A ESCOLA E SEUS SEGREDOS VISÍVEIS... Tássia Ferreira Tártaro

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A ESCOLA E SEUS SEGREDOS VISÍVEIS... Tássia Ferreira Tártaro
A ESCOLA E SEUS SEGREDOS VISÍVEIS...
Tássia Ferreira Tártaro, Unesp/Rio Claro.
[email protected]
Antonio Carlos Carrera de Souza, Unesp/ Rio Claro
[email protected]
Resumo
Este texto é uma apresentação das leituras de Nietzsche, Foucault e Deleuze entrelaçadas pela
experiência docente. É uma visão do que entendemos por subjetivação, linhas de força e
agenciamentos e como esses conceitos podem ser encontrados na escola. Ou seja, este artigo
trata de um olhar docente sobre a escola, um olhar de quem sente a escola literalmente como
ela é de quem sente efetivamente todos os dias a emoção de ser professor. Este trabalho tem
uma visão fragmentada, mas nem por isso menos legítima, de como vemos a escola nos dias
atuais. Estes escritos produzem outro estilo de escrita, uma escrita que mostre que o que vem
em nossa mente não é organizado ou contínuo, pois a descontinuidade e a multiplicidade é
que constituem nosso pensar. Sendo assim, este texto é produzido pelos saltos de nossos
pensamentos. Por conta disso, fazemos aforismos e tais aforismos se tratam de agenciamentos
tanto de leitura, como de práticas que nos levaram a um entendimento de formação do sujeito
por ele próprio e da impossibilidade deste tipo de formação nas escolas atuais, juntamente
com Foucault, falamos da maestria da formação. Acreditamos na formação pela relação, pelo
diálogo. Buscamos o cuidado de si. Mostraremos que a escola tem formas próprias de
subjetivação, para além dos conteúdos. Tal instituição afeta através destas formas de
subjetivação os sujeitos (alunos, professores, gestores) de maneira visceral. Porém estes afetos
criam e tecem novas subjetivações. Teias, redes de poder e resistências vão sendo criadas e,
assim, essa instituição tem influência na formação do eu, mas que não é totalmente sua
responsabilidade formar, pois, existem além da escola outras subjetivações que também
formam o sujeito.
Palavras-chaves: Subjetivação; linhas de força; rizoma.
Resumen
Este texto es una presentación de las lecturas de Nietzsche, Foucault y Deleuze enredados por
experiencia docente. Es una visión de lo que queremos decir con la subjetividad, las líneas
eléctricas y montajes y cómo estos conceptos se puede encontrar en la escuela. Es decir, este
artículo es un maestro de escuela en busca de una expresión de alguien que siente que la
escuela tal como es, que se siente sobre la piel todos los días de la emoción de ser un maestro.
Este trabajo tiene una visión fragmentada, pero no menos legítima, como lo vemos en la
escuela hoy. Estos escritos producen otro estilo de la escritura, una escritura que muestra lo
que viene en nuestra mente no está organizada o que se continúe, porque la discontinuidad y
de la multiplicidad es que constituye nuestra manera de pensar. Por lo tanto, este texto es
producido por los pasos de nuestros pensamientos. Debido a esto, aforismos y dichos
aforismos tratamos conjuntos tanto de leer como las prácticas que nos llevaron a una
comprensión de la formación del sujeto por sí mismo y la imposibilidad de este tipo de
formación en las escuelas que tenemos hoy en día, junto con Foucault, hablar de formación
maestría. Creemos en la formación de la relación a través del diálogo. Buscamos autocuidado.
Demostrar que la escuela tiene sus propias formas de subjetividad, además de los contenidos.
Isto afecta a la institución a través de estas formas de subjetividad sujetos (estudiantes,
profesores, administradores) forma visceral. Pero estas afecciones crean y tejen nuevos
subjetivación. Telas y redes de poder y resistencia se está creando y así de esta manera esta
institución tiene influencia en la formación del yo que en allí, pero eso no es del todo su forma
de responsabilidad, debido a que hay más allá de la escuela otros subjetivación que también
forman el sujeto.
Palabras clave: Subjetividad; líneas de fuerza; rizoma.
