Veja por dentro
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Veja por dentro
Para os meus filhos: Nic, Noah, Nohemi e Gustavo. Os filhos são a startup das startups, e eu tenho quatro. arte da startup.indd 7 22/10/15 14:15 Há muitos anos, Rudyard Kipling fez um discurso na McGill University, em Montreal. Nele disse algo notável, que merece ser recordado. Alertando os alunos face a um excesso de preocupações relativas a dinheiro, posição social, ou glória, afirmou: «Um dia, irão conhecer alguém que não se preocupa minimamente com nenhuma dessas coisas. Então, perceberão o quanto são pobres.» — Halford E. Luccock arte da startup.indd 9 22/10/15 14:15 Agradecimentos Quando der conselhos, procure ajudar o seu amigo e não satisfazê-lo. — Sólon VERSÃO 2.0 M uito obrigado a todos os leitores dos meus rascunhos. Eles sugeriram centenas de alterações que tornaram este livro muito mais útil e relevante. Ankit Agarwal, Biji Anchery, Christopher Batts, Mark Bavisotto, Stephen Brand, Drª. Julie Connor, Gergely Csapó, David Eyes, David Giacomini, Oskar Glauser, Allan Isfan, David F. Leopold, Eligio Merino, David Newberger, Greta Newborn, Mike Sax, Derek Sivers, Dale Sizemore, Eleanor Starr, Steven Stralser, Leslie Tiongco, Julius Vincze e Maruf Yusupov. Um obrigado especial, também, àqueles que foram muito além do que lhes era pedido: Raymond Camden, Mark Coopersmith, Andy Dahlen, Peg Fitzpatrick, Michael Hall, Chelsea Hunersen, Mohanjit Jolly, Bill Joos, Doug Leone, Bill Reichert, Beryl Reid, Peter Relan, Mike Scanlin, Ian Sobieski, Stacy Teet e Hung Tran. Expresso igualmente a minha gratidão para com a equipa da Portfolio: Rick Kot, Will Weisser, Adrian Zackheim, Diego Núñez, Stefanie Rosenblum, Victoria Miller e Tara Gilbride. Foi fantástico poder voltar a trabalhar com esta grande equipa. Foi bom trabalhar de novo convosco. Espero não vos ter levado à loucura. E, por fim, obrigado a ti, Sloan «Hitman» Harris. Fico feliz por estares do meu lado. 11 arte da startup.indd 11 22/10/15 14:15 Índice Escreva o que sabe. Isso irá deixá-lo com muito tempo livre. — Howard Nemerov Para Ler em Primeiro Lugar 15 Conceção Capítulo 1: A Arte de Começar 19 Ativação Capítulo 2: A Arte de Lançar 47 Capítulo 3: A Arte de Liderar 83 Capítulo 4: A Arte de Ser Autossuficiente (Bootstrapping)105 Capítulo 5: A Arte de Angariar Financiamento 123 Capítulo 6: A Arte De Apresentar 163 Proliferação Capítulo 7: A Arte de Construir Uma Equipa 199 Capítulo 8: A Arte de Evangelizar 217 Capítulo 9: A Arte de Socializar 241 Capítulo 10: A Arte de Fazer Chover Dinheiro 273 arte da startup.indd 13 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP Capítulo 11: A Arte de Estabelecer Parcerias 289 Capítulo 12: A Arte de Perdurar 301 Dever Capítulo 13: A Arte de Ser um Mensch321 Epílogo325 Pós-Epílogo 327 14 arte da startup.indd 14 22/10/15 14:15 Para Ler em Primeiro Lugar Nunca pensei em compor por reputação ou por honra. Preciso de deixar sair o que tenho no meu coração; essa é a razão pela qual componho. — Ludwig van Beethoven «S e soubesse na altura o que sei agora…» Estas palavras são, a dado momento, ditas pela maior parte dos empreendedores. O meu objetivo é que, depois de lerem este livro, não tenham de as dizer. Lancei três empresas, investi em dez e aconselhei organizações de apenas duas pessoas ou tão grandes como a Google. Trabalhei na Apple em duas ocasiões e sou o evangelista-chefe de uma startup chamada Canva. Centenas de empreendedores fizeram-me apresentações, ao ponto de o meu ouvido direito não parar de zumbir. No que a startups diz respeito, já passei por isso vezes sem conta. Agora estou a fazer aquilo a que os fanáticos dos computadores chamam um «core dump» ou, por outras palavras, estou a registar o que tenho na memória. O meu conhecimento vem das minhas cicatrizes — ou seja, vão tirar partido da minha visão retrospetiva. O meu objetivo é puro e simples: quero tornar o empreendedorismo mais fácil para si. Quando morrer, quero que as pessoas digam: «O Guy capacitou-me.» Quero que sejam muitos a dizê-lo, pelo que este livro é destinado a uma vasta população: 1. H omens e mulheres que, nos seus escritórios, garagens e residências estão a criar o próximo grande fenómeno mundial. 15 arte da startup.indd 15 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP 2. A lmas corajosas que, ligadas a uma grande empresa, trazem novos produtos ao mercado. 3. E mpreendedores sociais em instituições sem fins lucrativos que querem fazer deste mundo um lugar melhor. Grandes empresas. Grandes repartições. Grandes escolas. Grandes igrejas. Grandes instituições sem fins lucrativos. Grandes empreendedores. É esse o plano. Alguns pormenores antes de arrancarmos: • A minha ideia inicial passava, simplesmente, por atualizar o livro. Porém, não parava de acrescentar, alterar e apagar. Assim, esta não é uma revisão do tipo «1.1». Esta é uma revisão «2.0», completa, integrada, feita a sério. Quando o meu editor na Penguin me disse para ativar a opção Registar Alterações no Word, para que a revisão do texto fosse mais fácil, eu ri-me. Esta versão 2.0 é 64% mais longa do que a versão 1.0. • Para abreviar, e porque os empreendedores têm, na sua maioria, mais semelhanças do que diferenças, recorro à palavra «startup» para me referir a qualquer tipo de nova instituição — com ou sem fins lucrativos — e à palavra «produto» para me referir a qualquer novo produto, serviço ou ideia. Pode aplicar as lições deste livro para lançar praticamente tudo, por isso não se prenda por questões semânticas. • Por cada recomendação há uma exceção, e eu posso também estar errado. Aprender de ouvido é arriscado, mas esperar por uma prova científica também o é. Lembre-se, poucas coisas estão certas ou erradas no empreendedorismo; há, isso sim, coisas que funcionam e coisas que não funcionam. Parto do princípio de que o seu objetivo é mudar o mundo e não estudá-lo. O empreendedorismo implica fazer, não aprender a