. 64/70), o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro suscita, em caráter preliminar, a carência da ação, porquanto o requerente teria sido expulso do partido, não sendo mais filiado, logo, não poderia ajuizar ação de desfiliação partidária. Ademais disso, no mérito, alega que o filiado, ora autor, infringiu as regras de fidelidade partidária descumprindo mandamento estabelecido no estatuto do partido, qual seja, o pagamento da contribuição mensal devida pelos filiados. Instado, o eminente Procurador Regional Eleitoral manifestou-se às fls. 112/116, pelo não acolhimento da preliminar aventada, e, no mérito, pelo indeferimento do pedido. É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE CARÊNCIA DA AÇÃO. Primeiramente, no que toca à preliminar aventada pelo requerido, entendo que não merece guarida. Da análise da certidão de fl. 105, é possível constatar que o requerente está regularmente filiado ao partido, sendo assim, não há que se falar em carência da ação. MÉRITO. Do cotejo dos autos, entendo que deve ser julgado improcedente o pedido contido na petição interposta por Reginaldo Nunes de Rezende, protocolizada sob o n. 10.443/2011. Com efeito, da análise do caderno processual, não vislumbro a suscitada discriminação pessoal, de modo a justificar o reconhecimento da justa causa e a consequente desfiliação do vereador do partido ao qual pertence. Para melhor entendimento do caso em apreço, é preciso individualizar pontualmente o fato que se discute nesta demanda, qual seja, o descum- 260 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA primento de mandamento contido no estatuto do partido, consubstanciado no não pagamento de contribuição mensal devida pelos filiados. Segundo o requerente, a discriminação pessoal encampada pela Grei decorre, em síntese, da não concessão de oportunidades para ultimar o parcelamento do débito junto à tesouraria do partido e, especialmente, do cerceamento de defesa durante a marcha do procedimento que culminou com a sua expulsão do partido. Não obstante o alegado pelo edil, é impossível vislumbrar o cerceamento de defesa aduzido, tendo em vista que, nestes autos, inexiste cópia integral do processo disciplinar instaurado e nenhum documento hábil para comprovar o quanto alegado. Muito pelo contrário, o acervo probatório apresenta elementos que demonstram que o autor fora notificado regularmente para se defender, conforme faz prova os documentos de fls. 75/80 (notificação e AR). Sob outra perspectiva, o partido possui respaldo para expulsar o filiado que não cumpra as regras estabelecidas no estatuto. Vejamos o que dispõem as normas deste texto normativo no que toca às medidas disciplinares a que estão sujeitos os filiados: “Art. 66 Aplicam-se as seguintes medidas disciplinares aos Dirigentes do Partido, aos Parlamentares detentores de mandato eletivo, aos ocupantes de cargo ou função pública, por indicação do Partido e aos filiados em geral: I – advertência reservada ou pública. II – Suspensão por 3 (três) a 12 (doze) meses. III – Impedimento ou cancelamento de registro de candidatura, caso seja candidato a cargo eletivo. IV – Destituição de função em Órgão Partidário. V – Expulsão do Partido. Parágrafo 2° - Poderão estar sujeitos às penas de suspensão, por períodos que vão de (três) a 12 (doze) meses, aqueles membros ou filiados supracitados no “Caput” desse artigo, que incorrerem ou infringirem o Programa ou o Estatuto Partidário nos seguintes procedimentos: [...] IV – O parlamentar que, no exercício do mandato, deixar de efetuar o pagamento de suas contribuições sobre os seus respectivos salários de remuneração e subsídios ao Órgão Partidário designado e comprovado, bancariamente, por auditoria. [...] X – A expulsão do Partido, tanto para membros dirigentes, parlamentares e filiados em geral é medida extrema, e ocorrerá, quando em qualquer dos casos citados, entre os incisos I e IX, parágrafo 2° do art. 66 desse Estatuto, a causa ou o fato gerador, o motivo ou o ato provocador, ou o dano caracterizado, forem graves e provocarem ou resultarem em prejuízo irreversível a integrantes do Partido ou ao próprio Partido”. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 261 JURISPRUDÊNCIA Destarte, da dicção da norma transcrita, é possível constatar que, a priori, o inadimplente que não cumpriu com sua obrigação pecuniária está sujeito à suspensão de três a doze meses. Entretanto, o próprio art. 66, §2°, inciso X, permite a expulsão do filiado ao Partido caso a conduta ou o dano forem graves e provocarem prejuízo irreparável. Dito isto, impende ressaltar que a decisão de fls. 87/90, emanada da Comissão de Ética Disciplinar Regional do PRTB, concluiu que a inadimplência representou grande prejuízo ao partido, por se tratar de agremiação que depende exclusivamente das contribuições de seus filiados. Desta forma, restou evidenciada a gravidade da conduta perpetrada. Portanto, a aferição da gravidade da infração é uma atribuição da agremiação e está pautada na legalidade, tendo em vista que a norma instituída no estatuto do grêmio político confere certo grau de discricionariedade à legenda. Outrossim, cumpre salientar que outras providências foram adotadas antes de se chegar à adoção da medida extrema, pois o requerente foi inscrito no SPC (fl. 28), empós, notificado (fls. 75/80) e, por fim, foi instaurado processo disciplinar. Aliás, cumpre destacar que o processo interno não foi amparado apenas no inadimplemento com a obrigação pecuniária. Conforme se extrai do documento de fls. 75/78, houve violação a outras normas, como: aquela que trata da defesa da identidade ideológica do partido e do respeito às suas diretrizes hierárquicas emanadas do estatuto; e aquela outra que cuida da determinação de que um terço dos respectivos cargos em comissão de seus gabinetes serão de indicação do grêmio partidário. Tem-se ainda que, a alegação de perseguição e discriminação pessoal do requerente não merece prestígio, pois, pelo que consta, a agremiação tem utilizado a mesma conduta em casos semelhantes, como ocorreu nos autos tombados sob o n° 369-64.2011. Por todo o exposto, ante a ausência de elementos capazes de configurar a justa causa, acompanhando o pronunciamento do Procurador Regional Eleitoral com assento nesta Corte, voto no sentido de julgar improcedente o pedido postulado na presente petição. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 3 de outubro de 2011. Carlos Alberto Dultra Cintra Juiz Relator 262 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 3 7 1 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº: 14.394-16.2008.6.05.0056 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Santo Antônio de Jesus RECORRENTE: Partido Verde – PV de Santo Antônio de Jesus. Advs.: Béis. Antônio Ferreira Leal e outros. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 56ª Zona. RELATORA: Juíza Mônica Aguiar. Recurso. Prestação de contas. Exercício de 2007. Desaprovação. Ausência de abertura de conta bancária. Irregularidade insanável. Comprometimento do efetivo controle da Justiça Eleitoral. Negativa de provimento. 1. A exigência atinente à abertura de conta bancária pelos partidos políticos, prevista no art. 14, “l” da Resolução TSE nº 21.841/04, é imprescindível para viabilizar o exame da movimentação financeira de valores. O descumprimento deste dever resulta na impossibilidade de ser aferida a veracidade das informações prestadas e, por conseguinte, conduz à desaprovação das contas; 2. Recurso a que se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto da Juíza Relatora, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 18 de outubro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - MÔNICA AGUIAR, Juíza Relatora - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto pelo Partido Verde contra decisão proferida pelo Juízo Eleitoral da 56ª Zona, que desaprovou as contas do Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 263 JURISPRUDÊNCIA seu Diretório Municipal em Santo Antônio de Jesus, alusivas ao exercício de 2007, por entender que não restou comprovada nos autos a movimentação financeira da agremiação. Em suas razões (fls. 127/129), o recorrente alegou, em síntese, que no ano de 2007 não recebeu repasse de cotas do fundo partidário, e sim, tão-somente, uma doação no valor de R$ 147,14 (cento e quarenta e sete reais e quatorze centavos), a qual teria sido devidamente escriturada e seria a única movimentação financeira ocorrida nesse exercício. Asseverou, ainda, que seu atual presidente tomou posse em janeiro de 2008, não podendo, pois, ser responsabilizado pela Administração anterior. A Secretaria de Controle Interno do Tribunal, de sua vez, pronunciou-se no sentido de que seja mantida a desaprovação das contas (fls. 139/140). Instado a se manifestar, o eminente Procurador Regional Eleitoral se posicionou no sentido do desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO Da análise dos autos, verifica-se que as irregularidades que motivaram a desaprovação das contas do recorrente foram as seguintes: 1.Ausência de abertura de conta bancária em nome do partido para a movimentação dos seus recursos financeiros; 2.Registro contábil que não reflete a real movimentação financeira no que concerne ao destino de uma doação no valor de R$ 147,14 (cento e quarenta e sete reais e quatorze centavos), informado como “pagamento ao Fundo Partidário – Executiva Estadual do Partido”, uma vez que se trata de institutos diversos. No que toca à doação da quantia de R$ 147,14, observa-se que, não obstante tenha havido falhas na escrituração, restou comprovado que o valor foi transferido para o órgão estadual da agremiação (fl. 81), em razão do que este vício não possui o condão de macular as contas. O mesmo não se pode dizer quanto à ausência de abertura de conta bancária, uma vez que este vício, por si só, reveste-se de gravidade suficiente para ensejar a desaprovação das contas. Neste passo, é oportuno salientar que o Tribunal Superior Eleitoral, usando das atribuições que lhe confere a norma contida no art. 61 da Lei nº 9.096/95, regulamentou, por meio da Resolução TSE nº 21.841/04, a forma como as contas devem ser prestadas pelos partidos políticos. Assim é que a norma insculpida no art. 14, II, “l” da mencionada resolução instituiu, dentre outras exigências, a da apresentação da relação de contas bancárias 264 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA abertas, com a indicação do número respectivo, da instituição bancária e da agência, com o respectivo endereço, bem como a indicação específica da conta destinada exclusivamente à movimentação dos recursos oriundos do fundo partidário e da destinada à movimentação dos demais recursos. Não é preciso muito esforço para se concluir que a abertura das contas é imprescindível para viabilizar a aplicação de várias das normas contidas na citada resolução, especialmente no que diz respeito à movimentação financeira ou à sua ausência. Obviamente, sem que existam contas abertas, não há como serem exibidos extratos bancários, o que retira qualquer possibilidade de que seja procedido a um exame mínimo a respeito da regularidade dos atos praticados na gestão dos recursos. Registre-se, ainda, que a alegação apresentada pelo partido – de que não houve movimentação financeira no ano de 2007 – para justificar a omissão quanto à abertura da conta bancária não procede, haja vista que é evidente a probabilidade de existirem diversas operações não registradas, cujos custos são perfeitamente estimáveis em dinheiro. É o que se dá, por exemplo, com as despesas atinentes ao próprio funcionamento da agremiação, como o eventual aluguel de um imóvel ou o pagamento do consumo de energia elétrica, as quais, ainda que custeadas com doações, deveriam ter sido contabilizadas. No particular, não há nos autos dados mínimos que permitam seja aferida a forma de custeio do funcionamento da agremiação no exercício de 2007. Conclui-se, pois, que o recorrente descumpriu normas cogentes do sistema jurídico eleitoral e, com isso, inviabilizou a atividade fiscalizatória do Poder Judiciário Eleitoral, impossibilitando a aferição da veracidade das informações prestadas. Por outro lado, a circunstância de o atual presidente do partido haver tomado posse em janeiro de 2008 não socorre o recorrente, haja vista que as contas ora julgadas são do partido e não da pessoa que o representa, em razão do que este fato é irrelevante para interferir na conclusão do julgamento. Ante o exposto, em consonância com a posição externada pela Procuradoria Regional Eleitoral, voto no sentido de que seja negado provimento ao recurso. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 18 de outubro de 2011. Mônica Aguiar Juíza Relatora Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 265 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 3 9 8 / 2 0 11 PETIÇÃO PROCESSO Nº 5-92.2011.6.05.0000 CLASSE 24 MUNICÍPIO: Salvador REQUERENTE: José Carlos de Jesus Rodrigues. Advs.: Béis. Milton de Cerqueira Pedreira e Gabriel Portella Fagundes Neto. REQUERIDOS: Sérgio Barradas Carneiro (Advs.: Béis. Sérgio Barradas Carneiro e Ricardo Luiz Serra Silva); PRB – Seção da Bahia (Adv.: Bel. Anderson George de Lima Casé); Joseph Wallace Faria Bandeira (Advs.: Béis. Antônio José Guerra, Maurício Damasceno Pereira e Adgasito Guerra Filho); Acelino Freitas (Advs.: Béis. Átila Brandão de Oliveira, Rodrigo Andrade de Almeida e outros) e PT – Seção da Bahia (Advs.: Béis. Sara Mercês dos Santos e Luís Vinícius de Aragão Costa). RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. Requerimento. Deputado Federal nomeado Ministro. Vacância. Preenchimento da vaga. Direito assegurado ao 1º Suplente da Coligação e não do Partido. Indeferimento. Preliminares de ilegitimidade ativa ad causam e de ausência de interesse jurídico. Candidato que ficou em segundo lugar em número de votos para determinado cargo em seu partido e, em tese, encontra-se na iminência de assumir cargo eletivo, tem legitimidade e interesse para propor ação que, supostamente, poderá lhe beneficiar, razão pela qual rejeitam-se as preliminares. Mérito. Indefere-se pedido formulado por primeiro suplente do partido ao qual Deputado Federal nomeado Ministro pertence, devendo ser convocado o primeiro Suplente da coligação formada à época da eleição. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER AS PRELIMINARES e INDEFERIR O PEDIDO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. 266 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 7 de novembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral . RELATÓRIO Cuida-se de requerimento formulado por José Carlos de Jesus Rodrigues, candidato ao cargo de Deputado Federal pelo PP nas eleições de 2010, ocupante da primeira suplência do partido e quinta colocação na linha de suplência da coligação, no qual pleiteia sua diplomação no aludido cargo, a fim de suprir a vaga deixada pelo Deputado Federal Mário Negromonte, seu co-partidário, em decorrência de sua investidura no cargo de Ministro das Cidades. Requereu, ainda, o peticionante, a agilização no julgamento das suas contas de campanha, tendo em vista ser esta condição indispensável para sua diplomação. Fundamentou seu pedido em julgamento do Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 29.988, realizado em 09/12/2010, no qual o Ministro Relator Gilmar Mendes entendeu que “o mandato parlamentar pertence também ao partido político” e que, “ocorrida a vacância, o direito de preenchimento da vaga é do partido político detentor do mandato, e não da coligação partidária já não mais existente como pessoa jurídica”. Instado, o Ministério Público Eleitoral pugnou pela indeferimento do pedido (fls. 12/14). Às fls. 15/16, o requerente atravessou petição, reiterando os pedidos formulados. À fl. 24, este relator determinou que o requerente providenciasse a citação dos partidos políticos integrantes da Coligação pela qual concorreu, assim como dos suplentes que obtiveram melhor classificação que a sua dentro da referida aliança partidária, inclusive daquele que foi convocado para substituir o Deputado Federal Mário Negromonte. Sérgio Barradas Carneiro manifestou-se às fls. 49/53, afirmando não merecer agasalho a pretensão do autor, porque lastreada em decisão provisória e desprovida de amparo legal, asseverando que, nos termos do art. 112, I do Código Eleitoral, “os candidatos suplentes são aqueles mais votados pela coligação e não aqueles pertencentes às listas dos partidos”. O Partido Republicano Brasileiro – PRB, por seu turno, requereu, preliminarmente, o sobrestamento do feito até o julgamento do Mandado de Segurança nº 30.321, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, contendo partes, pedido e causa de pedir idênticos aos dos presentes autos. No mérito, Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 267 JURISPRUDÊNCIA sustenta que tanto o TRE da Bahia quanto a Câmara dos Deputados agiram de acordo com a lei e a jurisprudência pátria ao diplomar Acelino de Freitas, filiado ao PRB, no aludido cargo, uma vez que este foi o suplente mais bem votado da coligação. Joseph Wallace Faria Bandeira, em sua defesa, argui as preliminares de ilegitimidade ativa e de extinção do processo pela perda do objeto. Quanto à matéria de fundo, sustenta que, segundo as normas eleitorais vigentes, “havendo vacância da titularidade, o suplente a ser convocado é o primeiro da coligação extinta”, destacando a inaplicabilidade dos precedentes apontados na petição inicial por tratarem de situação distinta da dos autos. Acelino Freitas, em sua peça contestatória, levanta as preliminares de ilegitimidade ativa ad causam e de inexistência de interesse de agir. Quanto à questão meritória, pugna pelo indeferimento do pedido, sob o argumento de que, “a despeito da cessação do caráter de representação partidária substitutiva, (...) afiguram-se válidos em todos os termos e para todos os efeitos, até o final da legislatura os demais efeitos, em especial o direito de exercício à suplência, segundo a ordem nominal de votos objeto da lista encaminhada por este tribunal à Câmara dos Deputados, na hipótese de licenciamento do titular”. Finalmente, o Partido dos Trabalhadores – PT, invocando o princípio da segurança jurídica, manifestou-se no sentido da improcedência do pedido. À fl. 199, o Procurador Regional Eleitoral reiterou integralmente o pronunciamento anterior. É o relatório. VOTO DO PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO. Inicialmente, impõe-se esclarecer que, embora tramite no Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 30.321, versando sobre os mesmos fatos e no qual figuram as mesmas partes dos presentes autos, não há que se falar em sobrestamento do feito até o julgamento daquele mandamus, tendo em vista o princípio da celeridade, vetor desta Justiça Especializada. À vista disso, impõe-se o indeferimento do pedido. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. As preliminares em epígrafe, suscitadas sob o argumento de que o partido político é o único legitimado e interessado em integrar o pólo ativo da presente demanda, não merece prosperar. Com efeito, o candidato que ficou em segundo lugar em número de votos para determinado cargo em seu partido e, em tese, se encontra na 268 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA iminência de assumir cargo eletivo, tem legitimidade e interesse para propor ação que, supostamente, poderá lhe beneficiar. Rejeitam-se, portanto, as preliminares. MÉRITO. José Carlos de Jesus Rodrigues, candidato ao cargo de Deputado Federal pelo PP nas eleições de 2010, ocupante da primeira suplência do partido e quinta colocação na linha de suplência da coligação, pretende ser diplomado no aludido cargo, suprindo, assim, a vaga deixada pelo Deputado Federal Mário Negromonte, seu co-partidário, em decorrência de sua investidura no cargo de Ministro das Cidades. Em que pesem os argumentos lançados na inicial, razão não assiste ao requerente. Inicialmente, impõe-se pontuar que o caso dos autos não se refere a qualquer das situações ensejadoras de perda de mandato – tais como abandono do cargo, infidelidade partidária, renúncia ou morte do parlamentar. Trata-se, em verdade, de hipótese de vacância de cargo, prevista no art. 56, inciso I da Constituição Federal, que dispõe, in verbis: Art. 56 – Não perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – Investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária; O parágrafo primeiro do aludido dispositivo constitucional, por seu turno, estatui: § 1º - O suplente será convocado nos casos de vaga, de investidura em funções previstas neste artigo ou de licença superior a cento e vinte dias. Em sendo assim, o afastamento em questão – para investidura em cargo de Ministro de Estado – é hipótese de licenciamento, de caráter reversível e não definitivo, configurando opção política levada a efeito, via de regra, com a anuência do partido ao qual o parlamentar é filiado. Como bem observou o Ministério Público Eleitoral, cuida-se de situação que “em lugar de ‘desfalcar’ a Agremiação (...), projeta-a com mais força e visibilidade ao cenário político-governamental”. Não há que se falar, portanto, em perda do cargo, visto que o vínculo entre o titular e o parlamento são mantidos, razão por que se revela inaplicável a regra segundo a qual, verificada a vacância, o direito de preenchimento da vaga é do partido político detentor do mandato, e não da coligação constituída para aquele pleito. Não é a assunção definitiva do mandato que está Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 269 JURISPRUDÊNCIA em pauta, e sim a quem cabe o direito ao exercício da suplência enquanto o seu titular se encontrar licenciado. Dito isso, afigura-se cristalina a inadequação do precedente invocado pelo requerente na petição inicial, pois ali, diversamente do caso dos autos, tratava-se de renúncia de parlamentar. Fixadas essas premissas, mostra-se oportuno destacar que, malgrado o caráter temporário da coligação, o agrupamento partidário decorre de ato de vontade das agremiações que a integram, que o fazem visando uma melhor condição de disputa eleitoral que aquela que teriam caso concorressem isoladamente, já que, coligados, os partidos agregados têm possibilidade de registrar maior número de candidaturas – majorando, consequentemente, o quociente eleitoral; têm maior tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão; apenas para citar algumas das vantagens da formação da coligação. Isto posto, não resta dúvida de que na presente hipótese a titularidade do direito em questão é do primeiro na linha de suplência no âmbito da coligação, à qual, nos estritos termos do art. 6º, § 1º da Lei nº 9.504/97, são atribuídas “as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral”, funcionando “como um só partido no relacionamento com a Justiça eleitoral e no trato dos interesses interpartidários”. Por essas razões, julgo improcedente o pedido. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 7 de novembro de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator 270 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 4 0 4 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº: 12.338 (15-10.2009.6.05.0148) CLASSE 30 MUNICÍPIO: Itanhém RECORRENTE: Zulma Pinheiro dos Santos Vaz. Advs.: Béis. Julimar da Silva Fernandes e Jucimar da Silva Fernandes. RECORRIDOS: Milton Ferreira Guimarães e Alfim Alves do Nascimento. Advs.: Béis. José Carlos Teixeira Pinto e Jônathas Bahia Teixeira. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 148ª Zona. RELATOR: Juiz Wanderley Gomes. REVISOR: Juiz Josevando Souza Andrade Recurso eleitoral. AIME. Agravo retido. Decisão que reconheceu litispendência e coisa julgada. Inocorrência. Provimento. Retorno dos autos à origem. Dá-se provimento a agravo retido para reformar a decisão que reconheceu, equivocadamente, a ocorrência de litispendência e coisa julgada, para determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular processamento. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 7 de novembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS, Juiz-Presidente - WANDERLEY GOMES, Juiz Relator - SIDNEY PESSOA MADRUGA, Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de recurso eleitoral interposto por ZULMA PINHEIRO DOS SANTOS, em face de MILTON FERREIRA GUIMARÃES e de ALFIM ALVES DO NASCIMENTO, contra sentença proferida pelo Juiz Eleitoral da 148ª Zona/Itanhém, que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo, ajuizada sob alegação de fraude e abuso dos poderes econômico e político. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 271 JURISPRUDÊNCIA Inicialmente, insta assinalar que o Magistrado zonal, inaudita altera parte, julgou extinta a ação, com resolução do mérito, em razão da ocorrência da decadência (fls. 307/312). Inconformada, a impugnante interpôs recurso, ao qual esta Corte deu provimento, determinando o retorno dos autos à origem, para o regular processamento, por entender que a demanda fora manejada dentro do prazo decadencial, para a propositura da AIME, considerando o teor do artigo 184 do Código de Processo Civil1. Após a apresentação da contestação e da réplica, foi designada audiência de instrução e julgamento, ocasião em que o Juiz zonal reconheceu a ocorrência de coisa julgada e litispendência, em relação aos seguintes fatos: 1) utilização de bens públicos móveis e imóveis sem contraprestação; 2) omissão de doações em dinheiro por meio de órgão da Administração Pública Municipal, concessionário de serviços públicos, com convite para a população de Itanhém comparecer ao ginásio de esportes no dia 30 de julho de 2008, às 19:00 horas, para debate público que, por sua vez, não ocorreu, configurando artifício para induzir o eleitor; 3) utilização do galpão multiuso no Distrito de Ibirajá, para a realização de debates entre os candidatos no dia 30 de julho de 2008; 4) utilização da ASSOCIARTE – Associação dos Artesão de Itanhém, que funciona no prédio da Secretaria da Agricultura e Meio ambiente de Itanhém; 5) Utilização de pá mecânica do Município, para auxiliar nos preparativos do comício dos impugnados; 6) utilização dos veículos que fazem transporte escolar da rede municipal para transportar partidários, correligionários e simpatizantes, após a realização do referido comício; 7) utilização de música Bem-te-vi, de composição de Paulinho Pedra Azul, em alusão ao apelido do primeiro impugnado, em festa de comemoração dos 50 anos da cidade de Itanhém. Segundo o Magistrado a quo, tais fatos teriam sido apreciados na Representação n.º 182/2008, e estariam sendo analisados nos autos da prestação de contas n.º 329/2008. Assim, entendeu que restariam, apenas, a serem analisados os seguintes fatos: 8) utilização de 15 ônibus de empresa de concessionária de serviço público, qual seja a empresa Viação Santa Clara; 9) utilização de 100 pessoas vestidas com as cores amarela e vermelho na rodoviária, visando a captação de votos; 10) mudança de trajetos e horários no transporte de eleitores às vésperas das eleições, sem os fiscais da coligação da impugnante, em relação ao assentamento São Geraldo (Distrito de Batinga) e Itanhém. Contra aquela decisão, a impugnante interpôs o agravo retido de fl. 455. Concluída a instrução, a sentença de piso foi proferida no sentido de julgar improcedente o pedido formulado na inicial, por ausência de provas das acusações. 1 272 Acórdão n.º 903/2009. Relator Juiz Renato Reis Filho, fls. 335/349. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Em suas razões recursais, a recorrente pugna, preliminarmente, pelo conhecimento e provimento do agravo retido, para que seja determinado o retorno dos autos ao Juízo de origem, a fim de seja dado prosseguimento à instrução dos pontos controversos retirados da presente lide, pelo reconhecimento da coisa julgada e da litispendência. No mérito, insta pelo provimento do recurso, defendendo que o conjunto probatório dos autos é robusto e hábil a comprovar as condutas imputadas aos impugnados. Em contrarrazões de fls. 511/514, os recorridos salientaram que o agravo retido deve ser desprovido, uma vez que os fatos deduzidos na presente ação foram objeto da representação eleitoral, tombada sob o n.º 182/2008. Quanto à questão de fundo, protestaram pela manutenção integral da sentença, aduzindo a inexistência de prova acerca das acusações contra si lançadas na peça vestibular. Com vista dos autos, o Procurador Regional Eleitoral opinou pelo provimento do agravo retido, para que seja o processo anulado a partir da audiência de instrução, com a determinação do retorno dos autos ao Juízo de origem, a fim de que seja retomado o prosseguimento regular do feito. É o relatório, que ora submeto à apreciação revisional. VOTO Adoto como relatórioo o de fls. 526/528. AGRAVO RETIDO. Depreende-se da análise dos autos, que assiste razão ao agravante ao pugnar pela reforma da decisão que reconheceu a ocorrência de coisa julgada e litispendência em relação aos fatos elencados nos itens 1 a 7 do relatório. Com efeito, ao contrário do quanto salientado no decisum impugnado, conquanto se reconheça a parcial identidade fática entre a presente ação e a Representação nº 182/2008, as demandas diferenciam-se quanto às partes e aos pedidos. Na ação em exame, a impugnante formulou em relação a Milton Ferreira Guimarães e Alfim Alves do Nascimento pedido de desconstituição de seus mandatos e a declaração de nulidade dos diplomas que lhes foram outorgados, bem como a convocação imediata dos segundos colocados nas eleições municipais ocorridas em 2008, para assumirem a chefia do Poder Executivo Municipal. Em consulta ao Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos – SADP, verifica-se que a Representação nº 182/2008, por sua vez, foi ajuizada pela Coligação AVANÇA ITANHÉM, que sequer integra a presente AIME, restando já aí evidenciada a diversidade de partes. Em Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 273 JURISPRUDÊNCIA se tratando de ação de investigação judicial eleitoral, tem-se, ainda, outro elemento diferenciador, qual seja, a inelegibilidade como consequência da eventual procedência da demanda. Observa-se, assim, que não existe a tríplice identidade entre as ações, de modo que resta afastada a hipótese de ocorrência de coisa julgada. O mesmo se diga em relação à suposta litispendência entre esta AIME e a Prestação de Contas nº 329/2008. Aqui é manifesta a inexistência de correspondência entre os elementos das demandas, não se afigurando sequer razoável comparar uma ação de impugnação de mandato eletivo com o procedimento de jurisdição voluntária de prestação de contas, porquanto absolutamente distintos os pedidos e as causas de pedir. Pela sua relevância, é de todo pertinente trazer à baila as lições de Humberto Theodoro Júnior, sobre o tema: “Referindo-se à litispendência e à coisa julgada, nosso Código de Processo Civil dispõe que ‘uma ação (rectius: causa) é idêntica á outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido’ (art. 301, §2°). (...). Para que as partes sejam as mesmas, impõe-se que seja idêntica a qualidade de agir jurídica nos dois processos. (...). O pedido, como objeto da ação, equivale à lide, isto é, à matéria sobre a qual a sentença de mérito tem de atuar.(...); A causa de pedir, que identifica uma causa, situa-se no elemento fático e em sua qualificação jurídica. Ao fato em si mesmo dá-se a denominação de ‘causa remota’ do pedido; e à sua repercussão jurídica, a de causa próxima do pedido. Para que sejam duas causas tratadas como idênticas é preciso que sejam iguais tanto a causa próxima como a remota (...)”. (Júnior, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, RJ: Editora Forense, 2005, págs. 72/73). Com mais forte razão, o Tribunal Superior Eleitoral já assentou o entendimento de que as ações eleitorais são autônomas, porquanto fundadas em causa de pedir próprias e consequências distintas, senão vejamos: RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA. AFASTAMENTO. OFERECIMENTO DE SERVIÇOS DE FRETES GRATUITOS A ELEITORES EM COMITÊ ELEITORAL DE CANDIDATO. I - Não há litispendência entre as ações eleitorais, ainda que fundadas nos mesmos fatos, por serem ações autônomas, com causa de pedir própria e consequências distintas, o que impede que o julgamento favorável ou desfavorável de alguma delas tenha influência sobre as outras. Precedentes do TSE. [...] IV - Recurso provido. 274 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a preliminar de litispendência e proveu o Recurso, nos termos do voto do Relator. (RCED - Recurso Contra Expedição de Diploma nº 696 Goiânia/GO. Acórdão de 04/02/2010. Relator Min. Ricardo Lewandowski. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 62, Data 05/04/2010, Página 207). ELEIÇÕES 2006. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ART. 262, IV, DO CÓDIGO ELEITORAL. DEPUTADO FEDERAL. DEPUTADO ESTADUAL. ALBERGUES. HOSPEDAGEM GRATUITA. FINALIDADE ELEITORAL. AUSÊNCIA. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESCARACTERIZAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. LITISPENDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. [...]. 2. A representação prevista na Lei nº 9.504/97, a ação de impugnação de mandato eletivo, a ação de investigação judicial eleitoral e o recurso contra expedição de diploma, são autônomos, possuem requisitos legais próprios e consequências distintas, não havendo falar em litispendência. 3. [...]. 4. [...]. 5. Recurso desprovido. O Tribunal, por unanimidade, desproveu o Recurso, nos termos do voto do Relator. (RCED - Recurso Contra Expedição de Diploma nº 729 - Porto Alegre/RS. Acórdão de 18/08/2009. Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 178, Data 18/09/2009, Página 16). Grifos nossos. Nessa direção, no encalço do opinativo ministerial, voto no sentido de dar provimento ao agravo retido, determinando o retorno dos autos à instância a quo, a fim de que seja dado regular processamento ao feito, apreciando-se as condutas retiradas da presente lide, pelo equivocado reconhecimento da coisa julgada e da litispendência. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 7 de novembro de 2011. Wanderley Gomes Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 275 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 4 1 2 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSONº 10-21.2008.6.05.0162 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Madre de Deus RECORRENTE: Coligação É TRABALHO DE VERDADE. Advs.: Béis. José Souza Pires e Luiz Augusto da Costa Montal. RECORRIDOS: Eranita de Brito Oliveira (Advs.: Béis. Ademir Ismerim e Lílian Maria Santiago Reis) e Edmundo Antunes Pitangueira. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 162ª Zona/São Francisco do Conde. RELATORA: Juíza Mônica Aguiar. Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Extinção do processo sem resolução do mérito. Ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo. Intimação para correção da falha. Defeito no ato intimatório realizado. Provimento. Invalidação da sentença. Retorno dos autos com a determinação de que seja renovado o ato de comunicação. Deve ser invalidada a sentença que extingue o processo sem resolução do mérito quando constatado que a intimação para o saneamento de pressuposto processual de desenvolvimento válido do processo foi direcionada a advogados que não mais representavam a parte, donde sobressai o defeito do ato intimatório realizado. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto da Juíza Relatora, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 8 de novembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; MÔNICA AGUIAR-Juíza Relatora;SIDNEY PESSOA MADRUGA-Procurador Regional Eleitoral. 276 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto pela Coligação É TRABALHO DE VERDADE contra sentença (fl. 1.016) que, nos autos da ação de investigação judicial eleitoral autuada sob o nº 10-21.2008.6.05.0162, ajuizada pela recorrente em desfavor da Eranita de Brito Oliveira e Edmundo Antunes Pitangueira, extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fulcro nos arts. 47, parágrafo único e 267, IV do CPC, ante a ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo. A demanda foi proposta inicialmente pela recorrente contra a primeira recorrida, sob a alegação de que esta teria praticado abuso de poder político e econômico, além de condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral de 2008. Após a instrução do feito, o magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente a demanda para condená-la ao pagamento de multa no valor de cinco mil UFIR, além de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, no valor de um mil reais, e determinar o restabelecimento de funções gratificadas dos servidores Carla Virgínia Santos e Francis Luiz Costa Junior (fls. 752/759). Contra esta decisão, ambos os pólos da relação jurídica processual interpuseram recurso (fls. 801/816 e 819/845). O Tribunal, por sua vez, reconhecendo o litisconsórcio passivo necessário entre a prefeita, Eranita de Brito Oliveira, e o seu vice, Edmundo Antunes Pitangueira, invalidou os atos processuais praticados pelo juízo de primeiro grau dos quais deveria ter participado o vice-prefeito e determinou o retorno dos autos à instância a quo para que fosse ordenada a intimação da parte autora a fim de que esta promovesse a inclusão do vice-prefeito no pólo passivo da relação processual (fls. 955/969). Em despacho proferido à fl. 1.003, o juiz zonal determinou a intimação das partes para a regularização da representação processual e, em seguida, a citação da parte ré, ordenando à autora a inclusão do vice-prefeito no pólo passivo. Ato contínuo, o cartório eleitoral emitiu certidão atestando que deixou de citar o vice-prefeito, Edmundo Antunes Pitangueira, em virtude de a parte autora não ter apresentado cópia da petição inicial (fl. 1.010). Intimada para apresentar o documento aludido, a autora quedou-se inerte (fls. 1.013 e 1.015), com o que ensejou a extinção do processo sem resolução do mérito (fl. 1.016). Em suas razões (fls. 1.021/1.026), alega a recorrente, em síntese, que as intimações – tanto a da decisão que extinguiu o processo quanto a do despacho que determinou a apresentação de cópia da petição inicial para citar o vice-prefeito – são nulas, porquanto foram efetuadas em nome de ad- Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 277 JURISPRUDÊNCIA vogados que não mais detinham poderes nos autos, haja vista que, após a publicação do acórdão deste Tribunal, que determinou a retorno do processo à instância a quo para citação do vice-prefeito, a parte autora protocolizou petição por meio da qual constituiu novo advogado, revogando, assim, os poderes anteriormente outorgados aos demais causídicos. Por sua vez, em contrarrazões (fls. 1.063/1.065), a recorrida pugna pela manutenção da decisão, ao argumento de que as intimações ocorreram em nome do Bel. Luiz Augusto da Costa Montal, o qual colacionou aos autos procuração outorgando-lhe poderes às fls. 1.003 e 1.008. Instada, a Procuradoria Regional Eleitoral se pronunciou no sentido do provimento do recurso para nulificar a decisão recorrida, determinandose, por conseguinte, o retorno dos autos ao Juízo de origem, a fim de que se renove o ato intimatório, considerada, no momento de sua deflagração, a representação processual presente nos autos. É o relatório. VOTO Da análise dos autos, verifica-se que, em 29/03/2011, a parte autora – ora recorrente -, em obediência ao despacho de fl. 1.003, requereu a citação do vice-prefeito, Edmundo Antunes Pitangueira, em petição subscrita pelo Bel. José Souza Pires, acompanhada de procuração na qual ele é constituído novo patrono da parte e onde também consta o seguinte: “com poderes extensivos ao Bel. Luiz Augusto da Costa Montal”. Destarte, tendo em vista o entendimento firmado no âmbito do STJ no sentido de que “há revogação tácita de mandato com a constituição de novo procurador sem ressalva do instrumento procuratório anterior” (STJ.RMS nº 23672, DJE de 21/06/2011), é forçoso convir que houve total alteração da representação processual da recorrente, em razão do que o Bel. José Souza Pires passou a ser o seu novo patrono, com poderes estendidos a um dos advogados que já integrava a representação anterior, qual seja, Luiz Augusto da Costa Montal. A questão fulcral do presente recurso reside, pois, em aferir se as publicações promovidas no Diário da Justiça Eletrônico retratam o novo cenário de representação processual da recorrente, de sorte que os atos de comunicação referidos estejam em compasso com o devido processo legal. Sucede que a intimação da parte autora da demanda - não obstante a nova procuração acostada aos autos (fl. 1.008) - ocorreu em nome dos quatro advogados anteriormente constituídos, conforme se depreende das publicações realizadas em 01/04/11 e 28/04/11, respectivamente (fls. 1.009 e 1.014). A peculiaridade do caso, todavia, decorre da circunstância de que Luiz Augusto Costa Montal integrava a representação anterior e continuou a integrá-la com a nova procuração acostada aos autos, que estendeu a ele os poderes que foram concedidos ao Bel. José Souza Pires. Foi justamente nesta questão que se embasou o decisum vergastado, para entender que a intimação teria alcançado sua finalidade. 278 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Entretanto, não se pode desconsiderar o fato de que o cartório eleitoral deixou de observar a alteração promovida na representação processual da parte autora e, por conseguinte, a intimação foi dirigida a três advogados que não mais possuíam poderes de representação nos autos. Em contrapartida, omitiuse o nome do principal causídico da parte, qual seja, o Bel José Souza Pires, o qual, inclusive, foi o único subscritor das últimas manifestações da recorrente no processo. Neste ponto, vale transcrever as lúcidas palavras do Parquet, quando, em seu opinativo, asseriu: Não se pode, portanto, ter como válido o ato intimatório publicado em nome dos representantes pretéritos, ainda mais quando um dos patronos anteriores permaneceu à frente da representação processual da parte ao ‘acaso’, de forma quase que subsidiária, advirta-se. O entendimento perfilhado pelo Ministério Público Eleitoral, do qual comungo integralmente, está em consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Demais disso, há que se levar em conta o princípio da confiança, o qual conferiu ao principal patrono - com a apresentação da nova procuração - a certeza de que, a partir daquele momento, seria intimado de todos os atos do processo. Por fim, não menos importante é a violação ao princípio da proporcionalidade que, no caso, inegavelmente ocorreu, haja vista que a extinção de uma ação de investigação judicial eleitoral sem resolução do mérito é medida significativamente grave, sobretudo, se levado em conta o visível defeito no ato processual intimatório praticado. No particular, mais uma vez, peço vênia para transcrever as ponderações bem lançadas no opinativo ministerial, in verbis: Nessa perspectiva, por fim, insta destacar que as regras processuais se prestam a viabilizar a solução dos litígios de maneira a proteger direitos ameaçados ou aviltados por atos de ilicitude, pelo que não podem descambar para o ‘fetichismo’, a ‘forma pela forma’. Pelo exposto, em consonância com a posição externada pela Procuradoria Regional Eleitoral, voto no sentido de que seja dado provimento ao recurso para invalidar a decisão recorrida e determinar o retorno dos autos à instância originária para que se renove o ato intimatório, considerando, no momento de sua efetivação, a representação processual das partes nos autos. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 8 de novembro de 2011. Mônica Aguiar Juíza Relatora Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 279 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 4 1 4 / 2 0 11 PETIÇÃO PROCESSO Nº 490-92.2011.6.05.0000 CLASSE 24 MUNICÍPIO: Ipiaú REQUERENTE: Jaldo Coutinho Brandão. Adv.: Bel. Genivaldo Santana Lins. REQUERIDO: Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, Seção da Bahia. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. Ação de declaração de existência de justa causa. Desfiliação partidária. Resolução TSE nº 22.610/2007. Grave discriminação pessoal. Não configuração. Improcedência. Julga-se improcedente ação de declaração de justa causa, quando o requerente não comprova a grave discriminação pessoal de que diz ter sido vítima por parte da agremiação pela qual se elegeu, afastando, assim, a hipótese prevista no art. 1º, § 1º, inciso IV da Res. TSE nº 22.610/2007. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 8 de novembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de pedido de declaração de existência de justa causa para desfiliação partidária requerido por Jaldo Coutinho Brandão, em desfavor do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB, com fundamento no art. 1º, §1º, incisos III e IV da Resolução TSE nº 22.610/2007. De acordo com a inicial, o requerente, vereador eleito no pleito de 2008 no Município de Ipiaú pelo partido requerido, estaria sofrendo diversos 280 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA atos de discriminação por parte de co-partidários seus, em especial do Sr. Deraldino Alves Araújo, Prefeito daquela localidade que, em razão da fiscalização exercida pelo requerente na condição de vereador ao chefe do Poder Executivo, teria “perseguido sistematicamente” o autor, que passou a ser “excluído de reuniões”, “alvo de piadas, calúnias, difamações e até ameaça de expulsão do partido.” Afirma ter se tornado insustentável sua permanência no quadro de filiados do PMDB, caracterizada a hipótese de “perseguição injustificável, a denominada grave discriminação pessoal autorizadora da desfiliação partidária”, asseverando, ainda, ter comunicado, através de cartas, a situação relatada ao diretório local da agremiação. Às fls. 101/102, verificando a ausência dos requisitos específicos para a concessão da tutela antecipada requestada, indeferi tal pleito, determinando a citação do requerido que, embora regularmente notificado, quedou-se silente (fl. 106). Remetidos os autos ao Procurador Regional Eleitoral, este se manifestou pelo indeferimento do pedido (fl. 108). É o relatório. VOTO A Resolução TSE nº 22.610/2007, que disciplina o processo de justificação de desfiliação partidária prevê, em seu art. 1º, § 1º, as seguintes hipóteses para configuração de justa causa: a) incorporação ou fusão do partido; b) criação de novo partido; c) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; d) grave discriminação pessoal. No caso dos autos, o requerente pretende legitimar judicialmente sua desfiliação dos quadros da agremiação requerida, ao argumento de que foi vítima de grave discriminação e perseguição pessoal levada a efeito através de atos de exclusão, inicialmente perpetrados pelo prefeito, e em momento subsequente, por outros co-partidários ligados ao Chefe do Executivo, de quem teria sido “alvo de piadas, calúnias, difamações e até ameaça de expulsão do partido”. Impõe-se ressaltar, antes de mais nada que, não raro, a disputa intrapartidária provoca a exaltação de ânimos, que se traduzem em discussões acaloradas, o que é perfeitamente aceitável, porquanto a confrontação de idéias faz parte do próprio processo político democrático. É natural e salutar que no seio de uma associação de pessoas haja divergências internas, motivadas pelo conflito de objetivos, aspirações e ideais, contexto no qual se incluem as agremiações político-partidárias. Reflexo da própria sociedade, o partido político é a união de pessoas que, em princípio, comungam dos mesmos interesses, mas que poderão, induSemest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 281 JURISPRUDÊNCIA bitavelmente, possuir aspirações políticas distintas, traduzidas por embates internos, podendo até resvalar em críticas mútuas, desde que respeitados certos limites de razoabilidade e respeitabilidade. Isto posto, evidentemente não se pode entender como aceitável a perseguição política, prática condenável que cerceia a liberdade de consciência do indivíduo. O art. 1º, IV da Resolução/TSE nº 22.610/07 tem por escopo justamente proteger o filiado de situações em que ele é injustificadamente preterido no seio da agremiação partidária a qual está vinculado. Esse é o espírito da lei. Na presente hipótese, o requerente alegou que sua relação com o PMDB começou a se tornar conflituosa em razão da divergência política entre aquele e o Chefe do Executivo a partir do momento em que o primeiro, na condição de vereador, passou a exercer sistemática fiscalização sobre os atos praticados pelo prefeito, notadamente a prestação de contas, os processos de pagamento, os contratos e licitações, motivando o comportamento discriminatório e persecutório deste último em relação à sua pessoa. Entretanto, compulsando os autos, observa-se que o requerido apenas limitou-se a aduzir genericamente que teria sofrido discriminação por parte do prefeito e alguns outros correligionários do seu partido, sem, entretanto, trazer qualquer prova capaz de levar à conclusão de que realmente tal fato teria ocorrido. É de se observar, que, embora o requerido tenha deixado transcorrer in albis o prazo para apresentação de defesa, a revelia não importa o reconhecimento automático da procedência do pedido, uma vez que a presunção de veracidade prevista como efeito material de sua ocorrência é relativa e não absoluta. Dessa forma, ao apreciar o requerimento formulado, cabe ao magistrado analisar as provas e alegações trazidas pela parte autora,valorando-as conforme seu próprio entendimento e convicção. Adune-se, por oportuno, que não há nos autos documento algum capaz de revelar a perseguição enunciada pelo requerente. A vasta documentação que acompanhou a inicial comprova, tão-somente, que: 1) o autor mantinha uma rigorosa atitude fiscalizadora em relação à gestão do Chefe do Executivo, pedindo, inclusive, em reiteradas ocasiões, providências ao Ministério Público local acerca dos atos reputados irregulares; e 2) que o peticionante comunicou ao Presidente do Diretório Municipal do PMDB seu estado de insatisfação com a administração exercida pelo requerido, oportunidade em que relatou, de maneira genérica, estar sendo “perseguido” e “ameaçado de expulsão do Partido”. Saliente-se que o fato de ter comunicado a suposta perseguição – repise-se, de maneira absolutamente genérica - ao dirigente partidário não 282 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA comprova que a conduta discriminatória efetivamente ocorreu. Não é demais repetir que singelas divergências e conjecturas, sem nenhum dado concreto que conduza à conclusão pela ocorrência de perseguição e/ou grave discriminação pessoal, não podem amparar uma alegação de justa causa capaz de justificar uma desfiliação partidária. Diante disso, mostra-se inadmissível que, de forma injustificada e sem qualquer prova convincente de evento de qualquer das causas autorizadoras de desfiliação elencadas no art. 1º, § 1º da Resolução TSE nº 22.610/2007, venha a ser alterada a representação partidária escolhida através das urnas. Nesse sentido, colhem-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais dos tribunais pátrios: 1. Fidelidade Partidária. Desfiliação sem justa causa. Procedência do Pedido. 2. Divergência entre filiados partidários no sentido de ser alcançada projeção política não constitui justa causa para desfiliação. 3. As causas determinantes da justa causa para a desfiliação estão previstas no art. 1º, § 1º, da Resolução nº 22.610/2007. 4. O requerido não demonstrou grave discriminação pessoal a motivar o ato de desfiliação. 