PRÓLOGO
Pretendemos neste texto mostrar ideias que compõem uma série de reflexões sobre a
escola atualmente, não se trata, no entanto de um texto que mostrará seus problemas e
fornecerá soluções. Pelo contrário, o que mostraremos é que nossas ideias se constituem uma
rede que flui pelo meio das relações existentes dentro da escola. Por conta disso,
influenciados pelas ideias de Nietzsche, propomos fazer não um texto linear, onde os
parágrafos se concatenam produzindo um fluxo contínuo do pensamento. Pelo contrário,
tentaremos um exercício outro de escrita, onde o pensamento surge e se ele surge isso
acontece pelo meio. Mostraremos pensamentos rizomáticos, nosso texto não se trata de uma
árvore. Amparados por Deleuze e Guatarri (1995) picamos a árvore, produzimos tocas,
fizemos rizomas.
Conforme estes autores, um rizoma deve ser visto como uma potente ramificação e
não como raízes axiais e as consequentes radículas. Um rizoma é um caminho a se fazer. Não
se pode prever o caminho a ser percorrido, pois tais caminhos dependem do devir mundo, do
acontecimento/encontro que não pode ser previsto. E tais acontecimentos/encontros criam
outros caminhos que serão traçados a partir de nossas subjetivações. Assim, existe em um
rizoma um principio de conexão e de heterogeneidade que liga um ponto a outro. No entanto,
o que liga tais pontos são linhas de força, são elas que nos forçam a mudar de caminho, que
revertem certa ordem estabelecida, que negam a ordem e assim sendo uma possível
linearidade da vida. Acreditamos que tal qual a escola, nossos textos, representam linhas que
se conectam, que nos fazem pertencer ou permanecer em determinado território, também
existem linhas que se quebram, que nos desterritorializam, para nos territorializar novamente
em outro movimento. E este texto se apresenta assim, ora em determinado território, ora em
outro, ou seja, se apresenta em diversas territórios dentro de um mesmo território: a escola.
Por conta disso, este texto é um conjunto de aforismos. Precisa de certa coragem para
atualizar o velho e dele produzir o novo. Este texto é a tentativa de um estilo de escrita, que
mostre que o que vem em nossa mente não é organizado. Nossas memórias constituem a
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partir de lutas de subjetivações passadas, apenas as mais fortes permanecem, aquelas que
produziram em nós uma violência e é isso que nos impulsiona a pensar. Somos salteadores.
Apresentamos um texto produzido pelos saltos de nossos pensamentos. Assim cada aforisma
é um pensamento que pode ser relacionado ou não com o anterior, tanto faz, não somos
árvores, não plantamos árvores em nossos pensamentos. Fugimos quando achamos
necessário. Fugimos sempre. Pois fugir também é uma forma de resistir.
Escrever por aforismo é utilizar a metáfora do mar como o pensamento e do farol
como aquele que ilumina certos pensamentos. Este texto é uma rede onde ora nos vemos
como pesquisadores, ora somos os autores, ora como professores, ou seja, somos um diferente
a cada nova necessidade. Não fomos nós que decidimos a ordem de cada aforismo, não
acreditamos ter este poder. Foi o próprio devir que estabeleceu esta ordem. Acreditamos não
sermos nós que comandamos nosso pensamento, mas o próprio devir, pura linha de força que
o cria. Mas depois de criado, após o farol ter iluminado um pedacinho do mar, é a nossa
vontade que age. Existe uma vontade de potência que cria a partir de nossas subjetivações e
através delas.
I
Pensar a escola e suas dificuldades nos dias atuais é olhar o real, o cotidiano em que
esta se apresenta. Pensar a escola é ver o descaso, o desânimo e a violência, que a consome
todos os dias. Para pensar a escola deve-se atravessar os muros desta, olhar a escola e seus
muros a partir das relações que esta estabelece com a sociedade. Para sentir a escola
precisamos sentir os fluxos de forças que a alimentam, que a objetificam e a reduzem a
movimentos de poderes estratificados no passado. Temos a intenção de olhar para a escola,
mais especificamente para pensar a matemática produzida pela/na escola, de uma maneira
outra que não a convencional. Já dizemos de antemão que não estamos preocupados com os
conteúdos ou as metodologias que salvarão as práticas docentes no ensino de matemática para
produzir melhores resultados nos exames nacionais ou internacionais. Escrevemos na procura
de possíveis potências produzidas pela matemática no interior da escola, ou seja, buscamos
capturar possíveis movimentos e fluxos capazes de mudar os caminhos daqueles que se
integram a estes. Procuramos subjetivações − que se formam a partir das práticas docentes em
Matemática − tão potentes que transformem este ambiente.
