UM VIZINHO PERFEITO Nora Roberts

Transcrição

UM VIZINHO PERFEITO Nora Roberts
UM VIZINHO PERFEITO
The perfect neighbor
Nora Roberts
Resumo:
O amor ainda era o maior legado dos Macgregor
Fazer parte da família MacGregor era o mesmo que estar destinado a encontrar um
grande amor. Sim, porque para os descendentes daquele poderoso clã escocês, não
havia como escapar do olhar carinhoso e mais do que casamenteiro de Daniel
MacGregor, o patriarca da família. Dessa vez, sua "vítima" seria a esfuziante Cybil
Campbell, uma de suas netas preferidas. Com aqueles belíssimos olhos verdes e
aquele jeito tão especial de ser, claro que a menina estava mais do que pronta para o
amor. E sendo ele um homem prevenido, e evidentemente, sábio com seus noventa e
tantos anos, claro que também já tinha o pretendente perfeito para ela. Com sorte,
Preston McQuinn se sentiria enfeitiçado por aqueles olhos de pantera desde o primeiro
instante. Mas antes teria de dar seu costumeiro e mais do que discreto
"empurrãozinho” para aqueles dois se convencerem tanto quanto ele de que haviam
nascido um para o outro.
Autor:
Eleita pelo New York Times como uma das mais consagradas autoras de best-sellers,
NORA ROBERTS é, segundo o jornal Los Angeles Daily News, "uma artista da palavra,
que cria seus romances e seus personagens com verve e dinamismo". Já publicou mais
de cem romances dos quais muitos foram traduzidos para mais de vinte e cinco
idiomas, e outros se transformaram em filmes.
Somando este romance a sua lista de sucessos, Nora continua fiel ao estilo enérgico e
incrivelmente romântico que conquistou o coração de suas leitoras desde 1981, com a
publicação de seu primeiro livro. Com mais de 4O milhões de cópias de seus livros
impressas por todo o mundo, e seis títulos na lista de best-sellers do New York Times,
Nora Roberts é, sem dúvida, um fenômeno literário.
Copyright © 1999 by Nora Roberts
Originalmente publicado em 1999 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin
Enterprises Limited.
Título original: The perfect neighbor
Copyright para a língua portuguesa: 2000
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Digitalização: Néia
Revisão: Caroline Santos
CAPÍTULO I
- Então ainda não falou com ele?
- Hum? - Cybil Campbell continuou a trabalhar em sua mesa de desenho,
marcando traços divisores no papel com uma experiência adquirida ao longo de
anos.
- De quem você está falando?
Seguiu-se um longo suspiro de censura. Ao ouvi-lo, Cybil teve de se esforçar
para não rir. Conhecia muito bem Jody Myers, sua vizinha do andar de baixo, e
sabia exatamente sobre quem ela estava falando.
- Do irresistível sr. Misterioso do 3B, Cyb. Ele se mudou para cá há uma
semana e ainda não trocou uma palavra com ninguém! É mistério demais para
mim. Seu apartamento fica bem em frente ao dele e você nem tentou dizer
"olá"? Pelo amor de Deus, mulher! Você precisa fazer alguma coisa!
- Tenho andado muito ocupada ultimamente. - Cybil levantou a vista e arriscou
olhar para Jody, que estava andando pelo estúdio com ar impaciente, fazendo
os cabelos loiros balançarem com veemência.
- Mal notei a presença dele.
Jody revirou os olhos, parecendo não acreditar no que estava ouvindo.
- Não me venha com essa história, Cyb. Notou a presença dele, sim.
Jody se aproximou da mesa de desenhos e inclinou-se por cima do ombro da
amiga, então torceu o nariz. Nada além de algumas linhas azuis. Gostava mais
quando Cybil começava a esboçar as figuras.
- Ele ainda nem pôs o sobrenome na caixa do correio. E ninguém o vê sair do
prédio durante o dia. Nem mesmo a sra. Wolinsky, e olha que ninguém escapa
àquele olhar de falcão.
- Talvez ele seja um vampiro.
- Uau... - Intrigada com a idéia, Jody apertou os lábios. - Sabe que essa
hipótese seria mesmo excitante?
- Excitante demais - anuiu Cybil, voltando a se concentrar no desenho,
enquanto Jody retomava sua caminhada impaciente pelo estúdio, falando sem
parar.
Cybil nunca se importara em ter companhia enquanto trabalhava. Na verdade,
até gostava disso. Não era do tipo que gostava de isolamento e quietude. Talvez
por esse motivo se sentisse tão feliz vivendo em Nova York, em um prédio de
apartamentos cheio de vizinhos animados e, quase sempre, muito barulhentos.
Aquele tipo de coisa a satisfazia não apenas em nível pessoal, mas também
servia de base para seu próprio trabalho.
De todos os moradores do prédio, Jody Myers era sua vizinha preferida. Três
anos antes, quando Cybil se mudara para o prédio, Jody era uma enérgica
recém-casada que acreditava plenamente que todo mundo tinha de ser tão feliz
quanto ela. E felicidade, para Jody, era sinônimo de casamento.
Depois que se tornara mãe de Charlie, um adorável bebê de oito meses, Jody
passara a se empenhar ainda mais em sua campanha casamenteira. E Cybil
sabia muito bem que era a principal "vítima" da amiga.
- Nem mesmo o viu no corredor? - Jody quis saber.
- Ainda não.
Pensativa, Cybil pegou uma caneta e apoiou-a entre os lábios rosados e
polpudos. Seus olhos expressivos eram de um profundo tom de verde, semelhante ao das águas de algumas praias privilegiadas ao redor do mundo. Os
suaves matizes amarelados, que permeavam o estonteante tom de verde das
íris, sugeriam a imagem das luzes do crepúsculo sobre o mar. Seriam
considerados "olhos de tigresa", não fosse o fato de viverem constantemente
iluminados por um brilho de bom humor.
- Acho que a sra. Wolinsky está é perdendo a prática. Eu o vi sair do prédio
durante o dia, o que elimina a "hipótese vampiresca".
- Viu mesmo? - Jody se aproximou dela no mesmo instante, com ar de
interesse. - Quando? Onde? Por quê?
- Quando? De madrugada. Onde? Indo na direção leste da cidade. Por quê? Por
causa de uma crise de insônia. - Decidindo entrar na brincadeira, Cybil girou a
cadeira, mostrando um brilho de divertimento no olhar.
- Acordei cedo e fiquei pensando nos biscoitos que sobraram da festa da outra
noite.
- Biscoitos atômicos - brincou Jody.
- Sim. E não consegui voltar a dormir até provar outro deles. Já que havia
levantado e estava sem sono, decidi vir até aqui trabalhar um pouco e, em certo
momento, acabei indo parar diante da janela. Foi quando o vi sair. Aliás, é
impossível não notá-lo. Deve ter um metro e oitenta, mais ou menos. E aqueles
ombros...
As duas reviraram os olhos, imaginando como deveria ser tudo aquilo de perto.
- Bem, ele estava carregando uma espécie de mochila de ginástica e trajava
jeans e camiseta pretos. Portanto, deduzi que ele estivesse saindo para o
trabalho, em alguma academia. Ninguém consegue ter aqueles ombros
comendo batatinhas fritas e bebendo cerveja por aí, meu bem.
- A-ha! - Jody estalou os dedos no ar. - Você está interessada.
- Não estou morta, Jody. Ele é lindo de morrer. E como se não bastasse isso,
aquele ar misterioso e o traseiro perfeito moldado no jeans justo... - Cybil
levantou as mãos no ar. - O que mais uma mulher pode fazer, senão fantasiar?
- E por que só fantasiar? Por que não bate à porta dele e lhe oferece alguns
biscoitos ou algo do gênero? Dê-lhe as boas-vindas como vizinha. Quem sabe,
assim, conseguirá descobrir o que ele faz lá dentro o dia inteiro. Tente descobrir
se ele é solteiro, no que trabalha... Se é solteiro... E o que... - Ela se
interrompeu, levantando a cabeça, em alerta. - Charlie está acordando.
- Eu não ouvi nada. - Cybil virou a cabeça, mirando o ouvido na direção da
porta. Concentrou-se, mas não ouviu nada.
- Puxa, Jody, desde que deu à luz está com uma audição de morcego.
- Vou trocá-lo e levá-lo para um passeio. Quer vir também?
- Não, não posso. Preciso trabalhar.
- Nos veremos à noite, então. O jantar será às sete horas.
- Está bem.
Jody foi até o quarto de Cybil, onde havia deixado o filho dormindo, e o pegou
no colo. Acenou para a amiga, ao passar pela porta do estúdio, e saiu em
seguida. Cybil sorriu consigo. Jody podia até ser meio excêntrica, mas havia se
tornado uma mãe maravilhosa.
Com uma careta, lembrou-se do jantar que teria pela frente. Um jantar tedioso
com Frank, primo de Jody. Quando criaria coragem para dizer a Jody que
parasse de tentar lhe arranjar um pretendente? Provavelmente no mesmo instante em que reunisse coragem para dizer o mesmo à sra. Wolinsky, concluiu.
E à sra. Peebles do primeiro andar. Por que as pessoas insistiam em manter
aquela obsessão de ficar lhe arranjando pretendentes?
Estava com vinte e quatro anos, era solteiríssima e feliz por isso. Não que não
pensasse em formar uma família algum dia. Como qualquer garota, queria ter
uma casa confortável, com um jardim onde seus filhos pudessem brincar. Ah, e
um cachorro... Sim, teria de haver um cachorro. Mas isso era coisa para o
futuro. Gostava de sua vida no presente e não pensava em mudá-la. Não
mesmo.
Mantendo os cotovelos sobre a mesa de desenho, apoiou o queixo sobre as
mãos unidas e se permitiu olhar através da janela e divagar um pouco. Devia
ser o ar da primavera, pensou, que a estava fazendo se sentir tão inquieta e
cheia de energia.
Considerou a possibilidade de sair com Jody e o bebê para se distrair um
pouco, mas logo em seguida viu sua amiga já no portão do prédio, saindo para
seu passeio. Suspirou. Bem, não estava mesmo com vontade de sair.
"Então desenhe, Cybil Campbell", pensou consigo, voltando a se concentrar na
mesa de trabalho, onde os primeiros esboços de sua tira de jornal aguardavam
ser terminados.
- Amigos e vizinhos - leu o título em voz alta.
Tinha uma mão bastante firme e treinada para desenhar, por isso os traços
seguintes foram surgindo naturalmente, sem grande esforço. Sua mãe era uma
.artista de sucesso, reconhecida internacionalmente. Seu pai, o gênio recluso
por trás das famosas tiras de jornal do personagem "Macintosh". Juntos,
haviam transmitido a ela e aos irmãos o amor pela arte, o senso do ridículo e
uma sólida formação.
Mesmo depois de haver deixado a atmosfera de segurança da casa dos pais, em
Maine, Cybil sabia que seria aceita de volta com todo carinho, se Nova York a
rejeitasse.
Mas, felizmente, não fora o que acontecera. Havia mais de três anos que vinha
apresentando suas tiras cômicas em um famoso jornal local e seu trabalho
estava ganhando cada vez mais reconhecimento. Sentia-se orgulhosa disso,
orgulhosa da simplicidade, do contexto agradável e do humor que conseguia
criar com seus personagens, em situações vividas no dia-a-dia. Não tentava
imitar a ironia de seu pai ou as sátiras políticas que ele costumava fazer. Seu
estilo era outro. Para ela, a vida era uma fonte de risos. Entrar em uma fila
quilométrica para ir ao cinema, encontrar um par de sapatos que combinasse
com a roupa, sobreviver a outro almoço de negócios, esse tipo de coisa.
Enquanto muitos viam sua personagem, Emily, como uma criação
autobiográfica, Cybil a via sempre como uma maravilhosa fonte de idéias,
nunca como um reflexo de si mesma. Afinal, Emily era uma linda loira alta que
vivia sempre com problemas para se manter nos empregos e para arranjar
namorados.
Cybil, por outro lado, era morena, de estatura mediana, e tinha uma carreira
bem-sucedida. Quanto aos homens, bem, eles não eram exatamente uma
prioridade em sua vida para que ficasse se preocupando muito com isso.
Um ar de censura surgiu em sua expressão, fazendo-a estreitar os belos olhos
verdes ao se flagrar tamborilando a caneta, em vez de estar usando-a para
trabalhar. Não estava conseguindo se concentrar. Passou a mão nos cabelos
castanho-claros, mordeu o lábio bem delineado e deu de ombros. Talvez
estivesse precisando mesmo parar um pouco e comer alguma coisa. Provavelmente um chocolate resolvesse seu problema.
Empurrou a cadeira para trás, colocando a caneta atrás da orelha, repetindo o
gesto do qual vinha tentando se livrar desde a infância. Então deixou o estúdio
ensolarado e desceu para o andar de baixo.
Seu apartamento dúplex era incrivelmente arejado e um pouco separado de seu
local de trabalho. Aliás, fora justamente esse o motivo que a levara a ficar ali
quando se mudara para Nova York. Um longo balcão separava a cozinha da
sala, criando um espaço aberto e agradável para receber visitas. As janelas
amplas permitiam que a luz do sol entrasse com vigor no ambiente, criando
uma atmosfera saudável. Nos primeiros dias em que se mudara para ali, o
único problema que tivera de enfrentar fora o barulho vindo da rua, que a
mantinha acordada durante a maior parte da noite. Nova York nunca dormia,
mas, aos poucos, ela acabara se acostumando com isso.
Com seu andar elegante, outra característica herdada de sua mãe, Cybil
encaminhou-se descalça para a cozinha. Tinha pernas esguias, adquiridas na
época em que implorara para fazer aulas de balé, só para, pouco depois, enjoar
e abandonar o curso.
Cantarolando baixinho, abriu a geladeira e examinou seu interior. Poderia
preparar alguma coisa para si. Também havia tido lições de culinária na
adolescência, e só se cansara delas quando sua criatividade começara a
sobrepujar à de sua instrutora.
Suspirou, quando começou a ouvir aquele som que já estava se tornando
familiar. Atravessando as paredes do prédio e o corredor, a música lhe chegou
aos ouvidos com a mesma suavidade dos últimos dias. Triste e sexy, pensou
ela. Era assim que definia aquela espécie de lamento do sax alto. O sr.
Misterioso do 3B não tocava todos os dias, mas Cybil gostaria que ele o fizesse.
Aquelas lânguidas notas prolongadas surtiam um efeito estranho em seu ser.
Uma espécie de emoção que ela não sabia explicar. Bem, talvez porque a
música era sempre tocada com muita emoção.
Seria ele um músico em começo de carreira, tentando encontrar seu lugar ao
sol em Nova York? Sem dúvida, devia ter sofrido alguma desilusão amorosa
para tocar daquele jeito, pensou ela, enquanto tirava alguns ingredientes dos
armários. Devia haver uma mulher por trás de todo aquele sentimentalismo.
Provavelmente uma ruiva deslumbrante que o enfeitiçara com seus encantos
sedutores, fizera-o abrir o coração e depois pisara nele, ainda vivo, vulnerável e
pulsante, com seu salto de sete centímetros.
Poucos dias antes, havia inventado um contexto diferente para seu novo
vizinho. Nele, o sr. Misterioso havia saído da casa de sua renomada família com
dezesseis anos. Vivera nas ruas, tocando sax nas esquinas de Nova Orleans,
uma de suas cidades preferidas, e recebendo alguns trocados por isso. Depois
seguira em direção ao norte, enquanto aquela mesma família perseguidora, liderada por um tio insano, vasculhava o país à procura dele.
Não desenvolvera muito bem a idéia do motivo pelo qual eles eram
perseguidores, mas isso também não importava muito. Ele estava buscando
seu lugar ao sol no mundo, confortado apenas por sua música.
Também havia a possibilidade de ele ser um agente federal trabalhando
disfarçado. Ou um ladrão de jóias internacional fugindo de um agente do
governo. Ou, quem sabe, um serial killer à procura da próxima vítima.
Sorriu consigo, então olhou para os ingredientes que havia acabado de separar
sem prestar muita atenção. Quem quer que ele fosse, ponderou com outro
sorriso, pelo visto estava prestes a ganhar biscoitos feitos por ela.
O nome dele era Preston McQuinn. Não se considerava particularmente
misterioso, apenas reservado. De fato, fora justamente o desejo de privacidade
que o levara, ironicamente, a ir parar bem no coração de uma das maiores
cidades do mundo.
Felizmente, seria por pouco tempo, pensou ele guardando o sax na maleta
própria para o instrumento. Seria por pouco tempo. Com sorte, dali a alguns
meses a reforma de sua casa na costa rochosa de Connecticut estaria
terminada. Algumas pessoas diziam que o lugar parecia um forte, mas ele não
se importava com isso. Pelo menos em um forte era possível se ter paz e silêncio
durante semanas, caso fosse necessário. Além disso, ninguém podia entrar no
local sem permissão.
Começou a subir a escada, deixando para trás a sala praticamente vazia.
Costumava ficar ali apenas quando decidia tocar, pois a acústica do ambiente
era ótima. Ou então para se exercitar, quando não tinha vontade de caminhar
até a academia alguns quarteirões adiante.
O segundo andar era o local onde ele passava a maior parte do tempo. Mas
felizmente aquilo não duraria muito, pensou mais uma vez. Tudo que precisava
enquanto estava ali era de uma cama, um guarda-roupa, iluminação adequada
e uma mesa de escritório com um tamanho suficiente para comportar seu
notebook e os papéis de trabalho que ele costumava usar. Não quisera ter um
telefone, mas sua agente insistira para que ele mantivesse pelo menos um
telefone celular, para o caso de ela precisar entrar em contato com ele. Preston
aceitara a idéia, mesmo não gostando dela.
Sentou-se à mesa de trabalho, satisfeito por seus pensamentos estarem mais
claros depois do breve exercício com o sax. Mandy, sua agente, andava
preocupada com o progresso de seu último roteiro teatral. Mas, em sua mente,
tudo já estava bem definido. A peça ficaria pronta quando tivesse de ficar, e
nem um minuto antes. Fora assim que ele sempre trabalhara, e não seria
àquela altura de sua carreira que iria mudar de atitude, devido ao nervosismo
de uma agente.
O problema com o sucesso, pensou ele, era o nível de cobrança que ele trazia
consigo. Ao fazer algo que as pessoas apreciavam, você era sempre cobrado a
repetir o feito, só que de maneira mais rápida e mais eficiente. Preston não dava
a mínima para o que as pessoas queriam. Elas poderiam arrombar as portas do
teatro para ver sua próxima peça, laureá-lo com outro Pulitzer ou lhe pagar um
caminhão de dinheiro. Nada disso era importante para ele. Também não dava a
mínima para críticas. Se o público não gostasse, que fosse à bilheteria e
exigisse seu dinheiro de volta.
Para Preston, o trabalho em si era o mais importante. E isso dizia respeito
apenas a ele e a mais ninguém.
Financeiramente, estava seguro como sempre estivera. Mandy costumava dizer
que isso era parte do problema. Sem a necessidade ou o desejo de ganhar
dinheiro para incentivá-lo, ele havia se tornado arrogante e indiferente ao
público. Por outro lado, dizia ela, isso também era o que o tornava um gênio da
criação teatral. Preston não se importava com nada, e isso era o que fazia seu
trabalho ser tão especial.
Continuou sentado à mesa, pensativo. Porém, logo despertou do devaneio e
passou a mão por entre os cabelos castanho-avermelhados. Seus olhos, de um
azul intenso, perscrutaram as últimas palavras que havia digitado. A expressão
séria e os lábios ligeiramente apertados denotavam sua concentração.
Com os ruídos característicos da rua chegando-lhe aos ouvidos, Preston estava
tendo de se esforçar mais para voltar a penetrar na alma do homem que ele
havia criado no texto mostrado na tela do computador. Um homem que lutava
desesperadamente para superar os próprios desejos.
De súbito, o incômodo som da campainha o fez praguejar, desconcentrando-o
mais uma vez. Pensou em continuar ali e não dar atenção, mas sua noção da
natureza humana o fez mudar de idéia, ao concluir que provavelmente o
intruso continuaria insistindo até obter uma resposta. Por isso, decidiu
despachá-lo de uma vez por todas.
Imaginou que se tratasse da senhora do andar térreo. Aquela com olhos de
águia, que parecia viver bisbilhotando a vida de todos. Ela já havia tentado
abordá-lo por duas vezes quando ele estava saindo para o clube à noite, mas
não tivera êxito. Preston sempre fora muito bom em escapar àquele tipo de
situação, mas aquela insistência já estava começando a aborrecê-lo. Seria
melhor bancar o mal-educado de uma vez e deixar que ela saísse falando mal
dele, afinal, não era do tipo que se importava com isso.
Porém, ao espiar através do olho mágico, não se deparou com a mulher
corpulenta que ele havia imaginado estar ali, mas com uma bela morena de
cabelos castanhos e lindos
olhos verdes.
O que diabos ela poderia querer? Reconheceu-a como uma vizinha do mesmo
corredor, cujo apartamento ficava quase em frente ao que ele estava ocupando.
Depois de haver sido deixado em paz por quase uma semana, imaginara que a
situação fosse continuar assim. O que, em sua mente, faria dela a vizinha
perfeita. Mas, pelo visto, enganara-se mais uma vez.
Ainda aborrecido por ter sua paz perturbada, abriu a porta e apoiou-se nela. Sim?
- Olá. - Oh, Deus, ele era a ainda mais bonito de perto, pensou Cybil, contendo
a vontade de suspirar.
- Sou Cybil Campbell, sua vizinha do 3A - apresentou-se com um sorriso
amigável, in- dicando a porta de seu apartamento.
Preston se limitou a arquear uma sobrancelha.
- Pois não?
Um homem de poucas palavras, concluiu Cybil, mantendo o sorriso. Desejou
que ele se distraísse pelo menos por um instante, para que ela pudesse esticar
o pescoço e dar uma espiada no interior do apartamento. Claro que não poderia
tentar fazer isso com aquele olhar perscrutador centrado bem em seu rosto,
sem nenhuma indicação de que iria se desviar.
- Eu o ouvi tocar há alguns minutos. Trabalho em casa e, você sabe como é... O
som atravessa as paredes.
Se ela fora até ali para reclamar do barulho, não iria conseguir nada, pensou
Preston. Ele tocava quando sentia vontade de tocar, e isso não mudaria devido
à mera reclamação de uma vizinha, por mais encantadora que fosse ela.
Continuou a observá-la com atenção. Nariz arrebitado, lábios polpudos,
sensualmente curvados...
- Geralmente esqueço de ligar o aparelho de som quando estou trabalhando continuou ela em um tom animado, interrompendo os pensamentos de Preston.
- Por isso gosto de ouvi-lo tocar. Ralph e Sissy ouviam Vivaldi durante a maior
parte do tempo. Não deixa de ser agradável, mas se torna monótono quando
isso é a única coisa que você ouve o dia inteiro. Eram eles que ocupavam o
apartamento antes de você se mudar. Ralph e Sissy - acrescentou ela,
indicando o apartamento atrás dele.
- Eles se mudaram para White Plains, depois que Ralph teve um caso com uma
vendedora da Saks. Bem, ele não chegou a ter um caso de verdade, mas parecia
estar pensando na possibilidade. Por isso Sissy deu-lhe o ultimato: se não
mudassem de cidade, ela pediria o divórcio. A sra. Wolinsky deu seis meses de
prazo para os dois continuarem juntos. Particularmente, acho que eles vão
conseguir resolver o problema.
Dizendo isso, mostrou um prato com uma simpática decoração com detalhes
amarelos cheio de biscoitos de chocolate cobertos por um plástico protetor,
próprio para alimentos.
- Estes biscoitos são para você - disse, estendendo o prato na direção dele.
Preston abaixou a vista para olhá-los, dando a Cybil a breve oportunidade de
espiar a sala vazia atrás dele. Pelo visto; ele não tivera condições nem mesmo
de comprar um sofá, pensou ela. Então os introvertidos olhos azuis voltaram a
fitá-la.
- Por quê?
- Por que o quê?
- Por que me trouxe os biscoitos?
- Bem, fui eu mesma que os fiz. Às vezes, cozinho para arejar um pouco a
cabeça, quando não estou conseguindo me concentrar no trabalho. Na maioria
das vezes, é cozinhando que eu consigo relaxar o suficiente para voltar a
trabalhar. Mas se eu ficar com tudo isso, acabarei comendo tudo sozinha e vou
me detestar por isso. - O brilho bem-humorado continuou presente nos olhos
verdes.
- Não gosta de biscoitos?
- Não tenho nada contra eles.
- Então, sirva-se - falou Cybil, entregando o prato a ele.
- E bem-vindo ao prédio. Se precisar de alguma coisa, estou sempre por aqui. Indicou a porta do outro apartamento com um gesto vago. - Se quiser conhecer
os outros vizinhos, também poderei apresentá-lo a eles. Moro aqui há alguns
anos e conheço todo mundo.
- Não quero conhecer ninguém - respondeu Preston, dando um passo atrás e
fechando a porta.
Cybil ficou ali parada por algum tempo, atônita com o que acabara de
acontecer. Em seus vinte e quatro anos de vida, nunca alguém havia fechado a
porta em sua cara, mas, mesmo tendo acabado de passar pela experiência,
felizmente concluiu que aquilo não a afetara tanto assim.
No entanto, teve de se conter para não bater à porta e pedir seus biscoitos de
volta. Não iria descer tão baixo, disse a si mesma, girando decididamente sobre
os calcanhares e encaminhandose para seu apartamento.
Agora sabia que o sr. Misterioso era irresistivelmente atraente, que tinha o
corpo de um deus grego e também que ele era tão mal-educado quanto uma
criança de dois anos necessitada de umas boas palmadas no traseiro. Mas tudo
bem, tudo bem. Iria sobreviver àquilo e aprender a ficar longe do caminho dele.
Não bateu a porta de seu apartamento, para não dar a ele o gostinho de ouvir e
deduzir que ela ficara irritada. Mas ao se ver no ambiente seguro de seu
apartamento, virou-se para a porta e fez uma porção de caretas, mostrando a
língua e mexendo as mãos ao lado das orelhas. E isso a fez se sentir
incrivelmente melhor.
Contudo, a questão principal era que ele havia ficado com seus biscoitos, seu
prato de sobremesa preferido e com uma boa dose do seu bom humor. E tudo
isso sem que ela sequer soubesse o nome dele!
Preston não se arrependia das atitudes que tomava. Nem por minuto. Tinha
quase certeza de que sua rudeza propositada manteria sua atraente vizinha a
distância por algum tempo. A última coisa que precisava era do comitê local de
boas vindas reunido à sua porta, principalmente sendo este liderado por uma
bela morena falante, falante até demais, e com olhos de fada.
"Droga!", praguejou ele, em pensamento. Em Nova York, era de se supor que as
pessoas ignorassem os vizinhos. Ao se mudar para ali, tinha quase certeza de
que esse era o comportamento vigente, mas, pelo visto, enganara-se.
A sorte era que ela era solteira, segundo Preston pudera notar, pois se tivesse
um marido, o pobre coitado provavelmente já estaria maluco com toda aquela
tagarelice. O fato de ela trabalhar em casa e de haver deixado claro que estaria
sempre por ali não era um detalhe lá muito agradável.
Como se não bastasse, também fazia os biscoitos de chocolate mais apetitosos
que ele já tinha visto,
isso também não era nada promissor. De fato, era
quase imperdoável.
Conseguiu ignorar os biscoitos por algum tempo enquanto trabalhava. Na
verdade, era capaz de ignorar até mesmo um holocausto nuclear quando
assunto em questão era lidar com palavras em um texto. Entretanto, assim que
Preston se desconcentrou voltou a lembrar-se dos biscoitos que havia deixado
na cozinha.
Continuou pensando neles durante horas, ao se vestir e enquanto massageava
a nuca dolorida depois de horas sentado no mesmo lugar, em uma postura que
sua professora do terceiro ano fundamental, irmã Mary Joseph, classificaria
como "deplorável".
Por isso, quando foi à cozinha buscar sua merecida latinha de cerveja, não
conseguiu deixar de olhar para o prato sobre a mesa. Abriu a latinha, tomou
um gole de cerveja e continuou olhando para os biscoitos, pensativo. E se provasse alguns deles? Afinal, não havia motivo para jogá-los fora, se já havia
deixado bem claro para Cybil Campbell que não estava interessado em
amizades.
Evidentemente, ela iria querer o prato de volta, e ele teria de esvaziá-lo de
alguma maneira. Foi então que provou um deles e gemeu baixinho, aprovando
o delicioso sabor. Depois comeu outro, com um suspiro de pura apreciação.
Quando já havia comido quase duas dúzias, foi que se deu conta do que estava
fazendo e praguejou. Olhou para o prato quase vazio com um misto de
autocensura e de indignação. Então foi para a sala e pegou seu sax. Seria mais
saudável fazer uma breve caminhada antes de ir para o clube.
Ao abrir a porta, ouviu Cybil se aproximando com passos firmes pelo corredor.
Com ar de desagrado, ele deu um passo atrás, deixando apenas um pequeno
vão aberto na porta. Mesmo a certa distância, ouviu a voz dela e arqueou- uma
sobrancelha ao notar que ela estava sozinha.
- Nunca mais! - protestou Cybil. - Nem que ela me ameace de morte. Nunca
mais passarei por essa tortura novamente! É isso, e ponto final!
Preston notou que ela havia mudado de roupa. Estava vestida com uma
pantalona e um blazer pretos, por cima de uma elegante blusa de seda lilás.
Um par de brincos de argola dourados deixaram-na com uma aparência mais
sensual.
Continuou falando sozinha, enquanto abria a bolsa do tamanho de um
envelope do correio.
- A vida é curta demais para ter suas horas desperdiçadas com uma pessoa tão
insuportável. Ela não vai me fazer isso novamente. Sei como dizer "não", e é
isso que farei da próxima vez. Preciso apenas praticar um pouco, só isso. Onde
diabos está aquela chave?
O som de uma porta se abrindo atrás dela a fez se sobressaltar e virar-se de
repente. Preston, notou que os brincos que ela estava usando não eram
totalmente iguais e imaginou se aquilo seria um novo tipo de moda ou falta de
atenção mesmo. Porém, ao se lembrar de que ela não estava conseguindo
encontrar uma chave dentro de uma bolsa menor do que a palma de sua mão,
optou pela última hipótese.
Cybil parecia refrescada, como se houvesse acabado de sair do banho, deixando
para trás uma nuvem de um perfume maravilhoso. E o fato de Preston haver se
sentido afetado por isso, deixou-o ainda mais aborrecido.
- Espere um pouco - pediu a ela, então voltou ao apartamento para pegar o
prato.
Cybil não tinha a mínima intenção de ficar ali esperando. Finalmente
encontrou o esconderijo da chave: no canto do bolso interno, onde ela mesma a
havia colocado justamente para se lembrar de onde encontrá-la quando fosse
necessário.
Preston conseguiu alcançá-la antes que ela entrasse. Saiu do apartamento
pouco depois e fechou a porta atrás de si. Em uma mão, trazia a maleta do sax
e na outra o prato onde Cybil havia colocado os biscoitos.
- Aqui está - disse a ela, jurando a si mesmo que não iria perguntar o que
provocara aquele brilho de indignação nos olhos dela. Se o fizesse, era bem
capaz que ela passasse a meia hora seguinte contando a história a ele.
- De nada - ironizou ela, aceitando o prato.
Estava com a cabeça doendo, depois de haver passado as duas últimas horas
ouvindo a conversa monótona de Frank, primo de Jody. Mas do que estava
reclamando?, pensou com sarcasmo. Afinal, agora estava sabendo tudo sobre o
mercado de ações e sobre as aplicações mais seguras que poderiam ser feitas
nele. Levada pelo mau humor, decidiu dizer poucas e boas ao sr. Misterioso.
- Ouça, se não quer fazer novas amizades, tudo bem. Não preciso mesmo de
mais amigos - declarou ela, balançando o prato para enfatizar o que dizia.
- Na verdade, tenho tantos no momento que estou querendo me livrar de alguns
deles. De qualquer maneira, não havia motivo para você ser tão rude. Tudo o
que fiz foi me apresentar e lhe oferecer alguns malditos biscoitos!
Preston teve de se esforçar para se manter sério.
- Malditos biscoitos deliciosos - confessou ele, arrependendo-se assim que viu
um brilho de divertimento surgir nos olhos dela.
- E mesmo?
- Sim.
Dizendo isso, ele seguiu pelo corredor em direção à saída, deixando-a surpresa
com aquela reação.
Foi então que Cybil decidiu seguir seu impulso, um de seus hobbies preferidos.
Destrancou rapidamente a porta de seu apartamento e deixou o prato sobre a
mesinha de centro. Em seguida, saiu novamente e trancou a porta. Então
começou a seguir o sr. Misterioso, esforçando-se para não fazer nenhum
barulho ao andar.
Seria um ótimo roteiro para uma nova aventura de Emily, pensou ela, contendo
a vontade de rir. Claro que seria preciso criar um contexto onde Emily estivesse
completamente apaixonada, concluiu, enquanto tentava descer a escada com
rapidez e na ponta dos pés. Uma atitude como aquela não poderia ser
justificada como normal, advinda de uma mera curiosidade. Teria de ser algo
mais intenso, uma espécie de paixão desenfreada.
Ofegante sob o efeito de uma intensa expectativa, flagrou-se com a mente
repleta de possibilidades. Ao sair do prédio, olhou rapidamente para os lados.
Ele já se encontrava no meio do quarteirão. Uma boa distância, concluiu Cybil,
começando a segui-lo e disfarçando um sorriso.
Em seu lugar, claro que Emily manteria um ar de mistério, escondendo-se
atrás de postes e nas esquinas, para o caso de ele se virar de repente e...
Com um sobressalto, escondeu-se de repente atrás de um poste, quando a
"vítima" de sua perseguição arriscou um olhar por sobre o ombro. Levando a
mão ao peito, Cybil inclinou-se ligeiramente para frente a tempo de vê-lo virar a
esquina.
Aborrecida por haver decidido usar saltos em vez de sapatos mais confortáveis
para o jantar, ela respirou fundo e seguiu na mesma direção onde ele havia
virado.
Seu vizinho caminhou durante vinte minutos, até Cybil sentir os pés em
chamas e todo aquele ânimo inicial se desfazendo como uma nuvem assaltada
por um sopro insistente. Teria ele aquela mania de caminhar todas as noites
pelas ruas com o saxofone?
Talvez não fosse apenas mal-educado, mas também maluco. Provavelmente fora
liberado de algum hospício naqueles últimos dias, e por isso não sabia ao certo
como se dirigir às pessoas de uma maneira normal.
A família abastada e cruel o mantivera em uma espécie de cativeiro, afastandoo do resto do mundo para que ele não reivindicasse seus direitos sobre a
herança da avó falecida, que morrera sob circunstâncias suspeitas, deixando
toda sua fortuna para o neto. Por fim, era provável que todos aqueles anos de
cativeiro, tendo de lidar com um psiquiatra corrupto, haviam-no deixado meio
amalucado.
Sim, seria exatamente isso que Emily deduziria, chegando à conclusão de que
somente seu amor puro e dedicado seria capaz de curá-lo. Então todos os
amigos e vizinhos tentariam dissuadi-la, tentando mostrar os riscos que ela
estaria correndo. Mas Emily, sendo Emily, iria até o fim.
E antes que o sr. Misterioso pudesse...
Cybil parou de repente, quando ele entrou em um clube chamado Delta's.
Finalmente, pensou ela, afastando os cabelos para longe do rosto. Agora, tudo
que precisaria fazer seria entrar ali, encontrar um canto escuro onde pudesse
se ocultar e ver o que aconteceria em seguida.
CAPÍTULO II
O lugar tinha cheiro de uísque e cigarro. No entanto, não chegava a ser
necessariamente ofensivo, segundo Cybil pôde notar. Era algo mais...
atmosférico, se é que se poderia chamar assim. O ambiente era permeado por
uma iluminação suave, tendo como destaque o agradável tom de azul dos
holofotes que iluminavam o palco. Pequenas mesas redondas se distribuíam
por todo o salão, e embora a maioria delas estivesse ocupada, o nível de ruído
era bem baixo.
Cybil percebeu que as pessoas conversavam sussurrando, desfrutando a
companhia umas das outras ou realizando novas conquistas.
Diante do espesso balcão de madeira do bar, à direita da entrada, alguns
clientes se mantinham ligeiramente inclinados sobre suas bebidas, como que
protegendo-as de possíveis invasores.
O ambiente lembrava o tipo de clube noturno que aparecia nos filmes em pretoe-branco da década de quarenta. Aquele tipo no qual a heroína usava vestidos
longos e justos, batom vermelho escuro e uma mecha de cabelos caído sobre o
olho esquerdo, enquanto se mantinha no palco, iluminada por um único foco
de luz, interpretando canções a respeito de amores frustrados.
Enquanto cantava, os homens que a desejavam, e contra os quais ela fazia seu
protesto, mantinham-se debruçados sobre seus copos de uísque, com os olhos
parcialmente ocultos pelas abas de seus chapéus.
Em outras palavras, pensou Cybil com um sorriso, o ambiente era
simplesmente perfeito.
Esperando não ser notada, andou sorrateiramente junto a uma das paredes e
sentou-se à mesa mais próxima. Então passou a observá-lo através da nuvem
formada pela fumaça dos cigarros.
Ele estava todo vestido de preto. Cybil não conteve um suspiro. O jeans e a
camisa pretos ressaltavam ainda mais aquele ar sedutoramente másculo. A
jaqueta preta de couro havia sido deixada sobre uma cadeira próxima ao palco.
A mulher com quem ele estava conversando era uma linda negra trajando um
macacão vermelho feito de um tecido brilhante e muito justo, evidenciando
cada curva do corpo perfeito. Cybil calculou que ela devia ter mais ou menos
um metro e oitenta de altura. Como se não bastasse toda aquela beleza,
quando ela inclinou a cabeça para trás, o rico som de seu riso se espalhou pelo
ambiente.
Pela primeira vez, Cybil o viu sorrir. Mas aquilo não era apenas um sorriso,,
pensou ela, encantada com a transformação na, expressão do atraente
semblante masculino. Aquilo era um intenso raiar do sol após uma noite
sombria. Aquilo que o tornava tão irresistivelmente atraente a seus olhos, não
poderia ser chamado meramente de "sorriso". Era uma expressão repleta de
afeição, divertimento e charme. Mesmo àquela distância, Cybil sentiu todo seu
impacto. Com um suspiro, apoiou o queixo sobre a mão e sorriu, como se o
sorriso houvesse sido dirigido a ela.
Imaginou que ele e a bela negra fossem amantes, e confirmou isso quando a
mulher segurou o rosto dele entre as mãos e o beijou enfaticamente. Claro que
um homem magnífico como aquele tinha de ter uma amante, no mínimo,
exótica, concluiu Cybil. E o lugar perfeito para um encontro entre os dois seria
um clube noturno permeado por fumaça de cigarro e músicas melancólicas.
Cybil suspirou alto, considerando aquilo tudo romântico demais.
No palco, Delta pousou a mão afetuosamente sobre o rosto de Preston.
- Então, agora passou a ser seguido por mulheres, meu querido?
- Ela é maluca.
- Quer que eu a ponha para fora?
- Não. - Preston não olhou para trás, mas podia sentir aqueles olhos verdes
observando-o.
- Estou quase certo de que ela é uma maluca inofensiva.
- Um brilho de divertimento surgiu nos olhos negros de Delta.
- Então, vou só verificar se isso é mesmo verdade. Quando uma mulher começa
a seguir um homem, meu querido, é melhor averiguar do que ela é capaz.
Certo, André?
O homem negro e magro sentado ao piano parou de dedilhar as teclas por um
instante e sorriu para ela, em resposta.
- Faça isso, Delta. Mas não assuste a moça. Olhando daqui, ela parece ser
bastante inofensiva. Pronto para começar? - perguntou ele, dirigindo-se a
Preston.
- Você começa, eu acompanho.
Enquanto Delta descia do palco, os dedos longos de André começaram a
exercer sua magia. Preston deixou-se levar pelo ritmo do piano, então fechou os
olhos, permitindo que a música entrasse em seu ser.
Era assim que sempre acontecia. Aquilo sempre esvaziava sua mente das
palavras, das pessoas e das cenas que geralmente a preenchiam. Quando ele
tocava, era como se não houvesse nada além da música e do magnífico prazer
de executá-la.
Certa vez, dissera a Delta que aquilo era como sexo, que tirava algo de você
mas lhe dava o dobro em troca. E que quando terminava, era como se houvesse
sido rápido demais.
No fundo do salão, Cybil também se deixou levar pelo ritmo suave e contagiante
da música. Era diferente vê-lo se apresentar de simplesmente ouvi-lo tocar,
com o som abafado atravessando as paredes do prédio. Vê-lo ali no palco era
algo mais poderoso, mais excitante, quase como um apelo sensual.
Aquela música era um sonho. Do tipo perfeito para servir de fundo musical
para um casal em pleno ato de amor. Deus, como ele tocava bem, pensou ela,
mal contendo outro suspiro. Será que ele faria amor com aquela mesma
intensidade? O pensamento provocou-lhe um arrepio pelo corpo.
Estava tão concentrada no que estava acontecendo no palco que não viu Delta
se aproximar da mesa.
- Está gostando, meu bem?
- Hein? - Cybil levantou a vista, sorrindo com ar de distração. - Oh, é
maravilhoso. Quero dizer, a música é maravilhosa. Causa uma espécie de
nostalgia em mim.
Delta arqueou uma sobrancelha. A garota tinha um rosto lindo e até inocente.
Não parecia ser a lunática que Preston descrevera.
- Está bebendo ou apenas ocupando o lugar?
- Oh. - Cybil se deu conta de que um lugar como aquele se sustentava pela
venda de bebidas. - Esta música pede um uísque - disse com outro sorriso. Então vou tomar um uísque.
Delta arqueou a sobrancelha com mais ênfase.
- Você não parece ter idade suficiente para andar tomando uísque por aí,
mocinha.
Cybil suspirou. Estava acostumada a ouvir aquele tipo de coisa. Sem dizer
nada, abriu a bolsa e tirou seu documento de identidade.
Delta o examinou.
- Está bem, Cybil Ângela Campbell. Vou pegar seu uísque.
- Obrigada.
Satisfeita, Cybil apoiou o queixo sobre a mão mais uma vez e continuou
ouvindo a música. Ficou surpresa quando Delta voltou com dois copos de
uísque e sentou-se à mesa, a seu lado.
- O que está fazendo em um lugar como este, minha cara Cybil?
Ela abriu a boca para responder, mas, no mesmo instante, deu-se conta de que
não poderia revelar que seguira seu misterioso vizinho até ali.
- Moro perto daqui, e acho que apenas segui um impulso. - Levantou o copo de
uísque e indicou o palco com ele.
- Estou contente de ter vindo - disse e tomou um gole da bebida.
Delta apertou os lábios. A garota podia até parecer inocente, mas tomava
uísque como um homem.
- Se continuar andando sozinha pelas ruas, à noite, pode acabar tendo
problemas, minha cara.
Um brilho de sagacidade surgiu nos olhos de Cybil, acima da borda do copo.
- Não se preocupe, minha cara - respondeu ela, no mesmo tom.
Delta assentiu, considerando a resposta.
- Talvez não seja mesmo preciso eu me preocupar. Sou Delta Pardue acrescentou ela, tocando o copo no de Cybil, em um brinde. - Este é meu clube.
- Gostei do seu clube, Delta.
- Ora, que bom - admitiu ela, com outra de suas ricas risadas. - Mas vejo que
também gostou do meu homem, logo ali. Não tirou seus olhos felinos dele desde
que chegou.
Cybil moveu o uísque no copo, pensando em como deveria atuar naquele jogo.
Mesmo sabendo que poderia se cuidar nas ruas, ou em qualquer outro lugar,
calculou que Delta era muito mais forte do que ela. Além disso, estavam no
território de Delta, e sua desvantagem era mais do que evidente. Aquele modo
de dizer "meu homem" deixara a situação bem clara. De qualquer maneira, não
havia motivo para estragar logo no primeiro encontro aquilo que poderia se
transformar em uma boa amizade.
- Seu homem é muito atraente - admitiu, em um tom casual. - Confesso que é
difícil não olhar para ele. Portanto, vou continuar apenas olhando se isso não a
incomodar. Além do mais, aposto que ele não tem olhos para outra mulher
tendo alguém como você por perto.
Delta riu, exibindo os dentes alvos e perfeitos.
- Acho que não preciso realmente me preocupar. Sabe mesmo se cuidar, não é,
menina?
Cybil sorriu, tomando outro gole de uísque.
- Sim, eu sei. - Decidindo mudar de assunto, ela acrescentou: - Gostei mesmo
deste lugar. Há quanto tempo você o tem, Delta?
- Estou aqui há dois anos.
- E antes? Esse seu sotaque é de Nova Orleans, não é? Delta inclinou a cabeça de lado, com um sorriso.
- Tem bons ouvidos, garota.
- Tenho sim, mas foi fácil reconhecer seu sotaque. Tenho família em Nova
Orleans e minha avó foi criada lá.
- Não conheço nenhum Campbell... Qual é o sobrenome de solteira de sua mãe?
- Grandeau.
Delta se encostou uma cadeira.
- Ei, conheço os Grandeau! Por acaso, é parente da srta. Adelaide?
- Ela é minha tia-avó.
- Grande dama - asseverou Delta.
Cybil fez uma careta, tomando outro gole de uísque.
- Impaciente, ranzinza e fria como um iceberg. Os gêmeos e eu costumávamos
pensar que ela fosse algum tipo de bruxa ou algo do gênero.
- Gêmeos? - Delta se surpreendeu.
- Sim, meu irmão e minha irmã são gêmeos - explicou Cybil.
Após uma breve pausa, Delta falou:
- Ela tem poder, mas apenas por causa do dinheiro e do sobrenome que
carrega. Então você é parente dos Grandeau? Mas que agradável surpresa.
Quem é sua mãe?
- Genviève Grandeau Campbell, a famosa artista.
- Srta. Gennie. - Delta deixou o copo sobre a mesa e levou a mão ao peito,
encostando-se na cadeira com um sorriso.
- Quem diria que a filha da srta. Gennie algum dia visitaria minha boate. O
mundo é mesmo pequeno.
- Conhece minha mãe?
- Minha mãe trabalhou como governanta para sua grandmère, minha cara.
- Mazie? Você é filha de Mazie? Ah, meu Deus!
- Cybil tocou a mão de Delta, comovida. - Minha mãe falava de Mazie o tempo
todo. Nós chegamos a visitá-la uma vez, quando eu ainda era criança. Lembro
que ela fez bolinhos maravilhosos para nós - acrescentou com um sorriso
saudosista. - Sentamos na varanda da casa, tomando limonada enquanto
comíamos aqueles bolinhos divinos. Meu pai fez um desenho dela.
- Ela mandou emoldurá-lo e pendurou o quadro na parede. - Delta riu.
- Vivia toda orgulhosa dele. Eu estava na cidade quando sua família nos
visitou. Estava trabalhando. Minha mãe falou daquela visita durante semanas.
