Baixe grátis Como Piratearam Minha Vida versão PDF

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Baixe grátis Como Piratearam Minha Vida versão PDF
Como piratearam minha vida
Alessandro Martins
agosto de 2009
Sumário
.Prefácio.............................................................................................................. 4
.Como piratearam meu pau................................................................................. 7
.Profanar............................................................................................................. 20
.Punheta.............................................................................................................. 26
.Já fodeu um cachorro?....................................................................................... 31
.Sexo oral............................................................................................................. 42
.Todo homem é uma puta.................................................................................... 46
.Beijo Grego......................................................................................................... 50
.Piercing no pau................................................................................................... 58
.Ménage à trois.................................................................................................... 63
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3
.Deuses, telefonemas........................................................................................... 72
.A vocação de dar por dinheiro............................................................................ 78
.Desejo................................................................................................................. 85
.Fuga em noite quente......................................................................................... 88
.Exorcista............................................................................................................. 93
.30 minutos como puto........................................................................................ 97
.Bonitão, agora sem piercing............................................................................... 107
.Meu pinto........................................................................................................... 114
.Pequenos atos criminosos.................................................................................. 122
.Pornográfico....................................................................................................... 128
.Sedutor e seduzido, sagradas vocações............................................................... 135
.Sangue................................................................................................................ 143
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.Anúncio em jornal.............................................................................................. 147
.Salve Rainha....................................................................................................... 152
.Dentistas............................................................................................................ 156
.Por que escrevo ou Nunca Escrevi para Comer Ninguém................................... 160
.Sobre esse livro................................................................................................... 168
.Sobre essa edição................................................................................................ 173
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Prefácio
Livros criados a partir de blogs já não são novidade. Bruna Surfistinha, estreante
do estilo no Brasil, ganhou sua grana – mais pelo que disse, do que pela maneira como
disse. Saramago também pôs a mão nessa cumbuca, publicando os textos do seu blog.
O que Alessandro Martins, percorrendo o mesmo caminho e com os agravantes de não
ser uma puta, nem ser Saramago, pode acrescentar?
Em termos de forma, absolutamente nada. Em termos de conteúdo, uma forte conexão com a literatura. Os contos publicados originalmente no blog Cracatoa Simplesmente Sumiu (cracatoa.com.br) apresentam uma uniformidade de assunto – o sexo;
um cuidado na narração – empregando, além da primeira pessoa supostamente autobiográfica, também a terceira pessoa e o narrador onisciente; e a sincronia perfeita
entre o protagonista, suas ações e o espaço onde a trama se desenvolve.
O protagonista comum a esses contos é um homem representativo da espécie – o
adulto jovem, heterossexual, solteiro, economicamente ativo e classe média. Seus relaeditoraplus.org
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tos íntimos são tão reais, que podem até parecer irreais. A literatura de boa qualidade
escrita em nossa época, tende a essa hiper-realidade. Somos tão céticos sobre o que nos
cerca, que gradualmente perdemos a noção do que é real e tratamos a tudo e a todos
como se fossem versões. Diminui nossa capacidade de acreditar, e assim nos desligamos de tudo, das pessoas, do trabalho, das religiões e de Deus, exatamente como faz
o protagonista dos contos. E como ele, fechados mais e mais dentro de nós mesmos,
aceitamos acreditar apenas naquilo que sentimos, que podemos tocar.
A maior parte das ações do protagonista, íntimas ou profundamente íntimas, se
desenvolve entre quatro paredes – apartamentos, escritórios, elevadores, salas, banheiros, o cenário urbano ao fundo. Não há como pensar na intimidade, sem remeter
ao espaço privado. Essa coerência ente espaço e ação, garante muita verossimilhança
ao texto, que se torna ágil – como convém aos leitores da Internet.
Em Como piratearam minha vida, não vemos coberturas, carrões, ou prostitutas
se lamentando por vender sua juventude. Vemos uma classe média que encontra, no
sexo, a saída para a aventura, a diversão, a catarse, até o sentido da vida, experiências
que a vida real, na forma do trabalho e da religião, já não permitem alcançar. Daí,
talvez, o maior indicador da influência do Marquês de Sade sobre o texto do autor.
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Também as idéias e pensamentos, os fatos narrados ao longo do livro, provocarão ira
(ou asco) de mulheres, defensores dos animais, católicos… de forma semelhante ao
Marquês, descontada a carga filosófica, o sexo se torna mote para expressar o absurdo
desse mundo em que vivemos.
A trama se desenvolve no presente, e nas memórias que o protagonista recorda da
infância e da adolescência, narrando a si próprio com o linguajar do adulto. Dessa
imersão em memórias, alguns poderão considerar que todos os textos são autobiográficos. Para o sossego das suas mentes, a maioria irá concluir, sem dúvida, que todos os
textos desse livro são pura ficção.
O Editor
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Como piratearam meu pau
para meu grande amigo Thiago,
que sempre quis ser personagem de uma de minhas histórias
Ele demora para atender, como sempre.
- Thiago, preciso fazer uma escultura.
- Claro… posso fazer pra você.
Tenho amigos mui solícitos.
O momento da dúvida, o favor prometido antes mesmo de sabido:
- Er… que escultura? - pergunta ele.
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- É algo como uma escultura, não é bem isso… é… é de uma parte do meu corpo.
- Sei. Que parte?
- Eu digo quando chegar aí, ok?
- Péra. Diz agora!
- Tá. Ok… preciso de uma escultura do meu pau.
Silêncio do outro lado da linha.
- Do quê? Acho que não entendi direito…
- Do meu pau, Thiago… cara você é o único que conheço que entende dessas coisas.
Só você pode me ajudar… e é o único de confiança que não vai espalhar essa história.
Era quase possível ouvir as engrenagens do cérebro de meu amigo engenhando todas as implicações daquela tarefa.
- Certo. Você está louco.
Não, eu não estava. Acho.
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- Meu, você sabe que eu vou ter que fazer um molde desse negócio.
Eu não lembrava desse detalhe.
Ele continuou a explicar. Basicamente ele teria que cobrir meu pau com um tipo
de borracha - na verdade é um negócio chamado alginato, mas ok, vamos chamar de
borracha -, que solidificaria em temperatura ambiente. Depois de seca, ela seria usada
como negativo a fim de produzir uma ou mais cópias iguais ao original que tenho entre
as pernas.
Porém, para fazer isso, primeiro eu teria que ficar de pau duro. E ele teria que, comigo nesse estado, passar a tal borracha líquida que, em temperatura ambiente, ficaria
também dura.
A perspectiva de ter um homem passando um negócio no meu pinto - com uma espátula que fosse - não me animou.
- Não tem como fazer isso comigo anestesiado?
- Cara. Eu sou artista plástico. Não cirurgião. E depois, se fosse possível, quem preferiria ser anestesiado seria eu.
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Tentei ser prático:
- Não tem como fazer como aqueles escultores antigos… Michelangelo? Eu fico ali
na sua frente e você esculpe a coisa no mármore, com cinzel e martelo.
- Não vai ficar igual.
Os artistas modernos têm muitas dificuldades técnicas, pensei comigo. Mas não falei, para não magoá-lo nesse momento tão delicado.
Precisei explicar para ele. Dali a dois dias eu teria que fazer uma viagem de uma
semana. Acontece que um mês antes eu comecei a sair com uma garota. Uma gostosa.
Dessas de sair lágrimas dos olhos quando se olha pra ela. Emoção mesmo. Levei um
tempo para levá-la para cama. Finalmente, tive sucesso. E sucesso não é apenas uma
expressão. Ela ficou louca. Trepamos todo dia, pelo menos duas vezes.
Quando falei da viagem, distraidamente - enquanto observava o suor escorrer das
paredes e os vidros embaçados da janela -, ela entrou em crise.
Disse que não iria agüentar. Que teria crises de abstinência. Que iria perder o emprego. Que teria que se aposentar por incapacidade. E que, muito pior, teria que dar
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para o primeiro que aparecesse na sua frente para me substituir.
Eu tentava acalmá-la enquanto procurava eu mesmo me rearranjar daquela inesperada reação quando a idéia surgiu. Eu deixaria uma cópia exata do meu pau para
ela. Assim, eu poderia ligar-lhe toda noite e ela, com a cópia, meteria, digo, mataria a
saudade.
E assim estava eu precisando da confidência de meu amigo escultor para tentar resolver o problema.
- Talvez não seja necessária a escultura - disse ele. - Se você quiser eu posso cuidar
dela enquanto você viaja.
Claro que eu sabia o que isso poderia significar.
- Não, Thiago. Prefiro fazer um molde em chumbo derretido se for preciso.
Não era preciso.
- Está bem. Vou precisar que você compre o material.
Eu precisaria de 10 quilos da tal borracha - que lembrava aquele negócio que os den-
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tistas usam para tirar o molde dos dentes -, obtida misturando uns produtos químicos.
- Dez quilos? Cara, tudo bem que eu fui um tanto privilegiado pela natureza, mas
não é um pouquinho demais?
- Não. Eu tenho um plano para evitar qualquer contato físico com o modelo.
O ora modelo era meu pau.
Como ele não queria correr o risco de ser apanhado pela namorada nesse tipo de atividade, não fizemos o negócio na casa dele. Iríamos, naquele fim de semana, à faculdade de artes, onde ele tinha acesso a um atelier que, naquele dia, estaria - supostamente
- vazio. Além disso, muito do material que ele precisaria estaria ali.
Fui buscá-lo em casa.
Ele me estendeu duas pílulas.
- O que é isso?
- Viagra.
- Tá louco? Nunca precisei disso!
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- Pois agora precisa. O negócio, na quantidade que vamos usar, demora para secar.
Se você não ficar com esse pau duro por tempo o suficiente vamos perder o trabalho e
o material todo.
- Mas duas?
- É pra garantir.
Tomei as duas pílulas.
No atelier ele montou todo o esquema. Colocou sobre dois cavaletes duas tábuas.
Separadas, elas deixavam um vão entre elas. Pegou um balde, misturou os ingredientes
nele e fez a mistura e colocou entre as duas tábuas.
- Agora preste atenção. Você tem pouco tempo, pois o material vai começar a se solidificar. Você vai fazer o seguinte. Quando ficar de pau duro, deite sobre as duas tábuas
e coloque o seu pau no vão e enfie o pau no balde. A partir daí não se mexa e nem pense
em ficar com o pau mole.
Comecei a baixar as calças.
- Espere aí - ele disse -, não pense que eu vou ficar para ver isso. Já não basta que
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vou ter que ajudar você a tirar o balde para não perder o molde.
Ele saiu. Disse que ficaria vigiando a porta para evitar surpresas. Por mais que modelos nus fossem comuns na faculdade de artes, um sujeito com o pinto enfiado em um
balde era um pouco demais para um sábado de sol.
Elevei meus pensamentos e com poucas balançadas, mesmo na situação pouco amistosa, consegui uma respeitável ereção graças aos dois comprimidos. Parecia mármore.
Deitei-me e acomodei o pinto na substância, que cedeu e o envolveu completamente.
Era geladinho.
Aliás era geladinho até demais.
Era menta. Eu devo ter comprado o tipo de negócio usado para dentistas.
Um adolescente, quando descobre a punheta, começa a inventar. Se você é do tipo
aventureiro, deve saber a sensação de se passar pasta de dente no pau. Lavar é pior,
pois a refrescância duradoura só aumenta. E o sorriso não é dos melhores.
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Era aquilo que eu comecei a sentir.
Gritei de lá de dentro:
- Cara… demora?!
Ele colocou a cabeça para dentro, pela fresta da porta.
- Shhhh! Quer que alguém escute? - fez uma pausa - Putz. Eu esqueci a câmera fotográfica… - completou com um sorrisinho.
Decerto queria registrar o momento para a posteridade.
Explicou-me que iria demorar uma meia hora ainda, pela quantidade de produto
usada. Apagou a luz da sala - para eu relaxar melhor - e voltou para seu posto de vigilância.
Continuei a elevar meu pensamento a fim de manter a ereção e evitar imaginar que
meu pau era uma pastilha de halls preto gigante.
Estava até obtendo sucesso. Comecei a relaxar mesmo e a curtir aquilo, sentindo-me
já quase em casa.
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Foi quando, de olhos fechados, percebi que o Thiago entrou e acendeu a luz.
Eu comentei:
- Sabe cara, nunca pensei que um dia eu estaria numa faculdade de artes com o pau
enfiado em um balde cheio de borracha sabor menta.
Silêncio. Estranho. Depois de um comentário desses meu amigo deveria falar alguma coisa ainda pior, como de costume.
Olhei para o lado e vi uma garota. Pelo que lembro, usava óculos. Tinha deixado
cair uns papéis no chão e estava de boca aberta. Parecia em estado de choque. Buscava
algum trabalho que havia esquecido ali na sexta-feira.
Atrás dela, apareceu o meu amigo. Tinha ido procurar uma câmera. Segurou o ombro da garota, com calma, e disse-lhe próximo ao ouvido em um tom um tanto desalentado:
- Nem pergunte.
Torci para que ela sofresse algum tipo de amnésia traumática para seu próprio bem.
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Thiago entrou e fechou a porta atrás de si.
- Acho que está bom.
- Ufa. Não agüentava mais.
- Bem, vamos tirar esse negócio. Eu vou segurar o balde. Você agora precisa se levantar o mais próximo do… er… “ângulo de entrada” possível. E devagar. Para não
estragar o molde.
Fiz como instruído. Quando saiu, ouvimos um som oco, tipo “flop”, provocado pelo
vácuo.
Vesti a calça e olhamos para o nosso trabalho. Aquele buraco era o meu pau no universo paralelo, a versão negativa dele, uma das partes mais importantes de mim como
ela seria no mundo bizarro. Tinha cheiro de menta.
A partir disso ele poderia fazer diversas cópias do meu pau. Em gesso, em látex, e
disse que se eu quisesse, com um pouco mais de trabalho, poderia fazer uma até mesmo
em bronze. Eu respondi que deixaríamos o bronze apenas para os badalos dos sinos.
No fim, a coisa deu certo. Eu pude deixar uma cópia de meu pau com a gostosa e,
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pelo que vi, ela ficou bem feliz com o resultado. Meses depois, porém, terminamos.
Mas isso não vem ao caso.
A surpresa mesmo veio depois de um ano.
Assistindo um filme pornô uma coisa chamou minha atenção. Uma das atrizes brincava com um pau de borracha que me pareceu muito familiar.
Se tem uma coisa que eu conheço é meu pau.
Aliás, conheço meu pau como a palma de minha mão.
E era isso. A atriz estava com uma cópia do meu pau. Olhei na capa do DVD e a produção era tailandesa. Não me pergunte como eu fui alugar um filme pornô tailandês.
Pergunte-me antes como foi que uma cópia de meu pau foi parar na Tailândia.
Dei uma pausa em um momento em que se podia ver a coisa de perto. Coloquei o
pinto do lado da tela. Eram irmão gêmeos, de fato, inclusive as veias. Só que o outro
era rosa-choque.
Liguei para o Thiago. Ele me contou que, depois de ter feito as cópias, esqueceu algumas por lá. Esqueceu o molde também. Óbvio que tudo sumiu.
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Mais tarde descobrimos que a tal garota de óculos que nos flagrou havia começado
recentemente a fazer um bico como balconista de um sex shop ali perto.
Foi fácil ligar os pontos. Mas de comum acordo preferimos nem reclamar, nem tirar
satisfações.
Nem imagino que intrincada cadeia de ações e reações levou a isso, mas de qualquer
maneira, para a coisa ter chegado à Tailândia, hoje cópias de meu pau devem estar
espalhadas por aí, pelo mundo inteiro.
Talvez sua namorada já tenha brincado com uma delas.
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Profanar
Ele entrou no quarto e ainda teve tempo de vê-la, com a janela aberta, colocar o
segundo pé em cima da beirada e saltar. Como usava aquelas asas nas costas, da festa
a fantasia, acreditou que ela tinha voado. Isso durante uma semana, em choque e sob
calmantes. Mas todos a viram caída no chão. Todos foram ao funeral. Não, ela não
voou.Ver um corpo que cai de tão alto é sempre algo inacreditável. Não só porque
não é uma coisa que se vê todos dias ou porque é algo terrível e assustador. É que é
difícil crer, pois a velocidade que ele desenvolve faz perceber que um ser humano não
é tão leve quanto parece. Não somos leves. Na queda, um corpo - repleto de todos os
pequenos milagres biológicos e emocionais - se iguala às coisas mais patéticas, como
um saco de batatas.
Ele a viu sair pela janela do décimo-sexto andar. Ele conhecia as leis da física. Mas,
assim, acima de tudo, ele não compreendia que algo tão suave, de repente, pudesse ganhar toneladas. Era portanto mais fácil acreditar que ela era mesmo um anjo. Não por
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ser uma alternativa sentimentalóide, digna do discurso mais piegas. Mas sim porque,
naquela hora, era a única alternativa.
Depois de algum tempo, ele entendeu. Não que não houvesse entendido antes. Apenas rendeu-se à realidade e à lógica. Foi a diferença entre a sanidade e a loucura. Poderia permanecer louco e feliz ou, nem tanto, louco e conformado. Ou, o que preferiu,
saudável.
Não lembrava quem devolvera as asas. Estavam ali sobre a cômoda do quarto. Não
avaliou se aquilo era de bom ou mau gosto, se foram deixadas ali por bondade ou refinada maldade. A verdade é que elas o agradaram ali onde estavam. Engraçado. Não
tinham se danificado depois daquilo. Estavam inteiras.
Tocou de leve aquelas penas. Eram penas de verdade. Um dia estiveram em um pássaro e talvez o pássaro tenha-as utilizado para voar. Teriam viajado por lugares muito
distantes? Seriam pássaros especialmente criados para fazer esse tipo de alegoria? Tomara não fossem penas de galinha.
Deixou-as ali. Todo dia, quando acordava, quando abria os olhos, elas estavam onde
foram deixadas. O sol refletia na brancura e ficava até difícil de observá-las enquanto
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devolviam aquela luminosidade do novo dia. Ele se deixava ficar até que a vista se acostumasse. Então levantava e começava o seu cotidiano. Seguia em frente.
Passaram-se semanas até que, em uma certa noite, ele tocasse novamente as asas.
Elas permaneciam macias e caladas. Percorreu-as em toda a extensão com as mãos
como quem acaricia o corpo de uma mulher. Elas, tão brancas como eram antes de
tudo.
E, de repente, viu-se perguntando como algo que parecia apenas uma bobagem,
mais um item na loja de fantasias, podia ser tão importante agora. Como se fosse um
objeto de culto. Ele não se sentia mais capaz de erguê-las dali pois tinham a densidade
da mão de um deus. Aquelas asas eram um peso em suas costas.
Foi quando, nessas reflexões, entrou em uma espécie de transe e arrancou uma das
penugens. Primeiro agarrou-a entre o polegar e o indicador. Fez uma pequena tração
que, muito sutilmente, muito devagar, aumentou. Não sentiu nem medo, nem raiva,
nem nada. Não sentiu coisa alguma. E depois de um estalo inaudível e seco de algo que
arrebenta, ali estava ela. Pequena, leve, alva e em frente aos seus olhos. Em sua raiz,
não sangue, mas cola barata. Podia ver os detalhes de tudo aquilo. Segurou-a pela base
e a fez rodar entre os dedos. Então caiu em si e sentiu-se um profanador.
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Dormiu na sala naquela noite.
E dormiu na sala muitas outras noites. Evitava o quarto até mesmo para trocar de
roupa. Ia ali o mínimo. Racionalmente ele sabia que suas atitudes não faziam o menor
sentido. Mas emocionalmente não conseguia se controlar. Sentia-se doente e talvez
estivesse mesmo.
Foi no carro, quando mexia em um de seus bolsos, que descobriu o que precisava
fazer para se livrar daquilo. Remexia nos bolsos quando encontrou aquela penugem,
a que tinha arrancado. Não era nada. Um nada desgarrado de nada. Para que algo que
é tudo se torne nada, e às vezes é preciso que um tudo se torne um nada, é sempre
necessária uma atitude, uma guinada aleatória. Certos navios precisam ser queimados
quando chegam ao porto para inibir a esperança do retorno.
Do escritório mesmo, telefonou e acertou os detalhes com quem lhe ajudaria. Seria
no dia seguinte.
Ela chegou às oito horas, como combinado. Ele serviu um suco de caixinha. Não
tinha bebidas. Além do mais, ele queria estar muito sóbrio para aquilo. Queria que ela
também estivesse. Embora ele não fizesse questão que ela entendesse tudo o que esta-
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va em jogo ali. Não era necessário.
Conversaram um pouco e acertaram os últimos detalhes.
Ela disse que precisava se vestir adequadamente. Ele lhe falou que poderia fazê-lo
ali na sala, pois ele também pretendia mudar de roupa, e por isso iria para o quarto.
