Globalização, comércio exterior e integração mundial
Transcrição
Globalização, comércio exterior e integração mundial
ASPE CT OS I NT RODUT ÓRI OS DAE CONOMI A UMC UR S OP A R AP R OV OC A R DE BA T EEI DE A I SNOV A S GL OBA L I Z A Ç Ã O , C OMÉ R C I OE X T E R I OR EI NT E GR A Ç Ã OMUNDI A L 6 MÓDUL O 6ª Aula – Globalização, Comércio Exterior e Integração Mundial Leitura N°1: “Conceito de propriedade privada e de ação”, de Eduardo Marty (15 minutos) CONCEITO DE PROPRIEDADE PRIVADA E DE AÇÃO Eduardo Marty Se perguntarmos a qualquer pessoa de qualquer setor social se ela acredita que o indivíduo tem o direito de possuir bens, a resposta certamente será: “É claro!”. O livre comércio de bens e serviços entre os indivíduos é uma implicação do conceito de que uma pessoa tem o direito de possuir bens. Se uma pessoa é dotada do direito de possuir bens, procede que ela tem o direito de utilizar sua propriedade como melhor lhe parecer, sempre que este uso não infrinja o mesmo direito de terceiros. Ao satisfazer seus desejos, o homem moderno troca constantemente bens e serviços com outros homens. Enquanto realiza essas trocas, ele sempre busca obter algo que seja mais valioso para si do que o que entrega. Mas o homem procura satisfazer seus desejos com o menor esforço possível. Esta característica da natureza humana às vezes traz inconveniências, porque uma maneira fácil de satisfazer necessidades é o roubo, que infringe os direitos de terceiros. O roubo viola os códigos de conduta, a ética e a moral. Apesar disso, descobriu-se uma forma de roubar sem ser acusado de ladrão: pede-se ao governo que roube em seu lugar. Este método de obter algo em troca de pouco ou nada se propagou pelo mundo e mostra uma forma pervertida de indolência onde se satisfazem as necessidades em troca do menor esforço possível. Às vezes ocorre que as pessoas esquecem os fundamentos da moral e se deixam guiar unicamente pela lei, e por isso se procurou perverter a própria lei para convertê-la em instrumento de tirania, tirania essa que a lei inicialmente buscava evitar. O bem-estar de um indivíduo, de uma família, de um grupo ou de uma nação está dado pela quantidade de bens e serviços desejados à disposição de cada um. O nível material de vida que um povo desfruta é medido pela sua produção somada ao saldo das transações internacionais (exportações e importações). Enquanto consumidores a abundância nos favorece, ao baratear os bens e serviços que desejamos consumir, mas enquanto vendedores nos convêm que haja maior escassez, na medida em que com isso os preços sobem e com eles nossas margens de lucros. 1 Sabemos que em todo livre comércio ambas as partes são beneficiadas, do contrário a troca não seria realizada. Se estiver doente e contrato um médico é porque esta transação me convém e ao médico também. Quando se compra um carro não apenas o vendedor do veículo sai beneficiado, mas também o comprador. Para o comprador, o carro vale tanto ou mais do que o dinheiro que ele entrega. Do contrário, por que faria essa troca? Existe alguma diferença quando as partes que negociam vivem em cidades diferentes, ou em bairros, estados, países e continentes diferentes? Se um importador brasileiro voluntariamente paga dólares que obteve anteriormente de alguém que queria vendê-los, por havê-los obtido de uma venda voluntária ao exterior, e o importador obtém assim um DVD estrangeiro, quem pode dizer qual das partes se beneficiou com a transação, e em quanto se beneficiou? Se o comércio não fosse visto por cada um dos envolvidos como benéfico para seu próprio interesse, por que então a parte insatisfeita o realizaria? O contrário disto seria supor que o Brasil, em seu conjunto, estaria melhor se conservasse em seu território sua soja, suas carnes, seu minério de ferro; e é realmente isto o que estão supondo os funcionários do governo quando estabelecem restrições, barreiras aduaneiras, quotas de exportação, controles cambiais e outras barreiras ao comércio internacional. Esses funcionários ignoram a vantagem ou desvantagem de cada transação comercial em nome de seu próprio juízo do que é benéfico ou prejudicial para a Nação. Se o governo intervém para restringir uma transação comercial particular livremente acordada entre dois indivíduos, está aplicando a mesma lógica: “Os indivíduos são incapazes de determinar seus melhores interesses”. Procura-se então provar que o intercâmbio livre e voluntário não pode beneficiar ao grupo em seu conjunto. A era da especialização Vivemos na era da especialização, ou pelo menos é o que dizem. Na verdade, sempre houve especialização: o homem primitivo saía a caçar; a mulher cuidava dos filhos; alguns se especializavam na pesca etc. Com o desenvolvimento dessas habilidades, a troca se tornou vantajosa. Os homens ao longo da história foram se especializando e isso foi benéfico. Ninguém hoje em dia poderia fabricar sua própria televisão, e a especialização foi possível pelas chamadas vantagens comparativas. Um exemplo claro é o esporte: alguns são melhores jogando tênis, outros jogando futebol, outros ainda jogando xadrez. Possuem uma vantagem comparativa e neste sentido são especialistas. O mesmo vale em relação a um romance, um computador, uma cirurgia específica. Às vezes a vantagem comparativa provém da geografia: podemos cultivar bananas na Antártida, mas elas custarão muito mais aí do que na América Central. O princípio da vantagem comparativa funciona não apenas de nação para nação, mas de cidade para cidade, de povoado para povoado, de indivíduo para indivíduo. A economia estimula a eficiência. Ainda que haja vantagens absolutas em todos os ramos de produção. Por exemplo: um advogado é mais eficiente digitando no computador do que sua 2 secretária, e, no entanto pede a ela que o faça porque lhe é mais vantajoso ocupar seu tempo em tarefas mais produtivas, que por sua vez para ela seriam excessivamente custosas. Vantagens relativas são as obtidas ao dedicar-se tempo às atividades que relativamente resultam mais proveitosas. A lei da associação de David Ricardo e o princípio das vantagens comparativas sustentam que “será mais proveitoso dedicar-se às atividades onde se possui as maiores vantagens relativas”. A secretária possui vantagem na digitação sobre sua capacidade de tratar os temas jurídicos, relativamente ao advogado, seu chefe, que ainda que seja melhor em ambas as atividades, possui vantagem maior ao lidar com temas jurídicos do que digitando. É daí que se origina a tão denunciada divisão internacional do trabalho, que surge espontaneamente no mundo em função das vantagens absolutas e relativas em cada contexto. A economia é um sistema de vasos comunicantes que tende a igualar tudo através das taxas de câmbio. Em geral, apenas a interferência do governo impede que atue este mecanismo igualador e regulador da economia. Os argumentos contra o livre comércio são em geral argumentos calcados em interesses setoriais, e pouco lhes importa o fundamento teórico da questão. Em geral o que está em jogo é a obtenção de benefícios pessoais. Apesar disso, tais argumentos se encontram tão difundidos que não podemos atribuir-lhes necessariamente má fé. Argumentos protecionistas 1. Indústria incipiente: Este argumento a favor das tarifas aduaneiras se baseia em que as indústrias novas não podem resistir à concorrência das indústrias firmemente estabelecidas em outros países. Os governantes assim argumentam: “Deixemos que nossas indústrias se estabeleçam e se desenvolvam e logo elas poderão competir. Não vamos deixá-las desamparadas enfrentando empresas com maior tecnologia e eficiência”. Mas uma vez estabelecida a tarifa, quem irá removê-la? Quem pode dizer se a nova indústria já tem capacidade de enfrentar a concorrência? Os funcionários do governo? Ou os homens de negócios envolvidos com a indústria? Se a economia funciona adequadamente todo empresário sabe correr riscos e consegue o capital necessário que lhe permite sustentar seu negócio durante o período de formação, sempre que as perspectivas futuras sejam promissoras. Além disso, por que fazer a diferença entre as empresas nacionais e as estrangeiras? Se uma pessoa deseja abrir uma padaria, mas não consegue competir com o padeiro do bairro que tem 15 anos de experiência no serviço, por que não pode impor uma tarifa sobre seu concorrente de modo a poder crescer e se estabelecer? Aliás, por que pensar que as outras indústrias da economia irão ficar de braços cruzados, ao ver que o governo concede proteção a umas quantas favoritas? A economia protegida terminará por não mais crescer e perpetuará as solicitações de apoio governamental. Se eliminarmos essa muleta tarifária, o produtor é obrigado a baixar seus custos e se tornar mais eficiente, ou fechar as portas. 2. Teoria do fim do mundo: Isto é, como os estrangeiros são mais competitivos em todos os ramos, não podemos exportar nada e nossas indústrias vão todas quebrar. 3 3. Teoria do desemprego: Como consequência da abertura às importações, os postos de trabalho nacionais desaparecerão. O protecionismo assim criaria novos postos de trabalho. O que na verdade se criam são postos de trabalho distintos. 4. Teoria do Emprego: Esta conduz à teoria do auto abastecimento que em última instância promoveria o cultivo de bananas na Antártida. 