introdução - Exegese do Novo Testamento

Transcrição

introdução - Exegese do Novo Testamento
INTRODUÇÃO
O parágrafo 1 Jo 3.4-10, além de ser objeto de grande controvérsia, tem
sido encarado como um dos textos mais difíceis do Novo Testamento. Particularmente,
algumas frases são dificílimas de serem interpretas neste texto. As frases são as
seguintes: “pa/j o` evn auvtw/| me,nwn ouvc a`marta,nei – todo que permanece nele não peca” (v.6),
“pa/j o` a`marta,nwn ouvc e`w,raken auvto.n ouvde. e;gnwken auvto,n – todo aquele que peca não o viu
nem o conheceu” (v.6), “o` poiw/n th.n a`marti,an evk tou/ diabo,lou evsti,n – Aquele que comete o
pecado é do diabo” (v.8), “Pa/j o` gegennhme,noj evk tou/ qeou/ a`marti,an ouv poiei/( o[ti spe,rma
auvtou/ evn auvtw/| me,nei( kai. ouv du,natai a`marta,nein( o[ti evk tou/ qeou/ gege,nnhtaiÅ – Todo aquele
que é nascido de Deus não comete pecado, porque a semente dele [Deus] permanece
nele, e não pode pecar, porque é nascido de Deus” (v.9), “pa/j o` mh. poiw/n dikaiosu,nhn ouvk
e;stin evk tou/ qeou/( kai. o` mh. avgapw/n to.n avdelfo.n auvtou/Å – Todo aquele que não pratica justiça
não é de Deus, nem aquele que não ama seu irmão” (v.10).
A grande dificuldade destas frases pode ser percebida pela variedade de
interpretações que são encontradas na literatura. Gulan 1 , por exemplo, aborda dez
posições, Stott, sete posições. Este trabalho lidará com algumas destas posições
baseando-se nos seguintes critérios: 1) Relevância; e 2) Acesso2.
1
Gulan destaca as dez posições em www.beyondthepulpit.org Problem Passages of the Bible Series “Whoever has been born of God does not sin... and cannot sin....” 1 John 3:9; 3:8; 3:10; 5:18 - Dr.
Gary M. Gulan © 1980 - Acessado em 20/12/09. A decisão de deixar duas posições sem abordagem neste
trabalho tem sua razão na falta de material que argumente sobre as posições, já que o trabalho de Gulan
é sucinto em cada uma das dez abordagens.
2
Este autor usará os recursos que dispõe. Não há disponibilidade de material para interpretação de
algumas posições.
1
UMA TRADUÇÃO PROPOSTA PARA 1 JOÃO 3.4-10
4
Pa/j o` poiw/n th.n a`marti,an kai. th.n avnomi,an poiei/( kai. h` a`marti,a evsti.n h`
avnomi,aÅ 5 kai. oi;date o[ti evkei/noj evfanerw,qh( i[na ta.j a`marti,aj a;rh|( kai. a`marti,a evn auvtw/| ouvk
e;stinÅ 6 pa/j o` evn auvtw/| me,nwn ouvc a`marta,nei\ pa/j o` a`marta,nwn ouvc e`w,raken auvto.n ouvde. e;gnwken
auvto,nÅ 7 Tekni,a( mhdei.j plana,tw u`ma/j\ o` poiw/n th.n dikaiosu,nhn di,kaio,j evstin( kaqw.j evkei/noj
di,kaio,j evstin\ 8 o` poiw/n th.n a`marti,an evk tou/ diabo,lou evsti,n( o[ti avpV avrch/j o` dia,boloj
a`marta,neiÅ eivj tou/to evfanerw,qh o` ui`o.j tou/ qeou/( i[na lu,sh| ta. e;rga tou/ diabo,louÅ 9 Pa/j o`
gegennhme,noj evk tou/ qeou/ a`marti,an ouv poiei/( o[ti spe,rma auvtou/ evn auvtw/| me,nei( kai. ouv du,natai
a`marta,nein( o[ti evk tou/ qeou/ gege,nnhtaiÅ 10 evn tou,tw| fanera, evstin ta. te,kna tou/ qeou/ kai. ta.
te,kna tou/ diabo,lou\ pa/j o` mh. poiw/n dikaiosu,nhn ouvk e;stin evk tou/ qeou/( kai. o` mh. avgapw/n to.n
avdelfo.n auvtou/Å
4
Todo aquele que comete o pecado também comete transgressão da lei.
Ora, o pecado é a transgressão da lei.
5
E vós sabeis que Jesus foi manifestado para
perdoar os pecados, porém nele não existe pecado.
6
Todo aquele que permanece nele
não peca. Todo aquele que peca, não o viu nem o conheceu.
7
Filhinhos, ninguém vos
engane, aquele que pratica a justiça é justo, assim como Jesus é justo.
8
Aquele que
pratica o pecado é do diabo, porque o diabo peca desde o princípio. O filho de Deus foi
manifestado para isto, para destruir as obras do diabo. 9 Todo que é nascido de Deus não
comete pecado, porque a semente de Deus permanece nele, assim não pode pecar,
porque é nascido de Deus.
10
Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo:
Todo aquele que não comete justiça não é de Deus, nem aquele que não ama seu irmão.
2
POSIÇÕES E CONSIDERAÇÕES DE 1ª JOÃO 3.4-10
Pensando nas difíceis frases citadas acima, abordaremos suas
interpretações e principais argumentos, bem como uma avaliação de cada abordagem.
Assim, as seguintes interpretações são abordadas aqui:
2.1 O cristão não pode cometer pecado voluntário e deliberado
Este ponto de vista faz diferença entre um pecado qualquer e iniqüidade.
Iniqüidade seria um tipo de pecado voluntário, premeditado que um cristão não pode
cometer. Stott, ao discorrer sobre esta posição, diz que Ebrard assevera que, para uma
pessoa regenerada, “é completamente impossível fazer voluntária e intencionalmente
aquilo que ela sabe que é proibido por Deus.”3 Para Ebrard o cristão não pode fazer
deliberadamente o contrário do que sabe ser a vontade de Deus. Neste sentido, ele
entende que, em Rm 7.20, o cristão sofre a ação do pecado e não o pratica
voluntariamente4.
Calvino, que defende este ponto de vista, diz que “os corações dos
piedosos são tão efetivamente governados pelo Espírito Santo que, através de uma
disposição inflexível, eles seguem sua5 orientação”6. Para Calvino, a regeneração traz
esta “disposição inflexível” que impossibilita o cristão de cometer pecados deliberados.
Isto porque o poder efetivo do Espírito Santo leva o pecado para longe, da mesma
3
STOTT, John R. W. “I, II e III João – Introdução e Comentário” Pg. 116.
Idem. Ibid.
5
de Deus.
6
CALVIN, John. “The Crossway Classic Commentaries 1 John” Pg 59.
4
maneira como o sol faz com a escuridão7. O verso 8, na visão de Calvino, demonstra que
“não há vida de Deus e de Cristo onde as pessoas agem perversa e maldosamente, pelo
contrário, tais pessoas são escravas do diabo” 8 . Isto quer dizer que os verdadeiros
cristãos não agem desta maneira, mas sempre terão vontade de fazer o que é correto.
Isto acontece porque o Espírito Santo os leva a lutar contra os pecados e lamentar por
aqueles pecados que eventualmente cometam. Na concepção de Calvino a ação do
Espírito não deixa o regenerado livre para escolher entre o bem e o mau, pois “em Cristo,
a vontade é constituída de tal forma que ela não pode querer outra coisa do que aquilo
que é certo”9. Esta afirmação é baseada no conceito de que “Deus dá um novo coração
para seus filhos e promete fazê-los andar em seus mandamentos”10. Assim, o cristão
perseverará inflexivelmente, pois seu novo coração, pela ação contínua da graça, busca
constantemente a justiça.
