relatório final fernando.indd - Ministério Público do Estado do Pará

Transcrição

relatório final fernando.indd - Ministério Público do Estado do Pará
VIAGENS CLANDESTINAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
NOS TRENS DA ESTRADA DE FERRO CARAJÁS
São Luís - MA
2013
EXPEDIENTE
Agência de Notícias da Infância Matraca
Presidente: Johellton Sousa Gomes
Coordenadora Executiva: Jeane Pires
Coordenadora de Projetos: Lissandra Leite
Relações Públicas: Silen Oliveira
Redatora: Maristela Sena
Assistente Administrativo: Eliane Almeida
Estagiários: Anderson França, Graças de Maria, Jeyci Sá e Lidiane Ferraz
Viagens Clandestinas de crianças e adolescentes
nos trens da Estrada de Ferro Carajás
Equipe de pesquisa
Coordenadora: Carla Serrão
Assistente de pesquisa: Gabriela Nunes
Pesquisadoras: Andresa Veras, Mariana Muniz e Welline Ribeiro
Consultoria metodológica: Oficina de Imagens
Edição
Edição geral: Lissandra Leite
Revisão: Jeane Pires e Silen Ribeiro
Impressão: Gráfica Minerva
Esta pesquisa foi produzida em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos de
Crianças e Adolescentes do Maranhão – CEDCA/MA, com recursos do Fundo Estadual dos Direitos de Crianças e Adolescentes.
Pode ser adquirida na:
Agência de Notícias da Infância Matraca
Rua Montanha Russa, 22 – Centro – São Luís – MA
Telefone/Fax: (98) 3254-0210
E-mail: [email protected]
Site: www.matraca.org.br
As informações contidas nesta publicação podem ser reproduzidas desde que citada a fonte. As opiniões emitidas são de inteira responsabilidade dos seus autores.
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO ..................................................................................
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1.1 Introdução ..................................................................................
06
1.2 Estrada de Ferro Carajás – crianças e adolescentes viajando clandestinamente ...................................................................................
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2. METODOLOGIA ....................................................................................
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3. RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO: perfil socioeconômico dos
municípios ................................................................................................
13
3.1 Açailândia/MA ............................................................................
14
3.2 Pindaré-Mirim/MA .....................................................................
16
3.3 Santa Inês/MA .............................................................................
19
3.4 São Luís/MA .................................................................................
21
3.5 Vitória do Mearim/MA .................................................................
23
3.6 Marabá/PA ..................................................................................
24
4. RESULTADOS DAS ENTREVISTAS: um diagnóstico dos elementos facilitadores das viagens clandestinas de crianças e adolescentes na Estrada de Ferro Carajás ................................................................................
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................
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1. APRESENTAÇÃO
A pesquisa “Crianças e adolescentes viajando clandestinamente nos
trens da Estrada de Ferro Carajás” é parte de um projeto mais amplo intitulado “Garantindo Direitos – Fortalecendo o Fórum DCA-MA”, voltado ao fortalecimento do
Fórum Maranhense de Organizações Não-Governamentais em Defesa dos Direitos
de Crianças e Adolescentes e foi proposta com o objetivo de diagnosticar as principais determinações que favorecem as viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos trens da VALE, em uma amostra dos municípios do corredor da Estrada de
Ferro Carajás – EFC, nos quais se verifica maior incidência de tal fato.
O relatório que ora se apresenta resulta, primeiramente, da necessidade de investigar uma situação verificada há cerca de 13 anos, quando se deram os
primeiros registros das viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos trens de
carga da estrada de Ferro Carajás. No decorrer desse período variados movimentos
foram realizados e estimulados pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente do Maranhão – CEDCA, Ministério Público do Estado do Maranhão –
MP, organizações da sociedade civil e demais instituições componentes do sistema
de Garantia de Direitos – SGD, no sentido de denunciar o problema, responsabilizar
judicialmente pessoas e instituições/empresas envolvidas, assim como apresentar
propostas que conduzissem à eliminação de tal situação e a efetivação dos direitos
de crianças e adolescentes preconizados em lei.
Registros do Ministério Público, atinentes às viagens clandestinas na
EFC, confirmam a recorrente incidência de desrespeito aos direitos de crianças e
adolescentes, especificamente os direitos à proteção integral e a prioridade abso-
luta, conforme previsto na Lei 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente
– ECA no seu Artigo 3º:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral1 de que trata esta lei, assegurandolhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades
e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade. Artigo 4º - É dever da família,
da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos2 referentes à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
1.1 Introdução
O Estado do Maranhão figura entre os estados brasileiros com os piores indicadores sociais. Números que evidenciam situações de extrema desigualdade social e desrespeito aos direitos humanos retratam a triste realidade maranhense
que atinge, em especial, cidadãs e cidadãos que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social. No bojo de tais situações destacam-se, particularmente,
crianças e adolescentes, que demoraram muito a ser reconhecidos como sujeitos de
direitos – fato ocorrido só recentemente, após a elaboração de um vasto conjunto
de instrumentos legais de proteção, conquistados através da luta empreendida pela
sociedade organizada. Entretanto, apesar dos instrumentos legais, crianças e adolescentes ainda continuam desprotegidos e essa desproteção se mantém em razão
de paradigmas sustentados nas bases de um passado excludente e violento, que
ainda hoje promove ações violadoras de direitos.
A garantia integral dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil é
tarefa complexa e incompleta, e os complicadores são de ordem política, social e
1. Grifo nosso
2. Idem
6
histórico-cultural. Apesar dos avanços conquistados em âmbito mundial e nacional, através da elaboração de dispositivos como a Declaração Universal de Direitos
Humanos; a Convenção sobre os Direitos da Criança; a Constituição Federal Brasileira de 1988 e, de maneira particular, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/90), que introduzem um novo paradigma nos acordos internacionais e
na legislação brasileira em relação a crianças e adolescentes, ainda é precária a efetivação da tese central de todas as normativas acima citadas, qual seja: proteção
integral de crianças e adolescentes.
São inúmeros os obstáculos que dificultam a garantia dos direitos de
crianças e adolescentes, dentre esses a perpetuação de práticas tradicionais, a falta
de vontade e decisão política, a cobertura insuficiente dos programas, projetos e
benefícios, as estratégias equivocadas de combate à violação dos seus direitos são
alguns dos elementos que demonstram concretamente a dificuldade de tornar efetivas as leis que são a base para a sustentação de práticas protetivas da infância e
da adolescência.
Em meio a tais fragilidades relativas ao estabelecimento de uma rede
de proteção aos direitos de crianças e adolescentes que funcione efetiva e permanentemente, diversas formas de violação são registradas cotidianamente contra esses sujeitos sociais embora, convém ressaltar, algumas dessas práticas não sejam
totalmente explícitas e de fácil identificação.
No Maranhão, destacam-se, no bojo das situações ligadas à violação
de direitos, as viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos trens de carga da
Estrada de Ferro Carajás, fato registrado e debatido em inúmeros órgãos e instituições do Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes, na perspectiva
de identificar, denunciar e superar os problemas que perpassam tal situação.
Diante da constatação desse problema, que se estende há mais de dez
anos, e no sentido de contribuir com a identificação dos elementos impulsionadores
das viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos trens de carga da EFC, realizou-se a presente pesquisa, com o intuito de que esta se configure em uma oportunidade de obter informações sobre as percepções de diferentes sujeitos acerca de
tais viagens, assim como identificar os principais elementos que contribuem para
que aconteçam.
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Justifica-se, portanto, a investigação, pelo fato de contribuir para reflexões sobre a forma como os fatores sociais, econômicos e culturais influenciam na
persistência do fenômeno, uma vez que as percepções dos entrevistados revelam o
status da questão nas localidades em que ela ocorre; além de localizar as possibilidades de mudança, posto que aponta para a transformação de determinadas práticas e remete a um debate cada vez mais urgente em torno de políticas específicas.
1.2 Estrada de Ferro Carajás e as viagens clandestinas de crianças e adolescentes
A Estrada de Ferro Carajás – EFC teve sua construção iniciada em 1982
e se estendeu atravessando os estados do Maranhão e do Pará, promovendo impactos ambientais econômicos e sociais na vida dos cidadãos e cidadãs que foram
invadidos pelo “desenvolvimento”. Inúmeras cidades foram cortadas pela ferrovia e
seus cotidianos foram completamente alterados seja pelo volume de pessoas que
passaram a entrar e sair dos municípios, seja pela limitação do direito de ir e vir
provocada também pela ferrovia, haja vista que o risco de acidentes tornou-se um
problema muito frequente.
A EFC tem 892 km e por ela são transportados, através dos trens de
carga, os minérios extraídos pela VALE, além de servir ao deslocamento de pessoas
através dos trens de passageiros. Um projeto de expansão da ferrovia que consiste
na duplicação de 625 km de trechos situados entre o Maranhão e o Pará apresentase como estratégia que permitirá à mineradora aumentar sua inserção no mercado
internacional dada a ampliação da capacidade de transporte dos atuais 130 milhões
de toneladas/ano para 150 milhões de toneladas/ano inicialmente, devendo chegar
a 230 milhões de toneladas/ano.
O processo de duplicação tornou-se objeto de discussão de inúmeras
organizações sociais como a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o Conselho Indigenista Missionário e o Centro de Cultura Negra do Maranhão, que apontam
os danos que poderão afetar comunidades tradicionais quilombolas e indígenas.
Além disso, decisões judiciais de embargo têm sido produzidas no Estado do Maranhão, em alguns momentos, requerendo estudos de impacto ambiental e social,
dada a alegação apresentada pelas organizações que reivindicam os direitos das
comunidades atingidas pela duplicação.
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A duplicação da Estrada de Ferro Carajás, segundo a Rede Justiça nos
Trilhos promoverá impactos tão grandes ou maiores do que aqueles já identificados
até o momento. Um expressivo número de famílias será deslocado de suas casas,
terras indígenas serão afetadas e comunidades quilombolas também terão seus territórios atingidos.
Observa-se, dessa forma, que os grandes investimentos econômicos
tradicionalmente são implementados em completa rota de colisão com os interesses das classes empobrecidas, ainda que os afetem diretamente. As ações de duplicação da EFC não contemplam investimentos em políticas de crescimento econômico sustentado, geração de emprego e renda para a população atingida pelas
mudanças, avaliação de impactos ambientais e sociais, respeito às comunidades tradicionais e outras medidas indispensáveis para a implantação de um projeto dessa
magnitude.
Problemas como os que hoje são diagnosticados tendem a ganhar volume ainda maior e afetar com maior proporção e intensidade as comunidades por
onde passa a ferrovia:
• Acidentes com transeuntes no corredor da EFC;
•
Trepidação decorrente do deslocamento dos trens que afeta a vida
das pessoas nas comunidades e também a estrutura dos seus imóveis;
• Deslocamento desordenado de segmentos da população para áreas
do entorno da EFC em busca de trabalho e renda;
• Exploração sexual de crianças e adolescentes;
• Viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos trens da EFC.
