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REVISTA
DE
DIREITO PENAL
óRGÃO OFICIAL DO INSTITUTO DE CIgNCIAS
PENAIS DA FACULDADE DE DIREITO
CÂNDIDO MENDES
Diretor: Prof. HELENO C. FRAGOSO
Ns. 17/18
JANEIRO"JUNHO/1975
EDITORAm
REVISTA DOS TRIBUNAIS
INSTITUTO DE· CIÊNCIAS PENAIS
Faculdade de Direito Cândido Mendes
Rua Visconde de Pirajá, 351 - Ipanema
20000 - Rio de Janeiro, RJ
HELENO CLAUDIO FRAGOSO (Diretor), ALEXANDRE G.
GEDEY, EDERSON DE MELLO SERRA, GASTÃOMENESCAL
CARNEIRO, HORTÊNCIO CATUNDA DE MEDEIROS, JOAQUIM
DIDIER FILHO, NILO BATISTA (Secretário), OLíMPIO PEREIRA
DA SILVA, RAFAEL CIRIGLIANO FILHO, SíLVIO AMORIM DE
ARAúJO, VIRGíLIO LUIZ DONNICI
SUMÁRIO
REVISTA DE DIREITO PENAL
Diretor: Prof. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO
Secretário: Prof. NILO BATISTA
Assistente: Prof. a YOLANDA CATÃO
.......................................... ....... ... ... .
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Alcides Munhoz Netto -Déscriminantes putativas fáticas ........... .
Heleno Cláudio Fragoso e Lídia Sequeira - A cominação das penas no
novo Código Penal ............................................. .
7
EDITORIAL
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"
"
'
DOUTRINA
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COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
Toda correspondência referente à redaçãp, inclusive remessa de
originais, deve ser dirigida à rua Melvin Jones, 35 grupos 1101/4
Rio de Janeiro, ZC-OO, RJ.
"
Toda correspondência referente à administr.ação, inclusive para
compra de números atrasados, deve ser dirigida à Editora Revista
dos Tribunais. rua Conde do Pinhal, 78, São Paulo, Capital.
Antonio Acir Breda -.0 exercício do direito de queixa ou de representação,
por curador especIal ............................................. .
Nilo Batista - Observações sobre a norma penal e sua interpretação ..... .
Damásio E. de Jesus - Culpabilidade normativa e embriaguez no Código
Penal de 1969 .................................................. .
Jean Graven - À memória de Paul Logoz
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PARECERES
Roberto L~ra -;--Dir.eitos ,hu.manos e prisão preventiva - Prova penal e
sensacIonalIsmo JornalIstIco ....................................... .
F~vandro Lins e Silva Contravenção, nulidade da portaria; assistente do
Ministério Público; antecedentes criminais ......................... .
115
118
NOTAS E INFORMAÇõES
Instituto de Ciências Penais - Pesquisa sobre a vigente legislação sobre drogas .......................................................
Associação Internacional de Direito Penal - Grupo brasileiro ..........
V Congresso de Direito Penal e Ciências Afins ........................
Prof. Dietrich Lang-Hinrichsen ........................................
Anteprojeto do Código do Processo Penal ............................
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RESENHA BIBLIOGRÁFICA .............................•.....••..•
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JURISPRUD1l:NCIA
Advocacia administrativa. Configuração do delito ..................... .
Bons antecedentes. Apelação em liberdade ........................... .
Cheque sem fundos. N ovação ......................................... .
Crime de funcionário público. Defesa preliminar. Nulidade ............. .
Defesa deficiente .................................................... .
Deformidade permanente ............................................. .
Estupro com violência real. Ação penal pública ......................... .
Estupro. Presunção de violência. Debilidade mental da vítima ......... .
Falsidade ideológica. Registro policial de ocorrências ................. .
"Habeas corpus". Convite para comparecimento a Delegacia Policial ... .
Legítima defesa. Provocação .......................................... .
Lesão corporal grave ................. , .............................. .
Prisão admini~trativa. Empresa pública ............................. .
Prisão preventiva. Inquérito devolvido Ià polícia ....................... .
Recurso em liberdade. Lei n. 5.941 ................................... .
Reincidência. Prova .................................................. .
Responsabilidade objetiva. Delito de circulação ....................... .
.Revelia. Inexiste se a ausência do réu for justificada ................. .
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EDITORIAL
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Neste número se inclui meticuloso, estudo do prof. Alcides
Munhoz Netto sobre as descriminantes putativas fáticas, no qual o
ilustre mestre demonstra, mais uma vez, as suas finas qualidades
de jurista, que domina amplamente o tema versado. Esse trabalho,
como tantos outros de sua autoria, passará a ser de consulta obrigatória para todos quantos se dediquem ao estudo da matéria.
Publicamos também extensa pesquisa realizada pelo diretor desta
revista e por sua colaboradora, a Dra. Lídia Sequeira, sobre a
cominação .das penas no novo CP. É trabalho que precisava ser
feito, ainda a tempo para as emendas ao novo código, assinalando
as graves falhas e a total ausência Ide critérios da nova legislação,
no que tange às penas previstas, particularmente a pena de multa.
Será deplorável se o novo código entrar em vigor sem completa
revisão das penas de multa, previstas em escalas penais ridículas
e sem qualquer significa.do. A pesquisa que publicamos poderá enselar a outros estudiosos maior e melhor exame da matéria.
Na parte de comentários e comunicações publicamos excelente
artigo do prof. Antonio Acir Breda, de quem já divulgamos valiosas
observações ao proleto de CPP (RDP 11/12), sobre c·ompZexo e
d~fícil tema, relacionado com o direito de repres,entação. Gomo se
sabe, a matéria está disciplinada na lei Ide forma extremamente
defeituosa, dando lugar a dúvidas e controvérsias.
De nosso secretário, o prof. Nilo Batista, encontrará o leitor
nesta edição não só o seu estudo sobre a norma penal e sua inte1'pretação, como também, diversas notas de lurisprudência e resenhas
bibliográficas, nas quais o lovem jurista revela, como sempre, o
seu talento e a sua competência.
Nessa seção inclui-se também excelente estudo do prof. Damásio
E. de Jesus, sobre a culpabilidade normativa e a embriaguez no CP
de 1969, que apresenta correta e precisa análise da matéria, bem
como o necrológio de Paul Logoz, feito por seu antigo discípulo, o
presidente Jean Graven. São páginas repassadas de carinho e simpatia, que nos informam sobre a figura singular do velho mestre
falecido, em cujas lições continuamos a aprender.
Publicamos também dois pareceres. O primeiro do mestre Roberto Lyra, sobre direitos humanos e prisão preventiva. O segundo,
do Ministro Evandro Lins e Silva, sobre vários aspectos do processo
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das cDntravenções que o. excelente jurista examina com segurança
e prDficiência.
ChamamDs a atenção. do. leitDr para o. dDcumento. de trabalho.
que divulgamDs, sobre a pesquisa que o. ICP realiza sobre a vigente
legislação. relativa a entDrpecentes,cujDs resultadDs brevemente
publicaremos, bem CDmD para as atiladas observações feitas pelo
prDf. JDrge Alberto. RDmeirD JúniDr, sDbre o. projeto. de CPP.
H. C. F.
DESCRIMINANTES PUTATIVAS FATICAS
ALCIDES MUNHOZ NETTO
SUMÁRIO:
1. MDdalidades de descriminantes putativas
- 2. A ignDrância da an.tijuridicidade nas descriminantes
putativas fáticas - 3. O descDnhecimentD da tipicidade
- 4. A teDria dDS elementDs negativDs do tipo. e sua crítica - 5. SDlucãD no direito. brasileiro. - 6. Erro. vencível
e dDlD - 7. Conclusões em face do nDVD Código..
1. As descriminantes putativas podem ocorrer em virtude de
incorreta apreciação jurídica da situação real, ou por má apreciação dos fatos. Na primeira hipótese, erra o autor sobre os limites
legais de uma causa de justificação ou sobre a ocorrência de uma
descriminante não reconhecida, como tal, pelo direito; na segunda,
erra sobre os pressupostos circunstanciais objetivos de uma causa
de exclusão da ilicitude.
Nas descriminantes putativas por incorreta apreciação jurídica,
há evidente ignorância da antijuridicidade. Quem fere outrem porque supõe-se a tanto autorizado para prendê-lo (erro sobre os limites
do direito de detenção), ou porque pensa que pode corrigir corporalmente a quem o injuriou (suposição de descriminante não reconhecida juridicamente), age na crença de não realizar conduta
proibida, isto é, ignora a antijuridicidade de seu comportamento.
Tais casos devem ser tratados segundo a disciplina do erro de
direito produtor de suposição de licitude (infran. 7).
Já quanto às descriminantes putativas por má apreciação dos
fatos, o erro do autor, ora é relacionado à antijuridicidade, ora à
tipicidade da conduta. Quem lesa corporalmente outrem, porque
se imagina por ele injustamente agredido (legítima defesa putativa fática), tanto erra sobre os pressupostos circunstanciais de seu
comportamento, supondo fato diverso do realmente praticado, quanto
pode errar sobre a antijuridicidade, desde que da má apreciação
das circunstâncias, as quais, se existissem, excluiriam a ilicitude
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da ação, decorra convencimento da legitimidade da conduta.
Em vista desta possibilidade de relacionar a falsa representação à
antijuridicidade ou ao acontecimento típico, a isenção ou diminuição de pena, nas descriminantes putativas fáticas, ora são atribuÍdas ao erro de proibiçã.o, ora ao erro de tipo.
2. A classificação das descriminantes putativas fáticas, entre
as hipóteses de erro de proibição ou ignorância da antijuridicidade 1
é sustentada pelas teorias normativas do dolo,2 assim como pela
teoria extrema da culpabilidade 3. Ante todas estas orientações, o
decisivo não é apenas o equívoco quanto à situação circunstancial
fática, mas a convicção de licitude que do equívoco der1ve. Esta
convicção é que excluirá, ou o d.olo, ou a culpabilidade, conforme,
doutrinariamente, se inclua a consciência da antijuridicidade entre
os componentes do comportamento doloso, ou entre os fatores de
censura pessoal, daquele independentes e autónomos. Se tal convicção de licitude for vencível, o autor, ou será punido a título
de culpa, havendo para o crime expressa previsão de pena, na
1. Segundo Welzel, erro de proibição é apenas a designação abreviada do
erro sobre a antijuridicidade do fato real (Derecho Penal Aleman" Parte General,
11.a ed., § 22, pág. 234).
2. As duas teorias normativas incluem a consciência da antijuridicidade
entre os elementos do dolo. Remontam a Carmignani (Elementa iuris criminalis,
voI. I, pág. 55); F. Carrara (Programa" de Derecho Criminal, § 69) e Romagnosi
(Genesis del Derecho Penal, § 1. 334). Adotaram-na, entre nós, Nélson Hungria
(Comentários ao Código Penal, vol. I, pág. 339); Laertes M. Munhoz (Da
Causalidade Subjeti1~a no Direito Penal Brasileiro, pág. 41); Salgado Martins
(Direito Penal, pág. 214); Aníbal Bruno (Direito Penal, voI. I, pág. 451); J.
Frederico Marques (Curso de Direito Penal, vol. II, pág. 202); E. Magalhães
Noronha (Direita Penal, voI. I, pág. 174); Souza Neto (O Motivo e o dolo, pág.
107) e Vicente Sabino Júnior (Direito Penal, pág. 149) . Uma de suas váriantes,
denominada teoria limitada do dolo, trata como crime doloso o vencível erro de
direito sobre a antijuridicidade, decorrente de cegueira jurídica ou hostilidade
ao direito (E. Mezger, Tratado de Derecho Penal, vol. II, pág. 151 e segs. e
Derecho Penal - Libra de Estudio, voI. I, pág. 62 e vol. II, págs. 250 e segs.).
A outra posição, historicamente anterior, entende que o erro vencível é sempre
punido a titulo de culpa em sentido estrito; a salvo é claro, nos sistemas
legislativos que declaram a absoluta irrelevância do erro~ iuris, perante os quais
o desconhecimento da ilicitude por falsa percepção jurídica é sempre irrelevante.
S. A teoria extrema da culpabilidade desloca a consciência da antijuridicidade da estrutura do dolo e a situa entre os fatores do juízo de censura pessoal
sobre o autor. O dolo é concebido como a simples vontade e consciência de
realizar o tipo. A representação ou possibilidade de representação da ilicitude
são essenciais à reprovação, pois esta pressupõe pudesse o autor formar sua
decisão de maneira adequada ao direito. Daí a conclusão de que o erro invencível
sobre a ilicitude exclui a reprovação e, portanto, a culpabilidade e a pena,
enqua!1to que o erro .vencível atenua a reprovabilidade e, pois, a pena da
atuaçao dolosa, na medIda de sua desculpabilidade. São partidários desta teoria:
R. Maurach (Tratado de Derecho Penal, vol. II, pág. 140 e A Teoria da
Culpabilidade no Direito Penal, in Rev. Br,as. de Direito Penal e Criminologia,
voI. 15, pág. 20) e H. Welzel (ob. cit., § 19), entre outros.
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forma culposa (teorias do dolo), ou terá facultativa atenuação da
sanção, segund,o a desculpabilidade do erro vencível (teoria extrema da culpabilidade).
3. A inclusão das descriminantes putativas fáticas na categoria de erro quanto à tipicidade harmoniza-se com a teoria
psicológica do dolo 4 e é definida pela teoria limitada da culpabilidade. 5 Realmente, abstraído do dolo o conhecimento da ilicitude,
para considerá-lo apenas como a vontade de praticar o fato, somente é cabível explicar sua ausência, nas descriminantes putativas fáticas, por falta de representação do tipo: não há dolo
porque o autor não percebeu que a ação praticada reunia todas
as condições de fato exigidas em lei para a caracterização da figura delituosa. É óbvio, assim, que a teoria psicológica do dolo,
embora sem o reconhecer de maneira expressa, pressupõe uma
concepção ampla de fato, compreensiva de todos os aspectos que
concorrem para a sua punibilidade, entre os quais a ausência de
causas de justificaçã.o. Só esta premissa autoriza o raciocínio de
que falta a representação do fato e, portanto, não há dolo, quando
o autor supõe a presença de circunstâncias que configurariam uma
descriminante. gsta é, por igual, a declarada posição da teoria
limitada da culpabilidade: nas descriminantes putativas por erro
de fato, .o dolo é excluído pela ausência de representação da tipicidade. Em vetZ de desconhecimento do injusto, há, segundo esta
doutrina desconhecimento do próprio tipo. Desconhecimento do in. justo só' ocorreria quando o autor, com exata representação da realidade circunstancial, supusesse, por má apreciação do direito, que
seu atuar é juridicamente permitido. Ao passo que desconhecimento do tipo verificar-se-ia quando ignorasse que seu comportamento
reúne as características de fato, positivas ou negativas, essenciais
à figura delituosa. Por outro lado, haveria uma diferença de gravidade entre as duas situações: na suposição de pressupostos objetivos de uma descriminante, o autor seria em si "fiel ao direito", querendo observara lei que só. n~o cumpre ~or desconh~­
cer a realidade, enquanto que, na descnmmante putahva por eqUl4. A teoria psicológica do dolo entende que este é a intenção de ocasionar
o evento . não o integrando a consciência da ilicitude. Entre nós defenderam ·na:
A. J. C~sta e Silva (Código Penal, pág. 107); Basileu Garcia (Instituições de
Direito P.enal, pág. 253); Everardo da Cunha Luna (Estnttura Jurídica do
Crime, pág. 111); Roberto Lyra Filho (Compêndio de Direito Penal, pág. 175)
c Galdino Siqueira (Tratado de Di1'eito Penal, voI. I, n. 415, pág. 495) .
5. A teoria limitada da culpabilidade, tal como a extrema, também encara
o conhecimento do injusto como elemento autônomo do dolo e o situa entre os fátores
de reprovação pessoal. Mas trata o erro sobre a existência de circunstâncias
fáticas fundamentadoras de uma causa de justificação como erro de tipo. Seu
principal defensor foi Von Hippel (Deutsclies Strafrecht, vol. II, pág. 349; a1?ud
Juan Cordoba Roda, El conocimiento de la antijuridicidad e la teoriadel dehto,
pág. 112).
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vocada apreciação jurídica, o autor não se aperceberia do injusto
P?r "uma repr~s~r:tação vic.iosa d~ dever jurídico", contando, porem, com possIbIlIdade mUlto maIOr de conhecer a infração ao
direito. Num caso, somente omissão de se informar sobre a realidade circunstansial; em outro, distonia entre os critérios de valor
da cons~iência ~ os. ?a ?rdem ~urídica. 6 Esta pretendida diferença
de gravIdade 7 JustIfIcana o dIverso tratamento penal consistente
em situar a descriminante putativa por ,erro de fato' como erro
de tipo, excludente do dolo e só punível a título de c~lpa se vencível além de relacionado a crime expressamente previsto na forma
culposa, e incluir a descriminante putativa por ,equívoco jurídico
entre o~ e.rros de proibiç~o, só impunes quando invencíveis, mas,
se venCIveIS, sempre castIgados como dolosos, ainda que com facultativa at.enu~çã.o de pena. Ent~~tanto, para alcançar estes efeitos, . a te:orI~ !ImItada da culpabIlIdade, da mesma forma que a
teorIa pSlcologIca do dolo, tem que aderir à doutrina das características negativas do tipo. Na verdade, só quando se considere as
causas de justificação como elementos negativos, poderá ser explica~a a f~l~a de repr.esentação da tipicidade nas descriminantes putatIvas fat!ca~, por Isto que, em tais situações, conhece o autor a
c?rrespOndencIa entre sua ação e as características positivas do
tIpo (q.uem mata um suposto agressor, sabe que está destruindo
uma VIda ,h;tmana, embora possa, erroneamente, acreditar que o
faz em legItIma defesa).
. 4. Pel?s reflexos que a adoção da teoria dos elementos negatIvos do tIpo acarreta sobre a estrutura do delito cabe aqui uma
'
breve exposição a respeito.
De origem alemã, tal orientação nasceu, menos do propósito
de a~entuar o aspecto unitário do crime, agrupando num único
conceIto todos os e,lementos a que se subordina o seu desvalor do
que. da. I?reo:upação de enqua~rar a crença errônea de uma c~usa
de JustIflCaçao no § 59 do CÓdIgO Penal do Reich, como fator excludente do dolo. 8 Neste sentido, já Adolf Merkel concebera o tipo
como o conjunto de todos os pressupostos da pena '(Gesamttatbestand) , ao mesmo se integrando, portanto, a não ocorrência de
c~~sas de exclusão da antijuridicidade. 9 Daí decorreda· o racioClI;lO de que, qu~ndo o autor tem a representação de um fato não
eXIstente na realIdade, mas que, a ocorrer, excluiria o injusto, su6.
Jorge Figueiredo Dias
(O Problema da Consciência da Ilicitude em
Direito Penal, pág. 411).
7 .. ~om r~zão nega Maurach á diferença entre as duas situações, salientando
declslv~, nao a natur~za do erro vencível, mas o grau de negligência do
~ut?r. em mformar-se, seja sobre a realidade fática, seja sobre a realidade
ser
Jundlca (Tratado, voI. II, § 37, n. I, E).
8. Carlos Fr;de:-ico Grosso (L'errore sulle Scri-minanti, págs. 32 e 57).
9. Heleno ClaudIO Fragoso (Conduta Punível, pág. 150).
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põe erroneamente a presença de uma característica negativa do
tipo, devendo ser tratado como o autor ao qual falte o conhecimento
das características positivas. Mais recentemente, a teoria dos elementos negativos do tipo insere-se na concepção de que o tipo constitui a ratio essendi do crime. 10 Em verdade, se o crime é o "injusto tipificado", toda a circunstância que exclua o injusto faz
desaparecer a tipicidade. Ora, desde que as causas de justificação
são excludentes do injusto, equivalem elas a características ne,gativas do tipo, e
dolo resultará excluído, tanto pelo desconhecimento de uma característica própria e objetiva do tipo, como pela
errônea suposição de uma característica negativa, inexistente na
realidade.
Na Itália, a teoria dos elementos negativos do tipo conta com
ampla simpatia 11, sobretudo em face de contraposição legislativa
entre, de um lado, a eficácia do erro sobre o fato que constitui I)
crime (art. 47, n. I) e a eficácia da suposição de existência de
circunstâncias de exclusão da pena (art. 59, n. II) e, de outro lado,
a inescusabilidade da ignorância da lei penal ou da antijuridicidade (art. 5. 0 ). A não punibilidade do erro sobre descriminantes,
regulada pelo art. 59, n. II, é atribuída à exclusão do dolo, do
mesmo modo que a tal fenômeno é referida a relevância do erro
sobre fato constitutivo do crime. Diz-se que, tanto o erro que incide sobre circunstâncias do tipo descritas na parte especial, na
definição de cada delito, quanto o erro sobre causas de justificação,
participam da mesma realidade, impedindo a caracterização subjetiva do ilícito penal. 12
Aceitas tais premissas, ao dolo seria indispensável, ou a representação da falta de qualquer causa de justificação, ou, pelo
menos, a ausência de errônea suposição de uma descriminante. O
primeiro entendimento levaria a incluir no dolo uma posição psicológica impossível de s'e realizarem concreto. Gom efeito, pretender que o comportamento só é doloso quando o autor conheça,
nem só as características positivas do tipo (v.g., ciência de que
está a matar alguém), como ainda a inexistência de qualquer
°
10. W. Sauer (.4.llgemeine Strafrechtslehre, § 14, n. 1), E. Mezger (Leipziger
Kommentar Zum Strafgesetzbuch, § 59); apud R. Maurach (oh. cit., § 24, n.
II). Entre nós, Miguel Reale Júnior sustenta que o juízo da ·tipicidade e o da
antijuridicidade constituem um mesmo momento, faltando adequação típica quando
ocorre uma causa de justificação (Antij1,tridicidade Concreta, 1973, págs. 49 e 53).
11. Adotam a teoria dos elementos negativos do tipo: Pietro NuvoJone
(I'limite taciti della norm.a penale, pág. 13); M. GaBo (Il concetto uniturio de
colpevolezza, pág. 19); M. Siniscalco (La strutura del delitto tentato, pág. 193,
n. 8); Maliverni (Scopo e movente nel diritto penale, pág. 98); S. Piacenza
(Errore e Ignoranza di Diritto in Materia Penale, pág. 53); Boscarelli, (Contributo alla teoria del concorso di persone nel reato, pág. 44) e A. Pagliaro (Il
fatto di reato, págs. 142 e 396).
12. C. F. Grosso (oh. cit., pág. 62).
12
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descriminante·· (v.g., ciência de que não ocorre, nem estado de
necessidade, nem legítima defesa, nem estrito clumprimento de
dever legal, nem exercído regular de um direito) equivale a criar
um "dolo monstruoso",13 que permitiria fácil ilusão à lei. 0' segundo critério procura evitar tal defeito, satisfazendo-se com que
não seja suposta a presença de circunstâncias negativas. Não é
necessária, alega-se, a representação da inexistência de qualquer
descriminante; basta que não haja errônea suposição de um es;.
tado de fato que legitimaria o comportamento. 14 Se ocorrer tal
equívoco, o dolo não subsiste, sendo excluído por erro de tipo.
Embora esta construção permita unificar em uma só categoria as duas espécies relevantes de erro de fato, não são poucos
os reparos que lhe tem sido opostos.
Argúi-se que a teoria em questão acaba por identificar a antijuridicidade com a tipicidade. Se o tipo é composto nem só
pelas notas. características do delito, incorporadas à descrição legal, como amda por outras, de caráter negativo,extraídas de disposições gerais e consistentes na não ocorrência de uma causa de
justificação, sempre que desapareça a antijuridicidade da conduta também não subsiste sua tipicidade. 15 Com isto, cria-se um
círculo vicioso, pois a tipicidade só pode ser afirmada depois da
constatação da antijuridicidade, e a antijuridicidade só pode ser
determinada depois da constatação da tipicidade. 16
Confundidos ficam, assim, o objeto da valoração com a própria valoração, realidades que correspondem a exigências diversas
e. que são dotadas de eficácia distinta: o fim do tipo é o de relaCIOnar entre as mais variadas espécies de comportamentos socialm~nte pernicios.os aqueles que devam ter relevância para o Di.,.
reIto Penal; o fim da antijuridicidade é estabelecer a contradição
entre a conduta e o ordenamento jurídico em seu conjunto. Desta
forma: :mbora o fato constitutivo do c:r:ime seja idêntico,. em sua
materIalIdade, quer quando subsistam causas de justificação, quer
quando estas não se apresentem, diversa é a sua valoração jurídica: a afirmação da tipicidade importa na constatação de um
compor~~m~n.t~ que não é. penalmente indiferente; a constatação
da antIJUrIdICIdade em afIrmar que a ação penalmente relevante
não está autorizada por qualquer dispositivo de lei. Gomo o ordenamento jurídico não se compõe só de proibições e mandatos,
contendo também preceitos permissivos, a realização do tipo não
13. H: WelzeI, H. J. Hirsch e A. Kaufmann (apud J. F. Dias, oh. cit.,
pág. 413).
14. C. F. Grosso (ob. cit., pág. 35).
15. Enrique Gury (Orientaeión paTa el estudio de la teoría deZ delito,
pág. 46).
16. H. WelzeI (ob. cit., pág. 81).
13
é necessariamente antijurídica, podendo, no caso concreto, estar
excepcionalmente permitida. Tanto a ação atípica quanto a ação
típica mas não antijurídica não acarretam sanção penal.. Contudo,
valorativamente, são diferentes, no sentido de que a ação atípica
é neutra de valor, ao passo que não o é a ação típica ainda que
justificada. Há evidente diferença entre matar uma mosca e matar
alguém em legítima detfesa: 17 a primeira hipótese não chega sequer a preocupar a ordem jurídica; a segunda .exige da parte desta
acurada apreciação, para que se positive a inexistência da antijuridicidade.
Assinala-se, ademais, que, atribuir ao tipo uma função constitutiva da antijuridicidade leva a admitir-se uma antijuridicidade
penal distinta da antijuridicidade geral. Se a tipicidade constitui
a antijuridicidade, como querem Mezger e Sauer,· isto significa que
a segunda depende da primeira e que, conseqüentemente, o legislador, ao tipificar uma conduta, cria para a mesma uma antijuri,.
dicidade penal, diversa da ilicitude em geral, pois, do contrário, não
se -entenderá qual a função constitutiva da tipicidade acerca de
certas condutas que já eram consideradas ilícitas, antes que se
lhes conectasse uma sanção penal. Ora, a antijuridicidade é uma só
para todo o sistema jurídico, pois o direito não pode ter senão uma
vontade, pelo que pretender um parcelamento da ilicitude equivale
a postular um absurdo parcelamento da própria ordem jurídica. IS
As críticas procedem. Não é razoávelfundii' num único elemento a antijuridicidade e a tipicidade. A constatação de uma, nada
tem que ver com a constatação da outra. A tipicidade, assim, não é
constitutiva da antijuridicidade, mas apenas limitativa dos efeitos
penais desta. A função do tipo, decorrente da garantia do nullum
crimen nuUa poena sine lege, é a de destacar, entre as condutas
antijurídicas, as que devam incidir· em sanção penal. Há um sem
número de comportamentos contrários ao direito que não necessitam de penas criminais, bastando, para conjurá-los as sanções próprias dos demais ramos do ordenamento jurídico. Assim, quando
dentre os comportamentos in genere socialmente perniciosos, a lei
penal escolhe alguns, para o efeito de cominar-lhes uma de suas
sanções, aplicável isoladamente ou a despeito das conseqüências
sancionatóriasextrapenais (reparação do dano, repetição do indé.;.
bito, anulação do ato, multa administrativa ou tributária etc.),
cabe afirmar que realiza, em última análise, uma limitação dos
efeitos da antijuridicidade no campo penal. Ao Estado, no uso
de seu poder de império, seria possível aplicar descricionariamente
a sanção penal ao caso concreto pela só consideração da respectiVa conveniência. Entretanto, em vista da gravidade das penas
17.
18.
H. WelzeI (ob. cit., págs. 80 e 119).
E. Cury (ob. cit., pág. 46).
REVISTA DE DIREITO PENAL -
14
crlmmais, da magnitude dos bens e interesses que as mesmas
afetam, da segurança do direito e da necessidade de respeito às
garantias fundamentais do homem, esta faculdade é limitada pelo
princípio da anterioridade da lei penal: por mais anti-social ou
pernicioso que seja o comportamento antijurídico, a incidência da
pena criminal pressupõe que o fato esteja previamente descrito
em lei como passível de sanção penal e que a espécie e limites
desta hajam sido também preestabelecidos. Desta forma, nada
obsta a considerar a antijuridicidade como um priU8 em relação
à tipicidade, no sentido de que, em face de um comportamento
contrário ao direito, é que cabe indagar a respeito das conseqüências jurídicas que dele podem decorrer: se meramente civis, administrativas, tributárias etc., ou se também penais. Adotado este
processo de verificação dos componentes do crime, a tipicidade,
evidentemente, não constitui a antijuridicidade, que lhe é pressuposto lógico. Em verdade, constatando-se, de início, que a ação
não é contrária ao direito e, portanto, que não acarreta qualquer
efeito sancionatório, ociosa se torna qualquer indagação acerca
da tipicidade: não há, então, porque se preocupar com a limitação dos efeitos penais da antijuridicidade.
Sendo a antijuridicidade, como contradição às eXlgencias jurídicas, geral e única para todos os ramos do direito, a tipificação
penal não a cria, mas apenas a reconhece, para aliar-lhe uma sanção específica. Realmente, enquanto a antijuridicidade é a contradição entre o concreto comportamento e o ordenamento jurídico em seu conjunto, a tipicidade é a descrição objetiva deste com,;.
portamento, com a enumeração das particularidades que deva apresentar para incidir em pena criminal. O juízo de antijuridicidade parte, pois, de um critério geral e é o mesmo para todos os
setores do dire,ito; já a constataç'ão da tipicidade assenta-se num
critério particular e variável, pois esta difere de um para outro
ramo do ordenamento jurídico. Welzel, depois de salientar o caráter geral e, portanto, objetivo da antijuridicidade, que a faz
una. e igual para todos os setores do direito, reconhece que existem tipos distintos em cada um destes setores.1 9 Estes tipos distintos significam que se pode exigir, na conduta antijurídica,
características diversas conforme a sanção que se lhes cogite impor. Vários exemplos assim ,0 demonstram: a) a perturbação arbitrária da posse é matéria ou tipo para sanção civil, mas não .o
é para sanção penal a salvo que se apresente como furto, ou que
o esbulho se revista de violência, grave ameaça ou do concurso
de mais de duas pessoas (CP, arts. 155 e 161, n. II); b) os danos
não dolosos não são matéria ou tipo para sanção penal, mas só
para sanção civil; c) do contrário, a tentativa de crime é maté19.
H. Welzel (oh. cit., pág. 78).
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ria ou tipo para sanção penal, mas não, em princípio, para sanção civil. Não obstante isto, como proclama Welzel, a simples
perturbação da posse e os danos não dolosos são, por igual, antijurídicas para o direito penal, que contra ambos admite a legítima
defesa, como também a tentativa de crime é antijurídica para o
direito civil, para o efeito, por exemplo, de medidas preventivas.
O que é antijurídico num setor do direito o é também em outro. 20
Se o tipo não é constitutivo da antijuridicidade, mas limitativo dos efeitos penais desta, as indagações a respeito destes dois
elementos estruturais do crime são autônomas e independentes
entre si. No processo de identificação do delito, tanto faz que se
constate, em primeiro lugar, a antijuridicidade ou a tipicidade.
A premissa de que a conduta é antijurídica não leva à conseqüência de que seja típica, da mesma f.orma que a adequação
típica não implica necessariamente em antijuridicidade. As duas
indagações são sempre necessárias. Apenas, sob o aspecto negativo, uma é prejudicial da outra, porque verificada a licitude do
fato, torna-se ocioso investigar-lhe a tipicidade, do mesmo modo
que, afirmada a atipicidade, desnecessária e inútil, para efeitos
penais, é a pesquisa da antijuridicidade. Se comumente parte-se
do exame da tipicidade, isto se deve a· ser esta mais facilmente
identificável que a antijuridicidade. Com efeito, para fixar a adequação penalmente típica de determinado comportamento basta
o exame dos preceitos incriminadores do Direito Penal, de número
limitado e exaustivo, por força do nullum crimen nulla poena
sine lege. Já para estabelecer-lhe a antijuridicidade, é indispensável ,0 exame do ordenamento jurídico em seu conjunto, certo
como é que a permissão para a conduta pode decorrer de preceito extrapenal, a exemplo do que sucede com o exercício regular de
um direito, com o cumprimento de um dever legal e com o consentimento do ofendido em relação aos bens disponíveis. Ninguém
ignora que são estranhas ao Direito Penal as regras que impõem
deveres de praticar determinadas açÕ€s lesivas, facultam-lhe o cometimento ou permitem a livre disponibilidade de determinado
bem ou interesse. Desta forma, a precedência da indagação da tipicidade sobre a constatação da antijuridicidade inspira-se somente em razões de economia, não' se assentando em bases científicas ou dogmáticas. Ora, se tipicidade e antijuridicidade traduzem valorações diversas e independentes entre si acerca do comportame,nto humano sobre cujo caráter delituoso se perquire, não
há como relacionar as causas de exclusão do ilícito à tipicidade,
nem as causas de exclusão do tipo à antijuridicidade. A inexis"tência de uma em nada afeta a existência da outra. As causas
de justificação, portanto, não· constituem fatores de negação da
20.
H. Welzel (oh. cit., pág. 78).
lS
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tipicidade, da mesma maneira que a ati pia não tem o efeito de
excluir a contradição entre o comportamento e o ordenamento
jurídico in genere. Dentro de tal esquema não é, pois, aceitável
a teoria dos elementos negativos do tipo, nem a conseqüente classificação, como erro de tipo, das descriminantes putativas fáticas.
Estas constituem, antes, espécies. de ignorância da antijuridicidade.
Resta examinar se esta solução harmoniza-se' com o nosso
direito constituído, para, uma vez afirmada a ignorância da antijuridicidade nas descriminantes putativas, decidir se ela exclui
o dolo ou somente se reflete sobre o juízo de censurabilidade pessoal necessário à ação culpável.
5. Na regulamentação das descriminantes putativas fáticas
~em o ~6digo Penal em vigor, nem o Código futuro, apontam, sa~
tIsfatormmente, o fundamento da isenção de pena que delas pode
decorrer. É que ambos não subordinam, expressamente tal conseqüência à crença do autor· na Iegitimidad·e de sua conduta. Aludemapenas à suposição da existência de "situação de fato que
to:n~ria a ação. leg!t~ma". Ora, crer em situação de fato que, se
eXIstIsse, tornarIa lICIta a ação, não equivale necessariamente a
ter ciência da legitimidade do comportamento: Ao agente :pod~-se
representar a ocorrência de circunstâncias que, objetivamente car~cterizariam uma ~escriminante, faltando-lhe, porém, o c~nh!e~
c~m~nto de qu~ a sIt!lação supos~a tornaria a açãoconforme ao
dIreIto. É possIVeI ate que acredIte o autor na própria ilicitude
ou na punibili~a?e da conduta, apesar de ter por presentes os
extremos materIaIS da causa de justificação, na realidade inexistente. Pense-se, a respeito, no exemplo do diabético que erroneameJ?te se repute em perigo de vida por falta de insulina (tendo
aSSIm representação dos extremos objetivos do estado de necessidade) e a furte na convicção de ser ilícita sua conduta em dec?rrência de um concomitante erro sobre 'a eficácia ju~ídica da
SItuação . representada. Imagine-se, ainda, a hipótese do médico
que realIze um aborto na crença de ser a . única maneira de salvar avida, da g~stante de um perigo meramente imaginário, supon.d?, porem, .se~a o aborto terapêutico incriminado pelo direito
POSItIVO. E:n hIPote~es semelhantes, ,em decorrência de dois equívocos relaCIOnados a mesma conduta, a errônea crença em uma
causa de justificação não determina um erro sobre a antijuridici~~~e. Embora por via imprópria, adquire o autor consciência da
llIcItude de seu comportamento.
. Ambíguo o texto .da lei, cumpre esclarecer se é suficiente a
e~Ulvocada crença na situação fática caracterizadora da descri.
mmante ou se o fundamento da isenção de pena reside também
na falta de consciência da antijurididade derivada daquelaerrô-
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nea representação. Da maior ou menor ênfase atribuída à posição subjetiva do autor ante seu equívoco quanto à realidade fática, depende a classificação das descriminantes putativas como
erro de proibição ou como erro de tipo. Em verdade, quando se
exija além do erro fático, a convicção do autor na legitimidade de
seu comportamento, o erro será r,elacionado à proibição, traduzindo, pois, ignorância da antijuridicidade: a pena não incide
porque o autor agiu na certeza de que procedia legitimamente.
Quando, ao inverso, dispense-se a ciência do autor acerca da eficácia jurídica da situação equivocadamente representada, o erro
só poderá ser referido ao fato típico: a isenção de pena decorre
da errônea representação da realidade circunstancial, qualquer que
seja o conhecimento do autor acerca dos efeitos que a ordem jurídica liga ao fato suposto.
A doutrina em torno do Código Penal de 1940 fixou que o
decisivo para a isenção de pena nas descriminantes putativas é
a falta de consciência da antijuridicidade. A relevância do erro
decorre da obstrução do exato juízo de valor em torno da ação ou
do reconhecimento de sua injuridicidade. A causa determinante do
comportamento é a persuasão do autor de que ao mesmo estava juridicamente autorizado, pelo que, se procede na dúvida sobre
a identidade de sua ação e a ação autorizada, já não há que falar
,em descriminante putativa: chi arrischia 'Vuole. 21 Nas eximentes
putativas, pois, não pesa responsabilidade sobre o agente, por ausência de culpabilidade, excluída por erro essencial que o faz crer
na licitude de seu comportamento. 22 Entende-se, em suma, que
supor situação de fato que se existisse tornaria a ação legítima
equivale a supor a legitimidade da ação. 23
Em face do Código Penal de 1969, não há razão para adotar
orientação diversa. Ao contrário, apresenta o mesmo melhores
subsídios para que a relevância do erro na~ descriminantes putativas seja condicionada à ignorância da antijuridicidade. É que,
no art. 20, o referido diploma expressamente reconhece eficácia,
embora parcial, à suposição de licitude do fato, em decorrência
de erro de direito. Sob pena de flagrante ilogismo, o mesmo critério tem de prevalecer quanto ao erro de fato acerca de descriminantes. Ambos revestem-se de relevância, se bem que distinta,
por acarretarem o convencimento de legitimidade da conduta.
21. Hungria (Co1nentários, voI. I, págs. 395 e 404; voI. IV, pág. 307 e
Legítima Defesa Putativa, pág. 89).
22. A. Bruno (Direito Penal, t. I, pág. 501).
23. B. Garcia (Instituições, vol. I, t. I, n. 79, pág. 254). No mesmo sentido, Laertes M. Munhoz (ob. cit., pág. 109); E. Magalhães Noronha (ob. cit.,
voI. I, pág. 200); Bento de Faria (Código Penal Comentado, voI. II, 215); Salgado Martins (Sistema de Direito Penal Brasileiro, § 217); Oliveira Roma
(Modalidades de Legítima Defesa, cap. VII); Odin L do Brasil Americano
(Da Legítima Defesa e do Estado de Necessidade, pág. 218).
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Advirta-se, porém, que esta orientação não impede que se
solucione satisfatoriamtmte as apontadas hipóteses de duplo erro,
causador de falsa representação dos pressupostos objetivos de uma
descriminante e de errônea convicção de ilicitude do fato suposto.
Ê que, em tais casos, anormais e marginais, irr·elevante tem que
ser considerada a falsa convicção de antijuridicidade. Com efeito
da mesma forma que, no crime putativo, não se leva em consi~
deração o convencimento do autor sobre a ilicitude de um comport~mento a, que o ordenamento jurídico não atribui tal qualificaçao, tambem a falsa representação da antijuridicidade da descriminante faticamente suposta nenhuma conseqüência pode acarretar. A prevalecer ponto-de-vista contrário, a pena passaria a fun~amentar-se numa disparidade entre os critérios de valor do suJeito e os da ordem jurídica, aqueles mais exigentes que estes a
ponto de considerarem ilícitas situações que a lei declara conforme ao direito. Não há quem não perceba que o estado de quem
supõe ilícita a situação justificante na qual, por má apreciação
dos fatos, acredita agir, é subjetivamente o mesmo de quem, procedendo s.ob o amparo de uma real causa de justificação supõe-se
cometendo ação antijurídica. Ê indif.erente que o fato er~oneamen­
te reputado ilícito seja imaginário em um caso e real em outro
Em ambos, o convencimento do autor quanto à antijuridicidade d~
seu proce~er n~o corresponde à realidade do direito. De desprezar-se, pOIS, a cIrcunstância de, na primeira hipótese, existir correspondência ~nt;e a ilicitud~ imaginária e o fato real, apesar da não
corres~.ond~ncla~ entre a Imaginária ilicitude e o imaginário fato.
Em taIS sItuaçoes, deve-se presumir que, afastado o conv·encimento
de ilicitude adquirido por falsa via, a suposição de estado de fato
config~::at~v? ?e descriminante, determinaria, no autor, a ignorância
da a!ltIJur~dlcIdade. Nenll,um inconveniente há em acolher esta presun~a.o, po~s a mesma alem de corresponder ao id quod plerumque
acc'/,d'/,t, eVIta que, para resolver com justiça estes raros casos de
duplo equívoco, tenha que se aceitar a teoria dos elementos negati.
vos do tipo, com todos os inconvenientes, sobretudo quanto à já
~pontada. c?~fusão entre tipicidade e antijuridicidade e conseqüente
IncompatibIlIdade com a concepção tripartida do delito.
~uanto à colocação sistemática da ignorância da antijuridicidade, dIferem as soluções perante o Código atual e o Código futuro.
Em face do Código Penal de 1940, a ignorância da antijuridi~ida~e é aponta~a. como fator excludente do dolo. Tal ponto-de-vista
e .ev~dente. corolarlO do entendimento de que o referido diploma aderIU a teorIa do dolo normativo (supra, nota 2). Com efeito, aceitando-se que o comportamento doloso requer a representação da iliceidade da conduta, é fácil deduzir que a relevância do erro nas descriminantes putativas decorre da falta de tal previsão.
J á p:ran~e o Código Penal de 1969, não pode prevalecer a mesma soluçao. E que o mesmo não permite que a consciência da anti-
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juridicidade seja cOJ;siderada ~l~mento .g.eral do dolo. Pelo art. 20;
a despeito da escusavel SuposIçao de lICltude do fato, a conduta e
punível como dolosa, ainda que com facultativa atenuação ~u substituição da pena. Ora, por.. fo::ç~ .desta :r::egra, o~ se conclUI qu.e. a
falta de consciência da antIJurIdlcldade so excepCIOnalmente exclUI o
o dolo 24 ou que não .o exclui nunca. A primeira posição não é satisfatÓria por implicar em evidente quebra do sistema. Não se pode
afirmar que a consciência da antij.uri~i.ci~ade é ele~ent? do dolo,
no que concerne à representação d: Ilegl~l~~dade ?a ,sl.tuaçao de fato,
mas não .o é quanto à representaçao da IlICItude Jundl~a. 0!1 a ~ons­
ciência da antijuridicidade integra ~empre o doI? ~ou Jamal~. o .Integra. Se integra, a sua ausência, seja porASU'p0SIÇao d~ .1~gltI:rlldade
da situação de fato, seja por pura ignorancIa da prOlblÇao, Impede
a imposição de pena a tal título. Se não o integra, dolosa é a. at!1 a ção do insciente da antijuridicidade, por erro de fato ou de ~lreIto,
decorrendo a isenção ou atenuação da pena de fundamento dIVerS?,
ou seja, da ausência ou dimin~iç~o da c~n,:;ura :pessoal so1?re ? :eqUIvocado autor do crime. Esta ultima poslçao, alem de maiS 10glCa e
harmônica, é a que melhor se compatibiliza c?m a estru~ura do novo
Código. Desde que a teoria d? ~olo norm~!IV? ;t~le na.o encontrou
agasalho a eficácia da ignorancIa da antIJurldlcIdade tem de ser
referida' a componente da ação culpáve~ ~istinto e autônomo ~o .dolo.
Daí decorre necessariamente, o raciOCInIO de que, nas deSCrImInantes putativa~ fáticas, assim como nos demais casos de ignorância d~
antijuridicidade, o comportamento é dol?so, mas a c:.ns~ra. pessoa~ e
excluída ou diminuída e, em conseqüênCIa, a pen!1 nao InCIde ou Incide atenuadamente.
6. Não impede a conclusão acima, a circunstância de ser o erro
vencível punido' como crime culposo (art. 21, § 1.0). Isto"Aem. verdade, não significa que, em tal hipótese,. a falt~, de conscI.enCla da
antijuridicidade exclua o dolo, deixando, se ev.It~~el, SubSIstente a
culpa em sentido estrito. Reflete apenas o crIterlO de tr~ta: um
comportamento doloso como se culposo fora,25 em decorrencIa da
diminuição da censurabilidade pessoal. Ê óbvio ser ;nen~r. ~ reprovação sobre quem age sem conhecimento da perceptr~Tel IlIcItu~~ d.o
que a incidente sobre quem atua com a representaçao da antIJunue
dicidade do fato. O texto do citado dispositivo legal não leva a 9
se considere substancialmente culposo o crime cometido por venClyel
erro de fato sobre descriminante. Ao estatuir que, se o erro derIva
24. Esta a posição de Basileu Garcia na análise do Código de 1~4.0. Embora entendendo ter ali prevalecido a teoria psicológica do dolo, admItm a.. su~
exclusão nas descriminantes putativas fáticas pela falta de noção da antlJurldicidade (ob. cit., voI. I, t. I, pág. 254).
25. De Marsico (Diritto Penale, pág. 121); Battaglini, (D,iritto Penale,
3.a ed., pág. 339); Santoro (La definizione deZ delitto colposo, pago 1.200).
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de culpa, a este título responde o agente, quand.o o fato é punível
como crime culposo, o § 1.°, do art.21, só estabelece a forma de
punição de tais comportamentos, o que não .equivale a declará-los
revestidos de culpa em sentido estrito. Nem tal entendimento seria
aceitável ante sensível diferença que existe entre erro culposo e
crime culposo: no erro culposo, a v.ontade dirige-se à realização de
algo proibido, cuja antijuridicidade poderia ser captada com maior
atenção; no crime culposo, a vontade orienta-se para um fim licito
.ou até louvável sendo defeituosa apenas a respectiva execuçã.o. A
diversidade de situações concerne à intenci.onalidade do resultad.o, já
que, na hipótese de descriminante putativa fática com erro vencível,
.o resultado é querido (quem mata para defender-se de uma imaginária agressão quer a morte do suposto agressor), enquanto que n.o
crime culposo o resultado nunca é querid.o, dec.orrendo da mera imprevisã.o ou de sua superveniência (culpa inc.onsciente) .ou de sua
inevitabilidade (culpa consciente). A própria lei reC.onhece esta diferença, p.ois, se .o err.o vencível c.onfigurasse culpa em sentido estrit.o, não haveria necessidade de disp.ositiv.o especial para declarar-lhe
a punibilidade a tal títul.o '(art. 21, § 1.0); a incidência da pena dec.orreria da regra genérica acerca d.oscrimes culp.os.os (art. 17, n. II
e parágraf.o único). Mas, precisamente porque, no caso das descriminantes putativas fáticas, o agente dá causa a.o resultad.o intencionalmente, ·e nã.o p.or mera imprudência, negligência ou imperícia,
é imprescindível regra especial, que estenda a pena dos crimes culp.oS.oS a comp.ortamentos que, em substância, culposos nã.o são. A
chamada culpa imprópria ou por extensão nada mais é, assim, d.o
que uma m.odalidade de d.ol.o tratada como culpa em sentido estrit.o. S.obre a distinção entre crime culp.oso e erro culposo, assim se pronuncia Welzel: "Na c.omissã.o culp.osa de um crime é irrelevante para
a punibilidade o conteúd.o da decisão ao fato; mais que isto, na
maioria dos cas.os não é esta desaprovada penalmente, podendo até
ser dirigida a resultados desejáveis. Somente que sua execução é
defeitu.osa, p.orque lesa .o cuidado requerid.o no âmbito da relaçã.o:
o autor deveria ter c.onsiderado, independentemente de sua vontade
de realização, outras conseqüências não desejáv.eis e dirigid.o sua
conduta de ac.ord.o com isto. A censura pelo erro de pr.oibiçã.o culpável, refere-se ao c.onteúdo da decisã.o, que se dirigiu a alg.o proibido juridicamente (antijurídico) e é a censura a uma decisão
antijurídica-culpável. " T.otalmente diferente é .o pr.oblema de val.oraçã.o étic.o s.ocial n.os delit.os culp.osos: a decisão d.o autor não
está entã.o dirigida à realizaçã.o da lesã.o .ou c.ol.ocaçã.o em perig.o
típica de um bem jurídic.o, mas a um resultad.o, p.or regra irrelevante d.o p.ont.o-de-vista d.o direito e até, freqüentemente, desejadó
s.ocialmente".26
26.
H. WelzeI (ob. cit., pág. 229).
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21
Sob .outr.o aspecto, .o tratamento do crim~ culpos.o c~~.o se ~or.a
dolos.o é perf.eitamente admissível. Por ~OtI~~ d~, P?lItlCa c:~~:­
nal a lei p.ode adotar semelha:r:te s~lutçao:t.a.od a 'tl~C.ompa I lt ldade em que, p.or f.orç!", de raz.oes SIS ema ICO- ogma Icas, repu e-se dol.oso .o fato c.ometId.o por err.o s.obre .os. press~post.os d~~ causas de justificaçã.o e nã.o .obstante, por c.onsIderaç.oes de ut!hdade,
. onha a pena d.o fat.o culpos.o, n.o cas.o de erro venclVel. A
~~e;:Sfência das duas soluções f.oi ~.onsatgrada pel.o projeto _ alemtã.o
d 1962. Ressaltou-se que tal pr.ocedImen .o supera a separaça.o en re
.oe D IreI
· ·t.o Penal e a P.olítica Criminal.
entrada,
, Dá
.
. , . na parte geral
. t
d.o direit.o punitiv.o, a val.oraç~~s polItIco-c~Immals, sem. que IS ..o
f t a auton.omia das duas ClenClas. PerSIste, c.omefelto, a dIa e :d de d.os critérios de avaliação e, desta f.orma, o que se reverSI
a
. . I, ,p.ode . ser d ogma, puta errad.o,
d.o pont.o-de-vista p.ol't'
I ICO-CrImma
ticamente cert.o e vice-versa. Acentu.ou-se, tambem, se; acensel~a­
vel que as te.orias do err.o se funda:nentem em te?rl~S _ dos fms
da pena, atendendo, assim as necessIdades de retrlbUlça.o, ou de
se em virtude d.o erro, a alguem, for
nça-.o Neste sentido"
preve.
., .
- h'
inevitável a realizaçã.o do inJust.o tIpIC.o, na.o a raza.o para_ castigá-I.o: qualquer que seja a teoria. ~a pe~a q?e se adote, na.o se
pode querer retribuir uma culpabllIdad~ .mexlstente; nem. prevenir conseqüências inevitáveis; nem C.orrIgIr pe~s?a p.or c,,!J~ conduta não se possa reprovar. A.o inverso, se. eVItavel a pratIca d.o
crime ante a vencibilidade do err.o, o castigo tem raz~o de ~er,
embo;a d.o p.ont.o-de-vista da missão d.o Direit.o Penal, n!l0 se JUstifique 'seja o autor tratad.o como delinq~ente. do~os.o. E que, em
tais situações, as suas metas de atuaça.o comcl(llem totah~e~te
c.om as concepções jurídicas d.o legislad.or e, apenas,. por neglIgencia, a situação externa nã.o f.oi corretame~te percebIda pelo agente. Cumpre, p.or ist.o, aplicar-lhe pena mau~ ~randa, que p~de ser
a do pr.ocedimento culp.oso, reputada sufIcIen!e pelo leglsl~do~;
para atender as necessidades sociais de repressa.o .ou prevença.o.
7. De tudo o que se expôs, cabe extrair, ~ vista, ~o novo
Códig.o Penal e quant.o às descriminantes putatIvas fatIcas, as
,
.
A ' d e. censu,ra pesa) é reconhecIda
a ausenCla
seguintes conclusões:
soaI à ignorância da antijuridicidade. decorre.nte d~ mvenclVel .suposiçã.o de estad.ode fato que, a existIr, c.onfI~urar:a ~ausa de ~~s­
tificação (art. 21)' b) n.os mesm.os casos de IgnoranCla da an~IJ~,
, d 't'd
dlml
rid!c!dade por err~. de fat.o, se vencível est~, e, ~ mIl. a a
s~
nUlça.o da censurabIhdade pessoal, para .o .obrIgat.orlO efeIto de sub
' uq
e, segundo
.
27. No sentido do texto Claus Roxin, observan do-se, porem,
€le, mesmo a pena dos crimes culposos seria desnecessária e inadequada a taIs
hipóteses de erro vencível (Política Criminal y Sistema del Derecho Penal,
págs. 67 a 69).
REVISTA DE DIREITO PENAL -
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tituição da pena do crime doloso pela do correspondente crime culposo (art. 21, § 1.0).
, Desta forma, o critério de tratamento das descriminantes putativas fáticas, difere do adotado para as descriminantes putativas
por má apreciação do direito, em relação às quais: a) presume-se a
censura pessoal, ainda que escusável o erro, permitindo-se, apenas
o reconhecimento, in concreto, da diminuição da presumida censura'
para a facultativa diminuição ou substituição da pena cominad~
ao comportamento doloso (art. 20) e b) nega-se qualquer diminuição da censura pessoal à ignorância da antijuridicidade decorrente
de vencível erro de direito sobre descriminante (art. 20, a contrario sensu). 28
A COMINAÇAO DAS PENAS NO NOVO
CÓDIGO PENAL
HELENO
FRAGOSO
LÍDIA SEQUEIRA
I -
28. O critério adotado pelo art. 20 do Código de 1969, que não isenta de
pena nem ~es;n0 a escusável suposição de licitude, é incompatível com os postulados do DIreIto Penal da culpa. Suposição escusável é a suposição invencível
des~~lpável, pela q~al o agente não pode ser reprovado. Não permitindo o dis:
POSIt!VO que, em taIs caso~,. a pena P?ssa deixar de ser aplicada, cria uma pres~:r:çao ab~o.luta d; culpa~Ihdad:, de~tItuída de. qualquer fundamento. Se a supoSIçao de lIcItude e escusavel, nao ha, em realIdade, censura pessoal. O comportamento., _em conseqüência, não é culpável e teria que permanecer à margem
da pumçao. De lege ferenda é recomendável, como proclamou o Seminário de
Penalist~s bras~leiros, reunido em Belo Horizonte, em outubro de 1974, que a
pena seJ~ ~fetIvamente proporcionada à maior ou menor escusabilidade do
erro de dIreIto, de modo a ~ue nenhum favor se conceda ao erro grosseiro, atenue-se a pena ao erro parcIalmente vencível e chegue-se ao perdão judicial nos
casos de erro plenalll:ente ~ es~usável. Melhor seria a seguinte redação: " Art.
20. Se o agente por IgnoranCla ou erro de compreensão da lei, supõe lícito o
fato, a pena pode ser at~~uada, sub~tituída por outra menos grave ou não aplicada, segundo a escusabIhdade da Ignorância ou do erro".
CLÁUDIO
INTRODUÇÃO
1. A acidentada elaboração do novo CP conduziu a graves
falhas e deficiências, que se devem, em boa parte, ao lapso de tempo
decorrido desde a formulação original do projeto, sem que se levasse
em conta o avanço notável da legislação penal nos últimos tempos,
e aos critérios adotados, a partir de 1969, para sua revisão e posterior emenda.
Não se pretende, no entanto, neste estudo, realizar revisão crítica no novo Código, sequer em seus aspectos fundamentais. É nosso
.propósito apenas determo-nos sobre questão que vem passando despercebida e que terá, sem dúvida, grande relevância na nova lei.
Um d.os autores deste trabalho, tendo participado da comissão
revisora ministerial, em sua primeira fase, teve ocasião de assinalar
.que, com o término da primeira leitura do anteproj eto, em fins de
1965 várias questões ficaram em aberto, "e um estudo comparativo
deve~ia ser feito quanto às penas cominadas, na Parte Especial". I
Tal estudo não chegou jamais a realizar-se, e era essencial.
O projeto havia mantido, anacronicamente, a pluralidade das
penas privativas da liberdade (reclusão e detenção), e havia adotado
o sistema de dias-multa, para a pena pecuniária.
Todavia, o eminente autor do projeto, nosso saudoso mestre
Nélson Hungria, lançou, na Parte Especial, para cada figura de
delito, as penas que entendia devidas, partind.o do CP vigente, cujas
penas privativas da liberdade várias vezes elevou, cominando a pena
de multa sem qualquer uniformidade de critério.
O CP vigente nesta parte estava longe de ser base segura de
trabalho, sem contar que está inteiramente ultrapassada a dosime1. Heleno C. Fragoso, "Subsídios para a história do novo Código Penal",
RDP n. 3, 10.
24
REVISTA DE DIREITO PENAL -
tria fracionária empregada nas causas de aumento ou diminuição da
pena, que tal Código prevê, na Parte Especial.
Indicaremos a seguir, de forma bastante sumária, os princípios
que regem a matéria, analisando as falhas mais graves do texto promulgado, para sugerir as emendas devidas.
2. Não nos interessa a aplicação da pena como função judicial
nem a reconstrução doutrinária das normas que devem regê-la. Sob
ambos aspectos a matéria tem sido objeto de congressos e colóquios
e de numerosos estudos recentes. 2 Interessam-nos tão-somente os
critérios gerais no plano legislativo e o siste~a estabelecido pela lei.
Na cominação das penas, ou seja, na escolha das escalas penais
para cada delito não há ciência alguma. Vigoram aqui apenas os
critérios valorativos adotados pelo legislador. 3 Em princípio, a ameaça
penal deve estar em função do desvalor do fato, que depende não
só do bem jurídico atingido pela ação delituosacomo também da
violação do dever jurídico que a ação delituosa envolve. 0' desvalor
do fato, de acordo com o sentimento jurídico de nosso tempo, tem
na culpa elemento fundamental.
. Compete ao legislador fixar inabstracto as penas que entenda
devIdas à gravidade do malefício, estabelecendo o que podeda chamar-se de pena legal. Haverá de inspirar-se em elementos histórico-empíricos, buscando a pena conveniente e justa que, como é óbvio
não pode ser válida para todos os lugares e todos os tempos. 4
'
Decisivo, como diz Nowakowski no trabalho que já citamos ê
que a cominação se faça proporcionando a amplitude necessá~ia
(Spielraum) a permitir a imposição da pena que corr'esponda às
exigências da justiça no caso concreto.
~or outr.o lado, o legislador é obrigado a manter a lógica interna
do SIstema que ele estabelece na cominação das penas.
3. ~ esse seJ?-tido, caracteriza-se o Direito Penal de nosso tempo
por_ malOr amphaçã~ dos poderes discricionários do juiz. na aplicaçao da pena, preCIsamente para atender às exigências, cada vez
. ?
. DOUTRINA
17/18
Particularmente importantes foram os Congressos Internacionais de
DIreIto Penal de Atenas (1957), Lisboa (1961) e Roma (1969). A bibliografia
sobre a matéria em geral é imponente.
3. Nowakowski, Die Problematik eines Strafgesetzentwurfes unter bes0t;d~rer Berüaksichtigung des oesterreichischen Entwurfes, no volume Zur oesterrewhtsahen Strafrechtsreform, Bregenz, 1965, 98.
4. Cf. Von Liszt, Strafrechtliche Auf8atze und Vortr,age, 1905, vol. I, pág.
-1~2 çn.'er Zweckgedanke im Strafrecht). Adotamos deliberadamente formulações
SImplIfIcadoras, abandonando os aspectos polêmicos, que são irrelevantes para
este trabalho.
25
mais amplas, da Política Criminal, neste setor. 5 A amplitude dos
poderes do juiz na aplicação da pena é tradicional no direito anglo-americano, deitando raíz€s em antigas regras da common law. 6
Com a crise irreversível da pena privativa da liberdade, pode
dizer-se que uma lei penal moderna se caracteriza pela diversidade
de medidas punitivas que oferece ao juiz e pela amplitude de poderes que lhe confere para a imposição da pena. 7
O Direito Penal de nosso tempo está marcado pela humanização
e pela mitigação das penas, procurando-se tanto quanto possível
afastar o condenado primário e de bons antecedentes da prisão. Está
demonstrado que a reincidência entre os condenados que obtiveram
sursis é menor do que em relação aos que cumpriram pena.
O anteprojeto Hungria, elaborado em fase já ultrapassada,
aumenta inutilmente os mínimos e os máximos de numerosas penas.
O efeito intimidativo da pena é mais que duvidoso e a agravação
das penas está longe de ser remédio ad€quado para combate à criminalidade, que não pode ser enfrentada sem medidas adequadas de
política social. O Direito Penal desempenha papel secundário na
prevenção do crime.
A história do direito punitivo demonstra que a' cominação de
penas desproporcionadas e injustas termina por não ser observada
pelos juízes.
A manutenção da pluralidad€ das penas privativas da liberdade
(que é de origem retributiva), foi grave erro do novo CP. Tal distinção não tem sentido, pois jamais foi observada na fase executiva
e está hoje abandonada por todas as leis modernas. Todavia, a
irrelevância da natureza da pena para efeito de concessão do sursis,
adotada pelo novo Código (art. 70), como, aliás, ocorre atualmente
no direito suíço, bem como o efeito suspensivo concedido à pena
de reclusão e a modificação do sistema da prisão em flagrante que
5. Hellmuth Mayer, Die richterliche St1'afzumessung, Verlag C.F. MüIler,
Karlsruhé, 1956, 4; Maurice Rolland, Les phases du prOC6& pénal, Revue de Sc.