fazer. Se a sua atitude é «Deixemo-nos de tretas, vamos ao que importa», está a ler o livro certo, escrito pelo autor certo. Prossigamos… Guy Kawasaki Silicon Valley, Califórnia [email protected] 16 arte da startup.indd 16 22/10/15 14:15 CONCEÇÃO arte da startup.indd 17 22/10/15 14:15 CAPÍTULO 1 A Arte de Começar A frase mais entusiasmante que se pode ouvir na ciência, aquela que anuncia novas descobertas, não é «Eureka!» (Descobri!), mas sim «É curioso…». — Isaac Asimov O ESSENCIAL É muito mais simples fazer as coisas bem desde o início do que corrigi-las mais tarde. Nesta fase, está a criar o ADN da sua startup, e este código genético é permanente. Prestando atenção a algumas questões importantes, poderá construir os alicerces certos e ficar, assim, livre para se concentrar nos desafios maiores que terá pela frente. Este capítulo explica como começar uma startup. Responda às questões simples Existe o mito de que as empresas de sucesso começam com grandes ambições. Diz-se que, para ser bem-sucedido, o empreendedor deve arrancar com objetivos megalómanos. Penso o contrário. A meu ver, as grandes empresas começam por colocar questões simples: •E NTÃO, E DEPOIS?1 Esta questão surge quando identifica ou prevê uma tendência e avalia as suas consequências. Funciona assim: «Toda a gente vai ter um smartphone com câmara e acesso 1 Inspirado na obra The Art of Profitability, de Adrian Slywotzky 19 arte da startup.indd 19 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP à Internet.» Então, e depois? «As pessoas poderão tirar fotografias e partilhá-las.» Então, e depois? «Devemos criar uma aplicação que permita às pessoas carregarem as suas fotos, avaliarem as fotos dos outros e colocarem comentários.» E, voilà, eis o Instagram. • ISTO NÃO É INTERESSANTE? A curiosidade intelectual e as descobertas acidentais potenciam este método. Spencer Silver estava a tentar fazer cola mas criou uma substância que mal conseguia juntar dois papéis, uma cola de fraca aderência. E isso acabou por conduzir às notas de Post-it. Ray Kroc era um vendedor de equipamentos que reparou que um pequeno restaurante no meio do nada encomendou oito batedeiras. Por curiosidade, visitou o restaurante e ficou impressionado com o seu sucesso. Apresentou a ideia da criação de restaurantes semelhantes a Richard e a «Mac» McDonald, e o resto é história. •E XISTE UMA MANEIRA MELHOR? Frustração com o estado atual das coisas é a base deste caminho. Certa vez, Ferdinand Porsche disse: «No início, olhei à minha volta e, não vendo o automóvel dos meus sonhos, decidi construí-lo.»2 Steve Wozniak criou o Apple I porque acreditava que havia uma maneira melhor para aceder a computadores do que ter de trabalhar para o governo, numa universidade ou numa grande empresa. Larry Page e Sergey Brin acharam que medir o número de links para um site era uma forma mais eficaz de hierarquizar os resultados das buscas online, e iniciaram o Google. •P ORQUE É QUE A NOSSA EMPRESA NÃO FAZ ISTO? Neste caso, a força catalisadora é a frustração com o empregador atual. Você está familiarizado com os clientes de um mercado e com as suas necessidades. Diz à sua chefia que a empresa deveria criar um produto porque os clientes precisam dele, mas a chefia não o ouve. Por fim, acaba por desistir e faz você mesmo. 2 Forbes FYI (Inverno de 2003): 21. 20 arte da startup.indd 20 22/10/15 14:15 A Arte de Começar •S E É POSSÍVEL, PORQUE NÃO O FAZEMOS? As grandes inovações muito raramente têm um mercado garantido à partida, por isso este caminho carateriza-se por uma atitude «que se dane». Por exemplo, um telefone portátil era algo de incompreensível para a maioria das pessoas quando, na década de 1970, a Motorola o inventou. Na altura, os telefones estavam associados a lugares e não a pessoas. Contudo, Martin Cooper e os engenheiros da Motorola arriscaram, criaram-no, e o resto é história. Não deixe que alguém lhe diga que a teoria «se o criarmos, os clientes virão» não resulta. «A génese das grandes empresas deve ser a resposta a per guntas simples que mudam o mundo, não o desejo de ficar rico.» •Q UAL É O PONTO FRACO DO LÍDER DO MERCADO? Três fatores tornam um líder de mercado vulnerável: primeiro, quando um líder está comprometido com uma forma de fazer negócio. Por exemplo, a IBM distribuía computadores através de revendedores, pelo que a Dell decidiu inovar e fazer vendas diretas. Segundo, quando os clientes do líder do mercado não estão satisfeitos. Por exemplo, a obrigação de se deslocar às lojas da Blockbuster para levantar e devolver os filmes abriu as portas à Netflix. Terceiro, quando o líder está a espremer ao máximo uma máquina de fazer dinheiro e deixa de inovar. Foi isso que deixou o Microsoft Office à mercê do Google Docs. «Como é que podemos fazer montes de dinheiro?» não é uma das questões. Podem chamar-me idealista mas, para mim, a génese das grandes empresas deve ser a resposta a perguntas simples que mudam o mundo, não o desejo de ficar rico. EXERCÍCIO Complete a frase: se a sua startup não existisse, o mundo seria um lugar pior porque _______________________ . 21 arte da startup.indd 21 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP Descubra o seu Espaço Ideal Se tem a resposta a uma dessas questões simples, o passo seguinte é encontrar um espaço ideal viável no mercado. Mark Coopersmith, coautor de The Other “F” Word: Failure — Wise Lessons for Breakthrough Innovation and Growth e professor na Haas School of Business, ajuda os empreendedores a conseguirem fazê-lo através de um diagrama de Venn com três fatores: •C ONHECIMENTOS ESPECÍFICOS. Isto é o somatório de tudo o que você e os seus cofundadores conseguem fazer. Embora ainda não tenha uma equipa completa, terá de possuir já uma base de conhecimentos fundamentais específicos e a capacidade para criar algo, pois só assim a sua startup poderá arrancar. •O PORTUNIDADE. Existem dois tipos de oportunidades: um mercado existente e um mercado potencial. Qualquer dos dois serve, mas convém confirmar a dimensão do mercado nos primeiros anos. Há uma razão para as pessoas assaltarem bancos e não bazares de produtos em segunda mão. Há alturas, porém, em que não há forma de provar que uma oportunidade existe realmente e aí a única coisa a fazer é acreditar. •P AIXÃO. Este ponto pode ser algo traiçoeiro, pois não é fácil perceber se é a paixão que causa sucesso ou se é o sucesso que causa paixão. Todos partem do princípio de que é a primeira que está certa mas, sejamos honestos, é fácil deixarmo-nos entusiasmar por um negócio que resulta, pelo que a segunda opção também é correta. Ainda assim, o sucesso demora tempo a alcançar, por isso é bom que, no mínimo, não deteste o que está a fazer. 