2.2 Avaliação sobre a posição que afirma que o cristão não pode
cometer pecado voluntário e deliberado
Algumas objeções contra este ponto de vista são:
1) A diferença entre um “simples” pecado e iniqüidade11 não é feita por
João no verso 4. Pelo contrário, João explica “a`marti,a - hamartia” com a palavra “avnomi,a anomia”12. O que faz destas duas palavras, pelo menos neste texto, sinônimas13.
7
Idem. Pg 56.
CALVIN, John. Op. cit. Pg 57.
9
Idem. Pg 59.
10
Idem. Ibid.
11
Perceba que as versões ARA, ARC, TB traduzem “avnomi,a - anomia” como iniqüidade na grande maioria
das vezes. Veja também Thayer’ Greek Lexicon, A Greek English Lexicon of Septuagint por Lust-EynikelHauspie, os quais atribuem iniqüidade como um dos possíveis significados para “avnomi,a - anomia”.
12
E mesmo que se usasse Hb 10.17 para afirmar que há uma diferença, isto seria desconsiderar o
paralelismo costumeiramente usado pelos escritores hebreus ou até mesmo por escritores com influência
judaica.
13
É possível fazer uma diferença entre pecado e iniqüidade, mas não neste texto. Aqui João usa o artigo
definido para ambas as palavras, o que demonstra que sua mente estava pensando em termos
abrangentes, e não específicos.
8
2) Calvino, ao basear seu argumento no “novo coração” do regenerado
que é imperativamente dirigido pelo Espírito Santo, ecoa Ez 36.26-27. No entanto, este
texto não pode ser usado para a igreja. Segundo Constable, esta passagem se refere à
vinda do Espírito sobre Israel no futuro, e não sobre a igreja em pentecoste (cf. Ez 11.1720)14. Carlos Osvaldo, discorrendo sobre a seção onde esta passagem está inserida no
livro de Ezequiel, afirma que ela “diz respeito à restauração final de Israel (caps. 33-39) e
ao glorioso estabelecimento do reino de Yahweh entre os homens, centrado em uma
nova Jerusalém na qual Ele habita (caps. 40.48)”15. E especifica que se trata de Israel
quando “passará por uma renovação espiritual de acordo com a restauração física da sua
terra (36.24-38)”16. Além do mais, o próprio contexto da passagem demonstra que se trata
da restauração futura de Israel. Portanto, não é possível afirmar que um cristão
“perseverará inflexivelmente” e sempre buscará a justiça baseado neste texto.
3) Ainda deve-se considerar que há vários textos que demonstram não só
a possibilidade como a realidade de que o regenerado pode cometer pecado
deliberadamente (At 5.1-1017; 1Co 5.1-518; Hb 3.1319; Hb 10.2620).
4) Além do mais, há o argumento pragmático 21 . Todo cristão, de sã
consciência e boa memória, lembrará e reconhecerá que já pecou e vez por outra escolhe
pecar, mesmo sabendo que fará o que é errado, ou seja, peca deliberadamente.
14
CONSTABLE, Dr. Thomas L. “Notes on Ezekiel 2008 Edition” Pg 177-178.
PINTO, Carlos Osvaldo. “Foco e Desenvolvimento do Antigo Testamento” Pg. 658.
16
Idem. Ibid.
17
Pode-se questionar a salvação de Ananias e Safira uma vez que o texto não nos dá orientações. Mas o
mesmo argumento pode ser usado para afirmar a possibilidade. Além disto, 1Co 11.30 e Hb 12.8 podem
ser usados para afirmar que há grandes chances de terem sido salvos.
18
É importante perceber que 1Co 5.1-5 trata de pessoas regeneradas (Veja discussão sobre este texto
abaixo), e que os pecados abordados claramente são deliberados/voluntários (Basicamente os pecados
são: relações sexuais (porne,ia - porneia) com a esposa de seu próprio pai e ensoberbecer-se “fussio,w –
fussioô”, neste caso a palavra significaria entender como natural e digna de aceitação uma ação
pecaminosa.).
19
É importante notar que esta advertência é feita a pessoas regeneradas (cf. v.12), e não faria sentido uma
advertência destas se não houvesse possibilidade de pecado deliberado.
20
O contexto de Hb 10.26 inclui a frase “to. ai-ma th/j diaqh,khj – o sangue da aliança” (v.29), o que demonstra
tratar-se de alguém regenerado, que faz parte do corpo de Cristo.
15
2.3 O cristão não pode falhar odiando seu irmão.
Agostinho22 defende esta posição afirmando que “quem nasce de Deus
não comete pecado contra o amor fraterno”. Para Agostinho, João faz referência a um
tipo de pecado que, quando cometido, “confirmam-se todos os outros” pecados, e quando
evitado, “destroem-se todos os outros” pecados. Este pecado, nada mais é do que a
quebra do novo mandamento. Não ter amor, conforme Agostinho, além de ser gravíssimo,
é “a raiz de todos os pecados”.
Harris23 também defende esta posição dizendo especificamente que este
pecado não pode ser cometido por cristãos verdadeiros. Assim, o cristão não pode falhar
“deixando de amar seu irmão”. Para Harris, este ponto de vista faz todo sentido porque
além de João fazer um contraste entre os filhos de Deus e os filhos do Diabo (v.10), ele
aborda exaustivamente o mandamento do amor e repetidas vezes fala sobre amar o
irmão (2.10-11; 3.11-18, 23; 4.7-12, 19-21; 5.2). E ainda acrescenta que a marca do
verdadeiro discipulado, segundo Harris, é o amor (Jo 13.34-35).
2.4 Avaliação sobre a posição que afirma que o cristão não pode falhar
odiando seu irmão.
Objeções que fazemos para este ponto de vista são as seguintes:
1) Embora Harris insista que João não trate o pecado de maneira geral24,
João o faz25.
21
Não considero o argumento pragmático da mesma força que o argumento Bíblico, pois a autoridade das
Escrituras está acima de qualquer experiência. No entanto, cabe dizer que este é um caso em que a
prática demonstra aquilo que o ensino Bíblico deixa claro.
22
AGOSTINHO. Santo Bispo de Hipona. “Comentário da Primeira Epístola de São João”. Edições Paulinas,
São Paulo, 1989. Pg. 107.
23
24
HARRIS III, W. Hall. “1, 2, 3 John Comfort and Counsel for a Church in Crisis” pg. 143.
HARRIS III, W. Hall. Op. cit pg. 148
Veja os argumentos na discussão sobre pecado voluntário e deliberado, e na discussão sobre pecado
habitual. Além do mais, quando João entendeu a necessidade de especificar a palavra “a`marti,a – pecado”,
ele o fez (cf. 5.16 – pecado para morte)
25
2) Se todo cristão amasse seu irmão não haveria necessidade de ordenar
várias vezes que o cristão deve amá-lo (3.11, 18, 23; 4.7, 11, 21; Rm 12.10; Ef 5.25, Cl
3.19; 1Pe 1.22, 2.17). Veja especialmente em Gálatas 5.13-15 que os irmãos26 estavam27
destruindo seus relacionamentos28.
2.5 O Cristão não pode cometer pecados notórios, mortais, hediondos.
Este ponto de vista é uma versão mais ampla da posição acima. Ela
defende que os cristãos não podem cometer pecados considerados terríveis, como
assassinato, etc. Tal afirmação se baseia principalmente em 1Jo 3.15. “Na teologia
católica, a distinção está expressa como sendo entre pecados mortais e veniais” 29.