Crim. Droit Pénal Comparé, 1973, 340: "Nous traversons une periode dans laquelle
iI faut laisser au juge les possibilités les plus larges, tant en ce qui concerne le
choix des mesures à prendre qu' en ce qui concerne les conditions dans Iaquelles iI
s' éclairera sur le choix de ces mesurell'. Já o VIII Congresso Internacional de
Direito Penal (Lisboa, 1961) concluiu no sentido de que a inçlividualização moderna pressupõe a outorga ao juiz de grande liberdade de apreciação no que se refere
à determinação da sanção' (Actes, Sirey, 1965, 623).
6. Cf. Heleno C. Fragoso, Notas sobre o Direito Penal Anglo Americano,
Rev. Bras. de Crim. Dir. Penal, n. 14 (1966), 119.
'.
7. Ocupa modernamente nesse sentido posição destacada o Criminal Justice
Act, de 1972. Sobre as alternativas para a prisão que já estão em vigor na Ingla~
te:r~ e que continuarão a ser desenvolvidas, cf. R. Carr, "Penal changes in Britam , lnt. Journal of Offender Therapy Comp. Criminology, 1973, vol. 17, n. 2,
203. Fundamentando o que se diz no texto, vejam-se as conclusões do XI Congresso
Internacional de Direito Penal (Budapeste, 1974).
3 ·R.D.P. 17/18
26
REVISTA DE DIREITO PENAL -
17/18
o novo CPP adotará, atenuam os efeitos da orientação mantida pela
nova lei.
4. Na cominação das penas, o que se deve eXIgIr é que, em
. termos valorativos, penas iguais sejam previstas para fatos de igual
gravidade. Em segundo lugar, que os mesmos critérios, na técnica
da comi nação, sejam observados.
A primeira tarefa requer um levantamento comparativo, para
permitir a avaliação, à semelhança do que se fez, por exemplo, na
Alemanha, com o projeto de 1960. 8
II -
PENA DE RECLUSÃO
5. Examinando-se os casos a que está cominada a pena de
reclusão, verificamos que, quando a escala penal parte do mínimo
(que é de um ano, art. 37, § 1.0 ), este não é mencionado. Assim,
por exemplo, a pena do crime de ofensa ao pudor mediante fraude
é de "reclusão, até dois anos" (art. 241). Isto significa o mesmo
que "reclusão, de um a dois anos".
Partindo-se do mínimo, temos: reclusão até 3 anos; 9 reclusão
até 4- anos,' 10 reclusão até 5 anos; 11 reclusão até 6 anos; 12 reclusão
até 8 anos. 13
Em outros casos, parte-se do mínimo de 2 anos de reclusão.,
fixando-se, no entanto, o má,ximo em 4 anos; 14 5 anos; 15 6 anos; 16
7 anos; 17 8 anos; 18 10 anos; 19 12 anos. 20
8. Niederschriften über die Sitzungen der Grossen Strafrechtskommission.
14. Band, Bonn, 1960, 95 s. (Die Strafdrohungen des Regierungsentwurfs eine~
Strafgesetzb~UJhes, E 1960). O levantamento comparativo obedeceu a vários diferentes critérios. Com referência ao direito alemão então vigente o levantamento
havia sido feito no 5.° volume da série, págs. 174 e segs.
9. Arts. 154, 186, 187, 224, 235, 236, 240, 243, 250, 258, 281, § 2.°, 300, 318,
325, 326, 329, 331, 333, 367, § 1.0, 379.
10. Arts. 189, 191, 193, 241, parágrafo único, 277 278 279 283 365 380
381, 391, § 3.°, 393.
'.
,
,
,
,
,
11. Arts. 131, § 1.0, 135, § 1.0, 184, 187, 195, 268 294 328 329 333 337 370
372 e 398.
. '
,
,
,
,
,
,
12. Arts. 154, § 1.0, 164, 179, 266, 311 e 379, § 1.0.
13. Arts. 131, § 3.°, 324, 353, 371 e 380, parágrafo único.
14. Arts. 242 e 244.
, . 15. Arts. 250, § 1.0, 251, 252, 253, 284, 285, 289 290 301 366 parágrafo
umco, e 375.
'
,
,
,
16. Arts. 122, 185, 239, 240, parágrafo único 259 265 302 311 § 5 ° 322
327, 337, 338, 384, e 391, § 1.0.'
'
,
,
,
,
.,
,
17. Art. 183.
18. Arts. 356, 350, § 2.° e 376.
19. Art. 170.
20. Art. 352.
. DOUTRINA
27
A gravidade da pena mede-se, principalmente pelo mínimo. É
incompreensível que haja penas em que o mínimo é de utm a,no e
o máximo de 8 e que haja penas em que o m'Ítnimo é de 2 anos e
o máximo de 4, 5, 6 e 7 anos .
Se· o máximo é igual, a gravidade das penas depende do mínimo.
Pode, ·em conseqüência, o mesmo máximo apresentar mínimos diversos. Mas será incoerente o legislador se punir certos crimes com
escala penal que se inicia em mínimo maior e termina em máximo
menor ao lado de outras punições que se iniciam com mínimos menores e terminam em máximos maiores.
Sugerimos, assim, que, em todos os casos em que a pena mínima
é de 2 anos e o. máximo não ultrapassa 7, o mínimo. seja reduzido
para um ano. 21 Nenhuma escala penal cujo máximo não ultrapasse
7 anos deve ter o mínimo superior a 1.
Particularmente infeliz foi o aumento da pena do estelionato
(art. 183) para 2 a 7 anos. O aumento do má,ximo do furto simples
(art. 164) para 6 anos também é criticáv.el, mas, na prática, terá
pouca relevância.
Particularmente importante é reduzir o mínimo da pena da sedução para 1 ano. 22
Temos penas cujo mínimo de reclu~ão é de 3 anos e o má,ximo
é de 6 23 e de 7 anos. 24 Ou seja: penas cujo máximo é inferior ao
de penas cujo mínimo é de 1 e de 2 anos. EiStas penas também devem
passar ao mínimo de 1 ano.. 25
Há penas cujo mínimo é de 3 anos, e cujo máximo, sendo
superior a 8 não alcança a 12: de 3 a 10 anos. 26 N estes casos, (}
mínimo deve ser reduzido para dois anos. E isto porque há penas
em que o mínimo é de 2 anos e o máximo é de 12 anos. 27
Da mesma forma, há penas cujo mínimo é de 4- anos de reclusão,
e cujo máximo é de 10 anos. 28 Nestes casos, a pena mínima deve
ser reduzida para 2 anos. Os crimes punidos com o mínimo de 4
anos, nos quais o máximo, sendo superior a 12, não excede a 15, 29
devem ter a pena mínima reduzida para 3 anos, porque há penas
cujo mínimo é de 3 e cujo máximo vai até 15 anos. 30
21. São os crimes a que se referem os artigos referidos nas notas 14, 15,
16 e 17, supra.
22. Todo o capítulo dos crimes contra a liberdade sexual exigiria profunda
revisão, que a esta altura está fora de cogitações.
23. Arts. 253, § 1.0, 277, § 1.° e 281.
24. Art. 285.
25. Referimo-nos às penas dos crimes a que aludem as notas 23 e 24, supra.
26. Arts. 164, § 5.° e 347.
27. Cf. nota 20.
28. Arts. 251, § 2.°, 285, 254, § 1.°, 299, § 1.°.
29. Arts. 130, § 1.0, 167, 168 e 289, § 2.°.
30. Arts. 319, § 3.° e 344.
28
REVISTA DE DIREITO PENAL -
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DOUTRINA
o único crime punido com a pena de 5 a 12 anos de reclusão 31
dev-e ter o mínimo reduzido para 3 anos, pelas mesmas razões.
Há crimes punidos com a pena mínima de 6 anos cujo máximo
é de 15 32 e de 18 anos. 33 A pena mínima deve ser reduzida para
5 anos, porque há crime em que a pena sendo, no mínimo 5, tem
o máximo fixado em 20. 34 Pela mesma razão o único crime punido
com 7 a 16 anos de reclusão deve ter a pena mínima reduzida
para 5. 35 O único crime punido com 8 a 18 anos de reclusão 36 deve
ter o mínimo reduzido para 6, porque há crime punido com o mínimo
de 6, cujo máximo vai a 20. 37
6. Procura-se com isso assegurar uniformidade lógica na cominação das penas, ampliando-se, aliás, nos casos que mencionamos a
área de manobra que o legislador deixará ao juiz, e que, como já
vimos, é típica das leis penais modernas.
III -
PENA DE DETENÇÃO
7. O mínimo da pena de detenção é de 15 dias, e o máximo, de
dez anos (art. 37, § 1.0).
Encontramos cominadas penas de detenção até 1 mês; 38 até 2
meses; 39 até 3 meses; 40 até 6 meses; 41 até 1 ano; 42 até 2 anos; 43
até 3 anos 44 e, inclusive, até 4- ano/s. 45
Ao lado disso, inexplicavelmente, aparecem penas de 20 diasa 2 meses; 46 de 1 a 3 mes-es; 47 de 1 a 6 meses ;48 de 3 a 6 meses; 49
31. Art. 254, § 2.°.
32. Art. 169.
33. Art. 167, § 3.°.
34. Art. 277, § 3.°.
35. Art. 169, § 3.°.
36. Art. 169, § 3.°.
37. Art. 120.
38. Arts. 272, 357, 361, 385.
39. Art. 188.
40. Arts. 157, 209, 217, 273, 304, 305, 306, 307, 309, parágrafo único,
parágrafo único, 323, § 1.°, 349, 388, § 1.0 e 396.
41. Arts. 137, 143, 146, 153, 158, 160, 165, 172, 174, 175, 205, 206, 207,
parágrafo único, 212, parágrafo único, 213, 216, 227, 228, 230, 264, 266, 270,
286, parágrafo único, 291, § 2.°, 292, 293, 298, 303, § 2.°, 368, 377 e 382.
42. Arts. 161, 180, 196, 225, 226, 229, 231, 233, 234, 274, 297, 335, 336,
360 e 374.
43. Arts. 236, parágrafo único, 237, parágrafo único, -267, 282, 312 e
44. Arts. 156, 171, 193, § 1.0, 262, 263, 308 e 334, § 1.0.
45. Art. 269, parágrafo único.
46. Art. 139, rixa simples. Esta pena foi fixada, evidentemente por
lapso.
47. Art. 358.
48. Arts. 288, 323, § 1.0, 388 e 389.
49. Arts. 316 e 317.
de 1 mês a um ano; 50 de 2 meses a 1 ano; 51 de 3 meses a 1 ano ;52
de 6 meses a 1 ano; 53 de 2 mes-es a 2 anos; 54 de 3 meses a 2
anos; 55 de 4 meses a 2 anos; 56 de 6 meses a 2 anos; 57 de 6 meses
a 3 anos 58 de 6 meses a 4 anos. 59
Não se compreende que, tendo adotado amplissima escala penal
em certos casos (15 dias a 4 anos), fixem-se mínimos insignificantes
e soem qualquer critério.
É unânime hoje o repúdio às penas privativas da liberdade de
curta duração, que devem aparecer sempre alternativamente com
a pena de multa. As penas curtas não devem ser aplicadas. Por
isso mesmo é possível fixar certas categorias de penas de detenção,
de modo a uniformizar os critérios de cominação da pena:
até 3 meses;
até 6 meses;
até 1 ano;
de 6 meses a 1 ano;
de 6 meses a 2 anos;
de 6 meses a 3 anos;
de 1 a 4 anos.
8. Em conseqüência, é necessário corrigir as penas cominadas,
da seguinte forma:
a) Passam a ser puníveis com "detenção, até 3 meses", os crimes que são punidos com 20 dias a 2 meses; 60 de um a 3 meSes, 61
bem como os que são punidos com "até 1 mês" e "até 2 mes-es"; 62
b) passam a ser puníveis com "detenção, até 6 meses", os crimes punidos com detenção de 1 a 6 meses e de 3 a 6 meses; 63
e
310,
208,
271,
346,
334.
um
29
50. Arts. 152, 221, 222, 232
390, parágrafo único.
51. Arts. 132, 138, 300, parágrafo único, 301, parágrafo único, 308, parágrafo único, 310 e 399.
I
52. Arts. 128, 131, 134, 142, 144, 145, 162, 201, parágrafo único, 211, 215,
218, 219, 220, 256, 260, 277, § 4.°, 287, 313, 339, 344, § 3.°, 353, § 2.°, 354, 355,
358, parágrafo único, 363, 376, § 2.°, 391, § 4.° e 392.
53. Arts. 147, 204, 302, § 2.°, 384, parágrafo único.
54. Arts. 152, § 1.° e 367.
55. Arts. 159, 366, 378, 387 e 400.
56. Art. 340.
57. - Arts. 127, 136, 293, parágrafo único, 137, § 1.0, 140, 141, 157, § 1.0, 145,parágrafo único, 166, 177, 181, 189, § 2.°, 194, 202, 223, 261, 275, 276, § 2.°, 277,
§ 4.°, 278, parágrafo único, 279, 280, 281, § 1.0, 289, § 3.°, 290, § 2.°, 299, § 2.°,
303, § 1.0, 309, 314, 319, § 2.°, 338, parágrafo único, 341, parágrafo único, 351,
362,369, 373, 383, 386, 391 e 394.
58. Arts. 135, 173, 174, parágrafo único, 286, 342, 359, 395, parágrafo único
e 397.
59. Art. 387, parágrafo único.
60. Nota 46, supra.
61. Nota 47, supra.
62. Notas 38 e 39,supra.
63. Notas 48 e 49, supra.
30
REVISTA DE DIREITO PENAL -
17/18
c) passam a ser punid.os c.om "detençã.o, até 1 an.o", .os crimes
punid.os c.om 1 mês a 1 an.o e 2 meses a 1 an.o: 64
d) passam a ser punid.os c.om "detençã.o de 6 meses a 2 an.os",
.os crimes punid.os c.om 2 meses a 2 an.os; 3 meses a 2 an.oS e 4 meses
a 2 an.os; 65
e) passam a ser punid.os c.om a pena de "detençã.o de 1 a 4
an.os" .os crimes punid.os c.om 6 meses a 4 an.os. 66
Além dessas .observações, em relaçã.o à pena de detençã.o, cabe
apenas assinalar que a pena mínima d.o crime previst.o n.o art. 296
§ 2.0 (que é de 2 an.os) deve ser reduzida para 1 an.o, p.ois há crimes
em que .o mínim.o é de 1 e .o máximo é d,e 5 an.os. 67
IV -
PENA DE MULTA
9. Quant.o à pena de multa, .o n.ov.o CP renunci.ou a estabelecer
.os critéri.os a serem c.onsiderad.os pel.o juiz na sua fixaçã.o '(a exempl.o d.o n.ovo CP alemã.o, § 40, 2). O m.ontante do dia-multa é fixad.o
"segund.o o prudente arbítri.o d.o juiz" (art. 44, § 2.0 ), send.o, n.o
mínim.o, de um dia-multa, e, n.o máxim.o, de 360 dias-multa.
O fim rec.onhecid.o da pena de multa é .o da diminuiçã.o d.o nível
de vida do delinquente p.or cert.o perí.od.o. C.om.o diz Zipf, .o dia-multa
deve ser calculad.o de m.od.o que, após sua deduçã.o da renda líquidá
diária, s.obre a.o delinqüente .o mínim.o indispensável às despesas c.om
sua manutençã.o e a de seus dependentes. 68
O juiz tem ampl.o p.oder discrici.onári.o para fixar .o m.ontante
d.o dia-multa, que deve, n.o entant.o, justificar (art. 55). Não há
dúvida, no entant.o, de que tal pena deve ser efetivamente pena, .ou
seja, representar alg.o significativ.o, em term.os de diminuiçã.o temp.orária d.o p.oder de c.ompra.
10. O sistema de dias-multa nã.o c.onstitui n.ovidade em n.ossa
legislaçã.o, p.ois já era previst.o em n.oSs.o Códig.o Imperial. 69 M.oder64. Notas 50 e 51, supra.
65. Notas 54, 55 e 56, supra.
66. Nota 59, supra.
67. Arts. 291, 311 e 332, parágrafo único.
68. Zipf; ZU1' Ausgestaltung der Geldstrafe im Kommenden Reeht, ZStw
(1965), 529. Ver também as Jornadas da Associação Alemã de Direito Comparado,
realizadas em setembro de 1973, em Hamburgo (Revwe Se. Crim. DI'oit Pénal
Comparé, 1974, 700 s.).
69 . Nosso Código Criminal de 1830, em seu art. 5,5, dispunha: "A pena de
multa obrigará os réus ao pagamento de uma quantia pecuniária que será sempre
regulada pelo que os condenados puderem haver em cada um dia pelos seus bens,
empregos ou indústria, quando a lei especificamente a não designar de outro
modo". Na Parte Especial a pena de multa era cominada da seguinte forma:
"prisão com trabalho por dois a seis anos, e de multa correspondente à metade
do tempo" (art. 125, por exemplo). Isso significava: multa de 1 a 3 anos (ou
360 a 1.080 dias-multa).
, DOUTRINA
31
namente, é .oriundo d.o direit.o escandinav.o, que serviu de m.odel.o a.os
códig.os recentes.
Somente n.o GP suec.o existe um mínim.o e um maXlm.o para o
dia-multa (2 e 500 c.or.oas, respectivamente). Na Dinamarca existe
apenas um mínim.o (2 c.or.oas), nã.o havend.o máxim.o. Na Finlândia,
nã.o há nem mínim.o, nem máxim.o.
O n.ovo CP estabelece que .o dia-multa nã.o p.ode ser inferi.or a
um trigésim.o d.o salári.o mínim.o, nem superi.or a um terço dele (art.
44, § 1.0). A única explicaçã.o para limitar .o máxim.o só p.ode ser o
pr.opósit.o de proteger .os ric.os. Sugerim.os que a parte final d.o art.
44, § 1.0 seja eliminada, fixand.o-se apenas .o mínim.o (um trigésim.o
d.o salári.o mínim.o), com.o na Dinamarca. 70
Na Parte Especial, .os códig.os estrangeir.os raramente c.ominam
a pena de multa estabelecend.o .os limites. O CP alemã.o, p.or exempl.o, apenas indica que .o crime deve ser punid.o c.om certa pena
privativa da liberdade e multa. Os limites sã.o os previst.os na Parte
Geral (5 a 300 DM). Em raros casos estã.o previst.os limites máximos (ex.: § 160, até 180 DM). O n.ov.o CP austríac.o fixa .o limite
máxim.o nas c.ominações da Parte Especial, porque este nã.o está
previst.o na Parte Geral (§ 19). Esse limite, no entanto, é sempre
muit.o alt.o (até 180 ,.ou 360 DM). O crime d,e violaçã.o de c.orresp.ondência, p.or exempl.o, é punid.o c.om a pena alternativa de até
180 DM (§ 118). Em n.oss.o CP tal crime é punid.o c.om pena alternativa de até 20 DM.
11. A primeira e fundamental .observaçã.o a fazer s.obre as
penas de multa n.o n.ov.o CP é que elas foram,em geral, previstas
em limites ridícul.os, fruto da completa inexperiência do legislad.or
nessa matéria.
Assim é que tem.os penas de multa alternativas de até 5 DM, 71
até 10 DM,72 até 15 DM,73 de 2 a 5 DM,74 de 3 a 10 DM,75 de
3 a 15 DM,76 de 5 a 10 DM, i7 de 5 a 15 DM,78 de 5 a 20 DM 79 etc.
70. O novo CP alemão estabelece o montante máximo do DM, mas o faz na
elevadíssima soma de dez mil marcos (§ 40, 2). O novo CP austríaco também
fixa o montante máximo em 3.000 Sehillings (§ 19, 2).
71. Art. 310, parágrafo único.
72. Arts. 188, 209, 228, 230, 273, ~86, parágrafo único, 304, 306, 307, 357 e
361.
73. Arts. 175 e 180 e seu parágrafo único.
74. Art. 131, § 5.°.
75. Arts. 231 e 256.
76. Art. 396.
77. Arts. 234, 305, 309, parágrafo único, 310, 368, 377 e 385.
78. Arts. 272, 274, 316, 317, 323, § 2.°, 335, 339, 349, 351, 374, 378, 391,
§ 4.°, 399 e 400.
79. Arts. 152, 229, 257, 266, parágrafo único e 277.
.
REVISTA DE DIREITO PENAL -
32
Entre as penas de multa alternativamente previstas (ist.o é,
p.odend.o ser aplicadas c.om.o pena única), nenhuma ultrapassa 80. DM
(prevista, aliás, para um único crime, .o d.o art. 166). 80 % não
ultrapassam 30 DM.
Até recentemente .o Códig.o Naci.onal de Trânsit.o punia as pena:
lidades d.o grup.o 1 c.om multas de val.or entre 50ro a 100% do
salári.o mínim.o vigente na regiã.o (art. 107). N.o Ri.o de Janeir.o,
.os j.ornais d.os últim.os dias anunciaram que .o estaci.onament.o de
veícul.os s.obre as calçadas será punid.o c.om multas d·e CR$ 600,00. 80
A baixíssima pena de multa prevista n.o n.ov.o CP é bastante
para c.ompr.ometer a eficácia de uma pena que está destinada, n.o
direit.o m.odern.o, a substituir em larga escala a pena privativa da
liberdade.
N.os cas.os em que a pena de multa é prevista cumulativamente
c.om a privaçã.o da liberdade, tem.os cas.os de até 20 DM,81 de 3. a
10 DM,82 de 3. a 15 DM,83 de 5 a 16 DM,84 de 5 a 15 DM85 etc.
C.om exceçã.o d.os crimes relativ.os a dr.ogas, punid.os c.om pÊma
de 10 a 100 DM (.art. 311) e 10 a 200 DM(art. 311, §§ 3.° e 4.°)
e até 360 DM (art. 311 e seu § 5.°), s.omente um crime tem pena
c.om limite máxim.o de 300 DM (art. 277, expl.osã.o); s.omente um
crime é punid.o c.om multa até 150 DM (aband.on.o material, art.
269), e s.omente sete sã.o punid.os c.om limite máxim.o de 100 DM
(usura pecuniária, art. 194; peculat.o, art. 344; furt.o simples, art.
164; r.oub.o simples, art. 167; ext.orsã.o simples, art. 168; ext.orsã.o
mediante seqüestr.o, art. 169; chantagem, art. 170).
A segunda imp.o:rtante .observaçã.o a fazer s.obre a pena' de
multa é a c.ompleta ausência de critéri.os .ou de unif.ormidade de
c.ominações, frut.o d.o fat.o de nã.o ter chegad.o a ser c.oncluíd.o .o trabalh.o de revisã.o.
A pena de multa n.o n.ov.o Códig.o nã.o guarda c.orresp.ondência
c.om a gravidade da pena de prisã.o. Assim, tem.os cas.os de reclusão
até 4 anos e pagament.o de 5 a 10 DM (desabament.o .ou desm.or.onament.o, art. 283).
.
A mesma ínfima pena de 5 a 10 DM está prevista cumulativamente c.om detenção de 6 meses a 2 anos (art. 280); de 1 a 3.
anos (art. 295) ; de 15 dias a 1 ano (art. 297) ; de 6 meses a 1 ano
(art. 302, § 2.°); de 15 dias a 6 meses (art. 303) e também está
prevista para crimes punid.os com reclusão até 3. anos (arts. 281, §
2'.°; 329 'e 333) ; até 4 anos (art. 283); e até 5 anos (art. 337).
80 .
81.
82.
83.
84.
85.
Jornal do Brasil, 12 ..8.75.
Arts. 172 e 225.
Arts.232, 233, 376, § 2.° e 388, § 1.°.
Art. 388.
Art. 185.
Exemplo: art. 171.
DOUTRINA
17/18
33
Nã.o só a pena é ínfimac.om.onã.o há critéri.o algum.
Alguns .outr.os exempl.os serã.o ilustrativ.os. A mesma pena de
5 a 15 DM está prevista cumulativamente c.om crimes punidos c.om
detenção de 15 dias a 6 meses (art. 270) e c.om crimes punid.os c.om
reclusão até 5 (art. 294), 6 (art. 338), 7 (art. 345) e 8 an.oS (art.
376).
A falta de critéri.o é geral. Nã.o se entende p.orque a falsidade
ide.ológica está punida c.om 5 a 15 DM (art. 329) e a calúnia c.om
pagament.o de 10 a 40 DM (art. 141).
12. Na pena de multa, c.om.o se percebe, é necessári.o fazer
revisã.o mais c.ompleta e mais geral, que deve se .orientar apenas
n.o sentido da fixaçã.o de cert.os limites máxim.os.
Assim,. quand.o a pena de multa é prevista c.om a de detençã.o,
deveriam ser fixad.os limites raz.oavelmente c.ompatíveis c.om a eventual c.onversã.o. Assim:
a) T.od.os .os crimes punid.os c.om detençã.o até 3 meses devem
também ser punid.os, alternativamente, c.om multa, até 90 DM.86
b) T.od.os .os crimes punid.os c.om detençã.o até 6 meses de prisã.o,
devem também ser punid.os, alternativamente, c.om até 12'0 DM. 87
c) Existem penas de até 1 an.o de detenção em que a pena de
multa .ora é alternativa, 88 .ora é cumulativa. 89
Em t.od.os .os cas.os em que alternativamente, c.om 1 an.o de detençã.o aparece a multa, deve ser fixada em até 180 DM. Em t.od.os
os cas.os em que aparece cumulativamente, deve ser fixada em até
150 DM.
d) Há penas de detençã.o até 2 ano·s em que a pena de multa
aparece cumulativamente,90 e, também alternativamente.91 N.o primeir.o cas.o, deve a multa ser fixada em até 180 DM. N.o segund.o,
em até 210 DM.
86. Pelo CP, todos' os crimes punidos com detenção até 3 meses têm pena
alternativa de multa, com exceção do favorecimento pessoal, na forma privilegiada,
punido éom detenção até 3 meses, e, cumulativamente, com pagamento de 3 a 10
dias-multa, e do patrocínio indébito (art. 358), punido com 1 a 3 meses de
detenção e pagamento de 5 a 15 DM. São lapsos evidentes.
87. Quase todos os crimes punidos com detenção até 6 meses têm pena de
multa alternativa, salvo algumas exceções, que resultam de inadvertência (arts.
172, 303, § 2.°, 323, § 1.0, 388 e 389).
88. Arts. 161, 180, 196, 229, 231, 234, 274, 335, 346 e 374.
89. Arts. 225, 226, 233, 297 e 360.
90. Art. 236, parágrafo único.
91. Art. 237, parágrafo único.
84
REVISTA DE DIREITO PENAL -
17/18
e) Os casos em que a pena de multa aparece cumulativamente
com penas de detenção até 3 anos, 92 4 anos, 93 5 anos 94 e 6 anos, 95
devem ter a pena de multa fixada em até 240 DM. Nestes casos não
há, no Código, pena de multa alternativamente cominada.
Em nenhum caso· há necessidade de fixar o mínimo na Parte
Especial. Essa fixação do mínimo não é jamais prevista nas legislações que adotam o sistema, e deixa ao juiz ampla possibilidade de
individualização.
13. Nos casos de crimes punidos com penas de reclusão a
pena de multa é sempre cumulativa. Sugerimos a fixação dos
seguintes critérios:
a) Em todos os crimes em que a pena de multa aparece cumulativamente com reclusão até 3, 96 4, 97 5, 98 6 99 e 7 anos 100 deve
ser fixada em até 240 DM.
b) Nos crimes punidos com reclusão até 8,101 10 102 e 12 anos, 103
nos quais a pena de multa aparece cumulativamente, deve ser fixada
em até 300 DM.
c) Nos casos de crimes punidos com penas de reclusão superiores a 12 anos, nos quais a pena de multa aparece cumulativamente,104 deve ser fixada em até 360 DM.
14. Deve ser mantida a excelente regra do art. 45 do CP, que
permite aplicar a pena de multa ao crime cometido com fins de
lucro, ainda que não esteja expressamente cominada.
O art. 46, que timidamente permite a conversão da detenção
até 6 meses em multa deve ser modificado. Pelas sugestões que
fizemos, todas as penas de detenção até 6 meses são comi nadas alternativamentecom multa.
92.
93.
94.
95.
96.
97.
98.
99.
100.
101.
350, 356
102.
103.
104.
Arts. 171, 193, § 1.° e 308.
Art. 269, parágrafo único e 387 parágrafo único.
Arts. 291, 311 e 332, parágrafo único.
Art. 295, § 1.0.
Arts. 186, 187, 224, 235, 236, 281, § 2.°, 300, 325, 329, 333 e 379.
Arts. 189, 191, 193, 277, 278, 279, 283, 380 e 381.
Arts. 184, 187, 195, 268, 294, 328, 329, 333, 337, 370, 372 e 398.
Arts. 164, 179, 311, 379, § 1.0, 277, § 1.0 e 281.
Art. 285.
Arts. 324, 353, 371, 380, parágrafo único, 164, § 4.°, 291, § 1.0, 321,
e 376.
Arts. "170, 164, § 5.0 , 347, 299, § 1.0.
Arts. 352, 319 e 320, 289, § 1.0 e 290, § 1.0.
Arts. 167, 168, 289, § 2.°, 277, § 3.° e 169.
DOUTRINA
85
A pena estipulada nesse artigo deve passar para "não superior
a um ano".
15. Como se percebe, é modesto o objetivo deste trabalho, um
pouco artesanal e, por isso mesmo, descuidado pelos juristas. Todavia, ele tinha que ser feito e era propósito da primeira comissão
revisora (integrada pelo próprio Nélson Hungria) fazê-lo. Em realidade, é preciso completar o trabalho de revisão, e isto agora compete ao Congresso.
N o que tange à pena de multa é ele imprescindível. Essa pena,
adotada no sistema de dias-multa é um dos pontos altos e fundamentais da reforma. 105 Será uma lástima se o novo CP entrar em
vigor com as penas de multa que prevê.
105 .Zipf, Die Rechtsfolgen der Tat, no volume Einfilhrung in das neue
Strafrecht, Beck, 1974, 65.
. DOUTRINA
37
Falso reconhecimento de firma
ou letra - Documento particular
- Resistência - Crime contra a
Administração em geral - Forma qualificada.
- Falso testemunho ou falsa perícia
-
Art. 333
Art. 367, § 1.0
Art. 379
e
5/10 DM
e
5/15 DM
e
10/40 DM
e
10/50 DM
e
10/50 DM
e
5/30 DM
e
e
5/20 DM
5/20 DM
e
5/10 DM
e
e
5/15 DM
5/15 DM
e
e
e
e
5/15 DM
10/50 DM
15/60 DM
5/30 DM
e
5/15 DM
e
5/15 DM
APÊNDICE
Até 4 anos
PENAS DE RECLUSÃO NO NOVO CP *
Até 2 anos
Art. 241
Até
Art.
Art.
Art.
Art.
-
Ofensa ao pudor mediante fraude.
3 anos
154
186
187
224
-
Art. 235
Art. 236
Art. 240
Art. 243
Art.250
Art. 258
Art. 281, § 2.
Art. 300
Art. 318
Art. 325
Art. 326
Art. 329
Art. 331
0
Seqüestro ou cárcere privado.
Induzimento à especulação
Fraude no comércio
Invasão de estabelecimento de
. trabalho, sabotagem
- Violação de sepultura ou urna funerária
- Destruição, subtração ou ocultação de cadáver
- Posse sexual mediante fraude.
- Corrupção de menores.
- Proxenitismo.
- Incesto.
- Perigo de inundação
- Poluição de fluidos
- Quadrilha ou bando.
- Petrechos de falsificação de selos e papéis
- Petrechos de falsificação de selos e papéis, se cometido por
funcionário.
- Falsidade ideológica - Documento particular
- Falsidade ideológica - Funcionário público.
e
e
5/15 DM
10/30 DM
Art. 189
-
Art. 191
~
Art. 193
-
Art. 241, parágrafo único Art.277
Art. 278
-
e
15/50 DM
Art. 279
Art. 283
e
5/20 DM
Art. 365
-
e
5/20 DM
Art. 380
-
Art. 381
Art. 391, § 3.
Art. 393
0
-
5/15 DM
Art. 131, § 1. o
Art. 135, § 1.°
Art. 184
-
5/10 DM
Art. 187
Art195"-Art.268
Art. 294
-
Art. 328
-
e
e
5/10 DM
5/25 DM
Fraude e abusos, na fundação
e administração de sociedade
por ações
Autorização de empréstimo a dirigente da própria instituição
financeira
Violação de sigilo de. instituição
financeira
Ofensa ao pudor mediante fraude.
Explosão
Emprego de gás tóxico ou asfixiante
Abuso de radiação
Desabamento ou desmoronamento
Reingresso de estrangeiro expulso.
Corrupção ativa de testemunha
ou perito
Coação no curso de processo
Fuga de preso internado.
Arrebatamento de preso ou internado.
Até 5 anos
e
e
*.' Estão indicados os' casos em que a' pena de multa também é cominada,
cumulativamente.
Lesão grave.
Abandono de pessoa.
Fraude em jogo desportivo ou
competição
Fraude
-- Receptação dolosa
Sonegação de estado de filiação
Atentado contra serviço de utidade pública
Falsificação de documento particular
-~:.
~
,/
38
Art. 329
Art. 333
Art. 337
Art. 370
Art.372
Art. 398
REVISTA DE DIREITO PENAL -
. DOUTRINA
17/18
_ Falsidade ideológica - Documento público
_ Falso reconhecimento de firma
ou letra - Documento público
_ Impressão de documento público
- Tráfico de influência
_ Contrabando ou descaminho
_ Exploração de prestígio
5/15 DM
e
5/15
5/10
15/40
10/30
10/30
e
e
e
e
e
DM
DM
DM
DM
DM
Até 6 anos
Art. 164
Art. 179
Art.266
Art. 311
- Furto simples
_ Apropriação indébita simples
_ Falso registro, parto suposto,
ocultação ou substituição de recém-nascido.
- Comércio, posse ou uso de entorpecentes ou substâncias que
determinem dependência físiea
ou psíquica
e
e
15/60 DM
15/60 DM
Art. 324
Art. 353
Art. 371
Lesões qualificadas pelo resultado (se resulta morte).
_ Falsificação de selos e papéis
públicos
- Corrupção passiva
- Corrupção ativa
-
até 360 DM
-
e
e
e
5/15 DM
15/30,DM
15/30 DM
Art. 122
-
Art. 185
Art.239
Art. 240, parágrafo único Art. 259
Art. 265
Art. 302
-
Art. 311, § 5.°
-
Art. 322
-
Art. 327
-
- Sedução.
_ Rapto (sem preJUlzo pena crime de natureza sexual que acaso se seguir ao rapto) .
Art. 337
-
Art. 338
-
Art. 250, § 1.°
-
Art. 348
-
Art. 251
Art.252
-
Art. 391, § 1. °
-
Dela6anos
Art. 311, § 3.°
-
Induzimento ao uso de entorpecentes
e
10/200 DM
De 2 a 4 anos
Art. 242
Art.244
De 2 a 5 anos
Formas qualificadas - Proxenetismo.
Favorecimento de prostituição.
Local de prostituição
e
5/40 DM
e
10/30 DM
e
5/15 DM
e
5/20 DM
e
5/15 DM
e
10/30 DM
e
15/30 DM
e
5/16 DM
e
10/30 DM
e
até 360 DM
e
5/20 DM
e
15/30 DM
e
5/15 DM
e
5/15 DM
e
5/15 DM
De 2 a 6 anos
e
Até 8 anos
Art. 131, § 3.°
Rufianismo
Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento ou impedimento do seu uso
- Formas qualificadas pelo resulArt. 285
tado do crime previsto no art.
284
- Perigo de desastre ferroviário
Art. 289
- Atentado contra transporte por
Art. 290
água ou pelo ar
- Corrupção ou poluição de água
Art. 301
potável
Art. 366, parágrafo único - Formas qualificadas - U surpação de cargo, função ou emprego
público
- Subtração ou inutilização de liArt. 375
vro, processo ou documento
Art. 253
Art.284
39
e
10/40 DM
Provocação direta ou auxílio a
suicídio.
Abuso de incapazes
Atentado violento ao pudor.
Posse sexual mediante fraude.
Bigamia.
Registro de nascimento inexistente.
Corrupção ou falsificação de
substância alimentícia ou medicinal
Associação (comércio, posse uso
de entorpecentes)
Petrechos para falsificação de
moeda
Falsificação de documento público
Impressão documental Documento público
Falsificação de sinal oficial, no
contraste de metal nobre ou na
fiscalização aduaneira, ou outros
fins
Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento
Fuga de preso.
REVISTA DE DIREITO PENAL -
40
17/18
DOUTRINA
De 2 a 7 anos
Art. 183
Art. 345
De 3 a 10 anos
-
Estelionato
Peculato mediante aproveitamento do erro de outrem
e
15/60 DM
e
5/15 DM
De 2 a 8 anos
Art. 125,
-
Art. 131, § 2.°
-
Art. 154, § 2.°
-
Art.
Art.
Art.
Art.
-
155
164, § 4.°
253, § 2.°
291, § 1.°
Art. 321
-
Ausência ou invalidade do consentimento da gestante.
Ferimento incurável, perda de
membro ou inutilização, sentido
ou função, incapacidade permanente para o trabalho, ou deformidade duradoura.
Formas qualificadas pelo resultado, seqüestro ou cárcere privado.
Redução a cativeiro.
Furto qualificado
Rufianismo com violência.
Desastre efetivo Meio de
transporte
Crimes especiais com papel moe~
Art. 350
Art. 356
Art. 376
Art. 250, § 2.°
-
Concussão
Facilitação de contrabando ou
descaminho
Denunciação caluniosa
Proxenetismo com violência.
De 2 a 10 anos
Art. 170
-
Chantagem
-
Art. 164, § 5.°
-
Furto com destruição, com abuso
de confiança, fraude escalada ou
destreza, chave falsa, concurso
de 2 ou mais pessoas
- Violação de dever funcional com
fim de lucro
Art. 347
-
-
Art. 319
Art. 320
De 3 a 6 anos
.Art. 253, § 1. °
-
Art .. 277, § 1.0
Art.281
-
Formas qualificadas mo.
Formas qualificadas Inundação
e
20/80 DM
e
10/30 DM
e
e
10/30 DM
10/30 DM
e
e
15/30 DM
5/15 DM
e
30/100 DM
Art. 319, § 3. 0
Art.344
15/30 DM
e
e
10/40 DM
5/20 DM
De 3 a 8 anos
Art. 238
Art. 251, § 1.°
Art.254
Art. 276
-
Estupro
Favorecimento da prostituição Formas qualificadas
Tráfico de mulheres
Incêndio
Moe~
falsa
Distribuição de moeda não autorizada
e
20/50 DM
e
15/50 DM
e
15/50 DM
Casos assimilados Peculato
-
Favorecimento da prostituição,
com violência.
Formas qualificadas - Tráfico
de mulheres.
Envenenamento com perigo extensivo
5/40 DM
5/30 DM
falsa
e
e
15/50 DM
20/100 DM
e
20/50 DM
e
10/30 DM
De 4 a 10 anos
Art. 251, § 2.
0
Art. 254, § 1.°
-
Art. 299, § 1.0
-
De 4 a 12 anos
Art. 135, § 2. °
-
Art. 154, § 3.°
-
Art. 289, § 1.°
Art. 290, § 1.°
-
De 4 a 15 anos
Art. 130, § 1.°
Art. 167
Art. 168
Art. 289, § 2.0
e
e
Moe~
-
RufianisExplosão
30/100 DM
De 3 a 15 anos
e
Desvio
e
De 3 a 12 anos
De !2 a 12 anos
Art. 352
41
Abandono de pessoa - Se resulta
morte
Seqüestro ou cárcere privado Forma qualificada pelo resultado
- Se resulta morte
Desastre efetivo - Ferroviário
Superveniência de sinistro
Atentado contra transporte por
água ou pelo ar
-
Casos assimilados - Genocídio
Roubo simples
Extorsão simples
Perigo de desastre ferroviário
-
Tráfico de mulheres
De 5 a 12 anos
Art. 254, § 2.°
4 -R.D.P. 17/18
10/30 DM
e
e
e
30/100 DM
30/100 DM
2ú/50 DM
REV1STA bE DIREITO PENAL -
42
De
I)
DOUTRINA
1'7/18
De 12 a 30 anos
a 15 anos
Art. 296
-
Art. 120, § 2.°
Epidemia
De
I)
-
Art; 130
Art. 167, § 5.°
Roubo Formas qualificadas
pelo resultado - Se resulta lesão grave
Art. 169, § 4.°
-
Explosão causada pelo desencadeamento de energia nuclear
e
-
E~~são
mediante seqüestro
-
Roubo
Formas qualificadas
pelo resultado - Se resulta morte
-
Homicídio simples
De 7 a 16 anos
Art. 169, § 3.°
Formas qualificadas pelo resultado - Extorsão mediante seqüestro - Se resulta lesão grave
-
Forma qualificada pelo resultado - Se resulta morte - Extorsão mediante seqüestro
De 8 a 20 anos
Art. '167, § 4.°
-
Art. 169, § 1. 0
-
Roubo simples Lesão grave
dolosa
Forma qualificada Extorsão
m~diante seqüestro
De 10 a 20 anos
Art. 169, § 4.°
-
Extorsão mediante seqüestro
Se causa morte dolosa
30/100 DM
*
De 20 dias a 2 meses
-
Rixa simples
ou
10/30 DM
Art.272
Art. 357
Art. 361
-
5/15 DM
10 DM
Art. 385
-
Abandono intelectual
ou
Condescendência criminosa
ou
Exercício funcional ilegalmente
antecipado ou prolongado
ou
Exercício arbitrário das próprias
ou
razões
Até 1 mês
10 DM
5/10 DM
Até 2 meses
-
De 8 a 18 anos
Art. 169, § 3. °
e
Art. 139
De 6 a 20 anos
Art. 120
Genocídio
Latrocínio
PENAS DE DETENÇÃO NO NOVO CP
De 6 a 18 anos
Art. 167, § 3.°
-
100/300 DM
De 6 a 15 anos
Art. 169
Homicídio qualificado
De 18: a 30 anos
a 20 anos
Art. 277, § 3.°
-
De 15 a 30 anos
De 5 a 16 anos
Art. 167, § 3.°
43
-
Extorsão mediante seqüestro
Lesão grave dolosa
Art. 188
-
Hospedagem fraudulenta
ou
10 DM
ou
até 20 DM
ou
ou
ou
10 DM
20 DM
10 DM
ou
10 DM
ou
5/10 DM
ou
10 DM
Até 3 meses
Art. 157
Art. 209
Art.217
Art.273
Art.304
Art. 305
Art. 306
-
Violação de domicílio
Falsa mensão de depósito ou patente
- Falsa indicação de procedência
- Abandono moral
- Emprego de processo óu ingrediente não permitido
- Invólucro ou recipiente com falsa
indicação
- Entrega a consumo de produtos
nas condições dos artigos anteri ores
* Estão indicados os casos em que a pena de multa também é cominada,
cumulativa ou alternativamente.
REVISTA DE DIREITO PENAL -
44
17/18
DOUTRINA
Até 3 me$es
Substância destinada à falsificacação
Art. 309, parágrafo único - Substância avariada - Modalidade culposa
Art. 310, parágrafo único - Medicamento em desacordo com
a receita médica - Modalidade
culposa
Art. 323, § 2.°
- Criação da moeda paralela Quem recebe ou utiliza como dinheiro os documentos referidos
no artigo
Art. 349
- Emprego irregular de verbas ou
rendas públicas
Art. 396
- Exercício ilegal da advocacia
Art. 388, § 1.·
- Favorecimento pessoal
ou
10 DM
ou
5/10 DM
ou
5 DM
ou
5/15 DM
ou
ou
5/15 DM
3/15 DM
3/10 DM
e
Até 6 meses
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
137
143
146
153
158
160
165
172
174
175
Art.205
-
A:rt. 206
-
Art. 207
-
Art. 208
Art.212
-
Art. 213
-
Art.216
-
Art. 227
-
Art. 228
-
Omissão de socorro
Injúria
Ofensa a memória dos mortos
Ameaça
Violação de correspondência
Divulgação de segredo
Furto de uso
Alteração de limites
Dano simples
Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia
Violação de patente de modelo de
utilidade
Violação de patente de desenho
ou modelo industrial
Se agente mandatário dos três
artigos antecedentes
Falsa atribuição de patente
Violação de direito à denominação ou insígnia
Uso indevido ou imitação de expressão ou sinal de propaganda
Uso indevido de armas, brasões
ou distintivos públicos
Frustração de lei sobre nacionalização do trabalho
Exercício de atividade com desrespeito a decisão administrativa
.- Aliciamento para êxodo de um
local para outro dentro do país
- Adultério
Art. 264
- Falso registro, parto suposto
Art. 266
ocultação ou substituição de recém-nascido
- Abandono de mulher que tornou
Art. 270
grávida
- Entrega de filho menor a pesArt. 271
soa inidônea
Art. 286, parágrafo único - Difusão de epizootia ou praga
vegetal - Modalidade culposa
- Atentado contra outro meio de
Art. 291, § 2.°
transporte - Modalidade culposa
- Arremesso de projétil
Art.293
.- Alteração de substância alimenArt. 303, § 2.°
tícia ou medicinal - Modalidade
culposa
- Desobediência - Crime contra a
Art. 368
Administração
- Comunicação falsa de crime ou
Art. 377
contravenção
- Coação indireta no curso de proArt.382
cesso
Art.230
-
Art. 307
45
ou
ou
ou
ou
ou
ou
ou
e
ou
10/40
60
60
até 30
até 20
30
até 30
20
30
DM
DM
DM
DM
DM
DM
DM
DM
DM
15 DM
Art. 161
Art. 180
ou
30 DM
Art. 196
30 DM
ou
30 DM
ou
30 DM
ou
30 DM
ou
20 DM
ou
5/20 DM
ou
10 DM
10 DM
e
5/15 DM
ou
10 DM
e
5/10 DM
ou
5/10 DM
ou
5/10 DM
ou
20/60 DM
ou
até 50 DM
ou
ou
15 DM
10/50 DM
Até 1 ano
ou
ou
ou
Art. 225
Art. 226
Art. 229
Art. 231
Art.233
Art. 234
Art. 274
Art. 297
Art. 335
Violação de intimidade
Apropriação de coisa havida acidentalmente
- Receptação culposa
- Frustração dê direito assegurado por lei trabalhista
- Omissão de medida de higiene e
segurança
- Aliciamento 'para mnigração
- Ultraje por motivo de religião
- Impedimento ou perturbação de
culto
- ImpedImento ou perturbação de
cerimônia funeral
- Induzimento à fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes
- Infração de medida sanitária
preventiva
- Falsidade de atestado de médico
-
e
20 DM
e
ou
ou
5/20 DM
5/20 DM
3/10 DM
e
3/10 DM
ou
5/10 DM
ou
5/15 DM
e
5/10 DM
5/15 DM
ou
46
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Art. 346
Art. 360
-
Art. 374
~
17/18
Peculato de uso
ou
Abandono de cargo, função ou
emprego
e
Inutilização de edital ou sinal
oficial
ou
até 20 DM
5/15 DM
5/15 DM
Art. 237, parágrafo único Art. 267
Art.282
-
Art. 312
-
Art. 334
-
Destruição, subtração, ocultação
de cadáver
Vilipêndio a cadáver ou suas cinzas
Inseminação artificial
Exercício ilegal da engenharia
ou arquitetura
Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica
Certidão ou atestado ideologicamente falso
e
ou
5/30 DM
até 30 DM
Art. 262
-
Art. 263
Art. 308
-
Art. 334, § 1. o
-
Ajuste sobre pessoa humana
Extorsão indireta
Violação sigilo instituição financeira pelo diretor
Simulação de autoridade para celebração de casamento
Simulação de casamento
Outràs substâncias nocivas à
saúde
Falsidade material de atestado
ou certidão
Abandono material (crime contra
assistência familiar)
e
5/15 DM
e
5/20 DM
e
10/20 DM
Art. 323, § 1. o
Art.· 388
Art. 389
Art. 390
Patrocínio indébito
.-
Perigo resultante de violação de
regra de trânsito
Criáção de moeda paralela
Favorecimento pessoal
Favorecimento real
ou
e
5/20 DM
5/20 DM
e
5/20 DM
e
3/10 DM
Lesão corporal
ou
Maus tratos
Poluição de fluidos - Modalidade culposa
Corrupção ou poluição de água
único
Art. 301, parágrafo
potável - Modalidade culposa
Art. 308, parágrafo único - Substâncias nocivas à saúde Modalidade culposa
_ Medicamento em desacordo com
Art.310
ou
a receita médica
_
Vidência
ou
fraude
em
arrema-·
Art. 399
ou
tação judicial
Art.128
Mt. '131
Art. 134
Art. 144
Art. 145
e
30/150 DM
e
5/15 DM
ou
e
e
e
10/30 DM
10/30 DM
3/15 DM
5/15 DM
De 1 a 6 meses
Art. 288
Art.232
Art. 162
Art. 201
-
Constrangimento ilegal
Greve violenta
Aliciamento para suspensão ou
abandono do trabalho
_ Vilipêndio a ato ou objeto de
culto
_ Exercício arbitrário ou abuso de
poder.
_
_
10/40 DM
5/10 DM
5/15 DM
De 3 meses a 1 ano
De 1 a 3 meses
Art. 358
5/15 DM
5/15 DM
De 1 mês a 1 ano
Art.'l42
-
ou
ou
:Art. 132
Art. 138
Art. 300, parágrafo único -
Até 4 anos
Art .. 269
_ Incitação a crime
_ Apologia do crime ou criminoso
De 2 meses a 1 ano
Até 3 anos
Art. 156
Art. 171
Art .. 193, parágrafo único -
Art. 316
Art. 317
Art. 152
Art. 221
Art.222
Até 2 anos
Art. 236, parágrafo único -
:De 3 a 6 meses
Art. 211
Art.215
Art.218
Art. 219
Art. 22()
_
_
Aborto preterdoloso
Lesão leve
Perigo de vida ou saúde
e
Difamação
e
Injúria real
Agravante deste capítulo (Crimes contra honra)
ou
- Segredo profissional
_ Violação de direito autoral ou
ou
direitos conexos
_ Violação de direito de marca e
ou
_ Atos de concorrência desleal
_ Atentado contra liberdade de
e
trabalho
_ Atentado contra liberdade de cone
trato de trabalho
e
~ Boicotagem,
5/30 DM
5/20 DM
50 DM
10/30 DM
10/50 DM
40 DM
15/50 DM
15/50 DM
15/50 DM
48
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Art. 2M
Art. 260
-
Art. 266, parágrafo único -
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
277, § 4.
287
313
339
344, § 3. o
353, § 2. o
0
-
Art. 354
Art. 355
-
Art. 358, parágrafo único Art. 363
Art. 376, § 2. o
-
Art. 391, § 4. o
-
Art. 392
-
De 6 meses a 1 ano
Art. 147
Art.204
Art. 302, § 2. o
-
-
Art. 384, parágrafo único De 2 meses a 2 anos
Art. 367
De 3 meses a 2 anos
Ar:t. 159
Art. 366
Art. 378
Art. 387
Art. 400
-
-
17/18
Ato obsceno
Induzimento a erro essencial ou
ocultação de impedimento.
Falso registro, parto suposto,
ocultação ou substituição de recém-nascido
Explosão - Modalidade culposa
Embriaguez ao volante
Charlatanismo
Falsa identidade
Peculato culposo
Corrupção passiva (diminuição
de pena)
Prevaricação
Desobediência à sentença (funcionário público)
Patrocínio indébito
Formas
qualificadas
Violação de sigilo de licitação
Falsa imputação de contravenção
Fuga de preso ou internaao
Modalidade culposa
Evasão de preso
49
DOUTRINA
ou
3/10 DM
De 4 meses a 2 anos
-
Uso de documento pessoal alheio
Art. 127
Art. 136
-
Art. 137, § 1.0
-
Art. 140
Art. 141
Art. 157, § 1.·
-
Àl·t. 166
Art. 177
-
Art. 181
-
Art. 189, § 2.·
-
Art. 194
Art. 202
-
Art. 223
-
Art. 257
Art.261
-
Aborto por motivo de honra
Exposição ou abandono de recém-nascido
Omissão de socorro Forma
qualificada
Rixa complexa
Calúnia
e
Violação de domicílio
Forma
qualificada
Furto de coisa comum
ou
Alteração de local especialmente
e
protegido
Apropriação indébita de coisa coou
mum
Fraude e abuso na fundação e administração de sociedade por
ações
e
Usura pecuniária
e
Usurpação de nome, pseudônimo
ou sinal alheio
e
Interrupção de obra pública ou
serviço de interesse coletivo
e
Escrito ou objeto obsceno
ou
Conhecimento prévio de impedimento absoluto
Subtração de incapazes
Incêndio culposo
Explosão - Modalidade culposa
Emprego de gás tóxico ou asfixiante - Modalidade culposa
Abuso de radiação - Modalidade
culposa
Fabrico, fornecimento, posse ou
transporte de material perigoso e
Inundação - Modalidade culposa
Desastre ferroviário - Modalidade culposa
Atentado contra transporte por
água ou ar - Modalidade culposa
Arremesso de projétil - Se resulta lesão corporal
Art. 340
e
5/15 DM
De 6 meses a 2 anos
ou
5/20 DM
ou
e
ou
10/40 DM
5/15 DM
5/15 DM
ou
e
3/10 DM
5/15 DM
e
5/15 DM
e
5/15 DM
e
3/10 DM
ou
Ofensa a pessoa jurídica
ou
Violação de patente de invenção e
Corrupção ou falsificação de
substância alimentícia ou medicinaI
e
Desobediência em caso de pensão
alimentícia
e
5/15 DM
até 60 DM
20/50 DM
5/10 DM
10/50 DM
Resistência.
Violação de correspondência
Usurpação de cargo, função ou
emprego público
e
Auto-acusação falsa
ou
Fraude ~ processual
e
Desobediência a decisão sobre
perda ou suspensão de ati vida de
ou direito
ou
Art.
Art.
Art.
Art.
275
276, § 2.·
277, § 4.
278, parágrafo único 0
Art.279
-
Art. 280
-
Art. 281, § 1. o
Art. 289, § 3.
-
Art. 290, § 2.
-
0
5/15 DM
5/15 DM
5/20 DM
0
Art. 293, parágrafo único 5/15 DM
10/40 DM
40/80 DM
10/50 DM
40/50 DM
5/30 DM
20/100 DM
10/30 DM
10/30 DM
5/20 DM
5/10 DM
50
REVISTA DE DIREITO PENAL -- 17/18
DOUTRINA
Art. 299, § 2.
0
Art. 303,
0
Art. 309
Art. 314
Art. 319,
Art. 338,
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
341,
351
362
369
373
Art. 383
Art. 386
Art. 391
-- Envenenamento com perigo extensivo -- Modalidade culposa
§ 1.
-- Alteração de substância alimentícia ou medicinal
-:- Substância avariada
-- Curandeirismo
§ 2. 0
-- Moeda falsa
parágrafo único -- Falsificação de sinal oficial
no contraste de metal nobre ou
fiscalização aduaneira, ou para
outros fins
parágrafo único -- Fraude de lei sobre estrangeiro
-- Excesso de exação.
-- Violação de sigilo funcional
-- Desacato
-- Impedimento, perturbação de licitação ou hasta pública
-- Fraude à execução
-- Suspensão ou danificação de coisa própria no legítimo poder de
terceiros -- Subtração
-'-- Fuga de preso ou internado
51
De 1 a3 anos
e
ou
5/15 DM
15/30 DM
e
5/15 DM
Art.
Art.
Art.
Art.
Art.
122,
158,
190,
244,
295
§ 2. 0
-§ 3.
parágrafo único -parágrafo único --0
Provocação indireta ao suicídio
Abuso de função
Títulos irregulares
Rapto consensual
Interrupção ou perturbação de
serviço de telecomunicações
e
10/50 DM
e
5/10 DM
e
10/20 DM
e
30/80 DM
e
5/15 DM
e
e
10/100 DM
20/50 DM
De 1 a 3 anos
e
e
ou
ou
ou
5Í15
5/15
5/15
10/30
10/30
ou
ou'
10/30DM
10/20 DM
DM
DM
DM
DM
DM
Art. 360, parágrafo único -- Abandono de cargo, função ou
emprego -- For.ma qualificada
De 1 a 4 anos
Art. 120, § 3.
Art. 123
Art. 124
0
Art. 126
e
5/15 DM
Art. 131, § 3.
0
Art. 176
-- Homicídio culposo
-- Auto-aborto
-- Aborto com o consentimento da
gestante
-- Formas qualificadas pelo resultado do art. 124
-- Lesões qualificadas pelo resultado -- Leves
-- Dano em coisa tombada
De 6. meses a 3 anos"
De 1 a 5 anos
Art. 135
Art. 173
-.Abandono de pessoa
- Aposição, supressão ou alteração
de marca em animais
Art. 174, parágrafo único -- Dano' qualificado
Art.286
-- Difusão de epizoótia ou praga ve-
Art. 291
e
e
5/15 DM
5/20 DM
Art. 311, § 2. o
e
5/15 DM
Art. 332
e
5/20 DM
De 2 a 6 anos
getal
Art. 342
-- Falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade
Art. 359
-- Violência arbitrária
Art. 394
-- Motim de presos
Art. 395, parágrafo único -- Patrocínio infiel
Art. 397
-- Sonegação de papel ou objeto de
valor probatório
Art. 121
e
10/30 DM
e
5/15 DM
-- Atentado contra outro meio de
transporte
-- Prescrição indevida de substância
entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica
-- Duplicata simulada
-- Infanticídio
De 2 a 1.0 anos
Art. 138, parágrafo único -- Maus tratos -- Forma qualificada pelo resultado
De 1 a 2 anos
Art. 192
Art. 296, § 2. o
Atuação abusiva de instituição financeira
-- Epidemia -- Modalidade culposa
De 3 a 10 anos
-
e
fi/15 DM
Art. 277, § 4. 0
-- Explosão -- Se é causada por desencadeamento de energia nuclear
DOUTRINA
REVISTA DE DIREITO PENAL -
52
17/18
PENAS DE MULTA COMINADAS CUMULATIVAMENTE *
Até 20 dias-multa
.-
Alteração de limites.
Detenção até 6 meses.
Frustração de direito assegurado por lei trabalhista.
Detenção até 1 ano.
-
Comércio, posse ou uso de entorpecentes ou substância que determine dependência física ou psíquica.
Reclusão, até 6 anos.
Associação para a prática do crime.
Reclusão de 2 a 6 anos.
-
Vilipêndio a ato ou objeto de culto.
Detenção de 1 mês a 1 ano.
Impedimento ou perturbação de culto.
Detenção até 1 ano.
Denunciação caluniosa.
Falsa imputação de contravenção.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Favorecimento pessoal.
Se ao crime é cominada pena de detenção.
Detenção até 3 meses.
-
Favorecimento pessoal.
Detenção de 1 a 6 meses.
Art.280
-
Pena
Art. 281, § 2. o
Pena
Art.295
-
Pena
-
Fabrico, fornecimento, posse ou transporte de material perigoso.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Perigo de inundação.
Reclusão até 3 anos.
Interrupção ou perturbação de serviço de telecomunicações.
Detenção de 1 a 3 anos.
Art. 172
Pena
Art. 225
Pena
Art. 283
Pena
Art.297
Pena
Art. 302, § 2.
0
Pena
0
Art. 303, § 2.
Pena
Art. 333
Até 360 dias-multa
Art. 311
Pena
Art. 311, § 5.
Pena
0
De 3 a 10 dias-multa
Art. 232
Pena
Art. 233
Pena
Art. 376
§ 2. 0
Pena
Art. 388
§ 1.0
Pena
De 3 a 15 dias-multa
Art. 388
Pena
De 5 a 10 dias-multa
*
53
As respectivas penas privativas da liberdade estão sempre indicadas.
Pena
Art. 334, § 2. 0
Pena
Art.337
Pena
Art. 329
Pena
_ Desabamento ou desmoronamento.
- Reclusão até 4 anos.
_ Infração de medida sanitária preventiva.
- Detenção até 1 ano.
_ Corrupção ou falsificação de substância alimentícia ou medicinal, modalidade culposa.
_ Detenção de 6 meses a 1 ano .
_ Alteração de substância alimentícia ou medicinal.
- Detenção até 6 meses.
_ Falso reconhecimento de firma ou letra, se o documento é particular.
-- Reclusão até 3 anos.
_ Certidão ou atestado ideologicamente falso, com
fim de lucro.
_ Detenção até 2 anos e até 3 anos.
_ Impressão de documento particular.
- Reclusão até 5 anos.
_ Falsidade ideológica, em documento particular.
- Reclusão até 3 anos.
De 5 a 16 dias-multa
Art. 185
Pena
-
Abuso de incapazes.
Reclusão de 2 a 6 anos.
De 5 a 15 dias-multa
- Extorsão indireta
- Detenção até 3 anos.
_ Aposição, supressão ou alteração de marca em animais.
_ Detenção de 6 meses a 3 anos.
Pena
_ Fraude em jogo desportivo ou competição.
Art. 184
- Reclusão até 5 anos.
Pena
- Induzimento à especulação.
Art. 186
- Reclusão até 3 anos.
Pena
_ Atuação abusiva de instituição financeira.
Art. 192
_ Detenção de 1 a 2 anos.
Pena
- Patrocínio indébito.
Art. 358
- Detenção de 1 a 3 meses.
Pena
_ Abandono de mulher que tornou grávida.
Art. 270
Pena
- Detenção até 6 meses.
Art. 271, parágrafo único - Entrega de filho menor a pessoa inidônea, com
fim de lucro.
- Detenção até 7 meses.
Pena
_ Difusão de epizootia ou praga vegetal.
Art. 286
_ Detenção de 6 meses a 3 anos.
Pena
Art. 171
Pena
Art. 173
ltE::VrSTA DE bfRÉITO 1>:lTINAt Art. 289
Pena
Art. 291
Pena
Art. 294
Pena
Art. 301
Pena
Art. 303
Pena
Art. 312, parágrafo único
-
Pena
Art. 313
Pena
Art. 314, parágrafo único Pena
Art. 319, § 2.