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A duplicação da EFC atinge as cidades de Santa Rita, Itapecuru Mirim,
Bom Jesus das Selvas, Açailândia e Cidelândia no Maranhão e Marabá no Pará. Frequentes reivindicações das comunidades que já são cortadas pela ferrovia levaram
a Justiça a bloquear um trecho da obra, determinando que se estabeleça uma negociação entre a VALE e as comunidades afetadas. O Ministério Público do Maranhão
contesta, através de uma Ação Civil Pública, a licença ambiental cedida pelo IBAMA
à VALE, na qual é aventada a possibilidade de danos às comunidades quilombolas
de Itapecuru-Mirim. Problemas como o aterramento de igarapés, danos à produção
3. A Rede Justiça nos Trilhos é uma articulação de organizações não-governamentais e movimentos sociais
que atuam em defesa dos direitos socioambientais ao longo da Estrada de Ferro Carajás.
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agrícola, morte de animais, dificuldade de travessia na ferrovia, prejuízos à saúde e
à educação são alguns dos elencados por segmentos organizados das comunidades
atingidas pela duplicação da EFC que estão na pauta das reivindicações apresentadas.
Neste relatório, tratamos de um problema que é anterior à duplicação
da EFC e para o qual ainda não foram apresentadas soluções satisfatórias, tanto pela
VALE, quanto pelos gestores públicos municipais das cidades onde as situações são
mais frequentes.
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2. METODOLOGIA
Esta pesquisa se caracteriza pelo caráter exploratório-descritivo, posto
que tem por objetivo viabilizar maior entendimento acerca de um problema sério
e recorrente, que envolve crianças e adolescentes, sobre o qual existem registros
quantitativos, porém com pouca análise qualitativa. Segundo Minayo (1993), a pesquisa qualitativa é uma forma adequada para a produção de conhecimento acerca
de um determinado fenômeno social, a partir da coleta de dados da realidade que
serão posteriormente analisados de forma indutiva.
O estudo em pauta remeteu-nos ao resgate de informações registradas do ano de 2005 ao ano de 2010, período notadamente marcado pelo maior
número de casos de crianças e adolescentes viajando clandestinamente nos trens
da Estrada de Ferro Carajás. Considerando tais informações realizou-se uma revisão
bibliográfica buscando desenvolver a fundamentação teórica da pesquisa, assim
como construir o processo metodológico.
Para o levantamento de dados empíricos recorreu-se, inicialmente,
ao Ministério Público Estadual através da 1ª Promotoria de Justiça da Infância
e Juventude, que viabilizou o acesso aos registros de casos arquivados naquela
Promotoria. Esses dados foram decisivos para a definição dos municípios a serem
investigados, dada à evidência do maior número de casos, maior incidência de
registros ou mesmo pelo fato de serem pontos de referência para que as crianças
e adolescentes fossem encaminhados às suas cidades de origem, por vezes municípios fronteiriços.
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Dessa maneira os municípios identificados para o levantamento de dados empíricos foram: Açailândia (MA), Pindaré-mirim (MA), Santa Inês (MA), Vitória
do Mearim (MA), São Luís (MA) e Marabá (PA). A necessidade de uma aproximação
maior com a realidade socioeconômica e cultural dessas localidades foi imediatamente considerada haja vista a prioridade na identificação dos elementos determinantes que favorecem o trânsito de crianças e adolescentes nos trens que cruzam a
Estrada de Ferro Carajás. Portanto, a visita aos municípios e o contato com pessoas
para o levantamento de informações passou a constituir o conjunto de procedimentos metodológicos para investigação empírica, os quais detalhamos a seguir:
Estudo de campo – realizado através de metodologia qualitativa e quantitativa com
o propósito de caracterizar os aspectos socioeconômicos dos municípios por onde
passa a EFC, dada a relevância para o estudo e a compreensão do objeto de investigação desta pesquisa. A abordagem empírica deu-se no Estado do Maranhão,
onde cinco municípios foram pesquisados e no Estado do Pará, do qual se incluiu o
município de Marabá, em razão dos dados que informam a regularidade de crianças e adolescentes dessa localidade viajando nos trens da EFC. Para tanto, levou-se
em conta os dados obtidos através do Ministério Público Estadual e as ocorrências
registradas no Conselho Tutelar da área Itaqui/Bacanga; ambos apontaram os municípios com maior incidência de casos de crianças e adolescentes que viajavam clandestinamente nos trens da EFC, o que possibilitou uma definição rápida e objetiva
dos locais onde seria realizada a pesquisa empírica.
Levantamento bibliográfico e documental – procedimento que permitiu acessar
dados oficiais sobre a situação das viagens clandestinas através de artigos, revistas,
textos publicados na WEB, documentos oficiais de registro dos casos no MP, nos
Conselhos Tutelares, na VALE e outras instituições. Tal procedimento visou contextualizar a situação, assim como referenciar o estudo em pauta.
Entrevistas semiestruturadas – realizadas com Conselheiros de Direitos da Criança
e do Adolescente; Conselheiros Tutelares; gestores ou representantes das políticas
municipais de Assistência Social, Educação e Saúde; Ministério Público; VALE; crianças e adolescentes envolvidos nas viagens e familiares destes.
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3. RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO: perfil socioeconômico dos municípios
visitados
Os resultados aqui apresentados são fruto de levantamento feito através de fontes bibliográficas, internet e visitas de campo realizadas aos municípios
selecionados para a pesquisa, com o objetivo de verificar a relação de cada município com a situação das crianças e adolescentes que viajam clandestinamente nos
trens da EFC. Nesse sentido as instituições integrantes do Sistema de Garantia dos
Direitos de Crianças e Adolescentes e outros sujeitos das políticas públicas foram
ouvidos, por entendermos que esta se configura como uma situação de interesse
público, de grave risco à integridade física e moral e de violação dos direitos de
crianças e adolescentes contrariando a noção de infância e juventude que se formalizou no Brasil através do Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual estão
asseguradas políticas públicas de proteção, promoção e direitos, extensivos às suas
famílias.
O Maranhão é um estado com 217 municípios, dentre os quais figuram
dois municípios que estão entre os quatro com os mais baixos IDHM’s do Brasil. Este
é apenas um dos indicadores que evidencia a situação a que está submetida a população maranhense, inclusive crianças e adolescentes que são vítimas da ausência
de serviços públicos de qualidade e com capacidade ampla de atendimento da população através das políticas de responsabilidade dos agentes públicos, como será
constatado nos perfis dos municípios apresentados a seguir.
3.1 Açailândia/MA
O município de Açailândia está localizado na Mesorregião do Oeste
Maranhense, mais precisamente na Microrregião de Imperatriz. Tem sua área ter-
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ritorial estimada em 5.806,371 km². Limita-se com os municípios de Bom Jesus das
Selvas (a leste), Cidelândia (a oeste), Itinga do Maranhão (ao norte) e São Francisco
do Brejão (ao sul) e tem uma população estimada em 104.047 habitantes (IBGE
2010), estando entre os oito mais populosos do Estado.
Situa-se no entroncamento da BR-010 (Belém-Brasília) com a BR- 222
(que o liga com as demais regiões do Nordeste), mesmo entroncamento da Ferrovia
de Carajás com a Ferrovia Norte-Sul, considerado o maior entroncamento rodoferroviário do Norte e Nordeste do Brasil.
Açailândia surgiu em 1958 com as obras da BR-010 quando a Rodobrás, empresa responsável pela obra, instalou um acampamento com os trabalhadores oriundos do nordeste do país e de cidades próximas, o que contribuiu para a
formação do povoado. Posteriormente, com a construção da BR-222 e da Estrada
de Ferro Carajás, outro crescimento populacional foi experimentado, devido à vinda
de trabalhadores dos municípios próximos e de outros estados do Nordeste (Piauí,
Ceará, Pernambuco, etc), bem como de estrangeiros (americanos, japoneses, coreanos, italianos, etc) atraídos pelo potencial agropecuário, extrativista e siderúrgico
da região. Fato esse que impulsionou os habitantes a lutar pela emancipação, que
aconteceu em 06 de junho de 1981, elevando o povoado à categoria de município
através da Lei Estadual Nº 4295, desmembrando-o, dessa forma, do município de
Imperatriz.
Açailândia possui cerca de 78 mil habitantes residentes na zona urbana, o que representa uma taxa de urbanização de 75,2. Segundo a pirâmide etária
do município, cerca de 33 mil pessoas estão na faixa etária de 5 a 19 anos, correspondendo a 33,7% da população total. Destaca-se ainda que, na população de
crianças e adolescentes, 50,3% são do sexo masculino (IBGE, 2010).
Apesar de ser o segundo município com o maior PIB do Maranhão,
Açailândia possui uma renda média domiciliar per capita de R$ 423,90. Dados do
IBGE indicam que 12,1% da população vive em situação de extrema pobreza e o IDH
do município é 0,672, considerado médio, segundo o Atlas IDHM 2013.
Açailândia possui 190 instituições de ensino, das quais 52% são responsáveis pelo ensino fundamental, 37% são pré-escolas e 11% são escolas de nível médio.
Vale ressaltar que entre as 99 escolas de ensino fundamental, 83% estão ligadas à esfera pública municipal. Com o IDEB de 4,5, Açailândia teve um crescimento de 10% em
relação a 2009, mantendo-se ligeiramente acima da meta estabelecida para 2011, que
era de 4,3. Em relação às series finais, o município apresentou em 2011 o IDEB de 3,8,
portanto, um crescimento de 3% em relação a 2009, ficando 6% acima da meta estabe-
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lecida para 2011, que era 3,6.
Em se tratando da saúde materno infantil, de acordo com o IBGE (2010),
a taxa de mortalidade infantil é de 19,3, o que evidencia uma fragilidade em serviços de
acompanhamento a gestantes e recém-nascidos até um ano de idade. O município conta com 47 unidades hospitalares, das quais 35 são vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), o que corresponde a aproximadamente 75%. Cabe ressaltar, ainda, que todas
as unidades hospitalares da rede pública são municipais, sendo 22 postos de saúde, dois
Centros de saúde prestando atenção básica, um Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS
II) e duas Clínicas especializadas. Conta ainda com o Programa Saúde da Família (PSF),
que atinge 60.326 pessoas e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que
atende 32.412 pessoas.
Segundo o Sistema de Informação de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado - SISSOLO (2008), Açailândia possui aproximadamente 12.500 habitantes (acima de 10% da população local) potencialmente expostos a contaminantes químicos, um problema a ser enfrentado pelo poder público,
haja vista as consequências para a saúde da população exposta.
No que diz respeito aos serviços da Política Pública de Assistência Social, o município conta com um Conselho Tutelar, um Centro de Referencia Especializado de Assistência Social (CREAS) e quatro Centros de Referencia de Assistência
Social (CRAS), sendo três na zona urbana e um itinerante na zona rural. Por volta de
13.280 famílias são atendidas pelo programa Bolsa Família.