2.6 Avaliação sobre a posição que afirma o cristão não pode cometer
pecados notórios, mortais, hediondos.
1) Há textos na Bíblia que demonstram o cristão genuíno ser capaz30 de
cometer pecados dos mais horríveis (Gl 5.19-2131; 1Pe 4.15).
2) Veja argumento 1 na avaliação sobre a posição que afirma que o
cristão não pode cometer pecado voluntário e deliberado.
3) Veja argumentos da avaliação sobre o ponto de vista que afirma o
cristão não poder falhar odiando seu irmão.
26
Note que Paulo os chama de irmãos em 5.13.
A oração condicional no versículo 15 é de primeira classe, ou seja, Paulo afirmou que eles estavam
maltratando e prejudicando (“mordendo e devorando”) uns aos outros. Veja como Jesus usa a palavra
“katesqiw - devorar” em Mc 12.40.
28
Há, todavia, uma possibilidade da palavra “mise,w” ter um significado mais forte e específico em alguns
contextos e assim especificam um grau de ódio que somente um descrente pode ter (Tt 3.3). Isto poderia
ser sugerido por João nas seguintes afirmações: “Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até
agora, está nas trevas.” (1Jo 2.9, assim também 2.11; 3.15; 4.20). No entanto, a palavra “irmão” nestes
textos torna esta interpretação difícil. Pois se é irmão, é salvo, e se é salvo, como pode estar nas trevas? A
alternativa é pensar que está nas trevas significa estar com a comunhão com Deus quebrada.
29
BOICE, James Montgomery. “As Epístolas de João”. CPAD, Rio de Janeiro, 2006. Pg. 104.
30
Veja discussão sobre o ponto de vista que defende 1Jo 3.4-10 como pecados habituais, além da nota
sobre homicídio abaixo.
31
Pode-se afirmar que tais pecados não se referem aos crentes, mas aos descrentes. O fato é que o
contexto demonstra que se tratar de crentes, e ainda mais, que faziam parte de sua luta interior, os desejos
de sua carne (cf. v.17)
27
2.7 É um ideal que será alcançado na vida futura (Stott 4 Pg.114)
Marshall defende esta posição. Ele afirma que “João tinha a tarefa de
mostrar que seus leitores não estavam de fato livres do pecado, e que eles precisavam
buscar purificação e perdão” 32 . Esta tarefa se dava porque os leitores lidavam com
hereges que afirmavam não ter pecado (cf. 1.8, 10). Por outro lado, João afirma que
aquele que é nascido de Deus não peca e não pode pecar porque a semente de Deus
está nele. Para Marshall, então, a harmonia entre 1.8, 10 e 3.6, 9 etc. está em afirmar
que, embora os leitores ainda não estivessem livres do pecado, eles estariam um dia. Isto
porque João, quando afirmou que o cristão não peca e não pode pecar, demonstrara o
ideal, aquilo que Deus tem como alvo para todo cristão, todavia, esta será uma realidade
futura. Este argumento é baseado na afirmação que João fala num contexto de
expectativa futura (cf. 2.18, 28). Deste modo, a razão para João ter usado as palavras
desta forma, é porque ele tencionava incentivar seus leitores a permanecerem em Cristo
no presente, buscando crescer em seu amor a Deus e não ao mundo. Como resultado
disto, os leitores não seguirem os ensinamentos dos hereges. Não pecar, então, seria a
“característica ideal do cristão”33 . Em sua explicação, Marshall afirma que as difíceis
frases de João podem ser chamadas de “exagero perdoável” 34 . Estes exageros
acontecem em função da forte exigência da polêmica, que se tratava da complacência
com o pecado (1.8, 10). A negação do pecado era um forte ataque a obra de Cristo que
‘se manifestou para tirar os pecados’ (3.5). Para entender as palavras de João, diz
Marshall, é preciso encarar tais frases difíceis como imperativos, os quais conduziriam os
crentes cada vez mais ao alvo ideal de não pecar. Em apoio a sua argumentação,
Marshall cita que Dodd observou na literatura judaica da época haver uma grande
expectativa de que, quando “Deus inaugurasse a era por vir, ela seria caracterizada por
perfeição, e aqueles que fossem merecedores de entrar nela, estariam livres do
32
MARSHALL, I. Howard. “The Epistles of John” Pg. 176
MARSHALL, I. Howard. Op. cit. Pg. 180
34
Idem. Pg. 181
33
pecado” 35 . Tal esperança, segundo Marshall, é encontrada nas palavras do AT (Ez
36.27), e também no NT. Estas observações descrevem uma “realidade escatológica”,
que é para os crentes ao mesmo tempo “um fato (“ele não pode pecar”) e uma condição
(“[se ele] viver nele”)”36, e que, embora seja “continuamente ameaçada pelas tenções da
vida neste mundo pecaminoso, ainda é possível de ser vivida pela fé”37. Além do mais,
João declara que “a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança” (3.3). Tal
esperança é ser semelhante a Cristo, sem pecado (3.2). Por fim, para reforçar mais seu
argumento, Marshall demonstra que João, nestas frases difíceis, usa o mesmo tipo de
raciocínio quando ordena que os irmãos se amem (3.11, 18, 23, 4.7, 11, 21), e ao mesmo
tempo afirma que, se alguém não ama seu irmão, não procede de Deus (3.10, 14, 4.8,
20). Para Marshall João está dizendo: “Tornem-se o que vocês são”. A mesma idéia é
abordada quando João afirma que aquele que peca não é nascido de Deus e que o
cristão não pode pecar porque a semente de Deus está nele, pois diz que escreveu para
que eles não pequem (2.1) e que ninguém pode dizer que não tem pecado (1.8, 10).
Assim, a mensagem é: “Busquem viver de acordo com o que vocês são”, a saber, filhos
de Deus.
2.8 Avaliação sobre a posição que afirma ser um ideal que será
alcançado na vida futura
Alguns problemas deste ponto de vista são:
1) João não precisava usar indicativos com a idéia de imperativos. Além
do mais, ele não o faz em nenhum outro lugar da epístola.
2) A frase “ouv du,natai a`marta,nein – não pode pecar” dificilmente significaria
“não deve pecar”. Primeiro, porque não está de acordo com o campo semântico da
35
Idem. Pg. 182. Os textos citados por Marshall são 1 Enoque 5.8; Testamento de Levi 18.9; 1QS 4.20-23 e
Salmos de Salomão 17.32
36
Idem. Pg. 182
37
Idem. Ibid.
palavra “du,natai”. Em segundo lugar, porque João teria pelo menos 2 verbos que
poderiam ser usados com este significado, a saber, “dei.” (cf. Jo 4.20, 24; 9.4; 10.16;
12.34) e “ovfei,lw” (Jo 13.14, 1Jo 2.6; 3.16; 4.11), os quais são bem conhecidos por João.
Em terceiro e último lugar, sempre que João faz uso do verbo “du,natai” com um infinitivo,
tanto presente quanto aoristo, o apóstolo o usa no sentido de capacidade, poder (Jo 3.23; 5.19; 6.52; 7.34, 36; Ap 3.8; 5.3; 6.17; 9.20) e nunca como dever, obrigação38.
3) A frase “evsca,th w[ra – última hora” abrange o tempo entre o primeiro e o
segundo advento de Cristo, e não o momento de Seu segundo advento. A razão principal
é que o 2.18 aborda dois tipos de anticristo vindo em períodos diferentes. O primeiro tipo
fazendo referência ao clímax final e é apoiado pelo tempo presente (futurístico39) do verbo
“e;rcetai – vem”. O segundo verbo, “gego,nasin – têm aparecido, surgido”, faz referência a
um período de tempo que já havia começado 40 e ainda continuava no momento da
escrita. Além da alternância entre singular e plural da palavra anticristo.
