SCHWARZ, Roberto - A importação do

Transcrição

SCHWARZ, Roberto - A importação do
AO VE,NCE,DOR
AS BATATAS
ColeçãoEspírito Crítico
Duas Cidades
F,ditcra34
il.
doromance
A impoftação
e suascontradições
emAlencar
O romanceexistiuno Brasil,antesdehaverromancistas
brarileiros.l Quandoapareceram,
foi naturalqueestesseguissem
os
modelos,bonse ruins,que a Europajá haviaestabelecido
ern
nossoshábitosde leitura.Obsewação
banal,que no entantoé
a nossaimaginaçáo
cheiade conseqüências:
fixara-se
numaforma cujospÍessupostos,
em razoávelpafte, não seencontravem
no país,ou encontravam-se
alterados.Seriaa formaquenãoprestava- a maisilustredo tempo- ou seriao paÍs?Exemplodesta
rmbivdência,própriadenaçõesdeperiferia,é dadona épocepelo
tmericano Henry James,que acabariaemigrando,atraídopela
complexidadesocialda Inglaterra,quelhe pareciamaispropícia
Masveja-seo casodemaispeno;adotaro romance
à [email protected]
I Ìria-se a estc rcspeito o sugestivoestudo de Marlyse Meyer, "O que é, ou
qucm foi Sinclair das llhas?", in Reuistadt Instiruto dc Esndas Brasileìnt no 14,
SÃoPaulo, 1973.
2 Teobaldo, urn americanoenfático de "The madona ofúe future" ( I 873):
"Somos os dçserdadosda arte! Btarnos condenadosà superficialidade, excluídos
do cÍtculo encantado!O solo da percepçãoamericanaé um sedimentoescasso,
cctéril,anificial! Sim, estamosdestinadosà imperfeição.Paraatingir a excelência,
o lmcticaoo tem quc aprcnderdezvezesmaisque o europeu.Falta-noso sentido
Aov€nc€dor
asbatatss
A importação
do romancee suascontradições
êmAlencar
ere acataÍ também a sua maneira de trataÍ asideologias, Ora, vimos que enüe nós elas estão deslocadas,sem prejuízo de guardarem o nome e o prestígio originais, diferença que é involuntária, um efeito prático da nossaformaçáo social. Caberia ao escritor, em buscade sintonia, reiterar essedeslocamentoem nf
vel formal, semo que náo fica em dia com a complexidadeobjetiva de suamatéria- por próximo que estejada lifo dos mestres. Esta seráa façaúa de Maúado de Ássis. Em suma, a mesma dependência global que nos obriga a pensaÍ em categorias
impróprias, nos induzia a uma literatura em que essaimpropriedade náo tinha como aflorar. Ou por outra, antecipando: em
vezde princípio construtivo, a diferençaapareceriainvoluntfuia
e indesejadamente,pelesfrestas,como defeito. Uma instância
literfuia do nível intelectualrebaixadoe que nos referíamosno
câpí lo anterioÍ.- kmbrando osanosda suaformafo, Alencarfalanosserõesda inftncia, em que lia emvoz altaparaa mãe
e asparentas,até ficaÌ a salatoda em pÍantos.Os livroseram
Amandac Oscar,Saint-Ckir d* Ilhaç, Celestina
e ouuos. Mencionatambémosgabinetes
de leitura,a bibliotecaromânticade
seuscol€ges,nesrepúblicasestudantisde SãoPaulo- Balzac,
Dumas,Vigny, Chateaubriand,Hugo, Byron, Lamanine,Sue,
maistarde Scon e C,ooper- e a impressáoque entãolh€ causarao sucesso
deI morenình4o primeiro romancede Macedo.3
Por que não tentar, eletambém?"Qual régiodiademavalia essa
auréolade entusiasmo
a cingir o nomede um escritor?"4
Não
faltavamos grandesmodelos,e maisque esseou aquelehaviao
prestígiodo moldegeral,e o desejopatriótico de dotar o paisde
mais um melhoramentodo espírito moderno.5No entanto, a
imigra$o do romance,perticuleÌmentede seuveio redista,iria
por dificuldades. ninguémconsrrangia
freqüentarem pensamentosalõese barricadasde Paris.Mas trazeràsnossasruase
salaso conejode sublimesviscondessas,
arrivistasfulminantes,
ladróesilustrados,ministrosepigramáticos,
príncipesimbecis,
cientistas
visionários,aindaque nos chegassem
epenasos seus
problemase o seutom, não combinavab€m. Contudo, haveria
romancene suaausência?
Os grandestemas,de que vem ao romancea energiae nosquaisseancoraa suaforma - a carreira
mais apurado. Não temos gosto, taro ou força. E como haveríarnosdc tcr? Nosso
clima rude e mal-encarado, nosso passadosilencioso, nosso presentc ensuÌdecedor, e prcssãoconstarìtedascircunstânciasdespÍovidesde graçe-
tudo é úo sem
estÍmulo, alimento e inspitaçáo para o anista, quanto é sem amargure o meu coraçáoao dizê-lo! Nós, pobresaspirantcs,devetemosviver em perpétuo *lllo" . The
complztcults of Hmry Jazel vol. III, Londres, Rupen Haa-Davis, 1962, pp. l4-5.
De volta à América, em visita a Boston, Jamesanota; "Tenho 37 anos,Êz a minha
escolha,c sabeDeus que não tenho tcmpo a pcrder. A miúa escolha,é o velho
mundo - minha escolha,miúa necessidade,miúa üda. [...] Mcu trabalho esá
lí - jc n'ai ryc fairc nestevasto novo mundo. Não é possívelfazeras duas coisrs
maior paraum americanoé prccisocscolher,[...] O pesoé necessariamente
pois elepracira lidar, mú ou menos, e ainda que só por implicação, com a Euro-
pa; enqütnto que euÍopeu algum é obrigado a lidar sequer minimamente com a
América. Ninguém rai acháJo meooscompleto por causadisto. (Falo naruralmente
de pcssoasque fazemo mcu tipo dc trabdho; não de economistasou do pessol
das ciênciassociú.) O pintor de costumesque não seocupe da Âmérica náo é incomplcto, por cnquanto. Mas daqui a cem anos -
talvcz cinqücnta - ele certamentc o seú". F. O. Manhiessenc K B. Murdock (otg;.), ïhc nouboob ofHeary
/azar, Nova York, Galaxr Book, I 961, entradade 2511111881,pp. 23-4.
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l.JosédeAlencar,Comoepor qucnu mmancìst4Obu comphta(OQ, vol,
t, Rio deJaaeiro,Aguilar, 1959.
a I&n p. 138.
SAotonio Candido,"Aparecimentoda fìcção",Formação
da litcra*ra bnrilaria voÌ. II, SãoPaúo, Manins, 1969.
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Ao vencedoras batatas
A i m p o r t a ç ã od o r o m a n ces su a s co n tr a d i çõ e se m Al e n ca r
social,a força dissolventedo dinheiro, o embatede aristocracia
e vida burguesa,o antagonismoentre amor e conveniência,vocafo e ganha-páo- como ficavam no Brasil?Modificados, sem
dúvida. Mas existiam, além de existirem fortemente na imaginaçáo,com a realidadeque tinha paranós o conjunto dasidéias
européias.Náo estavamà máo no entanto o sistemade suasmodificações,e muito menos os efeitosdesteúltimo sobrea forma
literária. Estesdeveriamserdescobertose elaborados.Assim como, aÌiás,os mencionadostemas náo estiveramprontos desde
sempre,à esperado romanceeuropeu.Surgiram,ou tomaram a
sua forma moderna, sobre o solo da transição- continentel e
secular- da era feudal à do capitalismo.Também na Europa
foi precisoexploní-los,isolar,combinaÍ, atéqueseformasseuma
espéciede acervocomum, em que sea.limentaramruins, medianos e grandes.Diga-sede passagemque é esteaspectocumulativo e coletivo da criaçãoliterfuia, mesmoda individual, que iria
permitir a multidão dos romancesrazoáveisqueo Realismoproduziu. Na crista das soluçõese idéiascorrentes,ainda se não as
aprofundam, esteslivros fazem a impressão de complexidade, e
logram sustentaro interesseda leitura. Como em nossosdias o
bom filme. Um gênerode acumula@oque foi difícil para a literatura brasileira,cujos estimulosvinham e vêm de fora. Desvanmgem, poÍ outro lado, que hoje tem âs suasvantagens,convergindo muito naturalmentecom a bancarrotada tradição,a que
duramente se acostumâo intelectual europeu,a fim de chegar
- como a umâ expressão-chave
de nossotempo - à descontinuidade e ao arbitrário culturaisem que no Brasil,bem contra a
vontade,sempreseesteve.
Escritor refletido e cheio de recurso,Alencardeu respostas
variadase muitas vezesprofundas a estasituafo. A sua obra é
uma das minas da literatura brasileira,até hoje, e embora não
pareça,tem continuidadesno Modernismo. De lracema,algts-
ma coisa veio até Macunalma as andançasque entrelaçamas
âventuras,o corpo geográficodo país,a matériamitológica, a toponímia índia e a História branca;alguma coisado Grande-Sertãojâ existiaem 7i4 no ritmo dasfaçanhasdeJãoFera;nossaiconograÂaimaginária,dasmocinhas,dos índios,dasflorestas,deve
aosseuslivros muito da sua fixação social;e de modo mais gerd, paranão encompridara lista, a desenvolturainventiva e brasileirizanteda prosa alencarinaainda agora é capazde inspirar.
Issoposto, é precisoreconhecerque a suaobra nunca é propriamente bem-sucedida,e que tem sempreum quê descalibradoe,
notarcontubem pesadaa palavra,de bobagem.E interessante
justamente,
do que estespontos fracossão,
fortes noutra perspectiva. Não sãoacidentaisnem fruto da falta de talento, sáopelo
contrário prova de conseqüência.Assinalamos lugaresem que
o molde europeu,combinando-seà matérialoca.l,de que Alencar
foi simpatizanteardoroso,produziacontra-senso.
Pontosportânto que são críticos para a nossaliteratura e vida, manifestando
osdesacordos
objetivos- asincongruênciasde ideologia- que
resultavamdo transplantedo romancee da cultura européiapara
cá. Iremos estudálos no romance urbano de Alencar, pâra precisáJos,e ver em seguidaa soluçáoque Machado de Assislhes
daria. - Comentário curioso destesimpiìssesencontrâ-seem Nabuco, o europeizante,que os percebiamuito bem, por acháJos
horríveis.Ao contrário do que dizem, a suadisputa com Alencar
é pobre em reflexão e baixa nos recursos - "um tête à tête de
gigantes",segundoAfrânio Coutinho; brigam atéparaver quem
sabemais francês.Mas tem o interessede reter uma situação.O
realismode Alencar inspiravaa Nabuco dupla aversão:uma por
náo guardar as aparências,e outra por não desrespeitáìascom,
digamos,a devassidãoescoladae apresentávelda literatura francesa.É como um cidadãoviajado que voltassepara a suacidade,
onde o mortificam a existênciade uma casade mulheres,e o seu
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Ao v€ncedoras batatas
A importaçãodo romãncee suas contÍadiçõesom Alencar
pouco reqúnt€. As meninâs al€ncaÌinas,com os seuserr:rncosde
Brandedama, lhe pareciamao mesmo tempo inconvenientese
bobocas,nem românticasnem naturalistas,o que é bem percebido, emborapesandono praro estéril da balança.6As observaçõessobreo t€ma escrayoe sobreo abrasileiramentoda lingua
têm o mesmo teor, Se lhe aceitassea crítica, Alencar escreveria
ou romance edificante, ou romance euÍopeu. Nabuco põe o dedo
em fraquezasreais, mas para escondêJas;Âlencar pelo contrário
incide nelas tenazm€nte, guiado pelo senso da Íealidade, que o
leva a sentir, precisamenteaí, o assuntonovo e o el€mentobrasileiro. Ao circunscrevê-lassem as resolver, não faz grande literatura, masfixa e varia elementosdela- um exemploa mais de
como é tortuoso o andamentoda criacãoliterária.
mente ajustada,estaaníise vale também para o romance urbano de Alencar.Áltes, no entanto, voltemos aosseuselementos.
