Andando pelo Rio na Praça XV

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Andando pelo Rio na Praça XV
APOSTILA ANDANDO PELO RIO – PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO E
ARREDORES
ORIGENS DA PRAÇA XV DE NOVEMBRO
No remoto ano de 1567 surgia a primeira rua da cidade: a Ladeira da Sé.
Com efeito, não poderia ser outra coisa que não a ladeira que descia da Matriz
de São Sebastião, no alto do Morro do Castelo, até a várzea, onde existia um
fortim de terra. Em março de 1583, na sua base, o Padre José de Anchieta
inaugurou a Santa Casa de Misericórdia, para atender aos doentes da
esquadra espanhola de Diogo Flores Baldez, que aportou ao Rio de Janeiro
com peste a bordo. Devido ao hospital, o povo crismou esse primeiro
logradouro de “Ladeira da Misericórdia”, existindo até hoje pequena porção
dela, atrás do prédio do Museu Histórico Nacional. A “Ladeira da Misericórdia”
emendava com a rua da “Misericórdia”, que existiu até idos de 1960. Terminava
exatamente onde hoje está o prédio do Palácio Tiradentes.
Provavelmente, no mesmo ano de 1567, essa rua era prolongada até um
morrote lindeiro, que fora doado em sesmaria ao português Manuel de Brito
Pereira (ou de Lacerda), dono de muitas casas na cidade e que, com certeza,
concorreu financeiramente para a extensão dessa rua que, em última análise,
valorizava suas terras. Teve vários nomes: “Caminho da Piaçava”, “Caminho
da Praia Arqueada”, rua de “Manuel de Brito”, rua “Direita” e, desde 1870, rua
Primeiro de Março, em homenagem ao término da Guerra do Paraguai,
ocorrida aquele ano.
Antes de 1570, uma devota ergueu na rua Direita a capelinha dedicada a
Nossa Senhora da Expectação e do Parto, e que o povo a crismou, por
antonomásia, de Nossa Senhora do Ó, por não conseguir pronunciar com
facilidade essa invocação da Virgem. Afirma-se, que pelo motivo da ladainha
iniciar com a evocação “Ó Virgem Maria...”, passou a assim ser conhecida. Era
a santa predileta das mulheres de então, que lhe dirigiam súplicas por um bom
parto.
Em 1589 essa capela foi doada aos frades carmelitas, chegados dez
anos antes e que até então não possuíam pouso fixo. Mudaram a invocação da
santa para Nossa Senhora do Carmo e trinta anos depois, em 1619, iniciariam
seu convento, ao lado. Quanto à capela, foi reconstruída ao menos duas vezes,
datando o templo atual de 1761, mais ou menos da mesma época em que ficou
pronto o convento. Os frades seriam desalojados em 1808 por ordem do
Príncipe D. João, que alojou no convento sua mãe, a Rainha D. Maria I, a
louca; o Real Gabinete de Física, a Real Ucharia (no térreo) e a Real Biblioteca
(nos fundos). A capela do convento foi convertida em Capela Real. Nela D.
João seria sagrado em 1818 e seu filho e neto coroados, respectivamente em
1822 e 1841.
Fronteiro a esse templo surgiu um pequeno adro, muito ampliado por
aterros e pelo assoreamento da baía, haja vista que a vegetação ciliar dos rios
foi a primeira coisa destruída pelos colonizadores. Se, ainda em fins do século
XVI, uma baleia encalhou na rua “Direita”, já em 1605 existia terreno suficiente
do lado do mar para o Governador Salvador de Sá levantar um fortim, o “Forte
da Cruz”, provavelmente a primeira construção do lado da baía e, com certeza,
igualmente a primeira da rua do Ouvidor (que naquela época tinha outros
nomes, como por ex.: “Desvio do Mar”, rua de “Aleixo Manuel”, rua do
“Gadelha”, e rua da “Cruz”. O atual nome “Ouvidor” data de 1780.). Esse forte
nunca funcionou, sendo doado em 1623 a uma irmandade de militares, que em
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seus horários de folga ergueram nele uma capela, inaugurada em 1628, e que
deu origem à bela igreja da Santa Cruz dos Militares, cujo templo atual data de
1777/1811.
Já em 1605 existem referências documentais ao “Terreiro do Carmo”,
primeiro nome da futura Praça XV de Novembro, e que à época era um dos
desembarcadouros de mercadorias da cidade. Provavelmente, nesta época,
existiam muitas casas na rua Direita e, com certeza, mais uma capela do lado
do mar, a de São José. Não se sabe por quem e quando foi fundada, mas, já
existia em 1640, pois nesse ano foi reconstruída. O templo atual foi iniciado em
1808 e terminado apenas em 1842.
Ao seu lado, surgiu em 1619 o casarão da “Câmara Municipal e da
Cadeia”, inicialmente uma casa térrea de taipa. Seria depois reconstruída como
sobrado no século XVIII e dela saiu para a glória o protomártir da Inconfidência,
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado no Campo de São
Domingos num sábado de sol, a 21 de abril de 1792. Após a Independência, foi
a cadeia velha utilizada como “Câmara dos Deputados” em 1822. Noventa e
oito anos depois foi demolida para ali ser erguido o Palácio Tiradentes,
atualmente sede do Poder Legislativo Estadual.
Voltando ao século XVII. Com a ida dos vereadores para a várzea do
“Largo do Carmo”, mudou então o eixo do poder na Capitania, indo o legislativo
municipal para um logradouro cuja importância não parava de crescer. Por esta
época foi erguido em um de seus cantos o pelourinho ou “polé”, poste de
alvenaria com o símbolo da municipalidade, dando origem ao segundo nome
do logradouro: “Largo da Polé”. A praça daí por diante não pararia mais de
crescer em importância, sediando o poder até 1889, quando a República
relegou estes marcos a um ostracismo completo.
Ainda em meados do século XVII, existiam algumas casas no lado
esquerdo da praça, que eram alugadas pelos carmelitas a terceiros. Pouco
depois, os próprios vereadores sugeriram ocupar a praça com casas de
aluguel, com o fito de serem alugadas, por pura coincidência, é claro, a
parentes dos ditos vereadores. O projeto foi vetado pelo Rei Pedro II de
Portugal. Diga-se o que for, mas, por pouco a praça deixou de existir!
Já para fins do século XVII, as tais casas dos frades carmelitas foram
adquiridas pelo governo que as demoliu e construiu em seu local o armazém
do sal, bem como o de açúcar. Em 1698, juntou-se a eles a “Casa da Moeda”,
vinda da Bahia e agora importante no Rio de Janeiro, haja vista que nove anos
antes o bandeirante Antônio Dias descobriu imensas jazidas de ouro em Minas
Gerais, originando uma corrida pelo rico metal e transformando o Rio de
Janeiro de antigo entreposto comercial em pôrto de escoamento do ouro
mineiro.
É sobre estas construções que se erguerá o edifício do Paço Imperial,
primeira sede do executivo no Largo da Polé. Desde 1643 possuíam os
governadores uma casa na rua Direita para o exercício de seus mandatos,
casa esta comprada pelo Rei D. João IV para abrigar o Governador Luís
Barbalho Bezerra, que faleceu antes de ocupá-la. Serviu como casa de
govêrno por cem anos. Em 1733, assume o governo da Capitania e parte sul
do Brasil o General Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela. Achandose mal instalado, enviou correspondência ao Rei D. João V de Portugal no
sentido de obter outro lugar para o executivo da Capitania.
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Tendo conseguido resposta positiva, encarregou o engenheiro militar
Sargento Mór José Fernandes Pinto Alpoim para reformar as casas do Largo
da Polé e convertê-las em casa de governo. Assim foi feito. Alpoim acrescentou
um segundo andar ao conjunto, usou vergas curvas nos vãos das janelas pela
primeira vez no Rio de Janeiro e, em 1743, era entregue a primeira casa de
governo erguida especificamente para tal na Capitania. Foi casa dos
governadores por vinte anos. Em 1763, quando se transferiu o Vice-Reinado da
Bahia para o Rio de Janeiro, serviu como palácio de despachos do Vice-Rei
Conde da Cunha, sendo então rebatizada para Paço Vice-Real. Paço,
subentenda-se, é o diminutivo de palácio, haja vista as leis coloniais proibirem
os prédios administrativos do Brasil terem tal alcunha. Quando da chegada da
Côrte, em 1808, continuou o edifício a ser usado como palácio de despachos
do Rei, ganhando a alcunha de Paço Real. Com a Independência, em 1822,
Paço Imperial. Na República foi repartição geral dos telégrafos, sendo apenas
restaurado em 1980 e reaberto cinco anos depois como centro cultural.
Ocorreram no Paço alguns eventos históricos significativos. Em 09 de
janeiro de 1822, D. Pedro chegou à sétima sacada do sobrado para informar ao
povo que ficava no Brasil. A 13 de maio de 1888, a sua neta, Princesa Isabel,
filha de D. Pedro II, informava da sacada central que não tínhamos mais
escravos em nossas terras. Pela porta principal D. Pedro II e sua família saíram
para o exílio a 17 de novembro de 1889, para nunca mais volverem vivos à
terra brasileira.
Do outro lado da praça, existiam umas casas postas ao chão em 1743,
para naqueles terrenos subir uma série de sobrados da família do Juiz de
Órfãos Antônio Telles de Menezes. Projetadas pelo engenheiro Alpoim,
possuíam um notável arco abatido que passava pela travessa do mercado de
peixe, hoje rua do Comércio. Este arco, apelidado de “do Telles”, era muito mal
freqüentado, tendo sido conhecido nos primeiros anos do século XIX como
reduto da bruxa Bárbara dos Prazeres, ex-prostituta, famosa por produzir
poção rejuvenecedora com sangue de crianças.
Na casa ao lado, onde hoje está a Tabacaria Africana, funcionou de
1747 a 1790 o Senado da Câmara, nome pomposo que tomou a Câmara de
Vereadores depois de 1757, e que lá foi vítima de pavoroso incêndio, a 20 de
julho de 1790, o qual, curiosamente, só queimou alguns documentos
específicos sobre posses territoriais.
O primeiro chafariz da cidade foi inaugurado no Largo da Carioca em
1726 pelo Governador Aires de Saldanha e Albuquerque e recebia as águas do
Rio Carioca, canalizados por possante aqueduto inaugurado na mesma
ocasião. Em 1747, o Governador Gomes Freire inaugurou outro chafariz, este
já no Largo do Paço, no local onde em 1894 se ergueu o monumento à Osório.
Durou pouco tempo esse chafariz, que era em mármore de lióz. Em 1779, o
Vice-Rei D. Luís de Vasconcellos e Souza iniciou um terceiro, na borda do mar,
bem como um novo cais de pedra. Fez o projeto do novo chafariz o mulato
Mestre Valentim da Fonseca e Silva, com ajuda do engenheiro Jean Jacques
Funck. Inaugurado em 1789, fornecia água não só à cidade como aos barcos
que ali acostavam. Foi afastado do mar por vários aterros depois de 1838.
Quando D. João aportou nele em 1808, estava o Largo do Paço já ornado com
seus principais marcos culturais.
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O COMÉRCIO NA PRAÇA XV E ARREDORES
Em matérias anteriores, escrevi sobre a Praça XV de Novembro e
arredores, sua história e seus prédios antigos. Agora, escrevo sobre um
assunto pouco enfocado: a sua importância para o comércio da cidade.
Já em 1570, uma construção, à beira mar, definiria o futuro logradouro: a
ereção da capela de Nossa Senhora da Expectação e do Parto, ou, como era
mais conhecida, Nossa Senhora do Ó. Em sua frente, surgiu um descampado
onde as pessoas se reuniam antes das missas, um adro, o qual, inicialmente,
era muito amplo. Em 1589, quando a capelinha foi doada aos frades
carmelitas, eles mudaram a invocação do templo para Nossa Senhora do
Carmo e ao seu lado construíram em 1619 um convento. Anos depois,
edificaram à sua frente algumas casas que alugavam a terceiros.
Em 1605, o Governador Martim de Sá mandou erguer nas proximidades
da rua Direita um forte, o qual deu o nome de “da Cruz”, cujo objetivo era
proteger os desembarques dos navios que ali aportavam. Dez anos depois, a
Câmara de Vereadores legislou no sentido de não se erguer defronte aos
prédios do convento e forte construção alguma, com o fito de preservar aquela
área como “rocio” da cidade. Rocio era o nome lusitano para “praça de
comércio”, já determinando a primeira função institucional do local.
No início do século XVII, duas instituições destinadas a estimular o
comércio na jovem colônia foram estabelecidas em suas proximidades.
Uma foi a Câmara de Vereadores, trazida do Morro do Castelo para um terreno
ao lado da Igreja de São José em 1619. Era função dos vereadores, dentre
outras, a de fiscalizar o comércio, bem como guardar os pesos e medidas
oficiais, legislar sobre preços e custos, e colocar num poste de madeira, o
“pelourinho” as novas leis exaradas, bem como os nomes dos fora-da-lei,
comerciantes ou não. A câmara era situada onde hoje está o Palácio
Tiradentes e foi, até 1808, a sede do Poder Legislativo Municipal.
A outra foi a Alfândega, ou, como era poeticamente conhecida, a “casa
de ver-o-peso”. Foi instalada em 1613 defronte ao caminho do “Capoeirussú”
(literalmente “Capoeira Alta”, em tupi), depois rebatizado para Rua da
Alfândega. Desde fins do século XVII até 1808 sua direção coube, por
hereditariedade, à família Nascentes Pinto. A Alfândega fez crescer o pequeno
comércio que marcaria a fisionomia das ruas do Ouvidor até a da Alfândega.
Está aí a origem do popular “SAARA”, a primeira grande área de comércio
popular da cidade.
A importância do sítio logo cresceu e, dentre os nomes que a praça
ganhou ainda no século XVII, estavam o de “Largo do Carmo”, “Terreiro da
Polé” (Polé e pelourinho são a mesma coisa), “Terreiro do Carmo”, e outras
denominações efêmeras. Entretanto, a cupidez estava falando mais alto e a
Câmara de Vereadores tentou lotear o largo com o objetivo de ali construir
casas que seriam vendidas (por coincidência, claro...) aos parentes dos
próprios vereadores. Isso motivou um protesto dos frades carmelitas ao Rei
Pedro II de Portugal, o qual, determinou, por Decreto de 27 de novembro de
1686, que ninguém construísse sobre o Terreiro do Carmo, pois sua existência
era por demais importante como área comercial. Até prova em contrário, esta é
a data oficial de nascimento da futura Praça XV de Novembro.
No século XVII a grande falta de numerário no mercado fez com que o
Governador Salvador Correia de Sá e Benevides autorizasse o pagamento de
impostos em gêneros, e, como o principal gênero de produção no Rio de
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Janeiro daqueles tempos era o açúcar, todo mundo passou a pagar ao governo
com caixas de açúcar. Logo os armazéns do governo ficaram abarrotados de
açúcar, o que causou grande depreciação do produto. Para resolver o
problema, agravado desde 1686 com a descoberta de ouro em Minas Gerais,
resolveu o Rei Pedro II de Portugal transferir, em 1698, a casa da moeda, da
Bahia para o Rio de Janeiro, acomodando-a num armazém no Terreiro do
Paço, exatamente onde hoje se encontra o prédio do Paço Imperial.
Em 1710 o Rio de Janeiro foi atacado pelas tropas francesas chefiadas
pelo Corsário Jean François Duclerc, sofrendo o inimigo fragorosa derrota
quando já havia chegado aos limites do Terreiro do Carmo. No ano seguinte,
outro Corsário, René Duguay Trouin, foi mais bem sucedido, tomando a cidade
após curta batalha e saqueando os armazéns do Terreiro do Carmo por mais
de trinta dias, quando se retirou vitorioso para a França.
Em 1743, o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela,
inaugurou no antigo Terreiro do Carmo a nova Casa dos Governadores,
projetada pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim onde estavam
os Armazéns Reais e a Casa da Moeda. O Paço substituiu a pequenina casa
que os governadores ocupavam desde 1624 na antiga rua Direita, onde hoje
está o prédio do Centro Cultural do Banco do Brasil. Vinte anos depois, o
Terreiro, já rebatizado para Largo do Paço, passaria a sediar o Vice-reinado do
Brasil, sendo seu primeiro Vice Rei o Conde da Cunha. Ele e seus sucessores
se preocuparam com dois assuntos básicos da colônia: proteger a cidade de
ataques estrangeiros promovendo a melhoria das fortificações e igualmente
proteger o rico comércio do Rio de Janeiro, cujo ouro em circulação
desenvolvera muito nos últimos anos.
Quando o Príncipe D. João desembarcou, em março de 1808 no Largo
do Paço, este já estava firmado há muitos anos como a praça comercial mais
importante do reino português. D. João teve apenas que continuar o trabalho
de seus antecessores. Já em 1808 ele liberou os portos brasileiros às nações
amigas, e, em outubro do mesmo ano criou o Banco do Brasil, instalado num
casarão da rua Direita. Onze anos depois, o comércio havia florescido tanto
que se tornou necessário criar a primeira Praça do Comércio do Rio de Janeiro,
antepassada direta de nossa Bolsa de Valores. O prédio ainda está lá, na rua
Visconde de Itaboraí, sendo hoje sede da Casa França Brasil.
Estavam, pois, criados todos os instrumentos legais que transformaram
o pequeno Terreiro Carmo na mais importante praça comercial da América
Latina, primazia que só perderia para São Paulo em fins do século XIX. Hoje,
as velhas casas comerciais da Praça XV de Novembro e arredores estão
sendo reabilitadas pelas obras da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
sendo suas fachadas tombadas pelos órgãos de proteção ao patrimônio
histórico, e se tornando, aos poucos, importante atração para os turistas que
desejam conhecer um pouco de nossa história.
PAÇO IMPERIAL - PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO - CENTRO
Nos primeiros cem anos de existência da cidade, os governadores da
Capitania do Rio de Janeiro, geralmente membros da poderosa família Sá ou
seus prepostos, governavam de suas próprias casas. Em 1643, a Metrópole
concordou em pagar um aluguel para o Governador Luís Barbalho Bezerra,
que, empobrecido e doente nas lutas contra os holandeses no nordeste, não
possuía condições de se manter. Com a morte de Bezerra, em abril de 1644,
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sua casa passou a ser a casa dos governadores. Era na rua da Candelária,
defronte ao prédio onde hoje está a Associação Comercial. Em 1698, a
Câmara adquiriu a grande casa de sobrado de Pedro de Souza Pereira e
adaptou-a para sede do governo. Era exatamente onde hoje está o Centro
Cultural do Banco do Brasil. Um sobrado na rua Direita, com doze janelas no
pavimento e capela no térreo, onde depois de 1743 funcionou a Casa Real dos
Contratos, até 1808. Sediou depois diversas repartições públicas até ser
demolida em 1870 e substituída pelo prédio atual.
No Largo do Carmo, no local onde surgiu o Paço, existiam desde o
século XVII algumas casas térreas que pertenciam ao patrimônio do Convento
do Carmo, sendo alugadas a terceiros. Em fins do século XVII, foram
adquiridas pela Câmara e demolidas, subindo em seu local o Armazém Real,
onde eram guardados os carregamentos de sal e açúcar, bem como, desde
1698, a Casa da Moeda, transferida da Bahia para o Rio de Janeiro no ano
anterior.
Quando da ascensão de Gomes Freire de Andrade ao governo da
Capitania do Rio de Janeiro, em 1733, ainda estava alojado o governador no
sobrado da rua Direita. Achando-se mal acomodado, fez gestões junto à
Metrópole para construção de nova sede governamental. Em 1738 chega ao
Rio de Janeiro o engenheiro militar e Sargento-Mór (depois Brigadeiro) José
Fernandes Pinto Alpoim. Gomes Freire logo o incumbiu de preparar a nova
sede da Capitania. Alpoim aproveitou as construções existentes no Largo do
Carmo, respectivamente os prédios do Armazém Real e Casa da Moeda,
acrescentando-lhes um segundo pavimento, com janelas de sacada em arco
abatido, novidade na colônia, tendo sido erguido mais um pavimento, o
terceiro, dando para o Largo do Carmo, com quatro janelas. No térreo, manteve
as janelas com vergas retas. Internamente, era o prédio ventilado por quatro
pátios internos, ficando a área social e de trabalho no sobrado e voltadas para
o mar, os aposentos para o Largo do Carmo e as dependências de serviço no
térreo e sobrado, dando para a rua Direita. No térreo da fachada do Largo do
Carmo continuaram a funcionar o Real Armazém e a Casa da Moeda até 1808.