Segundo informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP), estudos apontam Açailândia como o município mais violento do Estado do
Maranhão para os jovens, 14º no ranking nacional, com o Índice de Vulnerabilidade
Juvenil à Violência (IVJ – Violencia) de 0,413, o que equivale a uma vulnerabilidade
considerada de nível médio. Tal índice leva em consideração os homicídios e mortalidade no trânsito, pobreza, desigualdade socioeconômica, frequência dos jovens
nas escolas e o acesso ao mercado de trabalho.
Problemas como o trabalho infantil (com 1.503 casos identificados) e a
violência sexual (que teve 27 denúncias registradas no CONTUA, em 2011), afetam
profundamente as crianças e os adolescentes do município, demonstrando a necessidade de intervenções mais contundentes e regulares nas ações de proteção aos
direitos de crianças e adolescentes.
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3.2 Pindaré Mirim/MA
O município de Pindaré Mirim está localizado na Mesorregião Oeste
Maranhense, especificamente na Microrregião de Pindaré. Possui uma área territorial de 238,542 km². Limita-se com os municípios de Monção (norte), Santa Inês (leste e sul), Tufilândia (oeste) e Governador Newton Belo (noroeste). Tem a população
de 31.866, segundo estimativa do IBGE para o ano de 2013.
A povoação da região, anteriormente habitada pelos índios Guajajaras,
se deu em 1839, quando foi criada a colônia São Pedro, através da lei provincial nº
85. A colônia tinha por objetivo desenvolver a agricultura, o que atraiu muitos cearenses e piauienses para a região. Em 1876, com a instalação da usina da Companhia
Progresso Agrícola, grandes transformações socioeconômicas foram vivenciadas. A
construção da estrada de ferro foi fundamental para o transporte da matéria-prima.
Em 1892, um distrito é criado com o nome de Engenho de São Pedro
de Alcântara, este subordinado ao município de Monção. Em 1918, é desmembrado
de Monção e é elevado à categoria de Vila, com a denominação de São Pedro.
Pela lei estadual nº 1052, de 10 de abril de 1923, é elevado à condição
de cidade, mas em 1931 teve seu território novamente anexado ao município de
Monção, perdendo a categoria de cidade. Nesse mesmo ano, através do decreto
nº 121 ele é elevado novamente à categoria de cidade. Em 1932, a cidade de São
Pedro adquire o território de Moção, que foi extinto. Em 1933, uma nova divisão da
área é feita e o município é dividido em dois distritos: o de São Pedro e Monção. Em
1935, através do decreto nº 919, de 30 de setembro, São Pedro é desmembrado do
distrito de Monção e é elevado à categoria de município. Em 1943, o município de
São Pedro passou a denominar-se Pindaré Mirim.
Segundo o Censo de 2010, cerca de 22 mil habitantes residem na zona
urbana, o que representa, uma taxa de urbanização de 71,93%.
A pirâmide etária do município, segundo o IBGE, mostra que cerca de
10 mil pessoas estão na faixa etária de 5 a 19 anos, correspondendo a 32,36% da
população total. Destaca-se ainda que, na população de crianças e adolescentes,
50,1% são do sexo masculino.
Sobre a migração, observa-se que a população de Pindaré Mirim é formada basicamente pela migração de brasileiros natos, sendo esses em sua maioria
nordestinos, correspondendo aproximadamente a 98% da população. O município
não apresenta migração de pessoas da região sul e estrangeiros.
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O município possui um PIB de R$ 107.903,000 e ocupa o 27º lugar
no ranking estadual, correspondendo a 0,29% do PIB do Estado. A economia gira
em torno do setor de serviços, onde se destaca o comercio, responsável por quase
70% da economia local. A agropecuária e a indústria contribuem com o restante do
PIB do município. A renda per capita anual é de R$ 3.592, com rendimento médio
mensal de R$ 268,42.
O DataSUS (2010) aponta que cerca de 31 mil moradores do Município estão classificados como pessoas de baixa renda, entre elas 37,84% possuem
uma renda inferior a ¼ do salario minimo e 66,68 % uma renda inferior a ½ salório
minimo.
Em termos da linha de pobreza, os dados do IBGE apontam que 19,4%
da população vivem em situação de extrema pobreza.
Pindaré Mirim apresenta como dados socioeconômicos:
Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM)
0,362
Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE)
0,313
Índice de Desenvolvimento Social (IDS)
0,420
Índice de Infraestrutura (INF)
Fonte: IMESC – 2010
0,419
Segundo o IBGE, apenas 7.754 domicílios contam com saneamento
básico, sendo que destes, somente 4,6 % possuem um saneamento básico adequado e que 94,7% dos domicílios possuem rede elétrica.
Pindaré Mirim possui 79 instituições de ensino, destas 51% de Ensino
Fundamental (40) , 38% de Educação Infantil (30) e 11% de Ensino Médio (9). Dentre as
escolas do Ensino Fundamental, 97% são escolas públicas da rede municipal (39) e 2,5%
da rede privada (2). No que se refere às instituições do Ensino Médio, 77,8% são da rede
pública estadual (7) e 22,2% são da rede privada (2). Vale destacar, ainda, que todas as
30 instituições de Educação Infantil são da rede pública municipal. O município conta
com um quadro de docentes composto por 716 profissionais, destes 67% são do Ensino
Fundamental (480), 17% são do Ensino Médio (125) e 16% da Educação Infantil.
Cabe destacar que aproximadamente 98% dos docentes do Ensino Fundamental são da rede pública municipal, enquanto apenas 2% são da rede privada. Em
relação aos docentes do Ensino Médio, 76,6% são da rede pública estadual e 23,4% da
17
rede privada. Todos os docentes da Educação Infantil são da rede pública municipal,
totalizando 125 docentes.
Pindaré Mirim apresentou o IDEB de 4,0 nas séries iniciais, mantendo a
mesma nota do ano de 2009, mas alcançou 8% acima da meta estabelecida para 2011
que era 3,7. Já nas series finais, o município apresentou o IDEB de 3,7, apresentando
um crescimento de 3% em relação a 2009, e ficando acima da meta estabelecida para
2011, que era 3,4.
O Município conta ainda com 23 unidades hospitalares, cerca de 95,3%
são vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe ressaltar que 22 unidades hospitalares da rede pública são municipais e 01 da rede privada. Dentre as unidades hospitalares estão 04 Postos de Saúde, 12 Unidade Básicas de Saúde, 01 Unidade Mista, 02
Unidades de Apoio, Diagnose e Terapia, 02 Unidades de Vigilância em Saúde, 01 Centro
de Atenção Psicossocial (CAPS) e 01 Centro de Apoio à Saúde da Família. Ainda possui
uma taxa de mortalidade infantil de 14,9.
O Programa Saúde da Família (PSF) tem uma cobertura de 21.959 pessoas
no município e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) atende 7.281
pessoas. Atualmente, cerca de 13.280 famílias são atendidas pelo programa Bolsa
Família. O município conta com o Conselho Municipal de Direito da Criança e do
Adolescente e um Conselho Tutelar.
Segundo um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) durante os anos de 2008 a 2010 e apresentados por meio
do Mapa da Violência no Brasil 2013, o município de Pindaré Mirim está entre os
municípios brasileiros onde menos se mata por arma de fogo. Os dados revelam que
o índice no município é zero, ocupando a posição de 1605º no ranking nacional. Vale
ressaltar que o município vizinho, Santa Inês, possui um índice de 16,1, ocupando a
posição de 564º no ranking nacional.
3.3 Santa Inês/MA
O município de São Inês se localiza na Mesorregião Oeste Maranhense, especificamente na Microrregião de Pindaré. Possui uma área territorial de
381,157 km². Limita-se com os municípios de Monção (norte e oeste), Santa Luzia
(sul), Altamira do Maranhão (leste e sul), Vitorino Freire e Bela Vista do Maranhão
(leste), Pindaré Mirim e Tufilândia (oeste). Tem a população de 82.106, segundo
estimativa do IBGE para o ano de 2013.
18
Santa Inês é um município de posição privilegiada, uma vez que possui
vários acessos, como as rodovias BR-316 e BR-222, a Ferrovia Carajás, o Porto de
Pindaré e o Aeroporto Regional João Silva.
As terras do município, antes habitadas pelos índios, começaram a receber novos moradores por volta de 1879, quando na localidade Ponta da Linha
(onde hoje se localiza a cidade) se instalaram as primeiras plantações de cana-de
-açúcar. Era conhecida como Ponta da Linha por localizar-se no extremo da linha
férrea da Companhia Progresso Agrícola, que fazia o transporte da produção de
cana para o engenho central situado no município de Pindaré-Mirim.
Com a decadência do Engenho, em 1915, a população passa a dedicarse ao cultivo de arroz, milho, algodão e mandioca, dentre outros, mas ainda continuava dependendo de Pindaré Mirim. Tal dependência só é rompida na década de
1960, com a construção da BR 222 e da Ferrovia Carajás.
Em 19 de dezembro de 1966, através da lei nº 2.723, o povoado de
Ponta da Linha, já conhecido como Santa Inês, é desmembrado de Pindaré Mirim,
conquistando assim sua autonomia, sendo elevado à categoria de Município. Entretanto, somente em 14 de março de 1967 é constituído o distrito sede do município
de Santa Inês.
Segundo o Censo de 2010, cerca de 73 mil habitantes residem na zona
urbana, apresentado uma taxa de urbanização de 94,56%.
A pirâmide etária do município mostra que 23.695 pessoas estão na
faixa etária de 5 a 19 anos, correspondendo a 30,6% da população total. Destaca-se
ainda que, na população de crianças e adolescentes, 50,1% são do sexo masculino.
Ao observar o gráfico sobre a migração constata-se que a população é formada basicamente pela migração de brasileiros natos, sendo esses em sua maioria nordestinos, correspondendo aproximadamente 96,5% da população.
A economia de Santa Inês gira em torno do setor de serviços, mais
precisamente o comércio, o que o torna sede comercial para vários municípios próximos. Outros setores da economia que se destacam são a indústria (gêneros alimentícios) e a agropecuária (criação de bovinos).
Com o PIB de R$ 348.080,00, ocupou o 12° lugar no ranking estadual,
correspondendo a 0,90% de participação do PIB do Estado. Em 2006, Santa Inês
possuía um PIB de R$ 279.813 mil e uma renda per capita anual de R$ 3.641,00. Já
em 2008, o PIB era de 348.080 mil e a renda per capita anual de R$ 4.115,30. Santa
Inês possui uma renda média domiciliar per capita de R$ 398,20.
19
O DataSUS (2010) aponta que cerca de 77.056 pessoas são categorizadas como de baixa renda. Dentre, 23,70% possuem uma renda inferior a ¼ do
salário mínimo e 54,48% uma renda inferior a ½ salário mínimo. Em termos da linha
de pobreza, os dados do IBGE apontam que 15% da população vivem em situação
de extrema pobreza. Segundo os dados socioeconômicos o município é considerado
de nível mediano.
Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM)
0,523
Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE)
0,528
Índice de Desenvolvimento Social (IDS)
0,518
Índice de Infraestrutura (INF)
Fonte: IMESC – 2010
0,407
Segundo o IBGE apenas 20.262 domicílios contam com saneamento
básico, destes 34,6% possuem um saneamento básico adequado e, cerca de 94,7%
dos domicílios possuem rede elétrica. Além disso, o município conta com uma rede
bancária composta pelos principais bancos: Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e Bradesco.
Quanto às instituições de ensino, Santa Inês possui 135, destas 47% são
de Ensino Fundamental, 39% são de Educação Infantil e 13% são de Ensino Médio. Vale
ressaltar que, entre as 64 escolas do Ensino Fundamental, cerca de 76,5% são da esfera
pública municipal. Quanto ao número de docentes nota-se que 65% correspondem a
professores do Ensino Fundamental, desses 844 são professores da rede municipal de
ensino, o que corresponde a 55%. Com o IDEB de 4,2, o município de Santa Inês teve
um crescimento de 8% em relação a 2009, ficando 11% acima da meta estabelecida
para 2011, que era 3,9, em relação as series iniciais. Em relação às series finais, Santa
Inês apresentou em 2011 o IDEB de 3,6, identificando um crescimento de 9% em relação a 2009, 3% acima da meta estabelecida para 2011, que era 3,3.
O município conta com 56 unidades hospitalares. Desse total, 30 são
vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), o que corresponde a aproximadamente
53,5%. Cabe ressaltar que a maioria das unidades hospitalares da rede pública são municipais, dentre as quais estão Centros de Saúde, Centro de Atenção Psicossocial I (CAPS
I), Unidade de Vigilância à Saúde, Posto de Saúde e Clinicas Especializadas. Santa Inês
tem uma taxa de mortalidade infantil de 16,4. O Programa Saúde da Família (PSF) tem
uma cobertura de 54.008 pessoas e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde
20
atende 20.553 pessoas. Em se tratando da política de Assistência Social, cerca de 7.174
famílias são atendidas pelo programa Bolsa Família.
3.4 Vitória do Mearim/MA
Vitória do Mearim é um município localizado na região Norte do Maranhão, na microrregião da baixada maranhense, à margem esquerda do rio Mearim,
com uma área de 717km². É cortado pela BR 222, em entroncamento com a MA 014
e pela Estrada de Ferro Carajás. Segundo o Censo 2010, conta com uma população
de 31.234 habitantes e esta cresce anualmente cerca de 0,42% e possui uma densidade demográfica de 43,56 habitantes/km²; o município teve um grau de urbanização de 47,44% nos últimos anos. O IDH 2013, segundo o Atlas IDHM, é de 0,596.
O comércio ainda é insipiente, mas já apresenta um crescimento significativo. Possui indústrias de transformação de porte pequeno como padarias,
serrarias, movelarias, serralherias, usinas de beneficiamento de arroz, olarias, etc.
Em Vitória do Mearim, a proporção de pessoas que estão entre e abaixo
da linha da pobreza, com renda per capita de até R$140,00, somam 39,3% e os índices
de concentração de renda chegam a 61,2%, aumentando os níveis de desigualdade.
Em 2012, o número de crianças desnutridas de 0 a 6 anos representava 1,5% deste universo no município. Segundo o DATASUS (2012), isto se deve ao
fato de que grande parte destas crianças vive em famílias com rendimento inferior
a ½ salário mínimo e a quantidade de alimentos não é suficiente.
No que diz respeito à Educação, em Vitória, 10,7% das crianças entre 7
a 14 anos não cursavam o Ensino Fundamental e a taxa de conclusão entre os jovens
de 15 a 17 anos era de 53%. A distorção idade série entre os alunos do ensino fundamental é de 16,4%; no Ensino Médio chega ao índice de 54,3%. O município está
na 4.003ª posição na avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB). Segundo o INEP, a razão neste município entre meninas e meninos no Ensino
Fundamental em 2006, indicava que para cada 100 meninas havia 109 meninos. No
Ensino Médio esta razão passa para 142 meninas para cada 100 meninos.
A inserção da mulher no mercado de trabalho também apresenta um
percentual elevado. Segundo o Ministério do Trabalho (2011), em Vitória do Mearim elas ocupam 67,1% do mercado de trabalho formal. No campo da política foram
eleitas 45,5% vereadoras para ocupar a Câmara Municipal.
Sobre a mortalidade infantil no município, segundo o Censo 2010, a
21
cada 1000 crianças menores de um ano, 14,6 vem a óbito. Das crianças de até
um ano de idade 21,7% não possuem registro de nascimento em cartório. Entre as
crianças de até 10 anos este percentual cai para 3,3% e 89,8% das crianças possuem
carteira de vacinação em dia. Outra problemática que envolve crianças e adolescentes, diz respeito ao número de mães adolescentes. Segundo o DATASUS, o percentual de mães com idades inferiores a 20 anos é de 27%, o que é preocupante, considerando que em sua maioria, essas meninas não optaram pela gravidez e não estão
preparadas para assumir as responsabilidades maternas. Estes dados demonstram
a fragilidade das políticas públicas voltadas à garantia dos direitos de crianças e
adolescentes no município.
Sobre a qualidade de vida dos moradores, destaca-se que nesse município, 61% tem acesso à rede de água com canalização em pelo menos um cômodo
da casa e 18,1% possuem formas de esgotamento sanitário consideradas adequadas.
3.5 São Luís/MA
São Luís é a capital do estado do Maranhão e, segundo o IBGE (2010),
possui uma população de 1.014.837, com taxa de crescimento populacional de
1,52%. A estimativa para o ano de 2013 é de que a população atingisse o número
de 1.053.919 habitantes. A taxa de urbanização atinge o percentual de 94,43%. Do
total da população, cerca de 337.307 habitantes estão na faixa etária de 05 a 19
anos, correspondendo a 33,23% do todo. Destaca-se ainda que cerca de 50,4% de
crianças e adolescentes são do sexo feminino.
Quanto à migração, São Luís tem uma população composta em sua
maioria por nordestinos, que correspondem a 96,6% da população. Vale destacar
a presença, mesmo que pequena, de estrangeiros no município, representando
0,05% da população.
Possui o PIB de R$ 17.915.048 mil, ocupando o 1º lugar no ranking
estadual. A renda per capita anual é de R$ 17.242, com rendimento médio mensal
de R$ 653,00.
Em termos da linha de pobreza, os dados do IBGE apontam que 6,5%
da população vivem em situação de extrema pobreza.
São Luís apresenta como dados socioeconômicos:
22
Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM)
0,728
Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE)
0,774
Índice de Desenvolvimento Social (IDS)
0,658
Índice de Infraestrutura (INF)
Fonte: IMESC – 2010
0,591
O IBGE aponta que cerca de 276.812 domicílios contam com saneamento básico, destes 53,5 % possuem um saneamento básico adequado, 41,3% semi-adequado e 3,9% inadequado.
São Luís possui 964 instituições de ensino, destas, cerca de 47,2% são
do Ensino Fundamental, 39,3% são de Educação Infantil e 13,5% são de Ensino Médio.
Dentre as escolas do Ensino Fundamental, 22,4% são escolas públicas da
rede municipal, 22,4% são da rede pública estadual, 54,9% da rede privada e 0,3% da
rede pública federal. No que se refere às instituições do Ensino Médio, 51,5% são da
rede pública estadual, 3,1% são da rede pública federal e 45,4% são da rede privada. As
instituições de Educação Infantil estão distribuídas em 20,8% da rede pública municipal
e 79,2% da rede privada.
Quanto ao numero de docentes, o município conta com o quadro de
11.562, dentre os quais 59,1% são docentes do Ensino Fundamental, 27,8% do Ensino
Médio e 13,1% são docentes da Educação Infantil. Dentre os docentes do Ensino Fundamental, 38,6% são da rede publica municipal, 25,3% são rede pública estadual, 35,6% da
rede privada e 0,5% da rede pública federal. Em relação aos docentes do Ensino Médio,
69,6% são da rede pública estadual, 24,8% são da rede privada e 5,6% são docentes da
rede pública federal. No que se refere aos docentes da Educação Infantil 35,9% são da
rede pública municipal, 64,1% são rede privada.
Em relação às series iniciais, São Luís apresentou o IDEB de 4,3 o que não
representou nenhum crescimento, ficando 7% da abaixo da meta estabelecida para
2011, que era 4,6. Em relação às series finais, São Luís apresentou o IDEB de 3,9, tendo
uma queda de 3% da nota em relação ao ano de 2009, mas atingiu 5% acima da média
referente ao ano de 2011 que era de 3,7.
O município conta o Programa Saúde da Família (PSF) com uma cobertura
de 391.453 pessoas e com o PACS que atende 226.404 pessoas.
No que diz respeito aos serviços da Política Pública de Assistência Social,
o município conta com 07 Conselhos Tutelares, 05 Centros de Referência Especializado
de Assistência Social (CREAS) e 20 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).
23
3.6 Marabá/PA
O município de Marabá está localizado no estado do Pará, na Mesorregião do Sudeste Paraense, mais precisamente na Microrregião de Marabá. Sua
área territorial é de 15.128,37km2. Está localizado a 485 km da capital e tem uma
população de 51.885 habitantes, segundo estimativa do IBGE para o ano de 2013.
Limita-se com os municípios de Itupiranga, Jacundá e Rondon do Pará (norte), São
Geraldo do Araguaia, Curionópolis, Parauapebas e São Félix do Xingu (sul), Bom Jesus do Tocantins e São João do Araguaia (leste) e Senador José Porfírio (oeste).
Situada às margens do Rio Tocantins, a cidade fica no encontro de três
rodovias vitais para o sudeste do Pará – BR 222, que dá acesso a Belém – Brasília; BR
230 – Transamazônica e PA 150 que faz ligação com a capital. O município é cortado
por muitos rios, dentre os quais se destacam o Rio Itacaiúnas e o Rio Tocantins.
Habitada anteriormente por índios, a formação da cidade de Marabá
remonta ao período de chegada dos comerciantes de drogas do sertão e alguns chefes políticos vindos do norte da província de Goyaz, isso por volta de 1894. O coronel
Carlos Leitão, juntamente com seus familiares e auxiliares de trabalho montaram
um acampamento nas proximidades da confluência do Rio Itacaiunas e, mas tarde,
fixaram-se na margem esquerda do Rio Tocantins, denominando o local de Burgo
do Itacayuna.
O município foi criado em 27 de fevereiro de 1913 através da lei estadual nº 1.278, denominando-se Marabá, mas só foi instalado formalmente em 5 de
abril do mesmo ano.