Pena
Art. 324
Pena
Art. 325
Pena
Art. 328
Pena
Art. 329
Pena
Art. 333
0
DOUTRINA
17/18
Perigo de desastre ferroviário.
Reclusão de 2 a 5 anos.
Atentado contra outro meio de transporte.
Detenção de 1 a 5 anos.
Atentado contra serviço de utilidade pública.
-Reclusão até 5 anos.
Corrupção ou poluição da água potável.
Reclusão de 2 a 5 anos.
Alteração de substância alimentícia ou medicinal.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica, com fim de lucro.
Detenção atê 2 anos.
Charlatanismo.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Curandeirismo, mediante remuneração.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Moeda falsa. Restituição à circulação, de boa-fé.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Falsificação de selos e papéis públicos.
Reclusão, até 8 anos.
Petrechos de falsificação de selos e papéis.
Reclusão até 3 anos.
Falsificação de documento particular.
Reclusão até 5, anos.
Falsificação ideológica, documento público.
Reclusão até 5 anos.
Falso reconhecimento de firma ou letra, se o documento é público.
Reclusão até 5 anos.
Impressão de documento público.
Reclusão de 2 a 6 anos.
Pena
Art. 337
Pena
Art. 338 e seu parágrafo
único
~ Falsificação de sinal oficial no contraste de metal
nobre ou na fiscalização aduaneira, ou para outros
fins.
Pena
- Reclusão de 2 a 6 anos.
Art. 340
- Uso de documento pessoal alheio.
Pena
- Detenção de 4 meses a 2 anos.
Art.341
- Fraude de lei sobre estrangeiros.
Pena
- Detenção de 6 meses a 2 anos.
Art. 345
- Peculato mediante aproveitamento do erro de outrem.
Pena
- Reclusão de 2 a 7 anos.
Art. 384
- Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento.
Pena
Art. 354
Pena
Art. 355
Pena
Art. 360
Pe-na
Art.363
Pena
Art. 366
Pena
Art. 376
Pena
Art. 379
Pena
Art. 380
Pena
Art. 381
Pena
Art.386
_
_
_
_
_
_
_
_
_
_
_
_
-_
_
_
Pena
Art. 389
Pena
Art. 397
Pena
_
_
_
_
Reclusão de 2 a 6 anos.
Prevaricação.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Desobediência à sentença.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Abandono de cargo, função ou emprego.
Detenção até 1 ano.
Violação de sigilo de licitação.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Usurpação de cargo, função ou emprego público.
Detenção de 3 meses a 2 anos.
Denunciação caluniosa.
Reclusão de 2 a 8 anos.
Falso testemunho ou falsa perícia.
Reclusão até 3 anos.
Corrupção ativa de testemunha ou perito.
Reclusão até 4 anos.
Coação no curso de processo.
Reclusão até 4 anos.
Subtração ou danificação de coisa própria no legítimo poder de terceiros.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Favorecimento real.
Detenção de 1 a 6 meses.
Sonegação de papel ou objeto de valor probatório.
Detenção de 6 meses a 3 anos.
De 5 a 20 dias-multa
- Injúria real.
Art. 144
_ Detenção de 3 meses a 1 ano.
Pena
Art. 174, parágrafo único - Dano qualificado.
_ Detenção de 6 meses a 3 anos.
Pena
único
_ Violação de sigilo de instituição financeira; diretor,
Art. 193, parágrafo
gerente, administrador que omitir medidas legais.
_
Detenção até 3 anos.
Pena
- Greve violenta.
Art.221
_ Detenção de 1 mês a 1 ano.
Pena
_
Aliciamento para suspensão ou abandono do traArt. 222
balho.
-Detenção de 1 mês a 1 ano.
Pena
_ Omissão de medida de higiene e segumnça.
Art.226
- Detenção até 1 ano.
Pena
_ Violação de sepultura ou urna funerária.
Art.235
- Reclusão até 3 anos.
Pena
_ Destruição, subtração ou ocultação de cadáver.
Art. 236
- Reclusão até 3 anos.
Pena
56
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Art.278
Pena
Art.279
Pena
Art.281
Pena
Art. 290
Pena
Art. 322
Pena
Art. 342
-
Pena
Art. 387
Pena
--
17/18
DOUTRINA
Emprego de gás tóxico ou asfixiante.
Reclusão até 4 anos.
Abuso de radiação.
Reclusão até 4 anos.
Inundação.
Reclusão de 3 a 6 anos.
Atentado contra transporte por água ou pelo ar.
Reclusão de 2 a 5 anos.
Petrechos para falsificação de moeda.
Reclusão de 2 a 6 anos.
Falsificação em prejuízo da nacionalização de sociedade.
Detenção de 6 meses a 3 anos.
Fraude processual.
Detenção de 3 meses a 2 anos.
Art. 360, parágrafo único -
Pena
De
}l{l
-
Poluição de fluidos.
Reclusão até 3 anos.
De 5 a 30 dias-multa
,I
Art. 142
Pena
Art. 189, § 2. o
-
Difamação.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Fraudes e abusos na fundação e administração de
sociedade por ações. Negociação de voto nas assembléias.
Pena
- Detenção de 6 meses a 2 anos.
Art. 236, parágrafo único - Destruição subtração ou ocultação de cadáver.
Pena
- Detenção até 2 anos.
Art. 268
- Sonegação de estado de filiação.
Pena
- Reclusão até 5 anos.
Art. 276
- Lncêndio.
Pena
- Reclusão de 3 a 8 anos.
Art. 277
- Explosão.
Pena
- Reclusão até 4 anos.
De 5 a 40 dias-multa
Art. 253
Pena
Art. 254
Pena
-
Rufianismo.
Reclusão de 2 a 5 anos.
Tráfico de mulheres.
Reclusão de 3 a 8 anos.
-
Outras substâncias nocivas à saúde.
Detenção até 3 anos.
De 10 a 20 dias-multa
Art. 308
Pena
Abandono de cargo, função ou emprego, forma
qualificada.
Detenção de 1 a 3 anos.
a 30 dias-multa
Art. 187
Pena
.Art. 202
Pena
Art. 223
-
Pena
Art.284
-
Pena
Art. 289, § 1.°
-
Pena
Art. 290, § 1.°
-
Pena
Art. 291, § 1.°
-
Pena
Art.302
-
De 5 a 25 dias-multa
Art. 300
Pena
57
.
_
Pena
Art. 350
Pena
Art. 366, parágrafo único Pena
Art. 321
Pena
Art; 323, § 1. o
Pena
Art. 372
Pena
Art. 379
Pena
Art. 380
Pena
-
Fraude no comércio.
Reclusão até 3 anos.
Usurpação de nome, pseudônimo ou sinal alheio.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Interrupção de obra pública ou serviço de interesse
coletivo.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Subtração, ocultação ou inutilização de material
de salvamento ou impedimento do seu uso.
Reclusão de 2 a 5 anos.
Perigo de desastre ferroviário, se ocorre desastre
efetivo.
Reclusão de 4 a 12 anos.
Atentado contra transporte por água ou pelo ar,
se ocorre desastre.
Reclusão de 4 a 12 anos.
Atentado contra outro meio de transporte, se ocorre
desastre.
Reclusão de 2 a 8 anos.
Falsificação de substância alimentícia ou medicinal.
Reclusão de 2 a 6 anos.
Crimes especiais com papel-moeda.
Reclusão de 2 a 8 anos.
Criação de moeda paralela; incorrem nas mesmas
penas.
Detenção de 1 a 6 anos.
Concussão.
Reclusão de 2 a 8 anos.
Usurpação de cargo, função ou emprego público,
na forma qualificada.
Reclusão de 2 a 5 anos.
Contrabando ou descaminho.
Reclusão até 5 anos.
Falso testemunho ou falsa perícia.
Reclusão até 3 anos.
Corrupção ativa de testemunha.
Reclusão até 4 anos.
58
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Art. 395
Pena
Art. 398
Pena
-
Patrocínio infiel.
Detenção de 6 meses a 3 anos.
Exploração de prestígio.
Reclusão até 5 anos.
-
Art. 141
Pena
Art. 189
-
Pena
Art. 252
Pena
Art. 277, § 1.°
Pena
-
~
Calúnia.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Fraudes e abusos na fundação e administração
de sociedade por ações.
Reclusão até 4 anos.
Local de prostituição.
Reclusão de 2 .a 5 anos.
Explosão, fomnas qualificadas.
Reclusão de 3 a 6 anos.
De 10 a 50 dias-multa
-
Pena
Art. 190
Pena
Art. 191
-
Pena
Art. 193
Pena
Art.211
Pena
Art. 302
-
Pena
Art. 321, parágrafo único Pena
Art. 384
Pena
-
De 10 a 200 dias-multa
_
-
Induzimento ao uso de entorpecentes.
Reclusão de 1 a 6 anos.
Art. 327
Pena
Art. 352
Pena
Art. 353
Pena
Art. 356
Pena
Art. 371
Pena
Art. 375
_
_
_
_
Pena
-
Falsificação de documento público.
Reclusão de 2 a 6 anos.
Desvio.
Reclusão de 2 a 12 anos.
Corrupção passiva.
Reclusão até 8 anos.
Facilitação de contrabando ou descaminho.
Reclusão de 2 a 8 anos.
Corrupção ativa.
Reclusão até 8 anos.
Subtração ouinutilização de livro, processo ou documento.
Reclusão de 2 a 5 anos.
-
Tráfico de influência.
Reclusão até 5 anos.
Art. 311, § 3.°
Pena
Alteração de local especialmente protegido.
Detenção de 6 meses a2 anos.
Fraude no comércio, defraudação de qualidade do
metal.
Reclusão até 5 anos.
Títulos irregulares.
Detenção de 1 a 3 anos.
Autorização de empréstimo a dirigente da própria instituição financeira.
Reclusão até 4 anos.
Violação de sigilo de instituição financeira.
Reclusão até 4 anos.
Violação de direito de marca.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Corrupção ou falsificação de substância alimentícia
ou medicinal.
Reclusão de 2 a 6 anos.
Crimes especiais com papel-moeda.
Reclusão de 2 a 8 anos.
Desobediência em caso de pensão alimentícia.
Detenção de 6 meses a 1 ano.
De 15 a 40 dias-multa
Art. 370
Pena
De 15 a 50 dias-multa
Art. 218
Pena
Art. 219
Pena
Art. 220
Pena
Art. 224
Pena
Art. 319 e seu § 3.°
Pena
Art. 320
Pena
_ Atentado contra a liberdade de trabalho.
_ Detenção de 3 meses a 1 ano.
_ Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho.
_ Detenção de 3 meses a 1 ano.
- Boicotagem violenta.
- Detenção de 3 meses a 1 ano.
_ Invasão de estabelecimento de trabalho, sabotagem.
- Reclusão até 3 anos.
- Moeda falsa e casos assimilados.
- Reclusão de 3 a 12 anos.
_ Distribuição de moeda não autorizada.
- Reclusão de 3 a 12 anos.
De 10 a 100 dias-multa
Art. 311, § 2.°
Pena
59
De 15 a 30 dias-multa
De 10 a 40 dias-multa
Art.177
Pena
Art. 187, § 2.°
DOUTRINA
17/18
-
-
Comél'cio, posse ou uso de entorpecentes ou subs~
tânciá que determine dependência física ou psíquica,
prescrição indevida de substância entorpecente ou
que determine dependência física ou psíquica.
Detenção de 1 a 5 anos.
De 15 a 60 dias-multa
Art. 164
Pena
Art. 179
Pena
_
-
Furto simples.
Reclusão até 6 anos.
Apropriação indébita simples.
Reclusão até 6 anos.
60
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Art. 183
Pena
Art. 195
Pena
-
17/18
Estelionato.
Reclusão de 2 a 7 anos.
Receptação dolosa.
Reclusão até 5 anos.
Art. 332 e seu parágrafo
único
Pena
Art. 347
Pena
Art. 204
Pena
Art. 289, § 2.°
-
Pena
Art. 299
Pena
-
Duplicata simulada. Registro de duplicatas.
Detenção de 1 a 5 anos.
Violação de dever funcional com fim de lucro.
Reclusão de 3 a 10 anos.
Violação de patente de invenção.
Detenção de 6 meses a 1 ano.
Perigo de desastre ferroviário se o agente quis
causar> o desastre.
Reclusão de 4 a 15, anos.
Envenenamento com perigo extensivo.
Reclusão de 4 a 1.0 anos.
-
Furto noturno.
Reclusão de 2 a 8 anos.
-
Usura pecuniária.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Peculato.
Reclusão de 3 a 15 anos.
De 20 a 100 dias-multa
De 30 a 80 dias-multa
Art. 176
Pena
- >Dano em coisa tombada.
- Detenção de 1 a 4 anos.
De 30 a 100 dias-multa
Art. 164, § 5.'
Pena
Art. 167
Pena
Art. 168
Pena
Art. 169
Pena
Art. 170
Pena
De 30 a 150 dias-multa
Art. 269
Pena
-
Abandono material.
Detenção até 4 anos.
Art. 277, § 3.'
Pena
-
Explosão, qualificada.
Reclusão de 5 a 20 anos.
PENAS DE MULTA COMINADAS ALTERNATIVAMENTE *
Até 5 dias-multa
Art. 310, parágrafo único -
Pena
Medicamento em desacordo com a receita médica,
modalidade culposa.
Detenção até 3 meses.
Até 10 dias-multa
De 20 a 80 dias-multa
Art. 194
Pena
Art. 344
Pena
61
De 100 a 300 dias-multa
De 20 a 50 dias-multa
Art. 164, § 4.'
Pena
DOUTRINA
~
-
Furto qualificado.
Reclusão de 3 a 10 anos.
Roubo simples.
Reclusão de 4 a 15 anos.
Extorsão simples.
Reclusão de 4 a 15 anos.
Extorsão mediante seqüestro.
Reclusão de 6 a 15 anos.
Chantagem.
Reclusão de 2 a 10 anos.
Art.188
Pena
Art.209
Pena
Art. 228
-
Pena
Art.230
-
Pena
Art. 273
-
Pena
Art. 286, parágrafo único Pena
Art. 304
Pena
Art. 306
Pena
Art. 307
Pena
Art. 357
Pena
* As
-
Hospedagem fraudulenta.
Detenção até 2 meses.
Falsa menção de depósito ou patente.
Detenção até 3 meses.
Exercício de atividade com desrespeito a decisão
administrativa.
Detenção até 6 meses.
Aliciamento para êxodo de um local para outro do
país.
Detenção até 6 meses.
Abandono moral (crime contra a assistência familiar).
Detenção até 3 meses.
Difusão de epizootia ou praga vegetal.
Detenção até 6 meses.
Emprego de processo ou ingrediente não permitido.
Detenção até 3 meses.
Entrega a consumo de produtos nas condições dos
artigos anteriores (ingredientes não permitidos).
Detenção até 3 meses.
Substância destinada à falsificação.
Detenção até 3 meses.
Condescendência criminosa.
Detenção até 1 mês.
respectivas penas privativas da liberdade estão sempre indicadas.
62
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Art. 361
-
Pena
-
Até 15 dias-multa
Art. 175
-
Pena
Art. 180
Pena
-
Exercício funcional ilegal antedpado ou prolongado.
Detenção até 1 mês.
Introdução ou abandono de animais em propriedade
alheia.
Detenção até 6 meses.
Apropriação de coisa havida acidentalmente.
Detenção até 1 ano.
63
Até 40 dias-multa
Art. 215
Pena
-
Atos de concorrência desleal.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Até 50 dias-multa
Art. 161
Pena
Art. 162
Pena
-
Violação de intimidade.
Detenção até 1 ano.
Segredo profissional.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
-
Injúria.
Detenção
Ofensa à
Detenção
Ofensa a
Detenção
Art. 131, § 5.·
-
Substituição de pena nas lesões leves e recíprocas.
De 3 a 10 dias-multa
Art. 231
Pena
Art.256
Pena
Art. 353, § 2.·
Pena
-
Ultraje por motivo de religião.
Detenção até 1 ano.
Ato obsceno.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Corrupção passiva
Detenção de 3 meses a 1 ano.
De 3 a 15 dias-multa
Art. 396
Pena
-
Exercício ilegal da advocacia.
Detenção até 3 meses.
Até 60 dias-multa
Até 20 dias-multa
Art. 157
Pena
Art. 158
Pena
Art.216
-
Pena
Art. 217
Pena
Art. 346
Pena
-
Até 30 dias-multa
Art. 153
Pena
Art.160
Pena
Art. 165
Pena
Art. 174
Pena
Art.205
Pena
Art.206
Pena
Art. 208
Pena
Art.212
Pena
Art. 213
DOUTRINA
17/18
-
Violação de domicílio.
Detenção até 3 meses.
Violação de correspondência.
Detenção até 6 meses.
Uso indevido de armas, brasões ou distintivos públicos.
Detenção até 6 meses.
Falsa indicação de procedência.
Detenção até 3 meses.
Peculato de uso.
Detenção até 1 ano.
Ameaça.
Detenção até 6 meses.
Divulgação de segredo.
Detenção até 6 meses.
Furto de uso.
Detenção até 6 meses.
Dano simples.
Detenção até 6 meses.
Violação de patente de modelo de utilidade.
Detenção até 6 meses.
Violação de patente de desenho ou modelo industrial.
Detenção até 6 meses.
Falsa atribuição de patente.
Detenção até 6 meses.
Violação de direito à denominação ou insígnia.
Detenção até 6 meses.
Uso indevido ou imitação de expressão ou sinal de
propaganda.
Pena
- Detenção até 6 meses.
Art. 237, parágrafo único - Vilipêndio a cadáver ou suas cinzas.
Pena
- Detenção até 2 anos.
Art. 143
Pena
Art. 146
Pena
Art. 147
Pena
até 6 meses.
memória dos mortos.
até 6 meses.
pessoa jurídica.
dé 6 meses.
De 2 a 5 dias-multa
De 5 a 10 dias-multa
Art. 234
Pena
Art. 305
Pena
Art. 309, parágrafo único Pena
Art. 310
Pena
Art. 368
Pena
-
Impedimento ou perturbação de cerimônia funeral.
Detenção até 1 ano.
Invólucro ou recipIente com falsa indicação.
Detenção até 3 meses.
Substância avariada, modalidade culposa.
Detenção até 3 meses.
Medicamento em desacordo com a receito médica.
Detenção de 2 meses a 1 ano.
Desobediência.
Detenção até 6 meses.
64
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Alt.377
Pena
Art. 385
Pena
-
DOUTRINA
17/18
Comunicação falsa de crime Ou contravenção.
Detenção até 6 meses.
Exercício arbitrário das próprias razões.
Detenção até 1 mês.
Art. 257
Pena
Art. 266, parágrafo único -
Escrito ou objeto obsceno.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Falso registro ou parto suposto, praticado por motivo de reconhecida nobreza.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
-
Fraude à execução.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Art. 139
Pena
Art. 201
Pena
Art.288
Pena
Art.298
Pena
Art.362
Pena
Art.369
Pena
Art.373
-
Pena
-
Rixa simples.
Detenção de 20 dias a 2 meses.
Violação de direito autoral ou direitos conexos.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Perigo resultante de violação de regra de trânsito.
Detenção de 1 a 6 meses.
Omissão de notificação de doença.
Detenção até 6 meses.
Violação de sigilo funcional.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Desacato.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Impedimento, perturbação ou fraude de licitação
ou hasta pública.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
-
Omissão de socorro.
Detenção até 6 meses.
Maus tratos.
Detenção de 2 meses a 1 ano.
Embriaguez ao volante.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
-
Receptação culposa.
Detenção até 1 ano.
-
Substância avariada.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Pena
De 5 a 15 dias-.multa
Art.272
Pena
Art. 274
-
Pena
Art. 316
Pena
Art. 317
Pena
Art. 323, § 2.'
-
Pena
Art. 335
Art. 339
Pena
Art. 349
Pena
Art. 351
Pena
Art. 374
Pena
Art. 378
Pena
Art. 391, § 4.·
Pena
Art. 339
Pena
Art. 400
-
Pena
-
Abandono intelectual.
Detenção até 1 mês.
Induzimento à fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes.
Detenção até 1 ano.
Incitação a crime.
Detenção de 3 a 6 meses.
Apologia do crime ou criminoso.
Detenção de 3 a 6 meses.
Criação de moeda paralela: quem recebe ou utiliza
como dinheiro qualquer desses documentos referidos.
Detenção até 3 meses.
Falsidade de atestado de médico.
Detenção até 1 ano.
Falsa identidade.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Emprego irregular de verbas ou rendas públicas.
Detenção até 3 meses.
Excesso de exação.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
Inutilização de edital ou sinal oficial.
Detenção até 1 ano.
Auto-acusação falsa.
Detenção de 3 meses a 2 anos.
Fuga de preso ou internado, modalidade culposa.
Detenção de 3 meses a 1 ano.
Violência ou fraude em arrematação judicial.
Detenção de 2 meses a 1 ano.
Desobediência à decisão sobre perda Ou suspensão
de atividade ou direito.
Detenção de 3 meses a 2 anos.
De 10 a 20 dias-multa
Art. 383
Pena
De 10 a 30 dias-multa
De 101 a 40 dias-multa
Art. 137
Pena
Art. 138
Pena
Art.287
Pena
De 10 a 50 dias-multa
De 5 a 20 dias-multa
Art. 152
Pena
Art. 227
Pena
Art. 22\)
Pena
-
Constrangimento ilegal.
Detenção de 1 mês a 1 ano.
Frustração de lei sobre nacionalização do trabalho.
Detenção até 6 meses.
Aliciamento para emigração.
Detenção até 1 ano.
65
Art. 196
Pena
De 15 a 30 dias-multa
Art. 309
Pena
66
De 20 a
REVISTA DE DIREITO PENAL (4)
17/18
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
dias-multa
Art. 382
Pena
-
Coação indireta no curso de processo.
Detenção até 6 meses.
-
A.propriação indébita de coisa comum.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
De 40 a 50 dias-multa
Art. 181
Pena
REPRESENTAÇAO, POR CURADOR ESPECIAL
De 40 a 80 dias-multa
Art. 166
Pena
o EXERCíCIO DO DIREITO DE QUE,IXA OU DE
-
ANTONIO ACIR BREDA
Furto de coisa comum.
Detenção de 6 meses a 2 anos.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Ausência do representante
legal - 3. Conceito de colisão de interesses - 4. Natu'reza
do despacho de nomeação - 5. Poderes do curador especial 6. A jurisprudência a respeito do art. 33, do CPP - 7. A
reforma da lei processual penal.
1. O Código de Processo Penal, ao
tratar da ação penal, dispõe no art. 33:
"Se o ofendido for menor de dezoito
anos, ou mentalmente enfermo, ou
retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses
deste com os daquele, o direito de queixa
poderá ser exercido por curador especial, nomeado de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz
competente para o processo penal ".1
1. O dispositivo tem origem no art.
121, do CP italiano: "Diritto di querela esercitato da un cura tore speciale.
Se la persona offesa e minore degli
anni quattordici o inferma dimente, e
non v'e chi ne abbia la rappresentanza,
ovvero chi l'esercita si trovi con la
persona medesima in conflitto di interessi, il diritto di querela e esercitato
da un curatore speciale".
A querela do direito italiano corresponde à nossa representação.
No direito argentino, consoante o
magistério de Velez Mariconde, Dere-
A lei só menciona o exercício do
direito de queixa, mas não há dúvida
de que a nomeação de curador especial
também poderá ocorrer para o exercício do direito de representação. Esta
é, aliás, a hipótese mais comum. Via
de regra, a nomeação de curador especial se dá nos crimes contra os costumes, tornando-se a ação penal pública,
porque a "vítima ou seus pais não
podem prover as despesas do processo,
sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da
família".2 Em tal hipótese o curador
especial é nomeado para oferecer ou
cho Procesal Penal, Buenos Aires, 1969,
t. II, pág. 262, é dispensável a provocação do ofendido e "se procederá de
oficio cuando un menor o incapaz no
tenga representante o se encuentre
abandonado, o cuando existan intereses
contrapuestos entre el incapaz y su
representante" .
2. Art. 225, § 1.°, n. I, do CP.
REVISTA DE DIREITO PENAL -
68
não a representação. 3 0' exercício do
direito de queixa, por curador especial,
a realidade forense demonstra, é muito
raro.
A lei confere ao curador especial o
direito de queixa ou de representação
em duas hipóteses: a) ao menor de
dezoito anos, ou mentalmente enfermo,
cu retardado mental, que não tiver
representante legal; b) quando houver
colisão de interesses entre o representante legal e o representado.
2. A lei é omissa quanto às hipóteses em que pode ocorrer a falta de
representante legal do incapaz. Aliás,
também não menciona quem o represente. Na omissão da lei processual,
como salienta Hélio Tornaghi, deve-se
suprir a lacuna "de acordo com as
regras do art. 3.°, isto é, pela aplicação analógica ou pelo recurso aOS
princípios gerais de direito. E é princípio do Direito brasileiro a representação dos incapazes pelo pai, mãe,
tutor ou curador".4
A falta do representante legal, para
os fins do art. 33, do CPP, pode ocorrer por diversas causas: assim, como
é elementar, pela morte dos pais; pela
ausência, mesmo que temporária, dos
Cf. José Frederico Marques,
de Direito Processual, Forense,
1960 pág. 110; Eduardo Espínola Filho,
Códi~o de Processo Penal Brasileiro
Anotado, Borsoi, 1954, voI. 1.0, pág.
392 também se refere à representação
exe~cida por curador especial.
3.
Est1~dos
4. Comentários ao Código de Processo Penal, Forense, 1956, voI. I, t.
II, pág. 48.
17/18
representantes legais;5 pelo abandono;6
pela falta de nomeação de tutor ou
curador; ou porque a tutela ou curatela esteja vaga ou tenha sido abandonada/
Como a lei pressupõe incapacidade
absoluta ao incapaz, o exercício do
direito de queixa ou de representação
só poderá ser exercido por curador
especial, na falta de representante
legaI.8
3. Mesmo que o ofendido tenha
representante legal, a lei impõe a
nomeação de curador especial quando
houver, entre ambos, colisão de interesses. O conceito do que se deva entender por colisão de interesses não
tem sido devidamente pesquisado, entre
nós. A jurisprudência dos tribunais,
por outro lado, tem-se orientado de
modo controvertido. Qualquer estudo,
porém, não poderá ignorar a doutrina
do direito italiano, posto que o art. 33,
do CPP, inspirou-se no art. 121~ do
CP italiano.
5. Sustenta Eduardo Espínola Filho,
ob. cit., pág. 382: "Na falta, ou mesmo
ausência temporária, do representante
legal do ofendido, exerce o direito de
representação a pessoa que o tiver sob
a sua guarda; e, se miserável, é legítima a intervenção do Ministério PÚblico". Não lhe assiste razão. Na falta,
ou ausência mesmo temporária, do
representante legal do ofendido, o direito de representação só poderá ser
exercido pelo curador especial nomeado pelo juiz. É o que demonstra,
sobejamente, José Frederico Marques,
ob. cit., pág. 110.
6. RT 378/180.
7. Battaglini. La Querela, 1958,
pág. 376. É a lição também de Saltelli e Romano-Di Falco, Commento
Teorico Pratico del Nuovo Codice Penale, Turim, 1931, voI. I, pág. 617.
8. Cf. Hélio Tornaghi, ob. cit., pág.
66.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
Diz Hélio Tornaghi que haverá colisão de interesses, entre representante
e representado, "se a propositura da
ação interessa a um e não interessa
ao outro, como v. g., o representante
legal é autor do crime".9 O interesse
do ofendido deve ser perquirido pela
autoridade jurisdicional, independente
de . eventual declaração que a princípio
represente concordância com o seu representante legal, uma vez que a lei
não lhe reconhece qualquer vontade
l'elevante. Se a possuísse, teria também o exercício do direito de queixa
ou de representação. O exemplo, dado
por Hélio Tornaghi e freqüentemente
repetido pela doutrina, de ser o representante legal o autor do delito, é verdadeiro apenas em parte. Nos crimes
contra os costumes, a ação penal torna-Se pública incondicionada "se o crime é
cometido com abuso de pátrio poder, ou
da qualidade de padrasto ou curador".lO Se é certo que a nomeação de
curador especial ocorre com mais freqüência nos crimes contra os costumes,
desde que o representante legal tenha
sido . o autor do crime, torna-se dispensável essa nomeação, uma vez que
a ação penal torna-se pública incondicionada. l l Em tal caso, não se exige
qualquer condição de procedibilidade,
seja para a instauração do inquérito
9. Ob. cit., pág. 67.
10. Cf. Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Bushatsky, 1958,
vol. 2.°, pág. 440; Magalhães Noronha,
Direito Penal, Saraiva, 1971, vol. 3.°,
pág. 225.
11 ~ Há julgados de nossos tribunais
admitindo a ação penal pública incondicionada, quando o delito é cometido
pelo companheiro da mãe, equiparando-o ao padrasto
(RT 210/346;
322/145). Essa equiparação não pode
ser admitida, nem a permite a lei
penal.
69
policial, seja para o oferecimento de
denúncia pelo Minist~io Público. A
lição da doutrina, ora examinada, torna-se claro que não serve para o efeito
de determinar o real significado da
expressão " colisão de interesses" •
Bento de Faria, por sua vez, ao examinar a colisão de interesses, entre
representante e representado, diz a
respeito: "O representante legal torna-se incompatível com o interesse do
incapaz não somente quando lhe for
materialmente impossível assumir a sua
defesa, ou quando o seu procedimento
o tornar suspeito em relação a ela.
Em se tratando de pai ou mãe, tal se
verifica em todos os casos que autorizam a suspensão do pátrio poder",l2
Assim, de acordo com o Código Civil,
" se o pai, ou mãe, abusar do
seu poder, faltando aos deveres
paternos, ou arruinando os bens do
filho, cabe ao juiz, requerendo algum
parente, ou Ministério Público, adotal' a medida, que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus
haveres, suspendendo até, quando convenha, o pátrio poder".13 Suspende-se
igualmente o exercício do pátrio poder
ao pai ou mãe condenados por sentença
irrecorrível, em crime cuja pena exceda de dois anos de prisão. 14 Não é
exato, porém, procurar-se na lei civil
elementos para conceituar a colisão de
interesses, de que tratamos. Primeiro,
porque a lei processual penal não exige
o exerClClO do pátrio poder, como
requisito ao exercício do direito de
queixa ou de representação. Não se
deve, pelo contrário, cogitar sequer da
prévia suspensão do pátrio poder, para
a nomeação do curador especial. Em
12. Código de Processo Penal, 2.a
ed., voI. 1.0, pág. 133.
13. Art. 394.
14. CC, parágrafo único do art. 394.
70
REVISTA DE DIREITO PENAL -
face da lei processual penal, a suspensão do pátrio poder não impede que o
representante legal, seja o pai ou a
mãe, exercite o direito de queixa ou
de representação. Poderá ocorrer que
a colisão de interesses, surgida quando da existência do crime de que foi
vítima o incapaz, possa servir de motivo à futura suspensão do pátrio
poder, no cível. Ou que, durante o processo penal, na forma do art. 71, do
CP, o juiz decrete a "suspensão provisória do exercício do pátrio poder",
desde que a interdição correspondente
possa resultar da condenação. Essas
questões, porém, não se confundem com
a nomeação do curador especial, uma
vez que a lei processual penal não
exige 'a plena atividade do pátrio poder,
como condição ao exercício do direito
de queixa ou de representação. A colisão de interesses, de que cuidamos, é
assunto diverso,15
Gomes Neto 16 menciona que "há
colisão de interesses quando, por exemplo, o próprio representante legal for
o autor ou co-autor do crime de que
foi vítima o representado, como também quando o autor ou co-autor, seja
pessoa ligada ao representante legal
do ofendido por laços de igual paren15. Cf. Giovanni Leone, Tratado de
Derecho Procesal Penal, trad. Sentis
Melendo, Buenos Aires, 1963, vol. II,
pág. 28; Manzini, Derecho Procesal
Penal, trad. Sentis Melendo, Buenos
Aires, 1953, pág. 55. Ambos fazem remissão à exposição ministerial ao projeto de Código Penal italiano, onde se
consignou que "para os fins do exercício do direito de representação, a
atuaHdade do exercício do pátrio poder
não tem importância alguma". Em
nosso direito constituído também não
há essa exigência.
16. Teoria e Prática do Código de
Processo Penal, 1957, vol. 1.°, págs. 154
e 155.
17/18
tesco, natural ou civil, ou estiver, por
outro modo ou razão, contra os interesses do ofendido ". Não éi correto
afirmar-se que haverá sempre colisão
de interesses quando o representante
legal do ofendido seja pessoa ligada ao
autor do delito. Se, no caso concreto,
o parentesco ou a ligação existente
impedir que o representante legal proceda como normalmente agiria, aí sim
ocorrerá a colisão de interesses e a
conseqüente necessidade de nomeação
de um curador especial. Assim o delito
cometido pelo próprio pai, tirantes
entre nós os crimes contra os costumes,
não impede que a mãe ofereça representação, ou exercite o direito de
queixa,17 Pode ocorrer, porém, que
a mãe, o que será mais comum, procure proteger o marido, ou seja por
este compelida no sentido de não tutelar os interesses do ofendido. Aqui
ocorrerá a colisão de interesses. Mas,
na hipótese inversa, exercido o direito
de queixa ou de representação, este é
válido.1 8
Câmara Leal, entre nós, foi quem
melhor entendeu a regra do art. 33,
do CPP, no aspecto pertinente àcolisão de interesses, indicando as seguintes hipóteses: " a) o crime contra' o
qual deve ser exercido o direito de
queixa pelo incapaz foi cometido por
seu representante legal; b) embora não
tenha praticado o crime, o representante legal do incapaz teve nele uma
certa comparticipação material ou moral; c) foi o crime perpetrado. por
pessoa a que o representante legal do
ofendido esteja ligado por estreitos laços de parentesco ou subordinação,
havendo a presunção de interesse favorável ao indiciado; d) o representante
legal do ofendido mantém com o autor
17. Cf. Manzini, ob. cit., pág. 58.
18. Idem, ibidem.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇÕES
71
'"
do delito relações de íntima amizade e
melhor solução seria a nomeação do
deu provas inequívocas de interesse
curador especial, designado este não
pela sua sorte; e) há evidentes indícom o propósito de se instaurar a ação
elos de que o representante legal do
penal, mas com a finalidade de exaofendido recebeu promessas de recomminar a correção do procedimento do
pensa do autor do crime para absterrepresentante legal. É que em prinCÍ-se de intentar a ação penal contra ele.
pio nada há de anormal no fato de o
Em qualquer dessas hipóteses é manirepresentante legal do ofendido renun_
festo o interesse do representante legal
ciar ao direito de queixa, a não ser
do ofendido em colisão ou oposição ao
que tenha sido movido por interesses
interesse deste na repressão do autor
subalternos, em detrimento do incapaz.
da infração penal" .19 Assim mesmo,
Seria uma demasia exigir-se a certeza
deve-se ter em consideração que o
do fato, COm base em prova meramente
exemplo de ser o autor do crime ao
circunstancial, como ocorre no inquémesmo tempo o representante legal do
rito policial, ocasião em que, geralofendido não é válido para a hipótese
mente, se dá a nomeação. O inquérito
mais, comum, nos crimes contra os
policial
tem o caráter de instrução
costumes.
provisória, cuja finalidade é a de miSaliente-se, que em todos os casos
nistrar elementos necessários à propoenumerados pela doutrina, a colisão de
situra da ação penal. Não se pode
interesses poderá não ocorrer, depencogitar, tecnicamente, de prova incondendo do comportamento do representroversa nessa fase preliminar e antante legal do ofendido. Assim, se o
terior à instauração da ação penal.
crime foi praticado por pessoa ligada
Também
não se deve admitir qualquer
intimamente ao representante legal do
interesse do réu em reivindicar uma
ofendido, esta ligação, em concreto,
decisão favorável no assunto. O prinpoderá não ter qualquer influência no
cípio
de que a dúvida deve sempre
comportamento do representante legal,
favorecer
ao réu (in dubio pro reo), a
desde que o mesmo defenda legitimanosso ver, é inaplicável no exame das
mente os interesses do incapaz. Se,
condições de procedibilidade e dos
porém, a sua conduta sofrer qualquer
pressupostos
processuais.19-bis Esse reinibição, em prejuízo do incapaz, será
levante princípio, intimamente ligado
evidente a colisão. Isto demonstra que,
ao direito de defesa, como adverte
em determinados casos, há uma preFigueiredo Dias, não pode ser invocado
sunção qUe desfavorece o representante
no exame dos pressupostos processuais
legal, devendo a autoridade jurisdicioe das condições de procedibilidade. 2{)
nal examinar cuidadosamente se os
Com muito maior razão, em relação à
interesses do incapaz estão sendo reprenomeação do curador especial, se esta
sentados de modo efetivo.
Ocorre ainda na fase do inquérito poSe houver fundada dúvida quanto ao
comportamento do representante legal,
19-bis. Figueiredo Dias, Di1'eito
por exemplo, em caso de renúncia ao
Processual Penal, Coimbra, 1974, vol.
direito de queixa, entendemos que a
I, págs. 216 e 217.
19. Comentários ao Código de Pro-
c~sso Penal Brasileiro, 1942, vol. 1.°,
pags. 166 e 167.
20. O mesmo ocorre no exame das
condições da ação, especialmente em
relação à possibilidade jurídica do
pedido.
72
REVISTA DE DIREITO PENAL -
licial, não se pode exigir uma prova
concludente da colisão de interesses,
nem a dúvida pode favorecer ao indiciado.
A colisão de interesses pode ocorrer
não só quando o representante legal
tem, em oposição ao representado, um
interesse próprio ou de terceiro, na
não promoção da ação penal, como na
hipótese inversa. Pode ser incomum,
mas nada impede que, em decorrência
dessa colisão, o representante legal promova a ação penal, em função de um
interesse próprio, em oposição ao interesse do representado.21
A expressão "colisão de interesses"
não pode ser entendida em sentido civilístico, "cioe come un contrasto di carattere patrimoniale: puo essere anche
un contrasto soltando morale".22 Deve
tratar-se "non di un conflitto ipotetico
e probabile, ma di un conflitto realmente esistente".23 Haverá a colisão
sempre que determinada circunstância
restringir ou inibir o normal procedimento do representante legal, em prejuízo do interesse do ofendido. Este
é, aliás, o interesse prevalente.24
21. Cf. Alberto Candian, La Querela,
Giuffre, 1951, pág. 149.
22. Battaglini, ob. cit., pág. 377.
Esse
entendimento
reiteradamente
mencionado pela doutrina italiana remonta a antigo julgado da Corte de
Cassação: "Il conflito d'interessi, tra
la persona minore degli anni 14 offesa
daI reato e la persona che ne ha la
legale rappresentanza, non Vil. inteso
restrittivamente, come contrasto di
carattere patrimoniale, ma puo essere
inteso come contrasto di natura morale". Cf. Giuseppe Lattanzi, I Codici
Penali con la Costituzione e Leggi
Varie, Giuffre, 1972, pág. 248.
.
23. Ob. cit., pág. 378.
24. Assim leciona Alberto Candian,
ob. cit., pág. 145: "Il titolare delI'ufficio di protezione deI minore o incapace, sia che ponga in essere un ne'go-
17/18
Se é certo que a hipótese mais flagrante da colisão de intel·esses ocorre
quando o próprio representante legal
é o autor ou co-autor do delito,2S ressalvados os casos de crimes contra os
costumes, há várias outras hipóteses,
de exemplificação impossível, onde poderá ocorrer a colisão e ser obrigatória a nomeação do curador especial.
Como adverte Battaglini "la lettp.ratura umanitaria e sociale di tutti i paesi ha descritto coi colori piu vivi deI
disprezzo genitori che commerciano sulla corruúone delle figlie mino,renni.
La fanciulla che tiene aI suo onore
sessuale, non deve essere sformita deI
mezzo di far perseguitare chi vi atenta o effetivamente lo attaca, quando
un perfido, che la legge le ha dato per
proteggerla, ha un interesse comune
(sia pure non afferrabile criminalmente) con chi la offende".26 A colisão que nos interessa é aquela que restringe o normal poder da representazio di diritto privato sia invece un
atto penalmente rilevante, deve attuare
l'interesse deI rappresentato e non
usare dei suoi poteri per un interesse
proprio o di terzi, in contrasto con
quello deI minore o incapace".
Idêntica é a lição de Remo Pannaim,
Manuale di Diritto Penale, 1967, vol.
I, pág. 908: "Conflito d'interessi si
ha in ogni caso in cui v'e contrasto
tra rappresentante e rappresentato;
piiu propriamente il conflitto d'interessi si riferisce a quei casi, in cui il
rappresentante, nel compiere un atto,
abbia da realizzare un interesse proprio o di un terzo, opposto a quello
deI rappresentato".
Saltelli e Romano-Di Falco, ob. cit.,
pág. 617, advertem que "a colisão de
interesses deve ser entendida com significado mais amplo daquele prêvisto
no Código Civil", isto é, "independente
de qualquer conflito de natureza patrimonial."
26. Ob. cit., pág. 378.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇÕES
ção legal.27 Se isso ocorrer, deve a
autoridade jurisdicional proceder à
nomeação do curador especial.
Em outras palavras, ocorre a colisão de interesses "quando haja razoáveis motivos para se crer que o repre.
sentante do incapaz não tutelará os
interesses do ofendido como normalmente o faria qualquer outro representante".28
Leone, depois de mencionar o caso
mais restrito do representante legal
que é o autor do próprio delito, refere,
a título de exemplo, algumas hipóteses
de colisão de interesses, como a da
mãe "que, exercendo o pátrio poder,
seja esposa em segundas núpcias ou
amante do autor do delito de violência carnal contra a própria filha,29
ou, ainda, a hipótese em que os pais
,recusem apresentar querela, a fim de
evitar seja a filha despedida da fábrica .onde estava empregada e cujo titular era autor do delito".30 Em todos
esses casos a jurisprudência italiana
tem reconhecido a colisão de interesses. No mesmo sentido a lição de Manzini, que entende ocorrer colisão de interesses quando o representante legal se
negu,e sem um motivo justificado a oferecer representação, ou quando tenha
interesse em favorecer o ofensor.31
Romano-di Falco diz a propósito da
colisão de interesses: "Si deve trattare
di un conflito realmente esistente.
L'interesse puo essere anche esclusivamente d'ordine morale e deve essere
ricollegato aI reato e non a un interess,e estraneo aI reato. Deve intercedere 1m incompatibilità tra gli interessi contrastanti" .32
27/28. Leone, ob. cit., pág. 30.
29/30. Idem, ibidem.
31. Ob. cit., pág. 59.
32óManuale di Diritto Penale, Roma, 1953, pág. 170.
L
n
T"\
TIo
1joyl1ft
73
Em conclusão,- a colisão de interesses
deve ser perquirida, tendo-se em consideração o interesse do ofendido. O representante legal não pode sobrepor
um interesse próprio ou de terceiró, em
oposição ao interesse do incapaz, seja
para oferecer representação ou queixa
seja para deixar de exercitar o direit~
de queixa ou de representação. Sempre que o r,epresentante legal atuar no
sentido de favorecer o ofensor, em prejuízo do ofendido, haverá a colisão de
interesses. Os exemplos, com freqüência
mencionados pela doutrina, devem servir como elemento de presunção da
existência da colisão, sem que isso importe em obrigatoriedade do reconhecimento. O JUIZ, criteriosamente, deve
examinar no caso concreto a ocorrência de eventual colisão de interesses,
devendo guiar-se tendo em conta o fato
delituoso e o comportamento do representante legal. A nosso ver, a dúvida
fundada quanto à lisura do representante legal, deve ser solucionada pela
nomeação do curador especial.
A colisão de interesses deve atingir
a todos os representantes legais. Pode
ocorrer que o pai tenha um interesse
próprio, contrário ao do ofendido, que
o leve a não proceder contra o autor
do delito. A representação oferecida
pela mãe terá plena validade. Isto porque a colisão de interesses com um dos
genitores não impede o exercício do direito de queixa ou de representação pelo
outro. 33 Se um só dos genitores está em
colisão de interesses com o ofendido,
o exercício do direito de queixa ou de
representação compete legitimamente ao
outro, e não se admite a nomeação do
curador especial. 34
33. Battaglini, ob. cit., pág. 378.
34. Diante da redação dada pela Lei
n. 4.121/63, ao art. 380, do CC, tem-se entendido, acertadamente, que o
74
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Se, não obstante a colisão de interesse
ofereceu-se representação "esta deve
ser declarada inadmissível por defeito
de legitimação".35 Como adverte Leone,
a nomeação de um curador especial,
sobre a base de um conflito preexistente
ex tunc (isto é, desde o nascimento do
direito de representação), derroga a
eventual renúncia ao direito de quer·ela 36 já feita pelo genitor ou por
quem exerça o pátrio poder. Entre nós,
do mesmo modo, a renúncia ao direito
de queixa ou a retratação, em caso de
representação, desde que motivada pela
colisão de interesses, torna o ato inadmissível e de nenhum efeito.
direito de representação pode ser exercido tanto pelo pai como pela mãe do
menor, indistintamente (RT 426/320).
O art. 35, do CPP foi influenciado pela
posição subalterna da mulher, em relação ao marido, no Código Civil. Modificada a lei civil, tal dispositivo não
tem razão de ser. Atualmente, por
isso mesmo, pode a mãe exercer o
exercício do direito de queixa ou de
representação.
A propósito o seguinte e exato jul~
gado do Tribunal de Justiça de São
Paulo. "Hoje, face à lei de proteção
à mulher casada, que derrogou o art.
35 do CPP e alterou o art. 242 do CC,
a mulher casada pode exercer o direito
de queixa ou de representação sem o
consentimento do marido, porque o pátrio poder é exercido por este, por ela
e por ambos, conjuntamente" (RT
435/309).
Heleno Cláudio Fragoso, Jurisprudência Criminal, Borsoi, 1973, vol. II,
pág. 42·4, adverte que "em nenhum
caso, todavia, pode prevalecer a representação feita em tais circunstâncias
contra a expressa vontade do pai". No
direito italiano, a divergência entre os
representantes legais se resolve em
favor da vontade de querelar.
35. Battaglini, ob. cit., pág. 378.
36. A lição de Leone, ob. cit., pág.
30, Se fundamenta em julgado da
Corte de Cassação.
17/18
4. O despacho de nomeação do curador especial, não há dúvida, pertence à
chamada jurisdição voluntária, pois
tem caráter de ato administrativo
cumprido por autoridade jurisdicional,37
tendo, via de regra, caráter pré-processual. Com efeito, normalmente, o
despacho é baixado ainda na fase do
inquérito policial, a pedido da autoridade policial, ou do Ministério Público. A lei processual autoriza a nomeação de ofício. Entendemos que o despacho deve ser motivado, aduzindo a
autoridade jurisdicional as razões do
seu convencimento.
No direito italiano, entende-se que o
despacho motivado não comporta impugnação,3S nem pode ser reexaminado posteriormente, no curso do processo. Em nosso direito constituído, o primeiro problema que surge é o da impugnação autônoma do despacho. A doutrina é completamente omissa, mas os
nossos tribunais, reiteradamente, têm
reexaminado o despacho de nomeação
37. Manzini, ob. cit., pág. 60. A
doutrina considera como de jurisdição
voluntária todos os procedimentos
jurisdicionais integrativos de capacidade, referente à organização e funcionamento da representação ou assistência das pessoas incapazes. Cf.
Alberto Candian, ob. cit., pág. 153 ;
Enrico Redenti, Derecho Procesal Civil,
trad. Sentís Melendo, Buenos Aires,
1957, vol. I, pág. 31; Calamandrei, Instituciones de Derecho Procesal Civil,
trad. Sentís Melendo, Buenos Aires,
1962, vol. I, pág. 193.
38. Cf. Alberto Candian, ob. cit.,
pág. 159; Battaglini, ob. cit., pág. 382;
Manzini, ob. cit., pág. 61. Tal entendimento encontra fundamento no art:
190, do CPP italiano, segundo o qual
" os despachos que a lei não declara
expressamente sujeitos a um determinado meio de impugnação são irrecorríveis, mesmo que conexos com despachos impugnáveis".
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇÕES
do curador especial, através de habeas
corpus, desde que argüida a inexistência da colisão de interesses e, conseqüentemente, a ilegalidade do ato jurisdicional.39 Permite-se, portanto, a
impugnação autônoma do despacho de
nomeação, através da via do habeas
corpus. Com muito maior razão, o despacho de nomeação poderá ser impugnado, em caso de eventual recurso de
apelação, contra a sentença final. Através dos recursos ordinários, parece-nos,
não se deve permitir a impugnação
autônoma. Se o reexame da matéria
tem sido admitido na jurisdição superior, através da via do habeas corpus,
não se pode vedar esse mesmo reexame
em caso de apelação. o. habeas corpus
só poderá ser impetrado, após instaurada a ação penal, sendo evidente que o
reexame só será possível com as limitações próprias do instituto.
O reexame posterior do despacho, no
curso do processo pelo juiz interior,
não deve ser permitido. Nomeado o
curador especial, após instaurada a
ação penal, a legitimidade de sua representação legal decorre do despacho
judicial. O que se permite é a revogação do despacho de nomeação, se as
condições que o legitimaram desaparecerem.
5. Dá-se a nomeação para que o
curador especial julge da conveniência
de apresentar ou não a queixa ou representação.40 Assim não fosse, a ação
penal tornar-se-ia obrigatória. Diz, com
razão, Hélio Tornaghi: "a lei usa a
palavra poderá, o que indica não ter
39. RT, 435/261; 394/75.
40. O assunto é pacífico na doutrina. Veja-se, por todos, Battaglini,
ob. cit., pág. 380.
75
ele o dever, mas apenas o poder de agir.
Nisto foi mais feliz que o Código Penal
italiano, de cujo art. 121 podem surgir
dúvidas com respeito ao que incumbe
ao curador" .41
A doutrina italiana, porém, é unânime no sentido de que "o curador especial tem a faculdade de deliberar se
convém ou não propor a querela no
caso concreto" .42
Em caso de omissão dolosa ou culposa, deve o curador especial ser substituído, procedendo-se à nova nomeação. 43
Também poderá ocorrer nova nomeação, se o curador manifestar qualquer
impedimento que o inabilite para o
exercício da curatela ad hoc. O curador
especial deve exercer o direito de queixa ou de representação, nas condições
estabelecidas para o r·epresentante legal do ofendido, sendo-lhe aplicáveis,
evidentemente, as regras pertinentes à
decadência.
Dispõe o art. 38, do CPP, que o ofen~
dido, ou seu representante legal, "decairá do direito de queixa ou representação, se não o exercer dentro do prazo
de seis meses, contado do dia em que
vier a saber quem é o autor do crime".
Em relação ao curador especial, a lei
é omissa. No direito italiano "iI termi.
ne per la presentazione della querela
decorre daI giorno della nomina deI
curatore speciale".44 O prazo de seis
meses, estabelecido na lei em relação ao
curador especial, deverá ser contado a
partir do despacho de nomeação, come41. Ob. cit., pág. 67.
42. Ver nota 40.
43. Manzini, ob. cit., pág. 61; Bat·
taglini, ob. cit., pág. 381.
44. Battaglini, ob. cit., pág. 381;
Manzini, ob. cit., pág. 61.
76
REVISTA DE DIREITO PENAL -
çando a fluir da data da notificação
pessoal. 45
Se as condições que legitimaram a
nomeação do curador especial desaparecerem, no curso do inquérito policial
ou do processo, cessa a sua participação, como representante legal do ofendido. A intervenção do curador especial tem caráter excepcional, e "se,
durante o processo, o incapaz se torna
capaz, é claro que cessa a cura tela ad
hoc".46 Ê também o entendimento de
Manzini. 47 Em tais casos, os poderes
do curador especial passam de direito,
conforme o caso, ao titular do direito
de queixa ou de representação.
A lei não cogitou de se nomear curador especial, na falta da representação
legal subsidiária, de que trata o art.
34, do CPP. Se o ofendido for menor
de vinte e um e maior de dezoito anos,
a colisão de interesses ,é irrelevante,
resolvendo-se sempre a favor da promoção da responsabilidade penal do
ofensor. Na ausência do representante
legal ao maior de dezoito anos, o di·
reito de queixa ou de representação
pertence ao próprio ofendido. Neste
caso, a nomeação do curador especial
torna-se desnecessária. Por 'isso mesmo,
cessa a curatela especial quando o menor atingir a idade de dezoito anos. 48
O curador especial é o representante
legal do ofendido por força do despacho judicial de nomeação. Por isso mesmo, os seus poderes subsistem até "que
45. Manzini, oh. cit., pág. 61.
46. Hélio Tornaghi, ob. cit., pág. 67.
47. Ob. cit., pág. 63.
48. Eduardo Espínola Filho, oh. cit.,
pág. 383, sustenta ao contrário: "Ê
óbvio que, ainda no caso de relativamente incapaz, havendo colisão de interesses seus e do seu representante,se
deve proceder na forma do art. 33, que
17/18
outro ato judicial revogue essa mesma
nomeação".49 Diz a respeito Battaglini.
"Naturalmente perche, in conseguenza
di talli fatti, cessi dall'ufficio il curatore ad hoc, e necessario un atto giurisdizionale di revoga iI quale e produtivo
di effetti daI momento della sua emanazione, con la conseguenza che restano salvi gli atti compiuti legittimamente daI curatore speciale prima di tale
revoca".50
Os atos praticados pelo curador especial até a cessação da nomeação, ou
seja, até o despacho jurisdicional de
revogação, devem ser considerados como válidos, independente da vontade do
representante legal, ou do próprio ofendido, caso este tenha se tornado capaz.
Ê esse o entendimento estável na doutrina italiana. 51 Resta saber se a lição
contempla os menores de 18 anos, mas
maiores de 16." A nosso ver, a nomeação do curador especial, havendo colisão de interesses, se faz necessária
tendo em vista a falta de vontade relevante do ofendido. Se este tem capacidade para o exercício do direito de queixa
ou de representação, como acontece com
os maiores de dezoito anos, não há que
se cogitar da nomeação do curador
especial. A simples falta da representação legal subsidiária não obriga à
nomeação do curador. Parece evidente
que a lei não cogitou da nomeação do
curador especial ao maior de dezoito
anos. Trata-se, na verdade, de uma
representação legal, de caráter excepcional, só possível nos casos expressamente referidos na lei.
Ê o que entende Fernando da
Costa Tourinho Filho, Processo Penal,
1972, vol. I, pág. 299.
49. Manzini, ob. cit., pág. 63.
50. Ob. cit., pág. 381.
51. Manzini, ob. cit., pág. 63; Battaglini, ob. cit., pág. 381.
COMENTARIOS E COMUNICAÇõES
é' válida entre nós. Aparentemente, nos
casos de ação penal pública condicionada, desde que oferecida a denúncia, a
solução seria simples. A representação
seria irretratável após o recebimento
da denúncia. A revogação, neste caso,
não teria qualquer conseqüência no andamento da ação pena1. 52 Na ação penal privada, porém, o prosseguimento
da ação penal iria depender da vontade do novo representante legal, ou do
ofendido, parecendo-nos obrigatória a
manifestação no sentido do prosseguimento do processo, sob pena de perempção. Como no direito italiano, a aç,ão
penal é sempre pública, a revogação da
curatela, após instaurada a ação penal, apresenta aspectos diversos de
nosso direito.
6. A regra do art. 33, do CPP, tem
sido objeto de interpretação divergente,
contraditória mesmo, por parte de nossos tribunais.
52. A representação é mera condição de procedibilidade e, instaurada a
ação penal, mediante denúncia do Ministério Público, não se exige outra
condição ao seu prosseguimento, ligada
à vontade do ofendido, que é irrelevante, após o oferecimento da denúncia. Em todo o caso, a aplicar-se a
Súmula n. 388, do Supremo Tribunal
Federal, a revogação ou cessação da
curatela especial teria conseqüências,
mesmo em caso de ação penal pública
condicionada. A ação penal só poderia
prosseguir, por iniciativa do próprio
ofendido, ou do novo representante
legal, "observados os prazos legais
de decadência ouperempção" (RT
35/290).
A jurisprudência predominante no
Supremo Tribunal Federal, como adverte Heleno Cláudio Fra:goso, oh. cit.,
págs. 420 a 421, está em desacordo com
a doutrina dominante. Mas, pela semelhança das situações, parece não haver
dúvida, que se pode invocar a Súmula
n. 388, para os casos de cessação da
curatela especial.
77
O Supremo Tribunal F'ederal, em
julgado citado por Eduardo Espínola
Filho,53 já declarou a "admissibilidade
de qualquer ato do ofendido, menor de
dezoito anos, se não tem quem o possa
representar, para efeito de ser iniciado o inquérito destinado a instruir a
ação penal que, conforme as circunstâncias, será iniciada por queixa de curador especial, nomeado de ofício, ou por
denúncia".
A decisão contém vários equívocos.
O Código de Processo Penal "nega capacidade ao menor de 18 anos" para
exercer o direito de representação. 54
Nos crimes de ação penal pública condicionada, ou de ação penal privada,
a representação do ofendido se reflete
inclusive na instauração do inquérito,
sendo defeso à autoridade policial proceder, ausente a provocação. Na espécie, julgada pelo Supremo Tribunal
Federal, a autoridade policial deparando com um incapaz, sem representante
legal, deveria provocar a nomeação de
um curador especial, pelo juiz. A instauração do inquério policial, ausente
a provocação válida do ofendido, ou de
seu representante legal, constitui típico constrangimento ilegal contra o indiciado, sanável pela via do habeas corpus.
Há vários julgados de nossos tribunais referentes à legitimação para oferecer representação em nome do incapaz, os quais demonstram absoluto desconhecimento da regra do art. 33, do
CPP, por parte das autoridades policiais e mesmo das autoridades jurisdicionais, de instância inferior. Heleno
Cláudio Fragos0 55 menciona um julgado em que se "admitiu a validade de
53. Ob. cit., pág. 392.
54. Hélio Tornaghi, ob. cit., pág. 67.
55. Oh. cit., pág. 423.
78
REVISTA DE DIREITO PENAL -
representação feita pela irmã da vítima, estando os pais em local indeterminado". A hipótese era típica de nomeação de curador especial. Mesmo
que se reconh(jçam os altos propósitos
do julgado no sentido de proteção do
incapaz, a ausência dos representantes
legais, em face da lei processual penal,
só pode ser sanadá com a nomeação,
prevista no art. 33, do CPP. '0 nosso
direito positivo não reconhece legitimidade para oferecer representação, pelo
incapaz, ao tio, ao irmão; muito menos ao "amásio da mãe da vítima",
consoante se tem decidido. 56
56. Supremo Tribunal Federal (RTJ
40/210). Esses julgados, não se pode
negar, \têm enfrentado o sério problema da representação legal, entre as
classes mais humildes. O Excelso Pretório, especialmente, tem se orientado
mais pelo aspecto ético e moral do
caso concreto, inclinando-se pela proteção dos menores, em casos realmente
dolorosos, quando os pais não têm condições, sob qualquer ângulo, de proteger os .iriteresses dos filhos.
O instituto da representação, em
relação a outros aspectos, também tem
sido interpretado pelos nossos tribunais de forma equívoca. Veja-se o
seguinte julgado do Tribunal de JustIça de São Paulo: "Tratando-se de
crime contra a liberdade sexual, em
que somente se procede mediante denúncia, quando haja representação da
vítima ou de seus representantes legais,
a ação penal não pode envolver quem
não tenha sido incluído na representação em tela" (RT 404/102).
A lei processual penal, consagrando
o princípio da indivisibilidade da ação
penal, ao contrário do que se afirmou
no acórdão, obriga ao .Ministério PÚblico a ofecerer denúncia contra todos
os partícipes da infração penal. A rep"resentação tem como objeto fundamental o fato delituoso, não se podendo exigir do ofendido a exata classificação jurídica, nem a perfeita individualização da responsabilidade penal.
17/18
Esses julgados, reconhecendo o direito de representação à pessoa que tenha
sob sua guarda o menor, como bem frisou José Frederico Marques,57 não encontram apoio na lei processual penal
e revelam que o desconhecimento da
regra do art. 33, do CPP, obrigou os
nossos tribunais, especialmente o Supremo Tribunal Federal," a criar uma
interrpretação jurisprudencial voltada
mais para a realidade social, do que
à vontade da lei.
Mesmo nos casos em que houve a
nomeação do curador especial, há inúmeros precedentes, em desacordo com
a lei processual penal. A respeito, o
seguinte trecho de um acórdão: 58
"quando o representante legal deixa de
procurar a autoridade policial para fazer a representação, por motivo imoral, como sói acontecer quando há indenização pecuniária, a autoridade policial e o Ministério Público não vão
pesquisar esse motivo para forçar a
representação. Na espécie, se essas
provas fossem feitas e se se apurasse
que era imoral o fundamento da retratação, ainda assim o processo não poderia ter prosseguimento". No caso a
ofendida era menor, de quinze anos de
Pode ocorrer, inclusive, que a co-autoria só apareça durante as investigações. N esta última hipótese, mesmo
omissa a representação quanto ao co-autor do delito, o Ministério Público
tem o dever de inclUÍ-lo na denúncia.
Assim já decidiu, com sobras de razão, o próprio Tribunal de Justiça de
São Paulo (RT 466/329).
57. Ob. cit., pág. 110.
58. RT 235/46. Esse precedente foi
referido no julgamento de habeas corpus, onde se deu inteira validade à retratação da representação, "ainda que
motivada por interesse pecuniário",
considerando-se, por isso mesmo, inadmissível a nomeação do curador especial (RT 394/75).
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇÕES
idade, com pai e mãe, mas o paciente
do habeas corpus "impediu que o pai
representasse, através do expediente
da compra de uma casa para a menor" .59 Também se considerou, para se
declarar impossível a nomeação do
curador especial, o fato dos pais não
terem sofrido "processo de destituição
do pátrio poder".
Não é exato que a nossa lei exija a
prévia destituição do pátrio poder, para
a nomeação do curador especial. Parece-nos também que, apurada a imoralidade no fundamento da retratação, estará caracterizada a colisão de interesses, a necessidade de nomeação do
curador especial.