Ela disse que tudo bem.
Estava feito e não havia retorno. O inevitável costuma vestir as pessoas de coragem.
Postou-se diante das asas e despiu-se. Levantou-as e colocou-as às costas. Sentia-se
como se estivesse fazendo algo errado. Estranhamente essa sensação o animou.
Esperou mais um pouco até que ela o chamasse. Admirava-se no espelho. Tinha um
corpo bonito, pensou.
Na sala, encontrou-a. Uma visão alegórica do mal incorporado na beleza. Uma faixa
luminosa projetada pelas luzes da cidade se deslocava irregularmente nos cabelos escuros e lisos. Mais tarde lembrou-se bem da postura de suas pernas naquele instante.
Uma pouco a frente da outra. A de trás ligeiramente dobrada. Era como se estivesse
pronta para avançar com aquelas botas negras e brilhantes. Estava ainda com o mesmo
sutiã que ele entrevira pelo decote quando ela chegara. Rendas. E preso à cintura e aos
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quadris, como combinado, ela usava um pênis de borracha. Aquela mulher podia vê-lo
como mais um cliente. Ele a via como a salvação, um poema sombrio, um paradoxo
ereto no deserto.
Com um sinal da sua cabeça, sem palavras, ela fez com que ele se aproximasse. Com
outro sinal, dessa vez feito com o indicador, pôs-lhe de joelhos. Na penumbra as asas
resplandeNo dia seguinte, já sozinho, ele as olhou. Eram apenas asas e era apenas um
domingo como qualquer outro. Levou-as até o banheiro, jogou um pouco de álcool,
abriu a janela para não ter problemas com o cheiro e jogou um fósforo aceso. Depois
de alguns minutos a observar a fogueira, limpou as cinzas e saiu para passear sob o sol.
Era um homem a andar pela calçada. Enxofre e fogo poderiam cair dos céus, como
em Sodoma e Gomorra, mas ele apenas passeava e cumprimentava algumas pessoas.
Não devia nada a ninguém e poderia fazer o que bem entendesse nesse mundo. Não
havia peso suficiente que pudesse abaixar os seus ombros agora. Sentia-se como se
voasse.
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Punheta
Provável que não exista palavra mais feia que punheta. Talvez só perca para siririca,
quando o ato se refere às mulheres. Não consigo lembrar, pelo menos neste momento,
de nenhum outro termo para designar a coisa, a não ser naqueles que soariam pedantes
ou afetados demais, como auto-indulgência ou auto-carícia. Bem. Queiram desculpar a
falta de imaginação.
Ao modo popular existem várias maneiras de se referir, algumas até bem criativas e
poéticas como Rua da Palma nº5 ou Maria-Cinco-Dedos, outras nem tanto, como descabelar o palhaço ou socar a gabiroba, e diversas outras. Mas nenhuma se aplica, por
exemplo, a um momento de intimidade com outra pessoa.
Se você quer ver a outra pessoa se tocando, por puro deleite visual, precisa pedir
algo como:
- Se toque… - o que, vamos convir, não soa tão bem.
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O melhor é demonstrar com gestos ou com o olhar ou mesmo conduzindo com a
mão o desejo alheio, como quem ensina a escrever.
No que se refere à masturbação - lamento, precisei usar essa palavra horrorosa, que
está para o que ela descreve como a palavra cópula está para uma boa trepada -, nossa
linguagem fica abaixo dos tatibitates dos bebês. Não temos recursos suficientemente
maduros, inteligentes e elegantes para designá-la.
Esses dias, eu estava com algum machucado e comentei com ela que havia esfolado
o bichinho. Bem, ela gostou. Creio que esfolar o bichinho entra numa boa categoria de
termos para o ato, mas não é aplicável a todas as situações.
Essa ausência de palavras talvez se dê porque desde sempre fomos levados a crer
que não existe nada mais reprovável e egoísta que dar prazer a si mesmo. Essas coisas
da cultura judaico-cristã. Mas como é de nossa natureza dar prazer a nós mesmos e
isso seja inevitável, as palavras precisaram passar a existir. Afinal, não existe ato sem
expressão verbal.
Porém, como se trata de algo considerado feio, que então seja descrito com palavras
feias ou que pelo menos soem feias a nossos ouvidos. Talvez elas não sejam feias e ape-
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nas nossos ouvidos o sejam.
O fato é que a punheta, ou como preferir chamar, vai determinar boa parte daquilo
que entenderemos por sexo no futuro. É importante que meninos toquem muitas punhetas na sua adolescência, e que meninas toquem muitas siriricas. Nunca é demais
repetir que essas são palavras horríveis de verdade. Feias pra cacete.
Lembro que quando eu descobri a coisa fiquei tão empolgado que tive vontade de
contar para todo mundo. Tive a impressão de que realizara um feito tão importante
quanto a invenção da lâmpada elétrica. Talvez pudesse ganhar algum dinheiro dando
um curso ou coisa assim.
Tudo bem. Não levou muito tempo e caí em mim ao perceber que eu devia ter sido o
último garoto da minha sala a descobrir aquilo.
Se você perguntar para qualquer sexólogo, ele vai dizer que a masturbação é um momento de auto-descoberta necessário ao desenvolvimento sexual do sujeito. É esse tipo
de discurso que me faz ter a impressão de que os sexólogos prestam um grande serviço
à humanidade e de que trepam mal. Sei lá, me soa meio técnico e isento demais. Claro
que é só uma impressão e, como toda impressão, deve estar errada, mas não consigo
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evitar.
As impressões a respeito do sexo são assim também. E muitas delas são determinadas exatamente pela punheta. Ora, uma conclusão a que se chega sozinho não tem
muitas chances de ser ao menos razoável.
Por exemplo, muitos homens dizem considerar o cheiro de porra parecido com o de
água sanitária. A maioria das mulheres não considera assim. Algumas delas vão inclusive dizer que o cheiro e o sabor são até mesmo agradáveis. Há quem diga que lembra
abacate.
Acontece que, para as mulheres, a masturbação sempre apresentou certas facilidades. Elas podem fazê-lo na cama, na sala de jantar, estudando, em qualquer lugar. Até
mesmo no ônibus, apertando as coxas como certa vez uma amiga demonstrou-me.
Os meninos não. E o lugar onde isso acontece, mais das vezes, é o banheiro, sentado
na privada, com o papel higiênico bem à mão. Então, a associação da porra com o cheiro de água sanitária fica bem explicada.
É claro que nós homens também podemos nos masturbar na cama, mas sempre há
o risco de fazer bagunça. Há truques. Muitos costumam usar uma meia como o esconeditoraplus.org
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derijo e o depósito de toda a sua paixão, devidamente conduzida a seguir para o cesto
de roupas sujas, prática da qual surge a pergunta:
- Mas de onde esse menino está sujando tanta meia?
De minha parte, eu tinha outro truque. No momento certo, colocava uma folha de
caderno sobre a barriga e pronto. Serviço limpo, direto no lixo.
Esse negócio de meias nunca me convenceu. Afinal, era minha mãe quem as lavava.
E, em se tratando de porra e mãe, sempre preferi as duas coisas bem distantes uma da
outra.
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Já fodeu um cachorro?
- Já fodeu um cachorro? Digo, já teve vontade de colocar o pinto dentro de um
cachorro? Meu, ela falava aquilo como se algodão egípcio despencasse de seus
lábios a cada palavra. Ela tinha classe, sabe? Não parecia que falava indecências. Ela
definitivamente tinha classe. Mas eu acho que era mais alguma coisa no rosto ou no
olhar que no jeito de falar.
- E o cara queria isso. Foder um cachorro. Uma cadela, no caso. Foi para aquilo que
me chamou ali. Queria foder uma cadela bem gostoso e bem na minha frente. O cara
quase babava quando falava isso.
Ela começou a trabalhar como prostituta aos dezessete anos. Mentiu para o sujeito.
Garantiu que tinha dezoito. Sabe como é, não há motivos para duvidar das pessoas
nesse meio. Todos muito honestos. Com aquela cara de anjinho, toda inocente, não
poderia ser mentira. O cara nem percebeu que tinha uma menor de idade na sua cara.
Uma vez ela me falou que quer meter um processo nele caso descubra onde está o vaeditoraplus.org
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gabundo. Aliciamento de menores ou coisa assim.
- Ele queria que eu chegasse perto pra ver. Que quase encostasse a cara na boceta da
cadela para ver o pau entrando e saindo.
Eu acho que sei o que ele pensou. Meu. O cara sabia que nada excita mais um homem que um rostinho angelical a gemer em cima de um pinto duro. Cara, é o tipo de
coisa que faz o cidadão espirrar gozo no teto só de pensar. E então ele pensou: meu,
foda-se se for mentira. Vai gemer gostoso em cima de pinto duro e fazer cidadão espirrar gozo no teto de tanto tesão. E eu vou ainda ganhar muito mais grana em cima disso.
De quebra, de vez em quando, ela vai ter que gemer gostoso em cima do meu pinto. Foi
isso o que o cara pensou. Meu. É difícil pensar direito com a promessa de muita grana
na sua frente. É difícil pensar direito com o pinto duro - aquele em que ela iria ter que
gemer gostoso em cima. Com as duas coisas ao mesmo tempo é impossível. Resultado.
O cara, digamos, contratou a garota. Não. Não dava para chamar de mulher. Vou dizer.
Aquilo era coisa de pedófilo. Era uma garota e pronto.
- Eu olhei pra cara do cara. Tinha um bigodinho. Sabe aqueles bigodinhos fininhos
que se você tivesse uma lâmina você dava um jeito de raspar na hora? Cara, se ele me
deixasse raspar aquela nojeira eu fazia qualquer coisa de graça. Digo, qualquer coisa
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mesmo. Voltava a dar só pra poder fazer isso. Sério.
Hoje ela não dá mais. Digo, não geme gostoso em cima dos paus mais. Largou mão.
Foi pegando nojo. Não de sexo. Nem dos homens. Não sei se era nojo. Era um problema. Um dia mexeu na carteira de um cliente. Um gordo. O cara deitava na cama e
aquilo se espalhava pelo colchão como se ele fosse um cocô gigante de vaca. Era engraçado, ela fazia umas descrições incríveis dos caras. Esse ela me disse que esse parecia
um cocô gigante de vaca. Só não era verde nem fedia tanto. Era apenas… esparramado.
Então, não que tivesse nojo. Era apenas uma imagem. Ela não tinha nojo dos sujeitos.
Se estavam sujos ou fedendo, mandava tomar banho antes. Mas então. Ela mexeu na
carteira do sujeito. Disse pra mim que não ia roubar. Só estava curiosa. Ela encontrou a
foto da família do cocozão. E era uma foto de família típica dessas que são encontradas
em carteiras de cocozões gigantes. Tinha a mãe, a filha, o filho, a bicicleta, o cachorro e até a casinha branca saindo fumaça pela chaminé. Tinha tudo e tal. Na hora não
pensou nada. Mas aquilo ficou na sua cabeça e cada vez que saía para a boate ou para
foder um pau aquilo voltava. Enquanto gemia com sua carinha de anjo pensava nessas
coisas. De verdade, começou a perder o gosto por aquilo. Nem o dinheiro fácil tinha
mais o mesmo gosto. A pica entrava e ela lembrava da carteira, olhava pra carteira ou
pro voluminho da calça caída no chão e ela sabia que a fotografia estava lá, com a mãe,
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a filha, o filho, a bicicleta, o cachorro, a casinha, a chaminé e a fumacinha branca. O
foda é que fazia uns dois anos que estava naquilo. Não tinha juntado todo o dinheiro
que queria. Precisava pensar em alguma coisa.
- Tá. Eu topava. Desde que eu não tivesse que encostar nele, pra mim estava ok. Ele
entrou para buscar a cadela. Dei uma olhada em tudo enquanto isso. Tinha uns livros.
O aparelho de som era antigo, destes que acendem uma luz verde quando o rádio está
ligado. E só tinha picape. Dá para acreditar? O cara não tinha toca-CD. Procurei pra
ver se tinha uma música legal pra me distrair enquanto fazia o trabalho, mas só tinha
música clássica. Sem letra, sabe? O primeiro disco era de um tal de Dvorak. Gostei do
nome. Daí o cara chegou, me viu mexendo ali e perguntou se eu gostava de música.
Meu. Ele estava com uma rottweiler. O bicho devia ter uns sessenta quilos. Procurei
manter a frieza. Fiquei mais tranqüila quando vi que ela tinha uns desses negócios que
eles colocam na boca pra não morder. Ainda assim era chato ficar na sala com aquele bicho rosnando pra mim. Eu disse que sim. Gostava de música. De Dvorak. Aí ele
corrigiu minha pronúncia, o filho da puta. Detesto que corrijam minha pronúncia. Ele
amarrou a cadela por ali e colocou o disco.
Início de interlúdio didático sobre Dvorak
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Pode-se dizer que, no começo, Anton Dvorak pastou na República Tcheca, onde
nasceu. Foi em 1841. Só em 1873 as coisas começaram a melhorar, quando foi premiado pela composição de um hino patriótico, em Praga. Assim, como Smetana, que
o antecedeu, tinha fortes laços nacionalistas e baseava suas composições no folclore
e nas tradições tchecas. Dvorak foi então dirigir o conservatório de Nova York. Nos
Estados Unidos, foi atraído pela melodia dos índios e dos negros. Talvez daí ele tenha
adquirido uma verve mais voltada para o improviso e para as rapsódias que para o
formalismo acadêmico. A fase americana de Dvorak gerou polêmicas. Diziam que ele
voltou americanizado e que as fontes eslavas de que bebera inicialmente já não tinham
tanta importância. Ele era uma espécie de Carmem Miranda da Europa Oriental. Mas
pesquisas musicológicas de Harvard concluíram o original caráter eslavo da Sinfonia
n.º 9 e do Quarteto Americano. Quarteto Americano era um mero apelido para o Quarteto em Fá Maior Op. 96, composto em terras ianques. Foi enterrado em 1904 como
herói nacional. Ele era uma espécie de Ayrton Senna.
Fim do interlúdio didático sobre Dvorak
Foi quando um dos caras veio com um lance de se vestir de Carmem Miranda para
transar com ela que teve a idéia. Não queria mais aquele lance do jeito que estava. En-
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tão resolveu mudar. Naquela hora. E seria daquele jeito. Falou pra ele. Tá. Pode se vestir de Carmem Miranda, de diabo a quatro, do que quiser. Mas seu pinto fica longe de
mim. Não vai meter esse negócio em mim, não. E pronto. Ela me contou que o sujeito
chiou um pouco. Mas aceitou porque ela tinha a lábia, sabia convencer. Não era qualquer uma que ia topar aquilo. O cara botou o chapéu de abacaxi, maçãs, essas frutas,
você sabe, colocou um vestido bem brilhante, colorido, um tamancão e veio. Dançou
um pouco pra ela, dublou Tico Tico no Fubá, alguma coisa assim e veio pra perto. Ela
só meteu a mão embaixo daquelas saias todas, anáguas, sei lá mais o quê, e tocou uma
pro cara. Foi muito rápido e fácil. Ele já estava muito excitado. Gozou rapidinho. Ela
só lavou a mão, pegou o dinheiro e foi embora. Daí só precisou dar esporro com o cara
que a agenciava e saiu fora. Não foi difícil. Ele até parecia meio enjoado dela e tinha outras meninas novas querendo entrar na parada. Sempre tem universitárias querendo
entrar na parada e é fácil um cara enjoar de uma puta nova, porque uma puta é nova
até as primeiras trepadas apenas. Depois é puta velha mesmo. E sempre tem. Sempre
tem universitárias lindas querendo ser putinha. Ela saiu fora e resolveu abrir seu próprio negócio. E seria assim. Montou seu site. Ali oferecia os seus serviços. Fantasias
esdrúxulas e afins. Com outras palavras, claro. Mas basicamente isso. E deixava claro.
Não era puta. Não era mais puta. Não metia. Não rebolava nos caralhos. Com outras
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palavras, claro. Mas basicamente isso.
- Meu. Aquela música era muito chata. Parecia um rio que não chegava no fim nunca. Aí o cara perguntou se eu não queria fazer um boquete antes. Eu perguntei pra ele
se não tinha lido no meu site que eu não fazia aquilo. No máximo uma punhetinha, no
melhor estilo ordenha, pra terminar o serviço mesmo. Ainda mais que eu sabia que
ele já tinha colocado aquela pica na boceta da cadela outras vezes. No caso dele, nem
punheta. Eu não havia trazido luvas, pensei. Mas não falei que era por causa da cadela.
Ele podia se ofender. Essas pessoas se ofendem com coisas à toa.
A coisa mais comum que pediam a ela era fantasias que envolviam fetiches com
botas. Ele me disse uma vez que eu ia ficar admirado. Era incrível a quantidade de
homens loucos pra lamber uma botinha. Gostavam de chupar o salto enquanto eram
chamados de cadelinha ou putinha. Gozavam fácil, fácil, assim. A coisa mais comum
era isso, ela de dominadora e tal. Batendo com o chicotinho. Uns gostavam de apanhar
mais, outros menos. Mas era bem usual isso. Mas tinha os mais incomuns. Os que
gostavam de ser vestidos de mulher, os que gostavam que esparramassem comida, os
que queriam ter o cu examinado. Ela sempre tinha luvas com ela para essas ocasiões.
Um sujeito uma vez pediu para engessar a perna dela. As duas, inteirinhas. Depois de
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pronto e seco, tocou uma punheta olhando pra aquilo. Outro pediu para que ela cagasse em cima dele, mas ela não topou. Teve nojo. E, olha, mesmo sem esses serviços que
ela não pegava, tipo o dos caras que faziam questão de foder ou de serem cagados, ela
estava ganhando mais do que antes. Cobrava o dobro da hora. Era menos solicitada e
lucrava mais rápido.
- Então ele prendeu a cadela mais apertado no pé da mesa. Era uma mesa dessas,
cheias de rococós. Pesada. Abaixou a calça e já estava de pau duro. Acho que só de ver
o cu do bicho na direção dele já ficou daquele jeito. Ainda virou o pinto pra mim. Tive
que fazer que não mais uma vez. Fiz que não no ritmo da música. O tal do Dvorak.
Não sei pronunciar e foda-se. Esses caras são insistentes. Ameacei de ir embora se ele
fizesse de novo. Tá. Então se ajoelhou e passou um monte de KY no pinto. Sério. Uma
boceta de cadela não é a coisa mais bonita do mundo. Um pinto também não. Ver um
pinto de homem entrando numa boceta de cadela é desagradável. Mas ele não parecia
se preocupar com isso. Foi metendo devagar. Não tive dó da cadela. O bicho parecia
até estar gostando. Dava umas bufadas estranhas assim. Mas tive um pouco de asco.
Asco. Asco é mais do que nojo. O acertado é que eu tinha de ver bem de perto. Cheguei
perto. O cara foi puxando meu rosto. Falou pra esticar a língua. Meu isso é que eu não
fazia. Será que ele tinha perdido o juízo de vez? O preço que ele pagou era só para eu
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olhar. Só de ele encostar em mim com aquela mão melecada de lubrificante e pêlo de
cachorro, me deu vontade de vomitar. Finquei a unha na mão dele e ele desistiu daquilo. Continuou a meter. Meteu, meteu, meteu. Parecia que estava no ritmo da música
também. Era um rio que não acabava mais o tal do Dvorak. Não sei mesmo pronunciar
essa merda.
Agora, ela tinha uns olhos azuis que vou te contar. Era como esse céu agora. Os cabelos loiros lisinhos. Já viu um anjo? Eu já.
- O cara gozou, mas parecia ser muito sem graça. Foi uma gozadinha. Uma merda
de uma gozadinha. Eu quando gozo parece até que vou morrer. Nem sei se é bom. Às
vezes até tenho medo de gozar de tão gostoso. Medo de morrer. É como montanha
russa. A gente sabe que é legal, mas sabe que vai passar uma coisa que não sabe se vai
agüentar e não tem como descer no meio. Mas o cara só deu uma gozadinha e parece
que estava satisfeito. Sabe como é. O cara goza e perde o tesão. Parecia até que estava
com vergonha de ter feito o que fez. Queria que eu fosse embora logo. Quase foi me
empurrando pra fora. Eu já tinha pego a grana e nem tinha tirado nenhuma peça de
roupa. Fui só juntando a bolsa e saindo, meio empurrada por ele. Na portaria passei
no lavabo, para tirar a meleca de KY do cabelo onde ele tinha me puxado. Nem lavei,
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só esfreguei a toalhinha. Rosa e bordada. Coloquei dobradinha, depois, no lugar. KY
tem um cheiro desgraçado de remédio. Deixei pra tomar um bom banho em casa. Daí
pensei em colocar no site isso de que não encaro esse lance com bichos. Com frutas
tudo bem. Com bichos não. Nem fodas, nem cagadas, nem bichos. Saí pela portaria. O
porteiro olhou pra minha bunda. Os porteiros sempre olham pra minha bunda. Nem
fazem questão de disfarçar. Já estava na calçada e vi aquele negócio pendurado na janela do décimo-segundo andar. Fala sério. Você já viu como fica uma cadela rottweiler
de sessenta quilos depois de cair doze andares? Saí dali rapidinho. Não tinha nada a
ver com aquilo. Definitivamente, nada de bichos. Nem cagadas. Nem fodas.