A notação verista, â cor local exigida pelo românce de então,
davam estatuto e curso literário às figuras e anedotas de nosso
mundo cotidiano.Jáo enredo- o verdadeiroprinclpio da mmposição - essetem a sua mola nas ideologias do destino romântico, em yersão de folhetim para Macedo e algum Alencar,
e em versão realista para o Alencar do romance urbano de mais
força. Ora, como já vimos o nossocotidiano regia-sepelosmecanismos do favor, incompatíveis - num sentido que precisa1sme5adiarì1s- com as tramas extremadas, próprias do Realismo de influência romântica. Submetendo-seao mesmo tempo à realidadecomezinhae à conven$o literária, o nossoromance
embarceveem duas canoasde percurso divergente, e era inevitável que levassealguns tombos de estilo próprio, tombos que não
levavam os livros franceses,já que a hisrória social de que estes
sealimenavam podia serrevolvida a fundo junamente por aquele
mesmo tipo de entrecho. - Vista segundo as \rigms, a disp}ridade entre enredo e notâÉo realistarepresentaa justaposi$o
de um molde europeu àsaparêncieslocais (náo importa, no câso,
que estasaparênciasse tenham transformado em matéria literí
ria por influência do próprio romantismo). Segundopâsso,troque-sea origem no mapa-múndi pelas idéias que historicâmente lhe correspondiam: teremos voltado, com mais clarezaagora
rlesrazóessubjacentes,ao problema p r6ptìo da composQãn
- ern
Estudando a obra de Macedo, em que tome pé a tiadição
de nosso romance, Antonio Candido observa que ela combina
o realismo da obsewafo miúda, "sensível às condi@es sociais
do tempo", e a máquina do €nredo romântico. São dois aspectos de um mesmo conformismo, qu€ interessadistinguir: adesãopedestre"ao meio sem relevosociale humano da burguesia
carioca",e outro, "que chamaríamospoético, e vem a ser o emprego dos padrõesmâis própÍios à concepçãoromântica,segundo acabade ser sugerido:lágrimas,tÍeve, tÌeição, conflito". O
resultado irá pecar por falta de verossimilhança: "Tanto que nos
perguntâmos como é possívelpessoastão chãsseenvolveram nos
erÍâncosâ que [Macedo] assubmete"T.Como veremos,ligeira-
6 Cf. A pollmica Ahncdr-Nabaco, especialr;renteas obje$es de Nabuco a
Diua
sil, e pode ser lido como uma inrroduÉo â Machado de Assis. Embora não faça
pane da fase"fotmativa" de que trata o livro, e estejamcncionado só umei poucâs
vezes,Machado é uma das suasfiguras centrais, o seu ponto de fuga: a tradiÉo é
7 Yet na ciada Fomraçãodz liwatura brasilcira os capítulos quc rratarn de
romaoce. O seu con)unto compõe urna teoria da formafo destegênero no Bra-
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considcrada,ao mcnos em pane, corn vistas no aprovcitamenro que Machado lhe
daú. Para os trcchos citados, ver pp. 140-2.
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Ao vêncedoÍas bâtatas
A importaçãodo româncee suas contradiçõesem Alencar
que ideologiasromânticas, de vertente sejaliberal, seja aristocratizante, mas sempre referidas à mercantilização da vida, figuÌâm como chave-mestra do universo do favor. Fiel à realidade
observada(brasileira)e ao bom modelo do romance (europeu),
priamente crítica, pois não quer transformar. O registro sobe
quando passamosao círculo mundano, limitado aliásà mocida6[scasad6u12- 6 que tem seu interesse,como severá. Aqui presidem o cálculo do dinheiro e dasaparências,e o amor. A hipocrisia,complexapor definição,combina-seà pretensãode exemplaridadeprópria destaesfera,e à de espontaneidade,
própria ao
sentimento romântico, saturando a linguagem de implicações
moreis. Espontaneâmente,estasobrigam à reflexãonormadva,
à custados prazeressimplesda evoca$.o.A matriz distantesãoa
salae a prosa de Balztc. Finalmente, no centro destecentro, a
voltagemvai ao teto quando estáem cenaAurélia, a heroínado
livro. Paraestaherdeira bonita, inteligente e cortejada, o dinheiro
é rigorosamentea mediaçáomaldita: questionahomense coisas
pela fatal suspeita,a que nada escapa,de que sejammercáveis.
Simetricamente,exâspeÌa-se
ne moça o sentimenro da pureza,
expressonos termos da moralidademais convencional.Purezae
degradaçáo,uma é talvezÊngida,uma é intolerável:lançando-se
de um a outro extremo, Aurélia dá origem a um movimento
veftiginoso, de grande alcanceideológico - o alcancedo dinheiro, esse"deus moderno" - e um pouco banal; falta complexidadea seuspólos.Á riquezafica reduzidaa um problema de virtude e corrup$.o, que é inflado, até tornar-sea medida de tudo.
Resultaum andamentodensode revolta e de profundo confor6i5rr16- a indignação do bem-pensante- que não é só de
Álencar. É uma das misturasdo século,a marca do dramalhão
romântico, da futura radionovela,e ainda há pouco podia servisto
no discursoudenisrâcontra a corrupçáodos tempos.Mas voltemos atrás,para corrigir a distinçáodo princípio, enÌre o rom das
personegensperifericase das centrais.A questãonão é gradual,
é qualitativa. No casodas primeiras, trata-se de aproveitar as
evidênciasdo consenso,localista e muitas vezesburlesco, tais
como a tradi@o, o hábito, o afeto,em toda a suairreqularidade,
o escritorreedita,semsabêìo e semresolvê-la,uma incongruência central em nossavida pensada.Note-se que não há conseqüência simplesa tirar destadualidade; em país de cultura dependente, como o Brasil, a suapresençaé inevitável, e o seu resuÌtado pode serbom ou ruim. É questáode analisarcasopor caso.
Literatura náo éjuízo, é figurafo: os movimentosde uma reputada chaveque não abra nada têm possivelmentegrande interesse
literário. Veremos que em Machado de Assis a chave seráaberta
pela fechadura.
Senhoraé um dos livros mais cuidados de Alencar, a sua
composiçãovai nos servir de ponto de partida. Trata-sede um
românceem que o tom varia marcadamente.Digamos que ele é
mais desafogadona periferia que no centro: Lemos, pelintra e
interesseirotio da heroína, é gordinho como um vaso chinês e
tem ar de pipoca; o velho Camargo é um fazendeirobarbaças,
rude mas direito; dona Firmina, máe-de-encomendaou conveniência, estalabeijos na faceda menina a quem serve,e quando
Noutras palavras,
senta,acomoda"a suagordura semi-secular"8.
uma esferasingelae familiar, em que pode haver sofrimento e
conflito, sem que ela própria sejaposta em questáo,legitimada
que estápela natural e simpáticapropensãodaspessoasà sobrevivência rotineira. Os negociantessáoespeftelhões,asimãzinhas
abnegadas,a parentela aproveita, vícios, virtudes e mazelasadmitem-setranqüilamente, de modo que a prosa, ao descrevêìos,náo
perde a isenfo. Não é conformista, pois náo justifica, nem é pro-
8
OC,wl I, pp.958,966,969, 1.065-6,
Joséd,eNencar,Senhora,
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43
Ao vencedoras batatas
Seumundoé o que é, não apontapara
ashaviamconsolidâdo.
Ìransformar,ou por oirtra
outro, diferentedele,no qualsedevesse
exclui
a
intenção
universalistae norainda,não é problemático:
metiyâ, própriâ da prosaromânticoliberal da faixa de Aurélia.
Veremosainda que estaé a tonalidadede um romanceimportanteem nossaliteratura,asMemórìasdc umtargentodemilíciat
que esteconsensoüega
E nadaimpede,sejadito de passagem,
elepróprio a cunhade tradiçõesliterárias.No segundocaso,pelo
perceber
o presente
comoproblema,como
contrário,procura-se
Estaa raáo do pesomaior,da "serieestadode coisasa recusar.
- aindaque literariamente
sejasempre
dade"destaspassagens
um allvio quandoAlencarvolta à outra maneira,que lhe dá páginasdemuita graçae forçanarrativa.Entretanto,é nestesegundo
estilocarregadode princípios,polarizadopelaalternânciade sublime e infâmia, que elesefilia à linha fone do Realismode seu
tempo, ligada,justamente,ao esforçode figurar o pÍesenteem
suascontradições;em lugar de dificuldadeslocais,ascrispações
universaisda civilizaSo burguesa.É esteo estilo que irá prevalecer.Resumindo,digamos guc em Senhoraa reflexáotoma o
alentoe a maneiraà esferamundana,do dinheiro,da carreira,
a primaziana composiçáo.
Comoas
dandoJhepor conseguinte
grandespersonage
ns da Cornédìahuman4 Auréliaviveo seuàilaceramento
transformando-oemelemento
e procuraexpressáJo,
intelectualda existênciacomum,e emelementoformal - como
pelo fechamento
severá,a propósito do enredo- responsável
do romance.No entanto,essetom reÍlexivoe problemático,bem
realizadoem si mesmo,nãoconvenceinteiramente,e é infelizem
seuconvÍvio com o outÍo. Fazefeito pretensioso,tem alguma
coisadescabida,que interessaanalisarem maisdetalhe.
quantoa isto, quepredominânciaformal e peso
Observe-se,
socíalem Senhoranão
coincidem.Seé narural,por exemplo,que
a cenamundanaestejaem oposiçãoà provínciae à pobreza,é
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A importação
do romanca
€ suascontradições
omAlencãr
esquisito que inclua pequenosfirncionários e filhas de comerciantes remediados.E é esquisitíssimoque excluaos adultos: nasfestas
da Corte, asmães nunca sáo mais que respeitáveissenhoÍes, que
vigiam as filhas e não cansam de criticar os modos desenvoltos
de Âurélia, "impróprios de meninas bem educadas"9.Como aliás
os homens, que sãocaricaturas,desdeque não sejam rapazrs,Em
suma, o tom da moda é reservadoà mocidade núbil e bem-posta, de que é o omamento, masnão é a sínteseda er<periênciasocial
de uma classe,além de sermal visto sevai longe. Não tem curso
entre :rspessoílsque já sejamsérias,as quais por sua vez, ficam
excluídasdo brilho literário, e do movimento de idéiasque deve
sustentare aÌrematar o Íomânce. Por sua composição,portanto, o livro seconfina aoslimites da frivolidade, a despeitode seu
andamento ambicioso, que fica prejudicado. Este desacordonão
existeno modelo; para sentir a diferença, bastalembrar a importância que têm o adultério madurão, a política, asarrogânciasdo
poder, na cena mundana de Balzac.Alencar conserva-lhe o tom
e vários procedimentos, porém deslocadospelo quadro local,
imposto pela verossimilhang. Adiante, voltaremosà diferença.
Agora, vejamos a complexidade, a variedade de aspectosdeste
emprestimo. Inicialmente é precisoretirar, mas não de todo, o
sentido pejorativo a estanoção. Considere-seo que significava,
como atualizaçãoe desenvoltura,fazer que uma personagem,
mulher ainda por luxo, tratasselivremente dasquestõesde que
então, ou pouco ântes, tratara o Realismo euÍopeu. Em certo
sentido muito claro, é um feito, seja qual for o resultado literário. Algo semelhanre, para â geÍeÉo dos que fizeram 20 agora,
nos anos 60, ao salto dos manuais de filosofia e sociologia,em
e Smholap.952.
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Ao vencedoras batatas
língua espanhola,paraos livros de Foucault,Âlthusser,Adorno.
Entre uma alienaçãoantiga e outÌa moderna, o coraçãobemformado não hesita.Ficavapara trás a imitação miúda e complacente,o romancistaobrigava-sea umâ concepçãodas coisas,
impunha nível contemporâneoà reflexão..O romancealcançava a seriedadeque a poesiaromânticajá haviaalcançadohá mais
tempo. Finalmente, considere'seo próprio movimento da imita$o, que é mais complicadoque parece.No prefáciode Saalas
dbaro, escreveNencar: "Tachar esteslivros de confeiçãoestrangeiraé, relevemos críticos,não conhecera sociedadefluminense,
que aí esráa faceirar-se
pelassalase ruascom ataviosparisienses,
falando a algemiauniversal,que é a língua do progresso,jargão
ingleses,italianos,e agoratambém
erriçadode termosfranceses,
alemães./Como sehá de tirar a fotografia destasociedade,sem
lhe copiar asfeições?"10.
