Licitação para locação de veículos leves, utilitários

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Licitação para locação de veículos leves, utilitários
revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais
julho | agosto | setembro 2010 | v. 76 — n. 3 — ano XXVIII
Licitação para locação de veículos
leves, utilitários e motocicletas:
necessidade de parcelamento
do objeto em lotes*
ASSCOM TCEMG
Excelentíssimo Senhor Relator,
1 Relatório
Tratam os autos de denúncia ofertada pela
empresa Autoplan Locadora de Veículos
Ltda., em face do procedimento licitatório
Concorrência n. 08/2008, elaborado pela
Prefeitura Municipal de Nova Lima.
PROCURADOR GLAYDSON
SANTO SOPRANI MASSARIA
A licitação objetiva a locação de veículos leves,
motocicletas e utilitários, com motoristas,
conforme anexos do edital no tipo menor preço
global. Acrescente-se que o custo estimado da
contratação é de R$ 4.994.400,00.
A denunciante alega que o edital da licitação
teria restringido a concorrência ao estipular a
obrigatoriedade do cadastro no Departamento
Estadual de Rodagem e Certificado de Registro Nacional de Transportador Rodoviário
de Carga (RNTRC) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para
as licitantes na fase habilitatória. Requer, por isso, a suspensão do certame e a
exclusão do item 9.5, letras c e d do edital que elenca os citados documentos.
Passado isso, os autos foram encaminhados ao Conselheiro Relator que, em despacho
a fls. 75-77, negou provimento ao pedido de suspensão da licitação por considerar
frágeis os argumentos levantados e por constar na Lei n. 11.442/2007 a exigência
de “prévia inscrição do interessado em sua exploração (transporte de cargas) no
* Parecer emitido pelo Ministério Público de Contas na Denúncia n. 795.945 de relatoria do Conselheiro Eduardo
Carone Costa.
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Registro Nacional de Transportes Rodoviários de Cargas (RNTRC) da Agência Nacional
de Transportes Terrestres (ANTT)”. Logo, a exigência da letra d, item 9.5 do edital,
estaria em consonância com o art. 30, IV, da Lei n. 8.666/93.
O denunciante foi intimado da decisão, contudo, quedou-se inerte.
A Diretoria de Análise Formal de Contas (DAC), por meio de sua Coordenadoria de
Área de Exame de Instrumento Convocatório de Licitação (CAIC), manifestou-se
a fls. 80-85 que a exigência de cadastro no DER restringiria o caráter competitivo
da licitação e opinou pela necessidade de oitiva dos gestores municipais para
justificarem o estabelecimento do item do edital impugnado.
É o relatório, no essencial. Passa-se à manifestação.
Pareceres e decisões
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2 Fundamentação
2.1 Exigências para habilitação
O edital licitatório estabeleceu que a empresa licitante para ser habilitada no certame
deveria apresentar, entre outros documentos, cadastro junto ao Departamento de
Estradas e Rodagem estadual e o Certificado de Registro Nacional de Transportador
Rodoviário de Carga (RNTRC) da ANTT.
Importa observar que este Parquet não concorda com as conclusões a que chegou
a CAIC/DAC, tendo em vista que as exigências insculpidas no edital de licitação
municipal decorrem de normação legal para o objeto licitado desde que direcionadas
à finalidade a que se destinam.
A municipalidade não deve justificar a inclusão no edital de exigências previstas em
lei, por óbvio, já que não está dentro do âmbito de seu juízo de discricionariedade
e decisão. Contudo, os pontos atacados no edital devem ter relação direta com
o tipo de serviço a ser prestado, pois o cadastro junto ao DER e o certificado da
ANTT prestam-se a atestar a licitude de serviços diversos, qual sejam, transporte de
pessoas e cargas respectivamente.