Foi todo o conjunto inaugurado em 1743 e inicialmente denominado nos
documentos oficiais de “casa de governo”, haja vista uma lei do século XVII
que proibia a construção de palácios em colônias de Portugal, estando tais
residências apenas restritas a príncipes e nobres de sangue real.
Nos vinte anos em que funcionou como casa dos governadores, talvez o
fato mais pitoresco ali ocorrido tenha sido o baile oferecido aos oficiais
franceses da esquadra do Conde D`Aché, chegados ao Rio de Janeiro em
setembro de 1757. O Conde ofereceu uma recepção a Bobadela num de seus
navios. Bobadela, por sua vez, diplomaticamente, ofereceu outra na casa do
governo. Os franceses ficaram decepcionados, pois ao chegarem na casa,
descobriram que não haviam mulheres na festa, e sim alguns rapazes
travestidos. Bobadela explicou-se, afirmando que o povo não permitia a saída
de mulheres para tal festividade, tendo os franceses que se contentar com o
que ele pôde conseguir. Guardadas as devidas proporções, foi o primeiro baile
de travestis do Rio de Janeiro.
Com a transferência do Vice-Reinado da Bahia para o Rio de Janeiro,
em princípios de 1763, passaram os vice-reis a administrar a colônia do edifício
no Largo do Carmo, que passou a ser conhecido então como Paço, diminutivo
lusitano de Palácio. O primeiro Vice-Rei, Conde da Cunha, não gostou do
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prédio, tencionando sua transferência para o Colégio dos Jesuítas, no morro do
Castelo, iniciativa gorada por sua substituição em 1767. Da administração do
Conde de Azambuja, D. Antônio Rolim de Moura, pouco sabemos, haja vista o
precário estado de saúde deste dirigente, que ficou menos de dois anos no
cargo. Quanto ao seu sucessor, o Marquês de Lavradio, sabemos que residia
na rua de seu nome, aberta em 1771, numa casa ainda existente. Ou seja:
provavelmente o Paço era mais usado como local de trabalho que residência
oficial, o que foi referendado pela Família Real depois de 1808.
Com a chegada da Côrte neste último ano, o prédio foi promovido a
Paço Real, e era realmente utilizado como palácio de despachos. D. João nele
ficava nos horários da tarde, morando efetivamente em São Cristóvão. Só
pernoitava no Paço quando as condições ou alguma cerimônia especial assim
o exigia. Ainda em 1808 foi o Paço ligado ao Convento do Carmo por um
passadiço, estabelecendo-se ali sua mãe, a Rainha D. Maria I, a Real Ucharia,
o Real Gabinete de Física e, depois de 1810, a Real Biblioteca. A casa da
moeda foi para um prédio na rua da Lampadoza, onde existira o primeiro
museu da cidade. Um outro passadiço foi construído, ligando o Paço ao antigo
sobrado da Casa de Câmara e Cadeia, adaptada para acomodação de
funcionários da Casa Real. Foi o Paço Real a primeira casa na América a
acomodar um Rei europeu sagrado em nosso solo, pois foi D. João assim
entronizado em 1818, numa cerimônia inédita e única ocorrida no Largo do
Carmo, onde se montou enorme pavilhão para a cerimônia. Na fachada dando
para o mar, foi construída em 1817 um corpo elevado, onde se colocou a sala
do trono, a primeira das Américas. Colocou-se na mesma ocasião quatro
colunas internas para suportar o novo pavimento (estas colunas foram retiradas
na restauração de 1980). Quando o Rei jurou a nova Constituição portuguesa,
em fevereiro de 1821, o povo não esperou sua carruagem atingir o Paço vinda
de São Cristóvão. Cercaram-no ainda na rua Direita, retiraram-no de dentro e
carregaram-no nas costas, em triunfo. O Rei, assustado, desmaiou pensando
que iam matá-lo. Levado ao Paço, verificou-se que estava bem, exceto por
seus objetos pessoais, que haviam desaparecido.
Foi no Paço que D. João VI transferiu ao filho, o Príncipe D. Pedro, o
governo em 1821, dando o célebre conselho de que “...se o Brasil se libertar,
antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que a qualquer um destes
aventureiros...”. Foi nele que a 09 de janeiro de 1822, o Príncipe recusou-se a
voltar à Portugal, permanecendo no Brasil, atendendo às súplicas do povo,
transmitidas ao jovem príncipe pelo Presidente da Câmara de Vereadores, o
Juiz José Clemente Pereira. Teria dito o Príncipe: “...se é para o bem de todos,
e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico. E recomendo
a todos união e tranqüilidade...”. Com este gesto simples, abriu o Príncipe o
caminho para nossa Independência política.
No segundo reinado foi o Paço utilizado da mesma forma que antes,
local para os despachos oficiais, residência eventual da Família Imperial e,
ocasionalmente, local de hospedagem de visitantes ilustres. Sofreu grandes
reformas em 1841/45, quando lhe acrescentaram platibandas (removidas
depois), bem como tendo sido fechado um de seus pátios, convertido em salão
dos “Archeiros do Paço”. Mesmo depois destas reformas, conta-se que o Paço
logo arruinou-se, bastando dizer que muitas de suas salas estavam já
interditadas na década de setenta, com ameaça de desabamento. Isso não
impediu que a Princesa Isabel Regente, na ausência de seu pai, o Imperador
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D. Pedro II, que estava na Europa em tratamento médico, nele assinasse a lei
no. 3.353, a 13 de maio de 1.888, a Lei Áurea, que libertou os escravos no
Brasil. Dezoito meses depois, do Paço saía para o exílio o Imperador deposto
pelo movimento de 15 de novembro de 1.889, partindo a Família Imperial para
a Europa na madrugada do dia 17, depois de dois dias de prisão domiciliar no
velho Paço. Foi, sem dúvida alguma, o episódio mais dramático e o mais
constrangedor da jovem República nascente.
A República não quis saber de utilizar o velho edifício para fins de sede
do governo. Leiloado o mobiliário interno do prédio em 1890, foi o mesmo
cedido ao Ministério da Instrução e dos Correios, então dirigido por Benjamin
Constant, e convertido em Repartição Geral dos Telégrafos, depois, dos
Correios e Telégrafos, atividade que, com poucas alterações, manteve por
oitenta anos. Quase demoliram o velho Paço em 1919, para ali se construir a
nova sede do poder legislativo federal, idéia abortada pelo Senador Paulo de
Frontin. Reformado em 1929 durante a Presidência Washington Luís, foi
acrescido de mais um pavimento. O prédio foi tombado pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em abril de 1938, eliminando assim
cogitações por sua demolição, tão desejada por famosa autarquia federal que
almejava ali levantar sua sede geral.
Em 1980 o então prédio da Repartição Geral dos Correios e Telégrafos
foi permutado com o Ministério da Cultura, sendo submetido a uma restauração
integral pelo arquiteto Glauco Campello do SPHAN, que lhe restituiu as formas
de 1818. Foram retirados todos os acréscimos, reconstituindo-se assim a
ambiência primitiva. Reinaugurado em 1985, foi convertido em centro cultural, o
primeiro no centro da cidade, ponto de partida da revalorização da área central
do Rio de Janeiro, tarefa que continua a acontecer no século XXI. No mês de
outubro de 1987, ocorreu o último episódio político no Paço, quando um
agitador à mando de determinada facção política bateu com uma picareta no
vidro no ônibus que conduzia o então Presidente da República, José Sarney,
que ia inaugurar uma exposição. O Presidente nada sofreu além do susto, o
que não deixa de ser um final feliz, porém, até melancólico para um prédio
histórico que foi palco das mais importantes decisões brasileiras em duzentos
anos.
JOSÉ FERNANDES PINTO ALPOIM - DADOS BIOGRÁFICOS
Nasceu em Viana do Castelo, Portugal, a 14 de julho de 1700, filho do
Sargento-Mór Vasco Fernandes Alpoim e de sua mulher, Da. Revocata Pinto.
Seguiu carreira militar, onde chegou também à Sargento-Mór antes de vir para
o Brasil. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, em definitivo, em 1738. Exerceu
suas atividades de engenheiro no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em
Minas Gerais.
No Rio deixou as seguintes obras: reconstrução do Aqueduto da Carioca
(1738/44); Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (1738/56);
Casa de Câmara e Cadeia (1738/50); Casa dos Governadores (1740/43);
Hospício dos Barbonos (1742); arruamento do Largo de São Francisco (1742);
Igreja da Sé (inacabada, 1742/95); Convento da Ajuda (1742/50); Claustro do
Mosteiro de São Bento (1742/55); Casas dos Telles de Menezes (1743/47);
Convento de Santa Teresa (1744/63); Chafariz do Largo do Paço (1747);
fachada da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso (1760).
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Possivelmente são obras suas: Convento do Carmo (1750); Convento
Franciscano de Santo Antônio (1750); Igreja do Carmo da Lapa (1751); Casa
do Trem (1762), e todas as fortificações executadas na cidade entre 1738 e
1765, as quais eram a sua função principal de estar aqui.
Em Minas Gerais, deixou as seguintes obras: Palácio dos Governadores
de Ouro Preto (1738/56); Cadeia de Ouro Preto (1745/50, não construída);
Planta da Cidade de Mariana (1738).
No Rio de Janeiro, foi Mestre e fundador da Aula de Artilharia da cidade.
Escreveu dois livros: Exame de Artilheiro (1744); Exame de Bombeiro (1748),
sendo que o primeiro foi impresso no Brasil. Em 1760, atingiu o posto de
Brigadeiro. Com a morte de Gomes Freire de Andrade, em janeiro de 1763,
ficou no governo da Capitania, junto com o Bispo Frei Antônio do Desterro até
a chegada do novo Vice-Rei, Conde da Cunha.
Faleceu no Rio de Janeiro a 07 de janeiro de 1765, sendo enterrado no
Convento de Santa Teresa. Serviu no Brasil 26 anos, 02 meses e 15 dias.
GOMES FREIRE DE ANDRADE - DADOS BIOGRÁFICOS
Militar e político, nasceu em Portugal em 1685. Ganhou do Rei D. João
V o título de Conde de Bobadela. Nomeado em 1733 Governador e CapitãoGeneral do Rio de Janeiro, administrou esta capitania por vinte e nove anos e
seis meses. Na cidade, deixou as seguintes obras: fez a Fortaleza de São
José, na Ilha das Cobras (1733-39); mandou derrubar o muro da cidade (1733);
fundou o Recolhimento do Parto (1736); reconstruiu o Aqueduto da Carioca
(1738-44); construiu em 1740/43 a Casa dos Governadores (hoje Paço
Imperial), no Largo do Carmo; mandou arruar o Largo de São Francisco (1742);
fundou o Convento de Santa Teresa (1744-63), no Morro do Desterro; construiu
o primeiro chafariz, no Largo do Carmo (1747); elevou a Câmara de
Vereadores do Rio de Janeiro à condição de Senado (1747); remodelou as
fortalezas de Santa Cruz e Villegaignon; cumprindo ordens de Portugal,
procedeu ao seqüestro dos bens e expulsão dos padres jesuítas do Brasil
(1759); construiu a Casa do Trem (1762), na Ponta do Calabouço; fundou as
academias literárias “dos felizes” e “dos Seletos”, fundou a primeira tipografia
do Rio de Janeiro, a de Antônio Isidoro da Fonseca; e muitas obras edílicas e
administrativas de relevância. Administrou conjuntamente as Capitanias de
Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande. Em Minas Gerais,
mandou construir um novo Palácio dos Governadores de Vila Rica (1741, hoje
Museu da Escola de Minas e Mineralogia) e ordenou o arruamento da Cidade
de Mariana (1738). Participou, como Ministro Plenipotenciário, das
conferências internacionais sobre os limites do Brasil com os territórios de
Espanha, logrando anexar à Portugal o Território das Missões. Venceu os
índios guaranis nas missões jesuíticas ao sul do país. Foi denominado de “Pai
da Pátria”, pelo Senado da Câmara. Com a invasão espanhola da Colônia do
Sacramento, na Cisplatina, foi considerado culpado por essa derrota pela
metrópole lusitana, caindo em depressão.
Faleceu a 1o. de janeiro de 1763, no Rio de Janeiro.
CHAFARIZ DE MESTRE VALENTIM - PRAÇA XV
O primeiro chafariz do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1726 pelo
Governador Ayres de Saldanha e Albuquerque no Largo da Carioca. Esta obra
coroou os esforços de mais de cem anos na luta pelo abastecimento de água
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da cidade, até então precaríssimo. Até aquela época, os escravos apanhavam
água na nascente do Rio Carioca, no Silvestre e vendiam-na na cidade por
altos preços. Deste primeiro chafariz puxaram diversos ramais, que
abasteceram os outros que depois se fizeram no Largo do Paço. Em 1747, o
Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, mandou erguer o
primeiro chafariz no Largo do Paço, mais ou menos onde hoje se encontra o
monumento ao General Osório. Era de mármore de Lióz, cuja planta proviera
de Lisboa. Mais decorativo que funcional, não durou muito, sendo quebrado
pelos aguadeiros que nele iam buscar a preciosa linfa.
Em 1779, o Vice-Rei Luís de Vasconcellos e Souza ordenou a
construção de novo chafariz no Largo do Paço, obra que não só abastecesse a
cidade como aos barcos que ali aportavam. Na mesma época, seria construído
um cais em pedra retificando o Largo, cujo projeto estava esboçado desde
1713, mas que nada se fizera até aquele momento. Incumbiu dessa missão o
engenheiro militar Jean Jacques Funck, que projetou o novo cais em pedra,
com escadas e rampas, e fez, ao menos, dois esboços para um novo chafariz
colado ao dito cais de acostamento. Quanto a estes últimos, o primeiro esboço
mostrava um chafariz horizontal, à semelhança do que fora feito no Largo da
Carioca. O segundo esboço, executado em 1780, era de um chafariz vertical,
feito em pedra, donde a água escorria por conchóides e baleias dispostas
artisticamente pelos lados.
Parece que o Vice-Rei não gostou dos dois desenhos, e teria então
encomendado um terceiro ao Mestre Valentim da Fonseca e Silva, que se
baseou no segundo esboço de Funck, mas alterou-o substancialmente nos
detalhes. É este o desenho que foi aprovado e executado. Construído em
gnaisse facoidal, com detalhes em mármore de Lióz, foi coroado com um
mirante e pirâmide. Dele saíam água por três conchóides, ficando no muro do
cais duas outras saídas para abastecimento dos navios. Por algum motivo a
obra se atrasou muito, sendo apenas entregue ao uso em 29 de abril de 1789.
Numa placa de mármore adossada ao monumento, era louvada a figura de D.
Luís de Vasconcellos e da Rainha D. Maria I, a quem o monumento era
dedicado. Em estilo barroco e com fachadas curvilíneas, era de grande
expressividade plástica e impressionou muito os visitantes que desde os fins do
século XVIII descreveram-no com entusiasmo.
Seria de uma escada lateral ao dito chafariz que o Príncipe D. João
desembarcou no Largo do Paço, num festivo 08 de março de 1808, para uma
longa permanência de 13 anos. Por esta mesma escada partiria choroso para
Portugal. Por outra próxima, seu filho, o Imperador D. Pedro I partiria para o
exílio a 07 de abril de 1831 e, por sua vez, por ali igualmente D. Pedro II sairia
destronado na madrugada de 17 de novembro de 1889. Serviu de tribuna ao
político republicano Lopes Trovão, quando da revolta popular em janeiro de
1880 pelo aumento das passagens de bondes (Revolta do Vintém). Quanto ao
cais, foi aterrado em 1838 pela Regência, haja vista o assoreamento da praia.
Sofreria outros cinco aterros até 1906, quando o ganhou os contornos
definitivos, afastando o mar do velho chafariz.
O chafariz forneceu água até 1896, com o desmonte do Aqueduto da
Carioca, ficou como monumento inerte do passado até 1975, quando uma obra
da CEDAE restaurou por alguns anos o fornecimento de água. Transformado
por isto em banheiro de mendigo, foi restaurado em 1985, sendo-lhe restituído
à luz o velho cais colonial, sem, no entanto, conseguir-se restituir sua primitiva
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função de verter água. Esta obra não deu certo e novamente o chafariz tornouse pouso de desocupados e banheiro publico.
Submetido a grandes obras em 1995, foi-lhe recomposto outra parte do
velho cais, que agora ficou à mostra graças às obras de abertura da passagem
subterrânea de veículos (apelidada de “buraco do Conde”), que lhe desobstruiu
a fachada voltada para o mar. Ainda é uma meta do IPHAN torná-lo a verter
água, se possível, pelos antigos canos coloniais de pedra, que em grande parte
ainda existem no subsolo da rua Sete de Setembro.
O monumento é tombado pelo IPHAN.
MESTRE VALENTIM DA FONSECA E SILVA - DADOS BIOGRÁFICOS
Nasceu em Serro Frio, Minas Gerais, em c. 1745. Era mulato, filho de
um fidalgo português, contratador de diamantes, e de uma negra escrava. Foi
escultor, entalhador e arquiteto, conhecido vulgarmente como Mestre Valentim,
ativo no Rio de Janeiro. Estudou em Portugal, onde teve contato com o estilo
rococó. De volta ao Rio de Janeiro, executou em 1774 o altar-mór da Igreja de
Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, na rua do Rosário. No mesmo ano,
trabalhou com Luís da Fonseca Rosa, talvez seu parente, na talha da capelamór da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na rua Direita, tarefa que durou até
1778. Já independente, fez o altar-mór da Capela do Noviciado da mesma
igreja (1774), executando vinte anos depois o altar de Nossa Senhora das
Dores, sua primeira experiência com o estilo rococó. Em 1779, iniciou as obras
do Passeio Público, inaugurado em 1783, bem como o Chafariz dos Jacarés e
a Fonte do Menino; dois anos depois, terminou o Chafariz das Marrecas, na rua
dos Barbonos (Evaristo da Veiga); fez o Chafariz do Largo do Paço (1779-89);
reconstruiu o Recolhimento do Parto (1789), hoje destruído; fez o Chafariz das
Saracuras (1791); as Pirâmides do Passeio Público (1791); e o Chafariz do
Lagarto, na rua Frei Caneca; fez dois lampadários em prata para a capela do
Mosteiro de São Bento (1793); e outro para a Igreja de Santa Rita; executou a
talha da capela-mór da Igreja da Santa Cruz dos Militares (1801-12); idem, da
capela-mór e de Nossa Senhora das Vitórias da Igreja de São Francisco de
Paula (1801-1813); idem da Igreja de São Pedro dos Clérigos (destruída),
Igrejas do Carmo da Lapa e da Candelária (também removida), e outras. Foi o
primeiro artista a fundir ligas metálicas e bronze para fins artísticos no Brasil.
Produziu igualmente peças em porcelana, as primeiras no Brasil, bem como
decorações para festas, jóias, etc. Não era santeiro, entretanto, fez duas
imagens em tamanho quase natural de São João e São Mateus, para a Igreja
da Santa Cruz dos Militares. Teve muitos discípulos.
Faleceu solteiro na Rua do Sabão, a 01o. de março de 1813, sendo
sepultado na Igreja do Rosário.