Pois é. Ela era linda. Ou é. Engraçado isso de falar com os verbos no passado quando
se fala de alguém que não se viu mais. Eu a conheci na biblioteca, parece que estava
fazendo engenharia, foi o que disse, na época. Estava atrás de um livro. Conversamos
um pouco e ela gostou de mim. Eu, claro, gostei dela. Marcamos um encontro, saímos.
Transávamos muito. Sim. Ela fazia isso. Não profissionalmente. Claro. Ela trepava,
mas não por dinheiro. Foi por causa da foto na carteira do cocozão gigante. Mas comigo sim, e provavelmente com outros também hoje, seja lá onde esteja. A última vez
que a encontrei tinha uns 23 anos. Desistiu da história de diversificar e se especializou
em dominação mesmo. O lance das botinhas era super usual e suficiente para garantir
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uma boa renda. Fez um curso para aprender a bater direito e amarrar sem danos sérios
ao cliente e ficou nisso. É, tem curso pra isso sim. Tem umas senhoras que ensinam
a bater sem machucar de verdade. Ou machucar de verdade sem matar ou causar seqüelas. Sei lá. Não entendo muito bem disso. Meu negócio é música. Música clássica.
Trepar ouvindo música clássica. Beethoven, Bach, Smetana, Dvorak, essas coisas. Foi
assim que a conheci. Quando coloquei o Dvorak no CD player ela começou a ficar enjoada e me contou a história da cadela jogada pela janela do prédio. Contou também
que achava essa história de música clássica um saco e só agüentava porque gostava de
mim. Mas o que a fez contar a história para mim foi o Dvorak. Como? Falar como se
tivesse um jota? Ah, tá. Eu nunca soube pronunciar direito essa merda.
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Sexo oral
Enquanto a chupo, hoje, ao menos uma vez na vida, quero que você esqueça de mim,
esqueça do mundo e só pense em você. Quero que, enquanto me dedico com a língua a
sua bocetinha, você seja uma puta egoísta, enquanto eu serei um puto deliciosamente
servil à sua delícia. Finja que eu nem existo.
Quero lamber com o mesmo desprendimento com que, a caminho daqui, na noite
morna, abri os botões da minha camisa de linho branco para tomar a brisa fresca no
peito. Com o mesmo ímpeto com que com passos decididos entrei e despi nós doEntão, procure descuidar de mim. De mim eu mesmo cuido, neste instante. Preocupe-se
apenas em achar a posição mais cômoda no sofá, o jeito mais relaxado para as pernas
afastadas, a distância mais natural entre os lábios entreabertos, para deixar escapar
os gemidos, só aqueles que saírem sozinhos, com vida própria, sem o controle daquilo
que nos faz o dia inteiro falar bobagens sem sentido. Os gemidos, que importantes
nesse idioma.
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Minha saliva e seu sexo façam uma sinfonia quase inaudível de visgo na mistura
única de suas químicas. Seu prazer escorra para minha garganta e me alimente. Mas
não quero que cuide de me alimentar, não quero que cuide de nada a não ser de você
mesma. Para agora, o seu prazer é o mundo, mais dono de você que você dele, e você
mais dona de mim que eu mesmo de todos os meus gestos.
Segure minha cabeça com as duas mãos, assim, como preferisse que eu estivesse
todo dentro de você, a apreciar um mundo novo, Alice no País das Maravilhas, e mesmo a lua cheia que vai lá fora contornando o horizonte ficasse mais pálida diante de
tais novidades. Mas ignore o que eu vejo e o que possa vir a ver. Faça como se eu estivesse cego e cego estou. Seus olhos sejam os meus olhos. Guie-me. Não. Arraste-me
para seu elemento, como o peixe é arrancado violentamente da água para o ar pelo
anzol que o rasga. E que eu respire: as mesmas atmosferas que passaram por seus pulmões. Compartilhe minha morte, minha vida.
Não questione se estou de pau duro ou não, se isso é bom ou ruim pra mim, se o seu
gosto é gostoso para minha boca, embora eu garanta que sim, é. Se possível, despreze
o que eu sinto. Se necessário, esqueça que é um homem que, de joelhos, adorando-a,
aqui se posta. Pense, se preciso for, numa coisa, numa coisa feita pra gratificá-la e
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venerá-la com esta boca, com estas mãos. Acima de tudo, não questione isso que lentamente se constrói por dentro e a que você se entrega.
Teste-me com a curiosidade cruel de quem só acredita em si mesma, de quem acredita que o universo foi feito para si e gira em torno de seu prazer. Descubra se eu sangro e se meu corpo registra marcas. Bata em mim se sentir vontade. Acaricie-me se
sentir vontade. Corte-me se sentir vontade. Cuspa em mim se sentir vontade. Mas não
pergunte se eu gosto. Nesses minutos não é o que eu gosto ou desgosto que interessa.
Entenda que o cosmos desandaria se isso mudasse. A salvação das almas depende apenas de seu exato desejo exatamente satisfeito e qualquer coisa diferente disso seria o
fim.
Com cuidado e desmazelo trilho com a língua por sua boceta - linda - e por seu
cu - lindo - ora louco ora filósofo. Sou um selvagem e você precisa me domar com os
calcanhares em minhas costas, pois não entendo mais palavras. Não tenha medo de
machucar. Seu sabor promove-me a homem sábio. Por isso, nada me fere.
E tudo que vem de você é bom. Dê aquilo que sentir que é para dar e mesmo cicatrizes e equimoses serão ostentadas, como ornamentos, acessórios dos seus caprichos,
não carregados por você, mas por meu corpo, dias, semanas, meses na carne. Por deneditoraplus.org
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tro, para sempre.
E, finalmente, esqueça até de si mesma, como quem vira vapor e como vapor que
vai ao céu, vira nuvem, chove e se dilui no oceano. Deixe que ao menos um pouco de
você misture-se em mim. Até que nós dois não sejamos gente, não sejamos bicho, não
sejamos coisa. Sejamos o quase nada que subentende o quase tudo que nos cerca, uma
circunferência de bilhões de quilômetros que nos abarca a partir desse local improvável para ser o centro da existência, um sofá amarelo.
Nele jazem dois corpos, unidos pelo que vem da terra, passa por minha boca, atravessa todo o seu corpo e atinge o céu de estrelas, em direção a nossa própria e deliciosa
perdição.
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Todo homem é uma puta
Todo homem é basicamente uma puta.
Sei que dizer isso é mais ofensivo às putas - uma digna profissão, não fosse pela exploração que elas sofrem - que aos homens. Além de tudo é uma generalização.
As generalizações, dizem, costumam conduzir todas ao eventual erro. Porém são
muito úteis para duas das principais ciências humanas. A comédia e a maledicência.
Penso o que seria dos humoristas se, de repente, as pessoas deixassem de acreditar
em certos tipos de características universais, personagens de tantas piadas, e o que
seria das fofoqueiras e linguarudos que, sem a generalização, perderiam todos a sua
função social.
Por isso, aviso antes, por conta da gravidade da afirmação: generalizo.
Todo homem é uma puta.
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Digo tal coisa não por comédia ou maledicência, mas por simples observação do
comportamento do sexo frágil, ou seja, o masculino. Frágil porque a toda hora os homens acreditam que coisas simples como um beijo no rosto dado pelo próprio pai ou o
dedo da namorada no seu cu podem fazer ruir as débeis paredes de sua masculinidade.
Mas volto a devassar a condição masculina. Se tomássemos um homem e, por um
dia, o colocássemos no corpo de uma mulher, com todas as sensações femininas, e
mantivéssemos sua mentalidade e desejo, teríamos um personagem que faria inveja a
qualquer Messalina. Mesmo em um período de apenas vinte e quatro horas. Na complexa cabeça dele a coisa funcionaria assim: “Ora! Então agora só preciso abrir as pernas…” Afinal, homens menos imaginativos e toscos em busca unicamente de pernas
abertas é que não faltam.
Há uma tendência de argumentos baseados na observação da natureza terminarem
parecendo preconceituosos, mas este até faz sentido. Há um equilíbrio na forma como
os desejos se manifestam em homens e mulheres. As mulheres são mais seletivas e as
razões que conduzem seu desejo costumam ser mais sutis. Os homens, no entanto, têm
uma tendência a querer colocar seus paus em qualquer coisa que se pareça vagamente
com um buraco.
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Imagine duas situações diferentes. Se todos os homens fossem criteriosos como as
mulheres, provavelmente a espécie entraria em extinção por conta do reduzidíssimo
número de trepadas. Mas se as mulheres se manifestassem sexualmente como os homens certamente a humanidade não faria progresso algum, pois estaríamos todos trepando e eu mesmo não estaria escrevendo este texto agora. Bem. Talvez fosse melhor,
mas isso é só para demonstrar que há um sentido natural e inteligente nessa coisa toda.
Não que não existam mulheres e homens cujos desejos se dêem de forma diferente:
homens sutis e mulheres escancaradas. Mas isso é uma outra história e a exceção que
confirma a regra.
Quando um homem procura uma puta, na rua, na internet ou em algum catálogo de
hotel, na verdade ele busca alguém que preencha suas expectativas sexuais idealizadas
de homem. Embora isso suprima a etapa fundamental da sedução, o que ele busca nela
é se realizar não como homem, mas como a puta que ele mesmo nem imagina que é.
É importante dizer de novo, caso não esteja claro, que quando dizemos puta em relação ao homem, não falamos da profissão ou da quantidade de parceiros que ele tem,
mas da maneira como esse homem enxerga o sexo.
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Nos filmes pornôs, o que se vê são mulheres fazendo sexo como se fossem homens,
ou melhor, preenchendo uma expectativa masculina de como eles gostariam que fosse
o sexo ou de como eles fariam sexo se fossem mulheres. Não digo que isso seja bom ou
ruim. Apenas é. Mas talvez falte no mercado filmes pornográficos que preencham as
expectativas femininas, com homens fazendo sexo como elas fariam se fossem homens
ou como elas esperariam que os homens o fizessem. Afinal, todo mundo tem o direito
de ser cinematograficamente feliz.
Mas a evidência mais forte de que alguns homens apreciam a natureza feminina
aliada ao desejo masculino são aqueles que têm nos travestis seu principal fetiche.
Trata-se, sob certo ponto de vista, de mulheres, mas com a óbvia e pendular sanha da
devassidão masculina. E talvez para esses homens isso nem esteja evidente. Ao que
isso conduz e o que acontece depois mereceria um outro texto.
Tive um amigo cuja namorada costumava chamá-lo de “minha puta”. A coisa passava por brincadeira na frente dos outros e, de fato, nem sei se era. Mas talvez ela tivesse
instintivamente descoberto a natureza sexual dele. Não duvido que o tratamento permanecesse na hora de trepar.
Pelo que sei, estão juntos até hoje.
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Beijo Grego
Começo a observar entre os currículos e atribuições oferecidas pelas garotas de
programa na internet algo que elas chamam de beijo grego.
Amanda Tem 19 anos, um metro e setenta, bela bunda, seios grandes e durinhos
(não é siliconada). Universitária, pouco tempo em Curitiba, bom nível cultural. Realiza
todas as suas fantasias. Faz oral, anal e espanhola.
E, em negrito, mais abaixo:
Dá beijo grego.
Antes que se esclareça o que é o tal beijo grego, há que se fazer uma sucinta análise
do anúncio, para revelar ao leitor quanta coisa se esconde por trás de um texto tão comum e trivial.
Não que isso vá ajudar na elucidação do que seria este ósculo de nacionalidade tão
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exótica, mas sempre é uma forma de se passar o tempo. Diga-se de passagem que a nacionalidade grega é exótica para nós apenas. Para os gregos, nada mais trivial e comum
que ser grego.
Idade
Bem. A maior parte das garotas de programa da internet têm 19 anos. Algumas delas, desde que eu tenho um computador e privacidade para observar, como um voyer,
essas meninas que por uns trocados entregam seu corpo a algum corpulento, suarento
e fedorento pai de família, estão nessa idade. E, olha, faz algumas dezenas de meses e
elas ainda não fizeram aniversário.
Ou seja, para uma garota de programa é vantajoso ter 19 anos de idade. Afinal é
quase 18 e não se corre o risco de se cometer algum delito.
- Mas, delegado, ela garantiu que tinha 18.
- Eu, não! Eu disse que iria fazer 18 na semana que vem!
Estatura
Um metro e setenta é a altura ideal para uma garota de programa, pelo visto. A
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maioria delas, não todas, está nesta faixa. Em termos de idade, sim, mas em termos de
altura, no entanto, não é possível ludibriar ou manipular as sutis facetas da verdade.
Portanto, vamos chamar isso de uma feliz coincidência. Com um metro e oitenta
elas seriam muito altas e, visto que o brasileiro médio dificilmente chega a essa altura,
não serviriam para elegantemente acompanhar um banqueiro em um jantar de negócios. Pois ser mais baixo que a acompanhante é algo que não se admite nos meios
empresariais.
Porém, com essa estatura, seriam ótimas para que, na cama, o sujeito pudesse se
sentir completamente abarcado por tronco, braços e pernas que não acabam mais. Um
metro e cinqüenta pode ser muito pouco, mas é recomendável para aqueles que, ainda
que muito fracos, queiram sentir a sensação de poder que é, em pé, quero dizer, com o
corpo todo em posição vertical, sustentar uma garota e vigorosamente, com ajuda da
força dos braços e com ela a enlaçá-lo com as pernas, empalá-la para cima e para baixo
no membro viril até que se desmaie de exaustão antes mesmo de gozar.
Profissionais com menos de um metro e cinqüenta são muito raras segundo minhas
pesquisas, o que me leva a concluir que abaixo dessa estatura as mulheres são principalmente para serem amadas e não servem como putas. Pelo menos não profissionaleditoraplus.org
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mente. Mas aí entramos no campo das amadoras, ao qual não nos propusemos neste
momento.
Atributos físicos esculturais
A bunda, dizem, é a preferência nacional. Coisa que tem mudado com o advento do
silicone e com a forte influência dos filmes americanos, tanto os infantis como os pornográficos. Mas de fato, o item bunda consta como importante nos currículos dessas
profissionais, e não há portfólio fotográfico completo em que elas não apareçam, de
alguma forma, a exibir tal atributo.
O ser humano, de fato, sobretudo aquele mais voltado para os aspectos estéticos da
vida, é atraído pelas formas redondas e aerodinâmicas. Malditos anos oitentas, quando
os carros eram tão quadrados e lembravam tão pouco as bundas.
Silicone
O mais comum hoje é o silicone nos peitos. Pode-se dizer sem erro que até as freiras
se utilizam desse subterfúgio para aumentar os seios, fato que não se revela porque
eles ficam enclausurados sob dezenas de bandagens e sutiãs a fim de aplacar a ânsia
da carne.
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Uma mulher com seios grandes, rijos, a desafiar as leis de Newton, e que nunca
passou pelo bisturi dos discípulos de Pitanguy é uma raridade hoje em dia. Portanto, é
essa a razão pela qual as profissionais chamam a atenção para esse fato quando é possível. Querem pegar o cliente pelo diferente.
Confesso que nunca sequer dividi a cama, sequer para dormir, com uma mulher
com silicone nos seios, apesar de diversas delas fazerem pouco das leis da Física Universal. Mas gostaria de avisar que não tenho preconceitos quanto a adendos artificiais,
sejam eles tatuagens, piercings ou, mais radical, silicone. Pelo contrário, até gosto.
Universitária, pouco tempo em Curitiba, bom nível cultural
O fato de ela ser universitária não chega a ser uma garantia de que ela não falará
“prástico” ou “poblema”. Mas pelo menos é certo que vai saber chamar o táxi na hora
de ir embora ou processar você em caso de agressão.
Estar em Curitiba há pouco tempo é vantagem, não tanto daquele fetiche antigo da
francesa nova no bordel, mas principalmente por não ter adquirido ainda os falsos pudores de grande parte das garotas locais que dificulta em muito a obtenção dos doces
prazeres que se seguem.
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Todas as suas fantasias
Em geral, os pais de família que procuram essas facilidades não têm muitas fantasias. Elas se limitam a resfolegar durante alguns pouquíssimos minutos sobre uma
bela mulher e desmaiar sob o peso e o fastio de um sexo muito mal feito. Isso torna
esse item muito fácil de ser cumprido pela profissional em questão. Mas sempre surge
aquele cara que quer ser chicoteado, enquanto ela canta a Marselhesa e faz um número
de sapateado irlandês levemente untada com mel. De outra forma, ele não goza.
Oral, anal, espanhola
Houve época em que sexo oral e sexo anal eram tão de outro mundo que chegava a
constar nas capas dos filmes em locadoras se havia ou não tais práticas ao longo da fita.
Não lembro se elas chegavam a mudar de preço por conta disso. Hoje, se esses itens
já não vierem de fábrica, a produção está fadada ao fracasso e a ficar encalhada nas
prateleiras. É tão absurdo, na verdade, quanto falar de um filme de corrida sem carros.
Nem se aventa a possibilidade.
Espanhola é quando a mulher envolve o pinto ereto do sujeito com seus seios e o
conduz gentilmente, dessa forma, ao orgasmo. Naturalmente, a profissional que ora
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analisamos está em vantagem, pois acaba de afirmar que tem grandes e firmes seios
não siliconados. Detalhe, sem anal é R$ 70. Com anal, R$ 100.
E, finalmente, o beijo grego
Antes de descobrir, afinal o que era o tal do beijo grego, pensei em substantivos que
comumente levassem esse adjetivo de nacionalidade. A primeira coisa que me ocorreu
foi muito pouco erótica, o que me fez desistir imediatamente das tentativas analógicas.
Aqui perto de onde eu trabalho, um açougue vende, há décadas, o que chamam de
churrasquinho grego. Consiste de uma pilha de bifes de qualidade duvidosa transpassada por um espeto vertical que gira enquanto aquilo tudo assa lentamente.
O cidadão que quer saborear tal iguaria observa o atendente tirar lascas daquele
cilindro de carne e colocá-las dentro de um pão com diversos temperos, certamente na
intenção de disfarçar o sabor, digamos, exótico. Ao longo do dia, o cilindro fica mais
estreito, a medida em que os glutões se saciam.
De fato, pouco erótico. A melhor solução foi ligar para a tal Amanda.
- Mas, afinal, o que é o beijo grego?
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- É quando eu dou beijinhos no cuzinho do cliente…
Ok. Prefiro continuar a chamar de beijo no cu mesmo. Afinal, isso nunca foi uma
exclusividade mediterrânea.
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Piercing no pau
Então o cara olhou para o chão do box e viu aquele líquido vermelho, mistura
de água e sangue. Percebeu que seu pau ainda pingava algumas gotas que, ao tocar os
azulejos, faziam desenhos abstratos bastante interessantes.
- Merda. Acho que vou morrer de hemorragia até o amanhecer.
Exagero, claro. Mas quando o chão do box do banheiro está coberto com algo que
lembra muito aquelas cenas de matanças de baleias e golfinhos, ainda que em menor
escala, começa-se a pensar nessas coisas.
Isso além de que, no lixo, já estavam as gazes com que o body-piercer embalou a
coisa toda, junto com as luvas de borracha com que envolveu tudo aquilo a fim de que
a hemorragia não manchasse as calças do cliente. Esse material, portanto, no cestinho,
empapado naquilo que a medula óssea teve tanto trabalho para fabricar.
Saiu do banho e o pinto ainda respingava.
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- Merda. Acho que vou morrer de hemorragia em dez minutos.
Envolveu tudo com uma cueca velha branca. Velha, porém limpa. Vestiu uma outra
por cima do curativo improvisado. E foi para a sala pensar em outra coisa.
Certa vez, o cara sonhou que teve a garganta cortada. Foi uma sensação muito clara,
no sonho. Não tanto a dor da carne rompida pela lâmina, no pescoço. Mas aquele torpor que fez com que seus joelhos se dobrassem e ele caísse sentado em uma poltrona,
sem forças, a perguntar o porquê ao assassino, e sentir a lassidão angustiante da morte, enquanto se esvaía. Como se a vida murchasse.
Verificou se havia essa sensação naquele momento. Não.
- Talvez eu sobreviva.