II
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Pode a escola ensinar? De fato, antes de nos perguntarmos isso deveríamos perguntar a
nós mesmos qual o objetivo da escola. Pois até o momento o máximo que ela conseguiu foi
subjetivar o sujeito para a submissão, para castração de suas potências e, assim sendo, para o
espírito de manada. Tal qual Nietzsche (2005) fala do cristianismo como um movimento que
acaba com a potência do individuo em nome de um bem maior, contudo, poderíamos
simplesmente transpor suas considerações para a escola e veríamos que esta desempenha o
mesmo papel para com os sujeitos nela envolvidos. A escola vive na busca de algo que irá
salvá-la, que arrancará suas corrente, de tal forma que se verá livre para ir cumprir com o que
acredita ser seu objetivo: Transmitir o conhecimento acumulado pela nossa sociedade. No
entanto, seus atores ainda estão à espera de seu salvador, seu messias e seu redentor,
clamando por um milagre repentino, e assim não percebem que se tomassem a realidade da
escola em suas mãos poderiam mudar por si só o universo escolar.
III
Parafraseando uma música da Pitty (2011): Pense. Pare. Compra e Venda. Leia. Vote.
Não se esqueça. Tudo é programado para... Você tem que motivar o aluno, você tem que fazer
com que o aluno aprenda; você é o responsável pela educação dos que estão na sua sala; Tirar
aluno da sala é aceitar o seu fracasso como professor... Você tem... Você tem que aceitar,
afinal sempre foi assim. Vivemos na época do sempre foi assim. Não é difícil perceber que a
escola de hoje tem o mesmo formato da escola de ontem. Nem tampouco observar que as
práticas dos professores tampouco mudaram. Se algo mudou foi o discurso, neste é possível
observar as mudanças. Mas o real encontro/acontecimento que esta em nossa pele, esta vida
nua não tem como esconder. É só entrar na região de discursos e práticas escolares, mas quem
quer entrar? Quais atores: Os órgãos educacionais institucionais a partir de seus Ministros,
Secretários de Estado? Os burocratas da Educação? A sociedade? Os professores? Os alunos?
Os pais? Não, estes não querem estar lá. Assim, que espaço é esse que continua a reproduzir
uma sociedade que já não existe mais? Esse é o espaço do obrigatório. Esse é o espaço que faz
o trabalho sujo de reproduzir, diariamente, mês a mês, ano a ano o espírito de manada. Qual?
Quais? Várias são as manadas existentes nas escolas cor de anil, cada qual com suas
formatações individuais: dos diretores aos funcionários e alunos.
IV
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Mudaremos a pergunta central: Do que pode a escola? Para o que pode uma escola?
Avancemos ainda mais, o que pode uma sala de aula? Reverteremos agora estas
perguntas outra vez, entrecruzaremos todas elas e chegaremos à pergunta crucial: O que pode
um professor? Subjetivar. Produzir agenciamentos. Ser maestro. Pensaremos o professor
como maestro, cuja função é reger uma orquestra. Iremos mais longe. O que é preciso para
que um maestro consiga reger uma orquestra? Que seus músicos, aqueles que irão tocar os
instrumentos gostem de tocar. O maestro nada pode fazer se aqueles que estão ao seu lado não
gostam e não querem aprender a tocar. Poderá o maestro estimular seus músicos, que não
suportam música, que não querem ouvir, tampouco tocar qualquer instrumento? Acreditamos
que não. Pois onde não existe paixão, não existe conhecimento. Conforme Nietzsche (2005) o
conhecimento se dá pela paixão. E não existem razões racionais para nos apaixonarmos,
tampouco é possível que outro sujeito nos ensine a nos apaixonarmos. Pelo quê? Por quem?
Pela Matemática? A paixão é única, acontece individualmente no sujeito. Supondo a
possibilidade de um professor de Matemática, como um maestro apaixonado pela
Matemática, um Zaratustra dançando uma música que poucos e sensíveis alunos ouvem, há
quantos ele conseguiria provocar uma centelha de conhecimento matemático? Alguns ou
muito poucos! Mas se cada sala de aula possuem 40 ou 45 alunos, nosso maestro bailarino
voltaria a habitar a solidão, como o anti-herói nietzschiano.