BOLSA DE VALORES - RUA DO MERCADO C/ PRAÇA XV - CENTRO
Em 1835, a Ilustríssima Câmara Municipal decidiu a construção de um
mercado que ordenasse a venda de pescado, e outros gêneros, até então feita
em velhas barracas de madeira e pano, na antiga Praia do Peixe, embocadura
da rua do Ouvidor. O arquiteto Auguste Henry Victor Grandjean de Montigny foi
encarregado do projeto, e o imóvel edificado em 1842, ocupava todo o
quarteirão onde hoje se ergue a Bolsa do Rio, em frente ao Chafariz de Mestre
Valentim. O prédio original era térreo, mas em 1870 foi arrendado ao Coronel
Antônio José Silva, que fez erguer um segundo pavimento, inaugurado em
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1872. Na praça central do mercado havia um chafariz de granito, do qual a
água jorrava, através de golfinhos de bronze. O mercado da Praça XV foi
demolido depois de um incêndio, em 1911.
Em maio de 1934 uma nova obra iniciava mais um marco na Praça XV
de Novembro. Começava a construção do antigo prédio da Bolsa de Valores do
Rio de Janeiro, na esquina da rua do Mercado. A Bolsa estava desde 1906 no
prédio da antiga Praça do Comércio, na rua Primeiro de Março, onde hoje está
sediado o Centro Cultural do Banco do Brasil. Em 1924 a Bolsa entrou em
gestões com o Banco do Brasil, que cobiçava o edifício. O Banco deu em troca
sua antiga sede, na rua da Candelária e o terreno da rua do Mercado com
Praça XV, que era de sua propriedade desde o princípio do século. Em 1926 a
troca foi realizada, indo a Bolsa de Valores para a rua da Candelária e o Banco
do Brasil para a rua Primeiro de Março. Logo o prédio da rua da Candelária
mostrou-se inadequado para as crescentes funções da Bolsa de Valores, que
levou a construção da nova sede em 1934 na Praça XV. No antigo terreno da
rua da Candelária ergueu-se, em 1935, o Palácio do Comércio. Sede da
Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Em sua nova sede, a Bolsa de Valores funcionou por quase seis
décadas, período de grandes transformações e desenvolvimento do mercado
de capitais. Ao longo deste tempo foram sendo adquiridos os imóveis anexos e,
hoje, a Bolsa do Rio está sediada em toda a quadra composta pela Praça XV,
avenida Perimetral e ruas do Mercado e do Ouvidor.
Em outubro de 1996 foi inaugurado o primeiro bloco do novo prédio da
Bolsa do Rio, na mesma histórica Praça XV, em cujas cercanias teve sua sede
desde sempre. Projeto do arquiteto Maurício Roberto, é o mais moderno e
atualizado edifício de todo o entorno da Praça. Em fins de 1999 foi demolido o
velho prédio da Bolsa, de 1934, para se erguer ali o segundo bloco, que irá
compor com o já existente um arrojado conjunto arquitetônico, fronteiro ao
chafariz projetado por Mestre Valentim no século XVIII. Serão dois marcos e
dois estilos, simbolizando as mutações e, ao mesmo tempo, a perenidade do
antigo Largo do Paço.
MONUMENTO AO GENERAL OSÓRIO - PRAÇA XV DE NOVEMBRO
Monumento localizado na Praça XV de Novembro, obra do escultor
Rodolfo Bernardelli. Sua estátua foi fundida com o bronze dos canhões
tomados ao inimigo durante a Guerra do Paraguai e foi promovida sua ereção
pela Sociedade Sul Riograndense do Rio de Janeiro, tendo sido organizada
uma subscrição popular que começou em 1880 e durou quatorze anos. Pagouse 500 réis “per capita”.
No pedestal de granito de Baveno, dos Alpes austríacos, estava até
1994 o corpo embalsamado de Osório, ali depositado em 1894. Existem dois
baixos-relevos em bronze: um representando a batalha de 24 de maio de 1866,
Tuiuti, e o outro, o ataque de Passo da Pátria. A estátua eqüestre, fundida em
Paris, nas oficinas de Thibaut, foi colocada em agosto de 1893, sendo
inaugurada a 12 de novembro de 1894, com a presença do Presidente da
República, Marechal Floriano Peixoto, ministros e demais autoridades.
Representa a figura de Osório, montado a cavalo, ligeiramente inclinado para
direita, com a espada em punho.
Foi motivo de grandes críticas à época o fato de Osório estar
representado usando calçados comuns, e não a tradicional bota de cano alto,
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própria para montaria e parte constante do uniforme de general. O escultor
Bernardelli explicou o motivo de tal modificação. Na maquete em gesso, hoje
no Museu Histórico Nacional, Osório foi representado de botas. Convocada a
única filha viva do general para opinar, Da. Manuela Luísa Osório
Mascarenhas, informou que o pai não se servia de tal apetrecho, pois tendo
sido ferido nos pés durante a Campanha do Uruguai, estes infeccionaram,
tendo sido a chaga agravada por problemas de pele e circulação. Osório
passou a não mais usar botas, já que a ferida não mais cicatrizou e dava-lhe
grande tormento calçar coturnos. Lutou toda a Guerra do Paraguai descalço, só
usando sapatos em cerimônias oficiais. Bernardelli, não o querendo
representar descalço e, ao mesmo tempo, atendendo ao reclamo da filha,
colocou o velho cabo-de-guerra com mocassins de passeio.
MANUEL LUÍS OSÓRIO (MARQUÊS DE HERVAL) - DADOS BIOGRÁFICOS
Militar e político, nasceu em Santo Antônio do Arroio, Rio Grande do Sul,
em 1808. Sentou praça com doze anos. Alferes com menos de 17 anos,
participou dos combates no sul do continente, desde a Guerra Cisplatina, com
as batalhas de Sarandi e Passo do Rosário (onde foi ferido), insurreição
Farroupilha (1835-45) e Montecaseros. Organizou, no Rio Grande do Sul, a
Força Brasileira que tomou parte na Guerra do Paraguai (1864-70), tendo sido
o primeiro a pisar o solo inimigo (1866). Distinguiu-se nas Batalhas de Tuiuti
(24 de maio de 1866), Humaitá (19 de fevereiro de 1868) e Avaí (dezembro de
1868), na qual foi ferido na boca. Assumiu, em 1877, o mandato de senador,
tendo sido ministro da Guerra no Gabinete Liberal do Visconde de Sinimbu. É o
patrono da arma de cavalaria. A casa em que morou e faleceu, na rua
Riachuelo, no Rio de Janeiro, foi tombada em 1966 e desapropriada a fim de
tornar-se um museu militar.
Faleceu no Rio de Janeiro em 1879.
RODOLFO BERNARDELLI - DADOS BIOGRÁFICOS
Escultor, nasceu em Guadalajara, México, em 1852, irmão de Henrique
Bernardelli; veio criança para o Brasil, tendo freqüentado a Academia Imperial
de Belas Artes. Em 1876 ganhou o prêmio de viagem à Europa, onde
permaneceu nove anos, a maior parte em Roma. Ao voltar, foi nomeado
professor da Academia, e mais tarde seu diretor, cargo que ocupou até 1915.
Sua produção é vastíssima em todo o Brasil, em especial o Rio de Janeiro,
onde se destacam: Cristo e a Adúltera, no acervo do MNBA; Monumento a
Osório, na Praça XV (1894); Monumento a José de Alencar, na Praça José de
Alencar (1897); Monumento à Caxias, no Pantheon de Caxias (1897);
Monumento à Carlos Gomes, na Cinelândia (1898); Descoberta do Brasil, na
Glória (1900); Busto de Pereira Passos, atrás da Igreja da Candelária (1913);
Esculturas da cobertura do Teatro Municipal (1906-09); Esculturas do prédio do
MNBA (1903-08); fora bustos, hermas, placas e monumentos por toda a
cidade, bem como alguns túmulos. Praticou também a pintura, mas nesse
campo foi obscurecido pelo irmão.
Faleceu no Rio de Janeiro, em 1931.
IGREJA DE SÃO JOSÉ - AVENIDA PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS
Não se sabe exatamente a data de fundação desta capela, pois seus
documentos de há muito foram perdidos. Provavelmente já existia em fins do
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século XVI, pois é citada num documento de 1619. De 1633 a 1640 foi
reconstruída em pedra e cal por Egas Muniz. Por algum tempo, o cabido da Sé
a utilizou como Matriz provisória, de 1704 a 1734, mas seu tamanho limitado
logo impossibilitou um culto maior. Em 1751 foi elevada à condição de Igreja
Paroquial. Em 1807 a Irmandade resolveu construir novo templo, haja vista o
estado ruinoso do antigo. A 22 de dezembro de 1808 foi lançada a pedra
fundamental com a presença do Príncipe D. João. A 10 de abril de 1824, o
templo foi entregue ao culto ainda em obras, faltando o frontispício e a
decoração interna.
O projeto geral da igreja foi realizado por Félix José de Souza, que
iniciou a construção, substituído em 1814 por João da Silva Muniz, arquiteto da
casa real, e que também projetou o Real Teatro São João, em estilo
neoclássico, no Campo dos Ciganos (onde hoje está o teatro João Caetano); e
a Igreja do Santíssimo Sacramento, na avenida Passos.
A igreja apresenta um risco clássico, com fachada ladeada por duas
pesadas torres, sendo a nave única cercada por corredores encimados por
tribunas, com sacristia transversal.
A talha interna, de estilo rococó tardio, foi executada pelo artista
brasileiro Simeão José de Nazaré, aluno de Mestre Valentim. Foi iniciada em
1824 e concluída em 1842. Em época posterior pintaram-na de branco.
JOÃO DA SILVA MONIZ - DADOS BIOGRÁFICOS
Arquiteto da Casa Real, veio com D. João para o Brasil em 1808, aqui
exercendo seu ofício enquanto a Côrte permaneceu no Brasil. Remodelou a
casa doada por Elias Antônio Lopes para receber o monarca e servir-lhe de
moradia enquanto aqui permanecesse (1808-21); colocou o pórtico estilo
Adam, na Quinta da Boa Vista (hoje entrada para o zoológico), doado pelo
Duque de Northumberland à D. João (1810); realizou, em 1810, o plano do
novo Real Teatro São João, no Campo dos Ciganos, cuja obra dirigiu (181013), hoje no local está o Teatro João Caetano; em 1814, fez o projeto para a
nova Igreja de São José, ao lado da Cadeia Velha, que sugeriu ser mais larga
que a anterior, o que foi aprovado e cuja obra dirigiu pessoalmente (1814-21);
em fevereiro de 1816, fez o projeto da Igreja do Santíssimo Sacramento, com
cinco altares, na rua da Lampadosa, atual avenida Passos, tendo igualmente
dirigido os trabalhos (1816-21). Em agosto do mesmo ano, foi a São João Del
Rei, opinar sobre o frontispício da Igreja do Carmo, cuja obra estava parada há
muito tempo. Sugeriu que se demolisse o já construído e que se erguesse novo
frontispício, segundo um outro plano, sugestão que foi seguida. No ano
seguinte, em 1817, construiu a Varanda da Coroação, defronte ao Convento do
Carmo, no Largo do Paço, que serviu não só ao fim original, como também à
cerimônia de casamento de D. Pedro com a Princesa Leopoldina. Em 1821,
jurou a nova Constituição de Portugal na qualidade de Primeiro Arquiteto dos
Paços Reais.
Voltou à Portugal com a Côrte no mesmo ano, nada mais se sabendo de
suas atividades por lá.
SIMEÃO JOSÉ DE NAZARÉ - DADOS BIOGRÁFICOS
Escultor e entalhador. Nasceu no Rio de Janeiro em c. 1775, sendo
batizado na Igreja da Candelária. Era filho de uma escrava com um boticário
português, que no fim da vida tomou ordens sacras. Em c. 1795, seguiu
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carreira de miliciano, assim permanecendo até 1801. Enviado para a oficina de
Mestre Valentim, foi ironizado por este, retirando-se. Matriculou-se numa aula
de música. A pedido de Valentim, retornou ao atelier do mestre, formando-se
escultor. Praticava um estilo de talha tendente para o neoclássico, simples,
limpa de ornatos e bem acabada. Ornou de talha a Igreja Paroquial da Vila de
São João Marcos (destruída em 1941) e, no Rio de Janeiro, da Igreja de São
José (1824-42).
Faleceu no Rio de Janeiro em setembro de 1858, sendo enterrado no
cemitério de São Francisco Xavier.
A ORIGEM DA CÂMARA DE VEREADORES DO RIO DE JANEIRO.
A primeira eleição para escolha de vereadores do Rio de Janeiro deu-se
em dezembro de 1567, dois anos e nove meses após a fundação da cidade por
Estácio de Sá.
Votavam todos os homens da cidade, adultos, com residência fixa e
sem passado criminoso.
Curiosamente, escolhiam-se não os vereadores, mas sim doze eleitores,
os quais, por sua vez, votavam em doze candidatos que não podiam ser
parentes ou sócios dos eleitores. Os eleitos tinham seus nomes escritos em
grupos de quatro em respectivas cédulas de couro envolvidas em cera,
chamadas ”pelouros”, e postas dentro de um saco, donde uma criança
sorteava uma delas, que era a dos vereadores sufragados.
O mais velho era o Presidente da Câmara e Juiz Ordinário da Cidade, os
dois do meio eram os vereadores e o último era o Procurador da Câmara. O
mandato era de um ano, quando então procedia-se a outro sorteio que definia
a chapa do ano seguinte.
Os antigos vereadores passavam a servir como Juízes Almotacés, que
eram os fiscais da Câmara. Os vereadores recebiam salário em cera, para
fazer velas, e os Juízes Almotacés tinham direito a receber línguas de bois
abatidos aos sábados. Só e nada mais. A sede da Câmara ficava num sobrado
no Morro do Castelo, onde no térreo funcionava a cadeia, ficando os
vereadores no andar superior.
O povo já naquela época dizia que “quem rouba pouco é ladrão, quem
rouba muito é barão...” .
Outra ironia é que o primeiro funcionário da Câmara foi o Procurador
João de Prosse, nomeado por Estácio de Sá em julho de 1565, dois anos e
meio antes da primeira eleição, tendo ficado todo esse tempo recebendo sem
trabalhar.
Um autêntico funcionário-fantasma!
Ufa, ainda bem que isso é o passado...
PALÁCIO TIRADENTES - ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ESTADUAL
Quando Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil, transferiu a
cidade do Rio de Janeiro do morro Cara-de-Cão para o do Castelo, ordenou a
construção da primeira sede da Câmara de Vereadores no novo sítio. Era um
sobrado, o primeiro da cidade, tendo no térreo a cadeia e no andar superior a
vereança. Logo esta casa, construída em taipa e pouco sólida, apresentou
problemas estruturais e uma série de reparos passaram a ser executados, sem
que fossem capazes de impedir a ruína do prédio. Começou, então, a formar-
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se no seio dos vereadores a idéia da transferência da casa para a várzea, até
porque as principais autoridades da cidade para lá haviam se transferido.
Em 1619 solicitou a Câmara de Vereadores um terreno ao lado da
capela de São José. Tendo-o obtido, fizeram uma nova casa da câmara, térrea,
e no mesmo ano para ela se transferiram. Erguida com material pouco sólido,
sofreu inúmeras reconstruções e, por muito tempo, suas paredes foram
seguras por pontaletes de madeira. Cem anos depois, teve-se início a uma
construção mais sólida com projeto vindo de Portugal, um sobrado em pedra-ecal, cujas obras arrastaram-se por muitos anos, finalmente concluídas pelo
engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim em 1751. No térreo funcionava
a cadeia pública e açougue da cidade, ficando a vereança e tribunal ordinário
no andar superior.
Seis anos depois, a câmara, agora elevada à “Senado da Câmara”,
mudou-se para nova sede ao lado do “Arco do Telles”, no Largo do Paço, onde
hoje está a “Tabacaria Africana” donde retornou em julho de 1790 após um
incêndio criminoso naquela casa. Foi esta a cadeia que serviu de menagem
aos personagens da “Conjuração Mineira”, onde todos foram reunidos entre 20
e 21 de abril de 1792. Dela saiu neste último dia o Alferes Joaquim José da
Silva Xavier, o “Tiradentes” (1746-92) para a fôrca, no Campo de São
Domingos.
Com a chegada da Família Real, em 1808, são os presos e a câmara
desalojados para serem ali acomodados membros menores da nobreza e
serviçais do Rei. Os detentos passam para o prédio do Aljube, antiga prisão
eclesiástica, na rua do Aljube (hoje rua Acre). Os vereadores vão inicialmente
para um sobrado na rua Direita, ao lado do “Estanco do Tabaco” (quase na
esquina de rua do Ouvidor), mudando-se logo depois para uma casa na rua do
Rosário e, finalmente, para a própria Igreja do Rosário, donde só saíram em
1825, já três anos depois da Independência, para sede própria levantada no
Campo de Santana.
Após a partida da Família Real, o prédio da velha “câmara-e-cadeia” foi
convertida na sede da primeira Assembléia Nacional Constituinte, em 1823,
tendo sido palco dos dramáticos episódios de novembro daquele ano, quando
o jovem Imperador D. Pedro I mandou fechá-la sob ameaça de canhões.
Funcionou dali por diante como Câmara de Deputados, sendo reformada
muitas vezes, algumas já sob ameaça de desabamento. Durante todo o
Império e princípios da República ali brilharam grandes homens cuja história
enumera, em lista não pequena. De José Bonifácio, Antônio Carlos, Martim
Francisco, até Afonso Arinos, Carlos Lacerda e Getúlio Vargas, nomes que
fizeram a história do país nos últimos duzentos anos.
Continuou assim a ser usada na República, até que em 1920, já
necessitando de inúmeros reparos, resolveu o Presidente da Câmara, Dr.
Arnolfo de Azevedo, sua demolição e construção de novo edifício. Fez o projeto
do novo edifício, batizado de “Palácio Tiradentes”, os arquitetos Archimedes
Memória e Francisque Couchet, que se inspiraram no Grand Palais de Paris.
Dum rebuscado ecletismo, onde não faltaram detalhes exóticos, como a
imagem do Marechal Deodoro vestido à Romana, numa escultura do
frontispício, bem como uma profusão de detalhes com “Fasces”, que eram
pequenos troncos amarrados a um machado, utilizados de forma decorativa em
vários elementos da fachada. Era no passado remoto o símbolo do Senado
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Romano, infelizmente convertido pelos radicais italianos em símbolo da
ideologia “Fascista” depois de 1922.
Quando foi inaugurado, em 1926, foi igualmente descerrada a imagem
de Tiradentes, em bronze, colocado à frente do palácio, escultura de Francisco
de Andrade, e que foi alvo de reparos à época, pois representava o Alferes Mór
do Brasil muito velho, vestindo uma túnica de condenado que lembrava
desagradavelmente uma camisola de dormir. Representava-o, igualmente,
barbado e cabeludo, atributos pilosos que à época, já se sabia que Tiradentes
nunca os tivera.
Fechado o Palácio pela Revolução de 1930, reabriu suas portas três
anos depois para sediar a segunda Assembléia Nacional Constituinte da
República, que elaborou nova e moderna constituição ano seguinte, bem como
nela empossou o Presidente eleito pelo Congresso, Getúlio Vargas. Em 1937,
seria novamente o Tiradentes fechado, agora devido ao golpe de 10 de
novembro, que instaurou no Brasil a ditadura do Estado Novo. Ironicamente, tal
governo foi instaurado pelo próprio Vargas, que agora assumia-se um ditador.
Por oito anos o prédio sediou o temível “DIP”, Departamento de Informação e
Propaganda, órgão de censura da imprensa. Foi também o palácio utilizado
para congressos e cerimônias cívicas. Com a redemocratização do país em
1945, nele deu-se a posse do novo Presidente José Linhares, bem como
sediou nova Assembléia Constituinte no ano seguinte, funcionando
normalmente como Câmara dos Deputados Federais até a transferência da
capital federal para Brasília, em 1960.