5. Pedido procedente”. (PET nº 2.756 – Relator Min. José Augusto Delgado – DJE Diário da Justiça Eletrônico, Data 02/05/2008, Página 04). Feitos Diversos. Pedido de justificação de desfiliação partidária. Vereador. Eleições 2004. Resolução n. 22.610/2007/ TSE. Alegação de mudança substancial ou desvio reiterado no programa partidário. Não-comprovação. A mera oscilação de um órgão partidário municipal entre a situação e a oposição não configura justa causa para desfiliação. Alegação de grave discriminação pessoal. Não comprovada pelos depoimentos testemunhais. Verificação de meros desentendimentos e divergências políticas, comuns no âmbito interno dos partidos políticos. Improcedência do pedido. (TRE/MG - FD 10572007 Acórdão nº 2.900 – Relator Juiz Gutemberg da Mota e Silva - DJMG - Diário do Judiciário-Minas Gerais, Data 12/09/2008). (grifos aditados). Porque oportuno e perfeitamente aplicável à presente hipótese, peço vênia para transcrever excerto do judicioso voto da Desembargadora Cynthia Resende, Relatora do Acórdão TRE/BA nº 1.271, de 15.09.2009, que, apreciando situação semelhante, assim dispôs: Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 283 JURISPRUDÊNCIA “...não se trata aqui de impor àquele que, descontente com outros filiados da sua grei partidária, permaneça contra sua vontade vinculado a determinado partido político, mas de conferir plena eficácia a interpretação constitucional manifestada pela Máxima Corte de Justiça deste País quando do julgamento dos Mandados de Segurança nos 26.602, 26.603 e 26.604, oportunidade em que se decidiu que os mandatos parlamentares obtidos por via do sistema eleitoral proporcional pertencem aos partidos políticos, visando assim a assegurar que a representação parlamentar partidária permaneça - durante toda a legislatura - proporcionalmente fiel à representação partidária decidida pelo eleitor. Conforme o voto condutor da decisão, da lavra do ministro Celso de Mello, ‘a mudança de partido sem uma razão legítima viola o sistema proporcional das eleições, determinado no artigo 45 da Constituição, desfalcando a representação dos partidos e fraudando a vontade do eleitor. Isso porque as vagas obtidas por meio de quociente eleitoral pertencem ao partido, e não ao parlamentar’ (in Notícias STF, 05/10/2007).” À vista dessas considerações, inexistindo justa causa a fundamentar a desfiliação da agremiação partidária pelo qual foi eleito o requerente, voto pela improcedência do pedido formulado por Jaldo Coutinho Brandão. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 8 de novembro de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator 284 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 5 1 3 / 2 0 11 CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCESSO Nº 1.282-46.2011.6.05.0000 CLASSE 9 MUNICÍPIO: Salvador SUSCITANTE: Josevando Souza Andrade, Corregedor Regional Eleitoral. SUSCITADO: Juiz Carlos D’Ávila Teixeira. INTERESSADOS: Paulo Ganem Souto, Nilo Augusto de Moraes Coelho, Coligação A BAHIA MERECE MAIS (Advs.: Béis. Ademir Ismerim e outros); Jaques Wagner e Otto Roberto Mendonça de Alencar. RELATOR: Juiz Cássio Miranda. Conflito negativo de competência. Juiz Corregedor e Juiz Auxiliar. Ação de investigação judicial eleitoral por violação à Lei nº 9.504/97 e suposta prática de abuso de poder político. Conexão. Competência mais ampla atribuída à corregedoria. Hipótese de desmembramento afastada. Reconhecimento da competência do juiz corregedor suscitante. Preliminar de falta de interesse de agir. Inacolhe-se a preliminar arguida pelo Ministério Público Eleitoral, quando a mesma se confunde com o próprio mérito da demanda, não sendo possível, dessa forma, se falar em extinção do feito sem resolução de mérito. Mérito. A representação que se fundamenta em fatos que se amoldam, em tese, na prática da conduta vedada proscrita pela Lei nº 9.504/97 e no abuso de poder político, deve ser processada e julgada pelo Corregedor Eleitoral, por deter competência mais ampla do que aquela conferida ao juiz auxiliar, durante o período eleitoral, não sendo razoável o desmembramento previsto pela Res. TSE nº 23.193/10, haja vista a possibilidade de serem proferidas decisões contraditórias acerca da mesma situação fática. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, INACOLHER A PRELIMINAR, e no mérito, RESOLVER O Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 285 JURISPRUDÊNCIA CONFLITO E FIXAR A COMPETÊNCIA DO JUIZ CORREGEDOR REGIONAL ELEITORAL, nos termos do voto do Juiz Relator de fls. 60/65, que integra o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 24 de novembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz Presidente; CÁSSIO MIRANDA - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral RELATÓRIO Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juiz Josevando Souza Andrade, Corregedor Regional Eleitoral desta Corte, que entendeu não deter competência para processar e julgar a investigação judicial eleitoral ajuizada por Paulo Ganem Souto, Nilo Augusto Moraes Coelho e a Coligação “A Bahia merece mais”, em desfavor de Jaques Wagner e Otto Roberto Mendonça Alencar, pela prática de conduta vedada prevista pelo art. 73 da Lei n. 9.504/97, nas eleições de 2010. A referida Representação de nº 5122-98.2010.6.05.0000 fora remetida à Corregedoria, após a declinação do então Juiz Auxiliar Carlos D’Ávila Teixeira, sob o argumento de que, com o advento da Lei Complementar nº 135/10, que modificou a Lei Complementar nº 64/90, a inelegibilidade passou a ser aplicada também a todos os agentes praticantes de atos vedados e, portanto, seria desnecessário o desmembramento a que se refere o art. 21 da Res. TSE n. 23.193/10, dispositivo que ressalva a competência do Corregedor para apuração das transgressões à Lei das Inelegibilidades. Demais disso, ponderou que o campo de cabimento da AIJE é mais amplo, abrangendo, no caso concreto, a possibilidade de apurar a ocorrência ou não de atos configuradores de abuso de poder, razão pela qual concluiu que a relatoria do processo deveria ser transferida ao Corregedor Regional Eleitoral. De outro lado, o Juiz suscitante sustentou que, conforme entendimento sufragado pela maioria dos membros deste Tribunal, a citada Lei nº 135 não se aplica ao certame eleitoral passado. Assim, ressalvando os fatos atinentes à alegação de abuso de poder, cuja competência, de fato, seria atribuída ao Corregedor, requer seja declarada a competência do Juiz suscitado para processar e julgar a ação em comento. A Procuradoria Regional Eleitoral, em opinativo lançado às fls. 53/54, pronunciou-se pela extinção do feito sem resolução do mérito. É o relatório. 286 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA VOTO De início, verifica-se que o ponto fulcral da divergência instaurada entre os Juízes que figuram no presente conflito negativo de competência refere-se à aplicabilidade ou não da Lei Complementar nº 135/2010 para as eleições de 2010. Deveras, nota-se dos autos que o então Juiz Auxiliar Carlos D’Ávila Teixeira declinou da competência de processar e julgar ação de investigação judicial eleitoral, interposta com vistas à apuração de fatos que caracterizam, em tese, a prática de conduta vedada e abuso de poder político e de autoridade, com os fundamentos que ora peço vênia para trazer à colação: “(...) nos casos em que a propositura da demanda importar na alegação simultânea de fatos configuradores da prática de ato vedado e da prática de ato de abuso de poder, a norma contida no art. 21 da Resolução aludida impõe que seja procedido ao desmembramento do feito, de modo que cada um dos fatos seja apurado por meio de processos que tramitarão em separado: um, o da representação, sob os cuidados de um juiz auxiliar e o outro, o da investigação judicial eleitoral, sob a direção do Corregedor Regional Eleitoral. Assim, à primeira vista, o caso destes autos seria de desmembramento. Sucede que a norma que se refere ao desmembramento surgiu numa situação em que o pano de fundo era a distinção das consequências jurídicas decorrentes do acolhimento de um pedido formulado numa representação, quando comparadas com as consequências derivadas do acolhimento de um pedido formulado num procedimento de investigação judicial eleitoral. É que, antes da entrada em vigor da Lei Complementar n. 135/10, o entendimento dominante era o de que a procedência do pedido formulado num procedimento de investigação judicial eleitoral acarretaria a cassação do registro de candidatura e a inelegibilidade, como decorrência da aplicação da norma contida no art. 22, XIV, da LC n. 64/90. Diferentemente, a procedência de um pedido formulado numa representação baseada na prática de condutas vedadas aos agentes públicos somente produzia como conseqüência a cassação do registro ou do diploma (art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97), sem inelegibilidade. Ocorre, porém, que com a entrada em vigor da Lei Complementar n. 135/10, que modificou a Lei Complementar n. 64/90, a inelegibilidade passou a ser aplicada também a todos os agentes públicos praticantes de atos vedados, conforme previsão expressa do art. 1º, I, “j”, do mencionado diploma. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 287 JURISPRUDÊNCIA Daí a conclusão de que, hodiernamente, o desmembramento a que se refere o art. 21 da Resolução/TSE n. 23.193/10 não teria qualquer conseqüência prática a não ser a indesejável possibilidade de serem proferidas decisões logicamente incompatíveis. Por todos estes motivos, de desmembramento não se há que falar. E aí não é possível menoscabar a circunstância de que há fatos – como os que são noticiados neste processo – que, além de caracterizarem, em tese, condutas vedadas aos agentes públicos, que é hipótese de cabimento de representação, com atuação de um juiz auxiliar como relator, também se enquadram no conceito, mais amplo, de abuso de poder, que é caso de investigação judicial eleitoral, atuando o Corregedor Regional Eleitoral como relator. E como não há sentido em se proceder ao desmembramento e, além disso, o campo de cabimento da investigação judicial eleitoral é mais amplo, abrangendo, no caso destes autos, a possibilidade de se apurar a ocorrência ou não da prática de atos configuradores de abuso de poder político e de poder de autoridade, a conclusão a que se chega é à de que deve ser transferida a relatoria do processo para o eminente Corregedor Regional Eleitoral.” De outro eito, o Juiz Corregedor não vislumbrou a sua competência para atuar na aludida representação (ressalvados os fatos atinentes à alegação de abuso de poder) justamente porque possui entendimento no sentido de que a Lei Complementar n. 135/10 não se aplica às eleições daquele ano, posicionamento este perfilhado pela maioria dos membros desta Corte, conforme Acórdão nº 1176/2010, no qual restaram acolhidas as razões esposadas pelo ora suscitante. Pois bem. Primeiramente, impende destacar o dispositivo constante da Res. TSE 23.193/10 (norma que disciplina o processamento das representações e das reclamações previstas na Lei nº 9.504/97), que dispõe sobre a hipótese de desmembramento do feito, nos seguintes termos: Art. 21. No caso de a inicial indicar infração à Lei 9.504/97 e também as transgressões citadas nos arts. 19 e 22 da LC nº 64/90, com ou sem pedido expresso das partes, o relator determinará o desmembramento feito, remetendo-se cópia integral à Corregedoria Eleitoral para apuração das transgressões referentes à LC nº 64/90 (Resolução nº 21.166/2002). (grifo nosso) Em suma, a previsão normativa é no sentido de que a competência para apurar fatos que afrontem a Lei das Eleições é de competência 288 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA do Juiz Auxiliar, entretanto, existindo violação da Lei das Inelegibilidades a competência é atribuída ao Corregedor, daí o comando de que o feito seja desmembrado. No presente caso, a situação fática exposta na exordial (alegação de que alegam que o atual Governador estaria realizando repasses de verbas a Associações Comunitárias e Cooperativas de Produtores Rurais em período eleitoral), conforme destaca o próprio representante, se enquadra na conduta vedada proscrita pelo art. 73 da Lei n. 9.504/97, bem como configura abuso de poder de autoridade e político. Conforme salientado pelo juiz suscitado, após o advento da Lei nº 135/2010, esta separação de atribuições se tornou inconveniente, uma vez que a inelegibilidade passou a ser aplicada também a todos os agentes públicos praticantes de atos vedados, atraindo, portanto, a competência do Corregedor Eleitoral. Assim também entendo. Ressalta-se, contudo, que a aplicabilidade da chamada Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010, apesar de defendida por este Relator em vários processos julgados nesta Corte, não foi reconhecida pela maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 633.703 e não tem sido acolhida pela maioria dos integrantes deste Regional, subsistindo, portanto, a controvérsia posta pelo Juiz Corregedor ao derredor da sua competência para julgar o presente feito. De qualquer sorte, entendo que, mesmo se superado o argumento alusivo à aplicabilidade da Lei nº 135/10, a conclusão a que se chega é a de que efetivamente a competência para apreciar a ação sob exame deve ser conferida ao Corregedor. Isso porque, conforme bem pontuado pelo Procurador Regional Eleitoral, malgrado a matéria de fundo da aludida representação comporte violação ao art. 73 da Lei das Eleições, o que, em tese, afastaria no particular a competência da Corregedoria, a conexão presente na espécie, sobretudo pela natureza imbricada dos fatos, é circunstância que elide a hipótese de desmembramento do feito. Sobre o tema, oportuno trazer à baila o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, estampado na ementa e trechos do voto condutor do acórdão lavrado nos autos do Recurso Ordinário nº 1540, a seguir colacionados: RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) COM BASE NO ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N° 64/90 E ART. 30-A DA LEI N° 9.504/97. IRREGULARIDADES NA ARRECADAÇÃO E GASTOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. PRAZO PARA O AJUIZAMENTO. PRAZO DECADENCIAL. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA. JUIZ AUXILIAR. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CONE- Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 289 JURISPRUDÊNCIA XÃO. CORREGEDOR. PROPOSITURA. CANDIDATO NÃO ELEITO. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. POSSIBILIDADE. SANÇÃO APLICÁVEL. NEGATIVA DE OUTORGA DO DIPLOMA OU SUA CASSAÇÃO. ART. 30-A, § 2o. PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO. (...) 3. Durante o período eleitoral, os juízes auxiliares são competentes para processar as ações propostas com fulcro no art. 30-A da Lei n° 9.504/97 (AgR-Rep n° 1229/DF, Rei. Min. César Asfor Rocha, DJ de 13.12.2006; RO n° 1596/MG, Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 16.3.2009), o que não exclui a competência do Corregedor, pela conexão, quando a ação tiver por objeto a captação ilícita de recursos cumulada com o abuso de poder econômico. “(...) Corroborando a tese da incompetência do Corregedor para a representação com fulcro no art. 30-A: AgR-Rep n° 1229/ DF, Rei. Min. César Asfor Rocha, DJ de 13.12.2006. Registro, ainda, que o c. Tribunal Superior Eleitoral consignou no recente julgamento do RO n° 1596/MG, Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 16.3.2009, que os Juízes Auxiliares têm competência para conduzir a ação de investigação judicial eleitoral fundada no art. 30-A da Lei n° 9.504/97. Todavia, no caso dos autos, houve cumulação de objetos, a saber, captação ilícita de recursos e abuso de poder econômico. E não poderia ser de outra forma, pois, entre o ilícito previsto no art. 30-A e eventual abuso de poder econômico que dele possa decorrer, há identidade da causa de pedir. A captação ilícita de recursos pode ser utilizada como meio para o abuso de poder econômico. Desmembrar o processo, neste caso, poderia ocasionar decisões conflitantes. Além disso, o rito a ser seguido tanto na ação que investiga a violação ao art. 30-A quanto na destinada a apuração de abuso de poder será aquele previsto no art. 22 da Lei Complementar n° 64/90.” (TSE. RO - Recurso Ordinário nº 1540 - Belém/PA. Acórdão de 28/04/2009. Relator(a) Min. FELIX FISCHER. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 01/06/2009, Página 25/26/27) Com efeito, assim como no exemplo acima, penso que não é razoável promover o destaque de dois julgadores para analisarem os mesmos fatos, sob pena de se correr o risco de serem proferidas decisões contraditórias. Desse modo, considerando que o campo da ação de investigação judicial eleitoral, sob o prisma do abuso de poder, de atribuição do Corregedor, é mais amplo, afigura-se pertinente que lhe seja confiada a relatoria da demanda em comento. 290 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA À vista de tais considerações, conheço do presente conflito e voto no sentido de declarar a competência do Juiz Corregedor Regional Eleitoral para processar e julgar a Representação nº 5122-98.2010.6.05.0000, impondo-se a remessa dos respectivos autos à sua apreciação. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 19 de outubro de 2011. Cássio Miranda Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 291 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 5 1 4 / 2 0 11 PETIÇÃO PROCESSO Nº 1.266-92.2011.6.05.0000 CLASSE 24 MUNICÍPIO: Ibirapuã REQUERENTE: Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB de Ibirapuã. Adv.: Bel. Igor Andrade Costa e Jayme Vieira Lima Filho. REQUERIDO: Silvânio Araújo de Andrade. Advs.: Béis. Luiz Viana Queiroz, Luciano Mineiro Falcão e Maurício Oliveira Campos. RELATOR: Juiz Cássio Miranda. Petição. Ação declaratória de perda de mandato eletivo. Expulsão pelo partido acionante. Preliminar de carência de ação. Ausência de interesse de agir. Impossibilidade jurídica do pedido. Inadequação da via eleita. Res.TSE nº 22.610/2007. Extinção sem resolução do mérito. De acordo com o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, a perda do mandato eletivo está condicionada à desfiliação partidária por ato voluntário do político. A hipótese de expulsão pelo partido não se encontra albergada pela Resolução TSE nº 22.610/07, restando configurada a ausência de interesse de agir da agremiação, bem como a impossibilidade jurídica do pedido sob tal fundamento. Outrossim, observa-se que a presente via processual se mostra inadequada para apreciar os motivos que ensejaram a punição levada a cabo pelo partido, pois, tratando-se de matéria interna corporis, não são suscetíveis de apreciação pela Justiça Eleitoral, restando inviabilizada a aferição da ocorrência ou não da argüida infidelidade partidária supostamente caracterizada pelo descumprimento à norma estatutária. Extinção do processo sem resolução do mérito. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, ACOLHER A PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO E EXTINGUIR O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. 292 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 24 de novembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; CÁSSIO MIRANDA - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de petição interposta pelo Diretório Municipal do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB de Ibirapuã, visando a declaração da perda do cargo eletivo do Sr. Silvânio Araújo de Andrade, vereador daquele município, sob o fundamento da incidência de suposta infidelidade partidária perpetrada pelo requerido. Acosta os documentos de fls. 08/26. Argumenta o requerente que o parlamentar há muito “não vem cumprindo os seus deveres como filiado perante a agremiação pela qual foi eleito, notadamente, quanto à abstenção de apoio a candidatura própria do Partido do Governo do Estado da Bahia nas Eleições de 2010, tendo o réu, em contraponto, declarado apoio ao candidato adversário reeleito, além de votar constantemente contra os interesses e deliberações da bancada do PMDB na respectiva Câmara de Vereadores”. Afirma que foi instaurado procedimento ético disciplinar contra o vereador, que resultou na aplicação da pena de expulsão do réu dos quadros de filiados do PMDB e consequente desfiliação em 13 de junho de 2011. Diante de tais fatos, considerando que o requerido não está mais filiado à agremiação peticionante, cuja desfiliação teria decorrido da sua própria conduta contrária aos preceitos estatutários, requer que seja declarada a perda do cargo e determinada a posse do primeiro suplente peemedebista, nos termos da Resolução TSE nº 22.610/07. Citado, o requerido oferece resposta acompanhada de documentação, fls. 32/49, na qual suscita a preliminar de carência de ação por ausência de interesse de agir, uma vez que a via processual escolhida é incompatível com a pretensão buscada pelo acionante. Invoca, ainda, a prefacial de inépcia da inicial e, no mérito, sustenta a improcedência do pedido, em face das seguintes razões: o requerido ainda está filiado ao PMDB; se o Tribunal considerar que o acionado não está filiado, é incontroverso que a desfiliação foi causada por vontade da própria agremiação; a suposta desfiliação foi precedida de processo ético-disciplinar desprovido de garantias de defesa e provas da prática de conduta que revelasse o descumprimento dos deveres do filiado. Termo de audiência e oitiva das testemunhas arroladas por ambos os pólos às fls. 02/48 da Carta de Ordem em apenso. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 293 JURISPRUDÊNCIA Apresentadas alegações finais às fls. 65/71 e 72/75. Em parecer de fls. 77/80, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se no sentido de acolher a preliminar de carência de ação, a fim de que seja extinto o feito sem apreciação do mérito. É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO. Alega o requerido a ausência de interesse de agir do partido acionante, uma vez que a medida judicial pretendida não está prevista na Resolução TSE nº 22.610/2007, bem como a via processual escolhida é inadequada à pretensão de conseguir uma decisão constitutiva negativa mediante a propositura de uma ação meramente declaratória. Assevera que, in casu, a agremiação, como única causadora da desfiliação (pois expulsou o acionado dos seus quadros), pretende que este Tribunal declare a perda do mandato, reconhecendo a ausência de justa causa, desconstituindo-o do requerido. Contudo, pondera que a ação de decretação de perda de cargo eletivo indispõe de natureza declaratória e, por outro lado, o partido político é parte ilegítima para propor ação declaratória de existência de justa causa à desfiliação partidária. A questão ora suscitada advém da peculiar causa de pedir aventada na peça exordial para supedanear a pretensão de perda de cargo eletivo: expulsão do vereador requerido por infidelidade partidária consistente no descumprimento aos preceitos éticos e disciplinares dispostos na regulamentação estatutária da agremiação acionante. Sucede que a Resolução TSE nº 22.610/07, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo, não elenca a expulsão como fundamento para que o partido reivindique o mandato daquele que foi afastado pelo próprio requerente. Assim dispõe a Resolução: Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. § 1º - Considera-se justa causa: I) incorporação ou fusão do partido; II) criação de novo partido; III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; IV) grave discriminação pessoal. § 2º - Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, 294 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral. § 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução. Conforme se depreende da norma, há o pressuposto de que a desfiliação partidária tenha sido um ato voluntário do filiado, hipótese distinta do caso em tela, pois houve a sua expulsão pela agremiação, fato este estampado na peça pórtica. Decerto, nota-se que Tribunal Superior Eleitoral, em resposta à Consulta nº 1.398/DF, que deu origem à citada Resolução, deixou bem claro que a perda do mandato eletivo estaria condicionada à desfiliação partidária por ato voluntário do político, nos seguintes termos: (…) os partidos políticos e as coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda (…). (TSE, trecho do voto do Relator Min. Cesar Asfor Rocha, 08.05.2007). No particular, importa ainda trazer a lume trechos do voto proferido naqueles autos, pelo Min. Cezar Peluso, que bem elucida o contexto no qual se inseriu a consulta: A resposta à consulta não se adstringe, porém, e, a rigor, nem de longe concerne à questão da fidelidade partidária, entendida em termos como princípio destinado a governar as relações internas entre o partido, e seus afiliados, as quais constituem o objeto específico da previsão do art. 17, 1º, da Constituição da República. O de que se trata aqui, é do fato extremo da mudança de partido, coisa que só no plano teórico pode relacionar-se com esse tema constitucional de fidelidade e disciplina partidária (...). Ora, a questão que a consulta suscita sobre a legitimidade do mandato representativo proporcional tem outro fundamento, voltado ao fato externo do cancelamento de filiação ou da transferência de partido, à luz da relação entre o representante e o eleitor, intermediada pelo partido. Afere-se, aqui, não a fidelidade partidária, mas a fidelidade ao eleitor! (grifo nosso) Verifica-se, portanto, que a intenção da norma é de punir o parlamentar que age contrariamente à vontade popular, ao se desvincular espontaneamente do partido pelo qual foi eleito e seguir outra ideologia política. Não há dúvidas, portanto, que a hipótese de expulsão pelo partido não se encontra albergada pela Resolução e, considerando que tal norma restringe um direito, deve ser rechaçada sua eventual interpretação extensiva. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 295 JURISPRUDÊNCIA Nesse diapasão, cumpre destacar as ponderações do doutrinador José Jairo Gomes no sentido de que, se os motivos da expulsão, embora constantes do estatuto partidário, não coincidirem com aqueles estampados na Resolução como justa causa, “cuidando-se de privação de direito, os fundamentos para a perda do cargo não poderão ser alargados pelo intérprete”. Ademais, observa-se que a presente via processual se mostra inadequada para apreciar os motivos que ensejaram a punição levada a cabo pelo partido, pois, tratando-se de matéria interna corporis, não são suscetíveis de apreciação pela Justiça Eleitoral, restando inviabilizada a aferição da ocorrência ou não da arguida infidelidade partidária, caracterizada pelo descumprimento à norma estatutária. Diante de tais razões que, inclusive, encontram ressonância em precedente emanado pelo Tribunal Superior Eleitoral e em julgados oriundos de diversas Cortes Regionais Eleitorais, penso que a pretensão autoral não encontra amparo jurídico. Confira-se a jurisprudência: AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. DESFILIAÇÃO PELO PARTIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. ART. 1º, § 3º DA RES.-TSE 22.610/2007. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ART. 267, IV, DO CPC. 1. O pedido de perda de mandato por desfiliação partidária encontra respaldo no art. 1º da Res.-TSE 22.610/2007. Contudo, referida norma impõe, como condição da ação, que o postulante se encontre no papel de mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se do partido pelo qual se elegeu. No caso, como o próprio Democratas (DEM) editou a Resolução 070/2009, impondo ao agravado o desligamento do Partido, impossível que se concretize quaisquer das condições impostas pela norma, quais sejam, que o mandatário se encontre na situação de quem se desfiliou ou pretenda desfiliar-se. Nesse passo, não encontra respaldo jurídico a pretensão do suplente de reinvindicação da vaga. 2.O ajuizamento de ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária não pode ser considerado, pelo partido, pedido implícito de desfiliação. Tal pretensão encontra respaldo no direito de livre acesso ao Poder Judiciário, assegurado constitucionalmente (art. 5º, XXXV, da CR/88) bem como no art. 1º, § 3º, da Res.-TSE nº 22.610/2007. 3.Correta a decisão agravada ao vislumbrar a perda de objeto da ação que postula a perda do mandato do agravado, tendo em vista que seu desligamento foi realizado pelo partido. Agravo a que se nega provimento. (TSE. AgR-Pet - Agravo Regimental em Petição nº 2.983 Brasília/DF. Acórdão de 18/06/2009. Relator(a) Min. Felix Fischer. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 18/09/2009, Página 11) 296 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA EXPEDIENTE SEM CLASSIFICAÇÃO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DO CARGO DE VEREADOR. ELEIÇÕES DE OUTUBRO DE 2004. EXPULSÃO DO VEREADOR. CONTRARIEDADE AO ESTATUTO DO PRP. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA EXPULSÃO EM AÇÕES DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. IMPROCEDÊNCIA. (TRE-CE. EXPEDIENTE SEM CLASSIFICACAO nº 11.414 - Quixeramobim/CE. Acórdão nº 11.414 de 08/04/2008. Relator(a) Danilo Fontenele Sampaio Cunha. Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 74, Data 22/04/2008, Página 228) PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. PRETENSÃO DE REAVER CARGO DE CORRELIGIONÁRIO EXPULSO DA AGREMIAÇÃO POR MANIFESTAÇÃO PÚBLICA DE APOIO A ADVERSÁRIOS POLÍTICOS. SITUAÇÃO QUE NÃO SE ENQUADRA NAS HIPÓTESES DA RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/2007. NECESSIDADE DE O ATO DE INFIDELIDADE DECORRER DE DECISÃO VOLUNTÁRIA DO FILIADO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. (TRE-RS. RPET - RECURSO - PETIÇÃO nº 59 - Nova Bréscia/ RS. Acórdão de 18/08/2009. Relator(a) Ícaro Carvalho de Bem Osório. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 138, Data 21/08/2009, Página 2 e 3) AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ACOLHIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Filiado que foi expulso de partido político não pode sofrer penalidade prevista na Resolução TSE nº 22.610/2007, já que, nesta hipótese, está-se diante de cancelamento de filiação, e não de desfiliação a ensejar perda do mandato eletivo. Pedido que se mostra juridicamente impossível. 2. Extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI). (TRE-AP. PET - PETICAO nº 200 - Macapá/AP. Acórdão nº 2.959 de 19/04/2010. Relator(a) Petrus Soares Azevedo. Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Tomo 4724, Data 03/05/2010, Página 25/26) AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. DESFILIAÇÃO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. RESOLUÇÃO TSE Nº 22.610/2007. DEMANDA AJUIZADA APÓS EXPULSÃO DO MANDATÁRIO DOS QUADROS DO PARTIDO POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 297 JURISPRUDÊNCIA (TRE-SP. PROC - PROCESSO nº 58.977 - São Paulo/SP. Acórdão de 04/08/2011. Relator(a) Jeferson Moreira de Carvalho. Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 15/08/2011) Pelo exposto, em harmonia com o parecer ministerial, voto no sentido de ser acolhida a preliminar de carência de ação, seja pela ausência de interesse de agir, seja pela manifesta impossibilidade jurídica do pedido, impondo-se a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc.VI do Código de Processo Civil. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 24 de novembro de 2011. Cássio Miranda Juiz Relator 298 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 5 7 6 / 2 0 11 AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO PROCESSO Nº 288-18.2011.6.05.0000 CLASSE. 2 MUNICÍPIO: Salvador IMPUGNANTE: Nonato Carvalho Leite. Advs.: Bel. Antônio Vasconcelos Sampaio. IMPUGNADOS: Jutahy Magalhães Júnior. Advs.: Béis. Jutahy Magalhães Neto, Diego Freitas Ribeiro e outros; Cláudia Silva Santos Oliveira. Advs.: Béis. Luiz Viana Queiroz, Marcio Moreira Ferreira e outros. RELATOR: Juiz Wanderley Gomes. REVISOR: Juiz Josevando Souza Andrade. AIME. Decadência. Reconhecimento. Extinção do processo com julgamento do mérito. Preliminar de decadência. Acolhe-se a prefacial, para extinguir o processo, com julgamento do mérito, em razão da decadência, quando a ação de impugnação de mandato eletivo foi ajuizada após o decurso dos quinze dias, contados da diplomação dos eleitos. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, ACOLHER A PRELIMINAR DE DECADÊNCIA, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de novembro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência; WANDERLEY GOMES - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de ação de impugnação de mandato eletivo interposta por NONATO CARVALHO LEITE, em desfavor de JUTAHY MAGALHÃES JÚNIOR, deputado federal, e de CLÁUDIA SILVA SANTOS OLIVEIRA, deputada estadual, sob a alegação de abuso dos poderes econômico e político, captação ilícita de sufrágio, corrupção e fraude eleitoral. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 299 JURISPRUDÊNCIA Defendendo a tempestividade da inicial, o impugnante aduz ter havido utilização da máquina administrativa municipal de Buerarema, para aliciar eleitores e angariar votos para os impugnados. Aduz que a compra de votos estaria demonstrada na cópia, acostada aos autos, do Inquérito Policial, instaurado pela Polícia Federal de Ilhéus, para apurar a denominada “Operação Paga”. Pugna pela procedência da ação, para desconstituir os diplomas dos impugnados, cassando-lhes os seus respectivos mandatos. Em contestação, o primeiro impugnado suscitou preliminares de decadência, do não cumprimento das exigências dispostas na Lei 9.800/99 e da inépcia da peça de ingresso. No mérito, refuta as acusações lançadas e assevera inexistir qualquer substrato probatório hábil a demonstrar a veracidade das mesmas, em virtude do que insta pela improcedência da demanda e pela condenação do impugnante por litigância de má-fé, nos termos do artigo 17 do CPC e artigo 14, §11 da Constituição Federal. Regularmente citada, a segunda impugnada, por sua vez, arguiu preliminares de litispendência e de decadência. No mérito, negou a prática de ilicitudes, reputou inválida a prova juntada, decorrente do Inquérito Policial n.º 0329/2010-4-DPF/ILS/BA, seja porque produzida unilateralmente, seja porque não se presta a demonstrar o fato declarado. Alega, ainda, que o aludido inquérito seria nulo, por incompetência absoluta do Juízo Zonal para processar e julgar ilícitos praticados por deputados federais. Aduz ter havido manipulação dos fatos apurados no já mencionado Inquérito, a revelar uma trama urdida com a finalidade espúria de tentar reverter a vontade popular manifestada nas urnas. Noticia que a diferença de votos entre o representante e a representada foi de 26.389 votos, pelo que não teria restado demonstrada a potencialidade lesiva da ilicitude. Por fim, acoimando falsas e impertinentes as acusações contra si lançadas, insta pela improcedência da ação. Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou opinativo às fls. 136/137, manifestando-se pela extinção do processo com resolução de mérito, em relação ao primeiro impugnado, em razão da decadência. Em relação à segunda impugnada, alegando que a mesma não teria sido citada, opina pela extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, I c/c art. 295, IV, do CPC. É o que me cumpre relatar. 300 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA VOTO PRELIMINAR DE DECADÊNCIA. Impende ressaltar que resta incontroversa a natureza decadencial do prazo para a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, do que se depreende que o mesmo não se interrompe, tampouco se suspende em razão de férias ou recesso forense. Quanto aos termos inicial e final, é igualmente certo que devem os mesmos ser prorrogados para o primeiro dia útil subsequente, em obediência ao § 1º, do art. 184 do CPC, de aplicação subsidiária a essa Justiça Especializada. A diplomação dos eleitos, no município de Salvador, deu-se no dia 16/12/2010, uma quinta-feira, e o recesso natalino teve início na segundafeira, dia 20/12/2010, conforme a Portaria nº 612/2010, da Presidência deste Regional, publicada no Diário de Justiça Eletrônico de 13/12/2010. Assim, decorrido o interstício de quinze dias, contados da diplomação, tem-se que a ação poderia ser ajuizada até o dia 31/12/2010. Ocorre que, em sendo feriado natalino, opera-se a regra acima mencionada, do dispositivo contido no § 1º, do art. 184 do CPC, estendendo-se para o primeiro dia útil subsequente ao término do recesso. Na hipótese em julgamento, porém, a ação somente foi ajuizada em 19/01/2011, de modo que o reconhecimento da decadência é medida que se impõe. Pelo exposto, julgo extinta a presente ação, com julgamento do mérito, com esteio no artigo 269, IV do CPC. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de novembro de 2011. Wanderley Gomes Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 301 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 5 9 4 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL Nº 93-05.2011.6.05.0171 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Camaçari RECORRENTE: Partido Trabalhista Cristão – PTC de Camaçari. Adv.: Bel. Roberto Moacir Nascimento. RECORRIDO: Ademar Lopes Fernandes. Advs.: Béis. Paulo Sérgio Dias Nunes e Alan de Almeida Coutinho. PROCEDÊNCIA: Juízo Eleitoral da 171ª Zona. RELATOR: Juiz Wanderley Gomes. Recurso. Representação. Outdoor. Mensagens de felicitação. Propaganda eleitoral antecipada. Provimento. Dá-se provimento a recurso, para condenar o recorrido à sanção prevista no art. 36, § 3º da Lei nº 9.504/97, quando a publicidade impugnada afronta o princípio da paridade de armas entre os candidatos, configurando a prática de propaganda eleitoral extemporânea. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de dezembro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Presidente em exercício; WANDERLEY GOMES - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto pelo Partido Trabalhista Cristão - PTC, contra decisão zonal que julgou improcedente a representação intentada em desfavor de Ademar Lopes Fernandes, Secretário de Relações Institucionais do Município de Camaçari, com fulcro no artigo 36 da Lei nº 9.504/97, pela prática de propaganda eleitoral antecipada, consubstanciada em outdoors fixados em diversos pontos da cidade, com os seguintes dizeres: LOPES. 23/10. FELIZ ANIVERSÁRIO: SUA VIDA É UMA LUTA REPLETA DE VITÓRIAS! 302 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA O recorrente aduz que, por meio da noticiada veiculação publicitária, o recorrido estaria promovendo e difundindo a sua pré-candidatura às eleições municipais de 2012. Assevera que a prova dos autos revelaria a indisfarçável intenção do recorrido em promover-se, vinculando o seu nome e imagem aos enormes artefatos propagandísticos, cujas mensagens enalteceriam a sua pessoa. Pugna, assim, pelo provimento da irresignação, a fim de que seja a presente ação julgada procedente. Em contrarrazões, o recorrido, reiterando a argumentação lançada em sua contestação, afirma não ter praticado qualquer ato contrário à legislação de regência, mesmo porque ele não teria sequer manifestado a intenção de concorrer a qualquer cargo eletivo. Defende a manutenção do decisum de origem, que restou amparado no parecer do Ministério Público zonal. Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou opinativo às fls. 58/62, manifestando-se pelo desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO Com razão o recorrente. Do exame dos autos, entendo que a decisão fustigada merece reforma, ante o notório caráter eleitoral do marketing impugnado, sendo este, destarte, hábil a provocar o desequilíbrio de oportunidades no prélio vindouro, circunstância que, efetivamente, viola os preceitos eleitorais. Ressalte-se, outrossim, que o meio utilizado para a veiculação da mensagem, objeto da presente demanda é, por si só, ostensivo. É que não se pode negar o poder de reverberação e de alcance do outdoor, cuja característica precípua é a continuidade, já que, durante o prazo contratado, a mensagem veiculada fica, ininterruptamente, disponível aos incontáveis olhares dos transeuntes da região. Malgrado não se tenha o pedido explícito de votos, é de se reconhecer que, ao projetar o nome e a imagem do primeiro recorrido, a aludida publicidade promove a pessoa do mesmo, lançando, no subconsciente popular, a sua notoriedade, em ocasião anterior à permitida por lei. Resta evidente, portanto, a afronta ao princípio da igualdade entre os candidatos, por meio do que se conhece por propaganda subliminar. Nesta direção, eis o que se colhe do magistério de José Jairo Gomes : Enquanto a [propaganda] expressa se patenteia de maneira clara e inequívoca, a subliminar procura influenciar o receptor sem deixar entrever que há uma mensagem sendo transmiti- Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 303 JURISPRUDÊNCIA da, ou seja, atua abaixo do limiar. A mensagem subliminar é comunicada sutilmente, de sorte que sua percepção não se dá de modo plenamente consciente; tem em vista persuadir o eleitor mediata e silenciosamente. Pelas razões retro delineadas, voto pelo provimento do recurso para, reformando a decisão singular, condenar o recorrido ao pagamento da multa descrita no art. 36, § 3º da Lei nº 9.504/97, fixando-a no mínimo legal, qual seja o valor de R$5.000,00 (cinco mil reais). É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 5 de dezembro de 2011. Wanderley Gomes Juiz Relator 304 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 5 9 8 / 2 0 11 INQUÉRITO PROCESSO Nº 3-37.2011.6.05.0190 CLASSE 18 MUNICÍPIO: Serra Dourada PROCEDÊNCIA: Departamento de Polícia Federal. INVESTIGADOS: Edirlei Rosa Mesquita (Adv.: Bel. Antonio Wanderlaan Batista), Enilson Fagundes Camelo, Cláudia dos Anjos de Souza, Eneide de Jesus Lima, Elenice Maria de Almeida e Jovito Teixeira de Oliveira. RELATORA: Juíza Mônica Aguiar. Inquérito policial. Apuração de crime eleitoral tipificado no art. 11, c/c o art. 5º da Lei nº 6.091/74. Pluralidade de indiciados. Prerrogativa de função de um deles. Ausência de indícios de autoria em relação ao detentor de foro especial. Aplicação da regra geral do art. 69 do CPP. Lugar da infração. Competência do juízo eleitoral singular. Remessa dos autos. 1. Compete originariamente ao juízo do local da infração processar e julgar causas criminais eleitorais, quando ausentes indícios de autoria em relação ao único indiciado que detinha foro especial por prerrogativa de função; 2. Competência declinada para o juízo eleitoral do lugar da infração. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DECLINAR DA COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO DA 11ª ZONA ELEITORAL DE FORMOSA/GO, nos termos do voto da Juíza Relatora, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 6 de dezembro de 2011. DAISY LAGO RIBEIRO COELHO - Vice-Presidente no exercício da Presidência; MÔNICA AGUIAR - Juíza Relatora; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 305 JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Trata-se de inquérito policial instaurado para apuração da prática do crime de eleitoral tipificado no art. 11 c/c o art. 5º da Lei nº 6.091/74, de que são suspeitos Edirlei Rosa Mesquita, Cláudia dos Anjos de Souza, Edneide de Jesus Lima, Elenice Maria de Almeida, Jovito Teixeira de Oliveira e Enilson Fagundes Camelo. Consta dos autos que no dia 03/10/04, Edirlei Rosa Mesquita foi preso em flagrante por conduzir ônibus da empresa Apolo Turismo, na rodovia BR-020, nas proximidades do Município de Formosa/GO, transportando eleitores da cidade de Goiânia para o Município de Serra Dourada/BA, momento em que o veículo foi abordado por uma barreira da Polícia Rodoviária Federal, montada para impedir o transporte ilegal de eleitores. Durante as investigações realizadas, a Polícia Federal constatou a existência de mais 5 (cinco) envolvidos na prática do crime, dentre eles, Enilson Fagundes Camelo, atual prefeito do Município de Serra Dourada (fls. 125/132). Em vista disso, o Juiz da 11ª Zona Eleitoral de Formosa/GO determinou a remessa dos autos ao TRE de Goiás, para posterior encaminhamento a esta Corte, por entender que o foro por prerrogativa de função do prefeito prevaleceria sobre a regra geral da competência territorial (fl. 140). O Presidente do TRE de Goiás, por sua vez, acolhendo a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 145/146), remeteu os autos a esta Corte (fls. 148 e 158). Submetidos os autos do inquérito a este Tribunal, deu-se seguimento às investigações. Concluídas as diligências investigatórias, os autos foram encaminhados ao Ministério Público Eleitoral, que, por não verificar indícios de autoria em relação ao prefeito Enilson Fagundes Melo, promoveu declinatoria fori, e requereu que os autos fossem restituídos à Promotoria Eleitoral da 11ª Zona, em Formosa/GO, para que proceda, se for o caso, à ação penal contra as pessoas implicadas no crime e que não gozam de foro especial (fls. 310/311). É o relatório. VOTO O procedimento investigatório sob exame foi instaurado para apuração de delito supostamente praticado por Edirlei Rosa Mesquita, preso em flagrante no dia do pleito de 2004, no Município de Formosa/GO, ao transportar eleitores de Goiânia/GO para Serra Dourada/BA. 306 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Durante as investigações, surgiu a hipótese do envolvimento de Enilson Fagundes Camelo, atual prefeito do Município de Serra Dourada, além de outros indiciados. Sucede que, conforme se extrai do relatório policial de fls. 125/132, imputou-se ao prefeito Enilson Fagundes Camelo a prática do delito, pelo só fato de ser ele um possível beneficiário da conduta ilícita (transporte clandestino de eleitores) e por ser primo do prefeito, à época, Jovito Teixeira de Oliveira (também indiciado), que teria pagado o contrato de locação do ônibus. Entretanto, tais elementos são sobejamente frágeis para suportar uma acusação criminal e, por conseguinte, uma futura condenação. Por conta disso, esposo integralmente a conclusão a que chegou o Ministério Público Eleitoral de que, por não vislumbrar elementos suficientes de autoria em relação ao atual prefeito do Município de Serra Dourada, faltar-lhe-ia atribuição para prosseguir nesta apuração. Com efeito, uma vez ausentes elementos suficientes de autoria em relação ao único detentor de foro por prerrogativa de função, há de ser aplicada a regra geral sobre a competência territorial em matéria criminal, qual seja, a do lugar da infração (art. 69 do CPP). E como o fato ocorreu no Município de Formosa/GO – tanto que o inquérito foi instaurado perante a Promotoria Eleitoral da 11ª Zona, neste município – é este o Juízo competente para a persecução criminal em relação às pessoas que não gozam de foro especial. Do exposto, em harmonia com a posição externada pela Procuradoria Regional Eleitoral, voto no sentido de que seja determinada a remessa dos autos para o Juízo Eleitoral da 11ª Zona Eleitoral, em Formosa/GO. Em acréscimo, acolho a manifestação ministerial no sentido de determinar que seja dada ciência ao prefeito municipal de Serra Dourada e à Polícia Federal em Barreiras, para fins de documentação policial. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 6 de dezembro de 2011. Mônica Aguiar Juíza Relatora Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 307 JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 6 0 0 / 2 0 11 MANDADO DE SEGURANÇA PROCESSO Nº 1.295-45.2011.6.05.0000 CLASSE 22 MUNICÍPIO: Candeias IMPETRANTE: Maria Angélica Juvenal Maia. Adv.: Bel. Fernando G. Campinho. IMPETRADA: Juíza Eleitoral da 127ª Zona. INTERESSADA: Coligação A FORÇA DO TRABALHO. Adv.: Bel. Tadeu Muniz Nogueira. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. Mandado de Segurança. AIME. Falta de pronunciamento acerca de requerimento. Quartos embargos de declaração. Protelatórios. Não interrupção do prazo recursal. Multa. Aplicação. Segurança denegada. Denega-se a medida de segurança, pois não há que se falar em direito líquido e certo quando o writ ora manejado, visa na verdade retardar o andamento de recurso eleitoral já apresentado pela outra parte, restando caracterizada a litigância de má-fé, o que impõe a aplicação de multa. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DENEGAR A SEGURANÇA e, por maioria, vencido o Juiz Mauricio Kertzman Szporer, RECONHECER A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, APLICANDOSE A PENALIDADE DE MULTA FIXADA EM R$2.000,00 nos termos do voto do Juiz Relator de fls. 219/224, que integra o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 7 de dezembro de 2011. DAISY LAGO RIBEIRO COELHO - Vice-Presidente no exercício da Presidência; JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Buscando ordem liminar, MARIA ANGÉLICA JUVENAL MAIA, Prefeita do Município de Candeias, impetra o presente writ contra decisão promanada da Belª JACIARA BORGES RAMOS, Juíza da 127ª Zona Eleitoral, 308 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA cuja determinação ali contida se direcionou ao encaminhamento da AIJE nº 299/2008 a este Tribunal Regional, com as razões recursais, sem que houvesse se pronunciado acerca do requerimento expressamente formulado pela Impetrante e seu Vice-Prefeito, “no sentido de que fossem desentranhados dos autos os documentos novos juntados após a apresentação da defesa”, que, segundo alega, imbricam-se com os fatos deduzidos no recurso eleitoral por si interposto. Alega que a sentença lançada na sobredita ação investigativa sem apreciação daquele pleito, motivou a oposição de embargos declaratórios, sem êxito, porquanto o a quo deles não conheceu ao fundamento de extemporaneidade, dando ensejo a novos aclaratórios que, conquanto conhecidos, não supriram, a seu ver, a omissão outrora apontada na primeira insurgência, originando terceiros embargos de declaração que posteriormente julgados protelatórios pela Impetrada. Valendo de dispositivo do Código de Processo Civil, sustenta que a objeção à sentença por meio de embargos de declaração interrompeu o prazo para a interposição de outros recursos para qualquer das partes, sendo a decisão neles proferida foi publicada no DPJ de 09/09/2011, quando o processo já se encontrava no Tribunal Regional Eleitoral, para onde fora encaminhado em 25/08/2011, remetido à Procuradoria Regional Eleitoral no dia 29/08/2011. Distribuído o mandamus ao Juiz Plantonista, Dr. Maurício Kertzman Szporer, a liminar requestada foi parcialmente deferida para determinar a requisição dos autos do supracitado recurso eleitoral à Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 17/18) e sua permanência na Secretaria deste Tribunal. Às fls. 25/29, a Coligação “A Força do Trabalho” formulou pedido de reconsideração, evidenciando a sua legitimidade para intervir no feito, escoltando o requerimento com os documentos de fls. 30/52. Recebendo os autos, entendi por bem aguardar as informações da autoridade coatora solicitadas pelo Juiz Plantonista (fls.54). Em momento subseqüente, os esclarecimentos vieram às fls. 57/60, juntamente com os documentos de fls. 61/210. Instado, o ilustre representante do Ministério Público Eleitoral pugnou pela denegação da segurança (fls. 212/213). É o relatório. VOTO Examinando a questão posta a acertamento, firmo convicção, de imediato, que razão não assiste ao Impetrante. Com efeito, detido na petição exibida pela Coligação A Força do Trabalho às fls. 25/29 e nas informações prestadas pela Magistrada Zonal às fls. 61/210, verifico que os embargos de declaração aludidos pelo Impetrante, Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 309 JURISPRUDÊNCIA cuidam-se, em verdade, da quarta insurgência oposta pelos Investigados contra a sentença exarada na AIJE sob enfoque. Observo, igualmente, que o a quo, julgando os terceiros embargos de declaração apresentados em 03 de agosto do corrente ano, entendeu pelo seu caráter manifestamente procrastinatórios, ex vi da regra insculpida no art. 275, § 4º do Código Eleitoral, razão pela qual declarou o trânsito em julgado da sentença (fls. 198) e concedeu prazo para que a parte investigada exibisse as suas contrarrazões, que, todavia, ainda que devidamente intimada, quedou-se inerte. A par disso, em face do quanto estatui o sobredito dispositivo legal, que estabelece: ‘os embargos de declaração suspendem o prazo para a interposição de outros recursos, salvo se manifestamente protelatórios e assim declarados na decisão que os rejeitar”, outrossim, configurada a qualidade procrastinatória daquela terceira irresignação, com intimação válida e regular da Impetrante do teor desta decisão, impõe-se, inelutavelmente, o afastamento do alegado e presumível direito líquido e certo à devolução do prazo para a interposição de eventuais recursos, cônsono requestado pela Impetrante na peça inicial. De mais a mais, como bem salientou às fls. 212/213, o ilustre representante do Ministério Público Eleitoral com assento nesta Corte, em relação à quarta insurgência aclaratória, “a Impetrante opôs embargos em 19 de agosto de 2011 contra decisão publicada em 27 de maior de 2011”, fato que, sem sombra de dúvida, caracteriza a extemporaneidade daquele instrumento processual. Ademais de toda essa fundamentação, é preciso se pontuar de que a sentença a quo julgou improcedente o pleito constante da supra epigrafada AIJE formulado contra a Impetrante, que, ao lado do seu Vice-Prefeito, buscou com os quatro aclaratórios opostos tão somente o reconhecimento do pedido de desentranhamento de “novos documentos”. É cediço que os embargos de declaração objetivam, na melhor técnica jurídica, o aprimoramento da decisão que, via de regra, é proferida em desfavor do embargante, igualmente, visam a esgotar a jurisdição do Juízo a quo, com devolução da matéria às instâncias superiores para seu exame. Verifico na vertente, que, in casu, o Juízo singular julgou improcedente a AIJE e, assim, culminou por fulminar o pedido da Coligação Investigante no sentido de reconhecer as imputações exordianas ali insertas e assacadas aos Investigados, circunstância que, sem vestígio de dúvida, repele a existência de prejudicialidade à Impetrante. Vale dizer que, se prejuízo adveio relativamente à decisão monocrática que considerou os terceiros embargos protelatórios e declarou o trânsito em julgado da sentença (fls. 39), a mim, não me parece, que teve o condão de provocar a Impetrante, porquanto, intimada, manteve-se inerte a apresentação de contrarrazões ao recurso eleitoral interposto pela Coligação “A Força do Trabalho”, preferindo, por sua conta e risco, opor embargos declaratórios, que, seqüencialmente, revelou-se, ao lado das outras três oferecidas 310 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA pelo seu Vice-Prefeito, a quarta objeção, ainda, que na inicial deste writ tenha omitido esta informação. Frente às máximas de experiência subministradas pelo exercício da judicatura, concluo que, aos meus olhos, é inescondível o desiderato da Impetrante: cuida-se de manobra processual curial com o intuito de retardar o andamento e a apreciação do recurso eleitoral já apresentado pela Coligação investigante, conduta que caracteriza induvidosa litigência de má-fé, cujo enquadramento repousa no art. 17, incisos II e VII, do Código de Processo Civil, aqui aplicado subsidiariamente. Acerca do tema, valho-me da brilhante lição de Victor Martins Ramos Rodrigues, em sua obra “A Litigância de Má-Fé e os Recursos Protelatórios no Processo de Conhecimento”: “A litigância temerária decorre da violação do princípio da lealdade e boa-fé processual. As noções de lealdade e probidade, não são jurídicas, mas decorrem da experiência social. A lealdade é o hábito de quem é sincero e, naturalmente, abomina a má-fé e a traição; enquanto que a probidade é própria de quem atua com retidão, segundo os ditames da consciência. A litigância de má-fé é a qualificação jurídica da conduta, legalmente sancionada, daquele que atua em juízo convencido de não ter razão, com ânimo de prejudicar o adversário ou terceiro, ou criar obstáculos ao exercício do seu direito, desvirtuando a finalidade do processo. Verifica-se, portanto, que o delito processual em análise apenas estará configurado se houver dolo, ou seja, o animus deliberado de lesar a outra parte ou procrastinar deliberadamente a marcha processual. (...) Outro exemplo de litigância temerária reside na oposição injustificada ao fluxo do procedimento, no qual a malícia é elemento essencial, que não se confunde com as hipóteses que tutelam objetivos idôneos ou juridicamente relevantes, cuja análise deve ficar reservada ao prudente arbítrio do juiz. (...) Esse inciso é genérico, por abranger todos os tipos de ações, sendo certo que, qualquer ato ou omissão que caracterize uma vontade da parte em atrasar o desfecho processual a fim de “ganhar tempo” e com isso desrespeitar a parte contrária, opondo resistência injustificada ao normal andamento do processo, é considerada litigância de má-fé, na abrangência do art. 17 e seu inciso pertinente.” Conclusão: “O direito de recorrer é constitucionalmente garantido (CF 5.