Trazemos à colação trecho da palestra proferida, em 14/06/2004, pelo Professor
Diogenes Gasparini, no II Seminário de Direito Administrativo do Tribunal de Contas
do Município de São Paulo — Licitação e contrato: direito aplicado referente ao
princípio da competitividade, in verbis:
Em suma, o princípio da competitividade de um lado exige sempre que
se verifique a possibilidade de se ter mais de um interessado que nos possa
atender, que nos possa fornecer o que desejamos. Essa constatação determina
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ou não a promoção da licitação. Portanto, a competição é exatamente a razão
determinante do procedimento da licitação, mas ele tem uma outra faceta que
muitas vezes é desapercebida pelo operador do Direito. Se a competição é a
alma da licitação, é evidente que quanto mais licitantes participarem do
evento licitatório, mais fácil será à Administração Pública encontrar o melhor
contratado. Sendo assim, deve-se evitar qualquer exigência irrelevante e
destituída de interesse público, que restrinja a competição. Procedimento
dessa natureza viola o princípio da competitividade (grifo nosso).
Por isso, ao exigir documentação necessária e prevista em lei não há que se falar em
afronta ao aludido princípio licitatório no certame em análise, desde que condicionado
aos parâmetros que serão traçados no decorrer desta peça de opinião.
Eis as razões que justificam esse posicionamento:
2.2 Do cadastro junto ao DER/MG
Desse modo, quanto ao cadastro junto ao Departamento de Estradas e Rodagens do
Estado de Minas Gerais (DER) esclareça-se que é o órgão competente para auxiliar
a fiscalização de trânsito no âmbito estadual e não é outra a finalidade do referido
documento habilitatório.
A competência do DER/MG para fiscalizar o serviço licitado pelo Município decorre de previsão
do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), principalmente, inserida nos artigos a seguir.
O DER compõe o Sistema Nacional de Trânsito e tem suas competências determinadas
em cada Estado da federação, in verbis:
CTB
Art. 5° O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade
o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização,
pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem
de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento,
fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.
[...]
Art. 7° Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e
entidades:
[...]
IV — os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios; (grifo nosso).
Noutro ponto do CTB, encontra-se previsão expressa para que o Estado auxilie na
fiscalização e coordenação do Sistema de Trânsito, e no caso de Minas Gerais esse
tipo de transporte por fretamento fica a cargo do DER, in verbis:
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Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados
e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
I — cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das
respectivas atribuições;
[...]
V — executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código, excetuadas
aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no exercício regular do
Poder de Polícia de Trânsito; (grifo nosso).
E ainda, cite-se de forma específica que é atribuição do órgão de trânsito estadual
— DER — o controle e fiscalização no âmbito rodoviário, in verbis:
Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:
[...]
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III — executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio
firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou
executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes
credenciados; (grifo nosso).
O serviço licitado pelo Município apesar de ter sido nominado de locação de
veículos com motorista, na verdade, trata-se de fretamento de veículo. Sendo
assim, o DER conforme o Decreto Estadual n. 44.035/2005 é o órgão competente
para cadastrar as empresas que prestam esse serviço no Estado de Minas Gerais e
estipula que o referido cadastro é condição indispensável para o exercício legal
da atividade, in verbis:
Decreto Estadual n. 44.035/05
Art. 2° Para efeito de prestação de serviço fretado de transporte rodoviário
intermunicipal de pessoas, considera-se:
[...]
V — fretamento contínuo — serviço autorizado pelo DER/MG, destinado ao
deslocamento de empregados e servidores de pessoas jurídicas privadas
ou públicas, bem como de grupo de pessoas matriculadas ou inscritas em
estabelecimento de ensino, desde que comprovado o vínculo, em caráter
habitual, mediante contrato e emissão de documento fiscal, com pontos de
origem e destino preestabelecidos, não aberto ao público, vedado qualquer
característica de transporte público;
[...]
§ 2° Nos serviços de fretamento de natureza contínua o veículo a ser utilizado na
prestação de serviço será o estabelecido no contrato celebrado entre as partes.
Portanto, quanto ao referido item exigido no edital de licitação não há que se falar
em restrição à competitividade nem em exigência descabida ou desarrazoada por
ser previsão decorrente de lei.
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2.3 Do certificado de Registro Nacional de Transportador Rodoviário de Carga
Noutro giro, importa tratar da exigência de certificado junto à Agência Nacional
de Transporte Terrestre (ANTT) quando a empresa pretende realizar transporte de
cargas em território nacional (amplo sentido) e o transporte rodoviário interestadual
e internacional de passageiros.
A ANTT foi criada e teve suas competências estabelecidas pela Lei Federal n.
