PROTEÇÃO JURÍDICA DO PORTADOR DO VÍRUS HIV
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PROTEÇÃO JURÍDICA DO PORTADOR DO VÍRUS HIV
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DP TRABALHO ESMAT DENISE CARNEIRO SANTOS PROTEÇÃO JURÍDICA DO PORTADOR DO VÍRUS HIV: Análise da Despedida Arbitrária do Soropositivo JOÃO PESSOA 2010 2 DENISE CARNEIRO SANTOS PROTEÇÃO JURÍDICA DO PORTADOR DO VÍRUS HIV: Análise da Despedida Arbitrária do Soropositivo Monografia apresentada à Banca Examinadora da Escola Superior da Magistratura do Trabalho – ESMAT, como exigência parcial para obtenção do grau de Especialista em Direito do Trabalho e Direito processual do Trabalho Área: Direito do Trabalho Orientador: Ms. Sérgio Cabral dos Reis JOÃO PESSOA 2010 3 DENISE CARNEIRO SANTOS PROTEÇÃO JURÍDICA DO PORTADOR DO VÍRUS HIV: Análise da Despedida Arbitrária do Soropositivo Banca Examinadora: Orientador Membro da Banca Examinadora Membro da Banca Examinadora 4 À minha família e ao meu amor. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, por me proporcionar tantos momentos maravilhosos, por ser minha fortaleza nas horas de angústia, por ter me dado o dom da vida. A Deus, por ter me dado a família mais preciosa do mundo, que sempre me apóia e me conforta. Um pai ensinador, honesto, brincalhão, exemplo. Uma mãe que carrega no colo se puder, a ternura em forma de mulher. Uma irmã-amiga, uma amiga-irmã. A Deus, por Bruno na minha vida, a pessoa mais compreensiva do mundo, que sempre me deu forças para continuar a buscar meus sonhos, a melhor pessoa que eu poderia ter ao meu lado, o meu amor. A Deus, pelo meu Tio Francisco Carneiro, fundamental para a conclusão dessa especialização. A Deus, pelo meu Professor Orientador Sérgio Cabral dos Reis, que muito me ajudou na elaboração deste trabalho com suas orientações precisas, com sua atenção. A Deus, por meus amigos queridos, pelos momentos de alegria com eles garantidos, pelo apoio e pela torcida por meu sucesso acadêmico e profissional. 6 RESUMO Este trabalho monográfico trata da proteção jurídica viável ao portador do vírus HIV no âmbito das relações de emprego. O indivíduo soropositivo é vítima diária de atitudes discriminatórias, visto que a AIDS, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é encarada como estigma, sendo constantemente associada pela sociedade a pessoas de comportamento considerado desregrado, entre elas, usuárias habituais de drogas ilícitas e adeptas de práticas homossexuais. Além da discriminação no âmbito das relações sociais, estes indivíduos também são segregados no âmbito da relação de emprego, situação que, além de causar constrangimento e sofrimento, fere o princípio da igualdade, a dignidade humana e o direito ao trabalho, todos assegurados por nossa Carta Magna. Fervorosa é a discussão entre doutrinadores e magistrados acerca da possibilidade da dispensa arbitrária do empregado portador do vírus HIV caracterizar conduta discriminatória. Há quem defenda a possibilidade de reintegração quando o empregado soropositivo é dispensado desmotivadamente, se preenchidos alguns requisitos. Há quem sustente, entretanto, que por não existir previsão legal expressa que garanta a estabilidade do empregado soropositivo, este poderá ser despedido, desde que receba as devidas verbas rescisórias, com base no poder potestativo do empregador. Também é discutido o cabimento de danos morais ao empregado portador do vírus da AIDS, despedido arbritrariamente. Este trabalho tem como finalidade discutir sobre os instrumentos jurídicos que viabilizam a proteção do empregado portador do vírus HIV, sendo tais instrumentos analisados de forma crítica, a fim buscar soluções justas e pertinentes à situação fática. A proteção do indivíduo soropositivo é de suma importância social e especialmente no âmbito do direito do trabalho, pois é através da atividade laboral que é garantida a digna subsistência do homem. Enfatize-se que ainda são muitas as divergências entre doutrinadores e demais aplicadores do direito acerca de alguns instrumentos jurídicos que garantem a proteção do soropositivo nas relações de emprego. Tem como metodologia a vertente metodológica qualitativa, o método de abordagem dedutivo, o método sociológico de interpretação jurídica, sendo uma pesquisa exploratória, bibliográfica e documental, além da técnica de documentação indireta, a leitura crítica e interpretativa. Palavras-chave: Direito do Trabalho. Portador do Vírus HIV. Proteção Jurídica. Relação de Emprego. Dispensa Arbitrária . 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...............................................................................................9 CAPÍTULO I HIV/AIDS – SURGIMENTO, DISCRIMINAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO....................................................................10 1.1 Breves Noções sobre HIV/AIDS.............................................................10 1.2. O Surgimento da AIDS e da Concomitante Discriminação...................14 1.3 A AIDS como Problema do Ambiente de Trabalho...............................16 CAPÍTULO II DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E PRINCÍPIOS INDISPENSÁVEIS À ANALISE DE QUESTÕES ENVOLVENDO O EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV.........18 2.1 Direito à Vida.........................................................................................18 