departamento de taquigrafia, revisão e redação núcleo de redação
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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS EVENTO: Audiência Pública N°: 1.207/04 DATA: 27/10/ 2004 INÍCIO: 14h36min TÉRMINO: 17h32min DURAÇÃO: 2h56min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 2h56min PÁGINAS: 57 QUARTOS: 35 DEPOENTE/CONVIDADO – QUALIFICAÇÃO JOSÉ ALVES FIRMINO - Cabo reformado do Exército Brasileiro. SUMÁRIO: Esclarecimentos sobre documentos fornecidos à Comissão de Direitos Humanos e Minorias pelo Sr. José Alves Firmino. OBSERVAÇÕES CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Declaro abertos os trabalhos da presente reunião de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que tem como finalidade ouvir esclarecimentos do Cabo Firmino a respeito de documentos fornecidos a esta Comissão em 1997. Convido o Cabo José Alves Firmino para tomar assento à mesa. Lembro que o requerimento que proporcionou a realização desta audiência é de autoria do Deputado Chico Alencar e foi aprovado por unanimidade pelos membros desta Comissão na reunião ordinária realizada no último dia 20 de outubro. O tempo a ser concedido ao expositor será de 20 minutos. Após a exposição, será dada a palavra aos Deputados presentes, respeitada a ordem de inscrição. Cada Deputado inscrito terá o prazo de 3 minutos para formular suas considerações ou pedidos de esclarecimento, dispondo o expositor do mesmo tempo para as respostas. Esclareço que esta reunião está sendo gravada, para posterior transcrição. Por isso, solicito que falem ao microfone. Informo à platéia que, por sugestão do Deputado Luiz Couto, se alguém quiser fazer qualquer pergunta, que a envie a um Deputado; se o Deputado julgar pertinente, fará a pergunta ao Cabo Firmino. Registro a presença dos Deputados Jair Bolsonaro, Luiz Couto e Chico Alencar. Recebemos neste momento o Cabo Firmino, como convidado desta Comissão, devido à divulgação na mídia de fotos que teriam sido entregues por ele em 1997 a este colegiado. Como se fizeram necessários maiores esclarecimentos, esta Comissão, na última reunião, determinou que o Cabo Firmino fosse convidado para prestar esclarecimentos sobre esses documentos. Se porventura quiser fazer algum outro esclarecimento, sinta-se à vontade. Agradecemos ao convidado a presença. Tem S.Sa. a palavra. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Boa tarde a todos. Agradeço o convite da Comissão de Direitos Humanos. 1 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Na época, foram entregues documentos do regime militar e outros que provam que até os dias de hoje há agentes de inteligência fazendo vigilância não só de movimentos sociais, mas de políticos e de Parlamentares. Inclusive aqui dentro existem pessoas que cheguei a fazer vigilância. Na época em que vieram às minhas mãos os documentos, só me preocupei em retirar os que provavam que eu era um agente de inteligência do Exército e que para essas missões havia ordens superiores e de pessoas ligadas ao serviço de inteligência do Exército. Minhas palavras são de agradecimento à mídia, pelo carinho que ela tem comigo. Isso é muito difícil para mim. Desde 1997, aliás, desde 1995, antes de vir a tornar o caso público, eu fui uma pessoa que acreditava, e acredito, na instituição. Não estou atacando a Força, porque eu amo o Exército Brasileiro, mas infelizmente há pessoas lá dentro que se acham donas da Força e pegam jovens como eu e colocam em missões que deveriam ser dadas a pessoas de carreira ou mesmo a oficiais. Elas envolvem a prática de atos de inteligência. Eu sou vítima, não sou criminoso, sou vítima do Estado. Fiz a denúncia justamente porque fui injustiçado, fui perseguido. Vou lembrar o que falei para um comandante meu: “Eu suporto todas as perseguições que venham de fora, mas perseguições de dentro da minha Casa, que é o Exército, eu não consigo, não vou aceitar”. Tenho parte dos documentos dos meios administrativos, que informa tudo o que acontecia comigo nesse período, chegando à divulgação desses documentos. Meu muito obrigado, por enquanto. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Concedo a palavra ao Deputado Chico Alencar, autor do requerimento de realização desta reunião. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Bom dia a todos. O Cabo Firmino é da reserva agora, é cabo reformado. Cabo, eu tenho algumas indagações bastante objetivas, partindo do entendimento de que esta Comissão é fundadora, inaugural. Para nós, tudo o que a imprensa traz é bastante importante, mas o nosso trabalho parlamentar se fundamenta no trabalho que executamos diretamente. Quer dizer, o seu depoimento aqui hoje tem para nós uma 2 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 importância fundamental dentro desse foco de trabalho que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias pretende realizar em relação a todo o sistema ilegal praticado no Brasil, segundo V.Sa., até hoje. V.Sa. disse que agentes de segurança, até hoje, fazem vigilância. O senhor mesmo disse que já vigiou pessoas que estão nesta sala. Eu estava no 8º encontro do PT, em Vitória, muito feliz, aliás, com o companheiro Lula e as disputas boas, e soube que V.Sa. estava lá como espião. Nesse caso, não era bem-vindo, obviamente; se fosse um companheiro de lutas... Eu amo o meu partido e a luta pela justiça, que inclusive, para mim, está acima de qualquer instituição. A instituição, ela tem de ser promotora da justiça, sempre, seja de que tipo for, religiosa, militar, política. Então, a primeira pergunta é esta: o senhor afirma que até hoje no Brasil há vigilância, há espionagem, há serviço de inteligência que alcança pessoas, instituições e movimentos? A segunda pergunta: por que o senhor diz que entende que esse serviço de inteligência tem de ser executado por oficiais e não por novatos, pessoas incluídas recentemente nas forças militares? Que tipo de preparação seria essa? A terceira pergunta, igualmente bem objetiva: o senhor tem informações, teria condição de dizer onde poderiam ser encontrados documentos que relatam prisões ilegais, torturas e eventuais mortes de perseguidos políticos do tempo da ditadura? Esses arquivos, alega-se, teriam sido todos destruídos. V.Sa. trouxe para esta Comissão, em 1997, 3 caixas. É claro que isso estava em algum lugar. Li, numa de suas recentes entrevistas, que haveria toneladas desses documentos. É uma força de expressão, mas, de qualquer forma, muito forte. Eu gostaria que o senhor informasse a esta Comissão onde, segundo seu juízo e avaliação, estão esses documentos. Uma outra indagação que me parece importante para o nosso trabalho aqui é quanto ao teor desses documentos entregues a esta Comissão em 1997. Li ainda que o senhor disse que havia também vídeos, fitas cassete, um material que ia além do material gráfico. Eu gostaria que elencasse que tipo de material o senhor se recorda de ter entregado aqui. 3 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 A quinta indagação. Li hoje num jornal que alguns documentos, Deputado Mário, teriam sido entregues pela Comissão, na sua boa-fé, para suposto pesquisador, professor da UnB, que, na verdade, era apenas sargento. Seria ótimo que todo sargento também fosse pesquisador, professor. Estou puxando brasa para meu ofício, mas era apenas um sargento que cumpria missão de espionagem. Esses documentos entregues a esse sargento teriam desaparecidos. V.Sa. tem ciência disso? Peço também esclarecimentos ao nosso Presidente, porque li essa informação hoje. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Eu também só conheço o que está no jornal. Essa notícia é de hoje, temos de apurar. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - O registro na Comissão é que chegou alguém se dizendo professor fulano de tal e levou esses documentos, que teriam desaparecido. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Vamos apurar. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sim. Ainda uma outra indagação: nas entrevistas que V.Sa. deu há também a chamada escuta telefônica que era feita. Uma das formas de vigilância era, e é, a considerar sua primeira afirmação aqui na audiência, a escuta telefônica, que continua acontecendo. Isso é telefone grampeado, é portátil, de monitoramento só para curtas distâncias. Enfim, como se dá essa espionagem que existiria até hoje? Se há setores da força do Exército, enquanto o senhor lá permaneceu, ou tem informação, ainda hoje, que apoiam, incentivam esse tipo de trabalho ilegal? E se a Agência Brasileira de Informação, que recentemente informou ao Ministro Nilmário Miranda que aquelas fotos da Comissão não eram de Wladimir Herzog, estaria operando nesse campo segundo sua informação e sua percepção? Quais seriam, segundo sua avaliação — o senhor que declarou seu amor ao Exército Brasileiro, e ele tem todo nosso respeito, como força permanente, defensora da Constituição —, as informações de que haveria setores interessados em manter o esquema que foi forte, quase institucionalizado, da ditadura até hoje? E se pessoas desse setores, ou ligadas a ele na clandestinidade, estariam fazendo 4 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 algum tipo de ameaça a V.Sa. quando se dispõe a fazer essas denúncias e esclarecimentos. Pelo que entendi, a motivação que o levou a fazer essas denúncias é o amor à instituição, que não quer ver envolvida nas práticas que o senhor considera hoje nefastas, embora já as tenha praticado. Qual a sua avaliação hoje desse tipo de atividade, se acha importante, se tem algum grau de arrependimento ou revisão do que fez? Também li, em uma das matérias mais antigas, que o senhor, em determinado momento, se arrependeu quando, de um acampamento do MST que o senhor espionava, passando-se por jornalista, recebendo inclusive notícias exclusivas, que sempre são preciosas para o jornalista no momento de uma ação militar — provavelmente desocupação da terra —, lhe telefonaram para pedir o apoio do jornalista, em momento dramático muito difícil, e o senhor ficou comovido com essa demanda sincera de quem estava sendo enganado. Se foi esse o único momento, ou o momento decisivo para a revisão da sua prática? Sr. Presidente, quero ter a oportunidade de, se for o caso, fazer outras indagações com esse mesmo espírito objetivo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Indago aos Deputados presentes, para gerarmos acordo de procedimentos, se devemos passar imediatamente para as perguntas e respostas, que podem elucidar e abrir caminhos para outra pergunta, ou deixamos para depois. Acho que é melhor responder imediatamente. Vamos proceder dessa maneira. maneira. O senhor, por favor, responda, e outro Deputado vai fazer perguntas depois. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Bem, Sr. Deputado, eu saí de uma comunidade pobre, Ceilândia, a cidade mais violenta do Distrito Federal, e tinha o sonho de pertencer ao Exército Brasileiro. É um sonho de todo jovem ajudar no sustendo de sua família. Por que eu defendo um oficial ou mesmo um sargento de carreira? Porque eu era um cabo temporário. Ou seja, vencido o meu prazo, eu iria embora. Na época, na Portaria nº 020, foi a primeira, criou-se uma brecha para estabilizar alguns militares. E quando se pega um jovem, na época eu nem sequer 5 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 tinha o primeiro grau, e o coloca no setor de Inteligência, é um pouco difícil, até porque eu tinha 19 anos e estava em formação. Então, acreditava ser correto tudo que falavam, porque não tinha formação educativa. O oficial de carreira é mais preparado. O sargento é mais preparado. Mas na época em que as atividades começaram, em 1990, logo no período do impeachment do ex-Presidente Collor de Mello, a União Nacional dos Estudantes e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, praticamente, estavam mortas. Com as manifestações pró-impeachment, os movimentos estudantis eclodiram de tal forma que houve necessidade de infiltrar um agente de informação — na época dava-se esse nome — em movimentos estudantis. E justamente no partido de V.Exa. nasceu a JR — Juventude Revolução. Dentro dela alegava-se que não havia nenhum partido político por trás do movimento. Mas a JR era ligada ao TLPS — Trabalho na Luta pelo Socialismo, que, na época, se não me engano, era presidida por Arlete Avelar Sampaio. E o setor achou necessário me infiltrar no movimento do SINDSEP — Sindicato dos Servidores Públicos Federais, no Distrito Federal, a fim de que eu pudesse subtrair documentos daquele sindicato para uma possível deflagração de greve ou qualquer manifestação em 1992. Então, quando defendo o oficial e o sargento, é porque eles são de carreira. Mas quando o Estado, no caso a instituição Exército, pega um jovem temporário, sem estrutura, e o coloca nas ruas, cria-se um sério problema, inclusive para essa pessoa. Eu tive problemas de identidade. Vivi o Marcos Oliveira dos Santos. Eu esqueci a minha família. Marcos era o homem frio, era o jornalista, não tinha sentimento, estava ali para cumprir a missão. E houve alguns elogios, que estão inclusive em poder da Comissão de Direitos Humanos, a minha vida pregressa no Exército Brasileiro, que não tem nada a falar a respeito. Tenho as minhas alterações, mas também recebi elogios. E os meus elogios são todos em boletins confidenciais, reservados. Ou seja, poucas pessoas tinham acesso, a não ser os oficiais daquele setor. Quanto à pergunta sobre a existência de possíveis documentos do regime militar, desde à época em que eu estava no setor eles já negavam a existência desses documentos. Mas há foto que comprova a existência desses documentos. 6 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Havia pessoas, se não me engano diplomatas coreanos, que tinham relação com o hoje Ministro Agnelo Queiroz, e nós fomos destacados para fazer a vigilância delas. Inclusive há as fotos aqui. E uma equipe — são várias equipes no Congresso Nacional — entrou, na parte da manhã, no privativo de V.Exas., inclusive um companheiro da Polícia Militar que servia conosco. Não vou citar o nome porque não convém. E a Segurança desta Casa deixou para pegar a equipe da tarde. E foi o que aconteceu. Eu e outro sargento da equipe fomos presos. Na época, comunicaram ao Ministro do Exército e chegaram a tirar cópia do documento falso que eu e o sargento utilizávamos. Fomos levados para salas diferentes. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Em que época? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Se não me engano, em 1994/1995. E o senhor vai entender as instalações do DOI que, na verdade, era SSOP. Nessa prisão gerou-se constrangimentos ao Comando Militar do Planalto. Um general, que não era da área de Inteligência, deu ordens para que fossem entregues as instalações da Subseção de Operações, ou seja, o extinto DOI-CODI, no Setor Policial Sul, Pavilhão 10, ao lado do Canil da Polícia Federal, onde até hoje estão intactas, do jeito que entregamos. Inclusive afirmo a V.Exa. que eram solitárias. Não eram celas, e eu fui uma das pessoas que destruíram essas celas para parecer um galpão, porque não existia ali qualquer prisão do extinto DOI. Nesta Comissão há uma planta dessas instalações. Porém, o serviço que fizeram lá, Deputado, foi malfeito. Nas instalações hidráulicas dos banheiros — poucas pessoas têm conhecimento, mas eu conhecia bem o local — existe um registro que, se ligado, inunda todas as paredes das celas onde praticavam as torturas. Na época, tida como sala de identificação. O preso era colocado ali logo que chegava. A outra pergunta refere-se os documentos. Eles existem. Cheguei a entrar por 3 vezes no Pavilhão 31 de Março, no Centro de Inteligência do Exército, e os documentos estão ali, pelo menos estavam. Das informações de todos os DOIs, que eram 7, de cada Comando Militar de Área, e hoje são 7 Companhias de Inteligência, eram 7 SSOPs também, V.Exa. e talvez a maioria não tenham conhecimento. Em 1985, foi dada ordem para que o DOI fosse extinto. Dentro do próprio DOI já existia a SSOP — Subseção de Operações, em que homens trabalhavam em operações 7 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 de rua, a qual eu pertencia. Em 7 de novembro de 1995, no Estado-Maior do Exército, criam as companhias de Inteligência como se não houvesse o Sistema de Inteligência ou a Subseção de Operações. Isso sem passar por esta Casa e sem passar pelo Presidente da República, na época o Sr. Fernando Henrique Cardoso. Essas companhias de Inteligência eram compostas de 541 agências em âmbito nacional, nos mesmos moldes dos DOI-CODIs. A diferença da SSOP é que era um oficial sem QUEMA, quer dizer, sem ter curso de Estado-Maior — o Deputado Jair Bolsonaro entende do que estou falando — subordinado à 2ª Seção do Comando Militar do Planalto. A diferença dessa companhia é que é um coronel QUEMA — um tenente-coronel, ou um major, mas que fosse QUEMA, com Estado-Maior — comanda essas companhias de Inteligência. Elas são em número de 7 e são sucessoras dos extintos DOI-CODIs, só que com uma diferença: não prendem nem torturam ninguém. Fazem somente serviço de vigilância sobre a esquerda, sobre alguns políticos e sobre movimentos sociais, como o Movimento dos Sem Terra. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Até hoje? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Até hoje. Inclusive o sargento Benjamim Soares e Soares tem fotografias de agentes. Ele é ex-sargento do Exército e segurança na Câmara Distrital. Inclusive há uma fotografia grande dele — e agora deve ter uma minha também — no Pavilhão 31 de Março, escrito: “Cuidado!”, porque ele tem mania de fotografar os agentes de inteligência na rua, tidos como inimigos, digamos assim. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Provavelmente uma audiência pública como esta deve estar sendo objeto de inspeção. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Ah, o senhor pode ficar certo de que aqui tem araponga. Inclusive colocaram o pessoal da Aeronáutica, só que eu tenho amigos e tenho informações de pessoas lá de dentro. Logo que souberam que eu estive aqui, vários militares me procuraram. Fui torturado dentro dos quartéis de Brasília. Estão aqui 2 casos, mas o total é 4. Temos um cabo da Aeronáutica que foi torturado e eu que fui torturado dentro das instalações, por ser considerado um arquivo vivo. 8 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Outra pergunta de V.Exa. é sobre o esquema da ditadura. Digo que ele funciona até hoje. Na verdade, nunca se desmontou esse esquema. Sobre a ABIN. Por que essas fotos estariam nos arquivos do DOI? Por que a queima dos arquivos? Bem, foi por causa da entrega das instalações. Também porque onde hoje funciona a 7ª Companhia de Inteligência, aqui na Esplanada, no Ministério do Exército, na sobreloja, não havia espaço para esses documentos. Então, foi dada ordem para que se incinerasse. O esquema da ditadura funciona até hoje. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - De quem partiu a ordem de incineração? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Vem do Comando Militar do Planalto. São feitos alguns documentos, que são acompanhados por oficiais; é assinado um termo e acompanhado. Mas as ordens são geralmente do Comandante Militar do Planalto. Vêm também do Centro de Inteligência do Exército. Antes de se fazer qualquer coisa com um documento confidencial, reservado, ou secreto, é solicitado parecer do Centro de Inteligência do Exército. Em relação aos documentos do MST, aos documentos de jornalistas, abriram um processo quando os entreguei à FENAJ. Eu entreguei os originais. Em sã consciência, eu não acho que cometi crime. Eu trouxe até um livro com a assinatura de uma das pessoas. Se for feito um exame, vai-se verificar que é desse oficial. Existe dentro da Seção uma SEI — na época um serviço de contra-informação, hoje de contra-inteligência — responsável por todos os documentos, sejam falsos, sejam verdadeiros. Os verdadeiros, na época em que eu entrei, eram do Serviço Secreto — a Comissão tem cópia de um desse documentos do Serviço Secreto assinado pelo Comandante Militar do Planalto. Hoje, são usadas as carteiras de Polícia do Exército. Por ser secreta, não é possível a identificação. Como se pode se identificar se é secreto? Então, criaram a carteira de Polícia do Exército para facilitar a entrada em alguns ambientes. Carteiras de jornalistas. No ano de 2001, foi descoberta, pelo jornal Folha de S.Paulo, uma casa em Marabá de um pessoal bastante atuante naquela região. O fato foi denunciado. Na época, alguns promotores começaram a denunciar. A 9 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Comissão tem documentos que provam que desde o regime militar utilizam-se carteiras de jornalistas para infiltração em movimentos sociais, sindicais. No caso do Movimento dos Sem Terra era pedida exclusividade, justamente para que não ligassem para a mídia e uma possível invasão da Polícia Militar viesse a público. No Campo de Instrução de Formosa, divisa com o Triângulo Mineiro, numa operação, lembro de 3 telefonemas de uma pessoa. Foi ali que caiu a ficha — não sei se a palavra é esta. Foi ali que o ser humano começou a aparecer em mim. A pessoa ligou e disse: “Firmino, Marcos, o pessoal está aqui, a Polícia Militar, você vai vir para cá?” “Vou, já estou indo”. Comuniquei na época ao oficial. Não gostaria de citar o nome dessa pessoa, mas eu vou falar de um elogio dessa pessoa quando eu fui transferido para Goiânia. Era um major, chefe de operação, na época. Ele disse: “Olha, vocês não vão, vocês não vão a operação nenhuma”. A pessoa, no terceiro telefonema, disse assim: “Firmino — isso chorando —, Marcos, você pediu exclusividade e nós lhe demos exclusividade. Estão massacrando nossos filhos e nossas esposas”. E aquela voz embargada desligou o telefone. Fui imediatamente ao setor, no intuito de me identificar e pedir para parar com aquilo, se realmente havia massacre. E falei com uma pessoa, que disse: “Este é o nosso trabalho. Nosso trabalho é este”. Sobre a avaliação das atividades da área de Inteligência, concordo que exista, mas que seja em benefício do povo brasileiro, que seja em respeito ao povo brasileiro, em respeito aos políticos, ao Congresso Nacional. Por que fazer vigilância em cima de Parlamentares, com várias viaturas, agentes, de dia, de noite, e sem fundamento, muitas vezes, porque, na época, era a ala de esquerda, PT, PCdoB, PCB, PPS? Eu defendo um acompanhamento do MST, porque eu estive perto, sei como funciona o movimento. É preciso que o órgão de Inteligência acompanhe esses movimentos, até por que é uma questão de segurança nacional mesmo. Muitas vezes são utilizadas crianças — V.Exa. não têm conhecimento, talvez —, aqueles país de famílias que realmente necessitam. Mas geralmente os líderes ficam atrás. E foi descoberto, na época, que eles cobravam dinheiro dessas famílias. Diziam que 10 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 só ganhavam a terra se doassem um valor xis. E foi feito isso. Havia uma preocupação. Então, dentro do MST, eu concordo. Serviço de Inteligência no campo militar. Eu inclusive participei de algumas missões de militares envolvidos com droga. Nesse aspecto, as Forças Armadas não passam a mão na cabeça do militar que tem envolvimento com ilícitos O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - E com grupos de extermínio havia essa preocupação? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - É aí que eu me questiono: por que não se utiliza 541 agentes, 7 companhias de Inteligência hoje... O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Hoje? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Sim, hoje. Eu tenho cópia de documentos aqui e posso passar para V.Exa. A Comissão já os tem, mas posso passar para V.Exa. Tem todo o organograma, o modo como funciona. Por que não se utilizam essas companhias de Inteligência pelo menos para auxiliar as Polícias Civis, Militares e a Polícia Federal? Em Marabá, há uma atuação profunda. Eu acredito, pela pouca experiência que tenho — porque na Inteligência sempre se está aprendendo — que é possível, sim, o Exército utilizar o Serviço de Inteligência, até por uma questão de armamento, porque o Serviço de Inteligência tem armamento para auxiliar as Polícias Civil e Federal, principalmente nas fronteiras. A companhia de Inteligência, no Rio de Janeiro, ao que eu sei, já tem parceria para combater o tráfico de drogas. Pessoas ligadas a essa área, que estão lá dentro, me passaram essas informações. Deputado, de imediato, eram as informações que tinha para dar. Muito obrigado. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sr. Presidente, desejo fazer uma pergunta. O serviço dos agentes de informação, que hoje são 540, é também desenvolvido sobre Parlamentares ainda hoje? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Hoje, por eu estar afastado de Brasília, não posso afirmar isso. Mas o Sargento Benjamin tem fotografias com datas de hoje. 11 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Eu me perguntava por que me infiltrar, por exemplo, na UNE, porque esses jovens já são formadores de opinião e amanhã vão ser o futuro do País: médicos, advogados, juízes etc. O movimento estudantil é apoiado por partidos políticos, como o MR-8 — Movimento 8 de outubro, ligado ao PMDB —, o PT, o PCdoB. Na época, eles se digladiavam para obter um cargo dentro do movimento estudantil. Acompanhávamos o que era votado, as delegações que vinham de outros países, principalmente de Cuba, que participou do 43º Encontro da UNE, em Goiânia, com Minhon Gonzales, líder estudantil. A comissão tem essas fotos. Havia a preocupação com o fato de essas pessoas trazerem pensamentos socialistas, tidos como “comunistas” — entre aspas —, para influenciar nossos estudantes. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - O senhor estava na ativa na eleição do Presidente Lula, na mudança de Governo, final de 2002? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não. Eu inclusive vim para Brasília na campanha do Presidente Lula, sem ele saber, e também outros militares. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Veio trabalhar como espião? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, para eleger... O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - O senhor se converteu ao esquerdismo. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Acho que ele respondeu a sua pergunta. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Perguntei isso a ele para saber se houve algum movimento, se ele tem informações de que, com a eleição de Lula, esses setores trataram de pelo menos guardar melhor esses arquivos, de conter um pouco essa ação de espionagem. O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Sr. Presidente, tenho uma questão de ordem a fazer. Desculpem-me por ter chegado um pouco atrasado. Acho necessário que desvendemos tudo que houver de informação sobre o passado. Do ponto de vista da atuação do Serviço de Inteligência hoje, não tenho restrição, mas lembro que o Parlamento tem entendimento com as Forças Armadas e com a ABIN para discutir isso em comissão específica, formada pelos Presidentes 12 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, no momento Carlos Melles e Eduardo Suplicy. Todas as questões envolvidas com o presente temos o hábito de discutir de forma mais reservada. Evidentemente, devemos desvendar todo o passado, mas se houver alguma questão ligada, digamos, à vigilância sobre Deputado aqui e agora, devemos levá-la para aquela comissão e trabalhar de maneira orgânica. Hoje, o Exército não persegue pessoas. Viajamos e conversamos muito com seus integrantes. Temos um espaço democrático para discutir isso. O que não é verdade sobre o passado, ainda. Então, se houver alguma questão ligada a Deputados aqui e agora, se o temos alguma dúvida, existe o espaço específico para discutir isso. O SR. PRESIDENTE (Mário Heringer) - Registro a presença dos Deputados Fernando Gabeira, Luiz Couto, Chico Alencar, Luiz Alberto, Jair Bolsonaro, Orlando Fantazzini, Iriny Lopes, Gastão Vieira, Miro Teixeira, Dra. Clair, Nazareno Fonteles e Francisco Olímpio. Com a palavra o Deputado Luiz Couto. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sr. José Alves Firmino, o senhor entrou no Exército em 1989 e ocupou a função de motorista. Quando o senhor foi convidado para trabalhar em investigação? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Fui incorporado em 13 de fevereiro de 1989. Tenho um elogio de um major que está datado com erro, em 1989. Mas entrei no sistema em 1990, no posto de soldado, e fui convidado por um oficial do setor, que foi comandante do Deputado Jair Bolsonaro. De imediato, mandaram-me fazer o curso de cabo, porque só constava do setor de Inteligência. Não havia soldados no setor de Inteligência. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Mas o senhor, na condição de soldado, exerceu algumas funções de Inteligência também, de investigação. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Na condição de soldado, na 2ª Seção do Comando Militar do Planalto, eu só entregava documentos reservados para unidades em Brasília. 13 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - É claro que o senhor fez um treinamento. Tem curso de Inteligência e de fotografia. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Tenho cursos internos, dados por oficiais. Mas o de fotografia foi feito no antigo SNI, que tinha outro nome, porque o Presidente Collor acabou com ele. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Isso em decorrência das atividades que o senhor estava exercendo e ia executar. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Isso, depois fiz um curso na Academia Nacional de Polícia Federal. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor trabalhou até 1996 nessa função. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Fiquei até outubro de 1995, data em que fui transferido para Goiânia, onde fiz parte do setor de Inteligência no extinto 42º Batalhão de Infantaria Motorizada, onde, na época, havia problema de militares envolvidos com drogas, pelo Informe 0506/96, que foi na mão do Secretário de Segurança Pública na época da rebelião no CEPAIGO. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Além da sua atuação no movimento estudantil, no Partido dos Trabalhadores, teve alguma atividade ligada a movimentos de igreja. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, não acompanhei. Somente movimento estudantil, partidos políticos, vigilância a alguns Parlamentares, mas movimentos de igreja, não. Existem alguns relatórios também da Comissão de Direitos Humanos. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Mas o senhor não teve nenhuma ação em encontros com atividades de base, de pastoral operária, de pastoral da juventude? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, senhor. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - O senhor disse que recebia sempre, para fazer o trabalho, ordens superiores. É claro que determinada pessoa lhe dizia: “Firmino, você vai ter que fazer isso”. E dava as condições para que você pudesse realizar a missão. Quem efetivamente dava essa ordem ao senhor? 14 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Funciona da seguinte forma a SOp: existe o Chefe da SOp e existe o Chefe de Operações, que na minha época era outro major. E as funções do Serviço de Inteligência se dão por OB — Ordem de Busca — e PB — Pedido de Busca. Geralmente, essas ordens vêm de um analista do setor acima, que chamamos de Área Burocrática, analista de um campo militar ou de um movimento qualquer. Vão para o Chefe da SOp e seguem imediatamente para o despacho do Chefe de Operações, que designa os melhores agentes para aquela atividade, para aquele setor. O nome da pessoa, hoje comandante da Escola de Inteligência do Exército... A injustiça no Brasil é que fui colocado nu na cela, em plena democracia. Tem uma Bíblia que, se fizerem o exame, vão ver que é da época do meu desespero, porque não entrava nada. Eu cheguei, num momento, não lembro a data, a escrever a seguinte frase: caso aconteça alguma coisa que pareça suicídio — não lembro bem o termo —, eu jamais ia praticar um ato desses. E que levassem aquela Bíblia, que tivesse condições de denunciar casos que parecessem suicídio. São vários comentários que eu faço nela. Sobre os movimentos eclesiásticos, eu nunca fiz parte deles. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quando você deixou de ser Firmino e passou a ser Marcos? Como se deu isso? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Em junho de 1992, no movimento estudantil. Eu comecei a esquecer o José Alves. Era o Marcos. Se chamassem pelo Firmino — e eu fui treinado para isso —, eu não respondia. Tem duas coisas que perdemos no setor de Inteligência do Exército: a primeira é o medo; a segunda é a família. Não sei se os senhores passaram por setores militares, mas imaginem um jovem com carteira do Serviço Secreto, que saiu da periferia e lutava por um prato de comida. Eu entrei para as Forças Armadas para comer. Imaginem se jogarem toda uma estrutura sobre os senhores e dizerem que estão fazendo em benefício do Brasil. Eu fazia alguns questionamentos, queria saber o porquê. Diziam: “Você está fazendo um bem para a Nação. São todos comunas”. Eu nem sabia o que era comunista, mas acreditava no que fazia. Está 15 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 nas minhas alterações, nos elogios diferenciados — e duvido que militares tenham os elogios que eu tenho —, na forma como foram escritos. Eles me identificam como agente da área de Inteligência. De repente, acreditamos no sonho de um oficial de sitiar o Congresso Nacional com canhões 106 milímetros. E em outros sonhos, dos quais não convém falar, sobre esta Casa. A partir de 1992, eu não era mais o Firmino, mas o Marcos, um agente de informação. Quando eu viajava, era o Marcos. O Firmino ficava. Os documentos verdadeiros ficavam. Viajava para Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e outros Estados. E já passei mal. Eu tenho uma cicatriz nas costas porque caí de uma árvore, quando tentava roubar — eles falam em “subtrair”, mas é roubar — documentos e fitas que comprovassem. Eu cobria todos os eventos, porque era um agente só. E a fita de vídeo cobria a maior parte dos eventos. Depois que eu caí da árvore, cheguei numa farmácia e pedi que fizessem um curativo. E me disseram: “Não. Você tem de ir para o hospital e levar pontos”. Eu disse que tinha acabado de fugir da delegacia para colocar medo na pessoa e forçar ela a fazer o curativo. Eu acreditava naquelas pessoas. Na instituição Exército, nas Forças Armadas, muitos oficiais generais, graças a Deus, não compactuam com esse tipo de missão ou serviço. Alguns oficiais não aprovam. Eu falei com um ontem, do Ministério da Defesa. Ele me disse: “Graças a Deus, não fazia parte desse setor naquela época”. Quero dizer a esta Comissão, aos nobres Deputados, que trabalhei na campanha do Lula — sem ele sequer saber —, de Cristovam Buarque — com quem tirei uma foto —, acreditando. Não para me beneficiar. Não me sinto à vontade falando disso aqui. Só foi uma maneira de me defender. Eu tinha sido descoberto aqui em Brasília, no Sindicato dos Servidores Públicos Federais, por um civil de nome Marques, que hoje trabalha no Anexo. Imaginem, meu caro Deputado, senhoras e senhores, um oficial do setor chegar para um jovem de 22 anos e dizer o seguinte: “Houve uma reunião no Centro de Inteligência do Exército: entre a instituição e o cabo, rola a cabeça do cabo”. E me fez uma pergunta: “Marcos,” — porque lá todos eram tratados pelo nome falso — “quem te colocou nessas 16 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 operações?” E eu dei o nome do oficial: major Jorge Alberto. Ele disse: “Não. Quem te colocou, lembre-se, foi o Exército Brasileiro”. E eu indaguei a ele por que me dizia aquilo. E ele respondeu: “No futuro, você vai saber”. Ali, com a pouca experiência que eu tinha, comecei a desconfiar de que mais na frente eu poderia estar morto. Perguntam: matam? Não matam. Mas eu afirmo aos senhores que, se o agente de inteligência — que eu digo que é uma granada na mão, sem o pino — recebe ordem para matar, ele mata. Até porque falta mais instrução, preparo. Eu defendo hoje que os agentes do Serviço de Inteligência das Forças Armadas tenham nível superior. Se me mandassem fazer eu fazia, sem nenhum remorso. Eu tenho medo dessas pessoas. Não é revanchismo. Eu sou contrário à abertura dos arquivos que aí estão. Por quê? Se forem abertos, que seja somente para as famílias interessadas, para elucidar alguns casos e passar a história a limpo. Eu afirmo a V.Exas. que ainda vão aparecer documentos, porque outros agentes tiraram documentos do extinto DOI-CODI, inclusive sobre morte de pessoas aqui no Distrito Federal. Esses agentes não estão mais no setor, mas continuam na ativa. Eu cheguei a ver isso. Não cito nomes para preservar a identidade dessas pessoas. Por quê? Por não acreditar nesse tipo de serviço. Passar horas, dias dentro de uma viatura, seguindo Parlamentares e pessoas de bem não tem nenhum significado. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Firmino, a partir do momento em que assumiu o nome Marcos, você disse que passou a ser um homem frio e sem sentimentos que exercia a função de jornalista. Como você conseguiu a carteira de jornalista? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Existia um jornal em Marabá — eu não me recordo do nome — que chegava até a publicar algumas matérias sobre nossas atividades. Inclusive sobre o 8º Encontro do PT aqui em Brasília foi publicada alguma coisa. Por ordem de um oficial desse setor, foram confeccionadas mil carteiras, mil espelhos de jornalistas desse suposto jornal de Marabá. Fui até ao Setor Gráfico, 17 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 próximo aos Correios; era uma gráfica pequena, em 1992. E algumas matérias chegaram a ser publicadas nesse jornal. Marabá, não sei se V.Exa. acompanha, estava sempre envolvido com agentes com documentos falsos de jornalista. Tentaram abrir, por falha da Comissão de Direitos Humanos anterior e não da atual, um processo contra mim. Eu não falsifiquei documento, eu cumpri ordem. O Regulamento Disciplinar do Exército prevê que não posso questionar ordem superior, mas apenas cumprir. O Código Penal Militar diz que o militar, sob comando, não comete crime. Eu sou cabo! Eu sei quem me deu ordens para cumprir aquela missão. Eu cumpria, não questionava. Cumpria a minha missão, o meu trabalho. E fazia muito bem feito. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Para concluir, Sr. Presidente. Teria outras perguntas, mas vou encerrar. O senhor disse que foi torturado. Quantas vezes? E quem o torturou? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Eu tenho dossiês, que estão no nome do Ministro Márcio Thomaz Bastos, porque não deu tempo. Mas eu cheguei a entregálos à Presidência da República, aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, aos Ministérios da Justiça e da Defesa, à Deputada Federal Maninha. Estes são os dossiês, que passo às mãos do Presidente da Comissão de Direitos Humanos. O que estou pedindo? O cumprimento da lei. Desde 1997 saíram vários boatos. Eu luto pela minha reforma. Eu fui preso no dia 13 de junho, porque informei que entraria na Justiça contra o Ministério do Exército por causa dos danos causados à minha saúde. Eu peguei hanseníase em serviço. Não existe nenhum caso na minha família, mas eu convivi com pessoas doentes nas atividades que exerci. Essas informações constam dos dossiês. Eu já tinha encaminhado várias solicitações administrativas, mas havia perseguição. O senhor não imagina o que é passar 24 horas numa unidade das Forças Armadas com outro nome, vivendo outra vida. Corremos risco de vida, principalmente à noite. Eu dormia junto com aquelas pessoas e tinha medo de falar à noite, de entregar quem era e me matarem. Aconteceu no Rio de Janeiro, onde 18 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 ficávamos alojados com essas pessoas. E indaguei administrativamente ao meu comandante, na época o coronel Lima, sobre essas questões. Não dava para suportar mais. As pessoas me evitavam por causa da falta de conhecimento sobre essa enfermidade, que tem cura. Ficaram as seqüelas: a neurite tibial — até hoje sinto dores — e o problema psiquiátrico, que eles alegam ser estresse grave. Eu fui preso, colocado nu na cela, onde jogaram água; onde 4 soldados ficavam perfilados, de baioneta, todos os dias, a partir das 7h da manhã. O comandante interino do 42º Batalhão de Infantaria Motorizada, hoje coronel Raul Coutinho Neto, durante 5 dias me martirizou. E em 13 de junho de 1997 foi dada a ordem de prisão, por causa dessa denúncia que eu fiz. Quem me via, meus caros Deputados, achava que eu era um terrorista: eram 4 arapongas do meu lado, todos armados. O Deputado aqui presente da Polícia Militar do Distrito Federal pode confirmar isto: a pessoa algemada com as mãos para a frente oferece certo risco; mas, com as mãos para trás, é de grande periculosidade. Não é isso, Deputado? Eu fui algemado com as mãos para trás e era acompanhado por 4 militares. E a minha punição era administrativa, segundo eles. A minha família foi atrás de mim, na unidade. Disseram que eu não estava no quartel, maltrataram a minha família. A sorte é que minha irmã viu meu carro dentro da unidade e veio atrás do então Deputado Pedro Wilson. Na calada da noite, eu fui transferido para o Pelotão de Investigações Criminais do Batalhão de Polícia do Exército, onde fui colocado nu na cela, em posições humilhantes, onde jogaram água. E, o que é pior, fui obrigado a assinar um documento que dizia que eu não sofri nenhuma tortura psicológica, nem física. Eu só fiz o corpo delito quando entrei, mas não quando saí — realmente não me tocaram a mão, foi o terror psicológico que me afetou. Eu li e assinei. Segundo eles falaram, “a forma de você sair daqui é se você ler” — porque estavam gravando — “e assinar.” Havia já a pressão dos familiares e da Comissão de Direitos Humanos, no ano de 1997. E, inclusive, a minha última missão em Brasília foi em cima do Sargento Abílio Teixeira, um militar campana que está ali no fundo — na época, ele denunciou à Veja o problema de AIDS nos quartéis com nossos soldados — e foi 19 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 em cima de um carro chamado “curió”, que era um Gol. E ele servia no 16º BELOG. Nós montamos campana vários dias. A minha última missão foi em cima desse militar, que hoje está na reserva, e eu acho que o inferno começa na Terra. Eu fui “solto”, entre aspas. Fui colocado dentro do 16º BELOG e a mesma viatura estava me seguindo por 2 dias. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Para concluir, faço 3 perguntas. Primeira, aquelas fotografias que o senhor entregou à Comissão eram do Wladimir Herzog ou não? Segunda, quais os Estados em que o senhor atuou como araponga? Terceira, tem muita coisa que percebo que o senhor gostaria de falar, mas tem receio. O senhor estaria disposto a prestar um depoimento reservado na Comissão de Direitos humanos? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - O meu medo é quanto à minha segurança física e à da minha família. Quando eu fui torturado, eu tenho uma filha que é deficiente por causa das pressões que fizeram comigo, porque não saía, a viatura estava todo dia na minha casa. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Em que o ano nasceu sua filha? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Ela nasceu sem um antebraço. A minha mulher perdeu o primeiro filho, logo quando eu fui preso. A pressão, as humilhações eram fortes. Minha filha tem um sério problema de saúde. Eu moro num bairro pobre, em um setor que me dá condições de sair por 3 vias. É um ponto estratégico também. Mas eu cheguei quase a pirar, porque sabia que a atuação do setor de Inteligência ou das Forças Armadas é na madrugada. Eu trocava o dia pela noite. Primeira coisa: eu comprei duas armas e ficava em cima de uma árvore a noite toda com medo de uma possível invasão. Quando saiu a primeira reportagem no jornal, faltou a luz na minha casa por volta de 1h30min. E a primeira ação que acontece é o corte da luz. Num ato desesperado, peguei a minha filha e a minha mulher, coloquei-as debaixo da cama e esperei por 2 dias seguidos, no mesmo horário. Não era, mas foi um ato de desespero, porque não é fácil. Eu conheço por dentro o setor, eu sei do ele é capaz. Eu conheço por dentro e por fora, eu sei o que 20 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 é mentira e o que é verdade, desde a nota da ABIN. Existe uma tal de contra-inteligência, e lá dentro até se fala que é a imprensa burra. O meu medo, Deputado, é nesse sentido. E eu uso uma frase de um político, Ciro Gomes: “Censurar pode, mas me calar só se for à bala”. Tenho receio, sim, porque já recebi ligações. Tenho receio, porque um motoqueiro já me ameaçou com duas pessoas, em Goiânia. Tenho receio, porque quando eu estive em Brasília, na semana passada, alguém num Gol, passou pelo Ministério da Defesa — só consegui pegar os números — e me ameaçou. Tenho receio, porque eu não tenho porte de arma, e mesmo se tivesse uma arma, eu sei que não consigo. Tenho receio, porque em 1997 eu tentei o suicídio, para não dar a eles o gosto de me matarem. Tenho receio, porque no Centro de Inteligência do Exército falaram que iam colocar droga dentro do meu carro para denegrir a minha imagem. Tenho receio de eles simularem um assalto e me matarem, porque eu sei que sou odiado. Agora o meu receio é ver pessoas que tiveram inúmeras promoções, que receberam até a Medalha do Pacificador, inclusive cotadas para sair general, que me colocaram para espionar o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, Parlamentares como Sérgio Arouca, falecido, do PCdoB, Agnelo Queiroz, do PCdoB, Roberto Freire, do PPS, Cristovam Buarque, do PT, o próprio Deputado Jair Bolsonaro e pessoas como sargento Abílio Teixeira e vários outros — a lista está em poder da Comissão de Direitos humanos. Temos soldados e cabos que foram torturados e que estão aqui presentes; dois que estão no quartel a essa hora me ligaram, um sargento e um cabo; eles foram torturados, têm fotos que mostram um oficial colocando a pessoa para carregar um tronco de madeira. O senhor pode ver o absurdo, tudo comprovado. Há o caso de um sargento que tem decisão da Justiça, de que foi praticada tortura sobre ele; ele toma medicamento controlado — está lá no HGB. Eu pergunto: onde está a justiça? É necessário que esta Casa e o Senado montem não só uma comissão, mas um grupo para acompanhar permanentemente o setor de Inteligência. 21 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - As fotografias que o senhor entregou eram de Wladimir Herzog? Quais os Estados em que o senhor atuou? O senhor está disposto a prestar um depoimento reservado a esta Comissão? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Quanto às fotos, elas estavam com várias outras numa pasta. Eu não tinha conhecimento de quem eram. A única coisa que eu tenho aflição é com relação à esposa dele. Quanto aos Estados, eu atuei legalmente no Rio de Janeiro, na manifestação da ACESITA — inclusive apanhei da Polícia Militar; o Marcos apanhou, porque é preciso xingar também como os outros —, em Goiás, em Brasília não conta porque faz parte, e em São Paulo. Inclusive esse oficial do setor, o Centro de Inteligência do Exército — o Comando Militar do Planalto negou essa atuação —, no elogio a mim, fala que “atuou sozinho e isolado e que somente a Subseção de Operações tinha o total controle dessas missões”. Isso foi num movimento estudantil e está relatado nessas pastas . E no Triângulo Mineiro. Esses são os locais de que eu me lembro. Estou disposto a depor na Comissão que V.Exa. falou, porque quem denuncia no País é bandido. Eu sou militar reformado. Eu não cometi crimes, cumpri ordens, e ordens não se questiona. Só que as pessoas me abandonaram, não a instituição Exército, que é limpa, que é nobre, que na sua maioria tem homens de bem, mas, como em qualquer setor, ainda defende alguns resquícios do regime militar. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Dando continuidade, como o Deputado Orlando Fantazzini teve que se retirar, concedo a palavra ao Deputado Fernando Gabeira. O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Eu sou muito preocupado também com a relação do Parlamento com as Forças Armadas. Preocupado, não temeroso. Alguns temas, uma vez que nós temos uma Comissão específica para eles, deveriam ser tratados nesse contexto. Minha proposta é no sentido de que, se há denúncia de tortura, independentemente de ligações políticas — às vezes tortura por alguma razão disciplinar ou qualquer coisa desse tipo —, a Comissão de Direitos Humanos deveria fazer um dossiê sobre elas e procurar os responsáveis, pedir a 22 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 instauração de inquérito e insistir com as Forças Armadas para que atentem para o fato de que existe uma lei no Brasil proibindo tortura e que somos signatários de acordo internacional a respeito. Então, tortura não pode existir em nenhum contexto. Por exemplo, o caso do sargento é típico de ser analisado pela Comissão de Direitos Humanos. As torturas a que ele se refere, não sei se tiveram ou não fundo político ou se foram apenas disciplinares. Se foram apenas disciplinares, caem no contexto da Comissão de Direitos Humanos. Todos os esclarecimentos são importantes para, quando analisarmos um depoimento como esse, tentarmos extrair alguma conseqüência. Os elementos destinados à Comissão que cuida da relação institucional com as Forças Armadas para lá são encaminhados; aos que são típicos da Comissão de Direitos Humanos, tentaremos dar algum desdobramento. Fiquei um pouco impressionado com o fato de todos serem da Inteligência, todos terem feito curso, todos terem passado por um grande processo, o Exercito manter essa estrutura, aparecer uma foto como aquela e não observarem que ninguém é torturado com relógio de pulso. Será que realmente estamos evoluindo? Será que a Inteligência do Exército é boa? Se não for, teremos que cuidar para ela possa prestar alguma ajuda. Existem casos em outros países de Deputados que são investigados ou, pelo menos, observados pelo Serviço de Inteligência quando têm relação com diplomatas que também podem estar sendo observados. Nem todos os países fazem isso, mas há alguns casos. Se o Parlamentar tem relação privilegiada com determinado grupo diplomático, o Serviço de Inteligência passa a observá-lo. Trata-se de vigilância razoável. De 1992 para cá, além da observação de Parlamentares — o senhor mencionou Sérgio Arouca, Cristovam Buarque, Roberto Freire e, se não me engano, Agnelo Queiroz —, não me lembro de nenhuma ação ilegal do Serviço de Informação que tivesse resultado em escândalo político. Nesse período, de 92 a 95, o caso a que V.Sa. se refere é à vigilância desses Deputados? Por exemplo, o Deputado Agnelo Queiroz estava sendo vigiado por uma relação com diplomatas da Coréia. Mas qual delas? É importante sabermos para nossa melhor compreensão. 