5. Teoria da Deterioração dos Termos de Troca: Esta teoria afirma que ocorre de fato uma exploração de países por países. Apareceu na América Latina através da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e da obra de Raul Prebisch, nos anos 1940; no Brasil principalmente com os escritos de Celso Furtado, relacionada à chamada Teoria da Dependência. Ao levarmos em conta o saldo final das fases de expansão e de contração do ciclo econômico global, os artigos produzidos no centro, industriais, terminam se valorizando cada vez mais em relação aos artigos produzidos na periferia, primários. Muitos simpatizam com esta argumentação por gostarem da sua “mentalidade de vítima” e por se sentirem explorados. No entanto, a evidência estatística apresentada foi contestada por conta da incorporação de melhoras técnicas aos bens manufaturados, ao longo de períodos de vários anos. Diversos autores atacaram a teoria da deterioração dos termos de troca com base no fato de que a majoração dos preços das manufaturas seria devida à crescente sofisticação dos bens de consumo. Por outra parte, muitos bens que nas fases iniciais do comércio teriam participado nos fluxos de troca, teriam desaparecido pela mudança nos hábitos de consumo ou nos processos de manufatura, dificultando a identificação de tendências de longo prazo. Finalmente, argumenta-se que a relação declinante observada entre os preços das mercadorias primárias e o das manufaturadas só seria evidente quando o ano inicial da série considerada apresenta valores altos para essa relação, e o ano final, valores baixos. Assim, a comprovação da própria existência da deterioração dos termos de troca dependeria do período escolhido. 6. Teoria dos salários elevados: Acredita-se que as tarifas mantêm nossos salários elevados evitando que caiam ao nível dos salários dos países de onde importamos. Afirma-se que as tarifas nos protegem da concorrência da mão de obra estrangeira mal paga. Se aceitarmos seus produtos teremos de aceitar seus níveis de salário. Antes de tudo: de que depende o nível dos salários? A resposta é que depende da produtividade dos trabalhadores e a produtividade está em função das ferramentas possuídas. O nível de vida de uma nação depende dos bens e serviços possuídos. Se um número qualquer de pessoas se desfaz voluntariamente de bens e os troca por outros que valoriza mais, o nível de vida melhorou. Se importarmos um bordado feito à mão por uma costureira de Taiwan que trabalha por um salário muito baixo, ou seja, uma atividade que no nosso país tem remuneração maior, isso significa que o salário da artesã nacional será reduzido ao salário da mulher taiwanesa? A resposta é decididamente que não. É verdade que os produtos têxteis nacionais talvez não possam competir, mas se não puderem vender a um preço competitivo, os produtores nacionais deverão se dedicar a produzir um dos muitos produtos nos quais possuem vantagem comparativa. 4 7. 8. 9. 10. Está certo que a mulher residente do nosso país que antes fazia bordados à mão agora terá de dedicar-se a alguma outra ocupação, mas este é um fenômeno típico dos reajustes que ocorrem pela operação do livre comércio. Os trabalhadores e os empregadores podem melhorar sua eficiência ou buscar outra atividade econômica mais eficiente. A mão de obra residente no país será transferida para outro ramo industrial onde terá uma aplicação mais útil do seu tempo. Se alguém que ganha R$ 10.000 por mês compra legumes de um agricultor que ganha apenas R$ 3.000 em um ano inteiro, isso significa que o nível de salário do comprador vai cair ao nível do agricultor? Muito pelo contrário. Teoria da Autarquia: Nos círculos militares e nacionalistas, a liberdade de comércio interna é benéfica, mas não a liberdade externa, onde vigoram dois objetivos fundamentais: 1) a potência militar, e ao o bem-estar do consumidor; e 2) a teoria do desperdício – o que acontece com o pessoal especializado, o que acontecerá com o maquinário já empregado? Teoria da Retaliação: Defende que, se aqui se aplica um imposto, logo todos os demais também o fazem. Como vamos então nos desproteger se ninguém o faz? Argumento político da aparência: Nos EUA e na Alemanha, por exemplo, há proteção às indústrias. O crescimento se deu com um sistema protecionista. O ponto aqui é que sem proteção cresceriam ainda mais. Culpar a população: É preciso desmistificar a teoria de que quem compra dólares retira algo do país. Sempre que alguém compra dólares pagando com reais há outra pessoa que faz a operação inversa: compra reais e vende dólares. Se isto ocorre, nada sai do país. A única mudança se deu em relação à titularidade dos dólares e dos reais. Isto é vantajoso para ambos que assim podem satisfazer suas necessidades econômicas. Ao país é indiferente tal mudança de titularidade. Ao mesmo tempo, essa troca dinamiza a economia. Se ela não houvesse ocorrido, os indivíduos teriam ficado sem possibilidade de ação, presos às suas moedas. O efeito econômico da troca é uma pressão sobre a taxa de câmbio no mercado. Muitos residentes de países que não usam o dólar como moeda nacional sentem pesar sua “consciência patriótica” porque, para preservar o dinheiro que pouparam, precisam convertê-lo em moeda estrangeira. Preservam assim seu capital. E mais: para obter a moeda estrangeira precisam vender bens e com isso o preço destes tende a cair. Esta queda se compensa com a subida provocada pela compra dos bens com a nova moeda adquirida. Oferta e demanda se regulam dessa maneira através do mercado de câmbio. O mercado de câmbio frequentemente é objeto de muita regulação. Quando a inflação interna aumenta as importações e diminui as exportações, o Banco Central, se quer manter a taxa de câmbio oficial, precisa vender ou restringir a compra, até finalmente a situação se tornar insustentável e ele precisar desvalorizar. 5 O mito mercantilista Não é verdade que é preferível exportar a importar. Se entrarem no país as melhores mercadorias, o consumidor nacional se beneficiará, mas a nossa indústria sairá prejudicada? A resposta é não. Suponhamos que os franceses impeçam a entrada da carne brasileira em seu país, cobrando pesados impostos sobre esta importação. A reação típica seria que os brasileiros restringissem suas importações da França. Quando os franceses impõem o imposto, a quem prejudicam então? Os prejudicados são o consumidor francês e o produtor brasileiro. Se o Brasil retalia impondo tarifas, nenhum daqueles dois vê sua situação melhorar, apenas se prejudicam também os produtores franceses e os consumidores brasileiros. Mas se permitíssemos a livre importação, o que aconteceria? Os brasileiros importariam os bens e pagariam em reais; os reais nas mãos dos franceses os obrigariam a comprar do Brasil, ou a vendê-los para terceiros que por sua vez iriam comprar no Brasil. O resultado é benéfico para o Brasil, e para a França também. Se há déficit na balança comercial, o preço da divisa aumenta e com isso se realimentam as exportações. Quando se limita a entrada de mercadorias estrangeiras se limita ao mesmo tempo a venda de mercadorias ao exterior. Em outras palavras: mais importações implicam necessariamente mais exportações. Responda às seguintes perguntas: 1. Para que uma transação econômica seja realizada, é necessário que: a) O que entrego seja igual ao que recebo e ambas as partes saiam beneficiadas b) O que entrego é maior do que o que recebo, e por isso sou eu o beneficiado c) O que entrego é menor do que o que recebo, e por isso não sou o beneficiado d) A atribuição de valor é subjetiva, portanto, se a transação é voluntária, ambas as partes saem ganhando. 2. Um funcionário do governo pode saber exatamente que bens convém exportar e que bens convém impedir a exportação? 3. Por que a vantagem relativa é importante para a especialização? Por que por mais que uma pessoa ou país tenha vantagens absolutas sobre a outra parte ainda convém especializar-se e comerciar? 4. Qual é o principal problema que os governos produzem ao proteger uma indústria? 5. Você acredita que a abertura ao mercado exterior geraria desemprego? Leitura N°2: O texto a seguir, sobre a política brasileira de reserva de mercado para informática, foi escrito em 1988, às vésperas da abertura comercial da economia brasileira. Leia e responda às perguntas a seguir. 6 RESERVA DE MERCADO DE INFORMÁTICA 1 O ESTADO DA ARTE A resposta é sim. Mas qual era mesmo a pergunta? - Woody Allen O surgimento da ideia de reservar o mercado brasileiro de computadores para os fabricantes de informática começou no início dos anos 1970. Multinacionais como Burroughs, IBM, Olivetti, HP etc. não mais poderiam fazer concorrência com as indústrias nacionais, o que possibilitaria o crescimento e fortalecimento dessas. Após algum tempo (até 1992, que aparentemente é o prazo de vigência da Lei de Informática), essas empresas já estariam em condições de concorrer com as multinacionais, e o mercado poderia então ser reaberto. Durante esse prazo, seria desenvolvido um know-how genuinamente nacional e o país se tornaria tecnologicamente independente na área de informática. Para justificar a proposta de reserva do mercado, foram citados os casos japonês e americano, como exemplos bem sucedidos de protecionismo. A Elebra tem mesmo usado esse argumento em sua propaganda, cujo texto, do General Ulysses S. Grant, presidente dos EUA em 1870, é reproduzido abaixo: Senhores, Durante séculos, a Inglaterra usou o protecionismo, levado a seus extremos, o que lhe proporcionou resultados satisfatórios. Não há dúvida de que a esse sistema deve seu poderio atual. Depois de dois séculos, a Inglaterra achou conveniente adotar o livre-câmbio, por considerar que a proteção já não mais podia dar resultado. Pois bem, senhores, o crescimento de minha pátria me faz acreditar que, dentro de duzentos anos, quando a América do Norte houver obtido, do regime protetor, tudo o que ele lhe pode dar, adotará o livre-câmbio. Para a consecução dessa nova política industrial, o governo criou um organismo constituído por coronéis do Serviço Nacional de Informações – atual SEI – o que despertou logo a ira de alguns setores liberais da classe empresarial. A ideia logo teve acolhida por setores da sociedade que, embora não entendendo de política industrial, ficaram sensibilizados com palavras de ordem tais como "A informática é nossa", "O mercado é um patrimônio nacional", "Abaixo as multinacionais sanguessugas" e outras do gênero. Tal trabalho de conscientização (lobby) foi eficientemente realizado por várias entidades ligadas ao setor de informática, como a Abicomp (defende os interesses dos fabricantes de 1 Antonio C. M. Mattos e Heraldo Vasconcellos. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901988000300012 7 computadores nacionais), a SBC (representa os professores universitários de informática), a APPD (sindicato não oficial dos técnicos de computação), etc. Entretanto, com o passar dos anos, os consumidores foram percebendo que a tão sonhada independência tecnológica, se viesse, ainda iria demorar bastante, pois o que se via no mercado eram cópias dos microcomputadores fabricados nos EUA, algumas até fraudulentas. Além disso, havia ainda três agravantes: qualidade bem inferior; de três a dez vezes mais caros que os estrangeiros; obsoletos, já havendo modelos mais recentes lançados no mercado internacional. Naturalmente, isto não deveria ser novidade para o consumidor brasileiro, pois, em outros setores, as coisas não são tão diferentes. Por exemplo, a qualidade dos eletrodomésticos nacionais é flagrantemente inferior aos equivalentes "importados"; o automóvel nacional possui uma transmissão obsoleta há mais de vinte anos (nos EUA os carros são hidramáticos): além disso, são pelo menos três vezes mais caros que os consumidos no exterior. Mas o maior problema para o usuário nacional não é propriamente o preço alto ou o obsoletismo dos equipamentos, mas sim sua qualidade. De fato, até mesmo os computadores americanos apresentam falhas. No entanto, enquanto lá estas são rapidamente sanadas, aqui a assistência técnica é um verdadeiro calvário, já que o fabricante se interessa apenas em vender e, como vende bem, não se preocupa com a qualidade (um deles chegou mesmo a afirmar: “para que ter despesas com controle de qualidade, se tudo o que fabrico eu vendo?”). Dada a importância do microcomputador para as empresas nacionais em geral, e a possibilidade de melhores opções externas, o contrabando logo começa a crescer, chegando mesmo, segundo se diz, a haver um micro "importado" para cada nacional vendido. Dessa feita, não obstante já haver a Reserva logrado produzir bons resultados, embora incipientes, as críticas começam a aumentar, tendo partido até mesmo de seus antigos defensores. E os objetivos maiores de independência tecnológica parecem ficar cada vez mais distantes, o que a rigor não é grande novidade, pois a infraestrutura essencial para tal desenvolvimento – a Universidade – encontra-se de há muito em frangalhos. Nessas circunstâncias, pretender concorrer com as multinacionais do setor em futuro próximo, quando acabar a Reserva, só pode ser mais um sonho tropical. Claro que a SEI, acuada, nega tudo isto, mas o fato é que os investidores também estão a perder a fé na Reserva. E sem capital não há trabalho. Pelo menos remunerado. Mas existe ainda outra desilusão da Reserva: o software. Excluídos alguns casos bemsucedidos (Sistemas de Contabilidade, Folhas de Pagamento e Automação Bancária), nada muito útil se fez, a não ser copiar os sistemas americanos. A justificativa dada é que as multinacionais vivem se aproveitando dos subdesenvolvidos, e que a pirataria é uma forma de compensação... Mas o usuário brasileiro, no entanto, continua preferindo os originais, que são melhores. 8 Com o pano de fundo acima delineado, nada mais propício para uma cartada internacional contra a Reserva curiosamente bem-vinda por muitos usuários: a ameaça de retaliação comercial contra o Brasil, por parte dos EUA, como forma de pressionar o governo a acabar com a Reserva, e o consequente recuo da Política de Informática em vigor. Tudo isto poderia ter sido evitado se os fabricantes tivessem conseguido cair nas boas graças dos seus consumidores, que afinal são os que decidirão a sorte da Reserva. Mas, ao que tudo indica, a Reserva será mais uma quimera que não deu certo, pois nenhum país consegue se desenvolver apenas com o mercado e a indústria. Sem a terceira perna – a Universidade – qualquer mesa cai no chão. 1. Quais foram os argumentos utilizados para adoção da reserva de mercado de informática? O texto anterior citava argumentos protecionistas comuns, você poderia identificar algum daqueles utilizado neste caso? 2. Quais os principais grupos defensores da reserva de mercado? 3. Quem foram os beneficiados por essa política? Quem foram os prejudicados? 4. Qual era a situação da oferta de computadores no Brasil do final dos anos 1980? Por que o fabricante nacional não se interessava em prestar assistência técnica? 5. Qual a situação do consumo de computadores no Brasil do final dos anos 1980? Por que a política incentivava o contrabando? Discussão N°1: Suponha que um pintor residente no Haiti ganha R$ 500 ao mês para pintar duas casas. Suponha agora que o mesmo pintor, com as mesmas ferramentas, viaja ao Brasil e para pintar duas casas de tamanho igual ganha R$ 800. Se as habilidades do pintor são as mesmas, como se explica essa diferença de remuneração? A abertura externa é benéfica? Como são determinados os salários? (10 minutos) Vídeo N°1: “No comércio todos ganham” (15 minutos) Veja o vídeo a seguir e responda às perguntas: http://www.youtube.com/watch?v=qdcQLWGaJoM&list=PLD78A4CA3338CFA7E&index=23 1. Por que é desvantajoso produzir enquanto autarquia? 2. Por que convém que Fritz se especialize em trigo e Lou em milho? 3. Quais são os benefícios, de acordo com o vídeo, do comércio? Leitura N°3: O conceito de vantagens comparativas é um dos pilares da teoria econômica sobre o comércio internacional, e no entanto ele é frequentemente confundido com o conceito de vantagem absoluta. O texto a seguir irá aprofundar esta distinção. 9 VANTAGENS COMPARATIVAS 2 Uma pessoa tem vantagem comparativa na produção de algo se ela pode produzir este item a um custo menor do que a pessoa com que ela está sendo comparada. Possuir uma vantagem comparativa na realização de algo não é o mesmo do que ser o melhor nisso. De fato, uma pessoa pode estar completamente despreparada para fazer algo e ainda assim ter uma vantagem comparativa em fazê-lo! Como isso pode acontecer? Primeiro, vamos trabalhar esse vocabulário. Uma pessoa que é a melhor na realização de algo possui aí uma vantagem absoluta. O jogador Pelé, em seu tempo, possuía uma vantagem absoluta em jogar futebol. Nada impede que ele também fosse ao mesmo tempo o melhor digitador do mundo, o que lhe daria vantagem absoluta na digitação também. Se ele digita melhor do que você, segue que ele digita a um custo menor do que você digita? Isto é, se uma pessoa possui vantagem absoluta em algo, ela possui automaticamente uma vantagem comparativa nesta atividade? A resposta é não! Se Pelé sacrificasse seu tempo de treino e de jogos para ficar digitando, ele estaria perdendo enormes rendimentos de sua carreira de jogador. Se, no entanto, ele contratasse uma secretária para o serviço de digitação, a secretária estaria sacrificando apenas o rendimento de um emprego equivalente como secretária – ou mesmo o rendimento ínfimo que ela teria como jogadora de futebol. Isto é, a secretária digita a um custo muito mais baixo; é a secretária, e não Pelé, que possui uma vantagem comparativa na digitação! A chave para entender as vantagens comparativas está na expressão “custo mais baixo”. O custo para alguém de produzir algo é o seu custo de oportunidade – o valor de que a pessoa tem que abdicar para levar a cabo a atividade em questão. Uma pessoa pode possuir vantagem absoluta na produção de tudo, mas ela possuirá uma vantagem comparativa na produção de apenas algumas coisas, provavelmente uma ou duas. No caso do Pelé, a vantagem comparativa estava em jogar futebol, talvez em anunciar produtos, etc.; ele possuía portanto enorme desvantagem comparativa na digitação, na realização dos serviços domésticos, etc. Para descobrir a vantagem comparativa de alguém não devemos atentar para suas vantagens absolutas, mas para os seus custos de oportunidade. Felizmente, todos possuem vantagem comparativa na realização de algo. Disto decorre admiravelmente que todos têm a ganhar com o comércio. Mesmo aqueles com desvantagens em todas as atividades podem ofertar algo valioso. Aqueles com vantagens absolutas naturais ou aprendidas podem melhorar sua situação concentrando-se unicamente nestas atividades e comprando os outros bens e serviços daqueles que os produzem a um custo 2 Tópico de economia da “Library of Economics and Liberty”, escrito por Lauren F. Landsburg. Original em inglês disponível em http://www.econlib.org/library/Topics/Details/comparativeadvantage.html. 10 comparativamente menor. (Ainda mais surpreendente é que aqueles com desvantagens absolutas têm mais a ganhar com o comércio do que aqueles que possuem muitas vantagens absolutas; mas isso seria outra discussão). Quando David Ricardo ilustrou a importância das vantagens comparativas no início do século XIX, ele resolveu um problema que havia escapado até a Adam Smith. As vantagens comparativas explicam por que um país pode chegar a produzir e exportar algo que seus habitantes não são nada habilidosos em produzir, quando comparados aos habitantes do país importador! A explicação deste aparente paradoxo é que os habitantes do país importador são ainda melhores na produção de outro bem ou serviço, e por isso vale a pena para eles pagar o país exportador para fazer essas atividades comparativamente menos rentáveis. Os habitantes de cada país estão em uma situação melhor ao se especializarem na produção dos bens nos quais eles possuem vantagem comparativa, ainda que um dos países possua vantagem absoluta na produção de cada item. 1. Explique o conceito de vantagem absoluta. Se uma pessoa possui vantagem absoluta na produção de tudo, ela não tem nada a ganhar com o comércio? 