2.2 Direito à Saúde............................................................................................19 2.3 Dignidade da Pessoa Humana.....................................................................20 2.4 Princípio da Igualdade.................................................................................23 2.5 Princípio da Não Discriminação............................................................26 2.6 Direito ao Trabalho...............................................................................29 2.7 Princípio da Proteção.............................................................................31 CAPÍTULO III A QUESTÃO DA DESPEDIDA ARBRITRÁRIA DO EMPREGADO SOROPOSITIVO.............................................................33 3.1 Da Despedida Arbitrária de Empregado Soropositivo por Motivo de Discriminação................................................................................................38 3.2 Da Possibilidade de Indenização por Danos Morais...............................42 8 3.3 Da Não Utilização do Termo Aidético: dignificação do portador do vírus HIV............................................................................................................47 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................52 9 INTRODUÇÃO Como ocorreu nos séculos XXIII e XIV, quando a sociedade européia foi aterrorizada pela lepra, no início da década de oitenta, nosso mundo se viu novamente diante de uma estranha doença que atingiu primeiramente homossexuais jovens, acarretando sintomas graves e sempre ocasionando a morte dos doentes. Os cientistas desconfiaram de um novo vírus, quando jovens passaram a desenvolver doenças que só atingiam pessoas mais velhas e com a imunidade muito baixa, como o Sarcoma de Kaposi, câncer que ataca os vasos. Assim, em 1981, a doença foi chamada de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e seu surgimento se deu acompanhado da concomitante discriminação da sociedade. Devido ao fato da doença ter se manifestado primeiramente em homossexuais, as pessoas, inclusive os cientistas que cogitaram chamá-la de câncer-gay, passaram a associar os soropositivos à pessoas de vida desregrada, a pessoas que não respeitavam a moral e os bons costumes impostos pela sociedade. Do mesmo modo, os empregadores, muitas vezes pelo desconhecimento dos meios de contágio e prevenção da AIDS, passaram a discriminar os soropositivos, não os aceitando para ocupar funções laborais. Inúmeros empregados estão sendo despedidos por serem portadores do vírus da AIDS por flagrante e manifesta discriminação ou muitas vezes por atitudes discriminatórias disfarçadas pelo uso do poder potestativo de despedir do empregador. Há discussões sobre a possibilidade de reintegração dos empregados soropositivos despedidos arbitrariamente, devido ao fato de não haver lei específica destinada a este fim que abarque os portadores do vírus da AIDS. Também se discute o cabimento de danos morais ao soropositivo despedido por motivo de discriminação ou submetido a situações vexatórias. Assim, em vista das muitas situações que podem envolver o portador do vírus HIV no âmbito das relações de emprego, pretende-se discutir quais os meios jurídicos viáveis para garantir-lhe a proteção, pois devido à condição de soropositividade, muitas pessoas acabam tendo direitos fundamentais cerceados, inclusive no mundo do trabalho, pelo preconceito e discriminação. 10 Para realizar o trabalho foram utilizados alguns procedimentos metodológicos a fim de conferir um grau de cientificidade à pesquisa. A natureza da vertente metodológica desta pesquisa foi a qualitativa, pois o tema explorado acarreta fortes impactos na sociedade e, especialmente no âmbito do trabalho, pois envolve a proteção dos indivíduos soropositivos nas relações de emprego e a garantia de seus direitos fundamentais, como o direito à vida, à dignidade e ao trabalho, fundamentais para sua existência digna. O método de abordagem adotado foi o dedutivo, pois a partir de princípios e direitos gerais concedidos a todos os indivíduos e especificamente a todos os empregados, foram deduzidos os aplicáveis às condições do soropositivo no tocante ao âmbito das relações de emprego. O método de interpretação jurídica foi o sociológico, pois analisou os impactos que o tema abordado causa na sociedade e como podem ser solucionadas as questões que envolvem o portador do vírus HIV nas relações de emprego. Em relação ao objetivo geral, a presente pesquisa é classificada como exploratória, pois reflete sobre os mecanismos jurídicos viáveis na proteção do soropositivo, com base em assentamentos doutrinários e jurisprudenciais. Quanto aos procedimentos técnicos utilizados, a pesquisa é bibliográfica e documental, predominando o procedimento bibliográfico, devido ao uso de livros, artigos jurídicos, dissertações de pós-graduação, interpretações jurisprudenciais, além de leis e jurisprudências. A técnica de documentação foi a indireta, visto que não foi produzida doutrina, havendo uma pesquisa bibliográfica de livros, artigos, leis e jurisprudências. Sendo utilizados resumos e fichamentos das fontes como instrumentos de viabilização da pesquisa. No que concerne à leitura dos dados, foi utilizada a leitura crítica e interpretativa, com o sublinhamento dos trechos mais importantes e o registro de tópicos mais relevantes com a finalidade de facilitar a análise e compreensão das informações obtidas. Foram utilizados principalmente autores de livros que tratam especificamente sobre AIDS e HIV, além de livros de Direito do Trabalho e Direito Constitucional, entretanto, algumas obras da seara cível e previdenciária também serviram de base para a elaboração do presente trabalho monográfico. A metodologia descrita facilitou a produção desta monografia, para tanto, espera-se ter apresentado uma metodologia válida para a produção do presente trabalho. 