Há, por outro lado, vários julgados
dando exata aplicação ao art. 33, do
CPP, como este do Tribunal de Justiça de São Paulo: 60 "Em se tratando de menor abandonada, ou colidindo
os seus interesses com os dos pais, legítima é a representação oferecida pelo
curador especial nomeado pelo juiz, dispensável, na espécie, a pr.évia suspensão do pátrio poder". Tem-se considerado o incapaz, como juridicamente
abandonado, "dada a péssima conduta"
do representante legal. 61
Os nossos tribunais, em geral, têm
admitido que a nomeação do curador
especial seja feita pelo Juiz de Menores,62 com apoio, aliás, em lição de
Eduardo Espínola Filho.63 A lei processual penal fala em juiz competente
para o processo. Não se pode, porém,
desconhecer que a competência de juízo é assunto pertinente às leis locais,
de organização judiciária. Nada impe59. RT 394/75.
60. RT 377/107. No mesmo sentido,
RT 370/75.
61. RT 378/180.
62.
378/180; 370/75.
63. Ob. cit., pág. 382.
wr
79
de, portanto, que a lei de organização
judiciária permita ao juiz de menores
nomear o curador especial. Ao que
parece, é o que acontece no Estado de
São Paulo. Não há, porém, qualquer
comunicação de nulidade, mesmo no
silêncio da lei 10cal.64
A não exigência da prévia suspensão
do pátrio poder, para a nomeação do
curador especial, é hoje orientação pr evalente. 65
Já se decidiu que "sem provas robustas da colisão de interesses, entre o
representante legal e o representado,
não deve o juiz nomear o curador especial".66 A lei não exige prova robusta para a nomeação do curador especial. Pelo contrário, a dúvida fundada deve ser solucionada pela nomeação.
Merece, por último, referência mais
alongada julgado recente do Tribunal
de Justiça de São Paulo ocasião em
que a regra do art. 33, do CPP, foi
longamente debatida, baseando-se quer
o voto vencedor, quer os votos vencidos,
em sólidos e inteligentes argumentos.67
A hipótese era de ,estupro, praticado
pelo réu contra a filha de sua amásia,
vivendo todos sob o mesmo teto. A mãe
da menor negou-se a oferecer representação e o juiz nomeou curador especial, sob o entendimento de que, pelas
circunstâncias, havia colisão de interesses entre a representante legal e a
ofendida. Esta, ouvida no inquérito po64. José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal,
Forense, 1961, vol. I, pág. 347, leciona
que a nomeação do curador especial deve ser feita "pelo juiz criminal competente para conhecer do processo".
65. RT 384/71; 377/107.
66. RT 373/146.
67. RT 435/261 a 269.
80
REVISTA DE DIREITO. PENAL -
licial, declarou não ter interesse no
processo. o. fato chegou ao conhecimento da polícia, por terceira pessoa, quando a menor apresentava visíveis sinais
de gravidez. Instaurada a ação penal,
impetrou-se habeas corpus, visando "a
anulação da ação penal, uma vez que:
Tanto a mãe, como a filha, manifestaram expresso desejo de não agir contra o paciente".68
o. habeas corpus foi concedido, por
maioria de votos, pelos seguintes fundamentos: "Quando a vítima, ou seu
representante por ela, manifesta claramente, insofismavelmente, expressamente, que não pretende a punição
do culpado por delito contra os costumes praticado contra aquela, como
conseqüência não -é o Ministério PÚblico legitimado, após representação
feita por curador especial, para o jus
persequendi e não o é nem ordinariamente porque lhe falta (ao Estado) a
respectiva pretensão punitiva, nem
extraordinariamente porque não pode
agir (embora em nome próprio) pela
pretensão do ofendido, ou para defender direito dele" .69
o. voto vencedor adotou os fundamentos do parecer da Procuradoria
Geral da Justiça, favorável à concessão da ordem,7o onde se sustentou que
a "colidência de interesses de que fala
o art. 33 do CPP só é aferível no
âmbito da subordinação jurídica do
ofendido ao seu representante legal enquanto agente do crime. Então o
ofendido não possui representante legal,
na realidade, o que não sucede quando
terceira pessoa é delinqüente, embora
68; RT 435/261.
69. Vencido o relator, foi designado
para. lavrar o acórdão o Des. Andrade
Vilhena.
70. o. parecer está transcrito na íntegra, cf. págs. 261 a 263.
17/18
intimamente ligado à vítima eao seu
representante legal". É rigorosamente
inexato sustentar-se que a colisão de
interesses, a que alude o art. 33, do
CPP, só ocorre quando o própriorepresentante legal é o autor do delito. Muito ao contrário, nos crimes contra os
costumes, se o representante legal é
o autor do crime, a ação penal torna-se
pública incondicionada, sendo. d!lsnecessária a nomeação. do curador especial.
A lei, em tal caso, não impõe qualquer
condição de procedibilidade. Também
não há dúvida que é possível caracterizar-se a colisão de interesses, quando
o delito é praticado por terceira pessoa "intimamente ligada à vitima e ao
seu representante legal". A hipótese é
mencionada pela doutrina, como típica
da colisão de interesses.
No voto vencedor, sustentou-se inicialmente que nos crimes de ação' penal
privada, o ofendido é o titular da pretensão punitiva,71 procurando-se .distin71. A respeito da "pretensão punitiva privada", no mesmo sentido. desenvolvido pelo acórdão, veja-se Miguel
F'enech, Derecho Procesal Penal,Editorial Labor, 1952, vol. I, pág. 487. Em
sentido contrário, José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual
Penal, Forense, 1961, voI. I, pág. 352.
No direito italiano, como a ação penal é monopólio exclusivo do Ministério Público, ninguem discute, a pretensão punitiva é sempre do Estado, dependendo a ação penal, em determinados
delitos, da provocação do ofendido. É o
que ocorre, por exemplo, com a querela,
tal como a nossa representação, verdadeira condição de procedibilidadepara
o exercício da ação penal.
Parece hoje completamente superada
a doutrina que via no instituto da
querela, ora caráter .material, ora caráter misto. Cf. o.ttorino Vannini e
Giuseppe Cocciardi, Mannuale di Diritto Proces'suale Penale Italiano, Giuffre,
1973, págs. 37 e segs.; Silvio Ranieri.
Co.MENTÁRIOS E Co.MUNICAÇÕES
guir o jus puniendi, que é sempre do
Estado, da "pretensão punitiva", que
decorre da titularidade da pretensão a
ser trazida a juízo,72 Mesmo que admitida essa afirmação, ela não é totalmente válida, em nosso direito positivo,
em relação aos crimes contra os costumes. Nem sempre a ação penal será
privada. A miserabilidade do ofendido
a transforma em pública condicionada.
A ação penal será pública incondicionada "se o crime é cometido com
abuso de pátrio poder, ou da qualidade
de padrasto ou curador",73 Na hipótese, a ação penal fora instaurada,
mediante denúncia do Ministério PÚblico, ex vi do art. 225, § 1.0, n. I, do
CP.
Sustentou-se, no voto vencedor, não
ter ocorrido qualquer colisão de interesses a justificar a nomeação do curador especial. "Em primeiro lugar, porque ambas, consultadas, negam vontade
e interesse de exercitar a pretensão
punitiva, ouvidas que foram, quer na
fase policial, quer em juízo. Inexiste
aí qualquer conflito ",74 Ainda com
relação à colisão de interesses referiu-se no acórdão: "De fato não tinha
aplicação à espécie a norma do art. 33
do CPP. o. conflito de interesses, que
aí se supõe, só se caracteriza pela
ocorrência de elementos objetivos, integrantes da relação de direito material e cuja verificação se imponha.
Sirva de exemplo a circunstânCia de o
representante do ofendido ter sido
autor, ou co-autor, do delito, seja essa
Manuale di Diritto Processuale Penale,
Pádua, 1965, págs. 122 e segs.; Girolamo Bellavista, Lezioni di Diritto Processuale Penale, Giuffre, 1972, págs. 53
e segs.
72. RT 435/263 a 264.
73'. CP, art. 225, § 1.0, n. II.
74. RT 435/265.
81
participação de cometimento ou omissiva. De qualquer forma, ao parecer,
só se justificaria a dação de curador
,especial quando o detentor do pátrio
poder obrasse de forma a justificar a
destituição, nos termos da lei civil",7s
Não se deve aceitar os fundamentos
do voto vencedor. Em primeiro lugar,
porque ao incapaz não se reconhece
qualquer vontade relevante, ou porque
a atualidade do pátrio poder, ou a
possibilidade de destituição, não tem
qualquer influência na nomeação do
curador especial.
Ainda segundo o acórdão: "Há que
evitar-se, no reconhecimento do conflito, quaisquer dados de cunho subjetivo,
verbi gratia, o aspecto mais ou menos
defensável da não denunciação, à vista
do conteúdo ético do motivo determinante",76 Nessa mesma orientação há
outros julgados.77 o. conteúdo ·ético do
motivo determinante, na conduta do
representante legal, a nosso ver, deve
ser perquirido pela autoridade jurisdicional. A absoluta imoralidade no
comportamento do representante legal,
parece-nos, deve levar ao reconhecimento da colisão de interesses.7 8
Por isso mesmo, na hipótese, a melhor orientação ficou com os votos
vencidos,79 onde se salientou, com sobras de razão, que "a colidência de
interesses entre a vítima e seu representante não se limita aos casos em
75. A atualidade do exercício do 'p~­
trio poder não tem relevância na hlpOtese, cf. Eduardo Espínola Filho, ob.
cit., pág. 382.
76. RT 435/266.
77. RT 235/46; 394/75..
,
78. Cf. Battaglini, ob. CIt., pago 377.
79. Foram votos vencidos os Des.
Silva Leme e o.dyr Porto.
82
REVISTA DE DIREITO PENAL -
que este for o agente do crime" .80 Depois de mencionar a lição de Câmara
Leal,81 consignou-se que "a nomeação
de curador especial, com fundamento
no art. 33, do CPP, justificava-se plenamente", sem que a nomeação consti~
tuísse indevida ingerência da justiça
na órbita familiar. 82
Em conclusão, os votos vencidos deram a exata aplicação ao art. 33, do
CPP, pois era evidente na espécie a
colisão de interesses.
7. O Anteprojeto de Código do Processo Penal, de autoria do Prof. José
Frederico Marques, apresenta algumas
novidades, em relação ao Código vigente. Assim estabelece no art. 118, §
1.°, que "os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, ·na forma da legislação civil ", suprindo a lacuna da lei
em vigor. A nomeação do curador especial é tratada no § 4.°, do mesmo
artigo, da seguinte forma: "O juiz dará
curador especial ao incapaz, se não
tiver representante legal, ou se os
interesses deste colidirem com os daquele".
80. Na hipótese em julgamento por
se tratar de crime contra os costumes,
desde que o crime fosse cometido pelo
l'epresentante legal, a ação penal seria
pública incondicionada e desnecessária
a nomeação do curador especial.
81. Ver nota 19.
82. A seguinte passagem d.o voto
proferido pelo Des. Silva Leme deixa
bem evidente a colisão de interesses:
"A verdade, indiscutível, é que essa pobre mulher, nas condições em que se
encontrava não tinha força moral para
representar contra o ofensor da filha;
homem que a sustenta e que é também
pai de seus filhos ... "
O outro voto vencido contém os mes·
mos e sólidos argumentos.
17/18
A representação legal dos incapazes
é ampliada, para os casos de crimes
contra os costumes, adaptando-se o
anteprojeto à corrente jurisprudencial
hoje predominante. É o que se nota no
art. 272: "Nos crimes contra os costumes, cometidos contra menor, a representação poderá ser feita por sua
genitora ou pela pessoa sob cuja guarda estiver, ainda que provisoriamente."
É evidente o 'intuito do autor do
anteprojeto em adaptar a futura lei
processual penal à jurisprudência, hoje
largamente predominante, que permite
a representação feita pela pessoa sob
cuja guarda estiver o menor, apesar da
lei não autorizar tal interpretação.
Com isso, o problema da nomeação do
curador especial, nos crimes contra os
costumes, ficará reduzido aos casos de
colisão de interesses. Dificilmente
ocorrerá a ausência de representante
legal,tal a amplitude que se dá ao
direito de representação. O art. 272
'não deveria, porém, mencionar a genitora do menor, pois esta está legitimada a representá-lo, por força ,da
regl'a geral do art. 118, § 1.0. Em todo
o caso, a inovação é oportuna, uma
vez que os nossos tribunais nunca
interpretaram corretam ente a regra do
art. 33, do Código vigente.
Em relação à nomeação do curador
especial, a futura lei processual deve
mencionar, expressamente, a exigência
de motivação do despacho. Outras particularidades a respeito do instituto,
como a contagem do prazo decadencial,
a revogação da nomeação e os efeitos
desse ato, ou a possibilidade de impugnação, poderão ser resolvidos pela
doutrina e pela jurisprudência dos
"tribunais. É possível, porém, que o
Projeto, cuja publicação se aguarda,
trate mais cuidadosamente o problema
da nomeação do curador especial.,
OBSERVAÇÕES SOBRE A NORMA PENAL
E SUA INTERPRETAÇÃO
NILO BATISTA
I -
A norma penal
1. Por normas penais se entendem
as normas de direito que definem fatos puníveis e lhes cominam sanções,
ou aquelas que estabelecem princípios
sobre a aplicação dessas primeiras, sobre a estrutura e elementos dos fatos
puníveis, e sobre a aplicação e execução
das sanções cominadas.
Inicialmente, vemos que a norma penál é uma norma de direito, e com isto
queremos referir-nos estritamente ao
direito positivo, ou seja, o direito produzido exteriormente pelo Estado, cuja
observância é garantida ainda coativamente. A norma pen,al não se, situa
nem no planto ético-religioso do forum
divinum a que se referia Pufendorf,
nem no plano deste "direito desarmado" como é chamado o direito "natural" por Bobbio (Algunos Argumentos
contra el Derecho Natural, trad. Diaz,
in Ol"ítica del Derecho Natural, Madrid,
1966, pág. 222): ela deve necessariamente compor o ordenamento jurídico
positivo. Se há ou não um Direito Penalfora da lei, é questão que examinaremos em seguida: norma penal não
há fora da produção legislativa estatal.
As normas penais "que definem fatos puníveis e lhes cominam sanções"
são normas penais puras, de caráter
coercitivo, que constituem o que se costuma chamar Direito Penal em sentido
estrito. São elas, historicamente, a forma de aparição do Direito Penal, e até
pelo menos o século XVII a totalidade
dos sistemas legais penais era composta quase exclusivamente com essa
espécie de normas. Modernamente, elas
se agrupam nas Partes Especiais dos
códigos penais, e são classificadas tendo em vista o valor soci.al atingido
pelo fato punível, que tecnicamente é
chamado bem jurídico ofendido.
As normas penais que "estabelecem
princípios sobre a aplicação dessas primeiras, sobre a estrutura e elementos
dos fatos puníveis, e sobre a aplicação
e execução das sanções cominadas" são
normas penais impuras, de caráter dispositivo, que constituem um corpo de
princípios vertido ao serviço lógico daquelas primeiras, formando uma espécie de meta direito penal. Historicamente, surgem na medida em que a observação de questões ligadas a um determinado fato punível ou a uma determinada sanção conduzia à elaboração
de princípios e conclusões mais ou menos generalizáveis a todos os demais
fatos puníveis ou sanções. Das meditações dos juristas romanos, dos glosadores e pós-glosadores, em torno de
diversos delitos especialmente do
homicídio _ alguns conceitos gerais já
se desenvolviam, como necessaria defensio, auxilium etc., e alcançariam com
84
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Decianus, no século XVI, uma refinada
sistematização; Tiraquellus, no mesmo
século, procuraria reduzir o elenco informe e multifário das penas a um regime mais ou menos estável, a partir da
consideração de seus fins como ponto
comum (cf. Shaffstein, La Cienoia
Penal Europea del Derecho Penal en la
Época del Humanismo, trad. R. Devesa,
Madrid, 1957). Um exemplo muito significativo desse processo é a criação
do crime continuado, pela ação dos práticos italianos, notadamente Farinacius,
desenvolvendo idéia contida numa glosa
de Baldo. Tratava-se de evitar a pena
de morte que era infligida ao autor do
terceiro furto.
E surgem, dessa forma, normas penais que hoje compõem o que se chama
de Parte Geral dos códigos; essas normas se ocupam de "estabelecer princípios sobre a aplicação das normas
penais puras" (daqui se extraindo um
conjunto de conhecimentos que se agrupam· numa teoria da lei penal), de "estabelecer princípios sobre a estrutura e
elementos dos fatos puníveis" (daqui
se extraindo um conjunto de conhecimentos que se agrupam numa teoria do
delito), e de "estabelecer princípios
sobre a aplicação e execução das sanções cominadas" (daqui se extraindo
um conjunto de conhecimentos que se
a'grupam numa teoria da pena e
outras conseqüências do delito).
Veja-se o seguinte esquema, para o
Gódigo Penal brasileiro de 1969:
PARTE GERAL:
arts. 1.° a 12 (normas
penal) ;
arts. 13 a 35 (normas
lito) ;
arts. 36 a 119 (normas
na e outras conseqüências
sobre a lei
sobre o desobre a pedo delito).
17/18
PARTE ESPECIAL:
arts. 120 a 400 (precisão de delitos
e cominação de sanções).
Anote-se que mesmo na Parte Especial, por razões de técnica legislativa,
é comum que se encontrem normas penais impuras (ex., arts. 129, 198 ss,
403 etc.).
2. Qualquer norma de conduta, em
princípio, se constitui do preceito (praeceptum) , que é o mandamento a ser
obedecido, e da sanção, que é um conseqüente à violação do mandamento. O
mandamento ou ordena a abstenção de
uma ação, que se deseja evitar, ou ordena a execução de uma ação, que se
deseja realizada: surgirão assim as
formas de violação por ação (quando o
agente não se abstém da conduta proibida - crimes comissivos) e violação
por omissão (quando o agente não.realiza a conduta ordenada, crimes
omissivos). Exemplo do primeiro caso,
no furto (art. 164 do GP) ; do segundo
caso, no crime de desobediência. em
caso de pensão alimentícia (art. 384 do
CP).
Ocorre, todavia, com a lei p.enal,
uma singularidade, que foi por Binding
pela primeira vez explorada em ,profundidade (Die Normen und ihre Obertretung, Leipzig, 1872). Quando Moisés revela a lei divina, encontramos, na
faixa. da proteçãoe respeito à vida; humana, um claríssimo preceito: "N ão
matarás" (leuteronômio, 517). Nas
leis penais, contudo, via de regra o
preceito está implícito, funcionando
como premissa lógica da incriminação.
O' Código espanhol, de 1944, assim
incrimina o homicídio: "aquele' IjUe
mata uma outra pessoa será punido,
como homicida, com reclusão de curta
duração" (art. 407). E o Gódigo italiano, de 1930, assim prevê o mesmo
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
delito: "o que causar a morte de um
homem será castigado com reclusão por
tempo não inferior a 21 anos" (art.
575). E o Código brasileiro se vale da
seguinte redação: "matar alguém"
(art. 12.0, de GP de 1969).
Ora, em qualquer dos casos, como se
percebe, o preceito é um só, e bem pode
ser representado pela velha fórmula
nlosaica do "não matarás". Mas o preceito não se exprime em nenhum dos
casos, constituindo apenas uma premissa lógica necessária àquelas incriminações.
Binding observava, então, que a
ação delituosa viola a norma, e não
a lei penal: pelo contrário, a lei
que prevê um delito é, em sentido
"observada"
rigorosamente formal,
pelo agente que o comete. Para praticar homicídio, o agente deverá "matar
alguém", violando uma norma que se
estrutura sobre o preceito "não matarás".
Efetivamente, consistindo o direito
num sistema formal que visa garantir
a .observância de normas de conduta,
salta aos olhos a importância que assume o modo da violação dessas normas;
e essa preocupação formal, que no direito é muito mais acentuada do que em
qualquer dos, outros sistemas que velam
pela mesma observância de normas (p.
ex., moral prática social, religião etc.),
no Direito Penal alcança uma sofisticação toda peculiar, pela violência da reação do sistema (pena). O respeito à
propriedade alheia é ainda hoje irrecusável norma de conduta: mas há modos e modos de violar essa norma. Há
modos socialmente aceitáveis (p. ex.,
pequenos danos e furtos que se produzam, a título de brincadeira, no carro
de recém-casados); há modos que podem merecer censura de sistemas não
85
jurídicos (p. ex., a execução que credor
riquíssimo promova contra devedor infelicitado e miserável, tomando-lhe os
derradeiros bens); há modos que interessam o sistema jurídico, mas não o
penal (p. ex., o dano por ato ilícito); e
há modos de violação dessa norma que
interessam o Direito Penal (p. ex., furto, estelionato etc.).
Daí que a lei penal não possa satisfazer-se com uma genérica recomendação de respeito a talou qual valor social, o que se estruturaria como um
preceito, e sim deve prever, de forma
tão completa e fechada quanto possível, a forma de violação da norma que
merecerá como conseqüência a pena
criminal.
A qualidade da ação empreendida é
aqui decisiva: pelo não pagamento de
vultosa dívida civil, ofende-se a norma
que determina o respeito à propriedade
alheia, mas não se incorre na sanção
penal, o que poderia suceder por minúsculo furto. É bem verdade que poderemos encontrar, em certas situações, a
aplicação de um princípio da lógica
dialética, segundo o qual a quantidade
pode transformar-se em qualidade. Dessa maneira, a fraude penal se definirá
e distinguirá da fraude civil tão-só
pela quantidade, sendo ambas (a despeito de inúmeras tentativas para discernir uma da outra), qualitativamente
idênticas. A ínfima quantidade de ilícito, representada pelo dano ínfimo,
pode também conduzir a uma desfiguração jurídica de um fato que, a rigor,
seria punível (fala-se, hoje, num "princípio da insignificância").
De qualquer modo, anote-se que a lei
.penal, modernamente, não traz expresso o preceito da norma de conduta, e
sim procura descreveras condutas que
violariam a. norma por forma penal~
mente relevante.
86
REVISTA DE DIREITO. PENAL -
o. exame desse quadro e dessas descrições, e o empenho em organizar seus
elementos e definir suas funções, conduziu à construção de uma teoria da
maior importância, chamada teoria do
tipo, ou, se se preferir, teoria da tipicidade. o.s passos inaugurais nessa direção foram dados por Beling, em 1906,
em sua obra Die Lehre von Verbrechen.
3. Dessa distinção entre a norma de
conduta, considerada um a priori em
relação ao Direito Penal, e a lei penal,
ou "norma penal", pode surgir a conclusão - como pareceu a Binding de ser o Direito Penal um sistema meramente sancionador dos demais.
Convém esclarecer, então, alguns aspectos do problema. As normas de con·
duta não existem num mundo de idéias,
anterior ao mundo da realidade, nem
residem num misterioso direito natural. Tobias Barreto, aliás, já anotava,
com sua genialidade, que " não existe
um direito natural, mas há uma lei natural do direito" (Estudos de Direito,
Rio, 1892, pág. 36). Essa "lei natural
do direito" seria facilmente compreensível se se entendessem as normas de
conduta como um produto social. Não
é ii. norma que dita a prática social: é
a prática social que determina a norma. Assim vistas as coisas, perde-se
em eternidade, mas ganha-se em clareza.
Logo se verifica que, se o Direito
Penal, com relação ao sistema denormas de conduta vigente em dada sociedade, é sancionador, todo o direIto
o é, e não apenas o penal. A expressão
sancionatória do ;Direito Penal será
mais evidente tão-só na medida em que
opera ele, necessária e fundamentalmente, com sanções, e as mais graves
sanções. Contudo, será inegável que
também o direito civil, ao estabelecer,
p. ex., o desquite para o caso de aban-
17/18
dono de lar, nada mais faz qUe sancionar a violação a um preceito que,
por vir eventualmente expresso nos deveres de assistência que a lei civil
imponha aos cônjuges, não deixa menos de antepor-se ao próprio Direito
Civil, como norma de conduta ditada
pela prática social, com respeito ao
matrimônio. Em outras palavras: não
,é o Código Civil que cria os deveres de
assistência que impõe: eles derivam da
experiência histórica ocidental, que conduziu à estruturação da família tal
como a conhecemos. Se o Direito Penal castiga o adultério, o Direito Civil
também o castiga operando, cada qual,
com suas sanções características. Com
relação às normas de conduta produzidas pela vida social, o Direito Privado
é tão sancionador quanto o Direito
Penal.
Se se pergunta, todavia, se o Direito
Penal é sancionador com relação aos
outros ramos de direito, a resposta
será, ainda, não. o.bserve-se, de início,
que o preceito, que está implícito na
norma penal, comum ente não está expresso em qualquer outro ramo de direito. o. "não matarás", cuja violação
gera a pena (no Direito Pénal) e a
responsabilidade civil (no Direito Civil), se não vem declinado pelo primeiro, também não vem pelo segundo.
Mas ainda quando o Direito Privado,
ou outros ramos do Direito Público,
contenham - no cumprimento de uma
função de estabelecer relações e definir quadros de atuação social que lhes
seja própria - o preceito, isso não
deve significar que o Direito Penal se
veja na condição secundária de mero
sancionador. Não existe aí, como observa com agudeza Aníbal Bruno, "uma
posterioridade temporal ou mesmo lógica"; o Direito Penal não repete simplesmente o preceito, ou o endossa im-
Co.MENTARIOS E Co.MUNICAÇÕES
plicitamente, "mas ·submete-o ·a sua
própria elaboração, alterando, ampliando ou restringindo o seu conteúdo, e
reduzindo o fato às circunstâncias estritas, segundo o processo de tipificação, que lhe é próprio" (Direito Penal,
Rio, 1959, vol. I, pág. 184).
o. Direito Penal é constitutivo. Não
é sua missão estabelecer princípios de
convivência, senão definir as condutas
que, de modo especialmente grave, e
com lesão a certos valores sociais particularmente caros, violem aqueles princípios: por essa razão, será menos "preceituoso" que, p. ex., o' Direito Privado. Mas é constitutivo. o.s preceitos a
partir dos quais opera, provêm da mesma axiologia que informa os demais
ramos do direito. o. Direito Penal, e
só ele, cria as penas e medidas de segurança; cria situações de exculpação;
contempla diversas condutas que só
para ele seriam relevantes. E, não raro,
se aparta de outros ramos na elaboração de conceitos (veja-se, por exemplo,
o que seja "coisa móvel" para o Direito Penal e para o Direito Civil).
4. Há certas normas penais em que
o comportamento (ação ou omissão)
incriminado não se encontra descrito
integralmente, o que significa que o
preceito que informa tais normas não
se coloca, aprioristicamente, de .forma
acabada e completa, necessitando uma
complementação.
Tome-se como exemplo o art. 297 (CP
de 1969), que incrimina o comportamento de "infringir determinação do
poder público, destinado a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa". Verifica-se que é mister haja
uina "determinação do poder público"
(mediante, p. ex., portaria do Ministério da Saúde), que virá dotar a norma da desejável concretude e precisão,
complementando-a.
87
Tais normas são chamadas "normas
penais em branco", e correspondeu ainda a Binding a primazia em estudá-Ias
e mesmo usar a designação que aind~
hoje, levemente alterada perdura (Elankettstraju'esetz) •
o. complemento pode conter-se na
própria lei penal, ou em outra lei (faIa-se, aqui, em complementação homóloga, homovitelina no primeiro caso, e
heterovitelina no segundo), ou em fontes legislativas de hierarquia constitucional inferior, como ato administrativo, lei estadual ou municipal, ou estrangeira (fala-se, aqui, em complemen_
tação heteróloga). Veja-se, a propósito,
A. Thompson, "Lei Penal em Branco
e Retroatividade Benéfica", in Revista
de Direito da Procuradoria Geral do
Estado da Guanabara, Rio, 1968, vol.
19, pág. 223 e segs., que, todavia só
considera norma penal em branco a~ue­
la onde Ocorra complementação heteróIoga.
II -
Interpretação da norma penal
1. o. problema da interpretação da
norma penal é afluente do problema
relevantíssimo da interpretação da lei,
questão que pertence a uma teoria geral do direito.
A questão da interpretação da lei
ganha realce e desenvolvimento, em verdade, somente após as grandes codificações do século XIX (notadamente, o
Código Civil napoleônico); SoleI' demonstra como a interpretatio romana
era produção de direito fundada na lei,
que não operava no sentido de compreender suas palavras ou a intenção do
legislador, e sim de encontrar novas
soluções a partir de novas formas de
agrupar os elementos fornecidos pelas
próprias leis. Também o direito pretoriano teria visto seu conteúdo criador
exagerado pela crítica criacionista mo-
88
REVISTA DE DIREITO PENAL -
derna (SoleI', I.a ]nterpretación de la
Ley, Barcelona, 1962, pág. 11).
Efetivamente, o problema da interpretação da lei só poderia surgir, não
como pretexto para tertúlias filológicas,
mas como delicadíssimo aspecto da experiência jurídica, quando o juiz se
destacasse definitivamente do legislador, adquirindo uma autonomia e independência que lhe permitissem interferir
menos passivamente na prática judiciária. Beccaria negava que os juízes tivessem o direito de interpretar as leis,
"pela própria razão de não serem legisladores" (Dei Delitti e delle Pene, §
n. IV).
Com as codificações do século XIX,
mais ou menos influenciados pela principologia política da Revolução _Francesa, está presente a idéia muito cara
de "rigidez" das normas jurídicas, ou
seja, de precisão da proposição jurídica.
Se se observa, ainda, que a base do
sistema, mercê das construções jusnaturalistas que desde Grócio se desenvolviam, procurava assentar-se na razão natural, verifica-se que o risco da
" deificação" da lei seria muito grande.
A chamada Escola da Exegese corresponde a essa atitude histórica, e é perfeitamente compatível com o decreto
que, logo após a sanção do Código Penal bávaro de 1813, proibiu que se escrevessem comentários ao mesmo, ou
com a posição de Bugnet, que dizia:
"Não conheço Direito Civil; apenas ensino o Código de Napoleão" (Geny,
apud Soler, op. cit., pág. 26). Para a
chamada Escola da Exegese, a essência do fato interpretativo residiria num
método que permitisse descobrir a real
intensão do legislador. Veja-se uma passagem característica de um seu representante, Baudry-Lacantinerie: "A lei
deve ser interpretada segundo a vontade mesma que presidiu sua origem.
Desprendê-la daí para fazer variar seu
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇÕES
17/18
conteúdo de acordo com o movimento
social, e adaptá-la às exigências da
hora presente ou às transformações da
existência, não seria ser-lhe fiel; neste
caso, seria o meio a fazer a lei, e não
a lei a reger o meio" (apud Soler, op.
cit., pág. 20).
Claro está que mesmo no século XIX
surgiram pensamentos discrepantes dessa orientação. Savigny, em 1840, acentuava que o fim da interpretação "de
cada lei consiste em obter precisamente dela tantos conhecimentos jurídicos
reais quantos sejam possíveis", transcendendo-se pois à mera descoberta do
fim a.lmejado pelo legislador (System
des heutigen Romischen Rechts, trad.
Goldschmidt, Los Fundamentos de la
Ciencia Jurídica, Buenos Aires, 1949,
pág. 85).
Mas a reação se desencadeia com a
obra de François Geny, Método de Interpretação e Fontes do Direito-Privado Positivo, editado em 1899, logo seguida por um trabalho de Eugen Ehrlich (Jurisprudência Livre e Ciência
Jurídica Livre, 1903), e pelo verdadeiro
libelo que sob o título de A luta pela
Ciência do Direito Kantorowicz publicou em 1906, sob o pseudônimo de
Gnaeus Flavius.
Neste pequeno trabalho, impregnado
de vitalidade e humanismo, Kantorowicz
traceja áspera crítica ao "jurista ideal,
segundo a opinião dominante", que seria um funcionário "armado exclusivamente com uma máquina de Pensar da
mais fina espécie", em cuja mesa repousaria o código do Estado, e que teria por encargo, através de operações
lógica;; e de "uma Mcnica secreta que
só ele domina", chegar à solução pré-desenhada pelo legislador, com exatidão absoluta. "Este ideal anota
Kantorowicz - alheio aos romanos da
época de sua grandeza, surgiu nos tem-
pos de sua profunda decadência política, sob a tirania de imperadores semidivinos". Kantorowicz desenvolve uma
apreciação de que chama de "ressurreição do Direito Natural de forma modificada", pondo em relevo o irracionalismo da posição do fiat justitia pereat
mundus, e do "jurista que se amarra
a si mesmo e exclama com orgulho:
"estou aqui, não posso agir de outra
forma". Empreende ainda Kantorowicz
ácida apreciação de princípios muito
caros ao jurista "bem-pensante", por
inteiro subordinado ao temor de desenvolver o texto com o qual trabalha; e
coloca a servilidade ao texto como atitude que não raro se contrapõe à "meta mais alta de toda a juridicidade: a
justiça". "Da cultura do juiz - afirma
- depende em último grau todo o progresso do desenvolvimento jurídico".
(Cf. Kantorowicz, Der Kampf um die
Rechtswissenschaft, trad. W. Goldschmidt, La Lucha por la Ciencia del Derecho, Buenos Aires, 1949, especialmente págs. 329, 345, 361 e segs., 369).
Este movimento, ao qual logo se àgregaram Jean Cruet, Ernst Fuchs, e
Johann G. Gmelin, teve o condão de
reabrir toda a problemática da interpretação da lei, que se viu repensada
no século XX com muito maior amplitude e liberdade. Da sofisticada empostação kelseniana do problema, a mesquinhar a da Buchstabenjuriprur1enz,
uma volumosa literatura pode ocupar-
Interpretação da lei,
quanto ao sujeito
r
89
-se desse delicado milagre que consiste,
para usar os termos de Soler, em
mostrar que teníamos a la verdad delante de nosostros y que no' la s'abíamos
reconocer (op. cit., pág. 195), que se
repete cada vez que a inteligência humana redescobre no texto as amarras
que o ligam à realidade.
2. Partindo da sucinta constatação
de Wach, sempre repetida, de que "a
lei é mais sábia que o legislador", e
que expressa, metaforicamente, a impossibilidade de uma precisão legal, absoluta e exaustiva, da realidade cambiante e diversificada, a interpretação da
lei se situa como uma necessidade da
prática judiciária. Observa Carlos Maximiliano que "não há fórmula que
abranja as inúmeras relações eternamente variáveis da vida; cabe ao hermeneuta precisamente adaptar o texto
rígido aos fatos, que dia a dia surgem
e se desenvolvem sob aspectos imprevistos" (Hermenêutica e Aplicação do
Direito, Rio-São Paulo, 1965, pág. 43).
Costuma-se telassifiCJar a interpretação segundo o sujeito que a faz, os
meios que se empregam, e os resultados
que se alcançam (cf. Asúa, La Ley y el
Delito, Buenos Aires, 1967, pág. 102).
3. Segundo o sujeito que a faz, pode
a interpretação ser autêntica (que se
divide em contextuaI, paralela e posterior) , judicial ou doutrinal, como se
procura representar no seguinte quadro:
I
autêntica
contextuaI
paralela
( lJosterior
judicial
doutrinal
Interpretação autêntica é a que promana do próprio sujeito que produziu
° texto interpretado, ou seja, do le-
7 -R.D.P. 17/18
gislador. Segundo aiguns, entre os
quais Grispigni e Asúa, não se deveria
falar propriamente de interpretação,
90
REVISTA DE DIREITO PENAL -
aqui, e sim, de normas interpretativas.
A interpretação autêntica se diz contextuaI quando a própria lei a ser
interpretada contém passagens explicativas de suas disposições. Para o direito anglo-saxão, é costume mencionar-se o exemplo do Interpretation' Act de
1789. O art. 11 do Código Penal brasileiro (1969) ,é norma interpretativa, ou
seja, realiza interpretação autêntica
contextuaI. A interpretação autêntica
lie diz paralela quando deflui de documentos ligados ao processo legislativo, diversos do próprio texto da lei.
Assim, por exemplo, as exposições de
motivos, os debates parlamentares, as
atas de trabalhos preparatórios etc.
Asúa nega que se possa reconhecer,
aqui, interpretação autêntica (op. cit.,
pág. 104). Por fim, chama-se interpretação autêntica posterior aquela que
vem expressa por novas disposições que
visam esclarecer e delimitar o alcance
e significação de textos já editados. Os
sucessivos Avisos Ministeriais com que,
no Brasil, Se esclareciam aspectos do
Código Criminal de 1830, são um nítido
exemplo dessa prática.
Interpretação judicial é a que promana do órgão estatal encarregado da
administração da justiça. O juiz vem
a ser, portanto, um intérprete profissional da lei, COm a responsabilidade
de ver convertida em norma particular
- para usar termo de Kelsen - sua
interpretação. O relevo da interpretaí:ão judicial vê-se acrescido "quando
um tribunal recebe competência para
produzir também normas gerais através de decisões com força de precedentes" (Kelsen, Teoria Pura do Di'feito, trad. J. Machado, Coimbra, 1962,
voI. II, pág. 115), o que sucede em casos.
de Pré-julgados, Súmulas etc.
Interpretação doutrinal é aquela que
provém do estudo do texto legal reali-
17/18
zado por especialistas. A interpretação
doutrinal é a menos comprometida com
o texto (é a única que não é realizada
por um funcionário do Estado), o que
lhe permite não raro ousar construções
vanguardeiras.
4. Segundo os meios que se empregam, a interpretação se divide, tradicionalmente, em gramatical e lógica,
também chamada esta última, com mais
propriedade, teleológica.
N a interpretação gramatical, procura
o intérprete cingir-se à literalidade do
texto legal,e às suas mais estritas denotações semânticas. O instrumento
principal da operação interpretativa é,
neste caso, a sintaxe. É quase intuitiva
a conclusão sobre as limitações desse
processo interpretativo, que Cícero já
verberava como callida et malitiosu
iuris interpretatio. Em verdade, conhecer a lei é alguma coisa diversa de conhecer as palavras da lei, ou conhecer
a gramática da língua em que foi escrita a lei. O legislador não propõe
aos destinatários de suas normas um
universo que venha a exaurir-se num
approach formalístico, tendo por método as regras da elegância vernácula, senão que os concita a comportamentos
que se inserem num sistema d~ valores
impregnados de historicidade, e que
atenderão portanto a um critério de
eleição talve'z traído pelas palavras; é
àesejável que o legislador tenha dito o
que quis dizer, porém é possível (e é
mais freqüente do que se possa imaginar) que tenha dito menos, ou mais,
ou ainda algo diverso.
A interpretação teleológica (designação melhor do que "lógica", ao menos porquanto a gramática também
possui uma lógica) objetiva revelar" a
íntima significação dos preceitos, a
verdadeira vontade da lei, deduzindo-a
não só das palavras, mas também de
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
91
tórico é fornecldo pela apreciação
múltiplos elementos que contribuam na
do condicionamento histórico (social
formação das disposições legislativas"
e político)
que produziu a lei.
(Asúa, op. cit., pág. 113).
É
falso
o
pensamento
corrente seAqui, leva-se em conta, como já foi
gundo o qual determinada sociedade
realçado, que "toda lei é meio para a
"recebe" o direito, mais ou menos como
I!onsecução de determinados fins sociais,
um paciente recebe a medicação. Em
e só pode ser realmente entendida a
realidade, certas formas sociais (que
partir desta referência finalista" (Mezvêm a ser conteúdo de certas formas
ger, Tratado de Derecho Penal, trad.
políHcas) " exigem" um determinado
R. Munoz, Madrid, 1946, voI. I, pág.
direito, podendo-se afirmar, pois, que
147).
é menos o direito a moldar a sociedade
Os autores costumam afirmar que a
do que a sociedade a moldar o direito.
interpretação teleológica opera à base
Claro está que o ordenamento jurídico,
de alguns "elementos", que seriam: o
depois de composto e editado, passa a
elemento propriamente teleológico, o
desfrutar de relativa autonomia, autoelemento sistemático, o elemento histónomia formal que ,é atingida - pela
rico, e outros.
revogação da lei - sempre que o desO elemento propriamente teleológico
compasso entre o direito que o corpo
é constituído pelo levantamento do que
social tem e o direito que quer determisE:ja, em cada caso, a ratio legis. Com
nar um nível de insatisfação agudo. A
efeito, o conhecimento do fim almejapartir dessas colocações (aqui postas
do pelo legislador pode resolver questões quanto aos limites e à orientação
de modo muito preliminar e algo axiodo preceito, excluindo uma interpretamático, porém sem muito esforço deção que negasse ou restringisse o ammonstráveis), é fácil depreender a implo alcance daquela finalidade.
portância que, na interpretação teleológica da lei, assume o elemento históO elemento sistemático se obtém da
constatação de que o ordenamento jurírico.
dico, para usar a expressão de Antolisei,
É através do elemento histórico que
"não é constituído por uma miríade
se deverá trazer o problema da relação
de normas independentes, desligadas enentre a lei e os "costumes", que orditre si, mas de um complexo que, em
nariamente se examina num enfoque
linhas essenciais, é unitário e orgânivetusto de "fontes" do direito. Aquilo
co" (Manuale di Diritto Penale, P.G.,
que se convencionou chamar "costumes"
Milão, 1969, pág. 61). Ou seja: o intérsem dúvida participa de experiência
prete pode retirar indicações valiosas
jurídico-penal,
como dela participa a
para seu trabalho da maior ou menor
moral, a religião, e outras formas mais
adequação entre sua interpretação e os
ou menos espiritualizadas de controle
fins gerais do sistema.
social. Todo o debate, por exemplo, soO elemento histórico pode ser visto
bre
adequação social terá por pano de
sob dois ângulos. Sob o primeiro, em
fundo
- ainda que se evite o uso do
acepção muito restrita, emerge da contermo
o problema dos costumes; um
sideração do surgimento da norma,
conceito realístico de antijuridicidade
aproximando-se, aqui, do que foi chamaterial não poderá ser construído sem
mado interpretação autêntica paralela.
que se valha da idéia de costumes, pois
Sob o segundo ângulo, o elemento his-
92
REVISTA DE DIREITO. PENAL -
os famosos "valores gerais do direito"
são, regra geral, reflexos de valores
da praxis social que ele se destina a reger. Já se fala numa função derrogatória e numa função integradora dos costumes, face à lei penal. Evidentemente,
os costumes - como tudo o que não
seja a lei escrita - estarão sujeitos às
limitações que decorrem da natureza especial da punição penal, e das exigências de garantia e segurança individual.
Assim, os costumes não podem criar
uma incriminação, ou alterar a pena
cominada de determinado crime. Mas
podem contribuir decisivamente para o
esclarecimento de um preceito, seu alcance e significação; e podem, que seja
metaforicamente, "derrogá-lo", por obra
da consideração da adequação social da
ação (veja-se, com posição diversa, Bettiol, "SuBa Consuetudine Penale", 1n
Scritti Giuridici, Pádua, 1966, voI. II,
pág. 896).
Mencionam-se ainda outros "elementos", como o "comparativo estrangeiro"
(Asúa, op. cit., pág. 116) etc. Parece-nos que tais distinções visam apenas a
favorecer o aprendizado, e são sumamente discutíveis. Em verdade, temos
aí apenas alguns critérios, algumas
perspectivas que se encaminham todas
num único e indecomponível sentido: esclarecer a significação da lei, tendo em
vista os fins que ela pretendia realizar.
5. Segundo os resultados, a interpretação costuma ser classificada em declarativa, restritiva, extensiva e progressiva.
Diz-se declarativa a interpretação
quando haja perfeita correspondência
entre a denotação gramatical do texto
e sua compreensão pelo intérprete.' A
tarefa interpretativa não é, aqui, mais
humilde ou desnecessária, sendo um
equívoco pensar-se que não haveria efetivamente, neste caso, interpretação.
17/18
Sem dúvida, há; o que ocorre é que o
intérprete, valendo-se de todo o instrumental já examinado, chega à conclusão de que as palavras da lei correspondem integralmente ao seu espÍl·ito.
o. resultado meramente declarativo da
interpretação não guarda necessariamente uma relação com a maior ou
menor clareza 'do texto: o brocar do in
olaris cessat interpretatio (que não é
romano) só se admitiria perante uma
ótica estritamente gramatical, e é hoje
inatendível (cf. Carlos Maximiliano,
op. cit., pág. 45).
Diz-se restritiva a interpretação
quando o alcance das palavras empregadas pelo texto sofre limitações, pela
consideração de que, face a razões sistemáticas, ou históricas, a vontade do
legislador não tinda o âmbito que se
poderia deduzir das palavras por ele
usadas.
Diz-se extensiva a interpretação quando exatamente ao contrário de que
sucede na interpretação restritiva, o
alcance das palavras empregadas pelo
texto sofre ampliações,' também pela
consideração de que, face a razões sistemáticas, ou históricas, a vontade do
legislador não se cingia ao âmbito mais
restrito que se poderia imaginar, pelo
exame das palavras por ele usadas.
Quando a extensividade do resultado da
interpretação deriva do emprego de
expressões exemplificativas, ou cláusulas genéricas que fixem certos critérios
mínimos, a inclusão de situações não
previstas explicitamente se faz por
interpretação analógica, que é um tipo
especial de interpretação extensiva
(veja-se, p. ex., o n. IV do § 2.° do
art. 120 do CP).
Diz-se extensiva a interpretação
quando, o resultado alcançado promove
uma adaptação do texto legal a novas
realidades ignoradas pelo legislador. o.
Co.MENTÁRIo.S E COMUNICAÇõES
caráter estacionário do direito, paralisado, na letra da lei, pode ser assim amenizado, através de uma interpretação que
procure recompor o sentido do texto,
frente às exigências de uma realidade
que se alterou, e sempre que essas exigências sejam possíveis de incluir-se
na fórmula geral da lei.
6. Convém destacar, para ligeiro exame, a analogia, processo lógico de integração do ordenamento jurídico, que
não pode ser confundido com a interpretação extensiva analógica.
Mediante analogia, a lei é aplicada a
uma situação por ela não prevista, mas
a propósito da qual se possam invocar,
por similitude, as mesmas razões que
fundamentam a situação prevista, cuja
solução legal será transladada.
Temos aí, em termos lógicos, uma
"indução parcial, ou imperfeita, na qual
o espírito passa de um ou de ~lguns
fatos singulares (ou de uma enunciação parcial) a uma outra enunciação
singular ou particular, que ele infere
em virtude de uma semelhança" (Maritain, Lógica Menor, trad. 1. Neves, Rio,
1972, pág. 308).
Consoante frisa A. Bruno, a analogia "não é um meio de interpretação,
mas de integração do sistema jurídico.
N a hipótese de aplicação da analogia,
não há um texto de lei obscuro ou incerto, cujo exato sentido se procure descobrir ou esclarecer. o. que há.é ausência de lei que regule diretamente a hipótese" (op. cit., pág. 208).
A analogia, no Direito Penal, sofre
as limitações impostas pelo princípio
da reserva legal, não se aplicando pois
a tudo quanto seja incriminações e penas. Com relação às outras normas, é
aplicável in bonam partem, salvo se se
tratar de regra excepcional; quando
logicamente não se pode admitir seu
emprego (caso contrário, tais regras
93
perderiam sua excepcionalidade) . As'
causas gerais de exclusão da antijuridicidade e culpabilidade admitem aplicação analógica, ao contrário do que
afirma ainda grande parte dos autores
entre nós.
'
Historicamente, registra-se o emprego tradicional de analogia no Direito
Penal da Dinamarca, mesmo quanto às
normas que incriminam conduta. Reza
o art. 1.0 do Código Penal dinamarquês
de 1930: "Ninguém pode ser punido com
pena senão por atos cujo caráter criminoso estej a consignado em lei, ou
que sejam inteiramente assimiláveis a
tais atos". Na Rússia, trabalhou-se com
analogia, o que já não prevalece, desde
o Código de 1960, já posterior às Bases de 1958. Zdravomíslov afirma ser a
analogia "instituição que está abolida
no Direito Penal soviético" (Derecho
Penal Soviético, trad. J. Guerrero, Bogotá, 1970, pág. 52). Neste século, a
experiência do emprego da analogia
pelo Direito Penal nazista, com a conhecida fórmula do "são sentimento do
povo", e seu saldo funesto, é o mais
convincente dos argumentos em favor
da posição de rEÍpúdio a seu emprego
indiscriminado.
7. Em suma, pode dizer-se que a interpretação é uma ativida'de criadora
(Mezger, op. cit., pág. 148), mediante
a qual - utilizando-se de diversos critérios - se procura a exata compreensão do texto legal. Não é trabalho de
habilidade gramatical, ou criptografía:
é uma profunda imersão do sistema jurídico em que a lJOrma se insere, e uma
verificação ampla de sua historicidade ..
Consistindo o fim da interpretação
em tornar firme, isto é, exato e claro,
o texto legal a ser aplicado, compreende-se que seus parâmetros lógicos não se
atenham aos valores de benevolência ou
ódio, senão aos de correção ou erro.
94
REVISTA DE DIREITO PENAL -
17/18
em lei da conduta criminosa pela qual
responde, e da pena que sofrerá.
Insere-se, em nosso sistema, no art.
1.0 do Código Penal, com a seguinte
redação: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Esteve presente
em todos os nossos estatutos penais
(Código Criminal de 1830, Códigopenal de 1890 e Código Penal de 1940),
por coincidência sempre no art. 1.°; e
foi mesmo inscrito, tradicionalmente,
nas Constituições brasileiras.
O princípio da reserva legal era desconhecido do direito romano (cf., a propósito, J. Mestieri, Teoria Elementar
do Direito Criminal, Rio, 1971, pág. 81),
como foi desconhecido pelo direito germânico e pelos estatutos medievais.
Costuma-se invocar a Magna Carta,
de 1215, como antecendente do principio, o que é mais que duvidoso, por duas
razões: em primeiro lugar, pelo âmbito
social restrito de sua aplicação; em segundo lugar, por que há indicações de
que o excerto apontado se constituía,
de fato, em garantia de cl,lráter processual.
Em verdade, é com as idéias do Iluminismo que se impõe o princípio nulla
poena nullum crimen sine (ege, alinhando-se na luta contra a arbitrariedade
dos governantes e dos juízes.
Veio o princípio a ser inserido na
Constituição norte-americana (1776), e
na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão (1789), daí se comuni.
cando à Constituição francesa de 1791.
O primeiro Código Penal a adotá-Io
expressamente foi o Código Penal austríaco de 1787, feito sob D. José II.
Sua formulação latina se deve a
III - O princípio da reserva legal
Feuerbach, e veio a lume com a edição
de seu Lehrbuch des Peinlichen Rechts,
1. Chama-se princípio da reserva leem 1801. A partir do século XIX, o pringal ao princípio que condiciona a punicípio começa a inscrever-se em quase
ção do indivíduo à anterior previsão
Princípios como in dubio pro reo, ou
in dubio 'mitius', ou in dubis benignus
interpretandum não são aplicáveis, como, amparado em Von Hippel e Grispigni, lembra Asúa (op. cit., pág. 117).
Em tema de interpretação da lei, a
dúvida se resolve resolvendo-se a dúvida; só quando estejamos face a uma
situação de dúvida irredutível, esgotado todo o arsenal lógico-interpretativo,
será lícito pensar na solução mais favorável ao indivíduo acusado. Mas que
isso é já um traço político que ingressa
na questão, deve ser visto realisticamente.
Missão da interpretação, pois, é tornar o texto firme, ou seja estabelecer
"entre os pensamentos possíveis, o único apropriado, correto, jurídico" (Carlos Maximiliano, op. cit., pág. 28), o
que só se obtém "colocando de acordo
a lei do passado com as necessidades
do presente, estabelecendo uma conexão do ontem com o hoje" (Mezger,
op. cit., pág. 154).
Em nossa opinião, toda a teoria da
interpretação está por absorver inestimável contribuição, que lhe podem proporcionar modernas idéias de uma teoria da comunicação. A partir da consideração do legislador como emissor
_ codificador, da lei como mensagem,
do destinatário como decodificador-receptor, uma visão renovada deste processo poderia enriquecer extraordinariamente a pesquisa a respeito. É possível que, no desenvolvimento dessa linha,
se venha a falar numa semiologia jurídica, talvez capaz de propor questões
que escaparam à empostação tradicional.
COMENTÁRIOS E COMUNICAçõES
todos os códigos penais, talvez como a
peça mais importante daquela "piattaforma legislativa comune" a que se referia Bettiol (lstituzione di Diritto e
procedura Penale, Pádua, 1973, pág.
73).
2. O princípio da reserva legal possui algumas funções, que analisaremos
a seguir obedecendo à orientação de
Heleno Fragoso ("Observações sobre o
Princípio da Reserva Legal", RDP
1178).
2.1. Proibir a retroatividade da lei
penal.
É esta a função "histórica" do princípio da reserva legal, que surgiu exatamente para evitar incriminações ex
post facto. A Alemanha nazista conheceu exemplos de aplicação retroativa da
lei penal (cf. H. Fragoso, op. cit., pág.
84).
2.2. Proibir a criação de crimes e
penas pelo costume.
"Só a lei pode ser fonte de normas
incriminadoras" (H. Fragoso, op. cit.,
pág. 85). Isso não significa, como já
vimos, que os costumes não participam
da experiência jurídico-penal; apenas,
não podem criar crimes ou penas.
95
2.3. Proibir o emprego .de analogia
com relação às normas incriminadoras.
Pelo que já vimos, o emprego de analogia corresponderia a uma autêntica
"criação" de crime ou pena, o que só
Se admite mediante lei escrita anterior.
Frise-se que a proibição do emprego
da analogia somente alcança as normas
que incriminam condutas e estabelecem
penas.
2.4. Proibir que se estabeleçam incriminações vagas e indeterminadas.
Como observa PetroceIli, "do princípio de legalidade, em todos os seus aspectos, é indubitavelmente um corolário
a exigência de qUE; o preceito de conduta
seja determinado e especificado de modo tal a fazer ver claramente ao cidadão a conduta a seguir, e os limites
do
próprio
livre
comportamento"
(" Appunti sul Principio di Legalità nel
Diritto Penale", in Saggi, vol. II, Pádua, 1965, pág. 193). Ou seja: é mister
que a incriminação determine, da forma mais precisa possível, a conduta
proibida, para que o limite entre a liberdade e o ilícito seja demarcado de
forma nítida.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
CULPABILIDADE NORMATIVA E EMBRIAGUEZ NO
CÓDIGO PENAL DE 1969
DAMÁSIO
E.
DE JESUS
SUMARIO: 1. A culpabilidade no Código Penal de 1969 2. Momento da imputabilidade: <{actio libera in causa" - 3.
Embriaguez e culpabilidade: a questão em face do Código
Penal de 191,-0 - 4. O trata·mento da embriaguez no Anteprojeto de Código Penal - 5. A disciplina da embriaguez no
Código Penal de' 1969: crítica - 6. A solução da legislação
penal alemã - 7. Sugestão.
A culpabilidade no Código Penal
de 1969
1 -
o crime, sob o prisma formal, é
composto de três elementos: fato típico,
antijuridicidade e culpabilidade. Cometido um fato descrito em lei penal incriminadora não se deve afirmar que o
autor cometeu um delito, urna vez que
a conduta pode ter sido praticada sob
o agasalho de urna causa excludente da
ilicitude. Assim, é necessário que além
de típico o fato se revista da característica da contradição com o ordenamento jurídico. Não € suficiente, porém,
para que o sujeito sofra' a incidência
da resposta penal, que tenha cometido
um fato típico e antijurídico. É preciso que haja um liame de ordem subjetiva ou normativa que o ligue ao autor. Surge, então, a exigência da culpabilidade, conceituada sob os aspectos
das teorias psicológicas, psicológico-normativa e normativa pura.
De acordo com a teoria psicológica,
culpabilidade é a relação psíquica en-
tre o autor e o rato, manifestada através de suas espécies: dolo e culpa. O
caráter comum às duas espécies reside
no liame psicológico entre o sujeito e
o resultado de sua conduta. O dolo
consiste na vontade de o agente causar
urna modificação do mundo exterior
(resultado), enquanto a culpa se caracteriza pela inexistência dessa vontade
tendente à produção do resultado.
A falha da teoria psicológica da culpabilidade reside em querer reunir corno espécies de um mesmo fenômeno
conceitos que são diferentes. Se a característica do dolo é querer produzir
o resultado e a da culpa é justamente
não querer a sua produção, não se
compreende corno possam ser considerados conceitos comuns ao elemento genérico da culpabilidade. Enquanto o
dolo é um fenômeno psicológico, pois
nele se vislumbra a ligação psíquica entre o autor e o resultado, a culpa não
é um fator psicológico. Nela não existe
liame subjetivo entre o agente e o resultado (salvo o caso de culpa consciente), tratando-se de puro juízo de
apreciação'! Enquanto o dolo se encontra na cabeça do agente, a culpa está
na cabeça do juiz (provérbio alemão).
Cabe ao juiz verificar se o agente tinha
possibilidade de antevisão da produção
do resultado diante de seu comportamento típico. Reunir dois conceitos diferentes, quais sejam, dolo (fator psicológico) e culpa (fator normativo),
num só denominador (culpabilidade)
constitui o principal motivo de fracasso
da teoria psicológica. Diante de tal fracasso surgiu a teoria psicológico-normativa, que inseriu a inexigibilidade
de conduta diversa como elemento comum ao dolo e à culpa.
Frank, em 1907, analisando o art.
. 54 do Código Penal alemão, percebeu
que age dolosamente o autor de um
fato típico praticado em estado de necessidade. Não se pode dizer, porém,
que sua conduta seja culpável, uma vez
que no caso não se exige comportamento
diverso (exemplo da tábua de salvação). Surge um efeito relevante: é possível agir com dolo sem que a conduta
seja culpável. Então, desaparece a
culpabilidade quando a conduta não é
reprovável, sendo que isso ocorre quando não se pode exigir do agente comportamento diverso. Logo, a inexigibilida de de conduta diversa exclui a culpabilidade, embora tenha o sujeito agido
com dolo ou culpa. Em face disso, dolo
e culpa não podem ser considerados
1. l\lallrach, "A TeolÍa da Culpabi..
lidade 110 Direito Penal Alemão", trad.
de Norma Pesce, in Revista Brasileira
deC1'iminowgifJ e Direito Penal, n. 15,
outubro-dezemhro de 1967, pág. 21.
97
espécies da culpabilidade, mas seus elementos, que assim se manifestam:
1.0 -
imputabilidade;
2.° -
dolo ou culpa;
3,° - exigibilidade de comportamento diverso.
A falha dessa teoria consiste,
em primeiro lugar, na colocação do
dolo corno elemento da culpabilidade.
Ora, sendo um dado psicológico, o dolo
não pode ser colocado ao lado da culpa,
puro juízo de valoração. Nesse ponto a
teoria psicológico-normativa merece a
mesma censura endereçada à teoria
psicológica. Em segundo lugar, se a
culpabilidade consiste na reprovabilida de da conduta do agente diante de
certas circunstâncias, culpabilidade ,é,
então, um juízo de valor. Corno lembra
Maurach, a culpabilidade não está na
cabeça do agente, mas sim na do juiz.2
Ora, se o dolo está na cabeça do agente
não pode ser elemento da culpabilidade,
que é puro juízo de valor elaborado
pelo magistrado. O dolo não está na
culpabilidade: ele sofre um juízo de
valor na culpabilidade, não sendo seu
elemento, mas sim coeficiente. Assim,
essa teoria insere na culpabilidade elementos psicológicos (dolo) e normativos (exigibilidade e culpa em sentido
estrito), daí advindo sua denominação
(psicológico-normativa), não podendo
denominar-se propriamente de "normativa". Surgiu, então, diante da teoria
mista da culpabilidade, a teoria normativa pura.
De acordo com o normativismo puro,
construído sobre os postulados da teoria
finalista, criação de Welzel, a culpabilidade é um puro juízo de valoração, pelo
.que não pode conter elementos psicoló2, Op. e loe. cit8., pág. 24.
98
REVISTA DE DIREITO PENAL -
gicos. Em conseqüência o dolo não
pode pertencer à culpabilidade. Para
excluir a culpabilidade de fator psicológico Welzel deslocou o dolo para o
domínio do fato típico (para.o tipo
penal), constituindo elemento subjetivo
da figura típica. 3 E, para excluir do
dolo todo fator normativo, transformando-o em dolo natural (vontade de
praticar a conduta), a teoria normativa pura retirou dele a consciência da
antijuridicidade, deslocando-a para a
culpabilidade. E como a culpabilidade
é um puro juízo de apreciação a consciência da ilicitude nela incluída não é
real ou atual, não se exigindo que o
agente tenha efetivo conhecimento
profano da ilicitude de seu comportamento. É suficiente que tenha possibilidade de conhecer o caráter antijurídico de sua conduta (potencial consciência da antijuridicidade). Além disso
a culpa é deslocada para a estrutura
da ação. Diante de tais alterações na
estrutura do crime a teoria normativa
pura entende que são elementos da
culpabilidade:
1.° - imputabilidade;
2.° - exigibilidade de conduta diversa e
3.° - possibilidade de consciência da
antijuridicidade.
Esses três elementos são puros juízos
de valoração, expungidos de qualquer
fator psicológico. Pratica o fato culpavelmente o agente imputável que tinha
possibilidade de lhe conhecer a ilicitude
e de cometer outra conduta conforme
a lei.
Os conceitos de imputabilidade e de
exigibilidade de outra conduta aceitos
3. La Teoría de la Acción Finalista,
trad. de Carlos Fontán Balestra e Eduardo Friker, Editorial Depalma, Buenos Aires, 1951, págs. 29 e segs.
17/18
pela teoria normativa pura coincidem
com as 110ções tradicionais que delas
conhecemos, o que não acontece com a
consciência da ilicitude.
Existtlm várias teorias a respeito da
situação da consciência da ilicitude na
estrutura do delito. Deixando de lad,)
a teoria extrema ·(ou estrita) e a
teoria limitada do dolo, fundadas na
doutrina naturalista ou causal da ação,
que situam o conhecimento da antijuridicidade no dolo, vejamos as duas
teorias que o colocam na culpabilidade:
teoria extrema da culpabilidade e
. teoria limitada da culpabilidade.