22 arte da startup.indd 22 22/10/15 14:15 A Arte de Começar Conhecimentos específicos Paixão Espaço ideal Oportunidade Não fique com a ideia de que todos estes três fatores são necessários ou até óbvios logo no início. Se tiver, pelo menos, dois deles pode, depois, esforçar-se por desenvolver o terceiro. Encontre almas gémeas O próximo passo é encontrar almas gémeas para embarcarem na aventura — pense em Bilbo Baggins n’A Irmandade do Anel. As pessoas adoram a ideia de um inovador solitário: Thomas Edison (lâmpada elétrica), Steve Jobs (Macintosh), Henry Ford (automóvel Modelo T), Anita Roddick (The Body Shop), Richard Branson (Virgin). Mas essa ideia é errada. Por norma, as empresas bem-sucedidas têm início (e êxito) graças ao contributo de, pelo menos, duas almas gémeas. As pessoas até podem acabar por reconhecer um dos fundadores como o inovador, mas a verdade é que é necessária uma equipa para que qualquer nova empresa resulte. «É o primeiro seguidor que torna um louco solitário num líder.» 23 arte da startup.indd 23 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP Para ilustrar este conceito, Derek Sivers, fundador da CD Baby, mostrou um vídeo durante a conferência TED2010 que começa com uma pessoa a dançar sozinha num campo. A ela junta-se uma segunda pessoa, depois uma terceira e acaba por se juntar uma multidão, num autêntico festival de dança. De acordo com Sivers, o primeiro seguidor desempenha um papel importante, pois é ele que confere credibilidade ao líder. Os seguidores subsequentes imitam o primeiro seguidor, não apenas o líder. Nas suas palavras, «é o primeiro seguidor que torna um louco solitário num líder». Numa startup, esse primeiro seguidor é, geralmente, um cofundador. Almas gémeas cofundadoras necessitam de ter, simultaneamente, semelhanças e diferenças. As principais semelhanças desejáveis são: •V ISÃO. Embora esta se tenha tornado numa palavra sobreutilizada por visionários pretensiosos, no contexto de almas gémeas ela significa que os fundadores devem partilhar uma intuição similar em relação à forma como a startup e o mercado vão evoluir. Por exemplo, se um fundador acredita que os computadores vão continuar a ser uma ferramenta de negócios para grandes empresas e outro acredita que o futuro passa por computadores pessoais, mais pequenos, baratos, fáceis de usar e de fácil acesso para todos, então eles não formam um bom par. •D IMENSÃO. Nem toda a gente quer construir um império. Nem toda a gente quer um negócio apenas para se sustentar. Não há expetativas certas e erradas; há, apenas, expetativas que combinam ou não entre si. Isto não implica que os fundadores saibam o que pretendem à partida, mas convém que, pelo menos, estejam a puxar para o mesmo lado. •C OMPROMISSO. Os fundadores devem partilhar o mesmo nível de compromisso. Startup, família ou uma vida equilibrada: o que vem primeiro? É difícil fazer uma startup resultar quando os seus fundadores têm prioridades diferentes. Ter um fundador que deseje trabalhar durante dois anos e preparar a startup para uma venda rápida e outro que queira criar uma empresa que perdure por décadas vai originar problemas. 24 arte da startup.indd 24 22/10/15 14:15 A Arte de Começar O ideal é os fundadores acordarem um compromisso de, pelo menos, dez anos. Entre as diferenças que são desejáveis incluem-se: •C ONHECIMENTOS. No mínimo, uma startup necessita de uma pessoa para fazer o produto (Steve Wozniak) e de outra para o vender (Steve Jobs). Para construírem uma grande empresa, os fundadores necessitam de se complementar entre si. •O RIENTAÇÃO. Algumas pessoas gostam de aprofundar ao máximo os detalhes. Outros preferem ignorá-los e preocupar-se com as grandes questões. Para ser bem-sucedida, uma startup necessita de ambos os tipos de fundadores. •P ERSPETIVA. Quanto mais perspetivas, melhor. Isto pode incluir novos e velhos, ricos e pobres, homens e mulheres, rurais e urbanos, engenharia e vendas, razão e emoção, muçulmanos e cristãos, heterossexuais e homossexuais. Para acabar, alguns conselhos sábios sobre cofundadores: • NÃO SE APRESSE. Os fundadores poderão ter de trabalhar juntos durante décadas, por isso vá-os juntando como se estivesse a escolher o seu cônjuge — partindo do princípio que não é um divorciado em série. É melhor ter muito poucos fundadores do que tê-los em excesso. Entre fundadores, a separação é tão complicada como qualquer divórcio. •N ÃO JUNTE FUNDADORES APENAS PARA GARANTIR MAIS FUNDOS. A razão para trazer a bordo fundadores adicionais — ou qualquer outro funcionário, mas sobretudo fundadores — é tornar a sua startup mais forte e conferir-lhe maiores probabilidades de sucesso. Pergunte a si mesmo: «Contrataria esta pessoa se não necessitássemos de financiamento?» Se a resposta for não, será louco se a contratar. •E SPERE O MELHOR, MAS ESTEJA PREPARADO PARA O PIOR. Equipas fundadoras desfazem-se constantemente. A sua startup poderá vir a ser uma exceção mas, pelo sim, pelo não, garanta 25 arte da startup.indd 25 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP que toda a gente (incluindo você mesmo), se receber ações da empresa, as recebe ao longo de vários anos, para prevenir que quem saia em menos de quatro anos detenha