Colocar um piercing no pau é algo assim. No caso da modalidade conhecida como
príncipe Albert há algumas particularidades. Este tipo de piercing consiste em uma
argola que entra pela uretra e sai pela parte frontal inferior da glande. Para saber a
medida mínima do diâmetro da argola, o body piercer, usualmente, precisa medir o
pênis ereto do cliente, a fim de que a jóia não estrangule a glande durante as ereções.
Outra característica é que quem recebe o piercing precisa urinar sentado durante um
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tempo até que aprenda a controlar as novas e aleatórias direções em que o jato de urina
insiste em sair.
Porém, o body piercer garantiu que não precisava medir. Iria colocar uma argola
com medidas mais que suficientes para que não desse problema algum.
Nesse momento, o cara concluiu que nunca tinha visto uma agulha - na verdade, um
cateter - de quatro milímetros de espessura. Foi o que ele pensou ter observado sobre
a mesa dos equipamentos que seriam usados. Depois disso, deitou-se na maca e tentou
relaxar como sempre fazia quando deparava com agulhas com quatro milímetros de
espessura. Eu já disse que ele nunca tinha ficado frente a frente com coisas assim?
O sujeito começou a fazer a limpeza do lugar a ser perfurado. Iniciou pela glande.
Passou um líquido, talvez álcool, mas provavelmente não. O ardor, no entanto, era de
álcool. Não contente com a prudente e minuciosa limpeza que fez por fora, enfiou um
cotonete dentro da uretra com o mesmo produto. Segundos intermináveis. Depois,
outro cotonete, para garantir uma assepsia completa.
Aí, o furo. De fora para dentro. A agulha, oca, passa até encontrar o canal uretral.
Nesse tubo é colocada a jóia. Tira-se o cateter e já está. Encaixa-se a esfera que fecha o
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anel e pronto.
Não vou descrever a sensação, para não cair em lugares comuns. Basta dizer que,
perto daquilo, a colocação dos piercings nos mamilos, que o cara já tinha, foi indolor.
Ele verificou que o furo só doeu para ser feito. Depois apenas uma sensação de estranhamento, de cuidado para andar. Pegou um táxi, passou na farmácia para comprar
sabonete líquido anti-séptico e foi para casa, onde ficou. As recomendações: limpeza
duas vezes por dia, muita água - para urinar bastante - e vitamina c para ajudar na
cicatrização.
Ansioso esperou até as 22 horas, momento recomendado pelo body-piercer para
retirada do curativo. Tirou. E foi aquilo. Matança de baleias e golfinhos.
No dia seguinte, verificou que não havia morrido. Percebeu também que a hemorragia havia diminuído bastante, praticamente parado. Gostou do resultado. Usou os
pensamentos para provocar uma ereção. Achou bonito.
Bonito.
Mas lembrou que teria de dar um mês de férias ao bonitão. Bonitão, como sempre,
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e, agora, de brinco.
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Ménage à trois
Bárbara ajeitou o lençol uma última vez. Talvez faltasse alguma coisa. Mas estava
tudo ali, como sempre. Os brinquedinhos eróticos, lubrificantes, filmes pornôs para
todos os gostos. Receber casais sempre lhe dava essa sensação de que faltava alguma
coisa. Não que fosse raro. Era apenas bem menos comum do que homens sozinhos.
Mas sempre se sentia assim.
Raro mesmo era receber mulheres. Ou homens em dupla. Ou uma dupla de mulheres. Aí estava algo que nunca tinha vOlhou pela janela. Colocou a cabeça para fora. Lá
embaixo os carros se espremiam pelas ruas. Um meio de tarde nublado, quente, que
prenunciava chuva. Eles marcaram para as quatro. Tomara fossem pontuais.
O elevador
Ele e ela cumprimentaram o porteiro, discretamente. Sem saber muito bem como
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agir, ele achou melhor se anunciar.
- Viemos encontrar com a Bárbara.
Mas o sujeito certamente já sabia dos esquemas da moradora, pois nem interfonou.
Indicou o elevador tão somente. Talvez para que o cliente soubesse que, nas próximas
vezes, não seria necessário tal protocolo.
- Décimo segundo - disse - no apartamento 1203.
Ela por sua vez não sentiu sua privacidade devassada, pois aquele cara sentado atrás
do balcão, guarnecido por três telas de circuito fechado de tevê, pelo menos para sua
vida não era ninguém. Ela, para ele, também não era ninguém.
Chegaram adiantados. A tarde abafada fazia com que os dois suassem um pouco.
Ela mesma apertou o botão e ainda outras duas vezes, como se isso fizesse com que
o elevador, lento, andasse mais rápido. A porta se abriu e os dois entraram.
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Carreira
Bárbara chamava-se Luísa. Também atendia por Helen. No site anunciava-se, entre
tantas outras garotas, por estes dois nomes. Bárbara para programas comuns e Helen
para aqueles que envolvessem fetiches, dominação e afins. Isso ajudava na hora de
atender o telefone, um celular que comprara só para esse fim. Se o cara quisesse falar
com Bárbara, ela, desde aquele momento, vestia-se desse personagem. Se o cara quisesse falar com Helen, paramentava o espírito de botas e chicotinho.
Começou com essa vertente da dominação aos 23 anos. Nessa idade uma prostituta
tem vasta experiência. Quatro ou até cinco anos no ramo dão um enorme conhecimento da psicologia masculina, mais do que qualquer faculdade poderia. Então, alguém na
agência sugeriu que ela atendesse também os clientes com essas predileções. Dois anos
nisso, tomou gosto. Tomou gosto desde a primeira vez.
Fazia papel de submissa se fosse o caso. Mas não gostava.
Porém, para os dois que já estavam para chegar ela seria Bárbara.
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Faça-se a luz
Assim que se viram sozinhos no cubículo rodeado de espelhos ela apertou o doze.
- Será que ela é bonita como na fotografia do site? - Disse ela.
- Acho que sim. Mas nessas fotografias elas sempre fazem uma produção especial e
tal. - Ele procurou mostrar conhecimento de causa - Mas deve ser bonita sim.
- Tomara.
- … - olhou-a e ajeitou-se dentro da roupa.
- Você está louco pra me ver chupar uma bocetinha… eu sei… - e, para dizer isso, ela
buscou um tom de desafio na voz. Um tom que misturava uma insolência libidinosa e
o seu próprio desejo. Ela já tinha chupado bocetinhas antes, na adolescência. Embora a
experiência toda tivesse sido boa, não se interessou. Sempre achou homens mais excitantes. Agora, porém, a perspectiva era uma novidade, pois faria isso com uma mulher
tão somente para vê-lo louco. Só isso bastaria como motivação, mas a experiência com
uma mulher não deixava de ser tentadora em si, a oportunidade disponível, acessível.
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Ele ia responder que sim. Mas nesse instante um baque, um som seco seguido de
um engasgo, e o elevador estava preso entre os andares. Lá fora um relâmpago cortara
a energia elétrica. No escuro do pequeno elevador, o que era uma imensa expectativa
transformou-se, de um segundo para o outro, em uma pequena decepção.
Começou a chover. Forte.
À luz de velas
Pensou que os dois, agora, iriam demorar um pouco mais. Esperariam a chuva passar e então viriam. Provavelmente ligariam para avisar do atraso. Tudo bem. Só tinha
eles para essa tarde e, com esse temporal, não haveria outros clientes tão cedo.
Ficou tão escuro que, naquela hora mesmo, Bárbara - ou Helen ou Luísa - precisou
acender uma vela. O quarto, com um espelho que cobria totalmente uma das paredes,
ficava meio fantasmagórico com aquilo. Qualquer lugar fica meio fantasmagórico desse jeito.
Detestava, por isso, jantares à luz de velas. Não só por isso. Mas existe todo um
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estereótipo de que certas coisas são românticas. Sempre que um homem quer ser romântico adota certos comportamentos, como se não houvesse outras maneiras. Não
existem homens menos românticos do que os que tentam ser românticos. Eles ficam
todos afetados nessas situações e até suas vozes ficam diferentes. Ânsia de vômito é o
que ela sentia.
Detestava ganhar flores.
E agora?
- Será que demora voltar a luz? - Ela perguntou.
- Não sei. Acho que vai ser rápido. Aperta o botão de emergência.
Ela, sem ver nada, tateou e experimentou todos os botões. Os mais de baixo, onde
deveria estar o que acionaria a campainha salvadora. Tentou acioná-los várias vezes.
Sem resultado. Defeito.
- Não acredito - disse ele, rindo, para quebrar a tensão momentânea.
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- Nem eu - concordou ela, numa mistura de suspiro e sorriso. - Se eu fosse religiosa,
diria que isso é castigo divino.
- Olha. É melhor eu ligar para ela. Para avisar o que está acontecendo - ele tirou
o celular do bolso e uma luz azul abençoou-lhe o rosto. Contemplou as teclas alguns
segundos, apertou alguns botões e desistiu. - O telefone dela não está aqui. Eu liguei
de casa, a partir do número que estava na internet… se tivesse ligado do celular, teria
ficado registrado… mas não… e agora?
Resignados, os dois escorreram para o chão, simultaneamente. Na escuridão, o som
dos tecidos a deslizar pelo espelho, pés e pernas a se ajeitar.
- O jeito é esperar. - disse um dos dois.
Vontade
Bárbara sentia muita falta do cheiro da terra quando a chuva começava a cair depois
de muito tempo. Em Curitiba, no verão, uma chuva dessas depois de algumas semanas
de seca fazia levantar um odor desagradável de pó. As ruas ficavam lisas e os números
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de acidentes aumentavam. Sentia falta também do cheiro do começo da manhã e dos
fins de tarde causados pelas chaminés dos fogões a lenha. Foi tomada por uma nostalgia que não combinava com toda a sacanagem prometida para a seguir. Naquele momento, dispensaria o dinheiro que iria ganhar. Queria só ficar deitada naquela cama e
ouvir a água caindo. De olhos fechados, a lembrar do ipê roxo que havia na frente de
sua casa e da voz da avó que chamava para tomar café com bolinhos. Ela era puta. Mas
foi criança um dia.
Tinha muita dificuldade para mudar o foco do pensamento dessa doce melancolia
para a sintonia necessária a uma boa foda.
Não que não gostasse, e muito, de fodas.
Então
Então ela sentiu a perna dele roçar a dela. E ele sentiu a perna dele roçar a dele. Estava quente. Escuro naquele cubículo apertado. Tão cedo a luz não voltaria. E os dois
não pensaram em nada. Estava tudo na cara.
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Satisfação
De repente, uma hora depois, ou mais, a energia elétrica retornaria. Sem notícias
dos dois, Bárbara abriu os olhos novamente e continuou com suas ocupações. Decidiu
esquecer aquele programa. Na certa, ligariam mais tarde para marcar para outro dia.
Arrumou a cama novamente, desta vez para quando fosse dormir, e preparou-se para
tomar um banho.
Quando sob a porta de entrada de seu apartamento ela viu.
Cento e cinqüenta reais. Três notas graúdas muito satisfeitas tinham deslizado pela
fresta.
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Deuses, telefonemas
Por vezes sobra razão e falta emoção. Outras, o contrário.
Não, não é como o vinho que azeda ou que fica doce por demais, pois as duas coisas,
razão e emoção, não são sabores opostos, como se costuma imaginar. Elas convivem
naturalmente, tal a cor vermelha - caso trate-se de um vinho tinto - e a natureza aromática da bebida.
O vinho, dizem, foi criado pelo deus grego Dionísio. Os romanos o conheciam como
Baco. Todo mundo sabe porém que o vinho foi criado, na verdade, pela necessidade
que o homem tem de, por vezes, se embriagar seja lá com o que for, com álcool ou batendo a cabeça na parede. Seja para se encher de razão, seja para aplacar a emoção ou
ainda para abafar as duas coisas e desaparecer até das próprias vistas.
Baco, ou Dionísio, hoje é franco-atirador. Mora no prédio mais alto da cidade.
O nome do personagem central deste texto, porém, é Hermes. Que também é nome
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de um deus grego: Mercúrio, para os romanos. Nome de um planeta tão veloz por sua
proximidade ao Sol que não seria exagero dizer que ele tem asinhas nos pés, se tivesse
pés. A natureza de Hermes é curiosa e polivalente. Uma espécie de padroeiro dos larápios, também entende de comunicações e, por que não, de música. Há aquela canção
que fala de um deus sonso e ladrão que faz das tripas a primeira lira que animou todos
os sons. Pois é, é ele.
Ele tem como símbolo o caduceu - que também representa a medicina -, aquele
bastão encimado por asas e circundado por duas serpentes em espiral, em uma forma
muito parecida com as cadeias de DNA ou com os principais canais energéticos do
corpo humano, como no Yôga, que sobem da base da coluna até a cabeça ao longo da
coluna vertebral, ou ainda com a árvore da vida da Cabala. É até possível fazer uma
comparação com o Santo Graal, para uma visão e uma imaginação mais apurada. Mas
deixe pra lá, pois fazer tantas analogias é perigoso. Acaba levando aqueles mais influenciáveis a crer que todas essas coisas são uma coisa só. E não são.
É noite, Dionísio, o deus, comprou uma garrafa de vinho, e de sua sacada observava
o movimento lá embaixo. Hermes atravessava a rua - não o deus, mas o homem - quando, de repente, foi tomado por uma súbita vontade de se embriagar, intento no qual
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obteve êxito facilmente depois de alguma horas dentro de um bar.
Garoto conhece garota. Hermes, movido mais por Dionísio que por Eros - Cupido
para os romanos - vai em direção da garota que o observa.
Garoto conversa com garota.
Idéias meio sem nexo e palavras meio engroladas, pois, como se disse, Hermes obteve êxito em seu intento.
De qualquer forma, ele entende de comunicação.
Garoto beija garota. Às vezes, um beijo é só um beijo. Outra canção.
Hermes deixa um telefone com a garota.
- Pra você ligar, a gente combinar e tal.
Pequeno interlúdio de três dias
Três dias se passaram.
Panificadora, fim de tarde
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A moça do balcão traz para mim o pingado e o pão com manteiga. O telefone, lá
dentro, toca.
- Panificadora Verdes Mares, bom dia.
É o que ouviríamos eu, ao vivo, e ela - a pessoa do outro lado da linha - pelo fone,
caso um certo número três não tivesse sido cuidadosamente sobreposto a determinado número dois naquele pedaço de papel: a anotação com um telefone e um nome
em letra de forma. O segundo dígito, como se disse, rabiscado. O três sobre o dois e a
primeira perna do h um pouco mais comprida que a segunda.
- Panificadora Verdes Mares, bom dia.
Por hipótese, diga-se que o algarismo errado não foi corrigido.
- Não, não tem ninguém com esse nome.
Certamente, o telefone tocaria ainda mais uma vez dali a segundos, com nova confirmação do engano e, ainda outra, não sem que, antes, a pessoa do outro lado da linha
lesse mais duas ou três vezes todos os algarismos e decorasse-os.
-Devem ter dado o número errado pra você.
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É o que ouviríamos, então, eu e ela.
Mas não ouvimos por algumas razões.
Primeira razão
O dígito foi corrigido.
Segunda razão
Seria muita coincidência ela, meu personagem, ligar por engano para uma panificadora que normalmente não freqüento justamente no momento em que lá me encontro.
De qualquer forma, não me ocorreria perguntar ao homem que atendeu ao telefone
sobre quem afinal ligara tantas vezes por engano. Em princípio, não é da minha conta.
Terceira razão
Ela não telefonou para o número errado e tampouco para o certo.
Ela não telefonou.
Vênus.
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A natureza do que excita uma mulher é diferente da natureza daquilo que excita um
homem.
Com aquele pedaço de papel entre os dedos da mão esquerda com o nome daquele
garoto feio e seu telefone, na ânsia que havia entre o telefonar e o não telefonar, entre
o que poderia ser feito e a volúpia de não fazê-lo, como quem guarda um tesouro sobre
infinitas camadas de areia no deserto, algo aconteceu. Algo nem errado nem certo.
E Afrodite, Vênus para os romanos, conduziu os dedos da garota, os da mão direita,
aqueles que não seguravam o pedaço de papel, para lugar distante das teclas do telefone.
Intento no qual logrou êxito com facilidade.
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A vocação de dar por dinheiro
Respeitosamente, entro. Cabeça baixa, olhar de lado. Sem encarar e intimidar as
lágrimas alheias, ou a ausência delas. Assim se faz nos velórios. Todos fazem assim. Lá
fora, claro, alguns contam piadas. Mas não ali, perto do morto.
Impossível não observar a esposa. Seus vinte e tantos anos. É uma das que não choram. Toda de preto, parece uma viúva de filme. Vestido preto e justo, óculos de grife,
ela deve ter saído de uma foto. Não usa chapéu, nem véu sobre o rosto de mármore.
Alguém próximo a mim comenta que ela deve estar muito sedada para agüentar
daquele jeito.
Você já deve imaginar que a certa altura eu lanço um olhar furtivo para a mulher e,
discretamente, com um aceno de cabeça, faço-lhe um convite. Saio em direção a um
banheiro mais afastado, ao que segundos depois sou, sutilmente, por ela seguido. E,
em um dos cubículos, segue-se aquele motivo pelo qual tenho que tapar a boca da viú-
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va com a mão para conter-lhe os gemidos.
Não. Você pensou tudo errado.
O seu rosto é mesmo como se fosse de mármore naquele momento. Os cabelos negros, presos em coque, parecem feitos para a ocasião. Mas ela não está sedada. Apenas
sente o alívio das que se livraram de um peso e, por outro lado, ganharam a leveza que
as grandes somas de dinheiro podem dar. E, melhor de tudo, foi morte natural.
Mas sorrir, nessa hora, é para aqueles que, lá fora, contam piadas entre um e outro
elogio ao defunto. O pior de se estar morto, de fato, não são as ofensas póstumas, mas
o fato de não se poder rebater falsos e tardios louvores. E ela está viva. Não sorri. Como
um acessório emoldura o esquife que emoldura as flores, que emolduram o morto.
Está ali para ser vista e ser digna de pena.
Ninguém ousa olhar para suas pernas envolvidas no justo tecido negro. Se alguém
olhasse, veria que as coxas se esfregam sutilmente, mas com tenacidade.
Para ela, dinheiro dá tesão.
Algumas mulheres têm vocação para ser puta. Claro, essa qualidade não é privilégio
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do sexo feminino, mas, no momento, dele falamos.
Vamos definir vocação como a propriedade que nos faz ter vontade de fazer algo em
troca de dinheiro ou de outro valor. Troquemos a palavra vontade por tesão e chegamos próximos da idéia que quero transmitir. Pessoalmente, não acho que haja nada de
errado com as putas. Pelo menos com aquelas que trabalham com prazer.
Não sou ingênuo e sei que, na maior parte das vezes, a garota, ou o garoto, que se
inicia na prostituição o faz por necessidades e circunstâncias outras que não o gosto
pela coisa. Esses entram no campo da exploração, da frustração e de outros tristes
substantivos. Mas tudo é, como eu disse, uma questão de ímpeto vocacional. Afinal,
explorados e frustrados são também os médicos que gostariam de ser padeiros, os jornalistas que gostariam de ser farmacêuticos, os advogados que gostariam de ser corretores da bolsa. Todos eles, putas, daquelas que não gostam da coisa, das que não
gostam de trepar. Uma boa puta é tão boa quanto um bom médico é bom, quanto um
bom jornalista é bom ou quanto um bom advogado é bom. A resposta é adequar o que
se faz ao que se quer fazer.
Mas voltemos. Sejamos sinceros. Um homem - também as mulheres, com cada vez
mais freqüência - admite que vez por outra não sente necessidade de envolvimento
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emocional. Na maior parte do tempo o que ele quer é uma boa trepada.
As mulheres - também os homens, com cada vez mais freqüência -, por sua vez, querem um envolvimento emocional em seus relacionamentos que, porventura, envolvam
sexo.
Nesse conflito de interesses, as putas desempenham um papel fundamental no bom
funcionamento da sociedade.
Explico. Visualize um homem que quer uma boa trepada e pretende consegui-la
pelos métodos, assim chamados, convencionais. Ele vai até um bar, gasta uns tantos
dinheiros em bebida e comida, conhece uma garota, procura impressioná-la de alguma
forma - seja com um papo sobre o cubismo e as vanguardas estéticas do Soho novaiorquino, seja com a exibição de um abdômen bem definido -, investe horas nisso para,
só depois de muita saliva gasta, marcar um encontro, um cinema para o dia seguinte.
Os dois vão ao cinema. Mais conversa, mais dinheiro, pipoca, filme do qual, eventualmente, nenhum dos dois gosta. Combinam para sair na semana seguinte.
Jantam. Mais dinheiro. Trepam, como ele queria, para - inconscientemente - cumprir seu papel de reprodutor da espécie. Ele nunca mais liga. Ela fica arrasada e, possieditoraplus.org
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velmente, tenta se matar. Custos para o Estado.