11 Visando atingir o objetivo pretendido, o presente trabalho aborda no primeiro capítulo noções gerais sobre o HIV e a AIDS, como surgimento da doença, atuação do vírus no organismo, contágio e prevenção. Aborda também as repercussões do HIV no Brasil, no mundo do Trabalho e especificamente nas relações de emprego. O segundo capítulo trata dos princípios e direitos que são de fundamental importância à análise de questões envolvendo indivíduos soropositivos nas relações de emprego, princípios e direitos que devem nortear a interpretação e a aplicação da lei nos casos que envolvem portadores do vírus HIV, especialmente no âmbito do trabalho. Por fim, o terceiro capítulo discute principalmente como pode ser garantida a proteção do empregado soropositivo em face do poder potestativo do empregador. Serão abordados alguns mecanismos que podem viabilizar a proteção do indivíduo portador do vírus HIV no âmbito das relações de emprego, analisando situações por ele enfrentadas na constância e no término do vínculo empregatício. 12 CAPÍTULO I HIV/AIDS – SURGIMENTO, DISCRIMINAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO 1.1 Breves Noções sobre HIV/AIDS A AIDS, sigla da língua inglesa que significa Acquired Immunological Deficience Syndrome, traduzida para o português, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é uma doença cujo contágio se dá mediante o vírus HIV, o humam immunodeficiency virus ou vírus da imunodeficiência humana, em nosso idioma. Conforme explicam Arletty Pinel e Elisabete Inglesi1, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida foi assim chamada pela primeira vez em 1981, pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos. Por se tratar de um agrupamento de sintomas e sinais e não de apenas uma doença, adveio o termo síndrome. Explicam ainda que o termo imunodeficiência advém do fato do indivíduo infectado pelo vírus HIV ter seu sistema imunológico comprometido, se tornando mais frágil e passando a funcionar menos eficientemente, como decorrência disso a pessoa soropositiva se torna mais suscetível ao ataque de microorganismos e de agentes que normalmente não seriam ameaça ao ser humano. O termo adquirida é adotado devido à AIDS ser causada por um agente externo, decorrendo de contágio e não herdada geneticamente. O vírus da imunodeficiência humana pertence à classe dos retrovírus e sua descoberta, em 1983, foi realizada por dois grupos de cientistas, sendo um norte-americano, liderado pelo Dr. Robert Gallo, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, e outro francês, do Instituto Pasteur de Paris, liderado pelo Dr. Luc Montangnier. Entretanto foi o grupo norteamericano quem primeiro publicou a descoberta.2 Ao infectar um indivíduo, o vírus HIV pode permanecer inerte por vários anos, sem que a pessoa infectada apresente nenhum sintoma da AIDS; tal período é conhecido como 1 PINEL, Arletty; INGLESI, Elisabete. O que é AIDS. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 14. 2 Ibidem, p. 15. 13 fase assintomática3, na qual o corpo humano continua trabalhando normalmente, sem demonstrar sinais de portar o vírus, sendo o diagnóstico possível de ser realizado apenas mediante o teste de HIV. O vírus HIV se transmite através de sangue e outros líquidos contaminados, como sêmen, secreções vaginais e leite materno.4 Para que o contágio seja evitado deve-se sempre utilizar o preservativo em todas as relações sexuais, homossexuais ou heterossexuais, não compartilhar agulhas e seringas no uso de drogas injetáveis, exigir material descartável ou esterilizado em serviços de saúde, salão de beleza e em lojas de tatuagem e piercings. No caso do diagnóstico de mulher grávida portadora do vírus HIV, a gestante deve fazer uso de medicamentos anti-retrovirais, deve ser programada uma cesariana a fim de evitar o contágio no momento do parto, assim como a substituição do aleitamento materno através da utilização de bancos de leite humano5. Sabendo-se as formas de contágio, é possível a utilização de meios eficazes para o controle da infecção, sendo a pública divulgação destes meios de relevante importância para tanto. Quando o vírus HIV passa a atuar no organismo humano, o indivíduo se torna vítima em potencial de doenças oportunistas, pois as células do sistema imunológico passam a funcionar com menos eficiência e a habilidade do organismo em combater doenças diminui. Alguns fatores podem tornar mais rápida ou mais lenta a replicação do vírus, como enfatiza Hilário Valentim6: Além dos relacionados diretamente à pessoa do portador, a exemplo dos de natureza genética, há vários outros. São denominados co-fatores, e podem contribuir para aumentar ou diminuir a suscetibilidade individual à infecção, a exemplo de: condições ambientais; saneamento deficiente; influências psicossociais (tensão causada pelo estilo de vida sócia ou do trabalho, estresse, exaustão, depressão, ansiedade); desnutrição, maus hábitos de saúde e alimentares; drogas (tanto as prescritas por médicos quanto as ilícitas); germes diversos, que causam enfermidades; doenças. Como diabetes e câncer; tabagismo; álcool; gravidez; realização de cirurgia; outros. 