De 1960 a 1975, funcionou o Palácio Tiradentes como sede da Câmara
de Deputados do Estado da Guanabara, alternando-se nessa função, algumas
vezes, com o Palácio Pedro Ernesto, antiga Câmara de Vereadores, na Praça
Marechal Floriano, que possuía instalações mais amplas para os escritórios
dos Deputados guanabarinos.
Com a fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975,
passou a sediar a ALERJ, Assembléia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro,
atualmente em sua sexta legislatura. Na mesma ocasião, reconstruiu-se o
prédio existente nos fundos, antigo edifício do Ministério da Viação e Obras
Públicas, para funcionar como anexo da Assembléia e escritório de trabalho
dos Deputados.
Hoje, no Palácio Tiradentes, além de suas funções legislativas normais,
funciona um pequeno museu, contando as peripécias do Poder Legislativo no
Brasil em cinco séculos de história.
ARCHIMEDES MEMÓRIA - DADOS BIOGRÁFICOS
Arquiteto, construtor e professor, um dos maiores expoentes
profissionais do ecletismo arquitetônico. Nasceu no Rio de Janeiro em 1895,
tendo estudado arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes. Começou
trabalhando com Heitor de Mello, cujo escritório assumiu, após a morte do
mestre em 1920. Sua primeira obra foi a construção do Palácio Pedro Ernesto,
na Cinelândia (1920-23), sob projeto de Heitor de Mello. Seguiram-se
encomendas importantes: Palácio Tiradentes, no Centro (1920-26); Palácio da
Grandes Indústrias, que era uma reforma da antiga Casa do Trem, no Castelo
(1921-22); Cassino Beira Mar, no Passeio Público (1921-22, demolido); Fórum
do Rio (1921, não construído); Balneário e Cassino da Urca (1921-22); Jóquei
Clube, na Lagoa (1921-26); Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa, na av.
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Passos (1922-26); Ampliação da Caixa Econômica, na rua Dom Manuel (1926);
Sede Social do Botafogo, na rua General Severiano (1928); Vitrais do altar-mór
da Igreja da Candelária (1929); Escadaria do hall do Museu Nacional de Belas
Artes (1931); Igreja de Santa Terezinha, no Túnel Novo (1931-34); Capela da
Usina Salgado, em Pernambuco (1935); decoração interna da Embaixada
Britânica, hoje Palácio da Cidade, na rua São Clemente (1944-46); e muitos
outros projetos, infelizmente vários já demolidos. Archimedes foi professor da
cátedra de Composição de Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes,
onde formou inúmeros profissionais de talento. Após ver seu projeto vencedor
do novo Ministério da Educação (1935-36), preterido pelo de Lúcio Costa, seu
rival, abandonou os concursos de arquitetura dedicando-se ao magistério.
Memória atravessou várias fases da arquitetura brasileira neste século.
Começou praticando um ecletismo classicizante, evoluiu para o neocolonial,
onde foi mestre, e, em fins de carreira, abraçou o art-déco, buscando uma
linguagem mais atual para a arquitetura.
Faleceu em 1960.
CARLOS CHAMBELLAND - DADOS BIOGRÁFICOS
Pintor impressionista e designer. Nasceu no Rio de Janeiro em 1884,
irmão de Rodolfo Chambelland, também grande pintor. Formado pela Escola
Nacional de Belas Artes. Trabalhou muito no Recife, onde executou trabalhos
na Igreja da Graça e no Colégio da Estância. Expôs no Salão Nacional e no
Salão Paulista de Belas Artes, em ambos com estrondoso sucesso. No Rio de
Janeiro, fez as decorações murais das salas nobres do Palácio Pedro Ernesto,
bem como um vitral decorativo, junto com o irmão Rodolfo (1923). A convite do
deputado Arnolfo de Azevedo, fez a decoração interna do Palácio Tiradentes
(1925-26), decorando o plenário com um grande vitral e painéis murais de
cunho patriótico.
Faleceu no Rio de Janeiro em 1950.
FRANCISCO ANDRADE – DADOS BIOGRÁFICOS
Não se sabe muita coisa desse escultor, nascido no Brasil em c. 1900.
Estudou escultura com José Otávio Correia Lima na antiga Escola Nacional de
Belas Artes. Recebeu o prêmio de viagem ao estrangeiro no Salão Nacional de
Belas Artes de 1920, com um gesso retratando o arquiteto Francisco dos
Santos, bem como a pequena medalha de prata no Salão Paulista de Belas
Artes de 1938. Figura no Museu Nacional de Belas Artes com o trabalho
“Cabeça de Menina”. São de sua autoria a estátua de Tiradentes (1926), em
frente à ALERJ e as hermas de Luiz Paixão (1934) e Lima Barreto (1931),
ambas na Ilha do Governador. No Palácio Pedro Ernesto, existem de sua
autoria os bustos de Benjamin Constant e José Bonifácio.
Já é falecido.
ESTAÇÃO DAS BARCAS - PRAÇA XV
O primeiro serviço regular de navegação à vapor entre a Côrte e a
Província do Rio de Janeiro, data de 14 de outubro de 1835, quando
começaram a funcionar três barcas inglesas, da Companhia de Navegação de
Niterói. Trafegavam de hora em hora, das 06:00h da manhã às 18:00h, e
faziam a travessia em trinta minutos. Até então, o percurso era feito em botes,
faluas e saveiros, durando a viagem mais de duas horas.
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Seguiu-se a Companhia de Navegação de Niterói a das Barcas Ferry,
cujo serviço foi solenemente inaugurado numa manhã de domingo, 29 de junho
de 1862. Começou com três barcas norte-americanas, com rodas e capacidade
para 300 passageiros. A Companhia Ferry ergueu então uma bonita estação
em estilo neoclássico no Largo do Paço, inaugurada em 1862 por D. Pedro II.
Correram os anos e, em 1o. de outubro de 1889, com a fusão da
Companhia das Barcas Ferry e a Empresa de Obras Públicas no Brasil,
organizou-se a Companhia Cantareira e Viação Fluminense. De 1903 a 1908,
quando a administração passou para o dinâmico Visconde de Moraes, realizou
a Cantareira grandes melhoramentos, dentre eles, a compra de novas barcas,
renovação dos cais e reconstrução das estações da Praça XV e Praça Martim
Afonso (Niterói). A da Praça XV aproveitou-se o arcabouço da velha estação
das barcas Ferry, tendo o arquiteto Adolpho José Dell Vecchio, que projetou
anos antes o palacete da Ilha Fiscal, refeito a fachada em estilo eclético, com
vistosa cúpula bulbosa e pavilhões anexos no mesmo estilo. Foi inaugurada em
1911, tornando-se logo ponto de referência na Praça.
Por duas vezes as estações da Praça XV e Praça Martim Afonso foram
duramente depredadas. A primeira, em 1925, quando se aumentou as
passagens em dezembro. Ambos os prédios foram vandalizados pela turba
enfurecida, bem como as barcas, que foram destruídas. A segunda foi pior. A
Companhia Cantareira fechou as portas em meados da década de 50, sendo
os serviços de transportes marítimos arrendados aos “Irmãos Carreteiro”, de
Niterói. O serviço caiu muito e as barcas atrasavam, num dia de muito atraso,
em 1959, o povo raivoso incendiou a estação Niterói e destruiu todo o interior
da estação Praça XV. Várias barcas foram igualmente incendiadas e
afundadas. A estação de Niterói acabou ficando irrecuperável e foi demolida.
Algum tempo depois, em 1960, foram os serviços assumidos pelo
Estado da Guanabara, tendo sido em 1975, após a fusão, fundada a CONERJ Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro, que até hoje mantém
os serviços com regularidade. A estação da Praça XV, antiga Estação da
Companhia Cantareira, foi tombada pela municipalidade e recentemente
restaurada.
MONUMENTO À D. JOÃO VI - CAIS PHAROUX - PRAÇA XV
Num pedestal de granito retangular, sob base de cimento armado,
olhando para o mar, eleva-se a estátua eqüestre de D. João VI, tendo na mão
direita a esfera armilar, símbolo da monarquia portuguesa, É de autoria do
escultor Professor B. Feyo, fundida em bronze na oficina de José Guedes, em
Vila Nova de Gaia, Portugal. Foi oferta do Governo Português às
comemorações do IV Centenário da Cidade em 1965. Foi inaugurada naquele
lugar pelo Governador Carlos Lacerda, como lembrança do desembarque da
Família Real naquele sítio em 08 de março de 1808.
JOÃO VI - DADOS BIOGRÁFICOS
João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos
Rafael, nasceu em Lisboa, a 13 de maio de 1767, segundo filho da Rainha D.
Maria I, a “louca”, e de D. Pedro III, seu tio e marido. D. João VI, 27o. Rei de
Portugal, exerceu a regência desde 1792 até 1816, quando faleceu sua mãe.
Reinou apenas dez anos. Foi, inicialmente, destinado à carreira eclesiástica,
mas em menos de dois anos, morreu-lhe o irmão mais velho, D. José II; e o
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pai, ambos de bexigas. Casou-se contra a vontade, em 1775, com a princesa
Carlota Joaquina, filha do Rei Carlos V de Espanha, união que lhe traria mais
dissabores que todos os outros problemas. A má esposa sempre o detestou e
logo começou a conspirar contra ele. Como se fosse pouco, ainda em 1789 sua
mãe perdia a razão para nunca mais recuperá-la. Enfrentou a crise política que
envolveu Portugal, oriunda da expansão do Império de Napoleão pela
Península Ibérica (1806-07), fugindo para o Brasil junto com sua côrte, em
novembro de 1807 para não ser aprisionado pelos franceses.
Chegou à Bahia, em 20 de janeiro de 1808. Logo ao chegar, seu
primeiro cuidado foi o de dar maior expansão à Colônia. Insinuado pelo
Visconde de Cairu, brasileiro insigne e ardoroso patriota, decretou a liberdade
do comércio e navegação, assinando logo a 28 de janeiro de 1808, a abertura
dos portos às nações amigas. Percebendo que Salvador não possuía mais
condições de sediar uma côrte, demandou-se para o Rio de Janeiro, onde
desembarcou no Largo do Paço em 08 de março de 1808. Sua primeira
preocupação foi a de acomodar a côrte, formada por quase quinhentos áulicos,
o que teve de fazer invocando a triste lei das aposentadorias, dando aos
nobres o direito de tomar as residências particulares, o que causou grande
descontentamento popular. D. João, logo ao desembarcar, recebeu a dádiva da
Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, acomodando sua mãe no antigo
Convento do Carmo.
Precisando dotar o Rio de Janeiro de uma infra-estrutura capaz de
sediar a capital de seu reino, efetuou realizações com o escopo de promover o
progresso da colônia, entre elas: a fundação do Banco do Brasil (1808); da
Imprensa Régia (1808); Fábrica de Pólvora da Lagoa (1808); Real Horto
Botânico (1808); Intendência Geral de Polícia (1809); Real Biblioteca (1810);
Real Academia Militar (1810); Escola Anatômica de Cirurgia Médica (1811);
Real Academia dos Guardas-Marinha (1811); Real Academia de Artes e
Ofícios (1816); Museu Real (1818); Praça do Comércio (1819); e outras úteis
instituições. Assinou a primeira lei destinada a acabar com o tráfico de
escravos no nosso território (1810); e foi o primeiro a estimular a imigração
para o campo, com a vinda de colonos suíços (1818). Tal foi o impulso
imprimido ao Brasil que a 26 de dezembro de 1815, foi ele elevado à categoria
de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
O maior benefício que a presença de D. João legou ao nosso país foi,
sem sombra de dúvidas, a unidade nacional. Não fosse sua presença entre
nós, com certeza teria acontecido à nossa terra o que ocorreu com nossos
vizinhos de colonização espanhola. Quatro Vice-Reinados transformaram-se
em vinte pequenos países, quase sempre envolvidos em guerras fratricidas e
disputas fronteiriças. Seu reinado manteve o Brasil unido, que permitiu que a
grandeza territorial de nosso país não se fracionasse em estados estéreis.
Apesar da oposição de sua mulher, que sempre trabalhou contra ele e
que nos detestava fidagalmente, D. João daqui só se afastou compelido pelo
movimento constitucionalista do Pôrto (1820). Em abril de 1821 seguiu para
Portugal, aqui deixando como regente seu filho D. Pedro I.
Chegando a Lisboa, jurou a nova Constituição, mas sua mulher D.
Carlota Joaquina se recusou a tal e por isso foi exilada com seu filho D. Miguel.
Promoveram os dois uma contra-revolução com fulcro em Vila Franca de Xira,
a “Vilafrancada”, que restabeleceu o absolutismo. Em abril de 1824, o
movimento denominado “Abrilada” obrigou D. João VI a se recolher a bordo de
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uma nau inglesa. Restaurado no poder, foi D. Carlota internada e D. Miguel
exilado no estrangeiro. O dissabor sofrido com a ingratidão do filho D. Miguel e
a revolta da mulher D. Carlota, abalou profundamente o monarca, nunca mais
recuperando seu bom humor. Um ano depois, a 29 de agosto de 1825, D. João
reconheceu a Independência do Brasil.
Após um jantar, D. João passou mal e morreu subitamente a 10 de março de
1826. A moderna ciência, examinando seus restos mortais conservados em
álcool, encontrou vestígios de arsênico em dose suficiente o bastante para
matar um “elefante”. D. Carlota Joaquina, a possível mandante de tal atentado,
não saboreou o sucesso. Enlouqueceu como a sogra, suicidando-se tomando
veneno em 1830, aos 55 anos. Dizem, que de uma dose cavalar de “arsênico”.
IGREJA E CONVENTO DO CARMO, RUA PRIMEIRO DE MARÇO, PÇA. XV
Uma capela dedicada à Nossa Senhora da Expectação e do Parto foi
erguida em 1570 na rua Direita por uma devota em cumprimento de uma
promessa. Como a invocação era de difícil pronúncia pela população humilde,
era conhecida como capela de “Nossa Senhora do Ó”, devido à oração de
invocação desta santa iniciar com esta interjeição (Ó Virgem Maria! Ó Mãe de
Deus!).
Em 1589, foi esta capela doada pela Câmara aos frades carmelitas, que
alteraram sua invocação para a Virgem do Carmelo. Em 1611 obtiveram um
terreno do lado esquerdo do templo, onde em 1619 iniciaram a construção de
um convento, com pedras tiradas da Ilha das Enxadas. No século XVII o templo
arruinou e foi reconstruído, mas mesmo assim ainda era uma pequena capela.
O convento, ao lado era em sobrado e foi ampliado na mesma época. Assim
ficaram estabelecidos os carmelitas até o século XVIII.
O belo templo barroco atual foi iniciado em 1761, sob provável risco de
Mestre Manoel Alves Setúbal, que ergueu a Igreja dos Terceiros, logo ao lado.
A fonte de inspiração foi o Convento do Carmo do Pôrto, Portugal, com o qual
revela afinidades estilísticas. Quando da chegada do Príncipe D. João, em
1808, só estava pronto o Convento, tendo a igreja de ser completada às
pressas com um frontispício de madeira, haja vista ter o Príncipe tê-la
convertido em Capela Real por ser a mais próxima do Paço. O convento ao
lado foi desocupado pelos frades, nele se instalando a Rainha D. Maria I, a
“Louca”, o Real Gabinete de Física e, no térreo, a Real Ucharia, que era o
depósito do Palácio. Nos fundos, numa ala pertencente aos Irmãos Terceiros
do Carmo, onde fôra um hospital, foi instalada em 1810 a Real Biblioteca, com
livros recuperados da Biblioteca do Infantado e da Real Biblioteca da Ajuda. O
convento foi ligado ao Paço por um passadiço.
Internamente, os sete altares e as duas capelas da igreja foram iniciados
em 1785 por Mestre Inácio Ferreira Pinto. O conjunto, de decór rococó, mostra
grande unidade de estilo, que prova ter sido a execução realizada segundo um
projeto de conjunto. O arco cruzeiro é encimado por um magnífico ornato
recortado. A ornamentação da nave é dividida por pilastras de estilo coríntio, o
mesmo se dando mais tarde na igreja vizinha dos Terceiros. Pinturas ovais de
José Leandro de Carvalho, representando os doze apóstolos, são distribuídas
pela nave, entremeando as tribunas.
Durante o reinado de D. Pedro I foi completado o frontispício, segundo o
projeto do engenheiro-arquiteto Pedro Alexandre Cavroé. Êste era
interessante, pois como o da Cruz dos Militares, mostrava, sob influência
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clássica, a volta às formas das igrejas romanas da época de Vignola.
Infelizmente, foi a fachada substituída no século XX dando lugar a um
frontispício descaracterizado, terminado em 1923. D. Pedro I igualmente
concebeu que um dos pátios do Convento fosse convertido em Mausoléu
Imperial, mas sua renúncia em 1831 fez abortar o projeto.
Em 1856 foi prolongada a antiga rua do Cano até a rua Direita, sendo a
primeira rebatizada para Sete de Setembro. Sendo assim, foi feito um corte no
Convento, que passou a ser ligado ao templo por outro passadiço, que foi
demolido em 1890. Em 1888/1900 passou o templo por grandes obras.
Reconstruiu-se toda a fachada que dava para a rua Sete de Setembro num
estilo eclético, depois extendido à fachada principal. Em 1905, a pesada torre
sineira foi demolida por ameaçar ruir, sendo erguida outra projetada pelo
arquiteto italiano Raphael Rebecchi. Demoliu-se o pórtico da capela dos
Passos, colocando em seu lugar duas janelas geminadas. As janelas foram
ampliadas para acomodar vitrais. Essas obras foram inauguradas em 1900. Em
1903, o Prefeito Francisco Pereira Passos mandou retirar o gradil do adro para
alargar a rua Primeiro de Março (ex-rua Direita).
Internamente, foram feitas muitas alterações. Retirou-se uma pintura do
altar-mór representando a Família Real, demoliu-se dois corredores laterais,
aprofundando-se os seis altares laterais, para ampliar a nave. Refez-se a
pintura da capela-mór e outras obras. Essa reforma foi ordenada pelo Ministro
Antônio Ferreira Viana, incumbindo-se dos trabalhos o engenheiro Adolpho
José Dell`Vecchio e o artista Thomaz Driendl.
Quanto ao Convento, igualmente não escapou de adulterações. Em
1840 D. Pedro II nele instalou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que
ali ficou até 1896. Em 1907 ganhou uma fachada eclética, projetada pelo
arquiteto Henrique Fleiuss, removida pelo SPHAN em 1970, sendo recomposta
em seus elementos originais. Ainda em 1896 foi nele instalada a Escola
Técnica de Comércio, e, em época mais recente, a Universidade Cândido
Mendes. Nos anos 80, foi construído no pátio do Convento um enorme prédio
de escritórios, o Centro Empresarial Cândido Mendes, projetado por Harry
Cole, que acabou desvirtuando toda a escala da praça e de seus monumentos.
A Igreja foi Capela Real de 1808 a 1822. Capela Imperial de 1822 a
1889, Catedral Metropolitana, de 1889 a 1976. Sediou, à partir de 1894, a
primeira Cátedra Cardinalícia da América Latina. Hoje é a Igreja de Nossa
Senhora do Carmo da Antiga Sé. A Família Real e, depois a Imperial
prestigiavam as procissões, particularmente a do Senhor dos Passos e a de
São Sebastião, que eram, guardadas as devidas proporções, eventos mais
carnavalescos que religiosos. Foi a única igreja nas Américas que serviu de
palco da Sagração de um Rei, D. João, em fevereiro de 1818; e da Coroação
de dois Imperadores, D. Pedro I, em dezembro de 1822 e D. Pedro II, em julho
de 1841. Ali se batizaram e casaram todos príncipes de sangue real entre 1808
e 1889. D. Pedro I confirmou nela seu casamento em 1817; bem como D.