Agora, imagine se esse mesmo sujeito, já de início, fosse atrás de uma puta.
Bar, cinema, jantar - faça as contas - custam muito mais que os serviços de uma hora
de uma profissional do sexo. Com anal é R$ 100 e sem é R$ 70.
A garota não conheceria um sujeito que magoaria seu coração ansioso por envolvimento emocional, ninguém morreria e o Estado não teria problemas de orçamento. De
quebra, se todos os homens levassem a sério tal possibilidade - a de em caso de necessidade física de sexo se procurar uma prostituta - haveria a maior probabilidade de ela
encontrar, com segurança, em um bar, um sujeito bacana, a fim de conhecer melhor
aquele coraçãozinho cheio de amor para dar. Pois aqueles que só querem uma transadinha casual estariam em outro lugar.
A verdade, porém, é que o mundo não é tão simples. E, quase sempre, nem homens
nem mulheres sabem se querem uma transadinha casual ou casar e ter filhos. E estão
todos a andar misturados por aí, seja nos bares, seja na rua, seja no disque-sexo.
De qualquer forma, é bom saber que as putas existem. Obrigado, putas. Eu amo
vocês.
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A viúva. Sim, a viúva esfrega as duas coxas. Escorre, sabe? Nos dois anos em que estivera casada com o velho não sentira isso, não lembrava como era. Está agora perdida
não em seus pensamentos, mas na sensação. Sentir-se molhada faz com que sinta mais
tesão, o que a deixa ainda mais molhada e, nesse círculo vicioso, ou virtuoso, como
queira, da cintura para cima permanece impávida, como seus óculos negros, e, para
baixo, derrete.
Por segundos, um pensamento - não, não chega a ser um pensamento - por segundos, uma intuição lhe atravessa. Impossível descrever com exatidão. Sim, tem dinheiro, sim, é jovem, sim, é devassa na exata proporção inversa a que se retraíra durante
aquele tempo. Mas lhe falta algo. É isso. Sente, pressente que precisa realizar algo,
alguma coisa que dê sentido à sua vida. Uma realização. Uma obra.
Por ora, no entanto, tem muita vontade de ir atrás daquele cara que fez um discreto
gesto com a cabeça e foi em direção ao banheiro mais afastado. Ele deve ter notado o
discreto movimentar de suas pernas. Com prazer ela colocaria uma nota alta de dinheiro no bolso de sua camisa, mesmo depois de ele lhe tapar a boca para abafar seus
gemidos.
E é então, enquanto desamarrota sua roupa, que descobre, no outro, a verdade.
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Como se olhasse em um espelho. Pois fez com ele o que teve vontade, naquele instante,
que fizessem com ela.
Ela queria ser puta.
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Desejo
Para Dea
O desejo, diferente do que se pensa, não queima. Na verdade, inunda o ser, que enfim
se afoga em bálsamo. Uma onda de lassidão toma o corpo e, seletiva, contrai alguns
músculos e descontrai outros. Acorda, assim, quem antes dormia e agora esfrega a pele
nos lençóis. Embora a sensação seja ígnea, o desejo é úmido, cálido e se apega à carne
viva como um tempero que provoca espasmos. Desejo é sede de boca mordendo e de
língua lambendo. Quem aumenta voluntariamente seu desejo alimenta-se de fome.
Mais evidente que a verdade, pois não há como negá-lo nem encobri-lo através de
subterfúgios da lógica. Urgente como uma dor - que não dói, mas suplica -, não há
como ignorá-lo. Não há como evitá-lo e, para arrefecê-lo, preciso é satisfazê-lo. E assim, com ele satisfeito, pode-se observá-lo - com o olhar do espanto e da volúpia - noeditoraplus.org
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vamente a crescer ainda maior, ainda mais forte e avassalador.
Não é flor. É semente. E por vezes cai no solo em região desconhecida, em momento
ignorado. Espera o melhor momento, seja o dia de chuva, a noite de sereno, a manhã
de sol. Nem sempre o desejo é pra já. E sem que se perceba germina. E sem que se perceba dá tronco, folhas, cria raízes. E então é uma planta enorme que, ao tomar conta de
tudo, grita por dentro, e por si mesma, alimentada em sua própria ânsia, se expande.
Menos satisfeita, mais cresce. Derruba paredes, levanta o telhado da casa e lá dentro,
na cama, na sala, na cozinha, onde for, alguma pessoa finalmente se mostra nua, sem
paredes, sem telhado. Desejar é saber-se sem roupa em meio a uma humanidade vestida.
Ter desejo dá vontade de partir para voltar em seguida pra que ele jamais se esgote.
Mas ele nunca se esgota. Dá vontade de, ainda que ele esteja dentro da lama, enfiar-se
nela até o pescoço e até mesmo mergulhar, e assim achar a lama, aconchegante, morna
e voluptuosa. Camufla-se nessa lama, assume-se um personagem vagamente antropomórfico, disfarçado. Pernas, braços, tronco, cabeça - meras sugestões de corpos que
viajam sem forma. E, neles, que se encontram juntos um do outro, só se vê o branco
dos olhos. O branco dos olhos é o desejo que faísca no esO ser que deseja é identificável
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por uma certa agitação e um certo foco. Ao mesmo tempo em que ele age, algo lhe chama a atenção e o distrai. É o desejo, que o quer todo para si e carrega sua consciência,
nos momentos mais inesperados, para onde ele quer. O desejo chupa os pensamentos
de canudinho. Deixa só a carne e é o suficiente.
Mas muitas vezes, na maioria, o desejo, independentemente de pensamentos ou de
carne, ele se basta.
Por isso, não quero saber de onde você vem, que língua fala, o som de sua voz, o que
carrega em sua mala, qual o seu nome, sua comida preferida, que livros leu, que discos
ouve ou que roupa usará. Não quero nada disso.
Venha trajada de seu desejo e eu a reconhecerei na multidão.
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Fuga em noite quente
Em certas noites, noites como esta, Carlos gosta de imaginar que poderia estar em um
carro, no banco do passageiro enquanto uma bela garota loira, de cabelos curtos, dirige
em direção ao interior do estado.
Ajustaria o retrovisor do lado direito para que sempre pudesse ver a lua grande,
redonda e amarela a segui-los.
Mas ele sabe que nem todo carro é veloz o suficiente para manter a lua sempre na
linha do horizonte, como se tivesse acabado de anoitecer. Nem toda estrada é reta o
bastante para que a lua fique sempre à retaguarda.
Nessas noites quentes, um cheiro forte e doce de flor preenche o ar. Um aroma que,
em alguns momentos, associado às numerosas estrelas, dá até enjôos. É bom e ruim ao
mesmo tempo.
- Jasmim.
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- Como?
- Jasmim. Isso é jasmim.
- Ahn? Eu achei que jasmim fosse um chá ou coisa parecida.
- É uma flor e serve para fazer chá também.
- Mas tem esse cheiro forte assim?
- Tem.
- Alguém deve ter uma plantação de jasmim aqui por perto… enfim… devem ser
muitos pés… muitas árvores. Sei lá.
Colocaria a cabeça para fora da janela, como fazem os cachorros. Quem sabe até
dependurasse a língua, tal se vê nos cães. Agüentaria alguns segundos a ventania nos
olhos e que o impediria de respirar direito e voltaria para o seu assento, com as idéias
mais geladas que o resto do corpo. Olharia para o lado para verificar a reação da garota.
Ela, impávida ao volante, olharia com o canto dos olhos e daria um pequeno sorriso.
Difícil saber se de aprovação ou sarcasmo. Ele adorava essas dúvidas. Na verdade, não
adorava. Mas elas o deixavam fascinado de qualquer forma.
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A essa altura, a lua já estaria no meio do céu. Branca, teria perdido aquela coloração
entre o amarelo e o vermelho que prenuncia o fim do mundo.
Há muito tempo estaria no céu aquela estrela, a mais brilhante.
- Estrela não. Planeta. Aquele é o planeta Vênus.
- Engraçado.
- Engraçado o quê?
- Um planeta com nome de preservativo.
Isso faria com que ele se lembrasse do pai. O pai sempre o corrigia quando chamava
Vênus de estrela. Na verdade, era iniciado astronomicamente. Mas não gostava de demonstrar sempre o que sabia. Por várias vezes, fingia-me de bobo.
- Planeta, é? Duvido.
É impressionante como uma ignorância teimosa tem o poder de irritar as pessoas.
Quando chegassem à cidade, estaria tudo silencioso. Um cheiro de lenha queimada,
porém, denunciaria que, como em toda cidade interiorana, algumas pessoas já estaeditoraplus.org
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riam de pé. Os fogões acesos, não para aquecer - pois as poucas nuvens no horizonte,
tingidas de vermelho, anunciariam mais um dia de calor -, mas para preparar o café.
Ela levaria o carro para o centro da cidade. Centro. Alguns prédios de dois, três andares. Pararia na frente de um sobrado.
- Desce lá. Abre o portão.
Ok.
- Ei. Tem que dar um tranco do lado direito. Se não der um tranco ele não sobe.
Daria um tranco do lado direito e, como previsto, o portão subiria.
- Sobe você primeiro. É muito estreito. Só cabe o carro. Depois você não passa.
Apertado mesmo. Boa motorista para conseguir tirar o carro de ré dali mais tarde.
- Mais tarde a gente pode ir ao clube. Tem só um clube aqui. Eu gostava de ficar na
piscina encostada na parte onde sai a água. O jato pegava bem no meu cu. Acho que o
salva-vidas sacava. Ficava me olhando.
Seria bom saber que mesmo uma cidade do interior tem um turismo interessante.
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Exausta de tanto dirigir, ela sentaria no sofá, tiraria os sapatos e colocaria sobre o
tapete de pele de vaca.
Ele, já nu, se aproximaria, levantaria a saia dela, e, com as mãos, afastaria as pernas
e aproximaria o rosto. Adorava o cheiro.
- De joelho não. Fica de quatro. Quero ver sua bunda no ar.
Veria então uma gata branca a observar a cena.
- Jasmim.
- Ahn?
- Jasmim. É o nome da gata.
- O nome do chá? Digo, das flores?
- Cala a boca e chupa.
Na estrada, ela teria se enganado. As flores com forte perfume que sentiram à caminho da casa dos pais dela, mortos há um mês em um acidente, eram damas-da-noite.
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Exorcista
Acreditava que as mulheres eram tomadas por demônios e que os orgasmos eram
eles a sair do corpo delas pelos poros. Partiu por seu mundo a executar exorcismos.
Relatava em seu diário, em páginas já no fim, os diversos tipos com os quais havia
cruzado. Era uma época em que treva e luz conviviam e desenhavam coisas no contraste.
Lembrava da avó a mostrar as figuras de santas, com olhos voltados para o alto.
- Estão em êxtase - dizia a velha.
Tocadas pelo que havia de divino, estavam libertas de todo o mal, no registro de um
segundo antes de caírem ao chão, tomadas de convulsões ou de moleza das pernas ou
de rigidez do corpo, conforme o caso.
Havia visto de tudo.
Havia visto mulheres que, de repente, desandavam a falar outras línguas sob o peso
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de seu corpo.
Tinha visto demônios que se manifestavam aos gritos, como se fosse doloroso sair
daquele corpo feminino onde até então habitavam, na doçura.
De fato, algumas delas relatavam a sensação de morte iminente, como se a alma
fosse lhes deixar a morada naquele instante. Algumas queriam não morrer, mas matar. Morrer, matar, não há diferença então. Morre e mata-se e no momento seguinte
pergunta-se quem é, onde está, para onde se vai, pois o mundo é louco e de ninguém.
Outras se debatiam e fincavam-lhe as unhas na carne como se estivessem em queda
e precisassem se agarrar a algo. Carregava, por isso, inúmeras cicatrizes.
As que subitamente se convertiam de dóceis anjos para feras selvagens e começavam a agredi-lo com tapas e até socos alternados com lambidas e beijos também deixavam marcas, mas menos perenes.
O demônio saía com a promessa de que encher o corpo de furos ou trespassá-lo de
agulhas, brincos e enfeites seria a delícia.
Certas vezes, nessas horas, ele sentia um leve perfume de alfazema. Podia ser tam-
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bém jasmim a emanar do corpo suado, dos cabelos puxados, dos braços extenuados,
das pernas entrelaçadas. E, depois, observava, cuidadoso, como quem observa um
bebê, como quem cuida para que sonhos bons não se transformem em sonhos ruins no
caudal do sono. Dava a ela, quem fosse, uma guirlanda de olhar, ornava-lhe a face com
lágrimas devotas, suspiros cansados de guerreiro.
Conheceu as que se libertavam de seus demônios em silêncio, como se rezassem.
Ou como se ouvissem vozes que contavam segredos que mesmo a ele - conhecedor dos
mistérios gozosos que era, da anunciação à Maria ao reencontro da criança no templo
- jamais seria dado conceber.
As que davam um gemido curto e seco, interrompendo a respiração ofegante a planejar sinfonias no silêncio noturno, como se tivessem sido pegas de surpresa. Ou como
se um pássaro tivesse escapado pela boca entreaberta.
Músculos retesados, mãos crispadas, lugares-comuns, viu de todos os tipos. Nunca
comuns. Todos assombrosos. Sempre sobrenaturais. Mulheres possessas se vêem na
cama.
Rezava muito, ele também.
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Não sabia que tudo isso não era o demônio saindo quem provocava.
Era Deus. Ao entrar.
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30 minutos como puto
Antes de você começar a ler a história propriamente dita, preciso dizer que ela é
antiga, apenas a tinha tirado do ar. Apenas mudei alguns nomes que preferem não ser
identificados. A reedição tem alguns motivos. Uma tarde quente cheia de trabalho no
jornal e uma estratégia de ficar com uma crônica na manga e dar tempo para o trabalho
de um eventual ilustrador. Então vamos à história.
Alessandro diz:
Então… minha ex-namorada é “garota de programa”…
Rubra diz:
Sério?
Rubra diz:
Então acho que posso contar um negócio que eu e meu marido vamos abrir aqui em
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Curitiba…
Rubra diz:
Vamos começar no ramo de prostituição masculina… tipo garotos para senhoras…
Rubra diz:
O que acha? Quer entrar nisso? Acho que você tem o perfil…
Alessandro diz:
… na verdade eu quis dizer que minha namorada trabalha com informática.
Alessandro diz:
… ela faz programas de computador…
Alessandro diz:
… eu tinha dito antes… achei que já soubesse…
Eu teclava com Rubra há algum tempo. Uns dois meses mais ou menos. Não lembro
como ela me adicionou à sua lista de contatos ou se fui eu que o fiz. O fato é que nuneditoraplus.org
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ca tínhamos conversado sobre assuntos muito íntimos. Banalidades. No máximo, ela
mostrou-me algumas coisas que havia escrito. Contos curtos sobre vampiros, vampiras
e afins. Era fã da personagem Vampirella.
Eu não quis que a situação ficasse chata. Então mostrei que por mim tudo bem ela
estar nesse ramo da economia.
Alessandro diz:
Mas fale mais sobre isso de… garotos para senhoras… esse assunto me interessa…
Alessandro diz:
… você disse que eu tenho o perfil… diga mais…
O deslize atiçou-me a curiosidade realmente. Sou do tipo que não deixa de dar satisfações a esse tipo de impulso. Quis mais informações, claro.
Mais tarde eu soube que ela já tinha cuidado de uma casa de prostituição feminina.
Explicou-me que era muito complicado. Ela e o marido acreditavam que trabalhar com
homens poderia ser muito mais simples, pelo menos enquanto a discrição do negócio
escapasse dos pedidos de propina da polícia e outros tipos de taxas informais.
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Rubra diz:
Caras são menos complicados.
Rubra diz:
Já temos até lugar…
Rubra diz:
Vai ser num apê antigo do Centro. Vão ser lá os encontros.
Rubra diz:
Os maridos executivos e brochas viajam com seu stress e as madames vão relaxar.
Para mim, pareceu um negócio simples, na verdade. Comecei a me interessar. Você
sabe. Nenhuma profissão é indigna desde que se ganhe bem e tenha-se apreço pelo que
se faz. É claro que fiquei preocupado se afinal o serviço seria apenas para mulheres.
Nada contra, mas ao contrário deles sempre achei que trabalhar com mulheres fosse
menos complicado que trabalhar com homens. Tanto que, como amador, até hoje só
trabalhei com mulheres.
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Eu estava com ela - a minha ex-namorada que era “garota de programa” - em outra
janela do Messenger. Expliquei que estava prestes a aceitar aquele trabalho para as
horas vagas. Entende, não? Um homem precisa ter um passatempo. Melhor ainda se
ele for bem remunerado.
A garota diz:
Putoooooo!
Lisonjeado, resolvi perguntar sobre aquele detalhe para Rubra.
Alessandro diz:
E eu só vou….
Resolvi corrigir antes de dar o enter.
Alesandro diz:
E os caras só vão trabalhar com mulheres? É isso?
Rubra diz:
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Isso. Queremos nos especializar.
Ela ainda não tinha respondido sobre a história do perfil, que eu me enquadrava
nele e tal. Por algum motivo ela se abriu tão rapidamente comigo, a ponto de nem ter
percebido que eu tinha dito muito tempo antes durante a conversa que a minha exnamorada era programadora. Ela deve ter acreditado que eu, tendo me relacionado
com alguém que ela acreditou ter sido puta, não tinha qualquer preconceito quanto
ao assunto. Também já devia estar atrás de caras há algum tempo. O marido de Rubra
havia deixado o emprego. Com o dinheiro do fundo de garantia, que não tinha sido
pouco, começaram a planejar a história toda. A coisa estava em vias de sair. Mas ainda
assim achei que foi excessivamente impetuosa quando teve a oportunidade de tocar no
assunto comigo.
Alessandro diz:
Você disse que eu poderia trabalhar com vocês?
Rubra diz:
Pois é. Acho que sim.
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Rubra diz:
Tem uma aparência legal e tal…
Não lembro onde ela poderia ter visto uma foto minha. Talvez no meu blog ou no
meu livejournal. Não importava. Ela me explicou que além de carecas estarem na
moda, havia gosto para tudo, fãs de Yul Brinner e daquele cara que fazia o Kojak. Achei
esses atores meio velhos - acho que os dois estão até mortos - e tentei sugerir um mais
recente. O Bruce Willis, por exemplo. Mas Rubra fez questão de salientar que no caso
de acompanhantes para mulheres o importante era um bom papo, uma presença agradável, uma personalidade assim e assada, mais até do que aparência física. E ela achava que isso eu tinha. Resolvi falar que achei que ela tinha sido rápida comigo.
Rubra diz:
É que achei você legal.
Rubra diz:
É com gente assim que queremos trabalhar. Você é jornalista…
Rubra diz:
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Tem cultura…
Rubra diz:
Boa procedência… assim não tem como dar errado…
Comecei a ver aquilo como uma perspectiva verdadeira. De repente, no meio da
tarde, o celular toca e é Rubra, que avisa que no tal apartamento uma loira colunável
da sociedade curitibana quer conhecer minha personalidade assim e assada. Dinheiro
bom, dinheiro agradável, dinheiro fácil.
Por outro lado, começou a se desenhar um esboço de situações pouco interessantes.
Era bem possível que uma boa parte dessas mulheres não fosse exatamente o meu
tipo. Na verdade, considerei o fato de que algumas pudessem ser nada interessantes
ou bonitas ou sexy. Uma parte da grana certamente seria gasta com Viagra. Não dava
para arriscar. No caso das mulheres dessa profissão, basta fingir um pouco, afinal não
é todo homem que vai fazê-las ter tesão. Acredito que, na maior parte dos casos, é o que
acontece e isso é meio complicado, mas, de fato, basta fingir um pouco. Mas no caso
dos homens, não há como fingir.
Rubra diz:
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… a gente quer trabalhar com o melhor público…
Rubra diz:
… só com bocetinha cheirosa… você vai adorar!
Era a primeira vez que, em nossas conversas via Messenger, ela falava um palavrão.
Confesso que aquilo me deixou de pau duro. Dinheiro bom, agradável, fácil, assim e
assado e bocetinhas cheirosas. Muito, muito, muito tentador.
Ainda assim, foi inevitável pensar no tipo de gente com quem eu me envolveria. Não
há como garantir que eles só trabalhariam com pessoas, como ela disse, de boa procedência. Na verdade, eu ficaria feliz em saber que só havia gente com a sanidade mental
em dia nesse tipo de negócio.
Foi muito rápido, mas também imaginei a chegada de um marido revoltado naquele apartamento. Pensei em um apê próximo à praça Carlos Gomes, não sei por quê.
Assim, foi inevitável inventar a cena em que eu tentava convencê-lo a não me matar,
tendo como trilha sonora a abertura de O Guarani. Tudo muito patético, mas eu acabava, de qualquer forma, morto. Bem morto. É ridículo, mas sempre que tomamos determinadas decisões abrimos um leque de conseqüências que podem ou não acontecer.