º LV). No entanto, o abuso desse direito não pode ser tolerado pelo sistema.” Mercê dessas ilações no plano doutrinário, conclui-se que o retardamento proposital de um feito, por intermédio de meios legais existentes nos Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 311 JURISPRUDÊNCIA nosso ordenamento jurídico, ocasiona julgamentos desnecessários e inócuos, como na espécie, acarretando, por conseguinte, desprestígio, não só deste valoroso e excepcional remédio heróico, mas, também, sobrecarga dos trabalhos para este Tribunal, merecendo, portanto, repúdio, quanto o mais que o presente writ foi impetrado no plantão judiciário e do seu aparato a Impetrante se utilizou para tratar de matéria própria de exclusiva de recurso eleitoral: pedido de desentranhamento de documentos novos. Ante o quadro que se descortina, é imprescindível pulso forte, de maneira a se barrar essa conduta que propicia a eternização dos feitos com grave lesão ao Princípio da Celeridade, maior vetor desta Justiça Especializada, e mácula a tão já desgastada imagem do Poder Judiciário junto à sociedade, ansiosa por Justiça. Esse mesmo posicionamento, ainda que de início tenha encontrado resistência, inclusive desta Corte, deu ensanchas a aplicação de multa nos embargos declaratórios considerados protelatórios, posteriormente chancelado pela Corte Superior no Recurso Especial Eleitoral nº 21.549 – Classe 22ª, da lavra do Min. Humberto Gomes de Barros, datada de 19.04.2005, verbis: “O interesse de agir existe quando há necessidade e utilidade de acionar o aparato judiciário. Sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil, não tem razão de ser o recurso, sendo desnecessária a prestação jurisdicional. Verifica-se, por oportuno, a necessidade de aplicação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, uma vez que os Declaratórios foram utilizados indevidamente, provocando injustificada procrastinação da marcha processual, retardando, em detrimento do interesse público, a finalização do litígio”. Trilhando nessa senda, é que estou convencido de que aqui devem ser invocado, subsidiária e cumulativamente, os artigos 17 e 18 do CPC, que, respectivamente, definem a hipótese da litigância de má-fé e fixa multa à sua ocorrência, desvelando-se necessários na presente, de forma a se coibir e inibir a utilização de recursos indevidos. Ex positis, na esteira do opinativo ministerial, denego a segurança requerida, e, por conseguinte, faço cessar os efeitos da decisão liminar parcialmente concedida às fls. 17/18 e, autorizado pelos artigos 17 e 18 do CPC, condeno a Impetrante ao pagamento de multa, que ora arbitro no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser recolhida em favor da parte ex adversa. É como voto. Salvador, em 7 de dezembro de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator 312 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 6 5 0 / 2 0 11 RECURSO ELEITORAL PROCESSO Nº 498-69.2011.6.05.0000 CLASSE 30 MUNICÍPIO: Central RECORRENTES: Leonandes Santana da Silva (Advs.: Béis. Ademir Passos, Chrisvaldo Monteiro de Almeida, Fernando Couto, Adriano Gonçalves de Queiroz e Carlos Laranjeira Medeiros); José Maciel Júnior e Hermenito Ferreira do Amaral (Advs.: Béis. Ademir Ismerim e José Juarez Vinhas Júnior). RECORRIDOS: José Maciel Júnior e Hermenito Ferreira do Amaral; Leonandes Santana da Silva e Uilson Monteiro da Silva (Advs.: Béis. Ademir Passos, Chrisvaldo Monteiro de Almeida, Fernando Couto, Adriano Gonçalves de Queiroz e Carlos Laranjeira Medeiros). PROCEDÊNCIA: Juízo da 159ª Zona Eleitoral. RELATOR: Juiz Josevando Souza Andrade. REVISOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Recursos. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Litigância de má-fé. Aplicação de multa. Recurso não provido. Alegação de captação ilícita de sufrágio pela compra de votos e abuso do poder econômico. Fragilidade das provas coligidas aos autos. Não provimento. 1. Nega-se provimento a recurso que visa afastar multa aplicada em decorrência de litigância de má-fé, quando os recorrentes não trazem aos autos elementos hábeis a demonstrar que tal situação não ocorreu; 2. Não deve ser provido o recurso eleitoral quando os elementos de prova coligidos aos autos não se revelam aptos a demonstrar a prática das condutas ilícitas assacadas pelos recorrentes; 3. Recursos aos quais se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 14 de dezembro de 2011. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 313 JURISPRUDÊNCIA CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Presidente em exercício;JOSEVANDO SOUZA ANDRADE - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Os fólios sub examine tratam de recursos interpostos contra sentença proferida pelo juízo da 159ª Zona Eleitoral que, julgando improcedentes os pedidos constantes da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, manejada por José Maciel Júnior e Hermenito Ferreira em face de Uilson Monteiro da Silva, da Coligação “O Progresso deve continuar” e de Leonandes Santana da Silva, condenou este último ao pagamento de multa no valor de R$ 30.000 (trinta mil reais) por litigância de má-fé. Em suas razões recursais, o Recorrente Leonandes Santana da Silva defende que a decisão merece reforma uma vez que, ao condená-lo na indigitada multa após julgar extinto o processo, o magistrado teria ultrapassado sua função jurisdicional. Alega, outrossim, que tal penalidade não encontra respaldo legal, não cabendo ainda sua aplicação ex officio. Por fim, aduz que o valor da referida multa, além de exorbitante, não poderia ser revertido para a Fazenda Pública. A segunda peça recursal, interposta por José Maciel Júnior e Hermenito Ferreira do Amaral, reproduziu, ipsis litteris, as razões expostas em sede de alegações finais, ratificando, em suma, as comprovadas práticas de captação ilícita de sufrágio - mediante a compra de votos - e de abuso de poder econômico, motivo por que o decisum necessitaria alteração. Os Recorridos Leonandes Santana da Silva e Uilson Monteiro da Silva encaminharam contra-razões por meio de fax (fls. 325/332). A via original, por seu turno, não foi apresentada, conforme se extrai da certidão de fls. 335. Às fls. 339/347, o Ministério Público Eleitoral pronunciou-se, preliminarmente, pelo não conhecimento das contra-razões e, no mérito, pelo desprovimento de ambos os recursos. É o relatório, que ora submeto à apreciação do eminente Juiz Revisor. VOTO Adoto como relatório o de fls. 354/355. Antes de se adentrar no exame das questões de fundo em postulação nos recursos interpostos, cumpre-me tecer alguns comentários sobre a apresentação dos recursos e contrarrazões por meio de fax. 314 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Visando dar efetividade ao princípio da celeridade que deve orientar o processo eleitoral, o Colendo Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução nº 21.711/2004 (art. 12), mitigou o quanto disposto na Lei nº 9.800/99, tornando dispensado, nessa Justiça Especializada, o envio dos originais das petições encaminhadas através de fac-simile. A propósito, observe-se o aresto abaixo transcrito: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSOS ORDINÁRIOS. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE. AFASTAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. NÃO-PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou-se pela mitigação da exigência do art. 2º da Lei nº 9.800/99. Dessa forma, tornou-se prescindível, na praxe eleitoral, a posterior apresentação dos originais dos recursos interpostos via fac-símile. 2. Todas as questões necessárias à adoção do entendimento esposado no acórdão embargado foram analisadas. O magistrado não está adstrito aos argumentos das partes, nem obrigado a responder todos os seus questionamentos. 3. A negativa de provimento aos recursos ordinários deu-se em razão da inexistência de direito líquido e certo à nomeação dos candidatos, ante a ausência de disponibilidade financeira para que o TRE/SE o fizesse. 4. As questões relativas à suposta mora da autoridade coatora em realizar o levantamento das áreas a serem atendidas pelas vagas, bem como às prioridades no uso do orçamento da Corte Regional não podem ser analisadas pelo TSE sem a cabal demonstração de máculas no ato administrativo. 5. Inexistência de vícios no aresto embargado. 6. Embargos de declaração não-providos. ERMS - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA nº 514 - Aracaju/SE. Acórdão de 14/08/2007, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO. Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 14/09/2007, Página 223. (grifou-se) Este Regional, adotando o procedimento previsto na suso referida resolução, também tem considerado válidas as petições apresentadas sem a correspondente via original, como é de se observar logo avante: Recurso. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Improcedência. Captação ilícita de sufrágio. Ausência de suporte probatório. Não provimento. Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam. Existindo documento comprobatório, arquivado em Cartório, autorizando a pessoa que outorgou procuração ao advogado a representar a Coligação autora, rejeita-se a preliminar. Preliminar de não conhecimento do recurso por descumprimento do artigo 2º da Lei nº 9.800/99. A falta de apresentação dos originais, no prazo de cinco dias, não Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 315 JURISPRUDÊNCIA enseja o não conhecimento do recurso interposto via facsímile no tríduo legal. Preliminar de inépcia da inicial. Rejeitase a prefacial, pois, ainda que houvesse tipificação equivocada na exordial, o magistrado está subordinado unicamente aos fatos nela narrados. Preliminar de ilicitude da prova. Deve ser tida por ilícita a gravação ambiental feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, desconsiderando-a como prova nos presentes autos. Mérito. Nega-se provimento a recurso, tendo em vista não ter sido comprovada a ocorrência da alegada captação ilícita de votos, mantendo-se incólume a decisão que julgou improcedente a ação. (Grifou-se) RE - RECURSO ELEITORAL nº 12694 - Chorrochó/BA. Acórdão nº 1523 de 03/11/2009. Relator(a) JOSÉ MAURÍCIO VASCONCELOS COQUEIRO Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 10/11/2009. Nessa senda, portanto, conheço do recurso interposto, através de fax, por José Maciel Júnior e Hermenito Ferreira do Amaral, ainda que seus originais tenham sido encaminhados fora do quinquídio legal estipulado por lei, bem como das contrarrazões propostas por Leonandes Santana da Silva e outro, cuja via original não foi protocolizada. DO RECURSO INTERPOSTO POR LEONANDES SANTANA DA SILVA. A argumentação ventilada pelo Sr. Leonandes Santana da Silva na insurgência que propôs apresenta-se por demais inconsistente. Antes de se discutir os pontos levantados, entretanto, faz-se mister a transcrição do art. 18, caput da legislação processual civil. Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a 1% (um por cento) sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. (grifou-se) A mera leitura desse dispositivo é suficiente para, de per si, revelar a improcedência de alguns dos argumentos levantados pelo recorrente. O primeiro, o de que incorreu em erro o magistrado ao aplicar a multa de ofício, manifesta-se infundado por permitir, expressamente, a norma em epígrafe, que a condenação seja efetuada ex officio pela autoridade judicial ou mediante requerimento a ele formulado. O segundo argumento, por seu turno, o de que a mencionada multa é despossuída de embasamento legal, é causador de verdadeiro espanto, ex vi da regulamentação legal realizada pelo CPC pátrio. 316 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA As demais razões trazidas à baila, da mesma forma, não merecem guarida, por apresentarem-se inconsistentes. Examinemos. O princípio da inalterabilidade da sentença, consubstanciado no art. 463 do CPC, limita o ofício do magistrado à publicação da sentença de mérito. Após isso, sua alteração só tem cabimento em situações de correção de erro material ou de cálculo ou quando da oposição de embargos de declaração. Pois bem. Ao afirmar o Sr. Leonandes que a função jurisdicional foi ultrapassada pelo juiz ao condená-lo em multa por litigância de má-fé, mostrou-se desconhecedor do direito vigente, em específico, o que pertine aos limites da prestação jurisdicional e aos componentes de uma sentença de mérito (relatório, fundamentação e dispositivo). Impende registrar que a decisão de instância inferior mostrou-se irreprochável neste quesito, uma vez que o juiz, até a prolação da sentença, ainda se encontrava em seu ofício jurisdicional. Demais disso, fundamentou seu decisum, antes de anunciar a decisão pela condenação. Já no que se refere ao montante arbitrado, R$30.000,00 (trinta mil reais), em nada se apresentou desarrazoado. Os motivos invocados pelo juiz de primeiro grau – natureza e importância da causa, a gravidade da conduta, o dano causado ao Poder Judiciário e ao sistema jurisdicional como um todo, bem como à própria equididade – são bastantes em si para servir de arrimo à quantia fixada. Por fim, a multa pela litigância de má-fé será revertida à Fazenda Pública, não procedendo a alegação exposta. Ante o exposto, nego provimento à pretensão contida no recurso em comento. DO RECURSO INTERPOSTO POR JOSÉ MACIEL JÚNIOR E HERMENITO FERREIRA DO AMARAL. Registro, ab initio, que o recurso em vitrina reproduziu textualmente o conteúdo das alegações finais (fls. 210/221), devidamente apreciadas pelo juiz de primeiro grau quando da sentença. Perlustrando os autos, verifico, assim como ficou consignado na decisão rechaçada e nas interpostas contrarrazões, que o acervo probatório residente nos autos demonstra-se por demais frágil, incapaz de confirmar terem os recorridos praticado quaisquer das condutas ilícitas que lhes foram assacadas, razão que me leva a decidir pela manutenção da sentença, na sua integralidade. A fragilidade aqui referida deve-se aos depoimentos prestados no bojo desses fólios que não se prestam à comprovação das alegações da parte recorrente, já que consistem num verdadeiro emaranhado de declarações díspares, em algumas situações desmentidas por seus próprios autores. É o Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 317 JURISPRUDÊNCIA que se sucede, por exemplo, com as declarações colhidas do Sr. Walterney Félix Tarrão, em juízo e perante a autoridade policial, de quem supostamente os recorridos teriam comprado voto. Transcrevo, a priori, seu depoimento concedido em sede investigativa, às fls. 37/40: (...) que o declarante reside nesta cidade de Irecê e aqui possuía pequeno estabelecimento comercial (...) denominado “Rango”; (...) que ainda possuía o “Rango” quando Cleber, morador de Central, contraiu débito junto ao seu estabelecimento no montante de cento e cinqüenta reais; que no dia 10 de setembro do ano em curso Cleber procurou o declarante para quitar o débito; que, efetivamente, Cleber pagou o débito com um cheque no valor mencionado: cento e cinqüenta reais, de emissão de João Ribeiro Maciel Brito, cheque este de número 33581-9, do Banco do Brasil de Irecê; que o próprio declarante descontou o cheque na agência do Banco do Brasil desta cidade; (...) que não é verdade que tivesse vendido seu voto; que, como disse anteriormente, recebeu o cheque de Cleber, que quitou um débito que havia contraído no “Rango” que o declarante possuía; (...) que, efetivamente, jamais vendeu seu voto a João Ribeiro, ao Prefeito Leonandes ou a qualquer outro político; (...) Corroborando o quanto aduziu no depoimento retro, a testemunha em foco, à fl. 41, emitiu declaração na qual aduz: (...) Declaro ainda que, sabendo do fato de que pessoas obtiveram cópias do cheque para tentar prejudicar politicamente o Senhor João Riveiro, sendo este eleito vereador na cidade de Central-Bahia, proprietário da conta deste cheque em foco, não o recebi em troca de nada, nem sequer recebi das mãos deste, e sim do Senhor Cleberlito Matos Cruz.(...) Já em juízo (fls. 103/104), contradizendo o que até então havia advogado, o Sr. Walterney firmou as seguintes palavras: (...) que estava em Irecê, em um bar de nome “Rango”, tipo trailer, quando chegou o vereador João Ribeiro, perguntando se o depoente ainda votava no Povoado de Queimadas, neste município; que nesse momento ele disse para o depoente que ia lhe dar uma ajuda de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) para o depoente e sua família votar nele e no candidato a prefeito Leonandes; que recebeu um cheque naquele mesmo dia no referido valor; que ele disse que não ia dar o dinheiro naquele momento porque não tinha; que podia dar o dinheiro no dia 20; que resolveu então dar um cheque ao depoente datado do mesmo dia, que foi 10/09/2008; (...) que recebeu outra 318 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA ameaça de Cleberlito dizendo que se o depoente não assinasse a declaração do dia 13 de outubro, que o depoente iria se dar mal; que foi ameaçado de morte para fazer a declaração de fl. 41 dos autos, por Jairo do Carrapato, Enilson Pereira Bastos e Cleberlito; (...) que nega as declarações feitas na delegacia de fls. 31/40; que disse aquilo porque foi ameaçado de morte por Cleberlito Matos e Jairo do Carrapato;(...) Ante tais declarações contraditórias, de se ver que credibilidade alguma merece o testemunho trazido pelo referido testigo. Some-se a isso, o fato de que o depoimento prestado por Aidee dos Santos Souza (fls. 184/185), abaixo reproduzido, considerando sua proximidade com o Sr. Walterney e sua esposa, revela-se consistente e rico em detalhes, infirmando o declarado por este. Verbis: (...) a esposa de Walterney, de nome Aparecida, trabalhou para a depoente durante oito meses como empregada doméstica; que ela trabalhou para a depoente até o início deste ano; que neste período Walterney e a esposa moravam em Irecê próximos a residência da depoente; que Walterney tinha um bar em uma praça onde ficam os trillers (sic), conhecidos por “Rango”; que Walterney vendia comida, lanches e bebidas; que o triller de Walterney ficava próximo ao Ginásio de Esporte; que ele trabalhou aproximadamente sete meses; que não viu Genário procurar Walterney no seu triller; que certi dia a depoente estava dando aulas de corte e costura em sua residência, onde funciona a ONG incubadora de novos talentos, onde trabalha na parte financeira, quando Walterney entrou correndo muito nervoso, dizendo que Junior de Gilci e Malafaia queriam levar ele para a fazenda de Osmar Torres para impedir que ele desse outro depoimento; que nessa oportunidade Walterney disse para a depoente que Júnior de Gilci e Malafaia, em um carro preto, levou ele até Lapão para fazer uma declaração sobre os cheques; que o expediente já tinha sido encerrado, mas Júnior tinha conhecimento com o pessoal com o cartório de lá; que tinha uma arma dentro do carro quando eles foram para Lapão; que Júnior ficou no cartório resolvendo a questão da declaração e Malafaia e Walterney ficaram lá fora; que Walterney ouviu Malafaia conversando com mais duas pessoas, que segundo eles eram pistoleiros, dizendo que ele ia para fazenda de Osmar Torres e não tinha retorno; que ele achava que ia morrer; que ele pedia para ele ir em casa avisar a família e pegar umas roupas mas foi proibido por Malafaia, que disse era p/ ele não dizer a ninguém para onde ele ia nem mesmo a sua família; que passou cinco dias sem sair de casa, sendo que Júnior e Malafaia ficavam rodando a casa dele para ver se ele estava lá; que Malafaia e Júnior tinham receio de que Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 319 JURISPRUDÊNCIA a coligação do prefeito Leonandes, ao descobrir que ele tinha vendido as cópias dos cheques para Dr. Genário e Osmar Torres; que ele se arrependeu de ter feito uma covardia para com Cleberlito (declaração dada em Lapão), pois na verdade Cleberlito deu um cheque de R$ 150,00 reais e ele ainda passou um troco para Cleberlito; que Cleberlito era cliente de Walterney e ele tinha uma conta lá em seu nome; que ele tirou quatro cópias do cheque, que dias ele entregou a Osmar Torres e as outras duas ficou com ele; que um senhor conhecido por “professor” fez a negociação com Malafaia, Júnior de Gilci e um vereador do qual não se recorda o nome; que se Walterney conseguisse a cópia do cheque para entregar a eles, ele receberia R$ 30.000,00 se o prefeito Leonandes saísse da prefeitura; que Walterney dormiu em sua casa durante dois dias; que ele contou para o depoente que Júnior, Malafaia e o professor andavam procurando um meio de completar o que eles já tinham contra o prefeito Leonandes; que ele comentou sobre um processo movido contra Leonandes a respeito de um carro de som, mas que não tinha dado em nada; que com as cópias do cheque eles sabiam que poderiam tirar o prefeito; que eles achavam isso porque caracterizaria que CLeberlito era funcionário do prefeito; que a depoente propôs a Walterney que desse uma declaração na delegacia de Irecê, contando o que tinha realmente acontecido; que a esposa dele disse que ou ele dava essa declaração ou largava ele; que compareceram a delegacia a depoente, Walterney, a esposa dele, Cleberlito e um senhor de que recorda o nome; que nesse dia foi o próprio Dr. Fábio quem tomou o depoimento de Walterney; que Walterney não foi ameaçado nem por João Ribeiro e nem por Cleberlito para ir dar esse depoimento; que Walterney saiu da casa da depoente direto para a delegacia e por isso não sofreu qualquer tipo de ameaça, indo lá de livre e espontânea vontade; que ele ficou com medo de vir para Central, porque Malafaia e Júnior poderia fazer alguma coisa contra ele; que ele ficava trancado dentro de casa e a esposa pegava comida na casa da depoente e levava para ele; que os dois filhos de Walterney eram alunos da ONG; que depois disse não teve mais contato com Walterney; que a depoente ajudou Walterney no seu comércio doando um fogão usado; que além disso sempre ajudou os filhos dele com a doação de roupas e outras coisas; que o mais velho conseguiu um emprego na Malharia o Kilão graças ao trabalho da ONG; que o vereador James também acompanhou o grupo até Lapão; que Walterney comentou que tinha recebido R$ 400,00 (quatrocentos reais) de Júnior e Malafaia para fazer a declaração em Lapão; (...) que Walterney vendeu duas cópias do cheque para Osmar Torres e Genário, que já se encontravam em Salvador, em processo para tirar o 320 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA prefeito; que na residência da depoente residem seu marido e um filho; que não tem nenhum filho em Central; que tem três filhos, sendo que apenas um mora com a depoente e os demais moram em Irecê; que abrigou Walterney na sua casa depois das eleições; que na época a sua filha Milena trabalhava com voluntária em uma cooperativa sediada neste município, trabalhando com moda; que além de Central ela trabalha em São Gabriel, Gentio do Ouro e Barra do Mendes; que a ONG onde ela trabalha não recebe nenhuma verba da prefeitura de Central; que a esposa de Walterney não é funcionária da ONG; que ela prestou serviço domésticos diretamente para a depoente; que ela deixou de trabalhar com a depoente há dois meses; (...). Mais ainda. A falta de crédito atribuída ao testemunho do Sr. Walterney deve-se, também, ao fato de o mesmo enfrentar processo ajuizado pelo Ministério Público da comarca de Irecê pelo crime de denunciação caluniosa (autos nº 0002064-80.2010.805.0110). Quem, em sã consciência, creditaria confiança às palavras de alguém que responde em juízo por falsa imputação de crime? Já no que tange ao segundo quesito invocado pelos recorrentes como motivo idôneo ao provimento do recurso – suposta compra de votos do Sr. José Raimundo dos Santos, identicamente, tenho por irretocável a sentença a quo. Extrai-se que o Sr. José Raimundo foi contratado para trabalhar na campanha do então recorrente, à época candidato a prefeito, Sr. Leonandes, com a finalidade de prestar serviço de locação de carro de som. Dos autos, porém, não se consegue aferir, sem dúvidas, que a contratação de tal serviço realmente esteve condicionado ao voto no recorrente. Por fim, o terceiro fundamento trazido à baila pelos recorrentes, a alegada compra de votos do Sr. Valdísio Malafaia de Carvalho e de seus familiares, não encontra eco no aprofundado exame das provas coligidas, máxime ao se levar em consideração sua conduta social, salientada pela sentença (fl. 268). Compete destacar que na sistemática do processo civil, prova diz respeito à atividade desenvolvida pelos litigantes no processo, destinada a trazer para os autos informações que demonstrem a veracidade das suas alegações. Nesse toar, a sistemática adotada pela processualística pátria foi a do livre convencimento motivado do magistrado, mediante o qual, cabe-lhe, decidir a lide conforme sua convicção, devendo-se vincular somente à lei e as provas colacionadas aos autos durante a instrução processual. Nesse diapasão, não há hierarquia de provas no direito vigente, por meio de sua tarifação. A prova testemunhal, desta feita, possui mesmo valor que uma documental. Na situação em apreço, não se encontra robustez nas Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 321 JURISPRUDÊNCIA provas a ponto de se reconhecer a procedência dos argumentos utilizados nos recursos e, portanto, aplicar a penalidade prevista quando da captação ilícita de sufrágio e do abuso de poder econômico: cassação do mandato dos eleitos, ora recorridos. Essa linha de intelecção, por sinal, tem sido adotada por esta Corte em seus diversos julgados em casos análogos. Observe: Ementa: Recurso em AIME. Eleições 2004. Candidata ao cargo de vereador. Arts. 41-A da Lei nº 9.504/97 e 222 do CE. Prova insuficiente. Não verificação. Não provimento. Inexistindo nos autos prova robusta e inconteste da prática de captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder econômico atribuída à candidata eleita, deve ser mantida a sentença recorrida, negando-se provimento ao apelo interposto, com a recomendação de que seja apurado no Juízo de origem os indícios de corrupção eleitoral apontados pelo MP. RAIM - RECURSO EM ACAO DE IMPUGNACAO DE MANDATO nº 106 – Bom Jesus da Serra/BA, Acórdão nº 247 de 18/04/2006, Relator(a) ELIEZÉ BISPO DOS SANTOS, Revisor(a) ANTONIO CUNHA CAVALCANTI, Publicação: DPJBA - Diário do Poder Judiciário da Bahia, Data 26/04/2006, Página 83. Por tudo quanto anteriormente delineado, por mostrar-se extremamente frágil e inconsistente o acervo probatório apresentado, insuficiente, assim, a demonstrar as graves condutas narradas na exordial, mantenho in totum a decisão recorrida, negando provimento ao apelo que a desafiou, ratificando a condenação pela litigância de má-fé do Sr. Leonandes Santana da Silva no valor constante da sentença e mantendo nos cargos de prefeito e vice-prefeito seus atuais ocupantes. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 14 de dezembro de 2011. Josevando Souza Andrade Juiz Relator 322 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA A C Ó R D à O N º 1 . 6 6 1 / 2 0 11 REPRESENTAÇÃO PROCESSO: Nº 4.917-69.2010.6.05.0000 CLASSE: 42 (EXPEDIENTE Nº 45.989/2010 – RECURSO) MUNICÍPIO: Salvador RECORRENTE: Ministério Público Eleitoral. RECORRIDO: Sandoval Souza Guimarães. Advª.: Belª. Paloma Contreiras Guimarães. RELATOR: Juiz Wanderley Gomes. Recurso. Representação. Placas em Comitê de Candidato. Dimensões superiores a 4m². Retorno dos autos do TSE. Materialidade reconhecida. Propaganda eleitoral irregular. Autoria e prévio conhecimento. Demonstração. Multa. Art. 37, §§1º e 2º da Lei nº 9.504/97. Provimento. Tendo os autos retornado do TSE, após o reconhecimento da materialidade da propaganda irregular, mediante placas, colocadas em comitê de candidato, com dimensões superiores a 4m2, dá-se provimento a recurso, quando verificada a autoria e o prévio conhecimento do candidato, acerca da aludida publicidade, aplicando-lhe multa, prevista no artigo 37, §§1º e 2º da Lei nº 9.504/97. Visto, relatado e discutido o expediente acima indicado, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar o presente Acórdão. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 15 de dezembro de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Presidente em exercício; WANDERLEY GOMES - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Os presentes autos retornam do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a decisão de fls. 109/115, por meio da qual a eminente relatora, a Minis- Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 323 JURISPRUDÊNCIA tra Carmen Lúcia, deu provimento ao recurso especial aviado pelo Ministério Público Eleitoral, para determinar que, ultrapassada a questão alusiva à materialidade da infração, fosse então, procedido ao exame da autoria e do prévio conhecimento do ilícito, para fins de eventual aplicação de multa. É que, ao apreciar o recurso manejado pelo parquet, em face da decisão que julgou improcedente a representação ajuizada contra Sandoval Souza Guimarães, candidato ao cargo de Deputado Federal, este Regional entendeu, por maioria, que a prática alvejada (colocação de placas, com dimensões superiores a 4m2, na sede do seu comitê político) não conformava qualquer irregularidade, conforme acórdão de fls. 55/58, assim ementado: Recurso. Representação. Improcedência. Placas em Comitê de Candidato. Dimensões superiores a 4m². Propaganda eleitoral irregular. Não configuração. Desprovimento. Nega-se provimento ao recurso quando ausente, na realidade fática, qualquer irregularidade na propaganda veiculada em fachada de comitê central de coligações ou de partidos, nos termos do art. 10, I da Resolulção TSE nº 23.191/2010. (TRE-BA. Acórdão n.º 1938/2010. Relator Juiz Ruy Eduardo Almeida Britto, de 27.10.2010) Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso especial, que foi provido, tendo o TSE entendido que a decisão recorrida está em desacordo com o entendimento daquela Corte Superior, que aplica a proibição de propaganda eleitoral veiculada por meio de placas superiores a 4m2, afixadas em comitês de candidatos. Tendo sido, originalmente, relatados pelo ilustre Juiz Auxiliar, o Dr. Ruy Britto, vieram-me os autos conclusos, trazendo-os, nessa oportunidade, para julgamento. É o relatório. VOTO A materialidade da prática, ora impugnada, já restou apreciada pelo Tribunal Superior Eleitoral, ao dar provimento ao recurso especial, restando, portanto, a este Regional o exame da autoria e do prévio conhecimento do representado, para fins de eventual aplicação de multa. Nessa direção, impende registrar que, conquanto tenha sido regularmente notificado para apresentar defesa, o recorrido quedou-se inerte, tendo, entretanto, apresentado manifestação, quando os autos já se encontravam na Superior Instância, conforme se verifica às fls. 91/94. A teor do art. 322, parágrafo único do CPC, poderá o revel intervir no processo em qualquer fase procedimental, recebendo o processo no 324 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA estado em que se encontrar. Da leitura da aludida peça defensiva, tem-se que a autoria da propaganda e o prévio conhecimento do candidato restaram largamente evidenciados, à medida que foram os fatos confessados, senão vejamos: Visando dar conhecimento de forma ampla, mandou plotar o local com 03 (três) painéis autocolantes nas fachadas do referido imóvel, conforme demonstrada nas fotos objetos desta notificação. [...] Na inicial, verifica-se a intenção da Procuradoria Eleitoral em classificar os painéis na condição de outdoor. [...] Ora, como pode ser irregular, desde que o imóvel locado (doc em anexo), funciona o Comitê Político, como bem arrazoa a Procuradora, [....]. E de que forma pode ser aferido como grande os painéis uma vez que, na verdade os mesmos não estão a desrespeitar a lei, [...]. (fl. 93) E, ao final, conclui: “Dessa feita, diante dos robustos argumentos aqui apresentados, requer seja declarada a atipicidade dos fatos narrados no termo de Notificação, ordenando-se seu imediato ARQUIVAMENTO, haja vista a placa utilizada pelo candidato encontrar-se em perfeita harmonia com o quanto previsto pela legislação vigente.” (fl. 94) Verifica-se, destarte, que não houve qualquer contestação acerca da veracidade dos fatos, tampouco negou a autoria. Ao revés, o candidato, confessando a prática, limitou-se a defender a sua atipicidade, de sorte que, tendo sido a materialidade objeto de apreciação pelo TSE, resta a questão superada. Nessa senda, a responsabilidade do candidato encontra-se suficientemente demonstrada, a teor do quanto previsto no § 1º do artigo 74 da Resolução TSE nº 23.191/2010, em virtude do que, dou provimento ao recurso para condenar o candidato recorrido à multa prevista no artigo 37, §§ 1º e 2º da Lei nº 9.504/97, que fixo, considerando a ostensividade da publicidade em questão, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 15 de dezembro de 2011. Wanderley Gomes Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 325 JURISPRUDÊNCIA R E S O L U Ç Ã O N º 2 2 2 / 2 0 11 PROPAGANDA PARTIDÁRIA PROCESSO: Nº 6.984-07.2010.6.05.0000 CLASSE 27 MUNICÍPIO: Salvador REQUERENTE: Partido Verde – PV, Seção da Bahia, por seu Presidente, Ivanilson Gomes. RELATOR: Juiz Renato Reis Filho. Requerimento. Propaganda partidária. Veiculação de inserções. Emissoras. Resolução TSE n° 20.034/97. Lei nº 9.096/95. Requisitos mínimos preenchidos. Observância das normas de regência. Procedência. Deferimento. Considerando que para caracterizar o direito de inserções no Estado não é necessário que se atenda aos requisitos previstos no art. 57, I, b, parte final – representação parlamentar na Assembléia Legislativa e votação mínima de um por cento na circunscrição regional -, sendo exigido apenas dos Partidos Políticos o cumprimento do art. 57, I, a, defere-se o pedido de veiculação de propaganda partidária, na forma de inserções, pelo tempo de vinte minutos, em cada semestre do ano de 2011. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, RESOLVEM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, DEFERIR O PEDIDO, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar a presente Resolução. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 25 de abril de 2011. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência; RENATO REIS FILHO - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA- Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Trata-se de requerimento formulado pelo Partido Verde – PV, Seção da Bahia, em 22/11/2010, através de seu Presidente, solicitando a este Tribunal a veiculação de inserções de propaganda partidária, em emissoras de televisão sediadas neste Estado, no primeiro e segundo semestres do ano de 2011, conforme plano de mídia acostado às fls.44/54 dos autos. 326 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Em 07/02/11, a SERPAC informou que a aludida agremiação partidária preenche os requisitos previstos no art. 57, I, alínea a da Lei nº 9.096/95, não cumprindo, entretanto, o quanto determinado no art. 57, I, alínea b (fl. 67). Instado a se manifestar, o eminente Procurador Regional Eleitoral opinou pelo deferimento do pleito (fls. 70/71). É o relatório. VOTO Em princípio, o dispositivo que regulamentava o direito às inserções estaduais era o art. 49 da Lei nº 9.096/95, que assim dispunha: Art. 49. O partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurado: I - a realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada; II - a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais. Entretanto, nas ADIns nºs 1.351-3/DF e 1.354-8/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 13 da Lei nº 9.096/95, popularmente conhecido como “cláusula de barreira”, o que, por consequência, impossibilitou a aplicação do art. 49, acima transcrito. Assim, com vistas a se evitar inconveniente vácuo legislativo, quanto ao direito de inserções nos Estados, restou assentado nas aludidas decisões, a projeção no tempo da vigência de preceito transitório - art. 57 da Lei nº 9.096/95 – visando aguardar nova atuação das Casas do Congresso Nacional. Eis o teor do mencionado art. 57: Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte: I - direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publicação desta Lei que, a partir de sua fundação tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representante em duas eleições consecutivas: a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não computados os brancos e os nulos; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 327 JURISPRUDÊNCIA b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na Circunscrição, não computados os brancos e os nulos; (...) III - é assegurada, aos Partidos a que se refere o inciso I, observadas, no que couber, as disposições do Título IV: a) a realização de um programa, em cadeia nacional, com duração de dez minutos por semestre; b) a utilização do tempo total de vinte minutos por semestre em inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais e de igual tempo nas emissoras dos Estados onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b. Ocorre que, no julgamento do Respe 21.334/SC, O Tribunal Superior Eleitoral manifestou-se pela inconstitucionalidade do art. 57, III, b, parte final, quanto à expressão “onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b”, nos seguintes termos: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROGRAMA PARTIDÁRIO. INSERÇÕES. 1º E 2º SEMESTRES DE 2003. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 57, III, b, C.C. I, b, DA LEI Nº 9.096/95. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA PARTIDÁRIA. DIREITO DA AGREMIAÇÃO À PROPAGANDA GRATUITA INDEPENDENTEMENTE DE REPRESENTAÇÃO LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 13 DA LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DE SUAS REFERÊNCIAS NO CORPO DO DIPLOMA CONFORME ADIn nº 1.351-3/ STF. CAPUT DO ART. 57 DA LEI Nº 9.096/95. REGRA DE TRANSIÇÃO. EXAURIMENTO DA EFICÁCIA DA NORMA. DECLARAÇÃO PELO TSE DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PARTE FINAL DA ALÍNEA b DO INCISO III DO ART. 57 DA LEI Nº 9.096/95. 1. A agremiação partidária, independentemente de representação legislativa, tem direito à propaganda gratuita em razão da declaração de inconstitucionalidade do art. 13 da Lei nº 9.096/95 e suas referências no corpo do diploma (ADIn nº 1.351-3 DJ de 30.3.2007, republicado em 29.6.2007). (...) 4. O Tribunal Superior Eleitoral assenta a inconstitucionalidade da parte final da alínea b do inciso III do art. 57 da Lei nº 9.096/95 quanto à expressão “onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b” . 5. Recurso julgado prejudicado. (TSE, REspe 21334, Publicado em 23.04.2008, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins). (grifou-se). 328 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Assim, para caracterizar o direito de inserções no Estado não é necessário que se atenda aos requisitos previstos no art. 57, I, b, parte final – representação parlamentar na Assembléia Legislativa e votação mínima de um por cento na circunscrição regional -, sendo exigido apenas dos Partidos Políticos o cumprimento do art. 57, I, a – representação em, no mínimo, cinco Estados e votação de, pelo menos, um por cento no país. Por sua vez, a Seção de Registro de Partidos e Candidatos – SERPAC atesta na manifestação de fls. 61, que “o PARTIDO VERDE - PV preenche os requisitos estabelecidos pelo art. 57, I, a, da Lei nº 9.096/95, tendo superado o percentual de 1% dos votos apurados no país e elegendo Deputados Federais em mais de cinco estados nas Eleições 2006 e 2010”. Ante o exposto, em harmonia com o opinativo ministerial, voto pelo deferimento do pedido, para conceder ao Partido Verde a veiculação de 20 (vinte) minutos de inserções, em cada semestre do ano de 2011. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 25 de abril de 2011. Renato Reis Filho Juiz Relator Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 329 JURISPRUDÊNCIA R E S O L U Ç Ã O N º 1 . 5 7 7 / 2 0 11 CONSULTA PROCESSO Nº 1.404-59.2011.6.05.0000 CLASSE 10 MUNICÍPIO: Salvador CONSULENTE: Partido Democratas – Seção Bahia. Adv.: Bel. Ademir Ismerim. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Consulta. Campanha eleitoral. Utilização de trio elétrico. Caminhadas e carreatas. Artigo 39, § 10 da Lei nº 9.504/97. Resposta negativa. Considerando-se que a legislação eleitoral veda expressamente a utilização de trios elétricos durante as campanhas, abrindo uma única exceção para a “sonorização de comícios”, não cabe interpretação extensiva da norma, de modo a permitir que também sejam utilizados em carreatas e passeatas. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, RESOLVEM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, RESPONDER NEGATIVAMENTE À CONSULTA, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar a presente Resolução. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de novembro de 2011 CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA - Vice-Presidente no exercício da Presidência; MAURICIO KERTZMAN SZPORER - Juiz Relator; SIDNEPESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO Cuida-se de consulta formulada pelo Partido Democratas – Seção da Bahia, nos seguintes termos: O artigo 39, § 10 da Lei 9.504/97 permite a utilização de trio elétrico na realização de comícios. Podem os partidos políticos e coligações utilizarem trio elétrico em carreatas e caminhadas, nos mesmos moldes em que este é utilizado nos comícios? 330 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA O representante do Ministério Público Eleitoral emitiu o pronunciamento de fls. 07/09, opinando no sentido de que a pergunta fosse respondida negativamente. É o relatório. VOTO De início, cumpre registrar o que dispõe o artigo 162 do Regimento Interno desta Corte, in verbis: Art. 162. O Tribunal responderá às consultas sobre matéria eleitoral formuladas em tese, por autoridade pública ou partido político, sendo vedada a sua apreciação durante o processo eleitoral, que compreende o período da realização das convenções partidárias até a diplomação dos eleitos. Assim, atendidos os requisitos de admissibilidade que lhes são próprios, a consulta deve ser conhecida, já que o questionamento versa sobre matéria eleitoral em tese, além de ter sido formulado em período permitido e por quem detém legitimidade para tanto. O tema abordado diz respeito à utilização de trios elétricos durante a campanha eleitoral. Sobre a questão, o artigo 39, § 10 da Lei nº 9.504/97 estatui: Art. 39 (…) § 10. Fica vedada a utilização de trios elétricos em campanhas eleitorais, exceto para a sonorização de comícios. Diante disso, a pergunta deve ser respondida negativamente. A legislação eleitoral veda expressamente a utilização de trios elétricos durante as campanhas, abrindo uma única exceção para a “sonorização de comícios”, não cabendo a interpretação extensiva que o consulente visualiza possa ser aplicada. Nesse sentido, trago à colação decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, nos autos da Representação nº 7.653-38: RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ELEIÇÕES 2010. UTILIZAÇÃO DE MEIO DE TRANSPORTE CONHECIDO COMO TRIO ELÉTRICO, EM HIPÓTESE OUTRA QUE A ADMITIDA EM LEI. IRREGULARIDADE CONFIGURADA. A presença de pessoas sobre o veículo, portanto bandeiras e, inclusive, microfone, transmite a idéia de interação com o público e incitação dos eleitores, o que configura ato em comício ou até mesmo showmício, sendo apto a causar desequilíbrio ao pleito. A norma contida no § 10, do artigo 39, da Lei n. 9.504/97 coíbe toda e qualquer forma utilização de trios Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 331 JURISPRUDÊNCIA elétricos, apenas excetuando quando da utilização para sonorização de comícios. Por se tratar de requisito objetivo da lei, não cabe a este Julgador interpretar a norma de forma extensiva. Recursos não providos. (Representação nº 7.653-38 - Belo Horizonte/MG. Relator: Juiz Octavio Augusto de Nigris Boccalini. Publicado em Sessão de 28/09/2010) (grifos nossos). Ocorre que comícios são atos distintos de passeatas ou carreatas, a serem realizados sem mobilidade, em locais previamente escolhidos, com comunicação prévia às autoridades policiais, justificando-se a exceção à regra pela facilidade que oferece aos candidatos, evitando-se a montagem de estruturas fixas para uso em curto espaço de tempo. Neste ponto, bem observou o parquet em seu pronunciamento: Cediço, a seu turno, que o local de realização de comício deve ser escolhido em consonância com o necessário respeito à paz pública, de modo a que o som emitido pelos engenhos não exceda o limite, em decibéis, estabelecido para determinada localidade, controle quase inviável de se realizar em se tratando de evento móvel. Além disso, ao se utilizar um trio elétrico para sonorizar uma passeata ou carreata, não se estará permitindo que o candidato divulgue suas ideias como faria em se tratando de um comício. Ao contrário, a sonorização nesse caso acabaria servindo para veicular jingles e motivar o público a acompanhá-los, já que as pessoas sempre se empolgam com esse tipo de equipamento que, por sua destinação mais conhecida, remete à ideia de festividades e comemorações. Por tudo quanto exposto, voto por responder à consulta negativamente. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de novembro de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator 332 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA R E S O L U Ç Ã O N º 1 . 5 7 8 / 2 0 11 CONSULTA PROCESSO Nº 1.413-21.2011.6.05.0000 CLASSE 10 MUNICÍPIO: Salvador CONSULENTE: Partido Democratas – Seção da Bahia. Adv.: Bel. Ademir Ismerim. RELATOR: Juiz Mauricio Kertzman Szporer. Consulta. Doação de recursos entre candidatos. Limites. Matéria disciplinada no pleito de 2010. Artigo 17, § 1º da Resolução TSE nº 23.217/2010. Resposta afirmativa. As doações de recursos próprios de candidatos para sua campanha não se sujeitam aos limites do artigo 23 da Lei nº 9.504/97, devendo ser observado o valor máximo de gastos fixado pela agremiação e informado à Justiça Eleitoral. As doações de um candidato para outro candidato também encontrarão limite naquele teto, desde que o doador não esteja se valendo de seus próprios recursos doados à sua campanha. Nesse caso, ainda que a doação esteja sendo feita pela figura do candidato, ele deverá respeitar o limite de 10% dos rendimentos por ele auferidos no ano anterior enquanto pessoa física, nos termos firmados pelo TSE no § 1º do artigo 17 da Resolução nº 23.217, que disciplinou a arrecadação de recursos no pleito de 2010. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, RESOLVEM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, RESPONDER AFIRMATIVAMENTE À CONSULTA, nos termos do voto do Juiz Relator, adiante lavrado, que passa a integrar a presente Resolução. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de novembro de 2011. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS - Juiz-Presidente; MAURICIO KERTZMAN SZPORER - Juiz Relator; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 333 JURISPRUDÊNCIA RELATÓRIO Cuida-se de consulta do Diretório Estadual do Partido Democratas – DEM – formulada nos seguintes termos: “Considerando que a Lei nº 9.504/97 faz distinção entre a pessoa física dos candidatos e a figura dos candidatos, uma vez que estes possuem CNPJ e conta bancária específicos, e considerando que a figura do candidato não existia no ano anterior à eleição, as doações realizadas de candidato para candidato possuem algum limite? Em caso afirmativo, quais os limites e os critérios a serem utilizados?” O representante do Ministério Público Eleitoral emitiu o pronunciamento de fls. 07/13, opinando no sentido de que a pergunta fosse respondida afirmativamente. É o relatório. VOTO De início, cumpre registrar o que dispõe o artigo 162 do Regimento Interno desta Corte, in verbis: Art. 162. O Tribunal responderá às consultas sobre matéria eleitoral formuladas em tese, por autoridade pública ou partido político, sendo vedada a sua apreciação durante o processo eleitoral, que compreende o período da realização das convenções partidárias até a diplomação dos eleitos. Assim, atendidos os requisitos de admissibilidade que lhes são próprios, a consulta deve ser conhecida, já que o questionamento versa sobre matéria eleitoral em tese, além de ter sido formulado em período permitido e por quem detém legitimidade para tanto. O tema abordado diz respeito aos limites a serem observados nas doações, mais especificamente se essas doações ocorrerem de um candidato para outro. O artigo 23 da Lei nº 9.504/97, em seu § 1º, estatui: Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. § 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas: I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição; 334 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA II - no caso em que o candidato utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido pelo seu partido, na forma desta Lei. Grifos aditados. Para o pleito de 2010, foi editada a Resolução TSE nº 23.210, de 2 de março de 2010, que disciplinou e detalhou a matéria, trazendo a resposta ao questionamento formulado. Eis a previsão contida nos artigos 16 e 17 daquela norma: Art. 16. Observados os requisitos estabelecidos no art. 1º desta resolução, candidatos, partidos políticos e comitês financeiros poderão receber doações de pessoas físicas e jurídicas mediante depósitos em espécie, devidamente identificados, cheques cruzados e nominais ou transferências bancárias, ou ainda em bens e serviços estimáveis em dinheiro, para campanhas eleitorais. § 1º As doações referidas no caput ficam limitadas (Lei n° 9.504/97, arts. 23, § 1º , I e II, § 7º e 81, § 1º): I - a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, no caso de pessoa física, excetuando-se as doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), apurados conforme o valor de mercado; II - a 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição, declarado à Receita Federal do Brasil, no caso de pessoa jurídica; Inst. n° 23-88.2010.6.00.0000/DF. 13; III - ao valor máximo do limite de gastos estabelecido na forma do art. 2º desta resolução, caso o candidato utilize recursos próprios. § 2º São vedadas doações de pessoas jurídicas que tenham começado a existir, com o respectivo registro, no ano de 2010. ... Art. 17. As doações realizadas entre candidatos, comitês financeiros e partidos políticos deverão fazer-se mediante recibo eleitoral e não estão sujeitas aos limites fixados nos incisos I, II e III do § 1º do artigo anterior. § 1º As doações previstas no caput deste artigo, caso oriundas de recursos próprios do candidato, deverão respeitar o limite legal estabelecido para pessoas físicas. Grifos nossos. Diante disso, a pergunta deve ser respondida afirmativamente. Conclui-se, assim, que um candidato poderá doar recursos a outro concorrente sem estar limitado pelo § 1º do artigo 23 da Lei nº 9.504/97, observando, contudo, o valor máximo de gastos fixado pela agremiação e informado à Justiça Eleitoral. Entretanto, se o doador se valer de seus recursos próprios que tenham sido doados à sua campanha, ainda que a doação esteja sendo feita Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 335 JURISPRUDÊNCIA pela figura do candidato, ele deverá respeitar o limite de 10% dos rendimentos por ele auferidos no ano anterior enquanto pessoa física, nos termos firmados no supracitado dispositivo. Voto, pois, por responder a consulta afirmativamente, nos termos antes expostos. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 28 de novembro de 2011. Mauricio Kertzman Szporer Juiz Relator 336 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA R E S O L U Ç Ã O N º 1 . 5 9 7 / 2 0 11 CONSULTA PROCESSO Nº 1.406-29.2011.6.05.0000 CLASSE 10 MUNICÍPIO: Salvador CONSULENTE: Partido Democratas – DEM – Seção da Bahia. Adv.: Bel. Ademir Ismerim. RELATORA: Juíza Mônica Aguiar. Consulta. Prefeito que ocupou cargo de vice-prefeito no mandato anterior. Substituição ao então prefeito. Período fora dos seis meses que antecederam ao pleito. Elegibilidade e reeleição. Possibilidade. Resposta afirmativa. Responde-se afirmativamente à indagação formulada, pois é possível ao prefeito que tenha ocupado o cardo de vice-prefeito no mandato anterior concorrer à reeleição, quando a substituição ao então titular do cargo não tenha ocorrido nos seis meses que antecederam ao pleito. Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados, RESOLVEM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, à unanimidade, RESPONDER AFIRMATIVAMENTE À CONSULTA, nos termos do voto da Juíza Relatora, adiante lavrado, que passa a integrar a presente Resolução. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 6 de dezembro de 2011. DAISY LAGO RIBEIRO COELHO - Vice-Presidente no exercício da Presidência; MÔNICA AGUIAR - Juíza Relatora; SIDNEY PESSOA MADRUGA - Procurador Regional Eleitoral. RELATÓRIO O Diretório Estadual do Partido Democratas – DEM formula consulta sobre elegibilidade e reeleição, apresentando o seguinte questionamento: Vice-prefeito que substituiu o titular do mandato sem caráter de definitividade fora dos 6 (seis) meses que antecedem o pleito e se elegeu prefeito por uma vez pode concorrer à reeleição? O representante do Ministério Público Eleitoral emitiu parecer de fls. 07/09, opinando pela concessão de resposta positiva ao questionamento formulado. É o relatório. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 337 JURISPRUDÊNCIA VOTO Conheço da consulta sub examine, porquanto presentes os requisitos de sua admissibilidade (artigo 23, XII do CE c/c o artigo 162 do Regimento Interno desta Corte), haja vista ter sido formulada, em tese, por partido político e fora do processo eleitoral, razão porque passo a responder o questionamento do Partido Democratas – DEM. A questão colocada em foco diz respeito à reeleição para cargo do Poder Executivo, permitida a partir da Emenda Constitucional nº 16 de 4 de julho de 1997, que atribuiu nova redação ao § 5º do artigo 14 da CF, possibilitando ao Presidente da República, aos Governadores de Estado e do Distrito Federal, aos Prefeitos e a quem os houvesse substituído ou sucedido no curso do mandato ser reeleito para um único período subsequente. Diante desses mandamentos constitucionais e do quanto já decidido pela Corte Eleitoral Superior, passo a responder as questões suscitadas pelo consulente. A situação em exame questiona a possibilidade de um vice-prefeito que substituiu o prefeito temporariamente, sem caráter de definitividade, fora dos seis meses antecedentes ao pleito, tendo no pleito seguinte sido eleito prefeito, concorrer nas eleições vindouras para se reeleger ao cargo de prefeito. A resposta à consulta formulada subordina-se ao período em que o suposto candidato assumiu a titularidade da chefia do Executivo: se a substituição ocorreu durante os últimos 6 meses anteriores ao pleito em que se elegeu, ainda que por poucos dias, a resposta será negativa; se ocorreu anteriormente a esse período, será afirmativa. Esse entendimento já foi sufragado pela Corte Superior, conforme se infere dos Acórdãos TSE nºs 23.344 e 23.570/2004, assim ementados: REGISTRO DE CANDIDATO. INDEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA. CARÁTER PROTELATÓRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TEMPESTIVIDADE. RECURSO ESPECIAL. VICE-PREFEITO. SUBSTITUIÇÃO EVENTUAL. PREFEITO. CONFIGURAÇÃO. TERCEIRO MANDATO. [...] 2 – O vice-prefeito que substituiu o titular seis meses antes do pleito e é eleito prefeito em eleição subseqüente não pode candidatar-se à reeleição, sob pena de se configurar um terceiro mandato. [...] (Ac. TSE 23.570 de 21/10/2004, Rel. Min. Carlos Velloso). Agravo Regimental. Recurso Especial. Registro. Indeferimento. Vice-prefeito que substituiu o titular nos seis meses anteriores ao pleito. Eleito prefeito no pleito subseqüente. Candidatura à reeleição. Impossibilidade. (Ac. TSE 23.344 de 06/10/2004, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira). 338 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Assim, se o vice-prefeito substituiu o titular no semestre que antecede a eleição, só pode se candidatar a prefeito por um único período subsequente. Do contrário, a sua participação no pleito seguinte poderia configurar a reeleição para o terceiro mandato, caso obtivesse êxito. Se, entretanto, a substituição se deu antes dos seis meses precedentes ao pleito, a vedação não deve subsistir, pois o art. 14, § 5º da CF, deve ser compreendido à luz do § 7º do mesmo dispositivo legal, que equipara os titulares dos cargos do Executivo a quem os haja substituído no semestre que antecede o pleito, interpretação da qual se pode inferir, também, que a substituição antes desse período não caracterizaria o exercício de um primeiro mandato, para efeito de reeleição. Esta matéria já se encontra pacificada no Tribunal Superior Eleitoral, na seguinte forma: Consulta. Governador que ocupou o cargo de vice-governador no mandato anterior. Possibilidade de reeleição. Art. 14, §5º, da Constituição Federal. É possível ao governador que tenha ocupado o cargo de vice-governador no mandato anterior concorrer à reeleição, exceto nos casos em que substituiu o titular nos seis meses antes daquela eleição. Fixadas essas premissas e, em consonância com o parecer ministerial, conclui-se que, diante da não afronta, na hipótese, da vedação constitucional que tem por objetivo precípuo evitar a perpetuação do poder político, deve-se responder afirmativamente à indagação formulada, se a substituição ocorreu fora do semestre que antecedeu a eleição. É como voto. Sala das Sessões do TRE da Bahia, em 6 de dezembro de 2011. Mônica Aguiar Juíza Relatora Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 339 JURISPRUDÊNCIA MANDADO DE SEGURANÇA PROCESSO N.º 426-82.2011.6.05.0000 CLASSE 22 MUNICÍPIO: PAU BRASIL RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTE : JEOVAN PEREIRA SANTOS RECORRIDO : JUIZ ELEITORAL DA 133º ZONA ELEITORAL D E C I S à O O Recorrente acima nominado, por advogado devidamente habilitado, irresignado com o Acórdão nº. 210/2011, prolatado por este Tribunal nos autos do Mandado de Segurança nº. 426-82.2011.6.05.0000, Classe 22, oriundo do Município de Pau Brasil, interpõe, com fulcro no artigo 276, II, alínea “b”, do Código Eleitoral e no artigo 105, II, alínea “b”, da Constituição da República, Recurso Ordinário. Sustenta o cabimento do presente recurso sob a alegação de que o Acórdão impugnado “houve por bem indeferir o mandado de segurança impetrado”. Colaciona julgados de Tribunais Eleitorais de modo a alegar que a “divergência jurisprudencial foi devidamente apontada e configurada nos termos dos paradigmas” já apreciados pelo Tribunal Superior Eleitoral, “porquanto o cotejo analítico dos casos já julgados foram imperiosamente demonstrados”. Brevemente relatados, passo a decidir. O artigo 276 do Código Eleitoral dispõe que as decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, com a ressalva de cabimento de Recurso Especial (inciso I), nos casos de malferimento de dispositivos legais ou divergência na interpretação de lei entre dois ou mais Tribunais Eleitorais, e Recurso Ordinário, que apresenta um rol de circunstâncias que autorizam a sua interposição, entretanto, nos termos do inciso II do artigo 276 do Código Eleitoral, e artigo 121, §4º, III, IV e V, da Constituição Federal, as hipóteses de cabimento estão restritas aos mandatos federais e estaduais e às decisões que denegarem habeas corpus, habeas data, mandado de injunção e mandado de segurança.1 1 Código Eleitoral: “Art. 276. As decisões dos tribunais regionais são terminativas, salvo os casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior: I - especial: a) quando forem proferidas contra expressa disposição de lei; b) quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; II - ordinário: 340 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Por sua vez, o artigo 105, II, “b”, da Constituição da República, alegado pelo Recorrente, faz previsão do cabimento do Recurso Ordinário no Superior Tribunal de Justiça em face dos “mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão”. Nesse sentido, equivoca-se o Recorrente ao fundamentar seu Recurso em tal dispositivo constitucional, pois, a despeito da semelhança, o mesmo não se aplica a esta Justiça Especializada, uma vez que a Constituição Federal elenca norma específica, artigo 121, que estabelece em que situações as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais são recorríveis. Ademais, in casu, não se trata de Acórdão que indeferiu o Mandado de Segurança, como afirma o Recorrente, mas sim de Recurso Ordinário contra Acórdão Regional que em sede de Agravo Regimental manteve decisão do Relator que indefere a liminar requerida, isto é, decisão que não é definitiva e nem é terminativa, hipótese, portanto, em que descaberia o manejo de tal Recurso, diante da ausência de pressuposto recursal específico, qual seja, decisão denegatória final – que determina o esgotamento da instância ordinária – de mandado de segurança. Corroboram com tal posição as lições dos processualistas Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha ao se manifestarem acerca do alcance do Recurso Ordinário, nos seguintes termos: “O mais importante no estudo deste recurso é entender o que significa “decisão denegatória”. Essa hipótese tem acepção ampla: compreende não só as “decisões que julgam improcedente o pedido”, mas também as “que extinguem o processo sem apreciação do mérito”. Denegar, aqui, significa não acolher o pedido. Além disso, é preciso que se trate de decisão final. Somente os acórdãos (o recurso ordinário só cabe contra acórdão) que ponham termo a mandado de segurança, (...) denegandoos, é que dão azo a recurso ordinário; acórdãos que simplesmente neguem a liminar, confirmando, em julgamento de agravo regimental (a despeito do enunciado n. 622 da súmula a) quando versarem sobre expedição de diplomas nas eleições federais e estaduais; b) quando denegarem habeas corpus ou mandado de segurança.” Constituição Federal: “Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. § 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: I - forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de lei; II - ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; III - versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; IV - anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais; V - denegarem “habeas-corpus”, mandado de segurança, “habeas-data” ou mandado de injunção.” Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 341 JURISPRUDÊNCIA do STF), a decisão monocrática denegatória do relator, somente podem ser impugnados por recurso especial, extraordinário e, claro, por embargos de declaração.2 [grifo nosso] No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme os seguintes julgados, in verbis: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. DESCABIMENTO. 1. O cabimento do recurso ordinário em mandado de segurança (art.105, II, “b”, da Constituição Federal) pressupõe a existência de decisão denegatória final, seja de mérito ou terminativa. 2. Não se amolda ao permissivo constitucional a interposição do recurso ordinário em face de decisão, confirmada em sede de agravo regimental, que indefere liminar em mandado de segurança. 3. Recurso ordinário não conhecido3. [grifo nosso] MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. EXPLORAÇÃO DE LINHA. LIMINAR. INDEFERIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. IMPROVIMENTO. - Recurso cabível. Pronunciando-se o Acórdão recorrido apenas sobre a liminar, nada aduzindo sobre o mérito do pedido, o Recurso cabível era o Especial. - Interposto o Ordinário, relevado o erro grosseiro, mesmo assim aquele Recurso não atenderia os pressupostos de admissibilidade. - Recurso não conhecido, prejudicada a cautelar.4 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL QUE MANTEM CASSAÇÃO DE LIMINAR CONCEDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA INEXISTENCIA, NA ESPECIE, DE DECISÃO DENEGATORIA A JUSTIFICAR A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ORDINARIO CONSTITUCIONAL. I - Não cabe Recurso Ordinário contra decisão, proferida em Agravo Regimental, que lhe negou provimento e man2 DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Vol. 3, 7.ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2009. p. 248. 3 RMS 28.632/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJE 05/10/2009 4 MC 199/DF, Rel. Ministro AMÉRICO LUZ, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/1995, DJ 16/10/1995, p. 34632 342 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA teve a cassação de liminar concedida em mandado de segurança, porquanto as questões de mérito do “mandamus” só comportam apreciação em julgamento final. II - Ainda que se leve em ordem de consideração os temperamentos que a jurisprudência desta colenda Corte tem emprestado a interpretação do artigo 105, II, “b”, da Lei Maior, dando sentido mais amplo a locução constitucional - “quando denegatória a decisão” - não ha como divisar, na espécie, decisão denegatória em mandado de segurança a justificar a admissão do Recurso Ordinário Constitucional. III - Recurso de que não se conhece. Decisão indiscrepante5. [grifo nosso] Nestes termos, verifica-se ser manifestamente inadmissível o presente Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, por inadequação da via eleita, consubstanciada na ausência de pressuposto recursal específico, qual seja, decisão denegatória final de mandado de segurança Todavia, nosso sistema processual admite a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas (artigo 250 do Código de Processo Civil) que, somado ao princípio da indisponibilidade dos interesses democráticos (lisura e legitimidade das eleições, nos termos do artigo 14, §9º, da Constituição Federal), permite, com fulcro no princípio da fungibilidade, a recebimento do Recurso Ordinário como se fosse o Especial. Nesse contexto, considerando que o Recorrente nomeou o Recurso como “Recurso Ordinário”, não sendo, no entanto, hipótese de cabimento deste, e sim de Recurso Especial, já que não se trata de decisão final denegatória de mérito, mas sim de Acórdão com natureza de decisão interlocutória, aplico o princípio da fungibilidade recursal, determinando a conversão do presente Recurso Ordinário em Recurso Especial, sob pena de afronta ao princípio da singularidade recursal ou unirrecorribilidade. Passo à análise do juízo de admissibilidade do Recurso Especial. In casu, a Corte Superior Eleitoral pronuncia-se nos seguintes termos: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO QUE DECIDIU QUESTÃO INCIDENTE. 1.O recurso especial interposto contra decisão interlocutória, salvo situação excepcional, há de ficar retido nos autos, conforme dispõe o § 3º do artigo 542 do CPC. 2.A recorrente não demonstra, quer no agravo de instrumento, quer no recurso especial, o perigo da demora, imprescindível ao imediato pronunciamento deste Tribunal Superior. 3.Desprovimento do recurso. 6 5 RMS 2408/DF, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/04/1994, DJ 16/05/1994, p. 11705. 6 Ag. 8876, Rel. Min. Carlos Ayres de Britto, D.J. de 04.12.07, p. 15. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 343 JURISPRUDÊNCIA Deste modo, consoante assentado por iterativa jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e de outros Tribunais da federação, incide na espécie o §3º do artigo 542 do Código de Processo Civil, na redação que lhe deu a Lei nº. 9.756/98, que “dispõe sobre o processamento de recursos no âmbito dos tribunais”. Estatui o referido preceptivo que “o recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões”. Nesse contexto, a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart7: “Os recursos extraordinário e especial devem ficar retidos, como expressa o art. 542, §3º, do CPC, (...). Tais recursos devem ser interpostos contra acórdãos que configuram decisão interlocutória, e não contra qualquer acórdão que julga agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória. (...) Se o acórdão, dando provimento a agravo de instrumento, extingue o processo, o caso não será de recurso retido, mas de recurso de subida imediata. Aliás, no caso inverso, se a sentença de extinção for reformada em razão de recurso de apelação, o acórdão conterá decisão interlocutória, que decidiu que o processo deve prosseguir, e assim o recurso contra ele interposto deverá ficar retido.” Na mesma linha de raciocínio leciona Ernane Fidélis dos Santos8: “A decisão interlocutória não é a de caracterização de primeiro grau, mas a proferida em única ou última instância (...) que não extinga o processo. Assim, se o tribunal prover o recurso (...), mandado prosseguir o processo, o extraordinário ou o especial interpostos deverão ficar retidos.” Verifica-se que a hipótese dos autos amolda-se ao supracitado dispositivo, bem como ao entendimento jurisprudencial e doutrinário, senão vejamos: o apelo nobre foi interposto contra acórdão desta Corte Regional que negou provimento ao Agravo Regimental, o qual visava à reforma de decisão do Relator que indeferiu pedido liminar por não vislumbrar “situação processual irregular a ensejar a devolução de prazo pleiteada”, uma vez não caracterizado prejuízo à defesa em face de constar em despacho que 7 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento, 4ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pág. 559. 8 SANTOS, Ernane Fídelis dos. Manual de Direito Processual Civil: volume 1: processo de conhecimento. 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 680. 344 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA lhe foi concedida o direito de retirar os autos em carga, assim, não restando configurada a fumaça do bom direito. Ex positis, determino, com fulcro no §3º do artigo 542 do Código de Processo Civil, de aplicação supletiva, a retenção do Recurso Especial interposto pelo Recorrente, a fim de que se aguarde a decisão definitiva da causa e eventual reiteração na forma prevista pela norma de regência. Encaminhem-se os autos, de imediato, ao Juiz Relator. Intime-se. Salvador, em 05 de maio de 2011. Des. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 345 JURISPRUDÊNCIA MANDADO DE SEGURANÇA PROCESSO N.º 426-82.2011.6.05.0000 CLASSE 22 MUNICÍPIO: PAU BRASIL RECURSO ESPECIALRECORRENTE: JEOVAN PEREIRA SANTOS RECORRIDO: JUIZ ELEITORAL DA 133º ZONA ELEITORAL D E C I S à O O Recorrente acima nominado, por advogado devidamente habilitado, com fulcro no artigo 542, §3º, CPC, c/c 276, I, alínea “b”, do Código Eleitoral e no artigo 105, II, alínea “b”, da Constituição da República, ratifica o Recurso Eleitoral interposto às fls. 131/154, contra o Acórdão nº. 210/2011, prolatado por este Tribunal nos autos do Mandado de Segurança nº. 42682.2011.6.05.0000, Classe 22, oriundo do Município de Pau Brasil, Alega que o acórdão vergastado malferiu os artigos 22, da Lei Complementar nº 64/90. Colaciona julgados de Tribunais Eleitorais de modo a alegar que a “divergência jurisprudencial foi devidamente apontada e configurada nos termos dos paradigmas” já apreciados pelo Tribunal Superior Eleitoral, “porquanto o cotejo analítico dos casos já julgados foram imperiosamente demonstrados”. Brevemente relatados, passo a decidir. Inicialmente, impende o registro de que o Recorrente apenas ratificou o Recurso Especial que fora retido nos autos por ter sido interposto contra Acórdão de natureza interlocutória que negou pedido liminar, não tendo oferecido Recurso contra a decisão final que denegou a segurança. Nesse sentido, entendo que caso o presente Recurso Especial obtivesse êxito seria no sentido do deferimento da medida liminar pleiteada e negada no Acórdão nº 210/2011, e, considerando não ter havido impugnação da decisão final que denegou a segurança ao julgar inexistir direito líquido e certo, referida medida liminar (antecipação da tutela) jamais poderia ser confirmada, razão pela qual o presente Recurso resta prejudicado. Por sua vez, ainda que ultrapasse a barreira supracitada, prima facie, não se entremostra, no acórdão ferreteado, vulneração a preceptivos legais, eis que “nega-se provimento a agravo regimental interposto em face de decisão que indefere pedido de devolução de prazo para apresentação de defesa, bem como a extinção imediata de AIME com base em suposta decadência, tendo em vista a ausência da fumaça do bom direito para concessão da medida requestada, além da inviabilidade jurídica no que tange ao segundo pleito”, consoante se extrai do mérito de sua súmula. 346 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Ademais, a Corte Superior Eleitoral, no que respeita a alínea “b” do inciso I do artigo 276 do Código Eleitoral, sufragou entendimento de que para a comprovação e apreciação do dissídio jurisprudencial, devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados. In casu, a Recorrente não logrou êxito em demonstrar a similitude fática entre o aresto hostilizado e o acórdão alçado a paradigma, bem como deixou de proceder ao indispensável cotejo analítico entre os mesmos. É cediço que não basta a simples transcrição das ementas dos julgados paradigmáticos, sendo necessário o cotejo analítico e a demonstração da similitude fática das decisões tidas como divergentes, conforme prescreve, também, o artigo 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, in verbis: Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. [grifo nosso] Desse modo, a Recorrente não logrou êxito em comprovar a similitude fática entre o julgado deste Regional (aresto hostilizado) e o julgado colacionado (acórdão alçado a paradigma). Nesse sentido, a melhor jurisprudência dispõe: “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA. NÃO DEMONSTRADA. NEGADO PROVIMENTO. (...) II - A divergência requer, para sua caracterização, o devido confronto analítico, além da similitude fática e jurídica entre o julgado e o acórdão paradigma, para possibilitar o conhecimento do recurso especial.” 1 [grifo nosso] Ante os fundamentos expostos, inadmito a subida do Recurso Especial. Intime-se. Salvador, em 02 de agosto de 2011. Des. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia 1 AgRgAg nº. 5.884, Relator Min. Cesar Asfor, D.J. de 17.3.06. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 347 JURISPRUDÊNCIA PETIÇÃO PROCESSO N.º 481-33.2011.6.05.0000 CLASSE 24 MUNICÍPIO: SALVADOR-BA REQUERENTE: DIRETÓRIO REGIONAL DO PARTIDO DEMOCRATAS (DEM) - BAHIA Trata-se de petição do Diretório Regional do Partido Democratas (DEM) – BAHIA, em que se requereu deliberação da Corte acerca de matéria de ordem administrativa concernente à designação pelos Tribunais Regionais Eleitorais de juízes auxiliares para a apreciação das reclamações ou representações que lhes forem dirigidas. Por meio da Resolução nº 650/2011, de 28/06/2011, esta Corte Regional entendeu por não conhecer do pedido de designação de juízes para exercerem o poder de polícia e julgar as representações em municípios onde não há setor de distribuição e exista mais de uma Zona Eleitoral, em face do caráter administrativo da matéria, decidindo pela remessa do feito para a Presidência deste Tribunal. Brevemente relatados, decido. Inicialmente, cumpre mencionar que o voto condutor da citada Resolução consignou: Registre-se que a figura do juiz auxiliar mencionada pelo requerente somente se aplica às eleições estaduais quando as representações são julgadas pelo Tribunal Regional Eleitoral. Em se tratando de eleição municipal, o próprio juiz eleitoral titular da zona deve julgar o feito. Destarte, o artigo 96, §2º, da lei nº 9.504/97 estabelece que: § 2º Nas eleições municipais, quando a circunscrição abranger mais de uma Zona Eleitoral, o Tribunal Regional designará um Juiz para apreciar as reclamações ou representações. Por conseguinte, o prazo para cumprir mencionada incumbência é determinado por meio de Resolução emitida pelo Tribunal Superior Eleitoral, que atualmente é a de número 23.341/2011. Referida resolução estabelece o calendário eleitoral para as eleições do ano de 2012 e fixa o dia 19 de dezembro de 2011 como o “último dia para os Tribunais Regionais Eleitorais designarem, para os Municípios onde houver mais de uma Zona Eleitoral, o(s) Juízo(s) Eleitoral(is) que ficará(ão) responsável(is) pelo registro de candidatos e de pesquisas eleitorais com as 348 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA reclamações e representações a elas pertinentes, pelo exame das prestações de contas, pela propaganda eleitoral com as reclamações e representações a ela pertinentes, bem como pela sua fiscalização e pelas investigações judiciais eleitorais”. Enquanto tal medida não for adotada não há prejuízo para qualquer legitimado no direito de denunciar ou representar, uma vez que a competência recai sobre o juízo eleitoral com jurisdição sobre o local do fato, conforme entendimento doutrinário de Joel J. Cândido, in verbis: No §2º, a medida administrativa do TRE facilitará a prestação jurisdicional. Normalmente, os tribunais – na fase preparatória do microprocesso eleitoral municipal – designam juízes para o registro, para a propaganda e para a prestação de contas, ou, às vezes, até mais de um para cada assunto, dependendo do tamanho da Zona Eleitoral. Não havendo designação pelo TRE, o requerente deve protocolar sua Reclamação ou Representação no juízo eleitoral com jurisdição sobre o local onde o fato ocorreu, por ser critério mais objetivo, que não prejudica ninguém e que proporciona mais facilidade na produção da prova.1 No mesmo sentido, afirma Marcos Ramayana que “mesmo ainda não havendo designação de juiz eleitoral específico, para conhecer, processar e julgar as reclamações, cabe aos legitimados dirigir a medida ao juiz eleitoral do local do fato”2. Nestes termos, inexiste qualquer celeuma quanto ao recebimento das representações eleitorais de modo que inviabilize o direito de petição e a fiscalização partidária, uma vez que, conforme exposto, tais petições devem ser dirigidas ao juiz eleitoral do local do fato. Registro, por fim, que ainda não foi aprovada a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral que regulamenta as representações, reclamações e pedidos de respostas previstos na Lei nº 9.504/97, estando tal resolução em fase de discussão, com minuta disponível no site do TSE3, cuja audiência pública foi realizada no dia 10/08/2011. Ante o exposto, indefiro o pedido de designação de juízes eleitorais específicos para apreciação de representações ou reclamações, por entender prematuro, uma vez que a Resolução TSE nº 23.341/2011estabeleceu a data de 19/12/2011 como prazo final para adoção de tal medida, bem como a 1 CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 14ª edição, revista, atualizada e ampliada. Bauru, SP: EDIPRO, 2010. pág. 669. 2 RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 10ª edição, Rio de Janeiro: IMPETUS, 2010. pág. 475. 3 http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/2012/audiencia_publicas.html Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 349 JURISPRUDÊNCIA inexistência de prejuízo para qualquer legitimado no seu direito de denunciar ou representar. Intime-se. Salvador, 05 de setembro de 2011. Des. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA Vice-Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia no exercício da Presidência 350 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA RECURSO ELEITORAL PROCESSO N.º 433-74.2011.6.05.0144 CLASSE 30 MUNICÍPIO: ENTRE RIOS RECURSO ESPECIAL ELEITORAL RECORRENTE: BENJAMIM DE ALMEIDA MENDES RECORRIDO: COLIGAÇÃO “ENTRE RIOS LIVRE” D E C I S à O O Recorrente acima nominado, por advogado, irresignado com o Acórdão nº. 1.148/2011, integrado pelo Acórdão nº. 1.311/2011, prolatado por este Tribunal nos autos do Recurso Eleitoral nº. 433-74.2011.6.05.0144 – Classe 30 – oriundo do município de Entre Rios - BA, interpõe, com fulcro no artigo 276, I, “a” e “b”, do Código Eleitoral, Recurso Especial. É o breve relato. Decido. Compulsando os autos verifico a ausência de procuração ou certidão de procuração em favor do advogado, Dr. Michel Soares Reis, subscritor da petição de Recurso Especial de fls. 94/105, quer arquivada na Secretaria Judiciária deste Tribunal ou arquivada no cartório da 144ª Zona Eleitoral. Acerca do tema, a Resolução TSE nº 3.193/2009 dispõe: Art. 37. (...) §1º Nesse período, os advogados, (...), estarão dispensados da juntada de procuração em cada processo, se arquivarem, na Secretaria Judiciária, mandato genérico relativo às eleições de 2010; a circunstância deverá ser informada na petição em que ele se valer dessa faculdade e certificada nos autos. §2º O requisito de admissibilidade dos recursos pela instância superior será verificado a partir da certidão constante dos autos, sendo a parte interessada responsável pela verificação da existência da referida certidão. Nesse contexto, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, incube ao subscritor da peça recursal demonstrar sua capacidade postulatória, pois tal condição não se presume: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DELEGADO DE PARTIDO. CONDIÇÃO NÃO COMPROVADA À ÉPOCA DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. NÃO-PROVIMENTO. 1.Cabe ao subscritor da peça recursal demonstrar sua capacidade postulatória e/ou sua condição de delegado do partido, Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 351 JURISPRUDÊNCIA pois tal condição não se presume. 2.Os precedentes mencionados pela parte agravante asseveram ser desnecessário um delegado credenciado possuir procuração outorgada em seu nome. No entanto, não sustentam que a sua condição de representante do partido não deva ser comprovada nos autos. 3.Agravo regimental não provido1. [grifo nosso] Ademais, é de se observar que os Tribunais Superiores, a exemplo do Superior Tribunal de Justiça, têm entendido que a regra estabelecida no artigo 37 do Código de Processo Civil é inaplicável na instância superior, sendo incabível qualquer diligência para suprir a falta de procuração2. Portanto, cumpre salientar que dentre as finalidades das regras procedimentais referentes ao acesso à tutela jurisdicional está a de resguardar a segurança jurídica das partes envolvidas, de modo que cabe à parte formular seu recurso obedecendo aos pressupostos ou requisitos para a sua admissibilidade, conforme estabelecido em lei. Nesse sentido afirma o Ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, ao emanar seu voto no Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.082.559 - RS: Não pode, portanto, o órgão judiciário, quando da análise dos requisitos de admissibilidade recursal, verificando a inexistência de cópia de procuração outorgando poderes para a subscritora do recurso, declarar presentes os pressupostos de admissibilidade, pois assim agindo, desvincular-se-ia dos parâmetros da proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. É firme o entendimento desta Corte Superior de Justiça que considera-se inexistente o recurso interposto, na instância especial, subscrito por advogado sem procuração nos autos, atraindo, à espécie, o enunciado nº 115 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.” Necessário ressaltar que é pacífico o entendimento jurisprudencial do STJ de que é no momento da interposição do recurso que a representação do advogado deve ser comprovada, não podendo ser suprida a falta do instrumento de procuração após o protocolo do Recurso Especial. [grifo nosso] Ainda no sentido de inadmitir Recurso Especial cuja procuração ou substabelecimento do subscritor esteja ausente se manifesta o Tribunal Superior Eleitoral deixando claro que tal pressuposto de recorribilidade deva ser atendido no prazo assinalado em lei para a interposição do recurso: 1 TSE. ARESPE 28.019. Rel. Min. José Augusto Delgado. DJ - Diário de justiça, Data 14/3/2008, Página 7/8. 2 Confira-se: STJ. AgRg no AG 421.905⁄PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 29.03.2004. 352 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. SUBSTABELECIMENTO. AUSÊNCIA DA PROCURAÇÃO ORIGINÁRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 115 DO STJ. FUNDAMENTO NÃO AFASTADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 13 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. I - O substabelecimento tão-somente não comprova a regularidade da representação processual. Hipótese em que é de rigor a aplicação da Súmula 115 do STJ. II - A aplicação do artigo 13 do Código de Processo Civil não encontra amparo na jurisprudência deste Tribunal. No âmbito de recurso especial, o pressuposto objetivo de recorribilidade, consubstanciado na regular representação processual, há de estar atendido no prazo assinado em lei para a própria interposição. III - Agravo regimental a que se nega provimento3. [grifo nosso] Nestes termos, carece o apelo do pressuposto objetivo de recorribilidade consubstanciado na regular representação processual. Ademais, ainda que ultrapassada essa questão, o Recurso Especial Eleitoral não ultrapassa a barreira da admissibilidade, por ser intempestivo. O artigo 275, §4º, do Código Eleitoral consigna: “Os embargos de declaração suspendem o prazo para interposição de outros recursos, salvo se manifestamente protelatórios e assim declarados na decisão que os rejeitar.” [grifo nosso] O Acórdão recorrido foi publicado, no dia 05.09.11, no Diário da Justiça Eletrônico do TRE-BA, nos termos de certidão de publicação de fls. 57. Na seqüência, foram interpostos Embargos de Declaração, rejeitados em razão do manifesto intuito protelatório (fls. 85/86). Seguiu-se, então, a interposição do Recurso Especial, em 10.10.11 (fls. 94). A jurisprudência da Corte Superior Eleitoral se firmou no sentido de que os embargos procrastinatórios não interrompem o prazo para interposição do recurso especial, conforme se vê dos seguintes julgados: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO JULGADOS PROTELATÓRIOS PELO TRE. RECURSO ESPECIAL INTEMPESTIVO. INTEMPESTIVIDADE REFLEXA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 3 TSE. AgR-RESPE 31736. Relator: FERNANDO GONÇALVES. Publicado em Sessão em 3/12/2008. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 353 JURISPRUDÊNCIA Os embargos de declaração manifestamente protelatórios não suspendem ou interrompem o prazo para a interposição de outros recursos (§ 4º do art. 275 do Código Eleitoral). Recursos subsequentes à decisão que considerou o recurso especial eleitoral intempestivo padecem de intempestividade reflexa”.4 [grifo nosso] “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFEITO DE FORMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. EMBARGOS PROTELATÓRIOS. - Os embargos declarados protelatórios não interrompem nem suspendem o prazo recursal, a teor do art. 275, § 4º, do Código Eleitoral. [...]” 5 [grifo nosso] Assim, é de se entender por intempestivo o Recurso Especial, pois, reconhecido o caráter protelatório dos embargos de declaração, a interrupção do prazo recursal não se operou. Depreende-se, portanto, que, diversamente do alegado pelas Recorrentes, a interposição do Recurso Especial não obedeceu ao prazo de 3 (três) dias previsto no §1º do artigo 276 do Código Eleitoral. Ressalte-se, que em momento algum o Recorrente impugnou o Acórdão nº 1.311/2011 que reconheceu o caráter protelatório dos Embargos de Declaração, transitando em julgado esta parte da decisão. Ex positis, inadmito a subida do Recurso Especial, Intime-se. Salvador, 17 de outubro de 2011. Des. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia 4 TSE. AgR-RESP 32118. Rel. Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes. DJE - 02/09/2009. Página 21. 5 TSE. AG 7.981. Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJ 14.12.2007. Página 219. 354 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA REPRESENTAÇÃO PROCESSO N.º 5.189-63.2010.6.05.0000 CLASSE 42 MUNICÍPIO: SÃO FRANCISCO DO CONDE RECURSO ESPECIAL RECORRENTE: UBIRAJARA DA SILVA RAMOS COROA RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL D E C I S à O O Recorrente acima nominado, por advogado devidamente habilitado, irresignado com o Acórdão nº. 2.035/2010, prolatado por este Tribunal nos autos da Representação nº. 5.189-63.2010.6.05.0000, Classe 42, oriundo do Município de São Francisco do Conde-BA, interpõe Recurso Especial. Aduz, em síntese, a existência, no Acórdão profligado, de violação ao artigo 40-B da Lei nº. 9504/97, bem como sustenta cerceamento de defesa É o breve relato. Decido. O Recurso Especial não tem condições de prosperar. Não consta dos autos instrumento de mandato dirigido ao advogado, Bel. Jerônimo Luiz Plácido de Mesquita, subscritor da petição de Recurso Especial de fls. 110/115. O Código de Processo Civil estabelece, in verbis: “Art. 37 - Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz. Parágrafo único - Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.” Com efeito, observa-se que a despeito do advogado, subscritores do presente recurso, terem feito menção de que o “instrumento de mandato já depositado perante o TRE-BA”, não requereu nem diligenciou para que tal fato fosse certificado nos autos. Acerca do tema, a Resolução TSE nº 23.193/09, que dispõe sobre representações, reclamações e pedidos de resposta previstos na Lei nº 9.504/97, consigna: Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 355 JURISPRUDÊNCIA “Art. 37. Os prazos relativos às representações serão contínuos e peremptórios, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, entre 5 de julho de 2010 e a proclamação dos eleitos, inclusive em segundo turno. § 1º Nesse período, os advogados, inclusive os que representarem as emissoras de rádio, televisão, provedores e servidores de internet e demais veículos de comunicação, estarão dispensados da juntada de procuração em cada processo, se arquivarem, na Secretaria Judiciária, mandato genérico relativo às eleições de 2010; a circunstância deverá ser informada na petição em que ele se valer dessa faculdade e certificada nos autos. § 2º O requisito de admissibilidade dos recursos pela instância superior será verificado a partir da certidão constante dos autos, sendo a parte interessada responsável pela verificação da existência da referida certidão.” [grifo nosso] Conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, incube ao subscritor da peça recursal demonstrar sua capacidade postulatória e sua condição, pois tais condições não se presumem: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DELEGADO DE PARTIDO. CONDIÇÃO NÃO COMPROVADA À ÉPOCA DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. NÃO-PROVIMENTO. 1.Cabe ao subscritor da peça recursal demonstrar sua capacidade postulatória e/ou sua condição de delegado do partido, pois tal condição não se presume. 2.Os precedentes mencionados pela parte agravante asseveram ser desnecessário um delegado credenciado possuir procuração outorgada em seu nome. No entanto, não sustentam que a sua condição de representante do partido não deva ser comprovada nos autos. 3.Agravo regimental não provido1. [grifo nosso] Além de considerar como inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos, também entende a Corte Superior Eleitoral que é de responsabilidade do causídico diligenciar pela certificação do fato de constar arquivamento de procuração em secretaria: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO. PREFEITO. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DEFERIMENTO. RECURSO ESPECIAL. PROCURAÇÃO. SUBSCRITOR. APELO. AUSÊNCIA. RECURSO INEXISTENTE. 1 TSE. ARESPE 28.019. Rel. Min. José Augusto Delgado. DJ - Diário de justiça, Data 14/3/2008, Página 7/8. 356 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA PRECEDENTES. 1. Conforme firme jurisprudência do Tribunal, é inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos. 2. Em face de eventual arquivamento de procuração em secretaria, deve o advogado diligenciar no sentido de que esse fato esteja devidamente certificado nos autos. 3. A juntada da procuração, em sede de agravo regimental, não sana a irregularidade atinente à representação processual da parte2. [grifo nosso] Ademais, é de se observar que os Tribunais Superiores, a exemplo do Superior Tribunal de Justiça, têm entendido que a regra estabelecida no artigo 37 do Código de Processo Civil é inaplicável na instância superior, sendo incabível qualquer diligência para suprir a falta de procuração3. Portanto, cumpre salientar que dentre as finalidades das regras procedimentais, referentes ao acesso à tutela jurisdicional, está a de resguardar a segurança jurídica das partes envolvidas, de modo que cabe à parte formular seu recurso obedecendo aos pressupostos ou requisitos para a sua admissibilidade, conforme estabelecido em lei. Nesse sentido afirma o Ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, ao emanar seu voto no Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.082.559 - RS: Não pode, portanto, o órgão judiciário, quando da análise dos requisitos de admissibilidade recursal, verificando a inexistência de cópia de procuração outorgando poderes para a subscritora do recurso, declarar presentes os pressupostos de admissibilidade, pois assim agindo, desvincular-se-ia dos parâmetros da proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. É firme o entendimento desta Corte Superior de Justiça que considera-se inexistente o recurso interposto, na instância especial, subscrito por advogado sem procuração nos autos, atraindo, à espécie, o enunciado nº 115 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.” Necessário ressaltar que é pacífico o entendimento jurisprudencial do STJ de que é no momento da interposição do recurso que a representação do advogado deve ser comprovada, não podendo ser suprida a falta do instrumento de procuração após o protocolo do Recurso Especial. [grifo nosso] Ainda no sentido de inadmitir Recurso Especial cuja procuração ou substabelecimento do subscritor esteja ausente se manifesta o Tribunal 2 TSE. AgR-Respe 29.692. Rel Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos. Pub. em sessão, em23/09/2008. 3 Confira-se: STJ. AgRg no AG 421.905⁄PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 29.03.2004. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 357 JURISPRUDÊNCIA Superior Eleitoral deixando claro que tal pressuposto de recorribilidade deva ser atendido no prazo assinalado em lei para a interposição do recurso: ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. SUBSTABELECIMENTO. AUSÊNCIA DA PROCURAÇÃO ORIGINÁRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 115 DO STJ. FUNDAMENTO NÃO AFASTADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 13 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. I - O substabelecimento tão-somente não comprova a regularidade da representação processual. Hipótese em que é de rigor a aplicação da Súmula 115 do STJ. II - A aplicação do artigo 13 do Código de Processo Civil não encontra amparo na jurisprudência deste Tribunal. No âmbito de recurso especial, o pressuposto objetivo de recorribilidade, consubstanciado na regular representação processual, há de estar atendido no prazo assinado em lei para a própria interposição. III - Agravo regimental a que se nega provimento4. [grifo nosso] Por fim, cabe mencionar que o presente entendimento está em harmonia com o do Supremo Tribunal Federal: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SUBSTABELECIMENTO. JUNTADA APÓS ESCOADO O PRAZO RECURSAL. CONSEQÜÊNCIA: INEXISTÊNCIA DO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. PRECEDENTE INVOCADO NA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. 1. Irregularidade da representação das partes. A juntada tardia do substabelecimento outorgado ao subscritor da peça processual traz como conseqüência a inexistência do ato de interposição do recurso. Descabe observância ao disposto no artigo 13 do Código de Processo Civil, sob pena de afastar-se pressuposto de recorribilidade a ser atendido no prazo recursal. Precedente. 2. Publicação de acórdão que serviu de fundamento à decisão atacada. Prescindibilidade. A circunstância de o aresto encontrar-se pendente de publicação não impede que o relator o mencione como precedente em decisão denegatória de recurso extraordinário. Precedentes. Agravo regimental não provido5. 4 TSE. AgR-RESPE 31736. Relator: FERNANDO GONÇALVES. Publicado em Sessão em 3/12/2008. 5 STF. RE 214149 AgR, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 31/08/1999, DJ 11-021999 PP-00027 EMENT VOL-01978-02 PP-00250 358 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011. JURISPRUDÊNCIA Nestes termos, carece o apelo do pressuposto objetivo de recorribilidade consubstanciado na regular representação processual, de modo que NÃO CONHEÇO do presente Recurso Especial. Ante os fundamentos expostos, inadmito a subida do Recurso Especial. Intime-se. Salvador, 20 de janeiro de 2011. Des. MÁRIO ALBERTO SIMÕES HIRS Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 359 ATOS DA PROCURADORIA Ação de Impugnação de Mandato Eletivo Processo n. 29-3.2011.6.05.0000 Classe 2 Procedência: Salvador-BA Relator: Juiz Maurício Kertzman Szporer Impugnante: Coligação “A Bahia Merece Mais” e outros. Impugnados: Jaques Wagner e outro PRONUNCIAMENTO Eminente Relator, Egrégio Tribunal: Trata-se de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo interposta pela Coligação “A Bahia Merece Mais”, Paulo Ganem Souto e Nilo Augusto Moraes Coelho em desfavor de Jaques Wagner e Otto Roberto Mendonça de Alencar, Governador e vice-Governador eleitos no pleito de 2010, com fundamento na suposta prática de abuso de poder econômico, em afronta ao art. 14, § 10, da Carta Magna. Alegam, de início (fls. 01/32), que os impugnados, com vistas a lograr êxito na reeleição, teriam repassado verbas para beneficiar 248 Associações e Centros Comunitários, mediante convênios irregulares e intempestivos realizados por intermédio da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), todos com assinatura, publicação e repasse após o período vedado pela legislação eleitoral. Aduzem, ainda, a existência de irregularidade no repasse de dinheiro público, por meio da Empresa de Turismo da Bahia S/A (Bahiatursa), a 154 municípios do Estado, com a finalidade de realizar os festejos juninos do ano de 2010. Afirmam, igualmente, que os impugnados procederam á transferência de recursos, mediante a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER), para o Município de Medeiros Neto, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), com fins a realizar serviço de pavimentação na localidade, em período vedado pela legislação eleitoral. Asseveram, também, a prática de abuso de poder econômico em face da veiculação de propaganda em excesso e de forma irregular por parte do Governador, à época de campanha para sua reeleição. Por fim, alegam que, em todo o período eleitoral até o dia 01/10/2010, o Governo do Estado realizou entrega de ambulâncias do Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (SAMU) a todos os Municípios, com ampla divulgação na mídia. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 363 ATOS DA PROCURADORIA Ao final requerem a procedência da demanda e a condenação dos impugnados à cassação de seus diplomas e mandatos, declarando-os inelegíveis pelo prazo de oito anos, nos termos da Lei Complementar n. 64/90. Em Defesa, os impugnados suscitam, preliminarmente, a inépcia da inicial, por ausência de capacidade postulatória da coligação “A Bahia Merece Mais”, a inadequação da via eleita e a intempestividade da demanda. No mérito, afirmam que todas as condutas perpetradas pelo Governador estavam pautadas na lei, ao tempo em que pugnam pela improcedência dos pedidos e condenação dos autores à pena de multa por litigância de má-fé. Às fls. 111/112, esta Procuradoria manifestou-se pelo não acolhimento das prefaciais de intempestividade e inépcia da inicial, e pela análise da inadequação da via eleita quando da apreciação do mérito da demanda. Em decisão monocrática, o Juiz Relator indeferiu pedido de produção de provas complementares formulado pelos impugnados, sob o fundamento de que “a contenda a ser dirimida repousa em matéria cuja prova documental já trazida pelos autores permite sua elucidação” (fls. 114/116). Agravo Regimental às fls. 119/128. Decisão às fls. 154/157. Os autores apresentaram alegações finais às fls. 129/148, em que repisam todos os argumentos da vertidos na inicial. É o relatório. Passa-se à fundamentação. I) DA PRELIMINAR I.1) Da inadequação da via eleita Da análise dos autos, verifica-se que a narrativa possui robustez satisfatória para configurar, em tese, atos de abuso de poder econômico, susceptíveis, portanto, de arguição por meio da AIME, motivo pelo qual deve ser rechaçada a preambular em tela. II) DO MÉRITO No tocante à questão de fundo, a pretensão deduzida não merece acolhimento. Malgrado a narrativa levada a efeito na peça vestibular se oriente a demonstrar suposta prática de abuso de poder econômico, o conjunto probatório coligido apresenta-se frágil para que se possa concluir no sentido da configuração dos alegados ilícitos, mormente diante das conseqüências previstas na legislação de regência. 364 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA II.1) Do repasse de verbas às Associações Comunitárias e Cooperativas de Produtores Rurais Consta da inicial que os impugnados teriam celebrado convênios, de forma irregular e intempestiva, por intermédio da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), com 248 Associações, Centros Comunitários e pequenos Produtores Rurais, com investimento de recursos na ordem de R$ 36.789.707,68 (trinta e seis milhões setecentos e oitenta e nove mil setecentos e sete reais e sessenta e oito centavos), em afronta ao art. 73, VI, a, da Lei 9.504/97, que assim prevê: Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: [...] VI - nos três meses que antecedem o pleito: a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública; [...] (grifou-se). Verifica-se que a legislação de regência limita a vedação de transferência voluntária quando realizada entre entes da Federação, mais especificamente entre União e Estados; União e Municípios ou Estados e Municípios. Ressalte-se, no entanto, que os beneficiários das transferências de recursos são entidades sem fins lucrativos, cuja natureza jurídica é de associação privada. Por conseguinte, não integram a Federação, pelo que não se enquadram na hipótese normativa em comento. Eventual interpretação extensiva no sentido da aplicação do alcance da norma, é descabida, uma vez tratar-se de regra de caráter sancionatório e de restrição de direitos. Outro não é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, conforme se depreende dos seguintes arrestos, verbis: REPRESENTACAO ELEITORAL - ART. 96 DA LEI 9.504/97. COMPETENCIA DO TRE. AS HIPOTESES RELACIONADAS NO ITEM VI, LETRA "A" DO ART. 73, NAO PODEM SOFRER ALARGAMENTO POR MEIO DE INTERPRETACAO EXTENSIVA DE SEU TEXTO. INEXISTENCIA DE IRREGULARIDADE NA PARTICIPACAO DE SUPLENTE. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 365 ATOS DA PROCURADORIA TRAMITACAO DE INVESTIGACAO JUDICIAL A RESPEITO DOS FATOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (RESPE - RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 16040 - Cuiabá/MT Acórdão nº 16040 DJ de 04/02/2000, Página 30). ELEITORAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. LIMINAR INDEFERIDA. CONDUTA VEDADA. TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA DE RECURSOS DOS ESTADOS AOS MUNICÍPIOS. ART. 73, VI, a, DA LEI No 9.504/97. VIOLAÇÃO À DECISÃO NA CONSULTA-TSE No 1.062. NÃO-CONFIGURAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. 1- A transferência de recursos do governo estadual a comunidades carentes de diversos municípios não caracteriza violação ao art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/97, porquanto os destinatários são associações, pessoas jurídicas de direito privado. 2- A regra restritiva do art. 73, VI, a, da Lei no 9.504/97 não pode sofrer alargamento por meio de interpretação extensiva de seu texto (Ac. no 16.040, rel. Min. Costa Porto). 3- Agravo regimental não provido. 4- Reclamação julgada improcedente. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental e julgou improcedente a reclamação, nos termos do voto do relator. (AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO nº 266 - Fortaleza/Código Eleitoral. Acórdão nº 266 de 09/12/2004). Ainda assim, acaso ultrapassada a hipótese supra, há de se verificar que o “Programa Produzir”, que subsidiou todos os repasses objeto dos convênios realizados com as Associações, foi deflagrado, pela primeira vez no Estado, a partir do ano de 1996. Segundo informações obtidas no sítio oficial da mencionada empresa publica , propõe-se, desde então, combater a pobreza rural, e, por conseguinte, reduzir as desigualdades regionais, criar emprego e renda e melhorar a vida das populações mais pobres. Em referida página eletrônica, ainda se pode constatar que o programa, subsidiado por recursos provenientes do Banco Mundial e do Governo do Estado, em 2010, cumpriu a sua terceira etapa, em continuidade aos trabalhos realizados em anos anteriores. Nada há nos autos, portanto, que indique ou sugira que a realização dos convênios fora direcionada a beneficiar as candidaturas dos impugnados ou manipular o resultado do pleito. 366 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA II.2) Do repasse de verbas pela Bahiatursa Argumentam os autores que os convênios firmados entre o Estado da Bahia, mediante a Bahiatursa, e 155 municípios da região, com o fito de realizar as festas juninas de 2010, em que pese assinados em período permitido, foram publicados em período vedado e pagos após o dia 3 de julho de 2010. Contudo, a vasta documentação carreada aos autos (Anexos XIII/ XLI) permite concluir que, desde o início do ano eleitoral, os Municípios beneficiados com esses repasses manifestaram interesse em realizar os festejos juninos, que, de acordo com o calendário oficial do Estado, ocorrem, ano a ano, no mês de junho. Com a finalidade de obter apoio financeiro, os Prefeitos interessados enviaram à Bahiatursa seus projetos de festas de “Santo Antônio”, “São João” ou “São Pedro”, com a apresentação dos respectivos cronogramas. A partir de então, os atos preparatórios, tais como autuação, análise técnica dos pedidos, expedição de pareceres, dotações orçamentárias, solicitações de despesas, empenho e formalização dos convênios foram diligenciados por referenciado orgão Estadual. Ocorre que os atos burocráticos referenciados foram concluídos previamente ao dia 03 de julho de 2010, até porque o implemento dos festejos juninos se dá, como antes dito, durante o mês junho, antes, portanto, do período vedado pela legislação. É bem verdade que o mesmo não se pode dizer a respeito do repasse da verba conveniada, até porque o caso em tela atrai a ressalva contida na parte final do art. 73, VI, a, da Lei n. 9096/95, que permite o repasse em período vedado, desde que os convênios estejam celebrados e formalizados antes do período eleitoral (no caso das Eleições 2010, antes do dia 03 de julho), bem assim a efetiva execução física do objeto conveniado. Definitivamente é a hipótese dos autos. Veja-se, a propósito, no anexo XII (Doc.19), cópia da matéria jornalística veiculada no periódico “Tribuna da Bahia”, em 25/06/2010, que já informava acerca da assinatura de convênios da Bahiatursa com dezenas de municípios; bem assim de matéria publicada em sítio eletrônico,em 23/06/2010, cujo conteúdo relata situação similar. Destaque-se, ainda, que os festejos juninos, nos Municípios da região Nordeste do país, são celebrações tradicionais, que representam período de intenso fluxo turístico e fomento da atividade econômica local, independentemente do ano de eleição. A realização de festividades como essas, portanto, refoge ao viés eleitoral, mormente em razão do sentimento cultural que permeia as cidades do interior da Bahia. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 367 ATOS DA PROCURADORIA II.3) Do repasse de verba para o Município de Medeiros Neto No que pertine à transferência de recursos destinados ao Município de Medeiros Neto, mediante a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER), cai por terra os argumentos vertidos na inaugural, quando analisado o escorço probatório dos autos. Os documentos constantes do Anexo XII (doc.22) comprovam que as fortes chuvas ocorridas no início do ano de 2010 causaram grandes prejuízos para a população de Medeiros Neto, o que obrigou a Administração Municipal a reconhecer o estado de emergência da cidade, por meio do Decreto n. 13/2010, prorrogado pelo Decreto n. 25/2010. O Estado da Bahia, por sua vez, para evitar danos maiores e irreparáveis à população, homologou os atos administrativos municipais por meio de Decreto datado de 07/07/2010, com fins a adotar providencias no tocante à drenagem de águas pluviais e repavimentação de áreas atingidas pelas chuvas. O ato acabou por desbordar no envio de verbas equivalentes a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Conclui-se, pois, que o Convênio n. 308/2010 de 25/08/2010, realizado para possibilitar o repasse de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para o Município de Medeiros Neto ocorreu nos moldes previstos em lei, conforme a exceção prevista na parte final do art. 73, VI, a, da Lei 9.504/97, no que tange à possibilidade de repasse de recursos a Município em situação de emergência e de calamidade pública. II.4) Do excesso de propaganda em quantidade e dimensões irregulares No tocante à alegação de excesso de propaganda em quantidade e dimensões irregulares, certo é que nada restou comprovado. De início, vale salientar que a ilicitude decorrente do efeito outdoor (que excede os 4m2), ou ainda em razão da forma como fixado o engenho publicitário deve ser combatida em ação própria, mediante representação fundada no art. 37, da Lei n. 9.504/97, cujas sanções recaem na sua retirada e no pagamento de multa. Ainda assim, a jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral reconhece a data do pleito como termo final para o ajuizamento de representações dessa ordem, verbis: Representação. Propaganda eleitoral extemporânea. Falta de interesse de agir. 1. A jurisprudência firmou-se no sentido de que o prazo final para ajuizamento de representação, por propaganda eleitoral extemporânea ou irregular, é a data da eleição, sob pena de reconhecimento de perda do interesse de agir. [...] (AgR-AI nº 10568 - Macapá/AP. Acórdão de 20/05/2010, DJE de 23/06/2010, Página 26); 368 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA ELEIÇÕES 2006. Agravo regimental no recurso especial. Representação por propaganda eleitoral supostamente irregular. Ajuizamento posterior às eleições. Reconhecimento da falta de interesse de agir do representante. Ausência de debate, no TRE, acerca da violação a normas da Constituição Federal. Falta de prequestionamento. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. Questões não debatidas no acórdão do Tribunal Regional são incognoscíveis em sede de recurso especial. A representação fundada no art. 37 da Lei nº 9.504/97 deve ser proposta até a data das eleições, sob pena de ser reconhecida a perda do interesse de agir do autor. (ARESPE nº 28101 - São José do Rio Preto/SP. Acórdão de 23/06/2009, DJE de 01/09/2009, Página 34). (grifou-se). A Procuradoria Regional Eleitoral, inclusive, no uso de suas atribuições, representou, com êxito, em várias oportunidades, em face dos impugnados – e de tantos outros candidatos ao pleito de 2010 -, com fundamento na prática irregular consistente na veiculação de engenhos publicitários, nos termos da lei. Forçoso reconhecer, portanto, que, no bojo da presente AIME, qualquer alegação nesse sentido encontra-se eivada da perda do interesse de agir. No que tange ao suposto abuso de poder econômico por meio do aumento de verbas na órbita de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), destinadas à propaganda, às vésperas das eleições, não logram os autores trazer à tona qualquer elemento de prova apto a ensejar o acolhimento do pedido. Muito provavelmente, para subsidiar suas alegações, os impugnantes levaram em conta apenas o pedido de alteração do limite de gastos em campanha, para o cargo de Governador do Estado, do valor de R$ 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais) para R$ 33.000.000,00 (trinta e três milhões de reais), formulado pela Coligação “Pra Bahia Seguir em Frente”, no Processo tombado sob o n. 2349-80.2010. Ocorre que, naqueles autos, a Coligação dos réus justificou o aumento das verbas em razão da ocorrência dos seguintes fatos: a)Acréscimo de 30% (trinta por cento) nos valores estimados para gastos decorrentes da contratação de matérias gráficos, engenhos publicitários e outros produtos e serviços; b)Aumento da demanda por matérias de campanha em todos os municípios do Estado, “em decorrência da posição privilegiada da candidatura da requerente nas pesquisas eleitorais”. c)Acréscimo do valor orçado na fase pré-eleitoral para a locação de aeronave; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 369 ATOS DA PROCURADORIA d)A coligação majoritária teria feito doações a candidatos dos partidos integrantes da Coligação proporcional em valores superiores a R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), ato que será computado como despesa cujo montante não estava inicialmente previsto; e)O crescimento de atos de campanha teria ocasionado o aumento de outros gastos, tais como: combustível, locação de andaimes, carro de som, etc. Na oportunidade, esta Procuradoria pronunciou-se favoravelmente à concessão do pedido, porquanto a alteração vindicada apresentou-se fundamentada e proporcional, quando comparada aos valores indicados por outros candidatos a cargos majoritários. Percebe-se, pois, que o implemento de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), pleiteado pelo Governador e deferido por essa Corte, destinou-se, a complementar despêndio com propagandas eleitorais, como também a suprir outras despesas decorrentes das eleições. Ao considerar razoável, portanto, no contexto das eleições 2010, o aumento do limite de gasto de campanha, não há como reconhecer, agora, apenas levando-se em consideração o valor absoluto pleiteado, qualquer conduta abusiva perpetrada pelos impugnados. Até porque, em momento algum, repita-se, os autores lograram demonstrar, de forma inconteste, que houve, por parte dos réus, a destinação total da referida verba para pagamento exclusivo de material publicitário. Vale, também, acrescentar que inexiste nos autos indicativo ou tabela comparativa que demonstre o excesso na média de gastos nos três últimos anos que antecederam o pleito (2007, 2008 e 2009) ou do último ano imediatamente anterior à eleição (2009), como requer a lei eleitoral, providência a cargos dos representados que, nesse aspecto, quedaram-se inertes (art. 73, VII, da Lei n. 9.504/97). II.5) Da entrega de ambulâncias do SAMU Por fim, há de se reconhecer que o fato atinente à entrega de ambulâncias do SAMU, às vésperas das eleições, a diversos municípios da Bahia, já fora examinado por esse Regional nos autos da Representação n. 5175-79.2010. À época dos fatos, o Juiz Relator concedeu medida liminar no sentido de suspender a entrega dos veículos pelo Gestor Estadual, até o dia do pleito, sob o fundamento de que referida conduta poderia influenciar no resultado das eleições. Entretanto, submetidos os autos à análise exauriente, o eminente Relator, na esteira do parecer exarado pelo Procurador Eleitoral Auxiliar, convenceu-se da licitude da conduta e proferiu voto naqueles autos, seguido, à unanimidade, pela Corte (Acórdão n. 1.957/2010), nos seguintes termos: 370 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA [...] observo que a entrega das ambulâncias, objeto da presente representação, foi realizada em prol de municípios localizados em diferentes Estados federativos, como doação feita pelo Ministério da Saúde, para garantir eficácia do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Na esteira do parecer ministerial, na ausência de legislação eleitoral específica, é aplicável o conceito de transferência voluntária delineado pelo artigo 25 da lei Complementar nº 101, verbis: Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capitala outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.(grifos no original). Por conseguinte, ainda que as aludidas ambulâncias fossem consideradas como recursos, a norma retromencionada exclui do referido conceito àqueles recursos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ante o exposto, resta concluir pela improcedência dos pedidos, o que requer a Procuradoria Regional Eleitoral. Salvador, 10 de novembro de 2011. SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 371 ATOS DA PROCURADORIA Recurso Eleitoral Processo n. 16240-56.2008.6.05.0081 Classe 30 Procedência: CRISÓPOLIS-BA (81a Zona Eleitoral) Recorrentes: Coligação “UNIDOS PARA O PROGRESSO” e outros Recorridos: José Santana da Silva e outro Relator: uiz Salomão Viana PRONUNCIAMENTO Eminente Relator, Egrégio Tribunal: Trata-se de recurso interposto contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos vertidos na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo tombada sob o n. 005/2009, manejada com supedâneo na prática de corrupção, por meio de captação ilícita de sufrágio, bem como de abuso de poder econômico e político. Em suas razões (fls. 393/415), os recorrentes reiteram os fatos e fundamentos invocados na peça vestibular, para noticiar, em síntese, que o recorrido, valendo-se da sua condição de Chefe do Executivo municipal e candidato à reeleição, teria perpetrado as seguintes condutas: 1. Viabilizado atendimento médico por profissionais contratados pela Prefeitura e distribuição de medicamentos em benefício da campanha; 2. Utilização de advogado contratado pela Prefeitura na campanha eleitoral; 3. Afixação de cartazes em ônibus que prestavam serviço à Prefeitura de Crisópolis; 4. Realização de showmício ou evento assemelhado com participação de artista/animador em trio elétrico; 5. Distribuição de combustível a eleitores durante evento denominado “cavalgada”. Em suas contrarrazões (fls. 436/449), os recorridos suscitam, preliminarmente, a inadequação da via eleita. No mérito, negam a ocorrência das condutas que lhes são imputadas e pugnam pela improcedência do recurso. É o breve relatório. Passa-se à fundamentação. 372 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA I) PRELIMINAR A alegação de inadequação da via eleita enseja parcial acolhimento. Destaque-se, de logo, que é assente na jurisprudência o entendimento de que o abuso de poder político sem desdobramentos econômicos não configura causa de pedir apta ao manejo das ações de impugnação de mandato eletivo. In casu, observa-se que a noticia não se cinge a tal hipótese de ilicitude, uma vez que se depreende das evidências coligidas e dos argumentos expendidos que os impugnantes também pretendem demonstrar a ocorrência de condutas que vencem as fronteiras do desvirtuamento do poder político e alcançam o campo do abuso de poder econômico e da corrupção; o que, portanto, permite reconhecer a presença de fatos susceptíveis de exame por meio de AIME. Nessa perspectiva, dentre as condutas apontadas pelos recorrentes, a suposta “utilização de advogado contratado pela Prefeitura na campanha eleitoral” não se revela apta a atender aos requisitos delineados na Constituição da República, para o manejo do remédio constitucional eleitoral; sobretudo porque, tanto a descrição fática quanto o aporte argumentativo e probatório coligido preenchem, em tese, o tipo da conduta vedada, espécie de abuso de poder político, que exorbita os lindes da presente demanda. Veja-se, a propósito, a jurisprudência firmada no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. § 10 DO ARTIGO 14 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: CAUSAS ENSEJADORAS. 1. O abuso de poder exclusivamente político não dá ensejo ao ajuizamento da ação de impugnação de mandato eletivo (§ 10 do artigo 14 da Constituição Federal). 2. Se o abuso de poder político consistir em conduta configuradora de abuso de poder econômico ou corrupção (entendida essa no sentido coloquial e não tecnicamente penal), é possível o manejo da ação de impugnação de mandato eletivo. 3. Há abuso de poder econômico ou corrupção na utilização de empresa concessionária de serviço público para o transporte de eleitores, a título gratuito, em benefício de determinada campanha eleitoral. (TSE. RESPE-28040, 22/04/2008).(grifou-se) Por sua vez, os demais fatos narrados possuem robustez satisfatória para configurar, em tese, atos de corrupção e abuso de poder econômico, susceptíveis, portanto, de arguição por meio da AIME. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 373 ATOS DA PROCURADORIA Nessas circunstâncias, forçoso reconhecer a parcial inadequação da via eleita, tão somente em relação à alegação de “utilização de advogado contratado pela Prefeitura na campanha eleitoral”. II) DO MÉRITO No tocante à questão de fundo, a pretensão recursal merece ser parcialmente acolhida. Cumpre, de logo, destacar o enunciado do art. 14, § 10, da Constituição Federal: “O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”. (grifou-se). Verifica-se que a narrativa levada a efeito na peça vestibular se orienta a demonstrar suposta prática de fraude por meio de captação ilícita de sufrágio, bem como de abuso de poder econômico. Observa-se, na espécie, que, conquanto algumas das condutas narradas apontem para a possibilidade de exorbitância de permissivos legais, o fato é que, no particular, o conjunto probatório coligido apresenta-se com significativa fragilidade para que se possa concluir no sentido da configuração dos alegados ilícitos, mormente diante das conseqüências previstas na legislação de regência. Sucede, todavia, que no tocante ao abastecimento gratuito de combustível, há nos autos prova suficiente de que os eventos desdobraram-se de maneira aderente à narrativa vertida na exordial; sobretudo porque, advirtase, com a especialização dos organizadores de campanha, bem assim dos candidatos, não se pode exigir que venha aos autos prova direta e expressa dos ilícitos cometidos – vale dizer, praticamente, uma confissão. Por isso mesmo, a valoração a respeito da efetiva ocorrência desse ilícito deve ser construída a partir da combinação de fatos que, uma vez removido o manto de suposta legalidade que os reveste e examinados no conjunto, exsurgem aptos a revelar a prática de abuso de poder econômico com saliente potencialidade para o desequilíbrio da disputa. Vejam-se, pois, o exame individualizado dos fatos alegados: 1) Do atendimento médico por profissionais contratados pela Prefeitura e da distribuição de medicamentos em benefício dos investigados No tocante a essas condutas, é fato incontroverso que profissionais da Prefeitura realizaram atendimento médico, bem como forneceram medicamentos gratuitos, a pessoas do “Povoado Fazenda Sapê”. Contudo, as evidências coligidas não permitem que se afirme com segurança que tal empreitada foi acompanhada de pedido de votos em favor da campanha eleitoral dos impugnados. 374 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Na verdade, além desse aspecto, como asseverou o Juiz a quo, o mesmo fato foi objeto de minucioso exame no âmbito de Ação de Investigação Eleitoral n. 354/2008, manejada pela Promotoria Zonal, ao cabo da qual restou demonstrada a inocorrência de compra de votos, pelo que o Parquet pugnou pela improcedência da demanda. Por sua vez, não se há como extrair das declarações gravadas na mídia de fl. 225 (CD-01) os elementos necessários a completar eventual cenário de ilicitude, de modo a que reste inequivocamente configurada a prática atribuída aos recorridos. Ademais, não auxilia a tese dos impugnantes o argumento de que: “[...] é, no mínimo, estranho que agentes da Prefeitura Municipal de Crisópolis procedessem a atendimento em residência de eleitor, justamente dentro de período eleitoral [...]”. (fl. 396), uma vez que extrai-se dos autos que tal atuação ocorria no âmbito do Programa de Saúde da Família, desenvolvido por aquela municipalidade. Veja-se, a esse respeito, o entendimento esposado pelo Magistrado sentenciante: Falta a comprovação sólida das condutas que lhe foram atribuídas, isto é, a comprovação de que o atendimento médico narrado na petição teve uma finalidade eleitoral. Sem essa comprovação, não há que se perquirir, aqui, acerca da existência de captação ilícita de sufrágio. (fl. 357). 2) Da afixação de cartazes em ônibus que prestavam serviço à Prefeitura de Crisópolis No tocante aos cartazes com propaganda eleitoral dos impugnados, afixados em ônibus que prestavam serviço ao Município de Crisópolis, em caráter não exclusivo, verifica-se, de fato, que tal conduta é passível de enquadramento como abuso de poder econômico. Ocorre que não há como identificar elementos que demonstrem, na linha do que exige a jurisprudência firmada no âmbito dos Tribunais pátrios, inclusive da Corte Superior Eleitoral, que as ações implementadas – mormente nas circunstâncias exibidas pelas fotos de fls. 65/69, em que se observa a intensa propaganda, realizada por meio de bandeiras e outros artefatos revestem-se de “potencialidade suficiente para desequilibrar a disputa”. (TSE. AgrResp n. 5158657, DJE de 10/5/2011). 3) Da realização de showmício Por sua vez, a argumentação em torno da ocorrência do shomício se apresenta deveras frágil, porquanto a presença do artista Ivanildo Ritche Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 375 ATOS DA PROCURADORIA no evento exibido às fls. 71/72 (mídias às fls. 73 e 75) não se revela apta a configurar a suposta ilicitude; tampouco se delineia como outra violação à legislação eleitoral, ainda que seja possível perceber o real intuito dos impugnados. Essa compreensão não sofre significativa alteração com o exame do laudo técnico encartado às fls. 203/204, uma vez que as respostas oferecidas aos quesitos formulados, bem como as conclusões lançadas pelos peritos, não se prestam a demonstrar que o referido artista tenha realizado um show em favor da campanha dos recorridos. Assim, inexistem registros suficientes em relação a qualquer manifestação artística em favor dos impugnados. Com efeito, não raro se observa das campanhas propagandísticas, em especial daquelas veiculadas por meio televisivo, que pessoas com significativo apelo popular (artistas, jogadores de futebol, dentre outros) são chamados a contribuir com sua imagem e verve, para fins de convencimento do eleitorado. Como asseverou o Juiz zonal: “Ivanildo Ritche não se ‘apresentou’, não chegou a representar, na carretada, uma atração que pudesse dar foros de ‘showmicio’ ao tal evento”. (fl. 359). 4) Da distribuição gratuita de combustível No caso, os impugnantes constroem sua tese com arrimo no conteúdo da mídia de fl. 75, na qual, de fato, observa-se movimento não usual em Posto de Combustível, com o abastecimento praticamente sequencial de motocicletas enfileiradas, sem que se perceba qualquer procedimento direcionado ao pagamento do produto. Acaso ausente qualquer outro elemento de prova poder-se-ia afirmar que se estaria diante de cenário deveras suspeito, mas sem aptidão para vincular, direta ou indiretamente, os impugnados a eventual ilícito praticado, o que projetaria qualquer tentativa de responsabilização ao campo do malogro. Essa não é, todavia, a moldura dos autos, uma vez que a análise conjunta das imagens contidas na referida mídia, bem como do laudo técnico encartado à fl. 199/201 e das declarações fornecidas em juízo pela testemunha Edmilson dos Santos, permitem a formação de juízo de certeza de que houve distribuição gratuita de combustível em favor da campanha eleitoral dos impugnados. Destaquem-se, a propósito, os seguintes trechos de referido depoimento (fl. 225 – CD-02): 376 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Juiz: O senhor conhece um posto chamado posto Brasil? Testemunha: Sim. É de frente a minha casa. Juiz: Sabe onde fica? O nome da rua? Testemunha: O nome da rua? É rua três de maio [...] Juiz: O senhor sabe dizer se esse posto presta serviço à Prefeitura de Crisópolis? Testemunha: Sim. Juiz: Presta que tipo de serviço? Testemunha: [...] A Prefeitura abastece nesse posto daí. Posto Brasil. Juiz: O senhor sabe dizer se constantemente, todo dia, tem muito movimento no posto? Testemunha: não. Só vê um movimento mais grande mesmo no tempo da política. Juiz: Mas o senhor sabe por que esse movimento é maior no tempo da política? Testemunha: Porque atualmente tava muito os pessoal abastecendo. Só era chegando lá a fileira de moto. Chegando e abastecendo e eu estava lá apreciando e via tudo. Juiz: O senhor já abasteceu nesse posto? Posto Brasil? Testemunha: Já Juiz: Já saiu sem pagar, alguma vez? Testemunha: Não. Só abasteço se tiver o dinheiro; se não tiver também não abasteço. Juiz: O senhor sabe se o posto tem prática de vender o combustível fiado? Testemunha: Para a Prefeitura, sim. Juiz: E para pessoa comum. Se o senhor chegar lá, o senhor compra fiado? Testemunha: Rapaz, vou falar a verdade: eu nunca comprei lá fiado. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 377 ATOS DA PROCURADORIA [...] Juiz: Como é que o senhor sabe que abastece fiado para a prefeitura? Testemunha: Por que eu vou abastecer a minha moto e vejo o pessoal abastecendo e só anotando no coisa... Dizendo aí: anota aí para a prefeitura. Só anotando. Juiz: É comum formar fila no posto? Fila de moto? Testemunha: Não. [...] Juiz: A cavalgado que o senhor falou mais cedo. Essa cavalgada passou pelo posto Brasil? Testemunha: Passou em frente. Juiz: Você lembra como foi o movimento no posto Brasil no dia da cavalgada? Testemunha: Rapaz. Era um movimento grande, viu. Juiz: Por que tava movimentado? Testemunha: Para abastecer as motos. De graça. Juiz: De graça? Por que de graça? Testemunha: Campanha política, né? Juiz: Sim. Campanha política abastece de graça? Se eu chegar lá abasteço o meu carro de graça? Testemunha: Se tiver com o adesivo, você abastece. Juiz: Adesivo de quem? Testemunha: Se tiver o adesivo do atual Prefeito. Aí abastece. Juiz: Por que? Testemunha: Não sei. Juiz: Baste estar com adesivo que abastece de graça? Testemunha: Abastece. Se a moto tiver com o adesivo do 15, abastece. 378 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA [...] Juiz: Conhece alguém que abasteceu lá de graça? Testemunha: [...] um primo meu abasteceu lá, de graça. Juiz: E ele pagou pela gasolina depois? Testemunha: Não. [...] Juiz: Tinha cartazes no posto? Testemunha: Tinha colado nas motos, senão não abastecia. [...] Observa-se, portanto, que as afirmações são de significativa contundência, sobretudo porque transparece a tranqüilidade e a segurança com as quais a testemunha fornece as informações, inexistindo quaisquer contradições no seu depoimento, cujo conteúdo, gize-se, amolda-se às imagens exibidas na mídia de fl. 75. Nessa perspectiva é que causa espécie o fato do Magistrado sentenciante ter ignorado de maneira peremptória essa prova testemunhal, para sustentar que: “A prova produzida pelos impugnantes a respeito do fato em exame resumiu-se aos arquivos de áudio e vídeo gravados no CD de fl. 75.”(!?). É preciso ressaltar que a faculdade da livre apreciação dos elementos de prova não chega ao ponto de fornecer ao Juiz uma carta branca para omitir as razões pelas quais deixa de apreciar determinado elemento, mormente quando o substrato probante revela saliente importância para o deslinde da causa, hipótese em que paira sobre o Magistrado o ônus de fundamentar o afastamento da evidência produzida. No caso da prova testemunhal, exige-se, como de resto em relação a qualquer arcabouço probatório, acuidade do Magistrado em perceber e extrair, caso possível, durante a oitiva, declarações que, cotejadas com eventuais outros elementos de convicção construídos no curso do processo, possam conduzi-lo ao devido juízo de certeza em relação à verdade possível. Assim é que, de forma alguma, apresenta-se viável, sob pena de se subalternizar princípios processuais, a eliminação a priori da idoneidade da prova testemunhal para demonstrar a ocorrência de graves condutas perpetradas o campo eleitoral, principalmente ante a usual destreza dos perpetradores, que oferecem severas dificuldades para se angariar outros meios de prova. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 379 ATOS DA PROCURADORIA No particular, como sói ocorrer com qualquer outra modalidade de prova, uma vez examinada, pode se chegar à conclusão acerca da sua fragilidade, mas não por ser exclusiva ou predominantemente testemunhal, mas porque não se revela apta a demonstrar a ocorrência dos fatos. Ocorre, porém, que, no caso, o depoimento de Edmilson dos Santos integra um conjunto probatório dotado de robustez para demonstrar o cometimento do abuso de poder econômico, com saliente potencialidade para violar o equilíbrio da disputa, em especial pela ínfima diferença de votos que viabilizou aos impugnados o sucesso nas Eleições 2010 para a Prefeitura de Crisópolis, conforme se verifica do seguinte quadro: Posição CANDIDATOS Nº PARTIDO VOTOS % 1º JOSE SANTANA DA SILVA 15 PMDB 5.089 46,98% 2º AGAMENON DANTAS DE SOUZA 25 DEM 5.044 46,56% 3º JOSÉ CALDAS FILHO 19 PTN 385 3,55% 4º JOAO BISPO DE OLIVEIRA 13 PT 315 2,91% Foram apenas 45 votos, diferença absolutamente sensível às manobras eleitoreiras que se destinem a romper com o equilíbrio do pleito, exatamente como a massiva distribuição de combustível noticiada nos presentes autos, sem a qual, pode-se afirmar, haveria sérias possibilidades de que os impugnados não tivessem alcançado resultado positivo naquela disputa. Ressalte-se, ainda, que a “afixação de cartazes em ônibus que prestavam serviço à Prefeitura de Crisópolis”, em relação à qual – isoladamente considerada – chegou-se à conclusão da inexistência de potencial para desequilibrar o pleito, deve ser considerada como agravante no conjunto das práticas que permitiram aos impugnados vantagem ilícita em relação aos demais competidores. Por fim, insta ressaltar que, in casu, todos os fatos noticiados se revelam absolutamente plausíveis de terem ocorrido como narrado pelos impugnantes, não fosse a ausência de higidez do acervo probatório em relação à parte dos eventos noticiados. Nada obstante, a pujança da prática de distribuição gratuita de combustível restou suficientemente provada, de modo a revelar severa subversão da vontade soberana do eleitorado de Crisópolis, apta a representar subalternização da democracia e tornar ilegítimo o resultado alcançado das urnas. Ante o exposto, manifesta-se a Procuradoria Regional Eleitoral pelo provimento parcial do recurso, para reformar a sentença zonal e 380 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA cassar o mandato eletivo de José Santana da Silva e Nivaldo Menezes Filgueiras, com a imediata diplomação dos candidatos que alcançaram o segundo lugar. Salvador, 28 de julho de 2011. SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 381 ATOS DA PROCURADORIA Recurso Contra Expedição de Diploma Processo n. 650/2009 (6-48.2009) Procedência: Uauá/BA Recorrente: Olímpio Cardoso Filho Recorridos: Jorge Luiz Lobo Rosa e Péricles Cardoso de Oliveira Relator: Juiz Salomão Viana PRONUNCIAMENTO Trata-se de Recurso Contra Expedição de Diploma, fundado na prática de abuso de poder político/econômico, fraude e captação ilícita de sufrágio, interposto em face de Jorge Luiz Lobo Rosa e Péricles Cardoso de Oliveira, respectivamente, prefeito e vice-prefeito reeleitos em 2008, no Município de Uauá. A pretensão é lastreada na ocorrência dos seguintes fatos: I) desvio de inúmeros servidores municipais para atuarem na campanha eleitoral; II) utilização de bens públicos em favor dos recorridos; III) captação ilícita de sufrágio, mediante a retenção de títulos de terceiros; IV) distribuição de combustíveis e outras benesses; V) divulgação de pesquisa em desatendimento às prescrições legais; VI) utilização de títulos eleitorais por outrem no momento da votação. Os recorridos, preliminarmente, suscitam (fls. 968/1015 e 1850/1883): I) inépcia da inicial por ausência de prova pré-constituída; II) nulidade da instrução caracterizada tanto pela limitação de tempo imposta pelo Juízo monocrático, em cumprimento à carta de ordem para inquirição das testemunhas, como em razão do indeferimento de produção de prova testemunhal para instruir as contraditas apresentadas. No mérito, pugnam pela improcedência do pedido. Expedida carta de ordem para a oitiva de testemunhas (Anexo I). Após determinada a produção de prova documental (fls. 1388, 1538, 1681/1684), vieram aos autos os documentos constantes do Anexo II (cópia do Inquérito Policial n. 148/13586-48.2009) e do Anexo III (peças extraídas do processo de prestação de contas do Município de Uauá, referentes ao exercício de 2008). Manifestações finais das partes às fls. 1813/1849 e 1850/1883. É o relatório do essencial. Passa-se à fundamentação. 382 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA 1 - DAS PRELIMINARES 1.1 - Ausência de Prova Pré-Constituída A preliminar de ausência de prova pré-constituída deve ser afastada, visto que o atual entendimento da Corte Superior firmou-se pela “possibilidade de produção, no Recurso Contra Expedição de Diploma, de todos os meios lícitos de prova, desde que indicados na petição inicial, não havendo o requisito da prova pré-constituída” (RCD n. 745/SP, DJE de 24/08/2010, rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira). 1.2 - Nulidade da Instrução Probatória Inicialmente, vale destacar o tumulto no trâmite do processo, marcado pela ausência de lealdade processual, o que dificultou sobremaneira a atuação jurisdicional, tanto do insigne relator, quanto do juiz zonal, no cumprimento da carta de ordem expedida para que fossem ouvidas as testemunhas arroladas. Extrai-se dos autos que foram designadas mais de 20 audiências, entre as que foram suspensas e as efetivamente realizadas, para o cumprimento da mencionada carta de ordem, o que perdurou precisamente 15 meses (20/4/2009 a 19/7/2010), numa verdadeira saga processual, em que se presenciou toda a sorte de imprevistos e incidentes. A situação dos autos foi bem retratada pelo Juiz Relator Salomão Viana, às fls. 1367/1389: 01 – Trata-se de processo que vem se caracterizando por inusitada sequência de incidentes. Em razão disto, deverá a Secretaria Judiciária redobrar a atenção por ocasião da prática dos atos a seu cargo [...] Na audiência, após uma sequência de incidentes, foi constatada a falta de peças que, no ver dos recorridos, deveriam ter instruído a carta de ordem. Como a representação judicial do recorrente afirmou que possuía cópias de tais peças, apresentou o acervo que detinha. Os recorridos, então, por meio do advogado que foi designado pela MM. Juíza para representálos – e que é o mesmo a quem foram substabelecidos poderes para representar os recorridos em ato posterior (fl.1330)-, inquinou de falsos os documentos (fl.1226), sem indicar um único motivo existente materialmente nos documentos para embasar a sua alegação. Evitem – definitivamente, evitem – os recorridos a repetição de condutas desta natureza, que não serão, em nenhuma hipótese, toleradas pela relatoria deste processo [...] Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 383 ATOS DA PROCURADORIA Diante desse contexto, o juiz designado para cumprir a carta de ordem adotou, acertadamente, medidas a fim de evitar os infindáveis subterfúgios que, naquele momento, visavam a eternizar a demanda. Assim, como regra geral, limitou o tempo para inquirição das testemunhas em 20 minutos para cada parte e para o Ministério Público, bem como determinou a imediata comprovação do que fosse alegado em contradita, nos seguintes termos: [...] pelo M.M. Juiz Eleitoral foi dito que: reaberta a audiência, retoma-se a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes, primeiramente dando continuidade as arroladas pelo recorrente. Para fins de organização e otimização do tempo, ficam as partes e o Ministério Público advertidos que serão concedidos 20 (vinte) minutos improrrogáveis para a inquirição das testemunhas. Para fins de celeridade e também de otimização dessa assentada ficam as partes advertidas que havendo oferecimento de contradita deverão de pronto ser apresentadas ou indicadas as provas respectivas. [...] (grifo do original). Transcreve-se, ainda, o pronunciamento exarado pelo Promotor Eleitoral, naquela oportunidade: [...] Com relação ao indeferimento das contraditas, entendemos que cabe à parte apresentar, de plano, prova robusta neste sentido, haja vista que a presunção vigente é no sentido da credibilidade das testemunhas arroladas. (...) No que diz respeito à limitação de tempo, entendemos que o Magistrado, como presidente da audiência, pode recomendar às partes que sejam objetivas em suas perguntas. Nessa conformidade, a sugestão de 20 (vinte) minutos par argüições deve ser entendida, como a abertura para que as partes indaguem livremente as testemunhas neste período de tempo, após o que o Magistrado exercerá estrito controle da pertinência das perguntas [...] Num juízo de ponderação, em que se contrapõem o interesse, desde que legítimo, em produzir provas, e por outro lado, a solução da lide em tempo razoável e a utilidade da decisão adotada por essa Corte – fim maior do processo, especialmente em matéria eleitoral, em vista do caráter temporário dos mandatos políticos -, observa-se a razoabilidade da medida adotada pelo Juiz a quo, mormente diante da conduta contumaz demonstrada nos autos no sentido de protelar o andamento do feito. Nota-se que o magistrado, em nenhum momento, absteve-se de adotar as medidas necessárias para instruir o processo, cabendo-lhe, por força legal (art. 130, CPC), o indeferimento das que entender impertinentes. 384 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Acrescente-se, ainda, não restar comprovado nas alegações das partes (fls. 1813/1849 e 1850/1883) o efetivo prejuízo processual, imprescindível para que seja configurada a eventual nulidade, razão pela qual esta preliminar também deve ser afastada. 2 - DO MÉRITO A narrativa vertida na exordial pretende demonstrar uma orquestração de ações, preordenadas a gerar resultados individuais que, em seu conjunto, terminariam por favorecer os recorridos nas Eleições municipais de 2008. O exame do arcabouço probatório revela que os elementos que sustentam as alegações do recorrente encontram suporte nos depoimentos de testemunhas/eleitores. Tal cenário está a exigir que, como providência anterior ao exame dos fatos, desenvolva-se reflexão em torno da idoneidade da prova testemunhal em feitos desta natureza. 2.1 - DA PROVA TESTEMUNHAL Não raro, surgem debates nos Tribunais em torno da utilização de testemunhas como suporte às alegações de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico. Em regra, argúi-se que a gravidade das sanções decorrentes do reconhecimento dessas práticas demandaria prova com substância insusceptível de se alcançar por meio de depoimentos colhidos em Juízo. Tal percepção mostra-se, data venia, equivocada. É que, malgrado a natureza das relações intersubjetivas travadas no âmbito eleitoral, campo em que, muitas vezes, os interesses e rivalidades conduzem à construção de versões descabidas e frágeis, a prova testemunhal está longe de ser algo descartável por ser o único ou preponderante elemento coligido. Exige-se, como de resto em relação a qualquer arcabouço probatório, acuidade do Magistrado em perceber e extrair, caso possível, durante a oitiva, declarações que, cotejadas com eventuais outros elementos de convicção construídos no curso do processo, possam conduzi-lo ao devido juízo de certeza em relação à verdade real. Assim é que, de forma alguma, revela-se viável, sob pena de se subalternizar princípios processuais, a eliminação a priori da idoneidade da prova testemunhal para demonstrar a ocorrência de graves condutas perpetradas no campo eleitoral, sobretudo pela destreza dos perpetradores, que oferecem severas dificuldades para se angariar outros meios de prova. No particular, como sói ocorrer com qualquer outra modalidade de prova, uma vez examinada, pode se chegar à conclusão acerca da sua Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 385 ATOS DA PROCURADORIA fragilidade, mas não por ser exclusiva ou predominantemente testemunhal, mas porque não se revela apta a demonstrar a ocorrência dos fatos. Nesse sentido encontra-se firmada a jurisprudência dos Tribunais pátrios, que, inclusive, reconhece a possibilidade de condenação criminal com fundamento em prova exclusivamente testemunhal, desde que robusta: Representação. Captação ilícita de sufrágio. 1. A comprovação da captação ilícita de sufrágio lastreada exclusivamente em prova testemunhal é perfeitamente admitida, bastando que ela demonstre, de maneira consistente, a ocorrência do ilícito eleitoral. 2. A circunstância de cada fato alusivo à compra de voto ter sido confirmada por uma única testemunha não retira a credibilidade, nem a validade da prova, que deve ser aferida pelo julgador. (TSE. AgR-REspe n. 26110, DJE de 23/06/2010). (grifou-se). PROCESSO CRIMINAL. DELITO DO ART. 299 DO CODIGO ELEITORAL. [...] PARA QUE A CONDENACAO CRIMINAL SEJA BASEADA EM PROVA ESTRITAMENTE TESTEMUNHAL, E NECESSARIO QUE OS DEPOIMENTOS SEJAM CONTUNDENTES, INQUESTIONAVEIS E IRRETORQUIVEIS.(TRE-MG. Acórdão nº 176 de 08/03/1999). AÇÃO CAUTELAR - CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - ALEGAÇÃO DE QUE A SENTENÇA FOI BASEADA EM PROVA UNICAMENTE TESTEMUNHAL E MACULADA PELA PARCIALIDADE - NÃO CARACTERIZAÇÃO DA FUMAÇA DO BOM DIREITO - MANUTENÇÃO DA DECISÃO LIMINAR - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Uma vez vigorar no processo brasileiro o princípio da livre apreciação das provas, inexiste hierarquia entre os meios probatórios disponíveis, sendo descabida a alegação de que a sentença deve ser suspensa porque foi baseada em prova unicamente testemunhal.(TRE-RN. AC.n. 2, de 08/07/2008). (grifou-se). No caso sob apreciação, como antes asseverado, a prova oral produzida restou fortemente corroborada por outros elementos probatórios, cujo exame em conjunto revela sua idoneidade para confirmar a tese vertida na presente demanda. Veja-se, pois, o exame individualizado dos fatos alegados em desfavor dos recorridos: 386 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA 2.2 – DO ABUSO DE PODER POLÍTICO 2.2.1 - Utilização de servidores municipais para atuarem em campanha eleitoral O recorrente assevera que os servidores adiante elencados foram desviados de suas funções para trabalharem na campanha de reeleição do então Prefeito: I) Adão Gomes Ribeiro da Silva (Chefe da Divisão de Convênio e Contratos e Presidente da Comissão Permanente de Licitação - CPL): Conforme consta da inicial, durante o período eleitoral, o servidor Adão, ao lado das funções desempenhadas na CPL, prestou serviço no comitê de campanha dos recorridos em horário de expediente. Em defesa, a parte ré acostou aos autos certidão firmada por Adson Batista da Silva Cardoso, Chefe da Divisão de Recursos Humanos e Documentação, do Município de Uauá, em que se atesta que o servidor Adão Gomes encontrava-se em gozo de férias no período de 29/9/2008 a 28/10/2008, nos seguintes termos (fl. 1046): Certificamos para os devidos fins de direito, que o servidor ADÃO GOMES RIBEIRO DA SILVA, brasileiro, maior, solteiro, Auxiliar Administrativo, portador do RG n.º 4423549 SSP/PA (sic) e CPF n.º 951.019.855-20, gozou férias no período de 29 de setembro de 2008 a 28 de outubro de 2008, referente ao período aquisitivo de 01 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2005 [...] Ressalte-se que o teor da referida certidão, produzida unilateralmente pelo Município, há que ser considerada com a devida reserva. Isto porque o atual Chefe do Poder Executivo é parte neste processo. Por outro lado, verifica-se que os documentos referentes ao Processo de Licitação n. 64/2008, (Anexo III, Volume III, parte final) foram assinados por Adão Gomes, então presidente da CPL, entre os dias 22/9/2008 e 9/10/2008, o que comprova que o servidor estava no exercício do cargo no período que antecedeu às eleições, diversamente do que afirmam os recorridos. Não bastasse, a testemunha Rodrigo Gonçalves de Souza Silva (fls. 342/346, Anexo I) confirmou a presença do aludido funcionário no comitê eleitoral na mesma época. Conclui-se, portanto, que razão assiste ao recorrente quando afirma que o servidor Adão Gomes Ribeiro da Silva desviou-se de suas funções para se dedicar à campanha eleitoral dos recorridos. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 387 ATOS DA PROCURADORIA II) Salene Moreira Rocha e Jon Clebson de Jesus Araújo (médicos que prestam serviço ao Município de Uauá): Consta dos autos que os médicos Salene e Jon Clebson ofereceram atendimento médico a pessoas carentes, com o fim de obter votos em favor dos recorridos. Essa alegação é confirmada pela testemunha Noêmia Alves de Souza1 , que presenciou a visita dos aludidos médicos ao seu vizinho Aniceto, ocasião em que, após o respectivo atendimento, solicitaram aos presentes que votassem em Jorge Lobo (fls. 358/360 – Anexo I), verbis: [...] que num determinado final de semana do mês de setembro do ano de 2008, sexta-feira, encontrava-se na residência de um vizinho chamado senhor Aniceto quando chegaram na residência deste senhor os médicos Salene e Joni acompanhados da diretora da escola senhora Idelma, que os médicos chegaram neste local empreendendo consultas de forma gratuita ao tempo em que disseram aos presentes que lá estavam por parte do senhor Jorge Lobo disseram ainda que deveriam as pessoas atendidas votar no 28 pois se essas pessoas não votassem no 28 eles iriam embora de Uauá e não atenderiam mais a comunidade; [...] que esses médicos continuam atendendo no Município de Uauá pela Prefeitura [...] que os médicos gozam de um bom conceito na comunidade [...] que o Senhor Aniceto é uma pessoa de idade e doente; que inclusive sofreu derrame; que o atendimento do senhor Aniceto foi feito pela Dr. Salene; que enquanto Dr. Salene fazia o atendimento o Dr. Joni tomava um cafezinho; que este fato aconteceu durante o período da tarde em torno de 15:30h para as 16:00h; [...] que na ocasião da visita dos médicos na residência do senhor Aniceto tais médicos não estavam vestidos com roupas de campanha eleitoral mas portavam pequenos coraçoeszinhos com o n.º 28 que foram distribuídos para as pessoas ali presentes [...] (grifou-se). III) José Carlos da Rocha (Assessor Especial de Educação): Em fl. 167, verifica-se cópia de documento extraído do sítio eletrônico do Tribunal de Contas dos Municípios, em que consta como ocupante do cargo de Assessor Especial de Educação, no mês de agosto/2008, José Carlos da Rocha – admitido em abril/2008 -, mesma pessoa que compõe o quadro societário do Instituto de Pesquisa Parâmetro Ltda. (fls. 171 e ss.). Referida empresa firmou contrato com os recorridos no mês de setembro/2008, para realização de pesquisa eleitoral no Município de Uauá, 1 Oitiva deferida pelo Juiz Relator antecedente, Dr. Evandro Reimão dos Reis, sem oposição da parte recorrida – fls. 1307 e 1316. 