Nos termos da teoria extrema (ou
estrita) da culpabilidade o dolo constitui elemento subjetivo do tipo. Assim,
Dohna conceitua o dolo como el tipo
subjetivo. 4 Como diz Welzel, seguindo
esse caminho iniciado por Dohna, a
doutrina da ação finalista consigna ao
doló o seu lugar apropriado, como uma
espécie da vontade final da ação, no
tipo (subjetivo) dos delitos dolosos.5
Em face disso a consciência da antijuj'idicidade é retirada do dolo, permanecendo como elemento do juízo de
vaior, isto é, como elemento da culp'ilbilidade. E como esta é puro juízo de
valor, seu'! elementos seguem a sua
natureza. Em conseqüência, como dissemos, não se exige efetivo conhecimento da ilicitude, mas sim possibilidade de tal consciência (puro juízo
valora tivo ) .
A teoria limitada da culpabilidade
tem pontos de semelhança com a teoria extrema: o dolo faz parte da figura
c
4. La Estrutura de la Teoría del
Delito, trad. de Fontán Balestra e E.
Friker, Buenos Aires, 1958, págs. 32 e
segs.
5. El Nuevo Sistema del Derecho Penal, trad. de Cerezo Mil', Barcelona,
1964, pág. 83.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
típica e. não contém o conhecimento da
ilicitude, que integra a culpabilidade,
bastando a possibilidade de tal consciência. Diferem no caso de suposição
de causa excludente da antijuridicidade. Para a teoria extrema subsiste
o dolo quando, por exemplo, o sujeito
pratica o fato em legítima defesa
putativa, absolvendo-o em caso de erro
escusável. A teoria da culpabilidade
limitada, porém, faz distinções entre
ignorância da antijuridicidade por erro
de direito e a decorrente de erro de
fato. Quando o agente supõe em vigor
uma regra jurídica que, se existisse,
tornaria sua conduta lícita, a teoria
ilimitada concorda com a extrema no
sentido da subsistência do dolo e da
absolvição do agente em caso de erro
invencível. Quando, porém, por erro de
fato o sujeito supõe uma situação que,
se existisse, tornaria lícito o seu comportamento, afirma que não subsiste
o dolo, subsistindo a culpa. Essa
teoria, como observa Maurach, leva a
consequencias que suscitam críticas,
pois seus resultados deixam a desejar.6 Da mesma opinião é Alcides
Munhoz Neto, para quem a grande
falha dessa doutrina consiste na
"desigualdade no tratamento de situações análogas (erro vencível de
direito e erro vencível de fato, ambos quanto à antijuridicidade da
ação) ".7 As críticas procedem. Se
alguém pratica .0 fato em legítima
defesa putativa, essa teoria faz distinções. Se o agente incidiu em erro de
"ilicitude
da
direito, supondo
a
6. Op. cit., pág. 34.
7. "Causas de Exclusão da Culpabilidade", in Anais do Ciclo de Conferências sobre o Novo Código Penal,
Editoras Unidas Ltda., São Paulo, 1972,
pág. 72.
99
agressão", tratando-se de erro sobre
a norma, subsiste o dolo, respondendo
por crime doloso, podendo a punição
ser atenuada ou excluída. Se, porém,
o erro incide sobre a "atualidade da
agressão", tratando-se de erro de fato,
não subsiste o dolo, subsistindo a culpa
e respondendo o agente pelo crime a
esse título, se vencível o erro. Esses
resultados, segundo Maurach, quando
postos em confronto, constituem absurdo.8 Essa teoria predomina na jurisprudência alemã.
O Código Penal de 1940 adotou a
teoria psicológico-normativa. Nele a
culpabilidade é composta da imputabilidade, do dolo ou culpa (elemento
psicológico-normativo) e da exigibilidade de comportamento diverso.
O Código Penal de 1969 (Decreto-lei n. 1.004, de 21.10.1969), acatou
a teoria normativa. 9 A concepção normativista está presente em várias de
suas disposições, como observa Alcides
Munhoz Neto. Assim, no estado de
necessidade inculpável (art. 25), embora presente o dolo a conduta não é
reprovável em face da inexigibilidade
de outro comportamento. A disposição
a respeito dos criminosos habituais e
por tendência (art. 64), sujeitos à
sanção relativamente indeterminada,
tem fundamento na maior censurabi!idade desses tipos normativos de
agentes. No art. 58, n. II, o novo estatuto buscou inspiração na teoria da
culpabilidade referível ao agente e sua
maneira de vida, de índole normativa.
Alcides Munhoz Neto cita ainda a disposição do art. 30, § 1.0, demonstrativo de que o novo Código Penal acei8. Op. e Zoc. cits.
9. Miguel Reale Júnior, Dos Estados
de Necessidade, José Bushatsky Editor,
São Paulo, 1971, pág. 97, n. 5.
100
REVISTA DE DIREITO. PENAL -
tou a teoria normativa)O E a própria
Exposição de Motivos, em várias passagens, tece considerações a respeito
das modernas concepções normativas
(ns. 8, 10 e 14).
Embora o novo estatuto penal houvesse acatado a teoria normativa da
culpabilidade, a antiga redação do art.
17 impedia que se entendesse adotado
o normativismo puro, nos termos pretendidos por Welzel e Maurach. É que
a indicação marginal do dispositivo,
como observava Alcides Munhoz Neto,
falava em "Culpabilidade". E, como o
dispositivo cuidava do crime doloso e
culposo, isso significava que "o dolo
e a culpa" deviam "ser tidos como
formas daquele elemento do crime ")1
Logo, não tinha sido aceita integralmente a teoria normativa, uma vez
que nela o dolo e a culpa estão fora
da culpabilidade, funcionando como
elementos subjetivos do tipo. o. Código,
embora avançando no terreno do normativism(), permanecia adotando uma
teoria mista, ao gosto de Mayer, Bettiol, Aníbal Bruno e José Frederico
Marques, inserindo na culpabilidade
elementos psicológicos e normativos.
De observar-se, porém, que o Projeto
de lei n. 1.457, de 1973, do Poder Executivo, que introduziu emendas ao Código Penal de 1969, alterou a indicação
marginal do art. 17, substituindo a expressão "Culpabilidade" por "Crime
doloso e crime culposo". Na Exposição
de Motivos o Min. Alfredo Buzaid justificou a modificação: "No art. 17, o
projeto altera a rubrica de "Culpabilidade" para "Crime doloso e crime
culposo", que é mais exata em face de
seu enunciado" (n. 4). Assim, o Código
Penal de 1969, com a redação final d~
Lei n. 6.016, de 31.12.1973, acatou o
10. Op. cit., págs. 57 e 58 e nota 9.
11. Op. cit., pág. 58.
17/18
normativismo puro (embora, cremos,
não tivesse sido essa a intensão do legislador) não em sua inteireza, uma vez
que não concedeu relevância total ao
erro de direito escusável.
Acatando a doutrina normativa o
Código Penal de 1969 filiou-se à teoria
da culpabilidade limitada: o dolo e a
culpa tnão integram a culpabilidade,
constituindo elementos subjetivos do
tipo; a consciência da ilicitude não faz
parte do dolo, que é um dolo natural,
passando a constituir elemento da culpabilidade; consciência da antijuridicida de não é real e atual (psicológica),
bastando a possibilidade de .conhecimento
do ilícito. Vejamos. Nos termos do art.
20, que trata do erro de direito escusável, mesmo quando diante dele o agente
"supõe lícito o fato" responde pelo crime a título de dolo, atenuando-se a resposta penal. o.ra, se o erro de direito
é o reverso do conhecimento da ilicitude
e se mesmo sem esse conhecimento em
face do erro de direito invencível o
sujeito responde pelo crime a título de
dolo, conclui-se que a consciência da
antijuridicidade não faz parte do dolo.
No erro de fato, porém, quando o
agente supõe "situação de fato que tornaria a ação legítima" (descriminante
putativa) o dolo é excluído, subsistindo
a culpa em caso de erro vencível (art.
21, caput, última parte, e § 1.0). Aí se
encontra a teoria limitada da culpabilidade, embora não em sua inteireza
pois nosso futuro Código, no erro d~
direito escusável, somente permite a
atenuação ou substituição da pena, mas
não a sua exclusão, conforme permite
aquela doutrina.
2 - Momento da
libera in causa"
Imputabilidade
dições pessoais
capacidade para
imputabilidade: "actio
é o conjunto de con~
que dão ao agente
lhe ser juridicamente
Co.MENTÁRIOS E Co.MUNICAÇõES
atribuída a prática de um fato punível.!2
o. Código Penal italiano, em seu art.
85, segunda parte, diz que e imputabile
chi ha la capacità d'intendeJ'e e di
volere. o. Código Penal vigente e o
futuro estatuto penal não possuem disposição semelhante, em face do que o
conceito de imputabilidade deve ser encontrado, a contrario sensu, através da
interpretação das normas que regem a
inimputabilidade por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou
retardado (arts. 22, caput, do Código
Penal de 1940 e 31, caput, do Código
Penal de 1969) ou em conseqüência de
embriaguez acidental completa (arts.
24, § 1.0, do Código Penal de 1940 e
32, cap~tt, do futuro estatuto repressivo). Imputável -é, então, o suj eito
mentalmente desenvolvido e são, capaz
de entender o caráter criminoso do fato
e de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
A imputabilidade deve existir ao
tempo da prática do fato típico, não
havendo imputabilidade subseqüente.
Pode ocorrer, porém, o caso de o sujeito
colocar-se propositadamente em situação de inimputabilidade para a prática
da conduta punível. Surge a questão
das actiones liberae in Causa, sive ad
libertatem relatae (ações livres em sua
causa, isto é, relacionadas com a liberdade) , ou simplesmente actio libera in
causa. São casos de condutas típicas
em regra livremente desejadas, mas
cometidas pelo agente em ocasião de
inimputabilidade, havendo liberdade
originária e inexistindo liberdade atual
(no momento da prática do fato).
A teoria da actio libera in causa
apareceu no Código Rocco que, após
12. Aníbal Bruno, Direito Penal,
Forense, 1959, vol. I, t. II, pág. 39.
101
determinar que a imputabilidade deve
existir no momento da prática do fato
a f'lrma que esse princípio não tem apli-'
cação a quem se coloca em estado de
incapacidade de entender ou de querer
com o fim de cometer a infração ou
de preparar uma escusa (art. 87).
Alguns autores entendem suficiente
que a imputabilidade e o elemento
subjetivo da culpabilidade existam num
dos momentos do iter criminis e que
isso ocorre na actio libera in causa,
uma vez que o comportamento de colocar-se em estado de inimputabilidade
já constitui ato de execução da conduta
punível. De ver-se, porém, que o ato
de o agente colocar-se em estado de
inconsciência, por exemplo, não pode
ser considerado ato executório de crime
algum. Se assim não fosse deveria o
sujeito responder por tentativa se nada
ocorresse após colocar-se em situação
de inimputabilidade.
Para que o agente, aplicando-se a
teoria da actio libera in causa, responda
pelo crime cometido em estado de
inimputabilidade, são necessários certos
requisitos:
1.0 - que se tenha colocado, dolosa
ou culposamente, em estado de inimputabilidade;
2.° - que haja dolo ou culpa, no
momento em que se tenha colocado em
situação de inimputabilidade, em relação a crime determinado.
Assim, para que o agente responda
pelo crime é necessário que na fase
livre (resolução) esteja presente o
elemento subjetivo (dolo ou culpa)
ligado ao fato. Não é suficiente que
se tenha colocado voluntária ou culposamente em estado de inimputabilidade,
exigindo-se que tenha querido (dolo
direto) ou assumido o risco de produzir o resultado (dolo eventual), ou
102
REVISTA DE DIREITO PENAL -
que este tenha sido previsível (culpa
consciente ou inconsciente).
3 Embriaguez e culpabilidade: a
questão em face do Código Penal de
1940
O Código Penal vigente, em seu art.
24, n. II, determina que não exclui a
imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeito análogo. Assim, se o
sujeito comete um fato típico sob efeito
de ebriez, voluntária ou culposa, não
há exclusão da imputabilidade e, em
conseqüência, subsistindo a culpabilidade, responde pelo crime. Só admite a
exclusão da imputabilidade no caso da
ebriez acidental completa, em que o
sujeito, no momento da prática do fato,
em conseqüência de seus efeitos, não
lhe compreende () caráter criminoso ou
não possui capacidade de autodeterminação (art. 24, § 1.0).
A Exposição de Motivos, cuidando da
matéria, afirma que, "do ponto-de-vista
da responsabilidade 'Penal, o projeto
aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa seu ad
libertatem relata, que, modernamente,
não se limita ao estado de incon.sciência
preordenado, mas a todos os casos em
que o agente se deixou arrastar ao estado de inconsciência" (n. 21).
A adoção da teoria da actio libera
in causa não apresenta dificuldade de
aplicação na embriaguez preordenada,
em que o sujeito, embriagando-se propositadamente, coloca-se em estado de
inimputabilidade para cometer o crime. Complica-se a questão quando a
conduta típica e ilícita é praticada pelo
agente em estado de ebriez completa,
voluntária ou culposa e não preordenada. Neste caso o Código Penal determina que a ebriez não exclui a impu-
17/18
tabilidade, pelo que o sujeito responde
pelo delito a título de dolo. Nélson
Hungria, como Narcélio de Queiroz,
partidário da aceitação da teoria à espécie, afirma que "mesmo quando não
haja preordenação, não fica excluída,
nos crimes comissivos, a responsabilidade a título de dolo, desde que, ao
colocar-se voluntariamente em estado
de conturbação psíquica, o indivíduo
soube que estava criando o risco, que
aceitou, de ocasionar resultados antijurídicos. Posto que haja relação causal entre o voluntário estado de inconsciência e a conduta produtiva do evento lesivo, não há por que desconhecer a
culpabilidade". Em outra passagem,
afirma que "não ,é de identificar-se na
espécie, como já se tem pretendido,
um caso de responsabilidade objetiva,
mas de responsabilidade por ampliação
(ditada por motivos de índole social)
do próprio critério voluntarístico". E
conclui: "no caso de embriaguez não
preordenada, mas voluntária ou culposa,
responderá o agente por crime doloso ou culposo, segundo o indicarem as
circunstâncias, ou seja, segundo a direção ou atitude da residual vontade que
existe no estado de ebriedade ".13
A moderna doutrina penal não aceita
a aplicação da teoria da actio libera in
causa à embriaguez completa, voluntária ou culposa e não preordenada,
em que o sujeito não possui previsão,
no momento em que se embriaga, da
prática do fato. Se o agente se embriaga, prevendo a possibilidade de cometer o fato e aceitando a sua realização,
responde pelo delito a título de dolo.
Se ele se embriaga prevendo a produção do resultado e esperando que não
13. Comentários ao C6digo Penal,
Forense, 1958, vol. I, t. II, págs. 386 e
388.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
se produza, ou não o prevendo, mas
devendo prevê-lo, responde pelo delito
a título de culpa. Nos últimos casos é
aceita a teoria da actio libera in causa.
Diferente é o primeiro caso, em que o
sujeito não desejou, não previu e nem
havia elementos de previsão da ocorrência do resultado. Nesta hipótese não
se pode aplicar a teoria, embora o Código Penal de 1940 e a Exposição de
Motivos afirmem o contrário, no sentido da responsabilidade total do agente.
Quando ainda imputável o sujeito não
agiu com dolo ou culpa em relação ao
fato do crime determinado. A ebriez
Ilão pode ser considerada ato de execução do crime que o agente não previu.
O Código Penal, porém, recorrendo a
uma ficção com fundamento na teoria
da segurança, resolveu punir o ébrio
voluntário ou culposo como imputável,
como se estivesse sóbrio no momento
do fato, levando em conta não o dolo
ou a culpa existente na fase inicial antecedente à embriaguez, mas de acordo
com as circunstâncias do momento da
prática da conduta punível, segundo,
de acordo com a opinião de Nélson
Hungria, a direção ou atitude da residual vontade que subsiste no ébrio.
Então, os elementos decisivos para a
consideração da imputabilidade, nos
termos do art. 24, inciso II, são os processos psicológicos, ainda que anormais,
subsistentes ao tempo do cometimento
do fato. Ora, se isso é possível, desnecessária se torna a invocação da teoria da actio libera in causa.1 4 De lembrar-se que tendo o Código Penal de
1940 acatado a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, inserindo o
dolo na culpabilidade e exigindo que
ele se integre da consciência da anti14. Magalhães Noronha, Direito Pe1zal, Saraiva, 1959, voI. I, pág. 230.
103
juridicidade, a siinples vontade subsistente na conduta do ébrio, suficiente
para constituir a voluntariedade do
fato típico, é insuficiente para o juízo
de valor da culpabilidade. A "atitude
da residual vontade" do ébrio não é
ainda dolo. Para que haja responsabilidade penal no caso da actio libera in
causa é necessário que no instante da
imputabilidade o sujeito tenha querido
o resultado, ou assumido o risco de
produzi-lo, ou .o tenha previsto sem
aceitar o risco de causá-lo ou que, no
mínimo, tenha sido previsível. Na hipótese da imprevisibilidade que estamos cuidando não há falar-se em responsabilidade penal a título de dolo
pelo fato efetivamente cometido ou em
aplicação da actio libera in causa. Assim, não obstante a negativa da Exposição de Motivos, o Código Penal de
1940, nesse passo, aceitou um caso de
responsabilidade penal objetiva. No
caso da embriaguez voluntária ou culposa, acidental ,e completa, a punição
do agente pelo fato cometido a título
de dolo, sem qualquer atenuação, como
se tivesse cometido a conduta em estado de sobriedade, é combatida pela
quase totalidade da doutrina brasileira,
que vê nela a incidência da responsabilidade penal objetiva: Aníbal Bruno
("Embriaguez voluntária ou culposa e
responsabilidade penal", in Revista
Brasileira de Criminologia e Direito
Penal, Rio, n. 7, outubro-dezembro de
1964, págs. 17 e segs.; Direito Penal,
Forense, Rio, 1959, vol. !, t. II, pág.
154); Basileu Garcia (Instituições de
Direito Penal, Max Limonad, São Paulo, 1956, vol. I, t. I, pág. 351): Magalhães Noronha (Direito Penal, Saraiva,
15. Ciclo de Conferências sobre o
Anteprojeto do Código Penal Brasileiro,
Imprensa Oficial do Estado, São Paulo, 1965, pág. 132.
104
REVISTA DE DIREITO PENAL -
São Paulo, 1963, vol. I, pág. 225; "Da
ação livre na causa", in Diário de São
Paulo,ed. de 28.9.69); Salgado Martins (Sistema de Direito Penal Brasileiro, José Konfino Editor, Rio, 1957,
pág. 299, n. 14); Heleno Cláudio Fragoso ("Da responsabilidade penal no
Anteprojeto", in Ciclo de Conferências
sobre o Anteprojeto do Código Penal
Brasileiro, Imprensa Oficial do Estado,
São Paulo, 1965, pág. 149; "A reforma
da legislação penal" - I, in Revista
Brasileira de Criminologia :e Direito
Penal, Rio, n. 2, pág. 68); Roberto
Lyra Filho e Luiz Vicente Cernicchiaro
(Compêndio de Difreito Penal, Parte
Geral, José Bushatsky Editor, São
Paulo, 1973, pág. 193); Andrés Augusto Balestra ( " Da Embriaguez como
figura autônoma", in Ciência Penal,
José Bushatsky Editor, São Paulo
n. 1, págs. 118 e 119); Roque de
Brito Alves (Direito Penal, Companhia
Editora de Pernambuco, Recife, 1973,
Parte Geral, voI. I, pág. 359); Alcides
Munhoz Neto (" Causas de Exclusão da
culpabilidade", in Anais do Ciclo de
Conferências sobre o novo Código Penal, Editoras Unidas Ltda., São Paulo,
1972, págs. 61 e segs.; "Aspectos da
culpabilidade no Direito Penal", in RT
323/44 e segs.); Everardo da Cunha
Luna ("Responsabilidade penal e medidas de segurança", in Ciclo de conferências sobre o novo Código Penal,
Editoras Unidas Ltda., São Paulo, 1972,
págs. 110 e 111; nota in Direito Penal, de Bettiol, Ed. Rev. dos Tribs.
Ltda., São Paulo, trad. de Paulo José
da Costa Júnior e Alberto Silva Franco,
1971, vol. II, pág. 89) e José Frederico
Marques (Tratado de Direito Penal,
Saraiva, São Paulo, 1956, voI. II, págs.
188 e 189).
0' art. 31, § 1. 0 , rezava: "Se a embriaguez fO'i intenciO'nalmente prO'cura-
17/18
da para a prática dO' crime, O' agente
é punível a títulO' de dO'lo". Diante disSO' o AnteprojetO' excluía a embriaguez
preO'rdenada dO' 1'0'1 das agravantes genéricas, incidindO' na crítica de Basileu
Garcia.1 6
O § 2.° determinava: "Se, embora
nãO' preO'rdenada, a embriaguez é voluntária, e o agente previu O'U pO'dia prever que, em tal estado, pO'deria vir a
cO'meter crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este títulO' é punível
O' fato". Esse dispositivO', segundO' HelenO' Cláudio FragO'so, "dizia o óbvio ".17
ObservO'u Basileu Garcia que o AnteprO'jeto premiava "com pena da culpa
restrita o hO'micídiO' executado cO'm ferO'cidade pelo indivíduO' completamente
embriagadO' que, anteriO'rmente, previu
que pO'deria vir a cometer o crime" .18
NãO' O'bstante a explicaçãO' de NélsO'n
Hungria, segundo a qual se era imprevisível a prática do crime O' agente não
devia incidir em sanção penal,19 o AnteprO'jetO' reprO'duzia a dispO'sição dO'
art. 24, n. II dO' CP vigente, acatando
a respO'nsabilidade O'bjetiva na embriaguez nãO' preO'rdenada e cO'mpleta, sem
previsãO' da prática do crime.20
5 - A disciplina da embriaguez no
Código Penal de 1969: crítica
O art. 32, cap'ut, do Código Penal de
1969, determina que "não ,é" "imputável O' agente que, pO'r embriaguez
completa prO'veniente de casO' fO'rtuito
16. Op. cit., págs. 131 e 132.
17. "A Reforma da Legislação Penal - I", in Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, 2/68, n. 12.
18. Op. e loco cits., págs. 132 e 133.
19. "Respostas às Objeções ao AnteprO'jeto", in Ciclo de Conferências sobre o Anteprojeto do Código Penal Brasileiro, 1965, pág. 468.
20. Heleno CláudiO' FragO'sO', op. e
loco cits.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇÕES
O'u fO'rça maior, era, aO' tempO' da ação
ou da O'missão, inteiramente incapaz
de entender O' caráter ilícitO' dO' fatO'
O'U de determinar-se de acO'rdo cO'm esse
entendimentO'''. O parágrafo único prevê respO'nsabilidade atenuada nO' caso
de embriaguez acidental incompleta
(essas disposições não foram alteradas
no PrO'jetO' de Léi n. 1.457, de 1973,
dO' PO'der Executivo, que inseriu emendas no DecretO'-Iei n. 1. 004).
AfirmandO' o Código Penal de 1969
que a imputabilidade é excluída nO' casO'
de embriaguez completa e acidental,
atenuandO'-se a respO'nsabilidade na hipótese do art. 32, parágrafO' únicO',
cO'nclui-se que em todos O'S outrO's casO's
subsistem a imputabilidade e a conseqüente punibilidade. Assim, a embriaguez completa, voluntária ou culposa,
leva o agente a responder por crime
dO'loso mesmo quando há imprevisibilidade da prática do fato típico, hipótese
de responsabilidade penal objetiva.
Embora a Exposição de Motivos afirme que se pretendeu "ajustar nossa
legislação penal às exigências fundamentais de um Direito Penal da Culpa,
que visa a proscrever toda fO'rma de
responsabilidade objetiva" (n. 3), se
nota que o novo estatuto ainda mantém O' versari in re illicita em matéria
de embriaguez. Daí afirmar Everardo
da Cunha Luna que o "Código de 1969,
além de rigorO'sO', e criadO'r de responsabilidade objetiva, em matéria de embriaguez, é cO'ntraditório, pecando ao
mesmo tempo contra a segurança, contra a justiça e contra a eqüidade".21 E
Alcides Munhoz Neto observa que nesse
particular "subsistirá uma imputabilidade ficta, inadmissível num direito pe21. Ciclo de Conflwências sobre o
Novo C6digo Penal, Editoras Unidas
Ltda., São Paulo, 1972, pág. 111, nota 21.
R.1;> n
'P
17/Ht
105
nal da culpa", sêndO' inaplicável a teoria da actio libera in causa.22
Além dessa antinO'mia cO'm a ExpO'siçãO' de Motivos são flagrantes as contradições entre o sistema do Código
e o critério adotado em matéria "de
embriaguez. O art. 17, n. I, afirma
que o crime se diz doloso quando " O'
agente quis o resultado ou assumiu o
riscO' de produzi-lo". Ora, no casO' do
fatO' típicO' praticado pelo ébriO' em estado de embriaguez completa, não preordenada, voluntária ou culpO'sa, em
que o resultadO' é impreVisível, não se
pode dizer que ele quis ou assumiu o
riscO' de produzi-lo. O dolO', então, é
presumido pelO' Código. Além disso, o
art. 17, parágrafo únicO', reza que "salVO' os casos expressO's em lei, ninguém
pode ser punido pO'r fato previstO' como
crime, senão quando O' pratica dolO'samente". Sabido que a ressalva faz referência aO's crimes culposos e que na
hipótese tratada o agente nãO' pratica
o fato dolosa ou culposamente, evidente
se mostra a responsabilidade pelo crime sem o elemento da culpablidade.
No art. 19 diz o Código Penal que
"pelos resultados que agravam especialmente as penas só responde O' agente
quandO' os houver causado, pelo menos, culpO'samente". A disposição trata
dos crimes qualificados pelo resultado,
que em regra são preterdolosos. Suponha-se que o ébrio, não se tratando de
embriaguez preordenada, mas sim de
ebriez completa, voluntária ou culpO'sa.
venha a cometer um delito qualificado
pelO' resultado. Como conciliar a disposição do art. 19 com a regra de que a
embriaguez não acidental não exclui a
imputabilidade? S.e em face da embriaguez ele não agiu culposamente em relação ao resultadO', cO'mO' este lhe pode
ser imputado diante da regra do art.
22. Idem, págs. 61 e 62, n. 5.
106
REVISTA DE DIREITO PENAL -
19? Só a título de responsabilidade
penal objetiva, o que fere o sistema
que o novo estatuto pretende estabelecer (Exposição de Motivos, n. 3).
o. novo Código Penal, preocupado
com a segurança, é mais rigoroso que
o estatuto de 1940. Everardo da Cunha
Luna observa que além de não atribuir
efeito excludente à embriaguez voluntária ou culposa e de considerar a ebriez
preordenada como circunstância agravante genérica (art. 56, n. II, c), impõe ao juiz o dever de cassar licenças
para dirigir veículos (art. 97, mantido
com pequena alteração pelo Projeto de
emendas), que na legislação vigente só
existe quando declaradas pelo magistrado na sentença (arts. 69, n. IV e 70, n.
11), criando um novo tlipo delitivo:
"embriaguez ao volante" (art. 287).23
Nota Everardo da Cunha Luna que se
de um lado o Código é extremamente
severo no tratamento da embriaguez,
de outro se mostra benevolente. Vejamos. No caso de ebriez incompleta e
acidental (art. 32, parágrafo único),
em que a responsabilidade é diminuída,
o Código permite a redução de um a
dois terços da pena. Suponha-se um
crime de homicídio simples, observando-se que no caso o agente, embora
com a responsabilidade atenuada, pratica o fato dolosamente. Como a pena
mínima é de 6 anos de reclusão, a atenuação de dois terços leva ao mínimo
de dois anos de reclusão, permitindo-se
a substituição por detenção (art. 37, §
3.°) e a concessão de sursis (art. 70,
caput). Suponha-se agora que o agente pratique o homicídio simples em estado de embriaguez completa, voluntária ou culposa, sem a mínima previsibilidade da execução do fato. Embora
não tenha praticado o fato com dolo,
responde por homicídio doloso sem ate-
23. Op. e Zoe. cits.
17/18
nuação ou privilégio. Note-se que no
primeiro caso, em que o Código é benevolente, o sujeito pratica o fato em
estado de imputabilidade, conservando
a capacidade intelectiva e volitiva,. embora reduzidas, enquanto no segundo
ele comete a conduta em situação não
preordenada de completa inimputabilida de. Daí a crítica conclusiva de Everardo da Cunha Luna: "Pelo Código
de 1969, em matéria de embriaguez, a
pena perde o seu justo caráter retributivo e a eficácia de sua prevenção especial e geral, já porque possibilita o
afrouxamento para certos casos, já porquel se extrema na severidade para
outros ".24
Inaplicável, como vimos, a teoria da
actio libera in causa à hipótese sugerida. A incidência dessa teoria pressupõe
que o sujeito na fase da imputabilidade
tenha agido com dolo ou culpa em relação às elementares do tipo realizado
durante a situação de inimputabilidade. A intenção de embriagar-se ou a
imprudência no ingerir substância alcoólica ou de efeito semelhante que leva
à ebriez não implica desde já em dolo
ou culpa em relação ao fato cometido.
A adoção desse critério severo em
matéria de embriaguez não se harmoniza com a teoria da culpabilidade limitada acatada pelo Código ao aceitar a
doutrina normativa. De acordo com
essa teoria o dolo constitui elemento
subjetivo do tipo, tratando-se de um
dolo natural. A potencial consciência da
ilicitude não integra o dolo, mas sim a
culpabilidade. No caso questionado, embora o ébrio possa atuar dolosamente,
isto é, atuar com dolo natural, sem a
consciência da ilicitude 25, não pode
24. Idem.
25. Maurach, "O Conceito Finalista
de Ação e seus Efeitos .sobre a Teoria
da Estrutura do Delito", in Revista
COMENTÁRIOS E COMUNIOAÇÕES
responder pelo crime efetivamente cometido por ausência de imputabilidade
e conseqüente potencial consciência da
ilicitude no momento de sua realização
(fica excluída a culpabilidade em relação ao fato típico e antijurídico praticado) .
6 A solução da legislação penal
alemã
Como vimos no item anterior a adoção da teoria limitada da cupabilidade,
em princípio, leva à inexistência de
culpabilidade quando o fato é cometido
pelo agente em estado. de embriaguez
completa, voluntária ou culposa e não
preordenada. Não se tratando de caso
de aplicação da teoria da actio libera
in causa, poderia parecer que a solução causa uma lacuna jurídica: a embriaguez, em si mesma, constitui um
elemento neutral, juridicamente incapaz
de fundamentar a culpabilidade; o delito cometido durante o estado de embriaguez também não pode relacionar-se com a culpabilidade, uma vez que
não se encontram presentes dois de
seus elementos, quais sejam, a imputabilidade e a potencial consciência da
ilicitude. Assim, a conclusão excludente
da culpabilidade poderia levar a uma
perigosa lacuna jurídica, como observa
Maurach.26 Diante disso a Lei de 24
de novembro de 1933 introduziu na legislação penal alemã o crime de embriaguez completa, descrito no § 330, a"
mantido no estatuto penal alemão de
1969: "Quem se coloca, dolosa ou culposamente, através de ingestão de bebidas alcoólicas ou através de outro meio
inebriante, em estado de embriaguez
Brasileira de Cri1ninologia e Direito
Penal, n. 14, pág. 32.
26. "A Teoria da Culpabilidade no
Direito Penal Alemão", in Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal.
n. 15, pág. 27.
107
que exclua a imputabilidade (§ .51, n.
1), será punido com prisão ou multa,
se, em tal situação praticar ação amea'çada com pena" (corresponde ao art.
263 do CP suíço e ao § 523 do CP austríaco). Nesse crime autônomo o fato
cometido pelo ébrio não deve estar relacionado com o dolo ou culpa, uma vez
que se isso ocorre o caso é resolvido
pela teoria da actio libera in causa.
Assim, se o agente pratica o fato em
estado de completa embriaguez voluntária ou culposa, havendo no momento
anterior à inimputabilidade vontade,
anuência ou previsibilidade da posterior prática delituosa, responde pelo
crime a título de dolo ou culpa, aplicando-se a doutrina da ação livre na causa. Tratando-se de homicídio, por exemplo, cometido nessas condições, o agente não responde pelo delito autônomo
de embriaguez, mas por homicídio doloso ou culposo, de acordo com o elemento subjetivo anterior à prática delituosa.
A pena cominada para o autor do
crime autônomo de embriaguez não pode ultrapassar a sanção máxima imposta à figura dolosa do fato efetivamente cometido. Assim, se ao fato cometido pelo ébrio, em sua forma dolosa, for cominada a pena máxima de
dois anos de prisão, a pena a ser imposta em face do delito autônomo não
poderá ultrapassar esse limite.
A doutrina alemã inicialmente não
encontrou solução ideal que permitisse
punir o autor do crime autônomo de
embriaguez de acordo com os postulados
fundamentais da culpabilidade. Esta,
dizia-se, não pode referir-se ao momento em que o agente Se embriagou,
uma vez que a ebriez, por si mesma,
constitui um indiferente penal; não pode também referir-se ao fato cometido
pelo agente em tal estado, pois lhe fal-
108
REVISTA DE DIREITO PENAL -
ta a imputablidade. Para Welzel o art.
330, a, descreve um delito de perigo,
sendo que o fato típico do agente é indício de sua periculosidade. Exige, porém,
que o sujeito tenha consciência de sua
tendência para a prática do crime quando se embriaga.27 Ora, se o sujeito conhece sua tendência delituosa quando
se embriaga a culpabilidade pode ser
apreciada nesse momento, aplicando-se
a teoria da actio libera in causa.
Mayer ensina que a pumçao se assenta no fato de o agente colocar-se
no estado perigoso da embriaguez,
constituindo o fato típico uma condição objetiva de punibilidade.28 É a opinião de Schõnke.29
Maurach entende que se trata de
um crime de perigo abstrato em que o
bem jurídico é a ordem pública. O que
se pune não ~ só o ato de embriagar-se
ou a prática do fato típico: é o conjunto dos dois.30
No Brasil renomados penalistas preconizam a adoção da solução alemã para
o problema, vendo no § 330, a, um crime de perigo concreto, em que o fato
praticado pelo ébrio funciona como condição objetiva de punibilidade. Para
Alcides Munhoz Neto, em lugar de presumir-se situações de imputabilidade,
como a do art. 287 do CP de 1969, "teria sido preferível que se cogitasse de
introduzir em nossa legislação um crime de perigo concreto de embriaguez,
como o criado na Alemanha em 1933,
pelo § 330, a, mesmo considerando o
fato cometido pelo ébrio "como condição objetiva de punibilidade". E con-
27. Deutsches Strafrecht, 1967, pág.
453.
28. Strafrecht, Stuttgart, 1953, pág:
243.
29. Strafgsetzbuch, 4. a ed., Munique-Berlim, 1949, pág. 701.
30. Op. cit., págs. 115 e 116.
17/18
clui: "Esta solução, sem debilitar a
defesa social, seria menos comprometedora quanto a idéia central da não
imposição de pena sem culpabilidade".31
Aníbal Bruno afirma que o sistema
alemão "se pode dizer mais cientificamente correto", "porque reconhece a
r'ealidade do caráter inimputável do
ébrio e evita, assim, a ficção de atribuir-lhe imputabilidade".32
Heleno Cláudio Fragoso ensina que
"se a embriaguez é completa e não fortuita, e não houver dolo nem culpa,
nenhuma pena pode ser imposta ao
agente (porque não há pena sem culpa),
a não ser pelo simples fato da embriaguez. É a solução que aparece no vigente Direito Penal alemão (§ 330, a),
estabelecendo o crime de embriaguez
completa, ao qual se ajunta, como condição objetiva de punibilidade, a prática de fato definido como crime ( ... )
É a orientação a seguir, se se firma
o princípio de exclusão da responsabilidade sem culpa" .33
Andrés A. Balestra entende também
no sentido da punição do agente pelo
estado de embriaguez, funcionando o
crime efetivamente praticado como condição objetiva de punibilidade. 34
31. Op. e loco cits., págs. 62, 63 e
nota 26.
32. "Embriaguez Voluntária ou Culposa e Responsabilidade Penal" in Re.
vista Brasileira de Oriminologia e Di1'eito Penal, n. 7, pág. 20.
33. "A Reforma da Legislação Penal - I", in Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, 2/69; o autor expôs a mesma opinião in "Da Responsabilidade Penal no Anteprojeto",
Ciclo de Conferências sobre o Anteprojeto do Código Penal Brasileiro, Imprens~ Oficial do Estado, São Paulo, 1965,
pags. 148 e 150.
34. "Da Embriaguez ,como Figura
Autônoma", in Ciência Penal, José Bus-
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇõES
Essa nos parece, senão a ideal, a
solução que mais se aproxima do princípio da exclusão da responsabilidade
objetlva em matéria de embriaguez. O
agente passa a ser punido em face do
comportamento perigoso de embriagar-se voluntária ou culposamente, vindo a
cometer o fato em estado de inimputabilidade. A culpabilidade recai sobre a
conduta de embriagar-se 'perigosamente,
que se torna típica quando ocorre a
condição objetiva de punibilidade, qual
seja, a prática do fato típico.
A descrição típica autônoma faz referência à embriaguez completa, que
leva o agente ao estado 'de inimputabilidade, sendo necessário que nessas condições venha a cometeI' um fato típico.
Este, em face da inimputabilidade, fica
impune, tratando-se de uma condição
objetiva de punibilidade.3S
O fundamento da punição é o fato
de o sujeito se embriagar culpavelmente, vindo a realizar a condição objetiva. Não se pune o fato cometido durante o estado de embriaguez: pune-se o
fato da embriaguez culpável.
Não se pode dizer que a teoria do
crime de embriaguez já se encontre
assentada: está em franca elaboração,
hatsky Editor, São Paulo, 1973, n. 1,
pág. 120.
35. Mezger, Derecho Penal, Editorial
Bibliográfica Argentina, Buenos Aires,
1959, trad. de Conrado A. Finzi, parte
especial, pág. 331.
109
apresentando problemas que desafiam
a argúcia dos doutrinadores. De acordo com Mezger, o tipo autônomo significa um grande progresso, satisfazendo
urgentes necessidades práticas.36 Atendendo à teoria da segurança, a criação
da figura autônoma do delito de embriaguez afasta a incidência da responsabilidade penal objetiva. Além disso, o critério adotado quanto à imposição da sanção permite ao juiz maior
liberdade em sua dosagem, atendo aos
reclamos da justiça.
7 -
Sugestão
Em face dos argumentos apresentados sugerimos a introdução em nosso
Código Penal de uma disposição semelhante à do § 330, a do estatuto penal
alemão, COm a seguinte redação:
"Art. ... Quem se coloca, dolosa ou
culposamente, através de ingestão de
bebidas alcoólicas ou através de outro
meio inebriante, em estado de embriaguez que exclua a imputabilidade, será
punido com pena privativa de liberdade
ou multa, se, em tal situação praticar
um fato típico.
Parágrafo único. A pena não pode
ser mais grave que a cominada para a
forma dolosa da conduta punível cometida".
36. Op. e loco cits., pág. 336.
COMENTÁRIOS E COMUNICAÇÕES
A MEMÓRIA DE PAUL LOGOZ*
JEAN GRAVEN
o
Prof. Paul Logoz, antigo juiz
federal, que pertencia ao comitê editorial da Revista Penal Suíça desde 1924
e era aí respeitado como "mentor", faleceu em 30 de junho de 1973. A Revista Penal Suíça dedicou-lhe uma série de estudos sobre o Código Penal
suíço e a Universidade da Basiléia conferiu o título de Doutor Honoris Causa,
em 1967, pelo seu 70. 0 aniversário. Ele
havia publicado, desde 1912, uma série
de estudos e de artigos na Revista Penal, onde eles serão relidos e apreciados, no contexto dos acontecimentos e
das idéias de seu tempo.
Paul Logoz, cidadão valdense e genebrês, nasceu em 27 de março de 1888
em Vevey. Realizou seus estudos em
Genebra onde sua família havia se radicado. Aí terminou seus estudos secundários, obteve seu diploma em letras e graduou-se em direito, depois,
à semelhança de Ernest Hafter e Eugene Delaquis, foi completar sua formação e. preparar seu doutorado em 1909
e 1910 na Alemanha, onde foi aluno
de Wach, Binding e von Liszt, cujo
célebre "Seminário" formou muitos penalistas estrangeiros que se notabilizaram nas suas disciplinas. De 1911 a
1914, foi primeiramente secretário jurídico no Bureau Federal de Segurós,
em Berna. Retornando a Genebra, de-
*
Tradução de Yolanda Catão.
fendeu com êxito sua tese de doutorado
sobre reabilitação, que lhe valeu o prêmio Bellot.
Desde o final de 191.9, o futuro caminho se lhe abriu, caminho que seria
aquele de sua vida e que dirigiria seu
destino: poucos tiveram uma vida tão
certa e bem planejada. Charles Borgeaud, o historiador de Genebra e de
sua Universidade, professor e estudioso
de prestígio, ofereceu-lhe a sucessão de
Louis Rehfons para o ensino de direito
comercial: ele tinha apenas 31 anos!
E desde o final de 1920, depois da morte inesperada de Alfred Gautier que
foi seu mestre preferido, ele o substituiu na importante cátedra de direito
penal e processo civil e penal, setores
para os quais ele era tão naturalmente
afeito e preparado. Imediatamente se
consagrou; pois, escreveu um de seus
antigos alunos, "ele tinha o gênio da
clareza, da concisão e da elegância do
verbo, com uma ponta de humor" que
relaxava o ambiente das aulas, "ao
mesmo tempo que uma grande bondade" que sabia compreender seus alunos, colocá-los à vontade e estimulá-los.
Não obstante a qualidade desse ensino, que o decano Sauser-Hall havia
justamente apreciado e elogiado, no final de 1942 o Prof. Logoz retirou-se da
Universidade, na qual era vice-reitor,
para assumir suas altas funções no
Tribunal Federal, pois a Assembléia
acabava de elegê-lo juiz. Seu espírito,
ao mesmo tempo, exato e sutil, o levava
efetivamente a discernir todos os aspectos de cada problema, que ele se
comprazia a salientar de Um em um
de forma concisa, mas ele gostava de
deixar a conclusão àquele que aprendia
sua clara lição. Assim ele transmitia
a ciência, ao mesmo tempo que ensinava a arte da escolha.
De seu profundo apego à Universidade e ao ensino magistral, o Prof.
Logoz deixou permanente testemunho
através da fundação da "Bolsa Alfred
Gautier", destinada a favorecer os alunos de Direito Penal suíço da Universidade de Genebra. Isto significava, ao
mesmo tempo, assinalar nobremente seu
respeito e gratidão para com seu mestre, e sua· vontade de estimular mais
vocações, de sempre favorecer os estudos daqueles que lhe eram queridos,
e de aumentar as futuras colheitas.
Alfred Gautier teve um papel considerável, se bem que um pouco encoberto por sua modéstia, na discussão e
na elaboração, na comissão de especialistas, dos anteprojetos que resultaram
finalmente no projeto que o Conselho
Federal submeteu às Câmaras em 1918.
Aqui também, Paul Logoz o substituiu
com êxito e, como especialista, contribuiu positivamente nas diferentes comissões preparatórias. Em 1926, ele
decidiu aceitar o cargo de deputado no
Conselho Nacional como representante
de Genebra, a fim de prosseguir e terminar esta grande obra nacional. Acompanhando sua atividade no Parlamento,
pudemos constatar "a correção e a
oportunidade constantes de suas intervenções". Especialista, juntamente com
Hafter da Comissão do Conselho Nacional, foi ele designado relator de língua francesa no debate final sobre a
111
introdução do· Código Penal suíço. Seu
relatório introdutivo de 6 de março de
1.928 constitui um depoimento de valor
histórico e mostra bem como Paul Logoz, o homem, o estudioso, o patriota,
considerava esta obra essencial, à qual
dedicou suas mais generosas forças e
consagrou suas mais convincentes palavras.
Acabada a obra legislativa, Paul Logoz deixa o Conselho Nacional, em
1931, para retomar plenamente sua vida
científica e trabalhar na obra doutrinária que todos esperavam. Seu relatório sobre "As infrações penais e sua
repressão", quadro geral das questões
essenciais do Direito Penal e dos processos na Suíça apareceu na coleção
francesa "A vida jurídica dos povos"
em 1935, testemunho de seu conhecimento, de seus dons didáticos e de seu
espírito de síntese; ele preparava, graças à recente e decisiva experiência legislativa, as principais publicações de
sua plena maturidade. Como já observamos, em todas se revelavam "seu pensamento elegante e preciso" tal como
eram seus escritos, a retidão de seu
julgamento e sua "arte de tornar a ciência atraente" e de colocá-la, esclarecendo-a, ao alcance de um espírito menos
familiarizado com a técnica legislativa
e penal. Mas, da mesma forma que o
Prof. Hafter em Zurique o tinha realizado de maneira magistral, no seu notável Lehrbuch des Schweizerischen
Strafrechts, que ganhou autoridade,
Paul Logoz queria apresentar um trabalho similar a esta grande obra, em
língua francesa. Aliás, esperava-se isto
com uma impaciência natural, e ele o
havia começado desde 1938. A parte
geral pôde ser publicada em 1941, em
tempo para a entrada em vigor do novo Código Penal em 1. 0 de janeiro de
112
REVISTA DE DIREITO PENAL -
1942. O comentário, antecipando a jurisprudência, iria naturalmente se ressentir das profundas influências dos
trabalhos preparatórios e dos debates,
e particularmente das influências de
Zürcher, Hafter e Gautier, a cuja "linha
geral" Logoz, sendo um de seus pares,
ficou sempre muito firmemente apegado. Era realmente a doutrina da emimente "escola suíça de Direito Penal"
desta época fecunda, que nos honra. As
contribuições do Prof. Logoz para a
coleção de homenagens sucessivamente
dedicadas aos Profs. Stooss, Hafter e
Thormann testemunharam esta bela e
grande solidariedade. Falou-se justamente que a parte geral de seu comentário, "concebido ao mesmo tempo como
um tratado filosófico e um manual prático de Direito Penal", tornou-se "o
instrumento de trabalho dos especialistas e o guia absolutamente seguro de
todo jurisconsulto".
Quando Paul Logoz, eleito juiz no
Tribunal Federal, entrou para o Tribunal de Cassação Penal em 1943, seu
conhecimento profundo do novo Código
Penal e de sua gênese foi precioso na
formação da jurisprudência e na solução dos problemas de aplicação. Ele
era ao mesmo tempo a doutrina e a
jurisprudência, e uma série de decisões
fundamentais foram por ele influenciadas. No entanto, depois de dez anos de
exercício da mais alta corte judiciária
em Lausanne, ele pediu demissão em
1953, para poder terminar seu comentário ao Código Penal, ao qual adicionou os dois volumes da parte especial,
dedicando o conjunto da obra à Universidade de Genebra, sua alma mate?', A
continuação da parte geral, enriquecida com toda a experiência de seu autor e da jurisprudência dos dez primeiros anos de aplicação, não pôde infelizmente ser terminada, como também
17/18
seria o caso do grande comentário apenas iniciado pelo Prof. Germann ao
qual, deviam conduzir sua obra de 1942,
Das Verbrechen im neuen Strafrecht
e seus Methodische Grundfragen de
1946. As revisões sucessivas a partir
da primeira "pequena revisão" de
1949/1950 paralisaram essas conclusões.
No entanto, no seu comentário tal como
foi editado, Paul Logoz, pôde mostrar a
eficiência de seu método e sua ciência,
se bem que não tivesse tido a oportunidade de contribuir para o conjunto da
obra relativa ao Código Penal suíço.
Para compreender toda atividade de
uma vida tão cheia de realizações, dedicada ao bem público e devotada à
doutrina do direito e ao exercício da
justiça, é necessário considerar ainda
que Paul Logoz, que no eXiército comandou o regimento genebrês, foi coronel no estado-maior geral e conselheiro jurídico geral durante a Segunda
Guerra Mundial, e trabalhou também
pela justiça, durante muitos anos, no
Tribunal Militar de cassação, que seu
amigo e colega Hafter presidia. Também no campo internacional, teve um
papel eminente, De 1929 até o começo
da Segunda Guerra, foi membro e depois Vice-Presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, onde pelo
seu julgamento seguro e seu sentido
humano, pôde prestar serviços bastante apreciados. Como jurisconsulto, participou dos delicados trabalhos relativos
à entrada da Suíça na Sociedade das
Nações. Depois, a pedido do Conselho
Federal e com a colaboração de Gustave Ador e Max Huber, presidente do
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, ele aceitou, um pouco a contragosto, a difícil missão de defender,
diante do Tribunal permanente de Justiça Internacional de Haia (que Max
Huber presidiria mais tarde), os inte-
COMENTARIOS E COMUNICAÇÕES
resses da Suíça no litígio. internacional
entre a França e a Suíça, no que se
denominou as "Zonas francas" da Alta
Savóia e da Região de Gex. Nesse litígio, resultaram algumas disposições do
Tratado de paz de Versalhes (art. 435).
Ele durou de 1924 a 1932, e nele Paul
Logoz defendeu a parte da Suíça. Foi,
"de longe o maior e mais importante
processo internacional que a Suíça teve
que enfrentar durante o século XX",
e que culminou na situação que nos
rege atualmente. 0' Prof. Logoz foi
encarregado de outras missões e arbitragens internacionais, sejam particulares, sejam oficiais, depois da Primeira
Guerra Mundial. Foi especialmente
enviado a Roma, em 1936, para resolver
com Mussolini uma questão relativa à
Cruz Vermelha sueca e à guerra da
Etiópia. Sua ação jurídica foi sempre
inspirada no emblema inscrito na entrada da sala solene do Palácio da
Paz de ~aia: Sol veritatis, ellustra noS'!
Para ele, a verdade no direito e pelo
direito encarnava a verdadeira justiça.
113
Acrescentemos- ainda, lembrando-nos
dele, o que foi o homem, muito delicado, um pouco reservado, pois ele gostava e protegia sua vida particular e
familiar e só falava com perfeito conhecimento. Desprezava os falatórios,
na busca desta paz interior e desta serenidade que ele encontrava na leitura,
este mestre dos mestres, esta fonte de
alegria constante. Seu ancoradouro preferido era a Sociedade de Leitura de
Genebra, que ele presidiu depois de
sua aposentadoria. Aí ele se enCOntrava com seus amigos e, em particular,
o Prof. Victor Martin, seu colega de
estudos em Leipzig, em 1909, a presença silenciosa dos livros, estes amigos e confidentes de todo momento.
Esta foi e assim será sempre a imagem de nosso mestre inesquecível, no
sentido em que a mestria não é a posse de uma coisa no sentido jurídico,
mas no sentido humanista, o crescimento, a plenitude dos dons em todos
os campos nos quais se dedicou uma
parte da vida.
PARECERES
DIREITOS HUMANOS E PRISÃO PREVENTIVA
PROVA PENAL E SENSACIONALISMO
JORNALíSTICO
ROBERTO LYRA
Pergunta-se sobre ilegalidade ou abuso de poder consistente em
violência ou coação em sua liberdade de locomoção (art. 153, § 20,
da Constituição da República) que estariam sofrendo Paulo Passo
Faria e Paulo Cesar Queiroz Faria, presos, preventivamente, por
mandado do Dr. Juiz de Direito da Comarca de São Fidélis, neste
Estado, como incursos, o primeiro nos arts. 121, § 2.° e 343, parágrafo único e o segundo no art. 121, § 2.° do Código Penal.
SUMÁRIO: 1. Presunção de inocência. 2. Pressupostos da
prisão preventiva (a1't. 312, do CPP). a) Prova da existência
do crime; b) Indícios suficientes da autoria. 3. Fundamentos
da prisão preventiva. a) Conveniência da instrução criminal
ou S'CfJurança da aplicação da lei penal. 4. Fim da prisão
preventiva. a) Garantia da orde-m pública. 5. Conclusão.
1. Presunção de inocência
A Lei n. 5.941, de 22.11.1973, efetivou o império do dogma
democrático da presunção de inocência, hoje objeto de compromisso
de honra do Brasil (Declaração Universal dos Direitos Humanos,
1948), afiançado pela assinatura nacional.
O art. XI, 1, determina: "Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade haja sido provada de acordo com a lei, em julgamento público,
no qual se lhe assegurem todas as garantias necessárias à sua
defesa".
A Lei n. 5.941 trata, sobretudo, do processo dos crimes da
competência do júri.
O Dr. Juiz presumiu, não a inocência, mas a co-autoria dos
pacientes. Um deles é até jurado.
116
REVISTA DE DIREITO PENAL -
17/18
2. Pressupostos da prisão preventiva (art. 312, do CPP)
a) Prova da existência do crime
A consulta não abrange a prova da existência do crime.
b) Indícios suficientes da autoria
o arte 239 do CPP dispõe: "Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por
indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias",
A avaliação dos indícios depende de ponte lançada, indutivamente, da circunstância pertinente provada para outra não provada. O trânsito da circunstância conhecida. para o "desconhecido"
é subjetivo, mas o impacto é objetivo. A suficiência dos indícios
provém da cadeia circunstancial concatenada em operação indutiva.
O Dr. Juiz invocou a notoriedade pública que sempre foi considerada "a prostituta das provas". S. Exa. aludiu, insistentemente, a "fato público e notório"; "publicamente dizia"; "conhecimento público"; "a imprensa já divulgou" etc.
No meu livro Novo Direito Penal, Rio, 1971, págs. 43/44,
salientei: "Os crimes devem ser provados e os criminosos julgados
com a severidade ou a indulgência merecida, em atmosfera serena,
equilibrada, fechada às excitações e incitações. Admitir processo,
julgamento ou execução sob a pressão publicitária é a negação da
ordem jurídica e da .ordem democrática... É incontestável que,
quando ainda se trata de descobrir e provar... lança suspeitas
sobre homens e mulheres cuja inocência é presumida, segundo o
dogma democrático, e depois demonstrada... Instala-se, para prejulgamento ilegítimo, outro foro... Não disporá de... meios equivalentes e contemporâneos para a divulgação da verdade, mesmo
depois de reconhecida a inocência. Há .o lincha~ento moral ... "
3. Fundamentos da prisão preventiva. a) Conveniência da instrução
criminal ou segurança da aplicação da lei penal
A conveniência da instruçã.o criminal e a segurança da aplicaçã.o da lei penal não estão em causa. o. Dr. Juiz, prevenido
e vigilante, garantirá o que representa o exercício ordinário de suas
atribuições. Por outro lado, .os pacientes, inclusive na diligência,
não criaram qualquer embaraço. Não houve, sequer, tentativa de
fuga, resistência ou desobediência. Não é admissível prisão preventiva desnecessária, sobretudo ab initio, antes do contraditório constitucional. Se sobrevier a necessidade dela, o Dr. Juiz utilizará os
meios diretos de que dispõe para imediata efetivação.
PARECERES
117
4. Fim da prisão preventiva. a) Garantia da ordem pública
A garantia da ordem pública só poderia depender da prisão
se estabelecida relação de causa e não só de condição.
A .ordem pública é inatingível pelos temores sensacionalistas que
seriam mais bem empregados em função das inqualificáveis realidades carcerárias.
Em caso algum, a ordem pública poderá ser' invocada com
sacrifício dos direitos humanos que são sua base atributiva.
~reventiva
5. Conclusão
Não estão caracterizados e comprovados os pressupostos, os
fundamentos e .o fim da prisão preventiva.
É .o que me parece.
PARECERES
CONTRAVENÇÃO, NULIDADE DA PORTARIA;
ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO;
ANTECEDENTES CRIMINAIS
EVANDRO LINS E
SILVA
o ilustre advogado Dr. José Luiz Sales honra-nos com o pedido
de parecer sobre a seguinte consulta:
EXP0'SIÇÃO DOS FATOS
1. O consulente, no ano de 1957, como síndico, entrou em
sérias divergências com alguns condôminos do mesmo Edifício. E
um deles provocou, contra o mesmo, processo pela prática da contravenção de molestamento, prevista e punida no art. 65 da Lei das
Contravenções.
2. A ação penal iniciou-se por portaria (doc. 1). Mas que não
obedeceu ao comando do art. 41 do CPP. Referiu-se, apenas, que
o consulente "teria de qualquer modo, molestado ou perturbado a
tranqüilidade de Artur Alvim Câmara" ...
3. 0' consulente, por seu procurador, o Prof. Hélio Tornaghi,
alegou a nulidade do processo. Não a acolheu o Juiz. Houve apelaçã.o.
E, em segunda instância, o Ministério Público, em longo parecer,
manifestou-se pela nulidade. Assim não entendeu a Egrégia Câmara,
de vez que confirmou a sentença condenatória a vinte dias de prisão
simples.
4. Mais tarde, o próprio pretenso molestado forneceu, num
documento vazado em termos elevados, explícita declaração em que
reconhece ter incidido em equívoco. Estava, agora, convencido de
que nunca a intenção do consulente fora molestá-lo. Circunstância
em que enrobustece o entendimento de que, se exata a portaria, ou
c.ontendo os elementos indispensáveis para a sua validade, a outro
resultado teria chegado o órgão jurisdicional.
CONSULTA
Primeiro - O laconismo da portaria redundou em nulidade da
ação penal, como sustentou a Procuradoria Geral?
119
Segundo - Na hipótese de resposta afirmativa ao item anterior
seria viável um habeas corpus ao Supremo Tribunal com o objetivo
de anular o julgamento?
Terceiro - A condenação pela prática de contravenção, retira
do consulente a condição de pleitear com êxito, ,embora pronunciado
pela prática de tentativa de homicídio, a faculdade de aguardar em
liberdade, o seu julgamento pelo Tribunal do Júri? (§ 2.°, art. 408
do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n. 5.941, de 22.11.1973)".
RESP0'STA
PRIMEIRA QUESTÃO
1. O procedimento penal, em relação às contravenções, não
obedece a critérios técnicos rígidos, corretos ou isentos de censura.
Veja-se o art. 17 da Lei das Contravenções Penais, onde se lê: "A
ação p'enal é pública, devendo a autoridade proceder de ofício".
José Frederico Marques critica asperamente esse texto, "modelo
de obscuridade e de absoluta falta de técnica" (Elem. Dir. Prac.
Penal, voI. 1, 1961, pág. 370).
Se a ação penal, nas contravençõ'es, é pública, a autoridade a
promovê-la deveria ser o órgão do Ministério Público. Mas não é
isso o que suc'ede, nem é isso o que determina o CPP, cujo art. 26
prescreve: "A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o
auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela
autoridade judiciária".
O art. 531 do mesmo Código estabelece que "o processo das
contravenções terá forma sumária, iniciando-se pelo auto de prisão
em flagrante ou mediante portaria expedida pela autoridade policial
ou pelo juiz, .ou a requerimento do Ministério Público".
Temos, assim, que o processo das contravenções pode iniciar-se
de duas formas: ou através de auto de prisão em flagrante, ou por
meio de portaria, esta última expedida pela autoridade policial ou
pelo juiz. Nos casos de portaria, o procedimento pode ser ex officio
ou a requerimento do Ministério Público.
Estamos com o eminente professor paulista quando cauteriza
"o grosseiro e imperdoável erro de técnica" contido na redação do
citado art. 17 da Lei das Contravenções Penais, ficando claro, porém,
que "o ato processual em que a acusação se consubstancia é a própria portaria baixada pelo juiz" (ob. voI. cit., pág. 371).
2. Sendo assim, a portaria há de conter a imputação tal como
se fosse a denúncia, com a exposição do fato e todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação da contravenção e a indicação das testemunhas.
Em outro volume de sua obra já citada, José Frederico Marques sublinha a necessidade da portaria conter .os requisitos da
120
REVISTA DE DIREITO PENAL -
PARECERES
17/18
denúncia: "No procedimento contravencional, o juiz promove de
ofício a acusação, baixando para isso a necessária portaria, com
.os requisit.os da denúncia e aqueles a que se refere .o art. 533, caput,
d.o CPP - tudo tal com.o na portaria oriunda de autoridade p.olicial" ·(v.oI. III, pág. 127).
A jurisprudência é pacífica n.o tocante à exigência de que a
portaria deve descrever, circunstanciadamente, .o fat.o contravencionaI. Esse entendimento está expresso em decisões antigas ·e recentes, como esta pr.oferida pelo Tribunal de Justiça de São Paul.o e
que traz a assinatura de três ilustres desembargadores penalistas:
Márci.o Munhós, relat.or, J. August.o de Lima e Laurind.o Minhot.o:
"Embora a lei não discrimine quais .os termos da portaria - com.o
faz em relação à queixa e à denúncia, - é óbvio que ela não se
pode limitar à simples enunciaçã.o de um artigo de lei; tem-se de
referir a um fato, quando mais não seja para que .o réu vtmha a
saber p.or que é chamad.o a Juízo e qual a acusação que contra ele
pesa.
Instaurada a ação penal de f.orma inteiramente imprecisa, esse
defeito de .origem refletiu-se em t.odo .o processo, tornando-o imprestável". (D. A. Miranda, Rep. Jur. Cod. Proc. Penal, voI. V. pág. 56).
Da mesma f.orma julg.ou .o Tribunal de Alçada de São Paul.o,
anuland.o "o pr.ocess.o ab initio, porque não se enc.ontram na p.ortaria
de fls. .os element.os tod.os da c.ontravençã.o pela qual foi .o réu
condenado" (id. ido pág. 57).
Não há discrepância em qualquer julgado. A portaria não pode
ser vaga, nem lacônica, nem imprecisa, sob pena de nulidade. Se não
contiver os elementos e requisitos da denúncia, é inepta, írrita,
inválida.
O d.outo des. Bernardes Júni.or escreveu em acórdã.o modelar:
"A p.ortaria inicial d.o pr.ocess.o das contravenções deve, n.o que respeita à imputaçã.o feita a.o acusad.o, preencher .os requisit.os previst.os
em lei para a denúncia" (Trib. Just. Sã.o Paulo, in D. A. Miranda,
v.ol. III, pág. 56).