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O improvável se torna uma possibilidade. É insanidade não encarar isso. Portanto, ao
enxergar de perto essa nova possibilidade, decidi parar de me abanar com o tal leque
de conseqüências.
Alessandro diz:
Tenho uma reunião agora, Rubra…
Alessandro diz:
Amanhã a gente conversa mais sobre isso…
Coincidência ou não, nunca mais a encontrei on-line. Não faço a menor idéia se o
negócio dela vingou. Naquele mesmo dia, no entanto, ela me disse que as loiras colunáveis da sociedade curitibana e os seus maridos executivos brochas vingaram, vingam
e vingarão. Mercado há.
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Bonitão, agora sem piercing
A experiência de ter um piercing no pau foi enriquecedora, mas o inconsciente
segue caminhos muito mais sábios do que o consciente, que se acha tão esperto (pelo
menos na hora de escolher a cor das cuecas e de assoviar a Bachiana Número Cinco).
E, por isso, agora estou sem o tal piercing.
Acontece que, passado um mês com o brinco, nele - em mim, portanto - havia alguma urgência em tomar alguma, chamemos assim, atitude. Porém, essa, chamemos
assim, atitude, tinha que ser tomada com algo que ia um pouco além da delicadeza de
que atualmente me munia nessas ocasiões. Delicadeza insuficiente para evitar algum
incômodo para meu pau e para mim.
Mais adiante eu falo sobre essa história de nós homens tratarmos o órgão sexual
como uma segunda pessoa.
Durante a semana que passou, descobri que poderia tirar o piercing durante alguns
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instantes e recolocá-lo sem dificuldades. Não deixei de ficar bastante satisfeito com
minha nova habilidade. Resolvi perguntar ao body piercer se, afinal, havia algum problema em retirá-lo nestes primeiros meses de adaptação nas ocasiões em que eu fosse
tomar alguma, chamemos assim, atitude. Pensei em explicar a ele que habitualmente
gosto de atitudes vigorosas, cheias de movimentações, ritmos fortes porém virtuosos,
e também de mudanças e viradas impetuosas. Algo mais para a quinta de Beethoven
que para a Bachiana Número Cinco. Coisa que, no momento, o piercing, em seu devido
lugar, me impedia.
Mas preferi não entrar nos detalhes.
O sujeito me explicou que, sim, eu poderia tirar o piercing, mas por apenas alguns
minutos. De outra forma, a perfuração iria se fechar.
- Depois de bem cicatrizada, você pode ficar um dia ou mais sem ele sem que haja
problema.
Fiz meus testes durante o banho. Durante meia-hora até. E, em todas as vezes, conseguia recolocar a jóia.
Antes, porém, que eu conte como isso terminou, é necessário citar o aprendizado
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que obtive sobre o comportamento humano, sobre mim e sobre meu pau nessas semanas em que ele esteve enfeitado com uma argola de aço cirúrgico.
Nós todos nos consideramos pessoas racionais. Eu sou muito racional. No entanto,
entendi que a sexualidade fala muito forte, a ponto de termos reações físicas e emocionais muito mais próximas do animal. Compreender isso não é admitir uma fraqueza,
mas adquirir mais conhecimento sobre si, e portanto mais força.
Embora eu soubesse da necessidade de proteger a cicatrização de infecções e agressões causadas por pressões e movimentações excessivos, sobretudo nos primeiros 30
dias, logo na segunda semana houve um impasse. Era sabido de ambas as partes da
necessidade do, digamos, resguardo, mas carícias alternativas não se mostraram suficientes, e ao menos duas vezes foi necessária a tomada de, chamemos assim, uma atitude, ainda que fosse uma atitude um tanto quanto estática. Para mostrar a ambos que,
sim, estávamos ali, presentes. Um dentro do outro. Os animais que existem dentro da
gente precisavam saber e, aparentemente, só havia essa forma de mostrar.
Você pode estar a imaginar o que isso tem a ensinar a respeito de relacionamentos.
Para mim quer dizer que, se você tem um, preste muita atenção no quesito “sexo”.
Carinho, atenção, dedicação e similares são, sim, importantes, mas se você apreseneditoraplus.org
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tar algum problema no que diz respeito ao desejo, os animais que há dentro de vocês
dois - ou três, ou quatro, de acordo com a natureza da relação - vai começar a se sentir
negligenciado e de mau humor, vai cobrar acontecimentos e não sossegará enquanto
algo não acontecer. Será capaz inclusive de destruir o que há de carinho, atenção e dedicação. Importante não esquecer a natureza animal de um homem e de uma mulher.
Temos pêlos, temos mamas, sexos – que, diferentes dos das outras espécies, não são
feitos exclusivamente para a reprodução. Portanto, se há problemas nesse item, tome
providências, não importa quais sejam elas.
Bem. Isso sem falar nos primeiros dias em que ele, o pênis, se mostrou mais incomodado com aquilo e eu tive uma pálida idéia do que, a partir do humor que se propagava do epicentro de minha virilha, seria uma tensão pré-menstrual. Nada estava bom,
qualquer coisinha era uma tragédia. O mundo meio que perdia as cores nessas horas.
Na verdade, nunca me senti tão só com minha própria liberdade quanto no momento em que, pouco após a perfuração, eu sangrava no banheiro e deixava o chão do box
vermelho com a mistura entre sangue e água. Eu não correria, não iria ao hospital, não
chamaria pai, não chamaria mãe. Ficaria ali a escorrer, solitário com minha decisão e
minha suprema autonomia de fazer o que quisesse com meu pinto, inclusive atravessá-
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lo de um lado ao outro.
Passados 30 dias com o piercing, notei que ainda era difícil uma movimentação
mais vigorosa na hora de tomar, chamemos assim, atitudes. Eu e ela tivemos que ter
mais paciência.
Até que, depois de dias, finalmente descobri a história de poder tirar e recolocar o
Resolvi continuar então essas experiências. Foi quando, acredito, fiquei tempo demais
sem a jóia. Então me vi no banho a cutucar meu pau com uma argola de quatro milímetros de espessura sem conseguir atravessá-lo mais uma vez. Parece que diversas crises
de minha vida acontecem debaixo da água.
Tentei a operação por diversas vezes. E então lembrei da história de nós homens
tratarmos o pênis como uma segunda pessoa.
- Ele para lá.
- Ele para cá.
- Ele é impetuoso.
- Ele é cheio das vontades.
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- Ele não está de muito bom humor hoje.
- Ele precisa de uma nova cor de cueca.
- Ele precisa assoviar a Bachiana Número Cinco.
Muitos de nós chegam a batizar o júnior. Joãozinho, Zelzinho, Amigão e tantos outros. O meu, devo dizer, não tem nome. É pagão, o danado.
Foi quando, debaixo do chuveiro, coloquei-me no lugar dele. Se alguém estivesse a
tentar perfurar minha cabeça daquele jeito, eu gostaria? Acho que não. Era assim que
eu demonstrava o carinho por ele, que tantas alegrias me deu e me dá? Tive uma conversa séria e o resumo dela foi que nunca mais ele teria que passar por aquilo.
Eu, na adolescência, sempre me senti inadequado, como todo adolescente. Como
sempre usava moletons, hoje, na vida adulta, considero essa peça de roupa um tanto
inadequada também. Por isso, evito-a. O piercing para ele era como um moletom.
Ele estava se sentindo inadequado, privado de suas atividades mais felizes. E eu
entendi a mensagem que ele passava para mim naquele instante.
Então, sem maiores dramas, coloquei a argola sobre a pia do banheiro e fui dormir.
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Eu feliz e ele, ainda bonitão, agora sem brinco.
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Meu pinto
Até os 10 anos de idade recusava-me a usar cuecas. Desagradava-me a idéia de
ficar com meu pinto e saco presos em um invólucro de algodão que fosse. Se as roupas
eram usadas para cobrir o corpo, não fazia sentido, na minha cabeça de criança, cobrilo ainda mais. As calças ou o calção bastavam. Aliás, não usar roupa de baixo era
ótimo porque, se eventualmente uma garotinha pedisse para que eu mostrasse meus
brinquedos, eles estavam facilmente acessíveis. Principalmente quando eu usava com
calças curtas. Era só levantar um pouco a barra da bermuda e tcharam.
Karateca
Cheguei em casa, depois de uma tarde inteira a aprender a desenhar a letra “a”, na
pré-escola, e meus pais perguntaram sobre o que eu tinha feito naquele dia. Não sei de
onde tirei aquilo, mas respondi.
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- Karatê.
E comecei a inventar, naquele exato instante, um katá, com movimentos em que
eu me deslocava para frente e para trás e dava golpes de pernas e de braços. Tão convincentes que meus pais, no dia seguinte, comentaram com a professora que acharam
muito saudável os alunos terem aulas de artes marciais, mas que seria muito prudente
da parte da direção consultar os responsáveis antes. Claro que a professora olhou os
dois com uma cara que era mistura de espanto, dúvida e um pouco de enjôo, pois o
almoço lhe fizera mal.
Eu era um pequeno mitomaníaco. Mas, se tivesse sido devidamente incentivado,
poderia ter sido um verdadeiro Chuck Norris.
Banho
Nunca tive problemas com meu corpo ou com o corpo alheio. Uma de minhas melhores lembranças de infância sou eu a tomar banho com minha mãe e meu pai juntos.
Lembro de eu ter feito algumas perguntas a respeito do por que o dele ser maior que o
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meu. Não lembro muito bem da explicação, mas na época pareceu convincente: alguma coisa a ver com proporção e beleza clássica greco-romana.
De fato, essa boa convivência com a nudez faz com que eu até hoje, caso necessário,
tire a roupa sem nenhum embaraço diante de minha mãe, mesmo não morando mais
na casa dela. Seja para experimentar uma roupa, seja para me lavar.
Talvez esse constitua o único motivo que me desencoraje a colocar um piercing genital. Os dos mamilos e a tatuagem ela conseguiu assimilar bem, ainda que com alguma dificuldade. Mas um brinco no pinto seria demais para o coraçãozinho dela.
Um piercing genital pode custar entre R$ 100 e R$ 300. Mas ficar pelado na frente
da mãe não tem preço.
Fala
Eu observava os adultos a falar. Com meu vocabulário tão pequeno quanto meu pinto, via suas bocas mexerem sem entender nada. Era como se dissessem coisa alguma.
Três ou quatro vezes fui flagrado a movimentar os lábios sem proferir som algum, a
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conversar com algum ser imaginário, na imitação daquela prolixidade que eu, então,
julgava vazia.
Só mais tarde, crescido, descobri que nós adultos às vezes falamos, falamos, falamos
e não dizemos, de fato, nada. Como se o interlocutor fosse mesmo um ser imaginário.
Hoje, porém, meu vocabulário cresceu bastante e varia de tamanho conforme a ocasião. Bem como outras partes de minha anatomia.
Lembranças estranhas
De criança, tenho poucas lembranças traumáticas e que se resumem a um tombo
aqui e outro ali. O que me leva a crer ser bobagem essa história de que pessoas com
registros de abuso, violência ou assédio na infância é que desenvolvem taras esquisitas
e gostos por práticas sexuais menos usuais. Sou uma pessoa normal, de bom gosto,
conheço um ou outro compositor clássico pelo nome, relacionando a eles uma ou outra
obra importante - sem dispensar variantes mais pesadas e obscuras do rock e da música eletrônica -, tenho conhecimentos de artes plásticas, literatura, teatro, e meu ome-
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lete é melhor que os servidos nos hotéis. Já disse isso em outras ocasiões, mas tenho o
direito a ter uma preferência por estéticas sexuais singulares. Não tenho culpa se acho
uma garota de olhos verdes e cabelos loiros a portar um chicote, disposta a me dar uma
boa surra, uma das coisas mais lindas do mundo. Bem, os olhos verdes e cabelos loiros
foram mero preciosismo para enriquecer um pouco mais a cena. Essas características,
são, na verdade, indiferentes. A disposição, no entanto, é importante.
De estranho, estranho mesmo, apenas lembro de meu pai a colocar um travesseiro
na minha cara. Mas, como a imagem que me vem é ele a rir, quero crer que tudo não
passou de uma brincadeira.
Embaraços
Eu devia ter uns cinco ou seis anos quando abaixei as calças na sala cheia de visitas
e perguntei por que eu estava daquele jeito.
Deixei meus pais bastante embaraçados por certo, pois exibi - sem o orgulho do conhecimento científico e com a humildade de uma santa ignorância - o meu fazedor de
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xixi em estado impetuoso. A propósito, foi como eles resolveram o problema. Disseram
que o fazedor de xixi, de fato, devia querer fazer xixi e por isso estava em tal situação,
duro como uma pequena rocha.
Fimose
Foi naquela ocasião, e em outras, que meus pais perceberam que meu prepúcio se
recusava a descer e a exibir uma bela e vistosa glande. Fomos ao médico que recomendou aquele exercício de puxar a pele para baixo, o que não adiantou muita coisa, a não
ser por eu ficar com as mãos na virilha mais tempo que o habitual. Apenas aos 10 anos
perceberam que eu deveria ter aquilo que tanto me atrapalhava extirpado. Por coincidência, o médico que aconselhou a cirurgia era judeu. Não à toa o trabalho ficou tão
bem feito. Não digo que não tenha doído.
Primeiro você leva umas duas ou três agulhadas no freio, aquela região em que quase todos os nervos se encontram. Depois, você não sente nada, mas escuta aqueles
barulhos de tesouras e bisturis cortando e retalhando. E, para terminar, ainda tem a
sutura. A glande, que pela primeira vez vê a luz do Sol (mera figura de linguagem), feito
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o serviço, parece a coroa de espinhos usada por Cristo, rodeada por pontos.
Mas você não consegue imaginar o que é aquilo quando a anestesia começa a passar.
Dificuldades para urinar
Um dia descobri o quanto pode ser difícil urinar pela manhã. A adolescência é quando um homem tem as ereções mais rígidas e persistentes de sua vida. Acordar com a
bexiga a estourar, numa situação dessas, pode ser bastante incômodo. Primeiro, por
reflexo: uma bexiga cheia provoca a ereção durante o sono justamente para impedir
que o sujeito deixe escapar poucas mas vexatórias gotas de urina. E, segundo, por pressão psicológica.
O pinto é um animal estranho. Às vezes ele teima em agir no sentido contrário ao
que queremos. Desejamos que ele fique duro e ele fica mole. Queremos que ele fique
mole e ele fica duro nas ocasiões menos apropriadas. Não é exagero dizer que ele tem
vida independente.
O fato é que naquele dia tentei fazer o impossível.
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Procurei primeiro urinar naquele estado mesmo. Esforcei-me um pouco e um jato
poderoso, devido à pressão e à dificuldade imposta pela incontrolável ereção, voou na
parede a uns bons dois metros de altura, deixando uma úmida e enigmática mancha
para quem quer que fosse limpá-la mais tarde.
Minha segunda tentativa foi me apoiar nas beiradas da privada com as mãos e estender as pernas para trás na direção contrária, como quem vai fazer flexões para o
braço. Mas aí a saída uretral, para sermos um pouco mais técnicos e menos vulgares, e
tudo o que vem junto com ela, ficaria longe demais do alvo.
Tentar perder a ereção apelando para a rua da palma número cinco, ou seja, uma
punheta, estava fora de questão, pois a urgência da bexiga era maior que a urgência da
luxúria e provocava-me um sofrimento desagradável.
A solução foi entrar no chuveiro e tentar solucionar o problema no box, onde não
importava em que lugar caísse a urina, ela seria levada em direção ao ralo. Então, finalmente, liguei a torneira.
E broxei.
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Pequenos atos criminosos
Ali estava eu, pouco antes de sair para a escola, com a mochila, meu uniforme,
cadernos, tarefas feitas. Segurei meu pinto duro entre os dedos. Desta vez fechei os
olhos e tentei imaginar outra coisa. A cabeça se emaranhava em muitas imagens que
desfilavam e engoliam umas às outras e a concentração necessária poderia ser perdida
a qualquer momento. A falta de foco não alteraria o tesão. O tesão dependia apenas dos
movimentos da mão, para cima e para baixo. Mas eu não queria desperdiçar meu gozo
com uma história desconexa. Eu queria o início, o meio, o fim. Não importava a ordem.
Inspiração
Conheci um sujeito que costumava tocar punhetas inspirado pela Margarida. Sim.
A namorada do Pato Donald. Não bastasse ele ter a irrealizável fantasia da conjunção
carnal com um desenho animado, por cima disso tudo, como a cereja sobre o sorvete,
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ele era zoófilo.
Desenhos animados e cartuns sexy não faltam por aí, na verdade, de Betty Boop a
Jessica Rabbit, de Bionda a Valentina. E até mesmo, perdão pela rima, Tina, do Maurício de Souza. Claro, conheci um sujeito que se inspirava na Tina. A do Maurício de Souza, como acabei de dizer. É compreensível. Pois ela melhorou muito a partir dos anos
80. Antes disso não passava de uma riponga que provavelmente nem raspava as axilas.
Xampu
O mais estranho objeto a me provocar tesão, tirando alguns filmes de David Cronenberg, até hoje, foi uma cor. Não exatamente. Talvez uma cor, unida a uma determinada
consistência.
As empresas de cosméticos mais rastaqüeras tinham acabado de lançar um tipo de
xampu com uma aparência perolada e que, supostamente, lavaria melhor os cabelos.
Todo esse jogo capitalista de espionagem empresarial e química cosmética industrial
era pano de fundo para um adolescente que acabara de descobrir a masturbação e fora
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passar a semana na casa de praia de um amigo de seu pai.
Esse adolescente - sim, sou eu - vai tomar banho. Como não levara xampu, decide
usar um dos que está ali mesmo, no banheiro (e, sim, um dia eu usei cabelo e, portanto,
usava xampu). Por acaso, com a fragrância e as propriedades benéficas da cenoura e do
beta-caroteno. Quando ele colocou o produto nas mãos e observou aquela cor alaranjada, com algumas vilosidades marmóreas, peroladas (como anunciado na tevê), que
se depositava molemente do tubo diretamente para sua palma. teve uma súbita e inesperada ereção. Inesperada porque aquilo não era uma bunda, aquilo não era um peito,
aquilo não era uma xoxota. Aquilo era um xampu. Súbita, pois foi súbita mesmo, como
uma mola. E, sem pensar em nada, apenas na sensação, o garoto fez com o que, desta
vez, o produto para cabelos fosse usado para uma finalidade com a qual todo esse jogo
capitalista de espionagem empresarial e química cosmética industrial não contava.
Desde aquela época, lembro de procurar tantas quantas substâncias viscosas e escorregadias para utilizar no meu dia a dia, fossem hidratantes, óleo Johnson ou sabonete mesmo.
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Filme
Se meus pensamentos fossem filmados nessas horas, o resultado seria um médiametragem totalmente desconexo.
Nosso herói - ou seja, eu - está preso a uma cama prestes a ser atacado por duas mulheres, uma loira e uma morena. Não, uma ruiva. Ele acaba de acordar, pois a bebida
fora drogada. Não, tira essa ruiva e volta a morena. A bebida não estava drogada, ele se
deixou levar a estar ali de livre e espontânea vontade. As duas… melhor, as três, a loira,
a ruiva e a morena sacam uma faca. Quer dizer, apenas uma delas saca uma faca. Ou
as três? Enfim, uma delas, provavelmente a ruiva, saca uma faca e com ela tira minhas
roupas. Não, não. Muito violento. Com a faca entre os dentes, a morena desabotoa a
camisa e tira a calça. Mas amarrado, como isso é possível? Volta a faca. Tem que rasgar a roupa mesmo. Deixa a loura fazer isso. Que safada. Melhor. Pula essa parte. De
alguma maneira, não importa qual, estou nu e preso à cama. Elas me cavalgam alternadamente. Caramba, o que a Mulher-Gato faz em cima de mim? Onde ela entrou nessa
história? Acho que a bebida estava drogada. Agora ela atarraxou uma máquina no meu
pinto e diz que vai sugar através dela toda minha energia. A ruiva aperta o botão que
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faz o aparelho funcionar enquanto a loira e a morena ficam me acariciando. A mulher
gato troca carinhos com a morena, digo, com a ruiva. É inútil resistir, diz uma delas.
Ou todas, entre gemidos.
Nisso, entra uma oriental. Uma gueixa. Não, uma japonesa vestida de samurai, mas
em trajes de banho, e antes que nosso herói - sim, eu - possa decidir em que trajes ela
está, ele goza. De espirrar no teto.
No trabalho
Certa vez, senti uma urgência tão grande, tão grande, que tive que ir ao banheiro. E
dane-se. Sou fã de pequenos atos criminosos.