Ela gostava muito da srta. Gennie.
- Espere até eu contar a eles que encontrei você. Como está sua mãe, Delta?
- Ela morreu no ano passado.
- Oh. - Cybil segurou a mão de Delta com mais firmeza. - Sinto muito. Muito
mesmo.
- Ela teve uma boa vida. Morreu dormindo, portanto, acho que também teve
uma boa morte. Seus pais compareceram ao funeral. Teve uma base familiar
muito boa, Cybil.
- Sim, eu sei. O mesmo serve para você - acrescentou ela, com um sorriso.
Preston não estava entendendo mais nada. Lá estava Delta, a mulher que ele
considerava a mais sensata das criaturas, conversando com aquela maluca
como se ambas fossem velhas amigas. Compartilhando o uísque, as risadas e
segurando a mão uma da outra como as mulheres costumavam fazer quando
tinham muita amizade.
As duas já estavam ali, no fundo do salão, havia mais de uma hora. De vez em
quando, Cybil começava um daqueles que só poderia ser outro de seus
monólogos, gesticulando muito e rindo. Então Delta ouvia algumas palavras
com atenção, e logo inclinava a cabeça para trás, rindo com satisfação e
balançando a cabeça com ar de surpresa.
- Veja só aquilo, André - disse, inclinando-se sobre o piano.
André parou de tocar e acendeu um cigarro.
- Como velhas comadres - falou ele, após a primeira baforada. - A garota é
muito bonita, Preston. Tem uma animação fora do comum.
- Detesto pessoas animadas demais - resmungou Preston, já sem vontade de
continuar tocando. Em silêncio, começou a guardar o sax. - Até a próxima despediu-se, ao terminar.
- Até - foi a resposta de André.
Preston pensou em sair e ir direto para casa, mas sentiu-se irritado com a
possibilidade de sua amiga estar sendo aborrecida por aquela lunática. Além
disso, seria bom mostrar à sua vizinha abelhuda que também estava de olho
nela, e que sua perseguição não passara despercebida.
Quando parou ao lado da mesa onde as duas estavam acomodadas, Cybil se
limitou a levantar a vista e sorrir para ele.
- Oi. Não vai tocar mais? A música estava maravilhosa.
- Você me seguiu.
- Eu sei. Foi indelicado de minha parte, mas estou contente por tê-lo feito.
Adorei ouvi-lo tocar e nunca teria encontrado Delta se não tivesse vindo até
aqui. Estávamos acabando de...
- Nunca mais faça isso - falou ele, antes de se encaminhar para a saída.
- Ooh, ele está mesmo uma fera. - Delta riu. - Esse olhar fuzilante é capaz de
intimidar qualquer um.
- Preciso pedir desculpas a ele - declarou Cybil, ficando de pé.
- Não quero que fique bravo com você.
- Comigo? Mas...
- Voltarei logo - dizendo isso, Cybil deu um beijo estalado na face de Delta,
fazendo-a pestanejar de surpresa.
- Não se preocupe, vou resolver isso.
Enquanto ela se afastava, Delta ficou observando-a por algum tempo, antes de
soltar outra de suas sonoras risadas.
- Não tem idéia de onde está se metendo, menina. E nem meu querido Preston acrescentou, com um brilho de divertimento no olhar.
Do lado de fora, Cybil saiu correndo pela calçada.
- Ei! - gritou para Preston, que já se encontrava a certa distância.
Então se repreendeu por não haver sequer perguntado o nome dele a Delta,
depois de todo aquele tempo de conversa.
- Ei! - repetiu, acelerando a corrida e conseguindo finalmente alcançá-lo.
- Sinto muito - começou a falar, segurando a manga da jaqueta dele.
- A culpa foi toda minha.
- E quem disse que não foi?
- Eu não deveria tê-lo seguido. Mas foi um impulso, eu tenho dificuldade de
resistir aos impulsos. Sempre tive. Além disso, eu estava irritada por causa do
idiota do Frank e... Bem, isso não vem ao caso agora. Eu só queria... Poderia
diminuir um pouco o ritmo dos passos?
- Não.
Cybil revirou os olhos.
- Tudo bem, tudo bem. Sei que está desejando que um piano caia sobre minha
cabeça, mas não precisa ficar bravo com Delta. Nós começamos a conversar e
acabamos descobrindo que a mãe dela trabalhou para minha avó e que ela,
Delta, conhece meus pais e alguns dos meus primos de sobrenome Grandeau.
A partir daí, não paramos mais de conversar.
Preston parou de repente e olhou para ela.
- Com tantos clubes noturnos em tantas cidades do mundo... - resmungou ele,
fazendo-a rir.
- Já sei: eu tinha logo de segui-lo até aquele e fazer amizade justo com sua
namorada. Sinto muito.
- Minha namorada? Delta?
Para espanto de Cybil, ele sabia rir. Rir de verdade, fazendo o som grave de sua
voz se espalhar pelo ar.
- Por acaso Delta parece ser namorada de alguém? Puxa, parece que você veio
mesmo de outro planeta.
- Foi apenas uma suposição. Eu só não quis parecer indelicada, chamando-a de
sua "amante".
O brilho de divertimento continuou nos olhos dele quando Preston voltou a fitá-
la.
- Não deixa de ser uma idéia engraçada, mas a verdade é que aquele homem
com quem eu estava tocando é o marido de Delta, um velho amigo meu.
- O homem alto e magro que estava ao piano? É mesmo? - Mordendo o lábio,
Cybil pensou no lado romântico daquele contexto. - Não é lindo? - disse quase
para si mesma.
Preston se limitou a balançar a cabeça e continuou a andar.
- O que eu quero dizer é... - Cybil recomeçou a falar, confirmando a certeza que
Preston tivera de que ela não havia terminado o raciocínio, e de que, como
sempre, não o terminaria tão cedo.
- E que percebi que ela foi apenas verificar qual era minha intenção. Para ter
certeza de que eu não iria aborrecê-lo entende? Então uma coisa acabou
levando a outra, e você sabe como é... Só não quero que fique bravo com ela.
- Não estou bravo com ela. Você, por outro lado, já me deu razões mais do que
suficientes para ficar bravo.
Cybil pareceu desapontada.
- Bem, sinto muito por isso. Prometo que o deixarei em paz, já que isso,
aparentemente, é o que parece agradá-lo.
Preston ficou parado por um momento, observando-a se afastar pela rua
deserta, em direção à calçada oposta. Por fim, deu de ombros e virou a esquina,
tentando se convencer de que ficara aliviado ao se livrar dela. Afinal, não era de
sua conta se Cybil não se importava em se arriscar andando sozinha à noite.
Além do mais, se não houvesse decidido segui-lo de repente, não estaria
usando aqueles saltos tão altos e teria mais chance de correr, caso fosse
necessário, diante de algum perigo.
Não, não iria se preocupar com isso.
Seguiu em frente com passos firmes, mas bastou percorrer alguns metros para
girar sobre os calcanhares com um resmungo abafado. Iria apenas certificar-se
de que ela chegaria em casa em segurança, só isso. Assim que tivesse certeza
disso, lavaria as mãos de qualquer responsabilidade e trataria de esquecê-la.
Havia acabado de virar a esquina, quando se espantou com o que viu. Mais
adiante, um homem surgiu das sombras e agarrou Cybil, que soltou um grito e
começou a lutar. Preston soltou a maleta do sax no mesmo instante e saiu
correndo para ajudá-la.
Entretanto, parou de repente ao ver que Cybil havia não apenas se livrado do
marginal, como o atingira com um golpe certeiro do joelho em sua parte mais
sensível, fazendo-o cair gemendo de dor no chão.
- Eu só tinha dez míseros dólares aqui. Dez míseros dólares, seu imbecil! gritou ela para o homem, enquanto Preston se aproximava.
- Se precisava de dinheiro, por que simplesmente não pediu?
- Está ferida?
- Sim, droga. E por sua culpa! - protestou ela. - Eu não teria batido nele com
tanta força se não estivesse tão furiosa com você!
Notando que ela estava massageando a junta dos dedos da mão direita, que
provavelmente havia sido usada antes do "golpe fatal" com o joelho, Preston lhe
segurou o pulso.
- Deixe-me ver. Mexa os dedos.
- Vá embora.
- Vamos, obedeça. Mexa os dedos.
- Ei! - gritou uma mulher abrindo a janela de uma casa do outro lado da rua.
- Querem que eu chame a polícia?
- Sim - respondeu Cybil, movendo os dedos, como Preston lhe pedira. Então
gemeu quando ele tentou massageá-los.
- Já estou bem, obrigada.
- Vítima polida, você, não? - ironizou ele. - Pelo visto, não quebrou nada. Mas
será melhor fazer um exame mais detalhado.
- Muitíssimo obrigada, doutor. - Cybil afastou a mão e levantou o queixo,
indicando a rua com a outra mão.
- Pode ir agora, eu estou bem.
Quando o homem caído na calçada começou a se mexer e a gemer, Preston o
imobilizou com o pé.
- Acho que vou ficar mais um pouco por aqui. Por que não vai pegar o sax para
mim? Eu o deixei perto da esquina enquanto ainda estava sendo ingênuo o
bastante para pensar que você corria perigo.
Cybil quase mandou que ele mesmo fosse pegá-lo, mas mudou de idéia ao
pensar que se tivesse de bater novamente naquele bandido talvez já não tivesse
tanta força quanto antes. Com o que lhe restava de dignidade, andou em direção à esquina e pegou a maleta que Preston deixara para trás.
- Obrigada - agradeceu ao se aproximar.
- Por quê? - indagou ele, surpreso.
- Por haver se preocupado comigo.
- Não precisa agradecer.
Preston forçou mais o pé ao ver o marginal começar a praguejar, querendo se
levantar. Somente quando a polícia chegou, dez minutos depois, foi que ele se
afastou do bandido.
Cybil não teve nenhuma dificuldade em descrever o que havia acontecido,
enquanto Preston rezava para que ela conseguisse ser breve o suficiente para
que eles fossem liberados logo. Evidentemente, tinha noção de que sua
esperança era vã. Mas um homem podia sonhar, não podia?
Porém, sua esperança arrefeceu de vez quando um dos policiais uniformizados
se voltou para ele.
- O senhor viu o que aconteceu aqui? Preston suspirou.
- Sim.
Portanto, já eram quase duas horas da manhã quando ele e Cybil finalmente
voltaram para casa. Continuava com aquele gosto horrível do café da delegacia
na boca e com aquela dor de cabeça que começara quando o policial lhe fizera a
primeira pergunta.
- Foi um bocado excitante, não foi? Todos aqueles policiais e marginais
reunidos em um mesmo lugar... A certa altura, notei que a única diferença
entre eles era o fato de os policiais estarem uniformizados, por que os rostos
intimidadores pareciam todos os mesmos. Por que será que eles insistem em
manter aquela expressão todo o tempo? Um sorrisinho não faria mal a
ninguém. Foi muito gentil da parte deles me mostrar a delegacia. Você deveria
ter nos acompanhado. As salas de interrogatório parecem exatamente como
aquelas que vemos nos filmes: escuras e assustadoras.
Preston tinha certeza de que ela era a única pessoa do mundo que se
interessava em fazer excursões por delegacias.
- Estou elétrica - anunciou ela. - Você não está? Acho que não vou dormir tão
cedo. Quer alguns biscoitos? Ainda tenho uma porção deles.
Preston quase ignorou o convite enquanto tirava a chave do bolso, porém a
sensação de vazio em seu estômago o fez lembrar-se que não havia comido
nada nas últimas oito horas. E aqueles biscoitos eram um pequeno milagre.
- Acho que vou aceitar.
- Ótimo! - festejou Cybil, abrindo a porta e tirando os sapatos, antes de se
dirigir à cozinha. - Pode entrar - disse por sobre o ombro. –
Vou colocá-los em um prato, para que possa comê-los no refúgio de sua casa,
mas também não precisa ficar esperando no corredor.
Preston entrou no apartamento, deixando a porta aberta atrás de si. Não ficou
surpreso ao ver um ambiente decorado com cores alegres e com detalhes
chamativos. Andou pela sala, mantendo as mãos nos bolsos, enquanto ouvia a
voz de Cybil vinda da cozinha.
- Você fala demais.
- Eu sei - respondeu ela, colocando os biscoitos no mesmo prato que
emprestara antes para ele. - Principalmente quando estou nervosa ou elétrica.
- E alguma vez você já se sentiu de outra maneira?
- Sim, mas isso é raro.
Preston viu uma série de porta-retratos sobre a estante, vários pares de
brincos, um par de sapatos a um canto da sala, um romance sobre a mesinha
de centro e sentiu um leve aroma de maçã pelo ar. Tudo aquilo combinava com
ela. Continuou examinando os detalhes da sala até parar diante de uma tira de
jornal emoldurada e presa à parede.
- Amigos e vizinhos - leu o título impresso e observou a assinatura no canto
direito inferior da tira. Lia-se apenas "Cybil". - Isto é seu? - perguntou, no
momento em que ela entrava na sala.
Cybil olhou para o quadro.
- Sim, é minha tira de jornal. Não acho que você seja do tipo que lê as tiras
cômicas do jornal, ou estou enganada?
Sabendo muito bem reconhecer uma pergunta pessoal quando uma lhe era
dirigida, Preston olhou-a por sobre o ombro. Devia ser o sono, concluiu, que o
estava levando a considerá-la tão atraente àquela hora da noite.
- "Macintosh", de Grant Campbell - Preston leu outra tira emoldurada,
pendurada ao lado da de Cybil.
- É seu pai?
- Sim - ela assentiu.
Ler o sobrenome "Campbell" era o mesmo que ler "MacGregor", pensou Preston.
Não era mesmo uma interessante coincidência?
Atravessando a sala, serviu-se de um dos biscoitos que Cybil havia colocado
sobre o balcão que separava a sala da cozinha.
- Gosto do estilo do trabalho dele.
- Tenho certeza de que ele ficaria lisonjeado em ouvir isso. - Cybil sorriu ao vêlo pegar outro biscoito.
- Quer um pouco de leite?
- Não. Você tem cerveja?
- Com biscoitos chocolate?
Ela fez um ar de quem considerara aquilo muito esquisito, mas mesmo assim
foi até a geladeira. Preston teve a chance de ver que estava muito bem
abastecida quando Cybil se inclinou para examinar seu conteúdo, que também
lhe deu a chance de ver o que uma calça preta sob medida era capaz de fazer a
um traseiro feminino irresistivelmente
arredondado. De fato, só se deu conta de que havia contido a respiração
quando Cybil se virou para ele com uma garrafa de Beck's Dark.
- Isto não serve? O Chuck gosta.
- Esse tal de Chuck tem bom gosto. É um namorado?
Enquanto pegava os copos para servi-lo, ela respondeu:
- Chuck é o marido de Jody. Jody e Chuck Myers do 2B - explicou ela. - Fui
jantar com eles esta noite e com Frank, o primo excessivamente insuportável de
Jody.
- Por isso estava resmungando quando voltou para casa?
- Eu estava resmungando? - Cybil franziu o cenho, então apoiou-se sobre o
balcão e comeu outro biscoito. Resmungar era outro dos hábitos dos quais ela
não conseguia se livrar.
- É provável. Essa foi a terceira vez que Jody arranjou um encontro entre mim e
Frank. Ele é corretor da bolsa. Trinta e cinco anos, solteiro e bonito, se você for
do tipo que aprecia tipos atléticos e másculos. Tem um BMW, um apartamento
em Upper East Side, Westchester, uma casa de praia em Hamptons, só usa
ternos Armani, aprecia a cozinha francesa e tem dentes perfeitos.
Divertindo-se com a maneira como Cybil estava descrevendo o sujeito, Preston
tomou um gole de cerveja e perguntou:
- Então por que já não está casada com ele e morando em Westchester?
- Ah, você acabou de descrever o sonho de Jody.
E vou lhe dizer por que não quero isso para mim. - Ela comeu outro biscoito.
- Primeiro, não quero me casar ou ir morar em Westchester. Segundo, e mais
importante, eu preferiria a morte a ter de me casar com Frank.
- O que há de errado com o sujeito?
- Ele... Ele me cansa! - desabafou ela, com uma careta de desagrado.
- Oh, droga, acho que fui indelicada, não?
- Por quê? Soou sincera para mim.
- Sim, estou sendo completamente sincera. - Cybil pegou outro biscoito e o
comeu, sentindo-se apenas um pouquinho culpada.
- Ele é uma boa pessoa, mas acho que não leu um livro ou foi ao cinema nos
últimos cinco anos. Talvez tenha assistido a alguns filmes selecionados, mas
não a um filme para se divertir, entende? Tudo que ele sabe fazer é criticar o
cinema o tempo inteiro, ou melhor, durante os cinqüenta e nove minutos de
cada hora em que não fica falando das aplicações da bolsa de valores.
- Eu nem conheço o sujeito e já me cansei dele.
O comentário fez Cybil rir e pegar outro biscoito.
- Ele é conhecido por ter a mania de olhar o próprio reflexo na colher quando
está sentado à mesa - continuou ela. - Para se certificar de que continua
perfeitamente "irresistível". E como se não bastasse tudo isso, ele beija como
um peixe.
Preston arqueou uma sobrancelha.
- Como é isso exatamente?
- Ah, você sabe... - Cybil fez um biquinho arredondado com os lábios e depois
começou a rir. - É possível imaginar como os peixes beijam, mesmo que eles
não façam isso. Mas se beijassem, seria como Frank. Quase consegui escapar
sem ter de passar pela experiência esta noite, mas Jody, como sempre, deu um
jeitinho de interferir.
- E não lhe ocorreu simplesmente dizer "não"?
- Claro que me ocorreu! Todo o tempo! - Cybil forçou um sorriso, exasperada. Mas parece que nunca consigo me expressar no momento certo. Jody me adora
e, por razões que até a própria razão desconhece, ela também adora Frank.
Está convencida de que formamos um casal perfeito. E você sabe como é
quando alguém que você estima começa a fazer esse tipo de pressão "para o seu
bem".
- Não, não sei.
Cybil inclinou a cabeça. Então lembrou-se da sala vazia no apartamento dele.
Nenhum móvel, nenhum membro da família...
- A situação se torna muito inconveniente por que você corre o risco de magoar
alguém, e isso não me agrada nem um pouco.
- Como está sua mão? - perguntou Preston, ao vê-la massagear as juntas.
- Ainda está um pouco dolorida. Provavelmente terei dificuldade para trabalhar
amanhã. Mas tentarei transformar a experiência em uma boa tira cômica.
- Não consigo imaginar Emily tendo coragem de nocautear um bandido - disse
Preston.
- Ei, você lê minhas tiras! - exclamou Cybil, rindo com satisfação.
- Uma vez ou outra.
Ela era realmente encantadora, pensou Preston, admirando aquele lindo sorriso
e o brilho de divertimento nos olhos incrivelmente verdes de Cybil. De súbito,
flagrou-se imaginando como seria provar o sabor daqueles lábios rosados.
Era isso que acontecia quando um homem se dava a liberdade de ficar
comendo biscoitos de chocolate no meio da noite na casa de uma linda mulher
capaz de fazê-lo ver o mundo sob uma nova perspectiva. Uma perspectiva que,
para ele, ainda oferecia riscos.
- Não tem o tom irônico de seu pai nem o gênio artístico de sua mãe, mas tem
um talento inusitado para o absurdo.
Cybil riu com indignação.
- Ora, muitíssimo obrigada pela crítica construtiva.
- Não há de quê. - Preston pegou o'prato que ela havia separado para ele levar.
- E obrigado pelos biscoitos.
Cybil estreitou o olhar enquanto ele se dirigia à porta. Bem, ele iria ver quanto
talento ela tinha para o "absurdo" ao longo das próximas tiras.
- Ei!
Ele parou e olhou para trás.
- Ei, o quê?
- Você tem nome, apartamento 3B?
- Sim, eu tenho um nome, apartamento 3A. McQuinn.
Dizendo isso, levantou no ar a latinha de cerveja e o prato, em sinal de
agradecimento, e saiu, fechando a porta atrás de si.
CAPÍTULO III
Quando muitas idéias a respeito de cenas e de pessoas preenchiam sua mente,
Cybil era capaz de trabalhar até seus dedos começarem a doer e se recusarem a
segurar adequadamente o lápis ou a caneta.
Nos dias em que isso acontecia, geralmente alimentava-se apenas com biscoitos
e bebidas diet, por gostar de ter a sensação de que estava equilibrando as
calorias em relação aos dias em que havia abusado delas.
No papel, a cada tira cômica, Emily e sua amiga Cari, que durante os últimos
anos vinha apresentando muitas características da personalidade de Jody,
planejavam e arquitetavam mil maneiras de descobrir os segredos do sr.
Misterioso. Iria chamá-lo de "Quinn", mas não por muitos episódios.
Durante três dias, Cybil mal saiu da mesa de desenho. Jody tinha uma cópia
da chave de seu apartamento, por isso não era necessário ficar se preocupando
em atender à porta quando a amiga aparecia para uma visita. E Jody nunca
fazia cerimônia para abrir a porta para a sra. Wolinsky, ou para algum outro
vizinho que decidia visitar Cybil.
De fato, em um dado momento da terceira noite, havia tantas pessoas no
apartamento de Cybil que foi possível fazer até uma festinha informal, enquanto ela terminava de colorir a tira cômica que sairia no jornal de domingo.
Alguém havia ligado o aparelho de som, mas a música não a distraiu. Os risos e
a conversação chegavam até seus ouvidos, vindos do andar de baixo, mas ela
não se importava com isso. Gostava da animação de seus vizinhos, mesmo
quando não podia compartilhá-la.
Sentiu um delicioso aroma de pipoca e imaginou se alguém levaria um pouco
para ela. Encostando-se na cadeira, examinou o que já estava pronto em seu
trabalho. De fato, não tinha a veia irônica de seu pai nem a genialidade
artística de sua mãe, mas tinha o que poderia ser considerado como um
"talento inusitado".
Tinha a mão muito ágil e precisa para o desenho. Sim, gostava do que fazia e do
resultado final de seu trabalho. Mas gostava principalmente do fato de ele fazer
as pessoas rirem.
Se McQuinn, do 3B, achava que ela ficara ofendida com o comentário dele,
estava muito enganado. Cybil estava mais do que contente com seu "talento
inusitado para o absurdo".
Agitada pelo êxito de três dias de trabalho intenso, pegou o telefone assim que
este começou a tocar.
- Alô?
- Ora, ora, se não é minha neta preferida.
- Vovô! - Cybil se encostou na cadeira, com um sorriso satisfeito.
- Eu estava morrendo de saudade, mas não me venha com essa história de
"neta preferida", porque eu sei que você diz isso para todos.
Tecnicamente, Daniel MacGregor não era avô de Cybil, mas isso nunca a havia
impedido de considerá-lo como tal. Para ela, o amor ignorava tecnicidades.
- "Morrendo de saudade"? - Daniel repetiu. - Então por que não me telefonou
ou para sua avó? Você sabe quanto ela se preocupa com você, aí sozinha, nessa
cidade imensa.
- Sozinha? - Com um sorriso, ela segurou o telefone no alto, para que o som da
festa no andar de baixo de seu apartamento pudesse ser ouvido por seu avô. –
Parece mesmo que estou sozinha, vovô?
- Está com seu apartamento cheio de pessoas de novo?
- É o que parece. E vocês, como estão? Está tudo bem por aí? Quero saber
tudo.
Os dois passaram a conversar a respeito da família. Cybil ouvia tudo com um
brilho de divertimento no olhar, rindo e fazendo seus próprios comentários de
vez em quando. Ficou contente ao saber que havia uma reunião familiar
marcada para dali a algumas semanas.
- Que bom! Mal posso esperar para ver todos novamente. Parece que faz tanto
tempo que nos vimos, desde o casamento de lan e Naomi, no último outono.
Estou morrendo de saudade de vocês.
- Ora, então por que esperar até a reunião de família? Você sabe que estamos
aqui o tempo todo.
- Talvez eu faça uma surpresa a vocês.
- Pois telefonei para fazer uma a você - declarou Daniel, com seu costumeiro
tom firme mas bem-humorado. - Aposto que ainda não sabe que nossa Naomi
está esperando um bebê. Teremos mais uma caixinha de presente sob nossa
árvore no próximo Natal.
- Oh, vovô, isso é maravilhoso! Vou telefonar para eles ainda hoje. E com Darcy
e Mac prestes a ter o deles nos próximos dias, teremos uma porção de bebês
para mimar nesse Natal.
- Para alguém que gosta tanto de bebês, deveria estar preocupada em ter um
também - insinuou Daniel.
O velho tema, mais do que conhecido por Cybil, fez com que ela começasse a
rir.
- Meus primos já estão cuidando disso muito bem, vovô.
- Ah, se estão! - concordou ele. - Mas isso não a livra de sua incumbência,
mocinha. Você pode até ser uma Campbell de nascimento, mas carrega a
chama do amor dos MacGregor no coração.
- Bem, em último caso, ainda me resta a chance de jogar tudo para o alto e me
casar com Frank.
- Aquele sujeito com boca de peixe?
- Não, vovô. - Ela riu.
- Ele só beija como um peixe. De qualquer maneira, sim, é ele mesmo.
Poderíamos dar algumas "trutinhas" como netos para você.
Daniel fungou, impaciente.
- Você precisa é de um homem, não de uma truta vestida com um terno
italiano. Um homem com mais interesses na mente do que apenas dólares e
investimentos. Alguém que entenda de arte e que tenha juízo suficiente para
mantê-la longe de problemas.
- Sei me manter longe de problemas - lembrou Cybil, achando melhor não
mencionar o incidente daquela fatídica noite.
- Além disso, vovó não iria gostar que eu o roubasse dela, portanto, terei de me
conformar em continuar sozinha, aqui, nesta imensa cidade.
Daniel riu alto, do outro lado da linha.
- Com todos os homens que existem em Nova York, não é possível que não
acabe encontrando um que lhe sirva. Você sai para passear de vez em quando,
não sai? Não acredito que passe o dia inteiro sentada aí, desenhando seus
papéis engraçados.
- Tenho feito isso apenas ultimamente, porque tive uma ótima idéia e precisei
aproveitá-la logo. Estou com um vizinho novo, vovô. Ele é meio taciturno e
reservado. Bem, digamos que ele é "certinho" demais e que detesta que invadam
o espaço dele. Acho que ele está desempregado, embora toque sax de vez em
quando em um clube aqui perto. É simplesmente o vizinho perfeito para Emily.
- Só isso?
- Bem, ele passa o dia inteiro fechado no apartamento e não fala com ninguém.
O nome dele é McQuinn.
- Mas se ele não fala com ninguém, como sabe o nome dele?
- Vovô. - Cybil sorriu com ar travesso. -
Alguma vez já me viu desistir de falar com alguém quando decido fazer isso?
Não que ele seja do tipo que se solta depois de alguns biscoitos de chocolate,
mas, mesmo assim, consegui descobrir o nome dele.
- E o que achou dele? - indagou Daniel, fingindo um tom casual.
- Ele parece muito, muito incrível. Capaz de deixar Emily maluquinha.
- É mesmo? - Daniel riu com satisfação.
Quando conseguiu saber tudo o que precisava da neta, Daniel fez a ligação
seguinte. Cantarolando baixinho e examinando as unhas, lustrou-as sobre a
camisa e sorriu quando Preston atendeu ao telefone com um impaciente:
- Sim, o que é?
- Ah, essa sua natureza dócil sempre me deixa surpreso, McQuinn. Chega até a
me comover.
- Sr. MacGregor?
Preston-se ajeitou na cadeira no mesmo instante. Não havia como confundir
aquele sotaque escocês. Mudando subitamente de humor, riu e afastou-se do
computador.
- Isso mesmo, meu rapaz. Como está se saindo no apartamento?
- Muito bem. Quero lhe agradecer mais uma vez por me deixar usá-lo enquanto
minha casa continua naquela infinita reforma. Eu nunca conseguiria trabalhar
com todo aquele barulho. - Dizendo isso, lançou um olhar de censura para a
parede, enquanto o barulho do outro apartamento lhe chegava aos ouvidos.
- Não que a coisa esteja muito diferente por aqui esta noite. Minha vizinha
parece estar comemorando alguma coisa.
- Cybil? Ela é minha neta, sabia? Uma garota muito sociável.
- Até demais - falou Preston, quase em um resmungo.
- Não imaginei que ela fosse sua neta.
-Bem, apenas informalmente. Precisa se soltar um pouco, rapaz, e ir participar
da festa.
- Não, muito obrigado. - Ele preferiria saltar de pára-quedas, sem pára-quedas.
- Acho que metade da população do bairro deve estar lá nesse momento. Este
seu prédio, sr. MacGregor, está cheio de pessoas que preferem mais falar do
que viver. E sua neta parece ser a líder da "gangue de tagarelas".
Daniel riu. Admirava a sinceridade de Preston McQuinn.
- Ela gosta apenas de ser amigável com todos - disse, em defesa da neta.
- De qualquer modo, fico mais tranqüilo em saber que você está morando no
apartamento em frente ao dela. Você é um rapaz sensível, Preston. Por isso não
me importo em pedir que você fique de olho nela. Cybil é muito ingênua às
vezes, se é que entende o que eu quero dizer. Eu me preocupo com ela.
Preston riu, lembrando-se de quando a vira acertar uma boa ajoelhada nas
"partes baixas" do bandido que tentara atacá-la.
- Eu não me preocuparia se fosse o senhor. Pode acreditar.
- Bem, não vou mesmo me preocupar sabendo que você está por perto. Minha
Cybil... Ela é uma gracinha, não é?
- Linda como uma flor - anuiu Preston.
- E inteligente. Também é responsável, embora às vezes pareça levar a vida feito
uma borboleta esvoaçante. Ora, mas também não é possível ser um iceberg e
conseguir produzir uma tira cômica por dia para um jornal, não é mesmo? Só
tendo muito senso de humor, e isso é o que não falta à minha Cybil.
- Sem dúvida, sr. MacGregor.
- Para trabalhar nesse tipo de coisa - continuou Daniel -, é preciso ser criativa,
ter uma boa veia artística e ser prática o suficiente para encontrar temas nas
situações do dia-a-dia. Mas você sabe de tudo isso melhor do que ninguém,
certo? Escrever roteiros de teatro também não é um trabalho fácil.
- Não mesmo - concordou Preston, massageando os olhos cansados depois de
horas diante do computador.
- Mas você tem o dom, meu rapaz. Um dom raro que eu admiro muito.
- Esse dom tem sido mais como uma maldição para mim ultimamente, sr.
MacGregor, mas obrigado pelo elogio mesmo assim.
- Precisa sair um pouco, arejar a mente, beijar uma bela garota... Não que eu
entenda muito do processo de escrever, embora tenha dois netos que se
dedicam a isso, e muito bem por sinal. Deveria aproveitar mais o fato de estar
aí, em Nova York, antes de voltar para sua cidade e se fechar em sua casa.
- Talvez eu ainda faça isso.
- Oh, McQuinn? Poderia me fazer o favor de não mencionar a Cybil que eu lhe
pedi para ficar de olho nela? Ela não gosta muito de superproteção. Mas é que
a avó dela vive preocupada com aquela menina e, você sabe como é, na idade
em que estamos não é bom facilitar...
- Pode ficar tranqüilo, sr. MacGregor. Não direi nada a ela - Preston prometeu.
Ciente de que aquele barulho não o deixaria mesmo trabalhar, Preston saiu do
apartamento. Tocou no clube de Delta, mas, dessa vez, nem mesmo a música o
distraiu dos pensamentos que andavam rondando sua mente.
De onde estava, sobre o palco, não era difícil imaginar Cybil sentada no fundo
do salão, com o queixo apoiado sobre a mão, os lábios curvados em um sorriso
e um brilho sonhador no olhar. De fato, ela conseguira invadir um de seus bens
mais preciosos: a música. E ele estava se sentindo profundamente irritado com
isso.
O Delta era um de seus refúgios. Havia noites em que ele viajava de carro de
Connecticut a Nova York só para subir no palco com André e tocar até que toda
sua tensão desaparecesse por meio da música.
Então voltava para casa ou, se já. fosse muito tarde, apenas se acomodava em
um sofá no fundo do Delta e dormia até a manhã. Ninguém o aborrecia no
clube ou esperava que ele desse mais do que queria dar.
Mas depois que Cybil estivera ali, seu olhar insistia em se voltar para a mesa
que ela havia ocupado, enquanto ele se flagrava imaginando se ela não estaria
ali, observando-o com aqueles olhos de pantera.
- Rapaz - disse André, tomando um gole de água da garrafa deixada ao lado do
piano -, você está mesmo esquisito esta noite.
- Sim, acho que sim.
- Geralmente, quando um homem fica com essa expressão, é porque há alguma
mulher envolvida na história.
Preston balançou a cabeça, negando o fato mais para si mesmo do que para o
amigo.
- Não, não há nenhuma mulher. Estou preocupado com o trabalho.
André se limitou a dar de ombros enquanto Preston levava o sax novamente aos
lábios. - Se é o que você diz...
Preston chegou em casa às três horas da manhã, preparado para bater à porta
do apartamento de Cybil e exigir silêncio. Por isso, foi um alívio chegar e
descobrir que a festa havia terminado. Não se ouvia nenhum ruído vindo do
apartamento dela.
Entrou em casa, trancou a porta e prometeu a si mesmo que aproveitaria ao
máximo aquele momento de paz. Depois de preparar um café forte, acomodou
se novamente diante do computador, preparando-se para entrar na mente das
personagens que estavam arruinando suas próprias vidas por não conseguirem
seguir os impulsos de seus corações.
O sol já estava alto quando ele parou de trabalhar, depois que o súbito surto de
energia criativa que se apoderara de sua mente finalmente se desvaneceu.
Concluiu que aquele fora o primeiro trabalho mais consistente que ele
conseguira realizar na última semana, e decidiu comemorar isso caindo sobre a
cama com a mesma roupa com que estava vestido.
Não demorou muito para começar a sonhar. Um belo rosto com expressivos
olhos verdes se apoderou da maioria das imagens que surgiram em meio a seu
estado onírico. E juntamente com ele, uma voz insistente que parecia não parar
mais de falar.
Por que tudo tem de ser tão sério?, ela perguntou, rindo ao deslizar a mão sobre
o peito dele.
Porque a vida é um negócio sério.
Mas esse é apenas um dos lados da moeda. E há muitas e muitas moedas em
nossa vida. Não vai dançar comigo?
Ele já estava dançando. Estavam no Delta, e embora o clube estivesse vazio,
havia música no ar. Uma música suave e sensual.
Não vou ficar de olho em você. Não conseguirei fazer isso.
Mas você já está.
Preston apoiava o queixo no alto da cabeça dela. Quando ela inclinou a cabeça
para trás e mordiscou-lhe o queixo com sensualidade, ele sentiu um arrepio
pelo corpo.
Ficar de olho em mim não é tudo que você quer fazer comigo, não é?
Eu não quero você.
Ouviu-se uma risada leve como o ar.
Acha que adianta negar isso até mesmo em seus sonhos? Pode fazer o que quiser
comigo em seus sonhos. Não fará diferença.
Eu não quero você, ele repetiu, já deitando-se com ela sobre o chão.
Preston acordou ofegante e suando, enrolado entre os lençóis. Depois de alguns
segundos, quando sua mente finalmente começou a clarear, não conteve o riso.
Cybil era mesmo uma ameaça, concluiu. De fato, a única coisa que parecera
mais sensata em seu sonho erótico fora o detalhe de ele repetir que não a
queria.
Depois de passar as mãos pelo rosto, olhou para o relógio ainda em seu pulso.
Já passava das quatro horas da tarde, e foi somente então que ele se deu conta
de que aquela fora a primeira vez que ele conseguiria dormir por oito horas na
última semana. Que culpa tinha ele, se seu relógio biológico andava meio
maluco?
Ao chegar à cozinha, notou que teria de descer e comprar algo para comer.
Tomou um banho e se barbeou pela primeira vez, depois de três ou quatro dias
sem fazê-lo.
Pensou em comer algo fora, para ter uma refeição decente. Quem sabe assim
teria mais ânimo de enfrentar o horror de ter de fazer compras e ver todas
aquelas pessoas armazenando carrinhos e mais carrinhos de comida no
mercado.
Já vestido e sentindo-se mais bem-disposto, abriu a porta.
Cybil abaixou a mão que havia acabado de levantar para tocar a campainha.
- Graças a Deus que você está em casa.
Preston não conseguiu deixar de se lembrar do sonho que tivera havia poucas
horas.
- O que foi?
- Você precisa me fazer um favor.
- Não, não preciso não.
- Mas é uma emergência! - Ela o segurou pelos braços antes que ele pudesse se
afastar. - E uma questão de vida ou morte! A minha vida e muito provavelmente
a morte de Johnny, sobrinho da sra. Wolinsky. Sim, porque um de nós vai
morrer se eu tiver de sair com ele! Foi por isso que eu disse a ela que já tinha
um encontro esta noite.
- E você acha que eu tenho algo a ver com isso porque...
- Oh, não seja ranzinza justo agora, McQuinn. Não está vendo que sou uma
mulher desesperada?! Ouça, ela não me deu tempo de pensar, e eu sou
péssima com mentiras. Quero dizer, não minto com muita freqüência, por isso
não consigo mentir direito. Ela ficou insistindo em perguntar com quem eu ia
sair, e eu não consegui pensar em ninguém mais a não ser você.
Cybil continuou de pé bem diante dele, impedindo-o de sair. Preston respirou
fundo, tentando se manter paciente.
- Vamos deixar uma coisa bem clara, está bem? - disse a ela. - Isso não é
problema meu.
- Não, eu sei que é meu. E com certeza teria inventado uma coisa melhor se ela
não houvesse me pegado de surpresa, enquanto eu estava trabalhando e
pensando em outra coisa. - Desesperada, Cybil passou a mão pelos cabelos.
- Ela vai ficar me vigiando, entende? Vai querer se certificar de que eu vou
mesmo sair com alguém.
Dizendo isso, começou a andar de um lado para outro massageando as
têmporas, como que para estimular os pensamentos. Preston aproveitou o
momento de distração de Cybil e começou a seguir em frente pelo corredor.
- Ouça, tudo que terá de fazer será me acompanhar para fora do prédio fingindo
ser alguém que está interessado em mim - falou ela, atrás de Preston.
- Poderemos tomar um café, ou algo do gênero, e passar algumas horas fora antes de voltarmos. Sim, porque ela também vai saber se não voltarmos juntos.
Aquela mulher sabe de tudo! Prometo que lhe pagarei cem dólares por isso.
Ouvir aquilo o fez parar de repente.
- Quer me pagar para que eu saia com você?
- Não é bem assim, mas é quase - admitiu Cybil. - Sei que o dinheiro lhe será
útil, e acho justo compensá-lo pelo tempo que você vai gastar. Cem dólares,
McQuinn, por algumas horas. Ah, e eu pagarei o café.
Preston se encostou na parede e ficou observando-a. A idéia parecia tão
absurda que chegava a ser cômica.
- Nem um pedaço de torta? - perguntou a ela. A risada de Cybil foi de puro
alívio. - Torta? Você quer torta? Pois terá sua torta.
- Onde está ele? - indagou Preston, olhando para o bolso dela.
- Ele? Ah... o dinheiro? Espere um pouco aqui.
Cybil entrou no apartamento e Preston pôde ouvi-la andando de um lado para
outro, abrindo e fechando gavetas e armários.
- Deixe-me apenas me arrumar um pouco - disse ela, lá de dentro.
- O cronômetro está correndo, garota.
- Tudo bem, tudo bem. Onde diabos está minha... A-ha! Dois minutos, só dois
minutos. Não quero que ela fique dizendo por aí que saio com rapazes sem nem
mesmo passar batom.
Preston teve de admitir: quando ela dizia dois minutos realmente eram dois
minutos. Quando voltou, dois minutos depois, estava usando um par de
sandálias de salto alto, batom cor-de-rosa e um par de brincos de argola.
Segundo ele pôde notar, quando ela lhe entregou o dinheiro, os brincos
continuavam não combinando. Devia ser uma questão de preferência mesmo,
concluiu ele. Uma "inusitada preferência pelo absurdo".
- Ficarei muito agradecida por isso - disse Cybil.
- Sei que a situação deve estar parecendo ridícula, mas é que não tenho
coragem de magoá-la.
- Se os sentimentos da mulher valem cem dólares para você, tudo bem. Preston deu de ombros.
- E melhor para mim - acrescentou, guardando o dinheiro no bolso de trás da
calça. - Agora vamos. Estou faminto.
- Oh, quer jantar? Também posso lhe pagar um jantar. Há um restaurante
ótimo no final da rua, onde eles servem massas deliciosas. Tudo bem, vamos
começar o teatrinho agora - avisou ela, enquanto se encaminhavam para a
saída do prédio.
- Finja que não sabe que está sendo observado por ela. Aja naturalmente e
segure minha mão, está bem?
- Por quê?
- Ah, pelo amor de Deus, McQuinn! - respondeu ela por entre os dentes,
entrelaçando os dedos com firmeza entre os dele e sorrindo com ar sonhador. Estamos saindo para um encontro, lembra-se? Nosso primeiro encontro. Faça
um esforço e finja que está se divertindo.
- Mas você só me deu cem dólares.
A ironia fez Cybil dar uma gargalhada.
- Puxa, você é mesmo "durão", 3B. Vamos saborear uma refeição quente e ver
se isso melhora seu humor.
De fato, melhorou e muito. Seria preciso ser um sujeito muito mais malhumorado do que ele para conseguir resistir ao apelo de uma enorme travessa
cheia de espaguete com almôndegas, aliada à esfuziante companhia de Cybil.
- Maravilhoso, não é mesmo?! - falou ela, gostando de vê-lo saborear o prato
com tanta empolgação.
Provavelmente o coitado não tinha uma refeição decente havia semanas,
pensou ela, lembrando-se do apartamento vazio. Talvez ele estivesse mesmo
com dificuldades financeiras.
- Sempre como demais quando venho aqui - confessou. - Eles servem uma
porção suficiente para meia dúzia de adolescentes famintos, mas acho que é
isso que dá um certo charme ao lugar. Toda essa fartura. Depois, termino
sempre levando para casa. o que sobrou e comendo demais também no dia
seguinte. Mas dessa vez poderá me salvar levando um pouco para sua casa acrescentou ela, com um sorriso.
- Negócio fechado - respondeu Preston, tocando a taça de Chianti na dela.
- Sabe de uma coisa? Aposto que há dezenas de clubes noturnos na cidade que
se mostrariam mais do que interessados em contratá-lo.
- Hum?
- Para tocar sax.
Cybil sorriu novamente para ele, que não resistiu ao impulso de observar
aqueles lábios polpudos e convidativos.
- Você é muito bom no que faz - continuou ela. - Aposto que conseguirá
arranjar um bom emprego logo, logo.
Divertindo-se com o comentário, Preston levantou a taça novamente, sugerindo
outro brinde. Então a srta. Cybil Campbell pensava que ele era um músico
desempregado? Bem, melhor assim.
- As oportunidades vêm e vão - foi tudo que Preston falou.
- Você toca em festas particulares? - Subitamente animada, ela se inclinou
sobre a mesa. - Conheço uma porção de pessoas, e há sempre alguém
oferecendo uma festa.
- Imagino que isso seja mesmo muito comum no seu círculo social - ironizou
Preston.
- Posso divulgar seu nome, se quiser. Importa-se de viajar?
- E para onde eu iria?
- Alguns dos meus parentes são donos de hotéis - explicou Cybil. - Atlantic City
não fica muito longe daqui. Acho que você não tem carro, certo?
Preston conteve a vontade de rir, lembrando-se de seu Porsche "novinho em
folha" guardado em uma garagem da cidade.
- Não aqui comigo - foi sua resposta.
Cybil sorriu, mordiscando um pedaço de pão.
- Bem, de qualquer maneira, não é difícil se deslocar de Nova York para Atlantic
City.
Por mais divertido que aquilo estivesse sendo, Preston achou melhor amenizar
um pouco as coisas.
- Cybil, não preciso de alguém para administrar minha vida.
Ela fez uma careta.
- Eu sei. Esse é um dos maus hábitos dos quais não consigo me livrar. - Sem
parecer ofendida, ela partiu o pedaço de pão em dois e ofereceu um a ele.
- Eu me envolvo demais com as coisas - admitiu.
- Depois fico aborrecida quando as outras pessoas se metem na minha vida.
Como a sra. Wolinsky, atual presidente do partido "Vamos Encontrar um
Pretendente para Cybil". Isso me deixa furiosa.
- Porque você não quer um pretendente - afirmou Preston.
- Oh, sei que encontrarei um no devido tempo. Vir de uma família grande meio
que nos predispõe... A mim, pelo menos... A querer ter uma também. Mas ainda
há muito tempo para isso. Gosto de morar na cidade grande e de fazer aquilo
que quero quando eu quero. Detestaria ter de me submeter a horários rígidos, o
que, definitivamente, não combina com meu trabalho de criação. Não que o
meu trabalho não exija um certo tipo de disciplina, mas sou eu quem a faz, do
meu jeito. Como acontece com sua música, imagino eu.
- Creio que sim - anuiu Preston.
O trabalho dele raramente se tornava um prazer, como o dela parecia ser. Mas
sua música, sem dúvida, era feita por prazer.
- Ei, McQuinn - começou ela, com outro de seus sorrisos marotos -, quantas
vezes você realmente já se soltou e respondeu a uma pergunta com mais do que
três frases curtas em uma mesma conversa?
Preston comeu o último pedaço de almôndega de seu prato e olhou para ela.
- Gosto do mês de novembro. Geralmente, falo muito mais em novembro. É o
tipo de mês de transitoriedade que faz com que eu me sinta mais filosófico.
- Três de uma única tacada - brincou ela. - E todas inteligentes. - Sorriu para
ele.
- Você tem um senso de humor escondido em algum lugar, não tem? - Antes
que ele pudesse responder, ela se recostou na cadeira com um suspiro e perguntou:
- Quer sobremesa?
- Claro que sim - respondeu Preston, como se aquela fosse a resposta mais
óbvia.
Cybil sorriu.
- Tudo bem, mas não peça o tiramisu, porque serei forçada a lhe implorar um
pedaço, depois dois e então terminarei comendo metade dele e provavelmente
entrarei em coma.
Sem desviar os olhos dos dela, Preston fez um sinal para o garçom, com a
autoridade casual de um homem acostumado a dar ordens. Aquilo fez Cybil
franzir o cenho.
- Tiramisu - pediu ele, sem hesitar. - E dois garfos - acrescentou, fazendo Cybil
rir alto. - Talvez entrando em coma, você fale menos.
- Acho que nem assim - salientou ela, ainda rindo. - Falo até dormindo, sabia?
Minha irmã costumava ameaçar pôr um travesseiro na minha cabeça.
- Acho que eu iria gostar de sua irmã.
- Adria é maravilhosa. Provavelmente o seu tipo também. Contida, sofisticada e
inteligente. Ela dirige uma galeria de arte em Portsmith.