V
[...] Sempre vemos a nós mesmos um tanto perto demais; e o próximo sempre um
tanto longe demais. Então sucede que o julgamos muito globalmente; e a nós mesmos muito
de acordo com os traços e eventos ocasionais, irrelevantes. (Nietzsche, 2008, p. 153). Fazendo
um dublo roubo das palavras de Nietzsche (2008) no prólogo de Humano demasiado humano
II, acredito que nós ─ enquanto professores ou maestros quem sabe? ─ deveríamos falar
apenas do que não podemos nos calar. E falar apenas do que já foi por nós vivenciado. De tal
forma que tais escritos e palavras venham após a nossa própria superação do
encontro/acontecimento como memória. Para falar é necessário antes um tempo, o
estranhamento, à distância, até que em mim mesmo nascesse uma espécie de desejo de
explorar, esfolar, desnudar, “apresentar” algo que foi por mim vivido e sobrevivido. Enquanto
professores/maestros vivemos um turbilhão de emoções dentro da sala de aula, mas poucas
vezes nos propomos a senti-las, incorporá-las, navegá-las. Construindo um forte escudo em
volta de nosso ser, não queremos, enquanto professor/docente, ser atingido pelas
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subjetivações oriundas de todo o ambiente escolar. Não queremos se quer conhecê-las.
Imaginamos para nós mesmos que podemos contorná-las sem desnudá-las e fingimos que o
espaço da sala de aula é neutro. No entanto, as linhas de força de fora da sala de aula que a
percorrem são tão rígidas e tão duras que atravessam/atingem/perfuram o eficiente escudo
construído. Então, o real explode dentro do professor/docente causando um desconforto em
suas práticas escolares. Nesta hora sente: dor, angústia, medo. Na confusão causada desta hora
vemos nossas atitudes bem próximas e não a compreendemos, pois não tomamos a distância
necessária para falar delas. Tampouco conhecemos nossos alunos, pois estão sempre longe
demais. O professor/docente/sujeito fica paralisado no deserto do real.
O filme o Clube dos Cinco1 exemplifica esta problemática, trata-se de cinco jovens
que foram obrigados a passar o sábado inteiro na escola por conta de condutas inadequadas na
escola. Chegando à escola o professor/docente/carcereiro encarregado de olhá-los ordena que
no final do período eles escrevam um texto de mil palavras dizendo quem são eles. Tal
redação mostra a forma como vemos de longe o outro e o olhamos rápido demais para
tirarmos certas conclusões.
Caro senhor Vermont
Nós aceitamos ficar o sábado inteiro em detenção pelo que tenhamos feito de
errado. Mas achamos loucura nos obrigar a escrever uma redação dizendo
quem nós somos, quando o senhor não esta nem aí. O senhor nos vê como
quer nos ver, de modo claro e nas definições mais convenientes, o senhor
nos vê como cdf, um atleta, uma lata de lixo, uma princesa e um delinquente.
Isso responde a sua pergunta? Atenciosamente, o Clube dos Cinco. (Trecho
transcrito do filme O Clube dos Cinco)
Não é nossa intenção culpar os professores por não conhecerem seus alunos. Mas é
nossa intenção mostrar que a escola não fornece subsídios para que professores e alunos se
conheçam. Nós, como professores, poderíamos agora escrever um texto a nossos alunos
dizendo:
Caros Alunos,
Nós, professores aceitamos o fato de ficar com vocês uma ou duas horas por
dia. Mas achamos um absurdo quererem que tenhamos uma relação com os
35 ou 40 alunos de uma sala ao mesmo tempo. Achamos absurdo quando
querem que conheçamos todos vocês intimamente, com uma ou duas horas
por dia e todos ao mesmo tempo. Vocês nos veem como querem nos ver, de
modo claro, nas definições mais convenientes, o inteligente, o exigente, o
maluco, o sem autoridade e o que dá muita cópia. Atenciosamente, um Clube
sem nome.
1
The Breakfast Club (Clube dos Cinco (título no Brasil) é um filme norte-americano do gênero drama produzido
em 1985. Foi escrito e dirigido por John Hughes e estrelado por Emilio Estevez, Anthony Michael Hall, Judd
Nelson, Molly Ringwald e Ally Sheedy. Dispõe também de Paul Gleason e John Kapelos no elenco.