23 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Não vou defender o Exército Brasileiro, nem condenar o Deputado Agnelo Queiroz, porque já tive relação com coreanos em várias partes do mundo. Mas a Coréia do Norte sempre quis montar no Brasil um sistema de vigilância dos coreanos do sul, porque há problemas entre eles. E eles possuem um serviço de inteligência intenso. Pode ser que essa decisão tenha nascido da percepção de que existem confrontos no Serviço de Inteligência coreano. Sinto muito ter de falar sobre isso, porque quando disse que aquelas fotos não eram de Wladimir Herzog fui duramente atacado. Uma repórter da televisão chegou a perguntar se eu negava que ele tivesse sido torturado e morto. Não, nego apenas que a foto seja dele. Quero que o meu País possua serviço de inteligência. Mas vejo que ele é muito frágil. V.Sa. teve formação em Inteligência. Já entrou numa sala de tortura? Sabia o que era perguntado aos torturados? Ponto e aparelho. Ponto era o encontro marcado do torturado com seus possíveis companheiros, e, aparelho, os lugares freqüentados. Pois bem, é impossível que alguém com relógio de pulso seja interrogado sobre o ponto, porque os pontos têm hora marcada. Por exemplo, se havia um ponto às 16h, se o torturado olha no relógio e vê que já são 16h30min, ela já pode abrir, porque a pessoa não estará mais lá. É uma regra de ouro não esperar meia hora no ponto. Então, isso é evidente na foto atribuída ao Herzog, como é evidente também que, estando com uma mulher, seria outra coisa. No entanto, tanto a contra-inteligência quanto a inteligência não perceberam isso. O Exército divulga nota sem perceber esse fato. Creio que de 1992 para cá o problema não se resume apenas a transgressões do Serviço de Inteligência. Trata-se de sua ineficiência, de sua incapacidade. Agora, é claro que vamos recolher todas as informações e vamos dar seqüência a todo o processo. Acontece que não posso chegar aqui, ouvir as pessoas e achar que as coisas são como as elas dizem. Não era possível aceitar aquela indicação. Imagino que V.Sa. talvez estivesse em confronto com o Exército para aceitar aquilo. Mas aquilo não era crível. Faríamos o papel da imprensa burra. 24 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Pergunto: se esse assunto surgiu agora com essas características, a quem isso interessa? Essa parece ser a verdadeira investigação. De onde surgiram essas fotos espetaculares que não dizem nada? O que está acontecendo? O SR. DEPUTADO MIRO TEIXEIRA - Peço um aparte. Em outra reunião, perguntei se as fotos estavam classificadas como sendo do Wladimir Herzog. A resposta foi “não”. O SR JOSÉ ALVES FIRMINO - Em momento algum os documentos foram classificados. Estamos fazendo esse trabalho agora para que não passemos por esse problema daqui a 7 anos. O SR. DEPUTADO MIRO TEIXEIRA - Então, não houve esse encaminhamento à Comissão? O SR JOSÉ ALVES FIRMINO - Não. Inclusive no documento não consta nome. O SR. DEPUTADO MIRO TEIXEIRA - Considero relevante fazerem uma perícia. O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - É relevante fazer perícia, é relevante apurar os fatos, mas é também relevante saber por que esse fato surgiu agora e com essas características. Devemos saber se existe algum problema, se há alguma luta interna. Com toda sinceridade, quero dizer a V.Sa, que acredito no seu depoimento. Mas, se tivéssemos um serviço de inteligência sofisticado, o caminho para sua infiltração seria este: a pessoa aparentemente romper, fazer uma bela declaração, voltar à vida comum e passar a ser o melhor informante do mundo, porque ninguém iria desconfiar de nada. É necessário termos um pouco mais de malícia quando da avaliação de todo o material. Por isso defendo que as questões que dizem respeito ao Governo Lula e ao Serviço de Inteligência sejam ouvidas num contexto mais adequado, para podermos filtrar as informações, levar à opinião pública o que for necessário, sem criar tensões desnecessárias. Podemos desenterrar os documentos ainda existentes. Se damos garantia aos nossos ex-adversários — suponhamos que hoje não sejamos mais adversários — que vamos agir sem revanchismo e sem 25 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 sensacionalismo, vamos abrir um veio para as famílias, que têm o direito de saber o que aconteceu, e para os historiadores. Agora, esse processo tem de ser conduzido politicamente e não a partir da sensação da mídia. Primeiro tem de ser formada uma comissão na Câmara dos Deputados destinada especificamente ao tema. Hoje ouve uma reunião, da qual V.Exa. participou. E seria interessante até que V.Exa. desse a todos os presentes informes sobre ela. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Posso fazê-lo. O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Exatamente. Houve uma reunião. Então, que a gente comece o entendimento com as Forças Armadas, para garantir que esse processo será adequado. E, nesse processo de desenterrar, nós também vamos utilizar o depoimento do Sr. Firmino. Nós poderemos, se ele se dispuser, gravar esse depoimento e colocar nos arquivos brasileiros o seu depoimento, a sua experiência, a sua formação, as suas principais missões, o que V.Sa. considera os grandes erros do Serviço de Inteligência e o que V.Sa. considera um Serviço de Inteligência do Brasil. Isso podia ser um projeto para nós, fazermos isso juntos. Quanto às questões pontuais que estão aí, de injustiça, de tortura, que V.Sa. está trazendo, que dizem respeito ao Exército, seria interessante criarmos uma comissão para discutirmos diretamente com os responsáveis. Eu não conhecia esses documentos a que V.Sa. se referiu . Eles não foram distribuídos para nós. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não. O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Não foram distribuídos; melhor até. Vamos esperar um pouco. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Interrompendo um minutinho. Quanto a esses documentos que ele está trazendo agora, acho perfeito que a gente não os discuta agora, até porque a Comissão sempre esteve aberta para receber esse tipo de documento, esse tipo de queixa. Eu acho que está perfeita a colocação. V.Exa. já terminou? O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Eu não sei se V.Exa. observou, e o próprio Sr. José Alves Firmino também, que não fiz pergunta alguma a ele, nem vou fazer. Há uma pergunta aqui, que vou encaminhar à Mesa, endereçada pelo Sr. 26 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Assis e que diz respeito a um processo em 1964, na Paraíba. Peço à Mesa que faça a pergunta a ele. Essa pessoa me pediu que fizesse a pergunta. Eu posso até fazê-la para depois encerrar. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Só para esclarecer a V.Exa. No início da reunião, por sugestão do Deputado Luiz Couto, como havia somente 2 Deputados inscritos, colocamos à disposição, se o Deputado que recebesse ou quisesse fazer as perguntas faria isso para a platéia. Como agora tem muitos Deputados inscritos, creio que a gente não consegue chegar aí. Se V.Exa. achar que essa pergunta é pertinente e quiser fazê-la, fique à vontade. O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA - Para mim, a pergunta é pertinente porque é mais uma denúncia de alguém que desapareceu. Mas eu duvido que ele tenha alguma informação sobre esse caso. É o seguinte: se o depoente tem conhecimento de que os 2 únicos desaparecidos em 1964, na Paraíba, José Alfredo Dias, conhecido por Nego Fubá, e Pedro Inácio de Araújo, conhecido por Pedro Fazendeiro, se encontravam presos no Quartel do 15º Regimento da Infantaria, na Paraíba, que era comandado pelo Coronel Ednardo D’Ávila Melo e foram “soltos” — entre aspas —, o primeiro, na noite do dia 29 de agosto de 1964, e, Pedro Fazendeiro, na noite do dia 7 de setembro de 1964. Mas que até hoje estão desaparecidos. Imagino que ele possa ter alguma informação. Se não tiver, encaminho a pergunta à Mesa. Eu gostaria de fazer isso, não que eu tivesse uma expectativa de receber uma informação sobre essas pessoas, mas é que se trata de 2 desaparecidos na Paraíba que não tiveram nenhum espaço no noticiário nacional — é importante que a gente registre. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não tenho conhecimento. Se eu falasse, eu até estaria sendo leviano, Deputado Fernando Gabeira. Acredito que quando cruzarem essas informações que estão na Comissão de Direitos Humanos talvez se possa desvendar alguma coisa. Quanto à imprensa “burra”, isso não é palavra minha, mas do setor de inteligência da época. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Sugiro aos Deputados presentes a esta Comissão que atenda à solicitação do Deputado Fernando 27 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Gabeira, porque se trata de uma solicitação pertinente: a gente se referir especificamente ao período e ao tema convocado. Aproveitando que o Deputado Fernando Gabeira solicitou, quero fazer um relato da reunião que tivemos hoje pela manhã na casa do Deputado João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, com a presença do Ministro Viegas e do Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Essa reunião nasceu de um convite do Presidente feito a nós para participarmos. Essa reunião foi convocada porque o Presidente — é o discurso dele — sentiu necessidade de entrar nesse processo para que tivéssemos uma coordenação e um trabalho que pudesse trazer avanços nesse processo. Aqui é uma casa de 513 Deputados, uma casa de opiniões. Se cada um emite opinião, a gente não fala pelo Legislativo como um todo. A intenção era criar um marco legal para que as coisas pudessem ocorrer. Se temos hoje um decreto que determina que durante 50 anos e mais 50 prorrogáveis, a gente precisa de pelo menos começar a criar condições legais para que isso possa ocorrer. O Presidente João Paulo propôs a criação de uma comissão — não ficou definida a data, mas a gente espera que seja breve — para estudar essa legislação, o mais rápido possível, e comparando essa legislação com a legislação de outros países, para que a gente possa fazer uma coisa bem feita, sem correr riscos de criar uma situação incômoda — incômoda para todos, para o País como um todo —, para daí começarmos a trabalhar e avançar nesse processo de elucidação desses problemas do passado, com a possível abertura desses documentos. Essa era a proposta do Deputado João Paulo Cunha. Nós conversamos e achamos bastante coerente. É esse o evento que ocorreu hoje na casa do Presidente João Paulo. O Ministro foi convidado para representar a parte do Estado. Vamos ver se o Governo estaria disposto a fazer esse trabalho conjuntamente, paralelamente, para que não houvesse, num determinado momento, problema de falta de sintonia; que fossem acionados outros Ministérios para que fizessem esse mesmo trabalho juntos. Tudo isso para que a gente possa abrir. O entendimento não é de ocultar, mas de preservar algumas coisas. O País precisa entender que algumas coisas precisam ser preservadas, não com relação aos documentos desse período da ditadura. Não é isso. Mas, como país, precisamos preservar alguns 28 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 documentos. E é esse trabalho que essa comissão vai ter obrigação de fazer — e é aí que entra o entendimento. Não há neste momento, com todas as pessoas com as quais eu conversei, nenhuma dificuldade de entender que pode ser um momento de apresentação de documentos sem revanche, sem vingança, com o objetivo de esclarecer a história e às famílias o que aconteceu. Temos de tomar cuidado porque não existem somente esses documentos no Brasil. É por isso que a gente precisa um marco legal para fazer isso. Essa foi a proposta do Presidente João Paulo Cunha e esse foi o entendimento que houve na casa do Deputado. Vamos dar continuidade. Concedo a palavra ao Deputado Luiz Alberto. O SR. DEPUTADO LUIZ ALBERTO - Sr. Presidente, na verdade eu estou satisfeito com as perguntas e as respostas que foram dadas pelo Sr. Firmino. Eu só tenho 2 questões a levantar. A primeira, Sr. Firmino. Eu gostaria de saber se V.Sa. solicitou algum tipo de proteção a alguma instituição do Estado, se anda ou não com segurança. Segunda: V.Sa. disse que acha correto que na área de informação — não é só o Exército, é a Marinha, a Aeronáutica, todas as Forças têm a sua segunda seção — sejam recrutados para essa função soldados e cabos que não sejam da carreira permanente, pelo menos até aquele momento. Há os conscritos, que servem por determinado período, e os cabos, por um período maior. Mas depois são desativados. Pergunto se é prática comum o serviço de inteligência monitorar esses agentes na condição de desativados após o término de seu serviço militar. Em segundo lugar, digo que trabalhei em empresa estatal até 1994. Todos sabemos que nessas empresas existia — porque a rede de informação, de inteligência é vasta, está em todas as áreas; foi citado o caso do acompanhamento dos movimentos sociais, por exemplo — havia a chamada Divisão de Segurança e Informação. A maioria dos funcionários ligados àquela área, que deveria ser patrimonial, chamada serviço de vigilância, eram naquele período formados não para cumprir a função de segurança patrimonial, mas para ser uma extensão do serviço de informação e contra-informação. Aliás, toda a formação dos funcionários era feita nesse sentido. Eles acompanhavam as lideranças sindicais, as 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 assembléias para informar não a empresa em relação a seus interesses, mas o serviço de segurança. Pergunto, Sr. Firmino, se, neste momento — até entendo a preocupação do Deputado Fernando Gabeira, mas o senhor está relatando fatos atuais, está falando da atualidade —, essas estruturas ainda existem nas empresas estatais. Acho muito difícil, mesmo a ditadura militar tendo sido formalmente encerrada a partir de 1985, que se tenha desmantelado todo esse serviço, até porque grande parte dele também era feito de forma paralela a um comando formal das Forças Armadas — Marinha, Aeronáutica ou o próprio Exército. Pergunto se é comum essa prática de os agentes, no caso específico de sua condição, serem monitorados; se as estatais mantêm ainda essa estrutura na forma como existia no período da ditadura militar; se o senhor anda protegido — e, caso positivo, de onde vem a proteção? O senhor solicitou formalmente proteção a sua integridade física? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Sobre infiltração em empresas estatais não posso afirmar ao senhor que há. Em relação a movimentos sociais, greves, sindicatos ainda há. Inclusive, os cursos na área de inteligência dados hoje pela Escola de Inteligência do Exército — o treinamento dos agentes — são feitos inclusive ali no CONIC. Nós chamamos de “recolher o lixo”. Lixo seria todo o material de sindicatos, jornais, informes, associações militares — hoje são uma preocupação do setor, do Comando do Exército, até tidas como sindicatos também. Essas pessoas são de uma associação chamada APEB. Eu, particularmente não conheço. A infiltração é feita mais nesta base: no meio do povo, em sindicatos. Em relação a Parlamentares... Hoje, às vezes, me pergunto sobre a esquerda; às vezes me pergunto: seguir quem agora? Eu fico me perguntando... Se eu ando protegido?! Só por Deus! Proteção é um Chevette e Deus do lado, e mais o que eles me ensinaram em alguns cursos na área de segurança. É o que eu posso fazer. A segurança, um carro: aprendi que pode virar uma arma. Então, é a única proteção. 