4) Veja acima a nota sobre Ez 36.
2.9 O cristão que permanece em Cristo não peca.
Esta posição é uma modificação do ponto de vista que defende o não
pecar como ideal, afirmando que este ideal pode ser alcançado nesta vida. Isto porque,
nas áreas que o crente permanece em comunhão com Cristo, ele não pode pecar, já que
está sendo controlado pelo Espírito Santo. Isto explica razoavelmente 1Jo 3.6 e tem como
apoio Jo 15.
38
Isto para o caso de alguém usar a verdadeira afirmação de que, se a passagem assim claramente o
indicar, uma palavra pode ter um significado fora do campo semântico estudado na literatura disponível.
39
A opção por presente futurístico aqui tem sua razão na distinção de tempo que João faz entre este verbo
e “gego,nasin – têm aparecido, surgido” no perfeito.
40
O tempo perfeito é usado para o verbo em questão.
2.10 Avaliação sobre a posição que afirma
As objeções a esta interpretação são as seguintes41:
1) Embora o verso seis seja razoavelmente explicado, o versículo nove
diz que a pessoa que não peca é aquela que é nascida de Deus e não a que permanece
nele.
2) O verso seis diz “não peca”, o verso nove diz “não pode pecar”. O
verbo “du,natai” faz referência à capacidade de pecar e não à constatação do fato. Além do
mais, o requisito dado no verso nove é posicional (ser nascido) e não prático
(permanecer).
2.11 A nova natureza é que não pode pecar, nem induzir ao pecado.
Esta maneira de enxergar a passagem demonstra que João refere-se ao
fato de que a nova natureza não tem nenhum contato com o pecado. Ela não pode pecar
e nem conduz ao pecado. Hodges defende este ponto de vista. Para ele, a “encarnação
trouxe ao mundo Alguém que é totalmente sem pecado e cujo objetivo foi remover os
pecados (Jo 1.29, Hb 9.28a). E segue logicamente disto que uma pessoa que está
(‘permanece’) numa Pessoa sem pecado deve estar sem pecado, porque ele tem uma
natureza regenerada que não possui pecado”42 (3:5-6). Para Hodges, além de não se
poder fugir desta lógica, deve-se observar que há apoio no Novo Testamento para ela.
Paulo, em Rm 7.20, na visão de Hodges, afirma que o pecado é fruto da velha natureza, e
que a nova natureza não está inclinada a ele (ao pecado). Assim, Paulo demonstra, da
mesma forma como João, que, “se somente Cristo de fato viver (no cristão)43, o pecado
não pode ser parte desta experiência”44 (Gl 2.20). O fato é que há no cristão as duas
naturezas, a divina (2Pe 1.4) e a humana (Rm 7.17, 20). “A semente de Deus é a Sua
41
STOTT, John R. W. Op. cit. Pg. 117.
HODGES, Zane C. “Knowledge Bible Commentary - 1 John” Pg. 894
43
Nota do autor.
44
HODGES, Zane C. Op. cit. Pg. 894
42
natureza que é dada para cada crente na salvação”45. A nova natureza não conduz ao
pecado (Ef 4.24; Cl 3.10), pelo contrário, ele, o pecado, é “pertinente ao diabo, e não
procede da natureza regenerada do cristão”46.
Gulan cita Pentecost dizendo:
“aquele que é nascido de Deus não comete um pecado singular
(ímpar), porque é a natureza de Deus que está plantada nele, e esta
natureza não pode pecar porque nasceu de Deus. Assim, João não
está dizendo que o pecado é impossível na vida de um filho de
Deus. Ele descreve o pecado na vida do filho de Deus em sua raiz, a
velha natureza caída”.47
2.12 Avaliação sobre a posição que afirma a nova natureza é que não
pode pecar
As seguintes objeções sobre este ponto de vista são:
1) O verbo “poie,w – poieô (fazer, cometer)” e a expressão “ouv du,natai
a`marta,nein – ou dunatai hamartanei (não pode pecar)”, usados por João, demonstram seu
foco nas ações pecaminosas (v.4, 7-10) e não na posição do crente.
2) O foco de João no texto não são as duas naturezas do crente. João
usa o argumento da “semente” e “nascimento de Deus” para demonstrar a restrição que
isto causa nos pecados cometidos. O que demonstra a influência que a nova natureza
tem sobre o pecado que João está descrevendo, quer o pecado seja geral ou específico
na mente de João.
3) João claramente faz referência às pessoas e não à natureza divina que
elas receberam. Isto é percebido pelas frases “todo aquele” (v.4, 6, 9, 10) “aquele que”
(v.7-8). Além do mais, João não estaria se referindo à nova natureza quando afirma que
“não o viu, nem o conheceu” (v.6), pelo contrário, João refere-se às pessoas.
45
Idem. Pg. 895
Idem. Ibid.
47
www.beyondthepulpit.org “Problem Passages of the Bible Series - Whoever has been born of God
does not sin... and cannot sin.... 1 John 3:9; 3:8; 3:10; 5:18” Dr. Gary M. Gulan © 1980 - Acessado em
20/12/09.
46
4) É verdade que “a nova natureza não está inclinada” ao pecado.
Também é verdade que o pecado é fruto da velha natureza do homem (Tg 1.14). Mas
estas afirmações, necessariamente, não querem dizer que quem não peca é a nova
natureza.
2.13 Refere-se ao estado de não pecador do crente.
Esta posição entende as frases polêmicas de 1 João 3.4-10 como
declarações do estado/posição do crente em Cristo. Ele já não é mais considerado um
pecador posicionalmente falando, mas justo. E embora cometa pecados, como afirma 1.810, não é um pecador. Harris afirma que esta posição entende o tempo presente do verbo
“a`marta,nei – hamartanei” como “estativo”48. Outro argumento a favor deste ponto de vista
é o fato de o Novo Testamento nunca se referir a um regenerado como pecador49.
2.14 Avaliação sobre a posição que defende ser um estado de não
pecador do crente
Os argumentos contra esta posição já foram alistados acima na avaliação
sobre a posição que a nova natureza não pode pecar.
2.15 Um cristão “não pode pecar continua e habitualmente”
Este ponto de vista não nega a realidade do pecado na vida do crente,
mas afirma que, se ele realmente for crente, não permanecerá continuamente em
pecados.
Defendendo esta posição, Bruce diz que “João não está dizendo que é
impossível para o crente cometer um ocasional ato pecaminoso” 50 . E acrescenta
afirmando que “qualquer que seja a alegação feita por aquele que é indulgente com o
48
Expressão lingüista que vem do latim “stativus” traduzida para o português e que designa estado,
posição.
49
Há uma possibilidade de 1Tm 1.15, Tg 4.8, 5.20 contradizerem esta afirmação.
50
BRUCE, F. F. “The Epistles of John”. Eerdmans Publishing Company, Michigan, 1986. pg. 90
pecado é prova suficiente de que ele não tem conhecimento pessoal de Cristo”51. Suas
palavras deixam claro que qualquer pessoa com um estilo de vida pecaminoso demonstra
não ser um nascido de Deus. Na opinião de Bruce, os cristãos foram justificados pela
graça de Deus, por meio da fé. No entanto, eles necessariamente demonstrarão isto por
seu comportamento52. Para reforçar seu argumento, Bruce usa Jo 8.44, dizendo que,
embora os Israelitas afirmassem ser filhos de Abraão, Jesus disse que eles eram filhos do
diabo, porque queriam matá-lo. Assim, para Bruce, o comportamento demonstra
necessariamente se a pessoa é filha de Deus ou do diabo. Neste sentido, a prática do
pecado caracteriza um filho do diabo e não um filho de Deus. “A razão do filho de Deus
não praticar o pecado é porque ‘a semente dEle permanece nele’”53. Isto quer dizer que o
filho de Deus permanece nEle e não pode pecar continuamente porque é descendência
de Deus. Em último lugar, Bruce lembra que João acrescenta o amor e a prática da justiça
como critério de qualificação ou desqualificação para a membresia na família de Deus54.