Segundo o Censo de 2010, a população de Marabá é de 233.462
habitantes, com uma taxa de crescimento populacional é de 3,34% ao ano. Com
186.270 habitantes residentes na zona urbana, apresenta uma taxa de urbanização
de 79,72%. A pirâmide etária do município mostra que cerca de 72.882 pessoas
estão na faixa etária de 5 a 19 anos, correspondendo a 31,2 % da população total.
Destaca-se ainda que, na população de crianças e adolescentes 50,3% são do sexo
masculino.
Sobre a migração, observa-se que a população de Marabá é formada
pela migração de brasileiros natos, sendo esses em sua maioria nortistas, correspondendo aproximadamente a 66% da população, seguido pelos nordestinos que representam 26%. Ressalta-se ainda que 0,3% da população é composta por estrangeiros.
A economia de Marabá tem como principais atividades o comércio e
24
a siderurgia, mas as atividades agropecuárias também recebem destaque. Atualmente, Marabá é o centro econômico e administrativo da região conhecida como
Fronteira Agrícola Amazônica, esta é a maior produtora de commodities agrícola
da Amazônia Brasileira. A agricultura é marcada pelo cultivo de castanha-do-brasil,
milho, arroz, feijão, banana, mamão e cajá.
Na pecuária, destaca-se a criação de gado bovino, que é uma das formas de subsistência da população. Em razão da criação em grande escala, são comercializados nas demais regiões do Brasil e no exterior. O parque industrial do
município tem como principal atividade o setor siderúrgico, com o beneficiamento
e semi-beneficiamento de ferro-gusa e aço. Destaca-se ainda a indústria madeireira,
moveleira e de utensílios cerâmicos. O município conta ainda com a mineração de
manganês e cobre.
O setor de serviços e comércio é muito forte no município, que possui
cerca de cinco mil estabelecimentos, dentre os quais destacam-se as pequenas, médias e grandes empresas, serviços hospitalares, educacionais, financeiros, construção civil e serviços públicos. Com o PIB de R$ 3.601.647.000,00, Marabá ocupou o 4°
lugar no ranking estadual, correspondendo a 4,63% de participação do PIB paraense. O setor de serviços corresponde à 64,5% da economia do município, a indústria
corresponde a 33% e a agropecuária apenas a 3,5%.
No ranking estadual, Marabá não aparece na lista dos 10 municípios
com maior participação no PIB no setor agropecuário. Entretanto, no setor de serviços, o município participa de 5,27% da economia estadual, ocupando a 3ª posição;
no setor industrial, Marabá contribui com 3,39%, ocupando a 6ª posição. Em 2006,
Marabá possuía um PIB de R$ 2.081.267 mil e uma renda per capita anual de 13.042
reais. Já em 2010, o PIB era de 3.601.647 mil e uma renda per capita anual de 15.427
reais. O município possui uma renda média domiciliar per capita é de R$ 505,00.
Segundo o DataSUS (2010), cerca de 232.029 habitantes de Marabá
são pessoas de baixa renda, entre elas cerca de 24,33% possuem uma renda inferior
a ¼ do salário mínimo e 48,36% uma renda inferior a ½ salário mínimo. Em termos
da linha de pobreza, os dados do IBGE apontam que 13,3% da população vivem em
situação de extrema pobreza. Marabá possui um IDM de 0,668.
Segundo o IBGE, cerca 60.457 domicílios contam com saneamento básico, destes 15,7% possuem um saneamento básico adequado e 68,4% um saneamento básico semi adequado. O IMESC aponta que cerca de 97,1% dos domicílios
possuem rede elétrica.
25
Quanto às instituições de ensino, Marabá possui 340, sendo 63,8 % do
Ensino Fundamental, 27,1% da Educação Infantil e 9,1% são de Ensino Médio. Dentre
as 217 escolas do Ensino Fundamental, cerca de 86,2% são da esfera pública municipal
e 13,6% são da rede privada. O município conta com um quadro de docentes de 2.228
profissionais, desses 67,6% são professores do ensino fundamental. Nesse quadro,
1.227 são professores da rede municipal de ensino o que corresponde a 81,5%. Com o
IDEB de 4,4 nas séries iniciais, Marabá teve um crescimento de 10% em relação a 2009,
ficando 26% acima da meta estabelecida para 2011 que era de 3,5. Em relação às séries
finais, o município apresentou em 2011 o IDEB de 3,8, registrando um crescimento de
3% em relação a 2009, ficando 6% acima da meta estabelecida para aquele ano, que
era de 3,6.
Marabá conta com 174 unidades hospitalares, 41 são hospitais públicos
e 52 unidades vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), o que corresponde a aproximadamente 30%. O município desenvolve o Programa Saúde da Família (PSF) com
uma cobertura de 8.356 pessoas e, com o PACS, atende 155.953. A taxa de mortalidade
infantil do município é de 25,0. Na política de Assistência Social Municipal, atualmente
cerca de 17.370 famílias são atendidas pelo programa Bolsa Família.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que o munícipio de Marabá possui o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência (IVJ – Violência)
de 0,465, o que equivale a uma vulnerabilidade considerada de nível alta ocupando
a posição de 282º no ranking nacional. Tal índice leva em consideração homicídios
e mortalidade no trânsito, pobreza, desigualdade socioeconômica, frequência dos
jovens nas escolas e o acesso ao mercado de trabalho.
O Mapa da Violência 2012 aponta que Marabá possui a taxa de 43,1
de crianças e adolescentes vítimas de homicídio, ocupando no ranking estadual a 2ª
posição, e no ranking nacional a 28ª.
26
4. RESULTADOS DAS ENTREVISTAS: um diagnóstico dos elementos facilitadores
das viagens clandestinas de crianças e adolescentes na Estrada de Ferro Carajás
No processo de levantamento dos dados empíricos da pesquisa, as visitas aos municípios e a realização de entrevistas com representantes do Sistema
de Garantia de Direitos (SGD), gestores municipais, familiares e alguns adolescentes viajantes, foram passos fundamentais para a construção de uma compreensão
dos fatos e identificação dos elementos que sustentam a situação por tanto tempo,
mesmo após várias denúncias e tentativas de solução.
As entrevistas foram realizadas objetivando levantar dados concretos
acerca da realidade de crianças e adolescentes em cada município visitado, com
destaque aos aspectos que permitiriam identificar os problemas mais recorrentes
que atingem este segmento; as políticas de atendimento desenvolvidas em cada
município; o funcionamento do SGD e, de maneira especial, a situação dos viajantes
clandestinos (crianças e adolescentes) nos trens de carga da EFC.
Para garantir que a abordagem às instituições, órgãos e familiares a
serem entrevistados fosse realizada, realizou-se um contato prévio que permitiu a
efetivação do trabalho de verificação empírica a partir da apresentação da proposta
para os envolvidos nesse processo. Assim, os entrevistados foram esclarecidos anteriormente sobre a pesquisa e seus objetivos, de forma a destacar a relevância da
ação e a importância de tê-los como agentes das informações que seriam apuradas
através do roteiro semiestruturado de entrevista, com o fim de obter o maior quantitativo de dados relevantes para o trabalho em questão.
O roteiro da entrevista aplicada aos conselheiros tutelares, conselhei-
27
ros de direitos (CMDCA) e gestores municipais buscou levantar informações que
identificassem os principais problemas sociais, econômicos e políticos que atingem
o município; a dimensão do problema das viagens clandestinas no município; os
fatores causais; as formas de enfrentamento a esse problema; o envolvimento do
SGD, gestores públicos e comunidade na questão das viagens clandestinas; a relação do município com a VALE no enfrentamento do problema das citadas viagens
e outros aspectos que, no decorrer das falas, foram apontados e explorados pelas
pesquisadoras. Apresentam-se alguns dos resultados obtidos, bem como a análise
das informações de maneira a decifrar os principais facilitadores da realização das
viagens por crianças e adolescentes e os elementos dificultadores da erradicação
desse problema.
Quando perguntados sobre os principais problemas que afetam o
município e, de maneira particular, as crianças e os adolescentes, os entrevistados
destacaram:
Municípios
Principais problemas para crianças e adolescentes
Açailândia
Violência doméstica, negligência, abuso sexual, trabalho infantil. As políticas de educação e saúde demonstram deficiências no município. Apesar de ter um Sistema de Garantia de
Direitos, registram-se muitas fragilidades no funcionamento,
como a falta de articulação entre os órgãos e instituições componentes da rede de atendimento à crianças e adolescentes.
Pindaré-mirim
Famílias “desestruturadas”, pais separados, pouca convivência
das crianças e adolescentes com suas famílias, trabalho infantil.
Santa Inês
Maus tratos, negligência, abandono e outros problemas relativos ao baixo investimento em políticas públicas para crianças e adolescentes.
São Luís
Violência física, psicológica e sexual; conflitos familiares e violência doméstica; demanda frequente por serviços das políticas de educação, saúde e assistência social.
Vitória do Mearim
Substâncias psicoativas, violência doméstica e sexual, exploração sexual e outras vulnerabilidades sociais.
Marabá
Drogadição, falta de estrutura para atendimento adequado de
crianças e adolescentes no município, desestruturação familiar, déficit de vagas nas escolas, pobreza, exploração sexual,
situação de rua.
28
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente promoveram a consagração dos direitos gerais e específicos de crianças e
adolescentes e viabilizaram a construção de um novo paradigma de gestão desses
direitos em uma realidade permeada de novas possibilidades. Segundo o Artigo 86
da Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto
articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados,
do Distrito Federal e dos municípios.”
Esse é um marco definidor do modelo de gestão democrática caracterizada pela responsabilização com as ações de atendimento aos direitos de crianças
e adolescente, bem como pela inserção de novos atores sociais no conjunto de órgãos e entidades que elaboram, deliberam e fiscalizam a execução de políticas, programas e projetos relativos à concretização e preservação dos direitos de crianças
e adolescentes.
Em cumprimento ao Artigo 87 da Lei 8.069/90 – ECA, constituir-se-á
um conjunto articulado de instituições que atuarão a partir de linhas de ação, diretrizes e responsabilidades inerentes à política de atendimento, previamente estabelecidas, para efetivar os direitos infanto–juvenis.
À medida que nos deparamos com os relatos dos atores do SGD, acerca dos problemas que atingem as crianças e adolescentes nos municípios em que
foram coletadas as informações, percebemos que ainda existe um lapso gigantesco
entre o que a lei preconiza e o que efetivamente se concretiza nas diversas realidades em que se encontram as diferentes infâncias e adolescências deste país.
Responsabilidades quanto à garantida de direitos básicos como saúde,
educação, moradia, proteção integral, convivência familiar e comunitária, entre outros, estão longe de serem efetivadas ainda que, segundo o ECA, crianças e adolescentes sejam prioridade. A omissão dos gestores públicos, assim como a fragilidade
no funcionamento dos órgãos deliberativos e fiscalizadores das políticas públicas
para crianças e adolescentes, comprometem sobremaneira o que prevê o Art. 5º do
ECA “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da
lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Um retrato do descaso com a proteção integral se revela no registro
dos inúmeros casos de viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos trens de
carga da EFC, sobre os quais os entrevistados responderam:
29
Municípios
Sobre as viagens clandestinas na EFC
Açailândia
Denúncias de que no Bairro Pequiá, local cortado pela ferrovia, crianças e adolescentes eram constantemente vistas nas
proximidades da estrada de ferro, porém nenhum registro
de embarque nessa área.