2. Explique o conceito de custo de oportunidade. Se uma pessoa possui desvantagem absoluta na produção de tudo, ela não tem nada a oferecer no comércio? Leitura N°4: “Comércio internacional e comércio dentro das fronteiras da nação. Mercantilismo. Comércio e autarquia. Vantagem relativa e Vantagem absoluta”, de Alberto Benegas Lynch (h) (15 minutos) COMÉRCIO INTERNACIONAL Alberto Benegas Lynch (h) O comércio internacional em nada se diferencia do comércio que se realiza dentro do país. Oceanos, rios, montanhas ou qualquer fronteira política convencional não modificam os princípios e as relações teleológicas inerentes à economia. Não é a nação que comercia, quem comerciam são indivíduos específicos de modo direto ou indireto, através de associações de natureza variada. O tratamento do comércio exterior em separado do comércio no mercado interno se deve à grande quantidade de falácias tecidas em torno das relações internacionais. Essas falácias provêm principalmente das doutrinas mercantilistas, originalmente desenvolvidas e aplicadas durante os séculos XVI e XVII. Os defensores desse sistema não eram estudiosos de economia mas, em sua própria avaliação, “homens práticos de negócios”, entre os quais se contavam T. Milles, W. Petty, T. Mun, G. D. Malynes, M. Montaigne, J.B. Colbert, E. Misselden e W. Potter. Basicamente o mercantilismo defendia que a riqueza de uma nação 11 consiste na quantidade de dinheiro (na época, moeda metálica, isto é, principalmente ouro ou prata) que ela acumulou. Assim se afirmava que as exportações deveriam ser estimuladas e as importações, limitadas, através de tarifas aduaneiras. Introduziam-se controles cambiais, impunha-se a necessidade de licenças para comerciar, concedia-se privilégios para o estabelecimento de monopólios, aumentava-se os impostos para sustentar essa crescente burocracia, controlava-se os preços, e impunham-se controles e subsídios de todo tipo. Os mercantilistas foram os precursores dos economistas ditos keynesianos em relação aos pontos básicos da teoria e, portanto, de muitas das medidas contemporâneas em matéria de política econômica. D. Villey explica que os mercantilistas eram “Os campeões do Estado forte e imperialista; de um Estado que não tem tanto por missão fazer reinar a justiça mas sim impor-se e expandir-se (...) Os autores mercantilistas precisam escrever depressa, pois já o editor aguarda para divulgá-los; escrevem diretamente para o soberano ao qual destinam seus conselhos de ação imediata.” O sistema de preços indica as produtividades de cada um para as diversas tarefas. A cooperação social, isto é, as relações entre as pessoas, permite a divisão do trabalho que aproveita a energia humana onde seus rendimentos são maiores e assim intercambia os bens produzidos com maior vantagem. Como dissemos, as vantagens relativas de cada um para as diversas tarefas são explicitadas através dos preços, e a divisão do trabalho é proveitosa para todos mesmo quando um sujeito possui vantagem absoluta em relação ao outro, isto é, ele é mais eficiente na execução de todas as tarefas em questão. Este fato é conhecido como lei das vantagens comparativas, lei dos custos comparados ou lei da associação de Ricardo. Assim, ainda que um médico conheça e possa realizar de maneira mais eficiente todas as tarefas que sua enfermeira realiza, o rendimento conjunto é aumentado quando os dois dividem as tarefas. Da mesma forma, se um economista possui uma habilidade para a datilografia igual à de sua secretária, ainda assim serão obtidos maiores benefícios se cada um realizar as funções para as quais demonstra relativamente maior destreza dentro de todas as tarefas que pode realizar. Esta é a base do comércio e da cooperação social, o oposto é a autarquia, caso em que os custos de cada ação são maiores e, dado que os recursos e a energia são limitados, os valores obtidos são menores. Responda às seguintes perguntas: 1. Podemos afirmar que uma nação comercia com outra? Por quê? 2. Qual é a posição defendida pelo mercantilismo? 3. Você vê alguma relação entre a posição mercantilista e a Lei de Say estudada na primeira aula? Lembre-se, a Lei de Say diz que “Toda oferta cria sua própria demanda, o que, em última instância, significa que não há vendedor sem comprador; se os preços são livres, a quantidade de dinheiro se ajusta à quantidade de bens através dos preços”. Leitura N°5: “Balança comercial e balanço de pagamentos. Importações e exportações. Controles cambiais”, de Alberto Benegas Lynch (h) (10 minutos) 12 BALANÇA COMERCIAL E BALANÇO DE PAGAMENTOS Alberto Benegas Lynch (h) Nas transações comerciais realizadas com o exterior frequentemente se faz referência à balança comercial e ao balanço de pagamentos, ainda que estes conceitos estejam presentes em todas as transações. A balança comercial inclui as chamadas remessas visíveis, isto é, compras e vendas de mercadorias. Se adicionarmos à balança comercial as chamadas remessas invisíveis, isto é, os movimentos de capital, teremos então o balanço de pagamentos. Dentro do balanço de pagamentos é calculado o ajuste ou o balanço líquido, o qual se refere ao resultado. Podemos registrar o balanço de pagamentos de uma pessoa em sua relação com os vizinhos durante uma semana; da mesma forma podemos calcular o balanço de pagamentos de um estado em relação aos outros que formam o país ao longo de um mês; ou de uma nação em sua relação com o resto do mundo ao longo de um ano, etc. Normalmente o escopo do balanço de pagamentos é este último, ainda que não precise necessariamente sê-lo. Se unificamos o balanço de pagamentos de um país, temos que as exportações são iguais às importações mais o resultado líquido do balanço de pagamentos, e isto, com relação aos indivíduos, equivale a dizer que nossas rendas são iguais aos nossos gastos mais o saldo líquido das transações monetárias. Por exemplo: se analisamos o balanço de pagamentos do Sr. A durante o período X e verificamos que seus rendimentos foram de R$ 10 e suas despesas de R$ 8, seu balanço de pagamentos será de 10 = 8 + 2. Se, em outro momento mas com a mesma renda, suas despesas passarem a 12, seu balanço de pagamentos será 10 = 12 - 2. Este balanço de pagamentos pode por sua vez ser decomposto em remessas visíveis (balança comercial) e remessas invisíveis (movimentos de capital). O mesmo ocorre em um país e, se o mercado é livre, não se produzem “desequilíbrios” no balanço de pagamentos. Pelo contrário, como veremos a seguir, tais desequilíbrios são resultado da intervenção governamental. É por isto que K. Rueff afirma: “O dever dos governos é de permanecerem cegos diante das estatísticas do comércio exterior, nunca se preocuparem com elas e nunca adotar políticas para alterá-las (...) Se me coubesse dizê-lo eu não hesitaria em recomendar a eliminação dessas estatísticas, por conta dos danos que provocaram no passado, dos danos que ainda provocam e, temo eu, dos danos que continuarão provocando no futuro.” O mercantilismo introduziu a ideia da balança comercial favorável e da balança comercial desfavorável. A balança comercial favorável (de acordo com esta teoria) é quando as exportações excedem as importações, e a desfavorável é quando se dá o contrário. Esta concepção não leva em conta que o objetivo da exportação é a própria importação. Ou seja, nada haveria de mais “favorável” para um país do que poder importar ad infinitum sem precisar exportar. Lamentavelmente, esta situação é impossível, pois implica em que o resto do mundo presenteie suas mercadorias ao país em questão. De toda forma, é importante ressaltar que aquelas expressões não esclarecem a natureza do comércio exterior, mas a confundem. No país (ou região, ou pessoa) em que as remessas visíveis importadas excedem as exportadas, estas são compensadas no livre mercado com entradas de capitais, que deste 13 modo permitem a compra de mercadorias numa quantidade maior do que a que se vendeu. Como vimos, Rueff aconselha que o governo ignore absolutamente as estatísticas do balanço de pagamentos de um país, porque a ação decorrente desvirtua os resultados das transações. É por isso que ele diz: “De acordo com esse critério, a fórmula mágica para se recuperar a balança comercial de um país consistiria em comprar caro no país e vender barato no exterior – ou seja, em arruinar-se. Também podemos mandar toda a produção da indústria doméstica para o fundo do mar. Esta observação talvez ponha em dúvida as convicções daqueles que acreditam ser dever dos governos a redução do déficit na balança comercial ou o aumento do superávit.” Frédéric Bastiat relata uma pequena anedota para ilustrar as confusões que surgem com relação à balança comercial. A história se refere a um francês que compra vinho em seu país pelo preço de 1 milhão de francos, e o transporta à Inglaterra onde o vende por 2 milhões de francos, que ele utiliza para comprar algodão que leva de volta à França. Ao sair da aduana francesa o governo registra exportações de 1 milhão de francos