Para Bruce, João já abordou em sua epístola tanto a realidade do pecado quanto a
provisão do perdão por meio da confissão55 (cf. 1.8-10; 2.1-2). Por isto, em sua opinião,
João demonstra que alguém que é nascido de Deus, não vive de maneira que não
demonstre este fato.
Na mesma linha de raciocínio, Champlin56 afirma que a tradução do v. 4
deveria ter as palavras “aquele que está pecando” (Champlin confunde presente
contínuo com presente habitual), denotando assim que João refere-se à prática
habitual do pecado. E neste sentido, ele define a palavra pecado no parágrafo dizendo
51
Idem. Ibid.
BRUCE, F. F. Op. cit. pg. 91.
53
Idem. pg. 92
54
Idem. pg. 93
55
A palavra confissão envolve o reconhecimento pesaroso da ofensa cometida contra Deus.
56
É interessante notar que há uma contradição nas palavras de Champlin. Comentando o versículo 6, ele
diz que no grego “não há qualquer palavra que corresponda a <<pratica>>”. Mas logo em seguida diz que
a construção participial “subentende a prática do pecado”. Champlin parece ignorar o verbo poie,w no texto.
CHAMPLIN, Russell Norman. “Novo Testamento Interpretado” – vol. VI. Pg. 257
52
que “qualquer tipo de ação errônea está em foco, qualquer ato contrário à moralidade e
ao padrão divinos”57.
Burdick também enxerga o texto da mesma forma. Ele afirma que “a
declaração do versículo 6 é uma dedução lógica da declaração feita no versículo 5. Já
que Cristo veio para remover os pecados e nele não há pecado, é obviamente verdade
que aquele que permanece nele não se envolverá habitualmente em pecado”58. Para
Burdick, o fato de a`marta,nei (hamartanei) ser um presente, descreve uma ação linear e a
palavra não pode fazer referência à um ato de pecado, pois neste caso seria usado o
tempo aoristo. O que João afirma, segundo Brudick, é que aquele que permanece nEle
não peca habitualmente. E Brudick vai além, afirmando que a expressão “pa/j o` evn auvtw|/
menw/n [pas ho en auto menôn] – todo o que permanece nEle” significa o mesmo que ‘todo
aquele que é salvo’, demonstrando assim, que as pessoas que permanecem em algum
pecado, ou que o comete habitualmente, não são salvos, pois permanecer no pecado
seria não permanecer em Cristo59.
Gulan, que alistou dez posições sobre o parágrafo em questão, cita a
seguinte frase de Boice: “Embora um cristão possa pecar, e de fato freqüentemente peca,
no entanto é impossível ele continuar persistindo no pecado indefinidamente”60.
Stott, ponderando sobre o versículo 9, fornece mais um argumento a favor
desta posição. Ele assevera que a construção “ouv du,natai a`marta,nein [ou dunatai
hamartanein] – não pode pecar”, não significa que o crente não seja capaz de pecar, mas
que ele não é capaz de pecar habitualmente. Sua explicação está no fato de João ter
57
Idem. Ibid.
BURDICK, Donald W. “The Letters of John the Apostle”. Pg. 238
59
Idem. Pg. 239
60
Gary M. Gulan Op. cit. Pg. 1
58
usado um infinitivo no tempo presente que indica uma ação contínua. Pois se tivesse
usado um infinitivo aoristo teria dito que o crente “não é capaz de cometer um pecado”61.
Hiebert afirma que “a prática da justiça revela a realidade do novo
nascimento”62. Isto em contraste com o fato de que os falsos mestres entendiam que sua
conduta não importava, mas sim o conhecimento que eles tinham. Assim, Heibert afirma
que a prática do pecado, para João, “estabelece a distinção entre as duas classes da
humanidade”63, os crentes e os descrentes. Neste caso os descrentes são os falsos
mestres que são apresentados por João como pessoas “engajadas em cometer pecado”64
(2.29). A explicação que João dá sobre pecado refuta o conceito que os heréticos
defendiam. João diz que o pecado (a`marti,a - hamartia) é iniqüidade (avnomi,a - anomia)
(3.4). Segundo Heibert João quer dizer que pecado é a “afirmação da vontade individual
contra e em desafio à lei de Deus, a recusa em viver de acordo com o padrão revelado de
certo e errado” 65 . Tal atitude dos hereges estava sendo combatida por João, pois
afirmavam que “sua iluminação interior os tornava pessoas acima das exigências morais
da lei”66. Por isto, diz Heibert, 2.29 demonstra que “todo membro da família de Deus
demonstra a natureza moral de seu Pai” 67 . Assim as duas classes de pessoas são
distinguidas, uma pelo “relacionamento contínuo com Cristo e a outra pela prática
contínua do pecado”68.
61
STOTT, John R. W. Op. cit. Pg. 109
HIEBERT, D. Edmond. “The Epistles of John – An Expositional Commentary” pg. 140.
63
Idem. pg. 141.
64
Idem. Ibid. Heibert afirma que o particípio presente articulado “o` poiw/n” retrata este engajamento, já que é
usado em 2.29 para a justiça e em 3.4 para o pecado.
65
Idem. pg. 142.
66
Idem. Ibid.
67
Idem. pg. 132.
68
Idem. pg. 144. Heibert também demonstra seu ponto de vista como sendo pecado habitual ao explicar a
frase “não pode pecar” (3.9). Onde também afirma a inabilidade do crente para pecar como fruto de seu
novo nascimento (pg.148).
62
2.16 Avaliação sobre a posição que um cristão “não pode pecar continua e
habitualmente”
Dentre todas as posições, viver no pecado, ou pecar habitualmente, é a
posição mais difundida. E embora este ponto de vista tenha argumentos que pareçam
convencedores,
ele
tem
algumas
incoerências,
além
de
não
se
harmonizar
satisfatoriamente com as Escrituras. Algumas razões são aqui alistadas:
1) Os defensores deste ponto de vista focalizam na posição de uma
pessoa em Cristo, ou seja, se tal pessoa é cristã, nascida de Deus ou não. A prática do
pecado demonstraria que tal pessoa não é salva69. O verbo “me,nw [menô] – permanecer”,
usado para defender esta afirmação, é considerado como sinônimo de salvação, uma vez
que permanecer nEle seria o mesmo que ser filho de Deus. Todavia, este verbo não pode
ser usado desta forma quando se trata de relacionamento entre duas pessoas70. Ele tem
o sentido de continuidade, e por isto designa manutenção do relacionamento e não
posição 71 . Além do mais, quando se refere ao relacionamento entre duas ou mais
pessoas, o verbo nunca foi usado para posição72. Está claro que Jesus veio “a fim de que
todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas” (Jo 12.46). Este foi o objetivo de
Jesus, mas o fato é que tal propósito não garante necessariamente que o crente
69
É importante ressaltar que a maioria dos defensores deste ponto de vista são mais conservadores e não
acreditam na perda de salvação. Assim, ou a pessoa demonstra com sua vida que é salva ou ela não
salva por viver na prática do pecado.