uma grande fatia da empresa. Dê sentido Agora, pegue nas suas respostas às questões simples, no seu espaço ideal e nas suas almas gémeas e parta do princípio de que vai mesmo ser bem-sucedido. Depois, submeta-se a mais um teste: Será que a sua startup faz sentido? Sentido não significa dinheiro, poder ou prestígio. Fazer sentido não é criar um local agradável para trabalhar, com comida grátis, pingue-pongue, voleibol e cães. Fazer sentido é fazer do mundo um lugar melhor. «Se fizer sentido, provavelmente vai fazer dinheiro.» Esta é uma questão difícil de responder quando se é apenas um par de jovens numa garagem a escrever um novo software ou a criar uma nova engenhoca, mas também é difícil compreender como uma bolota pode crescer e tornar-se num carvalho. Se, no mais louco dos seus sonhos, não consegue imaginar a sua startup capaz de fazer do mundo um melhor lugar, talvez não esteja, então, a criar uma empresa que vá abanar o planeta. Isso não faz mal; a verdade é que não há muitas empresas que façam abanar o planeta. E são ainda menos aquelas que se propõem a fazê-lo. Mas, raios, eu quero que você pense em grande. Quando as grandes empresas da atualidade tinham apenas um ano de vida, poucos conseguiam prever o seu sucesso ou o significado que elas iriam ter. Confie em mim, se fizer sentido, provavelmente vai fazer dinheiro. Crie um Mantra A etapa seguinte é criar um mantra de três ou quatro palavras que explique o significado daquilo que a sua startup procura fazer. Para startups, 26 arte da startup.indd 26 22/10/15 14:15 A Arte de Começar a definição de «mantra» presente no American Heritage Dictionary of the English Language é perfeita: Uma fórmula verbal sagrada repetida na forma de oração, meditação ou encantamento, como a invocação de um deus, um feitiço ou uma sílaba ou excerto de uma escritura com propriedades místicas. Eis cinco exemplos (alguns deles hipotéticos) que ilustram o poder que um bom mantra tem para transmitir de imediato o significado das empresas: • Performance atlética autêntica (Nike)3 • Entretenimento familiar (Disney)4 • Recompensar cada momento do dia a dia (Starbucks)5 • Democratizar o comércio (eBay) • Dar força aos artesãos (Etsy) Estes exemplos ilustram as três mais importantes caraterísticas de um mantra: •B REVIDADE. Os mantras são curtos, suaves e facilmente memorizáveis. (O mantra mais pequeno do mundo é, simplesmente, «Om», uma palavra hindi.) As frases de missão são longas, aborrecidas e fáceis de esquecer. Desde o CEO até ao rececionista, todos devem tê-la presente. Compare a eficácia do mantra da Starbucks, «Recompensar cada momento do dia a dia», com o da sua missão, «Estabelecer a Starbucks como a principal fornecedora do melhor café do mundo, preservando sempre os seus princípios puros, à medida que cresce.» Não é preciso dizer mais nada. 3 Scott Bedbury, A New Brand World: Eight Principles for Achieving Brand Leadership in the Twenty-First Century (Nova Iorque: Viking, 2002), 51. 4 Ibidem, 52. 5 Ibidem, 53. 27 arte da startup.indd 27 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP «“Performance atlética autêntica” é muito melhor do que “Ven der grandes quantidades de sapatos feitos na China.”» •P OSITIVIDADE. Os mantras são edificantes e explicam de que forma a sua startup faz do mundo um lugar melhor. «Performance atlética autêntica» é muito melhor do que «Vender grandes quantidades de sapatos feitos na China.» •F OCO EXTERNO. Os mantras expressam o que você faz pelos seus clientes e pela sociedade. Não são egocêntricos nem interesseiros. «Ficar rico» é a antítese de um mantra. Os clientes querem que «democratize o comércio», mas não querem saber se o estão a enriquecer a si e aos seus acionistas. EXERCÍCIO Escreva o mantra da sua startup neste espaço: __________ . EXERCÍCIO Pense em como serve os seus clientes. Que sentido faz a sua startup? EXERCÍCIO Se alguém perguntasse aos seus pais ou ao seu rececionista o que faz a sua startup, o que é que eles responderiam? Escolha um Modelo de Negócio É provável que venha a mudar várias vezes o seu modelo de negócio, pelo que não tem de tomar a decisão certa logo no início. Contudo, iniciar uma discussão sobre este tópico é importante, pois direciona 28 arte da startup.indd 28 22/10/15 14:15 A Arte de Começar o pensamento de toda a gente para a forma de vir a ganhar dinheiro. Todos os funcionários devem estar cientes de que uma startup ou ganha dinheiro, ou morre. Um bom modelo de negócio obriga-o a responder a duas questões: • Quem é que tem o seu dinheiro no bolso? • Como é que vai fazer esse dinheiro chegar ao seu bolso? Falta, talvez, um pouco de subtileza a estas questões, mas ganhar dinheiro não é um processo subtil. Dito de forma mais elegante, a primeira questão envolve a definição de quem será o seu cliente e qual a necessidade que ele sente. A segunda questão centra-se na criação de mecanismos de venda que garantam que as receitas excedem os custos. A melhor lista de modelos de negócio que vi até hoje encontra-se num livro chamado The Art of Profitability, de Adrian Slywotzky. Eis os meus favoritos dessa lista: •S OLUÇÃO INDIVIDUALIZADA. Envolve olhar a fundo para os problemas do cliente e fazer tudo o que estiver ao alcance para o deixar feliz. Com o passar do tempo, uma startup pode aprofundar as suas relações com outras entidades de forma a aumentar significativamente o total de vendas, mas cada novo cliente implica um combate homem a homem. (Slywotzsky chama-lhe a solução do cliente.) •M ULTICOMPONENTES. A Coca-Cola encaixa na perfeição neste modelo, de acordo com Slywotzsky. A Coca-Cola é vendida em supermercados, lojas de conveniência, restaurantes e máquinas automáticas. O mesmo produto é vendido em diferentes espaços de negócio e a preços diferentes por unidade. • LÍDER DE MERCADO. A Apple enquadra-se naquilo que é um modelo de negócio de líder de mercado. Um líder de mercado cria a maior parte das inovações e os produtos mais interessantes. Atingir esta posição permite a uma startup cobrar mais pelos seus produtos, mas esta tem de trabalhar muito para lá chegar e para aí se manter. 