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VI
Estamos evidenciando a impossibilidade do acontecimento/encontro entre os
professores/docentes e seus alunos. Nietzsche (2005) já dizia: falta tempo para pensar e
tranquilidade no pensar, as pessoas não mais ponderam opiniões divergentes, o que fazem é
contestá-las e odiá-las. Com este aceleramento da vida, o olhar se acostuma a ver e julgar
parcialmente ou erradamente, assemelhando ao viajante que conhece terras e povos pela
janela de um trem.
Tal metáfora elucida a relação do professor/docente com a escola. Os
professores/docentes, ou um número bem grande deles, trabalham em pelo menos duas
escolas distintas. Ele não faz parte da escola, ele passa pela escola, só consegue vê-la através
da janela do trem. Até porque do outro lado da janela é mais seguro. Como pode o
professor/docente transformar-se em professor/maestro e formar o outro, se existe entre ele e
o aluno/outro, um vidro, às vezes, muito espesso, onde não é possível sequer ouvi-lo, onde só
é possível ver, sem muita nitidez, sua imagem? Não é possível formar então? Queremos
mostrar isso, que a escola no molde em que ela se encontra hoje, não tem por objetivo formar.
Acreditamos que formar se dê de outras maneiras. Acreditamos em um formar tal qual
relatado por Foucault (2010), um formar baseado na maestria. Mas um formar baseado na
maestria é um formar baseado na relação com o outro, no diálogo.
Foucault (2010) relata esta formação pela maestria, nos diálogos socrático-platônicos,
por três tipos de relação com o outro indispensável para formação do sujeito. A primeira a
maestria do exemplo, onde o que forma, o mestre, deveria ser um modelo de comportamento,
modelos que poderiam ser transmitidos pela própria tradição, os heróis, os grandes homens
que se aprende a conhecer por meio das narrativas de seus feitos. A próxima seria a maestria
da competência, ou seja, a simples transmissão de conhecimentos, princípios, aptidões,
habilidades aos mais jovens. E por último, a maestria socrática, a maestria do desembaraço e
da descoberta, exercida por meio do diálogo. O objetivo central da maestria socrática está em
fazer com que o outro abandone a sua ignorância.
Nietzsche (2012) relata que a função do educador, ou seja, do mestre deve ser ao
mesmo tempo “asas” e “freio”. Pois sua função é guiar o outro enquanto aquele que se
autoforma. No entanto, para isso tal mestre deveria ter um domínio de si capaz de se proteger
contra a vulgaridade daqueles espíritos da manada. Ou seja, tanto na maestria de Foucault,
quanto na função do educador de Nietzsche, o que está em jogo são as relações construídas
com o outro.
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Assim, afirmamos que a formação só ocorre pela relação, não há formação na
informação. Mais que isso, acreditamos na formação de um ser que cuide de si mesmo, que se
conheça primeiramente, só após isso, é possível uma formação com o outro. Enquanto
professores/maestros não formamos nossos alunos, nos formamos junto a nossos alunos. Mais
que isso, só é possível formar quando nos descobrimos ignorantes. Conforme Foucault (2010)
a partir de um status de ignorância, tem-se a necessidade de ser ensinado e tem-se necessidade
de um mestre. Inversão na prática pedagógica não é o professor/mestre que busca os alunos e
os motiva, mas sim os alunos que buscam os professores/mestres para aprendizado. Não
acreditamos no professor de hoje como mestre, pois a escola de hoje não forma, se ela faz
alguma coisa, é informar alguns.
VII
Vivemos um mundo Pop. Um mundo repleto de conexão com o nada, o mundo do
facebook, o mundo das mil amizades sem que precisemos ter relação pessoal com nenhuma.
Enfim, vivemos o mundo da amizade sem relação. Vemos uma cultura Pop sendo celebrada
na sociedade e também na escola, um mundo que dá crédito a enormes produções do mesmo,
de eventos em que a cultura e a formação passam longe. Uma escola que privilegia e que faz
questão de colocar nas páginas de um jornal local sua “semana cultural”, ou seja, seus alunos
mostrando seus talentos na dança ou na música. Não queremos dizer que isso seja ruim, de
fato, isso não é ruim, é protagonismo. Abrir a escola para o que o aluno de fato quer fazer é
uma grande atitude daqueles que se encontram dentro da escola. O ruim é usar isso para
mascarar a realidade da própria escola que não forma ninguém, não tem cuidado com seus
alunos e professores que existe para formar manadas aquietadas. Vivemos em uma escola que
passa seu planejamento pedagógico pensando quais os eventos que poderão ser realizados
durante o ano. Mas só faz isso, pois cada evento significa uma semana a menos de desgaste
por parte dos professores/docentes. Uma semana a menos de escola. Pois o dia-a-dia é
insuportável para quem esta lá dentro.