Preston notou que estavam quase terminando de tomar a garrafa de vinho. O
Chianti era mesmo muito bom, e provavelmente estava sendo a causa de ele se
sentir tão relaxado. De fato, não se sentia assim havia semanas. Ou meses.
Talvez anos.
- Então vai me apresentar a ela?
- Acho que ela iria gostar de você - considerou Cybil, observando-o por sobre a
borda da taça e apreciando a sensação de leveza que a bebida lhe dera.
- Você é bonito de uma maneira meio... Como posso dizer... Meio selvagem,
acho. Além disso, toca um instrumento musical, o que apelaria para o lado de
Adria que é sensível às artes.
E é auto-suficiente demais para tratá-la como alguém da realeza. Muitos
homens fazem isso.
- E mesmo? - Preston se surpreendeu.
- Ela é tão linda que eles não conseguem deixar de agir assim. Adria detesta
esse tipo de atitude, por isso acaba sempre tendo de dispensá-los. Provavelmente terminaria arrasando seu coração - completou Cybil, fazendo um
gesto com o copo.
- Mas a experiência seria boa para você.
- Não tenho coração - declarou ele, quando o garçom chegou com a sobremesa.
- Pensei que já houvesse deduzido isso.
- Claro que tem. - Com um suspiro de rendição, Cybil pegou o garfo e provou a
primeira porção do doce, com um gemido de prazer. - Só que você o mantém
guardado dentro de uma armadura, para que ninguém possa feri-lo novamente
- finalizou ela. - Deus, não é maravilhoso? Não deixe que eu coma mais do que
esse outro pedaço, está bem?
Preston continuou a observá-la, aturdido com a precisão com que Cybil tão
casualmente o descrevera, sendo que nem mesmo aqueles que diziam amá-lo
haviam chegado tão perto.
- Por que disse isso?
- Isso o quê? Eu não lhe disse para não me deixar comer mais disso? Está
querendo me matar?
- Esqueça. - Decidindo deixar o assunto de lado, Preston afastou o prato do
alcance dela. - O restante é meu - disse e começou a comer.
Felizmente, teve de ameaçar dar uma garfada na mão de Cybil apenas uma vez.
- Nem sei como agradecer por você haver me livrado de ter de sair com Johnny
- disse Cybil, quando os dois voltavam para casa.
- Por que simplesmente não diz a toda essa gente que não está interessada em
ter um namorado? - perguntou Preston, intrigado.
Ela suspirou.
- O problema é que não tenho coragem de magoar ninguém, e acabaria fazendo
isso ao dizer a verdade. Eles só querem o meu bem.
- Mas estão controlando sua vida, Cybil, mesmo que com a melhor das
intenções.
- Oh, eu não sei o que fazer! - Ela exalou outro suspiro. - Veja meu avô, por
exemplo. Bem, na verdade ele não é meu avô no sentido estrito da palavra. Ele
é sogro de Shelby, irmã de meu pai. Pelo lado da minha mãe, ela é prima das
esposas de dois netos dele. É meio complicado, mas tentarei resumir ao
máximo.
- Será que terei mesmo o privilégio de presenciar esse milagre? - Preston
arqueou uma sobrancelha.
- Pare de me provocar - ralhou Cybil, sem conter o riso. - Bem, a ligação
familiar entre Daniel e Anna MacGregor e meus pais é mesmo complicada,
então para que me esforçar em simplificar? Minha tia Shelby se casou com o
filho deles, Alan MacGregor, você já deve ter ouvido falar nele, da época em que
morava na Casa Branca.
- O nome não me parece estranho.
- E minha mãe, que antes tinha o sobrenome Grandeau, é prima dos irmãos
Justin e Diana Blade, que se casaram, respectivamente, com outros dois netos
de Daniel e Anna MacGregor, Serena e Caine MacGregor. Por isso, Daniel e
Anna são considerados como meus avós, entendeu?
- Acho que sim, mas já esqueci o motivo que nos levou a falar sobre isso.
- Oh, eu também. - Cybil começou a rir, tendo de se apoiar nele para não
perder o equilíbrio. - Acho que tomei vinho demais. Deixe-me ver... Sim, já
lembrei. Casamenteiros. Estávamos falando de pessoas casamenteiras,-o que
meu avô, que por acaso é Daniel MacGregor, mostra ser em todos os sentidos.
Quando o assunto é arranjar casamentos, é ele quem dita as regras. O homem
é uma verdadeira raposa, McQuinn. Você nem imagina... - Cybil parou um
instante e começou a contar nos dedos. - Hum... Até agora, acho que sete dos
meus primos se casaram com pretendentes arranjados por ele.
- O que você quer dizer com "arranjados"?
- Não me pergunte como, mas ele meio que escolhe a pessoa certa para os netos
e depois dá um jeito de uni-los de alguma maneira, deixando a natureza seguir
seu curso. Então, antes que você se dê conta, já está a caminho do altar. No
último telefonema, ele me contou que meu primo, lan, e a esposa dele, que se
casaram no último outono, já estão esperando o primeiro filho. Meu avô está
nas nuvens.
- E alguém já mandou ele parar de se meter na vida dos netos?
- Ah, constantemente - respondeu Cybil, lembrando-se das reprimendas da avó.
- Mas ele não dá atenção. Tenho a impressão de que a próxima "vítima" será
Adria ou Mel, enquanto ele ainda estiver disposto a dar algum tempo de paz a
meu irmão, Matthew.
- E quanto a você?
- Ah, sou esperta demais para ele. Conheço todos seus truques e não pretendo
me apaixonar tão cedo. E você, já esteve lá?
- Lá onde?
- Na terra dos apaixonados, McQuinn. Não seja tão lento.
- Ora, não é um lugar, é uma situação. E não, acho que realmente não estive lá.
- Mas acabará indo - falou Cybil, com ar sonhador. - Eventualmente... - Ela ia
dizer mais alguma coisa, mas parou de repente.
- Essa não! Aquele é o carro de Johnny. Pelo visto, ele acabou vindo mesmo de
Nova Jersey. Droga, droga, droga! Muito bem, lá vamos nós novamente com o
plano. - Dizendo isso, virou-se para Preston, mas teve de se apoiar nele ao
sentir uma onda de tontura. - Eu não deveria ter tomado aquela última taça de
vinho, mas acho que ainda sou dona do meu destino.
- Pode apostar que sim, menina.
Cybil fez uma careta de desagrado.
- O suficiente para saber que o fato de você me chamar de "menina" demonstra
que está sendo arrogante e querendo parecer superior a mim, mas isso não vem
ao caso. Teremos apenas de andar mais um pouco de mãos dadas, até
passarmos pela janela da casa dela. Com muita naturalidade, está bem?
- Não vai ser fácil, mas verei o que posso fazer.
- Adoro essa sua veia sarcástica. Muito bem, estamos prontos e preparados.
Agora vamos ficar só mais um pouco aqui porque ela está olhando acrescentou Cybil, arriscando um -olhar na direção da janela da casa da sra.
Wolinsky. - A qualquer momento a cortina vai se fechar. Tenho certeza.
O fato de a situação não oferecer nenhum risco, e de ele estar começando a se
divertir com tudo aquilo, manteve Preston no lugar. Segundos depois, olhou
disfarçadamente para trás, tentando notar se a mulher continuava à janela.
- Parece que ela não vai desistir assim tão fácil. O que faremos agora?
Cybil moveu os olhos com rapidez, como que tentando pensar em algo.
- Terá de me beijar.
- O quê?!
- E terá de ser convincente - salientou ela. - Se formos convincentes, ela se
convencerá de que não estou realmente interessada em Johnny. Prometo que
lhe pagarei mais cinqüenta dólares por isso.
Preston teve de se esforçar para continuar sério.
- Então, vai me pagar cinqüenta dólares para que eu a beije?
- Como um bônus - justificou Cybil. - Farei qualquer coisa para mandar
Johnny de volta para Nova Jersey. Aja como se estivesse sobre o palco,
representando. Isso não precisa significar realmente alguma coisa. Ela ainda
está olhando? - perguntou, mudando de posição.
- Sim - respondeu Preston, mesmo sem olhar para a janela da sra. Wolinsky.
- Ótimo, então vamos lá. Aja com romantismo, está bem? Posicione os braços
assim, em torno de mim, incline-se um pouco e...
- Sei como beijar uma mulher, Cybil.
- Claro que sabe. Mas um pouco de ensaio não fará nenhum mal...
Preston se deu conta de que a única maneira de fazê-la parar de falar seria
agindo. Em vez de circundar os braços em torno dela, puxou-a de uma vez para
si. A última coisa que viu antes de seus lábios esmagarem os dela, foram os
expressivos olhos verdes se arregalarem de espanto.
Ele estava certo. Completamente certo, pensou Cybil. De fato, ele realmente
sabia como beijar uma mulher. Teve de se apoiar nos ombros dele para não
cair, pois seus pés mal estavam tocando o chão. Então, para seu próprio
espanto, deixou escapar um gemido.
Sentia a cabeça zonza, como se, de repente, os dois estivessem em outro lugar,
longe das pessoas e do mundo. Seu coração acelerado parecia estar batendo
alto a ponto de ser ouvido, e seu corpo se tornara trêmulo, vulnerável ao apelo
sensual da proximidade máscula daquele que estava se tornando uma pessoa
cada vez mais presente em seus pensamentos mais íntimos.
Era quase como no sonho, pensou Preston, só que melhor. Muito melhor. O
sabor dos lábios de Cybil era adocicado e único, incapaz de ser resgatado
apenas pela imaginação. Depois de saboreá-los com voracidade, afastou-a um
pouco, mas somente para verificar se o ar de desejo estava tão evidente no
semblante dela quanto deveria estar no dele.
Cybil ficou olhando para ele, ofegante, ainda com os braços circundando seu
pescoço.
- O próximo é meu - disse ele.
Então Cybil se entregou mais uma vez àquele turbilhão de sensações deliciosas
e provocantes. Não protestou quando ele insinuou a língua por entre seus
lábios e começou a explorar os recantos mais secretos de sua boca.
Quando ele se afastou pela segunda vez, moveu-se tão devagar que foi quase
como se não quisesse fazê-lo. Preston queria poder tê-la ali mesmo, em meio à
penumbra da noite e sob os olhares surpresos, e provavelmente escandalizados,
dos transeuntes. Pouco lhe importava que olhassem. Queria saciar aquela sua
sede pela energia sensual de Cybil. De fato, só se conteve por saber que uma
atitude mais ousada acabaria assustando-a. Ele próprio estava assustado com
sua reação. Era como se sempre houvesse guardado um vulcão dentro de si
que, de repente, resolvera entrar em erupção.
- Acho que isso será suficiente - disse a ela.
- Suficiente? - repetiu Cybil, como se houvesse acabado de chegar de outro
planeta.
- Suficiente para convencer a sra. Wolinsky.
- Sra. Wolinsky? - Ela balançou a cabeça, tentando ordenar os pensamentos. Oh, sim, claro. Puxa, você é mesmo muito bom nisso, McQuinn.
Um sorriso relutante curvou os lábios dele. A sinceridade de Cybil era
realmente encantadora, pensou Preston. E perigosamente irresistível.
- Você também é muito boa nisso, menina - respondeu ele, conduzindo-a em
direção à entrada do prédio.
Cybil começou a cantar enquanto trabalhava, fazendo um dueto com Aretha
Franklin. Atrás dela, a janela aberta revelava um belo dia ensolarado, vez por
outra assaltado pela leve brisa fria de abril e permeado pelo inevitável ruído das
ruas de Nova York.
No entanto, o sol do lado de fora não estava menos radiante do que o humor de
Cybil. Virando-se para o espelho preso à parede, a seu lado esquerdo, tentou
imitar uma expressão de espanto que pudesse ajudá-la na caracterização de
sua personagem. Porém, tudo que conseguiu fazer foi sorrir. Sorrir com plena
satisfação.
Já havia sido beijada antes, claro. E também fora envolvida pelos braços de um
homem. Entretanto, todas as experiências que tivera se comparavam a um
mero "incendiozinho" local, se comparadas à explosão vulcânica que fora se ver
nos braços de Preston.
Na noite anterior permanecera com aquela deliciosa sensação de zonzeira
durante horas. Adorara cada um dos momentos daquela espécie de
arrebatamento de sensualidade feminina. Poderia haver algo mais incrível do
que sentir-se vulnerável e forte, boba e sábia, confusa e esclarecida, tudo ao
mesmo tempo?
E tudo que precisava fazer para sentir aquilo era fechar os olhos e deixar sua
mente devanear, livre de qualquer censura. Imaginou o que ele estaria
pensando, o que estaria sentindo. Ninguém conseguiria ficar indiferente a um
experiência daquela... magnitude. Um homem não poderia beijar uma mulher
daquela maneira e não sofrer... digamos... algum efeito colateral.
Sofrer até que era uma palavra adequada, concluiu ela, pensando nas
conseqüências em seu próprio corpo. Riu, suspirou alto, então voltou a se
concentrar no trabalho, cantando com Aretha Franklin as maravilhas de se
sentir like a natural woman. Sim, estava mesmo se sentindo como mulher
natural. Natural até demais. O beijo de McQuinn deixara um rastro de chama
em seu corpo e, embora aquilo fosse delicioso, era também assustador ao
mesmo tempo.
- Pelo amor de Deus, Cyb, está muito frio aqui!
Cybil levantou a vista.
- Oi, Jody. Olá, meu amor! - acrescentou, olhando para Charlie.
O bebê olhou para ela com um sorriso sonolento, enquanto Jody se aproximava
da janela, mantendo-o apoiado sobre seu quadril.
- Está sentada diante de uma janela aberta, e a temperatura não deve estar
mais do que quinze graus lá fora. - Jody fechou o vidro, com um arrepio de frio.
- Eu estava sentindo um pouco de calor - declarou Cybil, deixando o lápis de
lado para apertar a bochecha rechonchuda de Charlie.
- É milagroso, não, que os homens se transformem dessa maneira? Nascem
como bebês lindinhos assim e depois... Uau! Transformam-se naquilo tudo.
Jody franziu o cenho, olhando a amiga com ar de curiosidade.
- Está com uma expressão meio engraçada - disse ela. - Sente alguma dor? Pousou a mão sobre a testa de Cybil, em uma atitude maternal.
- Não está com febre. Agora mostre a língua.
Cybil obedeceu, ficando vesga ao mesmo tempo só para fazer Charlie cair na
gargalhada.
- Não estou doente. Estou é em estado de graça.
- Hum... - Jody apertou os lábios, não parecendo muito convencida. - Vou pôr
Charlie em sua cama para tirar uma soneca. Ele está até zonzo de sono. Depois
prepararei um café para nós duas e quero que me conte o que está
acontecendo.
- Claro.
Voltando a adquirir o mesmo ar sonhador, Cybil pegou o lápis novamente e
desenhou pequenos corações sobre o papel. Então se empolgou e começou a
desenhar outros maiores, esboçando o rosto de McQuinn dentro de um deles.
Sim, ele tinha traços fortes e marcantes, mas que se amenizavam quando
sorria. Ela adorava fazê-lo sorrir. Aliás, fazer as pessoas sorrirem era um de
seus talentos.
Ficaria mais tranqüila quando conseguisse arranjar um emprego para ele.
Depois providenciaria um sofá para aquela sala vazia, mas isso não seria difícil
com seus contatos. Tinha muitos amigos que poderiam ajudá-la a encontrar
móveis práticos e por um bom preço. Queria ver McQuinn instalado com mais
conforto, só isso. Claro que não havia nenhum interesse de sua parte, afinal,
faria isso por qualquer pessoa. Ainda mais por um vizinho maravilhoso que
beijava como um deus saído diretamente do sonho de toda mulher.
Satisfeita com seus planos, cruzou as pernas sob si e voltou a se concentrar no
trabalho.
Depois de deixar Charlie no quarto, dormindo feito um anjinho, Jody desceu
para o andar de baixo e abaixou o volume do aparelho de som. Então, sentindose como se estivesse em sua própria casa, foi até a cozinha e preparou o café.
Subiu a escada pouco depois, carregando uma bandeja com duas xícaras de
café e alguns biscoitos. Aquele pequeno ritual matinal era um de seus
momentos preferidos do dia.
Considerava Cybil como uma irmã e por isso fazia de tudo para vê-la feliz. De
fato, não se dava tão bem nem com as próprias irmãs, que só sabiam viver
reclamando da vida e dos maridos.
Deixando a bandeja sobre a mesa, entregou uma xícara de café a Cybil.
- Obrigada, Jody.
- Fez uma ótima tira esta manhã. Não acredito que Emily esteja disfarçada com
um casaco e um chapéu, seguindo o sr. Misterioso por todo o distrito de SoHo.
De onde ela tirou essa idéia?
- Você sabe que ela é uma criatura impulsiva e dramática. - Cybil provou um
biscoito. Era comum as duas se referirem a Emily e aos outros personagens
como se fossem pessoas de verdade.
- E abelhuda também. Ela simplesmente precisava saber.
- E quanto a você? Já descobriu alguma coisa sobre nosso sr. Misterioso?
- Sim - respondeu Cybil, com um suspiro. - O nome dele é McQuinn.
- Também ouvi dizer isso. - Instantaneamente alerta, Jody apontou o dedo para
a amiga.
- Ei, você suspirou!
- Não, só respirei mais fundo.
- Não, você suspirou. E por qual motivo?
- Bem, na verdade... - Cybil estava morrendo de vontade de falar sobre aquilo.
- Nós... acabamos saindo ontem à noite.
- Vocês saíram? Como um casal? - Jody puxou a cadeira mais para perto da
amiga no mesmo instante. - Onde? Como? Quando? Detalhes, Cyb. Quero
detalhes.
- Está bem, então. - Cybil virou mais a cadeira, até ficarem uma de frente para
a outra. - Você sabe que a sra. Wolinsky está sempre querendo que eu saia com
o sobrinho dela, não é?
- Ah, de novo?! - Jody revirou os olhos. - Será possível que ela não vê que vocês
não têm nada a ver um com o outro?
O imenso carinho que Cybil sentia pela amiga foi o que a impediu de dizer que
aquilo também servia para ela e Frank.
- Bem, é que a sra. Wolinsky adora o sobrinho. De qualquer modo, ela arranjou
outro encontro entre nós ontem à noite, só que eu não estava com a mínima
vontade de ir. Mas você terá de jurar que não vai dizer isso a ninguém.
- Exceto Chuck.
- Tudo bem. Maridos estão excluídos do voto de silêncio nesse caso. Bem, o fato
é que eu disse a ela que já tinha um encontro... com McQuinn.
- Você tinha um encontro com ele?
- Não, eu só disse isso porque fiquei desesperada. E você sabe como começo a
gaguejar quando minto.
- Deveria praticar mais. - Jody comeu outro biscoito.
- Talvez. Mas assim que acabei de dizer isso, percebi que ela iria ficar olhando
pela janela para se certificar de que eu ia mesmo sair com ele, por isso tive de
apelar e fazer uma espécie de acordo com McQuinn. Dei cem dólares a ele e lhe
paguei um jantar.
- Você pagou a ele?! - Jody arregalou os olhos, mas estreitou-os em seguida,
com ar especulativo. - Mas isso é brilhante. Se eu houvesse tido essa idéia na
época da faculdade, quando não estava namorando ninguém e nem tinha com
quem sair, a história teria sido outra, minha amiga. Como se decidiu pela
quantia de cem dólares?
- Achei que parecia justo. Ele não está trabalhando regularmente, e achei que
ficaria agradecido pelo dinheiro e pela refeição. Até que nos divertimos acrescentou, com um sorriso. – Foi realmente muito bom. Só espaguete e boa
conversa. Bem, na verdade, o encontro tendeu mais para o monólogo, porque
McQuinn não é muito de falar.
- McQuinn - Jody repetiu o nome devagar. - Ainda soa misterioso. Não sabe o
primeiro nome dele?
- Ele não o disse em nenhum momento e nem me ocorreu perguntar. De
qualquer maneira, é melhor assim. Acho que fui meio precipitada, Jody. Ele
estava parecendo relaxado, quase amigável, então vi o carro de Johnny e entrei
em pânico. Imaginei que a sra. Wolinsky não iria me deixar em paz se eu não
demonstrasse com clareza que estava interessada em outra pessoa. Então fiz
outro acordo com McQuinn e ofereci a ele cinqüenta dólares por um beijo.
Jody apertou os lábios, antes de tomar outro gole de café.
- Deveria ter deixado claro que esse valor estava incluído nos cem dólares -
disse ela.
- Não houve tempo - justificou Cybil. - Já havíamos definido o acordo e não
havia mais tempo para renegociar. A sra. Wolinsky estava nos espiando através
da janela. Então ele me beijou bem ali, na calçada do prédio.
- Uau! - Jody comeu outro biscoito. - E qual movimento de impacto ele usou?
- Ele me puxou de uma vez e colou meu corpo ao dele.
- Minha nossa! A puxada súbita. Oh, adoro esse movimento.
- Então fiquei lá, em meio aos braços dele e mal conseguindo me equilibrar na
ponta dos pés, porque ele é alto.
- Sim, ele é bem alto - anuiu Jody, ainda mastigando o biscoito. - E atlético
também.
- Realmente atlético, minha amiga. Quero dizer, seus músculos parecem rocha.
- Oh, Deus. - Jody lambeu os dedos, sem desviar os olhos da amiga. - Então
você estava lá, na ponta dos pés. E depois?
- Bem, ele... se inclinou.
- Ah, meu Deus... Uma puxada súbita com inclinação! - Em sua empolgação,
Jody quase derrubou o outro biscoito que havia acabado de pegar. - Um
movimento clássico. Quase nenhum homem utiliza isso hoje em dia, minha
cara. Chuck fez isso em nosso sexto encontro, e foi assim que terminamos no
meu apartamento, experimentando a comida de um fast food chinês, na cama.
- Pois McQuinn agiu como um perito no assunto. Então, quando eu estava
sentindo a cabeça girar, ele se afastou de repente e simplesmente olhou para
mim.
- Homens - disse Jody, com ar de censura.
- E fez tudo novamente! - festejou Cybil.
- Um duplo?! Não acredito! - Jody segurou a mão da amiga, quase dando umpulo de alegria. - Você recebeu um duplo, Cyb! Há mulheres que passam a vida
inteira sem sequer saber o que é isso! Sonham com isso, claro, mas nunca
passam pela emoção de experimentar a puxada súbita com inclinação seguida
de beijo, olhar intenso e beijo.
- Foi minha primeira vez - confessou Cybil. - E foi... maravilhoso!
- Tudo bem, tudo tem. Agora apenas a parte do beijo, certo? Apenas a parte dos
lábios e das línguas. Que tal foi essa parte?
- Muito ardente.
- Ah, meu Deus! Acho que terei de abrir a janela de novo. Estou começando a
suar.
Dizendo isso, levantou-se com um movimento súbito e abriu a janela,
respirando fundo.
- Então foi ardente. Muito ardente. Continue.
- Foi como ser... Sei lá, devorada. Sabe quando seu corpo inteiro fica trêmulo,
um calor gostoso se espalha por seu corpo e... - Cybil moveu as mãos, tentando
encontrar as palavras certas para se expressar. - Não sei como descrever.
- Tem de se esforçar. - Aflita, Jody segurou-a pelos ombros. - Tente isso: -na
escala de um a dez, que nota você daria?
Cybil fechou os olhos.
- Não há escala...
- Sempre há uma escala - Jody a interrompeu. - Não é possível...
- Não, Jody, o que eu senti não se enquadra em nenhuma escala.
Jody deu um passo atrás.
- Deus meu... Preciso me sentar. - Jody sentou-se, passando a mão pela testa. Você experimentou um beijo que não se enquadra em nenhuma escala.
Acredito em você, Cyb. Mas muita gente não acreditaria. Muitas pessoas
poderiam até zombar dessa afirmação, mas eu acredito no que disse.
Cybil sorriu.
- Eu sabia que poderia contar com você.
- Sabe o que isso significa, não sabe? Significa que McQuinn arruinou sua vida.
Agora, nem mesmo um beijo nota dez vai satisfazê-la. Você vai sempre procurar
um que não se enquadre em nenhuma escala.
- Isso já me ocorreu. - Pensativa, Cybil pegou lápis e começou a tamborilá-lo
sobre a mesa.
- Mas creio que será possível levar uma vida tranqüila e feliz, alcançando com
certa regularidade uma escala entre sete e dez, mesmo depois dessa
experiência. O homem pode até ir à lua, Jody, viajar pelo espaço e se ver em
outro mundo por algum tempo, mas tem de voltar para a terra e continuar
vivendo.
- Puxa, isso foi sábio. - Jody tirou um lencinho de papel do bolso da calça. Quase heróico.
- Obrigada - Cybil agradeceu e, com um de seus sorrisos marotos, acrescentou:
- Mas, enquanto isso, não fará nenhum mal bater à porta em frente de vez em
quando, certo?
Cybil estava descendo para o andar de baixo, após uma manhã de intenso
trabalho. Ao ouvir o familiar e agradável som do sax, pensou em bater à porta
de seu vizinho para lhe oferecer um café, mas o som do interfone lhe
interrompeu os pensamentos.
- Sim?
- Estou procurando o sr. McQuinn, do 3A - disse uma voz feminina.
- Não, ele está no apartamento 3B.
- Oh, droga, então por que ele não está respondendo?,
- Provavelmente porque não ouviu o interfone, já que está tocando sax explicou Cybil.
- Então poderia me anunciar, querida? Sou a empresária dele e já estou
cansada de ficar aqui tocando esse interfone.
- Empresária dele? - Cybil repetiu.
Bem, se McQuinn tinha uma empresária, queria conhecê-la. Já havia pensado
em indicá-lo a várias pessoas e talvez essa fosse sua chance de ajudá-lo de
alguma maneira.
- Claro, pode subir - dizendo isso, acionou o botão que destravava o portão de
entrada.
Em seguida, abriu a porta de seu apartamento e ficou esperando do lado de
fora. A mulher que saiu do elevador parecia muito profissional e bemsucedida,
segundo Cybil notou- com certo espanto. O tailleur vermelho lhe atribuía um ar
de elegância e sofisticação, assim como a pasta executiva de modelo feminino.
Cybil franziu o cenho. Então por que o cliente dela parecia estar passando por
dificuldades financeiras?
- Você é a moradora do 3A?
- Sim, meu nome é Cybil.
- Sou Amanda Dresher, mas pode me chamar de Mandy. Obrigada por haver
aberto o portão para mim, Cybil. Nosso "garotão" aqui não está atendendo ao
telefone e, pelo visto, esqueceu-se de que tínhamos uma reunião à uma hora,
no Restaurante Four Seasons.
- O Four Seasons? - Cybil se surpreendeu. Aquele era um dos restaurantes
mais caros da região. - No parque?
- Esse mesmo. - Com um sorriso, Mandy apertou a campainha do apartamento
3B. - Preston é muito talentoso, mas temperamental demais de vez em quando.
- Preston? - Cybil levou um instante para entender sobre quem ela estava
falando. - Ah, Preston McQuinn. - Com um suspiro de indignação, acrescentou:
- O autor de Rede de Almas.
- Isso mesmo - confirmou Mandy. - Vamos lá, Preston, abra logo esta porta... falou ela, tamborilando os dedos sobre a madeira. - Quando ele decidiu passar
alguns meses na cidade, pensei que conseguiria ter mais acesso a ele. Mas,
pelo visto, eu me enganei mais uma vez. Ora, até que enfim.
Ambas ouviram o ruído das trancas sendo abertas com gestos súbitos e,
aparentemente, mal-humorados. Então ele abriu a porta.
- O que diabos... Mandy?
- Você perdeu o almoço - ironizou ela. - E não atendeu ao telefone.
- Eu me esqueci do almoço e o telefone não tocou.
- Você carregou a bateria?
- Provavelmente não. - Preston continuou no mesmo lugar, olhando para Cybil,
logo atrás de Mandy.
- Entre - disse à empresária. - Só me dê um minuto, sim?
- Eu já lhe dei uma hora - ironizou Mandy, falando por sobre o ombro enquanto
passava pela porta. - Obrigada mais uma vez, querida - ela agradeceu a Cybil.
- Não há de quê. - Cybil forçou um sorriso. Então fuzilou Preston com o olhar. -
Canalha - disse ela por entre os dentes, antes de entrar em seu apartamento e
bater a porta.
- Não há nenhum lugar para se sentar aqui? - protestou Mandy, atrás dele.
- Não. Quer dizer, sim. No andar de cima - resmungou em resposta, tentando
ignorar a onda de culpa que o atingiu. - Não costumo ficar muito neste andar.
- Estou vendo. Quem é a garota que mora em frente?
- O nome dela é Cybil Campbell.
- Achei que ela me parecia familiar. É a criadora das tiras cômicas Amigos e
Vizinhos, não é? Conheço o empresário dela. O homem é louco por ela. Vive
dizendo que ela é sua única cliente à prova de ego e livre de neuroses. Nunca se
queixa, não atrasa os prazos e está sempre lhe dando lucro com a venda de
seus personagens em agendas, calendários e outras coisas do gênero.
Diante do silêncio de Preston, Mandy acrescentou:
- Imagino como seria bom ter um cliente livre de neuroses, que se lembrasse
dos almoços de negócios e que me mandasse presentes no meu aniversário.
- As neuroses fazem parte do pacote, mas sinto muito sobre o almoço.
O aborrecimento de Mandy cedeu lugar à preocupação.
- O que aconteceu, Preston? Parece alterado por algum motivo. O roteiro não
está indo bem?
- Não, ele está caminhando. E melhor do que eu esperava. O problema é que
não tenho dormido muito bem ultimamente.
- Continua saindo para tocar seu sax até altas horas da noite?
- Não.
Estava era passando as noites em claro pensando em Cybil, Preston admitiu
para si mesmo. Andando de um lado para outro e desejando tê-la em seus
braços. Só que agora ela devia estar profundamente magoada com ele.
- Bem, já que não teremos mesmo o almoço, que tal me oferecer um café? sugeriu Mandy.
- Ainda há um pouco na garrafa - disse ele. - Estava fresco às seis horas da
manhã.
- Então, deixe-me preparar outro.
Depois de preparar o café, com os ingredientes que já se encontravam sobre a
pia, Mandy abriu alguns armários, à procura de algo para comerem.
Considerava o bem-estar de Preston como parte de seu trabalho.
- Meu Deus, Preston, por acaso está fazendo greve de fome? Não há mais nada
aqui, além de restos de batatas fritas e do que um dia foi um pão francês, mas
que agora só serve para experimento científico.
- Não fui ao supermercado ontem - explicou ele, sem conseguir deixar de
pensar em Cybil. - Para jantar, geralmente faço um pedido a algum
restaurante.
- Pelo mesmo telefone que você não atende? - Eu vou recarregar a bateria,
Mandy.
- Espero que sim. Se pelo menos ele estivesse funcionando, agora estaríamos
sentados a uma mesa do Four Seasons, tomando champanhe Cristal para
comemorar. - Com um sorriso, acrescentou: - Fechei o contrato, Preston. Rede
de Almas vai se transformar em um grande sucesso do cinema. Terá os
produtores que quiser, o diretor que preferir e a opção de fazer o roteiro
pessoalmente. Tudo isso regado a uma generosa quantia, claro.
- Não quero que estraguem o roteiro - foi a primeira reação dele.
- Isso só dependerá de você. - Mandy suspirou.
- Para não correr o risco de que algo não o agrade, faça você mesmo o roteiro.
Sem dizer nada, Preston se aproximou da janela, ainda tentando absorver a
notícia. Um filme mudaria a perspectiva que a peça havia atingido no teatro,
mas, por outro lado, geraria uma renda de milhões de dólares.
- Não quero me envolver demais nisso, Mandy. Toda aquela loucura do cinema
não me agrada.
Ela serviu duas xícaras de café e se aproximou da janela, entregando uma a
ele.
- Então faça apenas o trabalho de supervisão. Ou de consultoria, se preferir.
- Sim, acho que isso será suficiente para mim. Providencie tudo, está bem?
- Pode deixar comigo. Agora, se você conseguir parar de dar pulos de alegria,
poderemos conversar sobre seu trabalho atual.
Preston curvou os lábios, sem conter o sorriso.
Levado por impulso, deixou a xícara sobre o parapeito da janela e segurou o
rosto de Mandy entre as mãos.
- Você é a melhor e, com certeza, a mais paciente empresária desse ramo.
- Está absolutamente certo. Espero que esteja tão orgulhoso de você quanto eu
estou. Vai dar a notícia à sua família?
- Deixe-me primeiro digerir a idéia por alguns dias.
- A notícia vai se espalhar logo, Preston. Não vai querer que eles a recebam por
outros meios, não é?
- Tem razão - anuiu ele. - Vou ligar para eles. - Com um sorriso, completou: Depois de recarregar a bateria do telefone, claro. Por que não saímos para
comemorar, tomando champanhe?
- Pensando bem, por que não? Ah, só mais uma coisa - falou Mandy, em um
tom casual. - Não vai me dizer o que está havendo entre você e a bela garota do
apartamento 3A?
- Não tenho certeza de que haja alguma coisa para dizer - respondeu Preston,
em um resmungo.
Preston continuava a não ter certeza sobre aquilo quando bateu à porta de
Cybil naquela mesma noite. Mas sabia que tinha de fazer alguma coisa a
respeito daquela sombra de indignação e tristeza que vira nos olhos dela, horas
antes.
Não que aquilo dissesse respeito a ela de alguma maneira, lembrou a si mesmo.
Não pedira a ela que bisbilhotasse sua vida. De fato, fizera tudo para que ela se
mantivesse afastada. Pelo menos até a noite anterior, concluiu ele, com um
suspiro exasperado.
Sempre detestara agir por impulso, e fora justamente isso que fizera na noite
anterior. Para começar, não deveria ter aceitado sair com ela. Ainda mais por
um motivo tão idiota. E muito menos beijá-la, ainda que por um motivo
louvável: puro desejo.
Quando Cybil abriu a porta, Preston estava mais do que pronto para um pedido
de desculpas.
- Ouça, sinto muito - começou, com um certo tom de impaciência. - De
qualquer maneira, isso não era da sua conta. Vamos apenas esclarecer as
coisas.
Ele fez menção de entrar, mas parou de repente quando Cybil o deteve, levando
a mão a seu peito.
- Não o quero na minha casa.
- Não diga tolices, Cybil, foi você quem começou. Talvez eu tenha deixado as
coisas saírem um pouco do controle, mas...
- Comecei o quê?
- Isso!
Preston levantou as mãos, aborrecido pela falta de palavras e detestando ver
aquela sombra de tristeza no olhar dela.
- Tudo bem, eu comecei - Cybil admitiu. - Nunca deveria ter levado biscoitos
para você. Sim, foi pura idiotice da minha parte. Também não deveria ter me
preocupado em arranjar um emprego para você e nem em lhe oferecer uma refeição decente, por pensar que você não tinha condições de pagar uma.
- Droga, Cybil...
- Você deixou que eu pensasse tudo isso! - ela o interrompeu, furiosa. - Deixou
que eu acreditasse que estava passando por dificuldades, que era um músico
desempregado, e aposto que deve ter rido muito disso. O brilhante e premiado
roteirista Preston McQuinn, autor da magnífica peça Rede de Almas. Aposto
que está surpreso por eu conhecer o seu trabalho. Uma idiota feito eu não anda
por aí lendo críticas sobre peças de teatro.
Preston continuou em silêncio, e ela o fez dar um passo atrás.
- Não é mesmo, Preston? O que uma "desenhistazinha" de tiras cômicas de
jornal iria entender de arte? Ainda mais sobre teatro, sobre literatura séria?
Deve ter rido muito à minha custa, não? Seu arrogante elitista! - A voz de Cybil
falhou, sendo que ela havia prometido a si mesma que isso não aconteceria. Eu estava apenas tentando ajudá-lo.
- Mas eu não pedi sua ajuda. Eu não queria sua ajuda.
Preston notou que ela estava prestes a explodir em lágrimas. E quanto mais
isso se evidenciava, mais furioso ele se sentia. Sabia muito bem como as
mulheres usavam o choro para arrasar um homem, e não deixaria isso voltar a
acontecer em sua vida.
- Meu trabalho diz respeito apenas a mim - acrescentou.
- Seu trabalho é produzido na Broadway e, se você não sabe, isso o torna
público – retrucou Cybil.
- Não tinha nada que andar por aí fingindo ser um saxofonista.
- Toco sax porque gosto de tocar, só isso. Não estava fingindo ser, alguma coisa,
foi você quem deduziu isso.
- E você não fez a mínima questão de me esclarecer.
- E se eu tivesse feito isso? Eu me mudei para cá em busca de um pouco de paz
e tranqüilidade. Queria ficar sozinho. Mas quando me dei conta, lá estava você
me trazendo biscoitos, seguindo-me pela rua e me fazendo passar metade da
noite em uma delegacia de polícia. Como se não bastasse, depois apareceu
pedindo que eu saísse com você para se livrar do olhar bisbilhoteiro de uma
mulher de setenta anos, só porque não tem coragem de dizer a ela para não se
meter em sua vida pessoal. E quando pensei que já tinha visto tudo que
poderia ver, qual não foi meu espanto ao receber a proposta de ganhar
cinqüenta dólares por um beijo.
O sentimento de humilhação finalmente fez uma lágrima rolar pelo rosto de
Cybil, enquanto uma espécie de nó se formava em sua garganta.
- Não comece com isso - disse Preston.
- Quer que eu não chore vendo-o me humilhar desse jeito? Vendo você me fazer
sentir idiota, ridícula e envergonhada? - Cybil não se importou com as lágrimas
que começaram a molhar seu rosto. Simplesmente continuou a encarar Preston
com toda sua indignação. - Sinto muito, mas não sou tão fria assim. Ainda
choro quando alguém me magoa.
- Foi você mesma quem pediu isso.
Preston tinha de dizer aquilo. De fato, ele estava desesperado para acreditar
naquilo.
- Você conhece os fatos, Preston - disse ela, num fio de voz. - Tem todos eles à
sua disposição, mas insiste em ocultar seus sentimentos por trás deles. Levei
biscoitos para você porque pensei que poderia precisar de um amigo. Já me
desculpei por havê-lo seguido, mas posso me desculpar novamente.
- Eu não quero...
- Ainda não terminei - Cybil falou com tanta dignidade que o fez sentir uma
onda de culpa. - Levei-o para jantar porque não queria magoar uma senhora
muito doce e por pensar que você poderia estar faminto. Gostei de sua
companhia e senti algo diferente quando você me beijou. Na verdade, pensei
que você também houvesse sentido. Portanto, você está certo - ela assentiu, enquanto outra lágrima rolava por seu rosto. - Fui eu mesma quem pediu isso.
Suponho que guarde todas suas emoções para o seu trabalho e que por isso
não encontre uma maneira de aplicá-las em sua vida. Sinto muito por você. E
sinto muito por haver pisado em seu solo sagrado. Nunca mais farei isso.
Antes que Preston pudesse pensar em algo para responder, Cybil fechou a
porta. Então ele ouviu as trancas sendo acionadas com fúria. Girando sobre os
calcanhares, voltou para seu apartamento e seguiu o exemplo dela, também
fechando as trancas da porta.
Finalmente tinha o que queria, disse a si mesmo. Solidão. Quietude. Cybil não
voltaria a bater à sua porta, não o interromperia, não o distrairia e nem o
envolveria em conversas das quais ele não queria participar. Não lhe traria
sentimentos com os quais ele não sabia o que fazer.
De pé, na sala vazia, suspirou alto. Estava exausto daquilo tudo.
CAPÍTULO V
Preston só estava conseguindo dormir por alguns breves cochilos. E estes eram
invadidos por sonhos, sempre envolvendo Cybil de alguma maneira. Via-se em
lugares estreitos e era sempre como se ela o houvesse levado até ali. Então ela
se aproximava e o sonho se tornava perigosamente erótico, fazendo-o acordar
excitado e furioso ao mesmo tempo.
Também não estava conseguindo comer. Era como se nada o satisfizesse, como
se nada parecesse tão saboroso como a refeição que os dois haviam
compartilhado noites antes. Passara a se sustentar de café, até sentir seus
nervos à flor da pele e o estômago queimando em protesto.
Mas estava conseguindo trabalhar. Quando suas emoções ficavam
tumultuadas, seus surtos de criatividade se tornavam mais intensos. Era quase
doloroso ter de arrancar aqueles sentimentos de seu próprio coração,
transferindo-os para as atitudes de seus personagens, mas era assim que ele
trabalhava. Sempre fora. Arrancando seus próprios sentimentos e fazendo-os
dar vida e personalidade àquelas pessoas, por meio das palavras. Em sua
mente, era como se já visse a peça sendo encenada no palco, com toda aquela
avalanche de emoções sendo trocada entre os atores e o público.
A certa altura, Preston lembrou-se do que Cybil havia lhe dito antes de fechar a
porta. Que ele devia usar todas as emoções no trabalho, esquecendo-se de
aplicá-las à própria vida.
Ela tinha razão, e talvez fosse melhor assim. Para ele, havia muito poucas
pessoas nas quais poderia confiar. Seus pais, sua irmã... Ainda que sua
necessidade de atender às expectativas deles agisse em sua vida como uma
faca de dois gumes.
Havia também Delta e André, amigos leais que não esperavam dele mais do que
poderia oferecer. Mandy, que sempre lhe chamava a atenção nos momentos
certos e que o ouvia quando ele precisava de alguém para desabafar.
Não precisava de mais ninguém. Muito menos de uma mulher que, de um
momento para outro, poderia decepcioná-lo. Não passaria novamente por isso.
Aprendera a lição da primeira vez e ainda mantinha muito vívidas na
lembrança todas as conseqüências que as atitudes de Pamela haviam
provocado em sua vida.
Com todas suas mentiras, decepções e traições, ela meio que o deixara
imunizado quanto àquele tipo de armadilha sentimental. Uma lição dura como
aquela, aprendida aos vinte e cinco anos, não era algo fácil de se esquecer na
vida de um homem. Desde que percebera a tolice que era acreditar no amor,
nunca mais perdera tempo procurando por ele.
Ainda assim, não conseguia parar de pensar em Cybil.
Tinha ouvido ela sair várias vezes naqueles últimos três dias. E também
flagrara-se distraído com o som de risos, vozes e música vindos do apartamento
dela. Cybil não estava sofrendo, disse a si mesmo. Então por que ele estava?
Sentimento de culpa, concluiu. Havia magoado uma pessoa especial, ainda que
sua atitude não houvesse sido necessária ou intencional. Havia-se deixado
levar pelo charme de Cybil, mesmo relutantemente. Não tivera intenção de
magoá-la ou de fazê-la se sentir a pior das criaturas. As lágrimas de uma
mulher ainda surtiam um forte apelo em seu ser, por mais que ele soubesse
quanto elas podiam ser sinal de falsidade e de manipulação.
No entanto, as lágrimas Cybil não
manipuladoras. Muito pelo contrário.
haviam
lhe
parecido
falsas
ou
Por fim, convenceu-se de que não resolveria seu problema, enquanto não
esclarecesse aquilo tudo de uma vez. Não havia se desculpado devidamente.
Sim, iria pedir desculpas mais uma vez, agora que Cybil havia tido algum
tempo para refletir sobre o que havia acontecido.
Não havia motivo para os dois se tornarem inimigos, claro que não. Afinal, ela
era neta de um homem que ele admirava e respeitava muito. Além disso,
duvidava que Daniel MacGregor ficasse satisfeito se soubesse que ele havia
feito sua querida neta chorar. E a opinião de Daniel MacGregor importava
muito para ele. Sempre importara.
Sabia que ela estava fora, pois a tinha ouvido fechar a porta algum tempo
antes. Talvez fosse melhor ficar esperando-a, para não perder a chance de falar
com ela enquanto ainda estava movido por aquela onda de determinação.
Porém, provavelmente teria desistido se visse a expressão furiosa de Cybil meia
hora depois, quando ela entrou no elevador, vindo do mercado. Estava
aborrecida com o simples fato de ter de passar diante da porta de Preston.
Detestava o fato de ter de se lembrar dele ao passar por ali, de como agira feito
uma idiota, e pior: de quanto ele a fizera sentir-se uma idiota.
Equilibrando os dois pacotes que trazia nos braços, tentou encontrar logo a
chave na bolsa, para não correr o risco de passar muito tempo no corredor. O
elevador fez o característico ruído indiscreto ao parar em seu andar, mas ela
continuou procurando a chave depois de sair dele.
Então enrijeceu o maxilar e estreitou o olhar ao notar a presença de Preston no
final do corredor.
- Oi, Cybil. - Preston nunca vira um olhar tão gélido a ponto de deixá-lo
desconcertado. - Ah, deixe-me ajudá-la com isso.
- Não preciso de sua ajuda, obrigada - replicou ela, rezando para encontrar logo
a maldita chave.
- Precisa sim, se vai mesmo ficar aí vasculhando a bolsa.
Preston tentou sorrir, antes de começar uma espécie de cabo-de-guerra por
causa de um dos pacotes. Por fim, conseguiu tirá-lo de Cybil.
- Escute aqui, já disse que sinto muito. Quantas vezes terei de dizer isso até
que você se convença de que estou sendo sincero?
- Vá para o inferno! - bradou ela. - Quantas vezes terei de dizer isso até que
você comece a sentir o calor das chamas?
Cybil finalmente encontrou a chave e colocou-a na fechadura.
- Agora me dê meu pacote.
- Eu o levarei para você.
- Já disse para me dar maldito pacote - mandou ela, por entre os dentes. Os
dois voltaram a "brincar" de cabo-de-guerra, até ela deixar escapar um suspiro
resignado.
- Então, fique com ele!
Ela abriu a porta com um movimento abrupto, mas antes que pudesse fechá-la,
Preston a segurou e entrou sem maiores dificuldades. Os dois se entreolharam,
estreitaram os olhos e Preston teve a impressão de ver um brilho de vingança
nos olhos dela.
- Nem pense nisso - avisou ele. - Não estou usando cueca de ferro.
Ainda assim, Cybil pensou na possibilidade de causar algum dano. Mas
desistiu ao concluir que isso só o faria sentir-se mais importante do que ela
estava determinada a fazê-lo se sentir. Então, limitou-se a girar sobre os
calcanhares e tirar os tênis cor-de-rosa, como costumava fazer ao chegar em
casa. Em seguida foi até a mesa e colocou sobre ela o pacote que estava
carregando. Quando Preston fez o mesmo, ela assentiu.
- Obrigada. Quer uma gorjeta?
-- Muito engraçado. Primeiro vamos acertar isso. - Preston pegou a carteira no
bolso, tirou dela uma nota de cem dólares e a entregou a Cybil.
- Aqui está.
- Não vou aceitar o dinheiro de volta. Você fez por merecê-lo.
- Não vou aceitar seu dinheiro por aquilo que acabou se tornando uma piada de
mau gosto.
- Piada de mau gosto?! - A sombra de frieza nos olhos dela se transformou em
chamas verdes.
- Então foi isso para você? Bem, mas não estou surpresa. Já que tocou no
assunto, acho que ainda estou lhe devendo cinqüenta dólares, não?