388 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA comunicada ao Juízo Zonal por meio da petição de fl. 170, em que expressamente consta o nome do diretor da empresa, José Carlos da Rocha. Por outro lado, verifica-se que o Decreto de exoneração relativo ao mencionado servidor, com data de 1/9/2008 (fl. 1029), mas sequer publicado, uma vez que fora subscrito pelo primeiro recorrido, o então Prefeito Jorge Luiz Lobo Rosa, não detém, per se, qualquer força probante que se queira lhe emprestar. Dessa forma, induvidosa a promiscuidade nas relações mantidas entre José Carlos da Rocha e Jorge Luiz Lobo, candidato à reeleição - ora atuava como funcionário do Município, ora como prestador de serviços para campanha eleitoral -, razão pela qual se confundem o múnus relativo ao efetivo exercício do cargo público e a contraprestação, em caráter particular, pela realização de pesquisa eleitoral. IV) José Augusto Cardoso de Andrade (servidor municipal): O recorrente alega que José Augusto Cardoso de Andrade, conhecido como Zé de Eró, atuou na campanha dos recorridos, inclusive, na distribuição de combustível quando da realização de comício. No caso, os impugnantes constroem sua tese com arrimo no conteúdo da mídia de fl. 199, na qual, de fato, observa-se movimento não usual em posto de combustível, com o abastecimento praticamente sequencial de automóveis e motocicletas enfileiradas, sem que se perceba qualquer ato direcionado a sua contraprestação, seja em espécie ou outra forma de pagamento. De outro banda, destaca-se o depoimento da testemunha Manuel Andrade Lima (fls. 217 e ss. – Anexo I), ainda que colhido nos moldes do art. 414, § 1º, do CPC2 , no qual se confirma que José Augusto coordenou a distribuição de combustíveis no Posto PetroSerra/Senhor do Bonfim no dia do último comício dos recorridos. Dessa forma, infere-se sua ativa participação em prol dos recorridos na Campanha Eleitoral no prélio de 2008. V) Maximiliano Miguel Ribeiro Guimarães, Pedro Araújo Cordeiro Filho (Assessores Jurídicos do Município de Uauá), Maria de Fátima Borges Ribeiro (Secretária de Educação), Tales de Lima Santos (médico): Quanto a estes servidores, porém, os autos não revelam elementos hábeis a comprovar eventual participação na campanha dos recorridos. 2 Art. 414. [...] § 1º É lícito à parte contraditar a testemunha, argüindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. Se a testemunha negar os fatos que Ihe são imputados, a parte poderá provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até três, apresentada no ato e inquiridas em separado. Sendo provados ou confessados os fatos, o juiz dispensará a testemunha, ou Ihe tomará o depoimento, observando o disposto no art. 405, § 4º. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 389 ATOS DA PROCURADORIA 2.2.2 – Utilização de bens públicos na campanha eleitoral dos recorridos I) Ônibus escolar utilizados em campanha eleitoral: Conforme se verifica no Anexo III, a fim de atender a demanda de transporte escolar, o Município de Uauá firmou contrato, com cláusula de exclusividade, em face de vários proprietários de ônibus, não lhes sendo lícito, por conseguinte, utilizarem ditos veículos para outras finalidades, ainda que em finais de semana. Nada obstante, constam das fls. 218 e 219 fotografias dos ônibus que ostentavam no letreiro a expressão “TRANS. ESCOLAR”, adornados com adesivos típicos de propaganda política. Nota-se, ainda, que, na oportunidade, referidos veículos conduziam pessoas que empunhavam bandeiras com o n. 28 e encontravam-se enfileirados em formação destinada à realização de carreata. Diante desse cenário, portanto, é possível afirmar a ocorrência de uso de bens públicos para favorecer os recorridos. II) Do trator destinado à limpeza urbana que circulava com propaganda política dos recorridos: De fato, em fl. 228, verifica-se uma fotografia de um trator com adesivo do tipo praguinha com o n. 28. Entretanto, ainda que se tratasse de veículo destinado à limpeza urbana, a utilização deste artefato, por si só, não tem o condão de ensejar as graves consequências pretendidas pelo recorrente, uma vez que, isoladamente, demonstra ínfima potencialidade. III) Do contrato no valor de R$120.670,00, firmado pelo Município de Uauá com a empresa F.L. de Araújo - Gráfica, supostamente para atender à demanda de serviços gráficos da Prefeitura e das respectivas Secretárias: No tocante ao contrato no valor de R$120.670,00, firmado em 20/6/2008 pelo Município de Uauá e a empresa F.L. de Araújo – Gráfica, consta nos autos cópia de sua publicação (Diário Oficial do Município, fl. 877). Observa-se, ademais, impressos referentes à campanha política dos recorridos, em que, de fato, consta o CNPJ da empresa F.L. de Araújo (CNPJ n. 06.645.243/0001-63, fl. 880), como responsável pela confecção do material. De fato, causa estranheza o elevado valor do contrato para prestação de serviços gráficos, especialmente pelo fato de Uauá tratar-se de um pequeno Município, e em pleno ano eleitoral. No entanto, malgrado estar-se diante de um cenário deveras nebuloso, não se extrai dos autos elementos mais sólidos, aptos a configurar eventual prática ilícita. 390 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA 2.3 - DA CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO A parte autora igualmente aduz que os recorridos se utilizaram de diversos meios vedados com o fim de obter ilicitamente os votos dos eleitores, conforme adiante se expõe. I) Cooptação ilícita dos seguintes eleitores, em troca de benesses: a) No que tange a suposta captação ilícita do voto de Poliana de Almeida Gonçalves, consta que lhe foi oferecido o valor de R$100,00 por Everaldo Francisco da Silva para votar em Jorge Lobo. De fato, os autos revelam, de forma nítida, a ocorrência da noticiada compra de votos, conforme se depreende dos seguintes trechos do depoimento da eleitora Poliana tomado em juízo: Poliana de Almeida Gonçalves (fls. 472/474 – Anexo I): [...] que afirma que certo dia ao transitar pela rua foi abordada pelo sr. Everaldo e que o mesmo lhe ofereceu a quantia de R$ 100,00 (cem reais) para votar no candidato Jorge Lobo; [...] que não tinha relação de amizade com o sr. Everaldo; que ao ter sido oferecido dinheiro disse que não queria, que como era o primeiro voto queria expressar o seu voto; [...] que a abordagem aconteceu no dia anterior ao domingo da eleição; [...] que o sr. Everaldo não era simples partidário de Jorge Lobo ele fazia campanha para Jorge Lobo; [...] que a proposta foi feita em tom sério, que ele ia dar mesmo o dinheiro [...]. (grifou-se). b) Com referência à captação ilícita do voto de Ediene da Silva Cardoso, afirma-se que lhe teria sido entregue a quantia de R$10,00, acompanhada de pedido de voto, por pessoas identificadas como “Emerson e Olímpio do Poço”, no comício de Jorge Lobo, realizado na Lagoa Pires. A fim de confirmar as alegações, a única prova exibida nos autos consiste na mídia de fl. 233, que veicula, unicamente, declarações de Ediene, as quais, todavia, não foram corroboradas por qualquer prova produzida em juízo. c) Por sua vez, quanto ao eleitor Fenelon Gonçalves da Silva, alegase que o vereador Nilton Almeida lhe doara 500 telhas para que votasse nos recorridos. O recorrente almeja comprovar o referido fato por intermédio da mídia de fl. 237, que apresenta tão somente as declarações do próprio Fenelon, não confirmadas em juízo por outros elementos de convicção. d) No que concerne ao aliciamento da eleitora Joelma Loiola dos Santos, argumenta-se que o candidato a vereador Jerônimo Oliveira Cardoso lhe teria ofertado o valor de R$60,00 para que votasse nos recorridos. O referido episódio encontra-se supostamente comprovado pela mídia de fl. 253, cujo teor, entretanto, restringe-se a declarações de terceiros acerca do fato, sem lastro nas demais provas. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 391 ATOS DA PROCURADORIA e) Quanto à captação ilícita dos votos de Maria Carmelita Ribeiro da Silva e de seu esposo, José Jackson, consta que o candidato a vereador João Alves doou à primeira a quantia de R$20,00, e ao segundo prometeu a realização de “uma cirurgia”, com o fim de que votassem em Jorge Lobo. Entretanto, as únicas provas produzidas neste aspecto são as mídias de fls. 262 e 267, com declarações dos respectivos eleitores que, por si só, não são aptas a configurar a prática ilícita atribuída aos recorridos. f) Afirma-se, ainda, na exordial, que o eleitor José Dionelson Damasceno recebeu do candidato Jorge Lobo quatro sacos de cimento em troca do seu voto. Verifica-se, porém, no termo de audiência fls. 355/357 (Anexo I), que, após o depoimento prestado na instrução dos presentes autos, o mencionado eleitor foi conduzido à unidade da Polícia Federal para que se apurasse a ocorrência do delito previsto no art. 342 do CP, em virtude das contradições detectadas em suas declarações. Nessas circunstâncias e diante da inexistência de outras provas acerca dos fatos, não restou configurada a aludida captação ilícita de sufrágio. II) Consta da inicial que os recorridos obtiveram os votos dos eleitores que possuíam débito no supermercado de Adalgison Gomes de Matos, ao efetuar o pagamento das dívidas por eles contraídas naquele estabelecimento (fl. 21). Entretanto, nenhuma prova foi produzida a respeito. III) Com relação à captação ilícita de votos que supostamente ocorrera no Distrito de São Paulo com o oferecimento de vantagens, como empregos e dinheiro, para que os eleitores votassem em Jorge Lobo, as alegações, igualmente, não encontram suporte probatório nos autos. Como se verifica da mídia de fl. 280, as provas referentes àquele evento se resumem a declarações prestadas por supostas testemunhas, que, contudo, não foram ouvidas em juízo. IV) Quanto à doação de caixão, material de construção e passagens de ônibus para famílias de baixa renda, trata-se, em regra, de atividades sociais ordinárias, autorizadas por lei, usuais em pequenos municípios do interior, diante da extrema carência da população. Não se encontram nos autos, evidências de que tais benefícios tenham extrapolado os limites legais (fls. 294/320). Forçoso reconhecer, pois, que a captação ilícita de sufrágio mostrouse suficientemente comprovada tão somente quanto à eleitora Poliana de Almeida Gonçalves. 2.4 – ABUSO DE PODER ECONÔMICO Passa-se ao enfrentamento dos fatos, atribuídos aos recorridos, configuradores de abuso de poder econômico. 392 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA I) Distribuição de combustível para os eleitores: Em Alegações Finais (fls. 1850/1883), a parte ré desenvolve o seguinte raciocínio: [...] Sobre o frágil argumento de que os gastos com combustível, pela Prefeitura de Uauá, foram desproporcionais, comparando-se os anos de 2007 e 2008, os recorridos, da mesma forma, nos termos do art. 397 do CPC e em nome do princípio da busca pela verdade real, pedem a juntada de documentos públicos da Prefeitura de Uauá, que comprovam que, entre os anos de 2005 e 2010, os gastos com combustíveis e lubrificantes, sempre aumentaram a cada ano, até porque existem reajustes, na maioria das vezes para maior senão veja-se: R$571.663,06, em 2005; R$686.450,31, em 2006; R$765.585,26, em 2007 (já nos autos); R$1.096.748,27, em 2008 (já nos autos); R$1.288.332,49, em 2009; e R$1.462.829,82, em 2010 [...]. (grifos no original). Na realidade, incontestável que os preços dos combustíveis sofrem acréscimos significativos a cada ano. Entretanto, extrai-se dos valores apresentados um aumento extraordinário nos gastos entre os anos de 2007 e 2008, sem qualquer justificativa, o que não se coaduna com a elevação gradual, alegada pelos recorridos. Observe-se a evolução dos valores na tabela que segue adiante3 : 3 Ano Despesa Total/ Combustível (R$) Diferença/ Aumento (R$) Aumento Percentual 2005 R$571.663,06 R$114.787,25 20,08% 2006 R$686.450,31 2006 R$686.450,31 R$79.134,95 11,53% 2007 R$765.585,26 2007 R$765.585,26 R$331.163,01 43,25% 2008 R$1.096.748,27 Dados extraídos das alegações finais dos recorridos (fl. 1860). Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 393 ATOS DA PROCURADORIA 2008 R$1.096.748,27 2009 R$1.288.332,49 2009 R$1.288.332,49 2010 R$1.462.829,82 R$191.584,22 17,47% R$174.497,33 13,54 Verifica-se que os valores constantes na coluna “diferença/aumento” - representam o acréscimo de gasto com combustível - são crescentes até o ano de 2008 (ano eleitoral), quando atingiu a cifra de R$331.163,01, ou seja, um aumento de 43,25% em relação a 2007. Nos anos subsequentes, diversamente do que argúi a defesa, evidencia-se significativo decréscimo do dispêndio com combustível, no Município de Uauá, o que revela a plausibilidade da tese de que o fato que ocasionou o aumento excessivo no ano de 2008 está intimamente vinculado à disputa eleitoral, o que dá lugar ao ditado popular: “contra fatos não há argumentos”. Nessas circunstâncias, sobreleva-se o depoimento de Manuel Andrade Lima Sobrinho, ainda que colhido como termo de declaração, em que afirma (fls. 217 e ss. – Anexo I): [...] que na data do último comício da Coligação do Prefeito, presenciou uma aglomeração no Posto de Combustíveis conhecido como sendo o seu proprietário o recorrido Péricles, estando a uns 50 (cinqüenta) metros do local, pois a casa da sua avó fica próxima; que presenciou José Augusto coordenando a distribuição de combustíveis para os veículos, fazendo inclusive filas; [...] que viu uma pessoa da coligação contrária de nome Jairson filmando o episódio com câmera, inclusive gerou uma certa confusão, queriam tomar a câmera e foi preciso a intervenção do declarante [...]. (grifou-se). Aliás, a mídia constante da fl. 199, que veicula imagens da aglomeração de automóveis no Posto PetroSerra/Senhor do Bonfim, torna ainda mais robusta a comprovação do desvio de combustível, como ressaltado anteriormente (item 2.2.1,IV). Desta forma, exsurge dos autos, à toda evidência, o uso abusivo de dinheiro público para distribuição de combustível em campanha. 394 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA II) Reunião política com apresentação de músicos na Comunidade de Curundundum: Nesse ponto, o recorrente afirma a existência de um showmício na Comunidade de Curundundum, em dia de domingo, 24/8/2008, com a finalidade de angariar votos para os recorridos (fls. 463 e ss.). Diante da prova oral colhida, observa-se que, de fato, ocorrera uma reunião política na referida comunidade, situada na zona rural de Uauá, com discursos e promessas de campanha, além da apresentação de uma banda de forró. É o que consta do depoimento de Adão Mamede da Silva, testemunha da parte autora devidamente compromissada (fls. 463 e 248 e ss. – Anexo I): [...] que no mês de agosto do ano de 2008, o primeiro recorrido Jorge Luiz Lobo realizou uma reunião política na comunidade de Curundundum e que após essa reunião por volta da 11 horas da manhã, se iniciou uma espécie de forró pé de serra, cujo artista era Uilson Eduardo; esse show aconteceu imediatamente após a reunião realizada pelo recorrido Jorge Lobo, tendo o mesmo se encarregado de anunciar e apresentar o artista; [...] sabe dizer que as pessoas da localidade, inclusive o próprio depoente foram convidados em casa para o evento e que lá compareceu; assistiu a reunião política até terminar; viu quando o forró começou; [...] não sabe dizer se todas as pessoas foram convidadas no mesmo dias e se foram convidadas ao longo da semana; estavam acompanhando o seu Jorge Lobo, aproximadamente cinco candidatos a vereadores do lado deste, Miguel Avelino, Zé Borges, Ogeno Lobo Milton Almeida e Galego; o vice-prefeito, conhecido como “Pepé” também se encontrava presente; nessa reunião foi feita apologia política, pedido de votos e promessa de realizar a encanação, [...] na reunião tinha aproximadamente quarenta pessoas; [...] com o Sr. Uilson tocou-se triângulo, zabumba e pandeiro e o Uilson na sanfona; na ocasião do convite foi informado que haveria um forrozeiro, contudo não foi informado o nome de quem seria o forrozeiro; [...] não lembra se havia microfone no local ou infra-estrutura de som, mas afirma com certeza que o forrozeiro tocou no “gogó”, sem equipamento de som [...]. (grifou-se). Nota-se pela descrição dos fatos que, apesar de não se tratar propriamente de um showmício, configurou-se num evento assemelhado, Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 395 ATOS DA PROCURADORIA na forma proscrita pelo art. 39, § 7º, da Lei n. 9.504/974 , que bem denota o abuso de poder econômico na espécie. III) Doação de cem camisas à igreja Assembléia de Deus para utilização no Congresso da Mocidade: Apesar de caracterizado na inicial como captação ilícita de sufrágio, o fato sob analise melhor se subsome a hipótese de abuso de poder econômico, visto que a doação das camisas direcionou-se à entidade eclesiástica, e não propriamente aos eleitores em troca de voto. A partir do manuseio e audibilidade da mídia de fl. 249, verificase que no decorrer de um evento religioso realizado em 27/7/2008, o líder eclesiástico Jaide Luiz dos Santos Silva agradeceu o apoio e as 100 camisas que a comunidade cristã recebeu de “Jerominho”, integrante da base política dos recorridos: [...] Nosso irmão Jerominho, ele é uma autoridade política e também uma autoridade eclesiástica. Ele serve ao Senhor na Igreja Batista e tem nos apoiado e nos ajudado muito, irmãos, glória a Deus, em todas as áreas, quando preciso dele. Realizamos dois pré-congressos e tivemos uma ajuda muito grande, glória a Deus, do nosso irmão Jerominho. É. Ele, glória a Deus, ele nos ajudou, irmãos, de maneira tremenda. Daqui (-). É (-). Eu quero dizer que ele nos ajudou, é, (-) pra conseguirmos aí cem camisa, camisas pra esse congresso e houve uma dificuldade muito grande. De Salvador esse material foi parar em Juazeiro da Bahia e graça a Deus chegou aqui ontem esse material, mas nós vamos fazer aqui, pastor, com a supervisão do senhor, um encontro de jovens [...] Como se observa do teor da referida mídia, há uma predileção quase explícita pelos recorridos ensejada, possivelmente, pela doação das camisas para utilização no congresso de jovens. Assim, expõe-se, uma vez mais, o abuso do poder econômico em benefício da candidatura dos recorridos. IV) Distribuição de camisas e bolsas na exposição de caprinos, em 23 e 24/8/2008: No caso, o recorrente constrói sua tese com arrimo no conteúdo da mídia de fl. 288, na qual se constata apenas seis fotografias que retratariam o fato sob enfoque. 4 Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia. [...] § 7º É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. 396 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Verifica-se, nas imagens, um agrupamento de, no máximo, 10 pessoas, que ostentam indumentária padronizada, com o n. 28. Pelo contexto, extrai-se que são profissionais normalmente contratados em época da campanha, para a divulgação das candidaturas. Ademais, não se identifica a distribuição de qualquer benesse naquela oportunidade. Dessa forma, inexiste suporte probatório apto para comprovar a arguida irregularidade. V) Distribuição significativa de dinheiro e donativos, utilização da estrutura de marketing da semana cultural e divulgação de falsa pesquisa eleitoral: Quanto a esses fatos, o recorrente não se desonerou do onus probandi, sobretudo diante da fragilidade dos elementos de convicção trazidos aos autos (fls. 330 e ss. e fls. 378 e ss.). 2.5 – FRAUDE Afirma a parte autora que terceiros, de posse de títulos de outrem, sufragaram em lugar de determinados eleitores, nos moldes que adiante se expõe: I) Aliomar da Silva Lobo (tio do primeiro recorrido), com título cancelado, votou por Aurilvado Lobo Sobrinho: Os recorridos, em alegações finais, reconhecem que Aliomar da Silva votou no lugar de Aurivaldo Lobo Sobrinho (fl.1866). Entretanto, afirmam que a substituição ocorreu de maneira não intencional. Não se afigura crível que este fato tenha ocorrido de forma involuntária, porquanto a conduta dirigida a votar com o título alheio denota uma atitude grave, ilícita, antidemocrática e deliberada no sentido de ladear a lisura das eleições. Tal constatação é corroborada, ademais, pelos documentos de fls. 341/351, consistente, dentre outros, em cópia de declaração emitida pela Secretaria de Serviços Públicos de Camaçari, em que se atesta que Aurilvado Lobo prestou serviços naquele município em 05/10/2008, das 8 às 19h. Resta, pois, evidente a fraude eleitoral concernente ao fato de Aliomar da Silva Lobo votar em lugar de Aurivaldo Lobo Sobrinho. II) O título pertencente a Jeronoaldo Gomes da Silva, já falecido à época das Eleições 2008, teria sido utilizado por outra pessoa, não identificada nos autos: O recorrente trouxe com a exordial os documentos de fls. 357/359, que consistem em notícia obtida no sítio eletrônico do TSE quanto à Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 397 ATOS DA PROCURADORIA situação regular de Jeronoaldo nos cadastros eleitorais, bem como cópia de sua certidão de óbito, em que se verifica que seu falecimento ocorreu em 13/1/2008. Ressalte-se, todavia, que a informação de que a situação do eleitor é regular não implica, necessariamente, que este tenha votado nas Eleições de 2008, pois apenas atesta que o eleitor está apto a votar nas eleições vindouras. Somente se tornará irregular e terá o título cancelado o eleitor que se ausentar por, no mínimo, três pleitos sucessivos, sem a correspondente justificativa, na forma do art. 71, V, do Código Eleitoral5 . In casu, para comprovar a prática do ilícito noticiado mostra-se imprescindível a declaração do Cartório Eleitoral em que se certificasse a utilização do título de Jeronoaldo nas Eleições de 2008, o que, porém, não consta dos autos, fato que afasta a irregularidade apontada. III) Raimundo Almeida da Silva, com domicílio eleitoral em Uauá, encontrava-se em São Paulo no dia da eleição, embora nos registros eleitorais constasse como votante: Para comprovar esta suposta fraude, o recorrente juntou a certidão de quitação eleitoral de Raimundo Almeida (fl. 361), firmada em 2/12/2008, e, ainda, cópias de documentos que visam a comprovar que se encontrava na cidade de São Paulo no dia da eleição, como, por exemplo, tickets de passagem de ônibus, dentre outros (fls. 362/369). O acervo probatório, contudo, mostrou-se débil, visto que a certidão de quitação eleitoral de 2/12/2008 não é suficiente para comprovar que o título de Raimundo Almeida foi utilizado por terceiro, na medida em que, mesmo ausente às urnas, o eleitor poderia obter a referida certidão, desde que para tanto, quitasse a multa correspondente. Dessa forma, não restou caracterizada a mencionada fraude. IV) José Marcos Gonçalves Cordeiro, com título eleitoral cancelado, teria votado por Adailton Oliveira da Silva: Com o fim demonstrar a veracidade das afirmações, o recorrente trouxe aos autos a lista de inscrições eleitorais canceladas em 2007 (fl. 339) em que consta a de Jose Marcos, além de um fragmento do comprovante de votação em nome de Adailton Oliveira da Silva (fl. 340). 5 Art. 71. São causas de cancelamento: I - a infração dos artigos. 5º e 42; II - a suspensão ou perda dos direitos políticos; III - a pluralidade de inscrição; IV - o falecimento do eleitor; V - deixar de votar em 3 (três) eleições consecutivas. § 1º A ocorrência de qualquer das causas enumeradas neste artigo acarretará a exclusão do eleitor, que poderá ser promovida ex officio , a requerimento de delegado de partido ou de qualquer eleitor. (grifou-se). 398 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA A simples apresentação desses documentos, porém, não é suficiente para demonstrar que José Marcos votou em lugar de Adailton Oliveira. Por fim, oportuno destacar que os fatos em análise neste tópico (item 2.5) são objeto de investigação no bojo do Inquérito Policial n. 148 (13586-48.2009), cujas cópias constam do Anexo II. 2.6 – POTENCIALIDADE DAS CONDUTAS PARA INFLUIR NO RESULTADO DO PLEITO Nesse cenário, ao se considerar que os acionados sagraram-se vencedores nas Eleições 2008 por uma estreita margem, precisamente 3,71% dos votos válidos, imperioso reconhecer que, além de consubstanciar severa violação à liberdade do voto – o que, per se, já demonstra a gravidade das condutas - as ações perpetradas pelos acionados revestiram-se de saliente potencialidade para desequilibrar o pleito, com a utilização da máquina pública em prol da reeleição dos recorridos. Como se extrai dos autos, resta sobejamente comprovado que: • foram utilizados ônibus a serviço do transporte escolar para realização de carreatas; • servidores públicos, especialmente médicos, forneceram atendimento em troca de votos; • aumento excessivo do gasto com combustível, no ano de 2008, o que, como visto, encontra-se atrelado à disputa eleitoral; • doação de 100 camisas à Igreja Assembléia de Deus, para a realização do congresso de jovens daquela entidade. Impõe-se, pois, concluir que restam satisfatoriamente demonstrados os ilícitos cometidos, com prova da absoluta potencialidade/gravidade das condutas sub examine. 3 – CONCLUSÃO Ante o exposto, manifesta-se a Procuradoria Regional Eleitoral pelo provimento do presente Recurso contra Expedição de Diploma, no que refere aos fatos relativos ao abuso de poder político (itens 2.2.1, I, II, III, IV e 2.2.2, I), captação ilícita de sufrágio (item 2.3), abuso de poder econômico (itens 2.4, I, II e III) e fraude (item 2.5, I). Salvador, 24 de agosto de 2011. SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 399 ATOS DA PROCURADORIA RECOMENDAÇÃO N. 03, DE 19 DE OUTUBRO DE 2011 O Procurador Regional Eleitoral no Estado da Bahia signatário, no cumprimento de suas atribuições constitucionais e legais, notadamente as previstas nos artigos 127 e 129, da Constituição da República; artigos 6º, XX, 72 e 77, caput, da Lei Complementar n. 75/93; artigos 24, VIII, c.c. artigo 27, § 3°, do Código Eleitoral, resolve expedir a presente RECOMENDAÇÃO nos seguintes termos: CONSIDERANDO o inteiro teor do Ofício 98/2011/PFDC/MPF-GPC, encaminhado a todos os Procuradores Regionais Eleitorais pela Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), no sentido de que “seja observada a necessidade de serem removidas barreiras arquitetônicas e urbanísticas para o acesso das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida em locais de votação e às urnas eleitorais [...]”, tendo em vista as várias dificuldades enfrentadas por esse coletivo no acesso às urnas eletrônicas nas eleições gerais de 2010; CONSIDERANDO que a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, entrou em vigor em 3 de maio de 2008, foi posteriormente aprovada pelo Senado Federal (Decreto Legislativo n. 186/2008) e promulgada pela Presidência da República (Decreto n. 6.949/2009); CONSIDERANDO que referida Convenção objetiva assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante a garantia de que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropria¬dos, acessíveis e de fácil compreensão e uso (art. 29, a1); CONSIDERANDO ser atribuição do Ministério Público ações destinadas à proteção de interesses difusos e/ou coletivos das pessoas com deficiência, nos termos da Lei Complementar n. 75/93 e da Lei n. 7.853/89, e que os fatos sob apreciação indicam a necessidade de efetiva garantia e respeito aos direitos assegurados às pessoas com deficiência na sua participação na vida política; A Procuradoria Regional Eleitoral resolve RECOMENDAR aos Senhores(as) Promotores(as) Eleitorais que: I) promovam as necessárias diligências de forma a garantir o direito à acessibilidade das pessoas com deficiência no pleito das eleições municipais de 2012, sobretudo no tocante à necessidade de serem removidas barreiras arquitetônicas e urbanísticas para o acesso das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida em locais de votação e às urnas eleitorais; 400 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA II) fiscalizem o inteiro cumprimento da Resolução TSE n. 21008/2002, que dispõe sobre o direito de voto das pessoas com deficiência e dá outras providências; III) tomem por termo eventuais representações/reclamações/ notícias quanto ao descumprimento das normas contidas em referida Resolução, bem como no que concerne às dificuldades de acesso aos locais de votação e urnas eletrônicas pelas pessoas com deficiência; adotando-se as providências que entender necessárias, com cópia para a Procuradoria Regional Eleitoral; Comunique-se ao Ilustre Coordenador do Núcleo de Apoio às Promotorias de Justiça Eleitorais do Estado da Bahia (NUEL) para que encaminhe cópia da presente e do despacho de instauração do Procedimento Administrativo correlato (incluso), por meio eletrônico e por ofício circular, aos Excelentíssimos Promotores Eleitorais do Estado da Bahia, para cumprimento. Dê-se ampla divulgação a presente, inclusive nos meios de imprensa, procedendo-se a imediata comunicação às autoridades e órgãos referenciados no despacho anexo, com publicação, ainda, no Diário de Justiça Eletrônico (DJE). Salvador, 21 de outubro de 2011. SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 401 ATOS DA PROCURADORIA Recurso Eleitoral Processo n. 19-46.2011.6.05.0000 Classe 30 Recorrente: Ministério Público Eleitoral Recorrido: Mario de Mello Kertész Relator: Juiz Cássio Miranda PRONUNCIAMENTO Eminente Relator, Egrégio Tribunal: Trata-se de recurso interposto em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado em Representação manejada por prática de propaganda eleitoral extemporânea. Contrarrazões às fls. 95/103. Passa-se à fundamentação. I - O PRÉ-CANDIDATO MÁRIO KERTESZ Antes de enfrentar a questão de fundo posta nos presentes autos, importa advertir acerca da flagrante condição ostentada pelo recorrido, no tocante à sua pré-candidatura nas próximas eleições municipais. O estratagema insere-se na crescente especialização alcançada pelas assessorias publicitárias, no sentido de antecipar a imagem e as qualidades de homem público de determinado candidato, sem que tal ação desperte a reprimenda da Justiça Eleitoral. Uma das condutas que integram essa estratégia é a vã tentativa de alegar-se falta de pretensão política em sustentar o lançamento de certa candidatura, ao revés da realidade dos fatos. Essa é justamente a postura adotada pelo recorrido, malgrado todas as evidências sinalizem em sentido contrário, isto é, trata-se de pré-candidato à Prefeitura de Salvador no próximo prélio! A reportagem do Jornal A TARDE, do dia 27/9/2011, traz na coluna POLÍTICA os seguintes dizeres em relação à filiação partidária do recorrido aos quadros do PMDB: Estamos apenas no tornei início desse campeonato. Não convém utilizar todos os atletas da equipe agora. Eles precisam ser poupados para os jogos principais. [...] Posso ser o treinador, o armador ou o atacante. Ou seja: posso ser candidato a prefeito, a vice ou até a vereador.(grifou-se). 402 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Em outras palavras, o próprio admite, por escrito e publicamente, a toda população, que sairá candidato nas próximas eleições municipais em Salvador!!! Não bastasse, tais afirmações, por reiteradas vezes, tem sido reforçada nos meios de comunicação – alguns de propriedade do recorrido, o que só faz aumentar a gravidade da conduta perpetrada -, inclusive, por meio de outras personalidades, que declinam apoio à sua candidatura, a exemplo do líder político Geddel Vieira Lima (PMDB). Nesse sentido, cumpre destacar o seguinte trecho de matéria veiculada por meio da internet, reproduzida em diversos sites de noticia, litteris: [...] Geddel Vieira Lima informou ao Bahia Notícias que não há a menor possibilidade de qualquer desacordo envolvendo os apresentadores Raimundo Varela e Mário Kertész em relação à sucessão municipal. Geddel assegura que o candidato do seu partido, que tem diretriz firme, é Kertész1 [...].(grifouse). O recorrido, no dia 26/9/2011, em publicidade realizada em seu blog - na qual fez acompanhar, com destaque, duas fotos de seu perfil -, reiterou aludida afirmação, nos seguintes termos: ASSINEI HOJE OS PAPÉIS PARA A FILIAÇÃO AO PMDB. Como já disse não significa que eu seja candidato a prefeito. A filiação quer dizer, apenas, que eu não quero ficar assistindo as eleições da arquibancada. Eu quero ir para o campo. Lá eu posso atuar como treinador, ficar olhando e dando alguns palpites. Posso ser o atacante, sendo candidato a prefeito. Posso ser o meio atacante, sendo candidato a vice-prefeito. E posso ser candidato também a vereador e ajudar a fazer uma bancada boa para ajudar essa cidade2. (grifou-se). Observe-se, outrossim, que, para coroar a sua afirmativa no sentido da mais que provável candidatura nas eleições municipais em Salvador, o recorrido lança a mensagem subliminar para destacar sua capacidade e pretensão de “ajudar essa cidade”. Como se vê na opinião do recorrido, o certame democrático deve ser comparado a um torneio futebolístico, em cujo âmbito já se iniciaram os jogos preliminares, dos quais pretende sagrar-se vencedor, especialmente com a antecipação e fortalecimento de sua imagem no inconsciente coletivo do eleitorado, tudo sob os olhos da Justiça Eleitoral. 1 Disponível em: <http://www.bahianoticias.com.br/principal/samuel-celestino/2377-kertesz-e-o-unico-nome-do-pmdb-a-prefeito-de-salvador.html>. Acesso em: 5 nov. 2011. 2 Disponível em: <http://www.blogmk.com.br/index.php?pagina=29>. Acesso em: 5 nov. 2011. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 403 ATOS DA PROCURADORIA Diante do conjunto de atuações nos meios de comunicação, do qual foram colhidos alguns exemplos de manifestações alusivas à sua candidatura à chefia do Executivo em Salvador, não se pode compactuar com o argumento de que o recorrido não seria pré-candidato declarado que, ao que parece, sequer enfrentará adversários nas prévias convencionais. Aduza-se que, ainda que o recorrido não tenha sua candidatura confirmada para as eleições 2011 – situação que, como já se observou, apenas seria admissível por obra do acaso -, tal circunstância não alteraria, em absoluto, o seu dever de observar a legislação de regência; pelo que deveria abster-se de veicular propaganda que, no conjunto, lançam ao eleitorado o seu nome, imagem, referência aos cargos que pode concorrer, pretensões de atuação política, além do apelo subliminar pelo apoio do eleitorado. Veja-se, a propósito, a jurisprudência firmada no âmbito dos Tribunais Eleitorais, inclusive dessa Corte: Agravo regimental. Agravo de instrumento. Representação. Art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/97. Propaganda eleitoral antecipada. Recurso especial. Fatos e provas. Exame. Impossibilidade. Fundamentos não ilididos. 1. A caracterização da propaganda eleitoral extemporânea independe da escolha dos candidatos em convenção partidária. 2. Configura-se a propaganda eleitoral antecipada quando o candidato antes do período permitido procurar levar ao conhecimento do eleitor, mesmo de forma dissimulada, programa de governo que pretende desenvolver. (TSE. Ag. em Ag. n. 7652, DJ de 18/12/2006). (grifou-se); Representação. Propaganda extemporânea. Configuração. Art. 36 e § 3º da Lei 9504/97. Preliminar de ilegitimidade passiva. Rejeita-se esta preliminar, tendo em vista o entendimento pacífico do TSE no sentido da desnecessidade de formalização da candidatura como condição para legitimação passiva em propaganda extemporânea. (TRE-BA. REP. N. 1481, Acórdão n. 421, de 12/62006). (grifou-se). REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. AFASTAMENTO DA INÉPCIA DA INICIAL. USO DE "OUTDOOR" COM NÍTIDO CARÁTER POLÍTICO PROMOCIONAL. DESCARACTERIZAÇÃO DE ATO DE MERA PROMOÇÃO PESSOAL. 1. Afastada a inépcia da inicial quando a mesma individualiza os fatos reputados como propaganda política antecipada, ensejando o exercício dos direitos de ampla defesa e do con- 404 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA traditório. Desnecessária a formalização de candidaturas políticas para a caracterização da propaganda política antecipada. 2. O uso de "outdoor" com nítido caráter político promocional viola o disposto na Resolução n. 23.089/2009, do TSE, de 1º de julho de 2009, caracterizando propaganda política antecipada. 3. Aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97. 4. Improvimento do Recurso. (TRE-CE. Rep. N. 137953, DJE de 16/6/2010). (grifou-se). II – DA PRODUÇÃO PUBLICITÁRIA NA PROPAGANDA ANTECIPADA Antes de enfrentar a questão posta nos presentes autos, importa advertir sobre a necessária evolução da Justiça Eleitoral em relação à compreensão acerca da crescente especialização que, atualmente, marca a produção publicitária no cenário político-eleitoral lato sensu. Com efeito, os itens de conexão entre as diversas espécies de propaganda (institucional, partidária, eleitoral, pessoal, etc.), bem como a formação de corpos técnicos cada vez mais hábeis na arte publicitária, notadamente no âmbito eleitoral, terminam por estabelecer uma linha bastante tênue entre a propaganda autorizada e a propaganda eleitoral irregular ou extemporânea. Nesse cenário, sobreleva a proliferação de mensagens que, em período proscrito, malgrado cada vez menos desprovidas de elementos que possibilitem a caracterização de sua ilicitude, logram alcançar o inconsciente do eleitor, antecipando estado mental favorável ao candidato beneficiado, em flagrante banalização do processo democrático! Essa prática, a toda evidência, provoca desmedido prejuízo ao equilíbrio do pleito, revelando-se absolutamente reprovável sob todos os aspectos, ainda mais quando perpetrada por pretenso candidato com forte penetração popular, alcançada por meio da utilização dos meios de comunicação, que, de mais a mais, possuem aptidão para servir dissimuladamente para práticas ilícitas. A seu turno, a legislação eleitoral exsurge inapta para coibir diversas dessas condutas, porquanto não acompanha o passo da “criatividade eleitoreira” e termina por deixar de oferecer dispositivos legais que permitam a subsunção dos fatos e a conseqüente extração de normas idôneas a ensejar a aplicação das pertinentes sanções. Tais circunstâncias agregam significativa complexidade ao exame dos casos submetidos à apreciação da Justiça Eleitoral, tornando cada vez mais árdua a tarefa de apartar a propaganda lícita daquela proscrita, de modo Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 405 ATOS DA PROCURADORIA a conciliar a garantia da liberdade de manifestação, a proteção da vontade soberana do eleitor e a paridade de armas no campo da disputa eleitoral. Há que se destacar, outrossim, que a perseguida paridade de armas que a legislação eleitoral visa garantir constitui objetivo que se revela cada vez menos alcançável, já que, em todos os pleitos, os candidatos que possuem o domínio sobre meios de comunicação, sejam televisivos, escritos ou radiofônicos, terminam por agitar instrumentos para, de forma ilegítima, abalar o equilíbrio da disputa em seu benefício. III - DO EQUIVOCO DA SENTENÇA ZONAL Cumpre inaugurar o presente tópico com a jurisprudência firmada no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que a utilização de outdoors, por si só, já caracteriza propaganda ostensiva, verbis: RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2006. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. INSTALAÇÃO DE OUTDOORS. NOME. FOTOGRAFIA. DEPUTADO FEDERAL - MENSAGEM SUBLIMINAR - PROCEDÊNCIA. [...] 2. O uso de outdoor, por si só, já caracteriza propaganda ostensiva, pois exposta em local público de intenso fluxo e com forte e imediato apelo visual. Constitui mecanismo de propaganda de importante aproximação do pré-candidato ao eleitor. 3. No período pré-eleitoral, a veiculação de propaganda guarda, no mínimo, forte propósito de o parlamentar ter seu nome lembrado. Afasta-se, assim, a tese de mera promoção pessoal. (TSE. RESPE. n. 26262, DJ de 1/6/2007). (grifou-se). A decisão vergastada encontra-se em absoluta colisão com essa compreensão do Pretório Superior Eleitoral. Com efeito, o detido exame da ratio decidendi e até mesmo do obter dictum da decisão vergastada revela o equívoco do Juízo zonal, no tocante às questões ora guerreadas. Não logrou atentar a ilustre Magistrada sentenciante, que o recorrido se utiliza de avançado escamoteio na técnica publicitária para, de forma destemida e até mesmo inteligente – ainda que inteligência utilizada em prejuízo da sociedade e do Estado, gize-se –, para transitar, com liberdade e desembaraço, o seu verdadeiro intuito eleitoreiro, direcionado a capitalizar antecipadamente o apoio do povo soteropolitano, TUDO sob as vistas do poderes instituídos. E ao lograr manter incólume o seu intento, deve regozijar-se da eficiência do seu engenho publicitário, sobretudo pelo sucesso na veiculação 406 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA da propaganda eleitoral antecipada, sem que a Justiça Eleitoral perceba o seu fim ilícito, pasmem, financiada pelo Poder Público Federal. É o que noticia a revista Veja, antepenúltima edição, na coluna Holofote, quando revelou a todo Brasil, que é a Petrobras que vem bancando a ilegalidade perpetrada pelo recorrido, consubstanciada na veiculação de propaganda eleitoral antecipada: O radialista e ex-prefeito biônico Mário Kertész, do PMDB, há muito sonha em voltar a ocupar a prefeitura de Salvador. Pré-candidato declarado, Kertész aproveitou-se de um patrocínio que recebe da Petrobras para pôr sua cara na rua. Ele inundou a cidade com outdoors (como este abaixo) para divulgar as entrevista que realiza em um auditório. A Procuradoria Regional Eleitoral viu no ato mais que vaidade de Kertész – que, em vez de estampar o rosto dos entrevistados, exibe-se na propaganda. A gaiatice virou alvo de uma investigação do Ministério Público”.(grifou-se). Já não é só o Ministério Público Eleitoral quem acusa o recorrido de um ilícito eleitoral: os próprios meios jornalísticos assim já procedem e denunciam: • trata-se de “pré-candidato declarado”; • “aproveitou-se de um patrocínio” da Petrobras para “pôr a sua cara na rua”; • “inundou a cidade com outdoors. É de se indagar, portanto: 1) Por que a imagem do apresentador, sabidamente pré-candidato as próximas eleições, ocupa espaço gigantesco, ao passo que a imagem da pessoa do entrevistado é omitida? 2) Por que - como diligentemente averiguado pela Promotoria zonal -, tais outdoors, financiados lamentavelmente com dinheiro público, também não estão sendo veiculados no interior do Estado, isto é, restringem-se à cidade de Salvador? 4) E por que tais outdoors permanecem sob exibição pública, semana após semana, em vários pontos estratégicos – a exemplo das imediações do Aeroporto -, mesmo após consumada a “entrevista” intensamente divulgada? Em verdade, procura-se transmitir – de forma escamoteada e supostamente inocente – notícia sobre um programa de entrevistas que, em verdade, é utilizado como mote de veiculação de outdoors, cujo preordenado desiderato é a projeção da imagem do entrevistador, pretenso candidato, no inconsciente coletivo do eleitor!!! Implacável a imagem do recorrido estampada em inúmeros outdoors espalhados pela cidade. De tão intensa e invasiva, penetra no Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 407 ATOS DA PROCURADORIA inconsciente e lá permanece, sem que se consiga esquecer; até porque não será permitido, já que a prática equivocadamente chancelada pela sentença de primeiro grau, data maxima venia, tende a se desenvolver até o limite do pleito. E não se olvide, a estratégia propagandística extemporânea a cargo do recorrido já se encontra em curso: por meio dos outdoors projeta a sua imagem; por meio das entrevistas, projeta suas idéias e por meio dos programas apresentados dispõe-se a ouvir os reclames da população, para lançar críticas supostamente jornalísticas, mas com fundo eleitoreiro! Ora, a estrutura coordenada e preordenada a desequilibrar o pleito é nítida e completa, com a utilização de instrumentos comunicativos, de forma desviada ao nefasto propósito de veicular mensagens que objetivam alcançar o inconsciente do eleitor, convencer-lhe acerca da melhor competência do candidato beneficiado, conquistar-lhe a simpatia e, por fim, captar-lhe antecipadamente o voto. De efeito, não se pode mais – à moda dos pleitos anteriores - examinar a propaganda eleitoral antecipada de forma a isolar elementos, como se a divulgação de idéias e opiniões, com o fim último de atrair a simpatia do eleitorado e convencer-lhe a sufragar determinado candidato ou legenda, pudesse ser encontrada em um só lugar. Mas, se, por um lado, a propaganda foi antecipada, a reprimenda chega tarde demais, considerando a denegação da liminar, o que impõe a imediata correção de rumos por parte dessa Corte, que, de mais a mais, instada a examinar matéria alusiva à propaganda subliminar, assim se posicionou: Nega-se provimento a recurso, reconhecendo-se a existência de propaganda eleitoral subliminar extemporânea, quando o conteúdo da mensagem veiculada em busdoor evidencia o intuito de promoção da candidatura do recorrente, implicando desequilíbrio entre os prováveis concorrentes ao pleito que se avizinha. (TRE-BA, Acórdão 501/2008). (grifou-se). Entende-se configurada a prática de propaganda eleitoral intempestiva mensagem subliminar felicitando a população pela passagem de novo ano, com o intuito de promover a provável candidatura do representado, razão pela qual julgase procedente a representação, mantendo-se a decisão liminar que determinou a imediata retirada da publicidade, cominandolhe multa estatuída no art. 36, § 3º da Lei nº 9.504/97 (TRE-BA, V-1456, ACÓRDÃO 199, 03/04/2006). (grifou-se). 408 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Outro não é, advirta-se, o entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, conforme se verifica dos seguintes arestos: Propaganda eleitoral é aquele que leva ao conhecimento geral, embora de forma dissimulada, a candidatura, mesmo apenas postulada, e a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública. (TSE-RESPE26202). (grifou-se). A utilização da propaganda partidária para exclusiva promoção pessoal de filiado, com explícita conotação eleitoral, em semestre anterior ao pleito, impõe a aplicação da pena de multa pela ofensa ao art. 36 da Lei das Eleições. (...) (TSE: RESPE-26428). (Grifou-se). Entende-se configurada a prática de propaganda eleitoral intempestiva a mensagem subliminar, por meio de busdoor e de cartilha informativa dirigida à população em geral, com o intuito de promover a provável candidatura do Representado, razão pela qual julga-se procedente a Representação, mantendo a decisão liminar que determinou a imediata retirada da publicidade, cominando-lhe multa estatuída no art. 36, § 3º da Lei n. 9.504/97. (TSE: AG-7705, 17/10/2006). (Grifou-se). A fim de verificar a existência de propaganda subliminar, com propósito eleitoral, não deve ser observado tão-somente o texto dessa propaganda, mas também outras circunstâncias, tais como imagens, fotografias, meios, número e alcance da divulgação. Hipótese em que as circunstâncias registradas no acórdão recorrido trazem clara mensagem de ação política, em que se destaca a aptidão do beneficiário da propaganda para exercício de função pública. (TSE. 19.905 – 22.2.03). (Grifou-se). IV – DOS REITERADOS ABUSOS COMETIDOS PELO PRÉ-CANDIDATO MÁRIO KERTESZ A ausência de imediata providência da Justiça eleitoral – especialmente no tocante à negativa de concessão da medida liminar, pleiteada com o objetivo de suspender a veiculação dos outdoors com propaganda eleitoral antecipada, afixados pelo recorrido -, já produz resultados nefastos e oferecem ao recorrido a sensação de impunidade e inércia do Poder Público. A sua segurança em torno do sucesso do estratagema propagandístico idealizado por sua assessoria publicitária, que, para agravar, conta com o abusivo suporte financeiro e econômico, é revelada a cada entrevista. Dessa forma, aproveita para intensificar a sua campanha eleitoral, com a utilização dos mais diversos meios de comunicação, em cujo âmbito faz veicular mensagens subliminares, direcionadas ao eleitorado. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 409 ATOS DA PROCURADORIA A última propaganda antecipada veiculada pelo recorrido (em relação a qual já se encaminhou pertinente representação) chega às raias do absoluto menoscabo pela Justiça Eleitoral, que produzirá impactos irreversíveis ao certame, sobretudo porque, não tardará muito, teremos outros candidatos comportando-se de igual maneira: Cuida-se de publicação no Jornal A TARDE, de 6/11/2011 – um dia de domingo, não por coincidência o dia de maior circulação do periódico – a ocupar a parte central de duas páginas do periódico, que contém imensa foto do recorrido e mensagem com suposta pretensão de divulgar a “liderança” de seu programa, com os seguintes dizeres: MÁRIO KERTÉSZ. Líder de audiência no segmento notícias, segundo o IBOPE”. (grifos no original). A penúltima – também objeto de representação do Ministério Público Eleitoral – foi divulgada, em data recente, no BLOG MK do recorrido, cujo link se encontra hospedado no site oficial da Rádio Metrópole, em que há pedido explícito de votos à juventude baiana, litteris: [...] Estamos nos mobilizando para criar, em breve um projeto do Instituto Metrópole. Vamos unir colaboradores para criarmos um projeto para Salvador. Precisamos de idéias que contribuam para o enfrentamento dos principais problemas que Salvador vive hoje, com criação de pontes para o futuro. É importante criar propostas para a cidade, mas não de oposição aos governos estadual e federal, mas sim propostas decentes para a cidade. E pretendo contar com o apoio da juventude, ter sangue novo e com muita energia e força de vontade3 . O conjunto de práticas reveladas, integram um verdadeiro quebracabeças, que preenchem preclaro objetivo de estabelecer, no inconsciente coletivo do eleitorado, conexão entre a pessoa do entrevistador, ora recorrido, e o desejo de desvelar suas qualidades de homem público, o que coloca a produção propagandística sub examine como absolutamente localizada no campo do proibido, em especial porque o propósito externado por óbvio não se cinge à divulgação de programas de entrevista, mas a de plantar no eleitor o benefício social que, por suposto, irá se produzir em favor do recorrido, o que impõe o reconhecimento de que a prática noticiada caracteriza propaganda que exorbita, as escâncaras, os limites fixados pela legislação de regência. Ante o exposto, manifesta-se a Procuradoria Regional Eleitoral pelo provimento, in totum, do Recurso, determinando-se, inclusive, a retirada da propaganda, acaso continue a ser veiculada, e que, também, o recorrido se abstenha em continuar a promover a sua divulgação. Salvador, 7 de novembro de 2011. SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral 3 Disponível em: <http://www.blogmk.com.br>. Acesso em: 25 out. 2011. Acessível também no site oficial da Rádio Metrópole: <http://www.radiometropole.com.br> 410 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Recurso Eleitoral Processo n. 48-90.2008.6.05.0143 Classe 30 Procedência: Ipecaetá-BA (143ª Zona Eleitoral - Santo Estevão) Recorrentes: Ailton Souza Silva e outro Recorrido: Elcior Piaggio de Oliveira Relator(a): Juiz Josevando Souza Andrade PRONUNCIAMENTO Eminente Relator, Egrégio Tribunal: Trata-se de recurso interposto contra a sentença proferida pelo Juízo zonal, que julgou parcialmente procedentes os pedidos vertidos na Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 1.288/2008, manejada com supedâneo na prática de captação ilícita de sufrágio, conduta vedada e abuso de poder econômico e de autoridade. Em suas razões (fls. 722/766), suscitam, preliminarmente: “ônus da defesa – demonstração de fato negativo – prova diabólica” e cerceamento de defesa. No mérito, pleiteia a reforma da decisão. Contrarrazões às fls. 776/785. É o relatório. Passa-se à fundamentação. I) DAS PRELIMINARES I.1) Da “demonstração de fato negativo” Malgrado deduzida como preliminar, a arguição vertida sob o rótulo “ônus da defesa – demonstração de fato negativo – prova diabólica“ orienta-se a discutir a insubsistência dos elementos de prova coligidos pelo investigante; matéria que impõe incursão na questão de fundo, em cujo âmbito deve ser enfrentada. I.2) Do cerceamento de defesa Os recorrentes pretendem lastrear essa prefacial em duplo fundamento: I) negativa de apresentação da Ata de Convenção do Partido Social Cristão; II) indeferimento de pleito de oitiva de testemunhas. O levante não merece prosperar. De logo, importa destacar que o eventual reconhecimento do cerceamento de defesa deve ensejar a nulidade de atos subseqüentes ao Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 411 ATOS DA PROCURADORIA vício; providência que tem por pré-requisito a identificação de circunstâncias prejudiciais à parte, nos termos do que estabelece o artigo 249, § 1º, do Estatuto Processual Civil, verbis: “O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte”. Advirta-se que mesmo quando em jogo bens jurídicos de maior estatura do que aqueles discutidos no presente feito, o princípio de que não há nulidade sem prejuízo prevalece na jurisprudência dos Tribunais Superiores. Veja-se, a propósito, o seguinte aresto: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PROCEDIMENTO. LEI 10.409/2002. NULIDADE. PREJUÍZO. 