Voltando ao garoto prestes a ir à escola
Eu estava ali, encolhido no canto entre a parede e a estante onde guardava meus
livros e jogos. Sobre uma das prateleiras, o copo ainda com um resto de achocolatado.
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Ouvi os passos da empregada se aproximarem. O barulho rítmico dos saltos no assoalho de madeira, corroído por pequenos labirintos feitos pelos cupins, o suspense da
figura que eu sabia que me flagraria a seguir, o som de minha respiração, sobre a qual
eu já perdera o controle, a parede a pressionar minhas costas, a visão do que pulsava
no meio das minhas pernas como se quisesse saltar dali e rolar no chão como um pequeno bicho, o próprio ato ilícito que eu cometia, deflagraram-me, como um gatilho.
Claro que a empregada não apareceu, embora esse fosse meu desejo. Mas poderia
ter aparecido.
Como seria se fosse
De pé e surpresa, a mulher observava a mim, um adolescente agachado em um beco
da casa. Ainda zonzo, sem saber o que fazer, mostro-lhe a palma coberta pelo visgo
branco. Então ela se curva e, com a língua estendida como uma oração, seus lábios
se abrem em direção ao que, se eu não soubesse do que se tratava, diria ser uma fina
guloseima.
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Pornográfico
Como a fita não estava rebobinada, a primeira coisa que vi foi uma língua passeando
por um tipo de pele que meus olhos nunca antes conheceram de tão perto, nem de longe,
creio. Tão detalhadamente, surpreendeu-me aquela consistência macia do diálogo entre
as mucosas rosadas. Sexo oral era duas plantas de carne que se movimentavam como
se estivessem sob a água. A partir dos doze anos, quando assisti ao filme, embutida na
vontade de conhecer o que seria minha boca entre as pernas de uma mulher, veio a
vocação inequívoca e irrealizada para ser diretor de filmes de sexo explícito.
Uma das coisas que aprendi desde então é que indecente é a cara. Na verdade, trata-se de uma observação atribuída a Nelson Rodrigues. Mas, de fato, a vulgaridade
maquiadíssima das atrizes constitui o que de mais fino há nos filmes pornográficos.
Aqueles que privilegiam closes genitais resultam ritmicamente monótonos. Evidente
a possibilidade de se usar apenas closes faciais. Resultados mais lascivos seriam facilmente obtidos.
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Soube de um fotógrafo que a partir desses filmes produzia imagens de mulheres
santas. Nos segundos do orgasmo, fingido ou não, ele registrava o momento em sua
câmara. Separava apenas a face da madalena e, através de alguns truques fotográficos,
transformava a devassidão em beatitude. Documentava, assim, a existência de uma
tênue linha entre o êxtase religioso e o sexual. Ainda que um se atinja ao se exacerbar
a sexualidade e outro ao retraí-la, difícil olhar para as imagens nas catedrais da mesma
forma.
Mas isso foi depois. Nos tempos da catequese, as freirinhas ainda não faziam parte
de meus segredos.
Filmes pornográficos costumam ser facilmente repudiados. Muitos são os argumentos, dos moralistas aos sociais. Transformam o sexo feminino em objeto, banalizam a
sexualidade, fazem uma caricatura de algo que em uma mente mais romântica deveria
ser exclusivamente poético.
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Um sofisma
Vamos encarar as coisas da seguinte maneira. Nas artes cênicas existe o naturalismo,
que procura, como sugere o nome, reproduzir o real com o máximo de naturalidade.
Mas também existe, por exemplo, a Commedia dell’Arte, que se afasta da naturalidade
para expressar o real de uma outra maneira. As duas formas de atuar têm a possibilidade de provocar reações diversas nos espectadores. Mas não quer dizer que os que
preferiram a Commedia dell’Arte saiam por aí com máscaras, a imitar os salamaleques
de Arlequino e Pantaleão, dois dos personagens mais recorrentes do gênero celebrizado por Goldoni. E, cá entre nós, nada mais explícito que aqueles narizes horrendos.
Admito, não convenci
Mas, finalmente, o repúdio. Nada a dizer aos que já estiverem a condenar-me com
o abanar da cabeça. Somente que já vi curiosidades científicas a respeito do tema convertidas em entusiasmo lúbrico logo nas primeiras cenas.
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Olhem só. Um cidadão que lê Drummond, Fernando Sabino e, sinceramente, se
emociona, e que se deleita com a poesia dos romances de José Saramago, acha a voz
de Chet Baker o máximo e Noite Transfigurada a mais bela música de todos os tempos,
tem direito a ver um pornozinho de vez em quando, acompanhado ou não.
Mas se ainda assim quiserem me condenar, ao menos dividam meu ônus com a
Xuxa, os seus xortinhos apertados, suas botinhas lascivas e suas paquitas sorridentes.
Uma história
Aos 17 anos fui a um cinema pornô na Praça Rui Barbosa, destes em que sentar
em qualquer das poltronas é um gesto arriscado. Como em todo cinema pornô, claro.
Para os que não tiveram a pitoresca oportunidade de visitar este tipo de lugar, hoje em
extinção, descrevo. As sessões eram corridas, isto é, dois filmes intercalavam-se sem
intervalos a partir do meio-dia. A sala, portanto, sempre escura, era o lugar ideal para
prostitutas e michês em seus encontros nada pudicos de ocasião. Lugares como esse
devem ter sido a motivação para o inventor do vídeo-cassete e a posterior migração dos
filmes de sexo explícito da grande tela para os quartos das casas de família.
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Se eu pudesse hoje advertir aquele jovem de 17 anos, diria a ele para que não fosse
ao banheiro. No entanto, não o fiz, pois não estava lá. Logo, ele foi ao banheiro. Onde
deparou com olhares atentos de homens a observar cada uma de suas ações. E que ficaram sem rosto, encobertos pela vista incrivelmente superficial e oblíqua das vítimas
de intimidamento. E, sem rosto, ganharam feições monstruosas.
Que nada. Apenas um exagero dramático.
Sentei-me ao lado de meu tio que, soube mais tarde, levara uma meia velha, da qual
fez discreto uso a fim de não ficar sujo. Eu, pouco experiente nesses assuntos, não portava meia nenhuma e fiquei quieto no meu canto enquanto a fita era exibida. Realmente, nem me passou pela cabeça, seria esquisito abrir o zíper em um lugar que não fosse
o banheiro. Aposento, aliás, ao qual não pretendia voltar. Ainda que tivesse que urinar
nas calças, não pretendia enfrentar novamente as feições monstruosas.
Que nada. Apenas um exagero dramáAchei estranho quando, com tantos lugares
vagos, um sujeito sentou justamente ao meu lado. A mão furtiva sobre o braço da poltrona estendia o dedo mínimo em direção à minha perna, visivelmente com intenção
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de contagiar suas outras extensões digitais com o movimento. Infelizmente eu não portava nenhum machado. Nem uma meia velha eu havia trazido, quanto mais qualquer
objeto afiado o suficiente para suprimir-lhe o dedo miúdo. Imagino como iria se virar
em suas abordagens sem ele. Mudei de lugar e comentei a história com meu tio, que
deu risada. Eu até então nunca tinha visto um tarado de perto.
Dos dois filmes, só consigo me lembrar de um deles. Era a história de uma tímida
japonesa que herdava de um tio radicado nos Estados Unidos o que ela imaginava ser
um hotel. Ao chegar no lugar que deveria administrar, descobre tratar-se de um bordel. Uma loira lhe conta toda a história e lhe explica as coisas. Ela escuta, relutante. A
loira se aproxima e beija a garota na boca, que então fica entre indignada e assustada.
Então, a outra vinha com uma conversa mole muito sedutora que, não lembro em que
termos, acaba por convencer a japonesinha de que aquilo tudo pode ser interessante,
lucrativo e, por que não?, prazeroso. A cena tocou em outro tema caro, a sedução e
a transformação da inocência naquilo que as mentes mais moralistas chamariam de
perversidade.
Houve um filme, do qual não recordo o nome, na minha infância, em que fadas
boas enfrentavam bruxas malvadas. Uma bobagem, enfim. Mas há o auge da coisa. O
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momento de tensão acontecia quando a heroína era, graças a uma mágica malévola,
transformada em uma integrante do bando do mal. Continuava bela, mas de outra forma - uma forma que, confesso, me atraía.
Em A Lenda, filme típico dos anos 80, lamentei quando a princesinha tornou-se boa
novamente.
Mas o tema vem de mais longe. Basta ler Filosofia na Alcova, do Marquês de Sade,
para entender o que eu quero dizer.
Isso me faz acreditar que se pode fazer um filme pornográfico sem nenhuma cena de
sexo, mas apenas com as de sedução. Dirão alguns que, então, seria um filme erótico.
Eu contra-argumento dizendo não haver nada mais pornográfico, no entanto, que a
sedução. Por vezes as intenções que precedem qualquer ato são mais eloqüentes e explícitas que o próprio ato. Por isso, penetrações e quetais eu deixaria para os amadores
e para os momentos menos profundos de minha produção cinematográfica.
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Sedutor e seduzido, sagradas vocações
Tem
esse papo de que antigamente o primeiro homem seminu que uma mulher via
Jesus Cristo pregado na cruz. Mesmo hoje, com o advento dos descamisados
da novela das sete de autoria de Carlos Lombardi - Uga Ugas, Kubanacans e afins -, o
nazareno morto no aparelho de tortura romano é uma das visões mais estimulantes que
uma adolescente em iniciação erótica pode ter, na mistura que há nele de heroísmo,
liderança e força com desamparo, fragilidade e beleza viril. Não é preciso ser mulher
para perceber que Jesus é muito, muito mais interessante, inteligente e carismático que
um Marcos Pasquim, por exemplo. É, assim, uma espécie de falo dilatado nas paredes
dos fundos das naves católicas. E - impossível competir assim - de braços abertos.
Impossível, de fato, competir assim. Uma mulher que escolhe desposá-lo dificilmente
é dissuadida de seu intento. Talvez por isso exista tanta fantasia a respeito das freiras
e noviças em geral.
era
Claro que eu também já tive uma freira em minha vida. Nós nos conhecemos na
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época em que, ainda crianças, vivíamos em Irati. Ela, na época, não queria ser freira,
nem eu queria saber dela para outra coisa que não fosse brincar de coisas inocentes.
Reencontrei-a mais tarde, muito mais tarde, quando já nem me lembrava de seu
nome ou que ela tinha aqueles olhinhos azuis como brilhantes. Ela me reconheceu na
hora, no entanto. Eu tinha acabado de me mudar para um bairro mais central de Curitiba, um pequeno apartamento, havia algumas semanas. Convidei-a para tomar um
café na minha casa depois que soube que trabalhava na igreja ali perto.
O que eu não soube naquele dia, mas soube meses mais tarde, quando a reencontrei, foi que ela tinha essa deliciosa, saborosa, morna, apertada e lubrificada vocação
eclesiástica.
E foi assim. Ficamos meses sem nos vermos depois desse rápido reencontro, mesmo eu ali vivendo e ela ali trabalhando, a poucas quadras um do outro. Quando a vi
de volta na rua, trocamos e-mails. Ela achava graça quando eu falava mal dos padres e
os chamava de nazistas. Sempre é engraçado chamar um padre de nazista, principalmente depois daquela história da igreja fazer olhos grossos durante a Segunda Guerra
Mundial. Pois continua a fazer olhos grossos para muitas coisas hoje. Mas foi nessa
época que ela me contou que pensava seriamente em tornar-se freira.
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E a nossa correspondência continuou na exata seqüência que há da retomada da
amizade até um convite para um almoço, do convite para um almoço para um passeio
à noite. Um filme, depois um jantar, o que fosse.
Vigiada de perto pela mãe, cuidadosa a ponto de descuidar, precisava voltar cedo.
Fomos direto para sua casa. No portão, dentro do carro, um beijo recusadíssimo.
Depois ela perguntou:
- Estou com cara de safada?
Eu disse que não. Que podia ir para dentro sem medo de ser descoberta por sua vida
desregrada. Mas menti. Ela estava com cara de safada, sim. Os olhinhos azuis brilhantes falavam pelo que a boca ocultava. Talvez só fosse coisa da minha cabeça.
Deixei-a. Ficamos mais um tempo sem nos vermos. Talvez ela pensasse que se ficasse um período sem me ver eu desistisse, ou então me deixasse mais louco. Independentemente do que ela achasse, segui minha vida normal.
Na Páscoa deu-me inesperadamente um ovo de chocolate dos grandes. A Páscoa: na
Sexta-Feira da Paixão os fiéis vão beijar os pés da imagem do Cristo morto, deitado em
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uma mesa como Che Guevara.
Mais tarde, depois do período de tempo que distancia o vento que levanta o pó e
a gravidade que o arrasta de volta para os móveis, voltamos com nossas correspondências. Um dia veio com uma história de andar tensa. Ofereci massagem. Com fins
terapêuticos, fique claro, garanti que estava sem segundas intenções - como garantem
todos aqueles que as têm. Ficou claro que ela confiava em mim, pois ela aceitou na
hora - como aceitam aquelas que sabem dos que têm segundas intenções fingindo não
tê-las, e elas, não sabê-las. De tal forma que ambos acreditávamos como seres puros
que se tratava realmente de uma massagem, nada mais que isso.
Tudo acertado ou não, claro ou não, eu a pegaria então numa noite em que mataria
aula do cursinho. Comprei um aquecedor, pois fazia frio na época.
Ela comprou um óleo do Boticário. Visto que não se passa óleo sobre camisas, camisetas e coisas do gênero, ficou claro para mim que a massagem seria, por assim dizer,
mais profissional. Pobre de mim que nunca fiz cursos dessas coisas.
Ao chegarmos ao apartamento trocamos algumas palavras e, sem demora, coloqueia sobre o tapete. Pudica, tirou a camiseta de costas para mim e deitou-se. Eu, também
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pudico, ajoelhei-me do lado dela, derramei o óleo nas mãos e comecei a massagem. Fiz
com gosto. Sei que a maior parte das coisas que se faz a outra pessoa com prazer é, em
geral, recebida com prazer. E percebi que, por isso, ela descontraía.
Ela não tinha desafivelado o sutiã. Resolvi testar as fronteiras e eu mesmo o fiz. Ela
não reagiu. Nem que sim nem que não. O que era bom. Não demorou eu estava montado sobre seus quadris para, naturalmente, fazer um esforço mais uniforme sobre a
musculatura de suas costas. Funcionava. Sua descontração fazia ela soltar pequenos
gemidos.
Coloquei mais óleo. As mãos começavam do cóccix e iam até o alto com os antebraços sempre tocando as costas. Ao final disso, afastava os braços, como se quisesse
repartir os dois lados do seu dorso.
De surpresa, ela enfiou a mão por baixo dos quadris e abriu o botão da calça para
que, assim, eu tivesse acesso mais amplo e começasse aquele movimento ainda mais
de baixo. Eu, naquela altura, queria ver qual era o limite de meus avanços, e mesmo
assim devagar, fui em frente.
Eu poderia ir além. Porém, para fingir que aquilo não me comovia, voltei a massa-
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gear como no começo, com as mãos deslizando do cóccix para os ombros. Desta vez
porém, cada vez que ia para frente aproximava o rosto das costas e deixava que minha
respiração tocasse seu pescoço e sua nuca.
Só então, na medida em que ela não resistia de jeito nenhum, tornei-me mais ousado. Passei a aproximar também mais o tronco e os quadris, reclinando-me sobre ela.
O próximo passo era maior. Eu mesmo teria que tirar a camisa. E era assim porque,
mesmo agora, ainda nada havia sido dito além de que aquilo seria uma simples massagem. E, a partir do momento que quem aplica a massagem começa a também tirar a
roupa - não há como negar -, a coisa ganha um outro significado.
No entanto, joguei as cartas na mesa e fiquei eu também com o tronco nu. Agora, os
pêlos de meu peito tocavam as suas costas cada vez que eu jogava meus braços à frente
a lhe acariciar toda a pele. Meus lábios quase roçavam seu pescoço e era possível lhes
sentir o calor e o hálito morno que escapava de propósito por entre os dentes.
Esta parte da história acaba aí. Não pretendo contar mais.
Estou certo de que às vezes é mais satisfatório deixar a imaginação em funcionamento que dissipá-la com as arestas da realidade. Que também é boa. Mas um texto,
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por sua vez, jamais a substitui.
De resto, direi que simplesmente a deixei em casa. Depois de soltarmos o cinto de
segurança, o que sempre significa um tempo a mais antes da despedida - desta vez sem
beijo -, conversamos sobre muitas intimidades. Fiz ela confessar sua vontade de ser
comida por dois caras ao mesmo tempo. E disse-me isso com sincera volúpia e com
essas palavras.
Também prometi que ainda faríamos isso e ela concordou sacanamente. Depois, ao
fechar a porta, com o corpo debruçado e com a cabeça passando pela janela abaixada,
perguntou:
- Estou com cara de safada?
Estava.
- Não, não está!
Hoje, quando a encontro na rua, com seu hábito de freira, olho para aqueles olhinhos azuis de profunda inocência e me deleito.
Para o verdadeiro sedutor, desnecessária é a concretização do ato, qual seja ele. Baseditoraplus.org
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ta a concordância do seduzido.
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Sangue
Perguntei
cortada.
se ela alguma vez tinha visto o sangue escorrer através de pele
- Alguma vez você já viu o sangue escorrer através da pele cortada?
Os olhinhos verdes cintilaram. Contou-me que, certa vez, mordeu o pescoço do namorado até machucar. A marca ficou por alguns dias, mas o ferimento não chegou a
sangrar, se é que se pode chamar de ferimento algo que não tenha sangrado.
Ela disse que lembrava claramente quando sentiu que o corpo dele, como se tivesse
perdido os ossos que sustentassem os músculos, ficou como se estivesse pendurado
por aquele pedaço de carne, preso aos seus dentes. Ele era a caça nas presas da caçadora. Lembra também de quando afrouxou a mandíbula e ele caiu a seus pés, de joelhos,
a beijá-los. E de como se sentiu apaixonada e excitada naquela hora. Por um momento
acreditou em entrega. Não na daquele homem que, no chão, a adorava. Mas na dela.
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Nessa época ela costumava roubar uma faca antiga da coleção de seu pai. Fazia pequenos cortes em seqüência, paralelos, ao longo do braço. Também esse ritual não
chegava a fazer a pele sangrar. Eram apenas pequenas marcas que, ao cabo de um dia,
às vezes menos, ficavam tênues e, por fim, desapareciam. Ela se limitava a, quando isso
acontecia, renová-los.
Calou por alguns instantes. Dois segundos talvez. Olhou-me nos olhos pela primeira
vez desde que começara a me contar essas coisas. Pensei que fosse pedir-me algo, mas
olhou novamente para o tapete e continuou seu relato.
Claro que já tinha visto o sangue escorrer. Diversas vezes. Como não tinha lembrado
disso? Desde a infância, como acontece a todo mundo, vemos sangue e, às vezes, até
provamos. O colega de escola que cai da escada, abre a testa e aparece no dia seguinte
com três ou quatro pontos a unir os dois lados do corte. A mãe que passa a faca no dedo
na hora de preparar o almoço. A irmã que teve hemorragia nasal. Sim, já tinha visto
sangue e não entendia por que não havia se lembrado dessas coisas logo de início.
Eu lhe disse que essas coisas eram acidentes ou da distração, ou da agitação da pouca idade, ou da natureza. E ela, no entanto, o tempo todo pensava em atos intencionais,
apesar de a pergunta não restringir dessa forma a resposta.
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- Essas coisas de que se lembrou são acidentes. A pergunta não restringia a resposta
a atos intencionais. Mas você teve dificuldade de se lembrar desses acidentes porque,
o tempo todo, você pensava em intencionalidade.
Ela concordou.
Foi então que lhe coloquei o canivete na mão. O nome dela estava gravado nele. Ela
pareceu não entender. Tomei-lhe novamente o canivete e o abri. Coloquei-o novamente na palma da mão que permanecia estendida como uma pergunta.
- A lâmina é afiada, mas não suficientemente longa para matar se for enfiada aqui.
Apontei-lhe o local, como quem contava um segredo.
Ela então pareceu compreender e a confiar em mim, não pela diferença de idade,
mas pela confidência mútua e sem limites. E seus dedos fecharam-se ao redor do cabo.
Segurei fortemente seu punho prestes a lhe mostrar o caminho. Percebi, no entanto,
que isso era desnecessário. Por isso, preferi abraçá-la delicadamente pela cintura.
O metal penetrou firme a minha carne enquanto seus lábios aproximavam-se dos
meus. Senti uma tontura que tanto poderia ter sido causada pela dor como pela doçura
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daquela jovem boca.
Um líquido quente umedeceu nossas roupas.