O primeiro passoportanto é dado pela
vida social,e nãopelaliteratura,que vai imitar uma imita$o.l I
inscreviamMas fara.lmente
o progresso
e os ataviosparisienses
se aqui noutra pauta; retomando o nosso termo do início, são
ideologiade segundograu.12Chegao romancista,que é parteele
próprio dessemovimento faceiroda sociedade,e não só lhe co-
to Obra compbta vol. I, p. 699.
1I A situaçãoé comparável à de CaetanoVeloso cantando em inglês.Acusado pelos 'nacionalistas", respondeque não foi ele quem trouxe os americanosao
Brasiì.Semprequis cantar nestalíngua,que ouvia no rádio desdepequeno.E é
claro que cantandoinglêscom pronúncianortistaregistraum momentosubstan'
cial de nossahistória e imaginafo.
12Comentando os hábitos de consumo no Brasil de fins de século, Warren
Dean obsewaque o comércio importador transformava em artigos de luxo os produtosque a industrializeÉotomeÍâ coÍrentesna Europae EstadosUnidos. Cf.,4
indusrialìzação de SãoPaalo, S:aoPa\lo, Difel, 197 | , p. 13.
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A importaçãodo românce€ suas contradiçõesem Alencar
pia asnovasfeições,copiadasà Europa, como ascopia segundo
a maneira européia.Ora, estasegundacópia disfarça,mas não
por completo, a naturezada primeira, o que pâra a literatura é
uma infelicidade, e lhe acentuaa veia ornamental. Adotendo forma e tom do romance realista,Alencar acataa sua apre ciaçío tâcita da vida dasidéias.Eis o problema:trata como sériasasidéias
que entre nós sãodiferentes;como sefossemde primeiro, ideologiasde segundograu. Soma em conseqüênciado lado empolado e acrítico- a despeitodo assuntoescandaloso
- desprovido da malicia sem a qual o tom moderno entre nós é inconsciência histórica. Âinda uma vez chegamosao nó que Machado
de Assis vai desatar.
Em suma, também nas Letras a dívida externa é inevitável,
semprecomplicadâ,e não é parre apenasda obra em que aparece. Faz figura no corpo geral da cultura, com mérito variável,e
os empréstimospodem facilmenteseruma audáciamoral ou política, e mesmo de gosto, ao mesmo tempo que um desacertoliterário. Quâi destescontextosimporta mais?Nada, a não ser a
deformaçáoprofissional,obriga ao critério unicamenteestérico.
Assim, procuramosassinaÌarum momento de desprovincianização,a disposiçãoargumentativana tonalidade que predomint em Senhora e nem por isso deixaremosde revêlo adiante em
luz desfavorável,nem lhe disfarçaremosa fraqueza, do ponto de
vista da construção.Mas voltemosatrás:no gesto,o andamento
do livro é audaciosoe inconciliável,gostariade ser uma voz nâ
aÌtura do tempo; já seulugar na composiçáo,pelo contrârio, faz
ver nesteimpulso graveuma prendade sala.A última palavrano
casoé a segunda.Por alguma razão,que o leitorjá agoraadivinha, a dura dialéticamoral do dinheiro seprestaao galanteioda
mocidadefaceira,mas não afetao fazendeirorico, o negociante,
as mãesburguesas,a governântapobre, que se orientam pelas
regrasdo favor ou da brutalidadesimples.Contudo, sãoestasas
47
Aov€nc€dor
asbalâtâs
A imponaçãodo romanc€a st|as contradiçõesem Alencar
peÍsonagens
que tornam povoadoo romence.Embora secundárias, compõem o traçado social em que circulâm as figuras centrais, de cuja imponância serãoa medida. Noutras palavras,nosso
procedirnentofoi o seguinte:filiamos o andamentodo românce
- depois de caracterizá-lo- ao círculo restrito que exprime,
tudo sempre nos termos que o próprio romance propõe. Em
seguidavimos como fica estecírculo, seconsideradorelativamente, no lugar que lhe cabeno espaçosocial,também ele de ficfo.
Qual a autoridade do seudiscurso?O que decide é o refluxo desta
segundavista: diante dela, o tom do livro e a pretensãoque o
anima fazemefeito infundado. A suadicçãodesdizda suecomposifo. O oposto justamentedo que se observano modelo: a
maneira sensacionalistae generalizantede Balzac, tão construída
e forçada, liga-sea extraordinfuio esforcp de eondensação,
e de fato
vai se tornando menos incômoda à medida que nos convencemos de suacontinuidade profunda com os inúmeros peús ocasionais, de "periferia", que deslocam, refletem, invenem, modificâm - em suma, trabalham - o conflito central, que duma
forma ou doutra é o de todos.l3Sejapor exemploo discurso
desabusado
e "centralíssimo"dalgumade suasgrandesdamas:é
revoltoso, futriqueiro, vulnerável, calculista, destemido, como o
serão,quando epâÍecerem"casualmente", o criminoso, â costureira, o pederasta,o banqueiro,o soldado.O andamentoveniginosoafasta-se
do natural, beirabastanreo ridículo, masavaliza
estadistância- o seu nível de abstra@o- com grandelastro
de conhecimentose experiência,que ultrapassede muito a latitude individual, e não é fato apenasliterário: é a somade um processosocialde reflexão,na perspectiva,digamos,do homem de
espírito. É esteo cinqüentáo vivido e sociávelque segundo Sanre
é o narrador do realismofrancês.14Dos pressupostos
históricos
destaforma falaremos adiante. Por agora basta'nos dizer que esta
reflexãose alimentavade um processoreal, novo, também ele
vertiginoso e pouco "natural", que revirava de alto a baixo a sociedadeeuropéia, freqüentando igualmente a brasileira, cuja medula no entanto não chegavaa transformar: trata.se da generalizâçáo- com seusinfinitos efeitos - da forma-mercadoria, do
dinheiro como nexo elemenar do coniunto da vida social.É a
dimensão gigantesca,ao mesmo tempo global e celular deste
movimento, que irá sustentar a variedade, a mobilidade tão teatral da composi$o balzaquiana- permitindo o livre trânsito
entre áreassociaise de experiênciaaparentementeincomensuráveis.Em resumo, herdávamoscom o romance, mas náo só com
ele,uma posturae dicçãoque náo assentavam
nascircunstâncias
locais.e destoavamdelas.Machado de Assisiria tirar muito Dar-
l3 "Comparada a outras fotmas de represcnta{o, a mútiplicidade de Balzac
é a que mais seaproxima da realidadeobjetiva. Contudo, quanto mais seaproxima dcsta, mais se afastada maneira habitual, cotidiana ou média de espelMJa
diretamente. De fato, o método balzaquiano abole os limites estreiros,costumeiros, rotineiros desta r@mduçãoimcdiata C-ontrariaassirnasfacilidades habituais
na maneire de considerara rea.lidade,e por issomesmoé sentido por muitos como
scndo 'exagcrado', 'sobrecartcgado'ctc, [...] Aliás o seu engenho não se limita às
formulaçóes brilhantes e picantcs: antcs manifcsa-sc na revelaçáobem marcada
do cssencial,na tcosáo extrema dos elementos contúrios que o compõem." G.
l.ukâcs, Balzac nd dcr Franmaiche kalismas, !íerke, vol. VI, p. 483.
48
Ì4
J.-P. Sanre,"Qu'est-ce-que la littérarure?", Sr'razriozrI I, Paris,Gallimard,
1948,pp. 176 ss.Paraum condensadocômico dos tiqucs balzaquianos,
ver a incomparável imitaçáo que deles faz Ptoust, em Pattichcs a míhngcs. O aspecto
desÊutávclc sedativodas gcncralizaçõesde Balzacé mencionado por'Valter Benjarnin, no estudombre o Fhxerr, in Charht Bar&hirc,Fr:r.kfunlM,
Suhrkamp,
1969,pp.3940.
49
Ao vencedoras batatas
A irnportaçãodo romancee suas contradiçõesem Alencar
tido destedesajuste,naturalmente cômico. Paraindicar duma vez
a linha de nosso raciocínio: o temário periférico e localistade
Alencar virá para o centro do romance machadiano;estedeslocamentoafetaos motivos "europeus",a grandiloqüênciasériae
central da obra alencarina,que não desaparecem,mâs tomârn
tonalidadegrotesca.Estaráresolvidaa questão.Mas voltemos a
SenhoraNosso argumento pârecetaÌvezarbitrário: como podem
umas poucaspersonagens
secundárias,ocupando umâ parte pequena de um romance,qualificarJhe dec.isivamente
o tom? De
fato, sefossemeliminadas,desaparecia
a dissonância.Mas restaria um romance francês.Náo é a intenSo do Autor, que pelo
contrário queria nacionaÌizaro gênero.EnÌretanto, o pequeno
mundo secundfuio,introduzido como cor local, e não como elemento ativo, de estrutura- uma franja, mas sema qual o livro
não sepassano Brasil- deslocao perfil e o pesodo andamento
de primeiro plano. Eis o que importa: se o üeço local deve ter
força bastanteparaenraizaro romance,tem-na tambémparanão
lhe deixar incontrastadaa dic@o. Pelasrazõesque vimos e por
outras que yeremos,estapassaa girar em falso. Noutras palavras,
o problemaartístico,da unidadeformal, tem fundamentona singularidadede nossochão ideológico e finalmente, atravésdele,
no concertodasnaem nossaposiçãodependente-independente
Expressaliteainda
que
o
livro
não
trate
de
nada
disso.
ções
rariamentea dificuldadede integrarastonalidadeslocalistae européia,comandadasrespectivamentepelasideologiasdo favor e
liberal. Não que o romancepudesseeliminar de fato estaoposiçáo: mas teria de acharum arranjo, em que esteselementosnão
compusessemuma incongruência,e sim um sistemaregulado,
com sualógica própria e seus- nossos- problemas,tratados
na sua dimensáoviável.
Menos que explicar,o que fizemosaté aqui foram atribuiçóes:um tom para cá, outro para lá, o enredopara a Europâ, âs
anedotaspara o Brasil etc. Paraescaparaosacasosda paternidade, contudo, é precisosubstituir a contingênciada origem geográficapelospressupostossociológicosdasformas, estessim atuais
e indescartáveis.Mais precisamente,digamos que do conjunto
mais ou menos contingente de condiçóesem que uma forma nasce, estaretém e reproduzaÌgumas- semasquaisnão teria sentído - qlrepassama sero seaefeítoliterário, o set " efieítod.erealidade"l5, o mundo que significam.Eis o que interessa:passando a pressupostosociológicouma parte dascondiçõeshistóricas
originais reaparece,com suamesmalógica, mas agorano plano
da ficção e como resultadoformal. Neste sentido, formas sãoo
abstratode relaçõessociaisdeterminadas,e é por aí que secompleta, ao menosa meu ver, a espinhosapassagemda história social para as questõespropriamente literárias,da composiçãoque sãode lógica interna e náo de origem. Dizíamos por exemplo que em SenhorahlLduesdicções,e que uma prevaleceindevidamente sobrea outra. O leitor cordato provavelmentereconheça,porque achatambém a semelhança,que uma delasvem
do Realismoeurop€u,enquanto a outra é mais presaa uma oralidade familiar e localista.Como explicaçáo,porém, estereconhecimento não chegaao problema. Por que razãonão seriam
compatíveisas duas maneiras,se incompatibilidade é um fato
formal, e não geognífico?E por que náo pode serbrasileiraa forma
do Rea.lismoeuropeu?Questãoestaúltima que tem o mérito de
inverter a perspectiva:depoisde vermos que origem não é argts'
mento, fica indicado quanto é decisivoo seu pesoreal. Enfim,
uns tantos empréstimosformais importantes,indicadosos pressupostosda forma emprestada,que vieram a sero seuefeito;descriSo dasmatériasa que estaforma estejasendoaplicada;e por
50
15Exoressão
de Álthusser.mascom outra filosofia.
Ao vencedoras batatas
fim os resultadosliterários destedeslocamento- serãoestesos
nossostóPicos.