10.233/2001. Eis as competências da agência reguladora que interessa ao presente
caso, in verbis:
Art. 22. Constituem a esfera de atuação da ANTT:
[...]
III – o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
IV – o transporte rodoviário de cargas;
V – a exploração da infraestrutura rodoviária federal;
Ao adentrar nas atribuições específicas da mencionada agência, tem-se que sua
competência fiscalizatória irradia-se até para o transporte de passageiros na
modalidade de fretamento, in verbis:
Art. 26. Cabe à ANTT, como atribuições específicas pertinentes ao Transporte
Rodoviário: [...]
III – autorizar o transporte de passageiros, sob regime de fretamento;
[...]
VII – fiscalizar diretamente, com o apoio de suas unidades regionais, ou por
meio de convênios de cooperação, o cumprimento das condições de outorga de
autorização e das cláusulas contratuais de permissão para prestação de serviços
ou de concessão para exploração da infraestrutura.
[...]
§ 6° No cumprimento do disposto no inciso VII do caput, a ANTT deverá coibir a
prática de serviços de transporte de passageiros não concedidos, permitidos ou
autorizados (grifo nosso).
Quanto ao transporte de cargas é de clareza meridiana a exigência do certificado,
tendo em vista estar inserta na Lei Federal n. 11.442/07, in verbis:
Art. 1° Esta Lei dispõe sobre o Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) realizado
em vias públicas, no território nacional, por conta de terceiros e mediante
remuneração, os mecanismos de sua operação e a responsabilidade do
transportador.
Art. 2° A atividade econômica de que trata o art. 1° desta Lei é de natureza
comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência,
e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro
Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTR-C) da Agência Nacional
de Transportes Terrestres (ANTT), nas seguintes categorias:
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I — Transportador Autônomo de Cargas (TAC), pessoa física que tenha no
transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional;
II — Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas (ETC), pessoa jurídica constituída
por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas
a sua atividade principal (grifo nosso).
Contudo, interessa salientar que ao pesquisar no sítio eletrônico da ANTT1 percebese que o RNTRC só é necessário para os veículos com capacidade de carga útil igual
ou superior a 500 Kg.
Destarte, o certificado é condição indispensável ao exercício da atividade e transporte
de cargas no âmbito do Estado de Minas Gerais, ou seja, legal e imprescindível a
exigência constante no edital da concorrência em análise.
2.4 Da necessária separação do objeto em lotes
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Retomando o que fora dito no início dessa peça de opinião quanto ao princípio da
competitividade, percebe-se que sua concretude dar-se-ia de forma mais evidente
com a separação do certame em lotes, como será demonstrado a seguir.
O edital ao tratar num bloco único os veículos para transporte de pessoas e transporte
de cargas, bem como a documentação exigida para habilitação de forma conjunta
acaba por estabelecer empecilho à ampla concorrência.
Estabelece a Lei de Licitações e Contratos que o objeto da licitação deve ser
fracionado no maior número de parcelas técnica e economicamente possíveis,
visando a uma maior competitividade e assim vantagem de contratação para a
Administração, desse modo, o art. 23, § 1°, da Lei n. 8.666/93, assim dispõe:
§ 1° As obras, serviços e compras efetuadas pela administração serão divididas
em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente
viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos
recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade, sem perda
da economia de escala.
1
Pesquisa realizada em 18 de agosto de 2009 no endereço eletrônico: <http://www.antt.gov.br/carga/rodoviario/faq.asp>, Resolução ANTT n. 3056, de 12/03/2009, D.O.U. de 13/03/2009, in verbis:
Art. 4° Para inscrição e manutenção do cadastro no RNTRC o transportador deve atender aos seguintes requisitos, de acordo
com as categorias:
I - Transportador Autônomo de Cargas (TAC):
[...]
e) ser proprietário, coproprietário ou arrendatário de, no mínimo, um veículo ou uma combinação de veículos de tração e de
cargas com Capacidade de Carga Útil (CCU), igual ou superior a quinhentos quilos, registrados em seu nome no órgão de trânsito
como de categoria aluguel, na forma regulamentada pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN); e
II - Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas (ETC):
[...]
g) ser proprietário ou arrendatário de, no mínimo, um veículo ou uma combinação de veículos de tração e de cargas com Capacidade de Carga Útil (CCU), igual ou superior a quinhentos quilos, registrados em seu nome no órgão de trânsito como de categoria
aluguel, na forma regulamentada pelo CONTRAN.