Essa compreensã.o unif.orme enc.ontra c.or.oament.o em recente
julgad.o do Egrégio Supremo Tribunal F:ederal, sintetizado em ementa
do eminente Min. Elói José da Rocha, que declar.ou a nulidad-e de
portaria omissa, expedida sem atender ao disposto no art. 41 do
CPP: "Processo sumário do art. 538 do CPP. A portaria que pode
dar início à ação penal, no processo sumário, além d·e observar o
disposto no art. 533 do CPP, deve satisfazer .os requisitos estabelecidos no art. 41, com referência' à queixa ou à denúncia. Omissões
em pontos substanciais, que constituem nulidade insanável - art.
564, III, a, do: CPP" (DJ de 14:4.72', pág. 2.172, in RDP, n. 6, pág.
140, 1972).
Mais e melh.or não p.oderia ser dito. A portaria dá início à açã.o
penal, e se não observa os requisitos essenciais à acusação, tal como
121
se dá c.om a denúncia .ou queixa, é deficiente, fluida, inadequada aos
fins a que se destina, entrand.o em conflito com a lei.
A acusação há de ser precisa e clara para que .o réu dela se
p.ossa defender. Uma portaria .obscura, editada em termos genéric.os
e sem especificar a acusaçã.o, não satisfaz os imperativos da lei.
3. A nulidade é das que não se sanam pela falta de alegação
.oportuna, .ou por ter .o at.o atingid.o .o seu fim, ou mesm.o que a
parte tenha tacitamente aceito .os seus efeit.os (art. 572 do CPP).
A matéria está vinculada ao direit.o de defesa, que é garantia constituci.onal.
4. Basta ler a p.ortaria malsinada para concluir que ela está
longe de preencher as condições exigidas na lei. Ei-la, na sua parte
substancial: "Chegando a.o meu conhecimento, através dos inclusos
autos, que Francisc.o J.osé de Andrade Costa, síndic.o d.o edifício
situado na Av. Beira-Mar n. 454, teria, de qualquer modo, molestado .ou perturbad.o a tranqüilidade de Artur Alvim Câmara, o que
constitui a c.ontravenção d.o art. 65, da lei respectiva, determino se
instaure c.ontra .o mesm.o .o competente process.o, nos termos dos
arts. 533 e segs. do CPP".
Nada mais inseguro, indeterminado e confuso do que aí está
escrito.
.
Onde, quand.o, c.om.o se deu .o fat.o? O acusado teria, de qualquM'
modo, molestad.o .ou perturbado a tranqüiiidade de outrem. Qual .o
mod.o? Por escrito, verbalmente ?Com escárnio, mofa, zombaria, chasquei.o? Fazendo aparecer um fantasma .ou simulando um fenômeno
sobrenatural? (Manzini apud José Duarte, Com. à Lei Conto Penais,
pág. 580). Denunciand.o um fato familiar, que causasse desgosto,
enviand.o coroas m.ortuárias onde não oc.orreu óbito; simuland.o um
pedid.o d'e casament.o, em nome de terceiro, para m.olestar? Chamando a p.olícia, a assistência para ir à casa de um desafeto? Dando
trotes grosseiros .ou fazend.o propostas indecorosas, por telefone .ou
p.or .outr.o meio?
Não há, na p.ortaria, a mais remota, a mais l.ongínqua pertinência com .o que se deva entender como tal peça pr.ocessual. Os exempl.os t.od.os de m.olestar .ou perturbar a tranqüilidade alheia, que .os
aut.ores registram, nã.o se enc.ontram, a.o de leve sequer, nas linhas,
nem nas entrelinhas da inválida p.ortaria.
5. O ac.ordã.o que c.onfirm.ou a sentença c.ondenatória repeliu a
nulidade s.ob .o fundamento de que teria .ocorrido preclusã.o p.or não
ter sido alegada .op.ortunamente. Já vimos a impr.ocedência desse
argument.o '(.o que afirmam.os com devida vênia), p.orque a matéria
está ligada à garantia c.onstituci.onal d.o direito de defesa.
Admitiu .o acórdão pudesse transpor essa sup.osta preclusã.o, e,
entã.o, argument.ou que .o pr.ocesso surgiu "em virtude de comuni-
9 -R.D.P. 17/18
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cação feita à polícia através da petição de fls. onde estão mimldenciados os ilícitos penais praticados pelo acusado e a portaria
dando vida ao processo o fez implicitamente nos mesmos termos da
comunicação referida, e, ainda mais, baseando-se na prova testemunhal já então existente".
A denúncia ou a queixa não se podem reportar a um relatório,
por exemplo, que se contenha no processo. Elas é que devem, como a
portaria, narrar o fato com todas as suas circunstâncias. A portaria
nada contém implicitamente. Ou ela é explícita, ou é nula. Em caso
em que o Ministério Público, na denúncia, fez remissão ao relatório do síndico, o Supremo Tribunal Federal considerou inepta tal
denúncia "que não especifica nem descreve, ainda que sucintamente,
os fatos criminosos atribuídos a dois acusados, limitando-se à r€ferência a outra peça dos autos" (Jur. Criminal, Heleno Fragoso, voI.
I, 1973, pág. 199).
O art. 41 do CPP estabelece: "a denúncia ou queixa conterá a
exposição do fato delituoso" ...
A denúncia, a queixa ou a portaria não podem ir colher, aliunde,
o conteúdo mesmo da acusação.
Assim, a portaria não se podia basear em outros elementos, nem
que a eles se reportasse. Nesse ponto, o acórdão que confirmou a
condenação do consulente contraria a jurisprudência da Corte suprema do país.
6. Elsses motivos levam à conclusão de que o parecer da Procuradoria Geral da Justiça, opinando pela nulidade da Portaria,
expressou o pensamento doutrinário correntio e seguiu a orientação
da jurisprudência dominante.
OUTRA
NULIDADE
7. A documentação remetida pelo consulente para nosso exame
revela a existência de outra nulidade, argüida pela defesa e também rejeitada pelo acordão que confirmou a decisão condenatória de
primeira instância.
É que o processo das contravençõ,es não admite a figura do
assistente do Ministério Público. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal, em acórdão que tivemos a honra de relatar: "Apesar
de pública, a ação penal nas contravenções não comporta o funcionamento de assistente do Ministério Público. É que o Ministério
Público não é, nas contravenções, o autor da ação penal, que se inicia
por meio de auto de prisão em flagrante ou por portaria da autoridade judiciária ou policial" (RTJ 32/442-444).
Debateu-se, naquele caso, o problema da apelação interposta
pelo assistente, em processo por contravenção. E o julgado acentuou
que "o art. 598 do CPP só permite a apelação do ofendido ou das
PARECERES
123
pessoas enumeradas no art. 31, nos crimes de competência do tribunal do júri ou do juiz singular" (id. id.).
Vê-se que não pode haver assistente de um órgão que não funciona como autor da ação. Além disso, o art. 1268 do CPP estabelece
que "em todos os termos da ação pública" poderá intervir o assistente do Ministério Público.
Ora se ele não pode apelar nas contravenções é porque a estas
não se a~licam os preceitos que permitem a admissão de assistentes
do Ministério Público, admissão reservada aos processos por crimes,
ainda que obedeçam ao rito sumá:,io.
,
.
O Tribunal de Justiça de Sao Paulo Ja deu a leI p~oc:ssual
penal essa mesma interpretação: "Não é regular a a~mIssao de
assistente do Ministério Público nos casos de contravençao, processos em que este não tem a iniciativa da ação penal (D. A. MIranda,
Rep. Jur. do CPP, vol. I, n. 225, pág. 96).
.
No caso citado acima e julgado pelo Supremo TrIbunal Federal,
a Procuradoria Geral da República também opinou no sentido d.a
inadmissibilidade do assistente do Ministério Público nos procedImentos contravencionais.
.
Esse é o sentido da legislação italiana, que não admIte contravenção punida por querela ou iniciativa de;> ofendido, como ac;ntua
a Relazíone Minísteriale: "Una contravvenzlOne a q?er~lla dell of~e­
so costituisce un assurdo che non puõ essere consentIto muna legIslazione progredita. Le contravvenzione pu~ibi1i a q~erel1a dell'offeso
sono risiduati deI sistema francese per 11 quale SI de~radava~o,,~
contravvenzione determinati delitti a causa della loro heve enbtà .
SEGUNDA QUESTÃO
8. À primeira vista poderia parecer que a hipóte~,e não c<;>mportasse habeas corpus por se tr~t~r de: c.ondenaçao Ja cumprIda.
O remédio normal, aí, seria a reVlsao crImmal. .
"
O caso porém apresenta um aspecto peculIar. Como e sabIdo
e ressabid~, depoi~ da reforma con~titucional de 1926, _o habea8
corpus passou a proteger apenas a hberd~de de lo~omo~ao. A~t~s,
o Supremo Tribunal, através de construçao, estendIa-O a proLçao
de outros dir:eitos.
/
Hoje, só o direito de ir e vir é amparado p~lo habeas ~orpu8.
O constrangimento ilegal para ser san~d~ por mel? dessewnt deve
estar ligado à prisão ou ameaça de prIsao ao pa~.I~nt~.
,
No caso, ,0 consulente está preso em consequenCla de pronuncia por tentativa de homicídio.
A Lei n. 5.941, de 22.11.1973, alterou o art. 408 ?O, ~PP,
.
, . . "§ 2..
o Se o réu for prImarlO
. _e
dIspondo,
em caso de pronuncIa.
de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prlsao
ou revogá-la, caso já se encontre preso".
124
REVISTA DE DIREITO PENAL -
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PÀRECERES
Ora o consulente é primário, pois, segundo o arte 46 do CP,
só se v;rifica a reincidência "quando o agente comete novo crime,
depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crim~ an!eri?r".
. .
A condenação pela contravençao nao Importa em remcldencIa,
em hipótese alguma. E reincidência só existe depois de segunda
condenação pelo cometimento de outro crime.
Primário o consulente está sendo prejudicado pela condenação
anterior, -em 'processo por contravenção. Segundo a .inform~ção do
ilustre advogado do consulente, a condenação anterIOr esta sendo
considerada como obstáculo ao reconhecimento dos bons antecedentes
para o efeito de se conceder a liberdade, de acordo com a nova lei.
A meu ver, se essa é a razão do constrangimento, a via _do habeas
corpus -está aberta para anular o processo da contravençao. Sobreleva, aí, o problema da liberdade do consulente, que não p.ode ser
sacrificada em conseqüência de um processo nulo em que fOI condenado, nem pode ser retardada, aguardando as delongas do julgamento de uma revisão criminal, processo de si mesmo demorado,
como o demonstra a experiência forense.
O constrangimento decorre, em última análise, da condenação
pelo processo da contravenção. Cabe, segundo penso, o uso do h..abeas
DOrpUS como meio pronto e adequado para fazer cessar a coaçao.
A
TERCEIRA
•
QUESTÃO
9. Já vimos que o consulente é primário. A tendência acentuada da legislação - correspondendo à própria história da pena,
ao longo do tempo - é no sentido de atenuar, reduzir e, mesmo,
suprimir a prisão, o que só se pode admitir remotamente, dado .o
consenso geral e arraigado do caráter retributivo da pena. Um
jurista de gênio - Von Liszt - diss,e: "a história da pena é a
história de sua constante abolição".
A suspensão condicional da pena foi o meio encontrado para
evitar o contágio dos primários, condenados a penas reduzIdas,
com o meio deletério das prisões. O livramento condicional é o instituto que procura diminuir o tempo desse contágio.
O legislador reconhece os males das cadeias, universidades de
crimes que aviltam, humilham, degradam, corrompem, viciam mais
do que' recuperam ou reerguem os que para lá são mandados.
Dentro desse espírito de substituição das prisões segregatórias
por outros meios de repressão da criminalidade, inclusive com a
vitoriosa experiência das prisões abertas, o legislador brasileiro
de 1973 deixou bem claro o seu propósito de só mandar para o
cárcere aqueles que hajam revelado uma incomum periculosidade.
Até para apelar, o réu primário e de bons antecedentes não
precisa mais recolher-se à prisão (art. 594 do CPP, com a redação
dada pela Lei n. 5.941), qualquer que seja o motivo da condenação.
125
10. Vejamos a situação do consulente, condenado por uma
simples contravenção.
O expositor dos motivos do Código Penal de 1940 assinala que,
desde o início dos trabalhos da comissão revisora, ficou decidido
rejeitar o critério do Projeto Alcântara Machado de abolir-se qualquer distinção -entre crimes e contravenções, porque "quando se
misturam coisas de somenos importância com outras de maior valor;
correm estas o risco de se verem amesquinhadas".
Daí a conveniência de excluir do Código Penal "a matéria tão
miúda, tão vária e tão versátil das contravenções, dificilmente subordinável a um espírito de sistema e adstrita a critérios oportunísticos ou meramente convencionais".
Se' o consulente é primár,io, como recusar-lhe que tenha bons
antecedentes? Porque sofreu, há mais de quinze anos, uma condenação por contravenção?
O consulente poderia estar reabilitado, oficialmente, se o tivesse
requerido. Como ensina Manzini, com a sua indiscutível autoridade,
a reabilitação é um direito, e, desde que o condenado prove sua
posterior boa conduta, durante um certo espaço de tempo, ela "não
lhe pode ser negada" (Trat. Dir. Peno /tal., voI. III, pág. 611).
A legislação italiana, fonte de que se nutre a nossa, com
grande freqüência, estabelece período para o reconhecimento da
reincidência, que só pode ser específica, nos casos de contravenção.
Como assinala José Duarte, o Código da Itália considera que
"com o decurso de tempo, se haja operado, psicologicamente, uma
transformação da índole do agente e que causas supervenientes,
motivos ontros possam influir na consciência ,e vontade daquele que,
durante longo período, manteve um comportamento exemplaríssimo"
(Com. à Dei das Contr. Penais, pág. 185).
Não há como recusar a procedência dessa observação. É de
salientar, ainda, que o arte 104 do famoso Código Rocco só reconhece a habitualidade se houver quatro c,ondenaçõ8's por contravenção
da mesma natureza, levando em conta o tempo em que houverem
sido praticadas.
Não é razoável que após dezessete anos de uma condenação por contravenção, fique a pesar sobre o agente, como uma
sombra que o segue a vida inteira, uma velha culpa, que nem
crime é, como observa, ainda, José Duarte: "Daríamos preferência ao sistema italiano porque, realmente, do ponto-de-vista psicológico, e mesmo por uma razão política, não vemos possa ficar
chumbado,eternamente, às conseqüências da antiga contravenção,
levíssima culpa, pecado venial, quem, durante longo período, se
revelou obediente às normas legais, sujeito à disciplina policial, e
que, por circunstância fortuita, foi levado novamente! a !ransgredir o preceito" (Com. à Lei das Contravenções Penats, pago 185).
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A situaçãO' dO' cO'nsulente é precisamente essa. DecO'rridO's mais de
quinze anO's, está chumbadO' aO' cárcere em cO'nseqüência de uma
divergência entre cO'ndôminO's, divergência superada, em que O' própriO' pretensO' mO'lestadO', segundO' infO'rma a cO'nsulta, recO'nheceu O'
equívO'cO' em que incO'rrera e que fO'i a causa da cO'ndenação.
_
O saudO'sO' Des. J O'sé Duarte dá um exemplO', que há de cO'nvencer Ü'S mais céticos: "O indivíduo que, imprudentemente, sem
atentar em que perdeu valia, pelO' decursO' dO' tempO', a autorização
pa'ta o porte de arma, a traz cO'nsigO', é autuadO' e cO'ndenado. DecO'rrem três anO's sem a menO'r falta, e, certO' dia, guiandO' um autO'móvel, tem pressa em chegar a determinadO' IO'cal e trafeJa en;
velO'cidade que é excessiva. NO'vO' prO'cessO' e nO'va cO'ndenaçaO'. Ira
aquela primeira eO'ndenaçãO' influir na agravaçãO' da pena! Nada
mais incO'nseqüente!" (ob. loco cit.).
NãO' é desarrazO'ada, antes mais própria, a interpretaçãO' que
siga a trilha da cO'nstruçãO' jurisprudencial da Súmula n. 499 dO'
STF, que cO'nsidera irrelevante, para a cO'ncessãO' dO' sursis, a existência de cO'ndenaçãO' anteriO'r à pena de multa, mesmO' que se trate
de crime.
NãO' tem maus antec·edentes quem é primáriO', nem tem maus
antecedentes, para efeitO' de esperar julgamentO' em liberdade quem
foi cO'ndenadO' pO'r mera cO'ntravençãO', decO'rridO's mais de quinze anO's.
Esse é O' espíritO' da lei, dentrO' de uma exegese cO'nstrutiva, justa e
humana.
CONCLUSÃO
Diante dO' expO'stO', respO'ndO' às perguntas fO'rmuladas: 1. Sim.
2. Sim. 3. NãO'.
Este é O' meu parecer, salvO' melhO'r juízO'.
RiO' de JaneirO', 15 de fevereirO' de 1974.
NOTAS
E
INFORMAÇõES
INSTITUTO DE CIÊNCIAS PENAIS PESQUISA SOBRE
A VIGENTE LEGISLAÇÃO SOBRE DROGAS
O ICP está realiz.ando pesquisa sobre a vigente legislação sobre drogas, sob
coordenação da Prof. Yolanda Catão. O projeto se desenvolve com base no documento de trabalho que a seguir divulgamos.
1 - A pesquisa que se pretende realizar visa à verificação da performance
policial-judiciária da vigente legislação sobre drogas em nosso país. Essa legislação estabelece também um conjunto de normas que visam à prevenção, com
uma série de medidas relativas ao controle da produção, comercialização e consumo, bem como disposições programáticas de natureza educacional. Não se pretende examinar a eficácia dessas prescrições, mas, tão-somente, do que se refere
ao sistema repressivo e punitivo.
Pretende-se verificar como está operando essa lei, que corresponde a determinada orientação de política criminal, para saber se a vontadE: do legislador,
e;x:pressa na lei, vem sendo obedecida.
Pretende-se também descobrir e revelar os defeitos e os equívocos dessa legislação, seja na orientação geral, que a inspira, seja no sistema processual, que
ela introduziu.
Diversos aspectos criminológicos do problema das drogas são também pesquisados, particularmente o que se refere à personalidade do agente e à substância
que constitui objeto material da ação.
2 - A pesquisa terá por base os processos judiciais iniciados no Rio de
Janeiro, em 1974, devendo ser examinados cerca de 200 processos em 10 Varas
Criminais. Com isso poderá ver-se a diferença de orientação e critérios de vários
juízes, tendo-se presente número considerável e bem representativo da totalidade
dos processos instaurados naquele ano (cerca de 850).
3 - Quanto à pessoa do agente, destacam-se, particularmente, os dados relativos ao sexo, à idade, à cor e à condição social,' bem como se é primário ou reincidente (genérico ou específico), e se é experimentador (uso pela primeira vez
ou ocasional), viciado, traficante ou viciado-traficante, segundo os dados obtidos
na fase policial.
Os grupos de idade que nos interessam são: de 18 a 21 anos; de 21 a 25; de
25 a 35 e acima de 35. A primeira categoria é a dos legalmente menores, que recebem especial favor da legislação, com tratamento mais benigno. Nessa faixa de
idade permite-se excepcionalmente a suspensão condicional da pena, argumento
que conduz quase sempre ao relaxamento da prisão em flagrante, sempre que se
trate de primário. Por outro lado, existe tendência generalizada a afastar do
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encarceramento os jovens delinqüentes, pelos efeitos reconhecidamente nefastos da
prisão.
A faixa de 21 a 25 anos é a dos jovens adultos delinqüentes, para a qual
diversas legislações vêm estabelecendo disposições especiais. Por outro lado, 25
anos parece ser a idade limite de um comportamento jovem, com a conotação social
que essa expressão envolve na sociedade moderna.
4 - A indagação quanto ao defensor (ou à defesa) é importante para o
exame de níveis de eficiência, particularmente quanto ao relaxamento da prisão
(se houver flagrante), quanto ao resultado final do processo (condenação ou
absolvição) e quanto à efetiva execução da pena ou da medida de segurança (tratamento obrigatório em hospital), imposta pela sentença.
5 - A natureza e quantidade da substância, que constitui objeto material da
ação delituosa, são elementos que devem ser examinados como eventuais condicionantes de uma postura benigna (relaxamento da prisão, absolvição) ou rigorosa
(manutenção da prisão, condenação) da justiça.
6 - No que se relaciona com o processo, várias indagações de particular
relevo são formuladas.
A lei fixou um rito processual de extrema celeridade e solução de grande
rigor para o que se refere ao direito de liberdade. Assim, ocorrendo pnsao em
flagrante, a autoridade policial deve comunicar o fato imediatamentfe (no mesmo
dia) ao juiz competente, que deve designar audiência de apresentação do preso
para as 48 horas seguintes (art. 15). Nessa audiência, o promotor formula oralmente a denúncia, e, na mesma ocasião, o juiz interroga o réu e ouve as testemunhas do flagrante. Nos três dias que se seguem COrre o prazo (comum para acusação e defesa) para requerimento de novas provas e defesa prévia, com audiência
de cinco testemunhas para cada uma das partes, no máximo, aí computadas as
testemunhas da prisão em flagrante.
Findo aquele prazo, o juiz proferirá despacho saneador, em que ordenará as
diligências indispensáveis ao esclarecimento da verdade, e designará a audiência
de instrução e julgamento para um dos oito dias seguintes. Em tal audiência, são
ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa e pela acusação, faz-se o debate
oral entre as partes e o juiz profere sentença. Se o juiJz. não se sentir habilitado
para proferir sentença imediatamente, poderá fazê-lo dentro de cinco dias.
Segundo a lei, como se vê, todo o processo deveria estar concluído, na primeira instância, no prazo máximo de 20 dias. É importante saber se isto está
realmente acontecendo, ou seja, se os prazos processuais vêm sendo observados, e,
caso negativo, por que.
Por outro lado, a lei proíbe o relaxamento da prisão em flagrante (art. 19),
em virtude da inobservância dos prazos, desde que, sendo a demora anterior à
apresentação do réu a juízo, tenha sido recebida a denúncia, ou, sendo posterior,
estiverem os autos preparados para a sentença. Essa disposição que proíbe o
relaxamento da prisão é de constitúcionalidade mais que duvidosa. É importante
saber se ela está sendo observada e, em caso negativo, a que se deve esse fenômeno. Pretende-se saber, particularmente, se a força da lei é maior que a pressão
dos fatos, nos casos de processos contra delinqüentes primários menores, presos
NOTAS E INFORMAÇõES
129
com pequenas doses de maconha, cujo encarceramento é altamente indesejável e
injustificável.
7 - Algumas indagações s'ão feitas sobre o laudo de exame pericial, que é
peça essencial do processo, pois constitui o exame de corpo de delito. Segundo a
lei, o laudo deve ser entregue em juízo até a audiência de instrução e julgamento
(art. 15) .. Convém saber se os órgãos técnicos da polícia (Instituto de Criminalística) estão aparelhados para cumprir com essa tarefa e se remessa dos laudos
em tempo oportuno tem concorrido de alguma forma para a regularidade do
processo.
8 - Com os elementos constantes do processo, notadamente os que defluem
dos primeiros atos processuais (auto de prisão em flagrante), pretende-se registrar, como já vimos, se o agente é mero experimentador ou usuário ocasional da
droga, viciado, traficante ou viciado-traficante. Tais dados devem ser postos em
relação com a solução penal imposta pela sentença.
As incongruências da lei vigente quanto aos viciados' são manifestas e têm
conduzido os juízes à perplexidade. Segundo a lei, os viciados que praticarem o
crime "ficarão sujeitos às medidas de recuperação estabelecidas por esta lei"
(art. 9.°).
A única medida de recuperação de que trata a lei é o tratamento médico hospitalar, em alguns casos com internação obrigatória.
Nos arts. 10 e 11 refere-se a lei aos viciados inimputáveis ou semi-imputáveis,
que só excepcionalmente aparecem. Em razão do vício só perdem ou têm consideravelmente diminuída a capacidade de autogoverno (nunca a capacidade de
entendimento do caráter ilícito do fato), os viciados em drogas que provocam
dependência física (opiáceos e os produtos sintéticos que lhe ~ão equivalentes).
Não é jamais o caso da maconha.
No caso de inimputabilidade a lei ordena a internação em estabelecimento
hospitalar, medida que pode vencer a dependência física, mas que comumente
agrava o estado psíquico do agente.
O tratamento recomendável é o ambulatório, não afastando o viciado de sua
família e de seu contexto de vida, de onde surgem os problemas que conduzem
ao vício. É a experiência registrada por vários estudiosos. Se 3e trata de semiimputável maior de 21 anos, o juiz pode atenuar a pena ou substituí-la por internação em estabelecimento hospitalar.
Se se trata de semi-imputável maior de 18 e menor de 21 anos, é obrigatória
a substituição da pena pela medida de segurança (art. 11, § 2.°).
Não há prescrições especiais para os viciados imputáveis, que são todos os
viciados em maconha, afora a regra genérica do art. 9.°, segundo a qual todos os
viciados devem ser submetidos a medidas de recuperação.
Pretende-se saber como os juízes estão aplicando esses textos, particularmente
se se tem presente que não existe (e não deve existir) hospital para tratamento
de viciados. Os grandes centros para tratamento de viciados nada têm a ver
com hospitais. O Manicômio Judiciário (só para homens) não recebe viciados, a
menos que se trate de psicopatas. '
Pretende-se verificar se os juízes estão absolvendo os viciados em maconha
imputáveis, ordenando a sua internação em estabelecimento hospitalar, pois esta
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NOTAS E INFORMAÇõES
não é a orientação da lei. Pretende-se também saber como o juiz das execuções
penais está promovendo a execução impossível e errônea (do ponto-de-vista legaI).
Desejamos verificar se a absolvição dos viciados imputáveis não corresponde a
uma forma de ludibriar a vontade da lei, que é, neste passo, manifestamente
incorreta e imprópria. Aqui também, sobre a vontade do legislador estaria prevalecendo a realidade social que a ela se opõe.
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL BRASILEIRO
GRUPO
Em Assembléia Geral realizada aos 2 de maio de 1974, no Rio de Janeiro
(Praça XV de Novembro, 101, 2.° andar), foram aprovados Os estatutos do
Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal. Consolidava-se,
por essa forma, o antigo sonho de Roberto Lyra, cujo pioneirismo viu-se reconhecido por sua eleição, por aclamação, para Presidente de Honra.
A primeira diretoria, para o biênio 74-75, ficou assim constituída: Presidente
- Prof. Heleno Fragoso; Vice-Presidente - Prof. João Mestieri; Secretáriogeral - Prof. Nilo Batista; Diretor-tesoureiro - Prof. T'écio Lins e Silva;
Diretor-secretário - Prof. Hamilton Carvalhido.
A atividade que desde logo interessou à diretoria foi a ampliação do quadro
social. Para tanto, a própria diretoria tratou de remeter o necessário expediente
a professores' e profissionais de destaque, convidando-os a participar do Grupo
Brasileiro, assim como da Associação Internacional de Direito Penal. Esta importante entidade possuía no Brasil apenas cerca de vinte membros: este nÚID,ero
foi multiplicado por cinco, e estará brevemente multiplicado por dez.
A Comissão de Seleção, nos termos da alteração sofrida pelo art. 16 dos
Estatutos, foi constituída pelos seguintes membros: Dr. Serrano Neves, Prof.
Paulo Ladeira de Carvalho, Dr. Deocleciano de Oliveira e Dr. Celso Fernando de
Barros.
De 25 a 28 de junho de 1974, o Grupo Brasileiro da AIDP fe'~ realizar um
Debate sobre os temas do XI.° Congresso Internacional de Direito Penal, que
veio a realizar-se em setembro de 1974, em Budapeste.
O debate preparatório, levado a efeito no salão nobre da Faculdade de Direito
Cândido Mendes (Praça XV de Novembro, 101, 2.° andar) teve a participação
dos seguintes professores:
dia 25 -
Tema:
Prof.
Prof.
Prof.
Prof.
dia 26 -
Tema: Indenização à Vítima do Delito
,
Prof. João Mestieri
Prof. Des. Murta Ribeiro
Prof. Hamilton Carvalhido
Apoderamento Ilícito de Aeronaves
Roberto Lyra
Heleno Fragoso
Rafael Cirigliano Filho
Celso Fernando de Barros
131
dia 27 -
Tema: Abuso e Tráfico de Drogas
Prof. Menna Barreto
Prof. Técio Lins e Silva
Prof. Paulo Ladeira de Carvalho
Prof. D. Estevão Bittencourt
dia 28 - Tema: Descriminalização
Min. Evandro Lins e Silva
Prof. Heleno Fragoso
Profa. Yolanda Catão
Prof. Nilo Batista
O Boletim Informativo do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de
Direito Penal já está circulando com regularidade, mantendo os associados a
par das últimas novidades em nossa área de estudos. Está ele sob a responsabilidade do Diretor de Comunicações, Dr. Arthur Lavigne.
Em fins de junho de 1975, o Grupo Brasileiro fez realizar um Debate sobre
Direito Penal Econômico, no mesmo local do encontro anterior, e com a seguinte
agenda:
dia 24 - Surgimento histórico do Direito Econômico. Controle administrativo
das relações econômico-financeiras. Banco Central do Brasil.
Prof. Sérgio de Sá Mendes
dia 25 - Direito Penal Tributário. Significação e alcance. Problemas especiais.
Prof. João Mestieri
dia 26 - Direito Penal Societário. O quadro legislativo brasileiro.
Min. Evandro Lins e Silva
dia 27 - O Direito Penal econômico brasileiro, quadro geral. Direito Penal
Econômico comparado. Necessidades e futuro legislativo.
Prof. Heleno Fragoso
Os debates e intervenções foram gravados, com vistas a sua publicação.
Ainda este ano, o Grupo Brasileiro da AIDP pretende realizar um encontro
sobl'e o tema "Reforma Penitenciária".
V CONGRESSO DE DIREITO PENAL E CIÉ}NCIAS AFINS
Realizou-se em São Paulo, em fevereil'o de 1975, o V CongTesso de Direito
Penal e Ciências Afins, no qual foram aprovadas as seguintes' conclusões:
La - O grau de pel'iculosidade afel'ido obl'igatol'iamente pelo juiz, na sentença, consoante a legislação penal pl'oposta, ainda que possa seI' l'evisto no
CUI'SO da execução da pena, e de transcendental relevância, pois indical'á o tipo
de estabelecimento penal a que o sentenciado devel'á ser recolhido, ligando-se
diretamente, com a oficialização da prisão-albergue, além do sursis em regime de
penas.
2.a _ Tendo em vista os dispositivos da legislação penal brasileira proposta,
que estabelece a aferição de periculosidade mediante exame criminológico, deve
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tal exame ser feito, na medida do possível, por especialistas aptos para definir a
capacidade criminológica e o grau de adaptação social do delinqüente.
3.a _ Deve ser mantida a aplicação da pena por tempo relativamente indeterminado, quanto ao mínimo, e somente às categorias dos criminosos habituais e
por tendência.
4. a _ Reexame parcial do conceito de criminoso habitual, principalmente no
que tange à habitualidade presumida que, na forma da legislação penal proposta,
constitui uma presunção de culpabilidade
5.a _ Reexame do conceito de criminoso por tendência, que deveria ser
melhor explicitado.
6. a _ A pena deve assentar-se no requisito da culpa, de sorte que, ao ser
aplicada, surge como retribuição ética da conduta. No curso da execução, porém,
deve ser acrescido um sentido de readaptação.
7. a - Urgência de uma reforma no sistema de penas. Que se fortaleça a luta
que se vem empenhando, no sentido de que a pena de prisão se restrinja a delinqüentes que representam um perigo social, ou aos casos de comprovada necessidade, encontrando-se para os outros tipos de infratores substitutivos penais
satisfatórios.
8.a _ Nos casos de infrações passíveis de penas leves, e, ademais, sendo o
agente primário, sem periculosidade e tiver reparado o dano, é de conveniência
possa o juiz encerrar o processo após a instrução, reconhecendo a perempção.
9. a _ Independentemente da vigência do novo Código Penal, adoção em todos
os Estados do Brasil do regime de "prisão-albergue", quer através de lei estadual,
quer através de provimentos dos órgãos competentes das Magistraturas estaduais,
pois, a concessão do trabalho externo em obras públicas ou entidades privadas,
nada mais é do que a execução da pena através de laborterapia.
10.a - Na parte geral da legislação repressiva proposta devem figurar
dispositivos regulamentando a possibilidade de perdão judicial, considerando-o
causa de extinção da periculosidade, subordinado a determinadas condições subjetivas e objetivas.
ll.a - A legislação penal proposta deverá admitir, como já o faz o vigente
Código Penal Militar, a renovação do sursis quando a infração anterior não
revelar má índole do agente. Ficaria assim redigido um dispositivo:
"A execução de pena privativa de liberdade, não superior a dois anos, pode
ser suspensa por dois a seis anos, se o condenado não tiver sofrido condenação
anterior por infração penal reveladora, de má índole, for de escassa ou nenhuma
periculosidade e tiver demonstrado o sincero desejo de reparar o dano."
12.a - "Aquele que comete novo crime cinco anos após a extinção ou cumprimento da. pena por crime anterior tem direito a postular o sU1'sis, graças à
prescrição da reincidência em todos os seus efeitos."
13. a - Necessidade de um Código de Execuções Penais dirigindo e orientando
toda a política penitenciária do País, objetivando-se que não fiquem à mercê de
deficiências da Administração, aqueles que estão privados de liberdade (reservado, é claro, aos Estados, o direito de elaborar normas supletivas).
14.a - Reformulação do sistema de execução das penas, modernizando o ultrapassado regime penitenciário brasileiro, como fundamento na realidade do País
NOTAS E INFORMAÇÕES
133
e nas necessidades do momento, atinando-se para os novos conceitos de execução
penal no mundo moderno.
15. a - A execução da pena deve ser feita sob um sistema interacionista
dinâmico e que garanta maiores poderes ao Juiz na individualização concret:
da pena, com efetiva fiscalização jurisdicional e que proteja todos os direitos da
pessoa humana não atingidos pela sanção.
16." - A duração da pena pode ser reduzida na fase de execução por força
da prevenção especial, corrigindo-se os erros de valorização do grau de desarlaptação do condenado, não ficando o juí"lO da execução adstrito ao grau mínimo.
17.a - No atual momento histórico brasileiro, devem selO eliminadas as
expressões "reclusão", "detenção" e "prisão simples", substituídas pela expressão
"prisão".
18.a - É conveniente a substituição das expressões "velho", "enfermIço" ou
"enfermo" e "criança" contidas na legislação penal proposta, pela fórmula genérica; crime cometido contra quem tenha sua capacidade de defesa de qualquer
forma reduzida.
19.a - O traficante de entorpecentes deve ser punido com maior severidade,
levando-se em conta a nocividade da droga e a extensão do tráfico.
PROF. DIETRICH LANG-HINRICHSEN
Faleceu, no início do mês de março do corrente ano, na Mogúncia, com 72
anos da idade, o Prof. Dietrich Lang-Hinrichsen, grande amigo de nosso país e
figura de destaque em relação a nossa disciplina.
Tendo estado no Brasil durante a guerra por motivos políticos, aprendeu o
português e foi nesse idioma que conversamos, ao nos encontrar, por primeira
vez, em 1964, no IX Congresso Internacional de Direito Penal, que se realizou
na Haia. A Lang-Hinrichsen se deve a tradução de nosso CP de 1940 para o
alemão, feito na série fundada por Schõnke e editada por Walter de Gruyter,
elll Berlim (Das Brasilianische Strafgesetzbuch, 1953). A tradução é precedida
de larga e correta introdução e contém, ao final, bem organizada bibliografia
geral e indicação das monografias mais importantes da época. Já anteriormente,
o autor havia escrito sobre nosso direito excelente trabalho, publicado em 1952
(Strafgesetzgebung in Brasilien, ZStW, 64).
Lang-Hinrichsen foi professor de Direito Penal e de Processo Penal na
Universidade de Mainz, desde 1954. Regressando à Alemanha, após a guerra,
foi professor da Universidade Humboldt, em Berlim Ocidental. Lecionou posteriormente em Bamberg, em Freiburg e, mais tarde, como professor honorário,
em Colônia.
Deixou pubIicados numerosos trabalhos sobre diversos temas de nossa especialidade, notadamente sobre i1icitude, erro, culpabilidade e medidas de segurança.
Nos últimos anos escreveu muitos estudos sobre a reforma penal alemã, a que
dedicou tantos esforços.
Registramos, com grande e sincero pesar, a morte desse ilustre colega e
amigo, cujo desaparecimento constitui grave perda para a ciência penal. (H.C.V.).
NOTAS E INFORMAÇÕES
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REVISTA DE, DIREITO PENAL -
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ANTEPROJETO DO CóDIGO DO PROCESSO PENAL
Sugestões aO' Prüjetü de CódigO' dO' Prücessü Penal feitfl,s pelO' Prüf. Jürge
AlbertO' Rümeirü Júniür, relatür da Cümissãü düs Prüfessüres da Área de Ciências
Penais dO' DepartamentO' de Ciências Jurídicas da Püntifícia Universidade Católica dO' RiO' de JaneirO', instituída para esse fim, e que füram aprüvadas; após
discussões, pelüs seus demais membrüs: üs Prüfs. Jüãü Mestieri, MartinhO' da
Rücha DO'yle, NilO' Batista, SérgiO' Tancredü Silva, Jüsé Lisbüa da Gama Malcher
e Jüs.é Murta RibeirO', süb a presidência deste últimO':
1.a ) Art. 72:
Acrescentar a expressãO' "Cülhida em JuízO''' após a palavra "Prüva", dentrO'
da técnica adütada nO' art. 297 dO' atual CódigO' de Prücessü Penal Militar e nO'
art. 246 dO' Anteprüjetü Türnaghi, uma vez que a redaçãü atual dará margem a
que O' juiz, aO' julgar a açãü, püssa firmar a sua cünvicçãü, apenas, cüm base nas
prüvas cülhidas na fase pülicial, medida que türnaria inócua a garantia Cünstituciünal dO' cüntraditóriü (art. 153, § 16 - Cünstituiçãü Federal).
2.a )t Art. 93, caput:
Suprimir O' últimO' períüdü dO' textO', que atenta Cüntra a natureza dO' inquéritO' pülicial (inquisitória). DO' cüntráriü, estará se dandO' aO' inquéritO' um
verdadeirO' caráter cüntenciüsü em cünflitü cO'm O' própriO' espíritO' da primeira
parte dO' artigO', que, pür sua simples interpretaçãO' literal, üferece aO' representante
dO' MinistériO' PúblicO', quandO' necessáriO', a üpürtunidade de, pessülmente, desfazer dúvidas sübre a prüva O'ral cülhida pela pO'lícia, antes de üferecer denúncia.
Destarte, mirandO', ainda a salvaguardar a eficácia dO' caráter persO'nalíssimü
dessa inüvaçãü, urge que üutrü períüdü seja acrescentadO', em substituiçãO' aO' que
se prO'põe extirpar, nüs seguintes termüs: "Essas audiências nãO' serãO' tO'madas
pür termO' nüs autüs". Assim, nãO' haverá cünfusãü Cüm üs termüs referidüs nO'
art. 94, que se vülta, evidentemente, para a hipótese dO' § 3.° dO' art. 93.
3.a ) § 2.° dO' art. 93:
Acrescentar, a final, a expressãO' "nO's casüS em que a Lei Penal permitir",
püis, se assim nãO' für, estará O' legisladO'r prücessual refürmandü, absurdamente
as leis penais, que, sO'mente aO' sanciünar tipO's, permitem O'U püderãü permitir
a medida prevista nO' corpO' dO' enfücadü parágrafO'. Aliás, ressalve-se que aO'
art. 46 dO' nüvO' CódigO' Penal (DecretO'-lei n. 1.004, de 21.10.69) füi, pelO' PrO'jetO'
de lei n. 636, de 1975 (O'riundü da Mensagem dO' Püder ExecutivO' de n. 158175),
mandadO' acrescentar um parágrafO' únicO' cO'm a redaçãü abaixO': "A pena de
detençãO', em crime de açãQ privada (grifO's nO'ssO's) püderá ser substituída pela
de multa, para O' encerramentO' dO' prO'cessO', nas cO'ndições fixadas na lei processual penal."
Ora, em tais casO's, O'nde a titularidade dO' MinistériO' PúblicO' ~
4. a ) Art. 97:
Suprimir dO' textO' a expressãO' "Bem cO'mO' velar pela unidade e indivisibilidade da instituiçãü", pO'rque ditO's princípiO's inexistem nO' MinistériO' PúblicO'
BrasileirO' e mesmO' nO' parquet da França, berçO' da instituiçãO' e O'nde O' mesmO'
nãO' se verifica, adO'ta-se a regra: ," La plume est serve, mais la parQle est livre".
5.a ) IncisO' V dO' art. 99:
.
Substituir a redaçãO' O'riginal pela seguinte' "RecO'
mterelSse . na refürma da decisãO', p
na r
fürma
. 't a neste1'1'er
sempre
eVlS
CódigO'''
E tque tiver
.
melh 0'1'_ SIstema, püis ' muitas vezes , um a d eClsaü
. _ naü
_ é cüntrá . . s e , sena O'
se O'püe aO' seu legítimO' interesse O exempI
I"
na aO' reu, mas
dI'
" O ' C aSSlCü é O' da s t
. _
.
en ença que
ec ara extmta a punibilidade pela pr
méritO', tülhendü O' direitO' dO' réu q
t ~sc~çaü, sem, eVIdentemente, apreciar O'
6. ) § 3. dO' aI't. 255:
' ue u O' az para ver prüvada a sua inücência.
a
0
Substituir O' textO' pelO' seguinte: "Será permitidO' aO' d
.
üu de seu representante legal aO' 'nd' . d
a vügadü dO' üfendldü
'
I ICla O' e a seu defensO' q
"
"
as
mqUIrições". Aliás, prüpõe-se, nesta üpürtunidade ue u r
genéricO', abrangendO' tüdüs O'S casüs se" " l ' d' q
artIgO' SImIlar e mais
TítulO' II, dO' Prüj etü visandO' cü~ J,a :~c" UI O' na. Seçaü I dO' CapítulO' II dO'
defensür, sümente.'
, O ' e O' VlO, as fIguras dO' indiciadO' e seu
n:
~e ac"ü~panhem
7. a ) Art. 242:
Mudar a redaçãü para a prüpüsta nO' art 8 ° d
"
acO'lhendO', cüm melhür técnica ant"g
"_..
O' AnteprO'Jetü Türnaghi,
d
'
I a asplraçaü düs que Cümbatem
ade, O' atual caráter cO'ntenciüsO' dO' inquéritO' de téc i
. f 1"
,cüm prüpnetura. Veja-se in exemplis a
.._ d
, n ca m e IZ pO'rque O' desna,
,
O'plmaü O' CünsplCUü Prüf N ' A
nütóri ü estudO' "Da SimplificaçãO' d
' " PO'licial" . (in 0'0'
O' I
nquerltü
Re .'zevedü,
t d em . seu
nais). Cümü a nO'va redaçãO' alvit d
Vts a
QS Tr'~bu­
§ 2.0 dO' art, 243 dO' PrO'jetü este :;s::v~: üutras ~alavras, é quase a mesma dO'
suprimidO'.
O' que ser a pela regra geral, deverá ser
8.a ) IncisO' I dO' art. 290:
Alterar O' textO' üriginal para O' que se segue: "QuandO' O' juiz, cünsiderandü
p~e.namente demünstrada circunstância que exclua a ilicitude dO' fatO' O'U a culpablhdade, absülver O' réu desde lügü".
9. a ) Art. 391:
dO' t::::tit~ir.al palavra "incümpletü" pür "insuficiente" e manter O' restante
ürlgma sO'mente até a expressãO' "cüm 1
"
terá maiür amplitude O' preceit
_
p ementar , pO'rquantO', assim,
O' e naO' se cümeterá O' errO' d
h' ,
est ar . a a,çãü penal em cursO' ' com O' JUl!Z
.., P1enamente investid e, na. .IpO'tese
d" - de
permItir
aO'
MinistériO'
PúblicO'
"det
.
,.
O'
na
JurlS
'
ermmar' uma medida em fI
t d Içaü, .se
ambem
aO'
princípio
dO'
eq
'Z'b
.
'
agan
e. esrespeItü
t
Ut t rw entre as partes cO'n
b t
'
art. 69 dO' Prüjetü.
'
su s ancladO' mclusive nO'
10.8 ) IncisO' I dO' art. 396:
Incluir, a final, a expressãO' "ou o t dA ." "
nüvü CódigO' Penal "'0"
d
P r en enCla , fIgura que, prevista nO'
, ~ 1, surpreen entemente, deixada de ladO' neste
t'
11 S) § 3 °
ar Igü.
P .
. e suas letras a, b, c e d dO' art. 409:
ara assegurar a O'ralidade que se pretende trazer
Inentü ürdináriO' e adO'tar fórmul
" ' :ü~ü inO'vaç~ü aO' prücediequilíbriO' entre as part
d
a bem maIS ecünO'mlCa, e amda fiel aO'
ser substitu' d
I
es: eve a redaçãü primitiva dO's dispO'sitivüs em análise
I a pe a segumte ' que pas s a ra' a cüns t"'
"
ItUlr, umcam~nte,
O' textO' dO'
§ 3.0:
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REVISTA DE DIREITO PENAL -
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"Quando a causa apresentar questões complexas de fato e de direito, findos
os debates orais as partes poderão apresentar memoriais no prazo comum de 10
dias".
12.a ) § 1.0 do art. 450:
Acrescentar, após a palavra "juiz", que será, então, sucedida por uma vírgula,
a expressão "se necessário", pois a experiência atual tem mostrado que, na
maioria dos casos de extinção de punibilidade, a argüição relativa, ou fez menção
a elementos já contidos nos autos (o cotejo de datas nos casos de prescrição,
decadência ou perempção) ou vem acompanhada da documentação necessária (o
atestado de óbito, nas hipóteses de morte do agente, in exemplis).
13.") Parágrafo único e suas letras do art. 485:
O Projeto deveria distinguir, como bem fez o sumo Prof. Tornaghi no art.
461 do seu Anteprojeto (seguindo aliás, os ótimos precedentes do art. 237 do
vigente Códice de Procedam Penal e italiano) as hipóteses de flagrante verdadeiro e ficto. Assim, a redação do parágrafo em questão seria distribuída em 2
outros parágrafos, com as alterações que se seguem:
§ 1.0 _ Está em flagrante delito, quem está cometendo a infração penal;
§ 2.° - Considera-se, ainda, em flagrante delito quem: repetindo, em seguida,
como letras A, B e O, respectivamente, os textos apenas da atuais letras B, C e D.
A manutenção da letra E no Projeto seria um retrocesso ao anterior Código de
Processo Penal do Distrito Federal. Se foi tal figura abolida posteriormente, é
porque não gerou bons resultados. Aliás, o preceito em tela, além de ser redundante com o da atual letra D que o precede, nem mesmo chegou a ser adotado
pelo recentíssimo Código de Processo Penal Militar (veja-se art. 244) de sistemática, bem mais rígida.
14.a ) Art. 485, caput:
A palavra" policiais" merece ser extirpada do texto, uma vez que outras autoriàades, como os juízes etc., deverão efetuar também a prisão em flagrante.
15.a ) Art. 117:
Este cânone deixou passar in albis a hipótese da impossibilidade do ofendido,
reconhecidamente pobre, constituir advogado para promover, em seu nome, a
ação penal privada. Por isso, necessária se faz a inclusão de disposições idênticas
às do art. 32 e seus §§ do atual Código para a complementação do novo texto.
16. a ) Art. 630:
Por atentar este artigo contra o princIpIO do equilíbrio e da igualdade das
partes no processo, defendido, como já dito, pelo próprio art. 69 do Projeto, seu
texto requer uma urgente modificação. Propõe-se a que se segue, aliás, bem
mais elástica, data venia: "Qualquer das partes, até o saneador, poderá requerer
que a ação penal proposta siga o rito do procedimento ordinário:".
17.a ) Inciso II do art. 746:
Esta disposição atenta contra a soberania do júri. Seria melhor não manter,
então, mais a clássica instituição cujo funcionamento bastante dispendioso à
própria justiça, não mais se justificaria. Como o problema já está sendo amplamente debatido no Congresso Nacional e a sua relevância democrática requereria
estudos mais específicos e amplos, para discussão dos inúmeros e respeitáveis
argumentos das duas correntes que se posicionam adversárias, no enfoque da
NOTAS E INFORMAÇõES
137
preservação
. . ou da extinção do júri, a esta comissão" que pela opI'nI'-ao vence dora
dartmaIOrIa
de. seus membros, situa-se como defensora dos princípios ,a tu·
.
aIS que
no elam o trIbunal
popular
no Brasil, só resta, pois, propor',
de o
acord a l'las,
,
"
deraçoes e dlretrlzes do voto inicial do relator a substit . com
as
pon
. I
. ' .
, U l ç a o pura e
Slmp es do texto deste mClSO no ProJeto, por redação semelhante à do § 3 ° d
art. 593 do vigente Código de Processo Penal, com as adaptações qu
f"
o
necessárias às remissões.
e se Izerem
Jorge Alberto Romeiro Júnior, Professor relator - Prof. Alejandro BugalIo
Alvarez, diretor do Departamento de Ciências Jurídicas.
RESENHA
BIBLIOGRÁFICA
Howard Becker, Outsiders Nova York, 1973.
Studies in the Sociology 01 Deviance, The Free Press,
Trata-se de um estudo sistemático sobre o comportamento desviado. Seu
interesse é tanto mais relevante quanto adota renovadora perspectiva na análise
criminológica do desvio social. Para Becker, o conceito de "marginal" (outsider)
não .é inequívoco mas depende fundamentalmente da perspectiva em que se situa
a pessoa que o define como tal. Segundo este enfoque, para o indíviduo considerado
desviado, os "marginais" (ou "estranhos") seriam as pessoas que elaboram as
normas convencionais de uma sociedade.
São os grupos sociais que criam o comportamento desviado ao estabelecer
regras cuja infração constitui o desvio. O desvio não é, então uma qualidade do
ato cometido pela pessoa mas uma conseqüência da aplicação que os outros fazem
das regras e sanções com relação ao "ofensor". Nesse sentido, - e aqui está,
a nosso ver, a grande importâIlcia desse tipo de abordagem - ao contrário da
concepção usualmente difundida, o comportamento desviado (ou a delinqüência)
nso constitui uma propriedade inerente ao indivíduo que assim se comporta.
Para que um ato seja qualificado "desviado," depende de como reagem as
pessoas diante dele. Em outras palavras, o grau no qual determinada conduta
será considerada "transgressora" dependerá de quem a pratica e de quem se
sentiu ofendido por ela. É interessante observar que, as regras sociais tende~
a ser aplicadas mais a certas pessoas qU(;l a outras. A mesma conduta pode
constituir infração às normas em determinado momento e não em outros; pode
constituir infração ao ser praticada por uma pessoa mas não quando for outra
que a pratica. Algumas regras (inclusive legais) podem ser infringidas impunemente, outras não. Esta realidade não poderá ser refutada por aqueles que têm
alguma experiência jurídica; no entanto, ela é facilmente esquecida quando se
trata de compreender toda a problemática do desvio social ou da criminalidade.
A premissa básica dessa concepção é a de que os grupos sociais que compõem à
sociedade não compartem necessariamente as mesmas normas' e valores. Isto é
ainda mais verdadeiro no caso das sociedades modernas altamente diferenciadas
segundo as classes sociais, os grupos étnicos, ocupacionais e culturais. E a concIu"
são não poderia ser outra: enquanto os diferentes grupos apresentarem dissenso
a respeito das regras sociais (estabelecidas convencionalmente), haverá desacordo
quanto ao tipo de conduta quaUficadacomo correta em determinada situação.
140
REVISTA DE DIREITO PENAL -
17/18
A existência de subculturas conduz ao fato de que uma pessoa pode infringir
as regras de um grupo, simplesmente acatando as regras de outro. Ainda, as
l'egras formais impostas por determinado grupo podem diferir daquelas consideradas apropriadas na prática pela maioria das pessoas. Nunca é demais lembrar
que as normas convencionais cuja infração qualifica uma conduta de desviada
não são universalmente aceitas; pelo contrário, fazem "parte do processo político
da sociedade". E aqui encontramos outro aspecto da relatividade do conceito de
desvio social (implícito os conceitos de delinqüência e de crime) desenvolvido neste
livro. Refere-se aquele ao poder político e econômico de uma sociedade. É fato
que certo grupo impõe suas normas de comportamento a outro;; grupos sociais.
"Quem pode obrigar os outros a aceitar suas regras e qual a causa de seu êxito?"
pergunta Becker, respondendo que as diferenças na capacidade de criar regras
.sociais e aplicá-las a outras pessoas são essencialmente diferenças de poder
(legal ou extralegal). Não nos cabe exemplificar e entrar em detalhes, o que
poderá ser feito por aqueles interessados através da leitura de Outsiders.
POllém, é fácil deduzir muitas das implicações dessa análise para o estudo
c:ia criminalidade, da penalização social e da ressocialização do indivíduo
"delinqüente" .
No seu estudo sobre o comportamento desviado, Becker tem como referência
teórica o que denomina "modelo seqüencial" de análise por oposição ao "modelo
simultâneo". O modelo seqüencial considera que a conduta desviada se desenvolve
dentro de uma seqüência ordenada de etapas, mudanças no comportamento e
perspectivas do indivíduo. Cada etapa ou fase do comportamento requer específica
explicação e, assim, um fator importante para a compreensão de determinada
etapa da conduta desviada pode resultar de pouca importância em outra fase
posterior. O conceito utilizado para desenvolver o modelo seqüencial é o de
"carreira", originalmente concebido no estudo sobre ocupações profissionais. O
interesse deste modelo teórico está em mostrar como uma pessoa, a partir de
uma conduta desviada ocasional pode chegar a participar de uma subcultura
organizada com referência a lima atividade desviada. Identificando-se com os
padrões de comportamento daquela subcultura, de um desvio ocasional (ou de
"principiante") o indivíduo passará a "desviado habitual".
Fundamentando empiricamente suas hipóteses, o autor realiza pesquisas em
dois grupos desviados: os usuários de maconha e os músicos profissionais. Becker
analisa as diferentes experiências pessoais realizadas com a maconha, as
mudanças de atitude que os indivíduos desenvolvem em relação à droga e as
razões que levaram a essas mudanças e ao seu uso habitual. Divide a "carreira"
do fumante de maconha em três categorias: o "principiante" (que fuma pela
primeira vez); o "ocasional" (cujo consumo é esporádico) e o "habitual" (cujo
consumo é sistemático e rotineiro). Considera, em seguida, os processos através
dos quais os diferentes tipos de controle social, se tornam menos eficazes à medida
(lue o indivíduo passa de uma etapa para outra, ou, inversamente, como certo
tipo de controle social corta o desenvolvimento da carreira de fumante de maconha.
Segundo Becker, o uso de maconha, é resultante da concepção que o indivíduo
141
RESENHA BIBLIOGRÁFICA
tem da droga e, por sua vez, esta concepção se desenvolve à medida que a
experiência com a droga aumenta. Isto nos parece importante pois revela que,
apesar do controle social (tomado na sua ampla acepção) interferir neste tipo
de comportamento, esta interferência não é decisiva do momento que a concepção
pessoal sobre a droga é positiva. Esse fato, juntamente com o aumento crescente
do consumo de tóxicos, mostra que a criminalização e a penalização severa aplicada
a certos desvios sociais não são suficientes para evitá-los, nem para contê-los.
Este capítulo é revelador para a compreensão do fenômeno tão atual e alarmante
do consumo, de tóxicos.
A qualificação de marginais não se aplica só aos que infringem as normas
legais. Esta observação aparece clara quando Becker estuda o grupo dos músicos
profissionais de orquestras populares. Embora suas atividades estejam formalmente dentro da lei, sua visão do mundo e maneira de viver criam uma subcultura
que está suficientemente "fora" das convenções para ser estigmatizada como
desviada. Em decorrência da sensação de isolamento que sentem frente à sociedade
e da auto-segregação como forma de se adaptar a esta realidade, verifica-se a
intensificação do status de marginal através de um crescente ciclo de desvio.
Note-se que isto ocorre com freqüência com relação a outros grupos catalogados
como desviados. Esta situação poderia em parte explicar o problema da reincidência.
Em capítulo fundamental de seu livro, o autor procura analisar as pessoas
e grupos que elaboram e impõem as regras às quais não se adaptam os "marginais",
ilustra sua análise com o caso da Marihuana Tax Act, lei aprovada em 1937
nos Estados Unidos, com o objetivo de acabar com o consumo da droga. Esta
ilustração mostra o processo através do qual se cria e se impõe uma regra legal,
os valores que a fundamentam e os grupos e interesses presentes nessa iniciativa.
Becker afirma que as regras são resultantes da iniciativa de algumas pessoas e
as qualifica de "empresários morais" (moral itnterpreneurs). As "cruzadas
morais"típicas - movimento desenvolvido por aquele(s) que pretende(m) impor
alguma norma legal - são dominadas por indivíduos provenientes dos estratos
superiores da sociedade. Isto significa que podem utilizar o poder decorrente
dessa posição social superior para apoiar suas reivindicações morais.
Finalizando, Becker analisa os problemas existentes no estudo da conduta
desviada (falta de dados consistentes, pouca informação e conhecimento de fatos
reais) e as dificuldades inerentes a este tipo de estudo visto que este comportamento tende a ficar oculto e a não ser revelado. O autor observa conclusivamente que se deveria focalizar o comportamento desviado como um tipo d(>
conduta desaprovado por uns e valorizado por outros, procurando abordar assim
ambas as perspectivas, embora sublinhe que isto não constitui tarefa fácil.
A última edição acrescenta mais um capítulo no qual o autor faz algumas
reconsiderações a propósito da chamada labelling theory e responde a algumas
críticas anteriormente recebidas.
Recomendamos esta excelente publicação às pessoas que não pretendem manter
uma vi;;ão tradicional e irreal deste tema.
Yolanda Gatão
142
REVISTA DE DIREITO PENAL -
RESENHA BIBLIOGRÁFICA
17/18
143
Heinz Müller Diet2< (ed.) Strafrechtsdogmatik und Kriminalpolitik, Ca,rl
Heymanns Verlag, Colônia, Berlim, Bonn e Munique, 1971, 190 págs.
Günter Stratenwerth, Sch'weizerisches Strafrecht, Besonderer Teil I, Straftatengegen individualinteressen Verlag Stãmpfli, ~na, 1972, 298 págs.; II, 1974,
675 págs.
Este pequeno volume reúne uma série de cinco pequenas monografias elaboradas por jovens e excelentes juristas, preocupados com a esterilidade da
Dogmática Jurídica tradicional. Ê bem a linha vigorosa iniciada por alf,"Uns
dos grandes nomes da ciência penal alemã da atualidade que buscam aquela
"abertura ;para a realidade" (Durchbruch zur Wirklichkeit) de que falava
Wurtenberger na sua bem conhecida obra traduzida para o italiano € o espanhol
(Die geistiue Situation der deutschen Strafrechtswissenschaft). Busca-se, em
suma, uma aproximação entre a Dogmática Jurídico-Penal e a Política Criminal,
com a convicção de que há problemas que não podem ser resolvidos com a lógica
do sistema, ou seja, com o "automatismo dos conceitos" (Jescheck), exigindo
uma "correção valora tiva" (Roxin).
Este volume enfeixa trabalhos de Harro Otto (Tipo de delito e conceito de
bem jurídico); Diethelm Kienapfel (As formas da autoria unitária); Ernst-Joachim Lampe (A tutel.a do patrimônio no futuro Direito Penal); Heinz-MüIler
Dietz (Ciências Sociais e Dogmática Jurídico-Penal) e Detlef Krauss (O princípio
da presunção de inocência no processo penal).
O conceito de bem jurídico tem sido o ponto central da técnica de formulação
dos tipos nos sistemas jurídicos dos Estados de direito, pela sua relevância na
determinação dos limites da punibilidade. Harro Otto, no entanto, explora as
correlações entre as premissas~extra e prejurídicas, detendo-se no exame da
realidade social com respeito à função de tutela de valores que realiza o Direito
Penal.
A dogmática da autoria e da participação sempre foi uma das mais difíceis
questões da ciência penal alemã, justificando o desencanto de Jescheck .quando
em seu Tratato chega a dizer que a diferença entre autoria e: participação, na
prática, depende do juiz (Lehrbuch, 2.a ed., pág. 494). Kienapfel estuda longamente o sistema unitário da legislação italiana, que adotamos no Brasil com bons
resultados. Em última análise .0 importante é ter presente as exigências da
Política Criminal no que tange à diversa categoria da culpa e do injusto em
relação a cada partícipe ou co-autor.
O artigo de Lampe, sobre os crimes contra o patrimônio, considera as
influências das relações sociais e econômicas, bem como as novas valorações
culturais nesta matéria.
MüIler-Dietz escreve talvez o mais interessante dos trabalhos da coletânea,
tomando, como se percebe, os problemas mais gerais, e, por isso mesmo,mais
difíceis, da interação do conhecimento empírico e da valoração normativa. Ê
aqui que devem ser examinadas as dificuldades metodológicas que põem em causa
a natureza do conhecim€nto jurídico, com soluções que continuam a ser, a nosso
ver, insatisfatórias.
O volume se encerra com um trabalho de natureza processual, sobre um
tema que entre nós adquire importância crescente, tendo em vista o caráter de
nossa legislação processual.
Já tivemos ocasião de comentar nestas páginas o belíssimo manual escrito
pelo autor (RDP 11/12, 88) que é, sem dúvida, um .dos mai~ repres~~tativos
mestres do Direito Penal alemão de nosso tempo. Segumdo antiga tradlçao, que
remonta a Binding, a Universidade da Basiléia o convidou a ocupar, ali, a cátedra
de Direito Penal, e a obra que ele vem de completar, sobre o direito suíço, de
certa forma constitui a justa retribuição do professor estrangeiro à cultura
jurídica do grande povo que o acolheu.