Paracomeçar,vejamoso desenrolarda história.- Aurélia,
moça muito pobre e virtuosa,ama a Seixas,rapazmodestoe um
pouco fraco. Seixaspede-aem casemento,mes depoisdesmancha, em favor de outra que tem um dote. Aurélia herda de repente. Teria perdoadoa Seixasa inconstância,mas náo lhe perdoa o motivo pecuniário.Sem dizer quem é, manda oferecerao
ântigo noivo um câsâmentono escuro,com dote grande,mas
contrarecibo.O rapaz,que estáendividado,aceita.É onde começapropriamenteo enredoprincipaÌ. Parahumilhar o amado
e vingar-se,mas também para pôJo em brios e finalmente por
sadismo- de tudo issohá um pouco -Aurélia passaa trataÍ o
marido recém-compradocomo a uma propriedade:reduz o casamentode conveniênciaa seu aspectomercântil, cujas implicaçõespor supremaofensaváo comandaÌ a trama. A tal ponto,
que asquatro etapasda história sãochamadas"O Preço", "Quitaçáo", "Posse","Resgate".Como indica esterigorismo na condução do conflito, enredoe figura sãode linhagem balzaquiana.
Com abundância de reflexão e sofrimento levam à improvável
conseqüênciaúltima (emborahaja uma conciliaçãono final, de
que ainda falaremos)um grande tema da ideologia contemporânea. Aurélia é da família férrea e absoluta dos vingadores, alquimistas, usurários, artistas,ambicíosos etc., da.Comédiahumanq como eles,agarra-sea uma questão- dessasque haviam
cadvado a imaginação do século - fora da qual a vida passaa
lhe parecervazia. Em conseqüência,lógica e destino histórico
da.lgumaidéia reputadatornam-seelementosdeterminantesna
organizaçãodo entrecho,ganham força de princípio formal entre outros.Não que espersonâgens
encârnemuma noçãoabstÍâta, como Harpagãoencarnaraa avâreza.Mas uma abstraçáo
- que vai combinar-sea toda sorte de particularidadesde bio-
52
A i m p o r t â ç ã od o r o m â n ceê su â s co n tr a d i çõ e se m Al e n ca r
logia, de psicologiae posiçãona sociedade- é elementovoluntário e problemático de suaequaçãopessoal:decideìheso destino. Como um claráo em céu noturno, estasfiguras reflexivas e
enfáticasriscam a paisagemsocial,e deixam, além da vertigem
de seu movimento, o traçado implacáveldas contradiçõesque
opõem â sociedadea seusideais.Retomando nossofio, trata-se
dum modelo narrativo em cuja matériaenttam necessariamente
as ideologias de primeiro greu - ceftezesÌais como a igualdade, a república, a força redentorade ciênciae arte, o amor romântico, mérito e carreirapessoaÌ,idéiasenfim que na Europa
oitocentistasustentamsemdespropósitoo valor da existência.16
Neste sentido, o tomance realistafoi uma grande máquina de
desfazerilusões.Para compreender-lhea importância é preciso
vêJo em con.junto,em movimento, atravessando
fronteirasnacionais,desrespeitando
a hierarquiados assuntos:uma a uma vai
desdobrandoas convicçõesmais carasâo seu tempo, as combina àsfiguras mais fortes e dotadas, e deixa que sequebrem - ao
longo do enredo- contra a mecânicasemperdãoda economia
e dasclasses
sociais.Daí o pesointelectualdestemovimento, suâ
postura audaciosa,amiga de verdade- retomadapor AJencar.
Eis o nossoproblema que torna: importávamosum molde, cujo
efeito involuntário é de dar àsidéiasestatutoe horizonte- timbre, energia,crise- em desacordocom o que a vida brasileira
lhesconferia.Ou, do ponto de vista da composi@o:semcorrespondênciana construçãodaspersonagenssecundárias,respon-
16Para exemplo leiam-seaspáginasde Lukács sobre o papel do Romantismo no romance realista.Sendo uma ideologìa espontâneado inconformismo anticapitaÌista do séc,XI)í, a visâo romântica era matéria de romance por assim dizer obrigatória; ideologia de personagense clima liteúrio, que o enredo desrroça.
Ci "Búac, crítico de Srerà\al", op. cit .
53
Ao v€nc€dor8s balatas
A importaçãodo Íomancêe suas contÍadiçõesem AlencaÍ
sáveispela cor local. Que diria a estasfiguras, interessadassobretudo em arranjar a sobrevivência,o discurso universalizantee polêmico de Aurélia? Veremos como a própria audáciarealista,nestas circunstâncias,terá transformadoo seu sentido.
Para outro exemplo, considere-seo "maquiavelismo" de
Aurélia, a desenvolturacom que ela sebeneficiada engrenagem
social.A moça, que tivera a sortede herdar, enoja-sea princípio
com a venalidadedos rapazes.Depois, pensandobem, faz um
plano e compra o marido de seu coração.A vítima do dinheiro
vai à suaescola,e confialhe finalmente - aosseusmecanismos
odiosos- a obtenfo da felicidade.Álinha assimno campo ilustre dascriaturas"superiores",que escapamao império de fonuna e carreira na medida em que alcançaramcompreendêìo e manobrar em proveito próprio. Â seu tempo e em seu lugar estas
personagens,de que €stá cheia â ficÉo realista, foram figuras da
verdade. Livravam-se de tradiçóes envelhecidas,não eram enganadaspela moral, e pagavama sua clarividência com o endurecimento do coraSo. Traa-se de uma situa$o básicado roÌÌìence
oitocentista: as veleidades emorosâs e de posi$o social, propiciadas pela revolu@o burguesa, chocam-se contra a desigualdade, que emboratransformadacontinua um fato; é precisoadiálas, calcular,instrumentaliz:r a si e aosoutros... para únal descobrir, quando riqueza e poder tiverem chegado,que não está
mais inteiro o jovem esperançoso
dos capítulosiniciais.Com mil
variações,estafórmula em três tempos serácapital. Entre os ardoresdo princípio e a desilusãodo fim, sempreo mesmo interlúdio, de vigênciairrestritados princípiosda vida moderna:a engrenagem do dinheiro e do interesse"racional" faz o seu trabalho, anônimo e determinante,e imprime o selocontemporâneo
à travessiade provações que é o destino imemorial dos heróis.
Sãoasconseqüências,na perspectivado individualismo burguês,
da generalizadaprecedênciado valor-de-roca sobre o valor-de-
uso - também chamada alienafo - a qual se transforma em
pedra de toque para a interpretat'o dos r€mpos. Efeito literfuio
e pressupostosocial desseenredo, do momento de cáculo que é
a sua aÌavanca,estáona autonomia - sentida como coisificação,
como esfriamento- das esfereseconômicae política, as quais
parecemfuncionar separadasdo resto, segundouma racionalidade "desumana", de tipo mecânico. Paraa economia a causâestá
no automatismo do mercado,a que objetos e força de trabalho
estãosubordinadosao mesmo dtulo, e que do ponto de vista do
mérito pessoaÌé uma arbitrária montanha russa.Quanto à política, no período histórico aberto pelo estadomoderno, conforme ensinamento de Maquiavel, assuasregrasnada têm a ver com
normas de moral. Nas duas esferas,como também na da carreira, que em certo sentido é intermediária, a vida social vem afetada de sinal negativo e implacável, e é em conÍlito com ela que
alguma misa se salva.lT Esta, e não outra, é a paisagemna qual
tem poesia o descompromisso romanesco, às vezess<altante, às
vgzessinistro, entre indivíduo e ordem social. Solitárias e livres.
um desígnio atrás da testa, aspersonagensde romance planejam
os seusgolpesfinanceiros,amorososou mundanos. Uns triunfam pela inteligência e dureza,outros pelo casamentoou pelo
crime, outros ainda fracassam,e finalmente existemos simbóli-
54
17"É somentecom o séc.XVIII e na'socicdadeburguesa'que asdiferentes
formas do relacionamento social se deparam ao indivÍduo como scndo simples
insüumcntos para a consecufo de suasfinalidadcs priladas e como necessidade
er<terna."I( Marx, "EìÃeiung", in Grundrisscdtr Kitik dct poütischcn Oehonozla, Frankfun/M., EuropaeischeVerlagsansta-lt,s.d., p. 6. Cf também G. Lukács,
Dic Tbcoie &s Romans,Neuwied, Luchterhand, 1962, e Gcschichteund KbscnbcunsstsciaVerke, vol Il, cap. 4; Lucien Goldman n, Pout unemciologicda mma4
Gdlimerd. 1964.
Ao venc€dor8s batatas
cos, que fazem Ìrm pecto com o diebo. Em todas uma cena grandeza,digamossatânica,vinde de sua radica.lsolidão e do firme
propósito de usar a cabeça para alcançar a felicidade. Mesmo
Seixas,um neto atenuado de Rastignac,fz um cálculo dessetipo:
tratam-no como mercadoria?aceitao papel,e com tal rigor, que
Aurélia exasperadae finalmente derrotada pela sua obediência
acabaimplorando que ele volte a se comportar como um ser
hurnano. - Em termos de nossoproblema: sãofábulasque devem a sua força simbólica a um mundo que no Brasil não tivera
lugar. Sua forma é a meúfora tácita da sociedadedesmitologizada(entzaubm, na expressáode Max \üeber) e mistificada que
resulta da racionalidade burguesa, ou seja, da generalizac$oda
troca mercândl.
Issoposto, só em teoriadá-seo confronto direto entre uma
forma literáriae uma estruturasocial,já que esta,por serâo mesmo tempo impalpável e real, não comparece em pessoeentre as
duas capasde um livro. O fato de experiência,propriamente
literário, é outro, e é a ele que a boa teoria devechegar:estáno
acordo ou desacordo entre a forma e a matéria a que se aplica,
matéria que esta sim é marcada e formada pela sociedade real,
de cuja lógica passaa ser â representante,mais ou menos incômoda, no interior da literatura- É a forma desa matéria, portanto,
que vai nos interessar,para confronto com a outra, que a envolve. Quais então estesembriões formais, que assegurama fidelidade localista e contÍastam :rscertezâsem que assentao modelo
- que imiúvamos - do românce europeu? Falávamos, páginas atrás,de um "tom mais desafogado".Voltemos ao problema, a propósito agora do enredo, - A parte inicial do romance, chamada "O Preço", termina em suspensee clímax, na noite
mesmado casamento:Seixas"modulava o seucanto de amor, essa
ode sublime do coração", quando Aurélia o interrompe e lhe declara,de recibo na mão, que ele é um 'homem vendido". Frente
5b
A importação
doromance
e suascontradições
emAlencâr
a frente "ascastasprimíciasdo santo amor conjugal" e os intoleráveis"cem contos de réis" do dote. Nos limites do primarismo
vibrante que a ideologia românúca havia consagrado,não podia
estarmaiscarregadoo antagonismoentre ideale dinheiro.lSFim
de capítulo. Já a segundaparte abre singela e descontraidamente,
noutro registro, muito beneficiada pelo contraste. Volta atrás no
tempo, a fim de contar a história de Aurélia e de suafamília, das
origensmodestasaté a herançade mil contos. Saímosda esfera
elegante, a cena agora é pobre, de bairro ou de interior. Como
seveú, ashistórias aqui - subenredosque não chegam a determinar a forma do livro - sãode outra espécie.Pedro Camargo
por exemplo é filho natural de um fazendeiro abastado,a quem
teme mais que e morte. Vem à Corte para estudar medicina.
Gosta de uma moça pobïe, não tem coragemde contar ao pai,
casacom ela em segredo- que foge de casa,pois também na
família dela há oposifo, já que o rapaz náo é Êlho legitimado e
pode não herdar. Do cesamentonascemAurélia e um menino
de "espírito curto".19Semprecom medo de confessarao velho,
volta o estudante à fazenda, onde acaba morrendo. Deixa mulher e filhos no Rio, na posiçãoequívocada família sem pai conhecido, As mulheres costuram para viver, o filho vira caixeiro
ctc. Observe-se,neste sumfuio, que embora estejampresentesos
elementos do romance realista, a diferença é total: nem o avô de quem Aurélia irá herdar a fonunx mxi5 xdixnls - faz figura
detestávelpor ter filhos naturais, nem o filho é condenado em
nome do Âmor que não moveu montanhas, ou da Medicina, que
não erauma vocação,nem a suamulher é diminuída por ter desrespeiado família e conveniências,e nem a família dela, que afind
tBSmhotapp. |.026,1.028-9.
le ld.n, p. 1.038.