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Considerando que as exigências legais são diversas para os dois núcleos do objeto
licitado – transporte de pessoas e transporte de carga – tal discrímen deveria estar
presente na documentação exigida para habilitação conforme o veículo e sua
finalidade almejada pela municipalidade.
Assim, parece ser o mais vantajoso economicamente para o Poder Público o
parcelamento do objeto em lotes conforme a finalidade do veículo e/ou sua
capacidade de carga, tendo em vista que somente aqueles que têm capacidade de
carga útil superior a 500 kg necessitam do RNTRC da ANTT.
Nesse quadrante, haverá a redução dos requisitos de habilitação, garantindo o
acesso ao certame de mais empresas, ocasionando maior competitividade e redução
dos preços. Esse é também o entendimento da doutrina e, nesse sentido, Marçal
Justen Filho discorre:
O art. 23, § 1°, impõe o fracionamento como obrigatório. A regra retrata a
vontade legislativa de ampliar a competitividade e o universo de possíveis
interessados. O fracionamento conduz à licitação e contratação de objetos de
menor dimensão quantitativa, qualitativa e econômica. Isso aumenta o número
de pessoas em condições de disputar a contratação, inclusive pela redução dos
requisitos de habilitação (que serão proporcionados à dimensão dos lotes). Tratase não apenas de realizar o princípio da isonomia, mas da própria eficiência. A
competição produz redução de preços e supõe que a Administração desembolsará
menos, em montantes globais, através da realização de uma multiplicidade de
contratos de valor inferior do que pela pactuação de contratação única.2
No mesmo sentido, Jessé Torres Pereira Júnior:
Por conseguinte, parcelar a execução, nessas circunstâncias, é dever a que
não se furtará a Administração sob pena de descumprir princípios específicos
da licitação, tal como o da competitividade. Daí a redação trazida pela
Lei 8.883/94 haver suprimido do texto anterior a ressalva a critério e por
conveniência da Administração, fortemente indicando que não pode haver
discrição (parcelar ou não) quando o interesse público decorrer superiormente
atendido do parcelamento.3
O Tribunal de Contas da União editou a Súmula n. 247, cuja redação é a seguinte:
É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global,
nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras
e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo
para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo
em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que,
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2
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 259.
3
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 7.ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 277.
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embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou
aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou
unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a
essa divisibilidade.
Portanto, esse Parquet entende que o certame deva ser dividido em três lotes e os
requisitos de habilitação correlacionados a cada um deles e da seguinte forma: a)
Lote 1 — transporte de passageiros com a exigência para habilitação do cadastro
junto ao DER/MG; b) Lote 2 — transporte de carga em veículos com capacidade
igual ou superior a 500 kg e o necessário certificado RNTRC da ANTT e c) Lote
3 — transporte de carga em veículos com capacidade inferior a 500 kg, em que é
desnecessário o referido RNTRC da ANTT.
2.5 Da necessidade de participação da contratada no processo
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Na hipótese de haver sido adjudicado o objeto contratual e dado início a execução
do contrato, é necessária também a intimação da empresa contratada para se
manifestar, tendo em vista a possibilidade de anulação da licitação e, por conseguinte,
do próprio contrato.
Sobre esse assunto, faz-se necessário esclarecer que a doutrina tem conferido
tratamento idêntico aos casos de revogação e anulação. Para José dos Santos
Carvalho Filho4, o direito ao contraditório tem cabimento nos casos de desfazimento
da licitação, seja por meio da revogação ou da anulação, senão veja:
O desfazimento da licitação, seja pela anulação, seja pela revogação
[...], obriga a Administração a assegurar aos interessados o contraditório
e a ampla defesa [...]. É verdade que já houve decisão considerando que
a citada garantia somente se aplicaria no caso de revogação, não incidindo
sobre a anulação. É inegável a erronia de tal pensamento: o art. 49, § 3°,
do Estatuto, alude a desfazimento, e este, como é óbvio, abrange a anulação
e a revogação; essas modalidades desfazem a licitação e, portanto, são
espécies de desfazimento. Assim, em qualquer desses casos fica assegurado
o contraditório aos interessados na permanência do certame. O escopo
da norma é o de impedir que o desfazimento seja mascarado por objetivos
escusos e inverídicos, vulnerando o princípio da transparência, que não pode
ser relegado pela Administração (grifo nosso).