O aparecimento do CP suíço, em 1937, unificando o direito punitivo €m
vigor no país (que, até então, era distinto para cada um dos cantões) representou
importante acontecimento legislativo, fruto de longa elaboração, que se mlClara
com o famoso Projeto Stooss, em 1893, e que se arrastava deste 1916, na
revisão do novo projeto.
Com o novo Código surgiram importantes comentários, como o de Hafter,
Schweizerisches Strafrecht, que publicou o primeiro volume em 1937 e, o segundo,
em 1943; o de Thormann-Overbeck, Das Schweizeris'che Strafgesetzbuch, veio à
lu'Z em 1941 (em 2 volumes) e o de Paul Logoz, Commentaire du Code Pénal
Suisse, editado em 1939/1941, obras hoje esgotadas. Os comentários de Germann
(Kommentàr zum Súh'weizerischen Strafuesetzb1wh, 1953) ficaram inacabados,
depois de seu fundamental Das Verb?'echen in neuem Strafrecht, de 1942.
Esses comentários baseavam-se nos trabalhos monumentais das comissões
revisoras do projeto (Protokolle der 1. und2. Expertenkomission), de modo que
nel~s mal se refletia a influência enorme que a jurisprudência dos tribunais
e~erce sobre a legislação e que nenhum jurista pode desconhecer.
'Faltava, pois, algo de novo na ciência do Direito Penal suíço, e é isto que
nos dá a obra dei Straterrwerth, na qual ele revela as suas qualidades excepcionais
de professor. A matéria se apresenta com simplicidade, abandonando-se os velhos
critérios dos pesados (e geralmente inúteis) comentários e tendo-se presente, a
cada passo, a jurisprudência dos tribunais. A sistematização da parte especial
é feita com habilidade e correção, vencendo-se a natural dificuldade que a
questão apresenta.
O primeiro volume trata dos crimes contra os interesses do individuo (vida,
integridade e incolumidade pessoal, liberdade, honra, segredos e intimidade e
paÚimônio, inclusive bens imateriais e crimes falimentares). O segundo volume
trata dos crimes contra os interesses da coletividade. Aqui estão as infrações
penais contra a ordem dos costumes (moral pública e família), a ordem pública
(perigo comum, falsum em geral, paz pública) e os crimes contra o Estado,
inclusive a administração pública.
O primei~o volume ,é precedido de breve introdução sobre a problemática da
parte especial, explicando a classificação adotada. O estudo de cada figura de
delito é precedido de breve referência bibliográfica, atualizada e moderna...
Sem a menor dúvida é obra destinada a grande sucesso e permanente utIhdade
aos estudiosos.
R. C. F.
H. C. F.
144
REVISTA DE DIREITO PENAL -
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Nuevo Pensamiento Penal, Ano 2, n. 1, jan.-mar. 1973; n. 2, abril-jun. 1973; n.8,
jul.-set. 1973; n. 4, out.-dez. 1973, Editorial Astrea, Buenos Aires.
Registramos, em tempo oportuno, o aparecimento desta bela publicação (RDP
9/10, 80), numa resenha dos números correspondentes ao ano de 1972. Em 1973
a revista passou a ser trimestral, tendo sido publicados quatro números. Daí
por diante, infelizmente, suspendeu-se temporariamente a publicação, por motivos
não bem esclarecidos mas que estão ligados, sem dúvida, à grave crise universitária, política e econômica que atravessa a grande nação irmã.
O primeiro número apresenta três trabalhos doutrinários: Armin Kaufmann
escreve sobre a tipicidade e causalidade no processo Contergan (talidomida);
G~ Vassalli, sobre o consentimento do paciente e o estado de necessidade no
tratamento médico cirúrgico, e a excelente HUde Kaufmann, sobre a Criminologia
como crítica social. Neste número aparece também estudo de Roberto BergaIli
sobre os viciados em drogas, sob o aspecto sociológico e de política criminal, na
linha do fundamental enfoque que deram ao tema Becker e outros teóricos do
comportamento desviado.
N a parte relativa à legislação aparece notícia sobre a nova lei chilena que
amplia a suspensão condicional da pena, acompanhada de oportuno comentário
de Silvia P. Wasaff.
O segundo número (abril-junho) publica as contribuições argentinas ao XI
Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em Budapeste, cujas conclusões foram publicadas por esta revista (RDP 15/16, 81). Aqui estão excelentes
trabalhos sobre o primeiro tema do Congresso (" Evolução de métodos e meios
do DP") , escritos por Bacigalupo, Baigún, Bergalli e Gladys Romero). Sobre
o quarto tema do Congresso (" Apoderamento ilícito de aeronaves") publica-se a
comunicação do sempre seguro Enrique Ramos Mejía, presidente do grupo
argentino da AIDP.
Nesse volume há notícia das alterações legislativas introduzidas com o
governo constitucional de Campora, particularmente a lei de anistia e a revogação das leis penais que não foram emanadas do Congresso, e promulgadas por
decreto durante os governos militares. A respeito, David Baigún escreve uma
Interpretação desses novos diplomas legislativos.
O terceiro número (jul.-set.) inclui o trabalho escrito por Jescheck para a
coletânea em homenagem a Heinitz sobre as penas e m.s. no CP Tipo para a
América Latina, comparadas com o direito alemão, bem como a contribuição de
Bacigalupo ao colóquio realizado em 1973, em Santiago do Chile sobre pena e
culpa ("Acerca da personalidade e culpabilidade na medida da pena"), que já
divulgamos no Brasil (RDP 15/16, 34). Nesse volume aparece também estudo de
Ramos Mejía sobre o sistema de conseqüências penais no CP brasileiro que deveria
ter entrado em vigor em 1970 (sem levar em consideração as alterações introduzidas em 1973). O volume se encerra com bela nota de Marino BarbeI'o Santos,
in memoriam a Silvio Ranieri.
O último número (out.-dez. ) contém três notáveis artigos de doutrina. O
primeiro, de Claus Roxin, de quem já divulgamos importante trabalho nesta revista (RDP 11/12, 7), retomando, em homenagem a Radbruch, algumas das idéias
RESENHA BIBLIOGRAFICA
145
a que tem dedicado seu grande talento e sensibilidade jurídica ( " Notas sobre aI!
relações entre idéia e matéria do Direito na sistemática de nosso Direito Penal").
Já tivemos oportunidade de comentar as suas sugestões sobre a política criminal
e o sistema do Direito Penal, numa pequena obra valiosa (RDP 7/8, 104).
Ao trabalho de Roxin, seguem-se estudos de Francisco Munoz Conde (" Función de la norma pe11,al y reforma del Dcrccho Penal"), com lúcidas idéias sobre
a problemática do direito punitivo de nosso tempo, e de Francisco Bueno Arús,
sobre as associações contra a moral pública no Direito Penal espanhol. O volume
se completa com excelente trabalho dos Profs. Aquilino Polaino Lorente e Miguel
Polaino Navarrete sobre a vigente legislação espanhola sobre toxicomanias, que,
como em geral sucede com as vigentes leis sobre o assunto, carece de urgente
revisão e reforma.
Esperamos que volte a publicar-se brevemente El Nuevo Pensamiento Penal,
que surgiu e desde logo se firmou como uma das mais importantes revistas em
nossa especialidade. Como afirmou ao signatário desta resenha Enrique Bacigalupo,
a nova publicação não pretende revelar qual seja o novo pensamento penal, mas,
sim, buscá-lo permanentemente. Formulamos ardentes votos de que venha a
cumprir a tarefa a que se propôs.
H. C. F.
Robert Schmelck-Georges Picca, Penologie et Droit Penitentiaire, ed. Cujas, Paris,
s/d, 369 págs.
Os autores da obra em epígrafe possuem, a par de sólida formação teórica.
a valiosa contribuição da experiência. Robert Schmelck foi Diretor da administração Penitenciária do ministério da Justiça, e Georges Picca - magistrado
_ foi Diretor do Centro Nacional de Estudos e Pesquisas Penitenciárias.
Apesar de consistir também numa exposição do sistema instaurado em França
com o Código do Processo Penal de 1958, que é considerado "consagração legislativa" de "idéias novas" (pág. 8), o livro não se esgota aí, compreendendo
também reflexões oportunas sobre a própria essência do fenômeno penal, e o
exame do tratamento que mereceu das diversas correntes de pensamento que se
formaram a respeito.
A pena privativa de liberdade é objeto de exame minucioso, que consome toda
a segunda parte do livro (pág. 127 e segs.). Particular interesse poderia ter para
nós as informações concernentes ao "personnel de surveillance". cujas funções
estão estabelecidas por um decreto de 21.11.1966. Tais funcionários, cujo número
atual orça em torno de 8.000, são encarregados de manter a ordem e disciplina
nos estabelecimentos penais, e controlar o trabalho obrigatório. Ao lado de tais
funcionários, temos os éducateurs, cujas funções estão estabelecidas pelo mesmo
decreto de 21.11. 1966, e "déchargées de toute charge administra tive et de tout
rôle de surveillance" (pág. 158). Sua missão é observar os internos que lhe são
confiados, a fim de melhor conhecê-los e conhecer seus problemas ("les divers
facfJeurs personnels qui ont pu les conduire à la délinquance").
No Brasil, temos a polícia militar.
Nilo Batista
146
REVISTA DE DIREITO. PENAL -
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M. Cherif Bassiouni, International Terrorism und Political Crimes, Charles C.
Thomas Publisher, Springfield, 1975, 594 págs.
A coletânea organizada pelo excelente Cherif Bassiouni, que tanto se tem
destacado no campo do Direito Penal Internacional, é composta, basicamente, com
estudos e relatórios apresentados ao III Simpósio Internacional, patrocinado pelo
malogrado Instituto Internacional de Altos Estudos de Ciências Criminais, que
em Siracusa organizou e dirigiu a Associação Internacional de Direito Penal.
Tal Simpósio realizou-se no período de 4 a 16 de junho de 1973, tendo reunido
um conjunto notável de especialistas de renome internacional, de 22 países. Ao
final foi elaborado documento de conclusões e recomendações, que constitui lúcida
análise dos graves problemas que o terrorismo em geral apresenta, como alarmante
forma da criminalidade violenta de nosso tempo.
Afirma-se que os Estados têm sido incapazes de fazer valer e observar os
direitos humanos, hoje proclamados por numerosos documentos internacionais, e
que o desrespeito aos direitos humanos praticados pelos Estados e seus agentes
constituem um dos fatores que geram o terrorismo individual. Por outro lado,
é paradoxal que os atos de terrorismo, muitas vezes praticados sob pretexto de
que perseguem os que violam direitos humanos, atingem, por seu turno, as
liberdades fundamentais, propriedade e pessoas que nada têm a ver com a alegada
violação de direitos humanos.
É necessário distinguir entre a legítima resistência à opressão por parte dos
governantes e a prática indiscriminada do terrorismo. O recurso à violência por
parte de indivíduos e grupos que se empenham em guerras de libertação nacional
é legitimo, sempre que esteja nos limites do direito internacional, que reconhece
tais atividades. É somente quando tais atos de violência são cometidos indiscriminadamente, desproporcionadamente, dirigindo-se contra fins internacionalmente
protegidos, que passam a constituir terrorismo.
Não há diferença entre o terrorismo individual e o terrorismo praticado por
agentes do Estado. o.s atos cometidos por estes últimos, sujeitam tais pessoas à
mesma responsabilidade criminal, sem o benefício do princípio de ato da autoridade pública ou da defesa baseada na obediência hierárquica ou das imunidades
internacionais, acaso aplicáveis.
A definição de terrorismo envolve dois elementos: o primeiro é o da existência, na ação terrorista de um elemento internacional (agente ou vítima cidadãos
de outro país ou ação praticada, no todo ou em parte, em mais de .um Estado). o.
segundo elemento é o da ofensa a bens internacionalmente protegidos sendo a
violência destinada a produzir resultados orientados ao poder, ou seja, destinados
a mudar ou preservar as estruturas ou a orientação política, social ou econômica
por meio de estratégias coercitivas. São bens internacionalmente protegidos: 1 _.
civis inocentes; 2 - diplomatas acreditados ou pessoal de organização internacionais no exercício de suas funções; 3 - a aviação civil internacional; 4
membros de
os correios e outros meios de comunicação internacionais; 5 forças armadas não beligerantes.
As conclusões focalizam também, em sua parte especial, certas áreas específicas, como o terrorismo e os meios de comunicação; o terrorismo em conflitos
RESENHÁ BIBLIOGRÁFICA
147
armados' o terrorismo e as guerras de libertação nacional; o apoderamento e o
desvio d~ aeronaves; o seqüestro de diplomatas e outras pessoas; a criação de
um tribunal criminal internacional; a jurisdição e a extradição; o tratamento
dos criminosos políticos e dos detidos não delinqüentes; o terrorismo e os direitos
humanos e, finalmente, a educação e a informação.
Os diversos estudos que o volume contém estão divididos em capítulos que
obedecem aproximadamente ao sistema das conclusões. o. primeiro, no entanto,
refere-se' às perspectivas sobre as origens e as causas do terrorismo, analisadas
sob aspectos psicológicos, psiquiátricos, sociológicos e filosóficos, bem como da
comunicação de massas. Aqui estarão, provavelmente, os mais interessantes trabalhos deste volume. A este capítulo seguem-se também alguns estudos notáveis
sobre as guerras de libertação nacional, que apresentam problemas jurídicos até
hoje em aberto.
Trata-se, como se percebe, de obra extremamente importante, focalizando de
Íc.rma atual e bem informada um tema sobre o qual a literatura é escassa e que
está hoje desafiando os juristas por constituir um dos mais gmves e difíceis
fenômenos da criminalidade contemporânea.
H. C. F.
Délio Magalhães, Causas de Exclusão de Crime, São Paulo, 1975, ed. Saraiva,
319 págs.
,
Temos lançada a segunda edição do livro do catedrático da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Espírito Santo.
'Desde logo, é de notar-se que o trabalho é a mais alutada abordagem das
justificativas do estrito cumprimento do dever legal e _dO exercício regular ~e
direito da literatura jurídico-penal brasileira. À colocaçao dos problemas gerals
da matéria, segue-se exame de questões particulares, que ainda hoje dividem a
doutrina (lesões e morte no esporte, pág. 207 e segs.; intervenções médico-cirúrgicas,
pág. 169 e segs.; offendicula, pág. 57 e segs.).
O A. examina igualmente o consentimento do ofendido (que prefere chamar
de consentimento "do interessado" - pág. 141) - matéria que entre nós só foi
versada mais extensamente por Rosa Oiticica (O Consentimento do Titular do
Direito Disponível, Maceió, 1961).
Sem embargo de divergências ocasionais (por exemplo, quanto às restrições
que faz o A. sobre a adoção pelo CP 1969 da teoria diferenciadora, en: tema de
estado de necessidade - pág. 44 - e quanto à maioria de suas colocaçoes a respeito de uma legítima defesa da pátria - pág. 247 e segs.), não temos dÚ~,d~S
em recomendar aos estudiosos o livro do Prof. Délio Magalhães, como reposItorlO
de seguros ensinamentos, e úteis indicações.
O volume é enriquecido por um Apêndice, contendo dois trabalhos ("Sistema
·Pellal Brasileiro e não Toscano", pág. 283 e segs.; "A Tentativa e o Atentado",
pág. 293 e segs.).
Nilo Batista
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REVISTA DE DIREITO PENAL -
RESENHA. BIBLIOGRÁFICA
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Azevedo Franceschini, José Luiz Vicente de, JU1'isprudência do Tribunal de
Alçada Criminal de São Paulo, São Paulo, 1975, ed. Liv. Ed. Universitária de
Direito, 668 págs.
O trabalho em epígrafe consiste em esplêndida coletânea de decisões a
respeito de matéria criminal, decisões criteriosamente selecionadas pela experiência e sensibilidade do Prof. Azevedo Franceschini.
Como o A. observa na introdução, os julgados, em sua maioria, vêm seguidos da indicação de "rolo" e flash nos quais se encontram microfilmados, na
Secretaria do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. A partir de tal indicação, poderão os interessados obter o inteiro teor das decisões.
A consulta é facilitada pela disposição em ordem alfabética da matéria.
Este primeiro volume abrange das letras "A" a "D", iniciando-se com a rubrica
"abandono de incapaz" (pág. 1) e encerrando-se com "duplicata simulada"
(pág. 663).
A seleção de julgados não se limita em referir-se aos delitos previstos no
C-ódigo (p. ex., crimes de imprensa, pág. 469 e segs.), e é realmente primorosa
quanto à relevância das questões neles examinadas.
Algumas notas do A., logo após a transcrição dos textos legais que serão
objeto das decisões, procuram esclarecer, com brevidade e clareza, alterações
introduzidas na disciplina pelo CP 1969, ou por outros textos, em observações
oportunas e úteis.
Excelente trabalho, que aumenta nosso débito para com o professor paulista.
Nilo Batista
Carlos S. de Barros Júnior, Do Poder Disciplinar na Adminlstmção Pública,
Ed. Rev. dos Tribs., São Paulo, 1972, 222 págs.
Excelente trabalho, escrito por quem domina amplamente a matéria e dela
dá informação exata completa. O autor é professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP e Procurador-geral da Fazenda,
junto ao Tribunal de Contas de São Paulo, sendo conhecido especialista em
Direito Administrativo.
JIOS
A disciplina na Administração Pública constitui tema difícil, apresentando
inúmeras controvérsias e diversos graves problemas na doutrina e na jurisprudência dos tribunais. O autor estuda a natureza jurídica e o fundamento do
poder disciplinar, a falta disciplinar, as penas disciplinares e () processo disciplinar, com lúcidas e corretísslmas conclusões quanto ao contraste jurisdicional
da deci",ão disciplinar, matéria tantas vezes levada aos advogados criminais.
Entende, quanto a este ponto, que é acertado o critério de permitir-se uma apreciação limitada e prudente do processo administrati.vo, por parte da autoridade
judicial. Nesse exame devem os tribunais verificar se não ocorreu abuso d.e
poder, perseguição ao funcionário, incoerência entre o que ficou apurado e a
pena aplicada, porque só na ocorrência de tais circunstâncias será legítima a
sua intervenção. Pela via do mandado de segurança, no entanto, a apreciação
judicial restringe-se à incompetência ou inobservância de formalidade essencial.
Não hesitamos em recomendar a obra, que não pode faltar na estante dos
estudiosos do Direito Penal.
H. C. F.
Paulo R. Pinheiro Torres, Noções de Di-reito Penal, Rio de Janeiro, Liber Juris,
1973, 251 págs.
O livro refere-se a matérias da Parte Geral do Direito Penal, e resultou,
conforme esclarece o autor, de compilação de aulas gravadas por alunos.
Os vários institutos da Parte Geral figuram na obra sem grande preocupação
sistemática. Carece o trabalho de uma orientação doutrinária segura e moderna
e de informações essenciais da dogmática penal.
A teoria geral do delito é estudada de forma ligeiríssima não merecendo,
os elementos do crime, estudo individualizado, exceção feita à culpabilidade.
. Porém, mesmo esta é entendida da maneira clássica, seguindo o autor a
teoria psicológica pura, ocupando-se apenas do aspecto da vinculação psíquica
entre o agente e o resultado. Dolo e culpa são formas de culpabilidade.
Não é encontrada alusão a teorias normativas, e nem mesmo uma simples
referência ao lado da exigibilidade, elemento. que compõe usualmente conceitos
normativos de culpabilidade encontrados em manuais brasileiros de uso corrente.
A teoria do tipo, e assim a tipicidade como elemento do delito, não é estudada, a mesma sorte merecendo a teoria da ação, apesar da fundamental importv,nda do exame dessas matérias para a teoria do delito contem.porânea.
Por outro lado, os denominados elementos negativos do delito não são agrupados de forma lógica seguindo o autor, para seu estudo, a ordem na qual aparecem as várias figuras, no Código Penal.
Aspecto positivo do trabalho é, a sua vez, a preocupação do autor em se
utilizar de exemplos simples, a cada passo, para ilustrar as idéias fundamentais
do texto, bem como os conceitos. Porem, a conceituação das matérias é, de modo
geral, deficiente o que praticamente anula uma tal iniciativa de inquestionável
valor didático.
Impõe-se, por esses motivos, realize o autor uma revisão completa do trabalho, dando-lhe sistematização atualizada e enriquecendo-a de conceitos e colocações mais completas.
A vocação didática de uma publicação não está na superficialidade de suas
informações, mas reside na virtude de apresentar de maneira clara, simples e
precisa a matéria geralmente encontrada em forma pouco acessível, nos tratados.
G. A. P.
Armida Bergamini Miotto, Curso de Direito Penitenciário, Saraiva, São Paulo,
1975, 2 vols., 800 págs.
A Autora nos adverte de que "ainda não há perfeita definição dos contornos do Direito Penitenciário, o que só ocorrerá parelho com maior evolução, como
150
REVISTA DE DIREITO. PENAL -
17/18
"amadurecimento" desse novo ramo jurídico, amadurecimento esse que se cris~
talizará na codificação" (pág. 41).
Um seguro passo no sentido desse amadurecimento estará dado pela divul~
gação desse excelente Curso de Direito Penitenciário.
Ao contrário do que costuma suceder, o livro não foi imaginado como
Curso e realizado como Tratado, ou vice~versa: temos um livro que se pretende,
fundamental e decididamente, didático. E isso, não só pelos compromissos de
natureza didática que assume (há um plano de curso, com objetivos, finalidades
c programa, pág. 3 e segs.; os capítulos são chamados "pontos" etc.) como pela
própria forma de exposição adotada, que se caracteriza pela simplicidade e objeti~
vidade.
Esta simplicidade não se converte, em nenhum momento, em simplismo: as
questões fundamentais são abordadas, e o livro é rico em informações oriun~
das de encontros e congressos internacionais (a A. adota a defini.ção de Direito
Penitenciário alcançada pelo III Congresso Internacional de Direito Penal, rea~
lizado em Palermo, em 1933, pág. 38). Muito oportuna é a distinção entre Peno~
logia e Penitenciarismo, de que se ocupa um capítulo (pág. 43).
'Trata-se de livro utilíssimo, que se recomenda aos estudiosos em geral" e
em particular àqueles que direta ou indiretamente se relacionam com a administração penitenciária. Sem formação, ou seja, sem aquilo que poderia ser
chamado de uma "filosofia penitenciarista", a prática estará fadada a ser
um entrelaçamento de medidas incompatíveis e destoantes, ao sabor de oportuuidades emergentes. Nesse terreno, caridade costuma não bastar.
Nilo Batista
Roberto Lyra, Como julgar, como defender, como acusar, José Konfino Editor,
Rio de Janeiro, 1975, 138 págs.
Este é o segundo volume da série denominada "Coleção Novo Direito Penal ",
anunciada pelo mestre com o seu Direito Penal Científico (Criminologia), edita~
do em 1974 (RDP 13/14, 106). o. A. adverte que a matéria deste livro será
desenvolvida nos livros Contribuição paJ"a a história anedótica e polêmica do
0
0
D'ireito e da Justiça e Dicionário de Direito Penal e Disciplinas Afins (5. e 6.
vols.) .
Diversamente do que sugere o título da obra, não se trata de um desses
chamados livros de prática ou de Direito Penal prático, em geral pessimamente
elaborados e com graves erros. Inspirado por seu grande talento e sua larga
experiência, o Prof. :Üyra formula uma série de reflexões sobre os deveres e os
poderes do juiz. Adverte que a justiça, em regra, castiga pobres e miseráveis,
ainda mais desgraçados pelos exemplos de ricos. Nesse mesmo sentido lembra"a-nos recentemente Novoa Monreal (El Derecho como obstáculo al cambio social)
de que o Direito punitivo é, realment~ um direito dos, pobres, não porque os pro~
tege e tutela, mas sim porque sobre eles faz recair sua força e seu rigor.
Com expressões vigorosas, afirma o Prof. Lyra que a integração do juiz
no seu verdadeiro papel não resulta somente do sistema de garantias, mas, sobré-
RESENHA BIBLIo.GRÁFICA
151
tudo, da independência e111 relação a si mesmo. Como responsável pelo julgamento, o juiz precisa de segurança moral e não somente de irredutibilidade de
vencimentos e de inamovibilidade.
"o. julgamento não é um ato de ciência, mas de consciência. o. juiz deve
pensár e, sobretudo, sentir a causa, para assegurar, propiciar, acompanhar o
futuro do condenado ". Não pode ser juiz criminal aquele a que falte sensibilidade
para os momentos dramáticos da existência, pois são estes que o processo penal
proporciona. "As dificuldades do juiz, em matéria penal, não são dogmáticas ou
exegéticas, salvo inércia. o. que preocupa e inquieta ao magistrado de fundo' é a
responsabilidade de deliberar sobre o destino de um semelhante". "o.s magistra~
dos neófitos, os mais bisonhos e inexperientes, adquirem logo o terrível poder
de mudar tudo na vida de seus semelhantes".
Advertindo contra os excessos da jurisprudência e da doutrina, que entende
SE'r crítica e reforma (?), ensina que o Direito Penal precisa menos de ciência
do que de consciência, mormente consciência social. "o. jurista não é formado,
juramentado, treinado, doutorado para o sobrevôo desdenhoso de supremas
injustiças e ilegalidades".
Como se percebe, coloca-se aqui o grave problema da aplicação da lei com
a frieza íntima do magistrado que, praticando injustiça, imputa-a ao legislador.
Falando de "arte e técnica dos defensores", o Prof. Lyra traça o perfil de
antigos advogados, sobretudo do júri de seu tempo, falando apenas dos mortos.
Discorre longamente e com simpatia sobre Cândido Mendes de Almeida, Evaristo
de Morais, Mário Bulhões Pedreira, João da Costa Pinto, entre outros. Não se
refere, senão de passagem a Evandro Lins e Silva, "nosso maior advogado cri~
minaI".
o. que nessa passagem aparece é um conjunto de reminiscências, que se lê
com prazer, de uma época que não conhecemos e que certamente desapareceu.
Naqueles tempos, a grande advocacia criminal era a do Júri, que mobilizava a
atenção geral. Hoje' as coisas mudaram. Não só a grande advocacia criminal não
está mais no Júri, como este vem sofrendo lOnga e contínua decadência, último
reduto de um certo estilo de oratória forense, que se transfOrma;
Reproduz o A. o Código de Ética Profissional, mas teria sido útil se se
4~tivesse nos problemas éticos que a cada passo apresenta a corrup,ção policial
e a violência das autoridades, que constituem o tormento permanente dos advogados, com a autêntica mistificação da justiça que comum ente é o inquérito
policial.
Sempre lembrando casos de seu tempo de promotor, o mestre fala de erro
de técnica na acusação e de "erro de ética" na acusação, para depois referir-se
à correção e a conciliação de tais erros.
Faz a sua "penitência de um promotor público",mencionando casos em que
pôs o seu talento a serviço da acusação, obtendo condenações. Este é um dos
aspectos mais delicados da justiça criminal, que se desenvolve como um combate
judiciário onde está em jogo muitas vezes a vaidade pessoal do promotor e não
os interesses da justiça.
É curioso observar, principalmente entre os representantes do MP mais anti~
gos, hoje funcionando nos tribunais, a fúria acusatória que pOl' vezes põem na
152
REVISTA DE DIREITO PENAL -
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RESENHA· BIBLIOGRÁFICA
persegmçao de inocentes e a tergiversação que fazem da prova duvidosa, para
obter a condenação a todo custo.
O MP é uma instituição em crise pela multiplicidade de funções que lhe
são atribuídas e pela virtual incapacidade de desempenhá-las todas. Chega a ser
ridículo contemplar certas acusações furiosas e desonestas (abandonando a prova
dos autos) feitas "em nome da sociedade".
É justo registrar que entre os promotores mais jovens, funcionando em primeira instância, no Rio de Janeiro, temos encontrado uma nova mentalidade,
maior capacidade de compreensão e desejo de atender a situações que exigem
sensibilidade e respeito humano. Roberto Lyra fala de "acusadores exemplares"
referindo-se a Galdino Siqueira e a Marcelo Heitor de Souza.
Traz, ainda, o livro vários trechos de acusações e de arrazoados, bem como
passagens sobre a prova penal (sempre com a narração de casos), terminando
.com várias notas, valiosas, sobre a oratória forense, em que o autor foi, sem a
menor dúvida, um dos maiores.
Como tudo o que escreve mestre Roberto Lyra, este livro é mal'cado pela
contribuição original e pelo talento que o coloca como figura singular na literatura jurídica de nosso país.
H. C. F.
Roger Hood - Richard Sparks, Problemas clave en criminologia, Madrid, Ediciones Guadarrama, 1970, 256 págs.
Os autores - Diretores adjuntos de Investigação do Instituto de Criminologia, Universidade de Cambridge - basearam-se no uso adequado de estudos
criminológicos e em estatísticas, adotando, tão-somente, o enfoque empírico como
método de alcance às conclusões científicas.
O livro é um estudo de oito pontos cruciais da criminologia: proporção de
delinqüentes ocultos; delinqüentes oficiais e delinqüentes ocultos; delinqüentes subcultural e em bando; classificação dos crimes e dos criminosos; introdução ao
processo de sentença; eficácia dos castigos e tratamentos; influência mútua
entre o tipo de tratamento e o tipo de delinqüente; o efeito da pena de prisão.
As obras citadas e os gráficos foram escolhidos entre fontes americanas,
britânicas e escandinavas, elaboradas dentro da mesma orientação empírica.
Os autores, como salientaram na introdução, trataram de resumir toda a
investigação de valor levada a cabo sobre os pontos eleitos como chaves na
criminologia.
Os primeiros capítulos estão dedicados ao cálculo da delinqüência oculta e
à comparação entre a delinüência oficial e a real.
Os resultados obtidos com a pesquisa da criminalidade oculta são de extrema
importância para a teoria criminológica, cujos dogmas atualmente estabelecidos
viram-se desafiados.
Um fator importante da deliÍlqüência, como relataram, citando a obra de
H. Becker, é o fato de considerar-se e definir-se qualquer falta como algo especificam:ente criminal, em lugar de vê-la, por exemplo, como ousadia, indisciplina,
sintoma de enfermidade mental ou compreensível rebeldia de adolescente.
153
Na Inglaterra, 15 a 25% dos crimes cometidos são registrados oficialmente.
Nos delitos sexuais, segundo Radzinowicz, é impossível, sequer o cálculo
aproximado dos realmente praticados.
Antes da Lei de 1938, que regulou o aborto ilegal na Inglaterra, somente
250 casos, dos 50.000 a 100.000 cometidos na realidade, foram descobertos.
As investigações sobre os delitos contra estabelecimentos comerciais, procedidas pela "Comissão do Presidente" (EUA), concluíram que a maioria dos
comerciantes considera a intervenção da polícia desvantajosa e preferem um
tratamento menos formal e jurídico do caso.
Nos casos de cheques falsos chegou-se à mesma conclusão.
Não obstante os novos rumos da criminologia, aspirando o foro de uma
ciência autêntica, independente dos conceitos da dogmática criminal (v. Os
rumos da Criminologia, João Mestieri, RDP 6), o livro conduz o leitor a tentações invencíveis de críticas a institutos de Direito Criminal, das quais se abstiveram os autores.
Assim, as conclusões de estudos dos efeitos da prisão, através da pesquisa
empírica, contrapõem-se aos tradicionais defensores da justeza da pena de prisão para os infratores das leis penais.
A teoria absoluta de Kant e Hegel, onde imposições de ordem moral e
ética compõem o caráter retributivo e aflitivo da pena, como exigência absoluta
de justiça, vê-se ainda presente na atualidade.
O "justo e proporcionado" castigo deixou de ser uma concepção imposta
impunemente, para ser, definitivamente, medida, pesada, comparada e testada
pelo empirismo dos criminólogos modernos, os quais constataram as conseqüências
perenemente nocivas da prisão.
Deixando-se de lado Durkheim - citado e comentado - que expôs os contornos do caráter vingativo da pena, pode-se fazer a seguinte avaliação: - A pena
retributiva imposta exaure-se no momento do término da sua execução. É' mister,
a partir daí, comparar o mal causado pelo delito e o mal deixado pela prisão
para ser o caráter retributivo da pena de prisão coerente com a idéia de jugtiça
preconizada.
Dentro desta perspectiva, o trabalho de Roger Hood e Richard Sparks l'onstitui obra essencial na literatura especializada.
O livro no capítulo "efeito da pena de prisão" contém conclusões da seguinte validade: "... Pode-se dizer, inclusive, se nenhum outro dos fatores da
cultura da prisão alteram a personalidade do recluso que permaneceu muitos anos
nela, a influência destes fatores universais é bastante para converter um
homem em características da comunidade penal e destruir sua personalidade até
tal ponto que um ajuste feliz em qualquer outra comunidade resultaria pouco
menos que impossível".
A destruição da personalidade do preso não é, evidentemente, o que se
almeja com a punição, que leva, no entanto, o castigo muito além da retribuição
proporcional ao delito. Esta conseqüência constitui então uma plus desproporcionalizante.
A investigação sobre prevenção geral, abordada com precisão, considerou
várias distinções entre as diferentes classes de crimes e delinqüentes em poten-
1 1
n
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1 .., , 1 0
154
REVISTA DE DIREITO PENAL -
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ciaI. Aqui, a teoria relativa ou finalista, que justifica a pena com o Juízo de
exemplaridade, viu-se, nos moldes vigentes, por sua vez, testada.
Como acentuaram os autores, não só a coação psicológica, exercida pela
cominação penal, no sentido de obediência à norma, vem a ser o único aspecto
questionável da prevenção geral.
Tanto os sociólogos como os juristas sustentam, freqüentemente, terem as
sentenças penais um efeito preventivo geral ao afirmarem os valores sociais e
consolidar o que Durkeim chamou de "consciência comum", diminuindo, ao mesmo
tempo, o medo ao criar uma atmosfera de segurança na comunidade.
Na prática não foi possível comprovar a hipótese de Durkeim - a função
primeira do castigo é confirmar os valores da "gente decente" - em crimes
"ordinários", como por exemplo, o roubo.
Realmente, não existe uniformidade em matéria de crime e delinqüentes, pois
delitos como assassinatos e assaltos, que são, de um modo geral, nos países pesquisados, tipicamente impulsivos, ocasionados por distúrbios ou tensões emocionais, assim como outros delitos, como incesto, os quais têm o estigma da reprovação moral foram considerados menos suscetíveis de dissuasão do que as transgressões do código de circulação, os regulamentos mercantis e aqueles planejados
racional e premeditadamente contra a propriedade.
As indagações sobre prevenção individual trouxeram problemas de ordem
metodológica aos pesquisadores, como são as definições de êxito e fracasso e a
duração apropriada para o período de prova.
Mas, constataram existência, afortunadamente, de evidência empírica de
grande utilidade na prevenção individual. Vários estudos de Mannheing, Wilkins,
Meclitock, do "Comitê Criminológico do Presidente", citados no livro, demonstraram ser a reincidência mais efetiva dentro dos cinco anos que seguem a sentença
anterior.
Ressalvando as dificuldades que enfrentam os investigadores deste campo,
e citando dezenas de outros trabalhos que chegaram às mesmas conclusões, o
livro afirma a evidência das seguintes generalizações:
1 - A liberdade vigiada pode ser tão eficaz como o internamento para
evitar a reincidência.
Babst e Mannheing analisaram 5.724 delinqüentes masculinos em Wisconsin e
compararam os índices de reincidência, em um período de dois anos, dos submetidos à liberdade vigiada e daqueles condenados à pena de prisão e postos em
liberdade condicional. Quando o tipo de delito, experiência criminal e estado
civil (fatores de maior peso para a predição de reincidência) eram constantes,
observava-se que a eficácia da liberdade vigiada, no que se refere à reincidência,
era igual r à pena de prisão, e nos casos de delinqüentes presos pela primeira vez
era inclusive maior.
2 - O descobrimento mais importante do estudo de Hammond é que as
multas e a decisão de não castigar são muito mais eficazes do que a liberdade
vigiada ou a prisão, tanto em reincidentes como em delinqüentes presos pela
primeira vez, em todas as idades.
3 - Um período maior de prisão não é mais eficaz para prevenir a reincidência do que um curto. Os efeitos da pena de prisão estão condicionados deta-
155
RESENItA BIBLIOGRÁFICA
lhadamente. Este capítulo aborda, sem dúvida, matéria - de imp'ortância ímpar
na criminologia.
Todos os outros capítulos mantêm o mesmo ritmo de informações e a mesma
qualidade de comentários e observações.
O livro foi l'edigido com uma técnica expositiva precisa e ampla, onde a
condensação e objetividade permitiram a abordagem de toda a universalidade
da criminologia, o que faz deste compêndio uma obra obrigatória nas estantes
dos estudiosos.
A1'thur Lavigne
Olga Kogan Rosenblüt .- Jaime Figueroa Araya, El DelitO' TributariO', Santiago,
Chile, s/d, 217 págs.
Domingo Garcia Rada, El DelitO' TributariO', Lima, 1975, 366 págs.
A literatura técnica sobre o Direito Penal Fiscal é enriquecida, nesta parte
do mundo, com o aparecimento dessas duas obras, que parecem constituir edições
dos próprios autores. Quem conhece as dificuldades terríveis por que atravessa o
mercado de livros no Chile e no Pel;u não se surpreende com o fato.
São, ambas, obras sem maiores ambições, cumprindo, no entanto, com suas
finalidades exegéticas e informativas sobre o Direito Penal Tributário desses
países.
Rosenblüt e Araya são (ou, provavelmente, foram) funcionários do Departamento de Investigação de delitos tributários, do serviço de impostos internos,
no Chile.
Após brevíssima introdução, estudam as características do delito tributário,
partindo da estrutura geral da teoria (clássica) do crime, examinando destacadamente as questões mais difíceis da responsabilidade penal, da autoria e da
participação.
Em seguida, os autores estudam os diversos delitos contemplados no Código
Tributário, bem como as sanções e o processo.
Domingo Garcia Rada é nome bem conhecido dos penalistas da América.
Trata-se de antigo magistrado, ex-Presidente da Corte Suprema do Peru, atualmente professor principal e chefe do Departamento de 'Direillo Público no
programa acadêmico de direito da tradicional Universidade de San Marcos. Foi
catedrático e Decano na ex-Faculdade de Direito da Universidade Católica, e a
ele se devem várias obras jurídicas, entre as quais InstituciO'nes de DerechO'
PrO'c6sal Penal (1965); Manual de DerechO' PrO'cesal Penal (em quarta edição,
1975) e Sociedad Anónima y DelitIJ (1972).
Divide-se a obra em duas partes: na primeira, estuda o autor o fenômeno
financeiro' o direito financeiro, o poder tributário, a obrigação tributária e o
tributo. O~upa-se, em seguida, do Direito Penal Financeiro; o ilícito administra.tivo e tributário, o delito financeiro, as sanções e a responsabilidade. pena:" A
primeira parte conclui com o estudo das contravenções e do delito trIbutárIO.
156
REVISTA DE:!:>ntEITo. PENAL -
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157
RESENHA BIBLIOGRÁFICA
Na segunda parte, o autor estuda exaustivamente cada figura de delito
prevista no Código Tributário, com ampla informação doutrinária e jurisprudenciaI.
G. A. P.
Aníbal Bruno, Crimes contm a Pessoa, Rio de Janeiro, 1975, Editora Rio, 434 pâgs.
Surge a terceira edição, revista, deste Crimes contra a Pessoa, do Mestre
Aníbal Bruno, obra em que estão presentes o rigor científico, a contenção e
clareza que caracterizam todos os seus trabalhos.
o. volume principia por uma exposição em torno daquilo que se convencionou
chamar de parte geral da Parte Especial, com uma apreciação sucinta porém
segura do conceito de bem jurídico (pág. 34) e do que poderia ser uma teoria
geral dos tipos penais (pág. 42 e segs.), com especial referência ao problema de
sua classificação (pág. 49).
Temos, em seguida, o exame dos crimes contra a pessoa, observando o
volume a mesma seqüência do Código Penal de 1964.
o. estudo dos crimes contra a vida é enriquecido pela formação do A. (Aníbal Bruno graduou-se em Medicina, após concluído seu curso de Direito, e fez-se livre-docente da Faculdade de Medicina do Recife; sua tese foi "Contribuição
ao Estudo da Fisiopatologia Constitucional"). Esta formação lhe permite discorrer com invulgar desenvoltura acerca de certos temas pertinentes aos crimes
contra a vida, temas esses próximos e não raro dependentes de soluções médico-legais.
o. estudo do homicídio cumpre mais uma vez o seu papel histórico de estimulante à colocação de questões gerais, e o capítulo a ele referente contém
anotações que examinam sua justificação (pág. 89 e segs.), exculpação (pág. 96 c
segs.) e ainda outros problemas, como o do erro acidental (pág. 98), concurso de
agentes em crime culposo (pág. 117) etc. Discordamos, com o maior respeito, de
nosso Mestre, na consideração que faz da aleivosia como "meio" (pág. 82) e
não como modo de execução, bem como da conceituação por ele oferecida de
"traição" (pág. 83), a propósito do que já expendemos opinião (cf. RDP 11/104).
o. problema da morte em intervenções cirúrgicas e jogos esportivos é pelo A. resolvido com recurso à teoria do risco permitido (pág. 94).
No que diz respeito ao crime de participação em suicídio, o A. se filia à
consideração de que o resultado morte ou lesões corporais graves funciona como
condição objetiva de punibilidade (pág. 143). Com relação ao infanticídio, não
admite de forma alguma a possibilidade de participação no delito, sem expressa
declaração legal (pág. 152).
O crime de perigo para a vida ou a saúde (pág. 213 e segs.) e os crimes
contra honra (pág. 265 e segs.) são, igualmente, objeto de atenta apreciação, o
mesmo ocorrendo com os crimes contra a liberdade individual (pág. 337 e segs.).
Como toda a obra de Aníbal Bruno, é esse livro indispensável aos estudiosos
de Direito Penal.
Nilo Batista
Heleno Cláudio Fragoso, Primeiras Linhas sobre o Di1'eito Penal e o Processo
Penal, Rio, 1974, 60 págs.
O trabalho em epígrafe constitui o terceiro volume da série Cadernos do
Instituto de Ciências Penais, cuja primeira publicação foi a Teoria da Lei Penal,
de Aníbal Bruno e Nilo Batista. A segunda - ESCQ1'ço Hist6rico de Direito
C1'iminal Luso-Brasileiro, de Augusto Thompson, encontra-se no prelo. A série
tem finalidade pedagógica, destinando-se a fornecer aos estudantes textos de
iniciação, que realizem com eficácia e simplicidade o enfoque de questões dos
programas regulares de Direito Penal e Direito Processual Penal. Nesse sentido,
preenche clara lacuna na bibliografia jurídica, entre nós. o. ICP, além dessa
série, já editou mais de uma dezena de cadernos mimeourafados, os quais se destinam aos estudantes da Faculdade Cândido Mendes. Tais cadernos se referem
a textos complementares e a textos básicos, que cobrem certos pontos do programa.
Como explica o A., o texto que compõe estas Primeiras Linhas foi "originalmente preparado para publicação em francês, na coletânea organizada por Marc
Ancel, sob os auspícios do Instituto de Direito Comparado, de Paris", sendo o
trabalho "realizado segundo os critérios fixados pelo Prof. Sebastián SoleI', que
coordenou o preparo do volume relativo à América do Sul".
Contém o trabalho, além de introdução de caráter histórico, expOSlçao sucinta sobre aplicação da lei penal, a infração penal e sua punibilidade, e sobre pena
e medidas de segurança, cobrindo a parte geral. E, ainda, informação ligeira
sobre alguns pontos relevantes da parte especial. O direito processual penal
brasileiro é também apresentado a partir de breve resenha histórica, seguindo-se
exame da organização judiciária e do procedimento.
O texto é simples e sucinto, proporcionando aos estudantes que se iniciam
exata informação geral sobre o sistema do direito punitivo brasileiro. Nesse
sentido pode ser adotado como primeira abordagem no estudo de disciplinas
que serão desenvolvidas no curso jurídico.
G. A. P.
Enrique Bacigalupo, Lineamientos de la teoría del delito, Editorial Astrea, Buenos Aires, 1974, 178 págs.
Trata-se de texto simples, escrito com fins exclusivamente didáticos, em
que a teoria do delito é exposta de forma segura e exata, com base na teoria
finalista da ação. O A. reúne admiravelmente as condições exigidas para essa
tarefa, pois estudou em Bonn (onde atualmente se encontra), no grupo a que
pertence Wolfgang Schõnke e que hoje é dirigido por Armin Kaufmann, após a
retirada de Welzel, por motivos de saúde.
Seguindo o esquema já bem conhecido da teoria finalista, é que levou a
dogmática jurídica nesse setor a níveis de excepcional perfeição técnica, Bacigalupo explica o conceito de ação, estudando, em seguida destacadamente o tipo
penal e a adequação típica do crime comissivo doloso (inclusive a tentativa, a
autoria e a participação) e a adequação típica no crime culposo. Separadamente,
estuda o A. o crime omissivo, com todas as características que lhe são próprias.
Ao final do volume aparecem regl'as para solução de casos.
158
REVISTA DE DIREITO PENAL -
159
RESENHA BIBLIOGRÁFICA
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Este livro, juntamente com o de Enrique Cury (Orientación para el estudio
de la teoria del delito), de que já demos notícia (RDP 11/12, 93), são obras
preciosas para o leitor brasileiro, que normalmente não tem acesso aos trabalhos
dos excelentes penalistas alemães a. quem se deve a formulação da teoria finalista e o acabamento que modernamente alcançou.
correspondente à segunda reunião, e em Rosário, 'na Argentina, o que reunia
as duas primeiras reuniões. Nossa antiga Revista B1'asileim de Criminologia
e Direito Penal, publicou vários trabalhos de quem assina esta nota. O Prof.
J escheck escreveu, no belo volume em homenagem a Heinitz (de que brevemente
daremos notícia), estudo comparativo entre o CPT e o direito penal alemão.
Uma bibliografia parcial sobre o assunto está incluída ao final do tomo r.
H. C. F.
H. C. F.
Código Penal Tipo pam Latino-Amel'ica, Parte Geneml, Editorial Jurídica de
Chile, 1973, t. I, 596 págs.; t. II, vols. I e II, 1.030 págs.
Aqui está o conjunto monumental de todos os materiais relativos à elaboração da Parte Geral do CPT para a América Latina, iniciativa do Instituto de
Ciências Penais, de Santiago do Chile, então sob a direção de Eduardo Novoa
Monreal.
A publicação se faz sob a direção do Prof. Francisco Grisolia, subsecretário
executivo, e apresenta todos os documentos relacionados com o extenso trabalho.
No primeiro tomo está o texto do Código, inclusive a versão em português
(preparada pelo Prof. Joãg Bernardino Gonzaga e o autor desta resenha), bem
como os documentos de trabalho' prE'!Parados para a primeira reunião, que se
realizou em Santiago, em 1963. A tal reunião estiveram presentes alguns dos
maiores penalistas do continente, entre os quais os brasileiros Nélson Hungria e
Basileu Garcia.
O primeiro tomo inclui referência minuciosa a todas as propostas, acordos,
intervenções e documentos relacionados a cada artigo, bem como os acordos das
várias reuniões plenárias (Santiago, 1963; México, 1965; Lima, 1967; Caracas,
1969; Bogotá, 1970; São Paulo, 1971) e os índices geral, analítico por matérias
e onomástico, que permitem verificar todas as intervenções de todos os participantes.
O tomo II, que está dividido em dois volumes publica as atas das diversas
reuniões, transcrevendo das gravações a intervenção de todos os participantes.
Esta revista já publicou, na íntegra, a versão portuguesa do CPT (RDP
7/8, 181). A leitura desse texto mostra que o resultado alcançado, infelizmente,
não correspondeu ao esforço dos que se empenharam no árduo trabalho e que
atenderam à esperançosa convocação chilena. Esse trabalho, no entanto, prossegue, com a Parte Especial, que dificilmente será concluída. A última reunião
celebrou-se em Santiago do Chile, já sob o novo regime político e sob seus auspícios, e, por isso mesmo com o desfalque de várias comissões (entre as quais as
do Rio de Janeiro e do México). Não seria possível trabalhar com a ausência de
tantos colegas hoje exilados, entre os quais estão os que mais se empenharam na
obra. Eduardo Novoa, no México; Álvaro Bunster, na Inglaterra; Sergio Politoff,
na Alemanha e Juan Bustos, na Argentina.
Esta publicação, no entanto, independentemente da crítica que possam merecer os textos definitivamente aprovados, tem o alto mérito de registrar os debates como foram realizados, sendo, assim, inesgotável manancial de informações e
ilustração científica.
Várias publicações foram feitas sobre oCPT. No México, em 1967 foi publicado, sob os auspícios da Academia Mexicana de Ciências Penais, o volume
Revue Internationale de D1'oit Pénal, 1973, ns. 3 e 4, 584 págs.
Este importante volume da revista, que é órgão oficial da Associação Internacional de Direito Penal, é inteiramente dedicado ao Colóquio celebrado em
New York, em agosto de 1973, sobre o abuso de drogas e sua prevenção. A
matéria constituía um dos temas oficiais do XI Congresso Internacional de
Direito Penal, celebrado em Budapeste, em setembro de 1974, e a reunião de
New York representou o colóquio preparatório que tradicionalmente antecede ao
Congresso.
O volume foi preparado pelo Prof. Gerhard O. W. Mueller, organizador do
Colóquio, na Universidade de New York, com a cooperação dos Profs. Cherif
Bassiouni e Freda AdIeI'. Nele aparece (em francês e em inglês) o relatório
geral do Prof. Mueller, bem como os relatórios de representantes de 16 países.
O conjunto constitui valiosíssima contribuição ao estudo do tema, sendo de consulta obrigatória para todos os que se interessam pela matéria.
H. C. F.
Revue lnternationale de Dl'oit Pénal, 1974, ns. 1 ·e 2, 386 págs.
Este volume é dedicado aos trabalhos do Colóquio que a AIDP realizou em
Val'lla, Bulgária, em 1973, sobre "Evolução dos Métodos e Meios em Direito
Penal", que constituía um dos temas do XI Congresso Internacional de Direito
Penal. Reúne os diversos relatórios nacionais apresentados ao referido colóquio,
bem como o trabalho final elaborado pelo Prof. Király, relator do tema no
Congresso.
A matéria seria, de todas, a que maior atenção e interesse despertou no
Congresso, pelas profundas transformações que atravessa a justiça penal de
nosso tempo. Neste volume o leitor encontrará valiosa informação sobre a experiência de vários países e diferentes sistemas, antecipando e enriquecendo as
conclusões estabelecidas no Congresso de Budapeste.
H. C. F.
Roxin-Stree-Zipí-Jung, Einjü,hrung in das neue Strajrecht, Verlag C. H. Beck,
Munique, 1974, 138 págs.
A série de manuais editados pela Beck Verlag constitui, provavelmente, o
mais importante conjunto d~ UvrQs didátkos, empregados no ensino do direito na
160
REVISTA DE DIREITO PENAL -
JURISPRUDÊNCIA
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Alemanha (Schriftenreihe der Juristischen Schulung). Esta série ·é completada,
pela mesma editora, com a dos pequenos tratados para o estudo do direito, que
são, em realidade, excelentes compêndios (Kurzlehrbüche1' für das Juristische
Studium). Nesta última, a parte de Direito Penal é representada pelo Studienbuch
de Mezger há longos anos, o qual, após a morte do grande mestre, vem sendo
atualizado por Hermann Blei, com quem o autor desta nota trabalhou, como
professor visitante da Universidade de New York, em 1967. A parte de processo
penal é representada pelo famoso compêndio de Eduardo Kern.
Essa produção editorial de alta categoria, destinada ao ensino do direito,
constitui um dos sinais característicos da cultura jurídica, que falta, infelizmente,
entre nós. Raramente aparecem bons compêndios.
Com a reforma parcial do CP alemão, que entrou em vigor em 1.0 de janeiro
de 1975, através da segunda lei de reforma do Direito Penal, profundas alterações foram introduzidas. Como se sabe, a parte geral é inteiramente nova e a
lei de introdução acrescentou também alterações na parte especial e no processo.
Antes do aparecimento de novas edições de compêndios, comentários e tratados, surge este pequeno volume, fadado a grande sucesso, reunindo monografias
de quatro professores, dos quais dois (Roxin e Stree) estiveram ligados ao projeto alternativo do CP.
o. texto é, em geral, apresentado com simplicidade e clareza, com referência,
no entanto, a toda a literatura moderna.
Claus Roxin (professor em Munique) escreve sobre a omissão, o dolo e a
culpa stricto sensu, a tentativa e a participação. Walter Stree (professor em
Münstel'), escreve sobre a antijuridicidade e a culpa. Heinz Zipf (professor em
M annhe!m), a quem se devem diversos estudos sobre a pena de multa, extremamente valiosos, escreve sobre as conseqüências jurídicas do delito, terminando
por interessante apréciação de conjunto do novo Direito Penal, do ponto-de-vista
da Política Criminal.
O volume se encerra com o trabalho de Heike Jung, sobre a reforma penal
na lei de introdução, expondo as alterações da parte especial, várias das quais
de grande interesse (como, por exemplo, a dos delitos de bagatela contra o patrimônio, matéria que, nos últimos tempos tem sido bastante discutida). Examina
também o A. a parte processual da lei de introdução.
É, pois, obra fadada a grande sucesso, nesse período de transição. Para os
estrangeiros, é particularmente valiosa, porque proporciona de forma simples
e concisa uma visão de conjunto de todo o novo Direito Penal em vigor na
Alemanha.
H. C. F.
ABREVIATURAS USADAS
__ Apelação Criminal
_ Arquivo Judiciário
_ ANíBAL BRUNO, Direito Penal, Forense,
Rio de Janeiro, vols. 1 a 4
_ Arquivos do Tribunal de Alçada (GB)
Arqt~i'lJos
_ Câmara Criminal
C. Crim.
_ Constituição Federal
CF
_ Conflito de Jurisdição
CJ
_ Código Penal
CP
_ Código Penal Militar
CPM
_ Código do Processo Penal
CPP
_ Código de ProcesSo Penal Militar
CPPM
__ Decreto-lei
DL
_ Diário Oficial, Parte III, Poder Judiciário,
DO
GB
_ Diário de Justiça, Brasília
DJ
_. JOSÉ FREDERICO MARQUES, EleFREDERICO MARQUES
mentos de Direito P1"ocessual Penal,
Forense, Rio, 1961, vols. 1 a 4
_ JOSÉ FREDERICO MARQUES, TTatado
FREDERICO MARQUES, Tratado
de Direito Penal, Saraiva, São Paulo,
1964, vols. 1 a 4
. _
_ HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Lt90es
FRAGOSO, Lições
de Di1'eito Penal, José Bnshatsky EdItor,
São Paulo, vols. 1 e 2 (1962); vols. 3 e 4
(1965)
.
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, :'urt~­
FRAGOSO, Jur. Cri11t.
prudência Cril1~inal, 2. a ed., BorsoI, RIO
de Janeiro, 1973, 2 vols.
, .
_ EDUARDO. ESPíNOLA FILHO, Cod~go
ESPíNOLA FILHO
de Processo Penal Brasileiro. Anotado,
Borsoi, 1954, vols. 1 a 8
_ Habeus Corpus
HC
NÉLSON HUNGRIA, C?mentários ao
HUNGRIA
C6digo Penal, Forense, RIO de Janeiro,
voI. I, tomos 1 e 2 (1958); III (1959);
AC
AJ
ANíBAL BRUNO
162
REVISTA DE DIREITO PENAL -
LCP
MAGALHÃES NORONHA
MANZINI
RC
RDP
RECr
RevC
RF
RHC
RJ
ROCr
RT
RTJ
SOLER
STF
STM
TA
TFR
TFR Jurispr.
TJ
17/18
V (1958); VI (1958); VII (1967); VIII
(1959); IX (1959)
Lei das Contravenções Penais
- EDGARD MAGALHÃES NORONHA,
Direito Penal, Saraiva, São Paulo, vol.
1 (1969); vaI. 2 (1969); vaI. 3 (1968);
vaI. 4 (1968)
VINCENZO MANZINI, Tmttato di Diritto PenaZe Italiano, UTET, Turim,
1950/52, vaIs. I a IX
-- Recurso Criminal
- Revista de. Direito Penal
- Recurso Extraordinário Criminal
- Revisão Criminal
- Revista Forense
- Recurso de Habeas Corpus
- Revista de Jurisprudência do Tribunal de
Justiça da Guanabara
- Recurso Ordinário Criminal
- Revista dos Tribunais
- Revista Trimestral de Jurisprudência
- SEBASTIÁN . SOLER, Derecho Penal
Argentino, TEA, Buenos Aires, 1963, vols.
1 a 5
- Supremo Tribunal Federal
- Superior 'rribunal Militar
- Tribunal de Alçada
-- Tribunal Federal de Recursos
- Revista do Tribunal Federal de Recursos.
- Tribunal de Justiça
Advocacia administrativa. Configuração
do delito.
o crime de advocacia administrativa,
previsto no art. 321, CP de 1940 (que
o CP de 1969 denomina de patrocínio
indébito, art. 358) não é apenas um
crime pr6prio, ou seja, não basta, para
sua configuração que o agente seja
funcionário público. É indispensável
que o patrocínio de interesse privado
perante a ~âministração Pública se
faça, valendo-se o agente da sua q.ualidade de funcionário. De outra forma
não se atingiria o bem jurídico que
aqui procura a lei preservar.
Decidindo a AC n. 2.520, a 3. a
Turma do TFR, relator o eminente
Min. Aldir Passarinho, por unanimidade assentou: " Advocacia administrativa. Não é suficiente para a tipificação desse crime que tenha havido
o patrocínio de interesse privado,
direta ou indiretamente, perante a
Administração Pública, mas sim, para
tanto, ,é necessário que o servidor se
tenha valido de sua qualidade de funcionário" (DJ de 2.9.75, pág. 6.196).
Bons antecedentes. Apelação em liberdade.
Importante aspecto da aplicação da
Lei n. 5.941/73 foi decidido pela 2. a
C. Crim. do TARJ, no julgamento do
HC n. 4.021, que teve por relator o
culto Juiz Octávio Pinto.
O acusado fora condenado pelo juiz
de primeiro grau à pena de reclusão
por um ano, pela prática de estelionato,
sem que a sentença se referisse expressamente a seus antecedentes. Fazendo
prova de ter exercido regularmente
cargos em empresas idôneas, de ser
benquisto entre seus pares e merecer
a confiança de superiores, de ser
casado e pai de filhos, o acusado
requereu lhe fosse deferido o direito
de apelar em libel·dade. Sucede que
sua folha de antecedentes penais registrava dois casos, ambos passados há
quase dez anos: um inquérito, arquivado (rixa), e um processo, concluído
por absolvição (lesões corporais culposas). Entendeu o juiz inferior de não
conceder-lhe o direito de apelar em
liberdade, daí originando-se a impetração do writ.
O Tribunal, acompanhando o voto do
ilustre Relator, concedeu unanimemente a ordem, reiterando mais uma
vez o entendimento de que não basta
qualquer anotação na folha de antecedentes penais para que, desde logo e
irremissivelmente, se tenha por estabelecido ser o réu portador de maus
antecedentes.
Não são poucos os problemas colocados pela definição do que possam
ser "bons antecedentes".
Uma coisa, todavia, é certa: o exame do passado judicial do réu é apenas
uma fração (sem dúvida importante,
mas fração) das áreas a serem apreciadas.
Bento de Faria já recomendava que
se devesse examinar " o seu comportamento (do réu), a extensão de suas
164
REVISTA DE DIREITO PENAL -
relações, a cO'nsideraçãO' e O' 1'espeitO'
que lhe sãO' manifestadas nesse ambiente, a atençãO' manifestada aO' S'eu lar,
a assistência e carinhO' dispensadO' à
família", acrescenta'ndo: "como bem
observa Nélson Hungria, também de~
vem ser pesquisados os antecedentes
judiciais ( , , , )" (CódigO' Penal B?'asileirO', Rio, 1961, voI. III, pág, 7),
ANíBAL BRUNO igualmente recomenda seja verificado "sua inclinação
ou repugnância ao trabalho ou a
outras atividades honestas" (CO'mentáriO's aO' CódigO' Penal, Rio, 1969, pág,
95).
No mesmo sentido ,é a lição do
grande Costa e Silva, para quem a
conceituação de bons antecedentes seria
extraída não só dos "antecedentes penais 'e judiciais" mas também "da
vida anterior do mesmo réu, do procedimento contemporâneo ou posterior
deste, e das cO'ndições de vida individual, familia?' e sO'cial dO' mesmO'''
(Comentát'ÍO's aO' Código Penal BrasileirO', São Paulo, 1967, pág. 188).
Costa e Silva endossava, na passagem
citada, o magistério de Manzini, que
da mesma forma, após mencionar os
"precendenti penaZi e giudiziari", indicava a observação "dalla condotta e
dalla vita deZ reo prima dei reato;
dalla cO'ndotta contemporanea o susseguente al reato; dalle condizioni di
'vita non s'olO' individualle e famigliare,
ma altressi sociale del reo" (Trattato
di DirittO' Penale ItalianO', Turim, 1950,
voI. III, pág. 17).
O que se vê, portanto, é que os bons
antecedentes defluirão de uma apreciação globalizante da vida anterior do
acusado, não se podendo cingir a um
só aspecto (um eventual desajuste
familiar, um eventual traço anti-social,
um eventual precedente judicial etc.).
17/18
Dessa fO'rma, pO'der-se-á fala?' el1t antecedentes pés8'Ímos, maus, bons e ótimos.
E foi HungTia quem falou: "Os
antecedentes a que se refere o art. 42
,são todos os fatos ou episódios da
vita anteacta do réu, próximos ou remotos ( ... ). Tanto O'S maus e O'S péssimO's antecedentes, como os bO'ns e os
ótimos" (NO'vas Questões JUt'ídico-Penais, Rio, 1945, pág. 155).
Hungria, após anotar que "embora
sem antecedentes judiciários, um indivíduo pode ter uma vida pontilhada de
deslizes, de pequeninas infâmias ou
faltas morais ", mencionava que "pode
acontecer igualmente que um indivíduo
com antecedentes judiciários já tenha
praticado atos de benemerência ou de
especial valor social" (loc. cit.) • E
concluía, cunhando sua fórmula famosa : "Ao juiz compete extrair-lhe a
cO'nta-coTt'ente, para ver se há saldo
credor O'U devedO'r" (loc. cit.).