70
Perceba que quando me,nw foi usado para lugar, ele pode demonstrar estado/posição (Mt 11.23), mas é
importante demonstrar que nem sempre refere-se a um estado/posição, mesmo quando se trata de lugar
(Mc 6.10).
71
Veja João 15.4-5 onde Jesus declara que a permanência nEle é a única maneira de se tornar frutífero na
vida cristã. Isto quer dizer que o relacionamento do cristão com Cristo determina o estilo de vida que ele
terá. Assim, um Cristão pode deixar de se relacionar com Cristo e andar nas trevas, mas, por ser filho de
Deus, será disciplinado [até com a morte se Deus entender que há necessidade cf. 1Co 11.30], caso
escolha andar longe de Deus (Hb 12.4-13). Este autor acredita que Jo 15.6 trata de disciplina.
72
me,nw ocorre 104 vezes no Novo Testamento, e 24 em 1ª João. O verbo é usado no NT em seu sentido
mais normal que é ficar/permanecer, no sentido de insistir/perseverar/continuar, no sentido de continuar
sendo (estado/posição), e no sentido de se relacionar/permanecer em comunhão (este é o sentido usado
em João). É importante perceber que, quando Jesus afirma que “se permanecerdes nas minhas palavras
verdadeiramente sois meus discípulos” (Jo 8.31 cp. o oposto em Jo 5.38), Ele faz referência a um
discípulo funcional e não posicional. Pois no texto Ele fala estas palavras “aos judeus que haviam crido
nEle”. Há uma dificuldade em 1Jo 2.19, onde João faz uma relação entre estado e permanência, mas isto
provavelmente aconteça porque João está se referindo aos falsos mestres (cf. Mt 7.15-20), o que faz da
afirmação uma medida de salvação não absoluta, já que o critério para a salvação é única e
exclusivamente a fé (Ef 2.8-9 etc.). Quando João fala aos crentes, a não permanência em Cristo resulta
em vergonha/disciplina em Sua vinda (1Jo 2.28 perceba que está no mesmo contexto de 2.19).
escolherá andar todo tempo na luz73, mas sim que ele não permanecerá eternamente nas
trevas. Uma dificuldade é encontrada em 1Jo 3.14-15 onde João afirma que a ausência
de amor pelos irmãos demonstra que a pessoa ainda não passou da morte para a vida, o
que parece fazer referência à salvação (cf. Jo 5.24). No entanto, João provavelmente
estivesse direcionando suas palavras para que os falsos mestres fossem identificados,
uma vez que logo após ele estabelece o critério para os irmãos, a saber, o selo do
Espírito (3.24, 4.13)74.
2) Uma questão intrigante é que não há parâmetros para caracterizar um
pecado como habitual. Quanto tempo caracteriza um pecado assim? Alguns dias? Uma
semana? Algumas semanas? Um mês? Alguns meses? Quem determina o tempo de
duração de um pecado para discernir se é habitual ou não? O critério é pessoal e
empírico. Não há padrões na bíblia que demonstram um meio de medir tais pecados. No
entanto, há nas Escrituras um critério de coerência ou incoerência entre discurso e prática
(Mt 7.15-23; Rm 16.17-19; 2Tm 2.17-1975, 3.1-9; Tt 1.6-9, 16, 2.1, 7-8; 2Jo 1.5-11), mas
tal critério é usado para questionar e nunca afirmar se alguém pertence a Cristo ou não.
3) Ao afirmar que o particípio presente deve necessariamente significar
hábito, os defensores desta posição precisam usar seu raciocínio consistentemente.
Então, necessariamente este critério deve ser aplicado a 1 Tm 5.19 (Tou.j a`marta,nontaj
evnw,pion pa,ntwn e;legce [tous hamartanontas enôpion pantôn elenche] – repreende aqueles
que pecam diante de todos), que fala sobre presbíteros, ou seja, cristãos. É fato que a
escolha sintática de um presente habitual é feita também para verbos no presente do
73
Mesmo porque a afirmação de Paulo sobre não haver comunhão entre a luz e as trevas presume que
havia cristãos que estavam nas trevas (2Co 6.14), do contrário não haveria necessidade da exortação.
74
Veja que Paulo também diz que o Espírito é a garantia de que estaremos com Cristo (Ef 1.13-14, 4.30).
75
Veja que há possibilidade de crentes serem enganados e seguirem o mesmo erro dos que ensinam
incorretamente (cf. também Ef 4.14; Cl 2.16-23; 2Tm 4.3; Tt 1.10-11).
indicativo, e não somente particípios. Mas é incontestável que João alterna o tempo dos
verbos entre presente e aoristo por razões estilísticas e não semânticas76.
4) Bruce afirma que “João acrescenta o amor e a prática da justiça como
critério de qualificação ou desqualificação para a membresia na família de Deus”77. Se
isto for verdade, Bruce tem necessariamente de afirmar que a salvação não é única e
exclusivamente por meio da fé (Cf. Ef 1.8-9). Seria, então, necessário dizer que tanto o
amor pelas pessoas quanto a prática da justiça somam à fé para a salvação78.
5) Se ser “indulgente/tolerante com o pecado é prova suficiente de que
não se tem conhecimento pessoal de Cristo”, como diz Bruce79, o autor da epístola aos
Hebreus está errado 80 quando afirma que alguém que peca deliberadamente 81 “foi
santificado”82 com o sangue da aliança de Cristo (Hb 10.29). Segundo este ponto de vista,
alguém assim não pode ter nascido de Deus, não pode fazer parte da família de Deus.
Neste mesmo raciocínio, quanto à indulgência com o pecado, é importante observarmos a
passagem de 1Co 5.1-5, pois demonstra tal tolerância de maneira ainda mais clara e
contundente. No texto, Paulo afirma que um homem estava mantendo relações sexuais
(porne,ia - porneia) com a esposa de seu próprio pai. Além do mais, diz que, tanto aquele
que cometia “porne,ia – porneia” quanto os crentes de Corinto, estavam orgulhosos com o
pecado (v.2). Isto dificilmente não deve ser chamado de indulgência/tolerância com o
76
Isto é observado na alternância entre “gra,fw ou gra,fomen” (presente) e “evgra,ya” (aoristo). O verbo é usado
13 (14 cf. BYZ) vezes na epístola, das quais 7 (cf. TC - 11 cf. BYZ) o autor usa presente e 6 (cf. TC - 3 cf.
BYZ) o aoristo. E embora haja grande diferença entre o Texto Crítico e o Byzantino, ainda se pode
perceber a mudança puramente estilística.
77
BRUCE, F. F. Op. cit. pg. 93
78
O máximo que Bruce poderia dizer é que amor e prática da justiça são possíveis critérios para avaliar
uma pessoa, sem, contudo, considerá-los absolutos e decisivos.
79
BRUCE, F. F. Op. cit. pg. 90
80
Declaro aqui minha crença na confiabilidade das Escrituras acima de qualquer opinião humana.
81
É importante para este argumento entender a palavra “e`kousi,wj” em Hb 10.26, a qual descreve alguém
que peca de livre vontade, com toda a dedicação. Esta palavra não envolve somente uma escolha
deliberada, mas empenho em cometer o pecado. E ainda observe que a palavra é o oposto de ser
compelido, forçado (1Pe 5.2). É fazer algo de livre e espontânea vontade, e com dedicação.