Nesse sentido, colacione-se a ementa do seguinte julgado do Supremo Tribunal
Federal:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ANULAÇÃO
DE LICITAÇÃO PÚBLICA. CONTRATOS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. GARANTIA DO
DIREITO ADQUIRIDO E DO ATO JURÍDICO PERFEITO. A Administração pode anular seus
4
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 267-268.
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próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Súmula
n. 473/STF. Processo administrativo e garantia da ampla defesa. Inobservância.
Agravo regimental não provido. (RE 342593 AgR / SP — SÃO PAULO)
A jurisprudência atenta que o exercício do contraditório e da ampla defesa só se
legitima quando nasce a expectativa do direito subjetivo ao licitante. Em outras
palavras, a oportunização do contraditório depende do momento em que ocorre a
anulação do certame, senão veja:
REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE DO ATO DE REVOGAÇÃO.
DESNECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO PARA REVOGAÇÃO DE LICITAÇÃO EM
ANDAMENTO. IMPROCEDÊNCIA.
O juízo de conveniência e oportunidade a respeito da revogação da licitação
é, pela sua própria natureza ato discricionário, privativo da autoridade
administrativa que deve resguardar o interesse público.
A revogação de licitação em andamento com base em interesse público
devidamente justificado não exige o estabelecimento do contraditório e
ampla defesa, visto que não se concretizou o direito adquirido nem o ato
jurídico perfeito, decorrente da adjudicação do objeto licitado.
Voto do Ministro Relator
[...]
6. Verifica-se que a empresa representante foi considerada, pela ECT, a licitante
classificada em primeiro lugar para três das nove regiões objeto da Concorrência
n. 9/2004. O certame não chegou a ser concluído, pois foi revogado antes de
sua homologação e da adjudicação do objeto da licitação. No caso concreto,
considero que o direito subjetivo da empresa representante surgiria, apenas,
com a aceitação definitiva da proposta e adjudicação do objeto da licitação.
Assim, não há que se falar em descumprimento, nessa etapa, do princípio do
contraditório e da ampla defesa. Ademais, a revogação da Concorrência n.
9/2004 foi um ato discricionário e privativo da Administração, cujas razões
fundamentaram-se no interesse público, não tendo a empresa representante,
direta ou indiretamente, dado causa à revogação.
7. Nesse sentido, cito trechos do despacho de 08/06/2004, exarado pelo Exmo.
Sr. Ministro Cézar Peluso no Agravo de Instrumento STF n. 228.554-4, que assim
enfrentou questão semelhante: ‘A decisão de revogar a licitação consulta os
melhores interesses da apelante. A fls. 257-TA se vê a designação do Diretor da
DILOG como substituto da presidência da RFFSA, sendo que o ato foi praticado
durante a substituição, com o que não há qualquer desvio de poder de seu autor.
Considera-se, ainda, que não se concretizou o direito adquirido, bem como o
ato jurídico perfeito, pois o direito, para a apelada, nasceria da adjudicação do
objeto da concorrência, consequência da homologação. Essa homologação não
foi lançada, considerando-se que as condições da licitação não consultavam os
mais elevados interesses da apelante. [...] Ora, o direito adquirido surge com
a aceitação definitiva da proposta e adjudicação do objeto da licitação. No caso
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vertente, não se chegou a tal ponto, eis que o presidente em exercício da empresa
apelante acatou parecer de sua assessoria e resolveu revogar o processo licitatório
[...].
Uma coisa é a revogação da licitação por interesse público, e outra,
completamente diversa, é a sua anulação por algum vício que a torne
inválida. No último caso, até se pode defender que se observem os princípios
do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, visto que,
na situação litigiosa que se instaura, não parece desarrazoado reconhecer
ao licitante interessado a faculdade de opor razões jurídicas no sentido da
higidez da licitação e da consequente ilegitimidade do ato de anulação.
Mas não faz nenhum sentido, no primeiro caso, admitir que se observe o
mesmo procedimento, e pela simples razão de que o juízo de conveniência
e oportunidade a respeito da revogação da licitação é, pela sua própria
natureza discricionária, privativo da autoridade administrativa [...].