Ao vencedoras batatas
A impo.taçãodo romancêe suas contradiçõesem Alencar
de contasera pobre e numerosa,pode condenar-seporque não
incorpora um estudantesemtostão.Noutras palavras,amor, dinheiro, famllia, composture,profissão,não estãoaqui naquele
sentido absoluto,de sacerdócioleigo, que lhes dera a ideologia
burguesa e cuja exigência imperativa dramatiza e eleva o tom à
pane principal do livro. Não sãoideologiade primeiro grau.As
conseqüênciasformais são muitas. Primeiramente baixa a sua
tensão,que perde a estridêncianormativa, e com ela a posi$o
central, de linha divisória entre o aceitávele o inaceitável.Não
sendoum momento obrigatórioe coletivo do destino,o conflito
ideológico não centralizaa economianarrativa,em que irá fazer
figura circunstancial,de incidente,Nem permite o amígama de
individudismo e Declarafo dos Direitos do Homem, de que depende, para a suavibração,o enredoclássicodo romancerealista. As soluçõesnão sáode princípio, mas de conveniência, e conformam-se à relaçáode forças do momento. furanjos que no
mundo burguês seriam tidos como degradantes,nesta esferasão
como coisasda vida. Note-setambém o caráterepisódicoda história, a dispersãode seusconflitos, que de fato supõem a mencionada distensão,sem a qual a poesiado andamento errático,
táo brasileira,ficariaanuviadade moralismo.Paraa prosa,resulta
que a suaqualidadeliterária não seráda ordem da força crítica e
do problema, mas antesda felicidadeverbal, de golpe de vista,
de andamento,virtudes estasdiretamentemiméticas,que guaÍdam contato simpático e fácil com a fala e asconcep@estriviais.
Uma frrgade acontecimentos,evocadacom arte e indeÊnidamente prolongável, que vem desembocar nalguma coisa como o repertório dos destinossugestivosn€stemundo de Deus. Estamos
próximos da oralidadee talvezdo "causo", estruturamais simplesque a romanesca,masafinadacom asilusões- tambémelas
individualistas- de nossouniversosocial.Um complementoliterário da predominânciaideológicado favor: a falta de absolu-
tismo nasnormas reÍlete, sepodemos dizer assim,a arbitrariedade
do arbítrio, ao qual é precisose acomodar.Daí o encantopara
modernos desa maneira narrativa, em que osAbsolutos que ainda
hoje nos vampirizam a energia e o moral aparecemrelativizados,
referidos que estão ao fundo movediço e humano - repetimos
que ilusório - dos arranjos pessoais.Para conceber enfim a distância ideológica transposte neste mudança de registro, digamos
que ela corta ou dá circuito, como um comutador, nada menos
que ao fetichismo próprio à ciülização do Capital; - fetichismo
que isolae absolutizaos chamados"valores"(Arte, Moral, Ciência,Amor, Propriedadeetc., e sobretudoo próprio valor econômico), e que ao separáJosdo conjunto da vida social tanto os
torna irracionaisem substância,quanto depositários,para o indivíduo, de toda a racionalidade disponível: uma espéciede fisco insaciável, a quem devemose pagamosconscienciosamentea
existência.20
5õ
20 Para a consrrufo do contÍaste entÍe narrativa pré-capitalista c romance
feita sobre o fundo da transiçáo do artesanatoà produção industrial, transição
que não é a brasileira - vcja-seo admirável ensaio de \íalter Benjamio sobre o
-
narredor,in Schifien, vol. II, Frankfun/M., Súrkamp, 1955. Idealmcntee artiscando, digamos que o "causo" submete à experiência de seusouvintes, e à t!adifo em que estesseeotroncam, a simplicidade inesgoúvel de uma ancdota. Experiêncã e tradifo compostaselasrambém de anedotas,àsquais a mais rccente,
mal foi contada, já csú seincorporando. Uma história, destacadacom habilidadc
sobrc o fundo vfuio do reperrório que compõe a sabedoriacomum, eis a poesia
dcste gênero - de quc cstá banido o conhecimento conceitual, o conhecimento
que rúo tenha caufo vivida ou ttadução noutra anedota. O contrário do que se
passacom o romenc€, cujasaventurassáoatravessadas
e explicadaspclos mecanismosgeraismascontta-intuitivosda sociedade
burguesa:a poesiadesreesrána conjunção"moderna"e artisticamentedifícil de experiênciaviva, naturalmentea fim
do esforçomimético, e do conhecimentoabstratoe cririco, referidosobrerudoà
59
Ao vencedoras batatas
A importação
do romance
€ suascontradições
emAlencar
Um só romance, mas dois efeitos-de-realidade,incompatf
veise superpostos- eisa questão.Áurélia saifora do comum: seu
trajeto irá sera curva do romance, e assuasrazões,que pata serem
sériaspressupõema ordem clássicado mundo burguês,são transformadas em princípio formal. Já à volta dela, o ambiente é de
clientela e prote@o. O velho Camargo, Dona Firmina e o Sr. kmos, o decenteAbreu e o honestoDr. Torqtrato, a famíia de Seixas,
as facilidades que este encontra pan ananjar sinecuras-, são
personagens,vidas, estilosque implicam uma ordem inteiramente
diversa.Formalment€,o privilégio câbeà ordemdo enredo.Ârtisticamente,taÌ priülégio náo semateriaÌiza,pois Álencar não
formaldosvaloresburgueses
completaa preeminência
com a críticada ordemdo favor,de queé admiradoÍe amigo.Assim,a forma não só ficasemrendimento,comoé restringidaem suavigência:o sinalnegativoque por lógicâe aindatacitamenteela
aporie à matériade que diverge,é desautorizado,contrabalandzpressupoxos
inçâdopelasboaspalavras.Ora, o reaezzmento
eomPatlaeis
qrcbrd a esPinhd
àfrcção.Uma basedissociada,
a que
predominância social do valor-de-troca e às mil variantes da contradição entre
tuta romântica, cle combina a veia popular autêntica ao romantismo moderno e
igualdade formal.e desigualdadereal. A durezae a conseqüêncialógice esúo entre
ftstaarutito d^ evoa d,o.,cujo ritmo respirado e largo consttói a simbiose de me-
assuasmarcasde qualidade. Digamos portanto que no romanceo incidente é atra-
ditafo e espontaneidade- a ligaçáoprofunda e natural com naturezs e comunidade, Êngida na postura "visionfuia" * que é a poesia da escolae o sentimento
vessadode generalizafo, masque a suageneralidadeé referida a um tipo panicular
de sociedade,ou melhor, a uma etapahistórica da mesma,cifrada no conflito central. Já no causo, o incidente é puro de explicafo, e no entanto vai inscrever-se
- a despeito de seu total localismo - no tesouro a-histórico e genérico das motivaçõese dos destinos de nossaespécie,vista segundo a idéia da diversidade dos
homens e dos povos, e não da transitoriedade dos regimessociais.O causocontri-
do mundo que ela opõe à sociedadeburguesa.Em estadopuro estesegundo movimento da imaginação encontra-x em lracem4 onde jamais o mundo evocado
sedeixa estarna disúncia indiferente da objetividade. Frasea Êase,ou pouco menos, a imagem esú sempre passando,aproximando-se, desaparecendoao longe,
compensandooutra anterior, no espaço,no tempo, na afeifo * mobilidade "ins-
bui para uma casulsticadassituaçõeshumanase dastradiçóes tegionais: servepara
desasnare úvertir, fortifica e ajuda a viver a quem o saiba ouvir. Enqu,rnto o ro-
pirada" que desfaza escleroseda objetividade pura e rcstitui o elemento interessa-
mance, que pelo contúrio só desilude, tem compromisso corn a verdade sobre a
e a bela descrifo inicial de O tonco da ìpê.Grardadas asproporções, é o ritmo da
vida mrma formafo social determinada, e fu pane de um movimeoto de crítica
grande medita$o romântica, em que à custa de silêncio e intensidade mcntd a
mesmo quando não o queira. Forma histórica entre todas -
complexidade do muodo é apreendidae retid4, para recompor-se-
à qual se incorpora
livremente o conhecimento dito cientÍfico, em especial de história, psicologia e
do e paìpitanteem memótà e percepfo, Nestesenido vejasn-seta:l:bérn O gu*ani
de plenitude e darezaexaltadas-
em minutos
segundoa ordem fluente, não-mutilada, da ima-
o romance pôde
ginafo. Note-se porém nestasvisões, por afitmativas que sejam, nos poetas in-
barar até certo ponto, entrc nós, a Íiguração literária do pais. Eis o paradoxo.
glesesou em Hôldedin por ercemplo,que é sempre irreal o mundo que compõem
Enquanto o causo, incomparavelmente menos diferenciado e banhando no cau-
-
economia, além da intenfo do retrato de épocae de denúncia -
dal quaseeterno e inespecíficoda narratila oral, combina a concepçãoa-histórica
o mundo instável e fremente da visualizaçãogovernada pelo sentido interior
cuja plenitude "dwolve" aoshomens o sentimento da naturezae da vida que a
e o apreço desimpedido pela reproduçáo da circunstân-
sociedademoderna lhcs teria tomado. ÁJ uma diferença importante: e nârurezâ
cia, que lhe permite urn realismo que entre nós o Realisrno de tradiçáo literária
alencarina tem muito disso, é efetivarnente repassadade nostalgia, mas por ins-
não só não alcançara,como dificultava. No entanto; é claro que ÁlencaÌ rlão é um
contador de causos,já porque escreve.Por uma desrx falsidadesfelizesda litera-
tantes lhe acontecede ser a paisagembrasileira e mais nada. Onde os românticos,
60
ôl
-
os enleios da vida -
polemizando contra o seu tempo, imaginariamente repristinavam percepção e
emAlencar
€ suascontÍsdições
A importação
doromancs
Ao vsncedoÍ as batstss
irão corresponderno plano literário a incoerência,o tom postiço e sobretudoa despropor$o.Seem Balzacosmedianosolham
medusadospaÍa os radicais,que sãoa suaverdadeconcentrada
- os "tipos", de que fala Lukács- em Álencarolhem com espantoparaÂurélia,cujaveemênciaparecedespropósitoa alguns,
graciúa desalaa ouuos,literaturaimporada aosdois.O aspecto
programáticodos sofrimentosdela, que lhes deveriaavalizate
dignidademais que pessoal,faz efeito de veleidadeisolada,de
caprichode moça.Ora, amor, dinheiro ou aparênciasnão sen-
do absolutos e exclusivos, nada mais razoável que levar em conta os ffês espectos,e maisoutros, na hora de câser;o conflito que
e sem natural, Idem Perâe Proos ebsolutizaparecedesnecessário
E
m€smo
do Ponto de vista da coerênsa, que perecee)€gerada.
cia linear haverá dificuldades, pois embora sejaboa moçâ, compassi e desprendida, Aurélia despedechispas de fulgor satânico e aplice rigorosament€ â moral do contrato. Alguém dirá que
é a dialética,Shylock e Portia numa só personagem.Não é, pois
sehá moyimento enüe os termos,movimento atévertiginoso,o
naturcza, Álcncer contribui para a glória de scu paÍs, centando-lhe a paisagcme
lcsc quc cootraria em tudo a tcndência do século, cm que os três qucsitos briga_
vam entre si, como continuam brigando, Ainda uma vez o excmplo scrá Balzac,A
sua postura visionária, cnsaiadac nem scmpre convincente, aPÍcscnta_sacomo e
ensinando os patrÍcios a vê-la. O sonilégio romântico scrvcJhc de fato para vdorizar a sua tcrra, c não para rcdescobrila contra os contcmporâneos mcnos senslvcis. Asrim, a craltafo romântice da naturcza vcio a pcrdcr entre nós e sua força
ncgatiwe,c acrbou Êrando o padráo de nossopatriotismo cm matéria dc paisegcm.