29 arte da startup.indd 29 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP «Certa vez, a minha filha comprou dois mil dólares de «tesouros» para um jogo de iPhone, por isso sei que isto pode funcionar.» •C OMPONENTE VALIOSA. A Intel e a Dolby não vendem produtos diretamente aos consumidores, mas os seus produtos são componentes importantes de aparelhos que estes usam. A Intel fornece os chips dos computadores de muitas empresas de hardware; a Dolby fornece tecnologia de compressão de áudio e de redução de ruído para muitos fabricantes de equipamentos de som, áudio e vídeo. • CENTRAL DE CONTROLO. Slywotzsky aplica este termo para descrever empresas como a De Beers quando esta controlava o fornecimento de diamantes. Este modelo de negócio envolve vários desafios: atingir o controlo da oferta, convencer as pessoas de que esse controlo é desejável, e não infringir quaisquer leis da concorrência. • IMPRESSORA E TONER. Este modelo de negócio envolve vender um produto que necessita de recargas. Seja uma impressora HP ou uma máquina de café de cápsulas, a venda não é um evento único, mas sim o nascimento de uma fonte de receitas durante o curso de vida do produto. Isto pode também aplicar-se a uma startup que vende software e que vai, depois, cobrando pelas atualizações, serviços e apoio técnico. Slywotzsky chama-lhe o modelo pós-venda. Existem ainda outros modelos de negócio que são igualmente atrativos: •C ONTEÚDOS GRÁTIS E PREMIUM. Este modelo passa por oferecer serviços, até determinado ponto: quando os clientes desejam mais funcionalidades ou maior capacidade, então têm de pagar. Por exemplo, o Evernote permite que as pessoas armazenem gratuitamente informação na nuvem. Contudo, se essas pessoas desejarem mais espaço ou outras funcionalidades, o preço é de 45 dólares por ano. 30 arte da startup.indd 30 22/10/15 14:15 A Arte de Começar •V ISITANTES. O modelo de negócio baseado em número de visitas envolve fornecer uma plataforma para criar ou partilhar conteúdos que atraiam visitantes. O conceito aqui é que várias marcas gostariam de chegar aos mesmos olhos, pelo que diferentes empresas podem vender publicidade e patrocínio na plataforma. O Facebook e o Huffington Post são exemplos deste modelo de negócio. • BENS VIRTUAIS. Imagine vender códigos digitais para artigos com custos de produção e de armazenamento próximos do zero — coisas como flores virtuais ou espadas e emblemas para membros de uma comunidade. São assim os negócios de bens digitais. Certa vez, a minha filha comprou dois mil dólares de «tesouros» para um jogo de iPhone, por isso sei que isto pode funcionar. •A RTESANATO. Este é um tipo de startup que dá prioridade à qualidade e à manufatura. Poderá nunca vir a ter uma grande dimensão, mas é a melhor do seu setor… ainda que, existindo um mercado como o Etsy, nunca se sabe. Você vai ajustar o seu modelo de negócio constantemente — de facto, preocupante é se não mudar ou fizer alterações consideráveis ao seu modelo com o decorrer do tempo. Eis alguns conselhos adicionais que o ajudarão durante o processo: •A PONTE A UM NICHO ESPECÍFICO. Quanto maior for a precisão com que consiga definir o seu cliente, melhor. Muitos empreendedores têm medo de apontar a um alvo demasiado estreito e específico, pois tal não conduzirá a um domínio mundial. Contudo, as empresas de maior sucesso começaram por olhar para apenas um ou dois mercados, crescendo depois (muitas vezes inesperadamente) para se tornarem em empresas de larga escala, dirigidas a outros mercados. •M ANTENHA AS COISAS SIMPLES. Se não consegue descrever o seu modelo de negócio, no máximo, em dez palavras, então não tem realmente um modelo de negócio. Evite qualquer 31 arte da startup.indd 31 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP tipo de jargão que esteja presentemente na moda (fator estratégico, missão crítica, classe mundial, vantagem de antecipação, sinérgico, escalável, etc.).6 Não é por usar linguagem de negócios que passa a ter um modelo de negócio. Olhe para o modelo de negócio da eBay: cobra uma taxa de listagem, mais uma comissão. Ponto final, parágrafo. •C OPIE ALGUÉM. O comércio já existe há muito tempo pelo que, por esta altura, as pessoas inteligentes já inventaram praticamente todos os modelos de negócio possíveis. Você pode inovar na tecnologia, no marketing e na distribuição, mas tentar criar um novo modelo de negócio é uma má aposta. Procure relacionar o seu modelo de negócio com um já existente, de compreensão fácil e êxito comprovado. Terá muitas outras batalhas para travar. •S EJA EXPANSIVO. Os modelos de negócio que procuram criar um bolo maior em vez de ir buscar mais ao mesmo bolo funcionam melhor para startups. Tal deve-se ao facto de os clientes estarem mais interessados em descobrir produtos que sejam inovadores e atrativos do que em produtos que são, simplesmente, mais do mesmo, vindos de startups. EXERCÍCIO PASSO 1: Calcule os custos mensais de operacionalização. PASSO 2: Calcule o lucro bruto de cada unidade do seu produto. PASSO 3: Divida os resultados do passo 1 pelos do passo 2. 6 Inspirado em Michael Shermer, Why People Believe Weird Things (Nova Iorque: A.W.H. Freeman, 2002), 49. 