3 O QUE É HIV. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMISF86565C9PTBRIE.htm>. Acesso em: 24/09/2007. 4 DST – DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS – AIDS. Disponível em: <http://www.dst.com.br/pag08.htm>. Acesso em: 20/02/2008. 5 TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/data/Pages/LA7BIE.htm>. Acesso em: 23/02/2008. 6 VALENTIM, João Hilário. AIDS e a s relações de trabalho: o efetivo direito ao trabalho. Rio de Janeiro, Impetus, 2003, p.34. 14 A partir deste trecho, concluímos que um ambiente sadio, tranqüilo, acolhedor e a garantia de uma subsistência digna, confortável e com acesso a medicamentos e boa alimentação facilitam a manutenção da qualidade de vida do soropositivo, atrasando a evolução da AIDS. Existe um período entre a infecção pelo HIV e a possibilidade de detecção de sua presença, mediante exames que confirmam a existência de anticorpos anti-HIV no sangue, sendo este período designado de Janela Imunológica. Tal período tem duração média de duas a doze semanas, entretanto pode se prolongar em alguns casos.7 No período da Janela Imunológica existe a possibilidade de um exame de detecção de HIV dar um falso-negativo, portanto, neste caso, o exame realizado neste período deve ser repetido após três meses para confirmação ou não do resultado. Este intervalo de três meses é suficiente para ocorrer a soro conversão se o indivíduo estiver infectado, que é o reconhecimento do HIV no organismo. Atualmente, a AIDS é reconhecida por ser uma doença de basicamente três fases: a assintomática, a chamada pré-AIDS ou Complexo Relacionado à AIDS e a da AIDS estabelecida de forma plena, valendo salientar que nem toda pessoa infectada pelo vírus HIV passará por todas as fases, podendo alguma delas ser suprimida.8 A fase assintomática é aquela em que o indivíduo infectado não manifesta sintomas da pré-AIDS ou AIDS propriamente dita, sendo apenas portador do vírus HIV. Entretanto esta pessoa já é capaz de transmitir o vírus para outra, condição em que viverá o resto de sua vida, sendo possível que uma pessoa infectada passe anos nesta situação de portador assintomático.9 Interessante ressaltar que alguns indivíduos, por razões desconhecidas, não desenvolverão a doença, permanecendo portadores assintomáticos por toda a vida, mas com capacidade de transmitir o vírus HIV. A segunda fase, a do Complexo Relacionado à AIDS, pode envolver vários sinais, como diarréias, febre persistente, perda de peso geralmente superior a dez por cento da massa corporal, perda das faculdades mentais, tremores, gânglios com aumento de volume persistente, cansaço, suores noturnos e outros.10 7 JANELA IMUNOLÓGICA. Disponível em: < http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMISF8656.htm>. Acesso em: 24/09/2007. 8 VALENTIM. Op. cit., p. 34-35, nota 6. 9 Loc. cit. 10 VALENTIM. Op. cit., p. 36, nota 6. 15 Tais distúrbios, muitas vezes, dificultam ou impedem que a pessoa infectada trabalhe, debilitam-na, mas geralmente não são fatais, sendo este um dos traços que diferenciam a segunda da terceira fase de manifestação do vírus, a da AIDS plenamente estabelecida. A terceira fase ocorre quando a pessoa infectada pelo vírus HIV é vítima de ao menos uma doença oportunista, potencialmente fatal, como o Pneucocystis carinii ou o Sarcoma de Kaposi11, um tumor de vasos, mas que quase sempre se manifesta na pele, com grandes ou pequenos tumores vermelho-arroxeados. Neste caso, a pessoa passa a ser chamada de doente de AIDS e não apenas portador do vírus HIV, visto que a doença se manifestou efetivamente. Assim, saliente-se que a pessoa infectada pelo HIV é apenas portadora do vírus, podendo desenvolver normalmente suas funções habituais e laborais, pois apenas a partir do momento em que a doença se manifestar de forma efetiva tal pessoa passará a ser doente de AIDS, sendo esta distinção de grande relevância para a análise de questões envolvendo o empregado soropositivo. 1.2. O Surgimento da AIDS e da Concomitante Discriminação A AIDS se tornou conhecida publicamente no início da década de 1980, entretanto pesquisas posteriores indicaram que nas décadas de 1950 e 1960 já havia casos de pessoas infectadas pelos vírus HIV em populações isoladas, como destaca Hilário Valentim12. Algumas teorias religiosas sustentam até hoje que a AIDS é, na verdade, um castigo divino atribuído às pessoas que vivem no pecado. Tais idéias são, acima de tudo, preconceituosas e só colaboram ainda mais com a estigmatização dos portadores do vírus HIV, devendo, assim, serem combatidas. Contudo, em meio a várias teorias apresentadas, desde o início da década de 1980 a causa da AIDS tem sido atribuída ao vírus HIV, o Vírus da Imunodeficiência Humana, tendo tal tese aceitação mundial. O Doutor Robson Antão de Medeiros13 questiona o fato de já haverem pessoas infectadas na década de 1950 e, entretanto, o alastramento da doença só ter ocorrido trinta anos depois. 11 PASTERNAK, Jacyr. AIDS: síndrome da imunodeficiência adquirida. São Paulo, Editora Nacional, 1986, p.10. 