Preston enrijeceu o maxilar quando ela abriu a bolsa e começou a procurar o
dinheiro. Aquilo já estava indo longe demais.
- Não me provoque, Cybil. Pegue o dinheiro de volta de uma vez.
- Não.
- Eu disse para pegar esse maldito dinheiro de volta. - Dizendo isso, ele lhe
segurou o pulso e colocou o dinheiro palma da mão dela.
- Agora... - interrompeu-se, atônito, quando a viu rasgar a nota de cem dólares
em pedacinhos e jogá-los no ar.
- Pronto! Problema resolvido.
- Essa foi uma atitude muito idiota - Preston a censurou.
- Idiota? Bem, para que quebrar a regra, não é mesmo? Pode ir embora agora.
A voz dela estava tão estridente e furiosa que Preston teve de se conter para não
pestanejar.
- Muito bom, muito eficaz - disse ele. - A dama da voz supersônica finalmente
apareceu.
Quando ela voltou a falar, em um tom ainda mais abrupto, conseguiu
sobressaltá-lo.
- Muito eficiente mesmo - ironizou Preston.
Furiosa demais para continuar o combate verbal, Cybil simplesmente foi até a
mesa e começou a esvaziar os pacotes. Se insultos e gritos não estavam
funcionando, talvez ignorá-lo desse algum resultado.
De fato, talvez até houvesse funcionado se Preston não tivesse visto suas mãos
trêmulas, quando ela colocou uma caixa sobre a mesa. Ver aquilo, levou-o a
sentir mais uma vez aquela onda de culpa que vinha experimentando nos
últimos dias.
- Cybil, sinto muito. - Ele a viu hesitar, então pegar uma latinha de sopa e
colocá-la sobre a mesa.
- A situação me escapou do controle e eu não fiz nada para corrigir meu erro.
Eu deveria ter feito alguma coisa.
- Não precisava ter mentido para mim. Eu teria deixado você em paz.
- Eu não menti, pelo menos não comecei. Mas deixei que você, continuasse
pensando algo que não era verdade. Quero minha privacidade. Preciso dela.
- Pois agora a tem. Afinal, não fui eu quem acabou de passar pela porta do
apartamento de outra pessoa.
- Não, não foi você. - Preston enfiou as mãos nos bolsos, então tirou-as
novamente e apoiou-as sobre a mesa.
- Eu magoei você, e não queria ter feito isso. Sinto muito pelo que aconteceu.
Cybil fechou os olhos, sentindo que o muro que havia levantado para se
proteger começara a ruir.
- Por que mentiu?
- Porque pensei que isso a manteria em seu próprio lugar. Porque senti que sua
proximidade era um pouco perigosa demais para mim. E porque, no íntimo,
parte de mim desejava que você continuasse querendo me ajudar a encontrar
um emprego. - Preston hesitou ao vê-la encolher os ombros. - Cybil, eu não
quis ofendê-la. Mas como poderia não me divertir vendo-a me oferecer cem
dólares para jantar com você? E tudo isso para não magoar uma velhinha de
setenta anos e poder, ao mesmo tempo, oferecer uma boa refeição a um
saxofonista desempregado. Aquilo foi muito... doce de sua parte. E isso não é
algo muito comum de eu dizer, pode acreditar.
- É humilhante - resmungou ela, pegando o outro pacote e se encaminhando
para a cozinha.
- Não deixe que seja. - Preston deu a volta pelo balcão, de modo que os dois
ficaram na cozinha. - A situação só teve aquele efeito desastroso porque deixei
que a coisa fosse longe demais. Assumo a culpa por isso. Se eu tivesse lhe
contado a verdade durante o jantar, como deveria ter feito, aposto que você
teria rido muito de tudo. Mas, em vez disso, eu a fiz chorar e não consigo me
perdoar por isso.
Cybil permaneceu onde estava, diante da geladeira. Não imaginara que Preston
fosse se importar tanto com aquilo, e que se desculpar houvesse se tornado
uma questão tão essencial para ele. Mas, pelo visto, enganara-se. E ela
simplesmente não conseguia resistir à completa sinceridade de alguém.
Respirando fundo, disse a si mesma que talvez valesse a pena tentar fazer as
pazes com ele.
- Quer uma cerveja?
Preston relaxou os ombros no mesmo instante.
- Claro que quero.
- Foi o que eu imaginei. - Cybil pegou uma garrafa, colocou-a sobre a pia e
começou a procurar um copo para ele.
- Deve estar com sede. Eu nunca tinha ouvido você falar tanto de uma só vez
desde que nos conhecemos.
Quando se virou para ele com o copo de cerveja, Preston estava com um brilho
de divertimento no olhar.
- Obrigado - agradeceu ele, aceitando o copo.
- Mas estou sem biscoitos.
- Ainda há tempo de fazer alguns.
- Talvez. - Cybil começou a examinar as compras.
- Para ser sincera, eu estava pensando em preparar uma torta. - Arriscando um
olhar por sobre o ombro, arqueou uma sobrancelha.
- Nunca comemos torta juntos.
- É verdade.
A visão foi sensual demais para sua paz de espírito, pensou Preston. Cybil
estava vestida com um camisão branco de algodão e com uma calça justa de
um bonito tom de azul-claro. Porém, o detalhe mais provocante era o fato de ela
estar descalça. A visão dos pés delicados, com as unhas pintadas de cor-derosa, provocou-lhe uma onda de excitação. As preferências exóticas de Cybil,
como aquela de usar dois brincos de argola em uma mesma orelha e uma
simples pedrinha de brilhante na outra, deixavam-no quase sempre encantado.
Cybil era uma surpresa constante. Deliciosamente inesperada.
Quando ela se virou para continuar esvaziando o pacote de compras, Preston
lhe segurou o pulso com a mão que se encontrava livre.
- Estamos de bem novamente? - Parece que sim.
- Então há algo mais que preciso lhe dizer. - Ele colocou a garrafa cerveja sobre
a pia.
- Sonhei com você.
Foi a vez de Cybil sentir a boca secar.
- O quê?
- Sonhei com você - repetiu Preston, aproximando-se dela o suficiente para que
Cybil se encostasse contra a parede.
Pelo menos dessa vez era ela que estava contra a parede, não ele, pensou
Preston.
- Sonhei que estava tocando você. - Sem desviar os olhos dos dela, ele roçou a
ponta dos dedos sobre os seios dela.
- E acordei sentindo o sabor dos seus lábios.
- Ah, meu Deus.
- Você disse que sentiu algo quando a beijei, e que achou que eu também havia
sentido. - Enquanto falava, foi deslizando as mãos devagar até os quadris dela.
- Você estava certa.
Cybil engoliu em seco, sentindo as pernas trêmulas.
- Estava?
- Sim. E quero sentir aquilo novamente.
Ela se endireitou junto à parede quando ele se aproximou mais.
- Espere!
Preston parou os lábios a centímetros dos dela.
- Por quê?
Cybil não soube ao certo o que dizer.
- Eu não sei.
Os lábios dele se curvaram em um de seus raros sorrisos.
- Mande que eu pare quando achar que deve - sugeriu ele, antes de tomá-la nos
braços.
Foi a mesma coisa de antes. Cybil não tinha certeza de que voltaria a sentir
todas aquelas sensações maravilhosas se Preston voltasse a beijá-la, mas foi
exatamente isso o que aconteceu. No entanto, era como se todo seu ser
estivesse preparado e esperando por aquele turbilhão de sensações. Jody tinha
razão, pensou ela. Preston havia arrasado sua vida. Nunca mais ela conseguiria
exigir menos do que aquilo.
Linda, receptiva, doce, carinhosa... Cybil era tudo isso. Tudo aquilo que ele
havia esquecido de que tanto precisava estava bem ali, em seus braços,
concluiu Preston. Queria tê-la para si. E com uma urgência que nem mesmo ele
esperava sentir.
- Quero beijá-la, Cybil - disse, com voz rouca. Roçando os lábios sobre a curva
sensível do pescoço delicado, acrescentou: - Aqui, bem aqui...
Cybil fechou os olhos.
- Não.
Aquela era a última coisa que ela esperava ouvir sair de seus próprios lábios,
com as mãos de Preston passeando por seu corpo e levando-a a desejar ir além,
muito mais além. Ainda assim, porém, ouviu-se repetir:
- Não. Espere.
Preston levantou a cabeça, fitando-a com os olhos enevoados de desejo.
- Por quê?
- Porque eu... - Cybil se interrompeu com um gemido, quando Preston pousou a
mão em concha sobre um de seus seios.
- Eu te quero, Cybil - sussurrou ele, junto ao ouvido dela. - E sei que você me
quer.
- Sim, mas... - Ela abriu e fechou as mãos sobre os ombros dele, lutando contra
a onda de desejo que a estava invadindo.
- Há certas coisas que não me permito fazer por impulso. Sinto muito, mas essa
é uma delas.
Cybil exalou um suspiro trêmulo. Preston estava muito perto, pensou,
observando os detalhes daquele rosto bonito. Perto demais.
- Não se trata de um jogo, Preston.
Ele arqueou uma sobrancelha, surpreso por ela haver sido tão perspicaz em
deduzir seus pensamentos.
- Não? Não - afirmou em seguida, entendendo o que ela quisera dizer.
- Você não aceitaria esse tipo de jogo, não é?
Alguém aceitara antes dela. E provavelmente magoara Preston por isso,
deduziu ela, lamentando por ele.
- Não sei. Nunca agi assim antes.
Ele deu um passo atrás e se afastou, parecendo recobrar o controle enquanto
ela ainda continuava trêmula.
- Preciso de um tempo antes de me sentir suficientemente segura para
compartilhar minha intimidade com outra pessoa. Fazer amor é uma espécie de
presente que não deve ser banalizado. Pelo menos na minha opinião.
As palavras de Cybil o tocaram de alguma maneira e, por motivos que nem ele
mesmo conseguiu entender, levaram-no a se acalmar.
- E ouvir isso de você significa que devo recuar? - perguntou Preston, enfiando
as mãos nos bolsos, para conter a vontade de voltar a tocá-la.
- Significa que eu quero que você entenda por que estou dizendo "não", mesmo
estando morrendo de vontade de dizer "sim", sendo que ambos sabemos que
você poderia facilmente me levar a dizer "sim".
A chama de desejo se reacendeu nos olhos dele.
- Sua sinceridade chega a ser perigosa, sabia? - - disse a ela.
- Você precisa que eu lhe diga a verdade. - Cybil nunca conhecera alguém que
precisasse tanto ouvir a verdade.
- E não minto para alguém com quem eu esteja pensando em compartilhar
minha intimidade.
Preston fitou-a nos olhos, parecendo surpreso com o que ouvira. Tinha noção
de que poderia seduzir Cybil, mas usar esse artifício só serviria para arruinar
algo que nem ele mesmo ainda estava seguro de que existia.
- Você precisa de tempo - Preston afirmou.
- Tem idéia de quanto?
Ela exalou outro suspiro trêmulo, mas acabou curvando os lábios em um
sorriso incerto.
- Não posso dizer com certeza. Mas garanto que você será o primeiro a saber
quando eu estiver pronta.
- Então, por enquanto, vamos ficar apenas com isso...
Cybil se surpreendeu quando ele se aproximou e roçou os lábios nos dela. Ela
manteve os olhos abertos, esforçando-se para não se render às sensações.
Porém, foi impossível ignorar a onda de calor que invadiu seu corpo.
- Hum... Sim, acho que, provavelmente, isso vá funcionar - respondeu.
- Vamos esperar uma semana - sugeriu Preston, aprofundando o beijo ao ponto
de levar Cybil a se afastar subitamente. Ao fazê-lo, ela levou a mão ao peito
dele.
- Duas semanas - disse a ele.
A última coisa que Preston esperava fazer em um momento de desejo tão
intenso era começar a rir.
- Não sei se agüentarei, mas poderei tentar - respondeu.
- Otimo.
Enquanto Cybil se esforçava para recuperar o fôlego, ele pegou novamente a
cerveja.
- Bem, com toda essa... - Ela gesticulou, esforçando-se forçando-se para
encontrar as palavras certas. - Não sei se preparo alguma...
- Comida? - sugeriu Preston, lisonjeado pela maneira como seu beijo a afetara.
- Comida, isso mesmo. Bem, pensei em preparar...
Preston ficou esperando que Cybil terminasse a frase, mas Cybil se limitou a
levar as mãos às têmporas e olhar para o fogão.
- O jantar?
- Isso. Isso mesmo, o jantar. Engraçado como as palavras nos escapam de vez
em quando, não? Vou preparar o jantar. - Virou-se para a pia, mas logo em
seguida voltou a se dirigir a ele.
- Quer ficar para o jantar?
Preston tomou um gole de cerveja e encostou o quadril na pia.
- Posso vê-la cozinhar?
- Claro. Pode se sentar ali e até me ajudar a picar alguns legumes, se quiser.
- Está bem. - Pensando na visão interessante que teria, Preston deu a volta pelo
balcão e sentou-se em um banquinho, diante dela.
- Você cozinha muito?
- Sim, acho que sim. Gosto de cozinhar. Para mim, cozinhar é um processo
inesperado, com todos aqueles ingredientes envolvidos, o calor e o tempo
corretos, a mistura de aromas, texturas e sabores...
- Alguma vez já cozinhou nua?
Cybil estava inspirando o aroma de um maço de manjericão, mas parou de
repente.
- Preston, isso foi uma piada? Se foi, não imagina quanto estou orgulhosa de
você. Nunca o vi fazer uma piada.
- Não, não foi piada. Estou falando sério.
Ela riu, surpreendendo-o ao se inclinar e dar-lhe um beijo estalado nos lábios.
Aquela imprevisibilidade de Cybil era o que mais o enfeitiçava. Tanto que o
levou a sorrir.
- E então? Costuma fazer isso?
- Nunca quando estou dourando pedaços de frango, que é o que pretendo fazer.
- Tudo bem. Tenho uma ótima imaginação. Ela riu novamente. Mas limpou a
garganta ao notar o brilho de sedução nos olhos de Preston.
- Acho que quero um pouco de vinho. Você quer? - Ao vê-lo levantar o copo de
cerveja, murmurou:
- Oh, claro.
Em silêncio, tirou a garrafa de vinho da geladeira e voltou-se para ele, rindo.
- Terá de parar com isso.
- Parar o quê?
- De me fazer sentir como se eu estivesse nua. Vá pôr uma música no aparelho
de som, para ouvirmos - sugeriu, indicando a sala com um gesto.
- Oh, e também abra uma janela, porque está meio quente aqui. Depois me dê
algum tempo para voltar a pensar direito e poder pensar em algo para dizer.
- Você nunca teve problemas para falar.
- Sei que quer fazer isso soar como um insulto para mim, mas não é.
Considero-me uma perita na arte da conversação.
- Ah, então é assim que passaram a chamar os tagarelas agora?
- Ora, está mesmo muito engraçadinho esta noite, não?
E nada poderia tê-la deixado mais satisfeita, , concluiu Cybil, em pensamento.
- Deve ser a companhia - respondeu Preston, indo até a sala. Então arqueou
uma sobrancelha, enquanto examinava os CDs.
- Tem um ótimo gosto para música.
- Não esperava isso?
- Na verdade, não esperava encontrar Aretha Franklin, Fats Waller e B.B. King.
Se bem que também há muita "tralha" aqui.
- E o que você considera como "tralha"? - indagou ela,
Em resposta, ele apareceu no corredor e mostrou um CD intitulado Greatest
Hits da Família Partridge.
Cybil conteve a vontade de rir.
- Tudo bem, reconheço que não é nenhum clássico, mas esse CD me foi dado
por um amigo muito querido.
- Com um amigo desse, quem precisa de inimigos? - Preston resmungou em
resposta.
Com um sorriso, Cybil recomeçou a picar os legumes que seriam servidos com
o frango.
- Durante um período da adolescência, até fiz parte de uma banda, sabia? disse a ele.
- É mesmo? - Preston se surpreendeu, enquanto colocava B.B. King para tocar.
- Hum-hum. Eu fazia o vocal principal e tocava guitarra. - Ela sorriu para ele,
que voltou a se sentar junto ao balcão da cozinha.
- Você tocava guitarra? - Preston riu. Cybil era mesmo uma constante surpresa.
- Sim. Uma Fender vermelha, linda de morrer. Minha mãe ainda a guarda no
lugar que antes era meu quarto, junto com sapatinhos da época em que eu
ainda era bebê, meu kit de química, os desenhos que eu fazia quando
costumava dizer que ia ser designer de moda e também os livros sobre animais
que eu colecionava antes de descobrir que, para me tornar veterinária, teria de
fazer experiências de laboratório com os bichinhos.
- Começando a cortar cenouras, acrescentou:
- Tudo isso fez parte da minha busca.
Preston estava encantado. Cybil era mesmo fascinante.
- Guitarras vermelhas e kits de química fizeram parte de sua busca?
- Eu não conseguia decidir o que ia ser. Tudo que eu começava a fazer parecia
muito divertido no início, mas logo eu me cansava daquilo. Sabe cortar
cenouras em cubinhos?
- Não. Nunca pensou que acabaria fazendo o que faz hoje em dia?
Cybil suspirou, começando a cortar a cenoura em cubinhos.
- Não - admitiu ela. - Mas gosto muito do que faço, embora eu tenha muito
trabalho. De qualquer maneira, é muito divertido. Você não gosta de escrever?
- Não completamente.
Cybil olhou para ele, surpresa.
- Então por que faz isso?
- Porque não consigo me imaginar fazendo nenhuma outra coisa. Essa é minha
única busca - respondeu Preston.
Ela assentiu com um sorriso. Entendia-o muito bem.
- Também é assim com minha mãe – disse a ele. - Ela nunca pensou em fazer
outra coisa, exceto pintar. Às vezes, quando fico olhando ela trabalhar, noto
quanto é doloroso para ela ter uma visão e ter de se esforçar ao máximo para
conseguir retratar na tela aquilo que ela quer comunicar. Mas quando ela
termina um trabalho, quando este se mostra suficientemente bom, ela se realiza. A satisfação, ou talvez o choque de ver o que ela é capaz de fazer, é que
surte esse efeito nela. Deve ser assim com você também.
Cybil levantou a vista, então notou que Preston a estava observando com um
olhar perscrutador.
- Sempre se surpreende quando demonstro saber algo a respeito de um assunto
que você não esperava, não é?
Dizendo isso, colocou a tigela com os legumes picados sobre o balcão. Preston
segurou-lhe o pulso, antes que ela pudesse de virar.
- Se isso ainda acontece, é porque sou eu quem não consegue entendê-la, Cybil.
E é provável que eu continue a magoá-la por isso.
- Mas é ridiculamente fácil me entender!
Preston riu.
- Era isso que eu pensava antes, mas estava enganado. Você é um labirinto,
Cybil. Com dezenas de caminhos e curvas inesperadas.
Um belo sorriso se insinuou nos lábios dela.
- Esta é a coisa mais bonita que você já me disse.
- Não sou do tipo que vive se derramando em gentilezas. Teria sido melhor me
manter fora de sua vida, deixando que eu continuasse trancado no meu
apartamento.
- Acho que até eu mesma já me convenci disso - admitiu ela. - Porém... Pousou a mão no rosto dele, com gentileza.
- Você parece haver se tornado minha nova busca.
- Até ela deixar de ser divertida e você deixá-la de lado?
A expressão de Preston se mostrou muito séria. Ele parecia preparado demais
para acreditar no pior.
- Preston, você está falando demais e trabalhando de menos. Sabe cortar
batatas em formato de palitos?
- Não tenho a mínima idéia de como fazer isso.
- Então olhe e aprenda, meu caro. Da próxima vez, quero que você prepare o
jantar. - Cybil pegou uma batata descascada e cortou-a com destreza,
formando palitos. Então arriscou um olhar para ele. - Ainda estou nua?
- Você quer estar?
Ela riu e tomou um gole do vinho que deixara ao lado.
Levava muito tempo para preparar um simples jantar quando se era distraída
por uma conversa agradável, por olhares provocantes e toques sedutores.
Levava muito tempo para comer uma simples refeição quando o perigo de se
apaixonar e a vontade de fazer amor com o homem sentado à sua frente se
tornavam cada vez mais evidentes.
Cybil reconheceu os sinais: as batidas aceleradas de seu coração, o insistente
calor pelo corpo acumulando-se deliciosamente entre suas pernas... Tudo isso
aliado a sorrisos irresistíveis e a suspiros incontidos era um forte indício de que
seria muito fácil se entregar ao amor.
Imaginou como seria se deixar levar. Provavelmente maravilhoso.
Levava muito tempo para se despedir quando se era arrebatada por longos
beijos provocantes à porta de seu apartamento. E mais tempo ainda para
conseguir pegar no sono quando seu corpo ardia de desejo e sua mente se
encontrava repleta de imagens eróticas.
De fato, só conseguiu dormir quando o som do sax vindo do outro apartamento
finalmente cessou. Somente então se entregou ao sono. E com um sorriso nos
lábios.
CAPITULO VI
Com os cabelos ainda molhados do banho da manhã, Preston entrou na
cozinha e sentou-se no banquinho que Cybil havia feito questão de lhe
emprestar. Enquanto comia cereais com banana, também mandados por Cybil,
depois que ela vira que seus armários se encontravam vazios, começou a ler
distraidamente o que estava escrito na caixa de cereais.
Segundo ela, até mesmo um ignorante em questões de cozinha, aparentemente
ele próprio, seria capaz de preparar uma tigela de cereais com banana.
Preston havia decidido não tomar aquilo como ofensa, mesmo não se
considerando tão ignorante assim em matéria de cozinha. Afinal, havia conseguido preparar uma salada na noite anterior, não havia? Tudo bem que Cybil
fizera maravilhas com aqueles legumes e os pedaços de frango, mas isso era um
mero detalhe.
De fato, ela cozinhava muito bem. Do jeito que as coisas estavam indo, ele
acabaria deixando de lado os sanduíches rápidos que estava acostumado a
preparar para si mesmo.
Pensativo, olhou na direção da sala e franziu o cenho ao avistar o esquisito
sapo de bronze segurando uma lâmpada de néon de formato triangular. Ainda
não estava muito certo que como Cybil o convencera a comprar aquilo, e nem
de como ela o levara a pagar à sra. Wolinsky uma boa quantia por uma cadeira
reclinável de segunda mão, da qual a mulher estava querendo se livrar. E com
razão. Afinal, quem diabos iria querer ter na sala de casa uma cadeira
reclinável com detalhes em verde e roxo?
No entanto, lá estava a cadeira em sua sala. Felizmente, apesar da horrível
aparência, ela era bastante confortável.
Mas quando se possuía uma cadeira e um abajur, claro que também precisava
de uma mesa. A sua era um modelo Chippendale, e estava precisando
desesperadamente de uma reforma. Mas, como Cybil salientara, por isso
mesmo é que seu preço havia sido uma barganha. Por acaso, ela tinha um
amigo que restaurava móveis por hobby, e que poderia resolver aquele
problema.
Também por acaso, tinha uma amiga que era florista, o que explicava a
presença daquele vaso com belas margaridas sobre o balcão da cozinha.
Um outro amigo, pelo visto ela tinha uma legião deles, pintava cenas das ruas
de Nova York e as vendia em uma calçada. Não seria interessante colorir um
pouco as paredes do apartamento com algo assim? Sugerira Cybil.
Ele respondera que não queria colorir nada, ,mas, mesmo assim, lá estavam
três aquarelas originais "colorindo" sua sala. E Cybil já havia começado a falar
em tapetes.
Não entendia direito como ela conseguia aquilo, pensou, voltando a se
concentrar no desjejum. Simplesmente, ficava falando sem parar, até convencêlo a tirar a carteira do bolso e comprar alguma quinquilharia.
Mas ambos estavam conseguindo se manter em seus próprios espaços. Se bem
que no sábado ela havia "invadido" seu apartamento com baldes, esfregões,
vassouras e só Deus sabia mais o quê. Se ele ia mesmo morar ali, dissera ela, o
lugar deveria ao menos ser limpo. Por isso, ele terminara passando três horas
de uma tarde chuvosa limpando o chão e as janelas, quando deveria estar
escrevendo.
Naquele dia, Cybil quase fora parar em sua cama. Por muito pouco, ele não a
deitara na cama e a seduzira, quando ela ficara boquiaberta com o estado em
que se encontrava o quarto. Cybil era desejável até mesmo quando ficava brava.
Ao ver toda aquela bagunça, ela começara a lhe dar um verdadeiro sermão a
respeito de como ele deveria zelar mais por seu local de trabalho que, pelo visto,
também era o lugar onde ele dormia.
Por que diabos mantinha as cortinas fechadas daquela maneira? Por acaso
gostava de cavernas? Tinha alguma objeção religiosa quanto a ajeitar lençóis de
cama?
Em meio ao discurso inflamado de Cybil, ele a abraçara de surpresa e a fizera
se calar com o mais prazeroso dos métodos. E se, a caminho da cama, eles não
houvessem tropeçado em uma verdadeira montanha de roupas usadas, duvidava que eles houvessem terminado a tarde indo à lavanderia.
Apesar das inconveniências, a atitude de Cybil tinha lá suas vantagens,
admitiu ele. Gostava de se verem um lugar limpo e arejado, embora quase
nunca notasse quando este se tornava bagunçado. Gostava de se deitar em
uma cama forrada com lençóis limpos e perfumados, embora a idéia lhe
parecesse ainda melhor diante da possibilidade de compartilhá-la com Cybil.
Além disso, era realmente difícil encontrar motivo para reclamar ao abrir os
armários da cozinha e vê-los repletos de mantimentos.
Tomou um gole de café, lembrando-se de que deveria perguntar a Cybil por que
o seu sempre ficava com aquele sabor esquisito, como se faltasse alguma coisa.
Então pegou o jornal, e foi direto à seção de tiras cômicas, para ver o que ela
havia feito dessa vez.
Leu por alto, franziu o cenho, então recomeçou a ler a tira com mais atenção.
Cybil já estava trabalhando. Deixara a janela do estúdio aberta, já que,
aparentemente, a primavera havia decidido deixar a cidade com uma
temperatura mais amena. Uma brisa deliciosa estava entrando no ambiente,
juntamente com o inevitável ruído vindo da rua.
Depois de desenhar as medidas dos quadrinhos no papel, deixou a régua de
lado, passando a se concentrar no que iria desenhar no primeiro deles.
Inclinando ligeiramente a cabeça, olhou para oquadrinho com ar pensativo. Ele
tinha o dobro do tamanho daquele que iria aparecer no jornal, dali a alguns
dias. Já tinha mais ou menos em mente o que iria desenhar. O cenário, a
situação e o tema que iriam preencher aqueles cinco quadrinhos e dar ao leitor
do jornal a oportunidade de rir um pouco durante o desjejum.
O esquivo sr. Misterioso, agora conhecido como Quinn, encontrava-se em sua
caverna, escrevendo um grande roteiro para o teatro americano. Com seu jeito
irresistivelmente másculo e sexy, Quinn se encontrava tão concentrado em seu
próprio mundo que estava alheio ao fato de Emily se encontrar escondida na
saída de incêndio, utilizando um binóculo para tentar ler o que ele estava
escrevendo.
Riu consigo, pois, à sua maneira, sabia que suas perguntas e indiretas sobre
como estava indo a última peça de Preston eram uma versão mais civilizada do
voyeurismo de sua contraparte. Aos poucos, começou a esboçar os primeiros
traços de sua interpretação profissional de Preston.
Por uma questão de estilo, tinha de exagerar certos detalhes na aparência e nas
atitudes dele. O porte alto, o corpo atlético, o rosto atraente e o olhar
penetrante, tudo servia de base para seu trabalho. O lado bem-humorado das
tiras vinha quase sempre do detalhe de ele não saber o que fazer com as coisas
que Emily "aprontava".
Quando a campainha tocou, Cybil pôs o lápis atrás da orelha, em um gesto
automático, imaginando que Jody se esquecera de pegar a chave.
Ao se levantar, tomou um último gole de café, antes de se encaminhar para o
andar de baixo.
- Já estou indo - falou, ao se aproximar da porta.
Ao abri-la, sentiu o coração acelerar e teve de se esforçar para conter um
suspiro. Preston estava com os cabelos úmidos do banho e sem camisa. "Ah,
meu Deus, veja só esse peito...", pensou ela, mal resistindo ao impulso de
passar a língua pelos lábios.
Ele estava trajando um jeans desbotado e se encontrava descalço. O rosto... Ah,
aquela seriedade sempre a encantava, embora parecesse intimidadora.
- Oi - cumprimentou-o, com um sorriso. - Ficou sem sabonete para o banho?
Quer um emprestado?
- O quê? - Preston franziu o cenho.
- Não, não é isso. - Ele se esquecera de que estava apenas parcialmente vestido.
- Quero lhe fazer algumas perguntas a respeito disso - declarou, mostrando o
jornal.
- Claro. Entre. - Seria mais seguro, pensou Cybil. Jody chegaria a qualquer
momento, e pelo menos a impediria de "atacar" Preston, em algum momento de
fraqueza.
- Por que não se serve de uma xícara de café e sobe até meu estúdio? Estou
trabalhando e o andamento dos quadrinhos está indo muito bem.
- Não quero atrapalhar, mas...
- Não vai atrapalhar - falou ela, por sobre o ombro, já começando a subir a
escada.
- Há canela em pau em um potinho ao lado da cafeteira, se quiser pôr um em
seu café.
- Eu...
"Oh, droga", pensou Preston, indo se servir do café e decidindo pôr um
pedacinho de canela na xícara.
Nunca havia subido aquela escada antes, pois nunca fora até ali enquanto
Cybil estava trabalhando. Ao passar pela porta do quarto dela, rendeu-se à
curiosidade de parar um instante e olhar para a grande cama forrada com um
lençol cor de marfim e cheia de almofadas brancas. Abaixo dos ferros
trabalhados da cabeceira foi onde ele se imaginou segurando as mãos dela,
enquanto finalmente fazia tudo que desejava fazer com ela.
O perfume feminino que vinha do quarto o fez respirar mais fundo. Um perfume
adocicado e sedutor, próprio de ambientes femininos. Ela mantinha pétalas de
rosas secas em uma tigela transparente, um livro sobre a mesinha-de-cabeceira
e algumas violetas no peitoril da janela.
- Encontrou tudo?
Preston se sobressaltou.
- S-sim. Ouça, Cybil... - Ele entrou no estúdio.
- Meu Deus, como consegue trabalhar com todo esse barulho?
Ela mal levantou a vista do papel.
- Que barulho? Ah, esse. - Pegou outro lápis e continuou desenhando, como
que esquecida daquele que se encontrava atrás de sua orelha.
- Gosto de ouvir música enquanto trabalho, mas passo a maior parte do tempo
sem ouvir nada.
O aposento tinha uma aparência eficiente e criativa, com suas diversas
prateleiras repletas de instrumentos para desenho e pintura. Preston reconheceu uma aquarela do amigo de Cybil pendurada em uma das paredes, e a
elegância estilística da mãe dela em dois outros trabalhos pendurados na
parede oposta.
Em um dos cantos, via-se uma escultura de metal de formato complexo,
algumas violetas no peitoril da janela e um confortável divã cheio de almofadas
próximo a ela.
O modo como Cybil ocupava a sala, porém, não transmitia um aspecto de
eficiência. Sentada à mesa de desenho, com as pernas cruzadas sob o corpo,
exibindo parte dos pés com as unhas pintadas de cor-de-rosa, o lápis atrás de
uma orelha e duas argolas de tamanhos diferentes na outra, ela era a própria
imagem do inusitado. Perigosamente sexy, pensou Preston.
Curioso, aproximou-se por trás de Cybil e espiou o que ela estava fazendo. Uma
atitude que o deixaria furioso se fosse ele quem estivesse trabalhando.
- Para que servem todas essas linhas azuis? - perguntou a ela.
- Para marcar a escala e a perspectiva. Fazer isso requer alguns cálculos, antes
de se começar o trabalho propriamente dito. Trabalho com tiras de cinco
quadrinhos - explicou ela, sem parar de fazer os esboços.
- Costumo colocá-los no papel dessa maneira, trabalhar o tema da piada e desenvolvê-lo de modo que ele tenha começo, meio e fim dentro dos cinco
quadrinhos.
Preston continuou observando em silêncio. Satisfeita com o resultado do
primeiro quadrinho, Cybil passou para o seguinte e continuou a falar:
- Primeiro faço esse tipo de esboço para ver se a idéia vai dar certo. É uma
espécie de ensaio, para que eu tenha realmente certeza de que o tema poderá
ser desenvolvido nos cinco quadrinhos. Feito isso, começo a desenhar mais
detalhes, antes de fazer o contorno final e de pintá-los.
Preston franziu o cenho, observando o primeiro esboço com mais atenção.
- Por acaso, este sou eu?
- Hum... Por que não se senta? Está bloqueando a luz.
- O que ela está fazendo ali? - Ignorando a sugestão, ele apontou o segundo
quadrinho. - Está me espionando? Você está me espionando?
- Não diga tolices. Nem há uma saída de incêndio em seu quarto.
Ela olhou para o espelho e fez várias expressões faciais, antes de recomeçar a
desenhar.
- E quanto a isso? - perguntou Preston, mostrando o jornal a ela.
- Isso o quê? Puxa, seu perfume é maravilhoso - disse Cybil, voltando-se para
ele e inalando seu perfume.
- Que sabonete é esse?
- Vai pôr esse sujeito tomando banho nos próximos quadrinhos? - Quando
Cybil apertou os lábios, como que considerando a questão, Preston balançou a
cabeça negativamente.
- Nem pensar. Achei até divertido quando você começou essa paródia a meu
respeito, mas...
Ele se interrompeu ao ouvir a porta da sala se abrir e fechar, no andar de
baixo.
- Quem é? - perguntou a Cybil.
- Provavelmente Jody e Charlie. Então se reconheceu nos quadrinhos? - Cybil
parou de desenhar e olhou para ele, com um sorriso.
- Algumas pessoas nem se reconhecem neles, sabia? Talvez por não terem
autoconsciência suficiente. Mas tive a impressão de que você se reconheceria
assim que visse os desenhos. Oh, olá, Jody! E aí está Charlie.
- O-oi - balbuciou Jody.
Deparar-se com um belo homem com o peito nu não era uma questão fácil nem
mesmo para uma mulher casada e feliz no casamento.
- Hum, oi - repetiu ela. - Estamos atrapalhando alguma coisa?
- Não. Preston veio apenas me fazer algumas perguntas a respeito dos
quadrinhos.
- Oh, adorei esse novo personagem - afirmou Jody. - Ele deixou Emily
maluquinha! Mal posso esperar para ver o que vai acontecer em seguida.
Ela começou a rir quando Charlie soltou um sonoro "Pa!" e estendeu os
bracinhos na direção de Preston.
- Ele chama todo homem de "Pa". Chuck não gosta muito quando o vê fazer
isso, mas Charlie nem se importa com as reprimendas do pai. Já está
demonstrando que vai ter personalidade forte - acrescentou ela, com um sorriso
de mãe orgulhosa.
- Entendi. - Distraidamente, Preston passou a mão pelos cabelos do bebê.
- Vim apenas esclarecer algumas coisas a respeito do que está acontecendo nos
quadrinhos - explicou ele, voltando-se tando-se novamente para Cybil.
- Pa! - Charlie repetiu, estendendo os bracinhos mais uma vez para Preston,
com um sorriso sonolento.
- Quão próximo da realidade é o seu trabalho? - indagou Preston, pegando o
bebê no colo, em um gesto automático.
Cybil se comoveu com a cena.
- Você gosta de crianças.
- Não. Costumo jogá-las pela janela do terceiro andar sempre que tenho uma
chance - respondeu ele, com impaciência. Então começou a rir quando Jody lhe
lançou um olhar apavorado.
- Relaxe, ele está seguro. Meu interesse é saber o que significa isso aqui acrescentou, apontando o jornal e ajeitando Charlie no colo.
- Oh, o detalhe da "escala" - respondeu Cybil. - Bem, essa é realmente a
primeira parte. As duas conversarão sobre a segunda parte amanhã. Acho que
vai ficar bom.
- Eu e Chuck caímos na gargalhada quando lemos isso essa manhã - comentou
Jody, mais relaxada ao ver Preston acariciando o bebê já adormecido em seus
braços.
- Você desenhou essas duas mulheres...
- Emily e Cari - disse Cybil.
- Agora sei quem elas são - respondeu Preston, estreitando o olhar para ela e
Jody. - Elas estão falando... Não - corrigiu-se.
- Estão classificando a maneira como Quinn beijou Emily alguns dias antes! bradou, indignado.
- Hum-hum - confirmou Cybil. - Então Chuck se divertiu? - perguntou ela à
amiga.
-Fiquei pensando se os homens também iriam entender ou se essa seqüência
seria mais compreendida apenas pelas mulheres.
- Oh, sim, ele morreu de rir.
- Com licença. - Com o que lhe restava de paciência, Preston levantou a mão.
- Eu só gostaria de saber se vocês duas ficam comentando seus encontros
íntimos e classificando-os com notas de um a dez, antes de oferecer isso para o
público americano se divertir durante o desjejum.
- Classificando? - Cybil arregalou os olhos para ele, com ar inocente.
- Pelo amor de Deus, Preston, isso é apenas uma tira cômica de jornal. Está
levando esse assunto a sério demais.
- Então essa história de "não existir escala" é apenas uma piada?
- O que mais poderia ser?
Ele a observou por um instante.
- Não quero correr o risco de, quando finalmente fizer amor com você, ter de
passar depois pela situação desagradável de ver meu desempenho ser avaliado
nas tiras cômicas do jornal pela manhã.
- Oh-oh. Oh, bem. - Jody levou a mão ao peito, parecendo embaraçada.
- Acho que vou levar Charlie para tirar uma soneca no sofá lá de baixo.
Dizendo isso, tirou o bebê com cuidado dos braços de Preston e se retirou em
seguida.
- Francamente, Preston - disse Cybil, rindo e tamborilando o lápis sobre a
mesa.
- Esse evento seria digno de ir parar no caderno especial do jornal de domingo.
- Isso é uma ameaça ou uma brincadeira? - Quando ela apenas riu, ele se
aproximou perigosamente e beijou-a nos lábios.
- Mande sua amiga embora e descobriremos logo, logo.
- Não. Não quero que ela vá embora. Foi pensando que ela poderia aparecer a
qualquer momento que não o beijei assim que você chegou.
Preston estreitou o olhar.
- Está querendo me provocar?
- Não exatamente - respondeu ela, sentindo a pulsação acelerada.
- Precisa ir agora. Depois de tanto tempo de trabalho, encontrei uma distração
com a qual não consigo lidar, e essa distração é você.
Sem dar ouvidos ao pedido, Preston se inclinou mais uma vez e beijou-a nos
lábios.
- Quando falar disso... - Ele capturou o lábio inferior de Cybil delicadamente
entre os dentes e provocou-a com sensualidade.
- Espero que sua descrição seja precisa.
Dizendo isso, dirigiu-se à porta e virou-se uma última vez para ela, fitando-a
por sobre o ombro.
- Sem escala? - perguntou ele, dando-se conta de que até gostara da
brincadeira.
Ver seu beijo ser considerado em uma escala acima de dez não deixava de ser
lisonjeador. Ao ver Cybil reagir apenas com um impotente gesto de mãos,
começou a rir. E ainda estava rindo quando desceu a escada em direção à porta
da sala.
- Posso entrar agora? - sussurrou Jody, colocando a cabeça no vão da porta
entreaberta do estúdio de Cybil.
- Ah, meu Deus, Jody. O que vou fazer aqui? - Aturdida, Cybil colocou um
segundo lápis atrás da orelha, derrubando o primeiro sem nem parecer se dar
conta disso. - Pensei que não iria haver nenhuma conseqüência. Quer dizer, o
que há de mal em se deixar levar pelo encantamento de um homem bonito,
atraente e irresistível?
- Deixe-me pensar... - Jody sentou-se diante da mesa de trabalho da amiga.
- Nenhum mal! Absolutamente nenhum mal.
- E se você acabar se apaixonando um pouquinho por ele, isso fará parte do
jogo, certo?
- Absolutamente certo.
- Mas o que fazer quando você vai um pouco além do limite?
Jody franziu o cenho, preocupada.
- Você foi além do limite?
- Acabei de fazer isso - Cybil respondeu.
- Oh, querida. - Em um gesto carinhoso, Jody deu a volta pela mesa e abraçou
a amiga. – Tudo bem. Acabaria acontecendo, mais cedo ou mais tarde.
- Eu sei, mas sempre pensei que aconteceria mais tarde.
- Todos nós pensamos isso.
- Preston não vai gostar de saber que eu me apaixonei por ele. Vai ficar
aborrecido com isso. - Apoiando a cabeça no ombro da amiga, Cybil exalou um
suspiro trêmulo.
- Também não estou muito contente com isso, mas acabarei me acostumando.
- Claro que sim. Coitado do Frank. - Com um suspiro, Jody afagou o ombro da
amiga e se afastou um pouco.
- Ele nunca a interessou de verdade, não é mesmo?
Cybil balançou a cabeça negativamente.
- Sinto muito.
- Ora. - Jody dispensou seu primo preferido com um gesto de mão.
- O que vai fazer?
- Ainda não sei. Para ser sincera, estou pensando em sair correndo e me
esconder em algum lugar - confessou, forçando um sorriso.
- Isso é para covardes.
- Tem razão. Seria uma atitude covarde. E que tal dar tempo ao tempo e ver se
isso passa?
Jody balançou a cabeça, rindo da ingenuidade da amiga.
- Sua boba. Quando se é atingido pela flecha de cupido, meu bem, a cura não
vem assim, tão facilmente.
Cybil respirou fundo.
- Então, que tal irmos fazer compras?
- Agora, sim, começou a falar com sensatez. - Com um breve gesto de
comemoração, Jody se encaminhou para a porta.
- Vou ver se a sra. Wolinsky pode ficar com Charlie, então enfrentaremos esse
problema como mulheres de verdade.
Cybil comprou um vestido novo. Um modelo preto, básico e discretamente
colado ao corpo que fez Jody revirar os olhos e dizer:
- Ele está perdido.
Cybil também comprou um bonito par de sapatos pretos com saltos altos, finos
e transparentes. Ah, e lingerie também, claro. Do tipo que uma mulher usa
quando espera ser admirada por um homem e que o faça sentir vontade de tirála. De fato, sentiu um arrepio pelo corpo, ao imaginar Preston deslizando
aquelas mãos firmes sobre seu corpo, retirando-lhe a lingerie com vagarosa
sensualidade. Escolheu um conjunto de lingerie branca para usar sob o vestido
preto. Era excitante a idéia de surpreendê-lo.
Depois escolheu flores, velas para o candelabro e um ótimo vinho. Ingredientes
delicados para despertar um outro tipo de apetite. Um apetite primitivamente
voraz.
Quando chegou em casa, estava mais esperançosa e bem mais calma. Havia
algo a ser feito, e pelo menos isso incutiu um foco a seus pensamentos. Sim,
queria passar o restante do dia preparando cada detalhe, porque a noite teria
de ser perfeita.
Escreveu um bilhete para Preston é enfiou-o por baixo da porta do apartamento
dele. Depois trancou-se em seu próprio apartamento e respirou fundo, antes de
deixar alguns itens na cozinha e levar os outros para seu quarto.
Arrumou as flores nos vasos e os distribuiu por lugares estratégicos. Depois
ajeitou as velas no candelabro e o colocou sobre a mesa, junto ao vasinho com
flores frescas. Em um outro canto da sala, acendeu uma vela perfumada, para
ir perfumando o ambiente com um aroma agradável, enquanto ela terminava de
preparar a mesa.
Desembrulhou dois elegantes cálices de vinho e colocou-os junto aos pratos,
lembrando-se de que precisava pôr o vinho para gelar.
Ao chegar ao quarto e olhar para a cama, hesitou. sitou. Puxar os lençóis até o
pé da cama pareceria uma sugestão muito evidente? Pensando nisso, riu
consigo. Havia sentido ter pudores daquele tipo àquela altura dos
acontecimentos?
Quando terminou os preparativos, parou um instante para admirar o resultado.
De fato, tudo estava no lugar onde ela gostaria que estivesse. Satisfeita,
providenciou os últimos detalhes para o jantar.
Manteve os ouvidos apurados, na esperança de ouvi-lo começar a tocar.
Sempre que ouvia Preston tocar o sax, era como se parte dele estivesse ali com
ela. No entanto, o apartamento em frente continuou silencioso.
Com cuidado, escolheu alguns CDs estratégicos e os deixou ao lado do aparelho
de som. Em seguida, foi para o quarto e, com um arrepio de expectativa,
estendeu o vestido novo sobre a cama juntamente com a lingerie provocante,
imaginando como seria usá-los. Com certeza, o efeito seria poderosamente
sedutor.
Com outro arrepio de expectativa, dessa vez seguido por um calor inesperado
em seu âmago feminino, foi tomar um banho relaxante.
Antes de entrar na banheira, acendeu outra vela perfumada e serviu-se do
vinho que costumava deixar ali, para quando estivesse relaxando na banheira.
Ao sentir a água quente sobre o corpo, fechou os olhos com um suspiro. Então
imaginou as mãos de Preston sobre sua pele, em vez da água cheia de espuma.
Quase uma hora depois, espalhou pelo corpo uma leve camada de creme
hidratante perfumado, até sua pele se tornar acetinada e agradavelmente
perfumada.
Enquanto ela fazia isso, Preston lia o bilhete encontrado à porta de seu
apartamento: "Preston, tenho planos. Depois nos veremos. Cybil"
Planos? Cybil tinha planos sendo que ele passara o dia inteiro em meio a um
verdadeiro turbilhão emocional por causa dela?
Leu o bilhete mais uma vez, furioso consigo mesmo por haver passado o dia
inteiro pensando em quanto seria prazeroso passar outra noite ao lado de
Cybil. Deus, comprara até flores para ela! E não se lembrava de comprar flores
para uma mulher desde...
Droga, como ela pudera fazer isso?, pensou, amassando o bilhete quase sem
perceber. Por outro lado, o que mais ele poderia esperar? As mulheres sempre
determinavam o curso de um relacionamento segundo seus próprios interesses.
Ele sabia disso, aceitara isso e se, em algum momento, esquecera-se de que em
relação a Cybil, não tinha ninguém mais para culpar a não ser ele mesmo.
Pelo visto, ela decidira entrar em outro jogo. Mas ele não era obrigado a morrer
de angústia por isso. Afinal, sabia muito bem quanto as mulheres eram
perigosas em questões de jogos sentimentais.
Com um suspiro, foi até a cozinha e deixou o buquê de lilases sobre a pia. Não
entendera direito o motivo, mas aquelas flores o haviam feito se lembrar de
Cybil. Ao voltar para a sala, pegou seu sax e saiu, determinado a amenizar sua
ira tocando no Delta's.
Exatamente às sete e meia da noite, Cybil tirou do forno o assado que havia
preparado. A mesa estava arrumada para dois, com mais velas e mais flores
precisamente arrumadas. Uma salada de colorido exótico, feita com abacate e
tomates gelava juntamente com o vinho.