Pindaré-mirim
Registros de crianças e adolescentes viajantes que são de
outras cidades (São Luís, Marabá, Parauapebas, Rio de Janeiro, etc). Não existem casos de Pindaré-Mirim.
Santa Inês
Registra apenas um caso de adolescente do município que
viaja há 04 anos na EFC entre Santa Inês e Marabá. Existem
outros registros de crianças e adolescentes de outros municípios.
São Luís
Há muitos casos registrados. No período de 2001 a 2010, era
algo comum. Crianças e adolescentes vindos de Marabá-PA
e entregues ao Conselho Tutelar da área Itaqui-Bacanga pelos funcionários da Atlântica, empresa terceirizada da VALE.
Vitória do Mearim
Inúmeros casos de entrega das crianças e adolescentes no
CT de Vitória do Mearim pela VALE, o que provocou vários
conflitos com a empresa. Não havia suporte para garantir o
retorno das crianças e adolescentes aos seus municípios de
origem.
Marabá
Registram-se vários casos de crianças e adolescentes vindos
de Santa Inês, Açailândia e São Luís, de onde sempre veio o
maior número de casos.
Para ilustrar o quadro anterior, apresentaremos a seguir o resultado
dos levantamentos feitos junto ao Ministério Público e Conselhos Tutelares, que traduzem, em dados quantitativos e qualitativos, a situação das viagens clandestinas
nos municípios de referência para a pesquisa.
Número de casos
136 crianças e adolescentes viajando clandestinamente nos
trens de carga da EFC.
Período
Dados registrados no período compreendido entre os anos
de 2001 a 2012.
30
Faixa etária
Os casos registrados apontam crianças, adolescentes e jovens na faixa etária de 05 a 22 anos. Importa destacar que o
nome e a idade eram declarados pelas crianças e adolescentes, haja vista que nenhum deles portava qualquer documento de identificação, de onde se conclui que pode haver dados
que não correspondam completamente à realidade.
Gênero
Há uma predominância de meninos registrados como viajantes dos trens de carga da EFC, porém 17 meninas na faixa etária de 10 a 16 anos são identificadas nos registros analisados.
Cidade de origem
Abaetetuba/PA (01), Açailândia/MA (02), Alto Alegre do Pindaré/MA (02), Bacabal/MA (01), Belém/PA (01), Carajás/PA
(01), Castanhal/PA (02), Eldorado dos Carajás/PA (02), Imperatriz/MA (02), Itupiranga/PA (03), Marabá/PA (109), Pacajá/
PA (04), Paragominas/PA (02), Parauapebas/PA (05), Pindaré
Mirim/MA (02), Santa Inês/MA (03), Santa Luzia do Tide/MA
(01), São José de Ribamar/MA (01), São Luís/MA (23), Tailândia/PA (02), Tupiranga/PA (01), não informaram (08).
Cidade onde foi
encontrado
São Luís/MA (147), Alto Alegre do Pindaré/MA (06), Rosário/
MA (01), Bacabeira/MA (01), Pindaré Mirim/MA (03), Buriticupu/MA (11), Santa Rita/MA (10), Bom Jesus das Selvas/MA
(06), Vitória do Mearim/MA (09), Açailândia/MA (05).
Reincidência
Registram-se 35 situações de reincidência dentre os casos
de crianças e adolescentes viajantes. Disso decorre o fato de
que o número de casos registrados é menor do que a soma
dos registros feitos pelo Ministério Público e Conselhos Tutelares.
De acordo com as informações obtidas através das entrevistas, as
crianças e os adolescentes que são encontrados nos vagões dos trens da EFC ou
mesmo nas estações, após concluírem as suas viagens, são conduzidos ao Conselho
Tutelar local pelos funcionários da empresa Atlântica, responsável pela segurança
da ferrovia.
Os viajantes eram encontrados sujos, famintos, desidratados e, por vezes, com marcas de agressão atribuídas aos seus condutores.
Os conselheiros tutelares têm se deparado com esse problema ao longo de doze anos, pois a cada caso identificado pela VALE, as crianças e os adolescentes são conduzidos até eles para providências posteriores. Em todos os relatos
obtidos, os conselheiros tutelares afirmam que as crianças e adolescentes encontra-
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das nos vagões dos trens já sabiam que seriam levadas ao CT em razão da repetição
dos casos e da troca de informações mantida entre as mesmas. Ainda segundo os
entrevistados, nunca houve uma conversa prévia que definisse as responsabilidades
entre os envolvidos, isso dificultou e ainda dificulta o recâmbio das crianças e adolescentes para as suas respectivas famílias. Os Conselhos Tutelares funcionam como
mediadores da situação em razão de serem fiscalizadores dos direitos de crianças
e adolescentes, porém não usufruem de qualquer grau de autonomia, necessária
para os encaminhamentos que advém do recebimento dos viajantes na sede dos
conselhos. O Poder Público Municipal e a VALE tratam a questão de forma mecânica, com ações pragmáticas que visam, na visão dos entrevistados “livrar-se do
problema rapidamente”, sem estabelecer um protocolo de procedimentos e responsabilidades no trato da questão.
A constatação de que essa situação se mantém há cerca de doze anos
reflete o descaso que a acompanha e evidencia o completo desrespeito ao Estatuto
da criança e do Adolescente, de maneira especial no que trata a Seção III – Da autorização para viajar, Artigo 83: “Nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca
onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização
judicial.”
A Empresa VALE tem permitido, com os seus procedimentos, que ao
longo de doze anos, contrariamente ao que prevê a lei, crianças e adolescentes utilizem os vagões dos trens de carga da Estrada de Ferro Carajás para se deslocar não
somente entre municípios de um mesmo Estado, mas também entre Estados diferentes dentro do País. Daí decorre a evidência de que a reponsabilidade da empresa
com o deslocamento dessas crianças e adolescentes é um ato grave porque além
de infringir a lei, os expõe a situações de risco frequente. Relatos dos entrevistados
apresentados neste documento confirmam situações nas quais houve mutilação e
depauperamento dos viajantes clandestinos, que confirmam, além da inexistência
de condições legais e adequadas para a viagem, o risco de vida a que estão expostos
em razão da falta de cumprimento da proteção integral a que têm direito.
O Título II do ECA – Das Medidas de Proteção, em seu Capítulo I –
Disposições gerais, versa no Artigo 98 que “As medidas de proteção à criança e
ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do estado; II – por
falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta.”
Essa medidas são responsabilidade da família, do Estado e da sociedade em geral,
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portanto os sujeitos implicados nas condições favoráveis ao embarque de crianças e
adolescentes nos trens de carga da EFC são os legítimos responsáveis pela proteção
destes e pela extinção das condições favoráveis a esse deslocamento irregular e
perigoso, sejam elas quais forem.
Quando a pesquisa busca identificar os fatores que, na opinião dos entrevistados, contribuem para a origem desse problema, encontramos as seguintes
respostas:
...situação de vulnerabilidade muito grande e o objetivo
deles não era vir para os interiores, era chegar na Capital,
por que foi passando na mente de quase todos eles que
em São Luís tinha uma facilidade muito grande - no trânsito, nas praias - pra se viver, usando droga em liberdade
sem ser pego, incomodado. A visão deles, que vinham no
trem de minério, era chegar em São Luís pra viver uma
liberdade no uso, no tráfico. Todos eles tinham essa linha de raciocínio. Todos os casos que passaram por aqui
a família é totalmente desestruturada, o pai largado da
mãe, ou muitas vezes, o pai tinha largado a mãe, ou o
pai tinha abusado de um irmã, e todos eles contavam
sempre uma história que desencadeava uma revolta interna dentro do adolescente, então ele já se envolvia com
a droga, começava a conversar com outros adolescentes
que já tinham feito este translado e começavam a trilhar
por este mesmo caminho, e isso acaba ficando na mente
de muitos deles. (CT -Vitória do Mearim)
O que estimula essas crianças a saírem de casa, como eu
acabei de falar, é a falta da família mesmo. No acompanhamento da família, uns são incentivados até por pessoas maiores de idade. Antigamente vinham uns, umas
crianças de oito, nove, dez, doze e sempre tinham uns
que a gente achava que não eram mais menor. E a gente
achava assim, a gente observava com a promotora, Dra.
Fabíola na época, que esse fulano de tal, é ele quem está
trazendo essas crianças escravizadas. (CT - Santa Inês)
33
Olha, eles relatavam aqui pra gente quando a gente
conversava com eles quando eles chegavam aqui, eles
diziam que onde eles paravam o lugar que eles mais gostavam de parar era aqui por que a gente conversava, por
que a gente ouvia, por que eles tinham um carinho pela
gente. A maioria deles, a questão da família, a família vivia em situação de miséria, a maioria dos provedores tinham envolvimento com drogas inclusive uma vez fomos
deixar umas crianças lá em Marabá, fomos até a casa da
criança e presenciamos que lá era um ponto de venda, de
distribuição de drogas... E, eles relatavam que a mãe bebia, o pai batia, e eles tinham essa vontade de liberdade,
de ir pra um lugar melhor, tinham vontade de conhecer
São Luís, de conhecer o mar. Então a gente entende era
questão mesmo da família, a vulnerabilidade da família
que fazia com que eles... Sem deixar também de acrescentar a questão do espirito aventureiro que todo o adolescente, toda criança tem, mas essa desestruturação
familiar era o maior fator, a violência vivida no âmbito
familiar. (CT - Açailândia)
É a questão social do Pará, eu entendo assim, como eu falei
no começo, a condição da família... o próprio impacto da
ferrovia, o impacto de Carajás, o próprio impacto da Vale.
Sem duvida nenhuma é a questão social, diretamente nas
famílias, que esse projeto da Vale causou nessa região. Se
houver um estudo bem aprofundado desses meninos e
meninas vai se detectar a questão da família, a fragilidade
social, a desintegração familiar... (CMDCA – Açailândia)
Eu penso que é de fato a pobreza. Muitos destes meninos
saem à procura até mesmo de sobreviver. Famílias que às
vezes não têm o mínimo mara manter estas crianças. Estão fora da escola. Chegavam sem documentos. Uns falavam que os pais eram alcóolatras. Alguns diziam que até
mesmo os pais mandavam eles para rua. (CT – São Luís)
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Os relatos dos entrevistados denunciam um conjunto extenso de problemas que afetam os municípios envolvidos nos casos das viagens clandestinas de
crianças e adolescentes nos trens da EFC. Observa-se uma similaridade entre os problemas apontados e, apesar de tratarmos de municípios diferentes, isso se revela
como sintoma comum da falta de investimento em políticas e ações específicas que
viabilizem o rompimento com o ciclo que nutre as violações dos direitos de crianças
e adolescentes, de forma a garantir proteção às suas famílias e, por consequência,
a estes também. A rotina de vulnerabilidades e riscos a que estão frequentemente
submetidos envolve desde a ausência de condições para a convivência familiar e
comunitária, até a falta de mínimos essenciais à vida, como alimentação, moradia,
atendimento à saúde e acesso à educação.