Pedro II, em 1843; tendo ali se casado a princesa Isabel com o Conde D`Eu,
em 1863. Num corredor lateral da capela foram depositados em 1903, por
iniciativa do Bacharel Alberto de Carvalho, parte dos restos mortais de Pedro
Álvares Cabral, descobridor do Brasil, transladados de Portugal. Foram
regentes da Capela Real, dentre outros, Padre José Maurício Nunes Garcia,
nosso maior compositor sacro colonial; Marcos Portugal, maestro que veio com
D. João em 1808; Sigismundo Neukomm, discípulo de Haidn, que veio com a
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Missão Artística Francesa, em 1816. Nesta igreja, começou como simples
violinista, o futuro maestro Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional
Brasileiro. À época de D. João VI, nela tinham coro os famosos “Castrati”,
jovens emasculados para manter a voz aflautada.
Presentemente, está a igreja necessitando de grandes reparos, tendo
sido elaborado um projeto de restauração integral, externa e internamente, que
visa restituir ao templo suas características originais.
O RAPTO DAS GALINHAS
O velho Convento do Carmo, hoje sede da Universidade Cândido
Mendes, situado na Rua Primeiro de Março, entre as ruas da Assembléia e
Sete de Setembro, é um dos mais veneráveis monumentos do Rio. Erguido
pelos frades carmelitas aqui chegados em 1589, ficou concluído em 1619. No
século XVIII, com o afluxo do ouro oriundo de Minas Gerais, foi totalmente
reconstruído depois de 1761.
Entretanto, com a chegada da Côrte portuguesa ao Rio de Janeiro em
março de 1808, o convento teve seu destino mudado.
O Príncipe D. João, se utilizando da lei das aposentadorias, a qual o
facultava requisitar qualquer prédio da cidade para uso próprio, mandou
desalojar os carmelitas ainda em março de 1808. Os frades acabaram indo
para uma pequena igreja, no Largo da Lapa, onde ainda se encontram. No
velho convento, D. João mandou alojar sua mãe, a Rainha D. Maria I, a louca.
Como o espaço era generoso, D. Maria ainda dividiu o espaço do convento
com o Real Gabinete de Física e, nos fundos, onde existia o Hospital da Ordem
Terceira do Carmo, em prédio ainda existente, o Príncipe mandou ali instalar
em 1810 a Real Biblioteca, reunindo os livros arrebanhados às bibliotecas da
Ajuda e do Infantado, trazidos ao Brasil em grandes caixotes quando da fuga
da Família Real.
Entretanto, foi no pavimento térreo onde se instalou a repartição mais
polêmica daqueles tempos: a Real Ucharia.
Ucharia era o armazém de alimentos do Palácio Real. Era onde ficavam
os secos e molhados, os animais e vegetais que abasteciam a real mesa de D.
João. E, no caso dele, era uma mesa bem farta.
D. João se alimentava muito, e mal. Comia demais. Testemunhos de
época relatam com minúcias as glutonarias do Príncipe. Ao acordar bem cedo,
D. João fazia suas orações e logo depois realizava sua primeira refeição, o
almoço (naquela época não se tomava café da manhã). Comia, sem talher
algum, de quatro a seis frangos de leite assados, pequenos como pintos.
Segurava-os com as mãos e deles só se separava quando restavam apenas
ossos. Não havia acompanhamento nesse prato. Eram só os frangos. Algumas
vezes, D. João também devorava algumas fatias de pão torrado com manteiga,
que somente seu cozinheiro sabia fazer. Bebia apenas água da Ponta da
Armação, em Niterói, a qual mandava buscar em grandes batelões. De
sobremesa, laranjas da Bahia (as do Rio ele as julgava muito doces).
No jantar, que era às 13:00h, os pratos eram quase idênticos, variando apenas
em ocasiões solenes. Na ceia, às 18:00h, tomava canja de galinhas. Após essa
refeição, D. João dormia a sono solto até o dia seguinte, quando a rotina
alimentar se repetia.
Com essa péssima alimentação, mal balanceada e muito gordurosa, D.
João sempre sofreu gravemente de problemas gastro-intestinais, os quais
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motivaram episódios cômicos ocorridos em público. Às vezes, por força das
circunstâncias essa dieta variava, mas nunca faltavam os frangos, prato que
ele apreciava com veneração.
Desnecessário dizer que a maior parte da Ucharia era o galinheiro, o
qual ocupava todo o pátio do velho convento. Em 1817, quando D. João se
tornou Rei, foi nomeado chefe da Real Ucharia seu barbeiro, Plácido Antônio
Pereira de Abreu. Esse patife era um notório espertalhão e serviria com igual
eficiência ao Imperador D. Pedro I, como barbeiro, secretário e alcoviteiro.
Com a nomeação de Plácido, a roubalheira na Ucharia atingiu níveis
inimagináveis. Plácido fazia imensas requisições de alimentos a seus
fornecedores. Às vezes, requisitava toda a produção de determinado gênero
alimentício. Esses alimentos, comprados em quantidade muito além da
necessária, eram sorrateiramente revendidos a particulares por altos preços.
Em 1819, por sugestão de Plácido, D. João requisitou que seus guardas
recolhessem à Real Ucharia todos os frangos da cidade do Rio de Janeiro.
Todos, inclusive os dos hospitais!
Podiam os doentes ficar sem sua canja de galinha, mas o Rei não
dispensava frango algum!
Claro, a roubalheira rendeu bons frutos, pois só era possível se obter
galinhas pagando as propinas que Plácido arbitrava dos pobres cariocas. Sem
imprensa nem justiça para defender o povo, este apenas protestava nas
esquinas e tabernas. A coisa ficou assim até que um dia de novembro de 1819
um grupo de cidadãos tomou coragem e enviou uma carta de protesto ao Rei,
carta esta que se encontra na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional e
que vale a pena ser aqui reproduzida em seu trecho inicial, bem pitoresco:
“Dizem os moradores desta cidade, que eles, suplicantes, se vem na
maior consternação possível pela falta de galinhas e mais criação de penas
para o socorro dos enfermos particulares, pois por dinheiro algum as podem
encontrar senão em mão do Galinheiro da Real Ucharia.”
“Os habitantes desta Côrte, Real Senhor, são contentes, com a maior
satisfação, que a Real Ucharia tenha a preferência com a maior abundância
possível, mas não que o Galinheiro, a título dela, faça os maiores insultos
possíveis, que é andar com atravessadores pelos recôncavos desta cidade
tomando e apreendendo toda a criação a título de contrato, e não satisfeito
com estes insultos, passa o suplicado em pessoa a andar pelo mar,
embarcado, revistando quantos barcos navegam para a Côrte a fim de as
tomar pois todas chegam embargadas e nenhuma se vende para as
necessidades das ditas moléstias por mais diligência que façam os suplicantes
a concorrerem às praças na sua procura.”
As mesas fartas demais geram fatalmente o desespero em torno das
mesas vazias...
Não precisamos dizer que o Rei não respondeu à petição e esta foi parar
no limbo da burocracia joanina. A roubalheira da Real Ucharia continuou até
abril de 1821, quando D. João retornou à Portugal e o Príncipe D. Pedro
desativou aquela repartição, não sem antes nomear Plácido como seu Valetede-Chambre. Depois seria Comendador e acabaria casando com a filha do
Marquês de Inhambupe, Ministro da Fazenda.
Naqueles tempos, a roubalheira do governo ficava impune e o povo era
quem pagava a conta...
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ORIGEM DOS DESFILES DAS ESCOLAS DE SAMBA NO RIO DE JANEIRO.
Pouca gente conhece, mas ao lado da velha igreja de N. Sra. do Carmo,
nas esquinas das ruas Primeiro de Março com Sete de Setembro, está a
capela que deu origem aos desfiles das escolas de samba no Carnaval.
A igreja do Carmo já existia desde o século XVI, mas o templo atual data
da última reconstrução, iniciada em 1761. Em 1785, o entalhador Mestre Inácio
Ferreira Pinto iniciou a bela obra de talha interna em estilo rococó e, em saleta
anexa à nave, no lado esquerdo do templo, Mestre Inácio construiu uma
pequena capelinha para a Irmandade do Senhor dos Passos. Com a vinda da
Côrte, em 1808, a velha Igreja do Carmo passou a ser a Capela Real, sendo
que a própria Família Real passou a utilizar a pequenina Capela do Senhor dos
Passos para suas orações particulares. Essa tradição manteve-se com D.
Pedro I, após a Independência, bem como com D. Pedro II, até 1889.
Com essa ligação tão forte com as casas Real e Imperial, ganhou
especial relevo a capelinha, sendo então muito disputada a famosa procissão
do Senhor dos Passos, a qual saía por ocasião dos festejos da Semana Santa.
Era tão importante essa procissão, que o próprio D. João VI dela participava. A
tradição se manteve com os dois imperadores, sendo que, com Pedro II, até o
ministério se fazia presente. Dela participava grande massa popular, e até os
escravos a ultimavam, com suas danças africanas.
A procissão corria as ruas do centro, possuindo uma comissão de frente,
banda ou bateria, carro abre-alas, carros alegóricos, porta-bandeira, pastoras,
etc, até os passistas escravos, ficando no final uma ala de negras baianas. A
28 de setembro de 1871 o senado aprovou a Lei do Ventre Livre, libertando as
crianças escravas, mas sob o furioso protesto dos escravocratas. Com a
revolta das elites que não aceitavam a liberdade dos negros, começou então
no Rio de Janeiro um movimento dos reacionários escravocratas em favor de
uma “eugenia cultural” no Brasil. Os negros acabaram sendo proibidos de
participar de todas as festas populares, inclusive da procissão do Senhor dos
Passos, restando-lhes, somente no final, os festejos carnavalescos.
Muito perdeu em alegria as festas tradicionais no Brasil, mas,
ironicamente, justamente a partir desta data, cresceram muito em importância
os folguedos carnavalescos, enquanto que as antigas procissões religiosas
definharam até desaparecerem quase que por completo.
Cinqüenta anos depois da proibição de 1871, quando surgiram as
primeiras escolas de samba na Cidade Nova, a estrutura dos desfiles de
carnaval copiou quase que sem alterações a disposição da procissão do
Senhor dos Passos, tradição que se mantém até hoje.
Hoje, a linda capelinha do Senhor dos Passos ainda resiste intacta,
apesar de estar precisando de urgente restauração, coisa que vem sendo
protelada por falta de verbas, recurso que, aliás, nunca parece faltar às escolas
de samba.
JOSÉ LEANDRO DE CARVALHO - DADOS BIOGRÁFICOS
Pintor da antiga Escola Fluminense de Pintura, nasceu em Muriqui,
Distrito de Itaboraí, em c.1770. Mostrando propensão para a arte, dirigiu-se ao
Rio de Janeiro, onde começou a estudar desenho com um artista pardo
chamado Manuel Patola.
Começou pintando painéis para a Igreja do Bom Jesus, trabalho que se
perdeu; fez muitos retratos de D. Maria I e D. João VI (1808), estando alguns
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no acervo do Museu Histórico Nacional; e pintou cenários para o Teatro São
João, hoje João Caetano (1813), trabalhos perdidos; em 1817, encarregou-se
do douramento da Capela Real. Para esta capela, realizou as pinturas ovais
dos doze apóstolos que ornam as pilastras. Pintou um retrato da Família Real,
que foi colocado no altar-mór da Capela Real, trabalho que teve de recobrir de
cal após a renúncia de D. Pedro I, em 1831. Em 1826, pintou estandartes com
a efígie dos quatro Doutores da Igreja para o templo de São Francisco de
Paula, no Largo de São Francisco, e dois anjos para a capela-mór da mesma
igreja. Fez também muitas pinturas com temas sacros para o Mosteiro de São
Bento. Após o episódio que aconteceu com seu painel na Igreja do Carmo, caiu
em depressão, falecendo a 09 de novembro de 1834, sendo enterrado nas
catacumbas da Igreja de São Francisco de Paula. Em 1850, o painel foi
restaurado por Manuel de Araújo Porto Alegre, mas depois foi retirado e
perdido em 1889. Em seu lugar, está uma pintura sacra de Antônio Parreiras.
MARCOS DO DESCOBRIMENTO NO RIO DE JANEIRO
Faltando pouco mais de duzentos dias para a comemoração do quinto
centenário da descoberta do Brasil muitos cariocas desconhecem existir na
cidade do Rio de Janeiro dois importantes marcos da era dos grandes
descobrimentos.
O primeiro deles é o túmulo que guarda os resíduos mortuários do
capitão-mór Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, depositados desde 30
de dezembro de 1903 no corredor esquerdo da Igreja de Nossa Senhora do
Carmo da Antiga Sé, na rua Primeiro de Março, defronte à Praça XV. A história
destes restos é, no mínimo, curiosa. O jazigo de Cabral, perdido desde o
século XVI, foi localizado em 1839 por um brasileiro, o diplomata e historiador
Francisco Adolfo de Varnhagem, Visconde de Porto Seguro, no piso da Capela
de São João da Igreja do Convento da Graça em Santarém, Portugal, onde
estava desde 1526.
Em 1871 o Imperador D. Pedro II, quando visitou o túmulo, duvidou de
sua autenticidade. Para tirar a prova, arqueólogos lusitanos o abriram em 1882,
onde, para surpresa geral, encontraram três esqueletos inidentificados. Nada
foi tirado e a campa foi novamente fechada. O Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro insistiu na exumação e, em 1903, mandou a Portugal com esse
intento o historiador Bacharel Alberto de Carvalho que, com ajuda de
arqueólogos lusos, procedeu a nova exumação em 14 de março do mesmo
ano. Qual não foi o espanto de todos em encontrar não três, mas seis
esqueletos adultos, fora os de uma mulher e uma criança. Como foi impossível
determinar qual deles era o de Cabral, recolheu-se um pouco de cada
esqueleto adulto mais um punhado de terra, e é esse “sétimo esqueleto” que se
encontra hoje na Igreja do Carmo.
O outro marco dos nossos quinhentos anos é o raro e belo oratório de
Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança, erguido há 235 anos atrás num
beco entre a Igreja do Carmo e a da Ordem Terceira Carmelita, na rua do
Carmo n. 38. O Cabo da Boa Esperança, antigo das “Tormentas”, era ponto de
passagem obrigatório das caravelas portuguesas no sul da África com destino
ao oriente. Desde o século XVIII, todo navio português com esse destino antes
aportava no Rio de Janeiro, onde a marujada saltava e ia em romaria até o
oratório da rua do Carmo pedir à santa proteção para a travessia, deixando lá
algumas moedas. Por sua vez, quando o navio percorria o sentido inverso,
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igualmente aportava aqui, indo os marujos agradecer a boa travessia no
oratório citado, deixando lá alguns cobres.
Este antepassado dos seguros marítimos criou uma tradição que se
manteve viva por mais de cem anos e não foi à toa que o oratório foi dos
poucos que sobreviveu às demolições na cidade. Verdade seja dita, andou um
pouco. Construído no beco em 1763 pelo mestre Manoel Alves Setúbal para a
Ordem Terceira do Carmo, foi transferido em 1812 para a esquina seguinte,
onde hoje se abre a rua Sete de Setembro, retornando ao sítio original em
1924. Em 1948 foi erguido ao seu lado um prédio de escritórios, onde, como se
fosse uma sina local, estão sediadas a Associação Nacional de
Transportadores de Turismo, a Associação Brasileira de Jornalistas
Especializados em Turismo, A Turistrade e a Marc Apoio Consultoria e
Treinamento em Turismo.
Isso é que é um oratório com tradição em viagens!
IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO - RUA 1O. DE MARÇO
A Ordem Terceira do Carmo foi fundada em 1648, e funcionou numa
capela erguida nos fundos da igreja conventual. Desentendimentos com os
frades carmelitas levou a Ordem a construir seu próprio templo, num terreno
doado em 1749 na rua Direita. Em 1752 foi decidida a construção do novo
templo, cujas obras, entretanto, só começaram em 16 de julho de 1755, após
muitas divergências. Atribui-se o projeto do templo ao Mestre Manoel Alves
Setúbal, que foi seu construtor. Em 1755, um novo risco, proposto por Frei
Xavier Vaz de Carvalho foi aprovado para o interior do templo. A porta principal
e uma lateral em mármore de Lióz foi encomendada a canteiros de Portugal em
1760 e colocadas na igreja no ano seguinte. No ano de 1770, a igreja foi
declarada terminada, à exceção das torres, sendo rezada a primeira missa no
dia 10 de julho, durando as festividades quatro dias. Em 1772, foi decidido
construir a Capela do Noviciado, no lado oposto à sacristia. Quanto às torres,
só foram projetadas em 1846 e construídas de 1847 a 50 pelo professor de
desenho da Academia Imperial de Belas Artes, Manuel Joaquim de Melo Corte
Real.
A talha interna foi confiada ao Mestre Luís da Fonseca Rosa, que
segundo se consta, foi mestre de Valentim da Fonseca e Silva, que também ali
trabalhou. Fonseca Rosa trabalhou no retábulo da capela-mór de 1768 a 1780.
Mestre Valentim executou pequenos trabalhos de 1780 a 1800 na capela-mór.
A talha do corpo da igreja data do século XIX, executada em 1855 por Mestre
Antônio de Pádua e Castro, em estilo rococó tardio.
A Capela do Noviciado, construída em 1772, recebeu um altar-mór feito
entre 1772/73 por Mestre Valentim da Fonseca e Silva. Em 1796/97 o mesmo
artista fez em estilo rococó o altar de Nossa Senhora das Dores. Os painéis à
óleo desta capela, com temas sacros, são atribuídos à Manuel da Cunha. A
policromia em branco e ouro desta capela foi executada apenas em 1852.
Recentemente foi a mesma restaurada.
MANUEL ALVES SETÚBAL - DADOS BIOGRÁFICOS
Mestre de obras, entalhador e marceneiro, pelo nome, presume-se que
era português, nascido em Setúbal, Portugal, em c. 1720. Atuou no Rio de
Janeiro. Considerado um dos principais mestres de obras do Rio de Janeiro na
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sua época, trabalhou nesse sentido para a Igreja da Ordem Terceira do Carmo,
na rua Direita, construída entre 1755 e 1770.
Provavelmente foi também o autor do projeto do templo, bem como da
vizinha igreja da Ordem do Carmo, vizinha, com quem estilisticamente se afina.
Deve ser de sua lavra o belo oratório de Nossa Senhora do Cabo da Boa
Esperança, existente na rua do Carmo, 38. Terminou de executar em 1745 um
grande arcaz de dois lances, com espaldar, para a sacristia do Convento de
Santo Antônio do Rio de Janeiro.
Sua última citação ocorre em 1778.
ANTÔNIO DE PÁDUA E CASTRO - DADOS BIOGRÁFICOS
Escultor, entalhador e professor. Nasceu a 07 de março de 1804 na Vila
de Magé. Órfão muito jovem, foi enviado por uma tia a um seminário de padres,
onde se pretendia que saísse frade do Convento de Santo Antônio. Rebelouse, abandonando os estudos. Inscreveu-se como aprendiz no ateliê do
entalhador Brás de Almeida, tendo depois aprendido mais de arte torêutica com
os artistas Francisco de Paula Borges e Francisco Xavier Soares, ambos
discípulos de Mestre Valentim.
Seu primeiro trabalho foi um nicho para o altar lateral de Nossa Senhora
das Dores, na Igreja da Candelária, trabalho hoje perdido. Em 1828, reformou a
carruagem do Imperador D. Pedro I para a cerimônia do seu 2o. casamento.