Assim que eles degustassem a entrada, pretendia surpreendê-lo com crepe de
marisco. E se tudo saísse de acordo com o planejado, terminariam a refeição
com champanhe gelado acompanhando framboesas frescas com creme. Na
cama.
- Muito bem, Cybil.
Dizendo isso, tirou o avental e foi até o espelho para checar seu visual. Então
calçou os sapatos novos, aplicou algumas gotas de perfume em pontos
estratégicos e sorriu para seu próprio reflexo.
- Vamos capturá-lo.
Atravessou o corredor, tocou a campainha do apartamento de Preston e ficou
esperando, com o coração acelerado. Segundos depois, tocou mais uma vez.
- Como tem coragem de não estar em casa? - protestou em voz alta. - Como
ousa? Não leu meu bilhete? Claro que deve ter lido. Eu não deixei bem claro
que iríamos nos encontrar depois?
Com um resmungo, bateu a mão fechada contra a porta. Em seguida, respirou
fundo e endireitou as costas.
- Eu disse que tinha planos. Ah, meu Deus, você não entendeu, não é, seu
cabeça-dura? Planos para nós dois! Oh, droga.
Sem hesitar, trancou a porta de seu apartamento e, na falta de uma bolsa para
guardar a chave, colocou-a dentro do sutiã. Então começou a descer a escada
com passos firmes, em direção à saída do prédio.
- Está com algum problema afetivo, querido?
Preston olhou para Delta, parando um instante para tomar um gole de água.
- Não estou com nenhum problema, muito menos afetivo.
- Ei, está falando com Delta, lembra-se? Sua velha amiga. - Ao longo dessa
semana, em todas as noites em que o vi tocar, percebi que você estava tocando
como se estivesse pensando em uma mulher. Hoje apareceu mais cedo, e está
tocando como um homem que teve problemas com uma mulher. Por acaso
discutiu com aquela garota?
- Não. Ambos temos mais o que fazer do que ficar discutindo.
- Ela ainda o está tirando do sério, não é? - Delta riu.
- Algumas mulheres exigem um pouco mais de romance do que outras.
- Isso não tem nada a ver com romance.
- Talvez seja justamente esse o seu problema. - Delta circundou o braço sobre
os ombros dele, afagando-o com carinho. - Já comprou flores para ela? Disse
que ela tem olhos lindos?
- Não. - Droga, já havia comprado flores para Cybil. Mas o receio de se
desapontar o levara a se conter.
- O que sentimos um pelo outro é apenas atração física. Não tem nada de
romântico - completou.
- Oh, meu querido. Se quiser realmente conquistar uma mulher como Cybil,
terá de ser romântico, por mais que deteste a idéia.
- Por isso mesmo é que quero ficar bem longe dela. Quero continuar com minha
vida simples. - Posicionando o sax, arqueou uma sobrancelha. - Agora vai me
deixar tocar, ou quer me dar mais algum conselho a respeito da minha vida
amorosa?
Delta balançou a cabeça negativamente, dando um passo atrás.
- Quando você realmente tiver uma vida amorosa, meu caro, pensarei em lhe
dar conselhos.
Preston recomeçou a tocar, enquanto ouvia a música em sua mente. Em seu
sangue. No ritmo de sua pulsação. Como sempre, tocou a música com todo seu
sentimento, mas não conseguiu impedir-se de continuar pensando em Cybil.
Talvez acabasse se acostumando com isso, pensou. Com aquela constante
fixação em querer saber o que Cybil estaria fazendo e pensando.
A música continuou a sair do sax feito o lamento de um homem desesperado.
Então ela passou pela porta. Seus olhos, cheios de segredos, encontraram os
dele através da neblina do ambiente. O modo como ela lhe sorriu ao se sentar à
mesa, fez as mãos de Preston começarem a suar. Ela umedeceu os lábios e
deslizou o dedo indicador sobre a frente do vestido, em um gesto sensual.
Preston ficou olhando, hipnotizado, enquanto, com movimentos provocantes,
ela cruzava as pernas esguias cobertas por sensuais meias de seda fumê.
Depois, a maneira como ela deslizou a mão do joelho até o quadril era
designada justamente a fazer o olhar de um homem acompanhar o movimento.
E foi o que ele fez, com a respiração alterada.
Ela continuou ouvindo a música e mantendo aquele brilho provocante no olhar.
Quando as últimas notas ecoaram no ambiente, ela passou a língua sobre os
lábios cobertos por um intenso batom vermelho.
Então Cybil se levantou e, sem desviar os olhos dos dele, passou a mão pelo
quadril, girou sobre aqueles saltos arrasadores e se encaminhou para a saída.
Antes de passar pela porta, porém, virou-se uma última vez para ele e lançou-
lhe um convite silencioso com um mero arquear de sobrancelha.
O murmúrio que escapou dos lábios de Preston, quando ele afastou o sax, foi
de absoluta reverência.
- Não vai fazer nada, meu amigo?
Preston começou a guardar o instrumento na maleta.
- Por acaso pareço idiota, André?
- Não. - O marido de Delta riu e continuou tocando o piano. - Definitivamente
não.
CAPÍTULO VII
Cybil o estava esperando na calçada quando ele saiu. De pé, sob a luz de um
poste elétrico, mantinha uma mão sobre o quadril, a cabeça ligeiramente
inclinada e um ar de riso nos lábios.
A imagem fez Preston pensar naquelas fotos em preto-e-branco, tiradas por
fótógrafos profissionais para serem incluídas em revistas de moda. "Sexy em
preto-e-branco", foram as palavras que lhe vieram à mente.
Ele foi se aproximando devagar, notando mais detalhes conforme a distância
entre eles ia se tornando menor. Os sedosos cabelos castanhos emolduravam o
rosto delicado de um modo discreto e sensual ao mesmo tempo. O vestido
preto, curto, moldava cada curva do corpo perfeito, fazendo-o engolir em seco,
ao ter uma visão mais aproximada. Nenhuma jóia para distrair seu olhar. Sapatos com salto alto e transparente delineando pernas completamente esguias.
Deus, ela queria mesmo matá-lo.
As únicas cores intensas no visual de Cybil eram a de seus olhos verdes e a de
seus lábios pintados de rubro. Lábios que, segundo ele logo notou, encontravam-se ligeiramente curvados, com um ar de satisfação feminina.
Estava a três passos dela quando um delicioso perfume lhe invadiu as narinas,
deixando-o excitado e expectante ao mesmo tempo.
- Olá, vizinho - disse ela, em um tom sensual.
Preston inclinou a cabeça, arqueando uma sobrancelha.
- Mudança de planos... vizinha?
- Espero que não.
Cybil se aproximou mais, deslizando as mãos deliberadamente sobre os braços,
os ombros e o pescoço dele. Então moldou o corpo ao dele, antes de sorrir e
dizer:
- Os planos eram para nós dois, seu bobo.
Imaginou se fora o esclarecimento ou o insulto velado que o levou a estreitar o
olhar, com um ar especulativo.
- É mesmo?
- Preston - disse ela, aproximando-se até deixar seus lábios a centímetros dos
dele. Mantendo os olhos fixos nos dele, umedeceu os lábios devagar.
- Eu não lhe disse que você seria o primeiro a saber?
- Sim. - Com a mão que se encontrava livre, Preston segurou-a pela nuca,
mantendo aqueles lábios convidativos a centímetros dos dele.
- Consegue andar rápido com esses saltos?
Cybil riu, ligeiramente ofegante.
- Não muito. Mas temos a noite inteira, não temos?
- Talvez seja necessário um pouco mais do que isso. - Preston se afastou,
oferecendo a mão a ela.
- Onde conseguiu essa arma letal? O vestido - acrescentou, quando Cybil lhe
lançou um olhar confuso.
- Oh, isso. - Dessa vez, o sorriso dela foi repleto de lisonja.
- Eu o comprei hoje, pensando em você. E quando o vesti esta noite, estava
pensando em como seria acompanhar cada um de seus movimentos quando
você o tirasse de mim.
- Deve ter andado praticando algum método de sedução - concluiu ele.
- Está se mostrando boa demais nisso.
- Posso parar, se estiver se sentindo incomodado...
- Nem pense nisso - Preston a interrompeu.
Parecia incrível que uma simples noite de primavera em Nova York pudesse se
transformar em um tórrida noite de verão nos trópicos.
- Sinto muito por não haver sido mais específica ao escrever o bilhete. Eu
estava com a cabeça cheia de idéias. - Virou-se, satisfeita pela altura de seus
saltos deixá-la com os olhos na altura dos lábios dele.
- E todas elas relacionadas a você.
- Fiquei aborrecido e saí. - Preston não se sentiu tão mal em admitir aquilo
quanto imaginou que se sentiria.
- Sinto muito, mas considero isso lisonjeador. Quando bati à sua porta e
ninguém respondeu, tive essencialmente a mesma reação. Passei muito tempo
me preparando para você. Portanto, também pode se sentir lisonjeado.
- De fato, deve ter levado algum tempo para se arrumar desse jeito - observou
ele.
- Não apenas isso - salientou Cybil, com um sorriso. - Também preparei o
jantar.
Até aquele momento, havia conseguido manter seu coração batendo em um
ritmo normal. Contudo, sentiu que ele acelerou ao chegarem à entrada do
prédio.
- É mesmo? - Preston se surpreendeu.
Cybil notou que ele não pareceu apenas lisonjeado e excitado com tudo aquilo,
mas essencialmente tocado.
- E dos mais saborosos, se me permite dizer - acrescentou ela, seguindo na
frente. - Com um vinho leve para acompanhar e uma taça de champanhe para
a sobremesa.
Ao chegar ao elevador, apertou o botão do terceiro andar e encostou-se em uma
das paredes.
- Pensei em tomarmos o champanhe com a sobremesa na cama - sugeriu,
provocante.
Preston se manteve a um passo dela, sabendo que se a tocasse os dois
acabariam demorando tempo demais no elevador.
- Há algo mais que eu precise saber a respeito de seus planos?
- Oh, não creio que seja necessário eu lhe explicar todos os detalhes.
Dizendo isso, ela saiu do elevador e lançou um de seus sorrisos sedutores por
sobre o ombro, enquanto se encaminhava até a porta de seu apartamento.
Se conseguisse entrar ali sem explodir de desejo, pensou Preston, talvez fosse
capaz de mostrar a ela que também tinha planos.
- E a chave? - perguntou a ela.
- Hum...
Mantendo os olhos fixos nos dele, Cybil insinuou o dedo indicador para dentro
do decote até tocar o metal da chave, deliciando-se ao ver o olhar de Preston se
enevoar de desejo. Então tirou o dedo do decote e o deslizou sensualmente pela
base do pescoço.
- Puxa, acho que não estou conseguindo encontrá-la. Não quer procurá-la para
mim?
Preston chegou à conclusão de que havia acabado de se transformar em um
experimento científico: era possível se permanecer totalmente lúcido e
consciente mesmo sem nenhum vestígio de sangue na cabeça.
Insinuou o dedo ao longo da convidativa curva do decote de Cybil e foi
penetrando-o devagar, até encontrar a renda da lingerie. Notou quando ela
estremeceu, tornando-se ligeiramente ofegante. Então insinuou o dedo mais
para dentro, tateando a pele macia até roçar o mamilo de Cybil, que se tornou
túrgido sob seu toque. Os olhos verdes se tornaram enevoados e ela os fechou
devagar.
- Acho que foi você quem andou praticando - murmurou ela, fazendo-o sorrir.
- Estou apenas fazendo o que me pediu.
- E melhor do que eu esperava - ela confessou. - Não se detenha por minha
causa.
Preston não pretendia mesmo parar. Pelo menos pelas horas seguintes.
- Parece que a encontrei - anunciou ele, tateando a chave.
- Sim. - Cybil deixou escapar um longo suspiro. - Eu sabia que você
conseguiria.
Retirando a chave do seu esconderijo, segurou-a no ar.
- Convide-me para entrar, Cybil.
- Entre.
Preston abriu a porta e puxou-a delicadamente para dentro, antes de voltar a
girar a chave na fechadura, isolando-os do resto do mundo.
- Vamos jantar? - perguntou Cybil, quando ele pousou as mãos em sua cintura.
- Isso pode esperar.
Quando passaram pelo telefone, ele o tirou do gancho.
- Quer vinho?
- Depois - foi a resposta. - Bem depois... Quando chegaram à base da escada,
Cybil he
sitou. Preston sorriu com charme e disse:
- Continue subindo.
Com as pernas trêmulas, ela começou a subir devagar.
- Peça-me para tocá-la.
Cybil sentiu um arrepio ao ouvir a voz aveludada de Preston tão próxima a seu
ouvido.
- Toque-me.
Suspirou quando as mãos dele deslizaram sobre seus quadris. Ao chegarem ao
alto da escada, Preston a virou de frente para ele. Fitando-a nos olhos, falou:
- Peça-me para prová-la.
- Prove-me.
E gemeu quando Preston deslizou a ponta da língua pela base de seu decote.
No momento em que alcançaram a porta do quarto, ele lhe mordiscou o lóbulo
da orelha e a delicada curva de seu pescoço, deixando-a sedenta por um beijo.
- Beije-me, Preston.
- Vou beijar - respondeu ele, roçando o canto dos lábios dela com a ponta da
língua.
- Assim que eu acender a luz.
- Não, eu espalhei velas perfumadas pela casa. - Dizendo isso, ela pegou uma
caixa de fósforos, mas desistiu de usá-la.
- Não vou conseguir - confessou.
- Estou tremendo muito. Não é ridículo?
Preston pegou a caixa de fósforos.
- Quero que fique trêmula - afirmou ele.
- Fique aqui - pediu, indo acender as velas.
Em pouco tempo, o ambiente do quarto se tornou agradavelmente iluminado,
com um suave perfume se espalhando no ar. Deixando os fósforos de lado,
Preston voltou para junto dela.
- Agora... - Puxou-a para si.
- Peça-me para possuí-la.
Cybil não desviou os olhos dos dele.
- Me possua.
Os lábios de Preston capturaram os dela, em um beijo intenso e exigente. Cybil
se rendeu a ele sem receio, unindo a chama de seu desejo à do desejo de
Preston. Fora por isso que ansiara. Por aqueles gestos incontidos e aquela
exigência silenciosa. Aquela tormenta de sentidos, verdadeira guerra de
emoções e desejos.
- Eu te quero, Preston - confessou, com voz rouca, beijando-o com voracidade.
- Quero tê-lo em minha cama.
Sobressaltou-se quando ele a levantou nos braços de repente. Por um instante,
viu o reflexo de ambos no espelho do quarto. Uma visão perfeita. Excitante.
- Temos a noite inteira - Preston lhe sussurrou ao ouvido.
- Agora fique olhando...
Dizendo isso, ele a deitou na cama e ocultou o rosto junto ao pescoço dela,
antes de ir descendo devagar, mordiscando-a e sugando-a sensualmente por
cima do vestido.
Cybil gemia a cada gesto, trêmula de antecipação. Ficou observando as mãos
de Preston deslizarem para cima até alcançarem seus seios. Então eles os
segurou com ar de possessividade, por cima da seda. Em seguida, começou
uma doce tortura, acariciando-lhe os mamilos por sobre o tecido, fazendo-a
arquear o corpo e desejar que ele a livrasse de uma vez daquele empecilho.
Quando pensou que já houvesse sido suficientemente torturada, gemeu alto
quando Preston tocou seu centro de prazer por cima da seda, deslizando a mão
sensualmente para cima e para baixo.
Foi quando ele voltou a beijá-la, insinuando a língua entre seus lábios. Ela o
havia deixado louco no clube e, pelo visto, ele pretendia revidar aquilo até o
último instante.
- Diga que quer mais.
Cybil estava lânguida, movendo o corpo rendido à sensualidade.
- Preston, por favor...
Ele continuou movendo a mão para cima e para baixo, sentindo o excitante
calor da intimidade de Cybil sob o tecido deslizante.
- Diga que quer mais.
- Oh, Deus... - Cybil inclinou a cabeça para trás, com um gemido ofegante.
- Eu quero mais.
- Eu também.
Esforçando-se para conter a urgência que ameaçava dominá-lo, Preston virou-a
de lado e puxoo zíper do vestido para baixo. Quando livrou Cybil da peça,
jogando-a de lado, não conteve um gemido de prazer.
"Sexy em preto-e-branco", as palavras lhe vieram à mente mais uma vez.
Naquele momento, Cybil notou que o brilho do desejo nos olhos dele se tornou
quase selvagem. E, para sua surpresa, deu-se conta de que era exatamente isso
que ela queria. Queria que Preston a possuísse de um modo incontido, como
que mal conseguindo conter a ânsia do desejo.
Levada por um ímpeto de sensualidade, guioas mãos dele até seus seios.
- Comprei esta lingerie hoje - sussurroumantendo as mãos sobre as dele.
- Para que voca tirasse de mim esta noite.
Então entrelaçou os dedos nos dele, quando Preston deslizou a mão sobre a
renda macia.
Sobressaltou-se quando, com um gesto súbito ele abriu o fecho, localizado na
frente da peça. Os seios eretos finalmente se libertaram, preenchendo a visão
de Preston com a imagem de algo que precisava ser tocado, saboreado.
Capturando um dos mamilos entre os lábios, lambeu-o e mordiscou-o até que o
bico se tornasse túrgido e úmido, feito uma fruta recém-provada. Ofegante,
Cybil gemia de puro prazer, perguntando-se se conseguiria sobreviver a tanto
prazer. Quando pensou que fosse explodir, sentiu seu outro mamilo ser
submetido à mesma tortura deliciosa que levou seu corpo a se arquear e a
ondular sobre os lençóis.
Com um sorriso de satisfação se insinuando nos lábios, Preston deslizou a mão
para dentro da outra peça de lingerie. E, em questão de segundos, levou Cybil a
emitir um gemido sensual e prolongado, rendida a seu primeiro ápice de prazer.
Então livrou-a daquela última peça, ao notar que ela queria mais.
Um perfume sensual lhe invadiu as narinas, enquanto Cybil levava as mãos à
sua roupa, também ansiosa para despi-lo. Quando Preston se livrou da camisa,
adorou sentir os dedos femininos afundando em suas costas, enquanto ela o
puxava mais para junto de si. Com as mãos e a boca tão impacientes e ávidas
quanto as dele, não demorou muito para que ela também o ajudasse a tirar as
peças restantes.
No momento em que ambos finalmente se uniram em um abraço íntimo,
durante o qual Preston a possuiu por completo, a explosão final de prazer não
tardou a chegar. Passo a passo, movimento a movimento, o ritmo que envolvia
os corpos nus foi se tornando cada vez mais intenso, até Cybil arquear o corpo
em um espasmo mais prolongado.
Seduzido pelo prazer de vê-la sentir prazer, Preston observou o lindo rosto
absorver a chama do desejo para expulsá-la novamente na forma de um longo e
prazeroso gemido sensual. Então, finalmente ele sentiu-se livre para se
entregar. Quando veio, seu próprio clímax o arrebatou com a força que move
uma tempestade que chega em meio a um vento e uma chuva intensos, para
depois ceder lugar à calmaria, à tranqüilidade.
Os dois permaneceram deitados naquele abraço íntimo por um longo tempo.
- Ainda estamos respirando? - Cybil foi a primeira a quebrar o silêncio.
Deitando-se ao lado dela, Preston pousou a mão em seu pescoço, examinandolhe a pulsação.
- Seu coração ainda está batendo.
- Ótimo. E o seu?
- Também parece estar.
- Tudo bem - falou ela. - Então talvez seja mais seguro ficarmos aqui pelos
próximos cinco ou dez anos. Somente então acho que terei forças para me
mexer.
Preston levantou a cabeça. Mesmo mantendo os olhos fechados, Cybil sabia
que estava sendo observada por ele, mas não se importou com isso. Com um
sorriso, disse:
- Eu consegui provocá-lo, Preston McQuinn. E foi incrivelmente bom vê-lo
responder à altura da provocação.
- Era o mínimo que eu poderia fazer.
- Nunca alguém me fez sentir assim antes. - Cybil abriu os olhos.
- Ninguém me tocou dessa maneira antes.
Assim que terminou de falar, Cybil percebeu que havia cometido um erro, pela
maneira como Preston se retraiu. Eles poderiam até haver compartilhado algo
maravilhoso, mas, para ele, aquilo não poderia ser confundido com nada além
de atração física.
- Tem mãos maravilhosas - disse Cybil, notando a tensão no semblante dele e
tentando recuperar a atmosfera de antes.
- Definitivamente milagrosas - insinuou, com um sorriso.
- Você também tem detalhes bem interessantes.
Preston deitou de costas, aborrecido consigo mesmo por estar querendo manter
certa distância enquanto Cybil o olhava com tanta ternura no olhar. Mas não
podia permitir que as coisas se confundissem entre eles. Se isso acontecesse,
teriam de romper para sempre. Seu lado sonhador e romântico havia
desaparecido havia muito tempo.
Cybil notou que Preston continuava muito tenso. Queria abraçá-lo e aninhar
seu corpo junto ao dele, mas achou melhor se conter. "Mantenha as coisas
simples", disse a si mesma. "Ou ele irá embora por aquela porta e nunca mais
voltará."
Sentando-se na cama, passou a mão pelos cabelos desalinhados.
- Acho que aquele vinho cairia bem agora, não?
- Sim. - Preston deslizou a mão pelas costas dela. Tinha de fazer aquilo e
manter o contato com ela de alguma maneira.
- Mencionou algo sobre jantar antes?
- Tenho um jantar maravilhoso esperando por você - respondeu Cybil, com um
sorriso. - Inclinando-se, beijou-o nos lábios.
- Está tudo pronto, exceto o crepe de marisco, que eu vou preparar diante de
seu olhar espantado.
- Vai cozinhar?
- Hum-hum.
Preston ficou olhando ela se levantar e ir até o guarda-roupa.
- Para que isso?
- Isto? Chama-se robe - respondeu Cybil, com um sorriso, vestindo a peça. Geralmente é usado para encobrir a nudez.
Ele também se levantou e se aproximou dela.
- Tire isso - mandou, abrindo o cinto do robe.
Cybil sentiu um arrepio pelo corpo.
- Pensei que quisesse jantar.
- E quero. Mas também quero vê-la cozinhar...
- Então... Oh. - Cybil riu novamente, voltando a fechar o robe.
- Não vou cozinhar crepes nua. Essa sua fantasia é perigosa demais para o meu
gosto.
Preston olhou para os lados.
- Na verdade, eu estava pensando se você não teria algo mais... - Ele olhou para
a cama, onde as peças de lingerie haviam sido deixadas.
- Mais parecido com aquilo.
Surpresa, depois intrigada, Cybil arqueou as sobrancelhas.
- Uma mulher inteligente nunca tem apenas um único conjunto sedutor de
lingerie - admitiu ela.
- Tenho outro conjunto como esse, só que vermelho.
Um sorriso charmoso se insinuou nos lábios dele.
- Então por que não o veste? Estou com fome.
Preparar crepes vestida com uma lingerie sensual tinha lá seus riscos, mas
também era compensador.
Cybil logo teve a chance de descobrir como era ser acariciada junto à porta da
despensa: incrível. E "nocauteada" sobre o tapete da sala. Inacreditável.
Oh, e fazer amor sob o jato quente e intenso da água do chuveiro foi uma
experiência que ela logo se mostrou ávida por repetir.
Preston passou a noite acariciando-a, nunca parecendo completamente
satisfeito mesmo tendo Cybil bem ali, a seu lado. E a atitude dela em relação a
ele também não era muito diferente disso. Os dois estavam tão sintonizados
que, por vezes, chegavam a dizer uma mesma palavra ao mesmo tempo. Então,
logo caíam na risada, compartilhando uma atmosfera de cumplicidade.
As velas perfumadas já haviam se apagado em meio a pequenas poças de
parafina e a única luz presente no quarto era a da lua, entrando suavemente
pela janela e pairando sobre parte da cama onde Cybil finalmente adormeceu,
exausta.
Quando acordou, estava sozinha. Sabia que não deveria haver se importado
com o fato de Preston não ter dormido com ela. Afinal, não era mesmo para ser
assim entre eles. Sabia disso, aceitava isso. Nada de palavras de carinho ou de
atitudes que pudessem unir suas almas mais intimamente.
A intimidade entre eles se limitava ao nível físico e as questões ligadas ao
coração eram problema dela, somente dela.
Como Preston poderia saber que ela nunca se entregara tão completamente a
nenhum outro homem? Por que deveria esperar que ele percebesse que a
intensa atração entre eles, pelo menos de sua parte, era sinal de amor?
Pensando nisso, massageou os olhos cansados por alguns segundos e saiu da
cama.
Havia entrado no relacionamento com os olhos abertos, concluiu, enquanto
arrumava o quarto. Conhecia as limitações do contexto e as de Preston. Os dois
poderiam permanecer juntos e desfrutar a companhia um do outro, desde que
certos limites não fossem cruzados.
Então, que assim fosse. Não iria ficar se preocupando e suspirando por causa
disso. Tinha o controle de suas próprias emoções, era responsável por suas
ações, e não iria ficar chorando pelos cantos só porque estava apaixonada por
um homem fascinante sem ser completamente correspondida.
- Droga! - Jogou os sapatos dentro do guarda-roupa. - Droga! Droga!
Deitando-se sobre a cama, pegou o telefone, levada por um impulso. Precisava
falar com alguém, desabafar de alguma maneira. E quando se tratava de uma
questão vital, como essa, só havia uma pessoa a quem ela poderia recorrer.
- Mamãe? Oh, mamãe, estou apaixonada - disse e explodiu em lágrimas.
Os dedos de Preston se movimentavam com agilidade sobre o teclado. Tivera
menos de três horas de sono, mas sentia-se renovado e com a mente clara. Seu
primeiro roteiro mais importante havia sido como que arrancado de seu ser,
palavra por palavra, em um processo quase doloroso. Mas dessa vez estava
sendo diferente. As palavras fluíam com a mesma facilidade de um bom vinho
saindo de uma garrafa para um cálice fino, pronto para ser saboreado e
elogiado.
A peça estava cheia de vida. E pela primeira vez em muito tempo, também era
assim que ele estava se sentindo.
Estava conseguindo ver tudo com perfeição: os cenários, o posicionamento dos
atores no palco e o modo de eles interpretarem seu texto. Estava criando um
mundo em três atos.
Havia energia em tudo aquilo, dentro de cada um daqueles personagens que se
formavam nas páginas de seu roteiro e que já criavam vida no palco, dentro de
sua mente. Conhecia cada um deles e a maneira como seus corações iriam se
entregar e se desiludir.
O tênue fio de esperança que permeava suas vidas ainda não havia sido
planejado, mas se encontrava lá, em algum recanto da mente de Preston, e
pronto para ser expressado.
Escreveu até sentir-se zonzo. Então olhou para a sala, meio desorientado.
Estava escuro, exceto pela pouca luz oferecida pela luminária sobre a mesa e
pela tela do computador. Não tinha idéia de que horas eram e nem mesmo da
data, para dizer a verdade.
Seu pescoço e ombros estavam doloridos, seu estômago vazio e seu café havia
sido esquecido na xícara sobre a mesa.
Ficando de pé, massageou a nuca e foi até a janela, onde afastou as cortinas.
Somente então notou que havia uma tempestade se preparando para castigar a
cidade. Os flashes de alguns relâmpagos anunciavam que ela não tardaria a
chegar, fazendo os pedestres acelerarem os passos, devido ao receio de serem
apanhados pela chuva.
Um camelô na esquina não perdera tempo em anunciar seus guarda-chuvas,
objeto do qual todo mundo em Nova York só parecia se lembrar no último
instante em que precisava dele.
Imaginou se Cybil também estaria olhando a cidade através da janela e vendo
aquela mesma cena. Então começou a devanear, vendo em sua mente a
imagem de Cybil interpretando um fato simples, como uma chuva na cidade,
sob um aspecto todo engraçado e gozador.
Provavelmente ela criaria "O Homem do Guarda-Chuva", concluiu ele, com um
sorriso se insinuando nos lábios. Criaria toda uma biografia para ele, vestiria o
sujeito de preto, daria-lhe um nome esquisito e criaria uma série de histórias
com ele. Então ele passaria a fazer parte do mundo de Cybil.
Sem dúvida, ela tinha o dom de trazer as pessoas para seu mundo. Ele próprio
estava fazendo parte dele no momento. Não conseguira deixar de passar por
aquela porta colorida que dava acesso à vida de Cybil e entrar naquele universo
confusões, alegrias e muita energia. Cybil parecia não compreender que Preston
não pertencia àquele mundo.
Quando se encontrava dentro dele, cercado pela energia contagiante de Cybil,
era como se pudesse ficar ali para sempre. A vitalidade de Cybil fazia tudo
parecer simples e extraordinário ao mesmo tempo.
Como uma tempestade sobre a cidade, pensou ele. Mas tempestades passavam.
Ele quase se deixara levar naquela manhã. Quase se rendera ao desejo de
continuar naquela cama quente, junto àquele corpo perfeito que se aninhara ao
seu durante o sono.
Cybil era tão carinhosa, tão receptiva... O que lhe invadiu a alma enquanto ele
a olhava sob a luz suave da lua entrando pela janela, fora um tipo diferente de
desejo. Um desejo que ameaçava ficar e, perigosamente, estabelecer território.
Por isso, fora mais seguro para ambos ele sair e deixá-la dormindo sozinha.
Fechou as cortinas com um gesto decidido e desceu para o andar de baixo.
Preparou café fresco, procurou algo para comer e pensou em tirar um cochilo.
No entanto, as lembranças da noite que passara ao lado de Cybil não lhe saíam
da mente e ele sabia que os efeitos disso não o deixariam descansar por algum
tempo.
O que ela estaria fazendo naquele momento? Não iria bater à porta do
apartamento dela e interromper seu trabalho só porque o dele estava
terminado. Só porque a visão daquela chuva o fizera se sentir inquieto e
sozinho. Só porque ele a queria.
Gostava de ficar sozinho, lembrou a si mesmo, enquanto atravessava a sala.
Necessitava da solidão para realizar seu trabalho.
Ainda assim, o desejo de se sentar ao lado de Cybil para observar aquela chuva
continuou a torturá-lo. Sentiu o corpo esquentar ao se imaginar fazendo amor
com ela com o barulho da chuva batendo contra a janela do quarto. Perfeito.
Ele a queria, admitiu, e com intensidade demais para seu próprio conforto.
Quando uma mulher entrava tanto assim na vida de um homem, mudava-o
inevitavelmente, deixando-o vulnerável a cometer erros e a expor partes de si
que seria melhor serem mantidas na obscuridade.
Mas Cybil não era Pamela. E ele não era nenhum idiota que acreditava que
toda mulher fosse mentirosa e manipuladora. Se conhecia alguém sem nenhum
potencial para a crueldade e o fingimento, esse alguém era Cybil Campbell. Mas
isso não mudava o fator principal.
A distância entre querer ter por perto e amar era muito curta. Quando um
homem passava por isso e sofria uma grande decepção, aprendia a manter o
equilíbrio entre ambas as coisas, para seu próprio bem. Não queria aquela
sensação de desespero e de vulnerabilidade que andava de mãos dadas com a
verdadeira intimidade.
Mas já se acreditava incapaz de sentir tais coisas, o que significava que não
havia com que se preocupar. Tomando um gole de café, olhou para a porta
como se pudesse enxergar através dela. Cybil não estava pedindo nada além de
paixão, companheirismo e prazer. Exatamente como ele. Estava ciente de que o
envolvimento entre eles era temporário. De que ele iria embora dentro de
algumas semanas e que suas vidas retomariam a rotina de antes, seguindo por
caminhos diferentes. Ela com sua multidão de amigos, ele com sua segura
solidão.
Colocou a xícara sobre a pia com mais ímpeto do que o necessário, e foi
somente então que se deu conta de que a idéia não o agradara.
Poderiam continuar se vendo de vez em quando, disse a si mesmo, andando de
um lado para outro. Sua casa, em Connecticut, era um refúgio seguro, longe de
toda aquela loucura da cidade. Não fora justamente por isso que a escolhera?
Já passara tempo demais na cidade, e não havia motivo para continuar ali além
do necessário. Além disso, havia também a possibilidade de Cybil acabar
encontrando outra pessoa, concluiu, enfiando as mãos nos bolsos. Afinal, por
que uma mulher maravilhosa como ela iria ficar esperando suas visitas
esporádicas?
Mas isso não o incomodava, pensou ele, sentindo as têmporas latejarem. Quem
estava pedindo a ela que o esperasse? Claro que Cybil tinha a liberdade de se
envolver com o primeiro idiota que a procurasse, provavelmente por indicação
de alguma amiga ou vizinha abelhuda.
Ah, mas isso não, concluiu. Não mesmo.
Sem hesitar, foi até a porta do apartamento dela com a intenção de deixar
algumas coisas bem claras. E a abriu bem a tempo de ver Cybil caindo nos
braços de um homem alto e atlético.
- Continua sendo a garota mais bonita de Nova York - disse ele, fitando-a com
um olhar carinhoso. - Agora me dê um beijo.
Cybil se mostrou mais do que disposta a obedecer, segundo Preston pôde notar
de onde estava.
CAPÍTULO VIII
- Matthew! Por que não disse que viria? Quando chegou? Quanto tempo vai
ficar? Oh, estou tão feliz em vê-lo! Deus, mas você está todo molhado. Entre e
tire essa jaqueta. Quando vai comprar uma nova? Essa aqui parece que passou
por uma guerra!
Matthew apenas riu e abraçou-a mais uma vez, levantando-a do chão e dandolhe um beijo sonoro.
- Continua tagarela.
- Você sabe que eu não consigo parar de falar quando estou feliz. Quando... Oh,
você está aí, Preston. - Ela foi até a porta, com um brilho de felicidade no olhar.
- Não vi que estava aí.
- Isso ficou evidente - respondeu ele, contendo a vontade de agarrar o sujeito
pelo colarinho e colocá-lo para fora do apartamento. –
Mas não interrompam o encontro por minha causa.
- Matthew, esse é Preston McQuinn - Cybil os apresentou.
- McQuinn? - Matthew sorriu, mostrando os dentes muito alvos, sem sequer
desconfiar que Preston estava com vontade de acertá-los com seu punho. - O
roteirista de teatro. Vimos seu trabalho da última vez em que estive na cidade.
Cybil chorou um bocado. Tive praticamente de ampará-la para fora do teatro.
- Não exagere, Matthew. Eu não fiquei tão mal assim.
- Ficou, sim. Se bem que você é do tipo que chora até vendo comerciais de tevê.
Então não sei se todo aquele seu sentimentalismo contou muito...
- Oh, Matthew, como você gosta de me provocar e... Oh, o telefone. Esperem um
minuto, eu já venho.
Cybil foi atender ao telefone na cozinha, deixando os dois se entreolhando com
ar desconfiado.
- Sou escultor - declarou Matthew, contendo o riso. - E já que preciso da mão
para trabalhar, acho melhor ir logo dizendo que sou irmão de Cybil, antes de
oferecê-la para cumprimentá-lo.
- Irmão? - O olhar ameaçador de Preston se amenizou um pouco, mas não
desapareceu por completo.
- Não se parece muito com ela.
- Todo mundo diz isso. Mas se quiser conferir minha identidade...
- Era a sra. Wolinsky - anunciou Cybil, voltando para a sala. - Ela o viu
entrando, mas não conseguiu abrir a porta a tempo de cumprimentá-lo. Acho
que ela queria apenas dizer que você está mais bonito do que nunca. Sorrindo, apertou as bochechas dele. - Ele não é lindo?
- Não comece.
- Ah, mas você é mesmo. Tem um rosto lindo, desses que fazem as mulheres
suspirarem. – Ela sorriu e pegou a mão de Preston. - Venha, vamos beber algo
para comemorar.
Ele fez menção de recusar, então deu de ombros. Não faria nenhum mal passar
alguns minutos ao lado de Cybil e do irmão dela.
- Com que tipo de escultura você trabalha?
- Esculturas de metal - respondeu Matthew, tirando a jaqueta e jogando-a
sobre uma cadeira.
Cybil, porém, pegou-a no mesmo instante.
- Vou pendurá-la no banheiro para secar. Preston, sirva-nos um pouco de
vinho, sim?
- Claro.
- Não tem cerveja? - indagou Matthew, arqueando uma sobrancelha ao ver a
familiaridade com que Preston foi até a cozinha, procurar a bebida.
- Tem, sim. - Preston tirou duas latinhas da geladeira e abriu-as, antes de
servir vinho para Cybil.
- Você trabalha na região sul?
- Isso mesmo - Matthew respondeu. - Para mim, é mais prático ficar em Nova
Orleans do que na Nova Inglaterra. Raramente chove por lá e isso me dá mais
oportunidade de trabalhar ao ar livre. Cybil não havia falado de você. Quando
se mudou para cá?
Preston tomou um gole de cerveja , notando que os olhos de Matthew eram
quase da mesma cor dos cabelos de Cybil. Um tom de uísque envelhecido.
- Mudei-me há pouco tempo - respondeu.
- Age rápido, não? - insinuou Matthew.
- Dependendo do meu interesse...
- Preston - Cybil suspirou ao entrar na cozinha -, poderia pelo menos ter
servido a cerveja em copos, não?
- Não precisamos de copos - respondeu Matthew, dando uma piscadela para
Preston.
- Bebemos diretamente da lata, como homens de verdade, não é, McQuinn?
Cybil riu.
- Então não vai nem querer o queijo temperado e o patê com torradas que eu
pretendia lhe oferecer para acompanhar a bebida? - provocou ela.
- Quem disse? - indagou Matthew, em um tom de protesto, sentando-se em um
dos banquinhos diante do balcão.
- Você tinha quatro dessas banquetas, não tinha?
- Oh, emprestei uma para Preston. O que veio fazer em Nova York, Matthew? perguntou ela, examinando o que havia na geladeira.
- Vim fazer alguns contatos para minha próxima exposição. Estou aqui apenas
há alguns dias.
- E se hospedou em um hotel, não é? - questionou Cybil, com ar ofendido.
- Essa sua "política de boa vizinhança" me deixa louco, irmãzinha. - Olhando
para Preston, continuou: - Está aqui há algum tempo, não é? Então já deve ter
visto como este apartamento vive cheio de gente. É um horror. Ela deixa... - ele
fez um ar dramático -...as pessoas entrarem aqui a todo momento.
- Matthew é um recluso profissional - explicou Cybil, começando a arrumar a
mesa. - Vocês dois vão se dar muito bem. Preston também não gosta de ter
contato com muitas pessoas.
- Ah, finalmente alguém com bom senso. - Matthew sorriu para Preston,
concluindo que certamente os dois iriam se dar bem.
- Certa vez, cometi a tolice de pedir para ficar aqui - continuou ele, pegando
uma torrada. - Foi um pesadelo. Três dias vendo gente entrando sem bater,
falando alto e trazendo seus parentes e bichos de estimação.
- Era apenas um cachorrinho.
- Que insistiu em ficar no meu colo, sem ser convidado, e depois comeu minhas
meias.
- Se você não tivesse deixado no chão, ele não as teria comido. Além do mais,
ele só as furou um pouquinho.
- Isso é uma mera questão de perspectiva - salientou Matthew. - De qualquer
maneira, em um hotel, as únicas pessoas que entram e saem são os
funcionários, e eles batem à porta antes de entrar e não trazem "cachorrinhos"
consigo. - Aproximando-se apertou o queixo dela com carinho.
- Mas vou deixar que cozinhe para mim, irmãzinha.
- Você é o melhor irmão do mundo, Matthew.
- Já comeu o rocambole de frango que ela faz, McQuinn?
- Acho que ainda não.
- Não sabe o que está perdendo - completou Matthew, com um sorriso.
Voltando-se para Cybil, acrescentou: - Esse pode ser nosso cardápio para hoje,
irmãzinha?
Ela revirou os olhos.
Não deixava de ser uma maneira interessante de passar á noite, pensou
Preston algum tempo depois, observando Cybil conversar com o irmão.
Lembrava-se de que o relacionamento que tinha com sua irmã era mais ou
menos como aquele. Pelo menos até Pamela aparecer em sua vida.
Depois disso, evidentemente que continuara a haver afeição entre eles, mas a
descontração desaparecera. Com freqüência, passara a se sentir pouco à
vontade na presença da própria irmã, coisa que nunca acontecera antes.
Mas ficar pouco à vontade era algo que estava longe da atmosfera familiar que
envolvia os Campbell. Cybil e Matthew contavam histórias embaraçosas a
respeito um do outro com a mesma facilidade com que contavam piadas,
caindo na gargalhada como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
Algumas horas depois, ao deixar o apartamento de Cybil, pensou na
possibilidade de trabalhar algumas características dos dois em seus personagens, no segundo ato de sua peça, para dar ao texto um ar mais leve e
cômico.
Trabalhar seria seu melhor consolo pelo resto da noite, já que, pelo visto, Cybil
ficaria algum tempo ocupada com assuntos familiares.
- Gostei do seu amigo - falou Matthew, sentando-se no sofá e esticando as
pernas, enquanto saboreava o conhaque que Cybil havia aberto em sua
homenagem.
- Que bom, porque eu também gostei de Preston.
- Ele pareceu um pouco sério demais para você.
- Ah, bem... - Cybil sentou-se ao lado dele. - Mudar um pouco de estilo de vez
em quando não faz mal a ninguém.
- É só isso que ele representa para você? - Matthew deu-lhe um carinhoso
puxão de orelha. - Notei que vocês não perderam tempo em aproveitar ao
máximo o momento em que os deixei sozinhos, quando fui dar um telefonema
lá em cima.
- Se estava dando um telefonema, como pode saber o que eu e Preston
estávamos fazendo? A menos que tenha ficado nos espiando...
Ela sorriu e pestanejou, não tardando a levar outro puxão de orelha.
- Eu não estava espiando. Apenas olhei por acaso para o andar de baixo, em
um momento bastante estratégico. Além disso, também notei o detalhe de
Preston haver olhado para você, por várias vezes durante o jantar, como se
estivesse considerando-a mais apetitosa do que o prato principal. Então somei
dois mais dois e tirei minhas próprias conclusões.
- Você sempre foi brilhante, Matthew. Portanto, acho melhor eu confessar a
verdade de uma vez, já que está sendo intrometido: Preston e eu estamos
juntos.
- Você está dormindo com ele.
Cybil arregalou os olhos deliberadamente.
- Matthew! - exclamou, fingindo estar escandalizada. - Claro que não! Nós
decidimos trocar apenas alguns beijinhos e tentar lidar com o resto apenas
como bons amigos.
Matthew estreitou o olhar.
- Você sempre foi muito engraçadinha.
- Foi assim que conquistei minha fama e minha fortuna, meu caro.
- E agora está mantendo a "fortuna" transformando McQuinn no amigo muito
sério e carrancudo de Emily.
- Como eu poderia resistir?
Matthew tamborilou os dedos sobre o braço do sofá. - Emily acha que está
apaixonada por ele. Cybil não disse nada por um momento, então balançou a
cabeça negativamente.
- Emily é uma personagem de quadrinhos que faz o que eu digo para ela fazer,
Matthew. Ela não sou eu.
- Mas tem características suas, e algumas das mais provocantes e inusitadas.
- É verdade - admitiu Cybil. - Por isso gosto dela.
Matthew deixou escapar um suspiro e tomou outro gole de conhaque.
- Ouça, Cyb, não quero me intrometer na sua vida pessoal, mas continuo sendo
seu irmão mais velho.
- E você cumpre tão bem esse papel, Matthew. - Ela o beijou no rosto. - Não
precisa se preocupar comigo. Preston não está se aproveitando, e nem vai se
aproveitar de sua irmãzinha. - Ela provou um gole da bebida dele. - Na verdade,
eu me aproveitei dele. Preparei biscoitos de chocolate para ele e, desde então,
Preston se tornou meu escravo e amante.
- Lá vem você com essa língua solta de novo - ralhou ele, parecendo tomado por
um raro momento de embaraço. Ficando de pé, deu alguns passos pela sala.
- Tudo bem, não quero saber os detalhes, mas...
- Oh, mas eu estava tão ansiosa para contar tudo a você... Principalmente
sobre a parte dos vídeos caseiros...
- Chega, Cybil. - Matthew passou a mão pelos cabelos, dessa vez parecendo
realmente embaraçado. - Sei que é uma mulher adulta e que é incrivelmente
bonita, apesar desse nariz.
- Ei! Meu nariz é muito bonito, ouviu?
- Trabalhamos duro na terapia familiar para fazê-la acreditar nisso. Ainda bem
que você conseguiu superar tão bem essa deformidade.
Cybil não conteve o riso.
- Oh, cale essa boca, Matthew.
- Mas, voltando a falar sério, tudo que eu quero lhe pedir é que tome cuidado.
Entendeu? Cuide-se.
Cybil ficou de pé, fitando-o com olhar carinhoso.
- Eu te amo, Matthew. Apesar desse seu cacoete horroroso.
- Ei! Não tenho nenhum cacoete!
- Trabalhamos duro na terapia familiar para fazê-lo acreditar nisso. - Rindo, ela
enlaçou os braços em torno do pescoço dele e o abraçou com carinho.
- É tão bom tê-lo aqui. Não pode ficar por mais tempo?
- Não posso, meu anjo. - Ele pousou o queixo sobre a cabeça dela. - Vou passar
alguns dias em Hyannis. Quero trabalhar um pouco, fazer alguns esboços.
Vovô reclamou que faz tempo que eu não vou visitá-los.
- Oh, ele é mestre em fazer isso. Por acaso, vovó está "morrendo de preocupação
por sua causa"? - falou ela, rindo e afastando-se para fitá-lo.
- Descabelando-se - respondeu ele, também rindo. - Por que não vem também?
Dê um bônus a ele. Assim poderemos salvar um ao outro quando ele começar
com aquela história de nos perguntar por que ainda não estamos casados e
dando bisnetos a ele.
- Bem, ele andou me telefonando algumas vezes nas últimas semanas, sem me
dar a chance de telefonar primeiro. - Cybil tornou-se pensativa por um
instante, considerando os compromissos que tinha para cumprir. - Estou com o
serviço um pouco adiantado, mas tenho um compromisso, depois de amanhã,
que não pode ser adiado.
- Então viaje depois disso - sugeriu Matthew. - Convide Preston para ir com
você. Teremos uma reunião familiar por lá.
- Acho que ele iria se divertir - disse ela. - Vou ver se ele quer me acompanhar.
De qualquer maneira, eu irei.
- Ótimo.
Matthew ficou torcendo para que Preston aceitasse o convite. Iria se divertir
muito vendo seu avô intimando-o a pedir a mão de Cybil.
Como já passava da meia-noite quando Matthew foi embora para o hotel, Cybil
achou melhor tomar um banho e ir direto para a cama. Não havia dormido o
suficiente na noite anterior, e nem Preston. Portanto, a coisa mais prática e
sensata a fazer no momento seria tentar ter seu merecido descanso.