82
Alguém poderia argumentar que 1Co 7.14 usa a palavra “a`gia,zw - santificar” para incrédulos. O fato é que
o contexto em Hebreus deixa claro que a palavra “a`gia,zw - santificar” refere-se à aplicação da obra de
Cristo à vida da pessoa (Hb 10.10, 14). Além do mais, Hb 10.29 inclui a frase “to. ai-ma th/j diaqh,khj – o
sangue da aliança”, o que não permite ir além de dizer que tal pessoa fazia parte do corpo de Cristo.
pecado. Mas mesmo assim, Paulo chama aquelas pessoas de irmãos (1.10, 11, 26, 2.1,
3.1, 4.6, 6.5-6 etc.), salvos em Cristo Jesus. E o que é mais difícil de aceitar na
passagem, é o fato de Paulo afirmar que aquele que cometia “porne,ia – porneia” teria a
destruição do corpo, mas o seu espírito seria “salvo83 no dia do Senhor” (v.5)84. Também
é digno de nota, a construção “pefusiwme,noi evste. [pefusiômenoi este] – estais
ensoberbecidos”, que demonstra estado, indicação suficiente para afirmar que há algum
tempo acontecia tanto o pecado sexual quanto o pecado da soberba85.
2.17 Uma “classe especial de cristãos” que atingiram a perfeição.
Gulan, cita uma frase de Smalley explicando esta posição: “Há dois tipos
de cristãos: aqueles que são capazes de pecar e aqueles que são incapazes de pecar. ‘A
velha natureza adâmica foi desarraigada, então o cristão é capaz de viver acima do
pecado e não pecar nunca mais em sua vida.’ Alguns vêem este ponto de vista como que
um estado potencial de ausente pecaminosidade que um Cristão pode atingir.”86
Marshall, que aborda quatro posições sobre este texto, demonstra uma
variante desta posição dizendo que João está se referindo a um único grupo de cristãos a
quem João conhecia87.
Brown também aborda uma variante desta posição defendendo que o
crente não peca. Ele afirma que “pecado como iniqüidade é oposto a Jesus, o qual foi
revelado a Israel como ‘o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo’ (Jo 1.29)”88. Na
epístola, diz Brown, João declara que Cristo ‘foi revelado para tirar os pecados’89 (1 Jo
3.5). Assim, Brown parece demonstrar que o significado do verbo “ai[rw - hairô” é remover
as ações pecaminosas de uma vez por todas. Isto fica mais evidente quando ele
83
Embora a palavra “sw|zw - salvar” não tenha seu significado restrito ao livramento da condenação eterna
(Mt 14.10; Jo 12.27), mas a frase “evn th/| h`me,ra| tou/ kuri,ou – no dia do Senhor” deixa claro que se trata disto.
84
Mesmo que seja difícil de aceitar, esta passagem é clara. O mínimo que se pode dizer é que Paulo
demonstrou a possibilidade de tal pessoa ser salva. O que é suficiente para afirmar que alguém que vive
na prática do pecado pode [mas não necessariamente tem que] ser filho de Deus.
85
É claro que, uma vez que não há parâmetros para determinar quando um pecado se torna habitual,
decido dizer que os pecados relatados neste texto já eram algo comum, contínuo. Mesmo porque a notícia
provavelmente tenha demorado em chegar aos ouvidos de Paulo.
86
Gary M. Gulan Op. cit. Pg. 1
87
MARSHALL, I. Howard. Op. cit. Pg. 178
88
BROWN, Raymond E. Op. cit. Pg. 427.
89
Brawn argumenta uma diferença entre o substantivo singular ‘pecado’ no evangelho e o substantivo plural
‘pecados’ na epístola. Esta argumentação quer dizer que embora o evangelho fale em termos gerais, a
epístola aborda todo tipo de ações iníquas.
argumenta que “não havia nada pecaminoso em Cristo, e não pode existir nada
pecaminoso no Cristão (1 Jo 3.6)90”. Seu raciocínio é que, já que não há pecado em
Jesus e Ele foi manifestado para remover os pecados do ser humano, todo aquele que é
nascido de Deus teve seus pecados removidos, e por isto não peca. Brown reforça seu
argumento dizendo que João afirma “em 3.6 que a pessoa que comete pecado não é um
cristão” 91 , no entanto, diz que João “expressa isto em termos de nunca ter visto a
Cristo” 92 . Mais um argumento usado por Brawn foi citar “um escritor moderno (La
Rondelle, Perfection 232)”, o qual declara que João não se apóia no cristão como tal para
afirmar a impossibilidade de pecar, ele se apóia “na presença da semente de Deus93, que
é transformadora e preservadora”94.
2.18 Avaliação sobre a posição que afirma ser uma “classe especial de
cristãos” que atingiram a perfeição.
Considero que este ponto de vista tem vários problemas:
1) O autor se inclui nas condicionais de 1.8-10; 2.1-2, as quais
demonstram que tanto ele como os leitores continuam pecando depois de serem salvos.
Era de se esperar que pelo menos o apóstolo já estivesse nesta classe de crentes, se ela
existisse. E ainda mais, não é consistente dizer que 1.8-10 se trata de um artifício literário,
e que de fato o autor não se inclui em tais afirmações. Uma análise cuidadosa na carta
demonstra inconsistência do argumento, pois o autor não costuma se incluir nas
afirmações apenas como um artifício literário. Normalmente ele se exclui quando entende
que não faz parte da questão abordada e se inclui quando há necessidade (2.1, 15, 18,
28, 3.11, 4.1, 4-6; etc.).
2) Quando faz tais declarações, João refere-se a todos (pa/j – 3.4, 6, 9,
10) os que são nascidos de Deus, e não a apenas um grupo seleto.
90
BROWN, Raymond E. Op. cit. Pg. 427.
Idem. Ibid.
92
Idem. Ibid.
93
Por semente de Deus tal autor moderno entende ser a presença de Cristo (Christus praesens).
BROWN, Raymond E. Op. cit. Pg. 431.
94
Idem. Ibid. Parece que o significado da palavra transformadora está ligado a uma transformação
completa, total e definitiva no momento da conversão. E a palavra preservadora significa que a semente
preserva o cristão nesta condição.
91
3) O apóstolo Paulo demonstra que não estava nesta “classe” de crentes
no momento que escreveu a Epístola aos Romanos (Rm 7.14-25)95;
4) Os ensinos bíblicos são consistentes em demonstrar que os crentes,
inclusive apóstolos e presbíteros (que são mais maduros), pecam e precisam ser
transformados constantemente (2Co 3.18; Fp 3.12; 1Tm 5.19-20; Hb 10.26; Tg 4.17)96;
5) Se esta posição estivesse correta, os sete imperativos (cf. 2.15, 24, 2728; 3.7; 4.1; 5.21) e as demais exortações de João aos leitores (cf. 2.28; 3.11, 17-18, 2397;
4.7) não teriam razão de existir.
6) Os leitores e o autor são declarados claramente em 3.1-2 como sendo
filhos de Deus. E João diz que eles conheciam a verdade, mas estavam sendo
enganados. O que é bem diferente de não ser filho de Deus (2.21, 26).
2.19 O cristão não encara o pecado com atitude de inexistência
Esta posição, apresentada pelo professor Carlos Osvaldo Pinto em sala
de aula, defende que João afirma que um nascido de Deus, um filho de Deus “não peca ouvc a`marta,nei” (e “não comete pecado - a`marti,an ouv poiei/”, e “não pode pecar - ouv du,natai
a`marta,nein”) com a atitude de que não existe pecado, ou seja, com a atitude de que o
pecado é a falta de conhecimento e não desconformidade com o caráter santo (luz) de
Deus.
As argumentações básicas a favor desta posição são as seguintes:
95
É importante lembrar que esta passagem pode ser vista das seguintes maneiras: 1) É uma hipótese e não
uma realidade; 2) Paulo não está falando de si mesmo, mas usa um recurso literário; ou 3) Paulo fala de
si, mas antes de sua conversão.