Logo depois, fez a talha da capela-mór da Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Ajuda, na Ilha do Governador, obra que foi depois destruída num incêndio em
1871, tendo Pádua e Castro novamente redecorado todo o seu interior em
1872. Fez a talha da capela-mór da Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Apresentação, em Irajá; e fez os dois altares laterais da Igreja de Nossa
Senhora Mãe dos Homens, na rua da Alfândega; em 1853, recobriu de talha a
nave-mór da Igreja da Santa Cruz dos Militares, na rua Direita, tendo feito os
altares laterais, aberto as tribunas e colocado as atuais portas. Em 1855, foi
encarregado de recobrir em oito meses a nave-mór da Igreja da Ordem
Terceira do Carmo, na rua Direita. Ainda nesse mesmo ano apresentou um
projeto de talha para a nave-mór da Igreja de São Francisco de Paula, projeto
que foi preterido pelo de Mário Bragaldi, mas arrematou a execução do mesmo,
executando-a no ano seguinte. Por respeito, alterou o projeto, que era em estilo
neoclássico, para harmonizá-lo com a talha da capela-mór rococó feita por
Mestre Valentim. No Hospital da Misericórdia, fez a talha da Capela do
Santíssimo Sacramento. Entre 1855 e 1857, revestiu de talha a Igreja do
Santíssimo Sacramento, na atual Av. Passos, aí se incluindo altares laterais,
quatro tribunas, coro e decoração do corpo do referido templo. Revestiu de
talha a Capela do Noviciado da Igreja da Ordem Terceira da Penitência, no
morro de Santo Antônio; e refez, de 1869 a 1879, toda a talha interna da Igreja
da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, tendo também dirigido os
trabalhos de remodelação da arquitetura externa.
Em 1863, substituindo Honorato Manuel de Lima, foi nomeado professor
da cadeira de Escultura de Ornatos da Academia Imperial de Belas Artes,
atividade que exerceu até a morte. Em 1877, reconstruiu a fachada da Igreja de
São Francisco Xavier, no Engenho Novo, e a revestiu internamente de talha,
trabalho que depois se perdeu. Foi sua última obra. Morreu no Rio de Janeiro,
a 10 de novembro de 1881, sendo enterrado no Cemitério da Ordem de São
Francisco de Paula no dia seguinte. Antônio de Pádua e Castro possuía um
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estilo muito peculiar, mesclando ornatos do rococó com elementos
neoclássicos. O resultado final, um rococó acadêmico, o qual, entretanto, em
geral estava em harmonia com a talha setecentista. Seu estilo foi recentemente
batizado pelos críticos de arte como “barrochetto”, um rococó tardio, o que
mostra a sobrevivência dessas formas na arte brasileira, aceitas, inclusive, pela
exigente Academia.
ARCO DO TELLES E CASAS 32/34 - PRAÇA XV DE NOVEMBRO
Antônio Telles Barreto de Menezes nasceu no Rio de Janeiro em 1682,
filho do Doutor em artes e filosofia Luís Telles Barreto e de Da. Mônica
Godinho. Antônio bacharelou-se em Cânones, em Coimbra, sendo em 1728
Juiz de Órfãos no Rio de Janeiro e, em 1735, Provedor da Irmandade da
Misericórdia. Era herdeiro de vasto latifúndio em Jacarepaguá, onde plantava
cana de açúcar. Casou-se em 1715 com Da. Catarina Josefa de Andrade,
sendo pais de vários filhos. Antônio comprou todo o lado direito do Largo do
Paço, contratando o engenheiro militar Sargento-Mór José Fernandes Pinto
Alpoim para projetar um correr de casas de aluguel no logradouro que, em
1743, ao sediar o Governador Geral, tornara-se o mais importante da
Capitania. Alpoim, por sua vez, terminara naquele ano a obra da Casa dos
Governadores, tendo se dedicado à construção de 1743 a 47.
Sobre a travessa do Mercado do Peixe, Alpoim traçou amplo arco
abatido para que a mesma não ficasse obstruída pela nova construção, sendo
de imediato apelidada de “Arco do Telles”. Antônio Telles faleceu em 1757. No
mesmo ano, seu filho mais velho e herdeiro, Francisco Telles Barreto de
Menezes, Bacharel em Cânones como o pai e igualmente Juiz de Órfãos,
alugou uma das casas, próxima à rua Direita para o Senado da Câmara, nela
permanecendo até 1790. O Senado da Câmara era o título que o Governador
Conde de Bobadela obtivera de Lisboa para galardoar a velha Câmara de
Vereadores, igualando-a, em titulação, à da Metrópole.
O térreo das casas dos Telles de Menezes, por sua vez, eram alugados
a diversos lojistas que ali exerciam os mais diferentes negócios de secos e
molhados. No dia 20 de julho de 1790, na loja térrea próxima à rua Direita,
onde existia uma venda de objetos usados do português Francisco Xavier,
mais conhecido pela alcunha de “O Caga Negócios”, irrompeu violento incêndio
que destruiu o prédio, matando Xavier e um jovem ajudante. O fogo passou
para o andar superior, consumindo o arquivo do Senado da Câmara, perdendose assim toda a documentação referente aos primórdios da cidade. No século
XIX, o Vereador Haddock Lobo, ao averiguar os registros do incêndio feitos
pelo Ouvidor Balthazar da Silva Lisboa, concluiu que o sinistro fora criminoso,
pois alguns documentos não foram perdidos e o arquivo incinerado era, em sua
maior parte, relativo às propriedades fundiárias e seus respectivos impostos.
Após o incêndio, as casas e Arco do Telles atravessaram por longo
período de decadência. Era o Arco do Telles em fins do século XVIII um antro
de prostituição e, apesar de nele existir um oratório dedicado à Nossa Senhora
dos Prazeres, as cenas ali ocorridas eram tão vergonhosas que levou um
morador das redondezas, Manoel Machado de Oliveira, a remover a imagem
da santa para a Igreja de Santo Antônio dos Pobres, onde ainda se encontra.
Das mais famigeradas figuras que freqüentavam o Arco em fins do século
XVIII, ficou conhecida a da prostituta Bárbara dos Prazeres. Bárbara quando
jovem se casou duas vezes e, diz-se, matou seus dois maridos. À partir daí,
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caiu na vida, prostituindo-se no Arco do Telles. Prostituta famosa, possuía
clientela vasta, que começou a perder quando do avanço de sua idade.
Desesperada, passou a freqüentar casas de feiticeiros e pagés atrás de uma
fórmula que impedisse o avanço de sua idade. Alguém lhe ensinou uma
beberagem que seria feita com sangue de crianças. Bárbara passou a
perseguir famílias de mendigos atrás de crianças para matar. Esperava
sorrateiramente na Roda dos Expostos, atrás de crianças abandonadas. O que
se sabe de verídico é que Bárbara, apelidada de “Onça”, viveu muitíssimos
anos, existindo registros policiais seus que vão desde 1809 até 1830. Era
proprietário daquelas casas nesse período, desde 1806, o Dr. Luís Telles
Barreto de Menezes, o qual, depois que casou em 1810 não deu muita atenção
a essas casas de aluguel, permitindo que o uso fosse residencial fosse
desvirtuado, originando daí a decadência do imóvel.
Bárbara desapareceu da história em 1830. Nessa ocasião, acharam um
cadáver feminino boiando na praia. Alguns afirmaram que era Bárbara, mas
outros não a reconheceram. Se realmente obteve uma fórmula de
rejuvenescimento, talvez ainda esteja entre nós, quiçá, talvez, ainda
freqüentando a noite carioca. A herdeira das casas em 1826, Da. Ana Maria
Telles Barreto de Menezes, não se interessando em manter propriedades tão
decadentes, vendeu-as a diversos negociantes.
Em 1827, as casas dos Telles próximas à rua Direita foram
transformadas no “Hotel de France”, um dos mais bem afamados
estabelecimentos hoteleiros do Rio de Janeiro no Segundo Império e ponto de
hospedagem obrigatória de todos os viajantes ilustres que visitaram nossa
cidade no século XIX. Durou até os primeiros anos da República. Era seu
vizinho desde 1830 o “Hotel do Fanha”, este, por sua vez, de péssima
reputação. Em 1860, estabeleceu-se no térreo do “Hotel do Fanha” a loja da
“Tabacaria Africana”, ainda hoje existente.
Na República, as casas dos Telles de Menezes atravessaram enorme
decadência, o que levou o Prefeito Pereira Passos em 1905 a mandar intervir
policialmente no local para dissolver as freqüentes balbúrdias provocadas por
bêbados e vagabundos. Demolidas as casas depois de 1930, em 1955 as duas
últimas restantes, bem como o Arco do Telles foram adquiridos pelo industrial e
mecenas Raymundo Ottoni de Castro Maia, que os restaurou às suas linhas
primitivas e construiu o moderno edifício Arco do Telles, projetado em 1963
pelo arquiteto Francisco Bologna, e que aproveitou inteligentemente os
casarões e o Arco para fins comerciais, sem desvirtuamento da arquitetura
colonial.
Os dois casarões e o Arco do Telles são tombados pelo IPHAN.
BÁRBARA DOS PRAZERES - DADOS BIOGRÁFICOS
Prostituta e feiticeira, nascida em Portugal, em c. 1770, de onde veio
casada. Já aqui no Rio, teria matado o marido para ficar com um amante,
dando cabo do mesmo algum tempo depois. Passou então a prostituir-se
fazendo ponto no Arco do Telles, situado no Largo do Paço, onde granjeou
vasta clientela. Com a criação da Intendência Geral de Polícia, pelo Príncipe D.
João, em 1809, começam os registros de ocorrências com esta senhora. Por
esta época, a idade começou a cobrar-lhe um preço, perdendo a clientela para
concorrentes mais jovens. Parece que dores ósseas, talvez oriundas de
alguma doença venérea, também a incomodavam muito. Desesperada, correu
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entre as casas de feitiçaria e magia então abundantes no Rio de Janeiro, atrás
de uma poção que lhe restituísse a juventude. Por incrível que pareça, houve
quem lhe formulasse uma fórmula, onde teria de banhar-se com sangue de
crianças misturado com certas ervas. Passou então a perseguir famílias de
mendigos ou a rondar a roda dos expostos da Santa Casa, atrás de crianças
que pudesse roubar para cumprir seu lúgubre afazer. Ganhou então, a partir
dessa época, o apelido de “Bárbara Onça”, que é como aparece nos registros
do intendente geral de polícia, desembargador Paulo Fernandes Vianna.
Bárbara dos Prazeres (ou Bárbara Onça), levava as crianças obtidas por
rapto ou outros meios para a Cidade Nova, onde residia, onde as matava,
suspendendo os corpos dos inocentes por uma corda, postando-se abaixo para
ser recoberta pelo jorro de sangue que fluía de seus corpos inanimados. Viveu
até 1830. Nesse ano, desapareceu. Algum tempo depois, encontraram um
corpo feminino boiando próximo ao Largo do Paço. Alguns apostaram que era
ela, mas as feições estavam irreconhecíveis. Se obteve uma poção de
rejuvenescimento, talvez ainda ande pelo Arco do Telles, quiçá, apostando na
Bolsa de Valores, ali ao lado, onde a bruxa de vez em quando anda solta...
PANCADARIA NO ARCO DO TELLES
Francisco Gomes da Silva nasceu em Lisboa, a 22 de setembro de
1791, filho de Maria da Conceição Alves, empregada doméstica, e de seu
patrão, o Visconde de Vila Nova da Rainha. Anos depois, quando o Visconde
se casou com a Condêssa de Rezende, expulsou o filho bastardo de casa,
internando-o no Seminário de Santarém.
Em novembro de 1807 foi chamado a Lisboa pelo pai, que devia
acompanhar a fuga da Família Real para o Brasil, e apressadamente deixou o
seminário. Chegado ao Rio de Janeiro junto com D. João, em março de 1808,
passou a trabalhar no nada honroso ofício de faxineiro do Palácio de São
Cristóvão. De lá foi expulso pela Rainha Da. Carlota Joaquina, que o flagrara
na própria cama com uma Dama do Paço.
Amancebou-se com uma tal de Maria Pulquéria, vulgo “Maricota
Corneta”, dona de uma hospedaria na Rua das Violas (hoje Teófilo Ottoni), dali
saiu em 1809 para se associar com Sebastião Cauler, num botequim no Arco
do Telles. O botequim prosperou, se bem que era freqüentado por boêmios,
cantadores, valentes e rufiões. Não raro estouravam brigas e confusões.
Numa noite, em 1818, dois encapuzados entraram no boteco, sentaramse num canto e pediram bebida por muitas rodadas. Ora, naquela época, quem
andava encapuzado era paulista, para fugir da garoa. Naqueles tempos, a
animosidade entre cariocas e paulistas era muito grande, e, logo depois, um
negro enorme, José Januário, encarou os dois e cantarolou uma música
provocativa, que começava assim:
“Paulista é pássaro bisnau”,
sem fé, nem coração;
é gente que se leva a pau,
a sopapo ou pescoção.”
Um dos pseudo-paulistas se levantou e abaixou o capuz. Era nada mais
nada menos que o Príncipe D. Pedro, filho do Rei D. João VI e futuro
Imperador do Brasil. O outro era seu guarda-costas. D. Pedro mandou o
guarda-costas bater em todos e quebrar tudo. Os valentes sumiram, com
exceção de um: Francisco Gomes da Silva. Depois de rápida luta, Chico, que
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era corpulento, venceu fácil o guarda-costas. Após o feito, respeitosamente ele
se apresentou a D. Pedro: - “Francisco Gomes da Silva apresenta a Vossa
Alteza os seus respeitos e serviços.”
D. Pedro sorriu e entabulou conversa com Chico, donde saíram grandes
amigos. Ganhou de D. Pedro o apelido de Chalaça (palhaço), por ser um
gozador. Nosso futuro Imperador o fez seu secretário particular, alcoviteiro,
Comendador da Ordem da Rosa e, pasmem, Embaixador do Brasil na França!
Quando D. Pedro morreu, em 1834, pediu antes ao Comendador
Chalaça que tomasse conta da Imperatriz viúva, Da. Maria Amélia Napoleona
de Leutchemberg.
Chalaça cumpriu-lhe o prometido.
Aliás, cumpriu tão bem que teve dois filhos com Da. Maria Amélia.
Era assim que eram feitas as autoridades no Brasil...
TRAVESSA DO COMÉRCIO
As casas da travessa foram antigos entrepostos construídos no século
XIX, com depósitos, senzalas ou comércio no térreo e residência no andar
superior, numa disposição típica dos antigos sobrados portugueses, partido
arquitetônico tipicamente colonial brasileiro, e que perdurou até fins do século
XIX.
A travessa foi aberta antes de 1730 com o nome de “Beco da Praia do
Peixe Nova”, pois ali próximo se instalou o novo mercado do peixe. No ano de
1747 foi iniciada a construção na sua vizinhança de uma capela dedicada à N.
Sra. da Lapa dos Mercadores, ou dos Mascates, por pequenos negociantes,
chamados mascates, sinônimo de fanqueiro ou capelista (pessoa que vende
em loja de capela, ou seja, loja de miudezas). Daí surgiu o nome de “Beco da
Capela”. Mais tarde, em 1750, surge o nome de “Beco do Arco do Telles”,
devido ao arco levantado de 1743 a 1747 pelo Brigadeiro Alpoim nas casas
que pertenciam ao Dr. Francisco Telles Barreto de Meneses, licenciado em
Cânones, as quais chegavam até a esquina da hoje Rua do Mercado. No
incêndio de 20 de julho de 1790 as casas dos Telles ficaram parcialmente
destruídas. O fogo começou numa loja do térreo pertencente a um comerciante
de quinquilharias português apelidado de “O Caga-Negócios”, tendo êste
falecido, bem como uma criança. Porém, o arco não foi atingido. Num dos
prédios sinistrados funcionava o Senado da Câmara, cujo arquivo foi
totalmente destruído.
A Partir de 1 de setembro de 1863 passou a chamar-se Travessa do
Comércio, por ficar próxima da Praça do Comércio, edifício que veio a abrigar a
Associação Comercial, tendo depois de 30 de abril de 1926 passado ao Banco
do Brasil e desde 1989 sedia o Centro Cultural banco do Brasil. Residiram na
dita Travessa figuras pitorescas. A mais lúgubre foi a da bruxa Bárbara dos
Prazeres, apelidada de “Bárbara Onça”, prostituta em sua juventude e feiticeira
na velhice, tendo se especializado em poções de rejuvenescimento feito com
sangue de crianças, as quais ela recolhia pela rua. Morreu em 1830. Alguns
afirmam que isso não é verdade, estando a mesma ainda viva e até apostando
na Bolsa de Valores, ali do lado.
Já neste século, nela residiu, no n. 13, a cantora luso-brasileira Maria do
Carmo Miranda da Cunha, ”Carmem Miranda” , a “Pequena Notável”.
Dois episódios curiosos nela tiveram palco.
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Em 1893, o Encouraçado Aquidabã disparou um balaço ao Palácio
Itamaraty durante a Revolta da Armada contra o govêrno do Marechal Floriano
Peixoto. A bala errou o Itamaraty, mas acertou a cúpula da Igreja da Lapa dos
Mercadores, jogando ao chão, de uma altura de quase trinta metros, a estátua
de mármore do topo e que era uma alegoria à religião. À parte uma lasca no
dedo, a estátua nada sofreu e hoje está recolhida, bem como a bala, ao interior
do templo, gozando desde então reputação de milagrosa (a bala idem...).
O outro episódio foi o encontro, em dezembro de 1996, pelas obras do
Rio-Cidade, de um cemitério de escravos defronte ao Arco do Telles, e que
datava de 1613. Foram recolhidas doze ossadas, mas muitas outras continuam
por debaixo de nossos pés...
CARMEN MIRANDA - DADOS BIOGRÁFICOS
Cantora popular, foi a mais famosa sambista do Brasil. Nasceu em
Marco de Canavezes, Portugal, em 1909. Seu verdadeiro nome era Maria do
Carmo Miranda da Cunha, tendo chegado ao Brasil, em companhia do pai, com
um ano de idade, indo morar numa casa, a “Pensão de Dona Maria”, ainda
existente na Travessa do Comércio, onde o pai trabalhava numa barbearia.
Após seu primeiro emprego numa casa de modas como chapeleira, iniciou sua
carreira de intérprete ainda adolescente, em 1921. Sua primeira gravação foi
uma toada canção “Triste Jandaia”. Em 1930 conquista seu primeiro sucesso
com “Taí”, marchinha de Joubert de Carvalho. Em 1931 já mudava-se para
uma mansão, em Santa Teresa. Ouvida no Cassino da Urca em 1938 pelo
empresário americano Lee Schubert, nasceu desse contato sua carreira
internacional, indo no mesmo ano para os Estados Unidos, sem saber falar
inglês. Sua estréia neste país se deu na revista “Streets of Paris”, na qual
apresentou como verdadeira criação suas famosas baianas. Participou de 18
filmes em Hollywood, onde se casou com o produtor David Sebastian. Era a
seu tempo uma das artistas mais bem pagas dos Estados Unidos e a maior
contribuinte individual do Imposto de Renda daquele país. Faleceu de colapso
cardíaco em 1955, no auge da carreira, em conseqüência da falta de descanso
devido à vida de shows que levava. Seu corpo, transladado para o Brasil, foi
motivo de um dos maiores velórios e enterros já ocorridos. Entre os seus
maiores sucessos figuram: “Boneca de Piche”, “No Tabuleiro da Baiana”, “O
que é que a Baiana Tem”, “Cachorro Vira-Lata”, “Adeus Batucada”, Camisa
Listada “. Sua imagem virou referência” cult “para diversas manifestações
artísticas.
RUA DO OUVIDOR
A mais conhecida rua da cidade, “coração” do comércio carioca, como
todas as primitivas ruas, sofreu uma série de transformações em sua
denominação. Assim foi chamada “Desvio para o mar” (1578), “Aleixo Manuel”
(fundador do Rio de Janeiro e seu primeiro médico, talvez seu primeiro
morador, em 1590), “Brás Luís” (século XVI), “Que-vai-do-mar para o sertão”,
“Manuel da Costa”, “Canto de Francisco Monteiro Mendes”, “Canto de Lucas do
Couto”, “Canto dos Meirinhos”, “Gadelha” (que era neto de Aleixo Manuel em c.
1650), “Barbalho” (por causa do Governador Agostinho Barbalho Bezerra, que
nela residiu), “Salvador Correia” (por ter este governador algumas casas nela),
“Santa Cruz” ou “Cruz” (devido à igreja da Santa Cruz dos Militares, inaugurada
em 1628), “Padre Pedro Homem da Costa Albernaz” (1659), “Sé Nova” (1748),
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“Moreira César” (já na República, em 1897, lembrando o Coronel morto em
Canudos), para finalmente ser mantido como rua do Ouvidor (1750), onde se
realizava a residência dos Ouvidores, mandados para o Brasil.