Dentre as políticas públicas de corte social, a Política de Assistência
Social é responsável por garantir proteção à população em situação de vulnerabilidade causada pela pobreza, privação ou fragilização de vínculos afetivos, de acordo
com o nível de complexidade da situação em pauta. Assim sendo, os municípios
têm por responsabilidade a execução de serviços, programas, projetos e benefícios
que previnam situações de risco e fortaleçam os vínculos familiares e comunitários
das famílias que não vem sendo devidamente atendidas pelas ações das demais
políticas públicas.
A atuação da Política de Assistência Social está voltada para a família,
compreendida como elo que integra as ações e, portanto, foco prioritário de intervenção através de ações e atividades que protejam e promovam seus membros,
permitindo-lhes alcançar o status de cidadania plena.
Neste sentido, destaca-se o município como locus primordial das políticas públicas, haja vista que é a menor porção das esferas governamentais e a
mais próxima da população, tendo a possibilidade de intervir mais decisivamente
através da gestão política das ações de saúde, educação, moradia, assistência social
e outras.
Ocorre que no Brasil, tradicionalmente, as políticas setoriais têm sido
desenvolvidas de forma fragmentada e utilizadas como instrumento político para
barganhar favores, o que se contrapõe à noção de direito. Essa é uma das facetas
que contribui para a manutenção de situações de violação de direitos nos municípios em que se registram as viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos
trens de carga da EFC e, ainda, contribui para a inércia dos gestores públicos, dada
a compreensão estreita acerca da responsabilidade que o Estado tem quanto à ga-
35
rantia da proteção integral desses sujeitos socais.
Constata-se, mais uma vez, uma relação de confronto entre os parâmetros legais de proteção aos direitos das crianças e adolescentes e as ações de
caráter público desenvolvidas pelas gestões municipais. O ECA, art. 86 prevê que “A
política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através
de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios4.”
No caso dos municípios que têm suas crianças e adolescentes envolvidos nas viagens clandestinas dos trens de carga da EFC é necessário que se suscite
no conjunto das pessoas a compressão da dimensão desse problema, de forma que
o atendimento à criança e ao adolescente não seja visto como responsabilidade do
gestor público, exclusivamente. Trata-se da necessidade de exercitar democraticamente a participação social através da formulação, fiscalização e controle da política municipal de atendimento à criança e ao adolescente nos espaços deliberativos
e controladores como os Conselhos de Políticas e os Conselhos de Direitos. Essa
compreensão deve se pautar no compromisso da sociedade com a elaboração e
manutenção de um sistema de atendimento que compreenda todos os direitos de
crianças e adolescentes e a observação permanente destes.
Outro dado levantado nas entrevistas, que corrobora com as colocações anteriores, diz respeito à ausência de retaguarda e à falta de estrutura resultantes da omissão do poder público, fatores que emperram as providências mais
imediatas quanto ao recâmbio das crianças e adolescentes que chegam aos Conselhos Tutelares em situações e horários diversos. As simples ação ou as medidas
necessárias para recambiá-los têm sido muito demoradas e dependem de diferentes setores da administração municipal. Por vezes, alguns conselheiros tutelares tiveram que levá-los para suas próprias casas por não terem onde deixá-los. Fato que
denota o descaso com as situações citadas acima, posto que essas já se converteram em rotina e não causam mais estranhamento.
A ocorrência das viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos
trens de carga das EFC não é - e não pode ser - encarada como uma situação normal
e a regularidade dos casos exige a elaboração de uma rotina de procedimentos que
agilize as providências necessárias ao pronto atendimento das crianças e adolescentes em questão, no sentido de preservar a sua integridade e garantir seus direitos
4. Grifo nosso.
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básicos em cada situação particular.
Dentre os fatores que contribuem para a ocorrência dessas viagens
clandestinas de crianças e adolescentes, as respostas se coadunam, pois todos os
entrevistados entendem que, se por um lado a VALE não tem investido de forma
adequada em ações de segurança que de fato impeçam o embarque das crianças
e adolescentes5, por outro lado, os municípios de origem dessas crianças e adolescentes desenvolvem ações insuficientes de proteção e garantia aos seus direitos.
De acordo com um dos conselheiros tutelares de Marabá “o pior violador é o poder
público, por não ter essa política fundamental de segurança, de geração de renda
para os pais.”
Os Conselheiros Tutelares são os agentes que denunciam com mais
veemência e indignação os problemas que afetam as crianças e adolescentes e que,
por fim, afetam diretamente o seu trabalho diante da completa desestruturação da
rede de serviços nos municípios. As suas falas traduzem muito bem a situação real
com a qual se deparam. Apresentamos alguns trechos a seguir:
...a falta de estrutura para trabalhar inviabiliza a conclusão
dos casos, inviabiliza os encaminhamentos para que eles
aconteçam em tempo hábil... Você tem que requisitar um
fluxo de amizade e, através deste, você consegue na verdade resolver muitas coisas. A gente cobra da família mas
o município não dá estrutura para esta família. É preciso
estrutura de maneira geral, é preciso assistência psicológica, financeira e acesso ao trabalho. É preciso uma rede
mais consistente para fazer o trabalho que as crianças e
os adolescentes precisam. Olhar para a família, mais do
que nunca, da mesma forma que o menino tem que estar
inserido nos programas, a família também. Nós não vamos
conseguir avançar em absolutamente nada sem a inclusão
da família. (CT – Marabá)
5. Em junho de 2009 o promotor de Santa Luzia ajuizou ação civil pública no sentido de obrigar a multinacional a cumprir o artigo 83 do ECA “nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside desacompanhada dos pais ou responsáveis, sem expressa autorização judicial”. A juíza Manuella Viana dos Santos
Farias Ribeiro (2ª Vara de Santa Luzia) concedeu liminar com o fim de obrigar a VALE a instalar sensores e
câmeras de segurança nos vagões para inibir o embarque clandestino. A empresa recorreu ao Tribunal de
Justiça, mas teve o recurso negado.
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...a gente também enfrenta um problema sério da falta de
preparação dos agentes que trabalham na área da infância, principalmente nos conselhos, uma formação continuada dos conselheiros tutelares, para compreender toda a
dinâmica do trabalho. (CT – São Luís)
Quanto à realização de entrevistas com as crianças e adolescentes
viajantes, assim como com as suas famílias, destacamos que foram encontradas algumas dificuldades. Isso se deve, em parte, ao fato de que essas pessoas já foram
abordadas várias vezes por agentes de defesa dos direitos de crianças e adolescentes, funcionários da VALE e outros interessados em obter informações sobre o assunto. Apesar disso, conseguimos conversar com três adolescentes - dois de Marabá
e um de Santa Inês – e com a família do adolescente de Santa Inês.
Segundo os adolescentes entrevistados, a viagem pela EFC através dos
trens é, em primeiro lugar, uma aventura, e representa o exercício máximo da liberdade, pois eles não precisam de qualquer autorização e subvertem completamente
as regras de segurança da empresa, desafiando a capacidade dos adultos de vigiá
-los. O adolescente Júpiter6, de Santa Inês, afirma: “eu gosto de fazer a viagem, viajo
desde os 10 anos, hoje eu tenho 14 anos, faço aniversário no dia 28 de outubro. Eu
só viajo no trem de carga e até hoje nunca tive medo, nunca me machuquei.”
Quando perguntado sobre como faz para entrar no trem informa que
o trem fica parado na estação lá, e eu vou e entro sem
ninguém me ver, não fica ninguém olhando, ninguém
fiscalizando. Eu subo pela escadinha e fico lá dentro. Eu
gosto de viajar sozinho e quando os vigilantes me pegam
eles me mandam para o conselho.
O adolescente Marte conta:
já fui para São Luís e fiquei lá uns oito meses, um ano. A
última viagem foi agora, não faz nem um mês. Tem dez
6. Os nomes utilizados neste documento são fictícios, haja vista a necessidade de preservar a identidade dos
entrevistados.
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anos que faço esse percurso. Vou prá lá só para ir e ficar,
besteira mesmo. Não preciso arriscar a vida mais não, a
pessoa pode cair do trem. Uma mulher perdeu os dedos
há uns 05 anos atrás. Ela foi subir e escorregou, o pé dela
foi certinho em cima da roda e o trem passou por cima.
Eu tirei a camisa e amarrei no pé dela e se entregamos
na próxima estação.
A forma da viagem, ainda segundo o adolescente Marte:
Eu viajava na locomotiva e, quando não dava, ia no vagão
mesmo. A gente sobe pela escadinha e entra, de preferência à noite, pra ninguém ver a gente. A gente viaja em
bando e os outros que vieram com a gente já voltaram
para São Luís de novo. Eles ficam no sinal do São Francisco.
O adolescente Plutão, entrevistado em Marabá nos relata o seguinte:
Já viajei muito de trem, é incontável. Eu ia pra São Luís
porque tava agoniado de ficar aqui, discutia muito com a
minha mãe, minha irmã. Eu pego o trem na BR, na ponte
perto do lixão. Na primeira vez que viajei eu fui no vagão
de minério. Depois a gente aprendeu a abrir a locomotiva que vai vazia, porque só na primeira tem gente. Já
passei mal uma vez, cai no chão e meu irmão me socorreu. Já fui achado no trem, mas é difícil.
As falas desses adolescentes confirmam a fragilidade ou insuficiência
do sistema de segurança da VALE, posto que estes não encontram qualquer dificuldade para acessar os vagões de minério ou mesmo as locomotivas intermediárias da
composição, o que lhes permite programar as suas viagens ou mesmo realizá-las de
improviso ou ao acaso, como detalha Plutão ao afirmar que “se for olhar a vontade,
a gente só fica viajando, porque é adrenalina. Doidiça mesmo.”
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Frente a esses relatos, observa-se que a VALE, de fato, infringe a legislação no que diz respeito às viagens de crianças e adolescentes. Mais grave
ainda é o fato de que essas crianças e adolescentes além de viajarem sem autorização, o fazem em local completamente inadequado: os vagões de carga e, por
vezes, as locomotivas de comando do trem.