30 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Este livro — vou mostrar para o senhor — é assinado por um oficial de nome falso, que é Dr. Luís Henrique. Foi um presente que ganhei de aniversário: A história do movimento operário no Brasil. Se o senhor pegar um documento falsificado assinado por essa pessoa e fizer um exame, o senhor vai ver que a assinatura é desse oficial hoje, que é da escola. A minha revolta é porque o que me pediram para fazer dentro da Força eu fiz. Cumpri todas as missões. E, no momento em que eu mais precisei... Porque o que eu perdi, senhores, foi a minha saúde, a minha dignidade. Eles me tiraram. Não a instituição Exército, mas, sim, algumas dessas pessoas que infelizmente têm o poder de mando. Tiraram a minha saúde, Deputado. Tiraram a minha dignidade, a minha paz. E eu só peço que eles respeitem somente a lei que eles mesmos defendem, que escreveram, que é o Estatuto dos Militares. Porque a minha enfermidade se deve ao serviço. O problema psiquiátrico que eles alegam, que é estresse grave, foi devido às torturas dentro dos quartéis. Eu não recebi promoção. Eu recebo um terço de cabo, proporcional a 12 anos de serviço. O Deputado Gabeira falou sobre o nosso serviço de inteligência, que até eu coloco entre aspas. Eu coloco a inteligência que — e vejo isso um acadêmico de Direito hoje justamente me lapidar por revolta, porque o Estado cria os seus inimigos. O Estado cria os seus inimigos. O que eu pedia, e está bem relatado, só foi via administrativa, sempre pedindo a meus comandantes, sempre pedindo, e nada foi feito, chegando-se ao extremo a que se chegou. Então, a minha reforma foi como terceiro-sargento. Foi falado que eu queria dinheiro; não quero. Eu não quero indenização, eu não quero nada; eu só quero a minha paz, a minha dignidade e a minha reforma, que é de lei. E eles têm que cumprir os próprios regulamentos. Mais nada. Não quero mais nada. Infelizmente, alguns jornais colocaram até em primeira capa que eu queria dinheiro. Eu não quero dinheiro. Pelo contrário. Eu tinha meu patrimônio desde 1995. Foi lapidado para que eu me escondesse em matas. Tudo que eu aprendi nas Forças Armadas para me esconder eu coloquei em prática, com medo de morrer. Quando eu cheguei a um momento em que achava que ia morrer, eu me enfiei com meu carro debaixo de uma carreta em Goiânia para não dar o gosto de essas pessoas me matarem. 31 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 A Comissão de Direitos Humanos, na época, acredito... O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Sr. Firmino, sem querer atrapalhar o senhor, observo que as perguntas que o Deputado Luiz fez já foram respondidas. Para que tenhamos oportunidade de ouvir a todos, gostaria de dar seguimento. No final o senhor vai ter um tempo para fazer seu encerramento. Com a palavra o Deputado Jair Bolsonaro. O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO - Prezado Deputado Mário Heringer, caro Firmino, já conversei com o senhor no passado. Primeiro, para entender um pouquinho sua última frase. Você ganha atualmente doze trinta avos de cabo, é isso mesmo? Então o senhor não teve reajuste em setembro porque ganha vantagem pessoal? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Tive, sim, senhor. O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO - Mas o senhor tem vantagem pessoal em seu contracheque? Com toda a certeza, se olhar com atenção, vai ver que tem vantagem pessoal e o senhor não foi reajustado agora. Eu considero isso uma tortura. Mas quem está torturando V.Sa. é o Congresso Nacional. Assim como 5 mil militares estão nessa situação. Por coincidência, até discursei sobre isso hoje. Acho que a tortura na democracia dói mais. Entendo que sua presença aqui seja para esclarecer se existe algum arquivo, mesmo parcial, sobre o regime do passado que chamo de regime militar. Quem fala em ditadura deveria olhar um pouquinho no retrovisor e fazer um exame de consciência, porque o José Dirceu, com seu pessoal do PT, vive em Cuba. Lá é ditadura para valer. São mais de 70 mil executados ali, inclusive presos políticos. Lá, sim, é ditadura. Vamos falar de regime militar. Tudo bem, eu até gostaria que abrissem o que sobra dos arquivos. Mas pode ter certeza de que o maior interessado, Deputado Heringer, é o próprio Governo do PT. Ele é o Chefe Supremo das Forças Armadas. O Lula é o Chefe Supremo das Forças Armadas. Foi ele quem nomeou o Ministro da Defesa, quem ele quis. Na cota de quem eu não sei: do José Dirceu ou do Fernando Henrique Cardoso, eu não sei. Na do FHC talvez tenha sido apenas o Presidente do Banco Central, por 32 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 questão de coerência, é lógico. Mas o Ministro da Defesa, não. Embaixador renomado; é inclusive filho de militar o Ministro Viegas. Então, entendo que a busca é exatamente em cima disso. E é uma preocupação da parte do Governo. Até acho que o momento é este. Imaginem quando baterem no primeiro arquivo e encontrarem ali não algo sobre o Marcos ou Firmino, mas sobre o Daniel. José Dirceu usava o codinome Daniel. Pode-se encontrar, por exemplo, um ato terrorista praticado por ele. Lançou um carro-bomba, em 1968, no QG do II Exército em São Paulo, quando faleceu um colega seu, o recruta Mário Kozel Filho. Um ato terrorista bárbaro! O nosso companheiro Sérgio Vieira de Mello morreu na mesma situação em Bagdá. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - V.Exa. me permite um aparte? O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO - Não permito aparte. V.Exa. tem grande espaço na mídia, tem espaço na mídia cem vezes mais do que eu, mente descaradamente sobre o regime militar. Mente descaradamente. Entendo o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh mentir, porque ali há a indústria das indenizações. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sr. Presidente, peça respeito! Está me chamando de mentiroso? O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO - Sobre o regime militar, mente descaradamente. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Deputado... O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Está bem, não houve tortura. O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO - Não falei sobre isso até agora. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Quero fazer um pedido a V.Exa. V.Exa. pode ser tão enfático quanto queira ser. É seu direito como Deputado. Mas gostaria que, em seu pronunciamento, evitasse esse tipo de ataque, porque eu teria, na condição de Presidente, de evitar uma briga que acaba sendo personalizada. Isso não nos interessa no momento. Conto com o apoio de V.Exa. 33 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO - É uma interferência indevida da parte dele. O pessoal não está acostumado a ouvir a verdade, Sr. Presidente. Não querem ouvir a verdade. O Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh não está aqui. O grande interessado, não no caso do Firmino, mas nos pseudotorturados, é a indústria das indenizações. Há 1 bilhão nos orçamentos para pseudotorturados. Ser amigo do Greenhalgh é um grande negócio; o escritório dele não cobra nada, oficialmente. Oficialmente. Ou então ele é um relógio que descobriu um moto-contínuo que trabalha de graça. Imaginem falar em tortura e em um dos arquivos encontrar o episódio do Lamarca com o Tenente Alberto Mendes Júnior no Vale do Ribeira. O Tenente se prontificou e se rendeu em troca de alguns soldados feridos da PM e serviu como escudo até o momento que não interessava mais. Depois, avocou-se o tribunal de honra e resolveu-se então assassiná-lo, não antes de torturá-lo, porque os tiros poderiam denunciar a posição. Depois de torturá-lo... Seus testículos foram encontrados em seus estômago! Isso não é tortura, não. Isso vale. Isso não é tortura; é para chegar ao governo. Ele foi assassinado a golpes de coronhada. Ou então encontramos aquele arquivo de que quem prendeu nosso querido e falante Deputado José Dirceu não foi o Curió; foi o Coronel Lício. E encontrássemos ali toda a contribuição que o Genoíno deu para que nós acabássemos com a Guerrilha do Araguaia. Lá morreram 16 militares. Então, esse pessoal da esquerda que vive posando de bom moço, de santinho, praticava atrocidades. Atos claros de terrorismo explícito, ao padrão Bin Laden de hoje em dia. Esse pessoal que posa de bom moço é que está atrás de indenizações. Só queria perguntar para o Firmino se ele tem algo que possa contribuir e localizar alguma coisa. Estou louco para ver esses arquivos, mas não dou conselho a ninguém. Desculpe-me, Firmino, você pode até fazer crítica a meu respeito, mas você não estava bem com os militares e, ao que tudo indica, foi uma questão quase pessoal. Entendo como funciona a questão de perseguição. Fiquei 15 anos no 34 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Exército. Sei como funciona a perseguição lá dentro. Não vou negar isso aí. Mas isso existe em órgãos públicos, aqui dentro, em todo lugar. Projetos que apresento, o PT vota contra. Não quer nem saber. Projetos apresentados pelo meu filho, na Assembléia Legislativa, que envolva a Polícia Militar, o PT vota contra. “É porque ele é o filho do ditador, do dinossauro, o Bolsonaro.” Eu sei o que são perseguições. Tudo indica que há questão pessoal de sua parte. Entendo, sem estar com o Estatuto em mãos, que você teria sido reformado com proventos de terceiro-sargento. Entendo isso. Isso talvez tenha servido para mostrar sua indignação com o que prestou de serviço às Forças Armadas. Se você tivesse sido reformado, não estaria falando disso aqui agora. Desculpe-me o conselho; você pode dizer que não quer. Não tem problema. Se você não estava bem lá, pode ter certeza que, do lado desse pessoal da esquerda aqui, você vai estar em situação muito pior. Quando você não mais lhes interessar, eles vão fazer uso pior do que o do papel higiênico. Muito obrigado. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Deputado, acompanhei muito V.Exa. Já conversei outras vezes com V.Exa. Tenho respeito por V.Exa. V.Exa. sabe que 2 dos meus chefes serviram com V.Exa. Um deles foi citado e outro está falecido; era da Brigada Pára-quedista, na época, da Artilharia. Quando me colocaram para seguir V.Exa. foi sempre com aquele intuito: “não vai etc.” Não convém falarmos. A questão pessoal é que estou revoltado por tudo o que acreditava que era real, porque falavam que o que eu estava fazendo era para o bem da Nação, que, infelizmente, seguiu outros rumos. Acredito que nos documentos podem ser reveladas algumas coisas. Por exemplo, há o caso do João Lopes, que está vivo. Ele entrou com um processo de anistia — não sei o caso dele —, e as fichas dele existem. Ele foi perseguido pelo governo militar, na época. É uma prova para que receba a indenização. Creio que é por esse caminho. Agradeço a V.Exa. 35 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Concedo a palavra à Deputada Dra. Clair. A SRA. DEPUTADA DRA. CLAIR - Sr. Presidente, ilustre cabo José Alves Firmino, vou começar a minha intervenção dizendo que não integro a Comissão de Direitos Humanos, mas estou aqui porque tenho o maior interesse em ouvi-lo por várias razões. Primeiro, porque também sou vítima da ditadura; fui presa e torturada. Sou exemplo vivo de que a tortura existe no País. Não só sou vítima da tortura na época da ditadura, como também presenciei inúmeros companheiros sendo torturados. Queria dar esse depoimento no sentido de contraditar o que foi dito pelo Deputado Jair Bolsonaro. Ontem fiz uma intervenção na Câmara, quando analisei a Lei nº 8.159, de 1991, que dispõe sobre a gestão documental e a proteção dos documentos sigilosos. A lei dispõe que o prazo de sigilo de documentos é de 30 anos, podendo ser prorrogado por mais 30. Analisando também o Decreto nº 4.553, de 2002, editado no dia 27 de dezembro de 2002, 4 dias antes do término do mandato do Fernando Henrique Cardoso, observei que ele extrapola os limites da lei quando fixa prazo maior do sigilo dos documentos públicos. Tomei conhecimento de que existe na Casa projeto de decreto legislativo, de autoria Deputada Alice Portugal, que susta a aplicação desse decreto do Fernando Henrique Cardoso, alegando que é ilegal. Digo tudo isso porque entendo que o prazo dos documentos, de acordo com a lei, já está ultrapassado. Porque a época mais dura da ditadura foi de 1964 a 1983 ou 1984. Então, já se ultrapassou o período de 30 anos. Não há por que manter em sigilo esses documentos. Considero que a população brasileira tem o direito de conhecer a história e que as famílias dos desaparecidos têm o direito de saber o paradeiro de seus familiares e de enterrar seus mortos. Acho que a Câmara e o Governo devem discutir essa questão de forma séria, exatamente para que possamos revisar a história e conceder esse direito aos familiares. 36 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Nesse depoimento do cabo Firmino pude observar algumas questões graves. Entendo que a Comissão de Direitos Humanos deve aprofundar o debate das questões aqui denunciadas, como a tortura, mas existe uma questão maior que devemos discutir, em conjunto com o Governo, que é esse centro de inteligência e a forma como ele trabalha. Acho que ela não é adequada; foge a todos os parâmetros do que entenderíamos como centro de inteligência para o nosso País. É papel nosso, da Câmara, da sociedade, do Governo discutir e aprofundar o debate sobre os fatos aqui relatados pelo cabo Firmino. Não estou fazendo uma pergunta a ele, porque também não quero criar uma crise institucional em nosso País. Acho que devemos fazer uma audiência reservada, nos moldes em que propôs o Deputado Luiz Couto, para aprofundar algumas denúncias. Quero relatar algumas observações feitas que me trouxeram muita preocupação. Ele disse que alguém ligou para ele — em outra oportunidade, gostaria de saber quem —, com voz embargada, dizendo que lhe foi dada exclusividade em relação a uma tarefa e que estariam massacrando filhos e esposas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Isso foi por ocasião do trabalho dele com o MST, em que tinha exclusividade como jornalista. A SRA. DEPUTADA DRA. CLAIR - Mas de que época? Massacrando quem? Em outra parte, ele diz que, se fosse determinado que ele deveria matar, ele mataria. Se há ordens dessa natureza partidas de um serviço de inteligência do nosso País, são ordens, tarefas, serviços que não se coadunam com o sistema democrático brasileiro nem com as normas democráticas que gostaríamos que pautassem nossa sociedade. Proponho à Câmara que aprofunde a discussão sobre o depoimento e sobre esse centro de inteligência que foi criado e continua em vigor, para que possamos redefinir, revisar todo o trabalho que está sendo feito a título de serviço de inteligência em nosso País. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Deputada Dra. Clair, a senhora disse que está preocupada com a ruptura institucional e que seria 37 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 recomendável, de acordo com a proposta do Deputado Luiz Couto, um depoimento reservado. Em determinado momento, fui instado a falar sobre a reunião que tivemos hoje e que tratou exatamente de criar um marco, uma estrutura legal para que os documentos possam ser divulgados. Essas propostas, Deputada Dra. Clair, serão discutidas com vistas a viabilizar a liberação desses documentos. Com relação à pergunta que a senhora fez a ele no período, ele respondeu rapidamente que foi em 1994 ou 1995, quando esteve no MST. Se ficou faltando alguma pergunta, a senhora complemente. A SRA. DEPUTADA DRA. CLAIR - Eu gostaria que tivéssemos uma audiência reservada para isso. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Tudo bem. No final, caminhamos para essa proposta. Com a palavra o Deputado Ivan Valente. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sr. Presidente, Srs. Deputados, cabo Firmino, inicialmente quero fazer um protesto. Acho que temos limites de atuação dentro da Câmara dos Deputados. A tortura é considerada pela Constituição brasileira crime inafiançável e imprescritível, condenado pela humanidade. Mas sentimos que ainda há Parlamentares que a defendem. Têm a coragem de ir à tribuna, no plenário e aqui, defender a tortura. Isso é inadmissível! Fiquei 10 dias no DOI-CODI do Rio de Janeiro, onde servia o Deputado Jair Bolsonaro, e foram publicados relatos pormenorizados à época no Jornal do Brasil e, posteriormente, no Le Monde, de que fui perseguido, torturado, condenado pelo regime militar e anistiado. É incrível que, 40 anos depois da ditadura militar, para manter uma base parlamentar e um ranço nas Forças Armadas, que querem, como instituição, contribuir com a democracia brasileira, se continue a defender a tortura, acusando setores da esquerda brasileira de terem torturado. O problema da tortura, e particularmente na ditadura, além de ser um crime inafiançável e imprescritível, é que ela foi adotada como política de Estado no Brasil. Era incentivada, estimulada e autorizada. E o pior é que isso ainda acontece em várias delegacias de polícia deste País como um todo. Essa é uma lição temos de 38 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 tirar de uma vez por todas. É inadmissível que Deputados defendam isso aqui, acusando outros. O Estado é responsável pela segurança dos cidadãos, não por persegui-los, torturá-los e matá-los em nome de qualquer coisa. Queria fazer este protesto, até porque é preciso, sim, tomar medidas contra Parlamentares que defendem a tortura. É a pregação da violência contra o ser humano, e isso não pode ser admitido nesta Casa. Por isso, Sr. Presidente, o fato criado com a divulgação das fotos que podem ser ou não do jornalista Wladimir Herzog gerou um debate e até uma nota do Serviço de Comunicação Social do Exército, inadmissível sob todos os aspectos, porque justifica a criação dos órgãos de segurança, do DOI-CODI, além de dizer que ele prestou grande serviço de interesse público. Isso é inadmissível sob todos os aspectos, pois mostra que ainda está viva essa idéia. Isso precisa ser liquidado, enfrentado, e só o será quando houver transparência para a opinião pública brasileira do que foram os anos de chumbo da ditadura, os porões dos órgãos de segurança, as perseguições políticas em nome de projetos que inviabilizaram vidas; e que se pregou a perseguição e a tortura no Brasil para defender interesses escusos. Isso precisa ser eliminado. Não tem nada a ver com a instituição militar brasileira. Inclusive, à época, houve a hegemonia do setor de segurança sobre o conjunto da corporação, a qual até hoje paga. Ou seja, as Forças Armadas Brasileiras precisam apagar essa imagem, o que só será feito com transparência e com o resgate da história do Brasil. Sou, portanto, favorável à abertura de todos os arquivos, mas causa-me estranheza o fato de a mídia afirmar que nem todos serão publicados. Aliás, o decreto do ex-Presidente Fernando Henrique, poucos dias antes de S.Exa. deixar o cargo, elimina essa possibilidade. Dizem que vamos ter de rescrever a História, a Proclamação da República e os bastidores daquela época, o que não é verdade. O problema central está aqui. Existem pessoas desaparecidas, mortas e torturadas aos milhares neste País, e muitos responsáveis por tais atos continuam circulando por aí e sendo promovidos. Não se trata de revanchismo, mas de se defender que haja justiça e história no Brasil. 39 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Sr. Presidente, sou favorável que haja transparência. Tenho certeza de que não haverá aqui hecatombe algum. Os militares mais novos não têm de carregar a cruz daqueles que acionaram o dispositivo de segurança em nome do desenvolvimento e da Pátria para massacrar seres humanos. Esses não têm o direito de fazê-lo. Os oficiais militares de hoje entenderão perfeitamente que não têm de carregar esse fardo. Entendo que a instituição pode e deve colaborar com a segurança e a democracia brasileira nas nossas fronteiras, inclusive contra várias intervenções de fora, como a internacionalização da Amazônia. Mesmo após ter lido sobre o caso em muito jornais e o acompanhado, tenho ainda algumas dúvidas as quais desejo esclarecer. Em 1997, cabo José Alves Firmino, o senhor entregou os documentos à Comissão de Direitos Humanos. Onde e como conseguiu esses documentos? O senhor crê que há outros arquivos? Peço sua declaração formal a respeito. A SRA. DEPUTADA DRA. CLAIR - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Tem V.Exa. a palavra. A SRA. DEPUTADA DRA. CLAIR - Sr. Presidente, fiz uma intervenção após o Deputado Jair Bolsonaro, mas desejo acrescentar que repudio a declaração do cabo relativa aos Deputados Luiz Eduardo Greenhalgh e Chico Alencar. Tanto um quanto outro são, além de Parlamentares, cidadãos que militam há muito na defesa dos direitos humanos. O Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh exerceu sua profissão de advogado na época da ditadura, quando sofreu várias restrições ao exercício das suas atividades profissionais, mas teve muita coragem e, por isso, recebeu várias homenagens de diversas entidades pelo trabalho que desenvolveu em defesa dos presos políticos. Todos nos orgulhamos de contar com os Deputados Luiz Eduardo Greenhalgh e Chico Alencar em nossa Casa, vendo-os defender os direitos humanos. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Com a palavra o Deputado Ivan Valente. 40 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Desejo que o cabo me responda à pergunta anteriormente feita. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Sobre outros arquivos, não acho. Eu tenho certeza porque os vi tanto em Brasília quanto em Goiânia, porque fui para um setor de inteligência em uma unidade onde havia vários documentos desse período. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Arquivos sobre todo o período do regime militar? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Justamente. Inclusive, são documentos que, com o passar do tempo, foram todos catalogados e colocados em capas duras, como se fossem livros; informes, com detalhes da época, inclusive do meio militar. Vários documentos dessa época foram arquivados. Foi extinto o 42º Batalhão de Infantaria, que hoje é o 1º Batalhão de Ações de Comando de Pára-quedistas, em Goiânia, instalado a partir do começo deste ano. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Então o senhor tinha acesso a esses documentos. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Tinha acesso porque eu era do sistema. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - De todos os arquivos a que teve acesso, o senhor entregou à Comissão de Direitos Humanos alguns deles. Estou certo? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Deputado, os documentos foram entregues. Eu sabia o seguinte: a lei diz que são confidenciais. Só que os senhores, como Parlamentares, podem ter acesso, e a decisão de denunciar ou não caberia à Comissão de Direitos Humanos, à época, na pessoa do Deputado Pedro Wilson, do PT, que tomaria essa decisão. Porque pela minha pessoa eu não iria divulgar. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Eu fiz outra pergunta. O senhor teve acesso a todos os documentos do regime militar e selecionou alguns que foram entregues à Comissão de Direitos Humanos. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Certo. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - O senhor disse que há muito mais arquivos e também que selecionou alguns e os entregou à Comissão de Direitos 41 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Humanos; algumas fotos voltaram agora com repercussão na mídia. Por que o senhor selecionou essas daí? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Na verdade, não foi selecionado. Na época, quando eu abri — e falei ao oficial que me procurou e usou o termo de que me estava colocando nessas operações e sobre a suposta reunião no Centro de Inteligência do Exército —, retirei os documentos que contavam da minha vida no órgão de inteligência, que provavam que eu fui agente e que participei daquelas missões, já que, segundo essa pessoa, um oficial do setor, falou que era a palavra do Exército, do setor de inteligência, contra a palavra de um cabo; que iria pesar mais a da instituição e que eu teria 2 caminhos: ser preso ou ser morto. Passado o tempo, eu recebi na minha casa 3 caixas de documentos que eu desconfio de quem seja. No início, Deputado, fiquei com medo, porque era uma quantidade tão grande de documentos que eu pensei em entregá-los. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Mas quem lhe mandou a caixa de documentos? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Eu tenho só uma desconfiança, Deputado, de que foi essa pessoa que me avisou que... O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Ele te ameaçou? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não. Ele não me ameaçou. Ele me avisou que, por eu ser descoberto, e, dentro dessa reunião, se fosse vinculado na mídia, que a minha cabeça — usando o termo dele — iria rolar. Não sei e não tenho certeza se é ele, porque não tem condições, Deputado, de um cabo arrancar 50 mil documentos. Não tem como. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sobre essas 3 caixas de documento que o senhor está mencionando, qual o conteúdo delas? São essas que foram entregues? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Essas que foram entregues. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Alguém mandou para a sua casa isso? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - É. Porque eu tenho a relação de todos os agentes. Eu recebi na minha casa e fiquei até surpreso com esses documentos. E assustado. 42 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Isso foi em 1997? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Isso foi no ano de 1995. Até então só tinha os documentos referentes à minha vida, todos os originais que consegui retirar para provar isso aí. E os documentos mais antigos do DOI-CODI, que relatavam do DOI, foram parar na minha casa. Só tem um detalhe: os únicos incinerados e destruídos foram os do DOI-CODI de Brasília, que inclusive foram destruídos ali nos anexos dos Ministérios, ao lado dos Ministérios do Exército e da Defesa, bem próximo aonde funcionava um lixão. Fica de frente ao Batalhão dos Fuzileiros Navais. Na época, era cheio de mato; então nós queimávamos esses documentos ali, geralmente acompanhados de um oficial para ver a destruição desses documentos. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Mas qual o objetivo que o senhor acha tem a pessoa que lhe mandou as caixas contendo documentos confidenciais? O que ela queria que o senhor fizesse com isso? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Existe a 2ª Seção. Havia um chefe, que era um tenente-coronel, na época. E existe o Chefe de Operações da Subseção de Operações. Havia um confronto entre esses 2 oficiais. O porquê eu não sei. Eu sei que um andava armado e que não se gostavam. Hoje eu entendo. Na época em que aconteceram esses fatos, eu não saberia medir; mas, no meu pensamento, na minha linha de raciocínio, esse oficial tinha alguns problemas no setor. Na verdade, os 2 não tinham conhecimento de inteligência até porque nos mandavam investigar o MST com escopeta 12, e a arma de um araponga é a caneta e o papel, como a do jornalista. Havia um confronto entre os 2. Acredito que eu, de certa forma, fui usado. Em um certo ponto, fui usado. Teve um problema na instituição. Aproveitando a questão que já havia o meu nome nos bastidores da informação, talvez uma certa forma de ele se vingar... Eu confiava muito, Deputado. Eu era muito jovem. Esses fatos... O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Mas o senhor confiava em qual dos 2 oficiais? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - No meu chefe de operações. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Que era esse tenente-coronel. 43 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, era o outro. Mas eu não tenho certeza de que era ele; paira essa dúvida. No início eu pensei em devolver esses documentos, mas aí analisei: “Se eu já peguei os sobre a minha vida, como eu vou fazer para explicar isso daqui?” Aí a luz da questão. Falei: “Vou guardar”. Até então não passava de denúncia sobre isso. O meu medo, quando retirei os documentos, eu vi claro, era de amanhã o setor de inteligência falar, como falaram, na época de 1997, que um cabo tinha a possibilidade de viajar por alguns Estados, falsificar documento, se infiltrar em vários movimentos, fazer campana e vigilância de Parlamentares. É um absurdo. E o maior absurdo, que à imprensa cabe, aos senhores jornalistas, é a questão, que eu acho grave, da falsificação de documentos de jornalistas que são usados. Isso do período do governo militar até os dias de hoje. E o que tem de se fazer não é me punir — porque eu não falsifiquei documentos; eu recebi os documentos para serem utilizados nas missões de inteligência —, mas se apurar. Eu acho que esta Casa, por mais que tenham falado... Chegaram a falar... Eu quero acreditar hoje nesta Casa, Deputado. São as minhas palavras, Deputado. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - O senhor entregou os documentos à Comissão de Direitos Humanos em 1997, e o objetivo do senhor naquela época foi, mais ou menos, proteger-se, quer dizer, criar cobertura. É isso? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Justamente. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - E agora? Novamente? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não. Eu os entreguei em 1997, quando eu fui preso e torturado. Foi o meu limite; porque eu não cometi crime, e me trataram como um terrorista. Volto a dizer: se as pessoas me vissem... Imagine o senhor no hospital... O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Mas por que o senhor foi preso, torturado e tal? Qual é a razão exatamente? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Porque eu entrei com uma parte, via administrativa, em Goiânia. Eu entraria na Justiça. Isso em 1996. Foram várias, mas eu consegui reunir essa parte. No caso da última me deram voz de prisão. Entraria 44 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 na Justiça contra o Ministério do Exército. Por eu ser um ex-agente de informação, talvez esse o motivo da minha prisão. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Então foi uma intimidação. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Inclusive está relatado aí; tem até o recibo da unidade, da pessoa que recebeu esse documento. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Sobre a entrega dos documentos, então. O senhor foi tido como quem entregou ou teria entregado os documentos aos jornais atualmente. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, não. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Não foi o senhor? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Esses documentos estavam todos na Câmara. Os documentos que eu tenho são cópias dos daqui, alguns. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Então não foi o senhor? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Eu não tenho essas cópias todas. O outro fato — foi bom o senhor ter falado dos documentos — é que tem de se apurar. Inclusive, tem aqui um soldado do Exército... Eu estava presente quando foram entregues as cópias dos documentos na Universidade de Brasília, na UnB. E uma pessoa disfarçada de professor da UnB, um tal de sargento Gilton. Passando-se por professor, arrancou esses documentos de lá. Aí perguntam por quê. O sistema universitário eles acham um perigo. Esses documentos nas mãos de estudantes, abertos ao público — tem até de se verificar, na Universidade Federal de Goiás, se estão lá também esses documentos —, alunos podem vir a escrever algum livro, relatar algum fato baseado no movimento estudantil. Inclusive, nesses documentos, Sr. Presidente, constava em Goiânia até o Reitor Ary Monteiro, na época, quando foram entregues esses documentos. E essa pessoa, o Sargento Gilton... Nós temos uma testemunha aqui. Têm de ser apurados esses fatos. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - O senhor disse em seu depoimento que havia queima de arquivos, supervisionada inclusive por oficiais. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Positivo. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Esses documentos eram documentos oficiais? 45 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Documentos oficiais. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Então isso é crime. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - É lavrado. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Então, pelo que sei, isso é crime, não é? A não ser que haja uma ordem expressa de comando ou uma lei. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Mas há. É lavrado um documento. Assinam, se eu não me engano, 3 oficiais superiores. Essas ordens partem tanto do Comando Militar do Planalto como... Mas solicita-se primeiramente ao Centro de Inteligência do Exército, que é subordinado ao Comandante do Exército. Então, tem responsável pela queima dos documentos. É feito e lavrado. Todos os documentos que foram destruídos. Tem um termo, que não me lembro aqui, um termo de um documento que é usado e assinado por oficiais, supervisionado por eles. O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE - Registrado que ele foi queimado. É isso? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Registrado que ele foi queimado. Todo informe. Se o senhor pegar um informe, pode ser antigo ou recente, tem um carimbo do setor de inteligência e a assinatura, uma rubrica. Essa rubrica... É como se fosse um banco. Esse banco é o CIEx, e aquela pessoa é autorizada a assinar aqueles documentos; ou seja, dá veracidade àqueles documentos. E usam uns termos. Se o senhor vir um documento A1... A1 é um agente que estava infiltrado no movimento. A2, o que foi utilizado em São Paulo. Foi uma operação ilegal que me mandaram fazer. Usaram A2 para que o sistema, o CIEx, não soubesse dessa operação. Mais tarde, um general veio a descobrir essa operação feita em São Paulo. Foram 4 a 5 dias de operação nesse movimento ligado, na verdade, ao PT; um movimento estudantil que era ligado ao Partido dos Trabalhadores. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Concedo a palavra ao Sr. Deputado Wasny de Roure. O SR. DEPUTADO WASNY DE ROURE - Sr. Presidente, cabo Firmino, eu queria inicialmente registrar a minha solidariedade tanto ao Deputado Greenhalgh quanto ao Deputado Chico Alencar. 46 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Eu cheguei quando o Deputado Jair Bolsonaro estava no meio de sua exposição. Considero, Sr. Presidente, algumas afirmações extremamente graves. Não ouvi exatamente o que expressou com relação ao Deputado Chico Alencar, mas, com relação ao Deputado Greenhalgh, eu as considerei extremamente sérias, uma vez que eu o reputo como um dos Deputados mais sérios e responsáveis desta Casa e que tem uma história que honra o Parlamento brasileiro. Então, atingido, naturalmente o Deputado Greenhalgh deve dar desdobramento a essas afirmações, sobretudo no que se refere a sua vida pessoal e profissional e ao acompanhamento a essa questão tão cara a todos aqueles que a ela se dedicaram ao longo de suas vidas. Mas quero me ater agora a uma rápida consideração do Cabo Firmino. Em primeiro lugar, qual foi a orientação dada a ele no que diz respeito a presença, a monitoramento do movimento de esquerda no Distrito Federal? Quais foram realmente as instruções recebidas que o motivaram a trazer várias fotos, vários documentos que se referiam à militância política no âmbito do Distrito Federal? Em segundo lugar, eu gostaria de indagar também ao cabo se, por ocasião desse levantamento feito tanto pelo Estado de Minas quanto pelo Correio Braziliense, ele foi procurado, foi entrevistado sobre se os documentos não eram exaustivos sobre esse processo. E qual a motivação que os levaram a procurar para esse depoimento, uma vez que esses documentos foram trazidos a esta Comissão em 1997? Houve vários encaminhamentos tomados por esta Comissão, para os quais a imprensa não deu qualquer valor. Isso foi algo que o preocupou, ou foi da sua natureza cobrar os desdobramentos? Sr. Presidente, confesso até que deveria estar acompanhando mais de perto, mas eu tinha 2 audiências e não pude estar aqui desde o começo; inclusive na audiência que ocorreu hoje pela manhã. Por que essas inquirições feitas pela Comissão de Direitos Humanos não receberam respostas, não houve nenhum desdobramento? Será por que essa Comissão não tinha respaldo desta Casa suficiente ou seu Presidente não tinha prestígio suficiente ou o Governo não tinha interesse em dar desdobramento, uma 47 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 vez que esse desdobramento se dá exatamente no final da gestão anterior no que diz respeito ao acesso à documentação? Reporto-me ao cabo Firmino a respeito dessas afirmações feitas nessas 2 direções. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Deputado, na época em que foram entregues, realmente a mídia não deu atenção. A revista Veja e a Rede Globo, inclusive, fizeram matéria sobre isso na pessoa do Caco Barcelos. Há, inclusive, cópia de um documento que cita a morte de 2 pessoas e dá os nomes dessas pessoas e dos 2 agentes do DOI-CODI que desferiram os tiros contra essas pessoas. E não deram atenção. Dentro do setor, eu conheço, existe. Não vou citar nomes na mídia, mas tem algumas emissoras aí que devem alguns favores ao militares. Foi o que cansei de ouvir lá dentro. E houve preocupação muito grande na época com a questão da minha segurança. E me senti abandonado até pelo Presidente da República, de quem eu esperava muito, Fernando Henrique Cardoso, apesar de ele não ter conhecimento, assim como o Presidente Lula não tem conhecimento, não tinha conhecimento desses fatos. Pedi a V.Exa., porque ele é o Comandante Supremo das Forças Armadas, do Exército, a que eu pertenço como cabo reformado, que através de V.Exa. se possa fazer algo. Eu venho denunciando desde 97, Deputado. Vem desde 97 a minha luta, quando eu tomei a decisão de lutar. Porque só se muda uma nação com educação. Prestei vestibular para o curso de Direito, onde formo opinião dentro da faculdade, onde eu levo minhas opiniões. Hoje eu sou uma liderança na minha universidade. O fato é que eu jamais queria esse tipo de fama, porque eu luto para preservar, primeiro, a integridade da minha família, proteger a minha filha acima de qualquer coisa e a minha integridade, que é o que eles me tiraram. Tiraram a minha saúde, a minha dignidade e a minha paz. Uma reforma que diga que eu não sirvo para o meio militar, mas que eu sirvo para o meio civil é dizer que o meio militar é superior ao civil. Sobre o Correio Braziliense, quando saiu a... 48 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. WASNY DE ROURE - Eu fiz uma primeira indagação: quais foram as instruções de trabalho recebidas nesse processo de monitoramento ocorrido aqui nos partidos e nas lideranças políticas das cidades, mais especificamente do Distrito Federal, que é um conjunto de documentos, informações que a imprensa veiculou? Quero me reter mais especificamente a isso. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Todos os documentos vieram, vamos dizer assim, por acaso. Mas todos Parlamentares, e o Partido dos Trabalhadores do Distrito Federal, eram acompanhados de perto. Inclusive, se eu não me engano, da Deputada Maninha foi vasculhado até o lixo, que é a maior fonte de informação, e até os remédios que utilizavam para um filho ou uma filha dela que tem problema de saúde. Até aconselho os senhores a queimar lixo, porque ali se montam as manias, documentos e uma série de informações. Todos os Parlamentares, principalmente o PT, foram acompanhados muito de perto. Eu fui destacado várias vezes. E o sistema é muito grande; é muito organizado o setor de inteligência nessa área. Imaginem o Lula, o Luiz Inácio Lula da Silva, São Paulo. Hoje, a companhia de inteligência, que eu tenho de ver o número... Aqui em Brasília é a 7ª Companhia de Inteligência, a SOp levava — chamamos de alvo — o alvo até o aeroporto. Do aeroporto, colocou lá dentro; e já passa para Brasília, se vem para Brasília. Nós já esperamos no aeroporto e seguimos mesmo com segurança. É um sistema de vigilância que não tem como identificar. É muito bem feito porque são várias equipes, geralmente 2 viaturas, interligadas no rádio, pessoas a pé, geralmente usam um casal para fingir que está namorando para passar a informação: “olha, saiu o alvo; vai para tal rumo”. V.Exa., se não me engano, até realmente consta nos arquivos, assim como outros; inclusive o jovem aqui também consta nos arquivos aqui. Porque geralmente esse serviço é feito no CONIC. A maioria é no CONIC. São vários sindicatos, V.Exa. tem conhecimento: associações etc. Então o trabalho é feito ali, a formação dos arapongas é feita ali. E as pessoas, o senhor é do PT, que hoje formam os arapongas, essas pessoas que deram ordens, essas instruções também na época, recebiam ordens 49 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 também de cima. Ninguém está falando em crucificar. Eu recebi ordens e eu sei de quem eu recebi as ordens. Eu recebi os documentos; eu sei de onde saíram os documentos. Da FENAJ... Eu sei quem foi destacado para pegar os espelhos na própria FENAJ para utilizar no movimento dos sem-terra. São fatos, estão documentados. Digo para V.Exa. que hoje eu não sei como está funcionando a questão do Partido dos Trabalhadores. Digo para V.Exa. que é um setor que não tem controle. Eu fui mandado para fazer “missões ilegais”, entre aspas, porque não tinha ordem do centro de inteligência nem do Comando Militar do Planalto. Aí dizem o seguinte: porque o Comando Militar do Planalto é Goiás, Distrito Federal, Triângulo Mineiro e Tocantins. Como um agente desses faria missões de espionagem, por exemplo, no Rio de Janeiro, que já é o Comando Militar do Leste, e São Paulo, que é outro comando? Não sei, não me cabe questionar; o que cabe é que eu tenho documento que prova que eu estava ali, e pronto. Eu não seria burro o suficiente para pegar documentos originais que eu tivesse falsificado e entregar à Comissão de Direitos Humanos, porque eu sabia que isso geraria um processo. O que eu não esperava foi a Comissão de Direitos Humanos na época não dar atenção, não por irresponsabilidade do Deputado Pedro Wilson, pelo contrário, mas da assessoria jurídica na época que tinha de avaliar e proteger minha pessoa, porque eu era a pessoa que estava denunciando, que dentro da história é o primeiro. Agora, quero dizer a todos os senhores: a instituição Exército é linda, é limpa. A maioria dos seus oficiais e praças é limpa, mas, infelizmente, como em todo lugar, tem alguns que, infelizmente, deturpam a missão de inteligência. Digo a V.Exa. que inclusive estive com V.Exa. na última campanha, tanto do Lula como de V.Exa. Eu e outros companheiros que estão aqui, militares, que inclusive foram punidos. Inclusive, tem um aqui que foi torturado, que trabalhou dentro do quartel e até hoje é perseguido por essa questão. O que tenho a dizer a V.Exa. são minhas palavras. Não tenho mais nada a acrescentar. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Encerramos as inscrições. Se algum dos senhores quiser complementar.... 50 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sr. Presidente, eu tenho aqui questões absolutamente objetivas. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Tem V.Exa. a palavra. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Cabo, o senhor disse: “Agente de informação, se receber ordem para matar, mata.” Eu pergunto: o senhor recebeu alguma ordem nesse sentido ou próxima para ameaçar, para prender, ou é apenas, entre aspas, na sua função de “agente de informação” para relatar e subtrair e documentos, só com caneta e papel? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Uma está entre aspas. O que eu disse é que o agente se torna perigoso porque ele só consegue seguir um alvo; se mandar e ele receber as ordens, ela acaba fazendo. Receber ordens?! Eu nunca recebi essas ordens. O que havia no setor de inteligência era contra o ex-sargento Benjamin Soares de Soares, hoje segurança na Câmara Distrital. Havia uma foto grande dele e em vermelho escrito “cuidado”. Inclusive no Pavilhão 31 de Março. Mas não recebi nenhuma ordem nesse sentido: de matar — até por que ligado à Anistia Internacional. Quero dizer para V.Exa. que não é só a questão de apurar; falou-se também sobre os arquivos. Volto a falar para todos os senhores: eu — a minha pessoa — sou contrário à abertura dos arquivos de uma forma geral. Tem que abrir somente para as famílias interessadas. Não se trata de revanchismo, porque mesmo entre os militares há um grupo que me odeia e outro que me adora. Vários militares ligaram para mim para que eu levasse a mensagem de que a instituição era limpa e que a maioria deles não tem o mesmo pensamento que a minoria. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Mas numa entrevista aqui, há pouco tempo, o senhor disse que chegou a se oferecer para matar o Benjamin Soares. Então isso aconteceu. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - O Benjamin Soares era — era não; ele é — uma pedra no sapato dos arapongas, porque ele tira foto de todos os arapongas na rua. Ele tem muitas fotos, até com a data de hoje. Ele possui um arquivo muito grande. 51 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Quando cheguei a dizer isso, e não vou dizer o nome dos oficiais que estavam irritados, é porque havia uma situação muito grande lá dentro por causa dessas fotos tiradas pelo Benjamin na subseção de operações. Ali, naquele momento, vários agentes, inclusive eu, falaram: “Não! Deixa nós queimar ele. Vamos matar ele!” E ali uma pessoa começou a rir e disse: “Não. Agora não cabe mais esse tipo de ação”. Esta foi a resposta. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Uma indagação que fiz o senhor ainda não respondeu: em algum momento houve vinculação dessas ações, inclusive as ilegais, à revelia do Comando com grupos de extermínio, seja para investigá-los, seja para se associar a eles para combater o chamado banditismo? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não. Dentro das Forças Armadas, Deputado, uma coisa que é nobre e que as Forças Armadas não aceitam é qualquer tipo de vínculo com qualquer organização criminosa; não aceitam nem informações dessas pessoas. Posso afirmar isso para V.Exa. porque fui uma das pessoas que trabalhou em Brasília. Havia um grupo de militares que estava envolvido com questão de drogas e falsificação de bebidas alcóolicas, e o Exército puniu essas pessoas severamente. Fomos destacados, inclusive em parceria com a Delegacia de Entorpecentes aqui de Brasília, para conhecer como funciona o sistema. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Por fim, o senhor recebeu os documentos em 1995. Foram esses apenas, suponho. Imagino que tenham deixado na porta de sua casa como se deixassem uma ninhada de gatinhos. Foi assim, não? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, não foi bem assim. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Alguém os levou. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não foi bem assim. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Não foi também o Papai Noel? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, alguém levou. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - E essa pessoa o senhor sabe quem é, não é? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Eu desconfio quem seja. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Mas você não estava em casa na hora? 52 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não; quem recebeu foi minha irmã. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sim. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Ela falou que... Ela não conhece a pessoa também. Pelas características que ela falou era um fusca que parou e alguém falou: “Olha, isso aqui é para o Firmino” — ainda falou meu nome de guerra. E imediatamente... Quero até relatar para V.Exa. que quando... Inclusive esses documentos. Eu morei no Valparaíso. Logo, quando fui descoberto, esses documentos ficaram comigo, e moravam outros agentes de informação do setor. Eles moravam na mesma residência. Eram 4 ou 5, e 3 eram do setor de inteligência, que tinham conhecimento. Por isso disse para V.Exa. que tinha outros com documentos recentes desse período. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - E havia fitas, além do material impresso? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Havia uma fita, uma fita de vídeo de treinamento dos agentes de infiltração. Inclusive consta um oficial que hoje está no Rio de Janeiro — e não vou citar o nome aqui — numa operação do 43º Encontro da UNE, na qual bati até uma foto do Lindberg Farias, que, na época, entra numa viatura da SOp, do extinto DOI, acompanhado por outros agentes — foram 3 agentes a Goiânia, um oficial, um sargento, hoje tenente, e um cabo, no caso eu. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Quem é que entra na viatura? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - O Lindberg Faria entra... é convidado a levar uma carona. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Como? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Mas foi para humilhar ele. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Como companheiro, supostamente como companheiro? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Certo. Achando que éramos estudantes e tal. Mais tarde, depois desse encontro, eu fui... Me designaram para subtrair as placas do Honestino Guimarães para serem levadas ao Instituto DOI aqui em Brasília, onde servimos. 53 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - E isso estaria filmado nessa fita que você recebeu? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Nessa fita está só o major dentro do Congresso da UNE. Tem várias gravações de uns treinamentos e alguns agentes, inclusive eu lá dentro. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - E todo esse material foi encaminhado à Comissão de Direitos Humanos? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Além desse material foi grande material ilustrativo, bastante foto — não daria para eu enumerar — slides... O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Mas seguramente, segundo você, a fita... O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - A fita seguramente. E juntamente com o capuz do DOI-CODI. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Ah! o capuz também. Por que, recebendo em 1995, você só encaminhou à Comissão em 1997? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Porque não era meu objetivo divulgar os documentos. Meu objetivo era somente me resguardar. Se eles quisessem me mandar embora e viesse à tona a minha verdadeira identidade e houvesse perseguições. E de acordo com o que esse oficial falou que poderia acontecer alguma coisa comigo e eu não teria como provar já que a palavra de um comandante, na época Ministro, seria maior do que a de um cabo, e realmente é assim. Não temos como negar. Então, teria de me cercar de todos os argumentos e provas cabíveis. Sabia também que, quando acontecesse isso, eles iriam sumir com as minhas alterações, com a minha vida toda no Exército; porque, se V.Exa. tomar conhecimento, verá que só tive elogios. Não tive punição. Minha punição foi justamente quando entrei como parte, informando que entraria na Justiça. O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Está certo. Muito obrigado. Sr. Presidente, apenas registrar que a acusação do Deputado Jair Bolsonaro contra o hoje Ministro e Deputado José Dirceu é totalmente inaceitável. Ele comparar aqueles que resistiam ao regime de força e que suprimiu todas as liberdades democráticas com Bin Laden e essa forma de terrorismo insano existente 54 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 hoje, esquecendo inclusive o terrorismo de Estado e chamando o Ministro José Dirceu de assassino, como ele o fez aqui, é lamentável, é um equívoco. Eu posso e devo ter os meus erros de avaliação, mas um pouquinho de história eu conheço, e supostamente mais que o Deputado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Com a palavra o Deputado Luiz Couto. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sr. Presidente, inicialmente quero fazer minhas as palavras do Deputado Chico Alencar. Quero perguntar ao Firmino: você entrou com um pedido para ser reformado como sargento? Você hoje recebe o equivalente a um terço como cabo? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Sim, senhor. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - É com isso que você vive? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Quatrocentos reais. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Quatrocentos reais. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Tenho de trabalhar... O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Você trabalha hoje em outra atividade? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Em outras atividades, diversas. Mas o que me motivou a reforma foi a neurite. Tenho 3 laudos de 3 oficiais-médicos, de Junta de Inspeção de Saúde, que não foram aceitos na época. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Daí a pergunta que faço: essa perseguição que aconteceu foi só em decorrência de você ter dito que ia entrar com o processo contra o Exército, ou foi por que você também entregou esses documentos à Comissão de Direitos Humanos? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Primeiro, eu passei por todos os meios administrativos. Só constam 2 ali, porque foram muito rápidos, como eu soube ontem. Mas tenho todas as partes — chamo de partes —, partes sem número diretamente ao Comandante da Unidade, solicitando... Porque a doença vinha se agravando há uns 6 meses, depois de um tratamento de 2 anos. E a perseguição dentro do quartel em relação a minha pessoa. Os documentos só foram entregues depois que fui preso, fui torturado, fui humilhado; maltrataram minha família e não 55 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 me informaram o motivo da minha prisão. E até hoje não sei o motivo — até gostaria de saber. Porque eu só entrei com essa parte. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Chegaram a ameaçar a sua família? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Falaram que eu estava faltando ao quartel há 2 dias. E minha família veio — minha mãe reside no Nordeste — e começou a pressionar. Quando começaram as pressões em Goiânia, eles me transferiram na calada da noite, na madrugada. Não fugi da viatura porque o oficial era uma pessoa muito humana, e eu sabia que também ali estaria dando motivo para que atirassem na minha pessoa. Quando me colocaram nu na cela — o 42 fica próximo à avenida —, eu pensei em render os 2 soldados. Como militar, sei como é a munição ali e que o FAL estava carregado, mas travado. Eu sabia que tinha um passo, mas eu estava numa situação difícil: nu. Como tomar o fuzil, partir para a pista, parar um carro à força e procurar os meios de comunicação? Analisei tudo isso naquele momento de desespero e vi que, assim, estaria dando razão para que atirassem em mim, e que jamais alguém tomaria conhecimento da minha morte. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Na organização havia uma companhia de inteligência e um grupo de operação? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Justamente. É a 2ª Seção, que chamamos de parte administrativa, e a Subseção, que é formada pelos homens de rua. Vulgarmente, eles são chamados de pé-na-porta. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - E você também exerceu essa função? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Justamente. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - A sua função era essa? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - A minha função era a de homem de rua. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Nessa função há um número muito grande de cabos, inclusive é exigido de todos que estejam motorizados, não é? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Isso. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Inclusive alguns são operadores de rádio, outros, de micro. Ou seja, todos têm de ter alguma função. 56 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Nessa composição de hoje, mas, na época, eu era só motorista. Minha função seria a de motorista, mas foi levada para outros rumos. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Certo. Entre os documentos que você entregou à Comissão, há uma lista de 30 nomes de militares, com codinomes como Gastão, Ataíde, Paulo César, Acácio e Romano, que trabalhavam como arapongas. Quero saber se entre aqueles que trabalhavam no serviço de inteligência, constantes daquela lista, houve alguém que também tenha sofrido algum tipo de discriminação, de perseguição por parte de membros das Forças Armadas. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Quero dizer a V.Exa. que tinha várias outras. Essa lista foi também entregue aqui na Comissão, em 1997. Os praças, como eu, só recebiam ordens. Há pessoas ali que recebem apenas ordens — e não gostaria nem de comentar sobre isso, porque são pessoas como eu. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Mas elas também sofreram perseguição? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Não, perseguição não sofreram, até porque eu era o único agente infiltrado, na época, em atividades mais profundas, o que inclusive consta desse relatório graças a um elogio de um oficial desse setor que até hoje está lá. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Entre os mortos e desaparecidos divulgados pela mídia, segundo denúncia dos familiares, há algum que você tenha conhecimento do paradeiro, até por ouvir dizer, e que ainda foi divulgado? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Ainda hoje até olhei alguns arquivos na Comissão, porque pelas fotos eu consigo identificar algumas pessoas, e só reconheci um, mas ele ainda está vivo. É esse João Lopes, que move uma ação com base na Lei de Anistia, e em relação ao qual constam relatórios nessa documentação. Quero também dizer para V.Exa. que, sobre a questão das fotos do Wladimir Herzog — se é ele ou não —, eu fico com a opinião da esposa. Particularmente, acredito que seja. Foi levantada agora uma questão da nota da ABIN, porque essa atividade, para quem é conhecedor, não é da Agência. Essa atividade é do DOI. Na época, era o DOI que tinha esse tipo de missão. Se V.Exa. 57 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 procurar nesses documentos, não vai encontrar nada direto do SNI, mas documentos que foram encaminhados ao SNI. Então, acho meio esquisita a nota. Fala-se muito que não existem esses arquivos. Até porque, em uma entrevista ao Estadão, ela diz: “Quem é esse cabo Firmino, que já seguiu tantas figuras”. O cabo Firmino tem somente 34 anos de idade. O que eu sei é o que eu li, o que eu vi, o que eu presenciei. O que eu sei não está em livro; eu vi, eu presenciei. É o que eu tenho a acrescentar. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Por trás dos arapongas, havia os “curiós” da vida, que determinavam. Você disse que chegou até a apanhar da polícia, porque, além de araponga, você se transformou num papagaio. Não é isso? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - É verdade. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Por ter falado. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - É verdade. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Também havia no esquema a figura do papagaio, como o cabo Anselmo e outros. O que fizeram? O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Eu não gostaria de falar do Anselmo, porque as informações que eu tenho sobre o Anselmo são outras. Não é a minha época. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Certo. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Agora, no setor, eu tinha de aparecer junto com os manifestantes da mesma forma. Eu não poderia ser ali um passarinho fora do ninho. Eu tinha de me parecer com eles. Então, há um treinamento, há uma coisa que você tem de vigiar, que é a questão do jargão militar, suas palavras. O militar tem uma certa liderança e, às vezes, ali começa ali a liderar. Então, é a vigilância nesse sentido. A questão da Polícia no Rio — e em outros lugares que eu tive problemas, inclusive em Goiânia, onde cheguei até a me identificar na época, porque estava subtraindo as placas do Honestino — é porque o pessoal começou a falar, e eu saí imediatamente, e levei alguns tapas. Mas eu não podia falar: “Olha, eu sou agente do serviço secreto”. Ali eu era o Marcos e tinha de suportar tudo. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Então, você aceita prestar um depoimento reservado à Comissão de Direitos Humanos, para que possamos ter outras informações? 58 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Com certeza. O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Pergunto se teria outros arapongas que estariam também dispostos a fazer a mesma coisa. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Excelência, acredito que não. O que eu acredito que vai sempre aparecer é a questão dos documentos, porque sei que há documentos em poder de outras pessoas. Isso eu tenho certeza. Agora, que venham falar, não. Eu deixo claro que a minha luta não é aparecer; a minha luta é só a minha reforma. Esse é um direito meu, pelo qual sempre lutei e vou continuar lutando. Não é mais nada. Infelizmente, alguns meios maldosos afirmam a questão do dinheiro. Eu não tenho interesse em dinheiro. Eu só luto por minha reforma, até porque a indenização é a minha reforma, mais nada. Eu quero dar dignidade, quero cuidar da minha filha. É só isso o que eu quero, mais nada. E quero que eles me deixem em paz. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Acho que cumprimos nosso trabalho. Antes de encerrar, nos minutos finais, vou permitir ao Firmino tecer as considerações que quiser. Quero fazer uma observação, médico que sou, com relação a sua doença. Ela é de contágio por contato longo, duradouro e íntimo. Conseqüentemente, ela pode ter sido contraída realmente nesse período, mas você precisa ver exatamente onde foi esse contato longo, duradouro e íntimo. Outra coisa: eu fiz uma pergunta a você, e na hora não insisti, sobre o ano em que nasceu sua filha. Esclareço que alguns medicamentos usados para o tratamento da sua doença e da psicose que lhe foi atribuída também podem ser causadores da deformidade física de sua filha. Na verdade, o motivo que fez você nos trazer esses documentos foi a insatisfação com sua situação profissional, com a sua reforma; não o arrependimento. Mas hoje nos traz documentos, e o motivo não nos importa, os documentos estão aqui. Para resolver seu caso do ponto de vista funcional, de trabalho, é preciso levar em consideração essas posições, até para você se defender. 59 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Antes de lhe conceder alguns minutos para suas considerações finais, agradeço mais uma vez a você, Firmino, a presença. Em relação ao depoimento reservado, tal como sugerido pelo Deputado Luiz Couto, gostaria que a solicitação partisse de você, e isso pode ser feito quando bem entender. A Comissão de Direitos Humanos estará pronta a recebê-lo. O SR. JOSÉ ALVES FIRMINO - Gostaria de agradecer os Deputados desta Comissão de Direitos Humanos e deixar registrado algo sobre a tortura. Quem é torturado nunca mais volta a ser a mesma pessoa. Nunca voltarei a ser a pessoa que eu era. Não existe dinheiro ou qualquer outra reparação do Estado que possa ajudar. Só quem passou pela experiência sabe o estrago que se faz. A última informação, Deputado Mário Heringer — informação da própria área de inteligência —, é de que determinado General está sendo indicado para ocupar uma vaga no STM e supostamente fará uma perseguição jurídica à minha pessoa. Quanto à questão da documentação, o processo foi arquivado, e os documentos foram encaminhados à Justiça Comum. Estranhamente, fui o único a figurar como criminoso nessa história. Peço à Comissão de Direitos Humanos, se possível for, que acompanhe o desenrolar do processo e que V.Exa. verifique a possibilidade de entrar em contato com a Anistia Internacional. Por fim, reitero apelo ao Presidente Luiz Inácio Lula no sentido de que garanta a minha integridade física e a minha reforma. Quanto à minha filha, Deputado, devo dizer que minha esposa perdeu nosso primeiro filho e, à época, tomou um remédio chamado Citotec, para a retirada do feto. Segundo informações médicas, esse foi o motivo. Agradeço a imprensa de forma geral o carinho a mim dispensado. Acredito que é denunciando e levantando essas questões que podemos fortalecer a democracia brasileira. Peço democracia e direitos humanos também para os militares. Passo ao Deputado outros dois casos, um deles é do soldado Tiago; o outro, do cabo Hélio Pinto e do cabo Lopes. Além desses, há outros militares que foram torturados em plena democracia. 60 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Nome: Comissão de Direitos Humanos e Minorias Número: 1207/04 Data: 27/10/2004 Espero que esta Casa não pare, que investigue e venha a se fortalecer cada vez mais, para que acompanhe a atuação dos órgãos de inteligência. Peço encarecidamente ajuda — pelo amor de Deus! — aos Deputados. Sempre tive esperança no Presidente Lula. Nos bastidores da Inteligência sempre falávamos sobre a honestidade de S.Exa., assim como na de vários Parlamentares. A minha posição não deve ser invejada por ninguém. É uma posição perigosa na qual ninguém gostaria de estar. Reitero o pedido de auxílio aos senhores no que diz respeito às questões que foram colocadas. Que Deus nos abençoe e ao Brasil! Amo o Exército Brasileiro. O SR. PRESIDENTE (Deputado Mário Heringer) - Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos da presente reunião. Está encerrada a reunião. 61