O prcsúgio duma escolaliterfuia modcma consagrevea tcrre, que outros considcravarn rudc, c a dcscobcrtadc nossatcrra consagnwae vcrdadc da cscolaütcúria
(A. Candido, op. cia, vol. II, p. 9). Com grandc satisfaçãoc sensode progrcssoas
nossasclitcs puúam-se crn dia com o sentimcnto quc manda desesperarda civi-
fuuldadc "genial" de abarcar numa ú mirada do cspírito e Frença do czpitd; de
auscultarlhe o moúmcnto complcxo a panir de quelquer dctdhc sugcstivo, dc
fantasiar livremente a seu rcspcito, sem prejuízo dc scmpre dizer verdadcs relas,
Ênais, originais etc. Â natureza do assunto, contudo, atrepalha; a intimidadc rc_
flexiva com o mundo burgu& só e custo susteotaum clima de mcditaçáo - transeçócsnão úo púagens ncm dcstinos - dondc a ocasional imprcssão dc que o
lizafo. É o quc sechama scr um jovem pú. Dal a supcrposifo úo csquisita em
titanismo visionário dc Balzac é também um descomunal impulso fofoquciro.
hacoxa. dc pocsia da disúncia, que doura de rom.ntismo os nomes Indios e os
Álcncar, que procura a mcsma atmosfera,tcm bons resultadm quendo é rarrogzcrr'aa dcixando suspensoo cooflito de primeiro plano (em que não é fcliz), volta
acidcntes çográficos, e dc intcnfo
propriamcntc informatira e propagandística
nismo, ou nostalgia e cartão postal, combinação rccupcrada em veia humorística,
atrás para traçar, das origcns, a história dc um de seuselcmentos, o quc faz com
olho seguto, interessantcc cconômico, e também poético. Vejam-sc além da his-
e ú então vcrdadcira, na pocsia inicia.l dos Modernistas. Em verúo ignóbil, pois
destituÍde dc inçouidade, r confi.rsãode paníso c peís cmpírico - a "mcntirada
rória prévia dc Aurélia, a dc Scüas e o cap. lO, perte I, de O tmnco do ip4. Br*c c
informativo por definifo, o rctrospccto limita . ÍeÍlexão ideológicâ da pcnona-
çntil" dc quc frleweMário dc Andredc - hojc dimcnta r propagandaoâcid, Sejacomo for, o sopro da mcditafo romântica chcgou tarnbém até o romancc
çm ou do narrador - quc prcjudica o romance urbano e problcmático - e as
avcnturas descabeladas- quc prcjudicam os livros mais avcnturosos. É rca.lista
por definição: e sua rcgra é o cncadearnentoclaro e sugestivodos atos, com vistas
-
supcrposiçáoque dá margem a uma zona dc indifcrença entre lìteratura e ufa-
rcalista, cmbora diluído pela prosa cxtensac concariado pclo assunto mundano.
Em lugar da naturyzae do vilarcjo, a totalidade descnvolvidado mundo social:para
ofercccro cquilalente da plenirude contemplativa do poco, o mmancistaobriga-se
a fundir cm sua prosa a neccssáriamassadc coúccimcntos fatuais, a sua claboncão analítica c crítice. e finalmcnte o movimento dcsimocdido da reÍlexão-
62
sín-
na situaçáoque estiverane origcm do fzsh-back Rcsulta uma figurafo mais tranqülla, interessada
na descÍiÉo, c não na cÍítica. das forçasque iÉo pesar.É uma
solufo cm quc brilham o tâlcnlo mimético, a cultun brasiÌeirac a visão de con_
junto de Alcncer, ao mesmo tcmpo que se minimizam os efeitos desenconcados
Ao vsncedoÍ as bôtatas
A importaçãodo romancss suas contradiçõesEm AlencaÍ
processonão os transforma - Alencar adere aos dois, a um por
sentimentodos costumes,a ouüo por apreçopelamodernidade,
que saempuros do livro, tais como entraram.Veja-seainda neste s€ntido o peso inceno das reflexões desabusadasde Aurélia:
setêm Ìezãode ser (como teriam, sea suaforça formal fosseefetiva), assenhorasqu€ não gostam,porque asachamimpróprias,
deveriam fazer figura de hipócritas; mas não, são boas mães.Já
os rapazesdo tom, que acham picante e não se ofendem, sáo
acusâdosde insensibilidade moral, Seixaspor suavez, que romanticamente aceitarahumilhar-se a fim de reaver o apreço da amada, no final aDresentaentre as razõesde sua obediência...a ho-
norabilidade comercid, rev"alorizandoassimo nexo mercantil cuja
crftíc é a razãode ser do enredo.2l Paraver o estragocausado
no próprio tecido dâ prosa,estudem-seas páginasde abertura.
como eleA boa sociedadefluminenseé referidesucessivamente
gante,atrasadae vil, semque sejaassinalada
a contradição.Também o narrador náo é sempreo mesmo. Ora fala a linguagem conivente do cronista mundanó, ora fala como estudioso das leis
do coraçãoe da vida social,ora é um duro moralista,ora um homem evoluído,ci€nte do provincianismobrasileiro,ora enfim é
respeitador dos costumesvigentes. Áfinal, para uso do romance,
a verdadeonde estará?E no enranto, um pouco de autocrÍticae
humor transformariam estaincoerência dos juízos, que severificâ
de frasea frase,na inconstância abissalda narrativa machadiana.
De modo maisingênuo,desarranjossemelhentes
aparecem
n'A pata da gazelae em Diua. Neste segundo livro, que começa
com greça, o climâ geral - co111ssÍn $snhs74- é família, de
melindres,festinhase namoricos.No entanto o enredodispara:
os denguese acanhamentosda heroína,comuns e convincentes
de início, úo aumentâdosaté o descâlabro,e venidos para a mais
descombinadae exaltedâreÌóricâ românÌica, da pureza,da dúvida e da desilusãototais, tudo acâbandoem casamento.Entre a
banalidade da vida sociâl e a movimentaÉo do enredo, um abismo. Não falam da mesmecoisa.Ainda assim,sempreaquém do
nível que só a coerênciaartísticadá, a intriga guardacertaforça:
o seu andamento tem algume coisa crue e d€scârada,a despeito
do conformismo, algo das ficçõesviolentas,prolixas, cheiasde
castigosdeliciosose Íiunfos abjetos,com que a fantasiahumilhada compensaressentimentose ince Ítezasdayida.N'A ?ata di
de nossavida ideológica. Recursoocgsionalem Sazlora, esteandamcnto é central
em Tile O tmncodo ipl, os romancesalencarinosda fazenda.Sãolivros de intriga
abstrusa,ligada a uma noéo subliterárà do destino e da expiafo das culpas, noção quc no €ntento vem aliçirarJhes a prosa,à mancira do que vimos paÍâ o
fash-bacÉ. Emlugar èa complexidade ânâlltica dos problcmas, a forg do destino.
Nos dois esos ttata-sc de ricos Êzendciros, que deverão pagar em detalhe os esquecidos malfeitos da juventude. No entanto, quando sobc à cenae seabatesobre
os monais, o peso de suacúpa coincide em larga medida -
e r,antajosamentecom o peso do passado,com o cncadearnento e a purgafo dos antagonismos
objetivos do mundo da 6zenda: filhos ilegítimos, escravosenlouquecidos de pavor, propriedadessubtraídas,capangase assassinatos,
incêndios,superstição,levantes
na senzalaetc. biarn-se, em ?'id os capínrlos cm volta do incêndio (panc ÌV, cap.
I-X), para ter idéia de força e amplitudc dcstc movimcnto. É diás na unidade de
fôlego de seqüênciaslongasc variadas,como cstaa que nos referimos, qu€ seâte3ta a força tomântica, "subjetiva", do narrador. É aI também, na prestczâcom qu€
lhe acodemaspalavrase asimagcnsestáausente-
prestczade quc nem sempreo besrialógico
qüc â di@o dc Alencar convergecom a fala comum, pré-literária.
O andamcnto novelesco,por sua vez, decompõem-seem episódios brcves,compaúveis com a narrativa de tradição popular. Á mim, em matéria do que poderia
ter sido, pareceque sãocstcsdois os seusmelhores livros.
64
21 Senhor4p. 1.203.
Ao vencedor
as batatas
A importaçãodo romanc6s suas contradiçõesem Alêncar
gazelaa desproporçãoresulta do percurso contrário: em lugar da
monum€ntelizaçãoromântica de conÍlitos pequenos,assistimos
ao esvaziamentoaceleradoda situação romântica inicial, que no
entanto é o elemento de interessedo livro. Hoúcio, devassoleão
da moda, é oposto a Leopoldo, rapaz modesto por fora e iluminado por dentro, a ponto de ter os olhos fosforescentes.Diz o
primeiro ao segundo: "tu amaso sorriso, eu o pé", o que é figurado e literal.22De fato, materialismoe fixaçõesproibidas confrontam-secom o amor dasbelezasmorais- a propósito do pé.
Seesteé bonito, a Horácio não importa a dama;já Leopoldo, se
esta lhe fale à alma, casacom ela ainda que o seu pé seja um
"aleijáo", uma "pata de elefante","cheio de bossascomo um tubérculo", "uma posta de carne, um cepo!".23Entretanto, aos
poucos e componente perversae cruel é desarmada,deixando o
círmpo ao contraste bem comportado, de seguro desenlace,enüe o moço frívolo e o moço sincero. Insensivelmente,e nem
tanto, o assunto passaa ser outro. A insolência do conflito ideológico é como uma viga falsa, que prende a l€itura mas não sustenta, em última análise,a nerrativa. Não sendo metáfoÍasda
totalidadesocial,perversão,vida mundana, tédio, alfaiatese sapateirosda moda reduzem-sea chamariz,superpostossemmuito disfarceà falta de prestígiode nossarotina brasileirâ.Não que
estafossedesprovida de profundidade - como adiante severá,
com Machado de Âssis. Mas seria preciso construi-la. Por agora, estamosde volta ao quadro que já estudamos:o tom da moda
confere modernidade e alcanceà narrativa, que no entanto o
desqualifica; nem é necessário,nem é supérfluo. Ou melhor, é
necessfuiopâÍa to tnat a?rêsentáuel24
a literatura narrâtiva,mes
fica descalibradoquendo s€tratâ de incorporar a ela o elemento
local.Mesma coisaparao confliÌo dasideologiasmorais,que ora
é audaciosoe grave, à la Balzac, ora é superfetaçãopura, àsvezes
intenciond e humorÍstica, às vezesinvoluntária. Desnecessário
dizer que a cadaguinada destassedesmanchaa credibilidade do
contento anterior, que se vinhâ tecendo. Os salvadosliterários,
que são bastantes, também aqui devem-se à garra mimética do
Autor, que sobreviveàs incongruênciasda composiSo. A própria questão do pé, legitimada para asletras pelo temário satâni
co do Romantismo, vem a funcionar numa faixa inesperada,
mesquinhae direta, mas viva, a exemplo do que vimos para o
andamentode Diaa É origem não só de um debateinsípido enue
alma e corpo, como também de refler<õesmais íntimas e espontâneas,traduzidas por o(€mplo nos nomes dados ao defeito físico ou na maneira pela qual a sua descoberta afeta o namorado.
Por entre asgeneralidadesfiltra alguma coisa de mordente, que
faz pane duma tradição de nossaliteratura, a tradi$o - se podemos dizer assim- do instante cafajeste,reflexivo nalguns,
neturâl em outros. Paradocumentála, sejam lembradoso episódio das hemorróidas n'A moreninhade Macedo; a sensaéo
esqúsita do herói de Cinco rninutos, ptimeira história de Alencar,
quando consideraque a passageiranoturnâ e velada, em cujo
ombro colara "os lábios ardentes",nos fundos de um ônibus,
talvez fossefeia e velha; os terríveis capítulos de Eugenia, a menina coxa"Ías Memóriar póstamasdz Brás Cubat a m'ltidío àas
gtosseriasparnasiano-naturalistas,combinaSo que em si mesma
24Expressãoe problema são sugestôesde Álexandre Eulálio, que vê a dic22 Obra completa vol. I, p. 65023ldm, pp.608 e 652.
çãodeAlencar como um rcarranjo da prosa.jurídico-política dos grêmios estudanris paulistanos, a qual não deixaria nunca de vincar a sua prosa de ficção.
67
Ao vgncedoÍ ss batstas
já tem algo cafajeste;e em nossosdias aspiadasde Oswald, a
podridãoprogramática
de NelsonRodrigues,
o tom mesquinho
de Dalton Trevisan,alémde umalinha maciçae consolidadade
múica popular.
A fic$o realistade Alencaré inconsistenteem seucentro;
masa suainconsistênciareiteraem forma depuradae bem desenvolvidaa dificuldadeessencial
de nosa vida ideológica,de que
é o efeito e a repetiSo, longe de ocasional,é uma inconsistência subsanciosa,Ora, repetir ideologias,mesmoque de maneira concisae viva, do ponto de üsta da Tmria é repetirideologias
e nadamais.Já do ponto de vista da literatura, que é imitação
- nesa faseao menos- e nãojuízo, é meio caminhoandado.