Dentre os pontos indicados como aqueles onde há maior fragilidade
do sistema de segurança na EFC estão os cruzamentos; os lugares onde o trem
passa com menor velocidade e os pontos onde um trem tem que parar para dar
preferência ao outro. São estes os principais locais de embarque das crianças e
adolescentes, segundo os mesmos. Em São Luís, de acordo com os adolescentes
entrevistados, eles pegam o trem “na entrada onde tem várias linhas”. Não há
uma definição precisa de onde fica essa entrada, no entanto, entende-se que a
VALE tem todas as condições de identificar tais pontos e debelar a fragilidade que
favorece o embarque das crianças e adolescentes nos vagões e locomotivas dos
trens que trafegam a EFC. Da mesma maneira que a VALE evita que crianças e adolescentes sem acompanhamento ou autorização de adultos em viagem nos trens
de passageiros, é preciso impedir a viagem de crianças e adolescentes nos vagões
de carregamento de minério, em condições de altíssimo risco para a integridade
física e moral.
Conselheiros tutelares de Marabá e São Luís relatam casos de crianças e adolescentes que chegaram desidratados, sujos e famintos e, por vezes, tiveram que ser levadas imediatamente ao hospital local, dadas as condições em
que se encontravam. Esses fiscalizadores dos direitos de crianças e adolescentes
afirmam que uma das medidas mais urgentes para resolver o problema da entrada de crianças e adolescentes nos vagões e nas locomotivas seria o investimento
rigoroso em fiscalização e segurança pela VALE.
Essa atitude deve ser a primeira a ser tomada como estratégia para
minimizar o problema e até erradicá-lo. Por sua vez, cada município deve realizar
seus investimentos em ações básicas, porém necessárias, para manter as crianças
e adolescentes em atividades atrativas, educativas e formativas que lhes preservem o direito à proteção integral.
Em São Luís, segundo o conselheiro tutelar a pobreza é a mola propulsora desse fenômeno. Para o entrevistado,
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Muitos desses meninos saem à procura até mesmo de sobreviver. Estão fora da escola, chegavam sem documentos, uns falavam que os pais eram alcóolatras. Alguns
diziam que até mesmo os pais mandavam eles pra rua.
Então eles viviam nesse vai-e-vem de Marabá para São
Luís e de São Luís para Marabá e muitos deles vinham,
passavam vários anos até ficarem maiores de idade. É
certo que a gente percebe uma inoperância extrema e
também uma responsabilidade da VALE, porque, de fato,
eles usavam o sistema da VALE, os trens, para poder chegar até aqui.
Quando perguntado sobre a integração entre as instituições responsáveis pela garantia de direitos das crianças e adolescentes nos municípios o conselheiro afirma:
Nesse sentido eu penso que, de certa forma, foi assim
bastante frustrante. A gente percebeu que não conseguimos garantir o direito desses meninos. Muitos deles
chegaram à maior idade e deixaram de andar no trem da
VALE somente quando quiseram, mesmo. Mas o Estado,
o poder público, efetivamente, não veio garantir o direito deles, principalmente o direito à educação, direito à
saúde, direito à segurança, direito à convivência familiar
principalmente. Este é um direito que era violado e eles
saiam de seus lares, da sua referência de família e viviam
no mundo perambulando, passando fome, pegando doenças, outros chegavam doentes, gripados.
O descaso com a proteção a crianças e adolescentes é afirmação recorrente em todas as entrevistas realizadas. Se por um lado constata-se que a VALE
é responsável pelo fluxo de crianças e adolescentes que embarcam clandestinamente na EFC em razão da inexistência de um sistema de segurança adequado para
interromper esse ciclo, por outro lado, os municípios não cumprem com as suas
responsabilidades quanto à garantia da proteção integral e não se movimentam no
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sentido de erradicar problemas crônicos que são determinantes para o estímulo às
viagens citadas.
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5. CONSIDERAÇÕES/RECOMENDAÇÕES
A necessidade de um atendimento estruturado, especializado e preparado para identificar quaisquer danos, além de ofertar alternativas de reversão
dos problemas que afetam crianças e adolescentes que têm seus direitos violados
é algo que salta aos olhos. Observa-se que os serviços de proteção especial de que
carecem as crianças e adolescentes não poderão ter efetividade se funcionarem
isolados - há uma necessidade premente de que estejam articulados às políticas
sociais básicas e à política de assistência, já que o segmento que mais se encontra na
situação de vulnerabilidade social é, justamente, aquele que se figura como público
da assistência e que teve seus direitos básicos negados.
Contrariamente à evidência de tais necessidades, observa-se que os
municípios que foram objeto da pesquisa têm um Sistema de Garantia de Direitos profundamente comprometido na sua efetividade; os CMDCA´s não conseguem
cumprir a função política de deliberar sobre os interesses relacionados às crianças e
aos adolescentes; os Conselhos Tutelares não têm estrutura adequada para cumprir
com sua função de proteção e as políticas setoriais não são ofertadas adequadamente, carecem de sistematicidade, organicidade e regularidade.
Destacamos, então, a urgência na elaboração de uma estratégia de
cooperação e distribuição de competências entre a gestão municipal e o SGD, com
vista à promoção efetiva dos direitos da infância e adolescência nesses municípios.
Segundo PORTO (1999, 113), “A promoção de direitos significa cuidar das crianças e
adolescentes tomados como conjunto.”
43
A VALE afirma que são dadas orientações para a Empresa Atlântica, no
sentido de que os seguranças procedam de forma adequada quando encontrarem
crianças e adolescentes viajando clandestinamente nos trens da EFC. Segundo o
Gerente de Relações com a Comunidade, Sr. Nelson Silveira, a empresa se preocupa
com a identificação dos reais motivos que levam crianças e adolescentes a saírem
de suas casas para aventurar-se em viagens perigosas, desconfortáveis e cansativas
“A VALE tem um instrumento utilizado pelo jovem de forma inadequada para sair de
sua casa. Não se trata de um passeio de trem, se trata de uma saída de seu lugar de
origem. Será que não temos que discutir qual é o problema e atuar no problema?”
As responsabilidades quanto aos problemas que decorrem das condições favoráveis ao deslocamento de crianças e adolescentes nos vagões de carga
dos trens que circulam pela EFC, se dividem entre a VALE e o Poder Público Municipal de cada cidade, e isso fica cada vez mais evidente à medida que as razões que
explicam esse movimento de crianças e adolescentes na EFC através das viagens
clandestinas se tornam visíveis. Estão circunscritas entre a definição de um plano de
segurança que efetivamente inviabilize a entrada de crianças e adolescentes nos vagões e locomotivas da EFC e o estabelecimento de procedimentos internos em cada
município que garantam a priorização desses viajantes, tornando-os alvo da atenção do poder público através de programas, projetos, benefícios ou outras ações
de combate aos problemas geradores do desejo de sair de suas casas e viajar entre
cidades em condições de risco permanente.
A identificação dos motivos que impulsionam crianças e adolescentes
a viajarem clandestinamente nos trens da EFC passa, necessariamente, pela compreensão das diferentes fragilidades que existem na garantia dos seus direitos neste País.
É necessário e urgente garantir a efetivação de tais direitos, de maneira que às famílias de origem dessas crianças e adolescentes sejam proporcionadas
condições sociais e econômicas para manter sua autonomia e garantir o provimento
e desenvolvimento pleno dos seus membros, além de reforçar os laços familiares.
Identifica-se que a sociedade precisa despertar para o problema, estimulando as
denúncias de violação, o reconhecimento e a preservação dos direitos de crianças e
adolescentes que têm sido historicamente negados ou violados.
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Paralelamente, o poder público deve garantir a efetividade e a amplitude das políticas públicas sociais, necessárias ao atendimento das demandas da
sociedade, de forma que os problemas oriundos da carência de acesso a essas políticas não se configurem em motivo para justificar situações de violação de direitos
e de exposição a riscos.
Apesar das dimensões do problema, acredita-se que à medida que
essa realidade se torna conhecida, as possibilidades de combate e superação de tal
prática dependem do esforço de todos os envolvidos - Município, SGD, VALE, famílias - para tornam-se mais efetivas.
Isto posto, considera-se relevante apresentar algumas recomendações
preliminares para um processo que, a longo prazo, eliminará o problema das viagens clandestinas de crianças e adolescentes nos trens de carga da EFC.
• Que a VALE apresente um plano de segurança passível de exequibilidade e com capacidade de produzir o principal resultado esperado: evitar o embarque clandestino de crianças e adolescentes nos
trens de carga da EFC;
• Que se estabeleça um protocolo de procedimentos entre os envolvidos na situação (VALE, municípios, gestores públicos, SGD, famílias, etc) para os casos que ainda acontecerão, em razão do tempo
que se faz necessário para a implantação da ações do plano de
segurança;
• Que os pontos de maior vulnerabilidade sejam imediata e permanentemente monitorados, até que se estabeleça o plano de segurança;
• Que os municípios nos quais há o registro de viagens clandestinas
nos trens da EFC ao longo dos últimos dez anos construam Termos
de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, estabelecendo metas para a execução das medidas de proteção a que têm
direito as crianças e adolescentes envolvidas;
• Que os municípios garantam aos Conselhos Tutelares a estrutura
adequada ao pleno andamento dos trabalhos, de maneira que não
sejam privados de dar conta de suas responsabilidades;
• Que sejam realizadas capacitações para os integrantes do SGD nos
municípios, com o fim de habilitá-los aos procedimentos de controle, fiscalização e denúncia das possíveis violações de direitos das
crianças e adolescentes;
45
•
Observação permanente do conteúdo da Lei 8.069/1990 que concebe crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, pessoas
em condição peculiar de desenvolvimento e absoluta prioridade7.
O controle social se constitui no espaço de retaguarda da sociedade civil organizada através de instâncias não-institucionais como fóruns, comitês, comissões, frentes, redes, etc e busca garantir a vigilância do cumprimento dos preceitos
legais constitucionais e infra-constitucionais através do controle externo das ações
e serviços de proteção social prestados pelo poder público. Esse controle efetiva-se
por meio da cobrança do funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos e também pela elaboração de propostas que serão levadas aos espaços mistos, como os
Conselhos de Direitos, servindo a estes como retaguarda.
Entende-se que para que as leis, normas, acordos e compromissos
tenham efetividade, é necessário que sejam absorvidos pela sociedade, mas, também, que sejam promovidas mudanças comportamentais em todos os setores da
sociedade. Analisar constantemente o conjunto de documentos e normativas inerentes aos direitos de crianças e adolescente e fazer com que estes sejam compreendidos e respeitados por todos é uma questão urgente e fundamental. Entretanto,
o mero conhecimento das leis, normas e outros documentos, não é o elemento
suficiente para as mudanças; é necessário garantir o efetivo respeito a esse aparato
legal, além de proporcionar a implementação de reformas políticas e econômicas
na estrutura social.
E é exatamente com a tradução das garantias legais em políticas públicas e ações concretas da sociedade, que acreditamos ser possível erradicar, através
da ação conjunta e articulada, as viagens clandestinas de crianças e adolescentes
nos trens da Estrada de Ferro Carajas.
7. Grifo nosso.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para infância no Brasil. 2.ed.rev. São Paulo: Cortez, 2008.
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