32 arte da startup.indd 32 22/10/15 14:15 A Arte de Começar Defina Marcos, Pressupostos, Testes e Tarefas Numa startup é fundamental evitar dispersões, pois os empreendedores têm sempre muita coisa para fazer em pouco tempo. Assim, para manter o controlo, há que delinear marcos, pressupostos, testes e tarefas.7 •M ARCOS. Alcançar um largo número de marcos significativos é imperativo para qualquer startup. Porém, alguns marcos são mais importantes do que outros, pois significam um progresso assinalável no caminho rumo ao sucesso. Os cinco marcos mais importantes no desenvolvimento de um produto são: • Protótipo funcional • Capital inicial • Versão de teste de mercado • Cliente pagante • Equilíbrio das contas (breakeven) Existem outros fatores que afetam a sobrevivência da empresa, mas nenhum é tão importante como estes marcos. O timing de concretização desses marcos irá influenciar o timing de praticamente tudo o resto, pelo que deve dedicar-lhes 80% do seu esforço global. •P RESSUPOSTOS. Esta é uma lista dos principais pressupostos que pode definir em relação ao seu negócio: – Dimensão do mercado – Margem de lucro – Número de contactos por vendedor – Custo de angariação de clientes – Taxa de conversão de potenciais clientes em clientes – Prazo médio de fecho de venda 7 I nspirado em Rita Gunther McGrath e Ian C. MacMillan, «Discovery-Driven Planning,» Harvard Business Review (julho-agosto de 1995). 33 arte da startup.indd 33 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP – Retorno do investimento por cliente – Número de chamadas de apoio técnico por unidade enviada – Prazos médios de pagamentos e recebimentos Discutir e documentar estes pressupostos numa fase inicial é importante, pois isso permite-lhe olhar com seriedade para a viabilidade de uma startup. Por exemplo, partir do princípio de que o prazo de fecho de uma venda é de quatro semanas e constatar que ele é, afinal, de um ano, causará problemas de tesouraria. •T ESTES. Pode construir uma lista sólida de pressupostos, mas estes não deixarão o campo teórico até ao momento em que os começar a testar: – Os custos de angariação de clientes permitem uma operação lucrativa? – As pessoas irão usar o seu produto? – Tem margem para lhes prestar apoio? – O produto consegue resistir ao modo como vai ser usado no mundo real? • TAREFAS. Por fim, há tarefas que têm de ser realizadas para atingir os marcos e testar os pressupostos. Quaisquer atividades que não contribuam para esses fins não são cruciais e devem ter baixa prioridade. Entre as tarefas essenciais incluem-se: – Recrutar funcionários – Encontrar fornecedores – Estabelecer um sistemas de contabilidade – Cumprir as formalidades legais O objetivo desta lista é compreender e avaliar a totalidade daquilo que a sua startup tem de fazer e não deixar escapar nada por entre a euforia dos primeiros dias. 34 arte da startup.indd 34 22/10/15 14:15 A Arte de Começar Definidas estas etapas, o passo seguinte é transmiti-las a toda a empresa, fazer revisões, iniciar a sua implementação e monitorizar os resultados. Acima de tudo, tem de ter presente que não se trata de algo para criar e nunca mais consultar. Deve, sim, ser algo a colocar em prática e a alterar, se necessário. Mantenha as Coisas Claras e Simples Vai enfrentar centenas de decisões durante o processo inicial da sua startup e, muitas vezes, surge a tentação de otimizar cada uma delas — muitas vezes seguindo caminhos inovadores. Contudo, é preferível que concentre a sua energia e as suas atenções nas questões ligadas aos marcos a alcançar. Para tudo o resto, deixe-se levar pela corrente e siga as etapas acima referidas, mantendo as coisas claras e simples. • E STRUTURA SOCIETÁRIA. Cada país tem tipos diferentes de sociedades comerciais, por exemplo, anónimas, em comandita, de responsabilidade limitada, cooperativas. O desejável é uma estrutura societária com três caraterísticas: familiar, para que os investidores se sintam confortáveis; vendável a outras empresas ou na bolsa de valores; e capaz de oferecer incentivos financeiros aos funcionários. Se o seu objetivo passa por criar uma pequena empresa que não vai procurar capital de risco e que não aspira a tornar-se pública, então deve apostar numa sociedade ou numa empresa individual de responsabilidade limitada. •P ROPRIEDADE INTELECTUAL E INDUSTRIAL. Uma startup deve deter de forma inequívoca, ou ter licenciada de forma inequívoca, a sua propriedade intelectual e industrial. Isso garante que não existirão nem haverá o risco de virem a existir processos em tribunal abertos por antigos funcionários e que não haverá acusações de que essa propriedade intelectual ou industrial viola os direitos de alguém. Além disso, a propriedade intelectual e industrial e as licenças devem pertencer à startup, não aos fundadores. 35 arte da startup.indd 35 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP Isto porque nunca é desejável uma situação em que um fundador descontente leve consigo propriedade intelectual ou industrial ao abandonar a startup, desta forma incapacitando-a. •E STRUTURA DE CAPITAL. Refere-se à propriedade da startup. Existem quatro sinais de alarme, todos eles pertencentes ao Quadro de Honra do se-soubesse-na-altura-o-que-sei-agora: – Um pequeno número de fundadores detém a maior parte da startup e não se mostra disposto a alargar essa posse a outros funcionários. – Um pequeno grupo de investidores que não deseja a diluição de propriedade possui um controlo dominante da empresa. – Dezenas de pequenos investidores tornam a gestão de acionistas numa tarefa lenta e onerosa. – Financiamentos anteriores por valores exagerados tornam o investimento pouco atrativo para novos investidores. •H ISTÓRICO DOS FUNCIONÁRIOS. Entre as áreas de preocupação encontram-se executivos casados entre si ou que têm alguma relação entre si, amigos com pouca qualificação em posições de destaque e funcionários superiores com cadastro criminal. Situações como estas podem dar a ideia de que a startup não é uma meritocracia. •S ITUAÇÃO REGULAR. Refere-se a questões ligadas às leis e ao não cumprimento de todas as formalidades legais. Por norma, problemas ligados à situação regular indicam uma gestão ignorante ou maliciosa — uma e outra inaceitáveis e que impedem o progresso da empresa. Muitos especialistas escreveram já livros inteiros sobre estes cinco tópicos, pelo que não quero que tome uma decisão precipitada com base apenas nesta minha curta explicação sobre questões tão complicadas. São áreas onde apenas precisa de aprender o que não sabe fazer, para assim poder procurar um especialista que o saiba. 