e ao voltar com o algodão o governo registra importações no valor de 2 milhões de francos, com o que o negociante estaria contribuindo para que a França tivesse uma “balança comercial desfavorável” em 1 milhão de francos. Bastiat prossegue a história contando que outro comerciante francês também comprou vinho por 1 milhão de francos em seu país e também o transportou para a Inglaterra, mas que não tomou os devidos cuidados nesse transporte e só conseguiu revendê-lo por meio milhão de francos. Com este dinheiro também comprou algodão e retornou à França. Desta vez a aduana contabilizou então uma exportação no valor de 1 milhão de francos e uma importação no valor de meio milhão. Assim, este desastrado comerciante contribuiu para que a França obtivesse uma “balança comercial favorável” em 500 mil francos. Se determinamos um período para analisar o balanço de pagamentos e unificamos nas exportações todas as entradas de dinheiro e nas importações todas as saídas de dinheiro, observaremos mudanças na composição das diversas cifras à medida que transcorre o tempo. Da mesma forma, um assalariado pode estudar a evolução do seu balanço de pagamentos ao subdividi-lo em períodos diários. No início do mês não haverá gastos e seus rendimentos serão iguais ao saldo da conta de capital. Até o final do mês seus gastos tenderão a anular o montante que antes figurava na conta de capital e assim sucessivamente. Como vimos, o indivíduo oferece bens e serviços no mercado demandando meios de pagamento para em seguida demandar bens e serviços oferecendo meios de pagamento. Se eliminamos da conta o meio de pagamento veremos que as vendas estão pagando pelas compras. Ninguém poderia comprar nada se antes não vendesse; as vendas são realizadas para que se possa comprar. O processo é o mesmo no plano do comércio exterior, as exportações pagam as importações e vice-versa; para importar, é preciso anteriormente haver exportado. Exportações e importações são duas faces de uma mesma moeda, do mesmo modo que compras e vendas. Não faz sentido perguntar qual das transações é mais importante do que a outra, assim como não faz sentido perguntar qual o sapato mais importante do par, ou qual das lâminas da tesoura que faz o corte. Se um país é absolutamente incapaz de exportar (e não há entradas de capital do exterior) não poderá fazer compras do exterior. Se as compras somadas às saídas de capital de um país excedem suas vendas somadas às entradas de capital, o balanço líquido terá sinal negativo 14 como resultado das operações. Para ilustrar essa situação, suponhamos que no mundo inteiro se usa o ouro como moeda. Em nosso exemplo, o ouro sai do país em questão, o que o faz mais escasso internamente e deste modo, ceteris paribus, aumenta o seu poder aquisitivo na economia interna – os preços internos tenderão a diminuir pois haverá menos moeda em circulação para pagá-los. O contrário acontecerá nos países onde houve entradas significativas de ouro; nestes casos o poder aquisitivo da moeda de ouro declinará e os preços subirão. Estas consequências farão com que os habitantes do país de onde saiu o ouro agora prefiram comprar em seu próprio país, enquanto que os habitantes do país inflacionado pela entrada de ouro desejarão comprar produtos estrangeiros, mais baratos. Em um processo de mercado as transações comerciais com o exterior fazem as contas externas se ajustarem espontaneamente através da relação entre preços internos e preços externos. Vejamos a mesma situação agora no mercado cambial, supondo distintas moedas para distintos países. Quando um país exporta ou nele entram capitais, as divisas estrangeiras são vendidas no mercado cambial, fazendo com que, ceteris paribus, se desvalorizem em relação à moeda local. Isto por sua vez fará com que as importações se tornem mais atraentes, e sua efetivação aumentará a demanda por divisas estrangeiras o que provocará sua valorização em relação à moeda local. Com isso, as importações serão freadas e haverá maior estímulo para as exportações, e assim sucessivamente. O balanço de pagamentos de cada indivíduo em relação ao conjunto da comunidade ou da comunidade em relação com as outras nações está permanentemente equilibrado. Os termos da relação variam de acordo com as preferências dos participantes no mercado. No entanto, se o governo decide se intrometer, forçando direta ou indiretamente a modificação dos termos daquela relação, o balanço de pagamentos é artificialmente desarticulado de seus mecanismos de ajuste automático. Se qualquer um de nós fosse obrigado a manter certa quantidade e qualidade de bens em proporção a certa quantidade de meios de pagamento, nosso balanço de pagamentos sofreria grandes distorções. Os controles cambiais são uma das melhores ferramentas para se produzir uma crise no balanço de pagamentos. Significam impor um preço máximo a uma divisa, uma cotação depreciada, e um preço mínimo a outra, uma cotação valorizada. Em geral, através dos controles cambiais pretende-se ocultar os efeitos da inflação sobre a paridade e, desta, sobre os preços internos. Suponhamos então que a moeda local seja valorizada em relação à estrangeira. Esta valorização faz com que as exportações se contraiam, pois o produto exportado encarece em termos de divisas estrangeiras. Ao mesmo tempo, ela estimula as importações porque a divisa estrangeira se torna artificialmente barata. Como vimos, se o mercado houvesse permanecido em seu livre funcionamento, o aumento das importações faria naturalmente com que as divisas estrangeiras encarecessem o que por si só já interromperia a alta nas importações e incentivaria uma recuperação das exportações. No entanto, como o câmbio foi mantido fixo à paridade oficial, o importador continua comprando do exterior pois a divisa estrangeira se mantém artificialmente barata. Esta saída artificial de divisas, somada à contração também artificial na entrada de divisas, é o que conduz aos referidos desequilíbrios no balanço de pagamentos. 15 É curioso que, do próprio ponto de vista mercantilista, o desejo de aumentar as exportações e diminuir as importações produz os efeitos opostos com os controles cambiais. Ainda desse ponto de vista, os controles cambiais são incompatíveis com a pretensão de “desencorajar viagens supérfluas” e de “repatriar capitais” (este último porque os capitais que ingressam no país também se encontram reduzidos pelo próprio controle cambial). Em geral o governo não para por aqui em sua intromissão no mercado. Recorre a encargos adicionais à importação e a subsídios à exportação, fazendo toda a comunidade pagar a diferença entre sua política de câmbio e a taxa de câmbio de mercado, com o agravante de que a interferência em um indicador econômico tão importante gera ainda a alocação equivocada dos sempre escassos fatores produtivos. O governo, com um emaranhado de encargos, direitos, retenções, depósitos prévios, quotas, licenças e contingenciamentos procura desastradamente fazer o que o mercado livre haveria feito sem provocar desperdício de capital. Os governos ainda tentam corrigir estes desajustes através de depreciações sucessivas na moeda nacional, o que na verdade significa o estabelecimento de novos preços políticos para a divisa, em vez de simplesmente deixar o mercado operar. Vimos que estas concepções equivocadas sobre o comércio exterior provêm do mercantilismo, mas é importante ressaltar que provêm especialmente da obra de Michel de Montaigne (França, 1532-1592) onde se formula a teoria de que “a pobreza dos pobres é consequência da riqueza dos ricos”, a qual fundamenta as já mencionadas noções de balanças comerciais favoráveis e desfavoráveis. Essa teoria, que se conhece como o dogma de Montaigne, defende que em toda comunidade, em um momento dado, há uma quantidade dada de dinheiro em espécie e à medida que vão ocorrendo as transações alguns (os que compram) se desfazem desse dinheiro, enquanto outros (os que vendem) o adquirem. De acordo com este autor, grande expoente do mercantilismo, aqueles últimos possuirão mais dinheiro à custa dos primeiros (os compradores). Este raciocínio não considera a parte não monetária da transação, isto é, o bem que o comprador recebeu e que tem maior valor para ele do que o dinheiro que entregou em troca. Esta análise, além de conceber a riqueza como algo estático, não apreende seu verdadeiro significado. Ninguém que analise seriamente um balanço contábil atentará unicamente para as cifras referentes a “Caixa” e “Depósitos em Bancos” se quiser avaliar o estado do patrimônio. O indivíduo ou a empresa de maior patrimônio líquido (mais rico) pode possuir ainda assim a menor liquidez. Responda às seguintes perguntas: 1. Explique a diferença entre balança comercial e balanço de pagamentos. 2. Levando em conta tudo que foi debatido até aqui, é possível afirmar que a pobreza dos pobres se deve à riqueza dos ricos? Justifique sua resposta. 3. Muitas vezes os governantes desvalorizam sua moeda para incentivar as exportações e desencorajar as importações. Deste modo, buscam uma balança comercial “favorável” ao seu país. Que consequências provoca a interferência na taxa de câmbio determinada pelo mercado? 