Porém, quando deu por si, já havia atravessado o corredor e estava apertando a
campainha do apartamento em frente ao seu. Estava começando a pensar que
Preston já havia ido dormir quando ouviu a chave girando na fechadura.
- Oi, não quer tomar um último drinque antes de ir dormir?
Ele olhou por cima da cabeça dela, tentando enxergar o interior do apartamento
em frente.
- Onde está seu irmão?
- A caminho do hotel. Abri uma garrafa de conhaque para ele e...
Cybil não se surpreendeu quando, antes mesmo de terminar a frase, Preston
puxou-a para dentro do apartamento, trancou a porta e enlaçou os braços em
torno da cintura dela. E também não se surpreendeu quando os lábios dele
esmagaram os dela em um ávido beijo.
- Pelo visto, não vai querer tomar conhaque - falou ela, ofegante. Sem se
importar com o fato de Preston já haver começado a tirar sua blusa,
acrescentou: - Ou alguma outra bebida.
A força do desejo que sê apoderara dele no momento em que vira Cybil era
quase incontrolável. Saber que poderia tê-la novamente para si deixara-o
ansioso, impaciente para amá-la outra vez.
Cybil também se deixou levar pelo desejo, colando seu corpo ao dele com
gemidos de prazer, enquanto sentia Preston deslizar sua calça para baixo, por
sobre seu quadril. Sim, queria pertencer a ele mais uma vez. E por isso não
perdeu tempo em se livrar do restante das peças que cobriam seu corpo.
Sentiu as mãos de Preston acariciarem seus seios, segundos antes de ele tomar
um dos mamilos entre os lábios, sugando-o e mordiscando-o sensualmente.
Ofegante, Cybil foi deixando pontos avermelhados nas costas de Preston,
causados pelo efeito de suas unhas, em meio ao enlevo de prazer.
A pele acetinada de Cybil era como um convite ao toque e à carícia. Um convite
irrecusável para um homem atormentado pelo desejo. Devagar, ele foi
deslizando os lábios sobre o corpo dela, até alcançar o ponto mais sensível do
corpo de Cybil e sentir os dedos dela se cravarem em seus ombros. Gemidos de
prazer começaram a soar pelo ambiente.
Não era possível que alguém pudesse sobreviver a todo aquele prazer, foi o
último pensamento coerente que passou pela mente de Cybil, antes de ela se
deixar levar completamente. Preston afundou os dedos em suas nádegas,
enquanto a levava à loucura com os lábios e a língua.
Um grito de prazer logo irrompeu em sua garganta, enquanto, por um instante,
o ar pareceu sumir de seus pulmões. Rendida, encostou-se à porta, ainda
entregue aos lábios ávidos de Preston.
Sua postura pareceu acender ainda mais a chama do desejo nele. Preston
deslizou as mãos pela pele úmida de Cybil, enquanto continuava sua doce
tortura com os lábios, exigindo mais, mais...
Até sentir-lhe o corpo recomeçar a estremecer e se mover com cada vez mais
sensualidade, em busca do novo êxtase.
Deixando-a quase no limiar do clímax, Preston levou-a até a única cadeira que
havia na sala. Livrando-se das próprias roupas, sentou-se e puxou-a para si de
maneira quase selvagem. Então guiou-a até seu membro pulsante e ambos
finalmente se tornaram um. Sem deixar de fitá-la nem por um instante,
maravilhou-se ao ver o verde intenso dos olhos dela se escurecerem de prazer.
Então, com um gemido erótico, ela começou a se mover. Dessa vez, seria Cybil
quem ditaria o ritmo do prazer. E ela o fez melhor do que ele poderia esperar. A
cada movimento daqueles quadris perfeitos, Preston sentia como se fosse explodir de prazer a qualquer momento. O gosto da sensualidade de Cybil
permanecia em sua boca, enquanto o excitante aroma de seus corpos unidos
lhe invadia as narinas, enevoando-lhe os sentidos e fazendo-o ansiar pelo alívio
final.
Aqueles sons sensuais e quase selvagens emitidos por Cybil o estavam
deixando louco, assim como o arrebatamento erótico presente na expressão do
rosto dela e naqueles lábios entreabertos.
Preston sentiu que estava muito próximo do clímax e teve de se esforçar para
conseguir se conter mais um instante, só mais um instante, até satisfazer Cybil
completamente.
De fato, não teve de esperar muito, pois logo a viu inclinar a cabeça para trás,
com uma concentrada expressão de êxtase, ao mesmo tempo em que um
gemido mais alto e mais prolongado anunciou a força de seu ápice de prazer.
Então Preston também fechou os olhos, arrebatado por uma intensa onda de
prazer. Gemeu, ao sentir os lábios e a língua de Cybil em seu pescoço, o
complemento perfeito para aquele momento tão especial.
Lembrou-se do que ela havia lhe dito antes, que ninguém a havia tocado como
ele. Também ninguém o havia tocado como ela. No entanto, por mais que fosse
hábil com as palavras, não conseguia imaginar uma maneira de dizer a Cybil
quanto ele a considerava especial.
- Passei a noite inteira querendo fazer isso com você. - Pelo menos isso ele
podia dizer, sem arriscar o futuro de ambos.
- E pensar que eu quase fui dormir. - Com um longo suspiro pleno de
satisfação, Cybil passou a mão pelos cabelos, ajeitando-os. - Eu sabia que esta
cadeira era perfeita para você.
Preston sorriu com charme.
- Eu estava pensando em mandar restaurá-la, mas agora acho que vou mandar
pintá-la de dourado, como uma espécie de troféu.
Ela riu inclinando a cabeça para trás, então voltou a olhá-lo e segurou o rosto
dele entre as mãos.
- Adoro quando você tem esses surtos de bom humor.
- Não estou brincando - declarou Preston, com expressão séria.
- Isso vai me custar uma fortuna.
Queria vê-la rir, fazendo aquele som, do qual ele se tornara quase dependente,
soar pela sala.
Mas Cybil se limitou a sorrir, com um brilho de divertimento no olhar.
- Preston - disse, antes de beijá-lo nos lábios.
O beijo suave, mas intenso, foi como uma espécie de compartilhamento de algo
muito especial. Preston estremeceu. Aqueles dedos carinhosos entrelaçados a
seus cabelos e os lábios doces de Cybil o fizeram ansiar por algo que ele se
recusava a admitir.
Algo muito intenso estava acontecendo em seu ser, tornando suas mãos
trêmulas no esforço de se manter imune àquele turbilhão de sensações. Mas
Cybil era encantadora demais para ele conseguir resistir. Havia cruzado aquela
tênue linha entre querer e precisar, sentindo-se perigosamente próximo do
limite de amar.
Cybil suspirou, encostando o rosto junto ao dele. Se pelo menos Preston
pudesse amá-la tanto quanto ela o amava...
- Está com frio? - perguntou Preston, ao notar a temperatura do rosto dela.
- Um pouquinho. - Ela manteve os olhos fechados por mais algum tempo,
lembrando a si mesma que nem sempre era possível se ter tudo que se queria.
- Estou com sede. Também quer um pouco de água?
- Sim, eu vou pegar - respondeu ele.
- Não, não precisa se incomodar. - Cybil ficou de pé, deixando Preston com uma
incômoda sensação de perda. - Matthew gostou de você - comentou, indo em
direção à cozinha.
- Também gostei dele. - Preston respirou fundo, recuperando o autocontrole.
- Aquela escultura em seu ateliê é trabalho dele?
- Sim. Maravilhoso, não? Matthew tem uma visão muito singular das coisas. E
vê-lo trabalhar, quando ele está de bom humor e não ameaça matar quem o
estiver observando, é uma experiência incrível.
Cybil abriu uma garrafa de água, encheu um copo alto até a borda e bebeu
quase um terço de seu conteúdo, antes de entregá-lo a Preston. Não notou o
olhar surpreso que recebeu quando se aninhou feito uma gata manhosa sobre o
colo dele.
- O que acha de fazermos uma viagem? - perguntou ela, de repente.
- Uma viagem?
- Sim. Passar alguns dias em Hyannis Port. Matthew vai visitar nossos avós, os
MacGregor, e pensei em fazer o mesmo. Vovô adora reclamar que não os
visitamos o suficiente. O lugar é lindo e a casa é... Bem, é impossível descrevêla. Mas tenho certeza de que você vai gostar tanto dela quanto dos meus avós.
E então? Está interessado em deixar a loucura dessa cidade um pouquinho,
Preston McQuinn?
- Isso está me soando a reunião familiar.
Ele se surpreendeu com a súbita sensação de tristeza que o invadiu diante da
idéia de ter de passar alguns dias longe de Cybil.
- Com os MacGregor por perto, tudo soa como uma reunião de família. Vovô
adora conversar e fazer novas amizades. Está com mais de noventa anos e tem
uma energia invejável.
- Eu sei. Ele é fascinante. Aliás, os dois são. - Preston sorriu quando Cybil
franziu o cenho. - Eu já os conheço. Eles são conhecidos de meus pais.
- É mesmo? Eu nunca imaginaria isso. Eu lhe falei sobre todas aquelas ligações
familiares meio complicadas, não falei? MacGregor com Blade. Blade com
Grandeau. Grandeau com Campbell. Campbell com MacGregor... Não
necessariamente nessa ordem.
- Não comece com isso de novo, por favor. Só de ouvir essa porção de nomes já
estou sentindo a cabeça doer.
Cybil riu e o beijou.
- Bem, se já os conhece e também já foi apresentado a Matthew, pelo menos
não vai se sentir em meio a um grupo de estranhos. Venha comigo. - Ela
mordiscou a orelha dele. - Será divertido.
- Poderíamos continuar bem aqui, nesta cadeira, e nos divertirmos muito
mais...
Cybil riu, lisonjeada.
- Há muitos e muitos quartos no castelo MacGregor - murmurou ela, junto ao
ouvido dele. - E, em vários deles, camas enormes e macias.
- Quando partiremos?
- Oh, está falando sério, Preston? - Ela se afastou para olhá-lo, entusiasmada
com a idéia. - Que tal depois de amanhã? Tenho uma reunião pela manhã, mas
poderemos partir depois do almoço. Oh, e posso alugar um carro para
viajarmos.
- Eu tenho carro.
Cybil inclinou a cabeça, estreitando o olhar.
- Hum, é um carro sexy?
- O que acha dos sedãs de quatro portas? Ela hesitou.
- Bem, é um carro que tem uma certa presença... Gosto de carros assim.
- Que pena, então acho que não vai gostar do meu Porsche.
- Um Porsche?! - Cybil arregalou os olhos.
- Oh, não me diga que é conversível?
- Que outro modelo poderia ser?
- Sim, claro. Oh, e diga que ele tem cinco marchas.
- Sinto muito, mas são seis. Ela ficou boquiaberta.
- É mesmo? Verdade? Posso dirigi-lo?
- Claro. Se depois de amanhã o inferno de repente resolver congelar, deixarei
você se sentar ao volante dele.
Com uma careta de desagrado, Cybil começou a brincar com os cabelos dele.
- Mas sou uma excelente motorista.
- Tenho certeza de que sim.
Preston achou que seria mais produtivo tentar distraí-la do que continuar
ouvindo-a e deixar que ela acabasse fazendo-o mudar de idéia. Encostou o copo
frio sobre as costas dela, fazendo-a arquear o corpo levemente, em um arrepio,
enquanto seus seios roçavam o peito dele.
- Hum... O que acha que conseguiremos fazer se reclinarmos essa cadeira um
pouco para trás? - indagou ele, em um tom sensualmente sugestivo.
Um brilho sedutor surgiu nos olhos de Cybil.
- Hum... Uma porção de coisas loucas e deliciosas... - murmurou, inclinando a
cabeça para que os lábios de Preston tivessem mais acesso a seu pescoço. Sabia que meu avô é o dono desse prédio? - falou, por acaso, mantendo os
olhos fechados.
- Sim, eu sei. Aliás, foi ele quem me falou sobre este apartamento quando eu
estava procurando um lugar para ficar temporariamente.
- Ele lhe falou sobre este apartamento?
Preston moveu-se de modo a ficar por cima dela, distraindo-a
momentaneamente de um vago pensamento que começara a se formar na
mente dela.
- Quando ele... Oh, Deus, você é tão bom nisso...
- Obrigado. Mas pretendo ficar ainda melhor.
Um sorriso se insinuou nos lábios de Cybil. Seria possível Preston conseguir
fazer amor de maneira ainda melhor? Era o que iria tentar descobrir.
CAPÍTULO IX
A casa dos MacGregor se localizava em um belíssimo conjunto de colinas com
vista para o mar. Tudo ali era sóbrio e marcante, principalmente a imponente
construção de pedra. Tudo na aparência do lugar, desde suas torres
semelhantes às dos castelos, até a bandeira tremulando com o símbolo do clã,
parecia bradar a palavra "orgulho" aos quatro ventos.
O velho Daniel havia mandado construíra casa em seu lugar preferido: o cume
de uma das colinas mais altas e com uma das mais belas vistas do mar que se
poderia ter dali. E era mais do que evidente que a construção havia sido feita
para durar. Como um sólido legado dos MacGregor aos descendentes do clã.
Os inúmeros canteiros de rosas, que floresceriam com todo vigor na primavera
seguinte, não amenizavam o efeito de imponência do lugar. De fato, serviam
apenas para enfatizar aquela aura mágica e quase mítica.
- Pare - pediu Preston, pousando a mão sobre o braço de Cybil. - Pare o carro.
Um sorriso se insinuou nos lábios dela. Sabia muito bem o que era ter aquela
reação ao ver a casa dos MacGregor ao longe. Feliz em notar que a visão o
afetara tanto quanto sempre a afetava, Cybil parou o carro com movimentos
cuidadosos.
- Parece um castelo de conto de fadas, não? - disse, apoiando-se sobre o
volante, enquanto ambos observavam a mansão através da leve garoa. - Não
aqueles das versões mais românticas, mas um castelo com personalidade
própria.
- Eu já o tinha visto em fotografias, mas elas nunca são como a imagem real.
- Não se trata apenas de uma mansão, mas de um lugar que transmite uma
aura de generosidade. Sempre que a visitamos, encontramos alguma novidade
aqui e acolá. E geralmente algo que nos surpreende.
E dessa vez, não seria diferente, pensou Cybil. Só que seria ela quem levaria a
surpresa até a mansão.
- Essa garoa combina com a paisagem, não? - disse a ele.
- Acho que essa paisagem fica bem em qualquer clima.
- Tem razão - anuiu Cybil, com um sorriso. - Precisa ver esse lugar no inverno.
Sempre viajamos para cá na época do Natal. É lindo como o efeito da neve e do
vento deixam-na com a aparência de um castelo de gelo. No ano passado,
quando as rosas começaram a desabrochar e o céu estava tão azul que chegava
a ofuscar a vista, meu primo, Duncan, casou-se aqui. Mas assim, em meio à
garoa... - Ela sorriu com ar sonhador. - O lugar lembra uma paisagem
escocesa.
- Já esteve na Escócia?
- Hum-hum. Duas vezes. E você?
- Não. Nunca estive lá.
- Pois deveria viajar até lá. Por uma questão de raízes - acrescentou ela. Ficará surpreso com a força que você passa a sentir ao respirar o ar das Terras
Altas e ao ver as lindas paisagens das Terras Baixas.
- Talvez eu viaje para lá em breve. Vou querer algumas semanas de descanso
quando esse meu último roteiro estiver terminado. - Preston olhou para ela e
arqueou as sobrancelhas. - E então? Está gostando do carro?
- Bem, levando-se em conta que você só me deixou dirigi-lo por
aproximadamente quarenta e cinco segundos, acho meio difícil lhe dar um parecer. Mas se me deixar dar uma volta mais demorada com ele amanhã...
- Nem mesmo seu maior poder de persuasão vai me convencer a deixá-la dirigilo por mais tempo do que daqui até a mansão.
Cybil deu de ombros, como que não dando importância ao fato. Porém, no
íntimo, pensou: "É o que veremos", e partiu novamente pela estrada.
Quando chegaram, ela estacionou o carro diante da suntuosa mansão.
- Muito obrigada - agradeceu e deu um leve beijo nos lábios de Preston, antes
de lhe entregar as chaves do carro.
- Não há de quê.
- Não vamos nos preocupar com a bagagem agora, está bem? Vamos esperar
primeiro essa garoa passar, depois viremos pegá-la ou mandaremos um dos
empregados fazê-lo.
Dizendo isso, ela abriu a porta do carro e saiu correndo em direção à varanda
coberta, onde parou para sacudir os cabelos e secá-los com as mãos.
Durante algum tempo, Preston ficou parado no carro, apenas admirando o jeito
encantadoramente infantil de Cybil. Não se cansava de olhar aquele belo sorriso
de menina misturado ao ar sensual que se manifestava nela com naturalidade,
e do qual Cybil nem parecia ter consciência. De certa maneira, esse último
detalhe parecia torná-la ainda mais sedutora.
Queria acreditar que o que estava sentindo era apenas desejo, mas, por outro
lado, sabia que desejo puro e simples não despertava o receio de ficar longe ou
de perder a outra pessoa. O mero desejo era algo mais simples de se lidar, e
menos perigoso. No entanto, já que não tinha como ignorar aquilo que estava
sentindo, pelo menos tentaria continuar negando o fato para seu próprio bem, e
para o de Cybil.
Respirando fundo, saiu correndo em direção à varanda, deixando que a garoa e
o vento, a essa altura mais intensos, atingissem seu rosto e seus cabelos.
Quando alcançou Cybil, não resistiu ao riso divertido que ela soltou e puxou-a
para si, tomando-lhe os lábios com uma paixão quase violenta.
Por um momento, Cybil apenas agitou as mãos no ar, aturdida com a pressão
do corpo másculo de Preston junto ao seu e com urgência daqueles lábios
quentes colados aos seus. Porém, não demorou muito para se render mais uma
vez àquela sedutora aura de desejo, retribuindo o beijo com a mesma
intensidade.
- Preston...
Ele ouviu o murmúrio em meio à tormenta que varria seu corpo e sua mente,
feito ondas batendo contra rochas sólidas. De fato, foi somente o som da voz de
Cybil que o fez despertar para a realidade e se lembrar de onde eles se
encontravam.
- Com sua família por perto, não poderei fazer isso por algum tempo - explicou
ele, prendendo uma mecha dos cabelos dela atrás de sua orelha delicada.
Cybil sentiu um carinho todo especial naquele gesto e o sorriso que curvou
seus lábios foi de puro encantamento. Já não se importava que Preston
percebesse que ela estava apaixonada por ele. Aquele sentimento era bonito e
intenso demais para continuar sendo mantido apenas em seu coração.
- Bem, pelo menos isso exigirá que eu também me comporte. Mas sei que não
vai ser fácil... - acrescentou dando um último beijo nele.
Com um sorriso, segurou-o pela mão e o puxou para dentro.
O interior da mansão, apesar de grandioso, era inusitadamente aconchegante.
Pelas paredes, via-se espadas e escudos antigos polidos ao ponto de brilhar.
Afinal, tratava-se da casa de um guerreiro. Um aroma de flores e de madeira
recendia pelo ar, tornando o ambiente ainda mais agradável.
- Cybil!
Anna MacGregor desceu a ampla escada, sorrindo com satisfação. Os cabelos
quase brancos estavam penteados para trás, em um coque elegante, e os olhos
castanho-escuros transmitiam um brilho de sabedoria impossível de passar
despercebido. Ao se aproximar, ela abriu os braços para envolver a neta em um
abraço.
- Oh, vovó... - Cybil fechou os olhos com carinho, adorando sentir o familiar
perfume de lavanda da avó. - Como consegue ficar cada vez mais bonita? disse ao se afastar.
Anna afagou o braço dela com carinho e sorriu.
- Uma mulher tem de saber manter um pouco de vaidade, menina. Mesmo se
tratando de uma com a minha idade.
- Não consigo vê-la como uma mulher velha. Está sempre tão linda. Não é
mesmo, Preston?
- Sem dúvida - anuiu ele, com um sorriso.
- Ora, um elogio vindo de um lindo jovem é sempre bem-vindo, mesmo que seja
por pura gentileza - gracejou Anna. Mantendo o braço em torno da cintura de
Cybil, ela estendeu a mão para cumprimentar Preston.
- Olá, Preston. Não deve se lembrar muito bem de mim. Acho que você não
tinha mais do que dezesseis anos da última vez em que o vi.
- Isso mesmo - confirmou ele, apertando a mão dela. - Mas lembro-me muito
bem da senhora. Estávamos em um baile de primavera em Newport, e a
senhora foi muito compreensiva comigo, quando eu a cumprimentei e disse que
preferiria ter ido a outro lugar.
- Ah, então você se lembra. - Anna sorriu. - Agora fiquei mesmo lisonjeada.
Venham se aquecer, meninos. Devem estar com frio depois de haverem tomado
essa garoa.
- Onde estão vovô e Matthew? - Cybil quis saber.
- Ah. - Anna riu baixinho enquanto os conduzia ao aposento que a família
costumava chamar de "Sala do Trono". - Daniel levou o coitado para nadar com
ele na piscina. Disse que Matthew estava precisando se exercitar um pouco, e
você sabe como seu avô leva a sério esse negócio de nadar diariamente. Vive
dizendo que é isso que o mantém jovem.
- Tudo o mantém jovem. - Cybil riu.
A melhor palavra para definir aquele aposento era "apropriado", pensou
Preston. Uma cadeira de espaldar alto, com certeza pertencente ao velho
Daniel, dominava a sala forrada por um felpudo tapete vermelho-escuro. Os
móveis eram antigos, feitos de madeira maciça e trabalhada. As luzes do lustre
antigo se encontravam acesas, assim como a lareira de pedra, cujo calor
deixara a sala com uma temperatura extremamente agradável.
- Vamos tomar o chá da tarde. Imagino que Daniel vá insistir para
acrescentarmos uísque ao chá e que usará o fato de termos visitas como
desculpa para isso. Sentem-se e fiquem à vontade - acrescentou Anna,
indicando as poltronas. - Se eu não o avisar que vocês estão aqui, ouvirei
reclamações por semanas - explicou, com um gesto de mão.
- Sente-se a senhora, vovó - falou Cybil. - Pode deixar que eu avisarei vovô e
servirei o chá.
- Oh, continua prestativa como sempre, não é, minha querida? - Anna afagou a
mão da neta, enquanto se sentava. - Sempre foi. - Indicando a poltrona ao lado
da dela, continuou: - Sente-se aqui, Preston. Daniel e eu assistimos à sua peça,
em Boston, há alguns meses. Achei o roteiro poderoso, contestador. Sua família
deve se sentir muito orgulhosa de seu talento.
- Na verdade, acho que eles ficaram mais surpresos do que orgulhosos.
- Às vezes, essas reações levam ao mesmo resultado - disse ela, com sabedoria.
- Na verdade, nunca esperamos que nossos parentes, por mais que os
admiremos, demonstrem genialidade. Isso sempre nos espanta e nos leva a
pensar: "Como não notei isso durante todo esse tempo?".
- A senhora conhece minha família - falou Preston. - Então deve ter notado que
abordei vários comportamentos deles na minha peça.
- Sim, eu notei. Mas, às vezes, é bom desabafar por meio da arte. Além de
facilitar o processo de catarse, permite a alguém de talento, como você, criar
uma bela obra artística. Sua irmã está bem?
- Sim, apesar dos filhos. - Ele riu. - Eles são o centro da vida dela.
- E quanto a você, Preston. O trabalho é o centro" de sua vida?
- Creio que sim.
- Oh, desculpe-me. - Aborrecida consigo mesma, Anna tocou o braço dele. Estou sendo bisbilhoteira, e geralmente deixo isso a encargo do meu marido.
Estou interessada em saber mais detalhes porque me lembro muito bem da
maneira como você olhava para sua irmã naquela festa, em Newport. Lembroume a maneira como Alan e Caine sempre olharam para Serena, e de como isso
sempre pareceu aborrecê-la, como pareceu aborrecer... Jenna, é isso?
- Sim - confirmou Preston, com um sorriso. - Ela ficava mesmo muito brava. O sorriso logo desapareceu. - Se eu tivesse agido com mais cautela nos anos
que se seguiram, ela não teria ficado magoada.
- Preston, você não a magoou. E, na verdade, eu não pretendia fazê-lo recordar
esses fatos do passado. Agora me conte no que está trabalhando, ou será que
isso é segredo por enquanto? - acrescentou ela, com um sorriso gentil.
- Não, não é segredo. - Ele sorriu com charme. - É uma história de amor que se
passa em Nova York. Pelo menos, é nisso que está se transformando.
- Ainda não serviu um uísque para o rapaz, Anna?
Daniel entrou na sala com passos firmes e, como sempre, sua presença logo
dominou o ambiente. Os responsáveis por isso eram sua postura, seu porte
elegante e aquela voz firme que se negava a enfraquecer com a idade. Os olhos
muito azuis continuavam com um brilho sagaz e os cabelos completamente
grisalhos lhe atribuíam um charmoso ar de sabedoria.
- Isso é maneira de receber um homem que andou nessa garoa fria e que
conseguiu trazer nossa neta preferida até aqui?
- Oh, que ótimo - resmungou Matthew, vindo atrás dele. - Quando quis ter sua
piscina consertada, eu era seu neto preferido.
- Bem, ela está consertada agora, não está? - falou Daniel, com uma piscadela
para todos e um sorriso afetuoso para o neto.
- É muito bom revê-lo, sr. MacGregor.
Preston ficou de pé e cruzou a sala com a mão estendida, para ir cumprimentálo. Mas para Daniel isso não era suficiente quando havia algum tipo de
interesse de sua parte em um "pretendente em potencial". Por isso, enlaçou
Preston em um abraço que pareceu deixar o rapaz sem fôlego por um instante.
- Está com uma aparência ótima, McQuinn. Só está faltando mesmo uma boa
dose de uísque escocês para pôr um pouco de cor em seu rosto.
- Terá uma gota de uísque em seu chá, Daniel, se é isso que está querendo Anna interveio, indo buscar a bebida.
- Uma gota? - Para um homem daquela idade, Daniel ainda sabia choramingar
como um bebê. - Anna...
- Duas gotas - corrigiu ela, com um sorriso que parecia querer dizer: "Estou
sendo mais do que generosa, portanto, não me provoque".
- Diga-me uma coisa, Preston, você fuma charutos?
- Não por hábito - respondeu ele.
Anna virou-se e olhou para Daniel com ar de aviso.
- Então, se eu chegar em algum lugar e o vir com um charuto entre os dedos,
saberei quem o passou para você.
- Essa mulher é mesmo uma carrasca - resmungou Daniel. –
Bem, mas sente-se, rapaz, e digame como estão indo as coisas entre você e
Cybil.
Alarmes soaram na mente de Preston.
- Como estão indo as coisas?
- Ora, vocês são vizinhos, não são?
- Sim. - Preston sentou-se, sentindo-se um pouco mais aliviado, mas não
muito. - Nossos apartamentos ficam um em frente ao outro.
- Ela é linda como uma flor, não é mesmo?
- Vovô - ralhou Cybil, colocando a bandeja com chá sobre a mesa. - Não
comece. Não faz nem dez minutos que Preston está aqui.
- Começar o quê? - indagou Daniel, com ar inocente. Estreitando o olhar,
acrescentou: -Você é bonita ou não é?
- Ah, sou adorável. - Ela riu e beijou-o no nariz. Aproveitando que estava perto
dele, sussurrou-lhe ao ouvido: - Comporte-se e eu colocarei um pouco do meu
uísque no seu chá quando ela não estiver olhando.
Os lábios de Daniel se curvaram em um amplo sorriso.
- Esta é minha garota.
- Não vai acreditar no sabor desses bolinhos, Preston - emendou Cybil,
satisfeita por haver conseguido subornar o avô.
- Nem eu mesma consigo imitar essa receita. Os daqui sempre ficam mais
gostosos.
- Cybil é uma ótima cozinheira - falou Daniel, fazendo uma careta de desgosto
ao ver Anna colocar exatamente duas gotas de uísque em uma das xícaras,
antes de entregá-la a ele. – Tem levado pratinhos com petiscos para ele uma vez
ou outra, não é, querida? Como uma vizinha prestativa deve fazer.
- Ela preparou rocambole de frango para nós, ontem à noite - falou Matthew,
enquanto passava geléia de morango em um bolinho. Lembrando-se de que
havia prometido a Cybil que a "salvaria" nos momentos críticos, acrescentou:
- Preston, você quer uísque puro ou prefere chá?
- Vou querer o uísque, obrigado. Puro.
- E de que outro modo um homem deve tomá-lo? - resmungou Daniel, olhando
com desprezo para sua xícara de chá.
- Então já experimentou alguns dos dotes de nossa Cybil - perguntou ele,
contendo o riso ao ver Preston quase se engasgar com o bolinho.
- O que disse?
- Os dotes culinários de Cybil - esclareceu Daniel, com ar inocente. - Mulheres
que cozinham tão bem como minha neta precisam ter uma família para
alimentar, sabia?
- Vovô... - avisou ela, apontando o próprio uísque com discrição.
Quando um homem se encontrava dividido entre uma dose de uísque escocês e
o futuro de sua neta, o que ele deveria escolher?, Daniel se perguntou. Às
vezes, era preciso fazer sacrifícios.
- Qual é o homem que não aprecia uma refeição quente e bem-feita? Estou
errado, rapaz?
Preston notou uma espécie de aura de perigo no ar.
- Não.
- Aí está! - Daniel bateu o punho fechado sobre a mesinha, fazendo a louça
estremecer sobre a bandeja. - McQuinn é um sobrenome muito respeitado hoje
em dia, não? E graças a você.
- Obrigado - Preston agradeceu com cautela.
- Mas um homem de sua idade já deveria estar pensando em transmiti-lo a
seus descendentes. Deve estar com trinta anos, não?
- Isso mesmo. - "E como diabos ele sabe disso?", Preston se perguntou.
- Quando um homem chega aos trinta anos, deve começar a pensar em suas
obrigações para com a continuação do sobrenome da família.
- Felizmente, ainda tenho alguns anos pela frente, antes de ser "sentenciado" Matthew cochichou ao ouvido de Cybil.
Ela lhe respondeu com uma discreta cotovelada.
- Faça alguma coisa! - pediu, por entre os dentes.
- Se ele começar com essa história para cima de mim, você é quem vai agüentar
minhas reclamações depois - avisou Matthew.
- Diga seu preço.
- Pensarei nisso depois. - Dizendo isso, ele não perdeu tempo em ocupar a
poltrona próxima aos outros dois homens. - Vovô, por acaso, já lhe falei sobre a
garota que conheci há pouco tempo?
- Garota? - Daniel pestanejou, distraindo-se da conversa com Preston.
Voltando-se para o neto, continuou: - Que garota é essa? Pensei que estivesse
ocupado demais, montando seus brinquedos de metal, para ter tempo de
pensar em garotas.
- Penso nelas com mais freqüência do que imagina. - Matthew riu, levantando o
uísque em um brinde. - Essa que conheci é muito especial.
- É mesmo? - Daniel se recostou na poltrona e cruzou as pernas. - Bem, deve
ser mesmo para ganhar mais do que um ou dois olhares de sua parte.
- Oh, já faz algum tempo que estou de olho nela. O nome dela é... Lulu Matthew inventou no último instante. - Lulu LaRue, embora eu desconfie que
esse seja seu nome artístico. Ela é dançarina de mesa.
- Dançarina de mesa?! - bradou Daniel, enquanto Anna escondia o riso com a
mão, antes de continuar tomando o chá. - Ela dança nua em cima de mesas?
- Claro que dança nua! Que graça teria se fosse de outra maneira? Oh, vovô, e
ela tem uma tatuagem tão interessante no...
- Nua! Uma dançarina nua e tatuada! Nem por cima do meu cadáver, Matthew
Campbell! Quer deixar sua mãe arrasada? Está ouvindo isso, Anna?
- Claro que estou, querido. Matthew, pare de brincar com seu avô.
- Seu desejo é uma ordem, vovó - gracejou ele, dando de ombros e rindo ao ver
o avô estreitar o olhar. - Mas não vejo por que não posso namorar uma garota
que dança nua e que tem uma linda tatuagem no...
- Chega, Matthew! - ralhou Daniel, indignado, fazendo os outros disfarçarem o
riso.
Muito tempo depois de a garoa haver cessado, de a noite haver caído e de
Preston haver aparecido sorrateiramente em seu quarto para matar a saudade
e testar a enorme cama de casal, Cybil suspirou alto.
O dia havia sido quase perfeito. Quase tão perfeito que ela se aninhou mais
junto de Preston, deitado ali, a seu lado. Então se permitiu imaginar que ele era
um príncipe que havia escalado as paredes da torre do castelo para ir ao
encontro dela. Para amá-la. Para ficar com ela para sempre.
- Diga-me uma coisa - sussurrou Preston, relaxado e desfrutando o calor do
corpo de Cybil junto ao dele.
- Hum-hum - murmurou ela, em resposta. - Qualquer coisa.
- O que diabos significou toda aquela conversa com seu avô?
Cybil levantou a cabeça e afastou os cabelos do rosto. Então revirou os olhos.
- Oh, aquilo. Eu não o avisei antes porque tive a ingênua esperança de que não
seria necessário. Reconheço que a culpa foi toda minha. - Passando a perna
sobre as dele, ela o fitou por um momento. - Sabia que tem olhos lindos, Preston? Eles são de um tom de azul diferente, como a cor da água do mar ao cair
da tarde.
- Esse foi um comentário sincero ou apenas um artifício para fugir do assunto
principal?
- Ambas as coisas. - Ela riu.
Porém, vendo que não teria como escapar das perguntas dele, Cybil se sentou,
beijou-o e vestiu o robe que havia deixado ao pé da cama.
- Por que sempre se veste para conversar comigo? - Preston perguntou.
Cybil olhou-o por cima do ombro, parecendo surpresa e acanhada ao mesmo
tempo.
- Um impulso puritano latente?
- Incrivelmente latente - anuiu ele, sorrindo ao vê-la amarrar o robe com
firmeza na cintura. - Agora, a respeito de seu avô e do súbito interesse dele pelo
sobrenome da minha família... Ou, como ele disse durante o jantar, o "sangue
forte" dos meus ancestrais...
- Bem, Preston, você é escocês.
- Da terceira geração de minha família.
- Isso pouco importa no vasto e histórico esquema das coisas. - Cybil serviu um
copo de água. - Primeiro, quero me desculpar - disse, sem olhar para ele. Espero que compreenda que meu avô não fez aquilo por mal. Ele age assim
porque se preocupa conosco e não teria feito aquilo se não houvesse gostado de
você.
Preston sentiu um aperto no estômago.
- Feito o quê, exatamente?
- Não me dei conta... Pelo menos, não até chegarmos aqui. Mas deveria ter
prestado mais atenção - murmurou ela, sentando-se na cama e entregando o
copo a ele, antes de tomar um pouco da água. - Na outra noite, quando você
mencionou que já o conhecia e que ele havia sugerido que você ficasse no
apartamento em frente ao meu, eu deveria ter prestado mais atenção aos
detalhes. Bem... - Ela deu de ombros. - De qualquer maneira, não teria
importado muito.
- Sobre o que está falando, Cybil? - Preston franziu o cenho, confuso.
Ela exalou um suspiro e fitou-o diretamente nos olhos.
- Meu avô o escolheu para mim, Preston. Isso porque ele me ama muito - ela se
apressou em acrescentar. - Ele quer apenas aquilo que acha que é melhor para
mim, e isso significa um casamento, uma família e um lar. E, pelo visto, ele
está achando que você me dará tudo isso.
Preston passou a mão nos cabelos, aturdido.
- E como diabos ele chegou a essa conclusão? - indagou, colocando o copo
sobre a mesinha-decabeceira com um ruído seco.
- Não se trata de um insulto, Preston - falou ela, quase indignada. - É um
elogio. Como eu disse, vovô me ama muito, portanto, deve ter uma grande
estima por você, por achá-lo suficientemente adequado para se tornar meu
marido e o pai dos meus filhos, que serão os bisnetos que ele tanto deseja ter.
- Pensei que você não quisesse se casar.
- Eu não disse que queria. Eu disse que ele queria isso para mim. Levantando-se, ela foi até a penteadeira e pegou uma escova. Em seguida,
começou a escovar os cabelos. - E fique sabendo que o fato de você estar tão
abalado é muito insultante.
- E aposto que você considera tudo isso divertido.
- Acho encantador.
- Acha encantador que seu avô de noventa e tantos anos escolha um marido
para você?
- Ele não colocou um anúncio no jornal e nem um luminoso diante da casa. Sentindo-se magoada, ela deixou a escova sobre a penteadeira. - Mas não
precisa entrar em pânico, Preston. Não vou me deixar levar pelos planos de
meu avô. Serei perfeitamente capaz de arranjar um marido sozinha, quando e
se eu achar que devo arranjar um. Por enquanto, continuo não querendo nada
disso.
Ela inclinou a cabeça, olhando em torno de si. Na falta de algo melhor para
fazer, abriu um pote de creme e começou a passá-lo nas mãos.
- Agora, estou cansada e quero dormir. E já que não se importa mesmo em
dormir comigo depois do sexo, então é melhor ir embora.
Aquilo era apenas indignação, pensou Preston, ou haveria algo mais por trás da
reação de Cybil?
- Por que está brava?
- Por que estou brava? - repetiu ela, sem saber se começava a chorar ou a
gritar. - Como é possível que uma pessoa que escreve sobre os sentimentos dos
outros com tanta precisão, com tanta sensibilidade, faça uma pergunta dessa?
Por que estou brava, Preston? - Respirou fundo e continuou: - Porque você está
sentado aí, na cama que acabamos de dividir, completamente chocado com o
fato de que alguém que me ama possa querer que exista algo mais do que
apenas sexo entre nós.
- Claro que há mais do que sexo entre nós - declarou ele, começando a vestir o
jeans. - Há mesmo? Há mesmo, Preston?
O tom frio de Cybil o levou a olhá-la fixamente. Sentiu uma onda de culpa ao
ver a sombra de tristeza nos olhos dela.
- Eu gosto de você, Cybil. Você sabe disso.
- Você me acha divertida. Não é a mesma coisa.
Sim, era mais do que indignação, concluiu Preston. Cybil estava magoada. De
alguma maneira, ele a havia magoado novamente sem querer. Segurando o
braço dela, virou-a de frente para ele, com delicadeza.
- Eu gosto de você.
A expressão de Cybil se amenizou.
- Tudo bem. - Pousou a mão sobre a dele, forçando um sorriso. - Vamos
esquecer tudo isso, sim?
Preston queria concordar com ela e resolver aquilo de maneira simples. Mas o
sorriso de Cybil não foi espontâneo. A sombra de tristeza continuava presente
nos olhos dela.
- Cybil, não posso lhe oferecer mais do que isso.
- Não estou lhe pedindo mais. - Aproximando-se da janela, ela mudou de
assunto: - A lua apareceu e não há nenhuma nuvem no céu. Poderemos
caminhar pelas colinas amanhã. A paisagem fica linda nessa época do ano. Contendo um arrepio, massageou os braços. - Puxa, está ficando frio aqui.
Talvez seja melhor eu pôr mais um pouco de lenha na lareira.
- Pode deixar que eu ponho - Preston se ofereceu.
As chamas da lareira ainda estavam bem ativas, mas, mesmo assim, Preston
acrescentou mais um pedaço de lenha a elas. Então ficou parado porum
momento, vendo as chamas crepitarem, começando a consumir o novo pedaço
de lenha.
Durante algum tempo, o único som que se ouviu no quarto foi o da madeira
crepitando em meio às chamas da lareira. Por fim, Preston foi o primeiro a
falar:
- Poderia se sentar um instante?
- Prefiro ficar aqui, olhando as estrelas - respondeu Cybil, diante da janela. Não conseguimos ver muitas estrelas em Nova York, com todas aquelas luzes.
Acabamos nos esquecendo de olhar para cima e nem nos lembramos de que
existem estrelas. Em Maine, onde fui criada, o céu vivia repleto delas. Nunca
me dei conta de quanto sentia falta daquela visão até ir morar na cidade. É
possível passarmos longos períodos sem uma porção de coisas e nem mesmo
nos darmos conta de quanto elas nos fazem falta.
Cybil se tornou tensa ao sentir as mãos de Preston sobre seus ombros. De fato,
teve de se esforçar para voltar a relaxar e não demonstrar quanto a
proximidade dele a afetava. Ao virar-se para ele, conseguiu até sorrir.
- O que acha de sairmos para vê-las melhor?
- Cybil, quero que se sente e que me ouça.
- Está bem. - Esforçando-se para parecer casual, ela caminhou até uma das
duas cadeiras ao lado da lareira. - Sou toda ouvidos.
Preston sentou-se ao lado dela e inclinou-se um pouco para frente, fitando-a
nos olhos.
- Eu sempre quis ser escritor, e não me lembro de haver pensado em me tornar
outra coisa - começou ele. - Mas eu não queria escrever romances, como meu
pai desejava. Eu queria escrever roteiros de teatro. Tudo estava muito claro na
minha mente. O palco, cada cenário, o movimento dos atores, o ângulo e a
intensidade das luzes... Com freqüência, talvez freqüência demais, aquele era o
mundo em que eu vivia. Você vem de uma família proeminente, Cybil. Uma
família com obrigações e exigências sociais.
- Acho que é verdade.
- Eu também vim de uma família assim. Tolerei aquilo durante algum tempo,
chegava até a me divertir de vez em quando, mas, durante a maior parte do
tempo, sentia como se não pertencesse àquele mundo cheio de eventos sociais.
- Eu sei, você valoriza sua privacidade - anuiu ela. - Compreendo isso. Meu pai
e Matthew também são assim.
- Eu gostava de ficar sozinho. Precisava disso. - Inquieto demais para continuar
sentado, Preston começou a dar alguns passos pelo quarto. - Adoro meus pais e
minha irmã, por mais que nos desentendamos de vez em quando. Sei que os
magoei muitas vezes com atitudes inconseqüentes, mas eu os amo, Cybil.
- Claro que sim... - Ela começou a falar, mas voltou a se calar quando Preston
balançou a cabeça.
- Minha irmã, Jenna, sempre foi muito sociável. Ela é uma pessoa adorável.
Mal havia completado vinte e um anos quando se casou com meu melhor amigo
da época da faculdade. Na verdade, fui eu quem os apresentou.
Preston ainda lamentava se lembrar daquilo. Lamentava que o primeiro passo
de todo o infortúnio que passaria depois houvesse sido uma iniciativa sua.
Olhou para o jarro de água sobre a mesinha-de-cabeceira, desejando que ele
fosse uma garrafa de uísque.
- Os dois se davam muito bem - continuou. - Estavam muito apaixonados,
cheios de planos para o futuro. Jacob nasceu um ano depois. E menos de um
ano depois, Jenna ficou radiante quando engravidou novamente.
Preston enfiou as mãos nos bolsos e foi até a janela. Mas não viu as estrelas.
- Naquela época, minha primeira peça estava sendo produzida. Era um
pequeno grupo local, mas haviam conseguido fechar um contrato com um
importante teatro. Meu pai é um escritor importante, por isso o trabalho do
filho dele despertou um certo interesse nas pessoas.
- Um interesse que acabou se transformando em admiração, diante de seu
talento - salientou Cybil.
Preston olhou para ela, agradecido pelo elogio.
- Sim, talvez tenha razão. Mas no início não foi assim. Para mim, era uma
questão de honra ter meu talento reconhecido pelo que ele era, e não por eu ter
o sobrenome de meu pai. Reconheço que parte disso era orgulho - acrescentou,
pensativo. - Mas parte também era o desejo de ser respeitado. Aquela primeira
peça era muito importante para mim.
O fato de Preston ficar algum tempo em silêncio levou Cybil a querer se
manifestar de alguma maneira, demonstrando sua solidariedade.
- Não consegui dormir nem um pouco na noite anterior à estréia dos meus
quadrinhos no jornal - disse a ele. - Por mais que eu adorasse meu trabalho,
não teria suportado se as pessoas começassem a insinuar que eu estava
usando o sobrenome de meu pai para obter prestígio.
- Algumas pessoas sempre dirão isso - salientou Preston. - Mas você não pode
se deixar influenciar por esse tipo de opinião. O trabalho tem de ser o mais
importante e aquela primeira peça era o mais importante para mim. Eu me
envolvi em absolutamente todos os aspectos: os cenários, a montagem do palco,
o elenco, os ensaios, a iluminação... Tudo.
Cybil sorriu.
- Imagino que deva ter deixado todo mundo maluco, inclusive você mesmo.
Preston também sorriu.
- Pode acreditar que sim. Os atores eram muito talentosos. A atriz que
desempenhou o papel principal era, com certeza, a mulher mais linda que eu já
tinha visto. Ela me deixou fascinado. - Olhando diretamente para Cybil, ele
prosseguiu: - Eu havia acabado de completar vinte e cinco anos e fiquei
completamente apaixonado por ela. Cada minuto que eu passava ao lado dela
era um presente para mim. Vê-la no palco, encenando o texto que eu havia
escrito, deixava-me encantado a cada apresentação. Durante os ensaios, após
uma determinada seqüência, ela costumava sorrir para mim e perguntar se era
mesmo daquela maneira que eu havia imaginado a cena. Quanto mais eu me
envolvia com ela, menos a peça foi tendo importância para mim.
Preston suspirou. Mesmo depois de tanto tempo, lembrar-se daquilo ainda
tinha um efeito esquisito sobre ele.
- Ela era gentil - continuou. - E muito envolvente. Chegava a ser até um pouco
tímida quando estava no palco. Eu inventava desculpas para ficar com ela e
logo comecei a perceber que ela estava fazendo o mesmo para ficar comigo. Nós
nos tornamos amantes em uma tarde de domingo, na cama dela. Naquele
mesmo dia, ela chorou no meu ombro e disse que me amava. Naquele
momento, eu teria sido capaz de morrer por ela se fosse preciso.
Cybil uniu as mãos sobre o colo, imaginando como seria ser amada pelo menos
um pouquinho por um homem maravilhoso como Preston. Não falou nada
porque percebeu que ele ainda tinha coisas para contar. Pelo visto, coisas
dolorosas.
- Durante semanas, meu mundo girou em torno dela. A peça estreou, recebeu
ótimas críticas, mas tudo que eu conseguia pensar era que fora por causa da
peça que eu a havia conhecido. Isso era tudo que importava para mim.
- O amor deveria importar mais.
- Deveria? - Preston riu, mostrando um brilho de ironia no olhar. - As palavras
têm força, Cybil. Por isso é que um escritor deve tomar cuidado com elas.
O amor também tem força, pensou ela. Queria dizer isso a ele, e quase o fez,
mas logo percebeu que o amor que ele sentira acabara enfraquecendo por
algum motivo.
- Comprei presentes para ela - Preston prosseguiu. - Gostava de ver o brilho de
felicidade nos olhos dela sempre que ganhava um presente. E também a levava
para dançar porque ela adorava ir a festas e manter contato com as pessoas.