36 arte da startup.indd 36 22/10/15 14:15 A Arte de Começar Faça Algo Constrangedor Se não se sente embaraçado pela primeira versão do seu produto, então lançou-o demasiado tarde. — Reid Hoffman Quando releio o primeiro livro que escrevi, The Macintosh Way, sinto-me envergonhado por ser tão rudimentar. Quando me lembro do primeiro Macintosh sinto-me envergonhado porque ele não tinha software, RAM, ou espaço de armazenamento suficientes e porque era demasiado lento. Quando olhar para a primeira versão do seu produto, é provável que também se sinta envergonhado. Não faz mal. Acontece a todos. A primeira versão de um produto apresenta sempre falhas, mas a forma como evolui é tão importante como a forma como começa. As startups afortunadas são aquelas que persistem porque acabaram por acertar com o produto e o modelo de negócio, por isso não se martirize. Adenda Minicapítulo: Como reconhecer as pessoas que lhe vão dar conselhos úteis Era uma vez dois doutorados em engenharia que não faziam a menor ideia de como se começava uma empresa. Tudo o que eles sabiam era fazer código. Estavam tão desesperados por fazer dinheiro e por ter supervisão de alguém mais adulto que, quando um homem de negócios experiente mostrou interesse em ajudá-los a angariar dinheiro, nas suas palavras, eles «seguiram-no como uns cãezinhos.» Porém, este adulto não sabia grande coisa sobre startups tecnológicas e levou-os a cometerem erros em questões legais e financeiras. Acabaram por se separar, mas só depois de significativas despesas e custas legais para reverterem as decisões incorretas. 37 arte da startup.indd 37 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP «Há muitos executivos experientes e bem-sucedidos em grandes empresas que não compreendem as particularidades de uma startup e do capital de risco.» Esta não é uma história assim tão incomum e é compreensível que assim seja. Empreendedores novatos procuram sempre qualquer tipo de aconselhamento, feedback ou reforço positivo, pelo que se deixam levar por qualquer primeiro sinal de interesse. A procura de supervisão adulta, sob a forma de conselheiros, membros da direção e investidores, supera largamente a oferta, por isso muitas vezes é preciso arriscar com pessoas menos experimentadas nesses papéis. Se ninguém quer dançar consigo, a tentação é dançar com a primeira pessoa que o convidar. As pessoas que iniciaram a sua própria empresa ou que trabalharam numa empresa antes de uma dispersão em bolsa podem, provavelmente, oferecer bons conselhos. Pessoas que nunca lançaram uma empresa ou que só se juntaram a alguma depois de esta ser cotada em bolsa não oferecerão, provavelmente, bons conselhos. Há muitos executivos experientes e bem-sucedidos em grandes empresas que não compreendem as particularidades de uma startup e do capital de risco. Por exemplo, acha que um vice-presidente sénior da Microsoft que veio da McKinsey sabe muito sobre começar uma empresa? Eis um teste de QE (quociente de empreendedor) para distinguir as pessoas que lhe vão dar conselhos verdadeiramente úteis. Estas perguntas irão ajudá-lo a identificar bons conselheiros, membros da administração e investidores (isto se se puder dar ao luxo de escolher investidores). 1. Q ue tipo de sociedade devemos constituir? A resposta que procura é «uma Sociedade Anónima», partindo do princípio de que o objetivo é criar a próxima Google. 2. D evem dois fundadores dividir a empresa ao meio entre si? A resposta que procura é: «Não, devem destinar 25% para futuros funcionários e 35% para as duas primeiras fases de investimento. Isso deixa 40% para os fundadores dividirem entre si» 3. D evemos vender ações ordinárias ou ações preferenciais aos investidores? A resposta que procura é: «Preferenciais.» 38 arte da startup.indd 38 22/10/15 14:15 A Arte de Começar 4. D evem todos os funcionários, incluindo os fundadores, receber ações ao longo dos anos? A resposta que procura é: «Sim, toda a gente deve receber a sua parte repartida por vários anos, pois não quer que um dos fundadores saia ao fim de poucos meses e leve consigo uma percentagem significativa da empresa.» 5. Devemos pagar aos nossos consultores com opções de com- pra de ações? A resposta que procura é: «Não, as opções de compra de ações são para funcionários com antiguidade, não para consultores a curto-prazo; se não pode pagar a consultores, faça você mesmo o trabalho deles.» 6. P odemos pedir um empréstimo bancário para iniciar o nosso negócio? A resposta que procura é: «Não», isto se se tratar de uma empresa tecnológica. As empresas tecnológicas não têm ativos líquidos para usar como garantia. 7. D evemos usar um banco de investimento ou sociedade finan- ceira para angariar o capital inicial? A resposta que procura é: «Não, os investidores de capital de risco consideram que empreendedores em fases iniciais que recorrem a bancos não sabem o que estão a fazer.» 8. Como terão de ser as nossas projeções de receitas a cinco anos para conseguirmos atrair investidores? A resposta que procura é: «Nenhum investidor irá acreditar nessas projeções, sejam elas quais forem, mas estas devem ser tão boas como as da empresa de sucesso mais comparável à sua que já esteja cotada em bolsa.» Além disso, você não vai querer dinheiro de investidores que acreditem nas suas projeções, porque esses não sabem o que estão a fazer. 9. A que prazo deve ser o nosso plano de negócio? A resposta que procura é: «Não devem escrever um plano de negócio. Devem arranjar clientes.» 10. Há mais alguém que recomende que possa ser um bom conselheiro? A resposta que procura é: «Claro, o meu 39 arte da startup.indd 39 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP conhecimento é limitado, mas deixe-me apresentar-lhe uma lista de outras possibilidades.» A resposta que não quer é: «Não, não necessita de mais ninguém; eu sei tudo o que você precisa de saber.» 