Esta residência era mantida pela Câmara, ficava nas proximidades da
rua da Quitanda. O primeiro Ouvidor a nela morar foi o Dr. Manuel Amaro Pena
de Mesquita Pinto, que exerceu o cargo de 1746 a 1747. Porém, foi o segundo
Ouvidor Francisco Berquó da Silva Pereira (1748-1750) que ficou conhecido,
dando a nova denominação de rua do Ouvidor.
Até a chegada de D. João, nada a distinguia das demais, com poucas
casas e muitos quintais. A partir de 1808, começou a impor-se como centro da
moda, devido a comerciantes, cabeleireiros, modistas, doceiros, da comitiva
real, que nela se instalaram.
Continuava, entretanto, a ser iluminada por azeite de baleia e com
carros de boi a percorrê-la de ponta a ponta. Em 1829, com o novo
calçamento, foi proibido o tráfego livre de carros de boi. Só em 1857, foi-lhe
dado um calçamento de paralelepípedos, sendo baixada nova proibição de
trânsito de viaturas e cavaleiros, a partir das 09:00h da manhã.
Foi, junto com a rua Direita, das primeiras a ter iluminação à gás (1854),
e a primeira a ter iluminação elétrica (1891). Desta época em diante, passou a
ser o “centro da cidade”, com importantes acontecimentos político-literários e
sociais. Sede dos jornais mais populares. Local dos comícios, manifestações
públicas e do carnaval, com seu concurso de fantasias. O primeiro telefone
fabricado no Brasil (1879) e o primeiro cinema (1897), partiram desta rua.
Sobre ela escreveram vários autores: Manuel Antônio de Almeida,
Joaquim Maria Machado de Assis, José França Júnior, e Joaquim Manuel de
Macedo, que lhe dedicou um livro: “Memórias da rua do Ouvidor”.
IGREJA DE NOSSA SENHORA DA LAPA DOS MERCADORES
No ano de 1743, vários comerciantes e moradores da rua do Ouvidor, no
trecho denominado “da Cruz” (entre a rua do Mercado e Primeiro de Março),
ergueram um oratório dedicado à N. Sra. da Lapa dos Mercadores na esquina
de uma casa. Em 20 de junho de 1747, os comerciantes dos arredores da rua
da Cruz se reuniram para decidir a formação de uma irmandade e a
conseqüente edificação de um templo em honra à Nossa Senhora da Lapa.
Esta igreja foi chamada “dos Mercadores”.
Emitida a provisão para sua edificação a 04 de novembro de 1747, em
dezembro seguinte, foram lançadas as fundações deste gracioso templo de
planta elíptica. Desde 06 de agosto de 1750, já se podia benzer uma parte da
igreja que estava pronta para o exercício do culto. De 1753 a 1755, concluíramse os trabalhos. A decoração interna ficou pronta em 1766.
De 1869 a 1879, a igreja sofreu uma remodelação que eqüivalia a uma
reconstrução. Nessa ocasião fez-se a entrada por uma galilé de três arcos
fechada por grades de ferro e construiu-se a torre sineira central. A capela-mór
foi muito ampliada. Durante as obras, foi encontrado enterrado atrás da igreja
um grande medalhão circular em mármore de Lióz representando a coroação
da Virgem. Provavelmente estava destinado à Igreja da Ordem Terceira da
Penitência, a qual pertencia o aludido terreno, e que, por algum motivo, não foi
aproveitado. Foi então afixado à fachada principal, sobre a janela do coro.
Duas esculturas em vulto redondo de santos em mármore de Lióz, feitas em
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Portugal, foram colocadas em nichos da fachada. Uma terceira, representando
a religião, foi posta na torre.
Na decoração interior, muito colorida como era do gosto da classe
comercial, as talhas de madeira se confundem com o estuque. Toda a obra de
talha foi executada por Antônio de Pádua e Castro e os trabalhos em estuque
por Antônio Alves Meira. Este último era de uma família de estucadores, cujo
irmão trabalhou no interior da Candelária. Apesar da data tardia, a decoração
da Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores possui um estilo rococó tardio
muito razoável e um conjunto muito gracioso.
Quando estourou a revolta na armada brasileira, em 06 de setembro de
1893, um tiro disparado alguns dias depois pelo encouraçado Aquidabã atingiu
a torre sineira do templo, derrubando a estátua da Religião, que, apesar da
queda de mais de vinte e cinco metros, sofreu poucos danos, sendo o fato
considerado milagroso. Tanto a estátua quanto a bala encontram-se hoje na
sacristia. Na torre, por sua vez, foi depois instalado o primeiro carrilhão da
cidade, anterior ao da Igreja de São José.
ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUZA LOBO - DADOS BIOGRÁFICOS
Pintor, litógrafo e fotógrafo. Nasceu em Campos, Rio de Janeiro, em
1840. Freqüentou, a partir de 1854, a Academia Imperial de Belas Artes do Rio
de Janeiro, onde ainda estudava em 1865, quando conquistou a grande
medalha de ouro. Em 1867, fundou, juntamente com seu irmão, o pintor Carlos
Alberico de Souza Lobo, no Rio de Janeiro, uma empresa dedicada à execução
de retratos e paisagens e à restauração de obras de arte, que funcionou pelo
menos até 1890. Recebeu, em 1874, a condecoração de cavalheiro da Imperial
Ordem da Rosa. Trabalhou principalmente no campo da pintura de retratos,
entre os quais cabe destacar os do Imperador D. Pedro II, atualmente no
acervo do Museu Nacional de Belas Artes; do Visconde do Rio Branco, no
Museu Imperial de Petrópolis; Paisagem, datada de 1886, igualmente no
Museu Imperial; e um retrato do Marechal Floriano Peixoto, encomendado pela
municipalidade de Florianópolis. Executou quatro painéis sobre a vida da
Virgem Maria para a Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na rua
do Ouvidor, feitos quando da grande reforma sofrida por este templo em 186982. Dedicou-se também, na parte final de sua vida, à litografia e fotografia.
Morreu no Rio de Janeiro em 1909.
A PRIMEIRA “BALA PERDIDA”
Nos últimos anos, a mídia tem cedido espaço para noticiar com
freqüência as pessoas, em grande maioria inocentes, que são feridas ou
mortas em conseqüência de balas perdidas.
Termo que se generalizou, as balas perdidas são como ficaram
conhecidos os petardos disparados em guerras urbanas ou não, normalmente
envolvendo traficantes e policiais. Como sempre acontece, pessoas que nada
tem a ver com o caso acabam sendo atingidas e, claro, nenhum dos dois lados
assume a responsabilidade de ter dado o tal tiro, ficando o incidente em geral
impune. Com a degradação da autoridade pública no Rio de Janeiro, fenômeno
ocorrido nos últimos vinte anos, o número de vítimas inocentes só tem
aumentado, contribuindo para a insegurança geral em que vivemos e o
enlutamento das famílias das vítimas.
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Entretanto, séculos antes de Brizola, Benedita, Garotinho e Rosinha, o
Rio de Janeiro já sofria de problema semelhante, se bem que, é forçoso dizer,
em escala muito menor que nos dias atuais.
No século XVI, o problema eram as flechas perdidas. Com efeito,
quando Estácio de Sá fundou a cidade no morro Cara-de-Cão em 1565 o
malefício já existia, tendo os moradores que colocar telhas de barro em suas
casas para evitar as flechas dos índios Tamoios. Mandaram vir telhas de São
Vicente, mas logo se começou a produzi-las aqui pelas mãos do oleiro
português Duarte Martins Mourão. Esse homem ganhou muito dinheiro e no fim
da vida arrendou para si uma lagoa, justamente onde hoje é o Largo da
Carioca, para ali melhor produzir suas preciosas telhas.
Isso não impediu que nosso primeiro governador e fundador da cidade
do Rio de Janeiro, Estácio de Sá, morresse em conseqüência de uma flechada
no rosto, fato ocorrido durante a Batalha das Canoas, na Glória, em 20 de
janeiro de 1567. Anos depois, em 1586, o vereador Antônio de Mariz Coutinho
morreu em conseqüência de uma flechada às margens da Lagoa do Boqueirão,
onde hoje está o Passeio Público.
Com a evolução das armas de fogo, vulgarizadas aqui à partir do século
XVII, o problema só piorou, mas, como tais armas eram ainda muito
imperfeitas, por algum tempo os cariocas não as temeram. Entretanto, um fato
ocorrido em fins do século XIX marcou a história de nossa cidade e repercutiu
no seio da população por muitos anos.
A 6 de setembro de 1893 estourou em nossa marinha de guerra uma
revolta contra o Presidente Floriano Peixoto, rebelião que usava como pretexto
não só um alegado descumprimento de nossa constituição, como igualmente
interesses de uma restauração monárquica em nosso país. A Marinha do Brasil
era, à época, uma das maiores do mundo e nossos navios bastante poderosos.
Uma vez revoltados pelo Almirante Custódio José de Mello, ficou muito
difícil a situação do governo, que já enfrentava uma revolução no sul do país.
Floriano Peixoto reagiu com prontidão e mandou armar com canhões as
colinas e a orla da cidade, mas essa medida defensiva por sua vez também
expôs a população inocente aos tiros da armada rebelada.
Alguns dias após o início da quartelada, o Almirante Mello intentou
arrebanhar para sua frota o maior rebocador da esquadra, o Audaz, que estava
ainda em mãos do governo e tentadoramente ancorado em frente da esquadra
revoltada, nas docas da Alfândega, onde hoje existe o edifício da CONAB.
Mello mandou uma guarnição se apoderar do navio, mas os marinheiros
legalistas do Audaz reagiram vigorosamente, sendo apoiados por canhões
postados na Praça XV de Novembro. Em represália, Mello ordenou que o
encouraçado Aquidabã, a maior unidade revoltada, disparasse em resposta
com o fito de dar cobertura aos atacantes. Pois bem, uma das balas do
Aquidabã passou longe do Audaz, atingindo a torre sineira da Igreja da Lapa
dos Mercadores, na esquina de Rua do Ouvidor com a Travessa do Mercado.
A bala derrubou do alto da torre uma grande estátua de mármore português de
Lióz, e que representava a Religião, na figura de uma bela jovem que segurava
com a mão direita uma Cruz e a Bíblia. A estátua caiu de uma altura de 25 m e,
mesmo assim, sofreu danos apenas num dos dedos e na base.
A bala, por sua vez, prosseguiu sua trajetória destrutiva, indo se cravar
no terceiro andar do prédio no. 22 da Rua Primeiro de Março, onde, na época,
funcionava a maior relojoaria da Cidade, a Casa Norris, a qual, curiosamente,
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era fornecedora dos cronômetros dos navios da esquadra. O tiro destruiu o
observatório astronômico da loja, causando perda total dos equipamentos. O
fato de uma bala tão poderosa não ter destruído uma imagem sacra de
mármore repercutiu na imprensa, sendo considerado tal fato um milagre. Após
o término da revolta em fevereiro de 1894, com a derrota de Custódio de Mello,
a torre da igreja foi reconstruída pelo arquiteto Antônio Januzzi, sendo a
estátua não mais ali recolocada e sim guardada na sacristia do templo, onde
começou uma poderosa adoração que se perpetua aos dias atuais.
A Casa Norris, por sua vez, amargou um prejuízo enorme, mas isso não
a impediu de doar a dita bala à igreja da Lapa dos Mercadores, cuja Irmandade
a tratou como relíquia, erguendo para ela um nicho na sacristia, ao lado da
famosa estátua, onde ambas ficam expostas à curiosidade pública até hoje.
Por vezes, tenho presenciado a pessoas devotas fazerem suas orações não só
para a dita estátua, como até para a bala, como se ela fosse um santo
moderno!
Hoje, 110 anos depois, a Casa Norris não existe mais, estando em seu
lugar o Restaurante Grill 22, mas tanto a estátua de mármore quanto a bala
ainda continuam a chamar a atenção dos fiéis na sacristia da Igreja da Lapa,
como a marcar uma época de tranqüilidade que se encerrava, prenunciando
um século onde a violência seria um recurso banal e cada vez mais utilizado.
MOLIÉRE NO “GERAES”
Quando, em 1664, o teatrólogo francês Moliére escreveu a comédia “Le
Mariage Forcé” (O Casamento Forçado), não lhe podia ter passado pela
cabeça que, cento e vinte e oito anos depois, num país remoto, de existência
política ainda duvidosa, viesse a sua comédia servir de afronta ao povo
brasileiro no dia da morte de Tiradentes.
Na noite de sábado, 21 de abril de 1792, subiu a cena a peça clássica
de Moliére no Rio de Janeiro, num terreno baldio, defronte à igreja de Nossa
Senhora da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, exatamente aonde hoje
existem o prédio da Irmandade da Santa Cruz dos Militares e o sobradão onde
está o Restaurante Geraes.
O Vice Rei do Brasil, Conde de Resende, querendo marcar a data do
enforcamento de Tiradentes duma forma original, contratou a equipe de teatro
da única ópera em funcionamento no Rio, a de “Manuel Luís”, e que funcionava
desde 1757 num casarão ao lado do Paço, onde hoje estão os fundos do
Palácio Tiradentes.
O elenco foi composto dos artistas “Lapinha”, “Marucas”, o José Inácio
da Costa, com o apelido pouco lisonjeiro de “Capacho”, e o “Ladislau”, o
cômico querido e festejado pela platéia. Dirigiu o espetáculo o teatrólogo Inácio
Nascentes Pinto.
Pouco depois do enforcamento de Tiradentes, ocorrido no Campo de
São Domingos, onde hoje é a esquina de Avenida Passos com Rua Buenos
Aires, o Vice Rei, sua família e autoridades pajeadas por grande massa
popular, se dirigiram para a Igreja do Carmo, onde ocorreria um Te-Deum pelo
malogro da Conjuração Mineira. Enquanto isso, na Rua do Ouvidor, onde,
defronte à igreja citada da Lapa, estava sendo montado um tablado alto feito
com tábuas e sarrafos oferecidos pelos madeireiros da travessa do Paço dos
Governadores. Estavam postas palmas e bandeiras por toda a extensão da
área baldia. O palco estava enfeitado com cortinas de seda adamascada e
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sanefas de cetim-Macau oferecidas pelos marejantes das Índias, aqui
estacionados, em despejo de suas embarcações.
À tarde, enquanto o Vice Rei ainda estava na Igreja do Carmo, saiu à
rua o bando anunciador do espetáculo da noite. Eram três as principais figuras
do entremez, o “Gracioso” e dois “Barbas”, o primeiro vestido de arlequim e os
segundos enfronhados em negro camisolão, burlescamente sarapintados,
tendo ambos na cabeça um longo chapéu afunilado.
À noite abriu-se o palco aos olhos da multidão. Moliére foi certamente
“assassinado” como, ao meio dia, caíra assassinado na fôrca o pobre
Tiradentes. Também não sabemos se o povo riu das patuscadas de Ladislau,
ou se sorriu por medo da reação do Vice Rei.
Em 1808, esse terreno livre foi ocupado por uma linha de sobrados
coloniais que iam desde a Rua do Mercado à travessa do Comércio. Eram
casarões erguidos por força do grande incremento das atividades comerciais
devido à abertura dos portos brasileiros às nações amigas, ato assinado por D.
João em 28 de janeiro daquele mesmo ano.
No pavimento térreo, funcionavam lojas diversas. Num mezanino
existiam os depósitos, e as famílias dos comerciantes residiam no anda
superior. Estes velhos sobrados viram a Independência do Brasil, as peraltices
de D. Pedro I na rua do Ouvidor, a Regência, todo o segundo Império, a
Proclamação da República, a passagem para o século XX, e as reformas
urbanas operadas em 1903/5 pelo Prefeito Pereira Passos. Demolidos na
primeira década do século XX, em seu lugar surgiram vários sobrados novos,
em rebuscado estilo eclético, acompanhando a moda no Rio de Janeiro. Num
deles, o de esquina com a travessa do Comércio, justamente no local onde foi
encenada a peça de Moliére, está já, há alguns anos, o Restaurante Geraes,
cujo nome lembra, de forma muito feliz, o berço de Tiradentes.
HISTÓRICO DO PRÉDIO DA “RIO PRAÇA XV LOGÍSTICA LTDA” – RUA DO
OUVIDOR 18 – CENTRO
A história da antiga praia entre a rua de Aleixo Manuel (Ouvidor) e a
esquina de rua de André Dias Homem (Rosário) é bem conhecida, apesar de
algumas lacunas subsistirem até hoje.
Em tempos idos, no que é hoje a esquina de Rua Primeiro de Março
com a do Ouvidor, existiu um forte, denominado “da Santa Cruz”, construído
em 1605/8 por Martim de Sá. Recuando o mar e tornando-se imprestável o
pequeno baluarte, ele foi doado em 1623 à Irmandade de São Pedro
Gonçalves, festejado patrono dos negociantes e mercadores do tempo,
constituída por militares, que em seu lugar ergueram uma capela dedicada à
Santa Cruz, levantada pelos soldados em suas horas de folga e patrocinada
com sobras de seus minguados soldos. Em 1628 foi a capelinha inaugurada,
sendo muito pobres seu feitio e decoração.
A Irmandade requereu à Câmara de Vereadores que lhes dessem o
domínio das terras que o mar ia deixando atrás do pequeno templo, tendo
obtido na ocasião a permissão de posse. Entretanto, em fins do século XVII, a
Câmara voltou atrás e não só cancelou a posse dos terrenos, como os colocou
em praça pública o que de direito já pertencia à Irmandade por mais de
cinqüenta anos.
Para melhor garantia de seus direitos, a Irmandade fez um pedido
diretamente ao Governador do Rio de Janeiro, Francisco Xavier de Távora, o
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qual, na ocasião, era também o juiz da própria Irmandade, e deste obtiveram
pela carta de sesmaria de 16 de fevereiro de 1716 a propriedade de todos os
terrenos de marinha, podendo fazer casas para maior rendimento da fábrica,
do culto e do cemitério que se intentava fundar. Foi imposta apenas uma
condição: todas as vezes que a Fazenda Real necessitasse dos ditos chãos
para neles fazer alguma obra de defesa, a Irmandade consentiria nisso sem
pedir indenização qualquer pela benfeitoria dos prédios demolidos.
A Câmara protestou, pois existia uma carta régia datada de 23 de
fevereiro de 1713, que vedava aos governadores do Rio de Janeiro dar
sesmarias dentro da cidade, por pertencer esse direito a Câmara, competindo
somente aos mesmos governadores conceder as dos sertões. Levada a
questão ao Rei D. João V, a metrópole ratificou em 03 de outubro de 1722 a
decisão de Távora, não como forma de sesmaria, mas a título de esmola com
todas as cláusulas do documento de 1716.
Firmada em tão generosa doação, foi a mesma mandada cumprir em 09
de setembro de 1723 pelo Governador Ayres de Saldanha e Albuquerque.
Somente assim pôde a Irmandade da Santa Cruz, associada à de São Pedro
Gonçalves e depois só, construir prédios em todo o lado da Rua do Ouvidor até
a Praça das Marinhas (Rua do Mercado). Mais folgada de rendimentos, pôde
as duas irmandades levantar mais tarde novo templo (a atual Igreja da Santa
Cruz dos Militares), cuja construção foi iniciada em 1777 e completada em
1811/2. Na sessão de 20 de janeiro de 1780, a Irmandade da Santa Cruz
tomou para si a tarefa do erguimento do novo templo, pois a Irmandade de São
Pedro Gonçalves não mais dispunha de numerário suficiente. À guisa de
compensação, os Irmãos de São Pedro resolveram ceder e dar a parte que
tinham em comum nos prédios da Rua do Ouvidor, ficando portanto, a partir
desta data, a Irmandade da Santa Cruz como única proprietária dos imóveis.
Pela confirmação de 1722, tudo quanto o mar fosse deixado na mesma
testada era do domínio da Irmandade. Assim sendo, entre 1723 e 1750
mandou a Irmandade levantar naqueles chãos um grande sobrado com térreo,
jirau e andar, o qual ia do beco da Lapa dos Mercadores (atual Travessa do
Comércio), até o início da Rua do Ouvidor, continuando pela Rua do Mercado
até quase a do Rosário. Esse imenso sobrado, um dos maiores do centro
antigo, era alugado pela Irmandade a vários comerciantes de secos e
molhados que ali mantinham seus negócios e residência.
O mapa do Rio de Janeiro elaborado em 1750 pelo engenheiro militar
André Vaz Figueira para o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de
Bobadela já definia o contorno da Rua do Mercado como chegou aos nossos
dias. Um grande desenho em perspectiva, realizado em 1760 pelo engenheiro
militar Miguel Ângelo Blasco para o mesmo Conde de Bobadela já mostrava o
grande sobrado erguido na Rua do Mercado, bem ao lado do Trapiche da
Cidade, na Rua do Rosário. Outro desenho, este feito em 1775 por Luís dos
Santos Vilhena, confirma os dois documentos anteriores. Em 1792, depois de
mais um conflito com a Câmara, que não se conformara com os privilégios
obtidos pela Irmandade, esta obteve com o Vice Rei D. José Luís de Castro,
Conde de Rezende, uma nova confirmação da carta de 1716.
O artista austríaco Thomas Ender, que veio ao Brasil em 1817 com a
comitiva da Imperatriz Leopoldina, deixou uma linda aquarela do casarão, o
qual contava, do lado da Rua do Mercado, ao menos doze portas e igual
número de janelas nos dois pavimentos superiores. É também de 1817 a
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primeira listagem de ocupantes do casarão, com suas respectivas atividades.
Em continuação da zona pertencente à Irmandade, hoje lado par da Rua do
Mercado, até a do Rosário, tinham quatro braças (8,80m, ou quatro portas e
janelas): Monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiros, com armazém de
secos e molhados; também com quatro braças, seguia-lhe José Antônio
Barreto, varredor da Casa Real, com tanoaria e depósito de lenha; e, por
último, com três braças (6,60m, ou três portas e janelas), o estrangeiro
Alexandre Azupard, com açougue e depósito de lenha.
Defronte ao dito sobrado existiam uns telheiros erguidos à partir de 1790
pela Irmandade para guarda de materiais para a obra da nova igreja da Santa
Cruz. Entretanto, em 1817 o Intendente Geral de Polícia Paulo Fernandes
Vianna se apossou deles e os aforou a terceiros, no que só fez iniciar um longo
pleito judicial com a Irmandade, a qual saiu vitoriosa, retomando seus
disputados telheiros a 22 de outubro de 1821. Treze anos depois, a
Municipalidade mandou indenizar a Irmandade e botou abaixo os ditos
telheiros, erguendo em seu lugar uma praça de mercado, a primeira projetada
como tal no Rio de Janeiro, desenhada pelo arquiteto da Missão Artística
Francesa, Grandjean de Montigny. Esse mesmo arquiteto, naquela ocasião,
projetou o novo edifício da Segunda Praça do Comércio, um grande casarão na
esquina da Rua Direita (hoje Primeiro de Março) com a do Rosário. Esses dois
prédios, mais o da já existente alfândega do Rio de Janeiro, fundada no século
XVII e que ocupava todo um quarteirão, da Rua do Hospício (Buenos Aires) até
Rosário, transformou todo o trecho direito do Largo do Paço (atual Praça XV de
Novembro), no grande pólo atacadista da cidade.
Como conseqüência do crescimento econômico do Rio de Janeiro em
fins do século XIX, resolveu a Irmandade da Santa Cruz dos Militares colocar
abaixo o velho casarão e outras propriedades e em seu lugar erguer várias
casas menores. Isso foi feito em partes. Em 1874, o prédio ainda aparece, mas
já reformado, com o jirau convertido em andar e agora reduzido apenas a nove
portas no térreo e igual número de janelas nos dois pavimentos superiores. A
Irmandade mandou reforma-los novamente entre 1894 e 98, sendo que, no
caso da fachada da Rua do Mercado, aproveitaram-se algumas das sólidas
paredes externas, todas construídas em pedra, cal e óleo de baleia, colocandose nelas uma decoração eclética, tão ao gosto da época.
Uma descrição vívida do comércio desse pequeno trecho da Rua do
Ouvidor, entre as ruas Primeiro de Março e Mercado, nos é dado por Luís
Edmundo, cronista do Rio antigo, que a descreve em 1901: ...”Ao invés de
vitrines ou de lojas, mesmo de aparência regular, o que se vê é o armazém mal
arranjado e sujo, com as réstias de cebola dependuradas pelos tetos, mantas
de carne seca enodoando portais, o toucinho de fumeiro, à mostra o bacalhau
da Noruega, o polvo seco em falripas, crucificado em ganchos, e, em meio a
todo esse mostruário de comestíveis, a clássica, a eterna, a infalível ruma de
tamancos!”
“Desagradável e imundo esse trecho onde abunda o homem de
indumentária reles, sobrancelhas carregadas, a berrar, no meio da rua, como
num campo, em plena praia ou num deserto:”
“-Ó estupoire, mande-me daí o António, que el tem de lebar o raio do
cesto das compras à Saúde!”
“E o Antônio responde, também, aos berros. O vendilhão retruca. Entra
no diálogo o homem do burro-sem-rabo, espécie de Centauro da viação
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urbana, que chega banhado em suor a maldizer o sol, atrelado aos varais do
seu carrinho. Isso quando em meio a esse linguajar áspero, onde a
obscenidade de permeio resvala, não irrompe o brado do italiano do peixe, de
cesto ao ombro, vendendo a tainha, o badejo, o peixe-galo e o bagre, ou o
assobio do moleque que vende puxa-puxa e bate com o pauzinho em uma
caixa de folha, ou, ainda, o grito tornitroante do carroceiro apressado,
mandando o transeunte trepar para a calçada, porque ele quer passar com a
carroça:”
“-Olhe, aí, este caminho, ó sua besta!”
“Há de se concordar que a elegância da Rua do Ouvidor, nesse trecho, é
um tanto precária. E cheira em demasia ao pouco amável tempo da Colônia.
Os palavrões à parte.”
“Imundo quarteirão!” -Sentenciava Edmundo.
Em 1911, após um incêndio, o Prefeito Bento Ribeiro mandou demolir o
velho mercado da Praça XV, transferindo todo o comércio de grosso para o
novo mercado de ferro no Largo de Moura, inaugurado em 1907 com dezesseis
ruas e mais de duzentas lojas, e do qual, hoje, só nos resta um torre onde
funciona o Restaurante Albamar. Em 1924 o terreno do mercado foi permutado
com a Bolsa de Valores, a qual, dez anos depois, mandou erguer sua nova
sede. Com isso, diminuiu muito as atividades do comércio atacadista nas
redondezas, atraindo comércio e serviços de maior categoria.
O século XX foi, para o casarão da Rua do Ouvidor, canto da do
Mercado, uma sucessão de múltiplos usos, desde armazém de secos e
molhados até sede de uma instituição bancária. Pela sua vetustez, o grande
sobrado serviu de pano de fundo a algumas cenas de produções
cinematográficas e televisivas. Assim sendo, podemos vê-lo em algumas tomas
dos filmes históricos “Mauá, o Imperador e o Rei”; “Policarpo Quaresma, o
Herói do Brasil”; “O Xangô de Baker Street” e a minissérie da Rede Globo “O
Quinto dos Infernos” Depois de anos de uma longa decadência, foi o prédio
ocupado em fins do milênio pela Rio Praça XV Logística Ltda., a qual, depois
de uma reforma, ocupou o casarão com serviços de carga e correspondência
expressa da VARIG, mantendo naquele lugar uma tradição de mais de
duzentos e oitenta anos no abrigo, transporte e expedição de cargas na cidade
do Rio de Janeiro.
O PRIMEIRO GOLPE DA GRAVIDEZ NO RIO
Nos últimos anos, a imprensa em geral tem dado grande destaque a
uma série de escândalos particulares de diversas personalidades no Brasil e no
mundo. Um desses descalabros prediletos pela mídia é o chamado “golpe da
gravidez”, que é praticado basicamente por belas jovens de amplos dotes
físicos, mas de estreita moral, e que procuram dormir com atores, artistas,
desportistas, enfim, qualquer figura endinheirada, com o fito dela engravidar e
cobrar na justiça milionárias pensões para seus rebentos, claro, tudo
devidamente amparado cientificamente pelo moderno teste de DNA.
Essas mães, mais preocupadas com o dinheiro que vão embolsar,
nunca pensam no que pode passar pela cabeça de seus espúrios filhos quando
crescerem, até porque nem lhes interessam esse pormenor. O que importa é
dar uma “facada” nas finanças do incauto, que passa a pagar pensão não para
os inocentes bebês, mas para sustentar o luxo das impudentas mães.
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Pois bem, poucos sabem que o estratagema remonta, no caso brasileiro,
a 1828; e o incauto, nesse caso, foi o Imperador D. Pedro I.
Pudera, nosso primeiro monarca foi um grande conquistador de
corações e exímio fazedor de filhos, bastando dizer que, em quinze anos de
vida sexual ativa, D. Pedro I foi pai de 28 filhos, dez em seus dois matrimônios
e dezoito fora dele. Até a quituteira negra do Palácio de São Cristóvão teve a
honra de uma gravidez real, como também uma freira, na Ilha Terceira!
Entretanto, o caso mais rumoroso e caro foi, sem dúvidas o de Da.
Clemência Saisset.
Em 1828, a rua mais importante do Rio de Janeiro era a do Ouvidor,
local onde existiam as casa comerciais mais refinadas da cidade, em geral de
propriedade de franceses. D. Pedro I, quando vinha de São Cristóvão para o
Paço da Cidade, na atual Praça XV, passava com sua carruagem por ela e,
com certeza, observava o animado comércio e, principalmente, as modistas
francesas ali estabelecidas, com as quais não poucas vezes teve casos
amorosos. Ultimamente, sua atenção estava voltada para a casa no. 98,
defronte à Rua Nova do Ouvidor (atual Travessa do Ouvidor) um fino
estabelecimento de modas e papéis pintados de Bernardo Wallenstein &
Companhia. Mas sua atenção não era dirigida às roupas ou papéis de parede
ali exibidos, nem era a figura do solteirão Bernardo ou de seu sócio, Pierre
Joseph Félix Saisset, mas sim à bela figura da esposa do segundo, Da.
Clemência Saisset, née Mëes, modista e bela mulher de vinte e cinco anos e já
mãe de dois filhos, o último deles nascido em março daquele ano.
D. Pedro I percebeu que a jovem lhe correspondia e concebeu
engenhoso plano para conquista-la. Contratou Pierre Félix para colocar papéis
de parede em todo o Paço de São Cristóvão. Enquanto o marido colocava os
papéis nos salões imperiais, D. Pedro colocava-lhe chifres!
De certa feita, Pierre Félix retornou mais cedo para casa e veio a
encontrar D. Pedro I totalmente despido em sua cama!
A esposa o convenceu que nosso imperador havia sofrido uma queda de
um cavalo defronte à casa, e Da. Clemência, fazendo jus ao nome, o recolhera
e despira (tudo no maior respeito, é claro...) para aplicar uma massagem de
socorro. O marido fingiu acreditar, pois logo percebeu o quanto poderia lucrar
com a situação. D. Pedro inclusive o autorizou posteriormente a colocar uma
placa na fachada da casa, indicando o negócio de papéis pintados ser
“Fornecedor da Casa Imperial”, motivo de muita gozação entre os vizinhos.
Em novembro, Da. Clemência engravidou de D. Pedro e, para o
escândalo não aumentar, no dia 30 de dezembro de 1828 o casal Saisset
partia para a Europa, não sem antes ter todo seu negócio indenizado a peso de
ouro pelo Imperador, recebendo Da. Clemência, dentre muitos presentes e
dádivas, um saque de setenta e cinco mil francos e um título de pensão
vitalícia. De quebra, D. Pedro ainda prometeu pagar a educação do pimpolho
com mesada régia, às custas dos contribuintes.
Em Paris, às seis horas da tarde do dia 23 de agosto de 1829, à rua
Bergère, no. 17 bis; nasceu um menino, que passou a chamar-se Pedro de
Alcântara Brasileiro, oficialmente filho de Pierre Saisset, antigo oficial de
cavalaria francesa, de 32 anos; e de Da. Clemência Saisset. Durante a
gravidez da esposa, tanto o Sr. Pierre, bem como Da. Clemência endereçaram
muitas cartas ao Imperador e a seus procuradores, todas tratando de dinheiro,
é claro. Os Saisset depois se mudaram para a Avenida de Sceaux, no. 2, em
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Versailles, onde granjearam fama na sociedade local, tendo o casal feito larga
propaganda do filho tido com o Imperador do Brasil, fato que o próprio Sr.
Saisset alardeava como de grande mérito. Costumava Da. Clemência exibir
aos amigos e visitantes os presentes oferecidos à ela pelo Imperador do Brasil,
em especial um papagaio falante, bem como toda a correspondência amorosa
de ambos.
Entretanto, a renúncia do Imperador ao trono do Brasil, ocorrida a 07 de
abril de 1831, bem como a morte precoce de D. Pedro, em Lisboa, a 26 de
setembro de 1834 interromperam a remessa de dinheiro ao casal, fato que não
passou sem poucos protestos. Após alguns anos, a Imperatriz viúva, Da. Maria
Amélia, concedeu uma pequena pensão à criança, por alguns anos.
Pedro de Alcântara Brasileiro foi educado num dos melhores colégios de
Paris, o liceu “Louis le Grand”, e se bacharelou em letras. Casou-se e foi pai de
duas meninas, indo afinal residir em San José de Guadalupe, São Francisco,
Califórnia. Em outubro de 1864 recebeu a notícia do falecimento da mãe, morta
aos 61 anos. Só então, por meio do advogado da família, recebeu uma pasta
de documentos e veio a saber que era filho do ex-Imperador do Brasil.
Pedro de Alcântara enviou então uma missiva ao seu meio-irmão
brasileiro, nada mais nada menos que o Imperador D. Pedro II, pedindo uma
ajuda de custo para a educação de seus dois filhos, haja vista que sua mãe, a
finada Da. Clemência, havia torrado toda a fortuna da família em luxos e
superfluidades. O Imperador não retornou a correspondência e o assunto
morreu. Alguns anos depois, em 26 de agosto de 1877, quando D. Pedro II
esteve em Londres, um dos filhos de Pedro de Alcântara, o Capitão de Fragata
Ernest de Saisset tentou se encontrar com o Imperador, sem sucesso.
E tudo ficou assim.
IGREJA DA SANTA CRUZ DOS MILITARES - RUA PRIMEIRO DE MARÇO
A Irmandade dos soldados da guarnição do Rio de Janeiro foi fundada
em 1611 e, em 1623, estabeleceu sua capela no forte desocupado de Santa
Cruz, fundado em 1585, da qual recebeu o nome. A capela da Vera Cruz, a
partir de 1628, também serviu de local de reunião para os comerciantes e
navegantes que festejavam São Pedro Gonçalves. A primitiva capela de Santa
Cruz, foi construída pelos militares em suas horas de folga. As obras duraram
cinco anos. Era tão sólida que serviu de catedral duas vezes, De 1703 a 1704 e
de 1734 a 1737, pois a velha sé no morro do Castelo estava em precárias
condições.
Durante a invasão francesa ao Rio que ocorreu em 1710, comandada
pelo corsário Jean François Duclerc, foi a capela de Santa Cruz atacada pelo
famoso corsário. Próximo dela ele se rendeu. Foi saqueada ano seguinte pelas
tropas de Duguay Trouin durante o segundo ataque francês, mas não foi
destruída. Desde algum tempo tencionava a Irmandade em erguer novo
templo. Em 1777 fez a planta o Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, tendo
sido lançada a pedra fundamental em 1o. de setembro de 1780, durando a
construção um total de 22 anos. Foi seu construtor Mestre Antônio de Azevedo
Santos, que levantou o grosso da obra entre 1794 e 1800. A talha foi feita entre
1805/12.
A nova fachada do templo foi inaugurada em 1811 por D. João. A torre
seria inaugurada ano seguinte, com os sinos. Quando pronta, Santa Cruz era a
melhor expressão da arquitetura barroca jesuítica no Rio de Janeiro. Trabalhou
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na obra de talha Mestre Valentim da Fonseca e Silva (1745 - 1813), artista
genial que esculpiu a capela mór, arco cruzeiro e parte da nave. Continuou o
trabalho Mestre Antônio de Pádua e Castro (1804 - 1881), que a concluiu em
1853. Ainda no século passado era o conjunto muito elogiado pelos visitantes.
Nos nichos da fachada, foram colocadas as estátuas de São Mateus e
São João Evangelista, esculpidas por Mestre Valentim. Hoje encontram-se
ambas no Museu Histórico Nacional. As grades foram postas em 1830 e
retiradas em 1903.
A igreja contou sempre com bons protetores. O Governador Martim de
Sá em 1623, D. João em 1811, D. Pedro I em 1828, o qual deu o título de
Imperial à Irmandade e D. Pedro II em 1840. Como provedores, destacamos o
Duque de Caxias, em 1870, e o Conde D`Eu, Ministro da Guerra de D. Pedro II.
Em 1869, a pedido da tropa que combateu na Guerra do Paraguai, 10
bandeiras tomadas ao inimigo na Batalha de Avaí, no dia 11 de dezembro de
1868, foram entregues à Irmandade para ficarem depositadas na Igreja.
Em seu interior foi rezada a missa de corpo presente em sufrágio da
alma do Irmão Senhor Conde D`Eu, falecido a bordo do “Massilia” em 31 de
agosto de 1923. Pouco tempo depois um incêndio quase destruiu o templo, que
a custo foi salvo, sendo feita criteriosa restauração. Já no século XX, continuou
a Igreja da Santa Cruz dos Militares a despertar respeito pela sua preservação,
haja vista a riqueza artística de seu conjunto. Tombada pelo IPHAN em 1938,
instalou-se na Irmandade a Sede do Secretariado do Ano Santo em 1955.
De 1623 a 2000 são quase quatrocentos anos de participação da
Irmandade na história do Rio de Janeiro.
JOSÉ CUSTÓDIO DE SÁ E FARIA - DADOS BIOGRÁFICOS
Engenheiro militar e arquiteto. Nasceu em Portugal em c. 1720. Chegou
ao Brasil no pôsto de Sargento-Mór de Infantaria, com exercício de Engenheiro,
integrando a “Expedição Científico-Militar da América Portuguesa”, destinada a
proceder a demarcação da fronteira sul. Em 21 de setembro de 1753, com este
objetivo, chegou à cidade de Assunção na qualidade de comissário da terceira
partida encarregada dos limites entre os rios Igurei e Jauru. A 24 de fevereiro
de 1764, foi nomeado governador da Capitania do Rio Grande do Sul, tomando
posse a 16 de junho seguinte. Foi promovido a Coronel em 18 de março de
1767 e, em 1775, empregado em trabalhos de fortificações na Ilha de Santa
Catarina. Quando estava no Rio de Janeiro, em 1767, projetou uma muralha
para o Rio de Janeiro e a planta da nova Igreja da Santa Cruz dos Militares, em
estilo barroco jesuítico. Aliás, Sá e Faria foi 28o. Juiz da Irmandade da Santa
Cruz dos Militares. Em 1777, com a invasão espanhola à Ilha de Santa
Catarina, passou para o lado dos espanhóis, com eles passando o resto de sua
vida. Projetou então a Catedral de Montevidéu e o Convento de São Francisco,
em Buenos Aires. Fez também um projeto de catedral para esta cidade, não
executado.
Faleceu em fins do século XVIII, em Buenos Aires.
Milton de Mendonça Teixeira.
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