16 Discussão N° 2: Imaginemos duas pessoas residentes no Brasil: Ronaldo e Pelé. Suponhamos que Ronaldo compra café brasileiro por R$ 1 milhão e o transporta para a Argentina, onde o vende por R$ 2 milhões com que compra carne para trazer de volta ao seu país. Quando sai da aduana brasileira, o governo registra uma exportação no valor de R$ 1 milhão, mas quando retorna ao país, o valor da importação registrado é de R$ 2 milhões. Assim, Ronaldo contribui para que o Brasil esteja numa situação de “balança comercial desfavorável” em R$ 1 milhão. Enquanto isso, Pelé procura seguir o exemplo de seu compatriota e compra o mesmo café brasileiro por R$ 1 milhão. No entanto, em seu translado para o território argentino ele perde grande quantidade de grão, por não haver tomado as providências adequadas, com o que sua venda só lhe proporciona um valor de R$ 500 mil. Quando Pelé retorna ao Brasil trazendo suas compras de carne, a aduana, que registrara uma exportação no valor de R$ 1 milhão, agora registra uma importação de R$ 500 mil. Desta forma, nas estatísticas da balança comercial, o desastrado Pelé contribuiu para uma “balança comercial favorável”, produzindo um superávit de R$ 500 mil. (15 minutos) 1. Quem você acha que foi mais eficiente em suas transações, Ronaldo ou Pelé? 2. Que opinião merecem os números que a balança comercial apresenta? 3. Você acredita que seria proveitoso destruir bens assim que atravessam a fronteira, de forma a favorecer nossa balança comercial? Atividade N° 1: Comercializando entre os alunos (20 minutos) Os alunos devem formar um círculo, posicionando-se um ao lado do outro. Cada aluno receberá três ou quatro bens diferentes entre si. Por sua vez, os bens recebidos pelos alunos não serão homogêneos entre si. A seguir se pedirá aos alunos que atribuam valores de 1 a 4 aos seus bens, de acordo com suas preferências. A soma destes números representará o valor possuído no momento. Em uma primeira instância, os alunos poderão comerciar bens somente com os colegas imediatamente à sua esquerda ou direita. Isto representaria uma lei estabelecida pelo governo impedindo a realização de transações internacionais. Em um segundo momento, os alunos poderão comercializar seus bens com qualquer outro aluno da sala, independente de sua posição. Uma vez finalizado o exercício ficará claro que o comércio livre e voluntário produz uma situação mais satisfatória do que o comércio artificialmente restrito. 17 Leitura N°6: “Restrições ao Comércio Internacional” (1971), de W. Marshall Curtiss (15 minutos) RESTRIÇÕES AO COMÉRCIO INTERNACIONAL W. Marshall Curtiss Se há um ponto de comum acordo entre os economistas ao longo da história é que o comércio deveria ser deixado livre de todo tipo de intervenção e restrição governamental. É desnecessário repetir mais uma vez as razões pelas quais o bem-estar material dos indivíduos é melhorado através da divisão do trabalho e do livre comércio. Ainda assim, as restrições ao comércio estão aí, e não irão embora tão cedo! Tarifas e outras barreiras ao comércio parecem seguir um ciclo de relaxamento em certos momentos, para serem a seguir reintroduzidas com novo ímpeto protecionista. Por que, contrariando os argumentos dos maiores intelectuais, as restrições ao comércio agradam tanto aos legisladores? Em outras palavras, quem é que incentiva os legisladores a tomar essas medidas? O clamor por proteção provém de muitos lugares ao mesmo tempo. O fabricante de sapatos se sente lesado ao encontrar sapatos importadas à venda no mercado. Toda firma toma todo tipo de medida legal disponível que lhe permita manter sua lucratividade e seu nível de negócios estável. Se há uma possibilidade de eliminar a concorrência estrangeira, convencendo o governo a criar algum tipo de entrave à entrada das sapatos estrangeiras – uma tarifa, uma quota, um embargo – o fabricante de sapatos poderá assim manter seu negócio lucrativo, competindo apenas com as empresas domésticas como sempre fez, mas evitando a concorrência externa. A indústria de sapatos pode manter um lobby em Brasília procurando convencer os legisladores de que, a não ser que se conceda proteção, milhares de postos de trabalho serão fechados, o desemprego vai subir e muitas empresas irão à falência. Na verdade, esse risco pode muito bem ser real! De toda forma, funciona bem no convencimento dos legisladores. O que aconteceu com o argumento lógico dos economistas, que conclui que a proteção prejudica o consumidor? O argumento se mantém, mas a voz do consumidor é por demais débil. E daí que vá custar alguns centavos a mais comprar um par de sapatos? Comparado à perda daqueles empregos ou à quebra de várias companhias, isso não é nada! Ou ao menos é o que parece àqueles que buscam proteção. Nós aceitamos a competição doméstica Agora, suponhamos uma empresa doméstica com problemas financeiros, de nenhuma forma causados por importações concorrentes. Essa empresa enviará um lobby a Brasília pedindo ajuda? Normalmente não. No comércio doméstico, em geral aceitamos a ideia de que uma empresa deve concorrer com as outras sem usufruir de privilégios especiais. Empresas 18 quebram, pessoas perdem seus empregos, mas o consumidor não é penalizado por intervenções que reduzem a produção e fazem com que as coisas custem mais caro. Se o fracasso de vendas dos carros modelo Edsel fosse por causa da concorrência externa, alguém poderia argumentar que uma tarifa nas importações poderia ter salvado as vendas e preservado milhares de empregos. Fosse a fabricante uma empresa de um único produto, isso poderia mesmo havê-la salvado da falência. Mas não, era uma empresa doméstica que avaliou mal seu mercado consumidor, e apenas isso. O modelo Edsel custou à companhia Ford cerca de US$ 250 milhões. Outro exemplo, nos anos 1960, foram os sapatos Corfam que a Du Pont Company criou: após 7 anos e US$ 100 milhões gastos em propaganda, a companhia tirou o Corfam do mercado. Apenas as dimensões destes dois fracassos comerciais são dignas de nota. Milhares de novos produtos são criados todos os anos, e muitos simplesmente fracassam. A não ser que a companhia venda outros produtos e isto lhe permita suportar tais prejuízos, ela própria irá à falência, como ocorre em muitos casos. As preferências do consumidor estão constantemente sendo testadas. Ordinariamente, jamais pensaríamos em pedir ao governo que impedisse o fracasso comercial de um determinado produto. Aceitamos tais fracassos como um dos aspectos regulatórios da concorrência e do mercado. Mas basta que a concorrência venha de outro país, ainda que beneficie o consumidor doméstico tanto quanto suas concorrentes nacionais, e logo surge o clamor para que se ergam barreiras e se salvem empregos ou empresas, ou construam uma muralha ao redor do nosso alto padrão de vida, ou seja o que for. Política do Comércio Internacional As justificativas para tarifas e outras formas de proteção incluem argumentos como defender nossos altos salários, evitar o desemprego, proteger indústrias nascentes, ajudar na defesa nacional, impedir o comércio com o inimigo, desencorajar dumping, etc. Barreiras de comércio ou ameaças de barreiras de comércio frequentemente compõem a maneira como a política externa é formulada: “Reduziremos nossas restrições se vocês também o fizerem” ou “Reduzamos nossas restrições contra países subdesenvolvidos para que possam se beneficiar de nos vender” ou ainda “Vamos parar de comprar cromo de determinada nação africana cujas políticas internas nós desaprovamos”. Entre as razões para restrições ao comércio internacional, é preciso incluir a própria política externa. Ou, como disse um autor: “As políticas comerciais dos EUA são um assunto politizado demais”. Mas de todas as pressões sobre os membros do Congresso e do Executivo para que adotem restrições de comércio, poucas são maiores do que as exercidas por empresas ou associações representando empresas. Consumidores individuais que teriam tudo a ganhar com a redução ou eliminação das barreiras de comércio, e que possuem poder de voto suficiente para eleger ou derrotar qualquer um dos candidatos eleitos, aqui são praticamente impotentes frente aos lobbies empresariais. 19 Para ilustrar, vejamos os resultados de algumas tentativas nos anos 60 de contenção de alguns gastos em defesa. Em primeiro lugar, a produção de algo que será destruído em combate é obviamente inútil do ponto de vista do bem-estar material das pessoas. Se os mesmos trabalhadores e recursos fossem redirecionados à construção de moradias, estradas, à provisão de atenção médica, educação, saneamento, manutenção de equipamentos, etc. os consumidores só teriam a ganhar. Mas basta sugerirmos o desligamento dessa máquina de guerra e a reação dos protestos é ensurdecedora. Trabalhadores vão perder seus empregos, empresas vão falir, a economia vai sofrer amargas consequências. Está certo, são difíceis os ajustes a realizar. Mas o fato de que um trabalhador não é necessário em uma fábrica de aviões não deveria impedi-lo de procurar emprego produtivo em outro ramo. As pessoas se solidarizam com os trabalhadores de uma indústria que está perdendo seu mercado, especialmente se é a única indústria de uma comunidade. No debate americano dos anos 70 sobre a pesquisa e o desenvolvimento de SST (transporte supersônico), muitos membros do Congresso e da impressa basearam seus argumentos basicamente nos milhares de trabalhadores que perderiam seu emprego e nas empresas que iriam falir. Os mesmos argumentos foram usados para tentar manter o Programa Espacial. Tais argumentos possuem um poderoso apelo emocional e com isso uma considerável força persuasiva. Muitos desses mesmos argumentos são usados para estabelecer restrições ao comércio, com consequências econômicas igualmente desastrosas. Cinco Princípios Básicos No debate sobre comércio exterior é oportuno ter em mente alguns princípios básicos: 1. Ganhos do comércio. O comércio entre dois indivíduos, fruto da decisão livre de cada um, sempre traz benefícios para ambas as partes. Do contrário, por que haveriam comerciado? Qualquer ponto de vista que uma terceira pessoa possa ter sobre a transação se deve ao seu julgamento subjetivo próprio e não modifica aquela realidade. 