12 Ibidem. p.13 e 14. 13 MEDEIROS, Robson Antão. A proteção do trabalhador portador do vírus HIV/AIDS: abordagem jurisprudencial. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico) – UFPB, João Pessoa, 2002, p.6. 16 Então explica que tal alastramento se deu com intervalo considerável entre os primeiros casos detectados pelos cientistas, provavelmente por causa do isolamento geográfico, pois não havia tantos meios de transporte ágeis entre continentes, como na década de 1980 e atualmente. Como os primeiros casos de infecção pelo vírus HIV divulgados ocorreram entre homossexuais, a doença foi inicialmente denominada de peste gay ou peste rosa, sendo esta última uma alusão ao símbolo utilizado pelos nazistas para identificar os homossexuais nos campos de concentração, um triângulo rosa invertido.14 Daí já se observa o caráter discriminatório da expressão inicialmente utilizada. Nos Estados Unidos, a doença era denominada de GRID, Gay Related Immune Deficiency, ou no vernáculo, Deficiência Imunológica Relacionada à Homossexualidade15, ou seja, a própria comunidade médica agiu de forma discriminatória, sem pensar nas conseqüências negativas que tal denominação poderia acarretar aos infectados pela doença e aos homossexuais em geral. Pinel e Inglesi16 explicam que após um tempo a denominação foi alterada, entretanto não se tornou menos discriminatória, pois ao se referirem à AIDS, profissionais de saúde e cientistas utilizavam o termo Doença dos Quatro Hs, por atingir principalmente os haitianos, hemofílicos, homossexuais e heroinômanos, usuários de heroína injetável. Corroborando com a informação da inicial associação da AIDS a estes grupos determinados, temos o trecho de Jacyr Pasternak17: O maior grupo de risco para a doença continua sendo o fato de ser homossexual: 76% dos casos norte-americanos e 85% dos casos brasileiros são homo ou bissexuais. (...) Em segundo lugar, no mundo todo, vêm os viciados em drogas de uso endovenoso (...) Depois vêm os haitianos, os hemofílicos e, finalmente, os que nada são do que foi citado acima. Este último grupo é preocupante, porque está aumentando em relação aos outros, e ele sugere que a doença tem capacidade de se expandir fora do ambiente ecológico que lhe é reconhecidamente próprio. Nota-se no trecho acima, escrito na década de 1980, que a AIDS era diretamente associada a estes grupos, que posteriormente passaram a ser chamados de grupos de risco. Além disso, podemos ver claramente que a maior preocupação externada pelo autor foi em relação à possibilidade da doença atingir outros grupos, não sendo demonstrado tanto cuidado 14 PINEL; INGLESI. Op. cit., p. 14, nota 1. Loc. cit. 16 Loc. cit. 17 Loc. cit. 15 17 com os inicialmente infectados, parecendo até que estes mereciam ser acometidos pela doença. A inicial discriminação e falta de sensibilidade com os infectados, comportamento comum entre profissionais da saúde e cientistas da época do surgimento da doença, logicamente contaminou o pensamento da sociedade, que passou a externá-lo estigmatizando os portadores do vírus HIV ao associá-los a pessoas de comportamento duvidoso. A partir da metade da década de 1980 começou a haver uma mobilização mundial contra a infecção, sendo um grande marco nesta luta contra a AIDS a designação, em 1987, do dia primeiro de dezembro como o Dia Mundial da AIDS. Esta data, criada a fim de estimular o sentimento solidário na sociedade em relação aos portadores do vírus HIV e de incentivar a busca por melhores meios de combate à doença, foi designada pela Assembléia Mundial de Saúde, com apoio da Organização das Nações Unidas18. Assim, deve haver a conscientização dos infectados para que sigam corretamente os tratamentos e tomem as devidas precauções, a fim de evitar o contágio de outras pessoas. Já as pessoas não infectadas, além de tomarem medidas de proteção, não devem agir de forma discriminatória, e sim tentar proporcionar aos soropositivos um ambiente acolhedor, que contribua para uma maior qualidade de vida e para que esta vida seja revestida de dignidade. 1.3 A AIDS como Problema do Ambiente de Trabalho É constatado que a maior taxa de infecção pelo vírus HIV se encontra entre a população de 15 a 49 anos, ou seja, entre a força produtiva de nosso país, dados do Ministério da Saúde, divulgado no site do Governo Brasileiro, anteriormente citado. Desde a década de 1980, no início da propagação da doença de forma mais efetiva, as empresas públicas e privadas preferem segregar as vítimas do vírus HIV, dando-lhes o rótulo de pessoas de vida desregrada e tentam desassociar a AIDS do local de trabalho, no lugar de oferecerem o apoio devido aos empregados infectados. Entretanto, mesmo sendo mínima a chance de infecção pelo vírus HIV no ambiente de trabalho, a AIDS é um problema tanto de empregados como de empregadores, pois atinge especialmente pessoas em faixa economicamente ativa. 18 CAMPANHAS. Disponível Acesso em: 26/02/2008. em: <http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMISBCF34169PTBRIE.htm>. 