Ela era tão linda que eu achava que ela merecia ser mostrada de alguma
maneira. E que precisava de roupas e de jóias adequadas para isso. Então, por
que não presenteá-la com elas? E quando ela precisava comprar alguma coisa,
que mal havia em dar um cheque em branco a ela? Afinal, aquilo era só
dinheiro, e o que eu tinha para gastar era mais do que suficiente.
Deduzindo o desfecho da história, Cybil conteve a vontade de abraçá-lo e
consolá-lo. No entanto, não era tristeza aquilo que surgira nos olhos dele. Era
rancor.
- Ela tinha talento e eu queria ajudá-la a se tornar uma atriz famosa. Então,
pensava eu, por que não usar minha influência, ou a do sobrenome da minha
família, para alavancar a carreira dela?
- Você a amava - Cybil se justificou por ele. - E isso deve ter tornado a decisão
de utilizar o sobrenome da família para beneficiá-la justa aos seus olhos.
- E você acha que isso tornou as coisas mais corretas? - Preston balançou a
cabeça negativamente. - Nunca é certo se aproveitar das outraspessoas ou do
sobrenome delas. Mas foi o que eu fiz. Ela começou a falar de casamento, com
timidez ainda. Eu hesitei a princípio. A carreira dela ainda precisava de atenção
e poderíamos esperar mais algum tempo para nos unirmos em um compromisso mais sério. Certa noite, depois de uma apresentação, eu disse isso a ela.
Falei também que iríamos para Nova York e que lutaríamos juntos para ter
nosso próprio teatro.
Cybil continuou a ouvi-lo, sem dizer nada.
- Até que um dia ela me procurou toda trêmula, pálida e chorando muito, para
contar que estava grávida. Disse que a culpa fora toda dela, por não haver
tomado as devidas precauções, e implorou para que eu não a abandonasse.
Para onde ela iria? O que faria? Tinha pouco dinheiro, estava com medo e
achava que eu iria odiá-la pelo que havia acontecido.
- Não - Cybil sussurrou. - Claro que você não iria odiá-la.
- Não, claro que não. Na verdade, fiquei um pouco assustado, mas não pensei
em abandoná-la em nenhum momento. Enfim, pensei em me casar com ela, em
começarmos uma vida a dois. Dinheiro não era problema. Eu havia herdado
uma parte da minha herança aos vinte e cinco anos e herdaria outra parte ao
completar trinta. Dinheiro não era problema - repetiu ele, colocando outro
pedaço de lenha na lareira, em um gesto automático.
Em silêncio, Cybil acompanhava cada um de seus movimentos. Devia estar
sendo muito difícil para uma pessoa reservada como Preston confessar tudo
aquilo.
- Eu a consolei e disse que tudo terminaria bem. Falei que iríamos nos casar
em breve, que ficaríamos em Newport até o bebê nascer, e que depois nos
mudaríamos para Nova York, como havíamos planejado. Tivemos uma
despedida comovente, antes de ela partir para o pequeno apartamento onde
morava, dizendo que iria telefonar para a família e contar a maravilhosa
novidade. Combinamos que iríamos à casa dos meus pais depois da
apresentação daquela noite, para dar a notícia a eles. Comecei a fazer planos de
imediato, já me vendo como marido e como pai.
- Você queria aquela criança - afirmou Cybil, lembrando-se da facilidade com
que ele havia segurado Charlie no colo.
- Sim. - Preston se voltou para ela, mantendo-se de costas para a lareira. Enquanto eu ainda estava envolto por aquela atmosfera de mudança, minha
irmã bateu à minha porta. Como Pamela, ela também estava trêmula, pálida e
chorando. E como Pamela, também estava grávida, só que em um estágio um
pouco mais avançado. Por isso fiquei preocupado ao vê-la naquele estado.
Depois de chorar muito, finalmente ela conseguiu me contar que o marido dela
estava tendo um caso.
Cybil se surpreendeu com o tom frio que Preston passou a demonstrar.
- Ela me disse que, depois de deixar Jacob com minha mãe, havia voltado para
casa porque esquecera alguma coisa. Havia sido acertado que ela e o bebê
ficariam fora durante a maior parte do dia, por isso seu retorno não era nem
um pouco esperado. Do mesmo modo, ela também não esperava chegar em
casa e encontrar o marido com outra mulher em sua própria cama.
- Oh, Preston, que situação horrível. - Cybil se levantou, querendo confortá-lo
de alguma maneira. - Ela deve ter... - Ela começou a falar, mas logo se
interrompeu, ao se lembrar da peça mais famosa de Preston e de como a trama
se desenvolvia. - Oh, não. Ah, meu Deus...
Ele se afastou, parecendo não querer receber consolo.
- O nome dela era Leanna em Rede de Almas, mas aquela era Pamela. Linda,
inteligente e friamente calculista. Uma mulher que conseguia representar com
perfeição sem nenhum ensaio. Que conseguia enganar um homem sem que ele
notasse, tirando-lhe todo o dinheiro e conquistando fama no meio artístico. Ela
teria se casado comigo por esses motivos e para dar um sobrenome de prestígio
ao filho que o meu melhor amigo e marido da minha irmã havia feito nela.
- Mas você a amava, Preston. E ela o magoou. Aliás, magoou todos vocês.
- Sim, eu a amava, mas aprendi a lição. Não se pode confiar no coração. Minha
irmã confiou no dela e isso quase a arrasou. Se não fosse Jacob e o bebê que
ela estava esperando, acho que ela teria enlouquecido. Mas as crianças
precisavam dela, e foi isso que a manteve de pé.
- Só que você não teve esse tipo de consolo.
- Eu tinha meu trabalho. Mas tive de enfrentar o desprazer de encarar a mulher
que havia arrasado nossas vidas. Ela chorou, jurou que aquilo era mentira e
que tudo não passara de um grande engano. Implorou para que eu acreditasse
nela e, para ser sincero, quase cheguei a acreditar. Ela representava muito
bem.
- Você estava apaixonado, Preston - salientou Cybil. - Era natural que
acreditasse nela.
- De qualquer maneira, acabei vendo Pamela como ela realmente era: uma
mulher ambiciosa, capaz de fazer qualquer coisa para conseguir aquilo que
queria. Apesar de tudo, ela terminou a temporada de apresentações. - Preston
sorriu com ironia. - Afinal, o show sempre deve continuar.
- E como você suportou tudo isso?
- Ela era competente como atriz, e foi apenas uma questão de lembrar a mim
mesmo que o trabalho era mais importante do que ela ou do que qualquer
outra coisa. - Ele arqueou uma sobrancelha. - Acha que foi uma atitude fria de
minha parte?
- Não. - Cybil pousou as mãos sobre os ombros dele. - Acho que foi uma atitude
corajosa. - Fechou os olhos por um instante, quando ele finalmente aceitou seu
abraço. - Ela não merecia ter alguém como você, Preston.
- Agora ela é apenas uma personagem interessante em uma peça de teatro. Enxugando uma lágrima que escorreu pelo rosto de Cybil, ele disse: - Não
chore. Eu não lhe contei isso para vê-la chorar, mas apenas para ajudá-la a me
compreender melhor.
- Eu o compreendo, Preston. Mas, mesmo assim, não posso deixar de lamentar
o que lhe aconteceu.
- Cybil. - Ele a trouxe mais para perto. - Se continuar expondo seu coração
desse jeito, alguém pode acabar arrasando-o.
Ela fechou os olhos, sem coragem de dizer a ele que isso já havia acontecido.
CAPÍTULO X
Chegara a hora de ter uma boa conversa com Preston McQuinn, pensou Daniel.
Mas não seria nada dificil. Tudo que teria de fazer seria levá-lo até seu
escritório, enquanto Cybil estivesse ocupada com Anna em algum outro
aposento da casa. Quanto a Matthew... Bem, com ele não haveria problema, já
que o rapaz passava a maior parte do tempo procurando inspiração para
montar seus brinquedos de metal. As esculturas de Matthew sempre o
deixavam surpreso e orgulhoso ao mesmo tempo. Não podia negar que o rapaz
era talentoso, embora criasse coisas esquisitas.
- Sente-se, meu rapaz. E aproveite para esticar um pouco as pernas. - Dizendo
isso, caminhou até a estante de onde tirou um exemplar de Guerra e Paz. Aceita um? - perguntou ele, abrindo o livro e revelando se tratar de uma caixa
de charutos.
Preston arqueou uma sobrancelha.
- Não, obrigado. Literatura interessante, sr. MacGregor.
- Bem, um homem deve saber o que fazer para não ser aborrecido pela esposa.
Daniel passou o charuto sob o nariz, apreciando seu aroma, e suspirou alto ao
sentar-se, antecipando o prazer que teria em fumá-lo. Com calma, destrancou
uma das gavetas de sua mesa e tirou dela uma concha que, pelo visto, era
usada regularmente como cinzeiro. Em seguida, também tirou da gaveta um
pequeno ventilador movido a pilha. Sem dúvida, seu mais novo artifício para
evitar que a esposa sentisse o cheiro do charuto.
- Anna não quer que eu fume - declarou ele, balançando a cabeça. - E quanto
mais velha ela está ficando, mais apurado está ficando também seu nariz. Às
vezes, mais parece o de um cão de caça - resmungou, encostando-se na
cadeira.
- E se ela aparecer? - indagou Preston, ao notar que ele pretendia mesmo
acender o charuto.
- Vamos nos preocupar com isso se e quando acontecer, meu rapaz.
Apesar da aparente despreocupação, Preston não deixou de notar que o velho
Daniel manteve o pequeno ventilador bem junto de si.
- Muito bem, sua nova peça está fazendo sucesso? - Sim, está.
- Quero que saiba que estou lhe perguntando isso porque quero saber mais
detalhes a seu respeito.
- Hum-hum - anuiu Preston, sem querer se arriscar a oferecer respostas mais
elaboradas.
- Admiro o trabalho de seu pai. Tenho alguns livros dele na minha estante. Daniel se ajeitou melhor na cadeira, dando uma baforada no charuto. - Alguém
me contou que Hollywood está bastante interessada em seu trabalho.
- Tem informantes muito bons, sr. MacGregor.
Daniel sorriu.
- Faço o possível para me manter sempre bem informado. Então, como vai indo
esse negócio com o cinema?
- Bem.
- Prefere manter a discrição, não é mesmo? Gosto disso. - Daniel bateu o
charuto levemente sobre a concha, antes de prosseguir: - Vai ficar em Nova
York por mais algumas semanas?
- Por mais um mês, provavelmente. A essa altura, a maior parte da reforma da
casa já deverá ter acabado.
- Uma belíssima casa com vista para o mar, não? - Daniel sorriu ao ver Preston
estreitar o olhar. - Alguém me disse todas essas coisas. E bom para um homem
ter uma casa própria. Alguns de nós simplesmente não conseguem viver em
prédios, dividindo as páredes da própria casa com as de outras pessoas. E bom
ter espaço para a família. Um lugar suficientemente grande para que seja
possível se fumar charuto sem ter de ouvir um sermão durante horas seguidas.
Preston pressionou os lábios, disfarçando o riso, enquanto Daniel dava outra
baforada no charuto.
- Tem razão - concordou Preston. - De qualquer maneira, tenho noção de que,
em questão de tamanho, minha casa não chega nem aos pés da sua.
- Você ainda é muito jovem. Irá aumentando a casa conforme for ficando mais
velho, pode acreditar. Também vai precisar da atmosfera do mar, como eu
precisei, e ainda preciso, para me manter em forma.
- Prefiro o mar à cidade - confessou Preston. Sem saber ao certo onde aquela
conversa iria dar, não estava conseguindo se sentir muito relaxado. - Se eu
tivesse de viver por muito tempo em um centro urbano, acho que acabaria
ficando maluco.
Daniel riu, olhando para Preston através da fumaça do charuto.
- Você é um homem que precisa de privacidade. Mas quando essa necessidade
se transforma em isolamento, ela deixa de ser saudável, não é mesmo?
Preston inclinou ligeiramente a cabeça.
- Desculpe-me, mas não estou vendo vizinhos entrando e saindo de sua casa,
sr. MacGregor.
Um sorriso curvou os lábios de Daniel.
- Tem razão. Porém, por mais que tenhamos privacidade, não estamos isolados.
Cybil também foi criada à beira-mar. - Daniel moveu o charuto entre os dentes.
- Mais especificamente em uma casa no litoral de Maine, onde o pai dela
guardava sua privacidade como um pit bull.
- Foi o que ouvi dizer - anuiu Preston.
- O pai dela é um bom homem. E não poderia ser diferente, já que se trata de
um Campbell. - Daniel tamborilou os dedos sobre o braço da cadeira. - E a
esposa dele é uma verdadeira dama, vinda de uma família tradicional. Os dois
se orgulham muito dos filhos.
- Bem, eles devem ter motivo para isso.
- Claro que têm - afirmou Daniel, com seu costumeiro tom incisivo. - Viu por si
mesmo, não? Minha Cybil é uma jovem brilhante e adorável. Tem um coração
enorme e é estimada por todos. Ela tem uma espécie de aura luminosa, você
não acha?
- Eu a considero única.
-
- E ela é mesmo. Cybil é a sinceridade em pessoa - continuou Daniel,
observando com atenção cada uma das reações de Preston. - Com mais
freqüência do que você imagina, ela deixa de considerar os próprios
sentimentos para dar importância aos sentimentos dos outros. Não que ela viva
servindo de capacho por aí, não com aquele sangue escocês correndo nas veias.
Ela revida quando é provocada, mas geralmente prefere se magoar a ter de
magoar outra pessoa. E confesso que isso me deixa um pouco preocupado.
Embora não estivesse ouvindo nada que já não houvesse presenciado, as
palavras de Daniel causaram uma certa inquietação em Preston.
- Não creio que deva se preocupar com Cybil, sr. MacGregor.
- Preocupar-se com os netos é um direito, um dever e... por que não? Um
prazer, para alguém com uma família tão grande quanto a minha. Sinto que
Cybil quer ter um lar, para pôr em prática todo o amor que traz guardado
dentro de si. E o homem que conquistar aquele coraçãozinho tirará a sorte
grande.
- Sim, tem razão.
- Notei o modo como você a olha, meu rapaz. - Daniel se inclinou para frente. E não foi preciso que alguém me dissesse isso.
Preston se tornou mais do que cauteloso.
- Como o senhor mesmo já disse, Cybil é uma mulher adorável.
- E você é um homem solteiro com trinta anos de idade. Quais são suas
intenções?
Ora, ora, aquela conversa estava ficando realmente séria, pensou Preston.
- Não tenho nenhuma intenção.
- Então está na hora de começar a ter. - Batendo o punho cerrado sobre a
mesa, Daniel acrescentou: - Não é cego ou idiota, é?
- Não, claro que não.
- Então o que está esperando, meu rapaz? A garota é exatamente o que você
precisa para animar um pouco essa sua natureza séria, para evitar que você se
feche em uma caverna, feito um urso com indigestão. - Estreitando o olhar,
Daniel tirou o charuto da boca e o segurou entre os dedos. - E se eu não
soubesse que você é a pessoa certa para ela, não estaria aqui, nesse momento,
tendo esta conversa com você. Pode acreditar.
Furioso por sentir-se encurralado, Preston ficou de pé.
- O senhor praticamente me atirou à porta dela, utilizando-se da desculpa de
me fazer um favor.
- Eu lhe fiz o melhor favor de sua vida, rapaz, e você deveria estar me
agradecendo por isso, em vez de ficar me olhando com esse ar indignado.
- Não sei como o resto da família lida com essa sua atitude de se meter na vida
das pessoas, sr. MacGregor. De minha parte, posso dizer que não gosto e nem
preciso disso.
- Se acha que não precisa da intervenção de alguém, por que continua
lamentando algo que já terminou há muito tempo, ou mesmo que nunca
existiu? Por que se negar a aceitar aquilo que está bem diante de seus olhos?
O olhar de Preston se tornou frio.
- Isso é problema meu.
- E seu defeito - replicou Daniel, satisfeito ao ver que seu comentário o afetara
de alguma maneira. - Já vivi mais de noventa anos neste mundo, tendo a
chance de observar as pessoas e a maneira como elas se comportam. E vou lhe
dizer uma coisa, Preston McQuinn, algo que você ainda não notou por si
mesmo, talvez por ser muito jovem ou muito teimoso: vocês dois combinam.
Um equilibra o outro.
- O senhor está enganado.
- Ah, essa é boa! - ironizou Daniel. - Cybil não o teria deixado freqüentar a casa
dela se não estivesse apaixonada. E você não teria aceitado vir até aqui, se
também não estivesse apaixonado por ela.
Daniel se recostou novamente na cadeira, satisfeito ao notar que Preston
empalidecera. O amor, para alguns, era mesmo algo assustador.
- O senhor entendeu mal - insistiu Preston, tentando manter a calma mesmo
sentindo uma sensação de aperto no estômago. - O que existe entre mim e
Cybil não tem nada a ver com amor. E se eu a magoar... Quando eu a magoar ele corrigiu -, parte da culpa será sua.
Dizendo isso, saiu com passos firmes. Daniel continuou fumando seu charuto.
Magoar-se era algo que fazia parte do amor, pensou consigo. Ainda da assim,
não pôde deixar de lamentar o fato de que sua preciosa menina sofreria um
pouco ao longo do caminho. E sim, sabia que em parte a culpa era sua. Mas
quando o rapaz parasse de teimar feito uma mula e a fizesse feliz... Ora, quem
mais receberia o crédito por isso a não ser o astuto Daniel MacGregor?
Sorrindo, terminou de fumar o charuto enquanto repassava seus planos com a
calma que somente um homem suficientemente vivido e sábio conseguia ter.
Cybil lamentou que a viagem até Hyannis houvesse deixado Preston de mau
humor. Algo que, segundo vinha notando, ainda não havia mudado mesmo
depois de eles haverem retornado para Nova York havia uma semana.
Preston era uma pessoa dificil. E ela aceitava isso. Agora que sabia tudo pelo
que ele havia passado, e tudo que haviam feito a ele, não conseguia ver muita
possibilidade de ele agir de modo diferente.
Para um homem com tanta sensibilidade, seria preciso um longo tempo até que
fosse possível ele voltar a confiar em alguém. E talvez mais tempo ainda para se
permitir sentir algo mais profundo por alguém.
Mas ela poderia esperar. Por mais que isso doesse. Não conseguia deixar de
lamentar quando ele a deixava e partia de maneira súbita, ou quando ele se
isolava, usando o trabalho como desculpa. Ultimamente, Preston também havia
adquirido o estranho hábito de tocar sax em horários inusitados, como se
aquilo fosse uma espécie de desabafo que precisava ser posto para fora no
exato momento em que algo o afligia.
Cybil tentou se convencer de que o trabalho devia estar causando problemas
para ele, embora Preston nunca mais houvesse falado a respeito dele com ela.
Talvez ele imaginasse que ela não fosse capaz de compreender toda a angústia
que envolvia o ato da criação artística. Embora isso a magoasse, convenceu-se
de que seria melhor aceitar a opção e o silêncio de Preston. Sempre havia
conseguido mentir melhor para si mesma do que para os outros.
Seu próprio trabalho havia tomado um novo rumo e estava exigindo mais
tempo e energia de sua parte. A reunião que ela havia tido antes de partir para
Hyannis havia sido importantíssima, mas ela não a mencionara para ninguém.
Talvez fosse um pouco de superstição de sua parte, concluiu ela, descendo do
táxi diante de seu prédio, mas era assim que ela preferia agir. Não quisera
contar nada a ninguém antes de ter certeza de que o negócio seria fechado. Mas
agora tinha certeza.
Levando a mão ao peito, sentiu as batidas fortes de seu coração. Então ouviu
seu próprio riso. Sim,agora tinha muita certeza, e mal podia esperar para
contar para todo mundo.
Talvez até oferecesse uma festa para comemorar. Uma festa animada, com
muita música e risos. Ah, e também com champanhe, balões coloridos e caviar.
Como que já entrando no espírito da festa, subiu os degraus que levavam à
entrada meio que dançando. Precisava ligar para seus pais, para o restante
tante da família e também teria de contar a Jody, para que as duas pudessem
trocar um daqueles grandes abraços cheios de entusiasmo.
Mas primeiro, teria de contar a Preston.
Respirando fundo, bateu com animação à porta do apartamento dele. Sabia que
ele estava trabalhando, mas isso era algo que não poderia esperar. Ele iria
entender. Eles tinham de comemorar. Tomar champanhe no meio da tarde até
ficarem zonzos e depois fazer amor loucamente.
Quando a porta se abriu, um sorriso radiante iluminava o rosto dela.
- Olá! Acabei de voltar de uma reunião e você não vai acreditar no que
aconteceu.
Preston estava com a roupa amassada e a barba crescida. Lamentou o fato de
que um simples olhar para Cybil pudesse fazê-lo esquecer completamente de
sua peça.
- Estou trabalhando, Cybil.
- Eu sei. Sinto muito, mas é que acho que vou explodir se não contar a alguém.
- Segurou o rosto dele entre as mãos. - De qualquer maneira, parece estar
mesmo precisando de um descanso.
- Estou no meio da elaboração de uma cena importante... - Ele começou, mas
Cybil continuou a falar.
- Aposto que ainda não almoçou. Por que não comemos sanduíches enquanto
eu...
- Eu não quero nenhum sanduíche. - Preston notou que o tom de sua voz se
alterara, mas não se importou com isso. - Não tenho tempo para comer agora.
Quero trabalhar.
- Mas você precisa se alimentar. – Abrindo a geladeira, Cybil começou a
procurar algo que pudesse preparar para eles. Então ouviu Preston subindo a
escada.
- Oh, droga.- resmungou com um suspiro desanimado e foi atrás dele.
- Tudo bem, vamos esquecer o sanduíche. Preciso apenas lhe contar como foi
meu dia. Pelo amor de Deus, Preston, este escritório está escuro feito uma
tumba.
Instintivamente, ela foi até a janela, com a intenção de afastar as cortinas.
- Mas que droga, Cybil! Deixe as coisas como estão!
Ela parou de repente, soltando a cortina devagar. Notou que Preston já havia
sentado novamente diante do computador, voltando a se isolar do resto do
mundo. Iluminado apenas pela lâmpada sobre a mesa e com uma xícara de
café deixada de lado, Preston continuou a trabalhar, mantendo-se de costas
para ela.
Naquele momento, nada do que ela dissesse importaria para ele.
- Para você, é tão fácil me ignorar, não? - protestou Cybil, magoada.
Preston manteve a mesma postura, recusandose a se sentir culpado.
- Não é fácil. Mas, no momento, isso é necessário.
- Claro, você está trabalhando, e é mesmo muita ousadia de minha parte
interromper um gênio criador, não é mesmo? Alguém cujo trabalho grandioso
eu simplesmente não tenho condições de entender.
Irritado, Preston se virou para ela.
- Você consegue trabalhar com pessoas fazendo algazarra à sua volta, eu não.
- Não se trata disso - continuou Cybil, no mesmo tom indignado. - Você
também já me ignorou em outras situações que não diziam respeito a trabalho.
Preston empurrou o teclado para o lado.
- Não quero discutir com você, Cybil.
- Sim, claro. Tudo depende do seu estado de humor: se quer ficar comigo ou
sozinho, se quer conversar ou ficar quieto, ou se quer me tocar ou me mandar
embora.
A voz de Cybil revelou um tom definitivo que deixou Preston apreensivo por um
instante.
- Se isso não a estava agradando, deveria ter dito antes.
- Você tem razão. Está absolutamente certo. Pois agora isso não está me
agradando, Preston. Não gosto de ser tratada como se eu fosse uma pessoa
inconveniente, à qual você só dá atenção quando isso o interessa. Não me
agrada ver assuntos que são tão importantes para mim sendo considerados
como coisas menores diante da "grandiosidade" do seu trabalho.
- Cybil, pelo amor de Deus. Você quer mesmo que eu pare de trabalhar para
ouvi-la falar como foi seu dia de compras enquanto comemos sanduíches?
Ela abriu a boca, mas fechou-a em seguida. Não sem antes emitir um breve
som de mágoa.
- Desculpe-me. - Furioso consigo mesmo, Preston ficou de pé. Cybil continuou
olhando-o como se houvesse levado uma bofetada.
- Estou tendo de me esforçar para conseguir terminar esse roteiro e estou
impaciente por isso. - Passou a mão pelos cabelos ao notar que ela não tivera
nenhuma reação.
- Vamos lá para baixo.
- Não, eu preciso ir. - Cybil decidiu ir embora, antes que acabasse passando
pela situação ridícula de chorar na frente dele.
- Preciso dar alguns telefonemas, e estou com dor de cabeça - acrescentou,
massageando a têmpora.
- Acho que preciso de uma aspirina.
Ela fez menção de sair, mas parou ao sentir a mão de Preston em seu braço.
Foi então que ele notou quanto ela estava trêmula.
- Cybil, eu...
- Não estou me sentindo bem, Preston. Vou para casa me deitar um pouco.
Desvencilhando-se dele, ela se encaminhou para a porta. Preston se encolheu
ao ouvi-la bater.
- Seu idiota - ralhou consigo mesmo.
Aborrecido, perambulou pelo aposento mantendo as mãos nos bolsos. Por fim,
aproximou-se da janela e afastou as cortinas.
O sol intenso o fez estreitar o olhar. Talvez ele estivesse mesmo muito isolado
do que se encontrava do outro lado daquela janela, pensou. Mas trabalhava
melhor assim, sem ter de dar explicações sobre seus hábitos de trabalho para
ninguém.
Ainda assim, não precisava ter magoado Cybil daquela maneira. O problema
fora ela haver aparecido feito por um furacão, e no pior momento possível. Ele
estava em meio a um momento de intensa concentração, com as falas e as
atitudes das personagens fervilhando em sua mente.
Não havia dispensado ou ignorado Cybil. Como diabos seria possível ignorar
alguém que ocupava a maior parte de seus pensamentos ao longo do dia?
Contudo, era isso que vinha tentando fazer, não era? Ignorá-la. E
deliberadamente, desde aquela conversa com Daniel MacGregor, em Hyannis.
No íntimo, sabia que o velho estava certo, por mais que detestasse ter de
admitir isso. Sim, estava apaixonado por Cybil. Mas se continuasse tentando
negar o sentimento, mantendo-o o mais de longe possível de seus pensamentos,
talvez ele desaparecesse por si só.
Não queria se arriscar no amor novamente, não depois de saber com tanta
precisão o que aquele sentimento era capaz de fazer a uma alma e a um
coração. Não iria se permitir ficar vulnerável mais uma vez. Não poderia.
Fechou as cortinas com um gesto súbito, dizendo a si mesmo que iria superar
aquilo. Logo as coisas voltariam a se equilibrar e ambos ficariam mais felizes.
De qualquer maneira, teria de encontrar um modo de se desculpar pela atitude
que havia tomado nos últimos dias. Cybil não fizera nada para merecer aquilo.
Desde que o conhecera, ela não havia feito outra coisa a não ser se doar
inteiramente. E ele não fizera outra coisa a não ser aceitar isso.
Ciente de que não conseguiria mais trabalhar, desceu para o andar de baixo.
Pensou em bater à porta do apartamento dela e se desculpar, mas, provavelmente, nesse momento era Cybil quem devia estar querendo ficar sozinha.
Então daria algum tempo para ela, enquanto saía para uma caminhada.
Não havia pensado em comprar flores para ela até passar diante de uma grande
floricultura. Não levaria rosas, elas eram muito formais. Margaridas também
não cairiam bem para a ocasião. Embora fossem alegres, eram muito comuns.
Então, decidiu-se por um belo vaso amarelo com tulipas vermelhas.
Havia sido muito rude com Cybil, mas mudaria aquela situação desagradável.
Ofereceria a ela tanto quanto ela lhe oferecera, até que ambos ficassem em pé
de igualdade. Assim, quando chegasse o momento da despedida, e ele chegaria,
ainda restaria a chance de eles se tornarem amigos. Por outro lado, já não
conseguia imaginar sua vida sem Cybil fazendo parte dela.
Passou o resto daquela tarde fora. Quando voltou para casa, no início da noite,
não se sentiu tolo por estar trazendo flores. Sentiu-se aliviado. E quando Cybil
abriu a porta, sentiu que aquele era o momento certo para ele estar ali, daquela
maneira.
- Conseguiu descansar um pouco?
- Sim, obrigada.
- Posso lhe fazer companhia?
Dizendo isso, Preston mostrou as flores a ela. Ao vê-las, Cybil não conseguiu
disfarçar a surpresa.
- Gosta de tulipas? - perguntou ele.
- Ah... Sim, claro. São lindas - respondeu ela, aceitando o vaso e levando-o até
a mesa.
- Sinto muito sobre o que aconteceu essa tarde - Preston se desculpou.
- Oh.
Então as flores eram um pedido de desculpas, concluiu Cybil. Deixando de
lado a vaga sensação de desapontamento, virou-se para ele com um meio
sorriso.
- Não tem importância. É isso o que acontece quando se perturba um urso em
sua caverna.
- Importa sim - insistiu ele. - E eu realmente sinto muito.
- Tudo bem.
- Só isso? Muitas mulheres fariam um homem se ajoelhar em uma situação
como essa.
- Não sou do tipo que gosta de humilhar os homens. Portanto, considere-se um
homem de sorte.
Preston levou a mão dela aos lábios e beijou-lhe a palma com delicadeza.
- Sim, sou um homem de sorte.
Pela segunda vez, viu um brilho de surpresa nos olhos dela. Nunca havia sido
verdadeiramente terno com ela, concluiu ele, indignado com a própria tolice.
Nunca havia oferecido a Cybil um pouco mais de romance.
- Pensei em convidá-la para jantar, se você estiver se sentindo melhor, claro.
Cybil pestanejou, cada vez mais surpresa.
- Jantar fora?
- Sim, se você quiser. Mas, se preferir, poderemos ter um jantar mais calmo
aqui mesmo - acrescentou, aproximando-se dela. - Você é quem decide.
Segurando o rosto de Cybil entre as mãos, roçou os lábios junto à testa dela.
- Quem é você? E o que está fazendo no corpo de Preston?
Ele começou a rir e beijou-lhe uma face, depois a outra.
- Diga-me o que você quer, Cybil.
"Apenas receber seu carinho, assim", respondeu ela, em pensamento.
Eu vou preparar alguma coisa para comermos aqui mesmo.
- Se prefere ficar, então eu vou providenciar alguma coisa.
- Você? - Ela riu. - Você?! Tudo bem, já entendi. Vou chamar os bombeiros
porque, com certeza, estaremos correndo risco de vida.
Preston abraçou-a com força e riu.
- Eu não disse que vou cozinhar. Vou apenas pedir alguma coisa para nós.
- Oh, bem. Sendo assim...
Cybil não conteve um suspiro. Era maravilhoso se ver envolta mais uma vez por
aqueles braços fortes.
- Você está tensa - observou ele, deslizando as mãos pelos braços dela para
tentar fazê-la relaxar. - A dor de cabeça ainda a está incomodando?
- Não muito.
- Bem, por que não sobe e toma um banho relaxante na banheira? Depois
poderá vestir uma daquelas camisetas grandes e confortáveis, que você tanto
gosta, e então poderemos jantar.
- Eu estou bem. Posso...
Cybil se interrompeu quando os lábios de Preston capturaram os seus em um
beijo deliciosamente inesperado. Um beijo carinhoso e sensual que a deixou
com as pernas trêmulas.
- Agora suba - mandou ele, sorrindo quando ela o olhou com ar confuso. - Eu
cuidarei de tudo.
- Tudo bem. Acho que ainda estou mesmo um pouco zonza. - Isso explicaria por
que ela não estava nem conseguindo subir direito os degraus da escada de seu
próprio apartamento. - O número... Ah, o número do telefone da pizzaria está
sobre a mesinha...
- Pode deixar que eu cuidarei de tudo por aqui - ele repetiu, fazendo um gesto
para que ela subisse.
- Relaxe, sim?
- Está bem. - Cybil subiu alguns degraus, mas logo parou e olhou para ele. Preston? - Sim?
- Você... - Ela sorriu e balançou a cabeça. - Nada. Prometo que não vou
demorar.
- Demore o tempo que quiser - respondeu ele.
De fato, levaria algum tempo para fazer com que tudo estivesse perfeito quando
ela voltasse. Se aquela pequena demonstração de romantismo a deixara
surpresa, com certeza Cybil ficaria sem palavras quando visse a noite que ele
havia planejado para os dois.
Ao pegar o telefone, procurou em qual das teclas de memória estava registrado
o número da melhor amiga de Cybil.
- Jody? Oi, aqui é Preston McQuinn. Sim, tudo bem. Você sabe se Cybil tem
preferência por algum restaurante aqui por perto? Não. - Ele riu. - Nada de fast
food. Vamos sofisticar um pouco o cardápio, sim? Que tal um restaurante
francês ou algo do gênero?
Preston não conseguiu deixar de rir ao ouvir o longo "Oh" da amiga de Cybil, do
outro lado da linha. Então anotou o número de telefone do restaurante que ela
lhe passou.
- Agora vamos ver se você consegue me fazer o grande favor final - disse a ela,
ainda sorrindo.
- Qual das sobremesas servidas por esse restaurante a deixa maluca? Hum...
Ótimo, já anotei. Noite especial? - Ele riu, olhando para o teto.
- Não, nada especial. Apenas um jantar tranqüilo. Muito obrigado pela dica,
Jody.
Riu novamente quando Jody continuou a lhe fazer perguntas.
- Ei, ambos sabemos que ela vai lhe contar tudo isso manhã.
Após se despedir, ligou para o restaurante e fez os pedidos. Então, puxou as
mangas "metaforicamente", e partiu para o trabalho.
CAPÍTULO XI
Cybil seguiu o conselho de Preston e demorou um bom tempo relaxando na
banheira. Precisava daquele tempo para se acostumar àquela nova atitude dele.
Ou seria aquilo, ponderou ela, apenas um lado de sua personalidade que ele
ainda não havia tido oportunidade de demonstrar?
Como poderia imaginar que Preston tinha um lado tão romântico? E como
poderia prever que o fato de ele lhe demonstrar isso dificultaria ainda mais o
controle de seus próprios sentimentos?
Amava-o de qualquer maneira, sob qualquer circunstância. Mas não havia
mulher que resistisse a todas aquelas demonstrações de gentileza e romantismo. Deus, até onde seu amor iria chegar? Seria possível conseguir amálo ainda mais? Difícil. Mas não impossível.
Tinha noção de que Preston estava fazendo aquilo para se desculpar, por havêla magoado. Na verdade, ele não tinha idéia do que realmente havia feito a ela.
Contudo, o mais importante, pelo menos para ela, era o fato de ele querer se
desculpar de alguma maneira. Como poderia ne- gar um pedido de desculpas
vindo de Preston?
Uma noite tranqüila, com um jantar íntimo e casual, seria perfeita para eles.
Preston não gostava de multidões e, no momento, ela própria também não
estava com disposição para ir a um lugar mais agitado. Por isso, comer pizza
diante da tevê lhe pareceu um bom programa. Ela e Preston teriam a chance de
rir e de conversar sobre ame- nidades. Mais tarde, talvez até fizessem amor no
sofá enquanto um filme em preto-e-branco estivesse sendo exibido na sessão da
madrugada. Finalmente as coisas voltariam a ser simples entre eles.
Sentindo-se mais calma e relaxada, vestiu um longo robede seda azul, escovou
os cabelos e começou a descer a escada. Foi então que uma música suave lhe
chegou aos ouvidos. Um som envolvente e sedutor. Não ficou surpresa. Afinal,
Preston gostava daquele tipo de música e até tocava aquele estilo com seu sax.
Porém, ao descer mais alguns degraus, viu o candelabro sobre a mesa com
suas velas acesas. Preston estava ao lado da mesa, esperando-a com um
sorriso charmoso. Havia trocado de roupa e estava trajando uma calça e uma
camisa pretas, além de haver feito a barba.
Ao vê-la, ele lhe estendeu a mão. Cybil se aproximou devagar e pousou a mão
sobre a dele, encantada com a maneira como a chamas das velas se refletiam
sobre os cabelos e os olhos dele.
- Está se sentindo melhor?
- Sim, muito. O que está acontecendo aqui?
- Nós vamos jantar.
- Mas o cenário está um pouco elaborado para... - Cybil se interrompeu quando
Preston levantou-lhe a mão e roçou os lábios sobre seus dedos, deixando-a sem
fôlego por um instante. - Pizza - completou ela.
Preston sorriu.
- Gosto de olhar seu rosto à luz de velas - explicou. - Gosto do efeito das
chamas no brilho de seus olhos. - Puxando-a delicadamente para si, beijou-a
nos lábios. - E sobre sua pele. - Roçou os lábios sobre a face dela. - Acho que
esqueci de quanto você é delicada e acabei indo longe demais em minha falta de
consideração.
- O quê? - Cybil estava se sentindo ligeiramente zonza.
- Tenho sido descuidado com você, Cybil. Mas não serei esta noite. - Dizendo
isso, beijou a mão dela, provocando-lhe um arrepio. - Tenho algo para você falou ele, pegando uma pequena caixa com um laço cor-de-rosa que havia sido
deixada sobre o balcão.
Cybil levou as mãos às costas, em um gesto instintivo.
- Não quero nenhum presente, Preston. Não preciso de presentes.
Ele franziu o cenho, surpreso com o tom defensivo na voz dela. Somente depois
de alguns segundos, foi que se deu conta de que ela estavapensando em
Pamela.
- Não estou lhe oferecendo isso porque você precise, ou porque tenha pedido explicou a ela.
- Quero lhe dar isso porque me fez lembrar de você. - Ele entregou a caixinha a
ela. - Abra antes de se decidir. Por favor.
Sentindo-se meio infantil, Cybil pegou a caixinha e retirou o laço com cuidado.
- Bem, quem não gosta de presentes? - disse, com bom humor. - Além do mais,
você esqueceu meu aniversário.
- Esqueci?
Preston se mostrou tão chocado que a fez rir.
- Sim, ele foi em janeiro, e o fato de que você ainda não me conhecia não serve
de desculpa para não ter me dado um presente. Então este aqui...
Cybil se interrompeu de repente, olhando para o inusitado par de brincos
repousados sobre o veludo da caixinha. Dois pingentes de hematita mostrando
vários peixinhos sobrepostos. Feito um pequeno cardume de sardinhas prontas
para entrar na lata.
- Eles são ridículos. - Cybil riu, encantada.
- Eu sei.
- Mas eu adorei.
- Eu sabia que você ia gostar. - Preston sorriu, satisfeito.
Com um brilho de felicidade no olhar, ela segurou os pingentes junto às
orelhas.
- Que tal?
- Adoráveis e inusitados, como você.
Cybil enlaçou os braços em torno do pescoço dele e o beijou com uma paixão
que fez Preston sentir o sangue esquentar. Então ouviu um soluço.
- Ah, meu Deus. Não, não faça isso.
- Sinto muito. - Cybil soluçou novamente, escondendo o rosto junto ao pescoço
dele. - É que flores, candelabros e peixinhos... Muita coisa de uma vez,
entende? - Respirando fundo, tentou se acalmar e deu um passo atrás. - Muito
bem, já passou - declarou, passando as mãos pelo rosto, com ar decidido.
- Graças a Deus. - Preston passou o polegar pelo rosto dela, enxugando uma
lágrima que insistira em surgir. - Pronta para o champanhe?
- Champanhe? Ora, é difícil não se estar pronto para tomar champanhe.
Cybil ficou olhando Preston ir até a cozinha e começar a abrir o champanhe
deixado em um balde com gelo. O que dera nele afinal? Tinha de haver um
motivo para todo aquele contentamento...
- Já sei! - exclamou ela, de repente. - Você terminou o roteiro! Oh, Preston, você
conseguiu terminar?
- Não, não terminei.
A rolha do champanhe finalmente saltou e ele serviu a bebida.
- Oh. - Voltando a se sentir confusa, Cybil franziu o cenho.
- Então, o que estamos celebrando?
- Você. - Preston tocou o copo no dela, em um brinde. - Apenas você.
Ele pousou a mão sobre o rosto de Cybil, antes de levar seu próprio copo aos
lábios dela.
Cybil provou a bebida, fechando os olhos por um instante para apreciar melhor
aquele sabor todo especial. A maneira como Preston a estava fitando quando
ela voltou a abrir os olhos deixou-a entontecida.
- Não sei o que lhe dizer.
- Não precisa dizer nada - respondeu ele.
- Apenas aproveite a noite que preparei para você. Cybil sentiu um arrepio de
expectativa.
- Puxa, quais serão as surpresas que me aguardam? Já estava me sentindo feliz
demais com as que tive até agora.
- Eu ainda nem comecei... - Preston tirou o copo da mão dela e o deixou de
lado, antes de envolvê-la em seus braços. Roçando os lábios nos dela ao ritmo
da música, ele sussurrou: - Nunca a tirei para dançar.
- Não. - Cybil fechou os olhos. - Nunca.
- Então dance comigo, Cybil.
Como se aquele fosse o gesto mais natural naquele momento, ela levou a mão
ao ombro dele e encostou a cabeça em seu ombro, deixando-se levar pelo ritmo
da música. Iluminados apenas pelas suaves chamas das velas, os dois ficaram
ali durante algum tempo, desfrutando aquela agradável atmosfera de
intimidade.
Ao sentir os lábios de Preston roçando seu queixo, Cybil levantou o rosto de
modo que seus lábios encontrassem os deles. Sua pulsação estava acelerada,
mas seus movimentos, ao ritmo da música, eram lentos, quase preguiçosos.
- Preston... - murmurou, equilibrando-se na ponta dos pés para beijá-lo com
mais intensidade.
- Deve ser o jantar - falou ele, ainda com os lábios junto aos dela.
- Hum?
- O jantar. A campainha.
- Oh.
Cybil tivera a impressão de ouvir uma campainha, mas o ruído lhe parecera tão
distante que
ela pensara que o som. houvesse vindo de outro apartamento.
- Espero que não fique desapontada - disse Preston, enquanto abria a porta.
- Não é pizza.
- Oh, tudo bem. Qualquer coisa está bom para mim.
Como ele queria que ela se preocupasse com comida com todo seu corpo
ardendo de desejo por ele? Entretanto, não conseguiu esconder o ar de espanto
ao ver garçons uniformizados entrando no apartamento.
Aturdida, ficou observando os homens arrumarem as iguarias sobre a mesa
com eficiência e discrição. Eles partiram em menos de dez minutos, e somente
então Cybil conseguiu voltar a falar.
- Isso... parece estar maravilhoso.
- Venha sentar-se. - Preston lhe segurou a mão e indicou um lugar para ela,
antes de se inclinar e beijá-la na nuca.
Cybil se lembrava de haver comido alguma coisa, mas não tinha muita certeza
do que fora e nem de como o fizera. Era como se seu poder de observação
houvesse decidido abandoná-la de repente. Toda sua atenção estava centrada
em Preston, e somente nele. Só conseguia se lembrar da maneira como os
dedos gentis haviam tocado os seus e de como aqueles lábios macios haviam
roçado a pele sensível de sua mão em determinados momentos. A maneira
charmosa como ele sorrira e servira mais champanhe, que ela bebera até sentir
a cabeça ficar leve, muito leve.
Também se lembrava com clareza da maneira como ele a carregara nos braços,
com infinita gentileza, até o andar de cima. E de como ele a colocara com todo
cuidado sobre a cama, em meio aos lençóis perfumados. Acendeu as velas do
candelabro, como já havia feito antes, mas dessa vez se aproximou de uma
maneira diferente. Uma maneira permeada por uma espécie de magia carinhosa e sensual que Cybil não saberia ao certo como definir, apenas sentir.
Um beijo intenso e apaixonado iniciou o ritual de amor. Preston ofereceu a ela
mais do que conseguia se imaginar capaz de oferecer a alguém, e encontrou na
resposta sem reservas de Cybil mais do que poderia sonhar.
Fizeram amor lentamente, sem pressa, sem receios. Para ambos, aquele
delicioso compartilhamento íntimo foi uma espécie de descoberta mútua, algo
que viveria apenas na lembrança dos dois.
Quando Preston abriu o robe de Cybil, ficou algum tempo admirando suas
formas perfeitas, lisonjeando-a com aquele olhar de indisfarçável desejo.
- Você é tão linda, Cybil - disse, fitando-a nos olhos.
- Quantas vezes deixei de lhe dizer isso? De lhe mostrar isso?
- Preston...
- Deixe que eu lhe faça isso. Deixe-me vê-la sentir prazer ao ser tocada como eu
deveria tê-la tocado antes. Assim... - murmurou ele, percorrendo toda a
extensão do corpo macio e cheio de curvas com a ponta do dedo indicador.
Cybil conteve o fôlego e fechou os olhos, envolvida por uma sensual onda de
prazer. Então ele inclinou a cabeça, traçando com os lábios e a língua a mesma
trilha de fogo que seu dedo havia deixado.
Gemidos de prazer irromperam na garganta de Cybil, emergindo por entre seus
lábios entreabertos. Vulnerável ao toque das mãos e dos lábios experientes de
Preston, estremeceu completamente quando uma onda mais intensa de prazer
arrebatou-a de repente.
Preston continuou a doce tortura, sentindo-se satisfeito ao vê-la gemer e
arquear o corpo em meio ao poderoso abandono sensual. Mas ainda não era
suficiente. Queria oferecer mais a Cybil. Muito mais.
Ao se unir a ela por completo, deixou que o desejo, dessa vez permeado por
uma infinita ternura, conduzisse seu corpo e o de Cybil por aquela escalada de
sensualidade. Com movimentos intensos e ternos ao mesmo tempo, Preston a
arrastou consigo para aquele universo de prazer que sempre guardava uma
surpresa, nunca se revelando exatamente da mesma maneira.
Quando Cybil acordou, sorriu ao ver que Preston continuava ali, a seu lado,
abraçando-a com o mesmo carinho com que a envolvera quando os dois haviam
adormecido nos braços um do outro, exaustos depois do amor.
- Definitivamente, essa foi a primeira colocada na lista moderna dos "Dez Tipos
de Noites Românticas Possíveis de Acontecer na Vida de uma Mulher" - disse
Jody; trocando a fralda de Charlie com sua costumeira habilidade, enquanto o
bebê insistia em dar suas opiniões naquela linguagem que somente ele mesmo
entendia. - Ganhou de longe do passeio de carruagem no Dia dos Namorados,
com uma dúzia de rosas brancas e um par de brincos de diamante que minha
prima, Sharon, ganhou. Ela vai ficar indignada.
- Nunca alguém me deu tanta atenção - confessou Cybil, abraçada a um dos
ursinhos de pelúcia da vasta coleção de Charlie. - Não foi apenas o... Você sabe.
- Mas o "você sabe" também foi maravilhoso, certo? - indagou Jody, fechando a
fralda.
- Foi indescritível. Você se lembra daquela cena em Corações em Chamas,
quando Martin e Alessa finalmente descobrem que haviam sido separados
durante anos pelo tio cruel e ambicioso?
- Oh, meu Deus. - Jody revirou os olhos, pegando Charlie no colo. - Se me
lembro! Fiquei acordada até as duas horas da manhã lendo aquele livro, e
acabei acordando Chuck. - Sorriu com ar maroto. - Ficamos um pouco
cansados no dia seguinte, mas valeu. a pena. - Ela levou Charlie para a sala e
colocou-o sobre o tapete, para ele engatinhar. - Foi mesmo tão bom assim?