2. Vantagens comparativas. Sempre há uma vantagem comparativa na produção de alguns produtos e na importação de outros. Os custos de produção em determinada nação podem bem ser mais baixos para qualquer dos produtos produzidos pela outra nação. Ainda assim, o comércio entre as duas nações pode ser proveitoso para ambas. Frequentemente se diz que somente as nações como a Inglaterra e outras nações marítimas se beneficiam do comércio, porque não podem produzir internamente uma importante variedade de produtos. Se o Brasil fechasse todas as suas fronteiras é possível que ainda pudesse manter algum nível de vida razoável para sua população, mas essa situação não é comparável com o nível de vida que pode ser obtido realizando o comércio com o exterior. 3. O único objetivo da produção é o consumo. Adam Smith explicou isso há mais de 200 anos. A produção serve para satisfazer os desejos do consumidor. Não é para criar empregos, ou para garantir a solvência de uma empresa, ou para fazer uma nação ser 20 dependente da outra. É claro, essas coisas ocorrem como subproduto da produção e do comércio, mas não devem constituir seus objetivos. 4. O comércio, em geral, será mais satisfatório a todos os envolvidos quando os indivíduos (ou seus representantes) que possuem algo para comerciar negociam livremente com os indivíduos (ou seus representantes) que desejam obter a mercadoria comerciada. O governo deveria estar envolvido o mínimo possível; primeiro, porque não interessa para a transação em si, e segundo porque sempre há a tentação de usar o comércio com objetivos diferentes da simples satisfação do consumidor. Se um brasileiro quisesse trocar algo de sua propriedade por algo oferecido por um cidadão venezuelano, ninguém se preocuparia, sabendo que cada uma das partes se considerava beneficiada pela transação. Se no entanto o governo intervém em um ou em ambos os lados deste comércio, surge a suspeita, por vezes justificada, de que um dos lados está buscando ali uma vantagem política ou militar. 5. Importações requerem exportações. Comércio exterior parece complicado porque frequentemente envolve uma circulação indireta através de várias nações. Além disso, envolve o uso das moedas de diversos países, cujas taxas de câmbio possuem uma determinação complexa. Mas o princípio fundamental se mantém, pelo qual uma nação que importa precisa exportar alguma mercadoria em troca. Muitas pessoas parecem acreditar que podemos um dia ser inundados por importações tomando conta de toda a produção deste país, mas falham aí em enxergar que as mercadorias estrangeiras não podem entrar na nossa economia se em troca não sair algo para pagar por elas. O argumento da reciprocidade Um argumento popular defendendo a manutenção de tarifas é o de condicionar a redução dos nossos obstáculos ao comércio à remoção dos obstáculos impostos pelas outras nações. Isto é, a redução de tarifas deve ser feita em conjunto. A falta de compreensão do comércio internacional e o efeito das restrições se reflete em uma nota divulgada no “The New York Times”, em 31 de março de 1971: “A Comunidade Econômica Europeia decidiu hoje conceder preferências de comércio generalizadas para os países em desenvolvimento a partir de 1º de julho.” Esta medida significa: “Se você é pobre, deixaremos que venda para nós”. A verdade, é claro, é que todo comércio voluntário, sejam os participantes ricos ou pobres, beneficia tanto o vendedor quanto o comprador. Se o “país em desenvolvimento” antes sofria restrições ao comércio, agora estará ganhando com o relaxamento dessa restrições. Mas não devemos perder de vista que o aumento do comércio também será benéfico para a tão “afluente” nação compradora. Quando diplomatas de diferentes países discutem a redução de tarifas de comércio, parece que está em jogo uma forma de barganha de alto nível. O quão pouco precisamos aceitar diminuir nossas restrições à importação para ganharmos alguma redução nas restrições deles contra as nossas exportações? Nunca parece ocorrer aos envolvidos que a abertura comercial 21 integral é proveitosa não importando o que a outra nação faça. Certamente que os nossos consumidores iriam se beneficiar. Mas a preocupação dos diplomatas sempre é com o efeito sobre as firmas e sobre os empregos. Muita consideração se dá às reduções de “nação mais favorecida”. Se “beneficiamos” uma nação específica com a redução das tarifas, deveríamos conferir esse grande benefício a todas as outras nações. Na verdade, a ação unilateral de reduzirmos nossas restrições contra a importação beneficiaria nossos consumidores, e poria fim à interminável barganha com os outros países sobre a redução recíproca das tarifas deles. Mas quem sabe? É possível que algum dia percebam que políticas comerciais não deveriam ser assunto de discussão política nenhuma e que o livre comércio entre os cidadãos de todas as nações, pobres e ricas, beneficia a todos os consumidores. Como o livre comércio pode ser alcançado? Políticos, tanto no Poder Legislativo quanto no Poder Executivo, têm de responder a variadas pressões de seus eleitores. Enquanto a pressão por restrições de comércio for maior do que a pressão por livre comércio, as restrições irão continuar. Nos EUA, muita atenção já foi dada à indústria têxtil, em especial ao comércio de produtos têxteis com o Japão. Se esse comércio fosse realizado estritamente entre indivíduos, sem haver a interferência de seus governos, muitos dos problemas que provoca seriam evitados. Após a Segunda Guerra Mundial, o governo americano fez concessões para ajudar na reconstrução da economia japonesa. Promoveu a venda de algodão aos japoneses por um preço menor do que sua própria indústria doméstica tinha de pagar, praticamente dando de presente novas manufaturas têxteis ao Japão. Não é de se espantar que os produtores têxteis americanos tenham denunciado essa concorrência injusta e procurado conseguir restrições à importação de têxteis japoneses. Vinte anos depois da guerra, não obstante os efeitos daquela “política externa” terem começado a se dissipar, os argumentos pelas restrições ainda se mantinham. Com o transcorrer dos anos, muitas injustiças econômicas, envolvendo o desperdício e o mau uso de capital e de trabalho, foram consequência de restrições ao comércio. Removê-las todas de uma vez e adotar o livre comércio indubitavelmente requererá ajustes difíceis nas empresas nacionais. Não surpreende então que elas procurem, por todas as vias legais disponíveis, proteger as tarifas existentes e mesmo aumentar as barreiras que as amparam. Quem representa o consumidor? Do ponto de vista do manufatureiro, os supostos benefícios da proteção e as desvantagens do livre comércio são, na verdade, de curta duração e desaparecem assim que os ajustes para a nova situação forem realizados. Toda empresa precisa ainda competir com suas rivais domésticas e com as importações, mesmo que amparada por uma muralha de tarifas. Mas é sobre estes ajustes de curta duração que os legisladores ouvem, sobre a demissão de trabalhadores, a redução dos lucros, a falência dos negócios. Os genuínos benefícios de longo prazo não angariam muitos defensores ardorosos. Isso é especialmente verdade em um país 22 como os EUA onde as importações são uma proporção relativamente pequena de todo o comércio realizado na economia. Quem representa os consumidores nestes casos? Seus “protetores profissionais” parecem ocupados demais com cintos de segurança, selos de qualidade, embalagens sustentáveis, transparência na concessão de crédito e causas ecológicas para poder dedicar tempo a uma polêmica tão espinhosa quanto o livre comércio. A maioria das famílias reflete uma combinação entre interesses de produtor e interesses de consumidor, que tanto parecem estar em conflito com relação às restrições para o comércio. Por exemplo, suponhamos que dois membros da família trabalham na fábrica têxtil local. A questão mais importante para a vida cotidiana dessa família é manter esses dois membros empregados, trazendo toda semana suas remunerações para o lar. Se essa família está convencida de que a importação de têxteis pode eliminar seus postos de trabalho, então ela pode facilmente se tornar a favor de medidas protecionistas. Uma história que saiu nos jornais é exemplo desta lógica. A matéria estava intitulada como “Crepúsculo de uma Vila Têxtil” e relatava a história de uma fábrica que fora a principal indústria de um vilarejo por mais de 70 anos até precisar fechar as portas e pôr na rua 844 empregados da noite para o dia. Além disso, “50 fábricas de têxteis no sul dos EUA fecharam nos últimos dois anos. O Departamento de Trabalho estima que, apenas no ano de 1970, 27.200 trabalhadores perderam seus empregos na indústria têxtil”. É uma situação séria, aparentemente requerendo soluções políticas. O que não é tão óbvio é que mesmo que todas as importações de têxteis fossem impedidas, após um curto período de ajustamento as próprias empresas domésticas acirrariam a concorrência interna até o ponto em que as empresas marginais volvessem a sair do negócio. Um exemplo de como ajustes podem ser feitos para uma indústria decadente é relatado na revista “New England Letter”, de abril de 1971, publicada pelo First National Bank of Boston. O estudo mostra como, no início dos anos 1950, muitas fábricas têxteis nos EUA foram fechadas, revelando uma fraqueza fundamental nas indústrias domésticas de couros e de sapatos. Algumas dessas fábricas 20 anos depois estariam entre as que apresentaram problemas no sul do país, em especial na região da Nova Inglaterra. Se o problema tivesse sido sanado com soluções políticas, seguramente os têxteis da região poderiam haver sido “protegidos” mantendo as fábricas funcionando e os empregos de sempre. Ao invés disso, a indústria da Nova Inglaterra se reorientou, em parte para a produção de equipamentos de transporte, de equipamentos elétricos e de instrumentos, para citar somente alguns casos. Esse novo tipo de produção tem maior orientação exportadora e possui melhor competitividade internacional. Possui mais da “vantagem comparativa” de que os economistas tanto falam. Requer trabalhadores mais qualificados, e o “valor adicionado na manufatura” é relativamente mais elevado. Portanto, no longo prazo, a remuneração do trabalhador tende a exceder o que era antes e o que seria hoje se ainda se produzissem têxteis, sapatos e produtos de couro. É verdade, alguns dos novos ramos industriais possuem ligações íntimas com contratos governamentais de defesa, e cortes dos gastos nessa área têm gerado aumentos no desemprego. Ainda assim, há ali uma base para a exportação e para aumentos na produção para o consumo. 