18 Assim, deve haver a conscientização da importância da participação de empregados e empregadores nas campanhas de prevenção contra AIDS e na divulgação de informações sobre a doença, como meio de combate de infecções, além da diminuição do preconceito e das manifestações de discriminação. No ano de 2006, apurou-se a existência de cerca de 26 milhões de trabalhadores infectados pelo vírus da AIDS, situação que atinge tanto os portadores do vírus e suas famílias quanto as empresas em que trabalham, acarretando reflexos negativos para o desenvolvimento econômico, pelo aumento de gastos com previdência e saúde pública, além da diminuição de renda, com conseqüente minoração do poder de compra19. Estima-se que, não se tornando mais fácil o acesso aos medicamentos oferecidos para tratamento da doença, o número de mortes de trabalhadores vítimas do vírus da AIDS aumentará expressivamente até o ano de 2015, tornando-se uma das principais causas de mortalidade entre os trabalhadores20. O ambiente de trabalho pode auxiliar na divulgação de informações acerca da AIDS, além de oferecer apoio aos empregados portadores do vírus HIV, adotar medidas de prevenção e tornar-se mais adequado e favorável à manutenção da saúde dos empregados soropositivos. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho, a OIT, visa combater a discriminação contra empregados soropositivos e fortalecer a implementação de programas especificamente direcionados para AIDS no local de trabalho, com o objetivo de combater a epidemia. 19 ABRAMO, Lais. HIV/AIDS e o mundo do trabalho: a missão da OIT no combate à epidemia. 2006. Disponível em:< http://www.oitbrasil.org.br/news/artigos/ler_artigos. php?id=1600>. Acesso em: 27/02/2008. 20 SOMAVIA, Juan. HIV-AIDS nos locais de trabalho. 2005. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/prgatv/prg_esp/hiv_aids.php>. Acesso: 27/02/2008. 19 CAPÍTULO II DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E PRINCÍPIOS INDISPENSÁVEIS À ANALISE DE QUESTÕES ENVOLVENDO O EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV 2.1 Direito à Vida Antes mesmo da existência de direitos e de leis para assegurá-los, nos mais primórdios tempos, sempre foi inerente ao homem o instinto de sobrevivência e de proteção da vida, o mais precioso bem que temos e que deve ser preservado. Assim, anteriormente deve ser garantida a vida para que possam existir e serem exercidos os demais direitos e garantias fundamentais, sendo, por isso, o direito à vida o de mais relevância no âmbito internacional e nacional. O direito à vida é direito da personalidade e inviolável, conforme nossa Constituição Federal21 determina no caput de seu artigo 5º, devendo ser tutelado pelo Estado. Portanto, ninguém pode ser arbitrariamente privado de sua vida, cabendo punição ao indivíduo que atentar contra este direito. Nosso ordenamento jurídico defende a vida como direito fundamental do homem, punindo as práticas que contra ela atentam, como as elencadas no Código Penal22, no Capítulo dos Crimes Contra a Vida, do art. 121 ao art.128. Entre elas temos o homicídio e o aborto, além da proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, determinada no art. 5º, XLVII da Constituição Federal23. Logo, afere-se que tal direito é considerado primordial por nosso legislador, merecendo proteção especialmente em nosso ordenamento jurídico, visto que em outros Estados a pena de morte, por exemplo, é permitida. 21 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil . In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit., p.43, nota 59. 22 BRASIL. Código Penal. In: Ibidem, p. 448. 23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Ibidem, p. 45. 20 Entretanto, como explica Alexandre de Moraes24, o direito à vida não deve ser interpretado apenas como o estrito direito de viver e permanecer vivo, mas deve ser encarado sob o prisma da existência de vida digna, do respeito à dignidade da pessoa humana, pois a vida por si só não basta, esta deve ser proporcionada juntamente com, ao menos, as condições mínimas necessárias de saúde, educação, alimentação. A garantia do direito à vida deve ser conferida a todos os indivíduos, sem discriminações, logo o portador do vírus HIV também é destinatário deste direito fundamental. E usando da interpretação mais ampla do direito à vida, concluímos pela necessidade de que esta vida seja garantida de forma digna a todos, inclusive ao indivíduo soropositivo. No que se refere ao empregado portador do vírus HIV, é essencial que ele se mantenha exercendo uma atividade laboral, pois é o meio eficaz para garantir a subsistência e a manutenção da vida de forma digna, visto que, sem salário, o acesso à alimentação, vestimenta, lazer e a outros elementos indispensáveis à vida se torna bem mais difícil. Pelo mesmo motivo, o tratamento conferido ao empregado HIV positivo não pode ser discriminatório, deve ser acolhedor e humano, a fim de que ele se sinta bem exercendo suas funções laborais e não se sinta constrangido por sua condição de soropositivo. 2.2 Direito à Saúde Em conseqüência do direito à vida, temos a saúde como direito social do homem assegurado no art. 6º de nossa Carta Maior. Conforme explica Hilário Valentim25, o direito à saúde é um instrumento para que se realize o direito à vida, como o direito de greve é mecanismo que visa propiciar os demais direitos trabalhistas. O art. 196 de nossa Constituição Federal26 determina da seguinte forma: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. 24 25 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15ª edição. São Paulo: Atlas, 2004, p.67. VALENTIM. Op. cit., p. 111, nota 6. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit., p.89, nota 59. 26 21 Por isso, a saúde do portador do vírus HIV deve ser garantida do mesmo modo que aos outros indivíduos, sendo obrigação estatal assegurar, por exemplo, o fornecimento de coquetéis anti-retrovirais gratuitamente às pessoas destituídas de recursos financeiros, como forma de garantir o direito à saúde e conseqüentemente à vida do soropositivo. O empregador também deve permitir a saída do empregado para realização de exames e consultas médicas, a fim de promover a manutenção de sua saúde e qualidade de vida, podendo caracterizar a proibição de tal saída o cerceamento do direito à saúde e, conseqüentemente, à vida. Ao ser infectado pelo vírus HIV, o indivíduo sofre grande impacto, muitas vezes sendo vítima de depressão, assim, além de enfrentar a situação de ser soropositivo, sabendo que tal condição até o momento poderá levá-lo à morte, não há necessidade de submetê-lo a tratamento vexatório e discriminante, o que pode agravar seu estado de saúde e abreviar sua vida. Logo, a proteção contra discriminação e contra o tratamento desumano também é medida que proporciona a manutenção do direito à saúde do indivíduo soropositivo e conseqüentemente do direito à vida, devendo ser garantida no âmbito social e no âmbito do trabalho. 2.3 Dignidade da Pessoa Humana A dignidade da pessoa humana é o direito e princípio base da maioria dos ordenamentos jurídicos, inclusive do nosso, entretanto durante muito tempo foi observado apenas como coadjuvante, só adquirindo mais força após a Segunda Guerra Mundial, tanto em instrumentos internacionais quanto em Constituições Nacionais, conforme relata Jean Jacques Israel27. O conhecimento e divulgação das atrocidades dos regimes fascista e nazista, após o fim da Segunda Guerra, fizeram brotar o desejo e necessidade de se promover internacionalmente a proteção do homem, com ênfase na dignidade da pessoa humana. 27 ISRAEL, Jean Jacques. Direito das liberdades fundamentais. Tradução de Carlos Souza. São Paulo: Manole, 2005. p. 387. 22 Para Ingo Wolfgang Sarlet 28, a conceituação precisa e clara do que seja dignidade da pessoa humana é difícil, pois além de possuir natureza polissêmica, seus contornos são vagos e imprecisos. Fala ainda que a dignidade da pessoa humana não deve ser associada exclusivamente a uma qualidade inerente à natureza dos homens, mas que esta também possui um sentido cultural, sendo resultado do trabalho da humanidade como um todo. Assim, as dimensões natural e cultural da dignidade da pessoa humana interagem entre si, complementando-se. Mesmo enfatizando a dificuldade de conceituação da dignidade da pessoa humana, Sarlet29 a define da seguinte forma: Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. Assim, não apenas o Estado deve se encontrar vinculado à da dignidade da pessoa humana, mas a comunidade como um todo também deve se comportar atrelada a este direito princípio. Sendo assim, pelo fato da dignidade humana ter cunho igualitário e solidário entre os homens, vincula também as relações que ocorrem entre particulares e não apenas as que envolvem o Estado. A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, conforme o artigo 1º, inciso III, da nossa Magna Carta30, devendo informar todas as relações jurídicas, pois o Estado existe em função da pessoa humana, sendo o ser humano finalidade precípua da atividade estatal, como destaca Sarlet31. Constitui o próprio fundamento dos direitos humanos, assim, Arion Sayão Romita32 explica que os direitos do homem configuram uma forma cada vez mais amplamente compartilhada, que visa concretizar determinadas exigências emergentes da própria idéia de 28 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 39-46. 29 Ibidem, p. 59-60. 30 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit., p.43, nota 59. 31 SARLET. Op. cit., p. 65, nota 69. 32 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p.140145. 23 dignidade. Quando um dos direitos humanos é violado, a própria dignidade da pessoa humana é ofendida. Salienta ainda que a dignidade da pessoa humana não se restringe apenas à existência de direitos fundamentais, mas que o indivíduo só terá sua dignidade respeitada enquanto seus direitos fundamentais forem observados e garantidos. Antes mesmo de ser inserido em nosso ordenamento jurídico como fundamento na Constituição de 1988, a dignidade da pessoa humana já havia sido reconhecida como imprescindível princípio através da Declaração Universal dos Direitos Humanos33 de 1948. No início de seu preâmbulo, reconhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e estabelece que tal dignidade e os direitos iguais e inalienáveis do homem constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Além de expressar a reafirmação da fé dos povos das Nações Unidas nos direitos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana. Assim, a dignidade tem sido reconhecida, antes mesmo de ser inserida em nossa Constituição Federal, como fundamental ao homem, devendo ser assegurada e protegida pelo Estado, além de nortear o comportamento da sociedade e das relações jurídicas, quer envolvam entes estatais ou apenas particulares. Ela é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e da comunidade como um todo, como explica Sarlet34, pois é algo inalienável, que pertence a cada pessoa e não deve ser perdida. Assim, se o respeito à dignidade da pessoa humana deixasse de existir, não haveria mais limite a ser respeitado pelo Estado e pela comunidade humana. Quando vista como tarefa ou prestação, a dignidade da pessoa humana deve guiar as ações estatais e comunitárias, no sentido de preservar a dignidade já existente e no sentido de promovê-la, pois, muitas vezes, o indivíduo não é capaz de prover sozinho suas necessidades existenciais básicas, precisando da intervenção do Estado ou da comunidade. O filme O Jardineiro Fiel, de título original The Constant Gardener35, inspirado no livro de John Le Carré, retrata a situação de pessoas portadoras do vírus HIV que vivem na África e são submetidas a condições degradantes por serem encaradas como pessoas descartáveis pelo fato de portarem o tal vírus. 