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Anúncio em jornal
Sou um animal adulto. Estou pleno de minhas funções reprodutivas. Não apenas
para contrariar as pesquisas que dizem que o homem médio atinge o auge dessas
atividades aos 17 anos, mas também para meu próprio deleite, pois, diferente dos
outros mamíferos, considero o sexo uma atividade bastante divertida, assim como,
imagino, os meus companheiros de espécie.
Tenho uma cama. Grande o suficiente para, sozinho, esparramar o corpo, pequena
o bastante para, em companhia, aconchegar. Então há essa cama que cabe no meu
quarto, há lençóis que cabem nessa cama e, eventualmente, o mais importante, há uma
mulher que cabe em meus lençóis.
No entanto, mais das vezes, juntos, não cabemos nos lençóis, na cama, no quarto.
Nos esparramamos pelo apartamento, com planos de irmos para as escadas, elevador,
hall e terraço. A intenção é ocupar o espaço nos planos horizontais, em diferentes longitudes e latitudes, e também nos verticais, em diversas profundidades e alturas. Deeditoraplus.org
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marcar território está entre as atitudes dos animais adultos, ligada geralmente à caça
e ao sexo.
A cama, esta que tenho: às vezes grande, às vezes pequena. Um móvel versátil e mais
musical que um piano de cauda. Não à toa, diz-se que para tirar sons dos instrumentos
dizemos que os tocamos. A diferença é que, na cama, a música sai dos instrumentistas.
Em algumas ocasiões, em silêncio, sai para dentro. Prefiro o pleonasmo do avesso à
rima barata que agora me ocorre.
Em outras ocasiões, vaza para os vizinhos. Mas não quero repetir o tema da ocupação do território. Pois certas canções soam melhores aos ouvidos de quem as entoa que
aos ouvidos da platéia. Isto é, nem sempre os vizinhos gostam de algazarra. E minha
predileção agora vai para o pleonasmo barato, para prejuízo da rima rica. Saio para
fora, pela janela, e pergunto se a pessoa que mora no apartamento de cima tem mãe.
Porque nessas horas tudo pode acontecer. Em oportunidades, já ri. Já chorei. Assumi um ar grave, virei maldito, atleta e preguiçoso. Inventei mil histórias como pretexto
de um único ato. Torno-me uma espécie de Jesus lúbrico e crucificado. Nessas horas,
tudo pode acontecer, posso ter todas as reações, mas não me interrompa.
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- Tens mãe?!
Eu não faço isso. Mas rogo pragas.
Sexo é sexo. Amor é amor. De fato, uma coisa nada tem a ver com a outra, em princípio. Porém meu coração, do tamanho de um pequeno punho fechado, tem veias caudalosas. Ele é uma cidade com largas avenidas, difíceis de atravessar, fáceis de serem
trilhadas. Por isso, há horas em que é impossível saber o que é sangue, o que é carne,
o que é ela.
Como saber se a minha alma não está, nesses momentos, não no peito, mas na virilha? Não no peito e na virilha, mas por toda parte, inclusive na janela, nas cobertas, na
caneca de café, por entre as roupas, na página marcada do livro?
Minha lascívia, minhas taras, minhas perversões, assim, acabam por ser o que há
de mais romântico e quixotesco do que tenho para dar. Nunca vi moinhos de vento
de perto, nunca montei Rocinante, porém por vezes enlouqueço como o Cavaleiro da
Triste Figura. Mas sou feliz.
Esses nomes de mulheres em seqüência de que agora lembro, que passaram por
minha vida, provam que uma existência não pode ser resumida como se fosse um cureditoraplus.org
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rículo. Há o inexplicável por trás desses nomes enfileirados e que me olham como
emoção sólida. Neles, a esperança de que um momento fosse eterno, ainda que essa
mesma sucessão de palavras, tão femininas, demonstre que, na verdade, cada instante
é passageiro. Nelas, nessas letras miúdas encadeadas, não cabe tudo o que significaram, o que significam.
Como um animal adulto, tive dores e prazeres. Os prazeres são mais discretos em
sua reminiscência, secretos e íntimos. Já as dores são mais extrovertidas. O mais comum é que se lembre da dor. Ninguém nunca veio me mostrar uma cicatriz e disse:
- Olha, isso aqui foi um beijo.
- Olha, isso aqui foi um abraço.
- Olha, isso aqui foi um afago.
- Olha, isso foi uma noite dormindo junto.
As cicatrizes dos prazeres são mais sutis e os animais adultos, normalmente, não
conseguem percebê-las. Mas eu as tenho, sim, de todos os tipos. E eventualmente reconheço ambas nos meus semelhantes. Possuo eu as de prazer e as de dor. Gosto de todas
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elas. Elas sim são meu currículo. Não, não são. Chegam perto. Quero mais.
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Salve Rainha
A professora de catequese era daquelas loirinhas miúdas com duas trancinhas.
Uma de cada lado da cabeça. Não lembro. Devia ter uns quinze ou dezesseis anos.
Contra nossos sete ou oito de idade, era velha.
Primeiro ano, todas as crianças aprendendo a rezar. Pai-Nosso, fácil. Ave-Maria,
fácil. Santo-Anjo, fácil.
Mas era dia de Salve-Rainha.
Eu sentava do lado da parede. Quando repentinamente me vi em um bloqueio de
memória. A tarefa era decorar aquelas palavras todas que não faziam o menor sentido.
Afinal, o que eram os degredados filhos de Eva?
E as trancinhas ali sem olhar para o meu desespero. Daqueles em que o cu aperta
sozinho. Para mim, aquela criança que tinha acabado de aprender a ler, não conseguir
aprender aquele texto até o fim da aula poderia trazer castigos misteriosos que eu nem
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imaginava.
Ela lia a Bíblia compenetrado. Os outros alunos murmuravam a oração. Eu não consegui sair da primeira frase.
Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, vida e doçura esperança nossa salve!
Com exclamação e tudo.
Comecei a chorar baixinho. Tinha esperança de que olhasse pra mim.
Sem resultado, comecei a bater a cabeça na parede de lado, enquanto tentava manter os olhos no texto. Como a parede era de alvenaria, não fazia muito barulho. Por
isso, demorou para ela perceber meu estado lamentável e mandar-me pra casa.
Deve ter ficado assustada, pois nunca tocou nesse assunto nas aulas seguintes. Nem
uma vez pediu para que eu rezasse o Salve-Rainha. Ela, na verdade, era tão doce quanto sugeriam as tranças.
A oração, de fato, nunca aprendi. Muito embora eu fosse uma criança carola, de ir
todo domingo na igreja, participar do coral e fazer as leituras da liturgia. Cheguei a ser
crismado e a ser catequista.
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Com 24 anos de idade, 7 anos não chegam a ser diferença. Encontrei-a - ela, a catequista - em um bar da cidade. Nem eu era mais uma criança carola nem ela era mais
uma professora de catequese. Ela não me reconheceu. Afinal, as crianças mudam.
Mas ela - tirando as trancinhas, que não estavam ali - era praticamente a mesma,
com a mesma cara de loirinha do elenco da Noviça Rebelde.
Estava meio bêbada. Conversamos um pouco e fomos para o meu carro. Um passeio
sem compromisso. Ia deixá-la em casa, pois seus amigos, enquanto estávamos naquele
papo-furado de bar, foram embora. Parei na frente do portão e começamos a nos Mal
terminado o primeiro beijo, apelei para o romantismo.
- Quero chupar sua bocetinha.
Ela puxou-me para dentro de casa. Lá, foi minha vez de, pelos cabelos, puxá-la. Sentei-me no sofá e deitei-a de bruços atravessada sobre minhas coxas. Ainda segurando-a
por onde deveriam estar as trancinhas, comecei a acariciar suas costas, indo da nuca
até a bunda, como se faz a um gato.
Ela pareceu gostar. Fiz ela chupar o meu dedo e, sem abaixar a calcinha, sem largar
seus cabelos um só instante, enfiei. Brinquei um pouco daquele jeito, enquanto me
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divertia vendo seu delírio. Falei em seu ouvido para ela dizer que era uma putinha. Ela
disse.
Levantei a saia para ver melhor aquela bunda. Dei o primeiro tapa. Fraco. Para ver
a reação. Ela gostou. Estava na cara que tinha formação católica.
Dei outro mais forte. Estalou. Ela gemeu mas não reclamou.
- Não gema. Eu quero que reze.
Ela começou.
- Salve Rainha…
Uma frase por tapa.
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Dentistas
Dentista. Tudo branquinho. Saínha, camisa, guarda-pó, sapatos.
E aquela meia sete-oitavos arrastão.
Tudo bem que aos 12 anos eu nem sabia que aquela meia tinha esse nome, embora
eu fosse bom com frações a essa altura do campeonato. A única coisa que eu sabia é
que elas terminavam antes de acabar - ou pelo menos de onde costumavam acabar, na
cintura - e ficavam por ali a demarcar o final das coxas e setores menos explorados.
A primeira vez que eu vi uma cinta-liga - mais ou menos por essa época -, em uma
revista de mulher pelada, pensei que a modelo tivesse colocado o sutiã errado, na altura dos quadris, de propósito, para dar um toque exótico. Eu não entendia nada de
moda íntima, como se pode ver, mas o fato é que a coisa desde já mostrava que funciona. Assim que vi o arranjo, até então estranho para mim, fiquei com o pau mais duro
do que o habitual. Certos fetiches são universais.
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Mas ali estava eu sentadinho na cadeira. Com aquele ar inocente e de boca aberta. E
como ela queria que eu ficasse depois de vê-la levantar-se para ir pegar minha ficha na
outra sala? O tempo de ela ir, com aquela bunda redondinha para lá e para cá naquele
tecido justo, e voltar com aquele ar desinteressado para cuidar de meus dentes, foi o
suficiente para pensar milhões de coisas.
Quando finalmente colocou a mão em minha boca, que loucura.
Nunca gostei de dentistas homens. E até hoje, embora já saiba distinguir com uma
precisão quase satisfatória situações eróticas de situações profissionais, sinto-me mais
à vontade ao escolher dentistas mulheres para minhas vistorias dentárias periódicas.
Está bem. Devo admitir que tenho certos pudores e certas taras a resolver no quesito
boca ainda.
O fato é que quando se está sozinho com o dentista, ou a dentista, naquela sala, a
situação é a seguinte. Você está deitado e ela está sentada a olhar para dentro de sua
intimidade de um ponto mais alto, de uma situação de domínio. Dali, ela pode fazer o
que quiser, desde lhe aplicar aquela broquinha no nervo de seu dente até lhe administrar um beijo de língua. Claro que não é bem assim. Trata-se apenas de exemplo.
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Mas deve haver em um dos capítulos daquele livro oriental sobre guerras algo que
diz que quem ocupa o terreno mais alto, ainda que em igualdade de forças, é o vencedor. Convenhamos que isso, somado aquele motorzinho de som irritante, um possível
armamento, dá larga vantagem a quem quer que seja.
Então a única coisa que eu podia fazer enquanto ela com o espelhinho vistoreava
minha dentição, já com algumas restaurações, era olhar para aqueles olhos azuis um
tanto severos com relação ao que encontrava. Ela era do tipo calado.
De vez em quando eu passeava pela boca, nariz e por onde podia naquela situação
um tanto imobilizadora.
Lembro de nessa ocasião tentar dar uma lambida em seu dedo antes que ele se retirasse de entre meus dentes. Deve ter sido estranho e ela deve ter imaginado que se
tratava de uma cãibra ou coisa assim.
Olhou mais um pouco e finalmente:
- Está ótimo. Você só vai precisar voltar daqui a seis meses. Continue assim.
Na minha cabeça, depois daquilo reinventei várias vezes aquela história. Em algu-
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mas ela me beijava depois de se aproximar muito lentamente como quem quer ver algo
de mais perto, em outras ela me aplicava um sedativo e fazia de mim o que queria, em
outra eu ia atrás dela quando buscava minha ficha na sala ao lado e tocava com paixão
aquelas meias fabulosas naquelas fabulosas pernas, em outra ainda ela subia sobre
mim deitado daquele jeito enlaçando-me com as coxas e impossibilitando qualquer
fuga - como se eu quisesse fugir, até parece… - e muitas outras variantes. Mas:
- Está ótimo. Você só vai precisar voltar daqui a seis meses. Continue assim.
Será que vem daí minha predileção por doces?
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Por que escrevo ou
Nunca Escrevi para Comer Ninguém
Essas coisas que eu faço. Essas coisinhas que escrevo.
Não são apenas para comer todas as garotas que como e que comi.
Essas coisas que eu faço. Essas coisinhas que escrevo.
Há muito por trás delas além de um pau dentro de algumas bocetas.
Além dos fatos de que, por trás do pau, há um homem - eu - e de que por trás das
bocetas há mulheres - elas.
Já escrevi por muitos motivos. Um deles é para chatear. Se você está chateada (e
ainda estamos nos primeiros parágrafos), talvez esse seja o objetivo deste texto.
Se não está - ainda -, talvez não seja.
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Escrevo também para contar o que aprendi. Mais do que para contar, para não esquecer. Mais do que para não esquecer, para lembrar. Pois tudo o que se conta, esquece-se. Tudo o que se esquece, lembra-se.
Esqueci para poder recordar, diz o velho. Mais das vezes lembra-se tarde demais.
Ao menos, aí, ao escrever-se, está tudo registrado para o camarada saber onde errou
quando lembrar que fez anotações sobre isso em algum lugar e vai revirando os bolsos.
Quando escrevo, às vezes, vêm-me imagens à cabeça.
Vêm-me imagens da Avril Lavigne, por exemplo.
Como é que uma cantora tão disparatada como Avril Lavigne vem parar na cabeça
de um homem como eu? Eu, tão Billie Hollyday.
Muito bem. Acontece que namorei uma garota que era a cara dessa tal deliciosinha
Avril. Igualzinha ou muito parecida. Mas a imagem me vem pois sempre que eu penso
nessa garota - a que namorei -, sinto que a Avril, em seus clipes (mesmo nos tristes),
parece mais feliz que ela.
E é absurdo, pois eu chego a parar para ver os tais clipes. Só para sentir uma certa
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melancoliazinha: ao concluir como a cantora é feliz - chega a saltitar e a segurar microfones lantejoulados - e a outra (a menina que namorei)… bem, ao concluir que a outra
eu não sei se é feliz. E estou quase certo de que não é. Mas não importa agora. Pois
não penso na garota em si - que me deixou -, mas na idéia de que nem sempre - quase
nunca - podemos fazer os outros felizes.
Só sei que ela só se sentia calma ouvindo música pesada, que a Avril Lavigne me
lembra dela e que ela me lembra desse sentimento. Talvez ela até leia isso aqui, mas
sei que não vai se importar porque em tantas outras ocasiões não se importou com o
que escrevi.
Também escrevo porque certa vez - ao dizer que estava decepcionado com uma dessas mulheres - ouvi ela responder que é isso mesmo: que as pessoas decepcionam. Não
é nada pessoal: você tem que estar preparado para as decepções. Não é nada pessoal.
Ainda que atirem em sua cabeça com uma escopeta, não é pessoal. O problema não
é você. Sou eu, que estou com uma arma e munição pesada. Não levar nada como algo
pessoal é a filosofia que os portadores de escopetas sugerem às suas vítimas.
Por isso, enquanto escrevo, às vezes, me vem a idéia de comprar uma escopeta. E,
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claro, se eu escrever algo que ofenda ou entristeça alguém, espero que essa pessoa entenda: não é nada pessoal.
Cuidado, porque quando os cartuchos saltam da arma, depois do tiro deflagrado,
ainda estão quentes e podem queimar, de leve, quem está do lado do atirador.
Escrevo porque um dia gritei com minha primeira namorada. Foi por um motivo
bobo. E essa única vez é suficiente para que eu escreva triste, triste, triste de vez em
quando.
Escrevo porque é a das poucas coisas que sei fazer e me sinto fluir enquanto o faço
e a única que faço que, bem ou mal, paga as contas. Talvez eu não seja tão bom. Mas
não me importa, se me sinto fluir. Ninguém questiona um rio. Um rio é um rio. Uns
podem achar aquele mais bonito, aquele outro mais sujo. Mas um rio é um rio, disso
não há dúvida.
E também porque, quando penso, não me vêm imagens, mas palavras apenas. Só
consigo ouvir minha voz solitária. Solitária como a máquina de escrever do Snoopy,
quando tudo começou em uma noite de tempestade. Minha barriga está cheia de palavras, meus bolsos estão cheios de palavras, meus sapatos estão cheios de palavrinhas
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que incomodam meus pés, como pedras, quando ando. Meu verdadeiro fetiche são
elas, as palavras.
E, às vezes, quando vou falar, fico mudo. As palavras também são meus fantasmas.
Nascem mortas em minha boca, assombram-me durante a noite ou quando estou só e
são exorcizadas quando as escrevo. Palavras são como zumbis. Atire sempre na cabeça.
Ainda assim, algumas sobrevivem. Não há gigabyte suficiente no mundo para dizer o
que eu tenho para dizer. As palavras, elas me cercam, esses zumbis.
Talvez por isso jamais consegui enganar uma mulher. Não por incapacidade de
mentir. Mas por um vício secreto de ser sincero. Uma fraqueza que eu tenho de querer
saber como ferem as sílabas a pele nua. Escolher uma verdade - dentre as muitas possíveis - sempre me foi mais fácil do que dizer a mentira exata. E só existe uma mentira
exata. Verdades? Milhares, todas prováveis. Mas só a mentira exata produz o resultado
desejado, seja lá qual é ele.
Vivi por uns tempos com uma garota que acordava chorando. Haviam tirado dela
algo muito precioso, algo que eu jamais poderia substituir - já falei algo aqui sobre
felicidade, certo? - e era isso: ela acordava chorando, com a vontade deposta, as mãos
incertas e a incapacidade de viver esmagando-a na cama. No caso dela, eu poderia
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dizer que escrevo pelas vítimas da má aplicação da justiça. Mas nunca escrevi algo
assim. Pois a justiça humana é algo que não entendo e que jamais entenderei, porque
aparentemente não há justiça humana no mundo suficiente para todos os humanos. O
que deveria ser uma fonte inesgotável e perene, dia a dia mostra ser finito e perecível.
A justiça, o amor, as lágrimas, a capacidade de se compadecer, o que for.
Escrevo porque sempre pedi perdão na hora errada.
Pedi perdão certa vez e, aparentemente, era muito cedo.
Pedi perdão uma outra vez e, aparentemente, era tarde demais.
Talvez não haja hora para pedir perdão, talvez toda hora seja certa para pedir, mas
só o segundo perfeito permita que ele seja concedido.
Escrever pode ser, entre outras coisas, pedir perdão permanentemente. Eventualmente é pedir perdão permanentemente no momento errado, no caso desse momento
certo nunca existir. Um texto é pior que um relógio parado, então. Dizem que um relógio parado pelo menos duas vezes por dia está certo. Já um texto pode estar errado
eternamente, não importa quantas voltas dê em torno de um relógio parado.
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Assim, escrevo, de qualquer maneira, sem me importar com tudo isso, para pedir
perdão. Se algum dia escrevi algo que chateou você - vocês -, escrevi como o Capitão
Ahab que, ao tentar matar a baleia branca Moby Dick, não tentava matar a baleia, mas
a ele mesmo, o ele mesmo que havia dentro da barriga do animal. Esta noite parto para
o mar, meu amor, para não mais voltar. E, se eu conseguir perdoar a mim mesmo, você
saberá ao quebrar das ondas, pois perceberá que o mar ficou mais leve.
Essas coisas que faço. Essas coisinhas que escrevo, nada têm a ver com meu pau ou
a sua boceta ou de quem quer que seja.
Por trás delas há muito mais, por trás do pau, um homem, por trás das bocetas,
mulheres.
Por trás de tudo isso - como em camadas e camadas de inseguranças, tristezas, medos - há um amor imenso, que teima em sangrar através delas. Como uma rosa a sair
da pedra, como uma música que atravessa a parede de uma cela e traz o mundo para
o encarcerado. Como palavras em um livro fechado. Um livro fechado do qual, de vez
em quando, consigo vislumbrar uma frase por entre uma fresta que abro. A formiga a
erguer o rochedo.
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Por isso escrevo.
Conhecer você - vocês - foi a melhor forma que encontrei para me conhecer. Conhecer você - vocês - foi a melhor coisa que já fiz em minha vida.
Por isso escrevo.
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Sobre esse livro
Como piratearam minha vida
Alessandro Martins
ISBN 978-85-62069-17-8
Publicado pela Editora Plus, em agosto de 2009.
Editor-geral: Eduardo Melo
Revisão: Tiago Santos Lima
Capa: Miss Haley
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Esse livro foi publicado em 4 formatos diferentes (ePub, PDF, Mobi e Java) e pode
ser baixado gratuitamente no site editoraplus.org. Versão 1.0.
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