23 A adaptação a mudanças como essas frequentemente é difícil e não deve ser subestimada. Mas tais mudanças estão sempre ocorrendo em uma economia em expansão. Tentativas de interrompê-las com restrições artificiais provocarão mais reveses no logo prazo do que o processo de adaptação. É preciso optar entre liberdade e protecionismo Como já observado, a maioria dos economistas concorda que o protecionismo é insensato. O consumidor é mais beneficiado quando as pessoas podem comerciar livremente entre si, não apenas domesticamente mas por todo o planeta. Ainda assim as restrições persistem, impostas por razões políticas. O incentivo para que se ergam barreiras ao comércio é uma resposta política à pressão de indivíduos, grupos de trabalhadores, grupos industriais e outros que acreditam tirar proveito de medidas protetoras como tarifas, quotas e licenças. Como é o consumidor o prejudicado, pode-se argumentar que a solução está na sua educação. Porém, como mostramos acima, o interesse do consumidor enquanto consumidor de um produto protegido é, em geral, muito menos importante do que seu interesse enquanto empregado na produção de um produto potencialmente protegido. Por isso é pouco provável que os consumidores, enquanto grupo, possam ser eficazes em pressionar os legisladores e neutralizar as reivindicações de proteção feitas por outros grupos. Após mais de dois séculos usufruindo das vantagens do livre comércio, pode parecer trivial dizer que a educação é o único meio de corrigir os males causados pelo protecionismo. Não parece haver outro caminho possível, no entanto. Ainda que o consumidor, enquanto consumidor, deva ser incluído entre os que devem ser educados, a ênfase maior deveria ser posta em convencer os legisladores das vantagens do livre comércio, de forma que possam resistir às pressões dos eleitores que acreditam precisar e merecer proteção dos concorrentes. Responda à pergunta a seguir: 1. Por que o fechamento da economia pode levar empresas locais à falência? Quem então irá satisfazer as necessidades dos consumidores? Leitura N°7: “Elogio da Ineficiência”, de Roberto Campos (1917-2001, economista, diplomata e político brasileiro) ELOGIO DA INEFICIÊNCIA Roberto Campos Erasmo fez o elogio da loucura. Mas com tanto louco trafegando por aí, eu vou fazer mesmo é o elogio da ineficiência. 24 Da ineficiência como fator de conforto e tranquilidade espiritual. Não só nas empresas privadas, que todas gostam de manter ou conquistar seus monopólios particulares, mas também, e sobretudo, nas estatais, que disso gostam muito mais. Já, notaram que, salvo honrosas exceções, as nossas empresas tendem a cair na linha antidarwinista? Não perceberam? Pois vou explicar. Os darwinistas acreditam, em biologia, na luta pela vida e na sobrevivência do mais apto. No terreno econômico, na competição como acicate à eficiência produtiva e ao maior rendimento social. Já a linha antidarwinista não acredita em qualquer forma de competição econômica. Trata-se de uma invenção diabólica, que obriga a diminuir custos, aferir resultados e pesquisar mercados: às vezes mesmo (horresco referens 3!) a baixar preços... Enfim, uma amolação danada! A esta altura já perceberam que aderi à filosofia antidarwinista. Mas isso não é estranho, pois no Brasil, como dizia o Aporelli, nem só os selos aderem. Agora vou trocar em miúdos o meu antidarwinismo. Sou contra a exportação e a importação, e a favor da industrialização. Sou contra a inflação e a deflação, e a favor da "flação". Há algum tempo me entusiasmei pelo tema da exportação. Entendi que o Brasil, para se industrializar, teria de desenvolver todas as suas linhas possíveis - e não são muitas - de exportação, a fim de ter dinheiro para comprar máquinas, matérias-primas e combustíveis. Mas reconheço agora que se tratava de singular ingenuidade. A boa doutrina é outra. Exportar matérias-primas e produtos agrícolas é uma humilhante alienação colonial. Café, vá lá, que está sobrando! Desde que seja a preços "sustentados", porque se não quiserem, a gente armazena por aqui mesmo. A justificativa técnica, para não pensarem que estou jejuno no assunto, é a seguinte: os produtos agrícolas brasileiros têm procura inelástica em função dos preços. Isso quer dizer que se baixarmos os nossos preços não venderemos mais, pois que o consumidor estrangeiro não liga pelotas para o seu orçamento doméstico. Quer aumentemos os preços, quer os diminuamos, consome ele a mesma quantidade, com soberba indiferença. É verdade que em 1954, quando forçamos a alta dos preços do café, só conseguimos exportar 11 milhões de sacas. E em 1959, quando os deixamos cair, atingimos a quase 18 milhões de sacas. Mas isso são exceções, que confirmam a regra. Quanto a minérios e matérias-primas, o programa é exportá-los beneficiados ou industrializados sob a forma de manufaturas. É verdade que um amigo, professor de estatística durante a manhã e espírito de porco no resto do dia, me injetou algumas dúvidas "vexamosas" como diz meu filho (rapaz inteligente, aliás, modéstia, à parte). A primeira é que para nos industrializarmos é preciso exportar algo para criar divisas destinadas à importação de equipamentos, combustíveis e matérias-primas. Mas, pensando bem, isso é bobagem. A gente sempre pode pedir dinheiro emprestado, dentro e fora da OPA 3 Do latim, “tremo ao relatar”. 25 (Operação Pan-Americana) e quando chegam os vencimentos, reformar "papagaios". Ou então recorrer a "swaps", forma elegante de endividamento. De modo que essa dificuldade só atemoriza os papalvos. A outra é mais séria. É que a Rússia e os Estados Unidos, grandes países industriais e substancialmente mais ricos que nós, são grandes exportadores de produtos agrícolas e matérias-primas. De modo que o negócio não deve ser tão humilhante assim. Além disso, segundo diz o Dr. Glycon Paiva, dos 300 minerais básicos indispensáveis à civilização industrial moderna, o Brasil só produz 50 variedades e importa muitas das 250 outras, com tendência crescente. De modo que, se a moda pega e todo mundo só quer exportar matérias-primas industrializadas, para não deixar buracos no subsolo, a nossa indústria de transformação estará mesmo num mato sem cachorro. Mas no fundo “dá-se um jeito”, mesmo que nos falte carvão metalúrgico... De qualquer forma, não estou disposto a me amofinar com estatísticos pernósticos, que só vivem a falar em déficit de balanço de pagamentos. Afinal de contas, os estatísticos são camaradas que têm a! cabeça na geladeira, o traseiro no fogão e, na média geral, se sentem bem... ••• Mas se renunciei ao darwinismo, não renunciei à lógica. E chegou o momento de enunciar logicamente a minha doutrina, com premissa maior, premissa menor e tudo. Ei-la: 1. O Brasil não deve exportar nada que esteja em alta demanda no mercado mundial. O melhor é esperar que haja superprodução, porque aí não temos nenhum sofrimento em entregar os nossos bens ao estrangeiro. 2. É melhor exportar pouco, a preços altos, que muito a preços mais baixos. Se algum de nossos exportadores pretende vender mais barato a fim de aumentar o volume e deslocar concorrentes no exterior, subordinando-se servilmente ao mercado mundial, pancada nele, que a intenção é suspeita e o caso é de polícia. 3. Deve-se sempre vender caro e comprar barato. Se é assim que os homens ficam ricos, por que não as nações? 4. Quanto a produtos minerais, o melhor mesmo é conservá-los no subsolo, até que possam ser decididamente industrializados. Assim não ficam buracos nem se estraga a paisagem. 5. Cumpre preservar cuidadosamente os déficits de Governo, que são fontes de geração de riquezas; e a empresa pública é sempre preferível à privada, pois descobriu o segredo de dar emprego sem dar trabalho. ••• Quanto a capitais estrangeiros, também andava eu errado. Agora, após contato com esclarecidos cérebros da Frente Nacionalista, aderi à linha antidarwinista. Que é mais ou menos a seguinte. Só devemos acolher sem hesitações as empresas estrangeiras comprovadamente ineficientes. Essas não perturbam o nosso comércio legítimo e a indústria 26 estabelecida. O patriótico mesmo é que tenham prejuízo. Assim, em não havendo lucros a remeter, não se criam problemas para o nosso balanço de pagamentos. Se as empresas forem pernósticas e insistirem em ter lucros ... bem, até 10% vá lá! Acima disso, "ratoeira" nelas, como diria o Professor Gudin. Porque em economia, como em política, o princípio mais fundamental ainda é mesmo o do "ganha mas não leva" ... 27