Mas isso não cabe a uma escola Pop. Não cabe a uma escola Pop lembrar aos outros
que os alunos não têm cadeiras e carteiras que os caibam para estudar. Não cabe lembrar que
as portas da escola não têm maçaneta e que a escola passou um ano sem televisão ou
computador, pois tudo foi roubado no período de férias. Não cabe lembrar que o som que é
tocado no dia da semana cultura é emprestado porque a escola não tem uma caixa de som.
Não cabe lembrar também que nesta escola as crianças passam fome e vivem em barracos
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com seus seis ou sete irmãos. Não cabe lembrar em uma escola Pop que seus alunos
reclamaram o ano inteiro das pedras que eram arremessadas no interior da escola. E não cabe
neste mundo pop dizer que a responsabilidade de tudo isso são daqueles que poderiam fazer
algo para melhorar tal realidade.
Não, este tipo de informação não é o tipo de informação de uma escola Pop. Saber
que os professores só fizeram a semana cultural, para sair da sala de aula com seus alunos,
pois, na escola não existe outro espaço além do da sala de aula, não é informação para um
mundo Pop. Tudo na escola Pop tem que ser de fácil aceitação, tudo muito doce, muito
açucarado, tudo que vale nesta escola Pop é agradar a todos. O importante é que todo mundo
saia satisfeito. Contrariar as opiniões e pensamentos de alguém, isso não pode em uma escola
Pop. Manadas não gostam de perguntas, angústias, dúvidas, incertezas e agitação. Tudo deve
ser calmo, quieto, antidepressivo para que o mesmo siga em frente.
VIII
No ano de 2013, uma professora de Matemática do oitavo ano de uma escola no
interior de São Paulo, esta mesma relatada das semanas culturais pop, pediu aos alunos que
escrevessem em um caderno, chamado caderno de afetos, quando e se tivessem vontade
aquilo que os atingia, os marcava ─ para o bem ou para o mal ─ dentro da escola. Em uma
das páginas de um caderno de afetos, um aluno relatou uma afetação para exemplificar uma
das reais necessidades da escola.
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Mas como mudar isso? Precisamos de alguém que não concorde em mascarar a
realidade com superproduções. Que denuncie a falta de tudo, que não aceite uma semana de
paz e o resto de sacrifício. Mas para ir contra esta forma pop de escola, só os espíritos livres
de Nietzsche.
Quando Nietzsche escreve Humano, Demasiado Humano: um livro para espíritos
livres, ele nos descreve o que entende ser um espírito livre, “[...] É chamado de espírito livre
aquele que pensa de modo diverso do que se esperaria com base em sua procedência, em seu
meio, sua posição e função, ou com base nas opiniões que predominam em seu tempo.”
(NIETZSCHE, p. 143, 2005). Sendo assim, um espírito livre seria um ser que pensa diferente
do que se espera dele, em contraposição com os pontos de vista de sua época histórica.
No entanto, o espírito livre, conforme o autor, não é encontrado facilmente, ele é
exceção. O que encontramos em demasia são os espíritos cativos. Estes espíritos cativos
acreditam que os princípios que regem os espíritos livres tem origem na vontade de ser
notado, na necessidade de ir contra uma moral estabelecida, são sempre inconvenientes. Outra
característica imposta a eles é que seriam excêntricos e agitados; mas este jeito de pensar faz
um testemunho errado dos espíritos livres.
Espíritos livres não seguem a regulação imposta por determinada geração, precisam
falar, necessitam manifestar seu pensamento. A simples ideia de repressão os leva a luta, os
faz resistir. Os espíritos livres levantam discussões, não aceitam ideia pré-concebidas. Por
conta disso, são visados, massacrados, entendidos como aqueles que são do contra. Dentro da
escola, os espíritos livres seriam aqueles que nunca aceitam de primeiro momento as ordens
impostas, ideias fundamentadas no hábito, no senso comum. Seriam os que reclamam,
clamam por modificações. São os que dizem não ao espírito de manada.
Conforme Nietzsche (2005) não existe uma única forma de origem para os espíritos
livres. E também um espírito livre não está sempre certo. Não é isso que está em jogo. A
questão é que o espírito livre terá a sua verdade ao seu lado, ou pelo menos será um ser em
busca dela.