DaÍ à representaSoconscientee criteriosavai um passo.Embora
tenhamosinsistidonum ladosó,o resultadode nossaanáliseé,
poranto, duplo. Passemos
a seuladopositivo.O próprioAlencaÍ
terásentidoalgumacoisado queprocuramosdescrever
nestaspáginas.Expficando-sea propósito de Scnhorae da frgurede Seixas,que fora criticadapor seupoucorelevomoral, respondeque
"talhaosseuspersonagens
no tamanhoda sociedade
Íluminense",
e gaba-lhes"justamente[...] essecunho nacional"."Os teuscolossos",diz Alencar ao seucrítico, "nestenossomundo (brasileiro) teriam aresde conviüdos de pedra".25Ora, tudo esú em
sabero que sejaessamedidadiminuÍda, esse"tamanho fluminense"em que sereconhecea marcado país.Porqueserámenor, sobpenade parecerfantasma,um arrivistafluminenseque
um francês?
Tomando a questãode maisperto, note-seque a estatura dos heróis alencarinosnão é estável.Sãomedíocres?de
exce$ol Ora uma coisa,ora outra. Oscilamentreo titânico e o
familiar, conformeâsexigênciasrespcctivasdo desenvolvimen-
doromanco
o suas
contradiçõEs
emAlEncar
A imponação
localista.ÁssimAuto dramático,à européia,e da câÍacterização
rélia,quevive no absolutomaisexaltado- lascivacomo uma
sdamandra,cantandoáriasda Norznaem voz bramidae esmagando o mundo "como um répúl venenoso"26- petgot t"
"
Dona Firmina seé mú bonia que a Amaralzinha,suacompanheirade festas2T;
logo adiante,parasublinharlhe a lucidez,eloMesmacoisacom
giam-seosseuscoúecimentosdearitmética28.
Seixas,que parafins românticosé "uma naturezasuperior"e
"predestinada",29
e no maisum rapazcomoosoutros.Em Diva,
a Medicinaé um sacerdócio,maso doutor passao tempo namorando uma meninaingtata.3oTambém o heterodoxoadorador
de botinas,em A pau dz gazcfucedomostraserum moço respeitoso,quesente"efusóes
de contentamento"
quandoo pai da
amadalhe oferecea casa.3lNa verdade,portanto,o "tamanho
fluminense"resula da alternânciairesolvida de duasideologias
A suacausa,voltandoaosnosos termos,estánavigência
diversas.
que dnham no Bresilas
prcjudicada,por assimdiz:r esvaziada,
pelo mecanismode nossaestruideologiaseuropéias,deslocadas
tura social.Isto quanto à realidade.Quanto à ficção,é preciso
deÂlencar,distinguir entrecontomaÍ com reservaa expressáo
cepSoconstrutivaejustificaçãodeum efeito,istoé,entreosgreus
de intenÉo, Já vimos que não felta exremismo a estasfiguras
- ao contúÍio do que diz o seuÂutot - particularmenteem
'- Jantt,fq P.2)).
27ld.rrr,p.959.
a I&n p.968.
zeI&n, p. | .051.
to Dirr, p. 527.
25 Em notz znqa t Scxhoq p- 1.213.
68
3rApaa dzgeda, p. 609.
69
Ao vencedor
as batatas
Senhor4 o quelhes qualifica a estatura, em prejuízo da grandeze
almejada, é a rede das relaçõessecundárias,que abala o mérito e
o fundamento ao conflito cenual, que sai relativizado.Daí o efeito
de despropoÇo, de dualidade formal, que procuramos assinalar e que é o resulado estético desteslivros, e também a sua consonância profunda com a vida brasileira. Apagada no primeiro
plano da composi$o, que é determinado pela adoção acrítica do
modelo europeu, a nossadiferença nacional retorna pelos fundos, na figura da inviabilidade literá ria, a quc Alencar no entanto
reconheceo mhito dt semelhanç^ Assïm, o tributo pago à inau,
tenticidadeinescapávelde nossaliterarurâé reconhecido,fixado
e em seguida capitalizado como vantâgem. Estâ a rrensi@o que
nos interessaestudar, do reflexo involuntário à elaboraçãoreflexiva, da incongruência para a verdade aftístice. &tamos na origem, aqui, de uma dinâmica diversa para a nossa composi$.o
romanesca-Note-se portanto o problema: ondevimos vm d$ein
dz composição,Nener vê tm accrto dz imiuçao. De fato, a Êatura formal em que insistimos, e que Alencar insistia em produzir, guiado pelo sensodo 'tamaúo Ílumincnse", tem ortraordinário vdor mimético, e nada é mais brasileiro que estaliteratura
mal-resolvida. A diÊculdade, no caso,é só aparente:em toda forma literária há um aspectomimético, assim como a imitação
contém sempre germes formais; o impasse na construt'o pode
ser um acertoimitativo - como já vimos que é, nesteqìso - o
que, sem redimi-lo, lhe dá pertinênciaartÍstica,enquanto matéria a ser formada, ou enquanto metéÍia de reÍlexão. Veiamos em
que sentido. - Alencar náo insiste na contradiçáo entre a forma européia e a sociabilidade local, mas insiste em pô-las em
presença,no que é membro de sua classe,que apreciava o progressoe as âtualidades cúturais, a que dnha direiro, e apreciava
as relaçõestradicionais, que lhe validavam a eminência- Não se
trata de indecisáo,masde adesãosimultânea a rermosinteiramen-
70
A imponação
doromsnc€
€ suas
contradiçõ€s
€mAl€ncar
te heterogêneos,
incompatlveis
quantoaosprincípios- e harmonizadosna pútica de nosso"paternalismoesclarecido".Esamos dianteduma figura inicial daquelamodernizâÉocons€Ívadoracuja história aindahoje náo acabou.32
É o problemade
nossoprimeiro cepítulo, que reapeÌeceno pleno da literatura:
onde a lógica destacombinaÉo, esdnixulamasreal?Assim, repetindo semcrltica osinteresses
Álencarmanifesta
de suaclasse,
fato
urn
crucial de nossavida - a conciliaSo de clientelismoe
ideologialiberal- ao mesmotempoque lhe desconhece
a naturezaproblemática,
razáopelaqual naufragano conformismo
do sensocomum,decujafalsidade
assuasincoerênciâs
liteÍárias
úo o sintoma.Noutraspalavras
digamosqueformaeuropéiae
sociabilidadelocal sãoromadastais e quais,com tâlento e sem
reelabora@o.
Frentea frente, no eJpaçoestr€itoe lógico de um
romance,contradizem-sc
em princípio,aopassoquea suacontradi6o naoé levadaadiantepor... sensoda realidade.Nem conciliadas,nem em gu€rrâ,não dão e referência,uma à outra, de
que precisariampâÌadesmânchaÌa suaimagemconvencionale
32Gilberto Frcyrc rcgistta o problema, com finura quanto à suapermanência, com ccgueira de classequanto àssuasdificuldades, e sobretudo scm o mênor
distanciarnento-
a despcito dos quaseccm anosque sepassaram:"Dc modo que
precisarnosestar atcntos a cssacontradiçáo de Alcncar: o seu modcrnismo antipatriarca.lnuns pontos - inclusivc o desejode 'cera emancipafo da mulher' c o seutredicionalismo nouttos pontos: inclusivc no gosto pela Íìgun cestiçamcntc
br*ilein da sinhazinhadc casagrandepatriarcal". "É como seÂlencar,atravá dcssa
Álice ao mesmo tempo tradiciondista c modernista, familista e individualista, tivcsseseantecipedoà tcntatiwedc rcnovafo da cultura brasileirasobrc bascao mcsmo tempo modernistac tradiciooalistaquc foi, cm nossosdias, o Movimento
Regionalistado Recifc, ao lado do mais grandioso Modcrnismo de São Paulo, do
qual anubém uma alasc csforçou pela combinafo daquelescontrários," G. Freyre,
Josl dzAlarat No dc Janciro, Ministério da Educaçãoe Saúde,Os Cadernos de
Cultura,1951,pp. 15,27-8.
7l
Aovonc€dor
asbatstas
ganhar integridade artísricâ: a primeira fica sem verossimilhança, a segundaÊca sem imponância, e o todo é peco e desequilibrado. Todo, n6 s11ârì16- ç15a surpresa- em que há felicidadeimitativa, o 'cunho nacional"que levaAlencar a insistir na
receita,a esabiliá-la para asnossasletras.para a tradiéo de nosso
Realismo, é o seu legado mais profrrndo. Assim, falência formal
e força mimética estãoreunidas.O leitor dá-seconta de oue ao
dizêlo estamosrelendo o livro por outro prisma.A inconsistê.rcia agoraé vista não como fraquezaduma obra ou dum autor _
como repetiçãode ideologias- mas como imitaS.o de um as_
pecto essenciaÌda realidade. Não é efeito final, mas Íecurso ou
ponto de passagempara outro efeito mais amplo. Traa-se de uma
leirura de segundograu, que ,..up.r, p.r" à reflexãoa verdade
nem semprevoluntária do "tamanho Íluminense".Note-setambém que o defeito formal é ingrediente, aqui, a mesmo tínrlo que
os ingredientes que o produzem a ele, defeito. De forma a inconsistênciapassaa matéria. Tanto assimque em lugar da combinaçáode dois elementos- forma européiae matéria local que resultaprecária,temos uma combinaçáode três: o resultado precário da combinação de forma européia e maréÍia locel,
que resultaengraçado.Substituindo o primeiro efeito, rebaixado a elemento, apareceum segundo, diverso e desabusado,cula
graçaestánas desgraças
do primeiro. É verdadeque seu rendimento intelectuale artísticofaz faltaquasecompletaem A.lencaÍ.