Da lição de Hungria, conjugada ao
ensinamento comum dos autores, se
extraem duas conclusões importantes.
Em primeiro lugar, a de que a idéia
de bons antecedentes não corresponde
à de pureza absoluta, apanágio dos
santos e de uns poucos cidadãos virtuosos, mas sim a uma valoração positiva, numa escala que vai da aprecia~
ção de péssimos antecedentes à de
ótimos antecedentes: havendo "saldo
credor", há bons antecedentes, por
modesto que seja o saldo. Em segundo
lugar, a da relatividade dos antecedentes judiciários, que verdadeiramente (até pelo princípio da presunção
de inocência) só podem fornecer uma
fração das informações necessárias à
composição de um quadro geral da conduta do acusado, a partir do qual se
procuraria definir e avaliar seus
antecedentes.
JURlSPRUDÉNCIA
A decisão que ora comentamos orientou-se neste sentido, e nos parece corretíssima. Outros julgados já haviam
optado por essa inclinação.
Assim é que a E. s.a C. Crim. do
Tribunal de Justiça do antigo Estado
da Guanabara, julgando o HC n. 29.738,
em 18.7.74, afirmou: "Concessão da
ordem de habeas c01'PU8 para que o
recorrente possa aguardar em liberdade
a. decisãO, sobre seu recurso, 'Se se
trata de réu primário, cujo pedido fO'i
denegado em face dos maus antecedentes de sua fO'lha penal, esta registrandO', cO'ntudo, apenas duas contra'!.'enções do art. 32 do CPP, de ambas
resultando processos em que foi absolvido" (DO de 14.11.74, relator o ilustre Des. Olavo Tostes Filho).
No mesmo sentido orientou-se a E.
2.a C. Crim. do Tribunal de Alçada do
Estado do Rio de Janeiro, ao decidir
o HC n. 3.695, do qual foi relator o
eminente Juiz Raul Ribeiro. Consignou
a ementa: "Art. 594 do Código do
Processo Penal (redação da Lei n.
5.941, de 1973). Os bons antecedentes
a que se refere O' dispositivo não significam, necessariamente, ausência de
referência a processos anteJ'iores" (DO
de 17.4.75, III, pág. 1. 517) .
É claro que os antecedentes judiciais
devem ser considerados, porém por si
só não podem possuir eles o condão de
destruir o que seja representado por
anos e anos de vida honesta, laboriosa e
socialmente ajustada.
É preciso reagir, neste terreno, ao
equívoco do qual participou Manzini
_ de que uma absolvição anterior por
insuficiência de prova seja necessariamente um dado negativo na avaliação
dos antecedentes. A prova que foi
insuficiente, foi insuficiente para demonstrar a responsabilidade criminal
do réu: isso abrange aqueles que te-
165
riam a responsabilidade ( e foram
beneficiados pela insuficiência dos meios
probatórios) e aqueles que não teriam
a responsabilidade (ainda que a prova
dos fatos fosse plena). Generalizar a
conclusão de que, em tais casos, pode-se ter um fator negativo na avaliação
dos antecedentes, é equiparar, com
grave injustiça, e cegamente, situações
em tudo diversas. Se o juiz da causa
não pôde decidir, o juiz de outra causa
não deve poder firmar opinião sobre
aquilo que já se considerou irresolúvel.
(Nota de Nilo Batista).
Cheque sem fundos. Novação.
Interessante hipótese foi levada a
julgamento da 1.a G. Crim. do TJ do
antigo Estado da Guanabara, no julgamento da AC n. 61. 797, relator o eminente Des. Valporé Caiado.
Tratava-se de cheque sem fundos
dado em pagamento de duplicata, sendo
a divida objeto de novação antes do
oferecimento da denúncia. O credor, no
entanto, reteve o cheque e o protestou,
uma vez descumprido o novo contrato.
A Câmara, por maioria, reconheceu
extinta a punibilidade, vencido o ilustre Des. Pires e Albuquerque (DO de
24.7.75, 119, do apensO').
A decisão, que é, a nosso ver, exatíssima, tem a seguinte ementa, que
bem historia a hipótese: "O emitente
entregou o cheque em pagamento de
uma duplicata. Pouco depois de ser
verificada a falta de fundos, o emitente celebrou um acordo com a firma
lesada, mediante o qual pagou, por
conta do título, a quantia de Cr$
140,00, ficando de pagar o restante do
vaIor do cheque (Cr$ 499,74) a prestações suaves. Todavia, tornou-se inadimplente e a credora, agora, pela
dívida civil, decorrente da novação
1M
REvrST A DE DIREITO PBN AL -
civil da obrigação, que extinguira a
ordem ao portador, consubstanciada no
cheque pago em parte, protestou o
extinto saque bancário, causando, deste
modo, a instauração da ação. Ora, como descrito, à data da denúncia já não
mais subsistia o cheque como ordem de
pagamento à vista, resultando daí a
inexistência de justa causa para a referida ação penal, eis que a situação
se fixava como idêntica àquela do emitente que paga a totalidade do valor
do cheque, anteriormente à denúncia.
Provimento do recurso para absolver o
acusado".
Crime de funcionário' público. Defesa
preliminar. N.ulidade.
O art. 514 do CPP, que se insere no
capítulo que rege o processo e julgamento dos crimes de responsabilidade
dos funcionários públicos, estabelece:
"Nos crimes afiançáveis, estando a
denúncia ou a queixa em devida forma,
o juiz mandará autuá-la e ordenará a
notificação do acusado para responder
por escrito, dentro do prazo de quinze
dias".
Trata-se de um benefício processual,
instaurado em vista da circunstância
de que o funcionário público se encontra comumente exposto a acusações
infundadas. Em nome disso, institui-se
uma condição suplementar e especial
ao recebimento da denúncia, que consiste num aprofundamento imediato do
exame de mérito, permitindo-se uma
antecipação do contraditório, expressa
numa defesa preliminar. Nenhuma
razão existe para que tal regime somente se aplique, como estipula a lei,
aos crimes afiançáveis: ensina Frederico Marques, vol. III, pág. 332, que
"tal distinção tem sido mui justamenté
censurada por alguns autores". No
17/18
mesmo sentido, Magalhães Noronha,
frisando que ubieadem ratio ibi eadem
dispositio (cf. Curso de Direito Processual Penal, 1964, pág. 395), e
Espínola Filho, voI. V, pág. 180.
A preterição de tal formalidade constitui, como ensinam os autores e a
jurisprudência dos tribunais, nulidade.
Em verdade, a preterição de tal formalidade vem a violar a própria garantia constitucional da ampla defesa,
pela deformação do devido processo
legal, com a supressão de um dos recursos inerentes à defesa (CF, art.
153, § 15).
Os Tribunais sempre endossaram esse
entendimento (RF 211/318; 205/349).
Reza a ementa dessa última decisão:
"Causam nulidade absoluta a inobservância do rito próprio do processo de
funcionário público e a omissão de prazos à defesa e à acusação" (RF
205/349).
O TJSP, pela unanimidade dos integrantes de suas Câmaras Criminais
Conjuntas, deferiu habeas o'orpus em
situação idêntica, assinalando que "suprimindo a resposta escrita a que
alude o art. 514 da lei penal adjetiva,
não só altera o juiz o rito estabelecido
para as infrações em que cabe tal
providência, como acarreta também
cerceamento à defesa" (RT 386178).
Havia, no caso em foco, dois acusados,
respondendo um por crime inafiançável
e outro por' crime afiançável. OTribunal entendeu que "suprimindo a
resposta escrita, com o despacho de
recebimento da denúncia, o magistrado
não alterou apenas o rito para acomodá-lo ao do outro denunciado por
peculato doloso, mas afetou a defesa
do paciente" (RT386/79).'
A decisão, da qual foi Relator o
ilustre Des. F'erreira Prado, menciona
e desenvolve a Íntima implicação da
JU1HSPRUDtNCIA
167
situação com o problema constitucional
A prevalência do rito ordinário, seda ampla defesa.
gundo o princípio comum de processo,
Inúmeros acórdãos perfilham o mes- . não nos parece a solução acertada, e
mo entendimento. Assim, o TJRS, no
isso porque o rito especial prevê um
julgamento da AC n. 4.149, tendo por
benefício, que não pode ser suprimido
relator o Des. José Silva, proclamou:
sem que se esteja, ao mesmo tempo,
"anula-se ab initio o processo por cricerceando a amplitude da defesa game de responsabilidade de funcionário
rantida pela lei (o "recurso inerente
à defesa", para usar a linguagem da
quando haja desobedecido ao rito proConstituição) .
cessual próprio porque ocorre evidente
cerceamento da defesa" (RT 228/331).
Já se decidiu que "a alteração do
O simples fato do Juiz não apreciar a
rito processual adequado, passando do
matéria de defesa apresentada na
mais amplo ao mais restrito, constitui
nulidade insanável, que não se convadevida ocasião, constitui por si nulilida, sequer, pela faIta de argiiição
dade, conforme decisão do TJSP, ao
oportuna" (RF 334/330). O melhor
decidir o HC n. 85.062, do qual foi
será permitir que o acusado apresente
Relator o ilustre Des. Cantidiano de
defesa preliminar com respeito ao
Almeida (RT 371/54).
delito afiançável, consoante recomendaMerece ainda menção primoroso julva antiga decisão, endossada pelo
gado do TACrimSP, proferido no
magistério de Espínola Filho: "Se a
julgamento da AC n. 24.840, Relator
denúncia se refere a vários crimes de
o Juiz Sabino Neto. Afirmou o acórreclusão e a um só de detenção, para
dão que "as leis do processo são o
este terá o funcionário direito a vista
complemento das garantias do procesdos autos" (RT 277/174). (Nota de
sO.Sendo instituto de direito público
Nilo Batista).
constitucional, o rito do processo crime
não permite dispensa de formalidade
que a lei enumera, e muito menos
Defesa deficiente.
transigência ou substituição de forma,
máxime se o procedimento a ser obserCarulli principia seu belo livro (Il
vado contém regras mais amplas para
Diritto di Defesa dell'imputato, Náa defesa do réu" (RT 424/388).
poles, 1967) recordando preciosa obserEsse entendimento foi igualmente vação de Glaser (Handbuch des Strafconsagrado pelo Supremo Tribunal Feprozesses, Leipzig, 1885, vol. II, pág.
deral (RF 169/326). Destaque-se tre223), segundo a qual a história do
cho do voto do Min. Nélson Hungria:
processo penal é a história da defesa.
"É um preceito especial, peculiar ao
Com efeito, a índole de uma legislação
processo dos crimes funcionais, preciprocessual penal pode ser desde logo
apercebida, pela verificação da naturez,a
samente para evitar a um funcionário
e limites que atribua à defesa do réu:
público o vexame de ser exposto aos
o réu-objeto do regime inquisitório se
trâmites de um processo que ab initio
se revela infundado".
transforma no réu-sujeito do regime
contraditório na exata proporção em
Hipótese interessante surge quando
que sua defesa, de inel'me espectador,
o funcionário público responde por um
passa à condição de contribuinte ativo
delito inafiançável e um outro afiançáveI.
do conflito processual.
168
REV1STA DE DtREITO PENAL -
A Constituição Federal assegura aos
acusados o direito de ampla defesa
(art. 153, § 15,), princípio que, de
forma explícita, remonta à Constituição de 1891 (art. 72, § 16: "a mais
plena defesa"), e esteve presente em
todas as cartas, com a exceção explicável da de 1937, que se referia tão-só às "necessárias garantias de
defesa" (art. 122, n. 11).
É mister, pois, que a lei ordinária
assegure aos acusados a ampla defesa
que lhes garante a Constituição. Consoante bem observa Pontes de Miranda,
não existe um conceito apriorístico de
defesa: "mas existe algo de mínimo,
aquém do qual não mais existe defesa"
(Comentários à Constituição de 1967,
São Paulo, 1971, V, pág. 234). O processo penal brasileiro atende, sem qualquer dúvida, ao mandamento constitucional, por mais críticas que possam
merecer alguns aspectos que setorialmente subsistam como vestígios de
uma filosofia processual cunhada pelo
autoritarismo.
Todavia, na estipulação de oportunidades de defesa, e de participação
efetiva na produção de provas, temos
a rigor um aspecto fo?'mal da atividade
defensiva. Bem pode ocorrer, e desgraçadamente ocorre, que a defesa,
dispondo dos recursos que lhe são inerentes, e das oportunidades que lhe
faculta a lei processual, não se exerça
efetiva ou eficazmente, por desídia ou
despreparo daquele que foi investido
em suas funções. Ou seja: embora
satisfeitas as formas, não houve, numa
perspectiva já agora substanmal, o
exercício da defesa.
Os autores brasileiros que versam a
matéria podem ser divididos em dois
grandes grupos: aqueles que consideram suficiente a presença formal da
defesa, e aqueles que exigem a presença
JURISPRUDÊNCIA
17;18
formaI e substancial da defesa. Como
representante do primeiro grupo, mencionaríamos Espínola Filho, vol. III,
pág. 252 para quem " é indiferente o
grau de eficiência da defesa ou mesmo
a abstenção desta, pois do mesmo modo que nemo tenetur se detegere, também não é obrigado a defender-se ... "
O segundo grupo pode ser representado por Frederico Marques, voI. II,
pág. 423 o qual ressalva que "se estiver evidente a inércia e desídia do
defensor nomeado, o réu deve ser tido
por indefeso e anulado o processo desde
o momento em que deveria ter sido
iniciado o patrocínio técnico no juízo
penal".
Esta última posição nos parece, a
todas aS luzes, a mais correta. Poder-se-ia afirmar, mesmo, que é ela a
posição de nossa lei processual penal,
face à existência de expressa disposição a respeito, na disciplina dos process;os de competência do júri (art.
497, n. V do CPP); nenhuma razão
pode ser oposta à trasladação desse
princípio para os demais processos.
Ninguém duvida de que o juiz singular
disponha, na condução dos trabalhos
que lhe são afetos, de várias das atribuições que o art. 497 confere ao juiz
presidente do júri, quando cabíveis.
Sobretudo, que obscuros e insondáveis
motivos teriam levado o legislador a
pretender que apenas o acusado por
crime doloso contra a vida tivesse direito a defesa eficiente, contentando-se,
nos demais casos, com a só aparência
e forma de defesa?
Por ocasião da III Conferência Nacional da Ordem dos Advogados, realizada em Recife, em 1968, foi aprovada
a conclusão de trabalho apresentado
por Heleno Fragoso, com a seguinte
redação: "Todo cidadão tem direito a
defesa efetiva, sendo nulos os processos
169
proteção da própria sociedade (Garanem que esta faltar. Isso se aplica tamtie zu'm Schutz der Gesellschaft) (cf.
bém aos casOS de defensores escolhidos
Anais, cit., 153).
pelo acusado" (cf. Anais, Recife,
Darcy Arruda Miranda (Repertório
1970, pág. 162).
de Jurisprudência do Cód. Proco PeAssinalando que o STF vinha pronal, II, págs. 656/663, n. 1.294-C),
cedendo à anulação de processos nos
aludindo
ao art. 261 do CPP, afirquais o defensor dativo se descurara
ma
com
exatidão: "O dispositivo
da defesa, "deixando de fazer o que
expressa um imperativo de defesa
lhe competia para propugnar pela inoe não da pessoa física do defencência do réu" (cf. RTJ 36/198) e
sor. E o âmbito dessa defesa abrange a
acrescentando que essa regra prevalece
atuação viva do defensor dentro do
no direito americano (cf. John Carey,
processo, devendo o seu modo de agir
in Revue Internationale de Droit Pénal,
estar em adequação perfeita com a pro1966, n. 172, pág. 88), assim se fundava apurada. Do contrário, se a pres'ença
mentava a conclusão proposta: "Não
física do defensor no processo fosse
tem o Estado, como dizia Carrara mais
bastante
para o cumprimento do maninteresse na condenação dos culpados
damento legal, desnaturado estaria o
do que na absolvição dos inocentes. A
instituto da defesa e comprometida a
defesa, no processo penal moderno,
liberdade do acusado, no caso de desÍconstitui interesse público, que transdia daquele".
cende as conveniências do acusado para
N o mesmo sentido é o magistério de
projetar-se na perspectiva da reta
Pires de Campos Barros (LineaRomeu
administração da justiça. Por isso
'nMntos do Di1oeito Processual Penal,
mesmo, o defensor não atua como re1967, I, pág. 197), enfatizando que a
presentante do réu. Suas funções são
defesa deve ser entendida como defesa
mais largas e mais amplas. Como afirefetiva: "Tanto é esse o traço marcante
ma MüIler-Meiningen ("Der Verteidide nosso direito, que, em outra passagel' im heutigen Strafrecht", no volugem deixa o Código evidente que o
me Sahuld und Sühne, 1960, pág. 53),
juiz deverá velar por essa garantia do
a sociedade que punisse arbitrariadireito de defesa. ISSQ ocorre qt~ando
mente estaria irremediavelmente comatribui
ao Presidente do Tribunal do
prometida e fadada à dissolução. A
Júri o dever de verificaT s'e a defesa
defesa é, nesse sentido, autêntico órgão
se e/etivou, cumprindo-lhe declarar que
de controle de autoproteção social (in
o réu está indefeso, conforme o caso,
diesem Sinne ist die Verteidigung ein
até se lhe facultando a dissolução do
Kontroll-organ des gesellschaftlichen
conselho e a nomeação de defensor (art.
Selbstschutzes). A defesa ,é, em suma,
497, n. V). De nada adiantarão longas
como ensina de modo insuperável
alegações finais se estas não se alicerEberhard Schmidt (Deutsches StrafpToçam nas provas dos autos, quando tais
zessrecht, 1967, pág. 51), um órgão da
provas poderiam ser produzidas pelo
administração da justiça e não mero
defensor, que descurou de requerê-las
representante dos interesses do acusacom a defesa prévia ou no prazo para
do. E, isso porque ela se exerce,
àiligências. A defesa deverá ser avaliasubstancialmente, para a preservação
da no' seu conjunto e não na instantae tutela de valores e interesses do
neidade
de um simples ato, pois a defecorpo social, sendo assim garantia de
13 -R,D.P, 17/18
170
REVISTA DE DIREITO PENAL -
se integra pela prática dos diversos
atos que a compõem".
A jurisprudência brasileira sempre
se inclinou visivelmente para essa posição. Assim, o TJRS, no julgamento
da AC n. 12.406, da qual foi Relator o
Des. Baltasar Barbosa, assentou que
"não é apenas quando o réu não tem
defensor que se verifica a negação da
garantia assegurada no § 25 do art.
141 da Constitui,ção Federal, mas também quando o defensor nomeado se
desinteressa pela causa. Não compete
ao juiz fiscalizar a ação do advogado,
mas quando é manifesto que não houve
a defesa que as circunstâncias impõem,
é de se anular o processo" (RF 166/
363).
É a orientação de inúmeros julgados (RF 167/420, 128/585). Nesta última decisão referida, a 2.a C. Crim. do
TJMG, no julgamento da AC n. 4.820,
tendo por Relator oDes. José Alcides
Pereira, já proclamava que "a inércia
do advogado, nomeado defensor, nada
fazendo em favor dos acusados, importa em nulidade do processo. Não haver
sido nomeado defensor ou nada fazer o
nomeado é a mesma coisa" (RF 128/
585).
A gama de situações que podem surgir, revelando seja por desídia, seja por
despreparo - a deficiência da defesa
é verdadeiramente impressionante e
irredutível a um quadro geral, seja no
que respeita à defesa penal, seja à
defesa processual, para valer-nos a dicotomia, entre outros, de Foschini (Sistema del Diritto Processuale Penale,
1956, voI. I, pág. 22).
Assim é que ao TASP foi submetidá
hipótese em que o defensor alegara em
favor do réu tão-só a extinção da punibilidade pela prescrição, aduzindo que,
"ante a liquidez dessa preliminar, o
mérito do processo não mM'ecia estudo".
SE.
17/18
Sucede que não ocorrera prescnçao alguma, e o réu foi condenado. A 3. a C.
Crim. daquele Tribunal, tendo por Relator o Juiz Machado Alvim, unanimemente anulou o processo, por ter sido
o réu "condenado indefeso, com flagrante violação do cânone do art. 141,
§ 25 da Constituição de 1946" (RT
380/201).
Ao TJSP, em Câmaras Conjuntas
Criminais, tocou resolver hipótese em
que, na oportunidade de alegações finais, o defensor dativo se limitou a
dizer que "diante da prova produzida,
o acusado pede seja feita a costumeira
justiça". Decidindo o HC n. 93.376,
impetrado em favor desse acusado, o
TJSP, em decisão da lavra do ilustre
Des. Humberto da Nova, concedeu por
unanimidade de votos a ordem, ressaltando: "Não basta que o acusado tenha
um defensor. É necessário que esve lhe
dê assistência efetiva" (RT 394/53).
O mesmo TJSP, e o mesmo Relator,
reafirmaram tal posição no julgamento
do HC n. 99.894, que se referia a processo no qual as alegações finais em
favor do réu eram inexpressivas. Afirmou o Tribunal: "As alegações finais
são da essência do contraditório penal,
e a ausência das mesmas ou seu cunho
absolutamente inexpressivo, que a tanto
Sé equivale, fere o princípio constitucional de defesa ampla" (RT 405/77).
Vê-se, pois, que nem basta a manifestação defensiva que seja pura forma, ao gênero do "espera o réu a costumeira justiça", nem basta um esforço maior, que signifique não obstante
uma peça inexpressiva. A defesa que
não aborda os aspectos essenciais mínimos do processo é defesa deficiente.
Nesse sentido, é a seguinte decisão,
ainda do TJSP, proferida no HC n.
92.593: "Nulo é o processo, se ressalta
logo a precariedade da defesa ofertada
JURISPRUDÊlNCIA
171
RHC n. 48.9'76, do qual foi Relator o
por defensor dativo que deixou de aborculto Min. Amaral Santos. Unanimedar element08 importantes dos autos,
mente deu-se provimento ao recurso,
que favoreciam o réu" (RT 390/73).
frisando o Tribunal: "Tratando-se não
O Supremo Tribunal Federal sempre
a
de simples deficiência, mas de absoluta
foi sensível a esta questão. A 1. Turma,
falta
de defesa, que se fez presente
no lIC n. 43.011, Relator o eminente
nos
autos
em caráter 'meramente f01'mal,
· Evandro Lins e Silva, assinalava
Mm.
r '
concede-se
a ordem para anular o proque "o exercício da defesa é indec macesso" (RT 433/462). Apesar da cláuvel injunção da lei, que não se preenche
sula restritiva (" Tratando-se não de
apenas com a nomeação meramente forsimples deficiência" ... ), é claro que
'mal de um defensor" (RTJ 36/198).
a decisão equipara a defesa deficiente
a
No lIC n. 43.965, decidido pela 2.
à falta de defesa. Sem dúvida, não basTurma Relator o ilustre Min. Adalício
ta qualquer deficiência; é aqui que inNogueira, por unanimidade foi a ordem
"'ressará em cena o caso concreto, com
concedida, porque o paciente "foi de:uas exigências peculiares, e a sensibi.
sassistido, no desdobrar de todo o prolidade do magistrado, que passa a ser,
cessO de defesa que se ewercitasse em
um pouco, juiz das possibilidades de,
. t "
moldes satisfatórios e convemen es
fensivas de que dispõe o réu.
(RTJ 43170).
A distinção que alguns fazem entre
No HC n. 43.501, decidido pela E.
o caso do defensor dativo e o do de1.a Turma, Relator o eminente Min.
fensor constituído não nos parece caOswaldo Trigueiro, por unanimidade
bível. Em qualquer situação, é mister
foi a ordem concedida para anular o
que haja defesa eficiente, provenha ela
;rocesso por falta de defesa efetiva
do defensor de confiança, ou do dea
(RTJ 38/581). A mesma 1. T,urma
fensor dativo. Ao defensor constituído
concedeu por unanimidade o HC n.
não pode ser conferida a singular po44.214, relator o eminente Min. ~~­
sição de poder, pela inércia, desídia ou
fayette de Andrada, afirmando que a
despreparo burlar a garantia constitudeficiência na defesa dá ensejo à concional da ~mpla defesa. (Nota de Nilo
cessão da medida pleiteada".
Batista).
Sobre a viabilidade de verificar-se se
os pontos mínimos essenciais em favo:
do réu foram abordados, tem-se a deCIDeformidade permanente.
são unânime da 2.a Turma, da qual foi
a
Decidindo a AC n. 10.127, a 1. C.
Relator o saudoso Min. Adaucto CardoCrim. do TARJ, relator o ilustre Juiz
so: "Sendo manifesta a negligência com
Nunes de Miranda, assentou: "A deforque se houve (o defensor), deixando de
aproveitar elementos de iniludível van- midade permanente é para ser definida
tagem para a defes'a, é de se conceder o penalmente tendo-se em vista seu portador, seu meio social, bem como a pr:habeas corpus para o fim de anular o
sença já existente de outras deformIprocesso a partir da defesa" (DJ de
dades. A deformidade que se apresen20.9.68, pág. 3.701).
tar na epiderme de outras partes me·
Um caso em que o defensor do réu
nos visíveis, como o terço superior de
somente arrolara testemunhas, em seu
um dos braços é absorvida por qua:~
favor por ocasião das alegações finais,
,
, d
quer cicatriz já existente na face
chegou à Corte Suprema, atrav<es o
JURISPRUDftNCIA
(DO de 5.9.75, pág. 9.066). Veja-se
a propósito, Nilo Batista, Notas sob1":
a deformidarJe pe1"manente (RDP 9/
10) .
Estupro com violência real. Ação penal
pública.
Filiando-se à melhor corrente juris.
prudencial, entendeu a 3.a G. Crim. do
TJ do antigo Estado da Guanabara, na
AC n. 61. 415, relator o ilustre Des
Wellington Pimentel, por unanimidade
que .a ação penal, no crime deestupr~
pratIcado com violência real, é pública,
e indep.ende de representação, por
ser o CrIme complexo (CP, art. 103).
(DO de 24.7.75, pág. 119, do apenso).
No sentido da decisão já se pronunciou o STF. Cf. Fragoso, JU1". Crim.
n. 209.
Estupro. Presunção de violência. Debilidade mental da vítima.
Não prevalece a presunção de violência, nos crimes contra a liberdade
sexual, em caso de debilidade mental
da vítima (art. 224, b do CP), se não
se demonstra que o agente conhecia
esta circunstância. Não basta aqui o
dolo eventual.
No sentido da lição comum dos autores decidiu a 3.a C. Crim. do TJ do
RJ na AC n. 27, relator o ilustre Des.
Braga Land: "Estupro. Presunção de
violência. Inocorrência. Debilidade mental da vítima. Não conhecimento da
mesma pelo acusado. Exige a lei penal
que a debilidade mental da vítima seja
conhecida do agente para que se faça
presente a presunção da violência. Não
basta o dolo eventual para a configuração do estupro em tal hipótese. Faz-se mister a prova de que o agente conhecia a deficiência mental da ofendida" (DO de 2.10.75, pág. 217).
Falsidade ideológica. Registro policial
de ocorrências.
Em processo aforado à 19.a Vara
Cri,minal, no Rio de Janeiro, o MM,
JUIZ em exercício, decidindo ação penal
(Processo n, 28,326/74), entendeu que
o acusado havia cometido o crime de
falsidade ideológica, porque havia determinado falso registro de ocorrência
num distrito policial, relativo a acidente de trânsito que havia causado,
Para evitar a instauração de ação
penal, assegurando, no entanto, o recebimento de indenização do seguro, a
que tinha direito, o acusado afirmou
falsamente à autoridade que não houve
vítima no acidente. Em verdade, haviam
sofrido lesões corporais leves o motorista de outro veículo, com o qual colidiu o do acusado, bem como a filha
deste, que seguia em seu carro.
Pedimos licença para divergir. Na hipótese, a nosso ver, não há falsidade
documental.
O falsum documental constitui sem
dúvida, uma das questões mais difíceis
e intrincadas do Direito Penal, conduzindo, por isso mesmo, com freqüência
a graves equívocos. Ao apresentar, eU:
~887, a Exposição de Motivos do proJeto de Código Penal italiano, o Min.
Zanarde11i dizia desta matéria que era
sottile e intricata e o grande mestre
Carrara dela afirmava ser proteiforme
e complessa. Chave·au-Hélie, por seu
turno, em seu famoso tratado aludiam à
~al,sidade documental como matiêre plus
eptneuse, que se apresenta enveloppée
d'une ce1"taine Ob8CU1"ité.
Não há, na hipótese, falsidade ideológica, pela razão extremamente singela de que o autor de um fato punível
não tem o dever jU1"ídico de declarar
a verdade à autoridade policial.
Em conseqüência, falta ao documento formado com as declarações presta-
das capacidade probatória quanto ao
conteúdo, não podendo existir, portanto, ofensa à fé pública.
Pratica falsidade ideológica quem
omite em documento público ou particular declaração que dele devia constar,
ou quem nele insere ou faz inserir
declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita.
A doutrina é unânime em reconhecer
que tal crime não pode existir sem o
precedente dever jurídico de declarar
a verdade.
Pietro Mirto (La Falsità in Atti,
Giuffre, Milão, 1955, pág. 279) ensinava que a punibilidade do falso ideológico c01"responde à obrigação da ve1"dade; somente quem tem a obrigação
da verdade pode ser considerado responsável a título de falso ideológico,
porque somente quando existe tal obrigação de verdade o documento inspira
fé no seu conteúdo, e só assim, pela
fé inerente ao conteúdo do documento
pode haver falsidade ideológica como
crime documental.
No mesmo sentido, Manzini, voI. VI,
pág. 776: "Se tal dever não existe é
manifesto que suas declarações não podem exigir a fé pública (a qual, portanto, não é violada pela falsidade) e
o ato não se pode considerar destinado
a provar a verdade dos fatos atestados
pelo declarante".
Antolisei (Manuale di Diritto Penale, Milão, Giuffre, 1954, vol. II, pág.
489) também afirma: "Le falsità ideoligiche, invece, per essere sottoposte a
pene, oltre alla rilevanza giuridica, esigono ~!na speciale condizione: richiedono che l'autores del falso sia venuto
meno all'obbligo giuridico di attestare
o far risulta1'e il vero".
Resumindo a 'lição comum, diz o
nosso Magalhães Noronha, voI. IV, pág.
211, que "pelos próprios dizeres finais
E
173
do artigo em' exame, é mister haver o
dever jurídico de dizer a verdade".
Nenhum dever jurídico tem o autor
de fato punível de incriminar-se dizendo
a. verdade à autoridade policial. Este
enunciado, por sua evidência primária,
dispensaria qualquer demonstração. Não
temos dúvida em situá-lo ao nível da
garantia constitucional do direito de
defesa.
A Constituição Americana, na 5.a
emenda, resultante, como se sabe, do
Bill of Rights, consagra o direito de
todo cidadão de não ser obrigado a incriminar a si mesmo ("No person shall
be CO'lnpelled in any criminal case to be
a witness against himself"). A Corte
Suprema já declarou que esse privilégio da 5.a emenda constitui o suyorte
essencial do sistema americano de perseguição criminal. É que o poder público, em conseqüência, está constitucionalmente compelido a provar a culpa
do réu por elementos obtidos livre e independentemente, não podendo através
do constrangimento, obter a prova contra o acusado de sua própria boca ("and
may not by coercion prove charge against an accused out of his own mouth").
Cf. HalI-Mueller, Criminal Law and
Procedu1"e, Bobbs-MerrilI, Indianápolis,
1965, pág. 829.
Os mesmos autores referem outra
decisão da Suprema Corte na qual o
conteúdo do privilégio foi explicitado.
Ele não somente se refere a declarações
que em si mesmas justificariam uma
condenação, mas também abrange quaisquer outras qUe pudessem fornecer um
elo à cadeia de provas necessárias para
perseguir: "The privilege afforded not
only extend& to answers that would in
themselves support a conviction .,.
but likewise embraces those which
would furnish a link in the chain evidence needed to prosecute".
174
REVISTA DE DIREITO PENAL
Nosso mestre Nélson Hungria, vol.
IX, pág. 280, ensina: "Igualmente, não
I!ometerá falsidade quem, para defender-se em qualquer processo, faz declaração não correspondente à realidade
(o direito de defesa compreende até
mesmo o direito de mentir).
E Manzini, vol. VI, pág. 776 pergunta: "Quem jamais pensaria, por
exempl.o, que as declarações de um
acusado no interrogatóri.o sobre fat.os
.ofendessem à fé pública?"
Chaveau-Hélie (Theórie du Code Pénal, Paris, 1861, v.ol. II, pág. 338), por
igual, anotam: "Le prévenu qui.allégue
dans son interrogatoire des faits faux
pour se disculper, et qui p1'end même
par écrit un faux nom, ne commet
lJoint une altération de la vérité dans
le sens de la loi. La rais'on de cette
décision est, suivant la cour de cassation, qu'il n'est point astreint par la
loi à déclarer ce qui pourrait être à sa
charge, et que les mensonges qu'il emploie pour se disculper rentrent dans
le cercle dJe sa defense".
Aí está. As declarações falsas feitas
pelo autor de um crime à autoridade
integram .o direit.o de defesa. Veja-se
também, incisivamente, Soler, voI. V,
pág. 336, que alude ao "derecho a lutar
para su pr.opia salvación", depois de
afirmar categoricamente que: «El sujeto debe estar jurídicamente obligado
a decir la verdad".
O registro de ocorrência policial não
tem capacidade pr.obatória quanto ao
conteúd.o. Este é .outro aspecto que, na
hipótese, exclui .o crime de falsidade
ideológica.
O documento é juridicamente tutelad.o enquanto constitui meio de prova. A
essência do document.o repousa na sua
capacidade de servir de pr.ova documental (Borettini, II documento nel Diritto
Penale, Milão, Cedam, 1936, pág. 218).
17/18
Por isso mesmo é indispensável a sua
"aptidão probatória" ou a sua "destinaçã.o pr.obatória", elementar à "função
de pr.ova" (Beweisfunktion) do conteúd.o do documento (Stratenwerth,
Schweizerisches Strafrecht, Berna, Verlag Stãmpfli, 1974, pág. 483).
Como diz Paul Logoz (Commentaire
du Code Pénal Suisse, Partie Speciale,
N euchâtel, Delachaux et Niestré, 1955,
pág. 545), " a açã.o delitu.osa significa
registrar em documento autêntic.o fato
que tenha relevância jurídica que o
document.o seja destinado ou próprio a
provar".
Exemplifica dizendo que não é tal
figura de delit.o aplicável às declarações inexatas feitas ao oficial de justiça ... porque .o depoimento documentad.o pel.o funcionário nã.o ,é destinad.o
nem própri.o a fazer prova nesse sentid.o ("car le procés-verbal dressé par
le greffier n'est ni destiné, ni propre
à faire preuve à cet egard").
O que o registro de ocorrência policial documenta é o fato de que as declarações foram feitas à autoridade.
não a veracidade das declarações.
Estudando a matéria ex-professo,
Pisapia ("L'obbligo giuridico di attestare iI vero e l'art. 483 CP", in Studi
di Diritto Penale, Milão, Cedam, 1956,
88), afirma: "ll fatto que l'atto prova
pienamentee solo dell'avenuta attestazione e non fià il contenuto della attestazione stessa".
Repetind.o a lição comum, Carnelutti
(Teoria del Falso, Milão, Cedam, 1935,
pág. 132): "1l fatto che l'atto prova
e soltanto la attes'tazione", .ou seja: "Il
fatto che una data dichiarazione e stata
resa".
Como se percebe, na perspectiva da
capacidade probatória do ato impugnado, distingue-se a prova da declaração
como tal (Aeusserungen als solche) das
JURISPRUDftNCIA
175
dão a c.omparecer à Delegacia para
meras mentiras escritas (Schriftliche
prestar esclarecimentos que nada tiLügen), penalmente indiferentes (stranham a ver com o fato delitu.oso.
frechtliche bedeutungslos) , que ocorrem
quand.o essas declarações nã.o são ver"Habeas corpuS' impetrad.o a fim de
dadeiras (Stratenwerth, ob. cit., pág.
nã.o se ver o paciente constrangido a
c.omparecer perante autoridade policial,
483).
Nã.o pode, em c.onsequencia, haver
para prestar esclarecimentos que nã.o
falsidade ideológica praticada por parse relacionam com investigação de ilíte de quem faz a declaração falsa à
cito penal. Proviment.o d.o recurso inautoridade, mesmo que não se tratasse
terp.osto de decisã.o denegatória e condo autor de fato punível .
cessão da ordem" (DO de 24.7.75, pág.
Referind.o-se expressamente a atos
120 do apenso).
pr.ocessuais, Chaveau-Hélie (oh. cit.,
pág. 338) afirmam: "la loi n'incrimine
Legítima Defesa. provocaçã.o.
les fausses déclarations de faits qu'
autant qu'elles interviennent dans les
A 3.a C. Crim. do TJ do antigo Esactes qui avaient pour objet de les constad.o da Guanabara decidiu na AC n.
ta.ter". E concluem que .os atos proces61. 819, relator .o ilustre Des. Wellingsuais que consignam falsas declarações
ton Pimentel, que "não pode alegar ledas partes têm apenas por .objeto consgítima defesa quem se acha precedentetatar o que as partes disseram e não a
mente em estado de ilegitimidade. O
verdade de suas asserções ("ces actes
agente que prov.oca e dá início à briga,
de proaedure n'ont pour objet que de
nã.o pode argüir defesa legítima" (DO
constater les dires des parties, et nullede 24.7.75, pág. 121 do apenso).
ment la vérité de leurs assertions").
Podemos c.oncluir referindo a inforFicou vencido, e, a noss.o ver, data
mação que nos dã.o Schõnke-Schrõder
venia, com a boa doutrina, o ilustre
em seus preciosos comentários (StrafDes. Cavalcanti de Gusmão. A pr.ov.ocagesetzbuch Kommentar, Munique, Beck
çã.o não exclui a legítima defesa.
Verlag, 1972, pág. 1. 460), de que a
Nesse sentid.o, é uniforme a .opinião
Corte Suprema Federal alemã já decicios aut.ores, com exceção d.os que codiu que não há o crime de falsidade
mentam .o Códig.o espanh.ol e os códiideológica, previsto no § 271 do CP, na
gos de vários países sul-americanos, que
mentirosa afirmaçã.o feita n.oS registros
sofreram a influência deste.
de comunicações da polícia (MeldereO nosso Hungria (Comentários, voI.
gister der Polizei).
1, pág. 459), ensina: "A provocação do
agredido nã.o elimina, perante .o Códig.o
"Habeas corpus". Convite para compaatual, a injustiça da agressão. Não é
recimento a Delegacia Policial.
compreensível que a provocaçã.o, que
jamais pass.ou de atenuante, .ou, quand.o
a
Excelente decisã.o pr.oferiu a 2. C.
muit.o de uma causa de facultativo perCrim. d.o TJ d.o antig.o Estad.o da Gua,
. t
dão judicial em cas.os excepcionaIs, enabara, n.o RHC n. 29.886, relator o
nha na disciplina da legítima defesa,
eminente Des. Pedro Lima. Declarou-se
a virtude de elidir, até mesmo o crime
a ilegitimidade de constrangiment.o da
do provocado".
autoridade p.olicial, obrigando o cida-
170
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Aníbal Bruno (Direito Penal, vol. I,
pág. 369), não discrepa dessa opinião:
"Não seria conforme ao direito que a
provocação inicial do agente o reduzisse
a ficar sem defesa, à mercê de toda
violência do agressor".
No mesmo sentido, Costa e Silva (Código Penal, pág. 168).
Entre os autores italianos, basta mencionar Bettiol (Diritto Penale, 6.a ed.,
pág. 290): «Ne88una norma penale con8ente al provocato di uccidere il provocatore".
Veja-se tamhém, Antolisei (Manuale
di Diritto Penale, 1955, pág. 211): "L'
agre88ione e ingiu8ta anche 8e provocata dall'aggredito, in quanto la provocazione non e8'clude l'illiceità deZ
fatto".
Na mesma orientação, Mezger (Tratado, trad., voI. I, pág. 455): «Tambien
puede el atacado defender8e legitimamente contra la8 agre8ione8 culpable8
(de la8 que e8 culpable) e inclu80 contra la8 provocadas por el".
O excelente Maurach (Deut8che8
Strafrecht, 3.a ed., pág. 265) também
afirma que "é antijurídica igualmente, a
agressão provocada pelo agredido, seja
culpável ou sem culpa" (RechtS'Widrig
i8t endlich auch der von Angegriffenen, 8ei e8 8chuldhaft oder 8chuldlo8,
provozierte Angriff).
Resumindo as liç.ões de Merkel, Binding, Frank, Liszt-iSchmidt e tantos
outros, SchOnke-Schrõder (Strafge8etzbuch K01nmentar, 12.a ed., pág. 378),
asseveram: "A antijuridicidade da
agressão não é afastada pelo fato de a
ter o agredido culposamente causado,
inclusive através de provocação" (eben80wenig durch Provokation).
Não prevalece mais a orientação de
nosso direito anterior, que subordinava
a legítima defesa, à "ausência de provocação que ocasionasse a agressão"
17/18
(Código de 1890, art. 34, n. 4). Afastou-se com isso a complicada distinção
que procuram fazer os autores espanhóis, sobre provocação 8uficiente ou
grave (cf. Soler, voI. I, pág. 369 e
Asúa, Tratado, voI. IV, pág. 246, que,
para afastar a exigência legal, termina
propondo o critério da não exigibilidade).
Lesão corporal grave.
As conseqüências de maior gravidade
previstas nos §§ 1.0, 2.° e 3.° do art.
129 não são elementos constitutivos de
um crime autônomo de lesões corporais
graves, mas, sim, condiçõe8 de maior
punibilidade. Não é necessário que esses
resultados mais graves tenham sido queridos pelo agente. Nos casos de perigo
de vida e aborto, exige-se que o agente
não tenha querido, nem mesmo eventualmente, o resultado mais grave, pois
cometeria outro crime (tentativa de
homicídio ou aborto). Se na lesão corporal seguida de morte houvesse dolo,
direto ou eventual, em relação ao resultado mais grave, o crime seria evidentemente o de homicídio.
O resultado mais grave >é imputado
ao agente em vista de seu propósito de
causar uma ofensa física à vítima e da
evidente possibilidade de resultar uma
lesão mais grave de qualquer violência
pessoal. Aplica-se o princípio vulnera
non dantur ad menSUram. Não se trata,
todavia, de responsabilidade objetiva
ou pela simples causação material do
evento mais grave. A imprevisibilidade do resultado ou o caso fortuito, excluem a configuração da lesão corporal grave. O agente responderia, nesses casos, pela lesão simples.
É defeituoso o sistema do CP vigente, equiparando para o mesmo trata-
JURISPRUDÊNCIA
177
estabeleceram o prazo de 30 dias. Atualmento penal as hipóteses em que o remente vários códigos estabelecem o
sultado mais grave é intencional ou
prazo de 40 dias (ex., o italiano) e,
doloso e aqueles em que é meramente
outros, o de 30 dias (ex., o argentino).
culposo. Há, evidentemente, diverso
merecimento de pena entre as diversas
A incapacidade por trinta dias, como
situações. Causar intencionalmente a
lesão corporal grave, já era contemplaperda da visão é coisa muito distinta
da pelo nosso Código imperial ("inabide provocar esse resultado trágico por
litação de serviço por mais de um mês",
mera inconsideração de conduta e sem
art. 205) e pelo primeiro CP republipretender jamais alcançá-lo.
cano ("incômodo de saúde que inabiO CP de 1969 corrigiu a falha, acolite o paciente do serviço ativo por
lhendo a crítica cerrada que a propómais de trinta dias", art. 304, parásito fizemos (cf. Heleno C. Fragoso,
grafo único).
"A reforma da legislação penal", Rev.
Deve haver incapacidade (física ou
Bras. Crim. Dir. Penal, n. 4, jan.-mar.,
psíquica) para as ocupações habituais,
1964, pág. 98). Depois de prever as lee não somente para o trabalho. Não se
sões graves e gravíssimas causadas doatende apenas à atividade econômica,
losamente (art. 131, §§ 1.0 e 2.°), puninpois se trata, como diz Nélson Hungria,
do-as com penas severas, a nova lei
voI. V, pág. 315, de conceito funcional.
contém disposição genérica sobre os caMesmo a incapacidade relativa (isto
sos de resultado mais grave culposo,
é, a possibilidade de executar algumas
aqui prevista inclusive a morte (art.
de suas ocupações habituais, mas não
131, § 3.°). É o sistema do CP suíço
todas) confi'gura a agravante. Se a ví(arts. 122 e 123), do CP grego (art.
tima puder retornar às suas ocupações
310), do CP alemão (§ 225), etc. Vehabituais, ainda que não esteja de todo
ja-se também o nosso novo CPM (art.
curada, antes de 30 dias, não há lesão
209, §§ 1.0 e 2.°).
corporal grave, a menos que ocorra
As lesões graves previstas pelo § 1.0
qualquer outra das causas previstas
do art. 129 do CP verificam-se quando
na lei. Por outro lado, o fato de ter
da ofensa resulta:
tido alta não significa que a incapaci1 - Incapacidade para as ocupações
dade tenha cessado. Alta quer dizer
habituais por mais de 30 dias;
apenas licença para deixar o hospital
2 - perigo de vida;
(RF 162/323, 169/432). Afirmam em
3 - debilidade permanente de memgeral, os autores, que a lei penal sobro, sentido ou função;
mente considera as ocupações habituais
4 - aceleração de parto.
lícitas, argumentando com o interesse
A duração da enfermidade ou da
social da inabilidade para as ocupações
incapacidade para o trabalho é critéilícitas (cf. Manzini, voI. VIII, pág.
rio antigo para o reconhecimento da
213; Aníbal Bruno, vol. IV, pág. 207).
gravidade das lesões, embora tenha vaTrata-se, porém, apenas, de um critériado o lapso de tempo adotado pelas
rio (empírico, aliás) para medir a graleis penais. O Código Penal francês em
vidade
de uma ofensa à integridade físua primitiva redação era particularsica, parecendo circunstância estranha
mente severo, pois o fixava em 20 dias,
ao escopo da norma a natureza da
cominando a pena de dez anos de reocupação
da vítima.
clusã'O. Os Códigos sardo e toscano,
178
REVISTA DE DIREITO PENAL -
Ê de mister que a incapacidade seja
por mais de trinta dias, sendo, assim,
necessário que ultrapasse o trigésimo
dia. Inclui-se na contagem o dia do
começo (art. 9 do CP).
A verificação de que ocorre incapacidade para as ocupações habituais tem
de ser atual, logo que decorra o prazo
de trinta dias, a contar da data do
crime (art. 168, § 2.° do CPP). Não é
possível afirmar que ela ocorre mediante um prognós·tico ou previsão, devendo ser feito exame de corpo de delito
complementar. A jurisprudência é, nesse sentido, iterativa (RF 138/257, 142/
398, 144/476, 149/413, 146/439, 146/
431, 185/335, 207/347 etc.). Por outro
lado, também é inadmissível o exame
complementar realizado muito após os
trinta dias, quando já cessou a incapacidade (RF 140/479, 200/262, 208/301)
ou realizado antes de completar-se o
prazo (RF 198/287). Em casos excepcionais, de lesões evidentemente graves, os tribunais têm admitido a ausência do exame complementar, que pode
ser suprido pela prova testemunhal
(art. 168, § 3.° do CPP). Cf. RDP 2/
124; RT 166/550; RJ 15/291 e 15/
314. Veja-se também a lição de José
Frederico Marques, voI. IV, pág. 205.
Qualquer que seja a duração da lesão, será ela grave, desde que tenha resultado perigo de vida, que significa
probabilidade grave e imediata de
morte.
Insurgia-se Carrara, Programma, §
1.439, contra a admissão do perigo de
vida como agravante do crime de lesões corporais, ensinando que o dano,
em tal caso, limitar-se-ia totalmente
ao passageiro temor que o enfermo ou
sua família puderam experimentar. O
perigo não é, porém, apenas uma apreciação subjetiva, mas, um trecho da
realidade, ou seja, uma situação objeti-
17/18
va, em face da qual se pode afirmar
com segurança a probabilidade de dano.
Não há dúvida de que o perigo de
morte é critério seguríssimo para estimar-se a gravidade de uma lesão corporal.
O perigo de vida não se presume.
Não basta que um ferimento, por sua
sede ou extensão, apresente, em regra,
perigo de vida. Ê' necessário que no
caso concreto a probabilidade de morte
tenha-se verificado, pelo surgimento
de um processo patológico diante do
qual seja possível afirmar ser provável a morte da vítima. Isto é o que se
chama de perigo concreto e real. Um
perigo virtual ou potencial não bastaria (RF 154/425, 158/372, 187/359) .
A duração do perigo de vida é irrelevante, bastando que num breve espaço
de tempo haja ele ocorrido (RF 187/
356, 188/334, 214/312).
Ê importante observar que o perigo
deve resultar da lesão corporal e não
das circunstâncias em que ela foi causada (o disparo de arma de fogo que
atingisse levemente parte vital do organismo, não constituiria o perigo de vida
exigido para dar gravidade à lesão).
Gomo é óbvio, o perigo de vida deve
ser declarado por perícia médica, não
estando o juiz, porém, adstrito ao
laudo.
Não basta a simples afirmação dos
peritos de que houve perigo de vida
(RF 146/439, 155/407, 203/323, 204/
336,212/382; RT 453/399; RTJ 70/91);
salvo quando se trata de lesão que pela
própria fenomenologia ou pela localização dos ferimentos recebidos deva ser
tida logo como produzindo perigo de
vida (RF 164/357). Em outras palavras: impõe-se que os peritos indiquem
no laudo como se configurou o perigo
de vida, descrevendo os sintomas que
o determinaram (RF 205/349) ou os
JURISPRUDÊNCIA
fenômenos que o acarretaram, ainda
que em determinado instante (RF 180/
351, 184/300). O laconismo do laudo,
todavia, pode ser suprido pela descrição de lesões que são evidentemente
graves e perigosas, como, por exemplo,
os ferimentos que causam ruptura de
ossos cranianos e produzem compressão
cerebral (RF 208/296); as lesões penetrantes no abdome (RF 205/340) ou
na região peitoral esquerda (RF 153/
435). Cf. RF 151/425, 200/270 e 208/
285.
O que importa fixar é que o perigo
de vida não resulta apenas da natureza
e sede das lesões, mas da probabilidade
de morte no decorrer do processo patológico por elas gerado (RF 154/425,203/
323). E que não basta, em regra, que os
peritos se limitem a afirmar a ocorrência de tal perigo, sem efetivamente o
demonstrar. Sobre a necessidade de
fundamentação da existência do perigo
de vida, veja-se RF 163/464 e 165/428.
N em o estado de choque nem o estado
de coma são sinais certos de perigo
de vida (RF 146/439, 167/377).
O perigo de vida deve ser efeito imediato da lesão, pois constitui critério
para aferir a sua gravidade. Não se
exige que seja contemporâneo do evento, desde que se situe como efeito imediato da lesão, como quadro patológico
no momento do exame (RF 145/431).
Não se exige exame complementar (RF
161/400, 169/382, 182/341, 185/367).
A lesão será igualmente, grave, se
dela resultar debilidade permanente de
membro, sentido ou função. Debilidade significa redução na capacidade funcionaI. Membros são os apêndices do
corpo (braços e pernas). Sentidos são
os mecanismos sensoriais por meio dos
quais percebemos o mundo exterior (tato, audição, visão, olfação e gustação).
Função é a atividade de um órgão ou
179
aparelho. As principais funções são:
circulatória,
respiratória,
digestiva,
secretora, reprodutiva, sensitiva e lo ..
comotora.
Para que se reconheça a debilidade
permanente, não é preciso, como diz
Maggiore, vol. II, pág. 779, um diagnóstico absoluto de perpetuidade, nem
desaparece a debilidade permanente
com a eventual correção atraV'és de
aparelhos artificiais (RF 212/381).
A aoeleração de parto, prevista no n.
IV do § 1.0 do art. 129 do CP, significa
antecipação do nascimento, sendo portanto, indispensável que o feto seja viável, nasça e permaneça vivo. Se houver a morte do feto, haverá aborto e a
lesão corporal será gravíssima (art.
129, § 2.°, n. V). Para que se configure
o agravante, é indispensável que o agente tenha tido ou devesse ter tido conhecimento da gravidez da vítima e que
a aceleração de parto resulte efetivamente da lesão corporal. O CP de 1969
excluiu a aceleração de parto dos resultados que tornam a lesão corporal
grave, orientação correta.
Prisão administrativa. Empresa pública.
Não pode a prisão administrativa
ser decretada pelos diretores de empresas públicas. Essa prisão é regulada
pelo DL n. 3.415, de 10.7.41, não podendo ser ampliados os seus pressupostos. Cf. Fragoso, Jur. Crim., n. 365.
O TFR, no RHC n. 3.604, da 2. a
Turma, relator o eminente Min. Décio
Miranda, decidiu, por empate na votação: "Prisão administrativa. Gabe sua
decretação aos chefes de repartição pública, contra remissos ou omissos em
entrar para os cofres públicos com dinheiros a seu cargo (CP, art. 319; DL
n. 3.415, de 10.7.41). Não podem de-
180
REVISTA DE DIREITO PENAL
cretá-Ia diretores ou agentes de empresa pública que têm poderes de gestão,
mas não o jus imperii da autoridade
pública" (DJ de 19.8.75, pág. 5.802).
De maneira incisiva e clara, ensina
Tornaghi: "A faculdade, conferida às
autoridades, de pedir a devolução dos
autos, está condicionada ao fato de estar o acusado solto" (Comentários ao
Código de Processo Penal, voI. I, t. 1.0,
Prisão preventiva. )Inquérito devolvido
pág. 182).
à polícia.
Não pode haver devolução de autos
de inquérito à polícia com o indiciado
Pode o Ministério Público requerer a
preso: os únicos caminhos de que
prisão preventiva, e, ao mesmo tempo,
dispõe o Ministério Público, em tais
a devolução dos autos à autoridade pocasos, consistem ou em oferecer
licial para conclusão do inquérito polidenúncia, ou, liberados os indiciacial, e ver deferidas suas pretensões?
dos, requerer a baixa para compleA resposta, a nosso ver, é não.
mentação. Vejamos ainda a lição de
Já se decidiu que depois de decretada a prisão preventiva do indiciado
Tornaghi: "O Ministério Público pode
"não deve o inquérito ser devolvido
pedir a devolução dos autos do inquéautoridade policial a fim de serem conrito à polícia para novas diligências.
tinuadas as investigações, porque, se
Em caso de atendimento do pedido, o
os autos fornecem elementos que autoprazo para a denúncia começará a corrizam a custódia, com mais forte rarer da data do novo recebimento, desde
zão autorizam a denúncia" (RF 213/
que o réu esteja solto. Desta ressalva,
411).
feita pela própria lei, se concebe que,
A questão é, em realidade, simples.
estando o I'!éu preso, o prazo para a
O art. 10 do CPP dispõe que "o indenúncia se conta da data do primeiro
quérito deverá terminar no prazo de
recebimento, e se ao fim dele, isto é,
10 dias, se o indiciado tiver sido preso
após cinco dias, não há denúncia e sim
em flagrante, ou estiver preso prevenpedido de devolução, o réu deve ser
tivamente". O § 3.° deste artigo prevê
posto em liberdade" (op. cit., vol. I, t.
a hipótese que na prática judiciária é
2.°, pág. 93).
tratada como "baixa", nos seguintes
Sempre se entendeu ser essa a solutermos: "§ 3.° - Quando o fato for de
ção imperativa, e Ary Franco lembrava
difícil elucidação, e o indiciado estiver
que "o não oferecimento da denúncia,
solto, a autoridade poderá requerer ao
no prazo fatal de cinco dias, importajuiz a devolução dos autos para ulteriorá na liberdade do ;réu, ou por ato do
res diligências, que serão realizadas no
juiz, ou por habeas corpus" (Código de
prazo marcado pelo juiz".
Processo Penal, Rio, 1960, voI. I, pág.
Verifica-se desde logo que uma das
137).
condições para que se dê a devolução
O cabimento do remédio heróico é
dos autos é não se encontrar preso o
igualmente lembrado por Espínola Filho,
indiciado.
vol. I, pág. 440: "É de salientar que
Espínola Filho, voI. I, pág. 294, verestando o réu preso, o não oferecimento
sando a hipótese, menciona que "o deda denúncia nos cinco dias faz se torlegado ( ... ) poderá, não estando preso
ne ilegal o constrangimento ao qual eso indiciado, pleitear uma prorrogação
tá submetido, pelo que deverá ser solto,
(do prazo) ".
até mediante habeas corpus".
à
JURISPRUDÊNCIA
17/18
A jurisprudência sufraga caudalosamente este entendimento: desde julgados mais antigos, citados por Espínola
Filho (voI. I, pág. 440), até mais recentes, referidos por Fragoso, Jur.
Crim., n. 270. (Nota de Nilo Batista).
Recurso em liberdade. Lei n. 5.941.
A Lei n. 5.941, que alterou a redação do art. 594 do CPP, infelizmente,
vem sendo aplicada pelos tribunais sem
a amplitude que seria desejável. Essa
lei orienta-se no sentido de afastar,
tanto quanto possível, o delinqüente primário e de bons antecedentes, da prisão, antes de definitivamente julgado.
É claro, no entanto, que essa lei não
pode ser aplicada naqueles casos em
que ao recorrente já havia sido aplicada
a prisão provisória, seja a prlsao em
flagrante de crime inafiançável, seja
a prisão preventiva. Nesse sentido, fixou-se a jurisprudência. Vejam-se as
decisões da 3.a C. Crim. do TJ do antigo
Estado da Guanabara, relator o ilustre
Des. Olavo Tostes Filho, nos HC ns.
30.174, 30.270 e 29.941 (DO de 24.7.
74, pág. 120 do apenso).
Reincidência. Prova.
A reincidência não se prova com as
meras anotações da folha de antecedentes, sujeitas, como se sabe, a incorreções e omissões. A reincidência prova-se através de certidão expedida pelo
órgão que impôs a condenação tornada
irrecorrível.
Nesse sentido decidiu a 2. a Turma
do TFR, relator o eminente Min. J arbas Nobre, no HC n. 3.283, por maioria: "Não se' admite o reconhecimento
da reincidência com folha de antecedentes, sim com certidão passada por
cartório" (DJ de 2.9.75, pág. 6.194).
181
Responsabilidàde objetiva. Delito de circulação.
No julgamento da AC n. 1.219, a C.
Crim. do TARJ, por unanimidade de
votos, deu provimento ao recurso para
condenar o acusado. Poucas vezes se
verá um exemplo tão nítido de responsabilidade objetiva, e é suficiente a
transcrição da ementa: "Incide na reprovação penal por manifesta culpa o
motorista que, imprudentemente, admite
passageiros em carroceria de caminhão,
fato vedado pelas leis específicas do
trânsito ante a insegurança do transporte nessas condições, de tal sorte que,
por qualquer dano sofrido pelo conduzido responde o condutor imprevidente
ainda quando não lhe caiba culpa direta pelo evento final ". Foi relator da
decisão, que nos parece incorretíssima,
o ilustre Juiz Adolphino Ribeiro (DO
de 28.5.75, III, pág. 3.435).
O único raciocínio jurídico que poderia conduzir à condenação, face a tal
quadro de fatos, se:ria o seguinte :
.. qui in re illicita versatur etiam pro
c,asu tenetur", raciocínio que, como é
sabido, desde as Decretais vem perdendo prestígio assustadoramente. Autores italianos, notadamente os tecnicistas,
não poderiam aqui ser invocados, porquanto o Código italiano prevê uma
hipótese de culpa in re ipsa (na "inobservância de leis, regulamentos, ordens
ou disposições"), que por felicidade é
desconhecida do direito brasileiro. (Nota de Nilo Batista).
Revelia_ Inexiste se a ausência do réu
for justificada.
Declara-se a revelia do acusado que,
dtado inicialmente ou intimado para
qualquer ato do processo; deixa de comparecer sem motivo justificado (CPP,
182
REVISTA DE DIREITO PENAL -
art. 366). Não há, portanto, revelia, se
o néu justifica sua ausência, de modo
a afastar a rebeldia que configura a
contumácia.
Decidindo o HC n. 51.034, a 2. a Turma do STF, relator o eminente Min.
Rilac Pinto, assentou: "Falta de intimação. Existindo motivo justificado para o não comparecimento do acusado ao
interrogatório, não se decreta sua re-
17/18
velia. Ausência de intimação do réu
para os atos processuais, com ofensa
ao princípio do contraditório. Cerceamento de defesa" (DJ de 19.10.73, pág.
7.868).
No mesmo sentido decidiu a 1.a C.
Crim. do TA do antigo Estado da Guanabara, no HC n. 3.781, relator (para
o acórdão) o ilustre Juiz Orlando Leal
Carneiro (DO de 8.7.75, pág. 5.645).
LEGISLAÇÃtO PENAL
ESPE·CIAL
MANOEL PEDRO PIMENTEL
1. Introdução ao estudo da Legislação Penal
Especial
2. Crimes contra a Economia Popular (Lei n.
1. 521, de 26 de dezembro de 1951)
3. Crimes de usura pecuniária e real
4. Disposições comuns aos crimes contra a economia popular
5. Crimes falimentares - Noção e divisão
6. Dos crimes falimentares em espécie - Análise
do art. 186 da Lei de Falências
7. Dos crimes falimentares em espécie - Análise
dos arts. 187 e 188 da Lei de Falências
8. Da prescrição dos crimes falimentares
9. Dos crimes contra a liberdade de imprensa
- Conceito e divisão
10. Dos crimes contra a honra - Análise
11. Do direito de resposta
12. Da responsabilidade sucessiva
211 págs. brochura -
EDrroRARii'
REVISTA DOS TRIBUNAIS
Rua Conde do Pinhal, 78
01501 - São Paulo, SP
1972