Precisamos de espíritos livres na escola, precisamos de professores/docentes/mestres
de espíritos livres. Pessoas que não aceitem que outros mascarem a realidade. Pessoas que
mostrem a escola como ela é e não como queriam que fosse o ano inteiro. Mascarar a
realidade é agradar os outros e não agradar a si próprio. É não cuidar de si próprio enquanto
participante e sujeito da sua escola. Mas ser espírito livre em uma escola é ser duro demais, é
ser escandaloso é dizer que a cultura pode ser Pop, a escola pode ser Pop, até a forma pode ser
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Pop. Mas o conteúdo não é Pop. O conteúdo não é de acordo com o gosto da maioria, o
conteúdo é pessoal, individual, transformador de si mesmo e em si mesmo. Muitos podem
achar tais palavras duras demais, mas um espírito livre não muda o que pensa, não conserta,
não manipula suas palavras para agradar os outros. Um espírito livre não se abala porque
outros discordam dele. Enfim, um espírito livre vive por si só, mas sempre em relação com os
outros.
Posfácio
E assim a escola vai criando um movimento próprio, que não é um espaço de
formação. No entanto, os slogans continuam. As afirmações molares baseadas na igualdade,
na democracia, na aprendizagem significativa, estão em voga e integram um discurso, que na
prática é inviável. Ao olharmos a escola veremos uma tentativa de comunicar a informação
seja ela produzida por livros didáticos, mídias ou até mesmo o que é mais discutido via
facebook. Mas sempre comunicar, uma relação unilateral que se faz só, que se faz para
ninguém.
E desta forma, o rizoma escola vai sendo constituído, ora por uma linha de força ora
por outra. Linhas de força que produzem subjetivações e que pertencem a um fora. Sabemos
que este fora, cujas dobras constituem o sujeito, é o reino do devir, uma tempestade de forças,
o não estratificado, o informe, um espaço anterior, de singularidades, no qual as coisas não
são ainda. O lado de fora é uma dimensão, sem forma específica, onde circula uma
pluralidade de forças. Nesta dimensão nada é determinado, tudo está para acontecer.
(DELEUZE, 2005).
E assim, embora façamos de tudo para arrumar, organizar, determinar nossa vida,
produzir nossa prática, o que percebemos é que como a vida é em si mesma um rizoma,
acontece que uma linha de força corta a estrutura que nós mesmos criamos, afinal nós
próprios criamos estruturas dentro de nós. As linhas de força quebram as estruturas,
atravessam-na, destroem movimentos molares criados por nós mesmos, desconstroem nossas
verdades universais e imutáveis. Transformando a estrutura novamente em rizoma, criando
novos espaços de convivência, criando novos territórios e nos desterritorializando do que
antes acreditávamos que pertencia-nos.
Deleuze e Guatarri (1995) já diziam que o pensamento não é arborescente e o cérebro
não é uma matéria enraizada. [...] A descontinuidade das células, o papel dos axônios, o
funcionamento das sinapses, a existência de microfendas sinápticas, o salto de cada
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mensagem por cima destas fendas fazem do cérebro uma multiplicidade. (Deleuze e Guatarri,
1995, p. 24).
Por fim, afirmamos: o que escrevemos não é linear, pois, não somos lineares.
Escrevemos conforme Deleuze e Guatarri (1995), a partir de uma memória curta em relação à
escola. Uma memória que pode acontecer à distância, vir e voltar muito tempo depois, mas
sempre em condições de descontinuidade, de ruptura, de multiplicidades. Ou seja, esta escrita
é pedaços de nossas práticas e de práticas de colegas professores, enquanto docentes na
escola, juntamente com as leituras que fizemos até então.
REFERENCIAS
DELEUZE, Gille. Foucault, São Paulo: Brasiliense, 2005.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquisofrenia, vol 1. Tradução
de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Ed.34, 1995.
FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do Sujeito. 3 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005.
HUGHES, John. O clube dos Cinco. Produção e direção de John Hughes. Universal Pictures
do Brasil, 1985. Dvd ( 97 min.). legendado. Port.
Som.
PITTY. Admirável Chip Novo. 2011. Disponível em <
http://www.vagalume.com.br/pitty/admiravel-chip-novo.html> Acesso em: 20 de Abril de
2014.
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