Como se sabe, ‘a revogação é uma expressão da discricionariedade no
processamento positivo das funções da Administração: seu fundamento último,
como o de todo ato administrativo, é o interesse público; seu fundamento imediato
é a liberdade, ou melhor, a discrição administrativa, por não estar a decisão
vinculada a um dos elementos de fim e de mediação’, de modo que, positivando-se
uma inconveniência superveniente, como a da hipótese, a Administração ‘revoga
por motivo de mérito, quando, em virtude de razões supervenientes, muda o
entendimento dos fatos e do direito, optando por outra via mais conveniente,
renunciando, assim, à anterior, embora igualmente válida’ [...]
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Ora, antes da homologação da licitação, não exsurge aos concorrentes nenhum
direito subjetivo capaz de impedir a revogação da abertura do processo
licitatório, por óbvia conveniência pública, superveniente à desistência de
todos os concorrentes menos um, nem tampouco alguma lesão patrimonial,
de que se irradiasse direito a indenização. Nessas circunstâncias, em que
com a revogação nada sofreu a esfera dos direitos e interesses privados, não
havia lugar para observância de contraditório e ampla defesa, inerentes à
cláusula constitucional do justo processo da lei (due process of law), cujo
alcance está em impedir ação arbitrária e lesiva do Estado.”
8. Semelhante também é o entendimento manifestado pelo Superior Tribunal
de Justiça ao examinar, em 18/12/2000, o Mandado de Segurança n. 7.017DF, cuja ementa destaco a seguir: EMENTA: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 49, § 3°, DA LEI 8.666/93.
[...]
Revogação de licitação em andamento com base em interesse público devidamente
justificado não exige o cumprimento do § 3° do art. 49 da Lei 8.666/93.
[...]
Só há aplicabilidade do § 3°, do art. 49, da Lei 8.666/93, quando o
procedimento licitatório, por ter sido concluído, gerou direitos subjetivos
ao licitante vencedor (adjudicação e contrato) ou em caso de revogação ou
de anulação onde o licitante seja apontado, de modo direto ou indireto,
como tendo dado causa ao proceder o desfazimento do certame.
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Mandado de segurança denegado.
9. Cito, também, a manifestação do Tribunal Regional Federal da Primeira
Região que, ao examinar a Apelação em Mandado de Segurança n. 22.973-4/DF,
firmou a seguinte posição, extraída da ementa do processo:
EMENTA. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. REVOGAÇÃO. INTERESSE PÚBLICO.
MANDADO DE SEGURANÇA. MATÉRIA DE PROVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
CARÊNCIA DA AÇÃO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. OBSERVÂNCIA.
[...]
2. Somente após a homologação do resultado e consequente adjudicação
do objeto da licitação impõe-se a observância do princípio do contraditório
se, em decorrência de razões de interesse público fundadas em fato
superveniente devidamente comprovado, a Administração resolver revogála (Lei n. 8.666/93, art. 49, § 3°).
10. Pelo exposto, considero válido o ato administrativo que revogou o certame
em discussão. (Acórdão 111/2007 — Plenário AC-0111-05/07-P) (grifo nosso).
Com o fito de espancar qualquer dúvida ou divergência no âmbito administrativo,
cite-se a Súmula Vinculante n. 3 do STF:
Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o
contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação
ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada
a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria,
reforma e pensão (grifo nosso).
Destarte, a necessidade de obediência ao contraditório e à ampla defesa decorre
da existência de direito subjetivo do licitante, que se consubstancia tão somente
com a aceitação definitiva da proposta e a consequente adjudicação do objeto. Por
isso, in casu, se houve contrato firmado, a empresa contratada deverá participar do
processo trazendo, caso queira, suas alegações de fato e direito.
Conclusão: posto isso, conclui o Ministério Público que se deve ser intimada a
autoridade municipal responsável para trazer cópia integral dos autos da concorrência
pública em análise, bem como, se quiser, apresentar suas justificativas preliminares.
Após, requer o retorno dos autos a este Ministério Público para emissão de parecer
conclusivo.
Glaydson Santo Soprani Massaria
Procurador do Ministério Público de Contas
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