ParaapreciáJo, serápreciso esperarpela segundafue de Machado
de Assis.Não obstante,é a própria substância- a desenvolver
- do "tamaúo fluminense". Em abstratoseriao seguinte:seo
efeito desencontrado é um dado inicial e previsto da consÌruÉo,
deveriadimensionare qualificar os elementosque o produzem,
além de lhes redefinir as relações.Deveria relativizar a pretensão
enfãtica do tem,ário europeu, redrar eo temário localista a inocência da marginalidade, e dar sentido calculado e cômico aos
72
A importaçãodo Íomanc6€ suas contradiçõesem Alencar
desnlveis narrativos, que assinâlam o desencontro dos postulados reunidos no livro. O leitor esú reconhecendo, espero, a tonalidade machadiana.Tdvgz seconvençamais, levando em conta
umâ questáo de escala:se a qualidede imitativa resúta da fratura do conjunto e Êaque.jaem suaspaÍtes, em que no entento se
demora a leitura, estaserátediosa - como de fato é - e há erro
de economia literária, Para aproveitar a solução, seria preciso
concenúilâ, de modo a darlhe presençaa todo momento da
narrâtiva;transformaro efeito de arquiteturâ em química da escrita. Ora, a prosa machadianacomo que dependeda miniaturizafo prévia dos circuitos do Íomance de AlenceÍ, cujo espaço
ideológico inteiro, inconsistência inclusa, ela percorre quaseque
a cadafrase.Reduzida,rotinizada, estilizadacomo unidade rítmicâ, a desproporção entre as grãnd€s idéias burguesase o vaivém do favor transforma-se em dicção, em música sardônica e
familiar. Da inconsistênciaformal à incoerênciahumorística e
confessa,o resultado tornou-s€ ponto de pâÍtida, matéÍia mais
complexa, que outra forma iú explorar, Não sugiro com isto que
o romancede Machado se.iao produto simplesda crítica ao romance de Álencâr. A tradi$o literária náo corre assim s€paradâ
da vida. Na verdade os problemas de Alencar eram com poucâ
tÍensposiéo os problemasde seu tempo, continuidade fácil de
documentar com discursose matéria de imprensa,qu€ sofriâm
dasmesmascontradiçõese desproporções.Machado podia emendar num como noutro. Nem setrata propriamente de influência, que houve e não é difícil de catar. O que interessaexaminar
de mais peno, aqü, é a formaSo de um substrato literário com
densidadehistóricasúciente, capazde sustentaruma obra-prima. Voltemos atrás,à força mimética do impasseformal. Bte
último resula, conforme a nossa análise, da incorporat'o acrítica duma combina$o ideológica normal no Brasil - submetida à exigência de unidade própria ao romance realista e à litera-
73
Aovencedor
ôsbatatas
ture moderna. Repetindo ideologias, que são elas mesmesrepetiçõesde aparências,a literatura é ideologiaela também. Segundo momento, o impasse é tido como caÌacteÍístico da vida nacional. Em conseqüência, pessae ser um efeito conscientemente procurado, o que é o mesmo que relativizara combinaçãode
ideologiase formasque o produz, uma vezque não valem por si
mesmas,maspelo fraco resultadode seuco nvlvio. A repetiçãoidzo_
hgiea de ideolngiasé intenompid4 por efeito da fidelidade mimética.Ássim, "tamanho fluminense,,é um nome paraestehiatoziúo, que sem ser uma ruptura levadaaté o fim, virtualmente basta para redistribuir os acentose remanejar as perspecdvas,
fazendo vislumbrar o campo de uma literatura possível,que não
sejareconfirmat'o de ilusóes confirmadas - passoque úachado irá dar. No que toca ao escritor, esta modificafo pode ter
muitas raóes. Do ponto de vista objetivo, que nos impo rta agol:^,
ela leva a incorporaÌ às letras, mqa4nto ra4,o momento de impropriedade que a ideologia européia tem entre nós, Noutras palavras,o processoé uma variantecomplexada chamadadialética
de forma e conteúdo: nossâmaréria alcança densidade suficiente só quando inclui, no próprio plano dos conteúdos,a falência
da forma européia, sem a qual não csramos completos. Fica de
pé naturdmente o problema de encontrar a forma apropriadapara
esta nova matérie, de que é pane essenciala inanidade das formas a que por força nos apegamos.Ântes da forma, poranto, foi
preciso produzir a própria matéria-prima, enriquecêJa com â degrada$o de um universo formal. Note-se a propósito desa operafo que o seu móvel é puramente mimético. Semelhança,assim, não é um fato de superflcie. O trabalho de ajustamento da
imita$o, à primeira vista limitado pelo acasodas aparências,
como que preperao curso de um novo rio. Seusefeitos oara a
composifo, determinadospcla o<igêncialógica- histórìca
da matéria utilizada a bem da semelhança,ultrapassaminfinita-
74
6mAlencar
A importação
doromancs
e suascontradiçõos
mente o cíÍculo esüeitodo mimetismo, que no entanto os úaz à
luz. Neste sentido, pâÌe uso do escÍitor, o "tamanho fluminense"
pod€ ser um go critério nacionalistae imitativo, que dispensa
de maioresdefinições;obiedvamente,contudo, produz algo como
uma ampliaÉo do espaçointerno da matéria literária, a qual passa
e compoÍtar uma permenente referência transatlântica, que será
sua pimenta e v€rdade.Noutros termos, para construiÍ um romance verdadeiro é preciso que sua matéria sejaverdadeira. Isto
é, para nossocasode paísdependente,que sejaumâ sínteseem
qu€ figure com regularidade a marca de nossaposiÉo diminuÍda no sistemanascentedo Imperielismo. Por força da imita$o,
da fidelidadeao "cunho nacional", asideologiasdo favor e liberal es6o reunidasem permanência,formando um quebra-cabeças
que ao ser armado - a forg de lógi cz, e já nío de mimetismo
- iní dar uma figura novae não-diminuída da diminuifo burguesa,cujo ciclo ainda hoje nos interessa,pois náo se encerrou.
Ficou para o fim o defeito mais evidente de Senhora o seu
desfechoaçucarado. Imagine-se quanto a isto um final diferentc, que "o hino misteriosodo santo amor conjugal" não estragasse:o romenceteria uma fraquezaa menos,masnão seriamelhor. Nenhum dos problemas que viemos apontando estaria resolvido. O feúo róseoou pelo menosedificantenão é especialmente ligado à literatura brasileira, mas ao romance de conciliaSo social, de Feuillet e Dumas Filho por exemplo, que foram
influências diretas. Estessim destruíram a sua literatura à força
de cálculos conformistas. Tome-se o Rornan dhn jetne homme
paurre, de Feuillet, e tornem-se agudas as contradições que ele
É que
atenua:estaríamosdiante de um bom romancerealista.33
33Com intcnfo
contrfuia, Paú Bourgct faz a mesmeobservação:"Irndo
os scuslivtos, sente-se
uma cstimasingularporcste nobreespírito,quc, dadocm-
tq
Ao vencedoÌas batatas
Feuillet,comoAlencar,é herdeirode umatradi$o formalcom
os pressupostos
críticos da revoluçãoburguesa.Senhorae o Ronaneedz um moçopobre circulamentre o quano modestoe o
palacete,a cidadee a província,o escritóriodo negociantee os
jardins da amada,o sentimentoaristocráticoe o burguêsetc.No
livro de Feuillet,osantagonismos
implicadosnestadisposi$o de
espaços
e temâssãocomo sombrasde dúvida e subversão,
debeladaspela virtude daspersonagens
positivas,Triunfa uma liga
exemplarde aristocratasigualitáriose burguesessemgânância.
No enÉnto, os problemasda revoluÉo burguesanão só estão
formalizadosno travejamentodo romancerealista,a quesefilia
Feuillet, como sobretudotrabalhama própria realidade,o corpo socia.l
da Europa,queé a matériavivadestaliteratura.Assim,
disfarçarascontradições
sociaise desmanchar
o relevoliterário
sãonestecasoumae a mesmacoisa.O casoé outro comAlencar,
quealiásconciliaapcnasno final e nãoé conformistano percurso,em queé audaciosoe amigodecontradições.rQue fazercom
estaforma,seasoposições
deprincípioquea compõemnãovincam tambéma matériaque deveorganizar?Sea fazendado velho Camargonãoé o lugar dasvinudesprovincianase aristocráticas,masdo Capital e tambémdos cosrumesdissolutosda es-
bore às audáciasda aná.liscc às curiosidadcs pedgosas,soubc guardar o culto do
cavalheiresco,da mulhc r c do anot" . Cf. Paga dt citQ* o dc doctrinc,Paris,Plon,
1912,p. I13. Impressionadotalvezcom a Comuna dc Paris,DumasFilho é mais
dircto: "Foi-seo tempo dc scr espirituoso,amcno, libertino, sarcá.srico,
cético e
fannsioso; úo é hora para isso.Deus, a naturcza,o traba.lho,o clsarncnto, o arnor,
a criança, úo coisas írias" . Prefkio de La fmmc & Chrdz, citedo cm H. SGcnhman c K B. Vhitwonh Jr. (orgs.),lzlro bgie dcsp faca & nnawfançais
du XIX' Siàcb,Pais,lúlie:d, 1964,p.325.
34A distinéo cntrc conformismo e conciliação em Alencar
me foi feita por
ClaraÂlvim.
A importaçãodo romancaI suas contradiçõos.m Alencar
cÌavaria,qual o resultadode seuconfrontocom e cuPideze a
leviandadeda Cone?sejaqual for, náosomacom o conÍlito central, nem lhe responde.Andogamente,eo mudaÍ de seuquâÌto
pobreparao palaceteda esposa,Seixasnão mudapropriamente
de classesociale sobrerudode ideologia- como fede suPoro
contrâst€doslugaÍes;mudaú de níveldeconsumo,comos€diria
hoje,o que tira a forçapoéticaà localizafo da afo. Etc., etc. Se
que definema forma nãogovernamtambémo cháo
asoposições
artlstico
sociala que elaseaplica,rigor formal e desequilíbrio
estaÍáojuntos, e haveráconformismono próprio desassombro
- Ínâsplescom que seponhamcontradiçõesditas 11çmgncles
tigiadas.Daí aliásum efeitoesquisitodestesromances,que sennãoproduzema imdo voltadosparaa históriacontemporânea,
porquea poesia
pressáo
de ritmo históricoalgum,Justamente,
isto
é, da corresao
vivo,
da
periodiza$o
desteúltimo depende
pondênciaenúe a matériede conÍlitos bem datados,e asconqueorgânizem
o conjuntoemseumovimenuadi@cshistóricas
quea melhorcontribuição
to. - Assim,depoisde mostrarmos
de Alencarà formaéo de nossoÍomenceestánospontosfracos
de sualiteratura,vejamostambémcomoa suâfraquezaPassa
Por
pontosrealmentefones,que tomadosisoladamentesãoméritos
de escritor.A propósito de Smhora"Antonio Candido observa
que seuessunto- a comPrâde um marido - dá forma não só
ao enredo,como repercutetambém no sistemamea.foricodo
formal,cujo efeitoquelivro. Traa-sejustamenteda consistência
remoses dar. "A heroína,endurecidano desejode vingang,
posibiliada pelapossedo dinheiro,inteiriçaa dma comosefosse
do outro por meio do
agenteduma operafo de esmagamento
E asprópriasimagensdo
capitd, que o reduza coisapossuídâ.
personalidade,
tocadaPela
mineralizaçáo
da
estilomanifesama
capitalista,
atéquea dialéticaromânticado amor
desumanizaSo
No conjunto,como
recuperea suanormelidadeconvencional.
77
Ao voncêdor as batatas
no poÍmenorde câdepaÌte,osmesmosprincípiosestruturaisenformama matéria."3'De fato, o movimentodramáticotransformaa meninarica,erpostaà "rurbadospretendentes"36,
emmulher revoltadae veemente.Quandotem a iniciativa,Âuréliaconsiderao mundo atravésdosóculosdo dinheiro, com a intenSo
de devolverem dobro ashumilhaçõessofridas.Reversoda medalha,quandosentea própriapessoa
er(postaâosmesmosócrrlos,
sobrevêma lividez marmórea,os lábioscongelados,asfaces.jaspeadas,a crispaSo, a voz ríspidae metalizadaetc.37Até aqú, a
dialéticamoral do dinheiro e o mal que ele fazàspessoas.
C,ontudo, comojá sugeremo mármoree o jaspe,o moümento é mais
complo<o.A mineralizaçãoa queserefereAntonio Candidoestá
na intersec$o de muitas liúas: durezanecessária
para instrumentdizaro outro, recusavisceralde empresara própriahumanidade ao cálculoalheio, paganismoda matériainconscientee
da esútua, recusado corpo, substânciascrâs etc. Em suma,o
ob.ietoda crítica econômicatem prestígiosexud. "E o mundo é
assimfeito quefoi o frrlgor satânicoda belezadessamulher a sua
maior sedu$o. Na acerbaveemênciada alma revolta,pressentiam-seabismosde paiúo; e entrevia-seque procelasde volúpia
haviade ter o amorda virgembacante."38
Assuntoexplícito:o
diúeiro recalcaossentimentosnaturais;assuntolatente:diúeiro, desprezoe recusaformam um conjunto erotizado,que abre
perspecdvas
maismovimentadasquea vida convencional.Noutraspalavras,o diúeiro é deletérioporqueseparaa sensualida-
sm Alencsí
do romancoo suascontradiçõ€s
A importação
de do quadrofamiliar oristente,e é interessante
Pelamesmaracm Alencar,entreriquezâ,indePendênáo. DaÍ a convergência,
cia feminina, intensidadesensuale imagensda esferada prostitui@o. Como sevê, o desenvolvimentoé d€ audáciae compleverdadequebem apoiedona Damadzsca'
údade consideráveis,
formal com que Alencardemélias,Iso posto, a conseqüência
em
lugarde eliminar- a duasenvolveo seuassuntofonalece
lidadeformal queviemos€studándo:colocano ccntrodo romance a coisificaçãoburguesa.les relaÉes sociais.Onde Antonio
Candidoapontaumasuperioridade,queexiste,há tamMm uma
fraqueza.A utilizaçãoinstrumental e Portento o antagonismo
absolutoé o modelo,aqui,da relaçãoentreosindivíduos'Ora,
do capitalismolibeesseé um dosefeitosideológicosessenciais
realisasignificáJo
do
romance
dos
méritos
é
um
ral, assimcomo
em suaprópriaestrutura.Mâs náo erao princlpio formd de que
emboranosfosseindispensável- como teme.
precisávamos,
35Ántonio Candido,"CrÍtica e sociologia",rz Liutanra c socicdadt,
Sío
Paulo,Compaúia EditoraNecional,1965,pp,6-7.
36Smhotep.954.
37ldza pp.l.O28,1.044.
3EI&n, p.955.
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