11. P ensa que precisamos de um verdadeiro CEO? A resposta que procura é: «Talvez, um dia. Mas, provavelmente, não para já. Do que precisam realmente é de um grande produto.» 12. D evemos recorrer a um caçador de talentos para recrutar pessoas? A resposta que procura é: «Não, nesta fase não têm o dinheiro necessário e não se podem dar ao luxo de gastar o pouco que têm em comissões para caçadores de talentos.» 13. O que devemos dizer aos nossos investidores quando eles nos pedirem para avaliarmos a nossa empresa? A resposta que procura é: «Procure descobrir o que três ou quatro investidores pensam ser justo e, depois, arranje tração de mercado para fazer o valor subir.» Respostas erradas: «Coloque um preço alto e vá negociando para baixo», ou «Coloque um preço baixo e vá negociando para cima.» 14. Q uais considera serem os KPIs (indicadores-chave de desempenho) para este negócio? A resposta que procura depende do setor ou do tipo de negócio. A resposta que não quer é «O que são KPIs?» 15. Como é que crio excitação à volta do meu produto? A res- posta que procura é: «Crie algo fantástico e utilize as redes sociais.» 16. D e quanto deve ser o nosso orçamento para publicidade? A resposta que procura é: «Zero — use as redes sociais.» Enfatizo que estas perguntas se destinam a empresas com ambições googlescas, mas o mesmo género de perguntas pode ser aplicado noutras circunstâncias. Fuja de qualquer pessoa que lhe queira dar conselhos mas que não consiga responder à maior parte destas perguntas. 40 arte da startup.indd 40 22/10/15 14:15 A Arte de Começar Perguntas Frequentemente Evitadas P: Admito: Tenho medo. Não posso dar-me ao luxo de deixar o meu emprego atual. Isto é um sinal de que não tenho o que é necessário para ser bem-sucedido? R: Isso não significa nada. Você deve ter medo. Se não tiver medo, então há algo de errado consigo. Os seus medos não são um sinal de que não tenha dentro de si o que é preciso. No início, todos os empreendedores têm medo. Só que uns enganam-se a si mesmos em relação a isso e outros não. Pode ultrapassar estes medos de duas formas. Primeiro, o método kamikaze, que passa por mergulhar no negócio e tentar fazer pequenos progressos diários. Um dia vai acordar e verá que esses medos desapareceram — ou, pelo menos, terá um novo leque de medos para enfrentar. Segundo, pode começar por trabalhar no seu produto à noite, aos fins de semana ou durante as férias. Progrida o mais que conseguir, procure encontrar alguma forma de provar que o seu conceito funciona e, depois, dê o salto. Pergunte a si mesmo qual a pior coisa que pode acontecer. Provavelmente não será assim tão má. P: Devo partilhar as minhas ideias secretas com mais alguém além do meu cão? R: A única coisa pior do que um empreendedor paranoico é um empreendedor paranoico que fala com o seu cão. Tem muito mais a ganhar do que a perder se discutir as suas ideias: feedback, ligações, oportunidades de venda. Além disso, se o simples facto de discutir a sua ideia a deixa desprotegida, então se calhar não tem uma grande ideia. Ter ideias é fácil; difícil é implementá-las. A minha opinião é a de que quanto mais um empreendedor insistir em acordos de confidencialidade, menos viável a sua ideia é. Ao fim de várias décadas de trabalho com startups em Silicon Valley nunca ouvi falar de nenhuma empresa que tivesse roubado uma ideia e a tivesse implementado bem. 41 arte da startup.indd 41 22/10/15 14:15 A ARTE DA STARTUP P: Quanto tempo devo esperar até começar a falar com outras pessoas sobre o que estou a fazer? R: Comece logo. Ao fazê-lo, estará a meditar constantemente sobre a ideia — recordando a sua génese e olhando para o futuro. Quanto maior for o número de pessoas com que falar, mais enriquecidos ficarão os seus pensamentos. Se ficar a olhar para o seu umbigo, a única coisa que verá é cotão a acumular-se. P: Acho que tenho uma grande ideia, mas não tenho um pas sado no mundo dos negócios. O que devo fazer? R: Se tudo o que fez foi ter uma grande ideia — por exemplo, «um novo sistema operativo para computadores, mais rápido, elegante e livre de bugs» — mas não a consegue implementar, então o facto é que não tem nada. É por isso que é fundamental a existência de um cofundador — até ter convencido outra pessoa acerca da sua ideia, você pode não passar de um louco. P: Quando é que me devo preocupar em começar a mostrar que tenho um negócio a sério, com cartões de visita, papel de carta timbrado e um escritório? R: As suas prioridades estão erradas. Aquilo com que se deve preocupar é com a criação de um protótipo funcional. Um negócio a sério é um negócio que tem algo para vender e não um no qual as pessoas têm cartões de visita e papéis timbrados. P: Preciso de um MBA para iniciar uma empresa? R: Não, de todo — e eu tenho um MBA. Precisa de um MBA para cumprir as expetativas do seu patrão. Numa startup, o patrão é você. É melhor passar dois anos nas trincheiras, a levar pancada, do que a tirar um mestrado em gestão. Leituras recomendadas BERGER, Warren. A More Beautiful Question: The Power of Inquiry to Spark Breakthrough Ideas. Nova Iorque: Bloomsbury, 2014. 42 arte da startup.indd 42 22/10/15 14:15 A Arte de Começar HARGADON, Andrew. How Breakthroughs Happen: The Surprising Truth About How Companies Innovate. Boston: Harvard Business School Press, 2003. LIVINGSTON, Jessica. Founders at Work: Stories of Startups’ Early Days. Berkeley, CR: Apress, 2008. MAY, Matthew. In Pursuit of Elegance: Why the Best Ideas Have Something Missing. Nova Iorque: Crown Business, 2009. SHEKERJIAN, Denise. Uncommon Genius: How Great Ideas Are Born. Nova Iorque: Penguin Books, 1990. SLYWOTZKY, Adrian. The Art of Profitability. Nova Iorque: Warner Books, 2002. UELAND, Brenda. If You Want to Write. St. Paul, MN: Graywolf Press, 1987. UTTERBACK, James M. Mastering the Dynamics of Innovation: How Companies Can Seize Opportunities in the Face of Technological Change. Boston: Harvard Business School Press, 1994. 43 arte da startup.indd 43 22/10/15 14:15