- Foi melhor.
- Não acredito.
- Foi como se Preston houvesse me oferecido não apenas seu coração, mas
também sua alma. E eu fiz o mesmo em relação a ele.
- Puxa. - Jody sentou-se na cadeira mais próxima. - Isso foi lindo, Cyb. Lindo
mesmo. Você também deveria escrever um romance qualquer dia desses.
- Mas não foi apenas isso que me impressionou. Foi todo o conjunto, entende? Brincando com Charlie, ela prosseguiu: - Estou tão apaixonada, Jody. Não
acredito que seja possível amar tanto assim sem ter esse sentimento
transbordando por você. Ele parece grande demais para ficar contido apenas
aqui, dentro de mim.
- Oh. - Jody exalou um longo suspiro. - Quando vai contar a ele?
- Não posso. - Também suspirando, Cybil pegou o martelinho de plástico de
Charlie e começou a batê-lo na mão, produzindo um ruído que chamou a
atenção do bebê.
- Não sou corajosa o suficiente para dizer-lhe algo que ele não quer ouvir.
- Cyb, o homem está louco por você.
- Ele tem sentimentos em relação a mim, e talvez se eu conseguir esperar e
convencê-lo de que não pretendo magoá-lo, Preston se permita sentir algo mais.
- Magoá-lo? - Jody franziu o cenho. - Cybil, você nunca magoou ninguém. Mas
talvez, dessa vez, esteja magoando a si mesma.
- Ele tem motivos para ser cauteloso - disse ela, levantando a mão antes de
Jody fizesse alguma pergunta. - Não posso lhe contar, mas sei que ele tem
motivos para agir assim.
- Tudo bem. Eu entendo.
- Obrigada. Agora preciso ir, ainda tenho uma porção de coisas para fazer.
Precisa de alguma coisa?
- Na verdade, preciso sim. Mas só se você for sair.
- Acrescentarei seu pedido à minha lista. Já vou pegar algumas coisas para a
sra. Wolinsky e prometi, à sra. Peebles que lhe traria algumas uvas verdes do
mercado, se elas estivessem boas. Deixe-me pegar a lista... - falou ela,
procurando o papel nos bolsos.
- Só vou lhe pedir isso porque vai sair de qualquer maneira e porque é você. Jody mordeu o lábio, então sorriu. - Não conte a ninguém que vai comprar isso
para mim, está bem?
- Pode deixar. - Distraída, Cybil finalmente encontrou a lista dentro da carteira.
Cybil acabou demorando mais tempo do que imaginara. Quando entregou os
itens para a sra. Wolinsky, as uvas à sra. Peebles, uvas que ela achara tão
bonitas que comprara uma porção para si mesma, e finalmente bateu à porta
de Jody, já passava das cinco horas da tarde.
Fez um ar de frustração quando a amiga não respondeu. Pelo visto, Jody havia
precisado sair por algum motivo. Carregando as compras, voltou para o
elevador e foi para o andar de cima.
Um inevitável sorriso surgiu em seus lábios quando ela viu Preston esperando
por ela no corredor.
- Oi!
- Olá, vizinha. - Ele pegou os pacotes e beijou-a nos lábios. - Ei, o que traz aqui
dentro? Tijolos?
Cybil riu, procurando as chaves.
- Mantimentos, produtos de limpeza e algumas outras coisinhas. Comprei
algumas coisas para você também. As maçãs estavam muito bonitas é mais
saudável comê-las enquanto está trabalhando do que ficar se empanturrando
com doces e coisas do gênero.
Encontrou as chaves com um breve "A-ha!" e destrancou a porta.
- Oh, e também um pouco de amoníaco, para limparmos aquelas suas janelas.
- Maçãs e amoníaco. - Preston colocou os pacotes sobre a mesa. - O que mais
um homem pode querer?
- Torta de nozes, diretamente da doceria. Sinto muito, mas não consegui
resistir.
- Pois ela terá de esperar.
Dizendo isso, Preston a tomou nos braços e rodopiou com ela.
- Ei, está mesmo de bom humor, não? - disse ela, sorrindo ao beijá-lo. - Se seu
sorriso for além disso, talvez acabe tendo problemas no maxilar.
- Terminei de escrever a peça, Cybil - declarou ele.
- Terminou? - Ela o abraçou com força. - Oh, Preston, isso é maravilhoso!
- Nunca terminei um roteiro tão rapidamente. Ele ainda precisa de alguns
ajustes, claro, mas o principal está pronto. Está tudo lá. E você teve muito a ver
com isso.
- Eu?
- Assim que parei de tentar afastá-la e me isolar para escrever, o conteúdo
simplesmente fluiu.
- Posso ler o roteiro?
- Sim, depois que eu burilá-lo um pouco mais. Agora vamos jantar para
comemorar.
- Jantar? Só se estiver disposto a celebrar um acontecimento tão importante
assim com espaguete e almôndegas.
- Para mim, está ótimo. - Sem se importar em parecer sentimental,
acrescentou: - Desde que seja com você, aquela que um dia pagou um jantar a
um músico faminto.
- Ah, meu Deus, você colocou isso na peça? E sobre eu haver lhe pagado para
jantar comigo? Oh, Deus, estou perdida.
- Você vai gostar, não se preocupe.
Cybil arregalou os olhos.
- Então eu apareço mesmo na peça? Com que nome eu apareço?
- Zoé.
- Zoé? - Ela apertou os lábios, pensativa. - Gostei.
- Nada que fosse muito comum iria combinar com você - Preston explicou.
- Você parece tão feliz. - Aproximando-se, Cybil acariciou os cabelos dele. - E é
tão bom vê-lo feliz.
- Venho me sentindo assim com muita freqüência ultimamente. Agora vamos.
- Ei, primeiro preciso guardar as compras. Depois me arrumarei um pouco e
poderemos sair.
- Então vá se arrumar enquanto eu guardo as compras - sugeriu ele.
- Está bem - Cybil concordou, já se dirigindo à escada. - Mas tome cuidado
para guardá-las nos lugares certos, sim?
- Pode deixar comigo - Preston respondeu, começando a tirar os itens de um
dos pacotes.
Ele havia ficado impaciente durante aquela última hora, esperando Cybil voltar
para poder lhe contar a novidade. Queria que ela fosse a primeira pessoa a
saber. Também estava ansioso para dizer que, de alguma maneira, em algum
momento ao longo das últimas semanas, tudo havia mudado em sua vida. Por
mais que houvesse lutado contra aquilo e tentado ignorar o que estava
sentindo, nada havia resolvido. Chegara à conclusão de que pela primeira vez
depois de muito, muito tempo, voltara a se sentir feliz.
Cybil tinha razão, ele estava feliz. E não era apenas por causa da peça. Cybil
era o motivo principal de sua felicidade, sempre fora.
Isso havia transparecido em sua peça, por meio das falas das personagens, e
dos contextos que ele havia criado. Era impossível resistir ao brilho da
personalidade de Cybil, e isso estava lá, em sua peça, para que todos pudessem
ver e aplaudir.
A felicidade entrara em sua vida juntamente com Cybil, com seus biscoitos, sua
conversa animada, seus risos e seu jeito encantador.
O que sentia por ela o preenchera por inteiro, como que salvando-o de um
destino solitário e desafortunado. Sim, ela o havia salvado. E, por isso, a última
frase de sua peça era: "O amor cura".
Com algum tempo e certo esforço, tivera a chance de construir ao lado dela o
tipo de vida em que deixara de acreditar ao sofrer aquela desilusão no passado.
Pensativo, começou a tirar os itens do segundo pacote de compras. E então, ao
pegar uma determinada caixa, sentiu todo aquele mundo recém organizado cair
de repente sobre sua cabeça.
- Eu ia trocar de roupa, mas decidi não perder tempo para começar nossa
comemoração. - Cybil desceu a escada rapidamente, com os brincos que
Preston havia lhe dado de presente balançando nas orelhas. - Só preciso ligar
para Jody antes de sairmos, para ver se ela já voltou.
- O que diabos é isso, Cybil? - Pálido de fúria, Preston mostrou a ela o kit para
teste de gravidez. - Você está grávida?
- Eu...
- Você acha que está grávida e não me disse nada? O que pretendia fazer?
Esperar o momento, o lugar e o humor certos para me contar?
O brilho de animação que Cybil trazia no olhar desapáreceu de repente.
- E isso o que você pensa, Preston?
- O que diabos você acha que eu devo pensar? Sai por aí, toda sorridente, e
depois eu encontro isso. - Ele mostrou a caixa. - E depois vem me dizer que não
mente, que não brinca com os sentimentos de ninguém. O que mais posso
deduzir a seu respeito?
- Isso faz de mim alguém como Pamela, não é? - Toda a felicidade que havia
preenchido o coração de Cybil ao longo do dia de repente pareceu se
transformar em cinzas. - Uma pessoa calculista e enganadora. Alguém disposta
a usá-lo em, proveito próprio, é isso?
Preston disse a si mesmo que precisava se acalmar, antes que acabasse
fazendo alguma besteira ou perdendo o controle da situação.
- Isso é entre mim e você. Não diz respeito a ninguém mais. Quero uma
explicação.
- Imagino se essa questão seja mesmo entre mim e você, sem envolver ninguém
mais - replicou ela. - Vou lhe dar uma explicação, Preston. Comprei maçãs para
você, uvas para a sra. Peebles, alguns itens para a sra. Wolinsky e esse kit de
gravidez para Jody. Ela acha que está esperando um irmãozinho para Charlie.
- Jody?
- Isso mesmo. - Cybil continuou a sentir um aperto no peito.
- Não estou grávida. Portanto, pode ficar tranqüilo.
- Sinto muito.
- Eu também. Sinto realmente muitíssimo. -Ela teve de se esforçar para conter
as lágrimas ao pegar a caixa e examiná-la. - Jody estava tão feliz quando me
pediu para comprar isso. Tão esperançosa. Para algumas pessoas, a idéia de ter
um filho é sinônimo de felicidade, mas para você... - Ela colocou a caixa sobre a
mesa e olhou para Preston. - Para você é uma ameaça, uma lembrança ruim do
passado.
- Foi uma reação impensada, Cybil. Reconheço que fui precipitado.
- Cruel, seria a palavra mais apropriada. O que teria feito se eu estivesse
mesmo grávida, Preston? Começaria a me acusar, dizendo que montei uma
armadilha para arruinar sua vida?
Ou, quem sabe, começaria a pensar que dormi com outro homem e que nos
divertimos muito à sua custa.
- Não, eu não diria isso. - A simples idéia o fez estremecer.
- Não diga tolices. Claro que eu não pensaria isso.
- Tolices? Tolice sobre o quê? Se ela fez, por que eu não o faria? Por que diabos
eu não faria? Você acabou de trazê-la para cá e de colocá-la bem aqui entre
nós, Preston. E foi você quem permitiu isso.
- Tem razão. Cybil, eu...
Ela deu um passo atrás quando ele tentou tocá-la.
- Não toque em mim! Não suportarei ser tocada por alguém que me considera
como uma mulher qualquer. Fui sincera com você durante todo esse tempo,
Preston, e você não tinha o direito de me magoar desse jeito. Também fui idiota
por permitir que você me magoasse. Mas agora chega. Vá embora, por favor.
- Não irei embora antes de esclarecermos essa situação.
- Ela já está esclarecida. Não o culpo pelo que aconteceu. Na verdade, também
tive culpa nessa história. Você foi sincero comigo. "Isso é tudo que posso lhe
oferecer. Não peça nada além disso", você mesmo disse. Eu me envolvi porque
quis, mas isso não voltará a acontecer. Preciso de alguém que me respeite e que
confie em mim. E não aceitarei nada menos do que isso. Portanto, vá embora. Ela foi até a porta e a abriu com um gesto firme.
- Vá embora daqui.
Apesar da fúria nos olhos de Cybil, eles estavam marejados de lágrimas e as
mãos fechadas sobre suas coxas estavam trêmulas. Apesar de a porta haver
sido aberta, Preston continuou olhando-a.
- Eu estava errado. Completamente errado, Cybil. E sinto muito por isso.
- Eu também. - Ela começou a tamborilar os dedos sobre a porta, então
respirou fundo. - Eu menti. Não fui sincera com você em absolutamente todos
os momentos, Preston. Mas serei de agora em diante. Estou apaixonada por
você e lamento que tudo tenha de terminar assim.
Preston tentou argumentar uma última vez, mas Cybil passou correndo por ele
e foi para o quarto, onde se trancou.
Aflito, ele passou a mão pelos cabelos e voltou para seu apartamento. Não
precisava ser assim. Não precisava.
CAPÍTULO XII
- Preciso achar esse sujeito e acertar algumas contas com ele - disse Grant
Campbell por entre os dentes, andando de um lado para outro da cozinha e
lembrando um dragão prestes a cuspir fogo.
- Isso não a faria parar de sofrer - salientou Gennie, afastando-se da janela de
onde estivera observando a filha.
Notando a atitude impaciente e irritada do marido, lembrou-se do homem por
quem ela havia se apaixonado muitos anos antes. Grant ainda mantinha
alguns traços do caráter incisivo da juventude, só que permeados pelo
charmoso ar da maturidade. Seu amor por ele havia mudado ao longo dos
anos, mas não havia dúvida de que continuava tão intenso quanto antes.
- Pelo menos iria fazer eu me sentir bem melhor - resmungou ele. - Vou sair
para buscá-la.
- Não, você não vai. - Gennie pousou a mão sobre o braço dele, antes que ele
passasse pela porta. - Deixe-a sozinha por algum tempo.
- Mas está ficando escuro - argumentou Grant, sentindo-se impotente.
- Cybil virá quando sentir que está pronta.
- Não sei se vou agüentar isso. Detesto ver a sombra de tristeza que Preston
deixou nos olhos dela.
- É preciso se ferir, antes de se curar. Ambos sabemos disso. - Gennie abraçou
o marido e repousou a cabeça sobre o ombro dele. - Ela sabe que estamos aqui.
- Era mais fácil quando algum deles caía, se machucava e precisava de
cuidados. Pelo menos sabíamos o que fazer.
Gennie sorriu.
- Não era o que você pensava na época. - Afastando-se um pouco, segurou o
rosto dele entre as mãos. - Você sempre se feriu mais do que eles.
- Eu apenas queria aninhá-los no colo e fazer a dor passar. Como quero fazer
com ela agora. Depois irei atrás do sujeito e acertarei as contas com ele.
- Também estou sofrendo por vê-la sofrer - confessou Gennie. Sorrindo,
acrescentou: -- Se pudesse, também quebraria o pescoço do "sujeito", como
você diz. Mas sabemos que essas coisas não se resolvem assim.
Foi dessa maneira que Cybil os encontrou ao entrar na cozinha. Os dois
abraçados diante da janela, fitando-se nos olhos.
Mais do que nunca, teve certeza de que era aquilo que ela queria para si. Havia
sido criada em meio àquela atmosfera romântica e tranqüila, e não conseguia
se imaginar criando seus próprios filhos em um ambiente diferente.
Aproximando-se devagar, abraçou-os ao mesmo tempo.
- Vocês têm idéia de quantas vezes na minha vida eu vim até aqui e os vi
exatamente dessa maneira? E de quanto ,é bom poder ver isso de novo?
- Seus cabelos estão molhados - observou Grant, passando a mão por eles.
- Eu estava olhando as ondas se quebrando nas rochas. - Cybil o beijou. - Pare
de se preocupar comigo, papai.
- Vou parar. Quando você estiver com cinqüenta anos. Talvez. - Ele pousou a
mão sobre o rosto dela.
- Quer um pouco de café?
- Hum... não. Acho que vou tomar um banho quente e ir para a cama junto
com um bom livro. Isso sempre funcionou para mim, quando eu era
adolescente e passava por alguma crise.
- Naquele tempo, quando você estava em crise, era eu quem preparava seu
banho - a mãe a lembrou.
- Então, por que quebrar a tradição?
- Não precisa fazer isso, mamãe.
- Ah, deixe que eu me intrometa um pouco também. Ou será que essa honra
cabe apenas a seu pai? - Gennie sorriu, passando o braço pelos ombros da
filha.
Com um suspiro, Cybil deixou que a mãe a conduzisse em direção ao quarto.
- E eu que estava com esperanças de fazê-la desistir.
Gennie manteve o sorriso.
- Seu pai precisa ficar um pouco sozinho para ter tempo de andar de um lado
para outro e xingar seu namorado.
- Ele não é meu "namorado" - protestou Cybil, quando as duas começaram a
subir a ampla escada em caracol.
- Nunca foi.
- Você não é mais uma adolescente. - Com gentileza, Gennie virou Cybil de
frente para ela quando os duas entraram no quarto que havia sido de Cybil.
- E isso não é uma crise.
Os olhos de Cybil se encheram de lágrimas mais uma vez.
- Oh, mamãe...
- Calma, minha querida.
Gennie a conduziu até a cama, ainda coberta com a colcha de retalhos
coloridos preferida de Cybil, na época da adolescência. Sentando-se sobre o
colchão, Gennie fez um sinal para que a filha se sentasse ao lado dela. Quando
Cybil obedeceu, a mãe a abraçou.
- Eu quero odiá-lo. -- Aninhando-se no colo da mãe, Cybil começou a chorar.
- Eu quero odiá-lo - repetiu. -- Se pelo menos eu conseguisse deixar de amálo...
- Eu gostaria de poder lhe dizer que isso é possível, Cyb. Eu realmente gostaria.
Alguns homens são tão difíceis. - Gennie embalou a filha enquanto falava: - Eu
a conheço muito bem, minha querida. Sei que se você o ama é porque deve
haver algo nele que seja digno do seu amor.
- Ele é maravilhoso. Ele é insensível. Oh, mamãe... - Cybil voltou a chorar.
- Ele é igualzinho a papai.
- Oh, minha querida. Então, que Deus a ajude.
- Com um sorriso, Gennie abraçou-a com mais força.
- Eu sempre adorei a história de vocês dois - falou Cybil, enxugando as
lágrimas e voltando a se acalmar. - A história de como vocês se conheceram,
quando seu carro quebrou em meio à tempestade e você ficou aflita, indo
buscar ajuda no farol onde ele estava vivendo feito um eremita. E de como ele
foi rude com você.
Cybil parou um instante para assoar o nariz em seu lencinho.
- Ele não via a hora de se livrar de mim - falou Gennie, rindo e afagando os
cabelos da filha.
- Da maneira como ele conta, você praticamente invadiu o espaço dele. E ele
ficou aborrecido porque você era linda e estava toda encharcada. - Cybil
suspirou, observando os traços clássicos do semblante da mãe, emoldurados
pelos belos cabelos negros.
- Você é tão linda, mamãe.
- Você tem meus olhos -- afirmou Gennie, com seu costumeiro tom gentil. - Isso
é que faz com que eu me sinta bonita.
Cybil sorriu.
- Não fomos feitos um para o outro. Preston e eu. Ele é tão conservador e vive
tão absorto no trabalho... Não que ele não tenha bom humor, mas o humor dele
é diferente do meu, entende? - Ficou de pé com um suspiro e caminhou até a
janela, para ver a lua se refletindo sobre as águas além da casa. -- Às vezes, ele
é incrivelmente charmoso, surpreendente e encantador. Mas é tão
temperamental que nunca sei como vai estar o humor dele quando nos
encontrarmos de novo. Junto a isso, há também uma incrível sensibilidade que
o faz sentir medo de confiar nos outros, de sentir algo mais intenso por alguém.
Mas basta ele me tocar para eu me esquecer do resto do mundo...
- Oh, meu Deus. Ele é realmente igualzinho a seu pai. Cyb, precisa fazer o que
é melhor para você. Mas se o ama tanto assim, talvez nunca consiga ser feliz
sem antes tentar acertar essa situação.
- Ele acha que sou uma inconseqüente - Cybil retomou o tom indignado,
levando Gennie a sorrir com sabedoria. - E que meu trabalho é menos
importante do que o dele só porque é diferente. Ele não confia em mim. Em um
minuto me manda embora do apartamento dele, e no outro age como se não
conseguisse ficar longe de mim. - Virou-se de repente, pronta para fazer mais
algumas reclamações, mas se espantou ao ver a mãe sorrindo.
- O que foi?
- Como conseguiu encontrar outro homem como esse? Pensei que eu tivesse o
único do mundo - disse Gennie.
- Vovô o encontrou.
O sorriso de Gennie adquiriu um ar mais sagaz.
- Oh. - Ela arqueou uma sobrancelha perfeita. - É mesmo? Não me diga...
Pela primeira vez naquelas últimas vinte e quatro horas, Cybil começou a rir.
Preston resmungou algo, guardando o sax de volta na maleta. Mulheres,
pensou. Conseguiam afetar tanto um homem que não o deixavam em paz nem
mesmo para tocar seu instrumento preferido ferido e liberar sua frustração.
Como se não bastasse, também não estava conseguindo trabalhar.
Passara a maior parte do dia olhando para a tela do computador, indo até a
janela ou ameaçando bater à porta do apartamento de Cybil. Isso até finalmente perceber que ela não se encontrava mais lá.
Ela o havia deixado. O que, provavelmente, fora a atitude mais sensata que ela
tomara desde que o conhecera. Após o primeiro momento de aflição, Preston
ponderara um pouco mais a respeito da situação e chegara à conclusão de que
a melhor coisa que poderia fazer para ambos seria ir embora antes que ela
voltasse para casa.
Voltaria para Connecticut na manhã seguinte. Achava que poderia agüentar
pedreiros, encanadores, eletricistas e quem mais estivesse reformando a casa
por mais algumas semanas. Mas não conseguiria agüentar ficar ali, morando
bem em frente ao apartamento da mulher que ele amava e que perdera devido à
sua idiotice.
Tudo que Cybil lhe dissera fora a mais completa verdade, e ele não tivera
nenhuma defesa contra isso.
- Vou ficar fora durante algum tempo, André.
O pianista olhou para ele através da neblina formada pela fumaça dos cigarros.
- É mesmo?
- Vou voltar amanhã para Connecticut.
- Hum-hum. Levou um fora da garota? - perguntou André. Esticando-se para
olhar as costas de Preston, acrescentou:
- Por acaso é um rabo isso que estou vendo entre suas pernas, meu caro?
Preston pegou a maleta, forçando um riso.
- Nos veremos por aí.
- Vou continuar bem aqui. É só me procurar.
Quando Preston se virou de costas para ele, André esticou o pescoço e fez um
sinal para a esposa, então apontou o polegar na direção do amigo. Entendendo
a mensagem, Delta se dirigiu à saída pelo outro lado.
- Está saindo mais cedo hoje, meu querido?
- Preciso arrumar algumas coisas porque vou viajar cedo amanhã. Vou voltar
para Connecticut.
- Vai voltar às origens? - Delta sorriu, passando o braço por dentro do dele. Bem, então vamos tomar um drinque de despedida, porque vou sentir falta
dessa sua carinha bonita.
Preston riu.
- Também vou sentir da sua.
- Aposto que não só da minha - disse ela, o mostrando dois dedos ao barman. Aquela garota linda acendeu o blues em sua alma, mas você não está
conseguindo transmitir isso a seu sax, não é mesmo? Ainda não foi dessa vez?
- Não, não foi. - Preston levantou o copo, em um brinde. - Está terminado.
- Mas por quê?
- Porque ela disse que está - respondeu ele, tomando a bebida de um único
gole. Delta riu com charme.
- E desde quando os homens passaram a aceitar esse tipo de situação?
- Quando a mulher está sendo absolutamente sincera, não há o que
argumentar.
- Preston McQuinn, não estou acreditando no que estou ouvindo...
- Você é mesmo um idiota - acrescentou, em um tom afetuoso.
- Sem argumentos, Delta. Por isso acabou. Eu estraguei tudo, e agora preciso
aprender a conviver com isso.
- Se foi você quem estragou, será você quem terá de consertar.
- Quando se magoa uma pessoa tanto quanto eu magoei Cybil, ela passa a ter o
direito de não querer lhe ver mais.
- Meu querido, quando se ama uma pessoa tanto quanto eu sei que você a ama,
você passa a ter direito de agir, ainda que tenha de se ajoelhar e implorar pelo
amor dela. - Delta fitou-o bem nos olhos.
- Você a ama tanto assim?
Preston olhou para o copo de uísque deixado sobre o balcão.
- Nem eu mesmo sabia que a amava tanto. Nunca imaginei que eu fosse capaz
de amar tanto.
- Ah, meu amigo... - Delta o beijou no rosto.
- Então o que está esperando para ir atrás dela?
Preston balançou a cabeça negativamente, como se aquele assunto estivesse
encerrado para ele. Dando um beijo de despedida na amiga, encaminhou-se
para a saída e voltou a pé para casa.
Delta estava errada, disse a si mesmo. Às vezes, não havia como consertar um
erro. Que motivo teria Cybil para aceitá-lo de volta? Ainda trazia na lembrança
a imagem da sombra de tristeza que surgira naqueles olhos verdes quando ele
demonstrara desconfiança quanto ao caráter dela.
Não tinha o direito de pedir a ela que o ouvisse, depois da maneira como agira.
Ajoelhar-se e implorar talvez fosse pouco dessa vez.
Para seu espanto, só se deu conta de que havia começado a correr quando
chegou ofegante ao apartamento de Jody. Levado por um impulso, começou a
bater à porta.
- Pelo amor de Deus, o que é isso?
Depois de verificar quem era através do olho mágico, Jody abriu a porta e
fechou o robe com mais firmeza em torno de si. Se Chuck não dormisse feito
uma pedra, ela não teria de ter saído correndo, antes que o barulho acordasse o
bebê.
- Já passa da meia-noite - disse ela. - Ficou maluco?
- Onde ela está, Jody? Para onde ela foi? Jody torceu o nariz, levantando o
queixo com um ar de dignidade dificil de ser sustentado naquele robe todo
estampado com gatinhos cor-de-rosa.
- Você bebeu?
- Tomei um drinque - respondeu Preston. - Mas não estou bêbado. - De fato, ele
nunca se sentira tão sóbrio, ou tão desesperado.
- Onde está Cybil?
- Como se eu fosse lhe dizer isso, depois de você haver arrasado o coração dela.
Volte para sua toca - Jody apontou corredor com dramaticidade -, antes que eu
acorde Chuck e algumas outras pessoas por aqui. Elas vão querer matá-lo
quando souberem o que você fez. - Os lábios dela se tornaram trêmulos.
- Todo mundo adora Cybil.
- Eu também a adoro.
- Sim, claro. E por isso a fez chorar como nunca. Preston fechou os olhos por
um instante, lamentando o que havia feito.
- Por favor, diga-me onde ela está.
- E por que eu deveria?
- Porque eu quero ir até lá, me ajoelhar e dar a ela chance de me chutar
enquanto eu estiver abaixado - respondeu ele, no mesmo tom dramático.
- Para que eu possa implorar. Vamos, Jody, me diga onde ela está. Eu preciso
ver Cybil.
Jody estreitou o-olhar, examinando-o com cuidado. Ao ver a sombra de
desespero nos olhos dele, pareceu ceder um pouco.
- Você a ama de verdade?
- Tanto que me conformarei e irei embora para sempre se ela não me quiser.
Mas primeiro preciso vê-la.
Jody levou a mão ao peito. O que uma mulher romântica poderia fazer em uma
situação como aquela senão suspirar?
- Ele está na casa dos pais, em Maine. Vou anotar o endereço para você.
Tomado por uma onda de alívio, e de gratidão, Preston fechou os olhos mais
uma vez, antes de beijá-la no rosto.
- Obrigado, Jody.
- Mas se você a magoar novamente - falou ela, enquanto anotava o endereço no
papel -irei procurá-lo até no fim do mundo, para matá-lo com minhas próprias
mãos!
Preston riu.
- Não se preocupe. Não terá de fazer isso. - Lembrando-se do que Cybil havia
dito, ele acrescentou: - Você está mesmo...
Jody franziu o cenho, confusa, então sorriu e levou a mão ao ventre.
- Sim, estou. O nascimento está previsto para acontecer no Dia dos Namorados.
O não é perfeito?
- É maravilhoso. Meus parabéns. - Preston guardou no bolso o papel que ela
lhe entregou. - Obrigado - agradeceu mais uma vez e beijou-a no rosto antes de
sair.
Jody ficou algum tempo ali, parada com ar sonhador.
- Sim... - murmurou, enquanto fechava a porta.
- Aí vai mais um encontro fora de qualquer escala. - Cruzando os dedos,
sussurrou: - Boa sorte, Cybil.
- MacGregor - disse Grant, por entre os dentes, com um brilho de fúria no
olhar.
- Raposa bisbilhoteira.
Aquele era apenas mais um dos termos que ele inventara para se referir a
Daniel, desde que a esposa havia contado a ele sobre os planos casamenteiros
do patriarca da família em relação a Cybil, na noite anterior.
Gennie riu. Sabia que, no íntimo, seu marido adorava Daniel MacGregor.
- Pensei que fosse "velho alcoviteiro" - disse ela.
-- Isso também. Se ele não estivesse com pelo menos seiscentos anos, juro que
eu chutaria aquele traseiro dele.
- Grant. - Gennie deixou de lado o esboço que estava fazendo e olhou para ele.
- Você sabe que ele faz isso por amor.
- Mas não funcionou, funcionou?
Gennie começou a falar, mas se interrompeu ao ouvir o motor de um carro se
aproximando.
Experimentando uma súbita onda de expectativa advinda de sua intuição
feminina, respondeu:
- Não tenha tanta certeza disso.
- Quem diabos pode ser? - perguntou Grant, demonstrando mais uma vez a
reação que costumava ter quando alguém ousava invadir seu território.
- Se for outro daqueles repórteres, vou pegar a arma.
- Você não tem uma arma.
- Então vou comprar uma.
Sem conseguir conter o riso, Gennie ficou de pé e o abraçou.
- Oh, Grant, eu te amo.
A delicada proximidade de Gennie agiu sobre ele como o sol despontando por
trás de uma nuvem escura e invadindo-a sem hesitar.
- Geneviève - murmurou ele, chamando-a pelo nome completo, como
costumava fazer em momentos mais íntimos. - Diga, a quem quer que seja, que
vá embora e que nunca volte.
Gennie manteve os braços em torno do pescoço dele e a cabeça repousada
sobre seu ombro, enquanto ouvia o possante motor do carro se aproximar cada
vez mais.
- Acho que isso dependerá de Cybil.
- O quê? - Grant virou-se para a janela no mesmo instante, observando a
estrada com ar desconfiado. A estrada que Gennie vivia lhe pedindo para ele
mandar reparar.
- Acha que é ele? Ora, ora... - Teria saído de imediato, se a esposa não o
houvesse detido. - Parece que vou poder chutar um traseiro afinal.
- Comporte-se.
- Uma ova que vou me comportar. Ela sorriu.
- Venha. Vamos para a varanda - disse, segurando a mão dele.
Preston os avistou a distância e enrijeceu o maxilar. Ao longo dos últimos
quilômetros, havia se preocupado mais em xingar a falta de manutenção
daquela estrada do que em imaginar como seria seu encontro com os pais de
Cybil. Quem quer que fosse o encarregado pela manutenção daquela estrada,
não era lá muito responsável.
Surpreendeu-se ao notar que o casal Campbell se encontrava abraçado na
varanda da casa. E então se perguntou qual dos dois iria tentar matá-lo
primeiro.
Com um suspiro resignado, conduziu o carro adiante, observando o lugar onde,
provavelmente, logo ele seria enterrado em uma cova rasa.
O lugar era maravilhoso, com a mansão branca cercada de uma vegetação bem
cuidada. Cybil havia sido criada ali, pensou ele. E talvez por isso ainda
carregasse no espírito aquele cativante comportamento espontâneo.
Ao parar o carro diante da casa, sentiu que seus nervos não estavam tão
calmos quanto ele imaginara que estariam naquele momento. O casal
continuou a observá-lo da varanda. Mesmo à distância, notou que a expressão
do pai de Cybil não era de muito boas-vindas.
Respirando fundo, saiu do carro, determinado a viver pelo menos o suficiente
para ver Cybil e abrir seu coração para ela. Depois disso, nada mais importaria.
Não era de admirar que sua filha estivesse perdidamente apaixonada, pensou
Gennie, ao observar o belíssimo rapaz que se aproximou pelo pátio. Notando a
tensão de Grant, segurou o braço dele com mais força, em sinal de apelo.
- Sra. Campbell, sr. Campbell - Preston os cumprimentou com uma inclinação
de cabeça, tendo o cuidado de não oferecer a mão ao pai de Cybil. Sabia que
seria um bocado difícil. digitar com os dedos quebrados.
- Sou Preston McQuinn. Preciso de... Preciso ver Cybil - ele corrigiu.
- Quantos anos você tem, rapaz?
Preston franziu o cenho, parecendo surpreso com a pergunta.
- Trinta.
Grant inclinou a cabeça.
-- Pois se quiser completar os trinta e um, sugiro que entre novamente naquele
carro e que volte para o lugar de onde veio.
Preston se manteve no mesmo lugar, encarando aquele olhar mortífero.
- Não irei embora antes de ver Cybil. Depois disso, o senhor mesmo pode me
expulsar daqui se quiser. Ou tentar.
- Não vai chegar perto da minha filha nem por cima do meu cadáver.
Grant colocou Gennie de lado, como se esta não pesasse mais do que uma
boneca. Mesmo quando ele deu um passo à frente, em uma atitude ameaçadora, Preston manteve os braços abaixados. O pai de Cybil poderia dar o
primeiro soco, concluiu. Ele até que merecia.
- Chega!
Gennie se posicionou entre eles, levando uma mão ao peito de cada um. Então
lançou um olhar de aviso para o marido, antes de dirigir outro mais ameno a
Preston.
Ele levou um momento para se dar conta de que havia sido perdoado por uma
rainha, como na História Antiga. Somente então respirou aliviado.
- Ela tem seus olhos - não pôde deixar de dizer, admirado. - Cybil. Ela tem seus
olhos. Um brilho de satisfação surgiu nos olhos dela.
- Sim, eu sei. Ela está na colina, atrás do farol.
- Gennie! Mas que droga!
Quando deu por si, Preston já havia pousado a mão sobre aquela que ela ainda
mantinha em seu peito.
- Obrigado, sra. Campbell. - Então levantou a vista para Grant e sustentou o
olhar.
- Não vou magoá-la, sr. Campbell. Eu prometo.
- Droga - resmungou Grant, quando Preston começou a se dirigir à colina com
passos firmes. - Por que você fez isso?
Com um suspiro, Gennie se voltou para ele e lhe segurou o rosto entre as mãos.
- Por que ele me lembrou alguém. - Tolice.
Ela riu.
- E acho que nossa filha vai se tornar uma mulher muito feliz antes do que você
imagina.
Grant ficou olhando Preston seguir em frente, até desaparecer a certa altura do
caminho.
- O rapaz está mesmo apaixonado por ela - ele finalmente admitiu. --Pude ver
isso nos olhos dele.
- Eu sei. E você se lembra de quanto a sensação era assustadora?
- Ainda é. - Com um sorriso, Grant a puxou para si. - O rapaz tem coragem.
Mas se bem conheço nossa filha, duvido que ela o perdoe facilmente. O coitado
está perdido.
- Perdido de amor, você quer dizer - corrigiu Gennie, com ar sonhador. - Mas
Cyb vai perdoá-lo, sim. Ele merece. Para variar, Daniel acertou mais uma vez.
- Eu sei. - Grant sorriu para ela. - Mas não vamos contar nada a ele durante
algum tempo para fazê-lo sofrer um pouquinho.
Sentada sobre uma pedra, Cybil desenhava alguns esboços. O vento fazia seus
cabelos esvoaçarem, deixando-a com um ar sensual e infantil ao mesmo tempo.
Ao vê-la, em meio àquela belíssima paisagem, Preston perdeu o fôlego. Havia
dirigido a noite inteira, e também a manhã, imaginando durante todo o tempo
como seria rever aquele rosto. Mas nada o preparara para aquilo.
Chamou-a uma vez, mas se deu conta de que o vento desviara o som de sua
voz. Desistindo de chamá-la, seguiu em frente, pela trilha que levava ao local
onde ela se encontrava.
Talvez Cybil o tivesse ouvido, ou talvez sua aproximação houvesse mudado a
incidência da luz sobre o papel. Ou talvez simplesmente o houvesse sentido de
alguma maneira, mas a verdade é que ela de repente parou de desenhar e
olhou na direção dele.
De súbito, foi como se todo o mundo ao redor houvesse parado por um
instante, restando apenas a tempestade de emoções que os dois compartilharam naquela fração de segundo.
Então, como se a presença dele não fizesse a menor diferença para ela, Cybil
voltou a desenhar.
- Você viajou um bocado, não, Preston?
- Cybil. - Ele sentiu a boca secar.
- Não costumamos receber muitas visitas por aqui. Meu pai não se importa
muito em manter a estrada conservada justamente para afastar os visitantes.
- Cybil -- ele disse mais uma vez, contendo a vontade de tocá-la.
- Se eu tivesse mais alguma coisa para lhe dizer, teria dito em Nova York.
"Vá embora!", pedia ela, em pensamento. "Vá embora antes que eu comece a
chorar."
- Eu tenho algo para lhe dizer.
Ela o olhou de relance, sem muito interesse.
- Se eu quisesse ouvi-lo... Bem, o que eu disse também serve nesse caso. -Dizendo isso, fechou o caderno de esboços e ficou de pé. -- Agora...
- Por favor. - Preston levantou a mão, mas abaixou-a novamente diante do
olhar indignado de Cybil. - Ouça. Apenas ouça. Se quiser que eu vá embora
depois, eu irei.
Ela respirou fundo.
- Está bem - respondeu, sentando-se novamente sobre a pedra e abrindo o
caderno de esboços. - Mas vou continuar trabalhando, se não se importa.
- Eu... - Preston não sabia por onde começar. Todas as frases que havia
ensaiado simplesmente fugiram de sua mente. - Minha agente se encontrou
com o seu agente ontem.
- É mesmo? Que mundo pequeno, não?
Preston deveria ter se sentido insultado com o tom de Cybil, mas estava
ocupado demais em observá-la para isso.
- Ele contou a ela sobre a série de televisão que se baseará nos seus desenhos.
Disse que foi um grande acordo.
- Para alguns.
- Você não me contou.
Ela o olhou de soslaio.
- Você não está interessado no meu trabalho.
- Isso não é verdade, mas não posso culpá-la por pensar assim. Agi feito um
idiota no dia em que você apareceu toda animada para me dar a notícia. Sei
que arruinei tudo. Eu... - Preston sentiu a necessidade de se interromper e
olhar a paisagem, tentando se acalmar. - Eu estava distraído, terminando meu
roteiro. Mas também estava distraído com meus sentimentos por você. Com o
que eu não queria sentir por você.
Cybil quebrou a ponta do lápis. Furiosa consigo mesma, colocou-o atrás da
orelha e abriu seu estojo à procura de outro.
- Se foi isso que veio me dizer, então já disse. Agora pode ir.
- Não, não foi isso que vim lhe dizer. Mas peço desculpas por não tê-la ouvido
naquele momento. Estou muito feliz por você.
- Puxa, não imagina como isso me deixa aliviada - ironizou ela.
Preston fechou os olhos, cerrando os punhos. Então Cybil também sabia ser
cruel quando queria, pensou ele.
- Tudo que você me disse naquela noite em que me expulsou de sua vida estava
certo. Deixei uma sombra do passado se instalar entre nós, e usei isso para
arrasar o que de melhor poderia haver me acontecido. Vi o mundo de minha
irmã se desfazer diante de meus olhos, presenciando quanto ela teve de lutar
para superar a dor da traição e criar sozinha os dois filhos.
Cybil fechou o livro novamente.
- Sei que você e sua irmã viveram um inferno. Nem todo mundo agüentaria
passar pelo que ela passou, Preston.
- Talvez. Mas as pessoas são mais fortes do que imaginam.
Ele se virou novamente e seus olhares se encontraram. Preston sentiu um fio
de esperança ao notar um tênue brilho de simpatia nos olhos de Cybil.
- Teria funcionado, não teria? Se eu tivesse usado minha irmã para despertar
sua compaixão? Mas não é isso que quero fazer. Não é o que vou fazer. Voltando a olhar a paisagem, Preston prosseguiu: -- Eu amei Pamela. O que
aconteceu entre nós me mudou de alguma maneira.
- Eu sei.
Cybil sentiu que teria de perdoá-lo. Isso seria inevitável, já que seu coração
começara a se enternecer só pelo fato de Preston estar ali, à sua frente,
tentando se explicar.
-- Eu a amei - repetiu ele, virando-se e se aproximando dela. - Mas o que eu
senti por Pamela não é nem a sombra daquilo que sinto por você. Do que eu
sinto quando penso em você e quando olho para você, Cybil. Esse sentimento
preenche meu ser, me dá esperança.
Os lábios entreabertos de Cybil começaram a tremer. Seu coração acelerou.,
preenchido por algo que ela identificou primeiramente como esperança. Estava
vendo no semblante de Preston algo que nunca imaginara ver. Lutando para
capturar e compreender aquilo em toda sua amplitude, desviou o olhar por um
instante.
- Esperança de quê? - conseguiu dizer.
- Esperança de que um milagre seja possível. Sei que a magoei muito, e que não
mereço desculpa pela forma como fiz isso. Disse aquelas tolices quando pensei
que você estava grávida porque estava aborrecido comigo mesmo. Aborrecido
pelo fato de que uma parte de mim estava pensando que ter um filho com você
seria uma maneira, de mantê-la junto de mim.
Quando Cybil voltou a fitá-lo, seus olhos estavam arregalados de surpresa.
Preston passou a mão por entre os cabelos.
- Sabia que você não queria se casar, mas se estivesse... Pelo menos eu poderia
forçá-la a se casar comigo de alguma maneira. E minha única defesa contra
esse tipo de pensamento foi me voltar contra você.
- Me forçar a casar? - foi tudo que Cybil conseguir dizer.
Aturdida, ficou de pé e deu alguns passos. Observando a paisagem com olhar
vago, perguntou-se como deveria lidar com tudo aquilo. Como a situação
pudera mudar tão rapidamente?
- Sei que isso não é desculpa, mas você tem o direito de saber que, em nenhum
momento, eu achei que você havia me enganado ou montado uma armadilha
para mim. Nunca conheci uma pessoa tão humana e generosa quanto você,
Cybil. Tê-la na minha vida foi... Você me fez feliz, e acho que eu havia esquecido
o que era sentir felicidade.
- Preston. - Ela se virou para ele com os olhos marejados de lágrimas.
- Por favor, deixe-me terminar. Apenas ouça. - Preston segurou as mãos dela. Eu te amo. E você disse que me amava. Sei que você não mente, então pensei
que pudesse haver uma chance...
- Não, eu não minto.
Cybil distinguiu os traços de cansaço no rosto dele. Preston parecia haver
sofrido tanto quanto ela naquelas últimas horas.
- Eu preciso de você, Cybil. Muito mais do que você precisa de mim. Sei que
pode continuar a viver sem mim. É uma mulher independente e aberta para a
vida, e ninguém a impedirá de ser quem você é. Sei que minha ausência não
fará diferença em sua vida e que isso não a impedirá de ser feliz. Você nasceu
para ser feliz.
Enquanto falava, Preston observava cada detalhe do rosto dela, como se
quisesse guardar aquela iInagem na lembrança.
- Nunca conseguirei esquecê-la - continuou eie. - Nunca deixarei de amá-la ou
de lamentar o que fiz para perdê-la. Eu irei embora, se você quiser. Mas se
houver uma única chance de recomeçarmos... Por favor, não me mande
embora.
- Você acredita nisso? - perguntou ela, em um fio de voz. - Acredita mesmo que
eu conseguiria ser feliz sem você? Além disso, por que eu o mandaria embora se
quero que fique?
Preston soltou o fôlego que estivera contendo. Antes mesmo que um sorriso se
formasse nos lábios de Cybil, Preston a puxou para si, em um abraço cheio de
alívio.
- Pensei que a havia perdido, Cybil. Pensei...
Os lábios dele cobriram os dela em um beijo apaixonado. Quando eles se
afastaram, ela estava com os olhos marejados de lágrimas.
- Não chore.
- Não consegue mesmo se acostumar, não é? - Ela sorriu.
- Nós, da família Campbell, somos muito emotivos.
- Eu imagino. Seu pai me olhou com um ar de quem estava querendo torcer
meu pescoço "emotivamente" ainda há pouco.
- Quando ele vir que você me deixou feliz, ele o deixará viver. - Cybil riu.
- Ele vai adorá-lo, Preston, e minha mãe também. Primeiro porque eu já o adoro
e depois por quem você é.
- Ranzinza, rude e temperamental?
- Isso mesmo. - Ela riu alto quando Preston fez uma careta de desagrado.
- Eu poderia tentar mentir, mas você sabe que eu sou péssima nisso. - Os dois
começaram a andar de mãos dadas.
- Eu adoro este lugar. Foi aqui que meus pais se conheceram e se apaixonaram.
Papai vivia no farol naquela época, como um eremita, guardando o trabalho e
irritando-se com a mulher que aparecia para distraí-lo. - Cybil olhou-o de
soslaio.
- Ele é ranzinza, rude e temperamental.
Preston riu.
- Parece um homem bastante sensato. - Levou a mão dela aos lábios. - Cybil,
quer ir a Newport comigo e conhecer minha família?
- Vou adorar. - Ela o olhou mais uma vez e franziu o cenho ao notar um brilho
diferente nos olhos dele.
- O que foi?
Preston parou e a virou de frente para si, segurando-a pelos ombros.
- Sei que você não quer se casar agora e que prefere se dedicar à sua carreira e
à vida agitada de Nova York... Nem espero que goste da minha casa, que fica
em um lugar afastado da cidade, sem muito barulho. Ainda assim... - Ele
hesitou.
- Não quero que mude seu estilo de vida, Cybil, mas se algum dia decidir que
quer se casar comigo e ter um lar e uma família tranqüilos, não se esqueça de
me avisar, está bem?
Cybil sentiu uma onda de felicidade que ameaçou explodir em seu peito, mas se
limitou a assentir.
- Pode deixar. Você será o primeiro a saber.
Dizendo a si mesmo que deveria se sentir satisfeito com aquilo, Preston beijou a
mão dela.
- Está bem.
Fez menção de recomeçar a andar, mas surpreendeu-se quando Cybil o fez
parar de repente.
- Preston?
- Sim?
- Quero me casar com você e ter um lar e uma família. - O sorriso que surgiu
no rosto dele foi um reflexo do dela.
- Está vendo? Cumpri a promessa de avisá-lo.
Ele a tomou nos braços e rodopiou com ela, dando um grito de felicidade. Quem
disse que sonhos não se realizavam?
Muito tempo depois, os dois se encaminharam de mãos dadas para a casa dos
Campbell. Havia ainda toda uma família que precisava ser avisada da novidade.
Principalmente um avô muito, muito especial...
FIM

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