No entanto, a linha de raciocínio desenvolvida pelo autor favorece a posição de que Paulo fala de si depois
de seu encontro com Cristo.
96
Nota-se que alguns textos como Mt 5.48 (ARA), 1Co 2.6 (ARC), Ef 4.13 (ARA), Fp 3.15 (ARA), Cl 1.28
(ARA), Hb 5.14 (ARC), Tg 1.4 (ARA) podem ter sido usados como cooperadores desta posição. No
entanto, além da palavra te,leioj também ter os significados “maduro e adulto” em seu campo semântico,
alguns destes textos se referem ao alvo que Deus tem para o homem, o qual será atingido quando o corpo
dos cristãos for transformados em corpos incorruptíveis (1Co 15, Fp 3.21, 2Co 5.1-11, ), doutro modo
haveria contradição entre os ensinos bíblicos.
97
Pode-se argumentar que este versículo vincula crer com amar da mesma forma que 4.7 vincula amar com
ser nascido de Deus. Assim, se não há amor isto quer dizer que não há verdadeira crença em Cristo, ou
seja, não há filiação divina. O fato é que já foi demonstrado que tanto o autor quanto os leitores são filhos
de Deus (cf. 3.1-2), e é importante observar em 4.7 que o autor começa o versículo com a palavra
“VAgaphtoi,”, palavra usada na epístola para os filhos de Deus.
João fala sobre a possibilidade de pecado por parte dos leitores incluindose nesta possibilidade (1.8, 10, 2.1, 5, 5.16), e muito do que ele diz para os leitores é
exortação para eles não pecarem, mas praticarem a justiça (2.1, 15, 29, 3.12, 18, 5.21)98.
Isto é feito porque João estava combatendo hereges99 gnósticos100 cujos
ensinos afirmavam que a culpa humana consiste na ignorância que traz a necessidade de
conhecimento 101 . Eles não acreditavam que a natureza humana pecaminosa e atos
contrários ao caráter de Deus fizessem do ser humano alguém necessitado de
propiciação e perdão (cf. 1 Jo 1.8, 10, 2.1-2). Além do mais, tais hereges não acreditavam
que Jesus viera em carne, mas apenas em espírito (cf. 1 Jo 2.7; cp. 1.1). A conseqüência
disto era que qualquer vazão dada aos desejos carnais não consistia pecado, não
influenciava o espírito, e não quebrava a comunhão com Deus102 . Para os hereges, a falta
de conhecimento é que separava o homem de Deus103, por isto eles não necessitavam de
propiciação para seus pecados104 . Todo este pensamento errado poderia enganar os
leitores de modo que poderia se convencer de que o amor pelo mundo e o amor por Deus
eram coisas compatíveis, da mesma forma como odiar os irmãos e andar na luz, amar o
Pai e ter comunhão com ele (cf. 2.9, 11; 3.15105 , 4.20; Jo 3.20). O que João fez foi
98
MARSHALL, I. Howard. Op. cit. Pg. 178
Cf. 1 Jo 2.18-19
100
Não se tratava de um gnosticismo já sistematizado, mas idéias gnósticas que futuramente formariam o
gnosticismo do século II. HALE, Broadus David, “Introdução ao Estudo do Novo Testamento”. Pg. 302
101
Provavelmente, no discurso dos hereges, este conhecimento não era possuído pelos leitores, pois era
um conhecimento especial. Mas a verdade é que os hereges queriam enganá-los (2.26), por isto João
demonstrou que os leitores tinham o conhecimento correto para ter comunhão com Deus e deveriam
permanecer neste conhecimento (2.20-21, 24).
102
Perceba que João, logo no início da epístola, afirma que seus ensinos foram dados com o propósito dos
leitores terem comunhão com ele [e com alguns que estavam com ele]. O argumento é que os leitores
teriam comunhão com o Pai e com o Filho, uma vez que tivessem comunhão com João e observassem
seus ensinamentos, pois João afirmava ter comunhão com o Pai e o Filho, e os critérios para a comunhão
com Deus residiam na observação de seus ensinamentos, os quais conduziam os leitores a andarem na
luz (1.3, 6-7).
103
Observe que João afirma que seus leitores tinham conhecimento e não necessitavam de nenhum
conhecimento especial, já que o Espírito Santo habitava neles e assim eles tinham toda capacidade de
obter o verdadeiro conhecimento que leva à comunhão com o Pai.
104
Perceba que João fala sobre o perdão (1.9; 2.14), a propiciação (2.2; 4.10) e a remoção de pecados
(3.5).
105
Este autor acredita que João não afirmou que um assassino não vai para o céu, mas que o assassinato
é característico de alguém que não é salvo (cp. 1Sm 11.14-15 quando Davi mandou matar Urias para
encobrir seu pecado [pode-se afirmar que Davi não ainda era salvo, no entanto este autor prefere dizer
que já era salvo por todo o temor a Deus demonstrado desde o confronto com Golias 1 Sm 17.26, até seu
99
demonstrar para os leitores o que Jesus havia ensinado em Mt 7.15-20, onde Jesus
afirma que as ações dos falsos mestres os denunciam, pois qualquer “capa de fingimento”
que tentem “vestir”, é “despida” por suas ações106.
2.20 Avaliação do ponto de vista que afirma que o cristão não encara o
pecado com atitude de inexistência
As seguintes objeções são alistadas contra esta posição:
1) A frase “com a atitude de que não existe pecado” é um adendo às
frases “não peca - ouvc a`marta,nei” e “não comete pecado - a`marti,an ouv poiei/”, e “não pode
pecar - ouv du,natai a`marta,nein”,e não consta no texto.
2) Embora este ponto de vista faça sentido, se houve a possibilidade dos
cristãos serem enganados pelos hereges, então houve a possibilidade dos cristãos
pecarem pensando que o pecado, em si, não é o que está descrito na Bíblia, mas a falta
de conhecimento.
encontro com Saul na caverna 1Sm 24.10-11]; Êx 2.14 afirma que Moisés matou um Egípcio; 1Pe 4.15
demonstra a possibilidade dos leitores cometerem um assassinato). A linha de raciocínio do texto é que da
mesma forma como o assassinato é característico de alguém que não é filho de Deus, o ódio pelas
pessoas também é (Tt 3.3). Este argumento provavelmente tenha sido usado para demonstrar que os
hereges não eram filhos de Deus e por isto os filhos de Deus não deveriam seguir seus ensinos e
exemplos.
106
É de suma importância perceber que, ações corretas como estilo de vida não garante que tal pessoa
seja salva. O jovem rico tinha um estilo de vida que, aos olhos de muitas pessoas, era um alto padrão
moral (Lc 18.20-22 - Perceba que Jesus afirmou faltar para ele “uma coisa” só. Isto demonstra que uma
vida correta, necessariamente, não implica salvação eterna.) Mas mesmo assim não fazia parte da família
de Deus.
3 CONCLUSÃO
O texto é muito difícil. Todas as posições trazem suas dificuldades de
interpretação. Os posicionamentos com menos dificuldades, na opinião deste estudante,
são as que afirmam:
1) O cristão que permanece em Cristo não peca
2) A nova natureza é que não pode pecar
3) O cristão não encara o pecado com atitude de inexistência
Este estudante se identifica mais com o terceiro ponto de vista, embora
tenha de reconhecer que este estudo foi uma introdução ao assunto e que há a
necessidade de um aprofundamento maior e mais detalhado, abrangendo todos os
detalhes de cada posição de modo a estabelecer com maior probabilidade possível o que
o Autor do texto tencionou ensinar aos leitores e a nós.
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