1. A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que, conforme já decidiu a Corte, "o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades - pas de nullité sans grief - compreende as nulidades absolutas" (HC 81.510, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 12.4.2002). 2. Ordem indeferida. (STF. HC-85155, de 22/03/2005). Nessa perspectiva é que não se vislumbra na espécie qualquer prejuízo para os recorrentes. Com efeito, em relação ao primeiro fundamento, observa-se que às fls. 529/530 consta cópia da “ATA DA CONVENÇÃO PARA A ESCOLHA DOS CANDIDATOS A PREFEITO, VICE-PREFEITO E VERADORES DE IPECAETÁ (BA) PARA AS ELEIÇÕES 2008”. Colhe-se de seu conteúdo que se refere à “Convenção Municipal do PSC”. Dessa forma, a alegação de ausência de referido documento é infundada. Some-se a isso o fato dos investigados não terem se insurgido a contra a decisão que julgou improcedente a contradita manejada em face de João Elcior Santos, pelo que preclusa a matéria. Ademais, os argumentos expendidos na peça recursal não logram demonstrar com segurança sob que ângulo o teor da ata reclamada poderia infirmar o depoimento de aludida testemunha, de modo a comprometer a sua força probante. No tocante ao indeferimento do pleito de oitiva de Esmeraldo Rodrigues Machado, de igual sorte, inexiste comprometimento do direito de defesa, já que se trata, no caso, de formação do livre convencimento motivado do julgador, sobre o qual pesa o mister de conduzir o processo e deliberar acerca das provas a serem realizadas; tudo com vistas a produzir a prestação jurisdicional, nos exatos termos do artigo 130, inciso I, do Código de Processo Civil – de aplicação subsidiária na espécie -, verbis: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas ne- 412 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA cessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias” (grifou-se). Não bastasse, colhe-se do conteúdo da decisão proferida na assentada do dia 26 de agosto de 2009 (fl. 208), que o Juiz zonal expressamente autorizou “o acionado a trazer todas as provas do inquérito policial para a formação da convicção deste Juízo”, providência que permitiu o exercício da ampla defesa pelos recorrentes. Pelo afastamento da preliminar. II) DO MÉRITO A pretensão recursal não enseja acolhimento. Verifica-se, no caso, que conquanto a Investigação tenha sido manejada com supedâneo em diversas condutas, a condenação se cingiu às práticas de captação ilícita de sufrágio, cuja potencialidade lesiva, advirta-se, ensejou abuso de poder econômico. Destaca-se, desde logo, a previsão contida no artigos 41-A, da Lei 9.504/1997, e 22, de Lei Complementar n. 64/90: Lei n. 9.504/97 - art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (grifou-se). LC n. 64/90 - art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito [...]. (grifou-se). Observa-se, in casu, que o acervo probatório se apresenta suficientemente robusto e apto a possibilitar o enquadramento dos fatos em tais hipóteses normativas, de modo a autorizar a aplicação das correspondentes penalidades. Nessa perspectiva é que o decisum hostilizado se mostra irretocável, mormente porque o Magistrado zonal empreendeu leitura precisa das Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 413 ATOS DA PROCURADORIA provas coligidas, bem como das circunstâncias em que se desenvolveram as condutas perpetradas pelos recorrentes, o que confere suficiente higidez à fundamentação e ao comando sentencial. Com efeito, os autos demonstram que o primeiro recorrente desenvolveu verdadeira estratégia de captação ilícita de votos, para o que se utilizou de diversos meios de cooptação de eleitores, tais como o oferecimento de vantagens, o pagamento em dinheiro e cheques, bem como a entrega de vale combustível. A seu turno, os argumentos expendidos pela defesa apresentamse como construções preordenadas a escamotear a verdade dos fatos, em nítida tentativa de deslocar os atos ilícitos perpetrados pelos investigados para o campo do permitido, desiderato que, a toda evidência, encontra-se fadado ao insucesso, conforme já reconhecido, de forma consistente, pelo Juízo zonal. Verifique-se a seguir o exame individualizado dos fatos. II.1) Captação Ilícita de Sufrágio – compra de voto em troca de R$ 200,00 e um vale combustível. Na primeira das condutas ilícitas caracterizada nos autos, observase que o primeiro representado investiu contra a liberdade de escolha do eleitor João Elcior Costa Santos, a quem entregou um vale combustível e o valor de R$ 200,00, com a finalidade de obter-lhe o voto nas eleições municipais que então se acercavam. Na declaração de fl. 40, referido eleitor afirmou que: No dia 04 de outubro do ano corrente as 11:00 do dia, eu ia em direção a casa de Valdemar na Fazenda Quebradas IpecaetaBa próximo a venda de Arlindo Surdo, quando Ailton Souza Silva prefeito de Ipecaetá estava passando e me parou ma estrada, me deu R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS) em dinheiro e mais um vale de gasolina no valor de R$ 5,00 (CINCO REAIS) e me pediu para que eu votasse nele para prefeito. (grifou-se). À fl. 42 consta cópia de um vale combustível, datado, gize-se, de 04 de outubro de 2008, no valor de R$ 5,00 (cinco reais). Ouvido em juízo (fls. 218/220), João Elcior confirmou a declaração por ele subscrita e aduziu que: O Acionado Ailton entregou ao depoente a importância de duzentos reais, em espécie, e mais um vale combustível no valor de cinco reais, para que o depoente votasse no referido candidato;[...] que já ouviu falar que o prefeito ameaçava demitir os funcionários que não votassem nele; [...] 414 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Por sua vez, no curso da AIJE n. 1.457/2008, foram tomadas as declarações de Edmilson dos Santos Bastos (cópia às fls. 488/495), que afirmou: [...] que João Luiz Santo vendeu ao declarante um vale combustível no valor de quatro reais; que o vale valia cinco reais e o declarante pagou quatro reais; que não se recorda a data exata, mas foi próximo à eleição; que não leu bem o vale; que o vale era de R$ 5,00, e o declarante pagou R$ 4,00; que foi no Posto, que o declarante não se recorda do nome, mas que fica ao lado oposto do Posto Caburé, logo na entrada de Ipecaetá; que o vale tinha uma assinatura, mas o declarante não prestou atenção de quem era; que com certeza era o vale cuja cópia se encontra à fl. 19 dos autos. [...] que vende gasolina; que muitas pessoas no município estavam com vales e que iam à sua venda comprar gasolina com o vale; [...] que tem o conhecimento que Ailton comprou o voto de pessoas no período do pleito eleitoral; que comprou o de Dona Maria da Glória, que mora na Faz. Canastra, por cem reais; [...]; Embora não integre o objeto da presente demanda, importa destacar outra passagem desse depoimento, com objetivo de reforçar a tese de que os investigados empreenderam verdadeira caça aos votos dos eleitores de Ipecaetá: [...] que o senhor Ailton foi à casa do declarante perguntou para quem o declarante ia votar, que respondeu que não sabia em quem ia votar; que Ailton pediu voto para ele e o declarante disse que ainda não tinha decidido sobre seu voto; que na mesma hora Ailton lhe propôs o seu voto em troca de cinco mil reais; que o declarante pensou e em seguida aceitou os cinco mil reais que o senhor Ailton pagou em cheque [...] Diante desses fatos, a alegação da defesa de que a testemunha João Elcior possuiria vínculo de parentesco com o candidato a vereador Raimundo, opositor político dos investigados, não possui qualquer aptidão para descaracterizar a força probante das declarações, mormente porque tomadas sob compromisso. Nesse cenário é que revelam-se irretocáveis as conclusões do Magistrado sentenciante no sentido de que: O depoimento da testemunha João Elcior e as demais provas constantes dos autos, dentam que o representado promoveu a captação ilícita de sufrágio e a distribuição de vale combustível em troca de voto do referido cidadão, incidindo em conduta vedada por lei [...] Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 415 ATOS DA PROCURADORIA II.2) Captação Ilícita de Sufrágio – tentativa de compra de votos e prática de demissões por perseguição política. Na segunda investida eleitoreira demonstrada nos autos, o primeiro representado ofereceu o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a Aureliano Dias de Oliveira, com a finalidade de captar-lhe o voto, bem como dos seus familiares. Como a oferta foi rejeitada, desencadeou-se a ira do primeiro representado, que, de forma deliberada e despropositada, providenciou o cancelamento dos contratos de prestação de serviço de Djalma Silva Passos e Antonio Bastos de Sena, genros de Aureliano Dias de Oliveira, respectivamente firmados com a Administração Pública municipal em 01/01/1997 e 01/05/1999 (fls. 322 e 323). As portarias n. 012/2008 e 013/2008 (fls. 141 e 143), instrumento do desligamento, foram subscritas pelo primeiro representado, então Chefe do Executivo Municipal, em 14 de maio de 2008, mesma data da rescisão dos respectivos contratos, conforme se verifica dos termos de fls. 142 e 144, com data retroativa de 14 de maio de 2007, que leva à falsa conclusão de que houve antecedência na ação municipal. Em verdade, o cenário descerrado no particular amoldada-se de maneira perfeita àquelas costumeiras ações implementadas por ocupantes de cargos eletivos, em especial do Executivo, candidatos à reeleição, que utilizam-se do poder para “convencer” servidores, notadamente aqueles que não gozam de estabilidade, a alinharem-se em favor de sua campanha. O desiderato, no caso, chega a ser acintoso, mormente pelo motivo invocado pelo primeiro representado, contido no art. 2º, das aludidas portarias, para promover o cancelamento dos contratos, verbis: “[...] incompatibilidade do serviço prestado com o serviço contratado”. Ora, ambos os genros do eleitor alvo da cooptação eleitoreira foram contratados para a função de motorista (fls. 322 e 323), mister que exerceram por cerca de oito e dez anos, respectivamente; um deles laborava à disposição da Delegacia de Polícia do Município e o outro atuava como motorista de ambulância. Indaga-se: de que maneira, sem que se tenha notícia de qualquer prática inadequada, dois servidores que executavam, há cerca de uma década, atividade tão simplória e delimitada como a de motorista, podem, incontinente, atuar de forma a ensejar o seu desligamento da função pública há menos de seis meses das Eleições? A resposta a esse questionamento poderia até ser mais dificultosa não fosse o conjunto das evidências coligidas nos presentes autos, a apontar, de maneira induvidosa, para a real motivação que subjaz à rescisão contratual, qual seja: o malogro da tentativa do primeiro representado em captar 416 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA ilicitamento o voto do sogro dos servidores desligados, bem como dos próprios servidores e de seus familiares. Vejam-se, a propósito, os seguintes trechos dos depoimentos: Aureliano Dias de Oliveira (fls. 216/217): [...] que o candidato Ailton ofereceu pessoalmente a importância de dez mil reais para o depoente afim(sic) de que este e a família votassem nele que concorreria para a eleição de Ipecaetá; que o Ailton fez a oferta na casa do depoente, inclusive ele esteve na caso do depoente em duas oportunidades; que João Souza Moreira, presenciou uma das vezes que o Ailton esteve na casa do depoente, oferecendo a referida benesse; que o fato se deu próximo às eleições; que o prefeito ofereceu isto para o depoente porque este estava construindo a própria casa; que o depoente recusou na duas oportunidades; que levou o fato ao MP desta Comarca, junto à(sic) Promotora Joana; que havia um comentário forte na cidade que o candidato Ailton estava comprando voto na cidade; que sabe que o Augusto também foi cooptado para votar no Ailton para o qual o Ailton teria dado um cheque; que Augusto mostrou o cheque para o depoente; que Augusto falou para o depoente: “aqui o que Ailton me deu para eu e minha família vota(sic) nele”, palavras de Augusto exibindo o cheque para o depoente; [...] que dois genros do depoente de nomes Antonio Bastos Sena e Djalma Silva Passos, chegaram a ser despedidos como represálias por não terem garantido a Ailton o voto que este exigiu deles; que os genros do depoente tinham oito anos de emprego e foram demitidos. (grifou-se). Antônio Bastos de Sena (210/211): [...] que era motorista da Prefeitura e estava lotado na delegacia de Ipecaetá; que o Ailton chamou o depoente para que o mesmo garantisse três votos para o referido alcaide, sob pena de demissão; que tinha nove anos de emprego e foi demitido porque não garantiu três votos para o candidato Ailton; que Ailton procurou o depoente para saber como o sogro do depoente, Aureliano, poderia fazer para votar nele; que Aureliano, na época, estava construindo uma casa em Ipecaetá, onde o candidato Ailton esteve, cerca de duas vezes, oferecendo dez mil reais para que ele e família votasse no referido prefeito; que Ailton ainda falou para Aureliano que ele estava construindo a casa e Aureliano estava precisando de dinheiro para construir; que logo depois do fato, Aureliano foi na casa do depoente e contou tudo; que a oferta dos dez mil reais se deu nas duas vezes em que Aureliano foi abordado pelo prefeito acionado; [...]que o Djalma também foi Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 417 ATOS DA PROCURADORIA demitido por perseguição política, por não ter garantido os três votos para o Ailton; que o o Djalma tinha cerca de dez anos de motorista, na condição de motorista de ambulância. (grifou-se). Inequívoca, portanto, também nesse ponto, a ocorrência da prática de captação ilícita de sufrágio praticada pelo primeiro investigado. II.3) Captação Ilícita de Sufrágio – tentativa de compra de votos por meio de cheque Na terceira das condutas ilícitas que ensejaram a condenação dos investigados, verifica-se a utilização de interposta pessoa - no particular, o genro do primeiro recorrente -, para a entrega de um cheque no valor de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais) a Augusto Alves dos Santos, com o fim de que o eleitor interpelado e seus familiares sufragassem em seu favor. Destaque-se, de logo, que findaram baldadas as tentativas da Defesa em utilizar as apurações levadas a efeito no Inquérito Policial n. 15/2008, cuja cópia encontra-se encartada às fls. 272/298, para criar manobra tendente a por em dúvida a origem de referida prova de pagamento (cheque) e, assim, afastar a ilicitude da conduta praticada pelo primeiro representado. É que as provas produzidas durante a investigação policial não foram idôneas a possibilitar a formação da opinio delicti do Ministério Público, no sentido da viabilidade da ação penal, conforme se colhe da promoção de arquivamento, em que a promotoria zonal conclui pela “atipicidade da conduta descrita”. Assim, descortinado o desiderato sub-reptício dos investigados, preordenado a forjar a suposta ocorrência de extorsão indireta, envolvendo aludido cheque, restou fortalecida a tese apresentada pelos investigantes, mormente porque corroborada por sérios elementos de prova, circunstâncias que levaram o Juiz a quo a concluir (fls. 668/669): O Sr. Vilmar negou perante a Autoridade Policial os fatos que lhe foram imputados e as demais testemunhas ouvidas possuíam algum vínculo com o representado, com exceção da Sra. Angelina Pereira Costa. Esta, ouvida em juízo, apresentou depoimento contraditório e inseguro. Insta destacar que a aludida senhora em dado momento da assentada informou que não compareceu à presença do Delegado de Policia Civil de Ipecaetá para depor sobre a suposta troca de cheque e, após ser inquirida pelo advogado do requerido, alterou sua versão, afirmando que foi depor na delegacia de polícia (certidão de fls. 257). 418 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA Outrossim, a referida senhora não soube informar em juizo o valor da troca do cheque. Todavia, perante a autoridade policial afirmou que o valor era próximo de dois mil reais. Assim, carece de credibilidade o depoimento da referida testemunha. Os exame médicos da testemunha apresentados pelos representados não ilidem tal fato pois, se a testemunha não possuía condições psicológicas e físicas para depor, tal fato deveria ter sido oportunamente argüido antes de sua oitiva. Assim sendo, conclui-se que o inquérito policial não possui o condão de comprovar a origem e finalidade do cheque acostado aos presentes autos, no valor de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais), restando flagrante que trata-se de estratagema empregada pelo representado para refutar os fatos articulados nos presentes autos. (grifou-se). O estratagema é, de fato, notório, uma vez que restou inequívoca a prática da compra de voto pelo primeiro investigado, corroborada, inclusive, pelo depoimento da testemunha Jailson Cardono dos Santos, do qual se extrai os seguintes excertos: Que estava na casa de seu tio Augusto quando seu Darlan esteve lá; que no dia do fato estava na casa de sua avó, Dona Furtunata, e foi para a casa de seu tio Augusto; que foi sozinho; que chegando lá seu tio estava sozinho em casa; que ficaram batendo papo e logo depois chegou Ronivon, sozinho; que conhece Ronivon;[...] que chegou uma pessoa chamando ele na porta; que seu Augusto reconheceu a voz que era de Darlan; que seu Augusto pediu ao depoente e Ronivon se tirasse porque ele tinha um assunto para tratar com ele; [...] que Darlan saudou seu Augusto e disse: “Seu Augusto eu vim trazer o cheque que seu Ailton mandou pra o combinado pra você e sua família votar em Ailton”; que Darlan entregou o cheque e foi embora [...]. (grifou-se). Como se asseverou, as provas são robustas, sobretudo se considerada a natureza recôndita que marca o ambiente em que costumam se desenvolver as ações de captação ilícita de sufrágio, o que revela o destemor dos representados, contumazes, como se observa, nas práticas eleiçoeiras. A conduta dos investigados se alinha ao hábito reiterado de diversos candidatos, sobretudo em locais onde se concentram pessoas à margem de condições mínimas de existência digna, de utilizar a oferta de bens e serviços como meio subalterno para lograr êxito na disputa eleitoral. In casu, em especial quando examinado o conjunto das práticas perpetradas pelos recorrentes, é forçoso reconhecer que além de sobejarem Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 419 ATOS DA PROCURADORIA elementos caracterizadores de captação ilícita de sufrágio, a amplitude das condutas reveladas na espécie possui absoluta potencialidade para conformar a ocorrência de abuso de poder econômico e político. Veja-se, a propósito, o posicionamento firmado no âmbito dos Tribunais Eleitorais, inclusive desse Regional, sobre a matéria: Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Improcedência. Transporte de eleitores. Prática de abuso de poder econômico. Captação ilícita de sufrágio. Acervo probatório robusto. Comprovação. Configuração da infração contida no art. 41-A da Lei das Eleições. Provimento da irresignação. Cassação de diploma. Declaração de inelegibilidade. Possível falsidade ideológica. Necessidade de apuração. Remessa dos autos à Polícia Federal. [...] Dá-se provimento a recurso, determinando a cassação do diploma dos recorridos e aplicando-lhes a sanção de inelegibilidade, quando resta devidamente configurada, nos autos, a prática de captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder econômico por meio de oferecimento de viagem em troca de voto. Determina-se, ainda, a remessa de cópia dos autos à Polícia Federal para apuração de eventual ocorrência de falsidade ideológica, nos termos do art. 299 do Código Penal. (TRE-BA. RE n. 12402. DJE de 10/11/2009). (grifou-se). Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Cassação do registro de prefeito e vice-prefeito. Chapa majoritária. Imputação de captação ilícita de sufrágio. Lei nº 9.504/1997, art. 41-A. Farto lastro material, reforçado pelo acervo testemunhal. Desnecessidade de exame acerca da potencialidade lesiva no resultado do pleito. Entendimento jurisprudencial consolidado pelo TSE. Condenação ao pagamento de multa acima do mínimo legal. Minoração da penalidade pecuniária. Inexistência de hipótese de inelegibilidade. 1. Consoante entendimento jurisprudencial do TSE, a gravação ambiental, realizada sem o conhecimento de um dos interlocutores não acarreta a ilicitude da prova produzida com a finalidade de demonstrar a captação ilícita de sufrágio. 2. O lastro material acostado aos autos, somado ao acervo testemunhal produzido na instrução da causa, torna evidente a prática de captação ilícita de sufrágio por parte dos recorrentes, impondo-se a cassação do registro da chapa majoritária, independentemente da aferição acerca da potencialidade lesiva no resultado do pleito, e a condenação ao pagamento 420 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-, 528 jan./dez. 2011. ATOS DA PROCURADORIA de multa, esta em valor menor do que cominado na sentença, haja vista a não configuração de reincidência e de outras circunstâncias capazes de autorizar a majoração para o patamar impugnado. 3. Não obstante a utilização do rito estabelecido no art. 22 da LC nº 64/90, a decisão que aplica a sanção do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não se submete ao inciso XV do referido dispositivo por expressa disposição legal. (TRE-BA. RE n. 11871. DJP de 01/06/2009). (grifou-se). Investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. 1. Na análise do contexto fático-probatório, o Tribunal Regional Eleitoral manteve a decisão de primeiro grau, considerado o liame existente entre os depoimentos colhidos, corroborado pela prova documental dos autos, entendendo comprovada a captação ilícita de sufrágio consistente na confecção de documentos para fraudar ou facilitar a concessão de benefícios de aposentadoria em troca de votos. 2. Para afastar a conclusão da Corte de origem, quanto à caracterização do ilícito do art. 41-A da Lei das Eleições e analisar se os depoimentos eram desprovidos da verdade real e destituídos de valor probatório, seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado nesta instância especial, nos termos da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal. (TSE. AgR-AI n. 439489. DJE de 12/8/2011). (grifou-se). Ante o exposto, manifesta-se a Procuradoria Regional Eleitoral pelo desprovimento do recurso. Salvador, 20 de janeiro de 2012. SIDNEY PESSOA MADRUGA Procurador Regional Eleitoral Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 421 LEIS E ATOS NORMATIVOS 424 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 68, DE 21 DE D E Z E M B R O D E 2 0 11 Altera o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. § 1° O disposto no caput não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do § 5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal. § 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal. § 3° Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, o percentual referido no caput será nulo."(NR) Art. 2° Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação. Brasília, 21 de dezembro de 2011. Mesa da Câmara dos Deputados Mesa do Senado Federal Este texto não substitui o publicado no DOU 22.12.2011. LEIS E ATOS NORMATIVOS L E I N º 1 2 . 5 4 8 , D E 1 5 D E D E Z E M B R O D E 2 0 11 Altera o art. 37 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O art. 37 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 37. Os créditos do Banco Central do Brasil passíveis de inscrição e cobrança como Dívida Ativa e não pagos nos prazos previstos serão acrescidos de: I – juros de mora, contados do primeiro dia do mês subsequente ao do vencimento, equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para os títulos federais, acumulada mensalmente, até o último dia do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) no mês do pagamento; II – multa de mora de 2% (dois por cento), a partir do primeiro dia após o vencimento do débito, acrescida, a cada 30 (trinta) dias, de igual percentual, até o limite de 20% (vinte por cento), incidente sobre o valor atualizado na forma do inciso I do caput deste artigo. § 1º Os juros de mora incidentes sobre os créditos provenientes de multas impostas em processo administrativo punitivo que, em razão de recurso, tenham sido confirmadas pela instância superior contam-se do primeiro dia do mês subsequente ao do vencimento, previsto na intimação da decisão de primeira instância. § 2º Os créditos referidos no caput deste artigo poderão ser parcelados em até 30 (trinta) parcelas mensais, a exclusivo critério do Banco Central do Brasil, na forma e condições por ele estabelecidas, incidindo sobre cada parcela a pagar os juros de mora previstos neste artigo.” (NR) Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 15 de dezembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República. DILMA ROUSSEFF Guido Mantega Este texto não substitui o publicado no DOU de 16.12.2011 426 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS L E I N º 1 2 . 5 2 9 , D E 3 0 D E N O V E M B R O D E 2 0 11 Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: TÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS CAPÍTULO I DA FINALIDADE Art. 1º Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei. CAPÍTULO II DA TERRITORIALIDADE Art. 2º Aplica-se esta Lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos. § 1º Reputa-se domiciliada no território nacional a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante. § 2º A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais previstos nesta Lei, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 427 LEIS E ATOS NORMATIVOS TÍTULO II DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA CAPÍTULO I DA COMPOSIÇÃO Art. 3º O SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, com as atribuições previstas nesta Lei. CAPÍTULO II DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE Art. 4º O Cade é entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e competências previstas nesta Lei. SEÇÃO I Da Estrutura Organizacional do Cade Art. 5º O Cade é constituído pelos seguintes órgãos: I - Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; II - Superintendência-Geral; e III - Departamento de Estudos Econômicos. SEÇÃO II Do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica Art. 6º O Tribunal Administrativo, órgão judicante, tem como membros um Presidente e seis Conselheiros escolhidos dentre cidadãos com mais de 30 (trinta) anos de idade, de notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal. § 1º O mandato do Presidente e dos Conselheiros é de 4 (quatro) anos, não coincidentes, vedada a recondução. § 2º Os cargos de Presidente e de Conselheiro são de dedicação exclusiva, não se admitindo qualquer acumulação, salvo as constitucionalmente permitidas. § 3º No caso de renúncia, morte, impedimento, falta ou perda de mandato do Presidente do Tribunal, assumirá o Conselheiro mais antigo no cargo ou o mais idoso, nessa ordem, até nova nomeação, sem prejuízo de suas atribuições. 428 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 4º No caso de renúncia, morte ou perda de mandato de Conselheiro, proceder-se-á a nova nomeação, para completar o mandato do substituído. § 5º Se, nas hipóteses previstas no § 4º deste artigo, ou no caso de encerramento de mandato dos Conselheiros, a composição do Tribunal ficar reduzida a número inferior ao estabelecido no § 1º do art. 9º desta Lei, considerar-se-ão automaticamente suspensos os prazos previstos nesta Lei, e suspensa a tramitação de processos, continuando-se a contagem imediatamente após a recomposição do quorum. Art. 7º A perda de mandato do Presidente ou dos Conselheiros do Cade só poderá ocorrer em virtude de decisão do Senado Federal, por provocação do Presidente da República, ou em razão de condenação penal irrecorrível por crime doloso, ou de processo disciplinar de conformidade com o que prevê a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e por infringência de quaisquer das vedações previstas no art. 8º desta Lei. Parágrafo único. Também perderá o mandato, automaticamente, o membro do Tribunal que faltar a 3 (três) reuniões ordinárias consecutivas, ou 20 (vinte) intercaladas, ressalvados os afastamentos temporários autorizados pelo Plenário. Art. 8º Ao Presidente e aos Conselheiros é vedado: I - receber, a qualquer título, e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas; II - exercer profissão liberal; III - participar, na forma de controlador, diretor, administrador, gerente, preposto ou mandatário, de sociedade civil, comercial ou empresas de qualquer espécie; IV - emitir parecer sobre matéria de sua especialização, ainda que em tese, ou funcionar como consultor de qualquer tipo de empresa; V - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, em obras técnicas ou no exercício do magistério; e VI - exercer atividade político-partidária. § 1º É vedado ao Presidente e aos Conselheiros, por um período de 120 (cento e vinte) dias, contado da data em que deixar o cargo, representar qualquer pessoa, física ou jurídica, ou interesse perante o SBDC, ressalvada a defesa de direito próprio. § 2º Durante o período mencionado no § 1º deste artigo, o Presidente e os Conselheiros receberão a mesma remuneração do cargo que ocupavam. § 3º Incorre na prática de advocacia administrativa, sujeitando-se à pena prevista no art. 321 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 429 LEIS E ATOS NORMATIVOS - Código Penal, o ex-presidente ou ex-conselheiro que violar o impedimento previsto no § 1º deste artigo. § 4º É vedado, a qualquer tempo, ao Presidente e aos Conselheiros utilizar informações privilegiadas obtidas em decorrência do cargo exercido. SUBSEÇÃO I Da Competência do Plenário do Tribunal Art. 9º Compete ao Plenário do Tribunal, dentre outras atribuições previstas nesta Lei: I - zelar pela observância desta Lei e seu regulamento e do regimento interno; II - decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei; III - decidir os processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica instaurados pela Superintendência-Geral; IV - ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar; V - aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em controle de concentrações, bem como determinar à Superintendência-Geral que fiscalize seu cumprimento; VI - apreciar, em grau de recurso, as medidas preventivas adotadas pelo Conselheiro-Relator ou pela Superintendência-Geral; VII - intimar os interessados de suas decisões; VIII - requisitar dos órgãos e entidades da administração pública federal e requerer às autoridades dos Estados, Municípios, do Distrito Federal e dos Territórios as medidas necessárias ao cumprimento desta Lei; IX - contratar a realização de exames, vistorias e estudos, aprovando, em cada caso, os respectivos honorários profissionais e demais despesas de processo, que deverão ser pagas pela empresa, se vier a ser punida nos termos desta Lei; X - apreciar processos administrativos de atos de concentração econômica, na forma desta Lei, fixando, quando entender conveniente e oportuno, acordos em controle de atos de concentração; XI - determinar à Superintendência-Geral que adote as medidas administrativas necessárias à execução e fiel cumprimento de suas decisões; XII - requisitar serviços e pessoal de quaisquer órgãos e entidades do Poder Público Federal; XIII - requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade a adoção de providências administrativas e judiciais; 430 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS XIV - instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica; XV - elaborar e aprovar regimento interno do Cade, dispondo sobre seu funcionamento, forma das deliberações, normas de procedimento e organização de seus serviços internos; XVI - propor a estrutura do quadro de pessoal do Cade, observado o disposto no inciso II do caput do art. 37 da Constituição Federal; XVII - elaborar proposta orçamentária nos termos desta Lei; XVIII - requisitar informações de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas, respeitando e mantendo o sigilo legal quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias ao exercício das suas funções; e XIX - decidir pelo cumprimento das decisões, compromissos e acordos. § 1º As decisões do Tribunal serão tomadas por maioria, com a presença mínima de 4 (quatro) membros, sendo o quorum de deliberação mínimo de 3 (três) membros. § 2º As decisões do Tribunal não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, promovendo-se, de imediato, sua execução e comunicandose, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas legais cabíveis no âmbito de suas atribuições. § 3º As autoridades federais, os diretores de autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista federais e agências reguladoras são obrigados a prestar, sob pena de responsabilidade, toda a assistência e colaboração que lhes for solicitada pelo Cade, inclusive elaborando pareceres técnicos sobre as matérias de sua competência. § 4º O Tribunal poderá responder consultas sobre condutas em andamento, mediante pagamento de taxa e acompanhadas dos respectivos documentos. § 5º O Cade definirá, em resolução, normas complementares sobre o procedimento de consultas previsto no § 4º deste artigo. SUBSEÇÃO II Da Competência do Presidente do Tribunal Art. 10. Compete ao Presidente do Tribunal: I - representar legalmente o Cade no Brasil ou no exterior, em juízo ou fora dele; II - presidir, com direito a voto, inclusive o de qualidade, as reuniões do Plenário; III - distribuir, por sorteio, os processos aos Conselheiros; IV - convocar as sessões e determinar a organização da respectiva pauta; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 431 LEIS E ATOS NORMATIVOS V - solicitar, a seu critério, que a Superintendência-Geral auxilie o Tribunal na tomada de providências extrajudiciais para o cumprimento das decisões do Tribunal; VI - fiscalizar a Superintendência-Geral na tomada de providências para execução das decisões e julgados do Tribunal; VII - assinar os compromissos e acordos aprovados pelo Plenário; VIII - submeter à aprovação do Plenário a proposta orçamentária e a lotação ideal do pessoal que prestará serviço ao Cade; IX - orientar, coordenar e supervisionar as atividades administrativas do Cade; X - ordenar as despesas atinentes ao Cade, ressalvadas as despesas da unidade gestora da Superintendência-Geral; XI - firmar contratos e convênios com órgãos ou entidades nacionais e submeter, previamente, ao Ministro de Estado da Justiça os que devam ser celebrados com organismos estrangeiros ou internacionais; e XII - determinar à Procuradoria Federal junto ao Cade as providências judiciais determinadas pelo Tribunal. SUBSEÇÃO III Da Competência dos Conselheiros do Tribunal Art. 11. Compete aos Conselheiros do Tribunal: I - emitir voto nos processos e questões submetidas ao Tribunal; II - proferir despachos e lavrar as decisões nos processos em que forem relatores; III - requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas, a serem mantidos sob sigilo legal, quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias; IV - adotar medidas preventivas, fixando o valor da multa diária pelo seu descumprimento; V - solicitar, a seu critério, que a Superintendência-Geral realize as diligências e a produção das provas que entenderem pertinentes nos autos do processo administrativo, na forma desta Lei; VI - requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade emissão de parecer jurídico nos processos em que forem relatores, quando entenderem necessário e em despacho fundamentado, na forma prevista no inciso VII do art. 15 desta Lei; VII - determinar ao Economista-Chefe, quando necessário, a elaboração de pareceres nos processos em que forem relatores, sem prejuízo da tramitação normal do processo e sem que tal determinação implique a suspensão do prazo de análise ou prejuízo à tramitação normal do processo; 432 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS VIII - desincumbir-se das demais tarefas que lhes forem cometidas pelo regimento; IX - propor termo de compromisso de cessação e acordos para aprovação do Tribunal; X - prestar ao Poder Judiciário, sempre que solicitado, todas as informações sobre andamento dos processos, podendo, inclusive, fornecer cópias dos autos para instruir ações judiciais. SEÇÃO III Da Superintendência-Geral Art. 12. O Cade terá em sua estrutura uma Superintendência-Geral, com 1 (um) Superintendente-Geral e 2 (dois) Superintendentes-Adjuntos, cujas atribuições específicas serão definidas em Resolução. § 1º O Superintendente-Geral será escolhido dentre cidadãos com mais de 30 (trinta) anos de idade, notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada, nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo Senado Federal. § 2º O Superintendente-Geral terá mandato de 2 (dois) anos, permitida a recondução para um único período subsequente. § 3º Aplicam-se ao Superintendente-Geral as mesmas normas de impedimentos, perda de mandato, substituição e as vedações do art. 8º desta Lei, incluindo o disposto no § 2º do art. 8º desta Lei, aplicáveis ao Presidente e aos Conselheiros do Tribunal. § 4º Os cargos de Superintendente-Geral e de SuperintendentesAdjuntos são de dedicação exclusiva, não se admitindo qualquer acumulação, salvo as constitucionalmente permitidas. § 5º Durante o período de vacância que anteceder à nomeação de novo Superintendente-Geral, assumirá interinamente o cargo um dos superintendentes adjuntos, indicado pelo Presidente do Tribunal, o qual permanecerá no cargo até a posse do novo Superintendente-Geral, escolhido na forma do § 1º deste artigo. § 6º Se, no caso da vacância prevista no § 5º deste artigo, não houver nenhum Superintendente Adjunto nomeado na Superintendência do Cade, o Presidente do Tribunal indicará servidor em exercício no Cade, com conhecimento jurídico ou econômico na área de defesa da concorrência e reputação ilibada, para assumir interinamente o cargo, permanecendo neste até a posse do novo Superintendente-Geral, escolhido na forma do § 1º deste artigo. § 7º Os Superintendentes-Adjuntos serão indicados pelo Superintendente-Geral. Art. 13. Compete à Superintendência-Geral: Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 433 LEIS E ATOS NORMATIVOS I - zelar pelo cumprimento desta Lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado; II - acompanhar, permanentemente, as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante de bens ou serviços, para prevenir infrações da ordem econômica, podendo, para tanto, requisitar as informações e documentos necessários, mantendo o sigilo legal, quando for o caso; III - promover, em face de indícios de infração da ordem econômica, procedimento preparatório de inquérito administrativo e inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica; IV - decidir pela insubsistência dos indícios, arquivando os autos do inquérito administrativo ou de seu procedimento preparatório; V - instaurar e instruir processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, procedimento para apuração de ato de concentração, processo administrativo para análise de ato de concentração econômica e processo administrativo para imposição de sanções processuais incidentais instaurados para prevenção, apuração ou repressão de infrações à ordem econômica; VI - no interesse da instrução dos tipos processuais referidos nesta Lei: a) requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, órgãos, autoridades e entidades, públicas ou privadas, mantendo o sigilo legal, quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias ao exercício de suas funções; b) requisitar esclarecimentos orais de quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, órgãos, autoridades e entidades, públicas ou privadas, na forma desta Lei; c) realizar inspeção na sede social, estabelecimento, escritório, filial ou sucursal de empresa investigada, de estoques, objetos, papéis de qualquer natureza, assim como livros comerciais, computadores e arquivos eletrônicos, podendo-se extrair ou requisitar cópias de quaisquer documentos ou dados eletrônicos; d) requerer ao Poder Judiciário, por meio da Procuradoria Federal junto ao Cade, mandado de busca e apreensão de objetos, papéis de qualquer natureza, assim como de livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos de empresa ou pessoa física, no interesse de inquérito administrativo ou de processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 839 e seguintes da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sendo inexigível a propositura de ação principal; e) requisitar vista e cópia de documentos e objetos constantes de inquéritos e processos administrativos instaurados por órgãos ou entidades da administração pública federal; 434 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS f) requerer vista e cópia de inquéritos policiais, ações judiciais de quaisquer natureza, bem como de inquéritos e processos administrativos instaurados por outros entes da federação, devendo o Conselho observar as mesmas restrições de sigilo eventualmente estabelecidas nos procedimentos de origem; VII - recorrer de ofício ao Tribunal quando decidir pelo arquivamento de processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica; VIII - remeter ao Tribunal, para julgamento, os processos administrativos que instaurar, quando entender configurada infração da ordem econômica; IX - propor termo de compromisso de cessação de prática por infração à ordem econômica, submetendo-o à aprovação do Tribunal, e fiscalizar o seu cumprimento; X - sugerir ao Tribunal condições para a celebração de acordo em controle de concentrações e fiscalizar o seu cumprimento; XI - adotar medidas preventivas que conduzam à cessação de prática que constitua infração da ordem econômica, fixando prazo para seu cumprimento e o valor da multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento; XII - receber, instruir e aprovar ou impugnar perante o Tribunal os processos administrativos para análise de ato de concentração econômica; XIII - orientar os órgãos e entidades da administração pública quanto à adoção de medidas necessárias ao cumprimento desta Lei; XIV - desenvolver estudos e pesquisas objetivando orientar a política de prevenção de infrações da ordem econômica; XV - instruir o público sobre as diversas formas de infração da ordem econômica e os modos de sua prevenção e repressão; XVI - exercer outras atribuições previstas em lei; XVII - prestar ao Poder Judiciário, sempre que solicitado, todas as informações sobre andamento das investigações, podendo, inclusive, fornecer cópias dos autos para instruir ações judiciais; e XVIII - adotar as medidas administrativas necessárias à execução e ao cumprimento das decisões do Plenário. Art. 14. São atribuições do Superintendente-Geral: I - participar, quando entender necessário, sem direito a voto, das reuniões do Tribunal e proferir sustentação oral, na forma do regimento interno; II - cumprir e fazer cumprir as decisões do Tribunal na forma determinada pelo seu Presidente; III - requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade as providências judiciais relativas ao exercício das competências da Superintendência-Geral; IV - determinar ao Economista-Chefe a elaboração de estudos e pareceres; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 435 LEIS E ATOS NORMATIVOS V - ordenar despesas referentes à unidade gestora da Superintendência-Geral; e VI - exercer outras atribuições previstas em lei. SEÇÃO IV Da Procuradoria Federal junto ao Cade Art. 15. Funcionará junto ao Cade Procuradoria Federal Especializada, competindo-lhe: I - prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Cade; II - representar o Cade judicial e extrajudicialmente; III - promover a execução judicial das decisões e julgados do Cade; IV - proceder à apuração da liquidez dos créditos do Cade, inscrevendo-os em dívida ativa para fins de cobrança administrativa ou judicial; V - tomar as medidas judiciais solicitadas pelo Tribunal ou pela Superintendência-Geral, necessárias à cessação de infrações da ordem econômica ou à obtenção de documentos para a instrução de processos administrativos de qualquer natureza; VI - promover acordos judiciais nos processos relativos a infrações contra a ordem econômica, mediante autorização do Tribunal; VII - emitir, sempre que solicitado expressamente por Conselheiro ou pelo Superintendente-Geral, parecer nos processos de competência do Cade, sem que tal determinação implique a suspensão do prazo de análise ou prejuízo à tramitação normal do processo; VIII - zelar pelo cumprimento desta Lei; e IX - desincumbir-se das demais tarefas que lhe sejam atribuídas pelo regimento interno. Parágrafo único. Compete à Procuradoria Federal junto ao Cade, ao dar execução judicial às decisões da Superintendência-Geral e do Tribunal, manter o Presidente do Tribunal, os Conselheiros e o Superintendente-Geral informados sobre o andamento das ações e medidas judiciais. Art. 16. O Procurador-Chefe será nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo Senado Federal, dentre cidadãos brasileiros com mais de 30 (trinta) anos de idade, de notório conhecimento jurídico e reputação ilibada. § 1º O Procurador-Chefe terá mandato de 2 (dois) anos, permitida sua recondução para um único período. § 2º O Procurador-Chefe poderá participar, sem direito a voto, das reuniões do Tribunal, prestando assistência e esclarecimentos, quando requisitado pelos Conselheiros, na forma do Regimento Interno do Tribunal. 436 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 3º Aplicam-se ao Procurador-Chefe as mesmas normas de impedimento aplicáveis aos Conselheiros do Tribunal, exceto quanto ao comparecimento às sessões. § 4º Nos casos de faltas, afastamento temporário ou impedimento do Procurador-Chefe, o Plenário indicará e o Presidente do Tribunal designará o substituto eventual dentre os integrantes da Procuradoria Federal Especializada. SEÇÃO V Do Departamento de Estudos Econômicos Art. 17. O Cade terá um Departamento de Estudos Econômicos, dirigido por um Economista-Chefe, a quem incumbirá elaborar estudos e pareceres econômicos, de ofício ou por solicitação do Plenário, do Presidente, do Conselheiro-Relator ou do Superintendente-Geral, zelando pelo rigor e atualização técnica e científica das decisões do órgão. Art. 18. O Economista-Chefe será nomeado, conjuntamente, pelo Superintendente-Geral e pelo Presidente do Tribunal, dentre brasileiros de ilibada reputação e notório conhecimento econômico. § 1º O Economista-Chefe poderá participar das reuniões do Tribunal, sem direito a voto. § 2º Aplicam-se ao Economista-Chefe as mesmas normas de impedimento aplicáveis aos Conselheiros do Tribunal, exceto quanto ao comparecimento às sessões. CAPÍTULO III DA SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO Art. 19. Compete à Secretaria de Acompanhamento Econômico promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade cabendo-lhe, especialmente, o seguinte: I - opinar, nos aspectos referentes à promoção da concorrência, sobre propostas de alterações de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidos a consulta pública pelas agências reguladoras e, quando entender pertinente, sobre os pedidos de revisão de tarifas e as minutas; II - opinar, quando considerar pertinente, sobre minutas de atos normativos elaborados por qualquer entidade pública ou privada submetidos à consulta pública, nos aspectos referentes à promoção da concorrência; III - opinar, quando considerar pertinente, sobre proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional, nos aspectos referentes à promoção da concorrência; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 437 LEIS E ATOS NORMATIVOS IV - elaborar estudos avaliando a situação concorrencial de setores específicos da atividade econômica nacional, de ofício ou quando solicitada pelo Cade, pela Câmara de Comércio Exterior ou pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça ou órgão que vier a sucedê-lo; V - elaborar estudos setoriais que sirvam de insumo para a participação do Ministério da Fazenda na formulação de políticas públicas setoriais nos fóruns em que este Ministério tem assento; VI - propor a revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do País; VII - manifestar-se, de ofício ou quando solicitada, a respeito do impacto concorrencial de medidas em discussão no âmbito de fóruns negociadores relativos às atividades de alteração tarifária, ao acesso a mercados e à defesa comercial, ressalvadas as competências dos órgãos envolvidos; VIII - encaminhar ao órgão competente representação para que este, a seu critério, adote as medidas legais cabíveis, sempre que for identificado ato normativo que tenha caráter anticompetitivo. § 1º Para o cumprimento de suas atribuições, a Secretaria de Acompanhamento Econômico poderá: I - requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades, públicas ou privadas, mantendo o sigilo legal quando for o caso; II - celebrar acordos e convênios com órgãos ou entidades públicas ou privadas, federais, estaduais, municipais, do Distrito Federal e dos Territórios para avaliar e/ou sugerir medidas relacionadas à promoção da concorrência. § 2º A Secretaria de Acompanhamento Econômico divulgará anualmente relatório de suas ações voltadas para a promoção da concorrência. TÍTULO III DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PERANTE O CADE Art. 20. O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior, designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, emitir parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator. 438 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS TÍTULO IV DO PATRIMÔNIO, DAS RECEITAS E DA GESTÃO ADMINISTRATIVA, ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA Art. 21. Compete ao Presidente do Tribunal orientar, coordenar e supervisionar as atividades administrativas do Cade, respeitadas as atribuições dos dirigentes dos demais órgãos previstos no art. 5º desta Lei. § 1º A Superintendência-Geral constituirá unidade gestora, para fins administrativos e financeiros, competindo ao seu Superintendente-Geral ordenar as despesas pertinentes às respectivas ações orçamentárias. § 2º Para fins administrativos e financeiros, o Departamento de Estudos Econômicos estará ligado ao Tribunal. Art. 22. Anualmente, o Presidente do Tribunal, ouvido o Superintendente-Geral, encaminhará ao Poder Executivo a proposta de orçamento do Cade e a lotação ideal do pessoal que prestará serviço àquela autarquia. Art. 23. Ficam instituídas as taxas processuais sobre os processos de competência do Cade, no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), que têm como fato gerador a apresentação dos atos previstos no art. 88 desta Lei e no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para processos que têm como fato gerador a apresentação de consultas de que trata o § 4º do art. 9º desta Lei. Parágrafo único. A taxa processual de que trata o caput deste artigo poderá ser atualizada por ato do Poder Executivo, após autorização do Congresso Nacional. Art. 24. São contribuintes da taxa processual que tem como fato gerador a apresentação dos atos previstos no art. 88 desta Lei qualquer das requerentes. Art. 25. O recolhimento da taxa processual que tem como fato gerador a apresentação dos atos previstos no art. 88 desta Lei deverá ser comprovado no momento da protocolização do ato. § 1º A taxa processual não recolhida no momento fixado no caput deste artigo será cobrada com os seguintes acréscimos: I - juros de mora, contados do mês seguinte ao do vencimento, à razão de 1% (um por cento), calculados na forma da legislação aplicável aos tributos federais; II - multa de mora de 20% (vinte por cento). § 2º Os juros de mora não incidem sobre o valor da multa de mora. Art. 26. (VETADO). Art. 27. As taxas de que tratam os arts. 23 e 26 desta Lei serão recolhidas ao Tesouro Nacional na forma regulamentada pelo Poder Executivo. Art. 28. Constituem receitas próprias do Cade: Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 439 LEIS E ATOS NORMATIVOS I - o produto resultante da arrecadação das taxas previstas nos arts. 23 e 26 desta Lei; II - a retribuição por serviços de qualquer natureza prestados a terceiros; III - as dotações consignadas no Orçamento Geral da União, créditos especiais, créditos adicionais, transferências e repasses que lhe forem conferidos; IV - os recursos provenientes de convênios, acordos ou contratos celebrados com entidades ou organismos nacionais e internacionais; V - as doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados; VI - os valores apurados na venda ou aluguel de bens móveis e imóveis de sua propriedade; VII - o produto da venda de publicações, material técnico, dados e informações; VIII - os valores apurados em aplicações no mercado financeiro das receitas previstas neste artigo, na forma definida pelo Poder Executivo; e IX - quaisquer outras receitas, afetas às suas atividades, não especificadas nos incisos I a VIII do caput deste artigo. § 1º (VETADO). § 2º (VETADO). § 3º O produto da arrecadação das multas aplicadas pelo Cade, inscritas ou não em dívida ativa, será destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e a Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995. § 4º As multas arrecadadas na forma desta Lei serão recolhidas ao Tesouro Nacional na forma regulamentada pelo Poder Executivo. Art. 29. O Cade submeterá anualmente ao Ministério da Justiça a sua proposta de orçamento, que será encaminhada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para inclusão na lei orçamentária anual, a que se refere o § 5º do art. 165 da Constituição Federal. § 1º O Cade fará acompanhar as propostas orçamentárias de quadro demonstrativo do planejamento plurianual das receitas e despesas, visando ao seu equilíbrio orçamentário e financeiro nos 5 (cinco) exercícios subsequentes. § 2º A lei orçamentária anual consignará as dotações para as despesas de custeio e capital do Cade, relativas ao exercício a que ela se referir. Art. 30. Somam-se ao atual patrimônio do Cade os bens e direitos pertencentes ao Ministério da Justiça atualmente afetados às atividades do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico. 440 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS TÍTULO V DAS INFRAÇÕES DA ORDEM ECONÔMICA CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal. Art. 32. As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente. Art. 33. Serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica. Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Art. 35. A repressão das infrações da ordem econômica não exclui a punição de outros ilícitos previstos em lei. CAPÍTULO II DAS INFRAÇÕES Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 441 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. § 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; V - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matériasprimas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; VI - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa; VII - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição; IX - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; XI - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; 442 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS XII - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais; XIII - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los; XIV - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; XVI - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção; XVII - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada; XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca. CAPÍTULO III DAS PENAS Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas: I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais); III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 443 LEIS E ATOS NORMATIVOS caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo. § 1º Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. § 2º No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea. Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente: I - a publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas; II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos; III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: a) seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito; b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos; V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade; VI - a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos; e VII - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. Art. 39. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração da ordem econômica, após decisão do Tribunal determinando sua cessação, bem como pelo não cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer impostas, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou termo de compromisso de cessação previstos nesta Lei, o responsável fica sujeito a 444 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS multa diária fixada em valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), podendo ser aumentada em até 50 (cinquenta) vezes, se assim recomendar a situação econômica do infrator e a gravidade da infração. Art. 40. A recusa, omissão ou retardamento injustificado de informação ou documentos solicitados pelo Cade ou pela Secretaria de Acompanhamento Econômico constitui infração punível com multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), podendo ser aumentada em até 20 (vinte) vezes, se necessário para garantir sua eficácia, em razão da situação econômica do infrator. § 1º O montante fixado para a multa diária de que trata o caput deste artigo constará do documento que contiver a requisição da autoridade competente. § 2º Compete à autoridade requisitante a aplicação da multa prevista no caput deste artigo. § 3º Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País. Art. 41. A falta injustificada do representado ou de terceiros, quando intimados para prestar esclarecimentos, no curso de inquérito ou processo administrativo, sujeitará o faltante à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada falta, aplicada conforme sua situação econômica. Parágrafo único. A multa a que se refere o caput deste artigo será aplicada mediante auto de infração pela autoridade competente. Art. 42. Impedir, obstruir ou de qualquer outra forma dificultar a realização de inspeção autorizada pelo Plenário do Tribunal, pelo ConselheiroRelator ou pela Superintendência-Geral no curso de procedimento preparatório, inquérito administrativo, processo administrativo ou qualquer outro procedimento sujeitará o inspecionado ao pagamento de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), conforme a situação econômica do infrator, mediante a lavratura de auto de infração pelo órgão competente. Art. 43. A enganosidade ou a falsidade de informações, de documentos ou de declarações prestadas por qualquer pessoa ao Cade ou à Secretaria de Acompanhamento Econômico será punível com multa pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), de acordo com a gravidade dos fatos e a situação econômica do infrator, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis. Art. 44. Aquele que prestar serviços ao Cade ou a Seae, a qualquer título, e que der causa, mesmo que por mera culpa, à disseminação indevida de informação acerca de empresa, coberta por sigilo, será punível com multa pecuniária de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sem prejuízo de abertura de outros procedimentos cabíveis. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 445 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 1º Se o autor da disseminação indevida estiver servindo o Cade em virtude de mandato, ou na qualidade de Procurador Federal ou Economista-Chefe, a multa será em dobro. § 2º O Regulamento definirá o procedimento para que uma informação seja tida como sigilosa, no âmbito do Cade e da Seae. Art. 45. Na aplicação das penas estabelecidas nesta Lei, levar-se-á em consideração: I - a gravidade da infração; II - a boa-fé do infrator; III - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; IV - a consumação ou não da infração; V - o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; VI - os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; VII - a situação econômica do infrator; e VIII - a reincidência. CAPÍTULO IV DA PRESCRIÇÃO Art. 46. Prescrevem em 5 (cinco) anos as ações punitivas da administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar infrações da ordem econômica, contados da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessada a prática do ilícito. § 1º Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração da infração contra a ordem econômica mencionada no caput deste artigo, bem como a notificação ou a intimação da investigada. § 2º Suspende-se a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação ou do acordo em controle de concentrações. § 3º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de 3 (três) anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 4º Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. CAPÍTULO V DO DIREITO DE AÇÃO Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo 446 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação. TÍTULO VI DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE PROCESSO ADMINISTRATIVO CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 48. Esta Lei regula os seguintes procedimentos administrativos instaurados para prevenção, apuração e repressão de infrações à ordem econômica: I - procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica; II - inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica; III - processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica; IV - processo administrativo para análise de ato de concentração econômica; V - procedimento administrativo para apuração de ato de concentração econômica; e VI - processo administrativo para imposição de sanções processuais incidentais. Art. 49. O Tribunal e a Superintendência-Geral assegurarão nos procedimentos previstos nos incisos II, III, IV e VI do caput do art. 48 desta Lei o tratamento sigiloso de documentos, informações e atos processuais necessários à elucidação dos fatos ou exigidos pelo interesse da sociedade. Parágrafo único. As partes poderão requerer tratamento sigiloso de documentos ou informações, no tempo e modo definidos no regimento interno. Art. 50. A Superintendência-Geral ou o Conselheiro-Relator poderá admitir a intervenção no processo administrativo de: I - terceiros titulares de direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; ou II - legitimados à propositura de ação civil pública pelos incisos III e IV do art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 51. Na tramitação dos processos no Cade, serão observadas as seguintes disposições, além daquelas previstas no regimento interno: I - os atos de concentração terão prioridade sobre o julgamento de outras matérias; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 447 LEIS E ATOS NORMATIVOS II - a sessão de julgamento do Tribunal é pública, salvo nos casos em que for determinado tratamento sigiloso ao processo, ocasião em que as sessões serão reservadas; III - nas sessões de julgamento do Tribunal, poderão o Superintendente-Geral, o Economista-Chefe, o Procurador-Chefe e as partes do processo requerer a palavra, que lhes será concedida, nessa ordem, nas condições e no prazo definido pelo regimento interno, a fim de sustentarem oralmente suas razões perante o Tribunal; IV - a pauta das sessões de julgamento será definida pelo Presidente, que determinará sua publicação, com pelo menos 120 (cento e vinte) horas de antecedência; e V - os atos e termos a serem praticados nos autos dos procedimentos enumerados no art. 48 desta Lei poderão ser encaminhados de forma eletrônica ou apresentados em meio magnético ou equivalente, nos termos das normas do Cade. Art. 52. O cumprimento das decisões do Tribunal e de compromissos e acordos firmados nos termos desta Lei poderá, a critério do Tribunal, ser fiscalizado pela Superintendência-Geral, com o respectivo encaminhamento dos autos, após a decisão final do Tribunal. § 1º Na fase de fiscalização da execução das decisões do Tribunal, bem como do cumprimento de compromissos e acordos firmados nos termos desta Lei, poderá a Superintendência-Geral valer-se de todos os poderes instrutórios que lhe são assegurados nesta Lei. § 2º Cumprida integralmente a decisão do Tribunal ou os acordos em controle de concentrações e compromissos de cessação, a Superintendência-Geral, de ofício ou por provocação do interessado, manifestar-se-á sobre seu cumprimento. CAPÍTULO II DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NO CONTROLE DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA SEÇÃO I Do Processo Administrativo na Superintendência-Geral Art. 53. O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica a que se refere o art. 88 desta Lei deverá ser endereçado ao Cade e instruído com as informações e documentos indispensáveis à instauração do processo administrativo, definidos em resolução do Cade, além do comprovante de recolhimento da taxa respectiva. § 1º Ao verificar que a petição não preenche os requisitos exigidos no caput deste artigo ou apresenta defeitos e irregularidades capazes de 448 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS dificultar o julgamento de mérito, a Superintendência-Geral determinará, uma única vez, que os requerentes a emendem, sob pena de arquivamento. § 2º Após o protocolo da apresentação do ato de concentração, ou de sua emenda, a Superintendência-Geral fará publicar edital, indicando o nome dos requerentes, a natureza da operação e os setores econômicos envolvidos. Art. 54. Após cumpridas as providências indicadas no art. 53, a Superintendência-Geral: I - conhecerá diretamente do pedido, proferindo decisão terminativa, quando o processo dispensar novas diligências ou nos casos de menor potencial ofensivo à concorrência, assim definidos em resolução do Cade; ou II - determinará a realização da instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas. Art. 55. Concluída a instrução complementar determinada na forma do inciso II do caput do art. 54 desta Lei, a Superintendência-Geral deverá manifestar-se sobre seu satisfatório cumprimento, recebendo-a como adequada ao exame de mérito ou determinando que seja refeita, por estar incompleta. Art. 56. A Superintendência-Geral poderá, por meio de decisão fundamentada, declarar a operação como complexa e determinar a realização de nova instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas. Parágrafo único. Declarada a operação como complexa, poderá a Superintendência-Geral requerer ao Tribunal a prorrogação do prazo de que trata o § 2º do art. 88 desta Lei. Art. 57. Concluídas as instruções complementares de que tratam o inciso II do art. 54 e o art. 56 desta Lei, a Superintendência-Geral: I - proferirá decisão aprovando o ato sem restrições; II - oferecerá impugnação perante o Tribunal, caso entenda que o ato deva ser rejeitado, aprovado com restrições ou que não existam elementos conclusivos quanto aos seus efeitos no mercado. Parágrafo único. Na impugnação do ato perante o Tribunal, deverão ser demonstrados, de forma circunstanciada, o potencial lesivo do ato à concorrência e as razões pelas quais não deve ser aprovado integralmente ou rejeitado. SEÇÃO II Do Processo Administrativo no Tribunal Art. 58. O requerente poderá oferecer, no prazo de 30 (trinta) dias da data de impugnação da Superintendência-Geral, em petição escrita, dirigida ao Presidente do Tribunal, manifestação expondo as razões de Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 449 LEIS E ATOS NORMATIVOS fato e de direito com que se opõe à impugnação do ato de concentração da Superintendência-Geral e juntando todas as provas, estudos e pareceres que corroboram seu pedido. Parágrafo único. Em até 48 (quarenta e oito) horas da decisão de que trata a impugnação pela Superintendência-Geral, disposta no inciso II do caput do art. 57 desta Lei e na hipótese do inciso I do art. 65 desta Lei, o processo será distribuído, por sorteio, a um Conselheiro-Relator. Art. 59. Após a manifestação do requerente, o Conselheiro-Relator: I - proferirá decisão determinando a inclusão do processo em pauta para julgamento, caso entenda que se encontre suficientemente instruído; II - determinará a realização de instrução complementar, se necessário, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas. § 1º O Conselheiro-Relator poderá autorizar, conforme o caso, precária e liminarmente, a realização do ato de concentração econômica, impondo as condições que visem à preservação da reversibilidade da operação, quando assim recomendarem as condições do caso concreto. § 2º O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do caput deste artigo. Art. 60. Após a conclusão da instrução, o Conselheiro-Relator determinará a inclusão do processo em pauta para julgamento. Art. 61. No julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato. § 1º O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados. § 2º As restrições mencionadas no § 1º deste artigo incluem: I - a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial; II - a cisão de sociedade; III - a alienação de controle societário; IV - a separação contábil ou jurídica de atividades; V - o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e VI - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. § 3º Julgado o processo no mérito, o ato não poderá ser novamente apresentado nem revisto no âmbito do Poder Executivo. 450 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS Art. 62. Em caso de recusa, omissão, enganosidade, falsidade ou retardamento injustificado, por parte dos requerentes, de informações ou documentos cuja apresentação for determinada pelo Cade, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, poderá o pedido de aprovação do ato de concentração ser rejeitado por falta de provas, caso em que o requerente somente poderá realizar o ato mediante apresentação de novo pedido, nos termos do art. 53 desta Lei. Art. 63. Os prazos previstos neste Capítulo não se suspendem ou interrompem por qualquer motivo, ressalvado o disposto no § 5º do art. 6º desta Lei, quando for o caso. Art. 64. (VETADO). SEÇÃO III Do Recurso contra Decisão de Aprovação do Ato pela SuperintendênciaGeral Art. 65. No prazo de 15 (quinze) dias contado a partir da publicação da decisão da Superintendência-Geral que aprovar o ato de concentração, na forma do inciso I do caput do art. 54 e do inciso I do caput do art. 57 desta Lei: I - caberá recurso da decisão ao Tribunal, que poderá ser interposto por terceiros interessados ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora; II - o Tribunal poderá, mediante provocação de um de seus Conselheiros e em decisão fundamentada, avocar o processo para julgamento ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação. § 1º Em até 5 (cinco) dias úteis a partir do recebimento do recurso, o Conselheiro-Relator: I - conhecerá do recurso e determinará a sua inclusão em pauta para julgamento; II - conhecerá do recurso e determinará a realização de instrução complementar, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas; ou III - não conhecerá do recurso, determinando o seu arquivamento. § 2º As requerentes poderão manifestar-se acerca do recurso interposto, em até 5 (cinco) dias úteis do conhecimento do recurso no Tribunal ou da data do recebimento do relatório com a conclusão da instrução complementar elaborada pela Superintendência-Geral, o que ocorrer por último. § 3º O litigante de má-fé arcará com multa, em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, a ser arbitrada pelo Tribunal entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), levando-se em Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 451 LEIS E ATOS NORMATIVOS consideração sua condição econômica, sua atuação no processo e o retardamento injustificado causado à aprovação do ato. § 4º A interposição do recurso a que se refere o caput deste artigo ou a decisão de avocar suspende a execução do ato de concentração econômica até decisão final do Tribunal. § 5º O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do § 1º deste artigo. CAPÍTULO III DO INQUÉRITO ADMINISTRATIVO PARA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA E DO PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO Art. 66. O inquérito administrativo, procedimento investigatório de natureza inquisitorial, será instaurado pela Superintendência-Geral para apuração de infrações à ordem econômica. § 1º O inquérito administrativo será instaurado de ofício ou em face de representação fundamentada de qualquer interessado, ou em decorrência de peças de informação, quando os indícios de infração à ordem econômica não forem suficientes para a instauração de processo administrativo. § 2º A Superintendência-Geral poderá instaurar procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica para apurar se a conduta sob análise trata de matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, nos termos desta Lei. § 3º As diligências tomadas no âmbito do procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica deverão ser realizadas no prazo máximo de 30 (trinta) dias. § 4º Do despacho que ordenar o arquivamento de procedimento preparatório, indeferir o requerimento de abertura de inquérito administrativo, ou seu arquivamento, caberá recurso de qualquer interessado ao Superintendente-Geral, na forma determinada em regulamento, que decidirá em última instância. § 5º (VETADO). § 6º A representação de Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas Casas, bem como da Secretaria de Acompanhamento Econômico, das agências reguladoras e da Procuradoria Federal junto ao Cade, independe de procedimento preparatório, instaurando-se desde logo o inquérito administrativo ou processo administrativo. § 7º O representante e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada ou não, a juízo da Superintendência-Geral. § 8º A Superintendência-Geral poderá solicitar o concurso da autoridade policial ou do Ministério Público nas investigações. 452 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 9º O inquérito administrativo deverá ser encerrado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de sua instauração, prorrogáveis por até 60 (sessenta) dias, por meio de despacho fundamentado e quando o fato for de difícil elucidação e o justificarem as circunstâncias do caso concreto. § 10. Ao procedimento preparatório, assim como ao inquérito administrativo, poderá ser dado tratamento sigiloso, no interesse das investigações, a critério da Superintendência-Geral. Art. 67. Até 10 (dez) dias úteis a partir da data de encerramento do inquérito administrativo, a Superintendência-Geral decidirá pela instauração do processo administrativo ou pelo seu arquivamento. § 1º O Tribunal poderá, mediante provocação de um Conselheiro e em decisão fundamentada, avocar o inquérito administrativo ou procedimento preparatório de inquérito administrativo arquivado pela SuperintendênciaGeral, ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação. § 2º Avocado o inquérito administrativo, o Conselheiro-Relator terá o prazo de 30 (trinta) dias úteis para: I - confirmar a decisão de arquivamento da Superintendência-Geral, podendo, se entender necessário, fundamentar sua decisão; II - transformar o inquérito administrativo em processo administrativo, determinando a realização de instrução complementar, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas. § 3º Ao inquérito administrativo poderá ser dado tratamento sigiloso, no interesse das investigações, a critério do Plenário do Tribunal. Art. 68. O descumprimento dos prazos fixados neste Capítulo pela Superintendência-Geral, assim como por seus servidores, sem justificativa devidamente comprovada nos autos, poderá resultar na apuração da respectiva responsabilidade administrativa, civil e criminal. CAPÍTULO IV DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS POR INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA Art. 69. O processo administrativo, procedimento em contraditório, visa a garantir ao acusado a ampla defesa a respeito das conclusões do inquérito administrativo, cuja nota técnica final, aprovada nos termos das normas do Cade, constituirá peça inaugural. Art. 70. Na decisão que instaurar o processo administrativo, será determinada a notificação do representado para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar defesa e especificar as provas que pretende sejam produzidas, declinando a qualificação completa de até 3 (três) testemunhas. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 453 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 1º A notificação inicial conterá o inteiro teor da decisão de instauração do processo administrativo e da representação, se for o caso. § 2º A notificação inicial do representado será feita pelo correio, com aviso de recebimento em nome próprio, ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado ou, não tendo êxito a notificação postal, por edital publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação no Estado em que resida ou tenha sede, contando-se os prazos da juntada do aviso de recebimento, ou da publicação, conforme o caso. § 3º A intimação dos demais atos processuais será feita mediante publicação no Diário Oficial da União, da qual deverá constar o nome do representado e de seu procurador, se houver. § 4º O representado poderá acompanhar o processo administrativo por seu titular e seus diretores ou gerentes, ou por seu procurador, assegurando-se-lhes amplo acesso aos autos no Tribunal. § 5º O prazo de 30 (trinta) dias mencionado no caput deste artigo poderá ser dilatado por até 10 (dez) dias, improrrogáveis, mediante requisição do representado. Art. 71. Considerar-se-á revel o representado que, notificado, não apresentar defesa no prazo legal, incorrendo em confissão quanto à matéria de fato, contra ele correndo os demais prazos, independentemente de notificação. Parágrafo único. Qualquer que seja a fase do processo, nele poderá intervir o revel, sem direito à repetição de qualquer ato já praticado. Art. 72. Em até 30 (trinta) dias úteis após o decurso do prazo previsto no art. 70 desta Lei, a Superintendência-Geral, em despacho fundamentado, determinará a produção de provas que julgar pertinentes, sendo-lhe facultado exercer os poderes de instrução previstos nesta Lei, mantendo-se o sigilo legal, quando for o caso. Art. 73. Em até 5 (cinco) dias úteis da data de conclusão da instrução processual determinada na forma do art. 72 desta Lei, a SuperintendênciaGeral notificará o representado para apresentar novas alegações, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. Art. 74. Em até 15 (quinze) dias úteis contados do decurso do prazo previsto no art. 73 desta Lei, a Superintendência-Geral remeterá os autos do processo ao Presidente do Tribunal, opinando, em relatório circunstanciado, pelo seu arquivamento ou pela configuração da infração. Art. 75. Recebido o processo, o Presidente do Tribunal o distribuirá, por sorteio, ao Conselheiro-Relator, que poderá, caso entenda necessário, solicitar à Procuradoria Federal junto ao Cade que se manifeste no prazo de 20 (vinte) dias. Art. 76. O Conselheiro-Relator poderá determinar diligências, em despacho fundamentado, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral as realize, no prazo assinado. 454 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS Parágrafo único. Após a conclusão das diligências determinadas na forma deste artigo, o Conselheiro-Relator notificará o representado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresentar alegações finais. Art. 77. No prazo de 15 (quinze) dias úteis contado da data de recebimento das alegações finais, o Conselheiro-Relator solicitará a inclusão do processo em pauta para julgamento. Art. 78. A convite do Presidente, por indicação do ConselheiroRelator, qualquer pessoa poderá apresentar esclarecimentos ao Tribunal, a propósito de assuntos que estejam em pauta. Art. 79. A decisão do Tribunal, que em qualquer hipótese será fundamentada, quando for pela existência de infração da ordem econômica, conterá: I - especificação dos fatos que constituam a infração apurada e a indicação das providências a serem tomadas pelos responsáveis para fazêla cessar; II - prazo dentro do qual devam ser iniciadas e concluídas as providências referidas no inciso I do caput deste artigo; III - multa estipulada; IV - multa diária em caso de continuidade da infração; e V - multa em caso de descumprimento das providências estipuladas. Parágrafo único. A decisão do Tribunal será publicada dentro de 5 (cinco) dias úteis no Diário Oficial da União. Art. 80. Aplicam-se às decisões do Tribunal o disposto na Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992. Art. 81. Descumprida a decisão, no todo ou em parte, será o fato comunicado ao Presidente do Tribunal, que determinará à Procuradoria Federal junto ao Cade que providencie sua execução judicial. Art. 82. O descumprimento dos prazos fixados neste Capítulo pelos membros do Cade, assim como por seus servidores, sem justificativa devidamente comprovada nos autos, poderá resultar na apuração da respectiva responsabilidade administrativa, civil e criminal. Art. 83. O Cade disporá de forma complementar sobre o inquérito e o processo administrativo. CAPÍTULO V DA MEDIDA PREVENTIVA Art. 84. Em qualquer fase do inquérito administrativo para apuração de infrações ou do processo administrativo para imposição de sanções por infrações à ordem econômica, poderá o Conselheiro-Relator ou o Superintendente-Geral, por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Chefe do Cade, adotar medida preventiva, quando houver indício Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 455 LEIS E ATOS NORMATIVOS ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo. § 1º Na medida preventiva, determinar-se-á a imediata cessação da prática e será ordenada, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos termos do art. 39 desta Lei. § 2º Da decisão que adotar medida preventiva caberá recurso voluntário ao Plenário do Tribunal, em 5 (cinco) dias, sem efeito suspensivo. CAPÍTULO VI DO COMPROMISSO DE CESSAÇÃO Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art. 48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por lei. § 1º Do termo de compromisso deverão constar os seguintes elementos: I - a especificação das obrigações do representado no sentido de não praticar a conduta investigada ou seus efeitos lesivos, bem como obrigações que julgar cabíveis; II - a fixação do valor da multa para o caso de descumprimento, total ou parcial, das obrigações compromissadas; III - a fixação do valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos quando cabível. § 2º Tratando-se da investigação da prática de infração relacionada ou decorrente das condutas previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, entre as obrigações a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo figurará, necessariamente, a obrigação de recolher ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos um valor pecuniário que não poderá ser inferior ao mínimo previsto no art. 37 desta Lei. § 3º (VETADO). § 4º A proposta de termo de compromisso de cessação de prática somente poderá ser apresentada uma única vez. § 5º A proposta de termo de compromisso de cessação de prática poderá ter caráter confidencial. § 6º A apresentação de proposta de termo de compromisso de cessação de prática não suspende o andamento do processo administrativo. § 7º O termo de compromisso de cessação de prática terá caráter público, devendo o acordo ser publicado no sítio do Cade em 5 (cinco) dias após a sua celebração. 456 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 8º O termo de compromisso de cessação de prática constitui título executivo extrajudicial. § 9º O processo administrativo ficará suspenso enquanto estiver sendo cumprido o compromisso e será arquivado ao término do prazo fixado, se atendidas todas as condições estabelecidas no termo. § 10. A suspensão do processo administrativo a que se refere o § 9o deste artigo dar-se-á somente em relação ao representado que firmou o compromisso, seguindo o processo seu curso regular para os demais representados. § 11. Declarado o descumprimento do compromisso, o Cade aplicará as sanções nele previstas e determinará o prosseguimento do processo administrativo e as demais medidas administrativas e judiciais cabíveis para sua execução. § 12. As condições do termo de compromisso poderão ser alteradas pelo Cade se se comprovar sua excessiva onerosidade para o representado, desde que a alteração não acarrete prejuízo para terceiros ou para a coletividade. § 13. A proposta de celebração do compromisso de cessação de prática será indeferida quando a autoridade não chegar a um acordo com os representados quanto aos seus termos. § 14. O Cade definirá, em resolução, normas complementares sobre o termo de compromisso de cessação. § 15. Aplica-se o disposto no art. 50 desta Lei ao Compromisso de Cessação da Prática. CAPÍTULO VII DO PROGRAMA DE LENIÊNCIA Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. § 1º O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação; II - a empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo; Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 457 LEIS E ATOS NORMATIVOS III - a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e IV - a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. § 2º Com relação às pessoas físicas, elas poderão celebrar acordos de leniência desde que cumpridos os requisitos II, III e IV do § 1º deste artigo. § 3º O acordo de leniência firmado com o Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo. § 4º Compete ao Tribunal, por ocasião do julgamento do processo administrativo, verificado o cumprimento do acordo: I - decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em favor do infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; ou II - nas demais hipóteses, reduzir de 1 (um) a 2/3 (dois terços) as penas aplicáveis, observado o disposto no art. 45 desta Lei, devendo ainda considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência. § 5º Na hipótese do inciso II do § 4º deste artigo, a pena sobre a qual incidirá o fator redutor não será superior à menor das penas aplicadas aos demais coautores da infração, relativamente aos percentuais fixados para a aplicação das multas de que trata o inciso I do art. 37 desta Lei. § 6º Serão estendidos às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes, administradores e empregados envolvidos na infração os efeitos do acordo de leniência, desde que o firmem em conjunto, respeitadas as condições impostas. § 7º A empresa ou pessoa física que não obtiver, no curso de inquérito ou processo administrativo, habilitação para a celebração do acordo de que trata este artigo, poderá celebrar com a Superintendência-Geral, até a remessa do processo para julgamento, acordo de leniência relacionado a uma outra infração, da qual o Cade não tenha qualquer conhecimento prévio. § 8º Na hipótese do § 7º deste artigo, o infrator se beneficiará da redução de 1/3 (um terço) da pena que lhe for aplicável naquele processo, sem prejuízo da obtenção dos benefícios de que trata o inciso I do § 4º deste artigo em relação à nova infração denunciada. § 9º Considera-se sigilosa a proposta de acordo de que trata este artigo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo. 458 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 10. Não importará em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, a proposta de acordo de leniência rejeitada, da qual não se fará qualquer divulgação. § 11. A aplicação do disposto neste artigo observará as normas a serem editadas pelo Tribunal. § 12. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, o beneficiário ficará impedido de celebrar novo acordo de leniência pelo prazo de 3 (três) anos, contado da data de seu julgamento. Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo. TÍTULO VII DO CONTROLE DE CONCENTRAÇÕES CAPÍTULO I DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). § 1º Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 459 LEIS E ATOS NORMATIVOS § 2º O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda. § 3º Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei. § 4º Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3º deste artigo. § 5º Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6º deste artigo. § 6º Os atos a que se refere o § 5º deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos: I - cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes. § 7º É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo. § 8º As mudanças de controle acionário de companhias abertas e os registros de fusão, sem prejuízo da obrigação das partes envolvidas, devem ser comunicados ao Cade pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, respectivamente, no prazo de 5 (cinco) dias úteis para, se for o caso, ser examinados. § 9º O prazo mencionado no § 2º deste artigo somente poderá ser dilatado: 460 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS I - por até 60 (sessenta) dias, improrrogáveis, mediante requisição das partes envolvidas na operação; ou II - por até 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam especificados as razões para a extensão, o prazo da prorrogação, que será não renovável, e as providências cuja realização seja necessária para o julgamento do processo. Art. 89. Para fins de análise do ato de concentração apresentado, serão obedecidos os procedimentos estabelecidos no Capítulo II do Título VI desta Lei. Parágrafo único. O Cade regulamentará, por meio de Resolução, a análise prévia de atos de concentração realizados com o propósito específico de participação em leilões, licitações e operações de aquisição de ações por meio de oferta pública. Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes. Art. 91. A aprovação de que trata o art. 88 desta Lei poderá ser revista pelo Tribunal, de ofício ou mediante provocação da Superintendência-Geral, se a decisão for baseada em informações falsas ou enganosas prestadas pelo interessado, se ocorrer o descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas ou não forem alcançados os benefícios visados. Parágrafo único. Na hipótese referida no caput deste artigo, a falsidade ou enganosidade será punida com multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), a ser aplicada na forma das normas do Cade, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 67 desta Lei, e da adoção das demais medidas cabíveis. Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 461 LEIS E ATOS NORMATIVOS CAPÍTULO II DO ACORDO EM CONTROLE DE CONCENTRAÇÕES Art. 92. (VETADO). TÍTULO VIII DA EXECUÇÃO JUDICIAL DAS DECISÕES DO CADE CAPÍTULO I DO PROCESSO Art. 93. A decisão do Plenário do Tribunal, cominando multa ou impondo obrigação de fazer ou não fazer, constitui título executivo extrajudicial. Art. 94. A execução que tenha por objeto exclusivamente a cobrança de multa pecuniária será feita de acordo com o disposto na Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Art. 95. Na execução que tenha por objeto, além da cobrança de multa, o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação, ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1º A conversão da obrigação de fazer ou não fazer em perdas e danos somente será admissível se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2º A indenização por perdas e danos far-se-á sem prejuízo das multas. Art. 96. A execução será feita por todos os meios, inclusive mediante intervenção na empresa, quando necessária. Art. 97. A execução das decisões do Cade será promovida na Justiça Federal do Distrito Federal ou da sede ou domicílio do executado, à escolha do Cade. Art. 98. O oferecimento de embargos ou o ajuizamento de qualquer outra ação que vise à desconstituição do título executivo não suspenderá a execução, se não for garantido o juízo no valor das multas aplicadas, para que se garanta o cumprimento da decisão final proferida nos autos, inclusive no que tange a multas diárias. § 1º Para garantir o cumprimento das obrigações de fazer, deverá o juiz fixar caução idônea. § 2º Revogada a liminar, o depósito do valor da multa converterse-á em renda do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. § 3º O depósito em dinheiro não suspenderá a incidência de juros de mora e atualização monetária, podendo o Cade, na hipótese do § 2º deste artigo, promover a execução para cobrança da diferença entre o valor revertido 462 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos e o valor da multa atualizado, com os acréscimos legais, como se sua exigibilidade do crédito jamais tivesse sido suspensa. § 4º Na ação que tenha por objeto decisão do Cade, o autor deverá deduzir todas as questões de fato e de direito, sob pena de preclusão consumativa, reputando-se deduzidas todas as alegações que poderia deduzir em favor do acolhimento do pedido, não podendo o mesmo pedido ser deduzido sob diferentes causas de pedir em ações distintas, salvo em relação a fatos supervenientes. Art. 99. Em razão da gravidade da infração da ordem econômica, e havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que tenha havido o depósito das multas e prestação de caução, poderá o Juiz determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no título executivo. Art. 100. No cálculo do valor da multa diária pela continuidade da infração, tomar-se-á como termo inicial a data final fixada pelo Cade para a adoção voluntária das providências contidas em sua decisão, e como termo final o dia do seu efetivo cumprimento. Art. 101. O processo de execução em juízo das decisões do Cade terá preferência sobre as demais espécies de ação, exceto habeas corpus e mandado de segurança. CAPÍTULO II DA INTERVENÇÃO JUDICIAL Art. 102. O Juiz decretará a intervenção na empresa quando necessária para permitir a execução específica, nomeando o interventor. Parágrafo único. A decisão que determinar a intervenção deverá ser fundamentada e indicará, clara e precisamente, as providências a serem tomadas pelo interventor nomeado. Art. 103. Se, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, o executado impugnar o interventor por motivo de inaptidão ou inidoneidade, feita a prova da alegação em 3 (três) dias, o juiz decidirá em igual prazo. Art. 104. Sendo a impugnação julgada procedente, o juiz nomeará novo interventor no prazo de 5 (cinco) dias. Art. 105. A intervenção poderá ser revogada antes do prazo estabelecido, desde que comprovado o cumprimento integral da obrigação que a determinou. Art. 106. A intervenção judicial deverá restringir-se aos atos necessários ao cumprimento da decisão judicial que a determinar e terá duração máxima de 180 (cento e oitenta) dias, ficando o interventor responsável por Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 463 LEIS E ATOS NORMATIVOS suas ações e omissões, especialmente em caso de abuso de poder e desvio de finalidade. § 1º Aplica-se ao interventor, no que couber, o disposto nos arts. 153 a 159 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. § 2º A remuneração do interventor será arbitrada pelo Juiz, que poderá substituí-lo a qualquer tempo, sendo obrigatória a substituição quando incorrer em insolvência civil, quando for sujeito passivo ou ativo de qualquer forma de corrupção ou prevaricação, ou infringir quaisquer de seus deveres. Art. 107. O juiz poderá afastar de suas funções os responsáveis pela administração da empresa que, comprovadamente, obstarem o cumprimento de atos de competência do interventor, devendo eventual substituição dar-se na forma estabelecida no contrato social da empresa. § 1º Se, apesar das providências previstas no caput deste artigo, um ou mais responsáveis pela administração da empresa persistirem em obstar a ação do interventor, o juiz procederá na forma do disposto no § 2º deste artigo. § 2º Se a maioria dos responsáveis pela administração da empresa recusar colaboração ao interventor, o juiz determinará que este assuma a administração total da empresa. Art. 108. Compete ao interventor: I - praticar ou ordenar que sejam praticados os atos necessários à execução; II - denunciar ao Juiz quaisquer irregularidades praticadas pelos responsáveis pela empresa e das quais venha a ter conhecimento; e III - apresentar ao Juiz relatório mensal de suas atividades. Art. 109. As despesas resultantes da intervenção correrão por conta do executado contra quem ela tiver sido decretada. Art. 110. Decorrido o prazo da intervenção, o interventor apresentará ao juiz relatório circunstanciado de sua gestão, propondo a extinção e o arquivamento do processo ou pedindo a prorrogação do prazo na hipótese de não ter sido possível cumprir integralmente a decisão exequenda. Art. 111. Todo aquele que se opuser ou obstaculizar a intervenção ou, cessada esta, praticar quaisquer atos que direta ou indiretamente anulem seus efeitos, no todo ou em parte, ou desobedecer a ordens legais do interventor será, conforme o caso, responsabilizado criminalmente por resistência, desobediência ou coação no curso do processo, na forma dos arts. 329, 330 e 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal. 464 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS TÍTULO IX DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 112. (VETADO). Art. 113. Visando a implementar a transição para o sistema de mandatos não coincidentes, as nomeações dos Conselheiros observarão os seguintes critérios de duração dos mandatos, nessa ordem: I - 2 (dois) anos para os primeiros 2 (dois) mandatos vagos; e II - 3 (três) anos para o terceiro e o quarto mandatos vagos. § 1º Os mandatos dos membros do Cade e do Procurador-Chefe em vigor na data de promulgação desta Lei serão mantidos e exercidos até o seu término original, devendo as nomeações subsequentes à extinção desses mandatos observar o disposto neste artigo. § 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, o Conselheiro que estiver exercendo o seu primeiro mandato no Cade, após o término de seu mandato original, poderá ser novamente nomeado no mesmo cargo, observado o disposto nos incisos I e II do caput deste artigo. § 3º O Conselheiro que estiver exercendo o seu segundo mandato no Cade, após o término de seu mandato original, não poderá ser novamente nomeado para o período subsequente. § 4º Não haverá recondução para o Procurador-Chefe que estiver exercendo mandato no Cade, após o término de seu mandato original, podendo ele ser indicado para permanecer no cargo na forma do art. 16 desta Lei. Art. 114. (VETADO). Art. 115. Aplicam-se subsidiariamente aos processos administrativo e judicial previstos nesta Lei as disposições das Leis nos 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, 7.347, de 24 de julho de 1985, 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Art. 116. O art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 4º ............................................................................................ ................................................... I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; a) (revogada); b) (revogada); c) (revogada); d) (revogada); e) (revogada); f) (revogada); Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 465 LEIS E ATOS NORMATIVOS II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas; c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. III - (revogado); IV - (revogado); V - (revogado); VI - (revogado); VII - (revogado).” (NR) Art. 117. O caput e o inciso V do art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: ............................................................................................. V - por infração da ordem econômica; ...................................................................................” (NR) Art. 118. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente. Art. 119. O disposto nesta Lei não se aplica aos casos de dumping e subsídios de que tratam os Acordos Relativos à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, promulgados pelos Decretos nos 93.941 e 93.962, de 16 e 22 de janeiro de 1987, respectivamente. Art. 120. (VETADO). Art. 121. Ficam criados, para exercício na Secretaria de Acompanhamento Econômico e, prioritariamente, no Cade, observadas as diretrizes e quantitativos estabelecidos pelo Órgão Supervisor da Carreira, 200 (duzentos) cargos de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, integrantes da Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, para o exercício das atribuições referidas no art. 1o da Lei no 7.834, de 6 de outubro de 1989, a serem providos gradualmente, observados os limites e a autorização específica da lei de diretrizes orçamentárias, nos termos do inciso II do § 1o do art. 169 da Constituição Federal. Parágrafo único. Ficam transferidos para o Cade os cargos pertencentes ao Ministério da Justiça atualmente alocados no Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico, bem como o DAS-6 do Secretário de Direito Econômico. 466 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1- 528, jan./dez. 2011 LEIS E ATOS NORMATIVOS Art. 122. Os órgãos do SBDC poderão requisitar servidores da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional para neles ter exercício, independentemente do exercício de cargo em comissão ou função de confiança. Parágrafo único. Ao servidor requisitado na forma deste artigo são assegurados todos os direitos e vantagens a que façam jus no órgão ou entidade de origem, considerando-se o período de requisição para todos os efeitos da vida funcional, como efetivo exercício no cargo que ocupe no órgão ou entidade de origem. Art. 123. Ato do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão fixará o quantitativo ideal de cargos efetivos, ocupados, a serem mantidos, mediante lotação, requisição ou exercício, no âmbito do Cade e da Secretaria de Acompanhamento Econômico, bem como fixará cronograma para que sejam atingidos os seus quantitativos, observadas as dotações consignadas nos Orçamentos da União. Art. 124. Ficam criados, no âmbito do Poder Executivo Federal, para alocação ao Cade, os seguintes cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS: 2 (dois) cargos de natureza especial NES de Presidente do Cade e Superintendente-Geral do Cade, 7 (sete) DAS-6, 16 (dezesseis) DAS-4, 8 (oito) DAS-3, 11 (onze) DAS-2 e 21 (vinte e um) DAS-1. Art. 125. O Poder Executivo disporá sobre a estrutura regimental do Cade, sobre as competências e atribuições, denominação das unidades e especificações dos cargos, promovendo a alocação, nas unidades internas da autarquia, dos cargos em comissão e das funções gratificadas. Art. 126. Ficam extintos, no âmbito do Poder Executivo Federal, os seguintes cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas - FG: 3 (três) DAS-5, 2 (duas) FG-1 e 16 (dezesseis) FG-3. Art. 127. Ficam revogados a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999, os arts. 5º e 6º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e os arts. 1o a 85 e 88 a 93 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994. Art. 128. Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial. Brasília, 30 de novembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República. DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Guido Mantega Eva Maria Cella Dal Chiavon Luís Inácio Lucena Adams Este texto não substitui o publicado no DOU de 1º.11.2011 e retificado em 2.12.2011 Semest. Eleit., Salvador, v. 15, n.1/2, p. 1-,528 jan./dez. 2011 467 LEIS E ATOS NORMATIVOS L E I N º 1 2 . 5 2 7 , D E 1 8 D E N O V E M B R O D E 2 0 11 Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte