Ética: Pessoa e Sociedade - STILOWEB

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Ética: Pessoa e Sociedade - STILOWEB
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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
ÉTICA: PESSOA E SOCIEDADE
31ª Assembléia Geral
Itaici-SP, 28 de abril a 7 de maio de 1993
APRESENTAÇÃO
O documento “Ética: Pessoa e Sociedade”, objeto de sucessivas redações, foi discutido e
aprovado pela 31ª Assembléia Geral da CNBB como inadiável tomada de posição e
proposta de diálogo. Ele expressa posicionamentos fundamentais da Igreja Católica no
amplo debate que vai hoje tomando corpo no sentido de resgatar os valores éticos em
todos os níveis da vida nacional.
O tema da ética, na vida pessoal e na sociedade, pertence a todos. Sua importância e
amplidão questionam todos os cristãos e pessoas de boa vontade, bem como as
instituições e organizações da sociedade civil.
A Assembléia Geral da CNBB oferece sua reflexão e permanece aberta a toda colaboração
que lhe possibilite precisar melhor ou enriquecer o presente texto.
Itaici, 6 de maio de 1993
† Luciano Mendes de Almeida
† Serafim Fernandes de Araújo
† Antônio Celso de Queiroz
1. Nós, Bispos da Igreja Católica do Brasil, reunidos na 31ª Assembléia Geral, queremos
manifestar nossa solidariedade com tantas pessoas que “têm fome e sede de justiça” (Mt
5,6)1 e procuram corajosamente ser fiéis aos valores humanos e evangélicos, mas
sofrem pela crise ética da nossa sociedade. Os sinais desta crise são evidentes, e a
opinião pública os aponta. Falta honradez na vida política, profissional e particular.
Impressionantes são os níveis de violência, discriminação social, abuso do poder,
corrupção, permissivismo, cinismo e impunidade. Chega-se à deformação das
consciências, que aceitam como “normal” ou “inevitável” o que não tem nenhuma
justificativa ética.
2. Em nosso nome de pastores e em nome de todos que se angustiam com a crise ética
atual, apresentamos este documento para incentivar a busca de novos padrões éticos,
que levem a comportamentos moralmente corretos e socialmente construtivos, e para
trazer a contribuição da ética cristã, em consonância com o Magistério da Igreja
universal, para uma renovação da consciência pessoal e pública.
3. Sem a superação da crise ética, as atuais mudanças sociais e culturais não poderão
conduzir a uma sociedade justa e digna. Ao contrário, poderá haver uma ulterior
degradação das relações sociais e um aumento da injustiça, da violência e da insensatez.
4. Por isso, esta reflexão, sem fugir de um posicionamento sobre alguns problemas mais
urgentes (parte IV), pretende abordar a questão com amplitude, buscando indicar, após
uma introdução (I), as raízes da crise (II) e os caminhos de sua superação (III).
I. CAMINHOS DA ÉTICA
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1. A origem
5. O termo ética, com o qual indicamos a reflexão ou o saber sobre o “ethos”, tem
origem grega. Aristóteles, que o introduziu na filosofia ocidental, julgava desnecessário
demonstrar a existência do “ethos”. Ela é evidente. O ser se manifesta não apenas na
natureza, mas também na ação ou práxis humana: no ethos – hábitos, costumes,
instituições – produzidos pela sociedade. O “ethos” se refere à “morada” e à organização
de um povo ou de toda a sociedade.
6. Diferentemente da natureza, caracterizada pela necessidade e pela repetição do
mesmo, o “ethos” é espaço de liberdade, de diferença. Na concepção clássica, depois
assumida pelo cristianismo, a liberdade não é meramente subjetiva. Toda pessoa
humana busca sua felicidade. Não apenas Aristóteles e outros pensadores antigos, mas
também o Salmista o reconheciam: “Qual o homem que não ama sua vida, procurando
ser feliz todos os dias?” (Sl 34,13)2.
7. A felicidade não consiste apenas em fazer o próprio gosto, arbitrariamente, mas em
buscar a própria realização; logo, o que é bom, o que é conforme à natureza humana.
Como o indivíduo pode discernir o que é bom, o que o tornará verdadeiramente feliz?
Num primeiro momento, é o próprio “ethos” da sociedade em que vive (seus costumes,
suas leis, suas instituições) que aponta o que é “bom”.
8. Isto é verdade especialmente da cidade grega, que pensava suas leis como expressão
da natureza e da ordem cósmica; portanto, como encarnação da justiça. Também o
antigo Israel estava convencido de que suas leis e instituições eram justas por essência,
pois tinham como fundamento a santidade de Deus. Na Idade Média cristã, pensamento
grego e pensamento bíblico convergem na convicção de que o Criador do mundo é
também Aquele que ordena, mediante as leis morais, a convivência humana. Em muitas
outras civilizações e tradições religiosas, predomina uma concepção semelhante, que dá
fundamento religioso ao “ethos” e às instituições sociais e políticas que o exprimem.
9. Por outro lado, não escapa a ninguém que as instituições humanas podem evoluir ou
decair. Podem expressar uma visão insuficiente ou falha da realização humana; podem
ser reformadas em nome de uma nova “ética”, ou seja, de valores mais elevados e dos
direitos/deveres correspondentes.
10. Já os gregos tinham consciência de que, para além dos costumes da sociedade e de
suas leis escritas, havia uma “lei” não escrita, eterna, ideal, que poderia exigir a
transgressão ou a reforma das leis humanas. Antígona, na tragédia do mesmo nome,
rejeita a ordem do rei Creon: “Não pensei que tua proibição fosse suficientemente forte
para permitir que um mortal transgredisse as leis não escritas, inabaláveis, dos deuses.
Essas não são datáveis, nem de hoje, nem de ontem, e ninguém sabe quando
apareceram....”. Os cristãos afirmaram ainda com mais vigor a mesma convicção: “É
preciso obedecer antes a Deus do que aos homens” (At 5,29)3. E por ela resistiram até
ao martírio.
11. Mas como discernir esta “lei” divina? Por que resistir à opinião comum e às leis do
Estado? O próprio Sócrates recusara fugir da prisão por respeito às leis da sua cidade, as
quais lhe tinham dado a vida (cf. Platão, Críton). A pessoa humana é dotada de razão e
consciência. É isto que lhe permite discernir o que é verdadeiramente bom e justo. A
filosofia antiga e a tradição cristã ensinam que a consciência distingue o justo e o injusto
e que a pessoa só se realiza na “pólis”, na ordem social.
12. A questão, porém, não é tão simples. Entre a concepção grega e a visão cristã já
existe uma tensão. Para os gregos, se a pessoa humana conhece o bem, tende a fazê-lo.
Um forte realismo domina o pensamento cristão sobre a natureza humana, desde Paulo
(cf. Rm 7,19: “não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero”)4. O mal
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não é, contudo, a última palavra, pois prevalecem a graça e a liberdade dos filhos de
Deus (cf. Rm 5,20; Gl 5,1)5.
2. Os avanços
13. O caminho da ética na civilização ocidental e nos primeiros séculos cristãos conheceu
desdobramentos que convém ressaltar:
a) O primeiro é que a dimensão ética é a dimensão propriamente humana da existência.
A pessoa humana não vive sem a natureza, nem sem o trabalho e a técnica, com que
configura a seus fins a matéria. Mas é no agir livre, em busca de sua realização pessoal e
social, que o ser humano expressa o que lhe é próprio e exclusivo, o que constitui sua
dignidade e o sentido de sua vida.
14. b) Toda cultura é permeada pela dimensão ética. Disso resulta evidente que a práxis
humana não se limita a reproduzir a natureza, ou a produzir obras e comportamentos
“naturais”, mas cria valores e símbolos. Neles a humanidade expressa não apenas o que
é, mas o que deve ser.
15. c) A dimensão ética da cultura, sempre presente, tem sido explicitada e formulada de
várias maneiras. Entre as mais antigas expressões da ética estão o mito e a crença.
Recolhem as evidências éticas de um povo, sua tradição e sabedoria de vida, e as
recobrem do prestígio do sagrado, de um poder divino legislador e julgador, que garante
a objetividade e a força das normas. Todos os povos expressam, de alguma forma, sua
concepção ética e é certamente a religião a forma mais comum e de maior autoridade,
que legitima e conserva o “ethos”.
16. d) A ética, contudo, caminhou para a autonomia, distinguindo-se do religioso e do
sagrado, especialmente na época moderna. Este processo de secularização representou
uma grave crise da ética tradicional, ainda não resolvida.
17. e) Este esforço de reflexão crítica vai esbarrar, desde cedo, com o conflito entre a
exigência da universalidade da razão e a descoberta da diversidade e relatividade das
culturas e instituições. Como reconduzir costumes diferentes aos mesmos princípios
racionais e universais?
18. f) O problema torna-se ainda mais visível se considerarmos a distinção de dois
aspectos da ética. Considerando a ética como ciência da ação (ou práxis) individual, o
problema maior é o da razão que deve iluminar a liberdade do indivíduo e levá-lo à sua
realização plena, à sua perfeição ou felicidade. Este primeiro aspecto da ética é
designado por alguns como “moral” ou como problema da “moralidade”. Num segundo
aspecto, considerando a ética como ciência da ação comunitária, ou da ação política, o
problema maior é o de mostrar racionalmente a lei ou a ordem social que possa ser
aceita livremente e reconhecida por todos como justa.
II. CRISE OU REARTICULAÇÃO DA ÉTICA?
19. Não há dúvida de que vivemos hoje numa crise ética e da ética. O problema é, antes
de tudo, compreender as raízes da crise (1), que afeta a sociedade moderna em geral (2)
e, especificamente, a sociedade brasileira (3). Nessa situação, contudo, é possível
reconhecer também os sinais de uma nova busca da ética (4).
1. As raízes de crise
1.1. A crise dos princípios éticos
20. A crise da ética, no mundo ocidental, está ligada a um longo processo histórico. Sem
seguir rigorosamente a ordem cronológica, podemos indicar momentos deste processo,
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os quais muitas vezes se sobrepõem. Eles manifestam, porém, os problemas reais que a
ética encontra na época moderna.
21. Na Idade Média, ética e religião estão estreitamente associadas e a Igreja se torna
guardiã da moral, exercendo um controle rigoroso sobre a conduta dos cidadãos,
associada ao poder civil. As guerras de religião dos séculos XVI e XVII, acentuando as
divergências entre as Igrejas cristãs, contribuem para despertar a busca de uma moral
“natural” ou “puramente racional”, que estivesse acima das diferenças confessionais.
22. A ética não saiu reforçada dessa separação: a ela se segue uma crise, especialmente
da convicção iluminista e idealista da universalidade da razão. As descobertas da
etnologia e da antropologia põem em relevo a existência de culturas diversas. O
relativismo se afirma, ao menos no nível teórico. A própria filosofia parece renunciar a
uma reflexão ética para deixar lugar a uma “sociologia dos costumes”, a uma mera
descrição dos comportamentos éticos, sem valor normativo.
23. Contemporaneamente surge uma crítica vigorosa das instituições sociais. Aos olhos
de muitos críticos elas aparecem como expressão de interesses das classes dominantes,
justificados por ideologias, as quais encobrem a verdadeira natureza das instituições.
24. Mais recentemente, a própria consciência é posta em dúvida. Enquanto na visão
tradicional ela é o lugar onde a exigência ética se manifesta com mais evidência e vigor,
indicando o que é bom e exigindo uma ação coerente, para alguns pensadores
contemporâneos ela nada mais é do que uma forma de censura da liberdade.
25. As críticas modernas à ética tradicional não são meramente negativas. Elas carregam
o anseio de uma ética nova, que contribua para uma mais efetiva emancipação do ser
humano.
1.2. A mudança da sociedade
26. Enquanto se desenrolava a crítica dos princípios éticos, amadurecia uma outra
transformação, conexa com a evolução da economia moderna, o capitalismo, e
particularmente com o peso crescente que ela adquiriu na sociedade.
27. Ao longo do processo histórico, as esferas da sociedade, como a política, a religião, a
arte, a ciência, vão adquirindo sua própria autonomia. Já nesta fase a ética e a religião
perdem a hegemonia, que exerciam sobre a sociedade tradicional. Mais radicalmente,
com o avançar do processo, a economia assume papel dominante e subordina a seus
interesses as outras esferas sociais, inclusive a ética.
28. A única regra é a procura do “melhor” produto, no sentido do mais eficiente do ponto
de vista estritamente econômico; em resumo: o que dá mais lucro. Não o “melhor”
produto com relação a valores humanos (logo, éticos) ou com relação a um tipo de
sociedade. É a supressão prática da ética.
29. Em síntese, a tendência inscrita nessa sociedade é a de organizar e administrar a
vida social segundo regras meramente técnicas, de acordo com os interesses do sistema
econômico, reduzindo o ser humano a algo “fabricado” por esse mesmo sistema. A
pessoa, muitas vezes, não percebe claramente o controle exercido sobre ela, enquanto o
sistema lhe garante bem-estar e uma “liberdade” aparente no âmbito privado.
30. Hoje, na grande maioria dos Países, nem mesmo um mínimo de bem-estar é
garantido e o sistema econômico mundial lhes reserva um papel subalterno ou
simplesmente a exclusão e a miséria para grande parte de suas populações. Assim
aparecem ainda mais claras as trágicas contradições da civilização técnico-científica,
nesta forma de sua realização.
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Ela enfrenta o extremo perigo que, paradoxalmente, nasce de suas próprias conquistas:
imagina ter chegado perto do domínio da história, mas arrisca ser dominada por um
processo totalitário, que ameaça eliminar toda e qualquer ação do ser humano, que se
tornaria apenas objeto e produto do sistema. O mais grave é que todo este avanço
tecnológico possui as condições reais de eliminar a fome e a miséria, e não o faz.
2. Pluralismo e conflitos éticos da sociedade atual
31. A sociedade técnico-científica pretende impor a lógica da economia e da técnica como
sucedâneo da ética e da religião. Em oposição, manifesta-se a resistência de pessoas,
comunidades e movimentos sociais, que continuam mantendo viva a exigência ética, seja
propondo novos valores a partir de uma nova sensibilidade, seja redescobrindo a tradição
cristã e valorizando tradições não-ocidentais.
32. A situação da ética, nas sociedades “modernas”, difere, porém, profundamente
daquela das sociedades tradicionais, nas quais as instituições, ao menos em certa
medida, representavam e reforçavam o “ethos” predominante. A situação é caracterizada
pelo pluralismo dos comportamentos e dos valores. Não há mais um “ethos”, mas vários;
não uma ética e sim muitas. Nesse contexto, duas atitudes predominantes tendem a se
firmar, ambas moralmente criticáveis.
33. A primeira é a atitude do apego à ética tradicional, mesmo nos aspectos que se
revelam claramente inadequados ou anacrônicos. Esta atitude é geralmente denominada
tradicionalismo ou fundamentalismo.
A segunda atitude é a do individualismo. É certamente a mais difundida, porque
estimulada pela dinâmica da sociedade atual. Individualismo significa colocar o acento
sobre as opções ou decisões do indivíduo (“você decide!”). Diante do pluralismo de
comportamentos e de teorias éticas que pretendem legitimá-los, cada um é solicitado a
fazer sua escolha, segundo um critério ou um “gosto” pessoal. Desacreditando na
possibilidade de discernir normas éticas objetivas ou valores universais, muitos tendem a
realizar suas ações e a construir seus valores única ou predominantemente a partir da
experiência individual. O fato é mais evidente na esfera da vida privada ou particular,
onde a sociedade moderna tende a conceder uma liberdade ilimitada em troca da
sujeição ao sistema econômico e político.
34. Esta liberdade individual é apoiada por uma ideologia que sustenta o direito de o
homem e de a mulher disporem arbitrariamente do próprio corpo e do próprio “tempo
livre” e decidirem, com critérios meramente pessoais, sobre o consumo dos bens e o
relacionamento pessoal. Mesmo na relação com o outro (por exemplo no relacionamento
amoroso no casamento), muitos pensam que tudo é lícito, se o outro, companheiro ou
cônjuge, estiver de acordo.
Embora se reconheça que deve ser respeitado no outro o mesmo direito que alguém
reivindica para si, de fato muitas vezes um comportamento resvala para um
individualismo tão acentuado que tudo é pensado pelo indivíduo em função de si mesmo,
numa atitude que não deixa espaço a uma verdadeira relação de intercâmbio, comunhão,
fraternidade com o outro.
35. Mesmo onde se procura uma ética pública mais coerente, reconhecida efetivamente
pelo conjunto dos cidadãos, muitas vezes o problema da ética ou moralidade individual é
esquecido ou colocado entre parênteses, como se fosse possível construir uma ética
social sólida sem uma ética pessoal adequada. Não faltam interpretações da democracia,
como forma de organização da sociedade, em que todos aceitam regras convencionais de
convivência em troca do máximo de “liberdade”.
36. Entre as formas de subjetivismo ético, a mentalidade técnico-científica acentua a
“ética do projeto”, como extensão a toda a existência humana da atitude que caracteriza
a tecnologia moderna. Nela o ser humano impõe sua vontade à natureza, às coisas, às
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pessoas; procura tudo transformar e moldar segundo um projeto bem definido. Mais
ainda: o homem da era tecnológica transforma-se a si mesmo num projeto a ser
realizado a partir das próprias escolhas.
O político forja a sociedade, não a partir de utopias ideais, mas pela força de suas
próprias decisões; o empresário tudo orienta para a afirmação de seus próprios
produtos; a pessoa tudo investe na criação do próprio prestígio e na exaltação do próprio
nome. Estas atitudes buscam uma justificação teórica no “pragmatismo”.
37. Há pessoas, porém, que longe de assumirem e de manterem, de forma duradoura,
uma atitude coerente, tendem a modificar freqüentemente seu comportamento. Tendo
perdido as raízes, são facilmente expostas às pressões contraditórias da sociedade. Não
chegam a formular um “projeto” e buscam constantemente novas experiências. Misturam
ou alternam atitudes inspiradas em éticas diferentes, em concepções até opostas. Não
raro, tendências radicais defendem formas de vida infra-humanas, mas incoerentemente
aceitam a supressão do feto ou o aborto. Não raro, donos de jornais e emissoras
televisivas defendem a verdade e a honestidade na política, mas permitem a pornografia
e, mais grave, incentivam o relativismo e o subjetivismo no plano da moral pessoal.
Assim o homem moderno, que para certos ideólogos seria o ser humano autônomo e
maduro, liberto de preconceitos e submissões, na realidade aparece – aos observadores
perspicazes – como um ser inseguro e inconstante, com uma identidade fraca, com
atitudes narcisistas ou egocêntricas, características de uma psique mais infantil do que
adulta.
3. A crise ética da sociedade brasileira
3.1. Raízes da crise
38. A modernização do Brasil é relativamente recente, mas foi realizada de um modo
muito acelerado. São significativas as mudanças dos últimos 40 anos, quando se passou
de uma sociedade quase exclusivamente rural para uma sociedade industrializada e
urbana. Fase intensa nesta modernização se deu sem participação popular, aumentando,
assim, a distância entre a cultura do povo e os novos modelos culturais impostos e,
freqüentemente, importados (1964-1985).
39. O rápido crescimento da população urbana (de pouco mais de dez milhões, em 1950,
para cerca de cento e dez milhões hoje) fez com que grande parte de uma geração
nascida no campo entrasse em contacto com o mundo urbano, com o conseqüente
impacto quanto a antigos valores e padrões éticos da população. Hoje a influência da
cidade atinge, através dos diversos meios de comunicação, também o interior e difunde a
concepção “moderna” da vida, atraindo especialmente a juventude.
40. A sociedade brasileira ficou decididamente marcada pela desigualdade e por
diversidade étnica, geradoras de um dualismo ético. Há uma elite dominante, que
explora o trabalho, usa da violência, ostenta luxo, despreza e oprime as culturas indígena
e africana. Há os dominados, com sua ética popular, com seu jeito próprio de
sobrevivência e conservando a alegria, mesmo nas mais duras condições de vida.
41. A economia escravagista deixou como herança um “ethos” da Casa-Grande, com sua
“arrogância do poder”. Esse “ethos” atribui aos poderosos privilégios e mordomias.
Ignora o princípio moderno da “igualdade perante a lei”. “Quem pode, pode”. É a
constatação resignada ou complacente do povo. “Quem pode” no plano econômico ou
político, “pode” também no plano moral. O poderoso teria direito a tirar proveito do seu
poder, independentemente de critérios da lei e da justiça, mesmo se isto comportar que
a coisa pública seja reduzida a propriedade quase privada, subordinada aos interesses
particulares. Infelizmente, esta privatização do público continua hoje particularmente
forte.
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42. De outro lado, entre o povo, há aqueles que praticam a ética da esperteza, do
“jeitinho” e mesmo da malandragem. Para muitos, a contravenção se torna coisa normal.
Valoriza-se por demais a sorte como caminho para a riqueza (jogos de azar e loterias).
Outro caminho muito procurado é o pistolão e, também, o apadrinhamento por parte de
ricos, poderosos e políticos, com benefícios – em troca de favores, num sistema de
clientelismo.
43. Estas breves afirmações não querem desconhecer outros fatos e tendências. Não
podemos, por exemplo, esquecer que, entre os dois extremos, foram se introduzindo
novos comportamentos, com o suporte de novas condições sociais. Assim, por exemplo,
a colonização baseada em pequenas propriedades conservou uma forte marca religiosa,
regendo o comportamento ético. Mais recentemente, a formação de novas classes
médias leva, repetidas vezes, a manifestações de indignação e de protesto por parte
destas contra o comportamento dos poderosos.
44. Deveriam também ser lembradas aqui as relações entre ética e religião na sociedade
brasileira. Especialmente nos tempos da Colônia e do Império, o catolicismo procurou
afirmar os princípios de uma ética de inspiração cristã, fortemente marcada, contudo,
pelo contexto histórico. Legitimou-se uma ordem hierárquica na sociedade desigual, que
atribuía direitos e deveres diferentes a senhores e escravos, ricos e pobres, homens e
mulheres.
45. Nas últimas décadas, com a maior difusão do pluralismo religioso, é possível
observar, além da moral católica, duas correntes nitidamente distintas no plano ético.
Uma difunde uma ética de tipo puritano, que tem como pressupostos a rigorosa
observância da lei, tanto eclesiástica quanto civil, considerada expressão da vontade de
Deus, e a promessa do prêmio, nesta e na outra vida, ao comportamento eticamente
correto. Outra procura o bem do indivíduo. Seu pressuposto não é Deus que rege o
universo, mas a existência de forças em competição, contra as quais é necessário
assegurar a proteção. Note-se que hoje há ressurgimento da magia e do esoterismo,
manifestando desconfiança na ciência e na razão.
3.2. A situação atual: diversas faces da mesma crise
46. Os fatores da crise ética da nossa sociedade têm gerado a falta de honestidade, a
corrupção, o abuso do poder, a exploração institucionalizada e a violência, mas também
a deformação e a incerteza das consciências.
47. Há, na verdade, uma ruptura entre o indivíduo, que se fecha sobre si mesmo, e a
vida pública e os valores comuns, sobre os quais se ergue a sociedade. A dimensão
comunitária é enfraquecida, e prevalece a visão do ser humano como “indivíduo
consumista”. Hoje, a consciência das pessoas se sente, muitas vezes, confusa,
fragmentada, manipulada e submetida aos impulsos do momento, por falta de uma visão
mais consistente e objetiva de uma ética partilhada pela sociedade toda ou, ao menos,
por uma comunidade definida.
A sociedade parece não apenas pluralista, mas desagregada, marcada por formas
extremas de segregação (“apartheid”) social, descrédito da ação política, falta de
solidariedade.
48. Evitando generalizações na análise de uma situação tão complexa, deve-se notar,
especialmente, a contradição que marcou a história do País e que a modernidade vem
reforçar.
49. De um lado, temos uma parcela da população que se beneficiou com o
desenvolvimento e as transformações recentes e cujo poder e riqueza não cessam de
aumentar, acentuando ainda mais as desigualdades. Esta faixa mais avantajada da
população tende a agir de acordo com interesses individuais, guiada por valores
utilitários, a partir de uma concepção que justifica a desigualdade. Esta não inclui a
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preocupação com o bem-estar dos outros cidadãos. Prevalecem os princípios “cada um
por si e Deus por todos” e “levar vantagem em tudo”. Por isso, um sociólogo brasileiro
propôs defini-la como sociedade “pós-ética”. Ela se situa além da ética que deixou para
trás.
50. De outro lado, temos a parcela da população (a maioria!) que foi excluída do
processo de modernização ou foi prejudicada por ele. Não lhe foram dadas vantagens
materiais, nem efetivas possibilidades de participação política. Sente-se, de fato, “fora”
da sociedade moderna. Para boa parte dela vale o “salve-se quem puder”. Está numa
situação “pré-ética”, que a leva a recorrer mais à magia e ao maravilhoso do que às
formas religiosas com claro conteúdo ético.
Ela também não consegue reconhecer o que é “público”, pois não se sente vinculada à
sociedade como um todo, mas está em busca da sobrevivência, da solução de problemas
imediatos e inadiáveis. Daí também, muitas vezes, descuido e até vandalismo da parte
da população com os bens públicos.
51. A tendência crescente à concentração da renda, de um lado, e ao empobrecimento
da maioria, de outro, foi constatada, mais uma vez, num recente documento do IPEA
(Brasil: Indicadores Sociais, 1992): “O segmento do 1% mais rico mantinha, em 1981,
13% da renda total, parcela pouco inferior ao total apropriado pela metade mais pobre
da população (13,4%). Em 1990, o segmento 1% mais rico aumentou a sua participação
para 14,6%, e os 50% mais pobres tiveram a sua cota de renda diminuída para 11,2%,
aprofundando a diferença entre a maioria pobre e a minoria rica”.
52. Entre essas duas faixas de população, existe uma terceira faixa, onde é mais nítida a
reação a essas tendências e se manifestam os sinais do reencontro com a ética e da
conseqüente promoção do bem comum. Não se trata de uma área homogênea, nem
social nem culturalmente. Ela é caracterizada pela presença tanto de motivações
intelectuais, que têm como suporte setores ligados à modernização e que mantêm vivo o
ideal democrático de uma sociedade aberta à participação de todos, quanto de
motivações religiosas, particularmente do catolicismo que acentua a “doutrina social”, e a
necessidade de não reduzir a prática religiosa ao emocionalismo e ao intimismo, em
detrimento da solidariedade e da participação política.
Nesta área também se encontra a aspiração a conciliar valores fundamentais da ética
tradicional, desvestidos de formulações históricas de outras épocas, com as exigências
modernas de racionalidade e liberdade, numa abertura ao diálogo com todos os que
buscam a edificação de uma sociedade mais justa. Dessas aspirações participam também
as massas pobres conscientizadas e organizadas.
4. Em busca de uma rearticulação
53. Os historiadores têm observado que as épocas de crise da civilização têm despertado
uma reflexão mais ampla e vivaz sobre ética. Algo semelhante parece acontecer hoje, em
muitas sociedades e no Brasil.
54. Entre os sinais dessa reflexão e, ainda antes, de uma reação da opinião pública –
intelectuais, classes médias, jovens e, em muitos casos, de movimentos populares –,
podemos citar:
55. – o questionamento do comportamento de políticos profissionais que distanciam seus
interesses das aspirações dos eleitores, mostram pouca transparência no seu agir e se
envolvem sistematicamente na corrupção e no abuso de poder;
56. – os questionamentos levantados ao redor da formulação de novas leis,
regulamentando problemas de forte relevância ética, como as leis sobre família, aborto,
experimentação biológica e genética, eutanásia, drogas...;
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57. – a discussão sobre ética e economia, seja em termos mais amplos (a que está
conduzindo a economia atual, com suas rápidas mudanças, geradoras de vantagens para
poucos e de infelicidade e penúria para as grandes massas?), seja em termos mais
restritos e específicos (ética dos negócios ou ética da empresa);
58. – as pesquisas de bioética, que, há vários anos, acompanham o impressionante
avanço da biologia e da genética e de suas efetivas ou possíveis aplicações às pessoas
humanas, inclusive com o risco da manipulação do patrimônio genético da humanidade.
Deve-se prestar atenção à pressão que a mentalidade científica e técnica exerce sobre a
reflexão, às vezes desconsiderando as razões éticas em favor de uma ilimitada ânsia de
pesquisa e experimentação;
59. – os questionamentos mais amplos surgidos de certas aplicações ou conseqüências
do progresso técnico-científico, que são percebidas como ameaça para a própria
existência da humanidade. A questão se pôs, antes de tudo, em face do multiplicar-se de
armas atômicas ou nucleares, capazes de destruir muitas vezes a vida no planeta Terra,
e, depois, de armas químicas e biológicas, de controle incerto; mais recentemente,
cresce a consciência das ameaças ao equilíbrio ecológico, pela crescente poluição de ar,
água e terra, pela destruição da camada de ozônio, pelo “efeito estufa” etc.
60. – o interrogativo ético que surge do contraste entre a abundância de recursos
econômicos e técnicos, de uma parte, e a fome e a miséria, que destroem vidas
humanas, de outra. As interrogações se aprofundam na medida em que se percebe que
fome e miséria são fruto de injusta distribuição, desorganização e corrupção dos órgãos
governamentais, guerras etc.
61. Para essa reflexão, a Igreja Católica tem contribuído muito ativamente, por meio de
pronunciamentos pontifícios e episcopais, especialmente no campo da ética social e em
defesa da vida, assumindo uma abordagem sempre mais indutiva e concreta (Paulo VI,
Octogesima Adveniens, 1971; João Paulo II, Laborem Exercens, 1981; Sollicitudo Rei
Socialis, 1987; Centesimus Annus, 1991; CNBB, Exigências cristãs de uma ordem
política, 1977; Por uma nova ordem constitucional, 1986; Exigências éticas da ordem
democrática, 1989).
62. Não é exagerado concluir que nunca a humanidade teve tanta responsabilidade para
com o seu próprio futuro! Nunca precisou tanto de uma ética que ultrapasse os
interesses imediatos dos indivíduos e abra as perspectivas do futuro para a humanidade
inteira.
63. Esta preocupação inspira os recentes debates dos intelectuais e se manifesta nas
reações espontâneas das diversas classes sociais. Citamos, por exemplo, as muitas
manifestações de solidariedade popular que contrastam com o individualismo moderno; o
idealismo da juventude que reencontrou recentemente a capacidade de se manifestar e
de defender publicamente valores morais irrenunciáveis; a indignação de movimentos
contra a malversação da coisa pública; a informação e a denúncia por parte da imprensa
e de outros meios de comunicação, buscando a almejada transparência da administração
pública, dos três poderes constituídos e da vida política em geral.
64. A recriação da ética pelos novos movimentos sociais está apontando para novos
estilos de vida. Há, hoje, a emergência de um anseio profundo de liberdade na esfera da
realização da pessoa, a partir do mundo das aspirações e dos desejos; um senso muito
profundo do direito à diferença, à alteridade; um sentido novo das experiências
comunitárias em tensão entre o planetário (procura de universalização) e o pequeno
(emergência e reconhecimento do pluralismo social e cultural); a redescoberta do sentido
do prazer, da gratuidade, da celebração e da fantasia, que inclusive questiona a ética
moderna do trabalho e a relação do homem com a natureza; a abertura de novos
espaços para a experiência do sagrado na vida humana.
III. CAMINHOS DE UMA NOVA ÉTICA
10
65. Prevalece freqüentemente, hoje, a opinião de que a sociedade está tão mudada que,
em todos os campos, inclusive no da ética, as orientações do passado estão superadas. É
preciso procurar novos caminhos.
66. De outro lado, nem a tradição cultural, nem a própria ciência, com seu saber de tipo
cumulativo, ensinam a desconsiderar o passado. Pelo contrário, desconhecê-lo importa
no risco de repeti-lo, não de superá-lo. Comporta o risco de “inventar novamente a
roda”. Os novos caminhos da ética serão proveitosos e nos permitirão alcançar o avanço
de que necessitamos, se forem prosseguimento do que está vivo na tradição, em seus
valores éticos fundamentais.
67. No contexto atual, no campo da ética, teoria e prática esbarram em duas tendências
opostas. Uma tendência é a das éticas que pretendem enfatizar o aspecto da
normatividade. Procuram, antes de tudo, normas a partir da natureza, da religião, de
uma interpretação da realidade. Outra tendência é a das éticas de tipo subjetivista. Elas
valorizam unilateralmente a decisão da pessoa. Não fogem, porém, de concepções
acanhadas e reducionistas da liberdade e da responsabilidade.
Além dessas alternativas, vislumbra-se um horizonte mais abrangente.
1. Por uma “ética da solidariedade”
68. O ponto de partida correto é a análise da própria experiência ética e, sobretudo, do
ato ético. Examinaremos primeiro sua forma ou estrutura, depois seu conteúdo,
acrescentando o ponto de vista especificamente cristão e discutindo a relação entre ética
e religião.
1.1. A estrutura da experiência ética
69. A experiência ética é uma experiência que toda pessoa humana, que chegue ao
desenvolvimento de suas faculdades, faz e não pode deixar de fazer. Todo ser humano,
no momento de agir (ou seja, não simplesmente de fazer, de manipular objetos ou de
executar rotinas, mas de exercer sua liberdade na sociedade humana e na relação com
os outros e de visar conscientemente a um fim, imediato ou transcendente) coloca-se a
questão: o que é bem e o que é mal? o que é lícito e o que é ilícito?
70. Repare-se que aqui “bem” ou “mal” tem um sentido preciso, ético ou moral, não um
sentido qualquer. Muitas coisas podem ser “más”; os motivos, porém, são diversos. Há
um mal físico, conseqüência de eventos naturais: doença, tremor de terra, enchente...
Suscita em nós a reação da dor, da tristeza, da consternação, dirigidas sobretudo às
vítimas. Há um mal moral, quando está ligado à intencionalidade, à decisão livre (por
exemplo, um homicídio premeditado). Nossa reação é, então, de indignação, raiva,
condenação. Dirige-se ao autor do ato, ao agressor. Em outros termos, o mal físico pode
provocar em nós uma frustração; o mal moral suscita sentimento de culpa.
Inversamente, o bem físico suscita em nós prazer, gozo. O bem moral suscita em nós
aprovação, segurança, certeza do agir reto, mesmo quando esse agir pode nos custar
sacrifícios tremendos, dor, fadiga.
71. A consciência moral introduz na pessoa humana outro nível de avaliação da
realidade, um novo significado para acontecimentos e ações. Este nível se apresenta
como intransponível ou último. Ele julga todo o resto e não pode ser submetido ou
sacrificado a outro ponto de vista da consciência. Neste sentido, a consciência moral
transcende todos os níveis de consciência ou de intencionalidade do ser humano. É só
pela descoberta mais profunda e mais completa da verdade que a consciência pode ser
iluminada e corrigida, sem com isto sofrer violência. A consciência se apresenta – na
linguagem que tenta expressar simbolicamente sua experiência – como uma “voz” ou
uma “luz”. As religiões, inclusive a cristã, dirão: a voz de Deus, a luz de Deus. Porque o
imperativo moral manifesta-se à pessoa como algo que está no ser humano, mas que
11
não é dele, não se reduz à sua vontade. O ser humano se descobre não como dono do
mundo e dos outros, mas como responsável perante eles (responsável = chamado a dar
resposta à voz ou ao apelo da consciência). O ser humano descobre o que revela a
imensa dignidade de que é portador.
72. Na experiência ética o ser humano se manifesta propriamente como pessoa, como
sujeito livre, capaz de relação com outros seres, num plano de inter-subjetividade, de
reconhecimento mútuo. Esse relacionamento social e comunitário tem uma dimensão
histórica que, sem anular o caráter último da consciência, condiciona seus atos, seus
juízos sobre as situações concretas. Antes, porém, de analisar os atos concretos da
pessoa, em solidariedade com os seus semelhantes, convém aprofundar brevemente a
relação da consciência moral com a liberdade e a verdade.
73. O termo “liberdade” é usado freqüentemente com sentidos diversos. Daí, em certa
medida, as atitudes opostas da cultura contemporânea perante a liberdade: da negação
(o ser humano é apenas produto do meio, das estruturas) até a mitização (a liberdade
humana é absoluta; o ser humano se identifica com a sua liberdade).
74. É relevante, para a questão ética, compreender corretamente as diversas faces da
liberdade humana. A vocação à liberdade é um dado antropológico fundamental, que se
exprime mediante escolhas e atos determinados por mim e não por outrem. Nem todos
os atos que eu faço são plenamente meus. Podem ser determinados por fatores que eu
não quis e não consigo controlar. Os atos realmente meus são os que manifestam minha
liberdade, minha escolha, como escolha moral, ou seja, consciente e consentida, querida.
Logo, eu sou livre porque sou moralmente responsável. O apelo moral, sempre iluminado
pela percepção da verdade, é fundamento e norma da liberdade, que é suscitada por
ele, e a liberdade é a condição de minha resposta ao apelo moral.
A liberdade humana não é absoluta: ela dispõe livremente das condições reais em que a
pessoa se encontra. Segundo uma conhecida fórmula, a liberdade é “o que eu faço
daquilo que os outros fizeram de mim”. Por isso, a liberdade é tanto um dado quanto
uma tarefa, uma resposta crescente aos apelos éticos que emergem na história. A
pessoa humana não é absolutamente livre, mas é livre de tornar-se livre ou de renunciar
à sua liberdade.
75. Há dois modos principais de renunciar à liberdade: a submissão e a alienação. Do
ponto de vista ético, há freqüentemente na modernidade um equívoco: o de pensar a
liberdade como simples autonomia da pessoa, que não se sujeitaria a ninguém. Na
realidade, a pessoa humana se torna livre enquanto não está submetida a outro indivíduo
humano, mas principalmente enquanto aceita a voz da consciência, o apelo a uma vida
ética, em que são reconhecidos direitos e deveres de todos (não apenas os meus). Além
disso, se é verdade que a liberdade humana é uma liberdade a ser realizada, que pode e
deve crescer, ela exige o empenho permanente da libertação, a luta contra a “alienação”,
contra a situação de quem está sendo impedido de realizar suas possibilidades. A
liberdade se realiza plenamente no amor oblativo.
76. A questão maior, hoje, talvez seja não a da liberdade, mas a da verdade da
consciência. É ela realmente a voz que nos manda fazer o bem, ou é apenas uma ilusão?
Apesar de aceita por muitos, tal opinião não se baseia sobre uma análise rigorosa.
Confunde certos conteúdos contingentes da consciência com a sua estrutura. Esta não
se apresenta como obrigando em nome de uma autoridade humana, mas como apelo a
buscar e fazer o bem no convívio responsável com os outros. Não há dúvida, isto exige
uma reflexão mais séria e atenta sobre o conteúdo da consciência moral.
1.2. O conteúdo da exigência ética
77. Deve-se distinguir aqui entre um conteúdo fundamental, que pode ser formulado em
termos gerais como o imperativo “faça o bem!”, e os desdobramentos e as aplicações
desse conteúdo numa infinidade de normas e orientações de comportamento. Partindo
12
dessas últimas, pode-se ter a impressão não apenas de uma imensa variedade, mas até
de relativismo cultural: cada cultura tem suas normas éticas, que seriam válidas em
relação ao respectivo contexto.
78. Partindo, porém, da busca de um conteúdo universal ou fundamental, chega-se à
constatação de que “fazer o bem” é, antes de tudo, dar prioridade efetiva às exigências
do ser humano. Estas não são apenas as necessidades materiais, relativas à
sobrevivência, mas também as aspirações profundas, voltadas para a realização da
dignidade e do destino transcendente das pessoas. Isto parece constatado
historicamente, na medida em que a extensão dos grupos humanos e de sua organização
política fez crescer também a consciência de que “agir bem” é procurar o bem de todos
os seres humanos em todas as suas dimensões.
Certamente esta é a convicção das sociedades ocidentais, sob a influência da tradição
bíblica e cristã. Não somente pela estrutura, mas também pelo conteúdo, pode-se falar
em “ética da solidariedade”.
79. Por esta razão o ser humano só conquista a sua realização onde, em liberdade e
responsabilidade, as pessoas reconhecem mutuamente sua dignidade, constituindo uma
comunidade igualitária: é pela mediação dos outros que cada homem se constitui sujeito
livre e responsável, de tal modo que qualquer forma de dominação do homem sobre o
homem frustra o processo histórico de conquista da humanidade do homem. A liberdade
humana só se efetiva quando não se reduz à interioridade subjetiva, mas se realiza nas
leis, nos costumes e nas instituições, que configuram a vida concreta das pessoas.
1.3. A ética numa perspectiva bíblica
80. Para nós cristãos, é claro que só por Jesus Cristo “temos acesso à verdade sobre
Deus, sobre o homem, e a possibilidade da vida verdadeira” (João Paulo II, Discurso
Inaugural, DSD, 6.3)6 e que esse dom de Jesus Cristo não violenta nossa liberdade, mas,
ao contrário, a completa e plenifica. Para compreender a realidade de Jesus Cristo,
partimos da Bíblia, que nós cristãos aceitamos como norma de fé e ação. Ela atesta uma
experiência religiosa única, em que o povo de Israel e o novo “Povo de Deus”, a Igreja,
sentem-se convocados pela iniciativa de um Deus pessoal que os escolhe gratuitamente.
Esta experiência da bondade de Deus gera exigências éticas.
81. No Antigo Testamento a relação entre Deus e seu povo gera a “moral da Aliança”.
“Sede santos, porque eu sou santo” (Lv 11,45; 19,2 etc.)7. Expressão fundamental dessa
moral é o Decálogo (Ex 20,2-17 e Dt 5,6-21)8. Ele é fundado sobre a Aliança entre Deus
e o povo, que ele libertou do Egito. Exprime as exigências incondicionais e, num certo
sentido, mínimas para que o povo permaneça em comunhão com o seu Deus.
Afastar-se do Decálogo seria cessar de ser Povo de Deus. Seria a maldição, a desgraça, a
recusa da liberdade recebida. Todos os mandamentos, portanto, brotam do primeiro.
Porque pertence a Deus, o povo israelita deve rejeitar a idolatria, repousar no sábado,
honrar os pais, evitar homicídio, adultério, furto, falso depoimento...
82. É significativo que a fidelidade ao Deus Javé se expresse mais na observância das
exigências éticas do Decálogo do que em atos de culto. É o que, de muitas formas,
enfatizam os profetas de Israel (cf. Is 1,10-20; 58,1-12; Am 5,21-27; Os 6,6; Mq 6,5-8
etc.)9. Eles revelam que Deus tem para seu povo uma missão, que se manifesta sempre
mais como universal. Por isso, a conduta ética de Israel – mesmo em assuntos como
falsificar os pesos ou deixar de cumprir um rito – assume um alcance extraordinário.
Dela depende a salvação ou a ruína de povos inteiros (cf. Am 1,3 - 2,16; 8,4-8)10. Nunca
decisões éticas limitadas e circunscritas foram investidas de tanta responsabilidade.
Diante das fraquezas de Israel, os profetas prevêem uma “nova Aliança”, em que Deus
escreverá sua Lei no próprio coração do povo (Jr 31,31-34; Ez 36,22-32)11, perdoando
todos os pecados dele e renovando seus dons com mais generosidade ainda.
13
83. O Novo Testamento descreve a nova Aliança realizada em Jesus de Nazaré, o Cristo
ou Messias, especialmente em sua morte e ressurreição. Em Jesus, os discípulos
reconhecem a encarnação do Filho de Deus na humanidade e o ápice insuperável da
história da salvação. O Novo Testamento atesta, portanto, em primeiro lugar, um
acontecimento, um dom de Deus, a maior expressão da sua graça. Cristo é o Evangelho
vivo do Pai, portanto, a “boa-nova” da realização da nova Aliança e da nova relação que
Deus estabelece com o seu povo. Ela é designada como “Reino” ou “governo” de Deus,
como exercício amoroso da sua soberania, como presença fiel e definitiva ao lado do seu
povo, na pessoa de Jesus: “Eu estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt
28,20)12. É uma promessa feita a todos os que se dispõem a segui-lo, em primeiro lugar
aos pequenos e pobres.
84. O anúncio da aproximação e inauguração do Reino por parte de Jesus comporta,
antes de tudo, o anúncio profético da conversão de todos os homens a Deus, porque o
tempo se cumpriu. É sobretudo proclamação de felicidade para os pobres e oprimidos:
“Felizes vós, os pobres... os que tendes fome... os que chorais...” (Lc 6,20-21)13. Mas
este anúncio se transforma em exigência ética na “moral das bem-aventuranças”. Feliz é
também aquele que escolhe ser pobre, que torna humilde e confiante em Deus o seu
coração (Mt 5,3)14. Feliz é aquele que tem fome e sede de justiça (Mt 5,6)15. Feliz é
aquele que não se limita a chorar, mas tem (como Deus!) um coração misericordioso e
pratica as obras de misericórdia (cf. Mt 5,7; Lc 6,36; Mt 25,31ss)16. Feliz é aquele que
promove a paz e o bem ( Mt 5,9)17. Feliz é aquele que imita Jesus (Mt 11,29)18.
85. No Reino de Deus já presente, a Lei antiga não é abolida, mas aperfeiçoada (cf. Mt
5,17-20)19. O Decálogo é conservado e radicalizado (cf. Mt 5,21-48; 19,16-22; Mc
10,17-22)20. As disposições antigas, que faziam concessões à “dureza de coração” são
revogadas (Mt 19,1-9; Mc 10,1-12)21. Faz parte dessa busca de perfeição a insistência de
Jesus sobre a interiorização da Lei (cf. Mc 7,18-23)22, retomando uma exigência dos
profetas. Eles colocam o acento sobre as grandes atitudes éticas mais do que sobre as
minúcias de preceitos particulares (cf. Mt 23,23, que alude aos grandes profetas, ou Mt
9,13, que cita Os 6,6)23. Daí também a concentração da Lei nos mandamentos do amor,
a Deus e ao próximo, que tendem a se fundir num só, na busca do núcleo gerador da
multiplicidade das prescrições (613, numa conhecida interpretação dos rabinos). Em Mt
22,37-40, o primeiro mandamento é tirado de Dt 6,4: “Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente”. Como no Antigo
Testamento, é aqui que toda a “Lei” encontra o seu fundamento. Pois Deus não exige
apenas atos, mas a entrega ou o amor da pessoa enquanto tal (cf. Mc 12,17: “Dai a
Deus o que é de Deus”)24.
Característica de Jesus é a relevância atribuída ao segundo mandamento, “semelhante”
ao primeiro: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39)25. Na formulação de
Lucas, a articulação dos dois mandamentos é ainda mais clara (cf. Lc 10,25-28)26.
Em João, o mandamento se torna um só: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”
(Jo 13,24)27. O amor de Deus se manifesta em Jesus, na sua doação até o fim (13,1)28,
que coroa uma vida toda transcorrida “fazendo o bem” (At 10,38)29, curando, perdoando,
servindo, manifestando uma inversão radical dos valores e revelando novo rosto do Pai.
Jesus se torna o modelo vivente da existência cristã segundo a vontade de Deus. Cristo é
a nossa Lei (cf. 1Cor 9,21; Rm 10,4; Gl 2,19-20; Fl 1,21)30.
86. Se o primeiro mandamento era o fundamento de tudo, o segundo mandamento – o
amor ao próximo – é como a regra prática, que indica, em síntese, o que fazer: “Tudo o
que desejais que os outros vos façam, fazei-o vós mesmos a eles” (cf. a regra áurea de
Mt 7,12)31. Esta regra já aparecia em Lv 19,18, mas o “próximo” era tomado em sentido
restritivo: o concidadão, o parente, o amigo. Jesus adota a interpretação radical: todo
ser humano pode ser o meu próximo; eu posso tornar-me próximo de qualquer um,
inclusive do meu inimigo (cf. Lc 10,29-37; 6,27-35; Mt 5,43-48)32. Confirma-se, assim, a
universalidade do mandamento de Jesus e a dimensão ética ineliminável de uma
14
existência religiosa, onde a fidelidade a Deus passa pelo amor aos irmãos (cf. também
1Jo 4,20; Rm 13,8-10; 1Cor 13)33.
87. A ética de Jesus revela assim seu radicalismo, que não é utopia irrealizável, mas
capacidade de descer às raízes do agir verdadeiramente bom e justo (cf. o Sermão da
Montanha, particularmente Mt 5,20-47)34. A ética de Jesus tem um caráter dinâmico.
Consegue ser fermento que lentamente faz crescer a massa (cf. Mt 13,33)35. Tem um
caráter libertador, que o apóstolo Paulo ressaltará (cf. Gl 5,1-13; 1Cor 7,22; 2Cor
3,17)36 e que as primeiras gerações cristãs procurarão viver com entusiasmo, apesar do
contexto muitas vezes adverso. Conduz até o cristão a se superar, sob o influxo da
graça, para optar por uma atitude ainda mais perfeita diante do que já é eticamente bom
(cf. Mt 19,12)37. Ou a praticar renúncias em vista de uma realização em Cristo, na
dimensão de vitória da Cruz.
88. Viver radicalmente a moral do Reino nas condições presentes, ainda marcadas pela
presença do mal, que se mistura qual joio ao trigo (cf. Mt 13,30)38, exige dos discípulos
de Jesus capacidade de discernimento e de opção (cf. Mt 6,24)39. O próprio Jesus deu
indicações concretas a respeito do tempo atual, em que subsistem instituições
deformadas pela injustiça e o pecado. Nelas o cristão deve estar presente, sem ceder à
tentação da fuga, de um “êxodo” fora deste mundo (cf. Jo 17,15)40. O cristão busca o
que a própria sociedade pagã considera bom (Fl 4,8)41, mas recusa o que é incompatível
com a vontade de Deus, mesmo que isto lhe custe a perseguição e a cruz, a exemplo do
Mestre (cf. Mt 10,16-39; 1Pd 2,20; 3,13-17)42.
89. Os apóstolos e discípulos de Jesus desenvolvem o discernimento e a prática de uma
ética cristã, em contacto com o mundo judaico e com o helenismo. Paulo vê, no dom do
Espírito Santo, o dinamismo que conduz os cristãos a viver “em Cristo” (cf. Rm 6,3-4;
8,5-6)43. O Espírito é a “Lei” nova, que substitui a antiga. Ela está inscrita “não em
tábuas de pedra, mas em corações de carne” (2Cor 3,3)44. Ela liberta para uma liberdade
que não é libertinagem, mas chamado à solidariedade e ao serviço (cf. Gl 5,13)45. O
próprio apóstolo dá o exemplo: “Livre como era, eu me fiz servo de todos” (1Cor 9,19)46.
A comunidade apostólica de Jerusalém pratica o amor fraterno, a predileção pelos
pobres, a comunhão de bens, o serviço aos mais necessitados, no respeito da diversidade
das culturas (cf. At 2-6)47.
90. Sem desprezar as indicações da ética do seu tempo, Paulo e os outros autores do
Novo Testamento explicitam ulteriormente as orientações da vida cristã na situação
histórica concreta: com relação à comunidade eclesial (1Cor 12; Fl 2,1-5; Ef 4,25-32;
Cl 3,12-17)48; com relação à família e à vida conjugal (1Ts 4,3-4; 1Cor 7,1ss; Ef 5,2132)49; com relação aos deveres cívicos e políticos (Rm 13,1-5; 1Pd 2,13-17)50. Uma
confrontação cuidadosa com textos aparentemente semelhantes do judaísmo e do
helenismo mostra que as orientações cristãs divergem não apenas na motivação
(religiosa e cristológica), mas também em certos conteúdos. Os cristãos não perdem a
consciência da incompatibilidade ética entre suas convicções e determinados
comportamentos, entre o Evangelho e o mundo, entre as obras do Espírito e as obras da
carne (cf. Rm 12,1-2; Gl 5)51. Sobretudo, perante as pretensões totalitárias e idolátricas
do poder político, identificado com a Besta, movido por um projeto satânico (Ap 13,12)52, os cristãos se dispõem à resistência até ao martírio.
91. A moral do Novo Testamento revela, hoje, sua atualidade sob diversos enfoques.
Enquanto voltada para uma perspectiva que valoriza integralmente a pessoa em sua
solidariedade com o “próximo” e em sua imersão na história, responde às exigências da
ética que hoje se faz necessária. Enquanto concentrada ao redor de um forte núcleo
inspirador, ela pode renovar-se continuamente, questionando as determinações e
aplicações secundárias, geradas ao longo da história, no embate com as diferentes
situações culturais e sociais, ainda resistentes aos valores evangélicos. Enquanto
inspirada não apenas por um ideal utópico, mas sustentada e motivada pela esperança
viva do Reino de Deus, manifestado na presença histórica de Jesus Cristo, a ética cristã
encontra sempre novo dinamismo na busca de um efetivo reconhecimento da dignidade
15
das pessoas e de sua solidariedade universal, sem exclusão de ninguém. Enquanto
interioriza a lei, a ética cristã responde à valorização do sujeito humano e ao mesmo
tempo questiona o ser humano e a sociedade acerca das raízes de atitudes e
comportamentos.
1.4. Ética e religião
92. Depois de ter examinado, em sua estrutura e conteúdo, a experiência ética,
invocamos a perspectiva bíblica e cristã. Queremos, agora, retomar brevemente a
questão das relações entre ética e religião.
93. A análise do ato ético, do agir humano consciente e responsável, mostra que a
exigência ética se impõe a todo ser humano, independentemente ou antes de uma
interpretação religiosa explícita. A tradição cristã desde cedo reconheceu, retomando
uma afirmação bíblica, que também o pagão podia, pela sua consciência, reconhecer a lei
moral, distinguir o bem ou o mal (cf. Rm 1,24-32)53. O próprio Jesus, quando apresenta
sua interpretação do amor ao próximo, por meio de parábolas, descreve o agir do
samaritano (Lc 10,25-37)54 e do pagão (Mt 25,31-46)55 como um agir que não é ditado,
diretamente, pela fé ou pelo amor a Deus.
94. Estas constatações nos levam a concluir que a religião e, em particular, a religião
cristã não anula a autonomia da ética.
95. Mas a religião não deixa de ter com a ética uma relação mais ampla. Salientamos
três aspectos.
Em primeiro lugar, nossa análise do ato ético procurou mostrar que ele sempre constitui
uma abertura à transcendência. O apelo para “agir bem”, que se apresenta à consciência
de cada ser humano, surge como a voz de alguém que nos ultrapassa, não como a
simples vontade do nosso eu.
Num segundo passo, surge a interrogação: de quem é esta voz? que relação existe entre
minha experiência ética e a interpretação religiosa da realidade? De fato, existem
religiões que atribuem extrema importância à ética. É o caso das religiões “universais”,
que se desvincularam dos laços de uma tradição cultural particular, para abrir-se, em
princípio, a toda a humanidade. É o caso da religião bíblica, que interpreta a própria fé
como responsabilidade diante de Deus. E, em nome da Bíblia, surgiram muitas vezes
“seitas” e movimentos reivindicando, com rigor, uma conduta ética que a massa dos fiéis
cristãos teria perdido. Mas há também religiões que dão à ética uma ênfase menor. Hoje
ressurgem ou emergem formas de religiosidade que podem constituir uma fuga, talvez
inconsciente, das responsabilidades éticas.
96. Enfim, o agir eticamente correto, o comportamento justo, não garante a felicidade. O
livro de Jó e outros textos bíblicos refletem sobre a provação do justo. Na tradição cristã,
o justo por excelência passa pelo martírio da cruz, como tantos outros mártires de uma
causa justa. Só a religião pode responder à pergunta sobre o futuro; pode nos dizer o
que esperar. Só Deus pode suscitar a esperança (cf. Hb 11,1)56. É a fé religiosa – não
apenas católica, mas também moldada pelas tradições indígenas e africanas – que, de
fato, tem sustentado a esperança de vida do nosso povo e lhe tem dado ânimo para
assumir suas responsabilidades éticas, mesmo em condições extremamente adversas de
opressão e sofrimento.
2. Critérios para a ação
97. Estabelecidos os fundamentos e os conteúdos primeiros e universais da ética, é
preciso ainda explicitar algumas indicações básicas, que ajudem a pessoa a passar dos
princípios à ação.
2.1. Consciência e normas éticas
16
98. A análise da consciência moral revela dois aspectos da sua atuação, que na história
foram indicados com denominações distintas. A consciência, que podemos dizer
fundamental, discerne os princípios éticos e, particularmente, aquele imperativo que
existe em toda pessoa: “faça o bem!” A consciência, porém, encontra, num segundo
momento, na hora de decidir os atos concretos, a exigência de julgar qual é, em
determinadas circunstâncias, o ato reto (correto ou certo).
99. É evidente que, pela variedade das circunstâncias e a novidade que podem
apresentar, a decisão final acerca de um ato concreto pode ser difícil. A pessoa,
retamente intencionada, que sinceramente procura o bem, deve fazer um esforço
proporcional para discernir e realizar o ato eticamente correto. Sem dúvida, isso lhe será
mais fácil se nela já estiver amadurecida uma atitude (hábito ou virtude) voltada para o
bem e se a prática do discernimento e da reta formação da consciência for permanente.
100. Nessa perspectiva, a tradição cristã afirma o valor da consciência a partir de Jesus,
que fala do “coração”. Paulo afirma que a consciência deve ser respeitada, seja no cristão
conduzido pelo Espírito (Rm 9,1; 2Cor 1,12)57, seja no pagão (Rm 2,15)58, seja quando
ela estiver no erro (Rm 14,1-15; 1Cor 8)59. Santo Agostinho chega a dizer que na
consciência está a única “morada de Deus”: “Aquele que não é contido em lugar nenhum,
tem por morada a consciência dos justos” (Enar. in Ps. 45: PL 36, 520). O recente
Catecismo da Igreja Católica (n.1778)60 cita um texto de J. H. Newman: “A consciência é
uma lei do nosso espírito, mas que o supera, que nos dá ordens, que indica
responsabilidade e dever, temor e esperança... a mensagem daquele que, no mundo da
natureza como no da graça, nos fala verdadeiramente, nos instrui e nos guia. A
consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo” (Carta ao Duque de Norfolk, 5).
Também a Gaudium et Spes (nº 16)61 fala da consciência como “o centro mais íntimo e
secreto do ser humano, o santuário onde ele está sozinho com Deus e onde escuta a sua
voz”.
101. Igualmente forte é, na tradição cristã, a insistência sobre a formação da consciência
e sua docilidade à “lei” ou vontade de Deus. Na Igreja primitiva, contudo, houve uma
polêmica acerca do valor da lei de Deus, por um conflito entre cristãos ligados à
concepção predominante no judaísmo e a interpretação mais radical de Paulo (cf. Gl
2,15-21; Rm 7)62. Na doutrina de Paulo, a lei antiga não salva, mas revela o pecado. A
“lei nova”, a de Cristo, é o próprio Espírito Santo (Rm 8,2)63, que conduz interiormente o
cristão (cf. Rm 15,13.19; Gl 5,16. 18; 1Cor 2,10ss.; 3,16; Ef 1,17-18 etc.)64. Esse
“Espírito de vida” não se impõe externamente, como “letra que mata” (2Cor 3,6)65.
102. Comenta, porém, São João Crisóstomo: “Nossa vida deveria ser tão pura que não
precisasse de escrito nenhum: a graça do Espírito Santo deveria substituir os livros. E,
como estes estão escritos com tinta, assim os nossos corações deveriam ser escritos pelo
Espírito Santo. Somente porque perdemos essa graça, devemos utilizar os escritos. Mas
quanto melhor era o primeiro modo! Deus nos mostrou claramente (...). Aos discípulos,
Jesus não deixou nada por escrito, mas prometeu-lhes a graça do Espírito Santo: “Ele –
disse – ensinar-vos-á todas as coisas” (...). A nossa vida, logo, deveria ser pura, de
forma que, sem ter necessidade dos escritos, os nossos corações ficassem sempre
abertos à guia do Espírito Santo... Pois é o Espírito Santo que desceu do céu quanto foi
proclamada a nova lei, e as tábuas que ele gravou nessa ocasião são muito superiores às
primeiras: porque os apóstolos não desceram do monte trazendo nas mãos, como
Moisés, tábuas de pedra; mas vieram trazendo o Espírito Santo em seus corações; que
se tornaram – mediante a sua graça – uma lei e um livro vivos” (In Matth., Hom 1, n. 1:
PG 57,13-15).
103. Em outras palavras, o cristão que é dócil ao Espírito não precisa de lei “externa”.
Mas, em razão da sua fragilidade, para a grande maioria das pessoas, mesmo cristãs, as
leis são um meio pedagógico necessário para formar sua consciência, orientar sua ação,
aprender a discernir concretamente o bem. São um dom de Deus, oferecido, como gesto
de amor, para capacitar a viver plenamente a vocação. Entre as leis, pode-se distinguir
17
uma hierarquia: a primeira de todas as leis (fundada no amor a Deus) é a do amor
universal, imparcial e concreto para com todas as pessoas humanas. Os mandamentos
do decálogo (não matar, não cometer adultério, não furtar...) são expressões
fundamentais desta mesma lei. A consciência das pessoas – tanto no Estado como na
Igreja – será regulada também por outras leis, de caráter mais provisório, que devem
ser reformadas com a evolução dos tempos, para que sejam melhor expressos – em
novos contextos – os valores fundamentais (sobre a lei, cf. Catecismo da Igreja Católica,
1950-1986)66.
104. A confrontação da lei moral com situações específicas, especialmente com casos
novos e inéditos, e, mais do que isso, a atenção a novos desafios éticos, que esperam de
indivíduos e comunidades uma resposta crítica, exigem por parte de cada qual um
trabalho de discernimento. Na crise ética atual, a necessidade de discernimento é
urgente. A pessoa honesta, o cidadão responsável, o cristão convicto, que querem agir
coerentemente, na busca da solidariedade com a família humana, não podem
simplesmente remeter suas decisões à ciência ou à técnica (que, como vimos, tendem a
prescindir da ética), nem à opinião pública, dominada pela incerteza, pelo relativismo e
pelo subjetivismo.
Ao contrário, a sociedade precisa, hoje, de indivíduos capazes de ir contra a corrente;
que defendam, em nome da ética, normas e práticas autênticas; que superem o
oportunismo, o utilitarismo e o egocentrismo mesquinho; que estabeleçam relações mais
humanas; que optem pelo interesse de todos.
105. A pessoa comum, para buscar o agir reto nessas condições, valer-se-á não apenas
da reta intenção, mas de sua própria experiência de vida, na qual procurará discernir
entre positivo e negativo, entre fidelidade ao ideal ético e eventuais fraquezas. Contará
também com sua relação com a comunidade, em seus diversos níveis, acolhendo
criticamente as tradições de sua cultura, as leis da sociedade, as orientações de sua
religião, as decisões das autoridades. Discernir e avaliar significa, antes de tudo, procurar
compreender e articular a própria experiência com a situação comunitária e os desafios
do futuro. Muitos fatores contribuem para uma avaliação prudente, que pondere os
diversos elementos em jogo, inclusive os apelos à mudança e à ação que estão inscritos
no presente e apontam para um futuro novo.
106.As condições do nosso tempo exigem novas atitudes também no campo do
discernimento ético. Quanto mais crescem os vínculos de solidariedade entre pessoas e
povos, quanto mais os atos humanos repercutem sobre a convivência e o meio ambiente,
exercendo um peso determinante sobre o futuro do planeta Terra, tanto mais o
discernimento ético supõe uma pesquisa séria das conseqüências sociais e ecológicas dos
próprios atos. Isso pode e deve ser realizado, especialmente, no âmbito das diversas
profissões e nas áreas técnico-científicas. Estas podem contribuir grandemente para o
verdadeiro progresso humano, se não se limitarem à busca da utilidade instrumental de
suas conquistas, sem medir-lhes as conseqüências éticas em todas as dimensões do
humano.
107. A situação histórica em que cada pessoa se encontra inserida não constitui apenas
um condicionamento, mas um apelo. Os cristãos dizem um “kairós”, isto é, um tempo
decisivo, que abre uma oportunidade única de realização. Trata-se de um apelo não
apenas a reconhecer algo que é bom para a pessoa e a sociedade, mas a agir corajosa e
criativamente. Não é apenas luz para a inteligência; é chamado à decisão, à
determinação da liberdade.
108. Concluindo, pode-se afirmar que a educação cristã da consciência será, antes de
tudo, educação para a docilidade ao Espírito e educação para o amor, alma e síntese de
toda a lei moral. Também pode-se dizer que será educação para as virtudes (cf.
Catecismo da Igreja Católica, 1803-1829)67, para as “atitudes firmes e estáveis” na
procura do bem, mais do que procura escrupulosa de determinar regras e preceitos para
todo e qualquer caso. Finalmente, será educação para o discernimento prudente e
18
criativo, que colhe a oportunidade de contribuir para a realização de uma nova
sociedade.
2.2. Comportamento individual e ética social
109. Na perspectiva cristã, não há separação entre conversão individual e reforma das
estruturas sóciopolíticas, entre moralidade pessoal e ética social (cf. Catecismo da Igreja
Católica, 1888; Doc. de Puebla, n. 1155, 1221)68. O pensamento cristão julga impossível
construir uma sociedade bem ordenada, que conjugue liberdade e solidariedade, sem que
os indivíduos procurem inspirar seu comportamento em critérios éticos.
110. No mesmo sentido, faz parte da busca de uma nova ética a crítica da concepção
liberal da democracia, que se baseia apenas na aceitação das “regras do jogo”. Procurase, ao contrário, encontrar um consenso substancial quanto aos valores que devem reger
a sociedade atual, indispensáveis para o efetivo reconhecimento da dignidade da pessoa
humana.
111. Se, como vimos, ético é o comportamento que tem por princípio a realização de
todos, não haverá comportamento ético no indivíduo sem uma dimensão política. A
relação com o outro necessita da mediação de canais de informação e participação nas
decisões, de instituições e estruturas adequadas, que reduzam as desigualdades sociais.
112. Inversamente, uma sociedade dominada por um sistema econômico e político aético
desestimula a moral individual e exige do cidadão consciente uma atitude crítica
perspicaz e uma firmeza corajosa, quando não heróica, para inverter a tendência e
permanecer fiel à honestidade e à justiça.
113. Coloca-se, de qualquer forma, o problema de um possível conflito entre a
consciência do indivíduo e a vontade do Estado, seja ele autoritário, seja democrático e
respeitoso dos direitos individuais. O conflito pode ter origem nas convicções religiosas
do indivíduo. A Igreja Católica deseja que a liberdade religiosa seja respeitada pelo
Estado, sem outras restrições que não aquelas absolutamente necessárias, como no caso
em que certas práticas religiosas implicassem conseqüências negativas para outras
pessoas ou estabelecessem formas de discriminação, o que negaria a uns o direito
exigido por outros (cf. Concílio Vaticano II, Dignitatis Humanae, 7)69.
114. O Estado não pode forçar alguém a agir contra a sua consciência; só pode impedi-lo
de realizar ações prejudiciais ao bem comum ou à ordem pública. Em geral, o uso da
força é lícito somente em último caso, depois de ter tentado outros recursos, quando
uma pessoa ou grupo se recusam a abandonar um comportamento mau e injusto ou a
praticar ações a que estão moral e legalmente obrigados. Este princípio deve ser
lembrado porque, em nossa sociedade, não apenas a autoridade recorre com demasiada
facilidade ao uso da violência, provocando freqüentemente vítimas inocentes, mas até
grupos privados generalizam o uso da violência, para encobrir ou impor atividades
criminosas, e outros grupos recorrem a outras formas de agressão e de manipulação
cultural.
115. Mais amplamente ainda, devemos nos perguntar se, ao contrário da propalada
convivência pacífica entre os cidadãos e da solidariedade nos meios populares, cidades e
regiões do nosso país não estão se transformando em terreno de um “bellum omnium
contra omnes”, uma espécie de guerra de todos contra todos, não somente pelo
freqüente uso da violência física, mas também por um espírito de agressividade mútua,
de competição e de individualismo exacerbado.
116. Neste momento de crise da sociedade e de desagregação de muitas das antigas
formas de solidariedade, que deixam lugar à defesa a qualquer preço dos interesses
particulares ou corporativos, somente uma redescoberta de uma ética verdadeiramente
universal poderá contribuir à reconstrução de uma sociedade reconciliada. Aos cristãos e
19
a todas as pessoas de boa vontade renovamos o apelo para que sejam “construtores de
paz” (cf. Mt 5,9)70.
2.3. A pessoa entre fracasso e realização
117. A violência e a injustiça são, hoje, o sinal mais evidente do fracasso da nossa
sociedade no plano ético. Além de uma leitura sociológica das causas dessa situação,
como cristãos fazemos uma leitura teológica. Uma ênfase excessiva sobre o pecado
individual, de um lado, mesmo no meio da tradição católica, e a recusa moderna da
noção de culpa, por outro lado, têm contribuído para a “perda do sentido do pecado”,
percebida e denunciada pelo Magistério. Ela manifesta não apenas uma menor
sensibilidade religiosa, enquanto o sentido do pecado está intrinsecamente ligado à
responsabilidade perante Deus, mas também uma menor sensibilidade moral, que afeta
a todos, mesmo aqueles que não queiram fazer uma explícita profissão de fé.
118. Convém frisar como os pecados individuais geram “estruturas de pecado” chamadas
também, por analogia, “pecados sociais” (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1846-1876)71.
É significativo que já o Apóstolo Paulo usasse quase exclusivamente o termo “pecado” no
singular, para indicar uma força personificada, que exerce uma tirania sobre a vida das
pessoas humanas, reduzidas, assim, a uma condição de alienação ou de escravidão (cf.
Rm 5,12-21; 6,17-20; 1Cor 15,21; Ef 2,3; Gl 5,17-21)72. O Apóstolo – e com ele a Igreja
– acredita, porém, que Cristo venceu o pecado. A plenitude da salvação vem da graça de
Cristo, como dom gratuito de Deus, acessível a toda pessoa humana, libertando-a do
pecado e do império da injustiça e da iniqüidade (cf Rm 5,20)73. Esta libertação não é
apenas dom ou perdão. Ela suscita a necessidade de uma resposta, que corresponda ao
amor do Deus libertador. O cristão é chamado a se empenhar no caminho de sua
libertação e da libertação da humanidade, fazendo do dom recebido também uma tarefa
permanente, um empenho cotidiano, que inspira toda a sua vida.
119. Devemos reconhecer que o espírito de Deus age entre todos os seres humanos,
suscitando em sua consciência a busca do bem e a participação na gigantesca luta pela
justiça e pela libertação do pecado, que atravessa toda a história humana. Nela, todas as
pessoas humanas, cristãs ou não, são solidárias: tanto no sofrimento que a injustiça traz,
quanto no empenho pela libertação. Sobre esta solidariedade se apóia o diálogo entre a
Igreja e a sociedade, na busca de um futuro que corresponda aos anseios de paz e à
esperança de justiça da humanidade (cf. Gaudium et Spes, 40-44)74.
2.4. Igreja e educação moral
120. A Igreja Católica sente-se responsável, perante Deus, não somente por anunciar a
mensagem evangélica, mensagem de graça e esperança, mas também por indicar
princípios e normas morais, tanto no plano individual quanto na ordem social, na medida
em que os considera necessários à salvação que anuncia e ligados a direitos
fundamentais das pessoas (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2032)75.
121. Na sociedade brasileira, nas últimas décadas, o Episcopado tem-se esforçado
especialmente para expressar as “exigências cristãs de uma ordem política” e as
“exigências éticas da ordem democrática” (cf. Documentos da CNBB, nº 10, 1977, e nº
42, 1989). Em geral, seu ensinamento e sua atuação parecem contar com a aprovação e
a confiança da grande maioria dos brasileiros, o que torna ainda maior a nossa
responsabilidade perante a questão ética.
122. A Igreja contribui para a formação das consciências não apenas através de
pronunciamentos ou documentos magisteriais. Os princípios morais e sociais são, em
tese, acessíveis ao conhecimento humano, mesmo sem iluminação religiosa ou
evangélica. A Igreja crê, contudo, que a prática correta e generosa da moral individual
ou da ética social precisa da solidariedade da comunidade eclesial e das diversas formas
com que ela procura educar a fé e fomentar a caridade, levando ao seguimento de
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Cristo, bem como elevar seu louvor a Deus e promover a santificação dos fiéis, por meio
da celebração dos sacramentos.
Entre eles contribui eficazmente à formação da consciência moral o sacramento da
penitência, junto com as outras expressões de conversão, penitência e reconciliação, que
querem ajudar as pessoas a renovar continuamente uma vida moral voltada para a
santidade. Também a direção espiritual e as outras formas de educação da consciência,
individuais ou comunitárias (como a revisão de vida, a reflexão bíblica em pequenos
grupos, o diálogo fraterno sobre o compromisso na sociedade) contribuem para manter o
cristão vigilante e disposto à renovação e ao crescimento.
123. A importância que a Igreja católica e, em geral, toda a tradição bíblico-cristã
atribuem à dimensão ética se torna evidente na identificação da santidade com a oferta
da própria vida, como “hóstia viva, santa, agradável a Deus” (Rm 12,1)76. Todos os fiéis
são chamados a exercer juntos, em Cristo e na Igreja, este sacerdócio, marcado pela fé
e a entrega a Deus, segundo o exemplo do próprio Cristo, mas cuja substância é
constituída precisamente pelos atos morais, pela atuação livre da pessoa, pela sua
prática da justiça e do amor (cf. Lumen Gentium, 10; Catecismo da Igreja Católica,
2031)77.
124. Na sua história, porém, a Igreja faz também experiência da “distância que separa a
mensagem que ela revela e a fraqueza humana daqueles aos quais o Evangelho é
confiado”. (Gaudium et Spes, 43, par. 6)78
125. A recente Conferência Geral do Episcopado latino-americano, realizada em Santo
Domingo (1992), constatava a “realidade de um Continente no qual se dá um divórcio
entre fé e vida ao ponto de produzir clamorosas situações de injustiça, desigualdade
social e violência” (Conclusões, 24)79. Muitos se perguntam por que um Continente, que
se diz cristão, apresenta situações de desigualdade entre as mais extremas e trágicas do
mundo. A resposta envolve, sem dúvida, dados históricos, políticos, econômicos, sociais
e culturais. Mas é preciso reconhecer também o “divórcio entre fé e vida”.
Uma das causas desse divórcio está na separação que se criou, até hoje, entre leigos e
clero, ficando esse último com a responsabilidade da reflexão teológica e ética, enquanto
o povo cristão se alimentava mais de devoções do que de uma espiritualidade de atuação
cristã na família, na profissão, na economia, na política, na cultura...
126. Essa situação nos impõe, hoje, uma revisão de atitudes do passado e a criação de
novas atitudes, como, por exemplo:
– a superação da distância entre clérigos e leigos, hierarquia e povo, intensificando a
comunicação e o intercâmbio, fazendo participar ativamente os cristãos, engajados nas
“realidades terrestres”, da elaboração de orientações éticas adequadas à sociedade
presente e futura;
– a revisão de alguns aspectos da moral tradicional, que foram utilizados para justificar a
escravidão, o racismo, o machismo, a desigualdade, a violência, e hoje exercem
influência negativa na avaliação do corpo, da sexualidade, da dignidade da mulher, da
dívida da sociedade para com os discriminados de ontem e de hoje;
– a revisão de uma moral individualista, demasiadamente centrada nas questões
pessoais ou privadas, em detrimento de uma ética social e política, que se torne alma de
uma atuação corajosa e lúcida dos cristãos na edificação da sociedade e da cultura;
– a busca sempre renovada dos ideais e valores evangélicos, para não se deixar subjugar
pelo sistema econômico e político.
127. Para continuar e aprofundar a reflexão sobre este tema, com a colaboração vinda
dos fiéis leigos e de sua vivência cristã, estamos oferecendo o presente documento.
IV. ORIENTAÇÕES PRÁTICAS
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128. Tanto uma ética plenamente humana quanto as exigências éticas do Evangelho nos
impelem a dar passos indispensáveis à renovação ética da sociedade e da pessoa. Nessa
tarefa, é fundamental superar a distância entre ética pública, que define a
responsabilidade de todos e de cada um na busca do bem comum, e ética privada, que
define o caminho da realização da pessoa. Essas duas áreas não devem ser separadas
como se fossem dois caminhos, duas éticas; ao contrário, visam a um único projeto de
renovação pessoal e social.
1. Ética Pública
129. A ética pública diz respeito à condução da “coisa pública”, ou seja, à
responsabilidade do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem comum.
Exige uma proposta ética e um projeto político, com suas estratégias, que, iluminados
pelos princípios de solidariedade e subsidiariedade, orientem pessoas e instituições no
exercício de seus direitos e deveres.
130. Só assim a sociedade terá condições de lutar contra os seus males mais evidentes,
tais como a violência e o desprezo pela vida, a tortura, a droga, os seqüestros, o
excessos do poder policial, a corrupção e a sonegação fiscal, o desvio do dinheiro e a
malversação dos bens públicos, o abuso do poder econômico e político, o poder
discricionário dos meios de comunicação social.
131. Não se trata de um moralismo fácil, reivindicando, de forma genérica, “honestidade”
na vida pública, mas sim, da busca de um projeto comum de sociedade eticamente
regulada. Isso exigirá dos vários setores que servem à sociedade não o engodo de
promessas que suscitam expectativas irreais e provocam, depois, decepção e indignação,
mas programas e projetos que respondam às reais necessidades do povo.
1.1. Área da política e do serviço público
132. Impõe-se, como primeiro passo, restabelecer uma correta relação entre o que é
público e o que é particular, para que a esfera pública não seja administrada
predominantemente em função de interesses particulares, mas seja organizada por
instituições que permitam efetivamente a participação democrática e a distinção entre o
público e o privado.
133. O debate político e a vida pública devem reencontrar a dignidade da política como
edificação da “pólis”, ou seja, da cidade humana, onde todos encontram oportunidade de
realização pessoal e de comunhão solidária. Não se trata apenas de distribuição de
recursos e de satisfazer a grupos de pressão. A mera negociação de interesses, dentro de
uma visão da política como mera técnica de poder, não é capaz de gerar, por exemplo, o
“pacto social” que tantos julgam imprescindível a nosso País. Assim, a ética pública é
condição para a solução até mesmo de problemas estritamente econômicos, como a
inflação.
134. A política é, por essência, ética, pois se refere sempre à liberdade e,
essencialmente, à justiça. Não é mera arte ou técnica de exercer o poder, mas o
exercício da justiça pública. Santo Agostinho, muito oportunamente, declarou:
“Removida a justiça, o que são os reinos senão um bando de ladrões?” (“Remota itaque
justitia, quid sunt regna nisi magna latrocinia?” De Civ. Dei, 1. IV, 4). Pois “é sobre a
justiça que o trono se firma” (Prov 16,12)80. Sem essa base, instala-se a opressão, como
a história não se cansa de mostrar.
135. Lembramos ainda que, na política, duas forças devem ser unidas e, quanto possível,
conciliadas: a força do poder e a força da razão e da justiça. Ambas são necessárias.
Mas a força ideal da justiça deve guiar a força bruta do poder. Como dizia Pascal: “A
justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica. É preciso juntar a
justiça e a força; para consegui-lo, é preciso fazer com que o que é justo seja forte e o
que é forte seja justo”.
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136. Recupera-se o espírito público, seja na administração, seja na vida política, não
apenas combatendo abusos e desvios, nem apelando para a boa vontade dos sujeitos,
mas adotando estruturas e instituições adequadas. Para isso é necessário tomar medidas
objetivas de descentralização do poder, de informação e transparência, de participação
nos diversos níveis, de promoção das instituições da sociedade civil – como associações
profissionais, sindicatos, escolas, organizações não-governamentais (ONGs), Igrejas etc.
–, que garantam o exercício da responsabilidade cívica e controle do poder político.
Entre essas medidas deve ser vedado a qualquer organismo do poder público a faculdade
de estabelecer, de modo independente, a remuneração de seus membros. A
remuneração dos representantes do povo deve obedecer a critérios de justiça social, de
modo a diminuir a distância entre os salários mais altos e o salário mínimo.
137. A recuperação da política passa pela formação e pela moralização dos políticos. Se
existe, hoje, um descrédito da atividade política e da administração pública em todos os
níveis (federal, estadual e municipal), é que há maus políticos. Eles são os maiores
responsáveis pelas imoralidades que acabam por desmoralizar a política. Importa, pois,
encorajar os políticos bem intencionados para que atuem como fermento de uma “nova
prática política”. Que sejam verdadeiros “homens de Estado”, compenetrados de sua alta
vocação ética, magnânimos e não omissos ou coniventes com os “negociantes do poder”,
enredados em jogadas pessoais e mesquinhas.
138. Recuperar a lei como instrumento de justiça. Existe, no Brasil, a mentalidade de que
a lei se aplica aos inimigos e o benefício aos amigos. Os pobres e pequenos são
condenados; os ricos e poderosos gozam, na prática, de impunidade. Há uma
constatação de que o legal freqüentemente não coincide com o legítimo. A “floresta” de
leis não resolve os problemas essenciais. Para questões mais graves nota-se um vazio
legislativo, deixado ao capricho dos mais fortes, como, por exemplo, a demora da
aprovação de leis complementares. É também exigência ética uma atuação menos
morosa e mais eficaz do Poder Judiciário, de modo que não deixe impunes os grandes
crimes e procure efetivamente defender os direitos dos mais fracos.
139. Romper o laço que une a política aos negócios. O processo político democrático
administra o “negócio” de todo o povo e não os negócios privados, segundo o viés
patrimonialista do Estado brasileiro. Enquanto a força do poder econômico determinar a
política, através do financiamento de campanhas, lobbies, relações privilegiadas, poder
de barganha de grupos junto ao governo etc., a política será fonte de corrupção, injustiça
e instabilidade social.
140. Transparência do discurso dos homens públicos. É preciso também superar o
costume de políticos, técnicos, administradores, magistrados e, inclusive, eclesiásticos,
falarem numa linguagem complicada, obscura, difícil. Hoje, mais do que nunca, é
necessário repropor a ética evangélica do “sim sim, não não”.
141. Chamamos a atenção para a questão da veracidade. Pois a mentira, na vida pública,
tornou-se uma prática tão habitual em nosso mundo que se pode falar num verdadeiro
vício, tornando a política sinônimo de mentira.
142. Ética dos serviços públicos. Quem não se revolta com o descaso no atendimento
aos usuários dos serviços públicos, a morosidade, a irresponsabilidade, o parasitismo, a
falta de compaixão com o sofrimento dos pobres no INSS, nas escolas, hospitais, fóruns,
delegacias e outros órgãos de atendimento ao grande público? As filas intermináveis dos
aposentados, dos doentes e outras categorias humildes são o sinal mais claro da
insensibilidade social e do descuido de muitos de nossos servidores. Ora, os serviços
públicos, para serem éticos, hão de ter também estas qualidades: serem acessíveis,
eficientes e rápidos. Mas para isso, além de uma adequada remuneração, é importante a
formação permanente dos funcionários para o espírito público, para o “senso do serviço”
ao povo necessitado.
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143. Como não denunciar a grande criminalidade dos que desviam, em proveito pessoal,
enormes somas dos órgãos públicos, provocando escândalo e revolta, muitas vezes
impotentes, da parte dos humildes, a quem estavam destinados esses bens? Como não
solicitar que os crimes mais graves sejam punidos e que a lei não seja severa apenas
com os pequenos infratores, sem jamais atingir os poderosos e espertos? Como tolerar
que a um grande número de denúncias comprovadas de corrupção e prejuízos dos cofres
públicos não corresponda igual número de punições e ressarcimento? A impunidade é um
incentivo constante para novos crimes e novas violências.
1.2 Área da economia
144. O modelo econômico neoliberal se caracteriza pela separação entre economia e
ética (cf. Diretrizes Gerais da Ação Pastoral 1991-1994, nº 154)81. Cria-se, desta forma,
“um sistema onde a liberdade no setor da economia não se enquadra num sólido
contexto jurídico que a coloque a serviço da liberdade humana integral e a considere
como uma particular dimensão dessa liberdade, cujo centro seja ético e religioso”
(Centesimus Annus 42)82. O modelo neoliberal tende a prevalecer não apenas no Brasil,
mas também nas relações internacionais. Prejudica especialmente os mais pobres (cf.
DSD 181)83. Em particular, são eticamente injustas e questionáveis as condições da
dívida externa dos países do terceiro mundo. Os juros cobrados constituem, às vezes,
uma forma de usura, tantas vezes condenada pela Igreja.
145. A economia de mercado, em nosso País, visa muito pouco o bem da pessoa
humana. Pelo contrário, esta é reduzida a uma mercadoria em vista do lucro. Para que a
economia se enquadre eticamente, é necessário que se criem normas e se organizem
instituições destinadas a situar a liberdade econômica dentro do contexto das demais
liberdades sociais. A regulação através do mercado não pode ser a única e nem mesmo a
principal forma de conciliar o privado e o público. A política (entendida como acima
vimos) e a própria história e cultura de um povo impõem que a sociedade se dote de
estruturas sociais capazes de fazer valer os fatores humanos e morais (cf. Centesimus
Annus, 35)84 e de garantir o controle democrático sobre os meios de produção. É tarefa
do Estado “prover a defesa e a tutela de certos bens coletivos, como o ambiente natural
e o ambiente humano, cuja salvaguarda não pode ser garantida por simples mecanismos
de mercado” (Centesimus Annus, 40)85. As normas e instituições a que nos referimos
deverão também regular as relações da economia de mercado propriamente dita com as
demais formas de produção existentes no Brasil, como a economia informal, as relações
não-assalariadas, o extrativismo artesanal etc.
146. O processo de modernização, em virtude da nova revolução tecnológica, põe a
ciência como um fator decisivo na produção da riqueza e faz diminuir a importância do
trabalho manual. Tal processo pode ser valioso enquanto garante o direito elementar do
trabalho para todos e a preservação da natureza. Entre nós, no entanto, ele tem
significado um agravamento quantitativo e qualitativo da pobreza, provocando o
aparecimento de massas de excluídos, destituídos de qualquer condição de vida decente.
147. A empresa, na medida em que é parte de um sistema social maior, tem também um
papel público. O empresariado deve ter a consciência de que “há necessidades coletivas e
qualitativas que não podem ser satisfeitas através dos mecanismos do mercado”
(Centesimus Annus, 40)86. Mais: deve desenvolver uma vontade política e eticamente
fundada de contribuir positivamente para a satisfação dessas necessidades. Essas são
condições indispensáveis para que a economia se ponha a serviço de uma sociedade
democrática, justa e solidária.
148. Por isso, nem os empresários, nem os trabalhadores e os respectivos sindicatos
deveriam envolver-se em política, com vistas apenas a interesses corporativos. Isto seria
uma forma de “neofeudalismo”, em que cada grupo se fecha em seus interesses e
disputa para si os favores do Poder, sem preocupação com o todo social.
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149. A essa visão ética da atividade econômica se contrapõem frontalmente alguns dos
males mais difusos na economia do País: a especulação financeira, a política tributária
injusta e a sonegação fiscal. Por esta os agentes econômicos se negam a contribuir,
conforme de justiça, à manutenção dos serviços necessários e mesmo essenciais ao bem
comum. Reforçam, assim, a já escandalosa concentração da renda, quando é exigência
ética oferecer a todos escola, moradia, saneamento básico e erradicar a fome no país
inteiro.
1.3. Área da Comunicação Social
150. Numa sociedade planetária, cada vez mais complexa e urbanizada, cresce a
importância de uma comunicação transparente e veraz. Para ser verdadeiramente
humana, respeitando a dignidade da pessoa, a comunicação deve ser dialogal. Deve
possibilitar a troca de experiências entre as pessoas envolvidas no processo de
comunicação, superando a mera informação. Exige que se evite a manipulação e se
favoreça a atitude crítica, tendendo para a igualdade de condições entre os parceiros.
151. Os meios de comunicação social, que têm um papel fundamental na tarefa de
informação, formação e promoção cultural, devem estar a serviço do bem comum. “A
sociedade tem direito a uma informação fundada sobre a verdade, a liberdade, a justiça
e a solidariedade” (Catecismo da Igreja Católica, 2494)87.
152. É preciso manter firmemente o direito à liberdade de expressão e à diversidade
cultural. Para garantir uma informação livre e honesta, no entanto, os meios de
comunicação social não podem ser dominados por poucos, numa situação de quase
monopólio. Não podem manipular a opinião pública através da seleção da informação,
fora de critérios de verdade e de justiça, ou por meio de publicidade enganosa, gerando
necessidades fictícias e falsas expectativas, ou pela exploração da violência e da
pornografia que invade a privacidade das pessoas e das famílias.
153. Cabe à sociedade, por sua vez, promover a democratização dos meios de
comunicação social, garantindo o acesso de todos à informação e ao debate dos
diferentes pontos de vista políticos e culturais. Cabe também, tanto mais enquanto
persiste o controle de poucos sobre os meios de comunicação social, a formação de uma
consciência crítica dos usuários para que superem a mera condição de consumidores ou
espectadores (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2495-2499)88. Os usuários devem dispor
de instrumentos legais para se manifestar diante de omissões ou abusos da mídia como,
entre outros, o Conselho de Comunicação Social.
2. Ética Profissional
154. Decorre da própria natureza social do ser humano que o bem de cada um seja
necessariamente relacionado com o bem comum. Por isso, o exercício de qualquer
profissão na sociedade deve submeter-se a normas éticas decorrentes desse princípio
orientador da responsabilidade de todos e de cada um, na busca do bem comum.
155. A época atual – onde ciência e técnica adquirem um peso sempre mais
determinante – valoriza de um modo particular a profissão e o “profissionalismo”, feito
de competência técnica e de dedicação constante. O aumento da produtividade e o
aperfeiçoamento das tecnologias, no entanto, leva, em muitos setores, à dispensa do
trabalho humano menos qualificado, e ao crescimento do desemprego.
156. Nesse contexto, pesa sobre governantes, sindicatos, Igrejas, empresários, juízes,
educadores e outros segmentos da sociedade, o dever de lutar contra a exclusão social,
promovendo a educação de base, a formação profissional, a disseminação da nova
cultura tecnológica, a negociação na introdução de novos meios de produção etc. Devido
ao avanço impressionante da informática e das telecomunicações, todos os profissionais
(pessoal qualificado de nível superior ou médio, na indústria ou nos serviços) lidarão
cada vez mais com informações. Neste sentido, estão sujeitos ao dever da transparência,
25
que é hoje exigência de justiça. Nem sempre a deontologia (ou “código de ética”) de uma
categoria profissional consegue superar a defesa dos interesses corporativistas.
Em nome do bem comum, os profissionais, em primeiro lugar os que professam a fé
cristã, bem como todos os que aspiram a prestar um serviço à sociedade, devem levar
em conta as exigências éticas fundamentais e cristãs no exercício da profissão, inclusive
revendo os seus códigos de ética profissional.
157. É lamentável que ainda não se tenha tomado consciência de que desvios éticos da
sociedade provenham da ausência de formação ética de muitos profissionais. Essa
formação deve ser proporcionada em todos os níveis de escolaridade, sobretudo nas
universidades, onde faz-se necessário incluir nos currículos de estudos as exigências
éticas das diversas profissões e atividades científicas. Não são suficientes simples cursos
de deontologia que se restrinjam ao ensino dos limites fixados pela lei ou até procurem
meios de escapar às suas sanções.
158. Numa sociedade em que há tanta marginalização, devido à desqualificação cultural
e profissional, o poder público, as instituições educativas e todos os cidadãos devem se
unir para a valorização e a promoção do ensino, que dê a todos acesso à educação. A
pessoa humana qualificada se realiza mais como pessoa e é a grande riqueza da
sociedade.
159. Uma das mais acentuadas características da modernidade é a reivindicação de
autonomia de cada esfera social. Assim, o empresário é estimulado pelas estruturas
econômicas a buscar somente o lucro. O político é impelido a buscar o poder. O cientista
é solicitado a pesquisar sempre mais. A prática da pesquisa nos oferece a oportunidade
de recordar um princípio, que pode ser aplicado analogamente a outras atividades,
técnicas ou profissionais. A ciência pretende afirmar-se como autônoma frente aos
interesses econômico-políticos e mesmo aos valores éticos. Esquece, porém, que sua
atividade tem dois aspectos. Por um lado, a ciência produz uma forma de saber, que não
deve ter outro critério senão a busca da verdade; aqui reside sua autonomia. Por outro, a
ciência é uma atividade humana, que não escapa a condicionamentos econômicos,
políticos, culturais. Por isso, o cientista não pode ignorar questões como: A que serve
minha pesquisa? Que prioridades devo respeitar, tendo como critério o bem comum da
sociedade? É lícito ou não fazer certas pesquisas? Pensar que se possa fazer tudo o que
é possível, é exatamente aceitar um princípio anti-ético, porque implica em poder fazer
também o que é mau, o que pode prejudicar os outros, o que não é eticamente
aceitável(cf. Donum Vitae, Introd. 2,5)89.
160. Determinar, hoje, o que é lícito ou não, na pesquisa científica, na prevenção da
doença, na ação política, na economia, no comércio, na organização social, na
comunicação, torna-se freqüentemente difícil, pela complexidade dos problemas e
também pela ausência de reflexão ética específica. Cabe aos profissionais, em diálogo
não apenas com os colegas, mas também com pensadores e teólogos, levando em conta
os princípios éticos fundamentais, buscar – no seu próprio campo – uma ética
profissional correta e praticá-la.
3. Ética Pessoal
161. Não se pode separar a ética aplicada à vida pública e profissional daquela que se
aplica à vida pessoal e familiar. Queremos destacar apenas alguns aspectos em que a
responsabilidade ética das pessoas, na atual sociedade, é mais exigida.
3.1. Corpo e sexualidade
162. A pessoa humana se descobre a si mesma como um ser sexuado, isto é, como
portadora de uma energia que aponta para a comunicação com o outro. Por esta razão, a
sexualidade humana se revela, em primeiro lugar, como um símbolo que torna possível o
encontro entre seres conscientes e livres e, assim, é o espaço para a conquista da
26
personalização e da integração entre as pessoas, quer em nível afetivo, quer em nível
social. Nesta perspectiva, a sexualidade se apresenta como caminho privilegiado para a
relação com Deus, uma vez que seu sentido mais profundo é o amor. Quando o egoísmo
comanda a sexualidade, ela nega sua orientação mais profunda e leva a pessoa humana
a se fechar aos outros e a Deus.
163. A sexualidade humana é uma realidade muito rica, dotada de muitas dimensões:
genética, hormonal, biológica, afetiva, social, cultural, religiosa, política... Por ser tão
fundamental na vida humana, é trágico quando ela é instrumentalizada na direção da
alienação. A absolutização de uma de suas dimensões, como por exemplo, a do prazer,
pode ser mecanismo que fere a dignidade da pessoa, afastando-a de um engajamento na
solução das grandes questões que marcam a vida social. Campanhas abortivas e antinatalistas provêm, às vezes, de uma concepção ideológica que reduz a problemática
social à questão da fertilidade das famílias pobres.
164. Neste sentido, a sexualidade como fato humano não pode ser reduzida à
genitalidade nem desligada quer do prazer de viver quer da sociedade. Ela diz respeito à
globalidade da vida pessoal e social. Somos individual e socialmente seres sexuados.
165. O recente fenômeno da resdescoberta do corpo nos revela, junto a novos valores,
também aspectos negativos e reducionistas do corpo humano e da sexualidade, levando
a sociedade a uma crescente erotização, especialmente nos meios de comunicação social,
nas modas e nos carnavais.
166. Essencialmente somos “seres corpóreos”. O corpo não é mero objeto da natureza
biológica; ele é o lugar de relações humanas e sociais. No corpo e pelo corpo nos
realizamos pessoal e socialmente. Como criação abençoada por Deus, o corpo humano
não pode ser reduzido a objeto, nem de exploração (através do trabalho, da prostituição,
da escravização de todo tipo), nem de consumo “privado” (“sou dono de meu corpo”;
“faço dele o que eu quiser”...).
167. Nosso corpo tem uma dimensão humana que o diferencia do mundo animal e o
constitui em dignidade e valor peculiar (cf. GS 14; 51)90 e uma dimensão social. Pelo
corpo, a pessoa humana entra na rede de relações que constitui a realidade social,
complexa e multiforme, que forma a família humana. A visão individualista é, pois,
inaceitável; deve-se afirmar a solidariedade humana como exigência ética para a própria
realização da sociedade.
168. O reconhecimento do sentido humano do corpo e da sexualidade deverá, portanto,
vir acompanhado da exigência de corrigir e superar atitudes eticamente redutivas,
ligadas ao subjetivismo, pelo qual se pretende dispor do próprio corpo segundo critérios
individualistas, ou ligadas ao egoísmo, que pretende dispor do outro como mero
instrumento de prazer próprio. Também implicará o respeito tanto da igualdade
fundamental de direitos, quanto das peculiaridades dos dois sexos. Na formação sexual
levem-se em conta sempre os valores morais e religiosos.
3.2. Promoção da vida e da família
169. O aumento da violência na sociedade, os atentados à vida humana e à sua
dignidade e a atual situação de desagregação familiar são outros indicadores da crise
ética em que vivemos e da necessidade de buscar novos padrões éticos para a promoção
da vida e da família.
170. “A vida humana é sagrada” (Donum Vitae, Introd. 5)91. Fruto da ação criadora
de Deus, ela continua em essencial e permanente relação com ele, como a seu fim
último, de tal modo que a ninguém é permitido, de forma alguma, reivindicar para si o
direito de destruir diretamente um ser humano (cf. ibidem).
27
171. Por isso mesmo, “a vida humana deve ser respeitada e protegida, de maneira
absoluta, desde a sua concepção, e ao ser humano que aí se gesta devem ser
reconhecidos os direitos da pessoa”, entre os quais o fundamental é o direito inviolável à
vida (Donum Vitae, I,1)92.
172. Do mesmo modo, são moralmente inadmissíveis a eutanásia e outros meios
destinados a tirar a vida de pessoas anormais, de doentes, como os aidéticos e outros
(cf. Catecismo da Igreja Católica, 2277)93. É necessário que se dêem aos doentes,
particularmente aos pobres, todos os cuidados indispensáveis; do contrário, aos
desprovidos de meios financeiros, estaremos deixando apenas a morte como única saída.
173. Reagir à crescente violência na sociedade com a pena de morte “significa assumir
a própria violência como forma de comportamento da sociedade”, além de ser “um modo
de julgamento contrário aos melhores princípios da ordem jurídica” (Declaração do
Conselho Permanente da CNBB, Em Favor da Vida, Contra a Pena de Morte. 27.6.91).
174. O progresso das ciências biológicas e médicas possibilita “um domínio cada vez
mais vasto e profundo sobre os dinamismos que presidem a procriação e as primeiras
fases da vida humana” (João Paulo II, Christifideles Laici, 38)94. Esse poder, que se
concentra, hoje, nas mãos dos cientistas, não deve levá-los à tentação de intervenções e
manipulações perturbadoras do patrimônio genético da humanidade (cf. ibidem). É
responsabilidade de todos na sociedade submeter o saber científico e técnico a normas
éticas de defesa e promoção da vida humana.
175. A promoção da vida tem na família um espaço privilegiado. Apesar dos grandes
desafios que pesam sobre ela em nosso País (cf. Documento de Santo Domingo, 216221)95, deve ser resgatada como “santuário da vida” (Centesimus Annus, 39)96 e “célula
primeira e vital da sociedade” (Familiaris Consortio, 42)97. Contra ela estão “o egoísmo
humano, as campanhas contra a natalidade, as políticas totalitárias, e também as
situações de pobreza e miséria física, cultural e moral, bem como a mentalidade
hedonista e consumista, (que) conseguem extinguir as fontes da vida” (Christifideles
Laici, 40; cf. Familiaris Consortio, 36)98. Diversas visões ou sistemas de vida, aliados ao
desinteresse e à falta de amor, atentam contra a função educativa da própria família (cf.
ibidem).
176. Promover a família, hoje, significa também urgir as exigências humanas e
evangélicas do amor conjugal, contra os fermentos de dissolução dos laços de
fidelidade e indissolubilidade do matrimônio, em contradição com o desígnio do Criador.
Na verdade, “o amor conjugal comporta uma totalidade onde entram todos os
componentes da pessoa – apelo do corpo e do instinto, força do sentimento e da
afetividade, aspiração do espírito e da vontade –; ele visa uma unidade profundamente
pessoal, que, para além da união numa só carne, conduz a formar um só coração e uma
só alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade na doação recíproca definitiva; e se
abre para a fecundidade...”. (Familiaris Consortio, 13. Cf. Catecismo da Igreja Católica,
1643)99.
4. Perspectivas para a Igreja
177. Na tarefa de buscar novos caminhos para a ética não basta apontar os sintomas da
crise, mostrando as suas causas; nem mesmo é suficiente atacar os seus efeitos
maléficos na sociedade e nas consciências. Faz-se necessário um esforço de todos para a
formação da consciência ética. A Igreja sabe que esta tarefa cabe a toda a sociedade da
qual ela faz parte. Por isso, seria impossível levá-la adiante sem um diálogo amplo e
compartilhado, envolvendo vários segmentos ou classes sociais, governo e povo,
empresariado, trabalhadores, organizações sindicais, instituições representativas das
diversas etnias, culturas e religiões, família e escola.
178. A Igreja, por sua vez, no seu papel de formadora da consciência pessoal e
social de seus membros, levará adiante sua missão também no diálogo fraterno entre
28
Pastores e fiéis, fazendo valer o “protagonismo dos leigos”, de que nos falou o
Documento de Santo Domingo (DSD 97, 103, 293, 302; cf. também Catecismo da Igreja
Católica, 2038)100.
179. A formação da consciência ética não se promove apenas com apelos para novas
atitudes, comportamentos e práticas éticas em nível pessoal e social. Ela exige, além
disso: 1) estudo interdisciplinar, envolvendo sobretudo as ciências humanas, para
aprofundar a compreensão do “ethos” do nosso povo e sua maneira própria de efetivar
os valores éticos no contexto do atual pluralismo cultural e religioso; 2) incentivo ao
protagonismo dos leigos para que atuem na sociedade como fermento evangélico de
novas práticas éticas nas várias áreas: na economia como na política; na cultura como
na educação; no âmbito da vida pessoal, familiar e profissional.
180. No diálogo com a sociedade, respeitando plenamente a autonomia que lhe compete
como realidade da ordem criatural, como contribuição específica para a formação da
consciência ética, a Igreja apresenta o Evangelho de Jesus Cristo, ao qual ela procura ser
fiel numa atitude de uma conversão permanente de todos os seus membros e
organismos. Busca, assim, a prática de uma ética do perdão, da verdade, da justiça e do
amor, decorrente não apenas da razão, mas da experiência vivida e refletida do
seguimento de Jesus Cristo, hoje.
181. Possam essas reflexões contribuir para que a sociedade brasileira desperte sua
consciência moral e nela inspire a busca da responsabilidade e da solidariedade. A
bênção de Deus não faltará a quantos se esforçam para devolver ao povo, e
principalmente às novas gerações, a confiança de que é possível construir uma sociedade
justa e solidária, em que toda pessoa veja seus direitos reconhecidos e ela mesma,
consciente de seus deveres, contribua para o reconhecimento da dignidade de todos.
ANEXO: PRONUNCIAMENTO - PROMOÇÃO DOS VALORES ÉTICOS
Todos sentimos que, de anos para cá, os costumes da sociedade mudaram muito. Está
havendo um modo de pensar, de agir, de viver fora dos princípios éticos até há pouco
tempo respeitados e aceitos. É o que se chama de crise ética. Pior ainda é a crise da
Ética, isto é, aceita-se como “natural” esta nova situação, como se não houvesse norma
para reger os atos humanos tanto particulares, como públicos. Falta aceitação da
necessidade da Ética, que compreende os valores capazes de garantir a realização
pessoal e social do ser humano, conforme sua dignidade e o sentido de sua vida.
É geral esta crise, não só brasileira, mas característica da vida moderna. Atinge a família,
as modas, a escola, os negócios, sobretudo os meios de comunicação social e as
atividades políticas. Não há dia sem notícias da desonestidade pública, de corrupção, de
abuso de poder, de exploração, de licenciosidade, de violência, de humilhações aos
necessitados de atendimento ou até de justiça.
Faz-se necessário que lutemos todos para superar esta degradante situação, para
erradicar a corrupção e para implantar séria e profunda reforma das instituições. Isto é
possível. Há sinais de que, em muitas áreas, já se buscam novos caminhos éticos.
Como Pastores, queremos reafirmar que, sem uma sincera conversão conforme os
critérios éticos do Evangelho, não seremos fermento de uma nova sociedade. Propomonos, também, oferecer algumas ponderações para os cristãos do nosso rebanho, para
todos os que vêem no Evangelho uma mensagem de Vida e Esperança e para os que
confiam na Igreja Católica como promotora dos valores éticos. Juntamente com este
Pronunciamento entregamos à opinião pública do país outro documento mais amplo,
mais sistemático – “Ética: Pessoa e Sociedade” – que encaminhamos particularmente à
consideração dos dirigentes de nossa Sociedade: na educação, na política, na economia e
nos Meios de Comunicação.
29
Queremos prestar um serviço à dinâmica democrática de nosso país, onde poucos se
tornam ricos cada vez mais ricos às custas de muitos pobres cada vez mais pobres.
“A existência de milhões de empobrecidos é a negação radical da ordem democrática. A
situação em que vivem os pobres é critério para medir a bondade, a justiça e a
moralidade, enfim, a efetivação da ordem democrática. Os pobres são os juízes da vida
democrática de um país” (Exigências Éticas da Ordem Democrática, n.72).
I. CRISE E REDESCOBERTA DA ÉTICA
Nesta situação de crise podemos, contudo, reconhecer sinais de redescoberta da ética.
Na sociedade de hoje, economia, política, ciência e técnica seguem a sua própria lógica,
sem referência à religião ou à ética. Assim, o bem das pessoas é sacrificado e cria-se
uma situação em que é muito reduzida a preocupação como bem comum. Os indivíduos
se sentem abandonados a si mesmos e levados a lutar cada um por si.
Em oposição a isso, manifesta-se a resistência de pessoas, grupos, comunidades e
movimentos sociais que buscam manter vivas as exigências éticas nos diversos campos
da atividade humana.
Neste contexto, a sociedade atual estimula e alimenta o INDIVIDUALISMO, que privilegia
as opções e decisões do indivíduo, considerando exclusivamente seus próprios
interesses. Diz-se, com freqüência: “você decide”. É verdade que cada um é chamado a
tomar decisões pessoais. Mas é falso pensar que cada um pode decidir apenas a partir de
seus “gostos” particulares.
Na decisão deve-se prestar atenção à voz da consciência que diz: “Faça o bem e evite o
mal”. Cada um tem o dever de formar a consciência procurando a verdade e discernindo
o que contribui para o bem.
O individualismo tão exacerbado em nossos dias leva muitos a assumir como princípio de
vida: “Cada um para si”… Corrói-se, por dentro, o sentido de fraternidade e de
solidariedade. É quase como repetir a palavra de Caim: “sou eu o guarda de meu irmão?”
(Gn 4,9).
Alegra-nos constatar que em contraposição à tirania do individualismo, surgem hoje
muitos sinais concretos de autêntica busca da solidariedade, especialmente através de
grupos, movimentos e organismos que lutam pela defesa e promoção da vida.
No Brasil, o sistema colonial e escravocrata consagrou a desigualdade e reforçou a
arrogância do mais forte. Diz-se muitas vezes: “Quem pode, pode”. Quem tem poder
(econômico ou político) acha que pode fazer o que bem entender, gozar dos privilégios
que quiser, usar da violência e esbanjar a riqueza. Tudo isso se opõe frontalmente ao
princípio elementar da justiça e estimula o recurso à VIOLÊNCIA.
À lei do mais forte opõem-se a consciência da dignidade humana e a defesa dos direitos
dos fracos.
São muitas as iniciativas de defesa dos direitos, de luta pela cidadania e, não obstante
certa desmobilização que hoje se constata no Brasil, surgem iniciativas que estimulam a
união dos pequenos, o respeito à lei, a participação na edificação do bem comum, a
busca do estado de direito e o fortalecimento da democracia.
A convivência social se deteriora não apenas pela violência, mas hoje sobretudo pela
CORRUPÇÃO. Ela criou raízes profundas e temos dificuldades em erradicá-la de nosso
País. Deformou-se a bela palavra atribuída a São Francisco de Assis: “É dando que se
recebe”. Muitas vezes, os que deveriam ser os primeiros defensores e promotores do
bem comum passam a defender seus próprios interesses através de negociações
30
escusas. Dividem-se vantagens ilícitas, desvia-se o dinheiro público para atender
interesses particulares, mantêm-se mordomias, vantagens e altos salários que afrontam
a miséria de nosso povo. A impunidade e a morosidade da Justiça acabam estimulando a
prática da corrupção, em detrimento do bem comum.
Sabemos que a luta contra a corrupção tem ainda pela frente longo caminho por se
percorrer. Mas já nos parece promissor o questionamento a políticos que distanciam seus
interesses das aspirações dos eleitores, mostram pouca transparência no agir e se
envolvem na corrupção ou no abuso do poder. As iniciativas contra a corrupção são
sinais de esperança de uma renovação profunda da política e da sociedade.
Promissor também é o desempenho de políticos que, com honestidade, generosidade e
sacrifício, se dedicam ao bem comum, aos quais não deve faltar o nosso estímulo e o
reconhecimento do povo.
A desigualdade gera, de um lado, situações de injustiça e de pobreza e, de outro lado,
leva o povo à prática do “jeitinho”, da esperteza, da malandragem e da busca da sorte.
Daí o gosto pelos jogos de azar, loterias e apadrinhamento por parte de ricos e
poderosos. Muitos admitem como válido o princípio “salve-se quem puder” e passam a
considerar como lícito qualquer meio para assegurar a sobrevivência. A falta de
esperança em garantir sustento digno com trabalho honesto incentiva o recurso à
desonestidade.
Torna-se dramático o interrogativo ético que surge do contraste entre a abundância de
recursos econômicos e técnicos e a fome e a miséria que destroem a vida humana.
A indignação ética diante do drama da fome suscita como solução emergencial a Ação da
Cidadania contra a Miséria em favor da Vida.
Com satisfação, constatamos que se intensifica hoje, em muitos ambientes, a discussão
sobre ética e economia. Desse debate a Igreja Católica tem participado ativamente, não
somente através de pronunciamentos do Papa e dos Bispos, como também pela atuação
de muitos leigos que buscam colocar em prática o ensino social da Igreja.
Se, de um lado, constatamos a crise ética e da ética, de outro lado, verificamos a
recriação da ética pelos movimentos sociais para novos estilos de vida marcados pelo
sentido da liberdade e da solidariedade, bem como a abertura para a experiência do
sagrado na vida humana.
Como pastores, reafirmamos “Cristo, medida de nossa conduta moral” e sentido pleno de
nossa vida (cf. SD 231)101. A proclamação e implantação do Reino de Deus, por parte de
Jesus é anúncio profético de felicidade para todos os que acolhem sua boa-nova. Este se
transforma em exigência ética na “moral das bem-aventuranças”, que concentra a Lei
nos mandamentos do amor a Deus e ao próximo, amor gratuito, universal e capaz de
perdão e reconciliação.
Anunciamos Jesus Cristo ressuscitado, princípio de toda Evangelização, raiz e
fundamento dos valores éticos que devem penetrar no coração e nas estruturas da
sociedade.
A Igreja se sente responsável, não somente por anunciar a mensagem evangélica, mas
também por indicar princípios e normas morais, tanto no plano individual quanto na
ordem social, na medida em que os considera necessários à salvação e ligados aos
direitos fundamentais das pessoas (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2032)102.
II. EM BUSCA DE RESPOSTAS
Tanto uma ética plenamente humana quanto as exigências éticas do Evangelho nos
impelem a dar passos indispensáveis à renovação da pessoa e da sociedade. É
31
fundamental superar a distância entre ética pública e ética privada, isto é, entre a
responsabilidade pelo bem comum e a realização pessoal. Não são dois caminhos, não
são duas éticas, mas um único projeto de renovação pessoal e social.
1. Ética Pública
Um projeto comum de sociedade eticamente regulado exige uma proposta ética
iluminada pelos princípios de solidariedade e participação.
1.1. Ética na política
A vida política deve reencontrar sua dignidade na edificação da cidade humana, onde
todos têm oportunidade de realização pessoal e de comunhão solidária. Recupera-se o
espírito público adotando estruturas e instituições adequadas, o que exige decisões
políticas conseqüentes. Um primeiro passo se impõe: a correta relação entre o que é
público e o que é particular.
No entanto, a recuperação da política passa pela moralização dos políticos como
verdadeiros “homens de Estado” e não “negociantes do poder”, enredados em jogadas
pessoais. Isto exige romper os laços entre política e negócios privados.
Os serviços públicos, para serem éticos, devem ser acessíveis, eficientes, com critérios
humanos, com sensibilidade social. O parasitismo, o mau atendimento aos usuários, a
irritante morosidade, a irresponsabilidade, o descaso aos doentes… desafiam uma
educação para o “senso do serviço” ao nosso povo já tão necessitado.
O Documento de Santo Domingo faz um diagnóstico sombrio desta realidade para toda a
América Latina: “A corrupção tem-se generalizado. Há um mau emprego dos recursos
econômicos públicos; progridem a demagogia, o populismo, a “mentira política” nas
promessas eleitorais; burla-se a justiça, generaliza-se a impunidade e a comunidade se
sente impotente e indefesa diante do delito… (SD 233)103.
1.2. Ética na economia
O primeiro desafio, que brota da opção pelos pobres, apontado no Documento de Santo
Domingo é “promover uma Ordem econômica social e política” (SD 296)104. A exigência
ética fundamental é que esta nova ordem se construa sobre as bases de uma “economia
solidária, real e eficiente” (SD 201)105.
As Diretrizes da ação pastoral da Igreja no Brasil (1991-1994) afirmam que o modelo
econômico neo-liberal em nossa Pátria se caracteriza pela separação entre a economia e
a ética. Prevalece o individualismo e o corporativismo tanto empresarial como sindical,
sem considerar o bem da Sociedade.
O processo de modernização tecnológica põe a ciência como fator decisivo na produção
da riqueza e faz diminuir a importância do trabalho, com risco de tornar a pessoa
humana reduzida a mercadoria. O mercado se torna o centro de tudo. A Encíclica
“Centesimus Annus” nos diz que “é tarefa do Estado prover à defesa e tutela de certos
bens coletivos, como o ambiente natural e o ambiente humano, cuja salvaguarda não
pode ser garantida por simples mecanismo de mercado” (CA 40)106. Além do Estado, tem
também a empresa um papel social.
1.3. Ética nos Meios de Comunicação Social
A sociedade tem o direito à informação fundada na verdade, na liberdade, na justiça e na
solidariedade.
Cabe à sociedade promover a democratização dos MCS e a educação para o senso crítico.
A justa liberdade de expressão supõe a subordinação a critérios éticos.
32
Os Meios de Comunicação Social têm um papel fundamental na tarefa de informação,
formação e promoção cultural a serviço do bem comum. Para manter uma informação
livre e honesta, os Meios de Comunicação Social precisam superar uma situação de
quase monopólio. Não podem ser geradores de necessidades fictícias, de falsas
expectativas, de exploração da violência e da pornografia, nem, menos ainda,
manipuladores das massas visando a objetivos partidários, enaltecendo ou derrubando
instituições ou pessoas.
2. Ética Profissional
O exercício de qualquer profissão na sociedade submete-se a normas éticas. A falta de
formação ética de muitos profissionais é responsável por desvios da própria sociedade. O
ensino da Ética nas Universidades e nos Centros de Formação possibilitaria a nossos
profissionais exercer um serviço ao bem comum.
A pesquisa científica conforme às exigências éticas cumpre sua missão, especialmente
num país como o nosso, quando comprometida com as necessidades prementes da
população.
3. Ética Pessoal
Não é admissível dissociar a ética da vida pública e profissional da ética pessoal e
familiar.
3.1. Corpo e sexualidade
A pessoa humana se descobre a si mesma como ser sexuado, portador de uma energia
que o impele para a comunicação com o outro, e torna possível o encontro entre seres
humanos conscientes e livres. Assim se conquista a personalização e a integração entre
as pessoas em nível afetivo e social, caminho privilegiado para o relacionamento com
Deus.
A sexualidade, por ser fundamental à vida humana, quando instrumentalizada ou
absolutizada, converte-se em instrumento de alienação e despersonalização. O prazer,
quando reduzido à genitalidade, pode ser um mecanismo para afastar as pessoas umas
das outras. As campanhas abortivas e antinatalistas provêm de uma concepção que
considera a fertilidade das famílias pobres como a causa preponderante da problemática
social.
O permissivismo que admite todo e qualquer comportamento sexual como isento de
conotação moral desvirtua o sexo e deforma a consciência sobretudo dos jovens ainda
em formação.
O corpo não é mero objeto de natureza biológica. No corpo e pelo corpo nos realizamos
pessoal e socialmente. Não pode ele ser reduzido à perspectiva privada e egoísta: “sou
dono do meu corpo, faço dele o que eu quiser”.
A visão ética e cristã da sexualidade é essencialmente ligada à dignidade da pessoa
humana. A grandeza e nobreza da vida sexual provêm do sentido oblativo do amor. Por
isso, tudo que banaliza o sexo e o amor conjugal fere a dignidade do ser humano. É
necessário reeducar-nos para que se evitem os males da permissividade, da
licenciosidade, das experiências extra-conjugais do sexo, dos desvios de comportamento.
Uma bem orientada educação sexual, que se não restrinja apenas a explicações
biológicas, mas se oriente para a compreensão das finalidades humanas da sexualidade,
por certo, terá grande alcance pedagógico. É de se esperar da família, da escola, dos
Meios de Comunicação Social e da Igreja valiosa colaboração para que a pessoa humana
saiba valorizar a sexualidade como dom de Deus.
33
3.2. Promoção da vida e da família
A crise ética se manifesta também pelo aumento da violência na sociedade, pelos
atentados à vida humana e à sua dignidade, pela atual desagregação da família. A vida
humana, dom do amor de Deus, é sagrada; deve ser respeitada e protegida desde a
concepção. A ninguém é permitido destruí-la.
Assumir a pena de morte como maneira de reagir à problemática da violência em nossa
sociedade significa “assumir a própria violência como forma de comportamento da
sociedade”, além de ser “um modo de julgamento contrário aos melhores princípios da
ordem jurídica” (Declaração do Conselho Permanente da CNBB: Em favor da vida, contra
a Pena de Morte, 27.06.91).
A promoção da Vida tem a Família como espaço privilegiado. Deve ser respeitada como
“santuário da Vida” (CA 39)107 e “célula primeira e vital da sociedade” (“Familiaris
Consortio”, 42)108.
Promover a Vida hoje significa urgir as exigências humanas e evangélicas do amor
conjugal, contra os fermentos de dissolução dos laços de fidelidade e indissolubilidade do
matrimônio, rompidos pelo divórcio e negados pelas uniões livres.
Outro campo que demanda a defesa da vida é a ecologia. Torna-se urgente conjugar o
desenvolvimento com o respeito ao meio ambiente. Como diz o Documento de Santo
Domingo: as propostas de desenvolvimento têm de estar subordinadas a critérios éticos.
Uma ética ecológica postula a aceitação do princípio do destino universal dos bens da
criação e a promoção da justiça e solidariedade como valores indispensáveis (cf. SD
169)109.
Na tarefa de buscar novos caminhos para a ética não basta apontar os sintomas da crise,
mostrando-lhes as causas. Nem mesmo é suficiente atacar seus efeitos maléficos na
sociedade e nas consciências. Faz-se necessário o esforço de todos para a formação da
consciência ética. A Igreja sabe que esta tarefa cabe não somente a ela, mas a toda a
sociedade da qual ela faz parte. Seria impossível levá-la adiante sem diálogo amplo e
compartilhado. Unimo-nos aos vários segmentos ou classes sociais, governo e povo,
empresariado e organizações sindicais, instituições representativas das diversas etnias,
culturas e religiões para a construção de uma sociedade justa e solidária, baseada na
promoção dos valores éticos.
Ao oferecermos estas ponderações ao povo do nosso País, pedimos ao Criador faça
germinar as boas sementes que ele depositou no coração e na consciência de toda
pessoa humana.
Itaici, 6 de maio de 1993
______________________________________
Nota:1
Mt 5,6: “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”.
Nota:2
Sl 34,13: “Quem de vocês não deseja a vida? Quem não quer vida longa para prosperar?”.
Nota:3
At 5,29: “Então Pedro e os outros apóstolos responderam: É preciso obedecer antes a Deus do que aos
homens”.
Nota:4
cf. Rm 7,19: “não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero”.
Nota:5
cf. Rm 5,20: “A Lei sobreveio para dar plena consciência da falta; mas, onde foi grande o pecado, foi bem
maior a graça”.
Gl 5,1: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, fiquem firmes e não se
submetam de novo ao jugo da escravidão”.
Nota:6
João Paulo II, Discurso Inaugural, DSD, 6.3: “Não é a cultura a medida do Evangelho, mas Jesus Cristo é a
medida de toda a cultura e de toda obra humana. Não, a nova evangelização não nasce do desejo de agradar
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aos homens ou de procurar o seu favor (cf. Gl 1,10), mas da responsabilidade pelo dom que Deus nos fez em
Cristo, pelo qual temos acesso à verdade sobre Deus e sobre o homem, e à possibilidade da vida verdadeira”.
Nota:7
Lv 11,45: “Eu sou Javé, que os tirei do Egito, para ser o Deus de vocês: sejam santos, porque eu sou santo”.
Lv 19,2: “Diga a toda a comunidade dos filhos de Israel: Sejam santos, porque eu, Javé, o Deus de vocês, sou
santo”.
Nota:8
Ex 20,2-17: “Eu sou Javé seu Deus, que fiz você sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não tenha
outros deuses diante de mim. Não faça para você ídolos, nenhuma representação daquilo que existe no céu e
na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não se prostre diante desses deuses, nem sirva a eles,
porque eu, Javé seu Deus, sou um Deus ciumento: quando me odeiam, castigo a culpa dos pais nos filhos,
netos e bisnetos; mas quando me amam e guardam os meus mandamentos eu os trato com amor por mil
gerações. Não pronuncie em vão o nome de Javé seu Deus, porque Javé não deixará sem castigo aquele que
pronunciar o nome dele em vão. Lembre-se do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalhe durante seis dias e
faça todas as suas tarefas. O sétimo dia, porém, é o sábado de Javé seu Deus. Não faça nenhum trabalho, nem
você, nem seu filho, nem sua filha, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu animal, nem o imigrante que
vive em suas cidades. Porque em seis dias Javé fez o céu, a terra, o mar e tudo o que existe neles; e no sétimo
dia ele descansou. Por isso, Javé abençoou o dia de sábado e o santificou. Honre seu pai e sua mãe: desse
modo, você prolongará sua vida, na terra que Javé seu Deus dá a você. Não mate. Não cometa adultério. Não
roube. Não apresente testemunho falso contra o seu próximo. Não cobice a casa do seu próximo, nem a mulher
do próximo, nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento, nem coisa alguma que pertença ao seu
próximo”.
Dt 5,6-21: “Eu sou Javé seu Deus, que o tirou da terra do Egito, da casa da escravidão. Não tenha outros
deuses diante de mim. Não faça ídolos para você, nenhuma representação do que existe no céu, na terra ou
nas águas que estão debaixo da terra. Não se prostre diante desses deuses, nem os sirva, porque eu, Javé seu
Deus, sou um Deus ciumento: quando me odeiam, eu castigo a culpa dos pais em seus filhos, netos e bisnetos;
e trato com amor, por mil gerações, quando me amam e guardam os meus mandamentos. Não pronuncie em
vão o nome de Javé seu Deus, porque Javé não deixará sem punição aquele que pronunciar o seu nome em
vão. Observe o dia de sábado, para santificá-lo, como ordenou Javé seu Deus. Trabalhe durante seis dias e faça
todas as suas tarefas. O sétimo dia, porém, é o sábado de Javé seu Deus. Não faça trabalho nenhum, nem
você, nem seu filho, nem sua filha, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem
qualquer um de seus animais, nem o imigrante que vive em suas cidades. Desse modo, seu escravo e sua
escrava poderão repousar como você. Lembre-se: você foi escravo na terra do Egito, e Javé seu Deus o tirou
de lá com mão forte e braço estendido. É por isso que Javé seu Deus ordenou que você guardasse o dia de
sábado. Honre seu pai e sua mãe, como Javé seu Deus lhe ordenou, para que sua vida se prolongue e tudo
corra bem para você na terra que Javé seu Deus agora lhe dá. Não mate. Não cometa adultério. Não roube.
Não dê falso testemunho contra seu próximo. Não cobice a mulher do seu próximo, nem deseje para você a
casa do seu próximo, nem o campo, nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento, nem coisa
alguma que pertença ao seu próximo”.
Nota:9
cf. Is 1,10-20: “Escutem a palavra de Javé, chefes de Sodoma; preste atenção ao ensinamento do nosso
Deus, ó povo de Gomorra: Que me interessa a quantidade dos seus sacrifícios? diz Javé. Estou farto dos
holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos. Não gosto do sangue de bois, carneiros e cabritos. Quando
vocês vêm à minha presença e pisam meus átrios, quem exige algo da mão de vocês? Parem de trazer ofertas
inúteis. O incenso é coisa nojenta para mim; luas novas, sábados, assembléias... não suporto injustiça junto
com solenidade. Eu detesto suas luas novas e solenidades. Para mim se tornaram um peso que eu não suporto
mais. Quando vocês erguem para mim as mãos, eu desvio o meu olhar; ainda que multipliquem as orações, eu
não escutarei. As mãos de vocês estão cheias de sangue. Lavem-se, purifiquem-se, tirem da minha vista as
maldades que vocês praticam. Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem: busquem o direito, socorram o
oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva. Então venham e discutiremos diz Javé. Ainda que
seus pecados sejam vermelhos como púrpura, ficarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como
escarlate, ficarão como a lã. Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os frutos da terra; mas, se
vocês recusam e se revoltam, serão devorados pela espada. Assim fala a boca de Javé”.
Is 58,1-12: “Grite a plenos pulmões, sem parar; solte como trombeta o som da sua voz; mostre ao meu povo
os seus crimes e faça a casa de Jacó conhecer os seus pecados. Dia após dia, eles parecem me procurar,
mostram desejo de conhecer os meus caminhos; parecem povo que pratica a justiça e que nunca se esquece
do direito do seu Deus. Eles vêm me pedir as regras da justiça, eles querem estar perto de Deus. E dizem: Por
que jejuamos, e tu não viste? Por que nos humilhamos totalmente, e nem tomaste conhecimento? Acontece
que, mesmo quando estão jejuando, vocês só cuidam dos próprios interesses e continuam explorando quem
trabalha para vocês. Vejam! Vocês jejuam entre rixas e discussões, dando socos sem piedade. Não é jejuando
dessa forma que farão chegar lá em cima a voz de vocês. Vejam! O jejum que eu aprecio, o dia em que uma
pessoa procura se humilhar, não deve ser desta maneira: curvar a cabeça como se fosse uma vara, deitar de
luto na cinza... É isso que vocês chamam de jejum, um dia para agradar a Javé? O jejum que eu quero é este:
acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar
qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir
aquele que se encontra nu, e não se fechar à sua própria gente. Se você fizer isso, a sua luz brilhará como a
aurora, suas feridas vão sarar rapidamente, a justiça que você pratica irá à sua frente e a glória de Javé virá
acompanhando você. Então você clamará, e Javé responderá; você chamará por socorro, e Javé responderá:
Estou aqui! Isso, se você tirar do seu meio o jugo, o gesto que ameaça e a linguagem injuriosa; se você der o
seu pão ao faminto e matar a fome do oprimido. Então a sua luz brilhará nas trevas e a escuridão será para
você como a claridade do meio-dia; Javé será sempre o seu guia e lhe dará fartura até mesmo em terra
deserta; ele fortificará seus ossos e você será como jardim irrigado, qual mina borbulhante, onde nunca falta
água; as suas ruínas antigas serão reconstruídas, você levantará paredes em cima dos alicerces de tempos
passados. Vão chamá-lo reparador de brechas e restaurador de ruínas, onde se possa morar”.
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Am 5,21-27: “Eu detesto e desprezo as festas de vocês; tenho horror dessas reuniões. Ainda que vocês me
ofereçam sacrifícios, suas ofertas não me agradarão, nem olharei para as oferendas gordas. Longe de mim o
barulho de seus cânticos, nem quero ouvir a música de suas liras. Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito
como água e correr a justiça como riacho que não seca. Vocês por acaso fizeram ofertas ou me ofereceram
sacrifícios durante os quarenta anos de deserto, ó casa de Israel? Vocês terão que carregar o seu próprio rei
Sacut, e o ídolo Caivã, imagens de deuses que vocês fizeram para vocês próprios usarem. Porque eu vou levar
vocês para o exílio, para muito além de Damasco diz Javé, que se chama Deus dos exércitos”.
Os 6,6: “Pois eu quero amor e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais do que holocaustos”.
Mq 6,5-8: “Povo meu, lembre-se bem do que planejava Balac, rei de Moab, e o que lhe respondeu Balaão, filho
de Beor. Lembre-se do que aconteceu desde Setim até Guilgal, para que você compreenda que Javé tem razão.
Como me apresentarei a Javé? Como é que eu vou me ajoelhar diante do Deus das alturas? Irei a ele com
holocaustos, levando bezerros de um ano? Será que milhares de carneiros ou a oferta de rios de azeite
agradarão a Javé? Ou devo sacrificar o meu filho mais velho para pagar os meus erros, sacrificar o fruto das
minhas entranhas para cobrir o meu pecado? Ó homem, já foi explicado o que é bom e o que Javé exige de
você: praticar o direito, amar a misericórdia, caminhar humildemente com o seu Deus”.
Nota:10
cf. Am 1,3 - 2,16: “Assim diz Javé: Por três crimes de Damasco e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque
moeram Galaad com grade de ferro. Porei fogo na casa de Hazael e queimarei os palácios de Ben-Adad;
arrebentarei os ferrolhos de Damasco; eliminarei os chefes de Biceat-Áven e o dono do poder em Bet-Éden; e o
povo de Aram irá cativo para Quir diz Javé.
Assim diz Javé: Por três crimes de Gaza e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque fizeram cativo um povo
inteiro, para entregá-lo a Edom. Porei fogo nas muralhas de Gaza e queimarei seus palácios; eliminarei os
chefes de Azoto e o dono do poder em Ascalon; voltarei minha mão contra Acaron, e o que sobrar dos filisteus
será liquidado diz Javé.
Assim diz Javé: Por três crimes de Tiro e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque fizeram cativo um povo
inteiro para entregá-lo a Edom, sem respeitar o pacto de irmãos. Porei fogo nas muralhas de Tiro e queimarei
seus palácios diz Javé.
Assim diz Javé: Por três crimes de Edom e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque perseguiram seus irmãos
com a espada, sem ouvir a voz do sangue fraterno, e porque acenderam sua raiva para sempre, guardando
ódio eterno. Porei fogo em Temã e queimarei os palácios de Bosra diz Javé.
Assim diz Javé: Por três crimes de Amon e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque rasgaram o ventre das
mulheres grávidas de Galaad, só para alargar suas fronteiras. Porei fogo nas muralhas de Rabá e queimarei
seus palácios, com gritos de guerra no dia da batalha, como vendaval em dia de tempestade; seu rei irá para o
cativeiro, junto com seus chefes diz Javé.
Assim diz Javé: Por três crimes de Moab e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque eles queimaram até a
cinzas os ossos do rei de Edom. Porei fogo em Moab e queimarei os palácios de Cariot; Moab vai morrer em
meio ao barulho, entre gritos de guerra e ao som da corneta; eliminarei o juiz que aí existe e, com ele,
trucidarei as suas autoridades diz Javé.
Assim diz Javé: Por três crimes de Judá e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque desprezaram a lei de Javé e
não guardaram os seus mandamentos, tomando um caminho no rastro das mentiras que um dia seus pais já
tinham seguido. Porei fogo em Judá e queimarei os palácios de Jerusalém.
Assim diz Javé: Por três crimes de Israel e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque vendem o justo por
dinheiro e o necessitado por um par de sandálias; pisoteiam os fracos no chão e desviam o caminho dos
pobres! Pai e filho dormem com a mesma jovem, profanando assim o meu nome santo. Diante de todos os
altares eles se deitam sobre roupas penhoradas e no templo do seu deus bebem o vinho de juros. E à frente de
vocês, fui eu quem derrotou os amorreus, altos como cedros do Líbano e fortes como carvalhos: os frutos
deles, eu cortei por cima, e por baixo as suas raízes. Fui eu quem retirou vocês da terra do Egito e, através do
deserto, guiei vocês durante quarenta anos, a fim de os tornar proprietários da terra dos amorreus. Entre os
filhos de vocês escolhi profetas, e entre os jovens de vocês escolhi homens consagrados. Não foi assim, ó filhos
de Israel? oráculo de Javé.
No entanto, vocês embriagaram os homens consagrados e taparam a boca dos profetas. Pois eu vou abrir o
chão debaixo de vocês, como abre o chão uma carroça carregada de feixes. O mais veloz não conseguirá fugir,
a força do valente de nada lhe valerá; o forte não escapará da morte, o arqueiro não ficará de pé, o ligeiro das
pernas não escapará, e nem mesmo o cavaleiro salvará a própria vida; o mais corajoso dos guerreiros fugirá nu
nesse dia! oráculo de Javé”.
Am 8,4-8: “Pois antes que o menino aprenda a falar papai, mamãe', as riquezas de Damasco e os despojos de
Samaria serão levados perante o rei da Assíria.
Javé continuou falando comigo. Ele disse: Já que este povo desprezou a água de Siloé que corre mansa,
apavorado diante de Rason e do filho de Romelias, o Senhor vai trazer para ele as águas torrenciais e
impetuosas do rio Eufrates (o rei da Assíria com toda a sua força): elas enchem o leito, transbordam por todas
as margens, invadem Judá, o inundam e lhe sobem até o pescoço. Suas asas abertas cobrirão toda a extensão
da sua terra, ó Deus-conosco!”.
Nota:11
Jr 31,31-34: “Eis que chegarão dias oráculo de Javé em que eu farei uma aliança nova com Israel e Judá:
Não será como a aliança que fiz com seus antepassados, quando os peguei pela mão para tirá-los da terra do
Egito; aliança que eles quebraram, embora fosse eu o Senhor deles oráculo de Javé. A aliança que eu farei
com Israel depois desses dias é a seguinte oráculo de Javé: Colocarei minha lei em seu peito e a escreverei em
seu coração; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Ninguém mais precisará ensinar seu próximo ou
seu irmão, dizendo: Procure conhecer a Javé. Porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão oráculo de
Javé. Pois eu perdôo suas culpas e esqueço seus erros”.
Ez 36,22-32: “Por isso, diga à casa de Israel: Assim diz o Senhor Javé: Não é por causa de vocês que estou
agindo assim, ó casa de Israel, mas por causa do meu nome santo, que vocês profanaram no meio das nações
aonde foram parar. Vou santificar o meu nome grandioso, que foi profanado entre as nações, porque vocês o
profanaram entre elas. Então as nações ficarão sabendo que eu sou Javé oráculo do Senhor Javé quando eu
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mostrar a minha santidade em vocês diante deles. Vou pegar vocês do meio das nações, vou reuni-los de todos
os países e levá-los para a sua própria terra. Derramarei sobre vocês uma água pura, e vocês ficarão
purificados. Vou purificar vocês de todas as suas imundícies e de todos os seus ídolos. Darei para vocês um
coração novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra, e lhes darei
um coração de carne. Colocarei dentro de vocês o meu espírito, para fazer com que vivam de acordo com os
meus estatutos e observem e coloquem em prática as minhas normas. Então vocês habitarão na terra que dei
aos seus antepassados: vocês serão o meu povo, e eu serei o Deus de vocês. Livrarei vocês de todas as suas
impurezas. Convocarei o trigo e o multiplicarei. Nunca mais vou lhes mandar a fome. Multiplicarei os frutos das
árvores e a produção das roças para que vocês não passem mais a vergonha da fome entre as nações. Então
vocês se lembrarão de seu comportamento perverso e de suas más ações, e sentirão nojo de si próprios, por
causa de suas maldades e abominações. Saibam que não é por causa de vocês que estou fazendo isso oráculo
do Senhor Javé. Fiquem envergonhados e confusos, por causa do seu comportamento, ó casa de Israel”.
Nota:12
Mt 28,20: “E ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias,
até o fim do mundo”.
Nota:13
Lc 6,20-21: “Levantando os olhos para os discípulos, Jesus disse: Felizes de vocês, os pobres, porque o Reino
de Deus lhes pertence. Felizes de vocês que agora têm fome, porque serão saciados. Felizes de vocês que
agora choram, porque hão de rir”.
Nota:14
Mt 5,3: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”.
Nota:15
Mt 5,6: “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”.
Nota:16
cf. Mt 5,7: “Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia”.
Lc 6,36: “Sejam misericordiosos, como também o Pai de vocês é misericordioso”.
Mt 25,31ss: “Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se
assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos
outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita, e os cabritos à
sua esquerda”.
Nota:17
Mt 5,9: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”.
Nota:18
Mt 11,29: “Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês
encontrarão descanso para suas vidas”.
Nota:19
cf. Mt 5,17-20: “Não pensem que eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas para dar-lhes pleno
cumprimento. Eu garanto a vocês: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem sequer uma letra ou
vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo aconteça. Portanto, quem desobedecer a um só desses
mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazer o mesmo, será considerado o menor no Reino
do Céu. Por outro lado, quem os praticar e ensinar, será considerado grande no Reino do Céu. Com efeito, eu
lhes garanto: se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no
Reino do Céu”.
Nota:20
cf. Mt 5,21-48: “Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: Não mate! Quem matar será condenado pelo
tribunal. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que fica com raiva do seu irmão, se torna réu perante o tribunal.
Quem diz ao seu irmão: imbecil, se torna réu perante o Sinédrio; quem chama o irmão de idiota, merece o fogo
do inferno. Portanto, se você for até o altar para levar a sua oferta, e aí se lembrar de que o seu irmão tem
alguma coisa contra você, deixe a oferta aí diante do altar, e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão; depois,
volte para apresentar a oferta. Se alguém fez alguma acusação contra você, procure logo entrar em acordo
com ele, enquanto estão a caminho do tribunal; senão o acusador entregará você ao juiz, o juiz o entregará ao
guarda, e você irá para a prisão. Eu garanto: daí você não sairá, enquanto não pagar até o último centavo.
Vocês ouviram o que foi dito: Não cometa adultério. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que olha para uma
mulher e deseja possuí-la, já cometeu adultério com ela no coração.
Se o olho direito leva você a pecar, arranque-o e jogue-o fora! É melhor perder um membro, do que o seu
corpo todo ser jogado no inferno. Se a mão direita leva você a pecar, corte-a e jogue-a fora! É melhor perder
um membro do que o seu corpo todo ir para o inferno.
Também foi dito: Quem se divorciar de sua mulher, lhe dê uma certidão de divórcio. Eu, porém, lhes digo: todo
aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz com que ela se torne adúltera; e
quem se casa com a mulher divorciada, comete adultério.
Vocês ouviram também o que foi dito aos antigos: Não jure falso, mas cumpra os seus juramentos para com o
Senhor. Eu, porém, lhes digo: não jurem de modo algum: nem pelo Céu, porque é o trono de Deus; nem pela
terra, porque é o suporte onde ele apóia os pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei. Não jure
nem mesmo pela sua própria cabeça, porque você não pode fazer um só fio de cabelo ficar branco ou preto.
Diga apenas sim, quando é sim; e não, quando é não. O que você disser além disso, vem do Maligno.
Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho e dente por dente! Eu, porém, lhes digo: não se vinguem de quem
fez o mal a vocês. Pelo contrário: se alguém lhe dá um tapa na face direita, ofereça também a esquerda! Se
alguém faz um processo para tomar de você a túnica, deixe também o manto! Se alguém obriga você a andar
um quilômetro, caminhe dois quilômetros com ele! Dê a quem lhe pedir, e não vire as costas a quem lhe pedir
emprestado.
Vocês ouviram o que foi dito: Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo! Eu, porém, lhes digo: amem os seus
inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu,
porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos. Pois, se vocês amam
somente aqueles que os amam, que recompensa vocês terão? Os cobradores de impostos não fazem a mesma
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coisa? E se vocês cumprimentam somente seus irmãos, o que é que vocês fazem de extraordinário? Os pagãos
não fazem a mesma coisa? Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu”.
Mt 19,16-22: “Um jovem se aproximou, e disse a Jesus: Mestre, que devo fazer de bom para possuir a vida
eterna? Jesus respondeu: Por que você me pergunta sobre o que é bom? Um só é o bom. Se você quer entrar
para a vida, guarde os mandamentos. O homem perguntou: Quais mandamentos? Jesus respondeu: Não mate;
não cometa adultério; não roube; não levante falso testemunho; honre seu pai e sua mãe; e ame seu próximo
como a si mesmo. O jovem disse a Jesus: Tenho observado todas essas coisas. O que é que ainda me falta
fazer? Jesus respondeu: Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos pobres, e você
terá um tesouro no céu. Depois venha, e siga-me. Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza,
porque era muito rico”.
Mc 10,17-22: “Quando Jesus saiu de novo a caminhar, um homem foi correndo, ajoelhou-se diante dele e
perguntou: Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna? Jesus respondeu: Por que você me chama
de bom? Só Deus é bom, e ninguém mais. Você conhece os mandamentos: não mate; não cometa adultério;
não roube; não levante falso testemunho; não engane; honre seu pai e sua mãe. O homem afirmou: Mestre,
desde jovem tenho observado todas essas coisas. Jesus olhou para ele com amor, e disse: Falta só uma coisa
para você fazer: vá, venda tudo, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois venha e sigame. Quando ouviu isso, o homem ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque ele era muito rico”.
Nota:21
Mt 19,1-9: “Quando Jesus acabou de dizer essas palavras, ele partiu da Galiléia, e foi para o território da
Judéia, no outro lado do rio Jordão. Numerosas multidões o seguiram, e Jesus aí as curou.
Alguns fariseus se aproximaram de Jesus, e perguntaram, para o tentar: É permitido ao homem divorciar-se de
sua mulher por qualquer motivo? Jesus respondeu: Vocês nunca leram que o Criador, desde o início, os fez
homem e mulher? E que ele disse: Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e os
dois serão uma só carne? Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o
homem não deve separar. Os fariseus perguntaram: Então, como é que Moisés mandou dar certidão de divórcio
ao despedir a mulher? Jesus respondeu: Moisés permitiu o divórcio, porque vocês são duros de coração. Mas
não foi assim desde o início. Eu, por isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de
fornicação, e casar-se com outra, comete adultério”.
Mc 10,1-12: “Jesus partiu daí e foi para o território da Judéia, do outro lado do rio Jordão. As multidões se
reuniram de novo em torno de Jesus. E ele, como de costume, as ensinava. Alguns fariseus se aproximaram de
Jesus. Queriam tentá-lo e lhe perguntaram se a Lei permitia um homem se divorciar da sua mulher. Jesus
perguntou: O que é que Moisés mandou vocês fazer? Os fariseus responderam: Moisés permitiu escrever uma
certidão de divórcio e depois mandar a mulher embora. Jesus então disse: Foi por causa da dureza do coração
de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher.
Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois,
mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar.
Quando chegaram em casa, os discípulos fizeram de novo perguntas sobre o mesmo assunto. Jesus respondeu:
O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher. E
se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério”.
Nota:22
cf. Mc 7,18-23: “Jesus disse: Será que nem vocês entendem? Vocês não compreendem que nada do que vem
de fora e entra numa pessoa pode torná-la impura, porque não entra em seu coração, mas em seu estômago, e
vai para a privada? (Assim Jesus declarava que todos os alimentos eram puros). Jesus continuou a dizer: É o
que sai da pessoa que a torna impura. Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções,
como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições sem limite, maldades, malícia, devassidão, inveja,
calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas essas coisas más saem de dentro da pessoa, e são elas que a tornam
impura”.
Nota:23
cf. Mt 23,23, que alude aos grandes profetas: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês pagam
o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei,
como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês deveriam praticar isso, sem deixar aquilo”.
Mt 9,13, que cita: “Aprendam, pois, o que significa: Eu quero a misericórdia e não o sacrifício. Porque eu não
vim para chamar justos, e sim pecadores”.
Os 6,6: “Pois eu quero amor e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais do que holocaustos”.
Nota:24
Mc 12,17: “Dai a Deus o que é de Deus”: “Então Jesus disse: Pois dêem a César o que é de César, e a Deus o
que é de Deus. E eles ficaram admirados com Jesus”.
Nota:25
Mt 22,39: “O segundo é semelhante a esse: Ame ao seu próximo como a si mesmo”.
Nota:26
cf. Lc 10,25-28: “Um especialista em leis se levantou, e, para tentar Jesus perguntou: Mestre, o que devo
fazer para receber em herança a vida eterna? Jesus lhe disse: O que é que está escrito na Lei? Como você lê?
Ele então respondeu: Ame o Senhor, seu Deus, com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua
força e com toda a sua mente; e ao seu próximo como a si mesmo. Jesus lhe disse: Você respondeu certo. Faça
isso, e viverá!”.
Nota:27
Jo 13,24: “Simão Pedro fez um sinal para que ele procurasse saber de quem Jesus estava falando”.
Nota:28
Jo 13,1: “Antes da festa da Páscoa, Jesus sabia que tinha chegado a sua hora. A hora de passar deste mundo
para o Pai. Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”.
Nota:29
At 10,38: “Eu me refiro a Jesus de Nazaré: Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder. E Jesus andou por
toda parte, fazendo o bem e curando todos os que estavam dominados pelo diabo; porque Deus estava com
Jesus”.
38
Nota:30
cf. 1Cor 9,21: “Com aqueles que vivem sem a Lei, comportei-me como se vivesse sem a Lei embora eu não
viva sem a lei de Deus, pois estou sob a lei de Cristo , para ganhar aqueles que vivem sem a Lei”.
Rm 10,4: “Pois o fim da Lei é Cristo, para que todo aquele que acredita se torne justo”.
Gl 2,19-20: “Quanto a mim, foi através da Lei que eu morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Fui morto na
cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora
vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”.
Fl 1,21: “Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro”.
Nota:31
cf. a regra áurea de Mt 7,12: “Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a
eles. Pois nisso consistem a Lei e os Profetas”.
Nota:32
Lc 10,29-37: “Mas o especialista em leis, querendo se justificar, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?
Jesus respondeu: Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe
arrancaram tudo, e o espancaram. Depois foram embora, e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote
estava descendo por aquele caminho; quando viu o homem, passou adiante, pelo outro lado. O mesmo
aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu, e passou adiante, pelo outro lado. Mas um samaritano, que
estava viajando, chegou perto dele, viu, e teve compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo
e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal, e o levou a uma pensão, onde cuidou
dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata, e as entregou ao dono da pensão, recomendando: Tome
conta dele. Quando eu voltar, vou pagar o que ele tiver gasto a mais. E Jesus perguntou: Na sua opinião, qual
dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? O especialista em leis respondeu: Aquele
que praticou misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vá, e faça a mesma coisa”.
Lc 6,27-35: “Mas, eu digo a vocês que me escutam: amem os seus inimigos, e façam o bem aos que odeiam
vocês. Desejem o bem aos que os amaldiçoam, e rezem por aqueles que caluniam vocês. Se alguém lhe dá um
tapa numa face, ofereça também a outra; se alguém lhe toma o manto, deixe que leve também a túnica. Dê a
quem lhe pede e, se alguém tira o que é de você, não peça que devolva. O que vocês desejam que os outros
lhes façam, também vocês devem fazer a eles. Se vocês amam somente aqueles que os amam, que gratuidade
é essa? Até mesmo os pecadores amam aqueles que os amam. Se vocês fazem o bem somente aos que lhes
fazem o bem, que gratuidade é essa? Até mesmo os pecadores fazem assim. E se vocês emprestam somente
para aqueles de quem esperam receber, que gratuidade é essa? Até mesmo os pecadores emprestam aos
pecadores, para receber de volta a mesma quantia. Ao contrário, amem os inimigos, façam o bem e
emprestem, sem esperar coisa alguma em troca. Então, a recompensa de vocês será grande, e vocês serão
filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e maus”.
Mt 5,43-48: “Vocês ouviram o que foi dito: Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo! Eu, porém, lhes digo:
amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que
está no céu, porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos. Pois, se
vocês amam somente aqueles que os amam, que recompensa vocês terão? Os cobradores de impostos não
fazem a mesma coisa? E se vocês cumprimentam somente seus irmãos, o que é que vocês fazem de
extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês
que está no céu”.
Nota:33
cf. 1Jo 4,20: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e no entanto odeia o seu irmão, esse tal é mentiroso; pois quem
não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê”.
Rm 13,8-10: “Não fiquem devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo. Pois, quem ama o próximo
cumpriu plenamente a Lei. De fato, os mandamentos: não cometa adultério, não mate, não roube, não cobice,
e todos os outros se resumem nesta sentença: Ame o seu próximo como a si mesmo. O amor não pratica o mal
contra o próximo, pois o amor é o pleno cumprimento da Lei”.
1Cor 13: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se eu não tivesse o amor, seria como sino
ruidoso ou como címbalo estridente. Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os
mistérios e de toda a ciência; ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse
o amor, eu não seria nada. Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o
meu corpo às chamas, se não tivesse o amor, nada disso me adiantaria. O amor é paciente, o amor é
prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura
seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a
verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará. As profecias
desaparecerão, as línguas cessarão, a ciência também desaparecerá. Pois o nosso conhecimento é limitado;
limitada é também a nossa profecia. Mas, quando vier a perfeição, desaparecerá o que é limitado. Quando eu
era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei
adulto, deixei o que era próprio de criança. Agora vemos como em espelho e de maneira confusa; mas depois
veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas depois conhecerei como sou conhecido. Agora,
portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor”.
Nota:34
cf. o Sermão da Montanha, particularmente Mt 5,20-47: “Com efeito, eu lhes garanto: se a justiça de vocês
não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu.
Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: Não mate! Quem matar será condenado pelo tribunal. Eu, porém,
lhes digo: todo aquele que fica com raiva do seu irmão, se torna réu perante o tribunal. Quem diz ao seu
irmão: imbecil, se torna réu perante o Sinédrio; quem chama o irmão de idiota, merece o fogo do inferno.
Portanto, se você for até o altar para levar a sua oferta, e aí se lembrar de que o seu irmão tem alguma coisa
contra você, deixe a oferta aí diante do altar, e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão; depois, volte para
apresentar a oferta. Se alguém fez alguma acusação contra você, procure logo entrar em acordo com ele,
enquanto estão a caminho do tribunal; senão o acusador entregará você ao juiz, o juiz o entregará ao guarda,
e você irá para a prisão. Eu garanto: daí você não sairá, enquanto não pagar até o último centavo.
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Vocês ouviram o que foi dito: Não cometa adultério. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que olha para uma
mulher e deseja possuí-la, já cometeu adultério com ela no coração.
Se o olho direito leva você a pecar, arranque-o e jogue-o fora! É melhor perder um membro, do que o seu
corpo todo ser jogado no inferno. Se a mão direita leva você a pecar, corte-a e jogue-a fora! É melhor perder
um membro do que o seu corpo todo ir para o inferno.
Também foi dito: Quem se divorciar de sua mulher, lhe dê uma certidão de divórcio. Eu, porém, lhes digo: todo
aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz com que ela se torne adúltera; e
quem se casa com a mulher divorciada, comete adultério.
Vocês ouviram também o que foi dito aos antigos: Não jure falso, mas cumpra os seus juramentos para com o
Senhor. Eu, porém, lhes digo: não jurem de modo algum: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela
terra, porque é o suporte onde ele apóia os pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei. Não jure
nem mesmo pela sua própria cabeça, porque você não pode fazer um só fio de cabelo ficar branco ou preto.
Diga apenas sim, quando é sim; e não, quando é não. O que você disser além disso, vem do Maligno.
Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho e dente por dente! Eu, porém, lhes digo: não se vinguem de quem
fez o mal a vocês. Pelo contrário: se alguém lhe dá um tapa na face direita, ofereça também a esquerda! Se
alguém faz um processo para tomar de você a túnica, deixe também o manto! Se alguém obriga você a andar
um quilômetro, caminhe dois quilômetros com ele! Dê a quem lhe pedir, e não vire as costas a quem lhe pedir
emprestado.
Vocês ouviram o que foi dito: Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo! Eu, porém, lhes digo: amem os seus
inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu,
porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos. Pois, se vocês amam
somente aqueles que os amam, que recompensa vocês terão? Os cobradores de impostos não fazem a mesma
coisa? E se vocês cumprimentam somente seus irmãos, o que é que vocês fazem de extraordinário? Os pagãos
não fazem a mesma coisa?”.
Nota:35
cf. Mt 13,33: “Jesus contou-lhes ainda outra parábola: O Reino do Céu é como o fermento que uma mulher
pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado”.
Nota:36
cf. Gl 5,1-13: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, fiquem firmes e não se
submetam de novo ao jugo da escravidão.
Eu, Paulo, declaro: se vocês se fazem circuncidar, Cristo de nada adiantará para vocês. E a todo homem que se
faz circuncidar, eu declaro: agora está obrigado a observar toda a Lei. Vocês que buscam a justiça na Lei se
desligaram de Cristo e se separaram da graça. Nós, de fato, aguardamos no Espírito a esperança de nos
tornarmos justos através da fé, porque, em Jesus Cristo, o que conta não é a circuncisão ou a não circuncisão,
mas a fé que age por meio do amor.
Vocês estavam correndo bem. Quem foi que colocou obstáculo para que vocês não obedeçam mais à verdade?
Tal influência não vem daquele que chama vocês. Um pouco de fermento basta para levedar toda a massa!
Confio no Senhor que vocês estão de acordo com isso. Aquele, porém, que os perturba sofrerá condenação,
seja quem for. Quanto a mim, irmãos, se é verdade que ainda prego a circuncisão, por que sou perseguido?
Nesse caso, o escândalo da cruz estaria anulado! Tomara que aqueles que estão perturbando vocês se mutilem
de uma vez por todas!
Irmãos, vocês foram chamados para serem livres. Que essa liberdade, porém, não se torne desculpa para
vocês viverem satisfazendo os instintos egoístas. Pelo contrário, coloquem-se a serviço uns dos outros através
do amor”.
1Cor 7,22: “Porque o escravo, que foi chamado no Senhor, é liberto no Senhor. Da mesma forma, aquele que
era livre quando foi chamado é escravo de Cristo”.
2Cor 3,17: “pois o Senhor é o Espírito; e onde se acha o Espírito do Senhor aí existe a liberdade”.
Nota:37
cf. Mt 19,12: “De fato, há homens castrados, porque nasceram assim; outros, porque os homens os fizeram
assim; outros, ainda, se castraram por causa do Reino do Céu. Quem puder entender, entenda”.
Nota:38
cf. Mt 13,30: “Deixem crescer um e outro até à colheita. E no tempo da colheita direi aos ceifadores:
arranquem primeiro o joio, e o amarrem em feixes para ser queimado. Depois recolham o trigo no meu
celeiro!”.
Nota:39
cf. Mt 6,24: “Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um
e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e às riquezas”.
Nota:40
cf. Jo 17,15: “Não te peço para tirá-los do mundo, mas para guardá-los do maligno”.
Nota:41
Fl 4,8: “Finalmente, irmãos, ocupem-se com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso,
virtuoso, ou que de algum modo mereça louvor”.
Nota:42
cf. Mt 10,16-39: “Eis que eu envio vocês como ovelhas no meio de lobos. Portanto, sejam prudentes como as
serpentes e simples como as pombas. Tenham cuidado com os homens, porque eles entregarão vocês aos
tribunais e açoitarão vocês nas sinagogas deles. Vocês vão ser levados diante de governadores e reis, por
minha causa, a fim de serem testemunhas para eles e para as nações. Quando entregarem vocês, não fiquem
preocupados como ou com aquilo que vocês vão falar, porque, nessa hora, será sugerido a vocês o que vocês
devem dizer. Com efeito, não serão vocês que irão falar, e sim o Espírito do Pai de vocês é quem falará através
de vocês.
O irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra seus pais, e
os matarão. Vocês serão odiados de todos, por causa do meu nome. Mas, aquele que perseverar até o fim, esse
será salvo. Quando perseguirem vocês numa cidade, fujam para outra. Eu garanto que vocês não acabarão de
percorrer as cidades de Israel, antes que venha o Filho do Homem.
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O discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do seu senhor. Para o discípulo basta ser como o seu
mestre, e para o servo ser como o seu senhor. Se chamaram de Belzebu o dono da casa, quanto mais os que
são da casa dele!
Não tenham medo deles, pois não há nada de escondido que não venha a ser revelado, e não existe nada de
oculto que não venha a ser conhecido. O que digo a vocês na escuridão, repitam à luz do dia, e o que vocês
escutam em segredo, proclamem sobre os telhados. Não tenham medo daqueles que matam o corpo, mas não
podem matar a alma. Pelo contrário, tenham medo daquele que pode arruinar a alma e o corpo no inferno! Não
se vendem dois pardais por alguns trocados? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do
Pai de vocês. Quanto a vocês, até os cabelos da cabeça estão todos contados. Não tenham medo! Vocês valem
mais do que muitos pardais. Portanto, todo aquele que der testemunho de mim diante dos homens, também eu
darei testemunho dele diante do meu Pai que está no céu. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens,
eu também o renegarei diante do meu Pai que está no céu.
Não pensem que eu vim trazer paz à terra; eu não vim trazer a paz, e sim a
espada. De fato, eu vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe, a nora de sua sogra. E os inimigos do
homem serão os seus próprios familiares. Quem ama seu pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim.
Quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim. Quem não toma a sua cruz e não me
segue, não é digno de mim. Quem procura conservar a própria vida, vai perdê-la. E quem perde a sua vida por
causa de mim, vai encontrá-la”.
1Pd 2,20: “Que mérito haveria em suportar com paciência, se vocês fossem esbofeteados por terem agido
errado? Pelo contrário, se vocês são pacientes no sofrimento quando fazem o bem, isto sim é ação louvável
diante de Deus”.
3,13-17: “E quem lhes fará mal, se vocês se empenham em fazer o bem? Se sofrem por causa da justiça,
felizes de vocês! Não tenham medo deles, nem fiquem assustados. Ao contrário, reconheçam de coração o
Cristo como Senhor, estando sempre prontos a dar a razão de sua esperança a todo aquele que a pede a vocês,
mas com bons modos, com respeito e mantendo a consciência limpa. Assim, quando vocês forem difamados em
alguma coisa, aqueles que criticam o bom comportamento que vocês têm em Cristo ficarão confundidos. Pois,
se é da vontade de Deus que vocês sofram, é melhor que seja por praticarem o bem, e não o mal”.
Nota:43
cf. Rm 6,3-4: “Ou vocês não sabem que todos nós, que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na
sua morte? Pelo batismo fomos sepultados com ele na morte, para que, assim como Cristo foi ressuscitado dos
mortos por meio da glória do Pai, assim também nós possamos caminhar numa vida nova”.
Rm 8,5-6: “Os que vivem segundo os instintos egoístas inclinam-se para os instintos egoístas; mas os que
vivem segundo o Espírito inclinam-se para aquilo que é próprio do Espírito. Os desejos dos instintos egoístas
levam à morte; enquanto os desejos do Espírito levam para a vida e a paz”.
Nota:44
2Cor 3,3: “De fato, é evidente que vocês são uma carta de Cristo, da qual nós fomos o instrumento; carta
escrita, não com tinta, mas nas tábuas de carne do coração de vocês”.
Nota:45
cf. Gl 5,13: “Irmãos, vocês foram chamados para serem livres. Que essa liberdade, porém, não se torne
desculpa para vocês viverem satisfazendo os instintos egoístas. Pelo contrário, coloquem-se a serviço uns dos
outros através do amor”.
Nota:46
1Cor 9,19: “Embora eu seja livre em relação a todos, tornei-me o servo de todos, a fim de ganhar o maior
número possível”.
Nota:47
cf. At 2-6: “Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo lugar. De repente,
veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval, e encheu a casa onde eles se encontravam.
Apareceram então umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos
ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia
que falassem.
Acontece que em Jerusalém moravam judeus devotos de todas as nações do mundo. Quando ouviram o
barulho, todos se reuniram e ficaram confusos, pois cada um ouvia, na sua própria língua, os discípulos
falarem. Espantados e surpresos, diziam: Esses homens que estão falando, não são todos galileus? Como é que
cada um de nós os ouve em sua própria língua materna? Entre nós há partos, medos e elamitas; gente da
Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da região da
Líbia vizinha de Cirene; alguns de nós vieram de Roma, outros são judeus ou pagãos convertidos; também há
cretenses e árabes. E cada um de nós em sua própria língua os ouve anunciar as maravilhas de Deus! Todos
estavam admirados e perplexos, e cada um perguntava a outro: O que quer dizer isso? Outros caçoavam e
diziam: Eles estão embriagados com vinho doce.
Então Pedro, que aí estava com os outros onze apóstolos, levantou-se e falou em voz alta: Homens da Judéia e
todos vocês que se encontram em Jerusalém! Compreendam o que está acontecendo e prestem atenção nas
minhas palavras: estes homens não estão embriagados como vocês pensam, pois são apenas nove horas da
manhã. Pelo contrário, está acontecendo aquilo que o profeta Joel anunciou: Nos últimos dias, diz o Senhor, eu
derramarei o meu Espírito sobre todas as pessoas. Os filhos e filhas de vocês vão profetizar, os jovens terão
visões e os anciãos terão sonhos. E, naqueles dias, derramarei o meu Espírito também sobre meus servos e
servas, e eles profetizarão. Farei prodígios no alto do céu, e sinais embaixo na terra: sangue, fogo e nuvens de
fumaça. O sol se transformará em trevas, e a lua em sangue, antes que chegue o dia do Senhor, dia grande e
glorioso. E todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo.
Homens de Israel, escutem estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem que Deus confirmou entre vocês,
realizando por meio dele os milagres, prodígios e sinais que vocês bem conhecem. E Deus, com sua vontade e
presciência, permitiu que Jesus lhes fosse entregue, e vocês, através de ímpios, o mataram, pregando-o numa
cruz. Deus, porém, ressuscitou Jesus, libertando-o das cadeias da morte, porque não era possível que ela o
dominasse. De fato, Davi assim falou a respeito de Jesus: Eu via sempre o Senhor diante de mim, porque ele
está à minha direita, para que eu não vacile. Por isso, meu coração se alegra, minha língua exulta e minha
41
carne repousa com esperança. Porque não me abandonarás na região dos mortos, nem permitirás que o teu
santo conheça a corrupção. Tu me ensinaste os caminhos da vida, e me encherás de alegria na tua presença.
Irmãos, quanto ao patriarca Davi, permitam que eu lhes diga com franqueza: ele morreu, foi sepultado e seu
túmulo está entre nós até hoje. Mas, ele era profeta, e sabia que Deus lhe havia jurado solenemente fazer com
que um descendente seu lhe sucedesse no trono. Por isso, previu a ressurreição de Cristo e falou: ele não foi
abandonado na região dos mortos, e a sua carne não conheceu a corrupção.
Deus ressuscitou a este Jesus. E nós todos somos testemunhas disso. Ele foi exaltado à direita de Deus,
recebeu do Pai o Espírito prometido e o derramou: é o que vocês estão vendo e ouvindo. De fato, Davi não
subiu ao céu, mas falou: O Senhor disse ao meu Senhor: sente-se à minha direita, até que eu faça de seus
inimigos um lugar para apoiar seus pés. Que todo o povo de Israel fique sabendo com certeza que Deus tornou
Senhor e Cristo aquele Jesus que vocês crucificaram.
Quando ouviram isso, todos ficaram de coração aflito e perguntaram a Pedro e aos outros discípulos: Irmãos, o
que devemos fazer? Pedro respondeu: Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus
Cristo, para o perdão dos pecados; depois vocês receberão do Pai o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é
em favor de vocês e de seus filhos, e para todos aqueles que estão longe, todos aqueles que o Senhor nosso
Deus chamar. Com muitas outras palavras, Pedro lhes dava testemunho e exortava, dizendo: Salvem-se dessa
gente corrompida. Os que acolheram a palavra de Pedro receberam o batismo. E nesse dia uniram-se a eles
cerca de três mil pessoas.
Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas
orações. Em todos eles havia temor, por causa dos numerosos prodígios e sinais que os apóstolos realizavam.
Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades
e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Diariamente, todos juntos
freqüentavam o Templo e nas casas partiam o pão, tomando alimento com alegria e simplicidade de coração.
Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E a cada dia o Senhor acrescentava à comunidade outras
pessoas que iam aceitando a salvação.
Capítulo 3: Pedro e João iam subindo ao Templo para a oração das três horas da tarde, quando viram trazer
um homem, coxo de nascença. Costumavam colocá-lo todos os dias na porta do Templo chamada Formosa,
para pedir esmola aos que entravam no Templo. Quando viu Pedro e João entrando no Templo, o homem pediu
uma esmola. Pedro e João olharam bem para o homem. E Pedro disse: Olhe para nós. O homem olhou os dois
com atenção, esperando receber alguma coisa. Então Pedro disse: Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho
eu lhe dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareu, levante-se e comece a andar! Depois Pedro pegou a mão
direita do homem e o ajudou a se levantar. Na mesma hora, os pés e tornozelos do homem ficaram firmes.
Então ele deu um pulo, ficou de pé e começou a andar. E entrou no Templo junto com Pedro e João, andando,
pulando e louvando a Deus.
O povo todo viu o homem andando e louvando a Deus. Reconheceram que era ele quem ficava pedindo
esmolas na porta Formosa do Templo. E ficaram admirados e espantados com o que havia acontecido a ele. O
homem curado não deixava mais Pedro e João. E todo o povo assombrado, foi correndo ao chamado Pórtico de
Salomão.
Ao ver isso, Pedro se dirigiu ao povo: Israelitas, por que vocês se espantam com o que aconteceu? Por que
ficam olhando para nós, como se tivéssemos feito esse homem andar com o nosso próprio poder ou piedade? O
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus de nossos antepassados glorificou o seu servo Jesus. Vocês o
entregaram e o rejeitaram diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. Vocês, porém, renegaram o Santo
e o Justo, e pediram clemência para um assassino. Vocês mataram o Autor da vida, mas Deus o ressuscitou
dos mortos. E disso nós somos testemunhas. Graças à fé no nome de Jesus, esse Nome acaba de fortalecer
este homem que vocês vêem e reconhecem. A fé em Jesus deu saúde perfeita a esse homem que está na
presença de todos vocês.
Apesar disso, meus irmãos, eu sei que vocês agiram por ignorância, assim como os chefes de vocês. Deus,
porém, cumpriu desse modo o que havia anunciado através de todos os profetas: que o seu Messias haveria de
sofrer. Portanto, arrependam-se e convertam-se para que os pecados de vocês sejam perdoados. Assim vocês
poderão alcançar o tempo do repouso que vem do Senhor. E ele enviará Jesus, o Messias que havia destinado
para vocês. No entanto, é necessário que o céu o receba, até que se cumpra o tempo da restauração de todas
as coisas, conforme disse Deus nos tempos passados pela boca de seus santos profetas. De fato, Moisés
afirmou: O Senhor Deus fará surgir, entre os irmãos de vocês, um profeta como eu. Escutem tudo o que ele
disser a vocês. Quem não der ouvidos a esse profeta será eliminado do meio do povo. E todos os profetas que
falaram desde Samuel e seus sucessores, também eles anunciaram estes dias.
Vocês são filhos dos profetas e dos homens com quem Deus fez a Aliança, quando disse a Abraão: Através da
sua descendência, serão abençoadas todas as famílias da terra. Após ter ressuscitado o seu servo, Deus o
enviou em primeiro lugar a vocês, para os abençoar e para que cada um se converta de suas maldades.
Capítulo 4: Pedro e João ainda estavam falando ao povo, quando chegaram os sacerdotes, o chefe da guarda
do Templo e os saduceus. Estavam irritados porque os apóstolos ensinavam o povo e anunciavam que a
ressurreição dos mortos tinha acontecido em Jesus. Prenderam Pedro e João e os colocaram na prisão até o dia
seguinte, porque já estava anoitecendo. Todavia, muitos daqueles que tinham ouvido o discurso acreditaram. E
o número dos homens chegou a uns cinco mil.
No dia seguinte se reuniram em Jerusalém os chefes, os anciãos e os doutores da Lei. Aí estava o sumo
sacerdote Anás e também Caifás, João Alexandre e todos os que pertenciam às famílias dos chefes dos
sacerdotes. Fizeram Pedro e João comparecer diante deles e os interrogavam: Com que poder, ou em nome de
quem, vocês fizeram isso?
Então Pedro, cheio do Espírito Santo, falou para eles: Chefes do povo e anciãos! Hoje estamos sendo
interrogados em julgamento porque fizemos o bem a um enfermo e pelo modo com que ele foi curado. Pois
fiquem sabendo todos vocês, e também todo o povo de Israel: é pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré, aquele
que vocês crucificaram e que Deus ressuscitou dos mortos, é pelo seu nome, e por nenhum outro, que este
homem está curado diante de vocês. Jesus é a pedra que vocês, construtores, rejeitaram, que se tornou a
pedra angular. Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não existe outro nome dado aos
homens, pelo qual possamos ser salvos.
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Eles ficaram admirados ao ver a segurança com que Pedro e João falavam, pois eram pessoas simples e sem
instrução. Reconheceram que eles eram companheiros de Jesus. No entanto, viam em pé, junto a eles, o
homem que tinha sido curado. E não podiam dizer nada em contrário.
Mandaram que saíssem para fora do Sinédrio, e começaram a discutir entre si: O que vamos fazer com esses
homens? Eles realizaram um milagre claríssimo, e o fato se tornou de tal modo conhecido por todos os
habitantes de Jerusalém, que não podemos negar. Contudo, a fim de que a coisa não se espalhe ainda mais
entre o povo, vamos ameaçá-los, para que não falem mais a ninguém a respeito do nome de Jesus.
Chamaram de novo Pedro e João e lhes ordenaram que de modo algum falassem ou ensinassem em nome de
Jesus. Pedro e João responderam: Julguem vocês mesmos se é justo diante de Deus que obedeçamos a vocês e
não a ele! Quanto a nós, não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos. Então, insistindo em suas
ameaças, deixaram Pedro e João em liberdade, já que não tinham meio de castigá-los, por causa do povo. Pois
todos glorificavam a Deus pelo que tinha acontecido. De fato, o homem que tinha sido milagrosamente curado
tinha mais de quarenta anos.
Logo que foram postos em liberdade, Pedro e João voltaram para junto dos irmãos e contaram tudo o que os
chefes dos sacerdotes e os anciãos haviam dito. Ao ouvir o relato, todos elevaram a voz a Deus, dizendo:
Senhor, tu criaste o céu, a terra, o mar e tudo que existe neles. Por meio do Espírito Santo disseste através do
teu servo Davi, nosso pai: Por que se amotinam as nações, e os povos planejam em vão? Os reis da terra se
insurgem e os príncipes conspiram unidos contra o Senhor e contra o seu Messias. Foi o que aconteceu nesta
cidade: Herodes e Pôncio Pilatos se uniram com os pagãos e os povos de Israel contra Jesus, teu santo servo, a
quem ungiste, a fim de executarem tudo o que a tua mão e a tua vontade tinham predeterminado que
sucedesse. Agora, Senhor, olha as ameaças que fazem e concede que os teus servos anunciem corajosamente
a tua palavra. Estende a mão para que se realizem curas, sinais e prodígios por meio do nome do teu santo
servo Jesus. Quando terminaram a oração, estremeceu o lugar em que estavam reunidos. Todos, então,
ficaram cheios do Espírito Santo e, com coragem, anunciavam a palavra de Deus.
A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade particular as coisas
que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da
ressurreição do Senhor Jesus. E todos eles gozavam de grande aceitação. Entre eles ninguém passava
necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o colocavam aos pés
dos apóstolos; depois, ele era distribuído a cada um conforme a sua necessidade. Foi assim que procedeu José,
um levita nascido em Chipre, apelidado pelos apóstolos com o nome de Barnabé, que significa filho da
exortação. Ele vendeu o campo que possuía, trouxe o dinheiro e o colocou aos pés dos apóstolos.
Capítulo 5: Um homem chamado Ananias fez um acordo com sua esposa Safira: vendeu uma propriedade que
possuía, reteve uma parte do dinheiro para si e entregou a outra parte, colocando-a aos pés dos apóstolos. E
Pedro lhe perguntou: Ananias, por que você deixou Satanás tomar posse do seu coração? Por que você está
mentindo para o Espírito Santo, conservando uma parte do preço do terreno? Você não podia conservá-lo para
si sem vendê-lo? E mesmo que o vendesse, você não podia ficar com todo o dinheiro? Então, por que fez isso?
Você não mentiu para os homens, mas para Deus. Ao ouvir isso, Ananias caiu no chão e morreu. E grande
temor se apoderou de todos os que estavam ouvindo. Os mais jovens se levantaram, enrolaram o corpo de
Ananias num lençol e o levaram para enterrar.
Umas três horas mais tarde, chegou a esposa de Ananias, sem saber o que havia acontecido. Pedro lhe
perguntou: É verdade que vocês venderam o terreno por esse preço? Ela respondeu: Sim, foi por esse preço.
Então Pedro disse: Por que vocês fizeram acordo para tentar o Espírito do Senhor? Veja! Os que foram enterrar
seu marido estão chegando. Eles vão levar você também! No mesmo instante, Safira caiu aos pés de Pedro e
morreu. Quando os jovens entraram, a encontraram morta e a levaram para enterrar junto do marido. E
grande temor se espalhou por toda a Igreja e entre todos aqueles que ouviram falar do que havia acontecido.
Umas três horas mais tarde, chegou a esposa de Ananias, sem saber o que havia acontecido. Pedro lhe
perguntou: É verdade que vocês venderam o terreno por esse preço? Ela respondeu: Sim, foi por esse preço.
Então Pedro disse: Por que vocês fizeram acordo para tentar o Espírito do Senhor? Veja! Os que foram enterrar
seu marido estão chegando. Eles vão levar você também! No mesmo instante, Safira caiu aos pés de Pedro e
morreu. Quando os jovens entraram, a encontraram morta e a levaram para enterrar junto do marido. E
grande temor se espalhou por toda a Igreja e entre todos aqueles que ouviram falar do que havia acontecido.
Muitos sinais e prodígios eram realizados entre o povo pelas mãos dos apóstolos. E todos os fiéis se reuniam
em grupo no Pórtico de Salomão. Os outros não se atreviam a juntar-se a eles, mas o povo os elogiava muito.
Uma multidão cada vez maior de homens e mulheres aderia ao Senhor, pela fé. Chegaram ao ponto de
transportar doentes para as praças, em esteiras e camas, para que Pedro, ao passar, pelo menos a sua sombra
cobrisse alguns deles. A multidão vinha até das cidades vizinhas de Jerusalém, trazendo doentes e pessoas
tomadas por espíritos maus. E todos eram curados.
Então o sumo sacerdote, com todo o seu partido isto é, o partido dos saduceus, ficaram cheios de raiva, e
mandaram prender os apóstolos e jogá-los na cadeia pública. Durante a noite, porém, o anjo do Senhor abriu
as portas da prisão e os fez sair, dizendo: Vão ao Templo e lá continuem a anunciar ao povo toda a mensagem
da vida. Eles obedeceram e, ao amanhecer, entraram no Templo e começaram a ensinar.
O sumo sacerdote chegou com os seus partidários e convocou o Sinédrio, isto é, o Conselho das pessoas
importantes do povo de Israel. Então mandaram buscar os apóstolos na prisão. Os servos, ao chegarem à
prisão, não os encontraram, e voltaram dizendo: Encontramos a prisão cuidadosamente fechada e os guardas
estavam a postos na frente da porta. Mas, quando abrimos a porta, não encontramos ninguém lá dentro.
Ao ouvir essa notícia, o chefe da guarda do Templo e os chefes dos sacerdotes não sabiam o que pensar e se
perguntavam o que poderia ter acontecido. Chegou alguém que disse para eles: Os homens que vocês
colocaram na prisão estão no Templo ensinando o povo! Então o chefe da guarda do Templo saiu com os
guardas e trouxe os apóstolos, mas sem violência, porque eles tinham medo que o povo os atacasse com
pedras.
Levaram os apóstolos e os apresentaram ao Sinédrio. O sumo sacerdote disse: Nós tínhamos proibido
expressamente ensinar em nome de Jesus e, no entanto, vocês encheram Jerusalém com a doutrina de vocês.
E querem nos tornar responsáveis pela morte desse homem! Então Pedro e os outros apóstolos responderam: É
preciso obedecer antes a Deus do que aos homens. O Deus de nossos antepassados ressuscitou a Jesus, que
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vocês mataram, suspendendo-o numa cruz. Mas Deus com a sua direita o exaltou, tornando-o Chefe supremo e
Salvador, para dar ao povo a oportunidade de se arrepender e receber o perdão dos pecados. E nós somos
testemunhas dessas coisas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem. Enfurecidos
por essas palavras, os conselheiros estavam decididos a matar os apóstolos.
Levantou-se, então, no Sinédrio, um fariseu chamado Gamaliel. Era doutor da Lei, e todo o povo o estimava.
Gamaliel mandou que os acusados saíssem por um instante. Depois disse: Homens de Israel, vejam bem o que
estão para fazer contra esses homens. Algum tempo atrás apareceu Teudas, que se fazia passar por uma
pessoa importante, e a ele se juntaram cerca de quatrocentos homens. Depois ele foi morto e todos os que o
seguiam debandaram e nada mais restou. Depois dele, no tempo do recenseamento, apareceu Judas, o galileu,
que arrastou o povo atrás de si. Contudo, também ele acabou mal, e todos os seus seguidores se dispersaram.
Quanto ao que está acontecendo agora, dou-lhes um conselho: não se preocupem com esses homens, e os
soltem. Porque, se o projeto ou atividade deles é de origem humana, será destruído; mas, se vem de Deus,
vocês não conseguirão aniquilá-los. Cuidado para não se meterem contra Deus! Os participantes do Sinédrio
aceitaram o parecer de Gamaliel.
Chamaram os apóstolos, mandaram açoitá-los, proibiram que eles falassem em nome de Jesus, e depois os
soltaram. Os apóstolos saíram do Conselho muito contentes por terem merecido sofrer insultos por causa do
nome de Jesus. E cada dia, no Templo e pelas casas, não paravam de ensinar e anunciar a Boa Notícia de Jesus
Messias.
Capítulo 6: Naqueles dias, o número dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis de origem grega começaram a
queixar-se contra os fiéis de origem hebraica. Os de origem grega diziam que suas viúvas eram deixadas de
lado no atendimento diário. Então os Doze convocaram uma assembléia geral dos discípulos, e disseram: Não
está certo que nós deixemos a pregação da palavra de Deus para servir às mesas. Irmãos, é melhor que
escolham entre vocês sete homens de boa fama, repletos do Espírito e de sabedoria, e nós os encarregaremos
dessa tarefa. Desse modo, nós poderemos dedicar-nos inteiramente à oração e ao serviço da Palavra. A
proposta agradou a toda a assembléia. Então escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo; e
também Filipe, Prócoro, Nicanor, Timon, Pármenas, e Nicolau de Antioquia, um pagão que seguia a religião dos
judeus. Todos estes foram apresentados aos apóstolos, que oraram e impuseram as mãos sobre eles.
Entretanto, a Palavra do Senhor se espalhava. O número dos discípulos crescia muito em Jerusalém, e um
grande número de sacerdotes judeus obedecia à fé cristã.
Cheio de graça e poder, Estêvão fazia grandes prodígios e sinais entre o povo. No entanto, alguns membros da
sinagoga dos Libertos, junto com cirenenses e alexandrinos, e alguns da Cilícia e da Ásia começaram a discutir
com Estêvão. Mas não conseguiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que Estêvão falava. Então subornaram
alguns indivíduos que disseram: Ouvimos este homem dizendo coisas blasfemas contra Moisés e contra Deus.
Desse modo, incitaram o povo e os anciãos. Os doutores da Lei prenderam Estêvão e o conduziram ao Sinédrio.
Aí apresentaram falsas testemunhas que diziam: Este homem não pára de falar contra este lugar santo e
contra a Lei. De fato, nós o ouvimos afirmar que Jesus, o Nazareu, destruirá este lugar e subverterá os
costumes que Moisés nos transmitiu. Todos os que estavam sentados no Sinédrio tinham os olhos fixos sobre
Estêvão e viram o seu rosto como o rosto de um anjo”.
Nota:48
1Cor 12: “Sobre os dons do Espírito, irmãos, não quero que vocês fiquem na ignorância. Vocês sabem que,
quando eram pagãos, se sentiam irresistivelmente arrastados para os ídolos mudos. Por isso, eu declaro a
vocês que ninguém, falando sob a ação do Espírito de Deus, jamais poderá dizer: Maldito Jesus! E ninguém
poderá dizer: Jesus é o Senhor! a não ser sob a ação do Espírito Santo.
Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes
modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.
Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito dá a palavra de
sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro
ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a
profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as
interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um,
conforme ele quer.
De fato, o corpo é um só, mas tem muitos membros; e no entanto, apesar de serem muitos, todos os membros
do corpo formam um só corpo. Assim acontece também com Cristo. Pois todos fomos batizados num só Espírito
para sermos um só corpo, quer sejamos judeus ou gregos, quer escravos ou livres. E todos bebemos de um só
Espírito.
O corpo não é feito de um só membro, mas de muitos. Se o pé diz: Eu não sou mão; logo, não pertenço ao
corpo, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido diz: Eu não sou olho; logo, não pertenço ao
corpo, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se o corpo inteiro fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo
ele fosse ouvido, onde estaria o olfato? Deus é quem dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua
vontade. Se o conjunto fosse um só membro, onde estaria o corpo? Há, portanto, muitos membros, mas um só
corpo. O olho não pode dizer à mão: Não preciso de você; e a cabeça não pode dizer aos pés: Não preciso de
vocês.
Os membros do corpo que parecem mais fracos são os mais necessários; e aqueles membros do corpo que
parecem menos dignos de honra são os que cercamos de maior honra; e os nossos membros que são menos
decentes, nós os tratamos com maior decência; os que são decentes não precisam desses cuidados. Deus
dispôs o corpo de modo a conceder maior honra ao que é menos nobre, a fim de que não haja divisão no corpo,
mas os membros tenham igual cuidado uns para com os outros. Se um membro sofre, todos os membros
participam do seu sofrimento; se um membro é honrado, todos os membros participam de sua alegria.
Ora, vocês são o corpo de Cristo e são membros dele, cada um no seu lugar. Aqueles que Deus estabeleceu na
Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres... A seguir
vêm os dons dos milagres, das curas, da assistência, da direção e o dom de falar em línguas. Por acaso, são
todos apóstolos? Todos profetas? Todos mestres? Todos realizam milagres? Têm todos o dom de curar? Todos
falam línguas? Todos as interpretam? Aspirem aos dons mais altos. Aliás, vou indicar para vocês um caminho
que ultrapassa a todos”.
44
Fl 2,1-5: “Portanto, se há um conforto em Cristo, uma consolação no amor, se existe uma comunhão de
espírito, se existe ternura e compaixão, completem a minha alegria: tenham uma só aspiração, um só amor,
uma só alma e um só pensamento. Não façam nada por competição e por desejo de receber elogios, mas por
humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo. Que cada um procure, não o próprio
interesse, mas o interesse dos outros. Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo”.
Ef 4,25-32: “Por isso, abandonem a mentira: cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros
uns dos outros. Vocês estão com raiva? Não pequem; o sol não se ponha sobre o ressentimento de vocês. Não
dêem ocasião ao diabo. Quem roubava, não roube mais; ao contrário, ocupe-se trabalhando com as próprias
mãos em algo útil, e tenha assim o que repartir com os pobres. Que nenhuma palavra inconveniente saia da
boca de vocês; ao contrário, se for necessário, digam boa palavra, que seja capaz de edificar e fazer o bem aos
que ouvem. Não entristeçam o Espírito Santo, com que Deus marcou vocês para o dia da libertação. Afastem
de vocês qualquer aspereza, desdém, raiva, gritaria, insulto, e todo tipo de maldade. Sejam bons e
compreensivos uns com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus perdoou a vocês em Cristo”.
Cl 3,12-17: “Como escolhidos de Deus, santos e amados, vistam-se de sentimentos de compaixão, bondade,
humildade, mansidão, paciência. Suportem-se uns aos outros e se perdoem mutuamente, sempre que tiverem
queixa contra alguém. Cada um perdoe o outro, do mesmo modo que o Senhor perdoou vocês. E acima de
tudo, vistam-se com o amor, que é o laço da perfeição. Que a paz de Cristo reine no coração de vocês. Para
essa paz vocês foram chamados, como membros de um mesmo corpo. Sejam também agradecidos. Que a
palavra de Cristo permaneça em vocês com toda a sua riqueza, de modo que possam instruir-se e aconselharse mutuamente com toda a sabedoria. Inspirados pela graça, cantem a Deus, de todo o coração, salmos, hinos
e cânticos espirituais. E tudo o que vocês fizerem através de palavras ou ações, o façam em nome do Senhor
Jesus, dando graças a Deus Pai por meio dele”.
Nota:49
1Ts 4,3-4: “A vontade de Deus é que vivam consagrados a ele, que se afastem da libertinagem, que cada um
saiba usar o próprio corpo na santidade e no respeito”.
1Cor 7,1-3: “Passemos agora ao que vocês escreveram: É bom que o homem se abstenha de mulher. Todavia,
para evitar a imoralidade, cada homem tenha a sua esposa, e cada mulher o seu marido. O marido cumpra o
dever conjugal para com a esposa, e a esposa faça o mesmo com o marido”.
Ef 5,21-32: “Sejam submissos uns aos outros no temor a Cristo. Mulheres, sejam submissas a seus maridos,
como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, salvador do Corpo, é a
cabeça da Igreja. E assim como a Igreja está submissa a Cristo, assim também as mulheres sejam submissas
em tudo a seus maridos. Maridos, amem suas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela;
assim, ele a purificou com o banho de água e a santificou pela Palavra, para apresentar a si mesmo uma Igreja
gloriosa, sem mancha nem ruga ou qualquer outro defeito, mas santa e imaculada. Portanto, os maridos devem
amar suas mulheres como a seus próprios corpos. Quem ama sua mulher, está amando a si mesmo. Ninguém
odeia a sua própria carne; pelo contrário, a nutre e dela cuida, como Cristo faz com a igreja, porque somos
membros do corpo dele. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão
uma só carne. Esse mistério é grande: eu me refiro a Cristo e à Igreja”.
Nota:50
Rm 13,1-5: “Submetam-se todos às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus,
e as que existem foram instituídas por Deus. Quem se opõe à autoridade, se opõe à ordem estabelecida por
Deus. Aqueles que se opõem, atraem sobre si a condenação. Na verdade, os que governam não devem ser
temidos quando se faz o bem, mas quando se faz o mal. Se você não quer ter medo da autoridade, faça o bem,
e ela o elogiará. A autoridade é o instrumento de Deus para o bem de você, mas, se você pratica o mal, tema,
pois não é à toa que a autoridade usa a espada: quando castiga, ela está a serviço de Deus, para manifestar a
ira dele contra o malfeitor. Por isso, é preciso submeter-se, não só por medo do castigo, mas também por
dever de consciência”.
1Pd 2,13-17: “Submetam-se a toda criatura humana por causa do Senhor, seja ao rei como soberano, seja
aos governadores como enviados dele para punir os malfeitores e para louvar os que fazem o bem. Pois esta é
a vontade de Deus: praticar o bem, fazendo calar a ignorância dos insensatos. Comportem-se como homens
livres, não usando a liberdade como desculpa para o mal, mas como servos de Deus. Respeitem a todos, amem
os irmãos, temam a Deus e respeitem o rei”.
Nota:51
cf. Rm 12,1-2: “Irmãos, pela misericórdia de Deus, peço que vocês ofereçam os próprios corpos como
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Esse é o culto autêntico de vocês. Não se amoldem às estruturas
deste mundo, mas transformem-se pela renovação da mente, a fim de distinguir qual é a vontade de Deus: o
que é bom, o que é agradável a ele, o que é perfeito”.
Gl 5: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, fiquem firmes e não se
submetam de novo ao jugo da escravidão.
Eu, Paulo, declaro: se vocês se fazem circuncidar, Cristo de nada adiantará para vocês. E a todo homem que se
faz circuncidar, eu declaro: agora está obrigado a observar toda a Lei. Vocês que buscam a justiça na Lei se
desligaram de Cristo e se separaram da graça. Nós, de fato, aguardamos no Espírito a esperança de nos
tornarmos justos através da fé, porque, em Jesus Cristo, o que conta não é a circuncisão ou a não circuncisão,
mas a fé que age por meio do amor.
Vocês estavam correndo bem. Quem foi que colocou obstáculo para que vocês não obedeçam mais à verdade?
Tal influência não vem daquele que chama vocês. Um pouco de fermento basta para levedar toda a massa!
Confio no Senhor que vocês estão de acordo com isso. Aquele, porém, que os perturba sofrerá condenação,
seja quem for. Quanto a mim, irmãos, se é verdade que ainda prego a circuncisão, por que sou perseguido?
Nesse caso, o escândalo da cruz estaria anulado! Tomara que aqueles que estão perturbando vocês se mutilem
de uma vez por todas!
Irmãos, vocês foram chamados para serem livres. Que essa liberdade, porém, não se torne desculpa para
vocês viverem satisfazendo os instintos egoístas. Pelo contrário, coloquem-se a serviço uns dos outros através
do amor. Pois toda a Lei encontra a sua plenitude num só mandamento: Ame o seu próximo como a si mesmo.
45
Mas, se vocês se mordem e se devoram uns aos outros, tomem cuidado! Vocês vão acabar destruindo-se
mutuamente.
Por isso é que lhes digo: vivam segundo o Espírito, e assim não farão mais o que os instintos egoístas desejam.
Porque os instintos egoístas têm desejos que estão contra o Espírito, e o Espírito contra os instintos egoístas;
os dois estão em conflito, de modo que vocês não fazem o que querem. Mas, se forem conduzidos pelo Espírito,
vocês não estarão mais submetidos à Lei. Além disso, as obras dos instintos egoístas são bem conhecidas:
fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, discórdia, ciúme, ira, rivalidade, divisão,
sectarismo, inveja, bebedeira, orgias e outras coisas semelhantes. Repito o que já disse: os que fazem tais
coisas não herdarão o Reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, bondade,
benevolência, fé, mansidão e domínio de si. Contra essas coisas não existe lei. Os que pertencem a Cristo
crucificaram os instintos egoístas junto com suas paixões e desejos. Se vivemos pelo Espírito, caminhemos
também sob o impulso do Espírito. Não sejamos ambiciosos de glória, provocando-nos mutuamente e tendo
inveja uns dos outros”.
Nota:52
Ap 13,1-2: “Vi, então, uma Besta que subia do mar. Tinha dez chifres e sete cabeças. Em cima dos chifres
havia dez diademas, e nomes blasfemos sobre as cabeças. A Besta que eu vi parecia uma pantera. Os pés eram
de urso, e a boca era de leão. O Dragão entregou para a Besta o seu poder, o seu trono e uma grande
autoridade”.
Nota:53
cf. Rm 1,24-32: “Foi por isso que Deus os entregou, conforme os desejos do coração deles, à impureza com
que desonram seus próprios corpos. Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à
criatura em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém. Por isso, Deus entregou os homens a paixões
vergonhosas: suas mulheres mudaram a relação natural em relação contra a natureza. Os homens fizeram o
mesmo: deixaram a relação natural com a mulher e arderam de paixão uns com os outros, cometendo atos
torpes entre si, recebendo dessa maneira em si próprios a paga pela sua aberração. Os homens desprezaram o
conhecimento de Deus; por isso, Deus os abandonou ao sabor de uma mente incapaz de julgar. Desse modo,
eles fazem o que não deveriam fazer: estão cheios de todo tipo de injustiça, perversidade, avidez e malícia;
cheios de inveja, homicídio, rixas, fraudes e malvadezas; são difamadores, caluniadores, inimigos de Deus,
insolentes, soberbos, fanfarrões, engenhosos no mal, rebeldes para com os pais, insensatos, desleais, gente
sem coração e sem misericórdia.
E apesar de conhecerem o julgamento de Deus, que considera digno de morte quem pratica tais coisas, eles
não só as cometem, mas também aprovam quem se comporta assim”.
Nota:54
Lc 10,25-37: “Um especialista em leis se levantou, e, para tentar Jesus perguntou: Mestre, o que devo fazer
para receber em herança a vida eterna? Jesus lhe disse: O que é que está escrito na Lei? Como você lê? Ele
então respondeu: Ame o Senhor, seu Deus, com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua
força e com toda a sua mente; e ao seu próximo como a si mesmo. Jesus lhe disse: Você respondeu certo. Faça
isso, e viverá! Mas o especialista em leis, querendo se justificar, disse a Jesus: E quem é o meu próximo? Jesus
respondeu: Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe
arrancaram tudo, e o espancaram. Depois foram embora, e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote
estava descendo por aquele caminho; quando viu o homem, passou adiante, pelo outro lado. O mesmo
aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu, e passou adiante, pelo outro lado. Mas um samaritano, que
estava viajando, chegou perto dele, viu, e teve compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo
e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal, e o levou a uma pensão, onde cuidou
dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata, e as entregou ao dono da pensão, recomendando: Tome
conta dele. Quando eu voltar, vou pagar o que ele tiver gasto a mais. E Jesus perguntou: Na sua opinião, qual
dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? O especialista em leis respondeu: Aquele
que praticou misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vá, e faça a mesma coisa”.
Nota:55
Mt 25,31-46: “Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se
assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos
outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita, e os cabritos à
sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Venham vocês, que são abençoados por meu
Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criação do mundo. Pois eu estava com
fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me
receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu
estava na prisão, e vocês foram me visitar. Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos
com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e
te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te
visitar? Então o Rei lhes responderá: Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos
menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram.
Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: Afastem-se de mim malditos! Vão para o fogo eterno,
preparado para o diabo e seus anjos. Porque, eu estava com fome, e vocês não me deram de comer; eu estava
com sede, e não me deram de beber; eu era estrangeiro, e vocês não me receberam em casa; eu estava sem
roupa, e não me vestiram; eu estava doente e na prisão, e vocês não me foram visitar. Também estes
responderão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, ou com sede, como estrangeiro, ou sem roupa,
doente ou preso, e não te servimos? Então o Rei responderá a esses: Eu garanto a vocês: todas as vezes que
vocês não fizeram isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizeram. Portanto, estes irão para o
castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.
Nota:56
cf. Hb 11,1: “A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não
se vêem”.
Nota:57
46
Rm 9,1: “Digo a verdade em Cristo, não minto, e disso me dá testemunho a minha consciência pelo Espírito
Santo”.
2Cor 1,12: “Este é o nosso motivo de orgulho: o testemunho da consciência de que nos comportamos no
mundo, e mais particularmente em relação a vocês, com a santidade e sinceridade que vêm de Deus. Não
foram razões humanas que nos moveram, mas a graça de Deus”.
Nota:58
Rm 2,15: “Eles assim mostram que os preceitos da Lei estão escritos em seus corações; a consciência deles
também testemunha isso, assim como os julgamentos interiores, que ora os condenam, ora os aprovam”.
Nota:59
Rm 14,1-15: “Acolham o fraco na fé, sem lhe criticar os escrúpulos. Um acredita que pode comer de tudo;
outro, sendo fraco, só come legumes. Quem come de tudo, não despreze quem não come. E quem não come,
não julgue aquele que come, porque Deus o acolhe assim mesmo. Quem é você para julgar um servo alheio?
Se ele fica de pé ou cai, isso é lá com o patrão dele; mas ele ficará de pé, pois o Senhor é poderoso para o
sustentar. Há quem faça diferença entre um dia e outro, enquanto outro acha que todos os dias são iguais.
Cada qual siga a sua convicção. Quem distingue o dia, faz isso em honra do Senhor. Quem come de tudo, o faz
em honra do Senhor, porque agradece a Deus. E quem não come, não come em honra do Senhor, e também
agradece a Deus. Porque nenhum de vocês vive para si mesmo, e ninguém morre para si mesmo. Se vivemos,
é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos,
pertencemos ao Senhor. Cristo morreu e voltou à vida para ser o Senhor dos mortos e dos vivos.
Quanto a você, por que julga o seu irmão? E você, por que despreza o seu irmão? Todos nós devemos
comparecer diante do tribunal de Deus. Porque a Escritura diz: Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se
dobrará todo joelho, e toda língua dará glória a Deus. Portanto, cada um de nós prestará contas de si mesmo a
Deus. Paremos, portanto, de julgar uns aos outros. Ao contrário, preocupem-se em não ser causa de tropeço
ou escândalo para o irmão. Sei e estou convencido no Senhor Jesus: nada é impuro por si mesmo. Mas, se
alguém acha que alguma coisa é impura, essa coisa se torna impura para ele. Se, por questão de alimento,
você deixa seu irmão triste, você não está agindo com amor. Portanto, o alimento que você come não seja
causa de perdição para aquele por quem Cristo morreu”.
1Cor 8: “Quanto às carnes sacrificadas a ídolos, sabemos que todos nós temos conhecimento. Mas o
conhecimento envaidece; é o amor que constrói. Quando alguém julga ter alcançado o saber, é porque ainda
não sabe onde está o verdadeiro conhecimento. Ao contrário, se alguém ama a Deus, é conhecido por Deus.
Portanto, quanto ao consumo de carnes imoladas a ídolos, sabemos que um ídolo não é nada no mundo, e não
existe outro deus a não ser o Deus único. É verdade que existem aqueles que são chamados deuses, tanto no
céu como na terra, e neste sentido há muitos deuses e muitos senhores. Contudo para nós existe um só Deus:
o Pai. Dele tudo procede, e para ele é que existimos. E há um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e
por meio do qual também nós existimos.
Mas nem todos têm esse conhecimento. Alguns, até há pouco acostumados ao culto dos ídolos, comem a carne
dos sacrifícios como se fosse realmente oferecida aos ídolos. E a consciência deles, que é fraca, fica manchada.
Não são os alimentos que nos aproximam de Deus: se deixamos de comer, nada perdemos; e se comemos,
nada lucramos. Cuidem, porém, que a liberdade de vocês não se torne ocasião de queda para os fracos. Você
tem consciência esclarecida: mas alguém o vê sentado à mesa num templo de ídolo; será que esse alguém,
tendo consciência fraca, não se verá arrastado a comer carne sacrificada aos ídolos? Desse modo, por causa do
conhecimento que vocês têm, perecerá o fraco, esse irmão pelo qual Cristo morreu. Se vocês pecam assim
contra os próprios irmãos e ferem a consciência deles, que é fraca, é contra Cristo que vocês estão pecando.
Ora, se um alimento for motivo de queda para meu irmão, para sempre eu deixarei de comer carne, a fim de
não causar a queda do meu irmão”.
Nota:60
Catecismo da Igreja Católica, n.1778: “A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual o humano
reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar, está a ponto de executar ou que já praticou.
Em tudo o que diz e faz, o homem é obrigado a seguir fielmente o que sabe ser justo e correto. É pelo
julgamento de sua consciência que o homem percebe e reconhece as prescrições da lei divina: A consciência é
uma lei do nosso espírito, mas que o ultrapassa, que nos faz imposições, que significa responsabilidade e
dever, temor e esperança... É a mensageira daquele que, o mundo da natureza bem como no mundo da graça,
nos fala através de véu, nos instrui e nos governa. A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo”.
Nota:61
GS, 16: “No fundo da consciência o ser humano descobre uma lei que não foi ele que estabeleceu, mas que
deve ser seguida por ele. É como se fosse uma voz que lhe falasse ao coração e o chamasse a amar o bem e a
praticá-lo, afastando-se do mal: faça isto, evite aquilo. Essa lei foi inscrita por Deus no coração. Obedecer-lhe é
o segredo da dignidade humana, pois é por que todos serão julgados.
A consciência é a intimidade secreta, o sacrário da pessoa, em que se encontra a sós com Deus e onde lhe ouve
intimamente a voz. Na consciência revela-se, de modo admirável, a lei que consiste em amar a Deus e ao
próximo.
A fidelidade à própria consciência é o laço mais profundo que une entre si todos os seres humanos, inclusive os
cristãos, na busca da verdade e de uma solução autêntica para os problemas morais que surgem na vida de
cada um e na relação de uns com os outros, na sociedade. Quanto mais força tem a consciência reta, tanto
mais as pessoas e os grupos humanos evitam o arbítrio cego e procuram se conformar às normas objetivas da
moralidade. Às vezes a consciência erra. A pessoa, porém, não perde sua dignidade, quando é vítima de uma
ignorância humanamente insuperável. O mesmo, todavia, já não se pode dizer quando, por falta de empenho
em buscar o bem, a consciência vai se tornando cada dia mais confusa, enredada na prática do mal”.
Nota:62
cf. Gl 2,15-21: “Nós somos judeus de nascimento, e não pagãos pecadores. Sabemos, entretanto, que o
homem não se torna justo pelas obras da Lei, mas somente pela fé em Jesus Cristo. Nós também acreditamos
em Jesus Cristo, a fim de nos tornarmos justos pela fé em Cristo e não pela observância da Lei, pois com a
observância da Lei ninguém se tornará justo. Nós procuramos tornar-nos justos em Cristo; mas também somos
pecadores como os outros. Então, será que Cristo estaria a serviço do pecado? Claro que não! De fato, se eu
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reconstruo o que destruí, eu próprio me torno culpável. Quanto a mim, foi através da Lei que eu morri para a
Lei, a fim de viver para Deus. Fui morto na cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo
que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou
por mim. Portanto, não torno inútil a graça de Deus, porque, se a justiça vem através da Lei, então Cristo
morreu em vão”.
Rm 7: “Ou vocês não sabem, irmãos, falo a pessoas competentes em matéria de lei que a lei tem domínio
sobre alguém só enquanto ele vive? Por exemplo: a mulher casada está ligada por lei ao marido enquanto este
vive; mas, se ele morre, ela fica livre da lei conjugal. Por isso, enquanto o marido está vivo, se ela se tornar
mulher de outro homem, será chamada adúltera. Mas, se o marido morre, ela está livre em relação à lei, de
modo que não será adúltera se ela se casar com outro homem. Meus irmãos, o mesmo acontece com vocês:
pelo corpo de Cristo, vocês morreram para a Lei, a fim de pertencerem a outro, que ressuscitou dos mortos, e
assim produzirem frutos para Deus. De fato, quando vivíamos submetidos a instintos egoístas, as paixões
pecaminosas serviam-se da Lei para agir em nossos membros, a fim de que produzíssemos frutos para a
morte. Mas agora, morrendo para aquilo que nos aprisionava, fomos libertos da Lei, a fim de servirmos sob o
regime novo do Espírito, e não mais sob o velho regime da letra.
Que diremos então? Que a Lei é pecado? De jeito nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado se não
existisse a Lei, nem teria conhecido a cobiça se a Lei não tivesse dito: Não cobice. Mas o pecado aproveitou a
ocasião desse mandamento e despertou em mim todo tipo de cobiça, porque, sem a Lei, o pecado está morto.
Antes eu vivia sem a Lei; mas, quando veio o mandamento, o pecado reviveu, e eu morri. O mandamento que
devia dar a vida tornou-se para mim motivo de morte. Porque o pecado aproveitou a ocasião do mandamento,
me seduziu e, através dele, me matou.
A Lei é santa e o mandamento é santo, justo e bom. Então uma coisa boa se transformou em morte para mim?
De jeito nenhum! Foi o pecado que fez isso. Pois o pecado, através do que é bom, produziu em mim a morte, a
fim de que o pecado, por meio do mandamento aparecesse em toda a sua gravidade.
Sabemos que a Lei é espiritual, mas eu sou humano e fraco, vendido como escravo ao pecado. Não consigo
entender nem mesmo o que eu faço; pois não faço aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto. Ora, se
eu faço o que não quero, reconheço que a Lei é boa; portanto, não sou eu que faço, mas é o pecado que mora
em mim. Sei que o bem não mora em mim, isto é, em meus instintos egoístas. O querer o bem está em mim,
mas não sou capaz de fazê-lo. Não faço o bem que quero, e sim o mal que não quero. Ora, se faço aquilo que
não quero, não sou eu que o faço, mas é o pecado que mora em mim.
Assim, encontro em mim esta lei: quando quero fazer o bem, acabo encontrando o mal. No meu íntimo, eu
amo a lei de Deus; mas percebo em meus membros outra lei que luta contra a lei da minha razão e que me
torna escravo da lei do pecado que está nos meus membros. Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de
morte? Sejam dadas graças a Deus, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim, pela razão eu sirvo à lei de
Deus, mas pelos instintos egoístas sirvo à lei do pecado”.
Nota:63
Rm 8,2: “A lei do Espírito, que dá a vida em Jesus Cristo, nos libertou da lei do pecado e da morte”.
Nota:64
cf. Rm 15,13.19: “Que o Deus da esperança encha vocês de completa alegria e paz na fé, para que vocês
transbordem de esperança, pela força do Espírito Santo. mediante o poder dos sinais e prodígios, pelo poder do
Espírito de Deus. Assim, desde Jerusalém e seus arredores até a Ilíria, levei a cabo o anúncio do Evangelho de
Cristo”.
Gl 5,16.18: “Por isso é que lhes digo: vivam segundo o Espírito, e assim não farão mais o que os instintos
egoístas desejam. Mas, se forem conduzidos pelo Espírito, vocês não estarão mais submetidos à Lei”.
1Cor 2,10-12: “Pois o Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus. Quem conhece a
fundo a vida íntima do homem é o espírito do homem que está dentro dele. Da mesma forma, só o Espírito de
Deus conhece o que está em Deus. Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem
de Deus, para conhecermos os dons da graça de Deus”.
1Cor 3,16: “Vocês não sabem que são templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?”.
Ef 1,17-18: “Que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, lhes dê um espírito de
sabedoria que lhes revele Deus, e faça que vocês o conheçam profundamente. Que lhes ilumine os olhos da
mente, para que compreendam a esperança para a qual ele os chamou; para que entendam como é rica e
gloriosa a herança destinada ao seu povo”.
Nota:65
2Cor 3,6: “Foi ele que nos tornou capazes de sermos ministros de uma aliança nova, não aliança da letra, mas
do Espírito; pois a letra mata, e o Espírito é que dá a vida”.
Nota:66
sobre a lei, cf. Catecismo da Igreja Católica, 1950-1986: “A lei moral é obra da Sabedoria divina. Pode-se
definir a lei moral, no sentido bíblico, como uma instrução paterna, uma pedagogia divina. Prescreve ao homem
os caminhos, as regras de comportamento que levam à felicidade presente; proscrevem o caminho do mal que
desviam de Deus, e de seu amor. É ao mesmo tempo firme nos seus preceitos e amorosa em suas promessas.
1951. A lei é uma regra de comportamento promulgada pela autoridade competente em vista do bem comum.
A lei moral supõe a ordem racional estabelecida entre as criaturas, para seu bem e em vista de seu fim, pelo
poder, pela sabedoria e bondade do Criador. Toda lei encontra na lei eterna a sua verdade primeira e última. A
lei é revelada e estabelecida pela razão como uma participação na Providência do Deus vivo, Criador e Redentor
de todos. A esta ordenação da razão dá-se o nome de lei: Apenas o homem, entre todos os seres vivos, pode
gabar-se de ter sido digno de receber de Deus uma lei. Animal dotado de razão, capaz de entendimento e
discernimento, regulará a sua conduta dispondo de liberdade e de razão, na submissão àquele que tudo lhe
confiou.
1952. As expressões da lei moral variam muito, e todas se acham coordenadas entre si: a lei eterna, fonte em
Deus de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a lei antiga e a nova lei (ou evangélica);
enfim, as leis civis e eclesiásticas.
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1953. A lei moral encontra em Cristo a sua plenitude e sua unidade. Jesus Cristo em pessoa é o caminho da
perfeição. Ele é o fim da lei, pois só ele ensina e dá a justiça de Deus. Porque a finalidade da lei é Cristo para a
justificação de todo o que crê (Rm 10,4).
I. A lei moral natural. 1954. O homem participa da sabedoria e da bondade do Criador, que lhe confere o
domínio de seus atos e a capacidade de se governar em vista da verdade e do bem. A lei natural exprime o
sentido moral original, que permite ao homem discernir, pela razão, o que é o bem e o mal, a verdade e a
mentira.
A lei natural se acha escrita e gravada na alma de todos e cada um dos homens porque ela é a razão humana
ordenando fazer o bem e proibindo pecar (...) Mas esta prescrição da razão não poderia ter força se não fosse a
voz e o intérprete de uma razão mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade devem submeter-se.
1955. A lei divina e natural mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e atingir seu fim. A lei
natural enuncia os preceitos primeiros e essenciais que regem a vida moral. Tem como esteio a aspiração e a
submissão a Deus, fonte e juiz de todo bem, assim como sentir o outro como igual a si mesmo. Está exposta,
em seus principais preceitos, no Decálogo. Essa lei é denominada natural, não em referência à natureza dos
seres irracionais, mas porque a razão que o promulga pertence como algo próprio à natureza humana:
Onde é então que se acham inscritas estas regras, senão no livro desta luz que se chama a verdade? Aí está
escrita toda a lei justa, dali ela passa para o coração do homem que cumpre a justiça, não que emigre para ele,
mas sim deixando aí a sua marca, à maneira de um sinete que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o
anel.
A lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus. Por ela conhecemos o que se
deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, deu-a Deus à criação.
1956. Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é universal em seus
preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a
base de seus direitos e de seus deveres fundamentais:
Existe sem dúvida uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme à natureza, difundida em todos os homens, ela
é imutável e eterna; suas ordens chamam ao dever, suas proibições afastam do pecado (...)É um sacrilégio
substituí-la por uma lei contrária, é proibido não aplicar uma de suas disposições quanto a ab-rogá-la
inteiramente, ninguém tem a possibilidade de fazê-lo.
1957. A aplicação da lei natural varia muito. Pode exigir uma reflexão adaptada à multiplicidade das condições
de vida, conforme os lugares, as épocas e as circunstâncias. Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural
permanece como uma regra que liga entre si os homens e lhes impõe, para além das inevitáveis diferenças,
princípios comuns.
1958. A lei natural é imutável e permanente através das variações da história; ela subsiste sob o fluxo das
idéias e dos costumes e constitui a base para o seu progresso. As regras que a exprimem permanecem
substancialmente válidas. Mesmo que alguém negue até os seus princípios, não é possível destruí-la nem
arrancá-la do coração do homem. Sempre torna a ressurgir na vida dos indivíduos e das sociedades:
O roubo é certamente punido por vossa lei, Senhor, e pela lei escrita no coração do homem e que nem mesmo
a iniqüidade consegue apagar.
1959. Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos em cima dos quais pode o
homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela assenta igualmente a base moral
indispensável para a construção da comunidade dos homens. Proporcionalmente enfim a base necessária à lei
civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexões que tira as conclusões de seus princípios, seja por
edições de natureza positiva e jurídica.
1960. Os preceitos da lei natural não são percebidos por todos de maneira clara e imediata. Na atual situação,
a graça e a revelação nos são necessárias, como pecadores que somos, para que as verdades religiosas e
morais possam ser conhecidas por todos e sem dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro. A lei
natural propicia à lei revelada e à graça um fundamento preparado por Deus e em concordância com a obra do
Espírito.
II. A Lei Antiga. 1961. Deus, nosso criador e nosso redentor, escolheu para si Israel como seu povo e lhe
revelou sua Lei, preparando assim a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime diversas verdades naturalmente
acessíveis à razão. Estas se acham declaradas e autenticadas no interior da aliança da salvação.
1962. A Lei Antiga é o primeiro estágio da Lei revelada. Suas prescrições morais se acham resumidas nos Dez
mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam as bases da vocação do homem, feito à imagem de Deus;
proíbem aquilo que é contrário ao amor de Deus e do próximo, e prescrevem o que lhe é essencial. O Decálogo
é uma luz oferecida à consciência de todo homem para lhe manifestar o chamamento e os caminhos de Deus, e
protegê-lo do mal:
Deus escreveu na tábuas da lei aquilo que os homens não conseguiam ler em seus corações.
1963. Segundo a tradição cristã, a lei santa, espiritual e boa, ainda é imperfeita. Como um pedagogo, ela
mostra o que se deve fazer, mas não dá por si mesma a força, a graça para cumpri-la. Por causa do pecado
que não pode tirar, é ainda uma lei de servidão. Conforme São Paulo, ela tem principalmente como função
denunciar e manifestar o pecado que forma uma lei de concupiscência no coração do homem. No entanto,
dispõe o povo eleito e cada cristão à conversão e à fé no Deus salvador. Oferece um ensinamento que subsiste
para todo o sempre, como a Palavra de Deus.
1964. A Lei Antiga é uma preparação para o Evangelho. A lei é profecia e pedagogia das realidades futuras.
Profetiza e pressagia a obra da libertação do pecado, que se realizará com Cristo, e fornece ao Novo
Testamento as imagens, os tipos, os símbolos, para exprimir a vida segundo e Espírito. A Lei se completa,
enfim, pelo ensinamento dos livros sapienciais e dos profetas que a orientam para a Nova Aliança e o Reino dos
Céus.
Houve (...) sob o regime da Antiga Aliança, pessoas que possuíam a caridade e a graça do Espírito Santo e
aspiravam sobretudo ás promessas espirituais e eternas, e deste modo se ligavam à nova lei. Inversamente,
existem também sob a Nova Aliança homens carnais, ainda longe da perfeição da nova Lei; para os estimular
às obras virtuosas, foram necessários o temor do castigo e diversas promessas temporais, até sob a Nova
Aliança. Em todo caso, mesmo que a lei antiga prescrevesse a caridade, ela não dava o Espírito Santo pelo qual
o amor de Deus foi derramado em nossos corações (Rm 5,5).
49
III. A nova Lei ou Lei evangélica. 1965. A Nova Lei ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da lei divina,
natural e revelada. Ela é a obra do Cristo e se exprime particularmente no Sermão da Montanha. É também
obra do Espírito Santo, e por ele vem a ser a lei do interior da caridade: Concluirei com a casa de Israel uma
nova aliança.(...) Colocarei minhas leis na sua mente, e as inscreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus, e
eles serão o meu povo (Hb 8,8-10).
1966. A Nova Lei é a graça do Espírito Santo dada aos fiéis pela fé em Cristo. É operante pela caridade, servese do sermão do Senhor para nos ensinar o que é preciso fazer e dos sacramentos para nos comunicar a graça
de fazê-lo.
Aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o sermão que Nosso Senhor pronunciou no monte, tal
como o lemos no Evangelho de São Mateus, aí encontrará, sem sombra de dúvida, a carta magna da vida
cristã.(...) Este sermão contém todos os preceitos apropriados para guiar a vida cristã.
1967. A Lei evangélica dá pleno cumprimento à Antiga Lei, afina-a, ultrapassa-a e aperfeiçoa-a. Nas bemaventuranças, ela realiza plenamente as promessas divinas, elevando-as e ordenando-as ao Reino dos Céus.
Dirige-se àqueles que se mostram dispostos a acolher com fé esta esperança nova, os pobres, os humildes, os
aflitos, os de coração puro, os perseguidos por causa de Cristo, traçando assim os surpreendentes caminhos do
Reino.
1968. A Lei evangélica dá pleno cumprimento aos mandamentos da Lei. O sermão do Senhor, longe de abolir
ou desvalorizar as prescrições morais da Lei Antiga, dela tira as virtualidades ocultas e faz surgir novas
exigências, revela toda a sua verdade divina e humana. Não lhe acrescenta novos preceitos exteriores, mas vai
até ao ponto de reformar a raiz dos atos, o coração, onde o homem faz a opção entre o puro e o impuro, onde
se formam a fé, a esperança e a caridade e, com elas, as outras virtudes. O Evangelho, deste modo, leva a lei à
plenitude imitando a perfeição do Pai celeste, pelo perdão dos inimigos e pela oração pelos perseguidores,
seguindo o modelo da divina generosidade.
1969. A Nova Lei pratica os atos da religião, a esmola, a oração e o jejum, ordenando-os ao Pai que vê no
segredo, em contraste com o desejo de ser visto pelos homens. A sua oração é o Pai-nosso.
1970. A Lei evangélica comporta a opção decisiva entre os dos caminhos e a prática das palavras do Senhor,
resume-se na regra de ouro: Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles,
pois esta é a lei e os profetas (Mt 7,12).
Toda a Lei evangélica se compendia no mandamento novo de Jesus (cf. Jo 13,34), de nos amarmos uns aos
outros como ele nos amou.
1971. Ao sermão do Senhor convém acrescentar a catequese moral dos ensinamentos apostólicos, como Rm
12-15; 1Cor 12-13; Cl 3-4; Ef 4-5 etc. Esta doutrina transmite o ensinamento do Senhor com a autoridade dos
Apóstolos, particularmente pela exposição das virtudes que decorrem da fé em Cristo e são animadas pela
caridade, o principal dom do Espírito Santo. Que vosso amor seja sem hipocrisia (...) com amor fraterno, tendo
carinho uns para com os outros (...) alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação, assíduos na
oração, tomando parte nas necessidades dos santos, buscando proporcionar a hospitalidade (Rm 12,9-12). Esta
catequese também nos ensina a tratar os casos de consciência à luz de nossa relação com Cristo e a Igreja.
1972. A Nova Lei é denominada também lei de amor porque leva a agir pelo amor infundido pelo Espírito Santo
e não pelo temor; uma lei de graça, por conferir a força da graça para agir por meio da fé e dos sacramentos;
uma lei de liberdade, pois nos liberta das observâncias rituais e jurídicas da Antiga Lei, nos inclina a agir
espontaneamente sob o impulso da caridade e, enfim, nos faz passar do estado de servo, que não sabe o que o
seu senhor faz, para o de amigo de Cristo, porque tudo o que eu ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer (Jo
15,15), ou ainda para o de filho-herdeiro.
1973. Além dos preceitos, a Nova Lei comporta também os conselhos evangélicos. A distinção tradicional entre
os mandamentos de Deus e os conselhos evangélicos se estabelece em relação à caridade, perfeição da vida
cristã. Os preceitos se destinam a afastar tudo o que é incompatível com a caridade. Os conselhos têm como
meta afastar o que, mesmo sem lhe ser contrário, pode constituir um obstáculo para o desenvolvimento da
caridade.
19n74. Os conselhos evangélicos manifestam a plenitude viva da caridade que jamais se mostra satisfeita e
sempre quer dar mais. Atestam o seu dinamismo e solicitam a nossa disponibilidade espiritual. A Perfeição da
Nova Lei consiste essencialmente nos preceitos do amor a Deus e ao próximo. Os conselhos indicam caminhos
mais diretos, meios mais fáceis, e devem ser praticados conforme a vocação de cada um: (Deus) não quer que
cada pessoa observe todos os conselhos, mas apenas aqueles que são convenientes, conforme a diversidade
das pessoas, dos tempos, ocasiões e forças, como o exige a caridade; pois ela, como a rainha de todas as
virtudes, de todos os mandamentos, de todos os conselhos e, em suma, de todas as leis e de todas as ações
cristãs, a todos e todas dá o seu grau, sua ordem, o tempo e o valor.
Resumindo. 1975. Segundo a Escritura, a lei é uma instrução paterna de Deus que prescreve ao homem os
caminhos que levam à felicidade prometida e proscreve aos caminhos do mal.
1976. A lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele a quem cabe o governo da
comunidade.
1977. Cristo é a finalidade da lei. Somente ele ensina e concede a justiça de Deus.
1978. A lei natural é uma participação na sabedoria e na bondade de Deus, pelo homem formado à imagem de
seu criador. Exprime a dignidade da pessoa humana e constitui a base dos seus direitos e deveres
fundamentais.
1979. A lei natural é imutável, permanente através da história. As regras que a exprimem são
substancialmente sempre válidas. E uma base necessária para a edificação das regras morais e para a lei civil.
1980. A Antiga Lei é o primeiro estágio da Lei revelada. Suas prescrições se acham resumidas nos Dez
mandamentos.
1981. A Lei de Moisés contém diversas verdades naturalmente acessíveis à razão. Deus as revelou porque os
homens não conseguiam ler no coração.
1982. A Antiga Lei é uma preparação para o Evangelho.
1983. A Nova Lei é a graça do Espírito Santo, recebida pela fé em Cristo, operando pela caridade. Exprime-se
particularmente no Sermão do Senhor na montanha e usa os sacramentos para comunicarmos a graça.
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1984. A Lei evangélica leva o pleno cumprimento, ultrapassa e conduz à perfeição a antiga Lei: as suas
promessas, através das bem-aventuranças do Reino dos Céus; seus mandamentos, através da transformação
da fonte de suas ações, ou seja, o coração.
1985. A Nova Lei é uma lei de amor, uma lei de graça, uma lei de liberdade.
1986. Além dos seus preceitos, a Nova Lei comporta os conselhos evangélicos. De modo especial favorecem
igualmente a santidade da Igreja os múltiplos conselhos que no Evangelho o Senhor propõe à observância dos
seus discípulos”.
Nota:67
cf. Catecismo da Igreja Católica, 1803-1829: “1803. Ocupai-vos com tudo que é verdadeiro, nobre, justo,
puro, amável, tudo que há de louvável, honroso, virtuoso ou de qualquer modo mereça louvor (Fl 4,8). A
virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só praticar atos bons, mas
dar o melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a pessoa virtuosa tende ao bem, persegueo escolhe-o na prática.
O objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus.
I. As virtudes humanas. 1804. As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições
habituais da inteligência e da vontade que regulam nossos atos, ordenando as nossas paixões e guiando-nos a
razão e a fé. Propiciam assim facilidade, domínio e alegria para levar uma vida moralmente boa. Pessoa
virtuosa é aquela que livremente pratica o bem. As virtudes morais são adquiridas humanamente. São os frutos
e os germes de atos moralmente bons; dispõem todas as forças do ser humano para comungar do amor divino.
Distinção das virtudes cardeais. 1805. Quatro virtudes têm um papel de dobradiça. Por esta razão são
chamadas cardeais. Todas as outras se agrupam em torno delas. São elas: a prudência, a justiça, a fortaleza e
a temperança. Ama alguém a justiça? As virtudes são seus frutos; ela ensina a temperança e a prudência, a
justiça e a fortaleza (Sb 8,7). Estas virtudes são louvadas em numerosas passagens da Escritura sob outros
nomes.
1806. A prudência é a virtude que dispõe a razão prática a discernir em qualquer circunstância nosso
verdadeiro bem e a escolher os meios adequados a realizá-lo. O homem sagaz discerne os seus passos (Pr
14,15). “Sede prudente e sábios para vos entregardes a orações” (1Pd 4,7). A prudência é a regra certa da
ação, escreve S. Tomás citando Aristóteles. Não se confunde com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade
ou dissimulação. É chamada auriga virtutum porque conduz as outras virtudes indicando-lhes a regra e a
medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo. Graças a esta virtude, aplicamos sem erros os princípios
morais aos casos particulares e superamos as dúvidas sobre o bem a praticar e o mal a evitar.
1807. A justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que
lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se virtude da religião. Para com os homens, ela dispõe a
respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas relações humanas a harmonia que promove a eqüidade em
prol das pessoas e do bem comum. O homem justo, muitas vezes mencionado nas Escrituras, distingue-se pela
correção habitual de seus pensamentos e pela retidão de sua conduta para com o próximo. Não favoreças o
pobre, nem prestigies o poderosos. Julga o próximo conforme a justiça (Lv 19,15). Senhores, daí aos vossos
servos o justo e eqüitável, sabendo que vós tendes um Senhor no céu (Cl 4,1).
1808. A fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do
bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza
torna capaz de vencer o medo, inclusive da morte, de suportar a provação e as perseguições. Dispõe alguém a
aceitar até a renúncia e o sacrifício da própria vida para defender uma causa justa. Minha força e meu canto é o
Senhor (Sl 118,14). No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo (Jo 16,33).
1809. A Temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos
bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da
honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem seus apetites sensíveis, guarda uma santa discrição e
não se deixa levar a seguir as paixões do coração (Eclo 5,2). A temperança é muitas vezes louvada no Antigo
Testamento: Não te deixes levar por tuas paixões e refreia os teus desejos (Eclo 18,30). No Novo Testamento é
chamada moderação ou sobriedade. Devemos viver com autodomínio, justiça e piedade neste mundo (Tt 2,12).
Viver bem não é outra coisa senão amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e em toda forma de agir.
Dedicar-lhe um amor integral (pela temperança) que nenhum infortúnio poderá abalar (o que depende da
fortaleza), que obedece exclusivamente a ele (e nisto consiste a justiça) que vela para discernir todas as coisas
com receio de deixar-se surpreender pelo ardil e pela mentira (e isto é a prudência).
As virtudes e a graça. 1810. As virtudes humanas adquiridas pela educação, por altos deliberados e por uma
perseverança sempre retomada com esforço, são purificadas e elevadas pela graça divina. Com o auxílio de
Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz em praticá-lo.
1811. Não é fácil ao homem pelo pecado manter o equilíbrio moral. O dom da salvação de Cristo nos concede a
graça necessária para perseverar na conquista das virtudes. Cada um deve sempre pedir esta graça da luz e de
fortaleza, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo, seguir seus apelos de amar o bem e evitar
o mal.
II As virtudes teologais. 1812. As virtudes humanas se fundam nas virtudes teologais, que adaptam as
faculdades do homem para participarem da natureza divina. Pois as virtudes teologais se referem diretamente a
Deus. Dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima Trindade e têm a Deus Uno e Trino por origem,
motivo e objeto.
1813. As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão. Informam e
vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para serem capazes de agir como
seus filhos e merecer a vida eterna. São o penhor da presença e da ação do Espírito Santo nas faculdades do
ser humano. Há três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade.
1814. A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo que nos disse e revelou, e que a Santa
Igreja nos propõe crer, porque ele é a própria verdade. Pela fé o homem livremente se entrega todo a Deus.
Por isso, o fiel procura conhecer e fazer a vontade de Deus. O justo viverá da fé (Rm 1,17). A fé viva age pela
caridade (Gl 5,6).
51
1815. O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela. Mas é morta a fé sem obras (Tg 2,26):
privada da esperança e do amor, a fé não une plenamente o fiel a Cristo e não faz dele um membro vivo de seu
Corpo.
1816. O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela viver, mas também professá-la, testemunhála com firmeza e difundi-la: Todos devem estar prontos a confessar Cristo perante os homens, segui-lo no
caminho da Cruz entre perseguições que nunca faltam á Igreja. O serviço e o testemunho da fé são requisitos
da salvação: Todo aquele que se declara por mim diante dos homens, também eu me declarei por ele diante de
meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também o renegarei diante de
meu Pai que está nos céus (Mt 10,32-33).
A esperança. 1817. A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos
Céus e a Vida Eterna, colocando nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não em nossas forças
próprias, mas no socorro da graça do Espírito Santo. “Continuemos a afirmar a nossa esperança, porque é fiel
quem fez a promessa (Hb 10,23). Este Espírito que ele ricamente derramou sobre nós, por meio de Jesus
Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados pela sua graça e nos tornássemos herdeiros da
esperança da vida eterna” (Tt 3,6-7).
1818. A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no coração de todo
homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens; purifica-as para ordená-las ao Reino
dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo esmorecimento: dilata o coração na espera da bemaventurança eterna. O impulso da esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade.
1819. A esperança cristã retoma e realiza a esperança do povo eleito, que tem sua origem e modelo na
esperança de Abraão, cumulada em Isaac, das promessas de Deus, e purificada pela prova do sacrifício. “Ele,
contra toda a esperança, acreditou na esperança de tornar-se pai de muitos povos” (Rm 4,18).
1820. A esperança cristã se manifesta desde o início da pregação de Jesus no anúncio das bem-aventuranças.
As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu e ao mesmo tempo para a nova Terra Prometida; traçam
o caminho através das provações reservadas aos discípulos de Jesus. Mas pelos mistérios de Jesus Cristo e de
sua Paixão, Deus nos guarda na “esperança que não decepciona” (Rm 5,5). A esperança é a “âncora da alma”,
segura e firme penetrando... onde Jesus entrou por nós, como precursor (Hb 6,19-20). Também é uma arma
que nos protege no combate da salvação: “Revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da
esperança da salvação” (1Ts 5,8). Ela nos traz alegria mesmo na provação: “alegrando-vos na esperança,
perseverando na tribulação” (Rm 12,12). Ela se exprime e se alimenta na oração, especialmente no Pai-nosso,
resumo de tudo que a esperança nos faz desejar.
1821. Podemos esperar, pois, a glória do céu prometida por Deus aos que o amam e fazem sua vontade. Em
qualquer circunstância, cada qual deve esperar, com a graça de Deus, perseverar até o fim e alcançar a alegria
do céu como recompensa eterna de Deus pelas boas obras praticadas com a graça de Cristo. Na esperança a
Igreja pede que “todos os homens sejam salvos” (1Tm 2,4). Ela aspira a estar unida a Cristo, seu Esposo, na
glória do céu.
Espera, ó minha alma, espera. Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente, tudo que passa com rapidez,
ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo e longo um tempo bem curto. Considera que quanto
mais pelejares, mais provarás o amor que tens a teu Deus e mais te alegrarás um dia com teu Bem-Amado em
gozo e deleite que não podem ter fim.
A caridade. 1822. A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas, por si
mesmo, e ao nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823. Jesus fez da caridade o novo mandamento. Amando os seus “até o fim” (Jo 13,1), manifesta o amor que
recebe do Pai. Amando-se uns aos outros, os discípulos imitam o amor que também recebem de Jesus. Por isso
diz Jesus: “Assim como o Pai me amou, também eu vos amei. Permanecei em meu amor” (Jo 15,9). E ainda:
“Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12).
1824. Fruto do Espírito e plenitude da lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus e de seu Cristo:
“Permanecei em meu amor. Se observais os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (Jo 15,9-10).
1825. Cristo morreu por nosso amor quando éramos ainda “inimigos” (Rm 5,10). O Senhor exige que amemos
como ele, mesmo os nossos inimigos (Mt 5,44), que nos tornemos o próximo do mais afastado, que amemos
como Ele as crianças e os pobres.
O apóstolo São Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: “A caridade é paciente, a caridade é
prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o
seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a
verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,4-7).
1826. Diz ainda o apóstolo: Se não tivesse a caridade, nada seria... e tudo o que é privilégio, serviço e mesmo
virtude... se não tivesse a caridade, isso nada me adiantaria (1Cor 13,1-4). A caridade é superior a todas as
virtudes. É a primeira das virtudes teologais: “Permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas. A maior
delas, porém, é a caridade” (1Cor 13,13).
1827. O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o “vínculo da perfeição” (C1
3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é fonte e termo de sua prática cristã. A
caridade assegura e purifica nossa capacidade humana de amar, elevando-a à perfeição sobrenatural do amor
divino.
1828. A prática da vida moral, animada pela caridade, dá ao cristão a liberdade espiritual dos filhos de Deus.
Já não está diante de Deus como escravo em temor servil, nem como mercenário à espera do solidário, mas
como um filho que responde ao amor daquele “que nos amou primeiro” (1Jo 4,19): Ou nos afastamos do mal
por medo do castigo, estando assim na posição do escravo; ou buscamos o atrativo da recompensa,
assemelhando-nos aos mercenários; ou é pelo bem em si mesmo e por amor de quem manda que nós
obedecemos... e estaremos então na posição de filhos.
1829. A caridade tem como frutos a alegria, a paz e a misericórdia; exige a beneficência e a correção fraterna;
é benevolência; suscita a reciprocidade; é desinteressada e liberal; é amizade e comunhão:
A finalidade de todas as nossas obras é o amor. Este é o fim para alcançá-lo que corremos, é para ele que
corremos; uma vez chegados, é nele que repousaremos”.
Nota:68
52
Catecismo da Igreja Católica, 1888: “É preciso então apelar às capacidades espirituais e morais da pessoa e
à exigência permanente de sua conversão interior, a fim de obter mudanças sociais que estejam realmente a
seu serviço. A prioridade reconhecida à conversão do coração não elimina absolutamente, antes impõe, a
obrigação de trazer às instituições e às condições de vida, quando estas provocam o pecado, o saneamento
conveniente para que sejam conformes às normas da justiça e favoreçam o bem em vez de pôr-lhe
obstáculos”.
Puebla, 1155 e 1221: “A necessária mudança das estruturas sociais, políticas e econômicas injustas não será
verdadeira e plena se não for acompanhada pela mudança de mentalidade pessoal e coletiva com respeito ao
ideal duma vida humana digna e feliz, que por sua vez dispõe à conversão.
1221. Temos consciência de que a transformação das estruturas é uma expressão externa da conversão
interior. Sabemos que esta conversão começa por nós mesmos. Sem o testemunho duma Igreja convertida,
vãs seriam nossas palavras de pastores”.
Nota:69
cf. Concílio Vaticano II, DH, 7: “Como é um direito social que se exerce em sociedade, o direito à liberdade
religiosa está, evidentemente, sujeito a certas normas. Na prática da liberdade é preciso observar sempre o
princípio moral da responsabilidade pessoal e social. No exercício de seus direitos, individuais e grupais, os
seres humanos devem sempre levar em conta as obrigações da lei moral, os direitos alheios e seus próprios
deveres para com os outros e para com o bem comum.
É indispensável que a justiça e a humanidade sejam observadas em tudo que fazemos. A sociedade civil tem o
direito de se proteger contra os abusos que possam ser praticados sob pretexto da liberdade religiosa.
Compete especialmente ao poder civil velar sob esse aspecto, não de modo arbitrário ou parcial. Devem-se
estabelecer normas jurídicas consentâneas com a ordem moral objetiva, reclamadas pela efetiva proteção dos
direitos de todos os cidadão, por seu convívio pacífico e pelas exigências efetivas da tranqüilidade social, que
requer a prática da justiça e da moralidade pública. Tudo isso faz parte do bem comum fundamental e decorre
da própria noção de ordem pública.
Observem-se, finalmente, os costumes sociais no que diz respeito à prática integral da liberdade, pois ao ser
humano deve-se reconhecer basicamente a liberdade, sempre que não houver razão nem necessidade de
restringi-la”.
Nota:70
cf. Mt 5,9: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.”
Nota:71
Catecismo da Igreja Católica, 1846-1876: “O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de
Deus para com os pecadores. O anjo o anuncia a José: “Tu o chamarás com o nome de Jesus, pois, ele salvará
o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21). O mesmo se dá com a Eucaristia, sacramento da Redenção: “Isto é o
meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados” (Mt 26,28).
1847. Deus nos criou sem nós, mas não quis salvar-nos sem nós. Acolher sua misericórdia exige da nossa
parte a confissão de nossas faltas. Se dissermos: Não temos pecado enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade
não está em nós. Se confessarmos nossos pecados, ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos
purificará de toda injustiça (1Jo 1,8-9).
1848. Como afirma São Paulo: Onde avultou o pecado, a graça superabundou. Mas para realizar o seu trabalho
deve a graça descobrir o pecado a fim de converter nosso coração e nos conferir a justiça para a vida eterna,
através de Jesus Cristo, nosso Senhor (Rm 5,20-21). Como o médico que examina a ferida antes de curá-la,
assim Deus, por sua palavra e por seu Espírito, projeta uma luz viva sobre o pecado.
A conversão requer que se lance luz sobre o pecado, contém em si mesma o julgamento interior da
consciência. Pode-se ver nisso a prova da ação do Espírito de verdade no mais íntimo do homem, e isso se
torna ao mesmo tempo o início de um novo dom da graça e do amor: Recebei o Espírito Santo. Assim, nesta
ação de lançar luz sobre o pecado descobrimos um duplo dom: o dom da verdade da consciência e o dom da
certeza da redenção. O Espírito de verdade é o Consolador.
II. A definição do pecado. 1849. O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a consciência reta; é uma
falta ao amor verdadeiro, para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a certos
bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana. Foi definido como uma palavra, um ato ou
um desejo contrário à lei eterna.
1850. O pecado é ofensa a Deus: Pequei contra ti, contra ti somente; pratiquei o que é mau aos teus olhos (Sl
51,6). O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os nossos corações. Como o primeiro
pecado, é uma desobediência, uma revolta contra Deus, por vontade de tornar-se como deuses, conhecendo e
determinando o bem e o mal (Gn 3,5). O pecado é portanto, amor de si mesmo até ao desprezo de Deus. Por
essa exaltação orgulhosa de si, o pecado é diametralmente contrário à obediência de Jesus, que realiza a
salvação.
1851. É justamente na paixão, onde a misericórdia de Cristo vai vencê-lo, que o pecado manifesta melhor sua
violência e sua multiplicidade; incredulidade, ódio assassino, rejeição e zombarias da parte dos chefes e do
povo, covardia de Pilatos e crueldade dos soldados, traição de Judas tão dura a Jesus, negação de Pedro e
abandono da parte dos discípulos . Mas, na própria hora das trevas e do príncipe deste mundo, o sacrifício de
Cristo se torna secretamente a fonte donde brotará inesgotavelmente o perdão de nossos pecados.
III. A diversidade dos pecados. 1852. A variedade dos pecados é grande. As Escrituras nos fornecem várias
listas. A Carta aos Gálatas opõe as obras da carne ao fruto do Espírito: As obras da carne são manifestas:
fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdias, divisões,
invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos
preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus (5,19-21).
1853. Pode-se distinguir os pecados segundo o seu objeto, como em todo ato humano, ou segundo as virtudes
a que se opõem, por excesso ou por defeito, ou segundo os mandamentos que eles contrariam. Pode-se
também classificá-los conforme dizem respeito Deus, ao próximo ou a si mesmo; pode-se dividi-los em pecados
espirituais e carnais, ou ainda em pecados por pensamento, palavra, ação ou omissão. A raiz do pecado está no
coração do homem, em sua livre vontade, segundo o ensinamento do Senhor; Com efeito, é do coração que
procedem más inclinações, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações. São
53
estas as coisas que tornam o homem impuro (Mt 15,19-20). No coração reside também a caridade, princípio
das obras boas e puras, que o pecado fere.
IV. A gravidade do pecado: pecado mortal e venial. 1854. Convém avaliar os pecados segundo sua
gravidade. Perceptível já na Escritura, a distinção entre o pecado mortal e o pecado venial se impôs na Tradição
da Igreja. A experiência humana e corrobora. O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por
uma infração grave da lei de Deus, desvia o homem de Deus, que é seu fim último e bem-aventurança,
preferindo um bem inferior.
1855. O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora a ofenda e fira.
1856. O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital que é a caridade, exige uma nova iniciativa da
misericórdia de Deus e uma conversão do coração, que se realiza normalmente no sacramento da
reconciliação:
Quando a vontade se volta para uma coisa de per si contrária à caridade pela qual estamos ordenados ao fim
último, há no pecado, pelo seu próprio objeto, matéria para ser mortal... quer seja contra o amor a Deus, como
a blasfêmia, o perjúrio etc. Por outro lado, quando a vontade do pecador se dirige ás vezes a um objeto que
contém em si uma desordem, mas não é contrário ao amor a Deus e ao próximo, como por exemplo palavra
ociosa, riso supérfluo etc., tais pecados são veniais.
1857. Para que um pecado seja mortal requerem-se três condições ao mesmo tempo: É pecado mortal todo
pecado que tem como objeto uma matéria grave, e que é cometido com plena consciência e deliberadamente.
1858. A matéria grave é precisada pelos dez mandamentos segundo a resposta de Jesus ao jovem rico: Não
mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes ninguém, honra teu
pai e tua mãe (Mc 10,19). A gravidade dos pecados é maior ou menor; um assassinato é mais grave do que um
roubo. A qualidade das pessoas lesadas entra também em consideração. A violência exercida contra os pais é
em si mais grave do que contra um estrangeiro.
1859. O pecado mortal requer pleno conhecimento e pleno consentimento. Pressupõe o conhecimento do
caráter pecaminoso do ato, de sua aposição à Lei de Deus. Envolve também um consentimento suficientemente
deliberado para ser uma escolha pessoal. A ignorância afetada e o endurecimento do coração não diminuem
mas aumentam o caráter voluntário do pecado.
1860. A ignorância involuntária pode diminuir ou até excusar a imputabilidade de uma falta grave, mas supõese que ninguém ignore os princípios da lei moral inscritos na consciência de todo ser humano. Os impulsos da
sensibilidade, as paixões podem igualmente reduzir o caráter voluntário e livre da falta, como também pressões
exteriores e perturbações patológicas. O pecado por malícia, por opção do mal, é o mais grave.
1861. O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, como o próprio amor. Acarreta a
perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do estado de graça. Se este estado não for
recuperado mediante o arrependimento e o perdão de Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte
eterna no inferno, já que nossa liberdade tem o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. No entanto,
mesmo podendo julgar que um ato é em si falta grave, devemos confiar o julgamento sobre as pessoas à
justiça e à misericórdia de Deus.
1862. Comete-se um pecado venial quando não observa, em matéria leve, a medida prescrita pela lei moral,
ou então quando se desobedece à lei moral em matéria grave, mas sem pleno conhecimento ou sem pleno
consentimento.
1863. O pecado venial enfraquece a caridade; traduz uma afeição desordenada pelos bens criados; impede o
progresso da alma no exercício das virtudes e a prática do bem moral; merece penas temporais. O pecado
venial deliberado e que fica sem arrependimento dispõe-nos pouco a pouco a cometer o pecado mortal. Mas o
pecado venial não nos torna contrários à vontade e à amizade divinas; não quebra a aliança com Deus. É
humanamente reparável com a graça de Deus. Não priva da graça santificante, da amizade com Deus, da
caridade, nem, por conseguinte, da bem-aventurança eterna.
O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os pecados leves. Mas esses
pecados que chamamos leves, não os consideres insignificantes: se os consideras insignificantes ao pesá-los,
treme ao contá-los. Um grande número de objetos leves fazem uma grande massa; um grande número de
gotas enche um rio; um grande número de grãos faz um montão. Qual é então nossa esperança? Antes de
tudo, a confissão... .
1864. Aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não terá remissão para sempre. Pelo contrário, é culpado
de um pecado eterno (Mc 3,29). A misericórdia de Deus não tem limites, mas quem se recusa deliberadamente
a acolher a misericórdia de Deus pelo arrependimento, rejeita o perdão de seus pecados e a salvação oferecida
pelo Espírito Santo. Semelhante endurecimento pode levar à impenitência final e à perdição eterna.
V. A proliferação do pecado. 1865. O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos
mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a avaliação
concreta do bem e do mal. Assim o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se, mas não consegue destruir o
senso moral até à raiz.
1866. Os vícios podem ser classificados segundo as virtudes que contrariam, ou ainda ligados aos pecados
capitais que a experiência cristã distinguiu seguindo São João Cassiano e São Gregório Magno. São chamados
capitais porque geram outros pecados, outros vícios. São o orgulho, a avareza, a inveja, a ira, a impureza, a
gula, a preguiça ou acídia.
1867. A tradição catequética lembra também que existem pecados que bradam ao céu. Bradam ao céu: o
sangue de Abel, o pecado dos sodomitas, o clamor do povo oprimido no Egito, a queixa do estrangeiro, da
viúva e do órfão, a injustiça para com o assalariado.
1868. O pecado é um ato pessoal. Além disso, temos responsabilidade nos pecados cometidos por outros,
quando neles cooperamos: participando neles direta e voluntariamente; mandando, aconselhando, louvando ou
aprovando esses pecados; não os revelando ou não os impedindo, quando a isso somos obrigados; protegendo
os que fazem o mal.
1869. Assim o pecado torna os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a concupiscência, a
violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições contrárias à bondade divina. As
estruturas de pecado são a expressão e o efeito dos pecados pessoais. Induzem suas vítimas a cometerem, por
sua vez, o mal. Em sentido analógico constituem um pecado social.
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Resumindo. 1870. Deus encerrou todos na desobediência para a todos fazer misericórdia (Rm 11,32).
1871. O pecado é uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna. É uma ofensa a Deus, Insurge-se
contra Deus numa desobediência contrária à obediência de Cristo.
1872. O pecado é um ato contrário à razão. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana.
1873. A raiz de todos os pecados está no coração do homem. As espécies e a gravidade dos mesmos medemse principalmente segundo seu objeto.
1874. Escolher deliberadamente, isto é, sabendo e querendo, uma coisa gravemente contrária à lei divina e ao
fim último do homem, é cometer pecado mortal. Este destrói em nós a caridade, sem a qual é impossível a
bem-aventurança eterna. Caso não haja arrependimento, acarreta a morte eterna.
1875. O pecado venial constitui uma desordem moral reparável pela caridade, que ele deixa subsistir em nós.
1876. A repetição dos pecados, mesmo veniais, produz os vícios, entre os quais avultam os pecados capitais”.
Nota:72
cf. Rm 5,12-21: “Assim como o pecado entrou no mundo através de um só homem e com o pecado veio a
morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram. De fato, já antes da Lei existia
pecado no mundo, embora o pecado não possa ser levado em conta quando não existe Lei. Ora, a morte reinou
de Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não haviam pecado, cometendo uma transgressão igual à de
Adão, o qual é figura daquele que devia vir.
O dom da graça, porém, não é como a falta. Se todos morreram devido à falta de um só, muito mais
abundantemente se derramou sobre todos a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo.
Também não acontece com o dom da graça, como aconteceu com o pecado de um só que pecou: a partir do
pecado de um só, o julgamento levou à condenação, ao passo que a partir de numerosas faltas, o dom da
graça levou à justificação. Porque se através de um só homem reinou a morte por causa da falta de um só, com
muito mais razão reinarão na vida aqueles que recebem a abundância da graça e do dom da justiça, por meio
de um só: Jesus Cristo. Portanto, assim como pela falta de um só resultou a condenação para todos os homens,
do mesmo modo foi pela justiça de um só que resultou para todos os homens a justificação que dá a vida.
Assim como, pela desobediência de um só homem, todos se fizeram pecadores, do mesmo modo, pela
obediência de um só, todos se tornarão justos.
A Lei sobreveio para dar plena consciência da falta; mas, onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça, para
que, assim como o pecado havia reinado através da morte, do mesmo modo a graça reine através da justiça
para a vida eterna, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Rm 6,17-20: “Damos graças a Deus, porque vocês eram escravos do pecado, mas obedeceram de coração ao
ensinamento básico que lhes foi transmitido. Assim, livres do pecado, vocês se tornaram escravos da justiça.
Falo com palavras simples por causa da fraqueza de vocês. Assim como antes vocês colocaram seus membros a
serviço da imoralidade e da desordem que conduzem à revolta contra Deus, agora coloquem seus membros a
serviço da justiça para a santificação de vocês. Quando eram escravos do pecado, vocês eram livres em relação
à justiça”.
1Cor 15,21: “De fato, já que a morte veio através de um homem, também por um homem vem a ressurreição
dos mortos”.
Ef 2,3: “Antigamente também nós andávamos como eles, submetidos aos desejos da carne, obedecendo aos
caprichos do instinto e da imaginação; como os outros, éramos, por natureza, merecedores da ira de Deus”.
Gl 5,17-21: “Porque os instintos egoístas têm desejos que estão contra o Espírito, e o Espírito contra os
instintos egoístas; os dois estão em conflito, de modo que vocês não fazem o que querem. Mas, se forem
conduzidos pelo Espírito, vocês não estarão mais submetidos à Lei. Além disso, as obras dos instintos egoístas
são bem conhecidas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, discórdia, ciúme, ira,
rivalidade, divisão, sectarismo, inveja, bebedeira, orgias e outras coisas semelhantes. Repito o que já disse: os
que fazem tais coisas não herdarão o Reino de Deus”.
Nota:73
Rm 5,20: “A Lei sobreveio para dar plena consciência da falta; mas, onde foi grande o pecado, foi bem maior a
graça”.
Nota:74
cf. GS, 40-44: “Tudo que até agora foi dito a respeito da dignidade humana, da comunidade existente entre os
seres humanos e do sentido profundo de sua atividade constitui o fundamento da relação entre a Igreja e o
mundo e a base de seu diálogo recíproco.
Depois de o Concílio ter falado sobre o mistério da Igreja, convém que a considere agora enquanto existe e
atua no mundo, em convívio com ele. A Igreja procede do amor do Pai eterno, foi fundada na história pelo
Cristo Redentor e é sustentada na unidade pelo Espírito Santo. Sua finalidade é salutar e escatológica e só se
realizará plenamente no século futuro. Contudo, está presente aqui na terra, é feita de mulheres e homens que
são membros da sociedade terrena, chamados desde agora a formar, na história, a família dos filhos de Deus,
que deve ir aumentando até a vinda do Senhor. Família, cuja união vem dos bens celestiais de que todos
participam, foi constituída e organizada por Cristo nesse mundo, como uma sociedade, dotada dos meios
adequados a toda sociedade visível.
A Igreja é assim, ao mesmo tempo, um grupo histórico e uma comunidade espiritual em caminho, com toda a
humanidade, participando, com o mundo, da condição terrena e agindo como fermento ou como alma da
sociedade humana, a ser renovada em Cristo e transformada em família de Deus. Só a fé percebe esta
compenetração das sociedades terrena e celestial.
O mistério da história humana, perturbada pelo pecado, permanecerá impenetrável até o fim dos séculos,
quando se manifestará plenamente a glória dos filhos de Deus.
A Igreja, fiel a seu próprio fim, comunica a todos a vida divina e ilumina com sua luz o mundo inteiro,
contribuindo para restabelecer e elevar a dignidade humana e fortalecer os laços sociais, proporcionando uma
significação nova e mais profunda a toda a atividade humana.
Através de cada um de seus membros e atuando em conjunto, a Igreja acredita poder contribuir para tornar
mais humana a família dos humanos e sua história. Além disso, a Igreja católica se alegra de poder assinalar a
importância da contribuição que deram e ainda dão, no mesmo sentido, as outras igrejas cristãs e as diversas
comunidades eclesiásticas.
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Tem, além disso, a convicção de poder contar, sob inúmeros e variados aspectos, com o apoio e com a ajuda
do mundo, das pessoas individualmente e da sociedade humana, com seus bens e com sua atividade, para
abrir caminho ao Evangelho. Para promover adequadamente esta colaboração, em que, reciprocamente, Igreja
e mundo se ajudam, convém estabelecer aqui alguns princípios gerais.
41. A Igreja procura ajudar os seres humanos - Hoje em dia todos procuram desenvolver plenamente sua
pessoa, estabelecer e afirmar claramente seus direitos. Encarregada de manifestar o mistério de Deus, último
fim do ser humano, a Igreja o ajuda a esclarecer o sentido da própria existência, e lhe revela sua mais íntima
verdade. De fato, a Igreja sabe que somente Deus, a quem serve, satisfaz aos mais profundos desejos do
coração humano, que as coisas da terra jamais hão de saciar.
Sabe também que, sob ação do Espírito de Deus, o ser humano não será jamais completamente indiferente ao
problema religioso, como o demonstra não apenas a experiência dos séculos passados, mas inúmeros
testemunhos contemporâneos. Sempre se desejou saber, ainda que de maneira confusa, qual o sentido da
vida, da atividade no mundo e da morte.
A própria presença da Igreja coloca tais problemas. Só Deus, que fez o ser humano à sua imagem e o resgatou
do pecado dá resposta plenamente satisfatória a essas questões, pelo seu Filho feito homem. Quem segue a
Cristo, homem perfeito, torna-se cada vez mais humano.
A fé permite que a Igreja coloque a dignidade da natureza humana acima de toda discussão entre os que
tendem por um lado a exaltar o corpo, e, por outro, a desprezá-lo. Nenhuma lei preserva tão bem a dignidade
e a liberdade humanas como o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja.
O Evangelho anuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus, rejeitando toda servidão decorrente, em última
análise, do pecado, leva ao respeito sagrado da consciência e da liberdade, induz a colocar a serviço de Deus e
em favor dos outros todos os talentos humanos, recomendando a todos, acima de tudo, o amor. É esta, a lei
fundamental da economia cristã. Deus é, ao mesmo tempo, criador e salvador, Senhor da história humana e da
história da salvação.
A autonomia da criatura, especialmente dos seres humanos, e sua dignidade, não só são preservadas, como
restituídas e confirmadas, na esfera própria das coisas divinas.
Baseada, pois, no Evangelho que lhe foi confiado, a Igreja proclama os direitos humanos. Reconhece e dá todo
valor ao empenho com que eles são hoje promovidos, em todas as partes do mundo. Mas esse movimento
precisa estar imbuído do espírito do Evangelho, para não cair numa espécie de falsa autonomia. Há sempre a
tentação de considerar que os direitos pessoais só se preservariam sem a lei divina, o que constituiria perigoso
desconhecimento da verdadeira dignidade humana.
42. A Igreja procura ajudar a sociedade - A união da família humana é favorecida e aperfeiçoada pela
unidade, em Cristo, da família dos filhos de Deus. A missão própria que Cristo confiou à sua Igreja não é de
ordem política, econômica ou social, mas religiosa, da qual, entretanto, emanam luz e forças que servem para
fundamentar e fortalecer a comunidade humana, de acordo com a lei divina. Dependendo das circunstâncias, a
Igreja pode, e em certos casos deve, suscitar iniciativas em favor de todos, especialmente dos pobres, como o
são as obras de misericórdia.
A Igreja reconhece o que há de bom nos movimentos sociais de nossos dias, especialmente na evolução para
maior unidade do mundo, nos processos sadios de socialização, nas organizações civis e nas associações
econômicas. A promoção da unidade está intimamente vinculada à missão própria da Igreja que, em Cristo, é o
sacramento, isto é, sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano.
Mostra ao mundo que a verdadeira união social externa provém da união das mentes e dos corações, da fé e da
caridade, indissoluvelmente ligadas à união que se funda no Espírito Santo. A força que a Igreja pode dar à
sociedade vem do vigor da fé e do amor. Resulta da vida, não de qualquer domínio externo que possa exercer,
utilizando-se de meios puramente humanos. Por sua natureza e missão, a Igreja não está vinculada a nenhuma
forma de cultura nem a nenhum sistema político, econômico ou social.
Graças à sua universalidade, porém, estabelece um laço estreitíssimo de união entre as diversas comunidades e
nações humanas, desde que nela confiem e lhe reconheçam a plena liberdade de ação. Por isso a Igreja
aconselha não apenas aos seus filhos, mas todos os seres humanos, que superem as dissensões entre nações e
raças, passando a viver num espírito familiar de filhos de Deus, que consolidará internamente todas as justas
associações entre os homens. O Concílio considera com todo respeito tudo que há de verdadeiro, de bom e de
justo nas mais diversas instituições sociais.
Declara que a Igreja quer ajudar e promover todas essas instituições, no que dela dependa e que tenha relação
com sua missão. O que mais deseja é estar a serviço do bem de todos, gozando de plena liberdade em
qualquer regime que seja, desde que reconheça os direitos fundamentais da pessoa e da família e as
necessidades do bem comum.
43. Por meio dos cristãos, a Igreja procura dar apoio a todas as atividades humanas - O Concílio
exorta os fiéis, cidadãos de uma e de outra cidade a se deixarem conduzir pelo espírito do Evangelho e, ao
mesmo tempo, a cumprirem fielmente seus deveres terrestres. Afastam-se da verdade todos aqueles que,
sabendo que não temos aqui morada permanente, mas buscamos a futura, julgam poder negligenciar suas
obrigações temporais, pensando não lhes estar sujeitos por causa da fé, segundo a vocação a que cada um foi
chamado. Não é menor o erro daqueles que, pelo contrário, julgam poder mergulhar nos negócios terrenos
independentemente das exigências da religião, pensando que esta se limita a determinados atos de culto e ao
fiel cumprimento de certos preceitos morais. Esta divisão entre a fé professada e a vida cotidiana de muitos é
um dos mais graves erros do nosso tempo.
Os profetas, no Antigo Testamento, já o condenavam como um escândalo e Jesus Cristo, no Novo Testamento,
o ameaça com pesadas penas. Evite-se a perniciosa oposição entre as atividades profissionais e sociais, de um
lado, e as religiosas, de outro.
O cristão que não cumpre suas obrigações temporais, falta a seus deveres para com o próximo e para com
Deus e põe em risco a sua salvação eterna. Alegrem-se, ao contrário, os cristãos que, seguindo o exemplo de
Cristo, que trabalhou como operário, exercem todas as suas atividades unificando os esforços humanos,
domésticos, profissionais, científicos e técnicos numa síntese vital com os bens religiosos, sob cuja direção tudo
se orienta para a glória de Deus.
56
Competem aos leigos, embora sem exclusividade, os deveres e as atividades seculares. Agindo como cidadãos
do mundo, individual ou coletivamente, observarão as normas de cada disciplina e procurarão adquirir
verdadeira competência nos setores em que atuam. Trabalharão em cooperação com os demais, na busca dos
mesmos objetivos. Imbuídos de fé e lhe reconhecendo claramente as exigências, tomarão e procurarão levar a
bom termo as iniciativas que se fizerem necessárias.
A lei divina se aplica às realidades temporais através dos leigos, agindo de acordo com sua consciência,
devidamente formada. Mas os leigos devem contar com as luzes e a força espiritual dos sacerdotes. Não
pensem, porém, que seus pastores sejam peritos ou tenham respostas prontas e soluções concretas para todas
as questões que possam surgir. Não é esta a sua missão. Seu papel específico é contribuir com as luzes da
sabedoria cristã, fiéis à doutrina do magistério. Em geral, as soluções se apresentarão como decorrência da
visão cristã em determinadas circunstâncias. Muitas vezes acontece que outros cristãos, igualmente sinceros,
pensarem de maneira diversa. Mesmo que a solução proposta por uma das partes decorra, aos olhos da
maioria, dos mais autênticos princípios evangélicos, não pode pretender a exclusividade, em nome da
autoridade da Igreja.
Todos devem se empenhar num diálogo de esclarecimento recíproco, segundo as exigências da caridade e do
bem comum. Os leigos que têm responsabilidade na Igreja, estão obrigados a agir, no mundo, de acordo com o
espírito cristão, sendo, entre os seres humanos, testemunhas de Cristo. Bispos encarregados de governar a
Igreja de Deus e sacerdotes, preguem de tal forma a mensagem de Cristo que todas as atividades temporais
dos fiéis sejam iluminadas pelo Evangelho.
Os pastores devem estar conscientes de que seu modo de viver o dia-a-dia é responsável pela imagem que se
tem da Igreja e da opinião que se forma a respeito da verdade e da força da mensagem cristã. Pela vida e pela
palavra, juntamente com os religiosos e com os fiéis, mostrem que a Igreja, com todos os seus dons, pela sua
simples presença, é fonte inexaurível das virtudes de que o mundo de hoje tanto precisa.
Dediquem-se aos estudos, para se tornarem capazes de dialogar com pessoas das mais variadas opiniões,
tendo no coração o que diz o Concílio: A humanidade é hoje cada vez mais una, do ponto de vista civil,
econômico e social. É preciso pois que os sacerdotes atuem em conjunto, sob a direção dos bispos e do papa,
evitando toda a dispersão de forças, para conduzir a humanidade à unidade da família de Deus.
Graças ao Espírito Santo a Igreja se manterá sempre como esposa fiel a seu Senhor e nunca deixará de ser, no
mundo, sinal da salvação. Isto não quer dizer que entre os seus membros, não tenha havido muitos, através
dos séculos, que foram infiéis ao Espírito de Deus, tanto clérigos como leigos. Ainda hoje a Igreja não ignora a
distância que existe entre a mensagem que anuncia e a fraqueza humana daqueles a quem foi confiado o
Evangelho. Devemos tomar conhecimento de tudo que a história registra a respeito dessas infidelidades e
condená-las vigorosamente, para que não constituam obstáculo à difusão do Evangelho. Mas a Igreja tem
consciência de quanto a experiência da história contribui para amadurecer suas relações com o mundo.
Conduzida pelo Espírito Santo, a Igreja, como mãe, exorta seus filhos a se purificarem e a se renovarem, para
que o sinal de Cristo brilhe cada vez mais na face da Igreja.
44. O mundo auxilia a Igreja - Assim como interessa ao mundo reconhecer a Igreja, na sua realidade social,
como fermento da história, a Igreja não deve esquecer quanto lhe aproveita a evolução e a história do gênero
humano.
A experiência dos séculos passados, o progresso das ciências e os muitos tesouros escondidos nas mais
variadas culturas são extremamente úteis à Igreja: manifestam as virtudes da natureza humana e abrem novos
caminhos para o conhecimento da verdade.
Desde o início de sua história a Igreja soube anunciar Cristo por intermédio de expressões e conceitos
lingüísticos aprendidos dos diversos povos e torná-lo melhor conhecido recorrendo à sabedoria dos filósofos. A
Igreja teve sempre por objetivo adaptar o Evangelho à capacidade de entender do povo e às exigências dos
intelectuais. Essa acomodação da pregação da palavra revelada é uma lei permanente da evangelização.
Em todas as nações a possibilidade de exprimir a seu modo a mensagem de Cristo deve ser cultivada,
promovendo-se um intercâmbio fecundo entre a Igreja e as diversas culturas.Para intensificar este intercâmbio,
especialmente nos dias de hoje, em que as coisas mudam rapidamente e a maneira de pensar é extremamente
variada, a Igreja precisa daqueles que vivem no mundo, conhecem por dentro as diversas instituições e
disciplinas, mesmo que não sejam cristãos.
Todo o povo de Deus, mas especialmente os bispos e os teólogos, com o auxílio do Espírito Santo, devem estar
atentos à linguagem do nosso tempo, analisá-la e interpretá-la à luz da palavra divina, para aprofundar sempre
mais a compreensão da verdade revelada, melhor entendê-la e divulgá-la de maneira mais acessível.
Dotada de estrutura social visível, sinal de sua unidade em Cristo, a Igreja pode aproveitar e se aproveita de
fato da evolução da sociedade. Não que lhe falte qualquer elemento constitucional, mas deve sempre se
conhecer de maneira mais profunda e se exprimir de maneira mais adequada aos tempos em que vivemos.
Tem consciência de que muito deve, quer individual, quer coletivamente, a pessoas de todas as classes e
condições.
Todos os que lutam pela promoção da família, da cultura, da vida econômica, social e política, tanto nacional
como internacional, segundo o desígnio de Deus, promovem igualmente a comunidade eclesial no que ela
depende do auxílio externo, que é muito importante. A Igreja reconhece ainda que mesmo as resistências e
oposições que encontrou e ainda encontra lhe são proveitosas, como sempre o foram”.
Nota:75
cf. Catecismo da Igreja Católica, 2032: “A igreja, coluna e sustentáculo da verdade (1Tm 3,15), recebeu
dos Apóstolos o solene mandamento de Cristo de pregar a verdade da salvação. Compete à Igreja anunciar
sempre e por toda a parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a respeito de
qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das
almas”.
Nota:76
Rm 12,1: “Irmãos, pela misericórdia de Deus, peço que vocês ofereçam os próprios corpos como sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus. Esse é o culto autêntico de vocês”.
Nota:77
57
cf. LG, 10: “O Cristo Senhor, constituído pontífice dentre os homens (cf. Hb 5, 1-5) fez do novo povo um reino
de sacerdotes para Deus, seu Pai (Ap 1, 6; cf. 5, 9-10). Os batizados são consagrados pela regeneração e pela
unção do Espírito Santo. Todas as ações dos cristãos são como hóstias oferecidas: proclamam a força daquele
que nos libertou das trevas para vivermos na sua luz admirável (cf. 1Pd 2, 4-10).
Sendo assim, todos os discípulos de Cristo se oferecem como hóstia viva, santa e agradável a Deus (cf. At 2,
42-47), testemunham Cristo em toda parte e a todos que procuram dão a razão de sua esperança na vida
eterna (cf. 1Pd 3, 15). Há uma diferença de essência e não apenas de grau entre o sacerdócio comum dos fiéis
e o sacerdócio ministerial ou hierárquico. Contudo, ambos participam a seu modo do mesmo sacerdócio de
Cristo e mantêm, por isso, estreita relação entre si.
O sacerdócio ministerial, em virtude do poder sagrado que o caracteriza, visa à formação e governo do povo
sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico em nome de Cristo e o oferece, em nome do povo.
Os fiéis por sua vez, em virtude de seu sacerdócio régio, tomam parte na oblação eucarística. Exercem contudo
seu sacerdócio na recepção dos sacramentos, na oração e na ação de graças, no testemunho da vida santa, na
abnegação e na prática da caridade”.
Catecismo da Igreja católica, n. 2031: “A vida moral é um culto espiritual. Oferecemos nossos corpos como
hóstia viva, santa e agradável a Deus, no seio do Corpo de Cristo que formamos, e em comunhão com a oferta
de sua Eucaristia. Na Liturgia e na celebração dos sacramentos, oração e doutrina se conjugam com a graça de
Cristo para iluminar e alimentar o agir cristão. Com o conjunto da vida cristã, da mesma forma a vida moral
encontra a sua fonte e seu ponto culminante no sacrifício eucarístico”.
Nota:78
GS, 43: “Graças ao Espírito Santo a Igreja se manterá sempre como esposa fiel a seu Senhor e nunca deixará
de ser, no mundo, sinal da salvação. Isto não quer dizer que entre os seus membros, não tenha havido muitos,
através dos séculos, que foram infiéis ao Espírito de Deus, tanto clérigos como leigos. Ainda hoje a Igreja não
ignora a distância que existe entre a mensagem que anuncia e a fraqueza humana daqueles a quem foi
confiado o Evangelho. Devemos tomar conhecimento de tudo que a história registra a respeito dessas
infidelidades e condená-las vigorosamente, para que não constituam obstáculo à difusão do Evangelho. Mas a
Igreja tem consciência de quanto a experiência da história contribui para amadurecer suas relações com o
mundo. Conduzida pelo Espírito Santo, a Igreja, como mãe, exorta seus filhos a se purificarem e a se
renovarem, para que o sinal de Cristo brilhe cada vez mais na face da Igreja”.
Nota:79
Santo Domingo, 24: “A Nova Evangelização tem como ponto de partida a certeza de que em Cristo há uma
riqueza insondável (Ef 3,8) que nenhuma cultura, de qualquer época, extingue, e à qual nós homens sempre
poderemos recorrer para enriquecer-nos (João Paulo II, Discurso Inaugural, 6).
Falar de Nova Evangelização é reconhecer que existiu uma antiga ou primeira. Seria impróprio falar de Nova
Evangelização de tribos ou povos que nunca receberam o Evangelho. Na América Latina, pode-se falar assim,
porque aqui se realizou uma primeira evangelização nos últimos 500 anos.
Falar de Nova Evangelização não significa que a anterior tenha sido inválida, infrutuosa ou de curta duração.
Significa que hoje novos desafios, novas interpelações se fazem aos cristãos e aos quais é urgente responder.
Falar de Nova Evangelização, como advertiu o Papa no Discurso Inaugural desta IV Conferência, não significa
propor um novo Evangelho diferente do primeiro: há um só e único Evangelho do qual se podem tirar luzes
novas para problemas novos.
Falar de Nova Evangelização não quer dizer reevangelizar. Na América Latina, não se trata de prescindir da
primeira evangelização, mas de partir dos ricos e abundantes valores que ela deixou para aprofundá-los e
complementá-los, corrigindo as deficiências anteriores.
A Nova Evangelização surge na América Latina como resposta aos problemas apresentados pela realidade de
um Continente no qual se dá um divórcio entre fé e vida, ao ponto de produzir clamorosas situações de
injustiças, desigualdade social e violência. Implica enfrentar a grandiosa tarefa de infundir energias ao
cristianismo da América Latina. Para João Paulo II, a Nova Evangelização é algo atuante, dinâmico.
É, antes de tudo, chamado à conversão (cf. João Paulo II, Discurso Inaugural, 1) e à esperança que se apóia
nas promessas de Deus e que tem como certeza inquebrantável a Ressurreição de Cristo, primeiro anúncio e
raiz de toda evangelização, fundamento de toda promoção humana, princípio de toda autêntica cultura cristã
(cf. ibid., 25).
É também um novo âmbito vital, um novo Pentecostes (cf. ibid., 30-31) em que o acolhimento do Espírito
Santo fará surgir um povo renovado, constituído de homens livres, conscientes de sua dignidade (cf. ibid., 19)
e capazes de forjar uma história verdadeiramente humana.
É o conjunto de meios, ações e atitudes aptos para pôr o Evangelho em diálogo ativo com a modernidade e o
pós-moderno, seja para interpelá-los, seja para deixar-se interpelar por eles. Também é o esforço por
inculturar o Evangelho na situação atual das culturas de nosso Continente”.
Nota:80
Prov 16,12: “Os reis detestam a prática do mal, porque é na justiça que o trono se firma”.
Nota:81
cf. Diretrizes Gerais da Ação Pastoral 1991-1994, n.154: “A separação entre economia, ética e política
manifesta-se tragicamente no enorme poder e na imensa riqueza acumulada por poucos, e na condição de
penúria da maioria da humanidade”.
Nota:82
Centesimus Annus 42: “Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do
comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos
Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se
deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso econômico e civil?
Resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por capitalismo se indica um sistema econômico que
reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da conseqüente
responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia, a resposta é
certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de economia de empresa, ou de economia de
mercado, ou simplesmente de economia livre. Mas se por capitalismo se entende um sistema onde a liberdade
58
no setor da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade
humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso,
então a resposta é sem dúvida negativa.
A solução marxista faliu, mas permanecem no mundo fenômenos de marginalização e de exploração,
especialmente no Terceiro Mundo, e fenômenos de alienação humana, especialmente nos Países mais
avançados, contra os quais levanta-se com firmeza a voz da Igreja. Tantas multidões vivem ainda agora em
condições de grande miséria material e moral.
A queda do sistema comunista, em tantos países, elimina certamente um obstáculo para enfrentar de modo
adequado e realístico estes problemas, mas não basta para resolvê-los. Existe até o risco de se difundir uma
ideologia radical de tipo capitalista, que se recusa mesmo a tomá-los em conta, considerando a priori
condenada ao fracasso toda a tentativa de os encarar e confia fideisticamente a sua solução ao livre
desenvolvimento das forças de mercado”.
Nota:83
cf. DSD, 181: “Fazer de nossas paróquias um espaço para a solidariedade. Apoiar e estimular as organizações
de economia solidária, com as quais nossos povos tratam de responder às angustiosas situações de
pobreza.Urgir respostas dos Estados para as difíceis situações agravadas pelo modelo econômico neoliberal,
que afeta principalmente os mais pobres. Entre estas situações, é importante destacar os milhões de latinoamericanos que lutam para sobreviver na economia informal”.
Nota:84
cf. Centesimus Annus, 35: “Abre-se aqui um grande e fecundo campo de empenho e luta, em nome da
justiça, para os sindicatos e outras organizações dos trabalhadores que defendem direitos e tutelam o
indivíduo, realizando simultaneamente uma função essencial de caráter cultural, com a finalidade de os fazer
participar de modo mais pleno e digno na vida da Nação, e de os ajudar ao longo do caminho do progresso.
Neste sentido, é correto falar de luta contra um sistema econômico, visto como método que assegura a
prevalência absoluta do capital, da posse dos meios de produção e da terra, relativamente à livre subjetividade
do trabalho do homem. Nesta luta contra um tal sistema, não se veja, como modelo alternativo, o sistema
socialista, que, de fato, não passa de um capitalismo de estado, mas uma sociedade do trabalho livre, da
empresa e da participação.
Esta não se contrapõe ao livre mercado, mas requer que ele seja oportunamente controlado pelas forças sociais
e estatais, de modo a garantir a satisfação das exigências fundamentais de toda a sociedade.
A Igreja reconhece a justa função do lucro, como indicador do bom funcionamento da empresa: quando esta dá
lucro, isso significa que os fatores produtivos foram adequadamente usados e as correlativas necessidades
humanas devidamente satisfeitas.
Todavia o lucro não é o único indicador das condições da empresa. Pode acontecer que a contabilidade esteja
em ordem e simultaneamente os homens, que constituem o patrimônio mais precioso da empresa, sejam
humilhados e ofendidos na sua dignidade. Além de ser moralmente inadmissível, isso não pode deixar de se
refletir futuramente de modo negativo na própria eficiência econômica da empresa.
Com efeito, o objetivo desta não é simplesmente o lucro, mas sim a própria existência da empresa como
comunidade de homens que, de diverso modo, procuram a satisfação das suas necessidades fundamentais e
constituem um grupo especial ao serviço de toda a sociedade.
O lucro é um regulador da vida da empresa, mas não o único; a ele se deve associar a consideração de outros
fatores humanos e morais que, a longo prazo, são igualmente essenciais para a vida da empresa. Como vimos
lá atrás, é inaceitável a afirmação de que a derrocada do denominado socialismo real deixe o capitalismo como
único modelo de organização econômica. Torna-se necessário quebrar as barreiras e os monopólios que deixam
tantos povos à margem do progresso, e garantir, a todos os indivíduos e Nações, as condições basilares que
lhes permitam participar no desenvolvimento.
Tal objetivo requer esforços programados e responsáveis por parte de toda a comunidade internacional. É
necessário que as Nações mais fortes saibam oferecer às mais débeis, ocasiões de inserção na vida
internacional e que as mais débeis saibam aproveitar essas ocasiões, realizando os esforços e sacrifícios
necessários, assegurando a estabilidade do quadro político e econômico, a certeza de perspectivas para o
futuro, o crescimento da capacidade dos próprios trabalhadores, a formação de empresários eficientes e
conscientes das suas responsabilidades.
Atualmente, sobre os esforços positivos realizados com tal finalidade, pesa o problema, em grande medida
ainda por resolver, da dívida externa dos Países mais pobres. Com certeza que é justo o princípio de que as
dívidas devem ser pagas; não é lícito, porém, pedir ou pretender um pagamento, quando esse levaria de fato a
impor opções políticas tais que condenariam à fome e ao desespero populações inteiras.
Não se pode pretender que as dívidas contraídas sejam pagas com sacrifícios insuportáveis. Nestes casos, é
necessário como, de resto, está sucedendo em certa medida encontrar modalidades para mitigar, reescalonar
ou até cancelar a dívida, compatíveis com o direito fundamental dos povos à subsistência e ao progresso”.
Nota:85
Centesimus Annus, 40: “É tarefa do Estado prover à defesa e tutela de certos bens coletivos como o
ambiente natural e o ambiente humano, cuja salvaguarda não pode ser garantida por simples mecanismos de
mercado. Como nos tempos do antigo capitalismo, o Estado tinha o dever de defender os direitos fundamentais
do trabalho, assim diante do novo capitalismo, ele e toda sociedade tem a obrigação de defender os bens
coletivos que, entre outras coisas, constituem o enquadramento dentro da qual cada um poderá conseguir
legitimamente os seus fins individuais.
Acha-se aqui um novo limite do mercado: há necessidades coletivas e qualitativas, que não podem ser
satisfeitas através dos seus mecanismos; existem exigências humanas importantes, que escapam à sua lógica;
há bens que, devido à sua natureza, não se podem nem se devem vender e comprar.
Certamente os mecanismos de mercado oferecem seguras vantagens: ajudam, entre outras coisas, a utilizar
melhor os recursos, favorecem o intercâmbio dos produtos e, sobretudo, põem no centro a vontade e as
preferências da pessoa que, no contrato, se encontram com as de outrem. Todavia eles comportam o risco de
uma idolatria do mercado, que ignora a existência de bens que, pela sua natureza, não são nem podem ser
simples mercadoria”.
59
Nota:86
Centesimus Annus, 40: “É tarefa do Estado prover à defesa e tutela de certos bens coletivos como o
ambiente natural e o ambiente humano, cuja salvaguarda não pode ser garantida por simples mecanismos de
mercado. Como nos tempos do antigo capitalismo, o Estado tinha o dever de defender os direitos fundamentais
do trabalho, assim diante do novo capitalismo, ele e toda sociedade tem a obrigação de defender os bens
coletivos que, entre outras coisas, constituem o enquadramento dentro da qual cada um poderá conseguir
legitimamente os seus fins individuais.
Acha-se aqui um novo limite do mercado: há necessidades coletivas e qualitativas, que não podem ser
satisfeitas através dos seus mecanismos; existem exigências humanas importantes, que escapam à sua lógica;
há bens que, devido à sua natureza, não se podem nem se devem vender e comprar.
Certamente os mecanismos de mercado oferecem seguras vantagens: ajudam, entre outras coisas, a utilizar
melhor os recursos, favorecem o intercâmbio dos produtos e, sobretudo, põem no centro a vontade e as
preferências da pessoa que, no contrato, se encontram com as de outrem. Todavia eles comportam o risco de
uma idolatria do mercado, que ignora a existência de bens que, pela sua natureza, não são nem podem ser
simples mercadoria”.
Nota:87
Catecismo da Igreja Católica, 2494: “A informação dos meios de comunicação social está a serviço do bem
comum. A sociedade tem direito a uma informação fundada sobre a verdade, a justiça e a solidariedade:
O correto exercício desse direito exige que a comunicação seja, quanto o objeto, sempre verídica e completa
dentro do respeito às exigências da justiça e da caridade; que ela seja, quanto ao modo, honesta e
conveniente, quer dizer que na aquisição e difusão das notícias observe absolutamente as leis morais, os
direitos e a dignidade do homem”.
Nota:88
cf. Donum Vitae, Introd. 2,5: “Ciência e técnica a serviço da pessoa humana - Deus criou o homem à sua
imagem e semelhança: homem e mulher ele os criou (Gn 1,27) , confiando-lhes a missão de dominar a terra
(Gn 1,28). Tanto a pesquisa científica de base como a aplicada constituem uma significativa expressão deste
senhorio do homem sobre a criação.
A ciência e a técnica, preciosos recursos do homem quando são postos a seu serviço e promovem o seu
desenvolvimento integral em benefício de todos, não podem indicar sozinhos o sentido da existência e do
progresso humano. Sendo ordenados ao homem, de quem recebem origem e incremento, é na pessoa e em
seus valores morais que vão buscar a indicação da sua finalidade e a consciência dos seus limites. Seria,
portanto, ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e das suas aplicações; por outro lado,
não se pode deduzir os critérios de orientação somente de eficiência técnica, da utilidade que podem trazer a
alguns em prejuízo de outros ou, pior ainda, das ideologias dominantes.
A ciência e a técnica, portanto, por seu próprio significado intrínseco, exigem o respeito incondicionado aos
critérios fundamentais da moralidade: isto é, devem estar a serviço da pessoa humana, dos seus direitos
inalienáveis e do seu bem verdadeiro e integral, segundo o plano e a vontade de Deus.
O rápido desenvolvimento das descobertas tecnológicas torna mais urgente esta exigência de respeito aos
critérios mencionados: sem a consciência, a ciência só pode conduzir à ruína do homem. A nossa época, mais
do que nos séculos passados, precisa desta sabedoria para que se tornem mais humanas todas as novidades
descobertas pelo homem. Realmente estará em perigo a sorte futura do mundo se não surgirem homens mais
sábios .
5. Ensinamento do Magistério - Por sua vez, o Magistério da Igreja, também neste campo, oferece à razão
humana a luz da Revelação: a doutrina sobre o homem, ensinada pelo Magistério, contém muitos elementos
que esclarecem os problemas que aqui são enfrentados. Desde o momento da concepção, a vida de todo ser
humano deve ser respeitada de modo absoluto, porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus quis
por si mesma, e a alma espiritual de cada um dos homens é imediatamente criada por Deus; todo o seu ser
traz a imagem do Criador. A vida humana é sagrada porque desde o seu início comporta a ação criadora de
Deus e permanece para sempre em uma relação especial como o Criador, seu único fim. Somente Deus é o
Senhor da vida, desde o seu início até o seu fim: ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si
o direito de destruir diretamente um ser humano inocente. A procriação humana exige uma colaboração
responsável dos esposos com o amor fecundo de Deus; o Dom da vida humana deve realizar-se no matrimônio,
através dos atos específicos e exclusivos dos esposos, segundo as leis inscritas nas suas pessoas e na sua
união”.
Nota:89
cf. GS 14: “O ser humano é único ser composto de corpo e alma. Resume em si todos os elementos do mundo
material, que, nele, transcendem a si mesmos e proclamam louvores ao Criador. Não se deve desprezar a vida
corporal.
O corpo é digno de toda honra, pois será ressuscitado por Deus no último dia. Ferido pelo pecado, porém, o
corpo se torna princípio de desordem. A dignidade humana exige então que não se sigam as más inclinações do
coração e que se glorifique a Deus no corpo.
Está certo pensar que o ser humano é superior às coisas corporais, muito mais do que uma simples peça da
natureza ou elemento anônimo da sociedade humana. Pela sua interioridade, ele transcende o universo. Nesta
interioridade é que encontra Deus, quando se volta para ele de coração, pois Deus, que sonda os corações, aí o
espera, onde também ele, diante de Deus, decide a orientação a tomar na vida”.
GS, 51: “O Concílio sabe que não é fácil, hoje em dia, para os cônjuges cristãos, organizarem sua vida
conjugal. Geralmente as circunstâncias impedem, ao menos por um certo tempo, que se pense em aumentar o
número de filhos, criando dificuldades para a fidelidade. Quando a vida reduz a convivência entre os cônjuges,
aumentam os riscos de infidelidade e o bem das crianças é ameaçado, com prejuízo da educação e da
disposição de ter mais filhos. Algumas soluções propostas para esses problemas são inaceitáveis. Chega-se a
apelar para a eliminação da vida.
A Igreja, porém, trabalha com a certeza de que não pode haver contradição entre o estabelecido por Deus
sobre a transmissão da vida e o cultivo do verdadeiro amor conjugal. Deus, Senhor da vida, confiou aos seres
humanos o cuidado de conservá-la de maneira digna.
60
A vida deve ser protegida com o máximo cuidado, desde o momento da concepção. O aborto, pois, como o
infanticídio, são crimes abomináveis.
A vida sexual e a faculdade de procriação humanas superam admiravelmente todas as outras formas inferiores
de vida. Por conseguinte, os atos próprios da vida conjugal, em conformidade com a dignidade humana, devem
ser objeto de especial consideração.
A moralidade da ação, quando se trata de compor o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, não
depende unicamente da intenção ou dos motivos de agir, mas também de critérios objetivos, baseados no que
a pessoa é e na natureza da ação que executa, respeitando-se sempre as exigências da doação recíproca
integral e da procriação humana, no contexto do verdadeiro amor.
Nessas circunstâncias, somente uma castidade bem cultivada permite agir corretamente. No que diz respeito ao
controle da natalidade, os filhos da Igreja devem se basear nesses princípios, sabendo que não lhes é lícito
adotar soluções afastadas pelo magistério da Igreja, como contrárias à lei divina.
Saibam todos, porém, que a vida humana e a função de transmiti-la não se restringem a este mundo. Não se
entendem, pois, nem podem ser reguladas unicamente por critérios mundanos, pois se colocam
necessariamente no horizonte da vida eterna a que todos somos chamados”.
Nota:90
Donum Vitae, Introd. 5: “Por sua vez, o Magistério da Igreja, também neste campo, oferece à razão humana
a luz da Revelação: a doutrina sobre o homem, ensinada pelo Magistério, contém muitos elementos que
esclarecem os problemas que aqui são enfrentados. Desde o momento da concepção, a vida de todo ser
humano deve ser respeitada de modo absoluto, porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus quis
por si mesma, e a alma espiritual de cada um dos homens é imediatamente criada por Deus; todo o seu ser
traz a imagem do Criador.
A vida humana é sagrada porque desde o seu início comporta a ação criadora de Deus e permanece para
sempre em uma relação especial como o Criador, seu único fim. Somente Deus é o Senhor da vida, desde o
seu início até o seu fim: ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir
diretamente um ser humano inocente.
A procriação humana exige uma colaboração responsável dos esposos com o amor fecundo de Deus; o Dom da
vida humana deve realizar-se no matrimônio, através dos atos específicos e exclusivos dos esposos, segundo
as leis inscritas nas suas pessoas e na sua união”.
Nota:91
Catecismo da Igreja Católica, 2495-2499: 2495: “É indispensável que todos os membros da sociedade
cumpram também neste particular os deveres da justiça e verdade. Hão de empregar os meios de comunicação
social para cooperarem para a formação e a difusão da reta opinião pública. A solidariedade aparece como uma
conseqüência de uma comunicação verdadeira e justa, e da livre circulação das idéias que favoreçam o
conhecimento e o respeito aos outros.
2496. Os meios de comunicação social (especialmente a mídia) podem gerar uma certa passividade ente os
usuários, tornando-os consumidores pouco criteriosos a respeito das mensagens e dos espetáculos. Os usuários
hão de se impor moderação e disciplina quanto à mídia. Hão de formar em si uma consciência esclarecida e
correta para resistirem mais facilmente às influências menos honestas.
2497. Devido a sua profissão na imprensa, seus responsáveis têm a obrigação, na difusão da informação, de
servir a verdade e não ofender a caridade. Hão de se esforçar por respeitar, com igual cuidado, a natureza dos
fatos e os limites do juízo crítico das pessoas. Devem evitar ceder à difamação.
2498. Cabem às autoridades civis deveres especiais em razão do bem comum. Os poderes públicos devem
defender e proteger a verdadeira e justa liberdade de informação. Publicando leis e cuidando de sua aplicação,
os poderes públicos cuidarão que o mau uso dos meios de comunicação não cause graves prejuízos aos
costumes públicos e aos progressos da sociedade. Estabelecerão sanções contra a violação dos direitos de cada
pessoa à reputação e ao segredo da vida privada. Darão no momento oportuno e honestamente as informações
que respeitam ao bem comum e respondem às inquietações fundadas da população. Nada pode justificar o
recurso e falsas informações para se manipular a opinião pública pelo meios de comunicação. Essas
intervenções não ferirão a liberdade dos indivíduos e dos grupos.
2499. A moral denuncia o flagelo dos estados totalitários que falsificam sistematicamente a verdade, exercem
através dos meios de comunicação uma dominação política da opinião, manipulam os acusados e as
testemunhas de processos públicos e imaginam assegurar sua tirania detendo e reprimindo tudo o que
consideram como delitos de opinião”.
Nota:92
Donum Vitae, I,1: “Uma reflexão atenta sobre este ensinamento do Magistério e sobre os dados da razão
acima relembrados permite responder aos múltiplos problemas morais suscitados pelas intervenções técnicas
no ser humano nas fases iniciais da sua vida e nos processos da sua concepção.
1. Que respeito é devido ao embrião humano, tendo em conta a sua natureza e a sua identidade? O ser
humano deve ser respeitado como pessoa, desde o primeiro instante da sua existência.
A atuação de procedimentos de fecundação artificial tornou possível diversas intervenções nos embriões e nos
fetos humanos. As finalidades que se buscam são de vários tipos: diagnósticas e terapêuticas, científicas e
comerciais. Daí surgem graves problemas. Pode-se falar de um direito à experimentação em embriões humanos
com fins de pesquisa científica? Que normas ou que legislação elaborar nesta matéria? A resposta a tais
problemas supõe uma reflexão aprofundada sobre a natureza e a identidade próprias fala-se de ‘estatuto’ do
embrião humano.
Por sua parte, no Concílio Vaticano II a Igreja propôs novamente ao homem contemporâneo a sua doutrina
constante e certa segundo a qual ‘a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção. O
aborto como o infanticídio são crimes nefandos’. Mais recentemente a Carta dos direitos da família, publicada
pela Santa Sé, reafirmava: "A vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto, desde o
momento da concepção".
Esta Congregação tem conhecimento das discussões atuais acerca do início da vida humana, da individualidade
do ser humano e da identidade da pessoa humana. Ela relembra os ensinamentos contidos na Declaração sobre
o aborto provocado: "A partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma nova vida que não é
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aquela do pai ou da mãe e sim de um novo ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca se tornará
humano se já não o é desde então. A esta evidência de sempre... a ciência genética moderna fornece preciosas
confirmações. Esta demonstrou que desde o primeiro instante encontra-se fixado o programa daquilo que será
este vivente: um homem, este homem-indivíduo com as suas notas características já bem determinadas. Desde
a fecundação tem início a aventura de uma vida humana, cujas grandes capacidades exigem, cada uma, tempo
para organizar-se e para encontrar-se prontas a agir". Essa doutrina permanece válida e, além disso, é
confirmada se isso fosse necessário pelas recentes aquisições da biologia humana, que reconhece que no
zigoto derivante da fecundação já está constituída a identidade biológica de um novo indivíduo humano.
É certo que nenhum dado experimental, por si só, pode ser suficiente para fazer reconhecer uma alma
espiritual; todavia, as conclusões da ciência acerca do embrião humano fornecem uma indicação valiosa para
discernir racionalmente uma presença pessoal desde esta primeira aparição de uma vida humana: como um
indivíduo humano não seria pessoa humana? O Magistério não se empenhou expressamente em uma afirmação
de índole filosófica, mas reafirma de maneira constante a condenação moral de qualquer aborto provocado.
Este ensinamento não mudou e é imutável.
O fruto da geração humana, portanto, desde o primeiro momento da sua existência, isto é, a partir da
constituição do zigoto, exige o respeito incondicional que é moralmente devido ao ser humano na sua totalidade
corporal e espiritual. O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por
isso, desde aquele mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais, antes
de tudo, o direito inviolável à vida de cada ser humano inocente.
Este conteúdo doutrinal oferece o critério fundamental para a solução dos diversos problemas suscitados pelo
progresso das ciências biomédicas neste campo: uma vez que deve ser tratado como pessoa, o embrião
também deverá ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer
outro ser humano, no âmbito da assistência médica”.
Nota:93
cf. Catecismo da Igreja Católica, 2277: “Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta
consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível. Assim,
uma ação ou uma omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de suprimir a dor, constitui um
assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. O
erro de juízo no qual se pode ter caído de boa-fé não muda a natureza deste ato assassino, que sempre deve
ser proscrito e excluído”.
Nota:94
Christifideles Laici, 38: “O reconhecimento efetivo da dignidade pessoal de cada ser humano exige o
respeito, a defesa e a promoção dos direitos da pessoa humana. Trata-se de direitos naturais, universais e
invioláveis: ninguém, nem o indivíduo, nem o grupo, nem a autoridade, nem o Estado, pode modificar e muito
menos eliminar esses direitos que emanam do próprio Deus. Ora, a inviolabilidade da pessoa, reflexo da
inviolabilidade absoluta do próprio Deus, tem a sua primeira e fundamental expressão na inviolabilidade da vida
humana. É totalmente falsa e ilusória a comum defesa, que aliás justamente se faz, dos direitos humanos
como por exemplo o direito à saúde, à casa, ao trabalho, à família e à cultura , se não se defende com a
máxima energia o direito à vida como primeiro e fontal direito, condição de todos os outros direitos da pessoa.
A Igreja nunca se deu por vencida perante todas as violações que o direito à vida, que é próprio de cada ser
humano, tem sofrido e continua a sofrer, tanto por parte dos indivíduos como mesmo até por parte das
próprias autoridades.
O titular desse direito é o ser humano, em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a concepção até à
morte natural, e em todas as suas condições, tanto de saúde como de doença, de perfeição ou de deficiência,
de riqueza ou de miséria.
O Concílio Vaticano II afirma abertamente: Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda espécie de homicídio,
genocídio, aborto, a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as
tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as
condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o
comércio de mulheres e de jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são
tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis; todas estas coisas e
outras semelhantes são, sem dúvida, infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana,
desonram mais aqueles que assim procedem do que os que as padecem, e ofendem gravemente a honra
devida ao Criador.
Ora, se a todos pertencem a missão e a responsabilidade de reconhecer a dignidade pessoal de cada ser
humano e de defender o seu direito à vida, certos fiéis leigos são a isso chamados por um título particular: são
os pais, os educadores, os agentes da saúde e todos os que detêm o poder econômico e político. Ao aceitar
amorosa e generosamente toda a vida humana, sobretudo se fraca e doente, a Igreja vive hoje um momento
fundamental da sua missão, tanto mais necessária quanto mais avassaladora se tornou uma cultura de morte.
De fato, a Igreja firmemente acredita que a vida humana, mesmo se fraca e sofredora, é sempre um dom
maravilhoso do Deus da bondade. Contra o pessimismo e o egoísmo, que ensombram o mundo, a Igreja está
do lado da vida: e em cada vida humana ela consegue descobrir o esplendor daquele sim, daquele amém, que
é o próprio Cristo (cf. 2Cor 1,19; Ap 3,14). Ao não que avassala e aflige o mundo, contrapõe-se esse vivo sim,
defendendo dessa maneira o homem e o mundo daqueles que ameaçam e mortificam a vida.
Pertence aos fiéis leigos, que mais diretamente ou por vocação ou por profissão se ocupam do acolhimento à
vida, tornar concreto e eficaz o sim da Igreja à vida humana. Nas fronteiras da vida humana abrem-se hoje
novas possibilidade e responsabilidades com o enorme progresso das ciências biológicas e médicas, aliado ao
surpreendente poder tecnológico: o homem, com efeito, é já capaz não só de observar, mas também de
manipular a vida humana no seu início e nas primeiras fases de seu desenvolvimento.
A consciência moral da humanidade não pode ficar alheia ou indiferente perante os passos gigantescos dados
por uma força tecnológica que consegue ter um domínio cada vez mais vasto e profundo sobre os dinamismos
que presidem à procriação e às primeiras fases do desenvolvimento da vida humana. Talvez nunca como hoje e
neste campo a sabedoria se revela como única âncora de salvação, para que o homem, na investigação
científica e na aplicada, possa agir sempre com inteligência e com amor, isto é, no respeito, diria mesmo na
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veneração, da inviolável dignidade pessoal de todo ser humano, desde o primeiro instante da sua existência.
Isso acontece quando, usando meios lícitos, a ciência e a técnica se empenham na defesa da vida e na cura da
doença, desde os inícios, recusando, no entanto pela própria dignidade da investigação, intervenções que se
tornem perturbadoras do patrimônio genético do indivíduo e da geração humana.
Os fiéis leigos que, a qualquer título ou a qualquer nível, se empenham na ciência e na técnica, bem como na
esfera médica, social, legislativa e econômica, devem corajosamente enfrentar os desafios que lhes lançam os
novos problemas da bioética. Como disseram os padres sinodais, os cristãos devem exercer a sua
responsabilidade como donos da ciência e da tecnologia, não como seus escravos…
Em ordem a esses desafios morais, que estão para serem lançados pela nova e imensa força da tecnologia e
que põem em perigo não só os direitos fundamentais dos homens, mas a própria essência biológica da espécie
humana, é da máxima importância que os leigos cristãos com a ajuda de toda a Igreja tomem a peito o
enquadramento da cultura nos princípios de um humanismo autêntico, de forma que a promoção e a defesa dos
direitos do homem possam encontrar fundamento dinâmico e seguro na sua própria essência, aquela essência
que a pregação evangélica revelou aos homens.
É urgente que todos, hoje, estejam alertados para o fenômeno da concentração do poder, e, em primeiro lugar,
do poder tecnológico. Tal concentração tende, com efeito, a manipular não só a essência biológica, mas
também os conteúdos da própria consciência dos homens e os seus padrões de vida, agravando, assim, a
discriminação e a marginalização de povos inteiros”.
Nota:95
cf. Santo Domingo, 216-221: “A mudança histórico-cultural tem causado impacto na imagem tradicional da
família. Cada vez são mais numerosas as uniões consensuais livres, os divórcios e os abortos. A novidade é que
estes problemas familiares se tornaram um problema de ordem ético-política, e uma mentalidade “laicizante” e
os meios de comunicação social têm contribuído para isto.
217. Com demasiada freqüência, se desconhece que o matrimônio e a família são um projeto de Deus, que
convida o homem e a mulher criados por amor a realizar seu projeto de amor em fidelidade até a morte, devido
ao secularismo reinante, à imaturidade psicológica e a causas socioeconômicas e políticas, que levam a
quebrantar os valores morais e éticos da família. Disso resulta a dolorosa realidade de famílias incompletas,
casais em situação irregular e o crescente matrimônio civil sem celebração sacramental e uniões consensuais.
218. Um número crescente de famílias da América Latina e do Caribe interpela governos, sociedade e
organismos internacionais, partindo de sua situação de miséria e fome em razão do desemprego, da carência
da vida digna, de serviços educativos e sanitários, de salários baixos; a partir do abandono dos idosos e do
crescente número de mães solteiras.
219. A cultura da morte nos desafia. Com tristeza humana e preocupação cristã, somos testemunhas das
campanhas antivida, que se difundem na América Latina e no Caribe, perturbando a mentalidade do nosso povo
com uma cultura da morte. O egoísmo, o medo ao sacrifício e à cruz unidos às dificuldades da vida moderna
geram uma rejeição do filho que não é responsável e alegremente acolhido na família, mas considerado como
um agressor.
Atemorizam-se as pessoas com um verdadeiro terrorismo demográfico que exagera o perigo que o crescimento
da população pode representar para a qualidade de vida.
Existe uma distribuição massiva de anticoncepcionais, em sua grande maioria abortivos. Imensos setores de
mulheres são vítimas de programas de esterilizações massivas.
Também os homens sucumbem ante estas ameaças. Nosso continente sofre por causa do imperialismo
contraceptivo, que consiste em impor a povos e culturas toda forma de contracepção, esterilização e aborto,
que se considera efetiva, sem respeito às tradições religiosas, étnicas e familiares de um povo ou cultura (Carta
da Santa Sé à Reunião da OMS em Bangcoc).
Cada dia é maior o massacre do aborto, que produz milhões de vítimas em nossos povos latino-americanos. A
mentalidade antivida, além da eutanásia pré-natal, leva à eliminação de crianças recém-nascidas e dos idosos e
enfermos tidos por inúteis, defeituosos, ou peso para a sociedade. Outras expressões da cultura da morte são a
eutanásia, a guerra, a guerrilha, o seqüestro, o terrorismo, o narcotráfico.
220. Os fiéis cristãos sentem-se perplexos ante as contradições e falta de coerência dos agentes de pastoral
familiar, quando não seguem o Magistério da Igreja (Humanae vitae; Familiaris consortio; Reconciliatio et
poenitentia).
221. A América Latina e o Caribe têm uma população infantil crescente. As crianças, adolescentes e jovens são
mais da metade da população do continente (55%). Esta emergência silenciosa vivida pela América Latina e
Caribe é desafiante não só do ponto de vista numérico, mas muito especialmente do ponto de vista humano e
pastoral.
Com efeito, em muitas cidades, têm aumentado os meninos de rua que perambulam dia e noite sem lar nem
futuro. Em alguns países, têm sido vítimas de campanhas de extermínio, realizadas por organismos policiais e
privados; crianças sem família, sem amor, sem acesso à educação, isto é, crianças em extrema miséria física e
moral, muitas vezes conseqüência da desintegração familiar. Detecta-se, inclusive um aberrante comércio de
meninos e meninas, tráfico de órgãos e até utilização de crianças em cultos satânicos. Do ponto de vista da
educação da fé, percebe-se um forte descuido quanto à recepção de sacramentos e à catequese”.
Nota:96
Centesimus Annus, 39: “A primeira e fundamental estrutura a favor da ecologia humana é a família, no seio
da qual o homem recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que
significa amar e ser amado e, conseqüentemente, o que quer dizer, em concreto, ser uma pessoa. Pensa-se
aqui na família fundada sobre o matrimônio, onde a doação recíproca de si mesmo, por parte do homem e da
mulher, cria um ambiente vital onde a criança pode nascer e desenvolver as suas potencialidades, tornar-se
consciente da sua dignidade e preparar-se para enfrentar o seu único e irrepetível destino.
Muitas vezes dá-se o inverso; o homem é desencorajado de realizar as autênticas condições da geração
humana, e aliciado a considerar a si próprio e à sua vida mais como um conjunto de sensações a serem
experimentadas do que como uma obra a realizar. Daqui nasce uma carência de liberdade que o leva a
renunciar ao compromisso de se ligar estavelmente com outra pessoa e de gerar filhos, ou que o induz a
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considerar estes últimos como uma de tantas coisas que é possível ter ou não ter, segundo os próprios gostos,
e que entram em concorrência com outras possibilidades.
É necessário voltar a considerar a família como o santuário da vida. De fato, ela é sagrada: é o lugar onde a
vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está
exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico. Contra a
denominada cultura da morte, a família constitui a sede da cultura da vida.
O engenho humano parece orientar-se, nesse campo, mais para limitar, suprimir ou anular as fontes da vida,
chegando até ao recurso do aborto, infelizmente tão espalhado pelo mundo, do que para defender e criar
possibilidades à mesma vida.
Na Encíclica Sollicitudo rei socialis, foram denunciadas as campanhas sistemáticas contra a natalidade, que,
baseadas numa concepção distorcida do problema demográfico e num clima de absoluta falta de respeito pela
liberdade de decisão das pessoas interessadas, as submetem muitas vezes a pressões intoleráveis (…) a fim de
cederem a esta nova forma de opressão. Trata-se de políticas que, com novas técnicas, estendem o seu raio
de ação até ao ponto de chegarem, como numa guerra química, a envenenar a vida de milhões de seres
humanos indefesos.
Estas críticas, são dirigidas não tanto contra um sistema econômico, quanto contra um sistema ético-cultural.
De fato, a economia é apenas um aspecto e uma dimensão da complexa atividade humana. Se ela for
absolutizada, se a produção e o consumo das coisas acabar por ocupar o centro da vida social, tornando-se o
único valor verdadeiro da sociedade, não subordinado a nenhum outro, a causa terá de ser procurada não tanto
no próprio sistema econômico, quanto no fato de que todo o sistema sócio-cultural, ignorando a dimensão ética
e religiosa, ficou debilitado, limitando-se apenas à produção dos bens e dos serviços.
Tudo isto se pode resumir afirmando mais uma vez que a liberdade econômica é apenas um elemento da
liberdade humana. Quando aquela se torna autônoma, isto é, quando o homem é visto mais como um produtor
ou um consumidor de bens do que como um sujeito que produz e consome para viver, então ela perde a sua
necessária relação com a pessoa humana e acaba por a alienar e oprimir”.
Nota:97
Familiaris Consortio, 42: “Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e
fundamento da sociedade humana, a família tornou-se a célula primeira e vital da sociedade. A família possui
vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e alimento contínuo mediante o
dever de serviço à vida: saem, de fato, da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola
daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade. Assim, por força
da sua natureza e vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família abre-se às outras famílias e à sociedade,
assumindo a sua tarefa social”.
Nota:98
Christifideles Laici, 40: “A pessoa humana tem uma natural e estrutural dimensão social enquanto é
chamada, desde o seu íntimo, à comunhão com os outros e à doação aos outros: Deus, que cuida
paternamente de todos, quis que os homens formassem uma só família e se tratassem entre si com espírito de
irmãos. E, assim, a sociedade, fruto e sinal da sociabilidade do homem, mostra a sua verdade plena ao
constituir-se comunhão de pessoas. Dá-se interdependência e reciprocidade entre a pessoa e a sociedade: tudo
o que for feito em favor da pessoa é também serviço feito à sociedade, e tudo o que for realizado em favor da
sociedade reverte-se em benefício da pessoa.
Por isso, o empenho apostólico dos fiéis leigos na ordem temporal adquire sempre e de forma indissolúvel um
significado de serviço ao homem indivíduo na sua unicidade e irrepetibilidade e um significado de serviço a
todos os homens. Ora, a primeira e originária expressão da dimensão social da pessoa é o casal e a família:
Deus não criou o homem para o deixar sozinho; desde o princípio ‘homem e mulher os criou’ (Gn 1,27) e a sua
união constitui a primeira expressão de comunhão de pessoas. Jesus mostrou-se preocupado em restituir ao
casal a sua inteira dignidade (Mt 19,3-9) e à família a sua própria solidez (Mt 19,4-6); São Paulo mostrou a
relação profunda do matrimônio com o mistério de Cristo e da Igreja (Ef 5,22-4, 6; Cl 3,18-21; cf. 1Pd 3,1-7).
O casal e a família constituem o primeiro espaço para o empenho social dos fiéis leigos. Trata-se de um
empenho que só poderá ser desempenhado adequadamente na convicção do valor único e insubstituível da
família para o progresso da sociedade e da própria Igreja. Berço da vida e do amor, onde o homem nasce e
cresce, a família é a célula fundamental da sociedade. Deve reservar-se a essa comunidade uma solicitude
privilegiada, sobre tudo quando o egoísmo humano, as campanhas contra a natalidade, as políticas totalitárias,
e também as situações de pobreza e de miséria física, cultural e moral, bem como a mentalidade hedonista e
consumista conseguem extinguir as fontes da vida, e onde as ideologias e os diversos sistemas, aliados a
formas de desinteresse e de falta de amor, atentam contra a função educativa própria da família.
É urgente, portanto, realizar uma ação vasta, profunda e sistemática, apoiada não só na cultura, mas também
nos meios econômicos e nos instrumentos legislativos, destinada a assegurar à família a sua função de ser o
lugar primário da humanização da pessoa e da sociedade. A ação apostólica dos fiéis leigos consiste, antes de
mais, em tornar a família consciente da sua identidade de primeiro núcleo social de base e do seu papel original
na sociedade, para que a própria família se torne cada vez mais protagonista ativa e responsável do seu
crescimento e da sua participação na vida social. Dessa forma, a família poderá e deverá exigir de todos, a
começar pelas autoridades públicas, o respeito por aqueles direitos que, salvando a família, salvam a mesma
sociedade.
O que se escreveu na Exortação Familiaris consortio sobre a participação no progresso da sociedade e o que a
Santa Sé, a convite do Sínodo dos Bispos de 1980, formulou com a Carta dos Direitos da Família representam
um programa operativo completo e orgânico para todos os fiéis leigos que, a qualquer título, estão interessados
na promoção dos valores e das exigências da família: um programa cuja realização deve impor-se com tanta
maior urgência e decisão quanto mais graves se fazem as ameaças à estabilidade e à fecundidade da família e
quanto mais forte e sistemática se tornar a tentativa de marginalizar a família e de a esvaziar do seu peso
social.
Como a experiência ensina, a civilização e a solidez dos povos dependem sobretudo da qualidade humana das
próprias famílias. Assim, a ação apostólica em favor da família adquire um valor social incomparável.
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A Igreja, por sua parte, está profundamente convencida disso, bem sabendo que o futuro da humanidade passa
através da família”.
cf. Familiaris Consortio, 36: “O dever de educar mergulha as raízes na vocação primordial dos cônjuges à
participação na obra criadora de Deus: gerando no amor e por amor uma nova pessoa, que traz em si a
vocação ao crescimento e ao desenvolvimento, os pais assumem por isso mesmo o dever de ajudar
eficazmente a viver uma vida plenamente humana. Como recordou o Concílio Vaticano II: Os pais, que
transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser
reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde
não existir dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um ambiente de tal modo
animado pelo amor e pela piedade para com Deus e para com os homens que favoreça a completa educação
pessoal e social dos filhos. A família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades
têm necessidade.
O direito-dever educativo dos pais qualifica-se como essencial, ligado como está à transmissão da vida
humana; como original e primário, em relação ao dever de educar dos outros, pela unidade da relação de amor
que subsiste entre pais e filhos; como insubstituível e inalienável e, portanto, não delegável totalmente a outros
ou por outros usurpável.
Para além destas características, não se pode esquecer que o elemento mais radical que qualifica o dever de
educar dos pais é o amor paterno e materno, o qual encontra na obra educativa o seu cumprimento ao tornar
pleno e perfeito o serviço à vida: o amor dos pais, de fonte torna-se alma e, portanto, norma, que inspira e
guia toda a ação educativa concreta, enriquecendo-a com aqueles valores de docilidade, constância, bondade,
serviço, desinteresse, espírito de sacrifício, que são o fruto mais precioso do amor”.
Nota:99
Familiaris Consortio, 13: “A comunhão entre Deus e os homens encontra o seu definitivo cumprimento em
Jesus Cristo, o Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade, unindo-a a si como seu corpo. Ele
revela a verdade originária do matrimônio, a verdade do principio e, libertando o homem da dureza do seu
coração, torna-o capaz de a realizar inteiramente.
Esta revelação chega à sua definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz à humanidade,
assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo faz de si mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a
Igreja.
Neste sacrifício descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do homem e da
mulher, desde a sua criação; o matrimônio dos batizados torna-se assim o símbolo real da Nova e Eterna
Aliança, decretada no Sangue de Cristo.
O Espírito, que o Senhor infunde, doa um coração novo e torna o homem e a mulher capazes de se amarem,
como Cristo nos amou. O amor conjugal atinge aquela plenitude para a qual está interiormente ordenado: a
caridade conjugal, que é o modo próprio e especifico com que os esposos participam e são chamados a viver a
mesma caridade de Cristo que se doa sobre a Cruz. Numa página merecidamente famosa, Tertuliano exprimia
bem a grandeza e a beleza desta vida conjugal em Cristo: Donde me será dado expor a felicidade do
matrimônio unido pela Igreja, confirmado pela oblação eucarística, selado pela bênção, que os anjos anunciam
e o Pai ratifica?... Qual jugo aquele de dois fiéis numa única esperança, numa única observância, numa única
servidão! São irmãos e servem conjuntamente sem divisão quanto ao espirito, quanto à carne. Mais, são
verdadeiramente dois numa só carne e donde a carne é única, único é o espírito.
Acolhendo e meditando fielmente a Palavra de Deus, a Igreja tem solenemente ensinado e ensina que o
matrimônio dos batizados é um dos sete sacramentos da Nova Aliança.
De fato, mediante o batismo, o homem e a mulher estão definitivamente inseridos na Nova e Eterna Aliança, na
Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em razão desta indestrutível inserção que a intima comunidade de
vida e de amor conjugal, fundada pelo Criador, é elevada e assumida pela caridade nupcial de Cristo,
sustentada e enriquecida pela sua força redentora. Em virtude da sacramentalidade do seu matrimônio, os
esposos estão vinculados um ao outro da maneira mais profundamente indissolúvel.
A sua pertença reciproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de Cristo com
a Igreja. Os esposos são, portanto, para a Igreja o chamamento permanente daquilo que aconteceu sobre a
Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da qual o sacramento os faz participar.
Deste acontecimento de salvação, o matrimônio, como cada sacramento, é memorial, atualização e profecia:
Enquanto memorial, o sacramento dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras de Deus e de as
testemunhar aos filhos; enquanto atualização, dá-lhes a graça e o dever de realizar no presente um para com o
outro e para com os filhos, as exigências de um amor que perdoa e que redime; enquanto profecia, dá-lhes a
graça e o dever de viver e de testemunhar a esperança do futuro encontre com Cristo.
Como cada um dos sete sacramentos, também o matrimônio é um símbolo real do acontecimento da salvação,
mas de um modo próprio. Os esposos participam nele enquanto esposos, a dois como casal, a tal ponto que o
efeito primeiro e imediato do matrimônio (res et sacramentum) não é a graça sacramental propriamente, mas o
vinculo conjugal cristão, uma comunhão a dois tipicamente cristã porque representa o mistério da Encarnação
de Cristo e o seu Mistério de Aliança.
E o conteúdo da participação na vida de Cristo é também especifico: o amor conjugal comporta uma totalidade
na qual entram todos os componentes da pessoa chamada do corpo e do instinto, força do sentimento e da
afetividade, aspiração do espírito e da vontade; o amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente
pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma;
ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à fecundidade (cf. Enciclica
Humanae Vitae, n.9).
Numa palavra, trata-se de características normais do amor conjugal natural, mas com um significado novo que
não só as purifica e as consolida, mas eleva-as a ponto de as tornar a expressão dos valores propriamente
cristãos”.
cf. Catecismo da Igreja Católica, 1643: “O amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os
componentes da pessoa chamada do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração do
espírito e da vontade , o amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente pessoal, aquela que, para além
da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma; ele exige a indissolubilidade e a
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fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à fecundidade. Numa palavra, trata-se de características
normais do amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e as consolida, mas
eleva-as a ponto de torná-las a expressão dos valores propriamente cristãos”.
Nota:100
Santo Domingo 97, 103, 293, 302: “97. As urgências do momento presente na América Latina e no Caribe
reclamam: Que todos os leigos sejam protagonistas da Nova Evangelização, da Promoção Humana e da Cultura
Cristã. É necessário a constante promoção do laicado, livre de todo clericalismo e sem redução ao intra-eclesial.
Que os batizados não evangelizados sejam os principais destinatários da Nova Evangelização. Esta só será
efetivamente levada a cabo se os leigos, conscientes de seu batismo, responderem ao chamado de Cristo a que
se convertam em protagonistas da Nova Evangelização. No marco da comunhão eclesial, urge um esforço de
favorecer a busca de santidade dos leigos e o exercício de sua missão.
103. A importância da presença dos leigos na tarefa da Nova Evangelização que conduz à promoção humana e
chega a informar todo o âmbito da cultura com a força do Ressuscitado nos permite afirmar que uma linha
prioritária de nossa pastoral, fruto desta IV Conferência, há de ser a de uma Igreja na qual os fiéis cristãos
leigos sejam protagonistas. Um laicato, bem estruturado com uma formação permanente, maduro e
comprometido, é o sinal de Igrejas particulares que levam muito a sério o compromisso da Nova Evangelização
293. O compromisso é de todos a partir de comunidades vivas. Um especial protagonismo corresponde aos
leigos em continuidade com as orientações da Exortação apostólica Christifideles Laici. Entre eles, seguindo o
convite constante do Papa, convocamos mais uma vez os jovens para que sejam força renovadora da Igreja e
esperança do mundo. A fim de suscitar presbíteros, diáconos permanentes, religiosos, religiosas e membros dos
institutos seculares para a nova evangelização, impulsionaremos uma vigorosa pastoral das vocações.
302. A Igreja na América Latina e Caribe proclama sua fé: Jesus Cristo: ontem, hoje e sempre (cf. Hb 13,8).
Nossas Igrejas particulares, unidas na esperança e no amor, sob a proteção de Nossa Senhora de Guadalupe,
em comunhão com o Santo Padre e em continuidade com as orientações pastorais das Conferências Gerais de
Medellín e Puebla, comprometem-se a trabalhar em:
- UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO DE NOSSOS POVOS À qual TODOS estão chamados Com ênfase na
PASTORAL VOCACIONAL com especial protagonismo dos LEIGOS e, entre eles, dos JOVENS mediante a
educação contínua da fé e sua celebração: a CATEQUESE e a LITURGIA Para além de nossas próprias
fronteiras: AMÉRICA LATINA MISSIONÁRIA.
- UMA PROMOÇÃO INTEGRAL DO POVO LATINO-AMERICANO E CARIBENHO A partir de uma evangélica
e renovada opção pelos POBRES A serviço da VIDA e da FAMÍLIA
- UMA EVANGELIZAÇÃO INCULTURADA, que penetre os ambientes marcados pela CULTURA URBANA. Que
se encarne nas CULTURAS INDÍGENAS e AFRO-AMERICANAS, Com uma eficaz AÇÃO EDUCATIVA e uma
MODERNA COMUNICAÇÃO.
cf. também Catecismo da Igreja Católica, 2038: “Na obra de ensinar e aplicar a moral cristã, a Igreja
necessita do devotamento dos pastores, da ciência dos teólogos, da contribuição de todos os cristãos e de
todos os homens de boa vontade. A fé e a prática do Evangelho proporcionam a cada fiel uma experiência da
vida em Cristo, que o ilumina e o torna capaz de apreciar as realidades divinas e humanas segundo o Espírito
de Deus. Assim é que o Espírito Santo pode servir-se dos mais humildes para iluminar os sábios e os
constituídos em dignidade mais alta”.
Nota:101
cf. Santo Domingo, 231: “Criados à imagem de Deus, temos a medida de nossa conduta moral em Cristo,
Verbo encarnado, plenitude do homem. Já a conduta ética natural, essencialmente ligada à dignidade humana e
seus direitos, constitui a base para um diálogo com os que não crêem.
Pelo batismo nascemos para uma vida nova e recebemos a capacidade de nos aproximar do modelo que é
Cristo. Caminhar em direção a Ele é a moral cristã; é a forma de vida própria do homem de fé, que com a
ajuda da graça sacramental segue a Jesus Cristo, vive a alegria da salvação e abunda em frutos de caridade
para a vida do mundo (cf. Jo 15; OT 16).
- Consciente da necessidade de seguir este caminho, o cristão se empenha
na formação da própria consciência. Desta formação, tanto individual como
coletiva, da maturidade de
mentalidade, do seu sentido de responsabilidade e da pureza dos costumes dependem o desenvolvimento e a
riqueza dos povos (cf. João Paulo II, Discurso Inaugural, 19).
A moral cristã só se entende dentro da Igreja e se plenifica na Eucaristia. Tudo o que nela podemos oferecer é
vida; o que não se pode oferecer é o pecado”.
Nota:102
cf. Catecismo da Igreja Católica, 2032: “A Igreja, coluna e sustentáculo da verdade(1Tm 3,15), recebeu
dos Apóstolos o solene mandamento de Cristo de pregar a verdade da salvação. Compete à Igreja anunciar
sempre e por toda a parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a respeito de
qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das
almas”.
Nota:103
Santo Domingo, 233: “A corrupção tem-se generalizado. Há um mau emprego dos recursos econômicos
públicos; progridem a demagogia, o populismo, a mentira política nas promessas eleitorais; burla-se a justiça,
generaliza-se a impunidade e a comunidade se sente impotente e indefesa diante do delito. Com tudo isso,
fomenta-se a insensibilidade social e o ceticismo ante a falta de aplicação da justiça, emitem-se leis contrárias
aos valores humanos e cristãos fundamentais. Não há uma eqüitativa distribuição dos bens da terra, abusa-se
da natureza e se danifica o ecossistema”.
Nota:104
Santo Domingo, 296: “Fazemos nosso o clamor dos pobres. Assumimos com renovado ardor a opção
evangélica preferencial pelos pobres, em continuidade com Medellín e Puebla. Esta opção, não exclusiva nem
excludente, iluminará, à imitação de Jesus Cristo, toda nossa ação evangelizadora. A essa luz, convidamos a
promover uma nova ordem econômica, social e política, conforme a dignidade de todas e cada uma das
pessoas, implantando a justiça e a solidariedade e abrindo para todas elas horizontes de eternidade”.
Nota:105
66
Santo Domingo, 201: “Assentar as bases de uma economia solidária, real e eficiente, sem esquecer a
correspondente criação de modelos socioeconômicos em nível local e nacional Fomentar a busca e
implementação de modelos socioeconômicos que conjuguem a livre iniciativa, a criatividade de pessoas e
grupos, a função moderadora do Estado, sem deixar de dar atenção especial aos setores mais necessitados.
Tudo isto, orientado para a realização de uma economia da solidariedade e da participação, expressa em
diversas formas de propriedade”.
Nota:106
Centesimus Annus, 40: “É tarefa do Estado prover à defesa e tutela de certos bens coletivos como o
ambiente natural e o ambiente humano, cuja salvaguarda não pode ser garantida por simples mecanismos de
mercado.
Como nos tempos do antigo capitalismo, o Estado tinha o dever de defender os direitos fundamentais do
trabalho, assim diante do novo capitalismo, ele e toda sociedade tem a obrigação de defender os bens coletivos
que, entre outras coisas, constituem o enquadramento dentro da qual cada um poderá conseguir legitimamente
os seus fins individuais. Acha-se aqui um novo limite do mercado: há necessidades coletivas e qualitativas, que
não podem ser satisfeitas através dos seus mecanismos; existem exigências humanas importantes, que
escapam à sua lógica; há bens que, devido à sua natureza, não se podem nem se devem vender e comprar.
Certamente os mecanismos de mercado oferecem seguras vantagens: ajudam, entre outras coisas, a utilizar
melhor os recursos, favorecem o intercâmbio dos produtos e, sobretudo, põem no centro a vontade e as
preferências da pessoa que, no contrato, se encontram com as de outrem. Todavia eles comportam o risco de
uma idolatria do mercado, que ignora a existência de bens que, pela sua natureza, não são nem podem ser
simples mercadoria”.
Nota:107
Centesimus Annus, 39: “A primeira e fundamental estrutura a favor da ecologia humana é a família, no seio
da qual o homem recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que
significa amar e ser amado e, conseqüentemente, o que quer dizer, em concreto, ser uma pessoa.
Pensa-se aqui na família fundada sobre o matrimônio, onde a doação recíproca de si mesmo, por parte do
homem e da mulher, cria um ambiente vital onde a criança pode nascer e desenvolver as suas potencialidades,
tornar-se consciente da sua dignidade e preparar-se para enfrentar o seu único e irrepetível destino.
Muitas vezes dá-se o inverso; o homem é desencorajado de realizar as autênticas condições da geração
humana, e aliciado a considerar a si próprio e à sua vida mais como um conjunto de sensações a serem
experimentadas do que como uma obra a realizar.
Daqui nasce uma carência de liberdade que o leva a renunciar ao compromisso de se ligar estavelmente com
outra pessoa e de gerar filhos, ou que o induz a considerar estes últimos como uma de tantas coisas que é
possível ter ou não ter, segundo os próprios gostos, e que entram em concorrência com outras possibilidades. É
necessário voltar a considerar a família como o santuário da vida. De fato, ela é sagrada: é o lugar onde a vida,
dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta,
e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico. Contra a denominada
cultura da morte, a família constitui a sede da cultura da vida.
O engenho humano parece orientar-se, nesse campo, mais para limitar, suprimir ou anular as fontes da vida,
chegando até ao recurso do aborto, infelizmente tão espalhado pelo mundo, do que para defender e criar
possibilidades à mesma vida. Na Encíclica Sollicitudo rei socialis, foram denunciadas as campanhas sistemáticas
contra a natalidade, que, baseadas numa concepção distorcida do problema demográfico e num clima de
absoluta falta de respeito pela liberdade de decisão das pessoas interessadas, as submetem muitas vezes a
pressões intoleráveis (…) a fim de cederem a esta nova forma de opressão.
Trata-se de políticas que, com novas técnicas, estendem o seu raio de ação até ao ponto de chegarem, como
numa guerra química, a envenenar a vida de milhões de seres humanos indefesos. Estas críticas, são dirigidas
não tanto contra um sistema econômico, quanto contra um sistema ético-cultural.
De fato, a economia é apenas um aspecto e uma dimensão da complexa atividade humana. Se ela for
absolutizada, se a produção e o consumo das coisas acabar por ocupar o centro da vida social, tornando-se o
único valor verdadeiro da sociedade, não subordinado a nenhum outro, a causa terá de ser procurada não tanto
no próprio sistema econômico, quanto no fato de que todo o sistema sócio-cultural, ignorando a dimensão ética
e religiosa, ficou debilitado, limitando-se apenas à produção dos bens e dos serviços.
Tudo isto se pode resumir afirmando mais uma vez que a liberdade econômica é apenas um elemento da
liberdade humana. Quando aquela se torna autônoma, isto é, quando o homem é visto mais como um produtor
ou um consumidor de bens do que como um sujeito que produz e consome para viver, então ela perde a sua
necessária relação com a pessoa humana e acaba por a alienar e oprimir”.
Nota:108
Familiaris Consortio, 42: “Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e
fundamento da sociedade humana, a família tornou-se a célula primeira e vital da sociedade.
A família possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e alimento
contínuo mediante o dever de serviço à vida: saem, de fato, da família os cidadãos e na família encontram a
primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade.
Assim, por força da sua natureza e vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família abre-se às outras
famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social”.
Nota:109
cf. Santo Domingo, 169: “A criação é obra da Palavra do Senhor e da presença do Espírito, que desde o
início, pairava sobre tudo o que foi criado (Gn 1-2). Esta foi a primeira aliança de Deus conosco. Quando o ser
humano, chamado a entrar nesta aliança de amor, se nega, o pecado do homem afeta sua relação com Deus e
com toda a criação.
Desafios pastorais:
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, pôs
em relevo mundial a gravidade da crise ecológica.
- Na América Latina e Caribe, as grandes cidades estão doentes em suas zonas
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centrais deterioradas e sobretudo em suas periferias. No campo, as populações indígenas e camponesas são
despojadas de suas terras ou confinadas em terras menos produtivas enquanto se continua derrubando e
queimando as florestas na Amazônia e em outras partes do Continente.
Diante desta crise, vem-se propondo como saída o desenvolvimento sustentado, que pretende responder às
necessidades e aspirações do presente, sem comprometer as possibilidades de atendê-las no futuro. Quer-se
com isso conjugar crescimento econômico com limites ecológicos.
Diante desta proposta, temos de nos perguntar se todas essas aspirações são legítimas e quem paga os custos
de tal desenvolvimento; e a quem se destinam seus benefícios.
Não pode ser um desenvolvimento que privilegie minorias em detrimento das grandes maiorias empobrecida do
mundo.
As propostas de desenvolvimento têm de estar subordinadas a critérios éticos. Uma ética ecológica implica o
abandono de uma moral utilitarista e individualista. Postula a aceitação do princípio do destino universal dos
bens da criação e a promoção da justiça e solidariedade como valores indispensáveis.
Linhas pastorais:
Os cristãos, como integrantes da sociedade, não estão isentos de responsabilidade em relação aos modelos de
desenvolvimento que provocaram os atuais desastres ambientais e sociais.
Partindo das crianças e dos jovens, empreender uma tarefa de reeducação de todos ante o valor da vida e da
interdependência dos diversos ecossistemas.
Cultivar uma espiritualidade que recupere o sentido de Deus, sempre presente na natureza. Explicitar a nova
relação estabelecida pelo mistério da encarnação, pela qual Cristo assumiu tudo o que foi criado.
Valorizar a nova plataforma de diálogo que a crise ecológica criou, e questionar a riqueza e o desperdício.
Aprender dos pobres a viver com sobriedade e a partilhar e valorizar a sabedoria dos povos indígenas no
tocante à preservação da natureza como ambiente de vida para todos”.