33 ONU. Declaração universal dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 19/03/2008. 34 SARLET. Op. cit., p. 47, nota 69. 35 O JARDINEIRO fiel. (The constant gardener). Direção: Fernando Meirelles. Produção: Simon Channing Williams. [s.l.]: Focus Features; Scion Films Limited; Potboiler Productions, 2005. 129 min, color. 24 Nesta ficção, que aborda casos não muito distantes da realidade em nosso planeta, empresas farmacêuticas testam novos medicamentos em pessoas soropositivas, defendendo que se ocorrer alguma reação adversa ou mesmo a morte de alguma dessas cobaias humanas, só estaria ocorrendo a antecipação do lógico fim de quem é infectado pelo HIV. No filme, as pessoas soropositivas são vistas como objetos descartáveis, sendo alvo de testagem de produtos ainda não seguros para o consumo humano. A finalidade das empresas farmacêuticas é demonstrada como sendo a busca pelo maior lucro possível em detrimento da dignidade humana dos portadores do vírus da AIDS. Infelizmente, o filme não retrata situação puramente fictícia, visto que todos os dias pessoas soropositivas são tratadas como se fossem descartáveis, como se mortas já estivessem, sem direito a uma vida digna e feliz. Com efeito, a dignidade do portador do vírus HIV deve ser assegurada pelo Estado, através da coibição de atitudes discriminatórias, pois os indivíduos soropositivos devem ser tratados com respeito e não serem vítimas de segregação. Deve haver também a conscientização da sociedade de que o preconceito existe, é letal e deve ser combatido tanto quanto o vírus que causa a AIDS. No âmbito do trabalho, especialmente, deve ser assegurada a dignidade do empregado quando este é infectado pelo vírus HIV, pois além de se encontrar no pólo mais frágil da relação de emprego, torna-se ainda mais fragilizado por sua condição de soropositivo, situação infelizmente estigmatizante. Assim, os empregados portadores do vírus HIV devem ser valorizados e tratados de forma respeitosa, sem violação de sua dignidade e de seus direitos fundamentais, valendo ressaltar que a manutenção do soropositivo no ambiente de trabalho, conforme já foi dito, colabora com a melhora de sua saúde, aumentando sua auto-estima; a segregação do âmbito social e laboral contribui para a piora do sistema imunológico do infectado. Para tanto, além da conscientização dos empregadores, deve haver também a conscientização dos empregados não infectados, pois não serão grandes os efeitos positivos se apenas o empregador contribuir para um ambiente laboral sadio e agradável; os empregados também devem agir a fim de acolher e não discriminar o colega soropositivo, que necessita de apoio e incentivo. 2.4 Princípio da Igualdade 25 Um dos mais importantes princípios do nosso ordenamento jurídico é o princípio constitucional da igualdade, consagrado no caput do artigo 5º da nossa Magna Carta36, que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Este princípio deve ser sempre observado pelo legislador, pelo intérprete da lei e pelo particular, conforme ensina Alexandre de Moraes37: O legislador; no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, as normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal. O intérprete/ autoridade pública não poderá criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. (...) Finalmente, o particular não poderá pautar-se por condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislação em vigor. Além disso, vale salientar que o princípio da igualdade não veda a desigualdade de tratamento propriamente dita, mas como enfatiza Alexandre de Moraes38, tal vedação é devida quando o tratamento desigual não possui justificativas objetivas e razoáveis, sendo arbitrário. Muitas vezes tal tratamento é necessário à ordem da sociedade, no tocante aos naturalmente desiguais. Hilário Valentim39 assevera que a concepção de tratar desigualmente os desiguais é na verdade uma evolução do princípio da igualdade, pois afirmar que todos são iguais perante a lei, sem observar as reais desigualdades dos indivíduos é insuficiente. Por isso foi necessário criar meios de corrigir tais desigualdades ou atenuá-las; desenvolver mecanismos que possam proporcionar uma compensação jurídica para os mais frágeis nas relações sociais, a fim de se conseguir uma igualdade efetiva ou algo mais próximo disto. Para Américo Plá Rodriguez40, a aplicação do princípio da igualdade deve ser realizada com base na distinção entre o que é elemento principal e o que é acessório na questão fática. O principal é a dignidade do indivíduo e o acessório são as particularidades de cada um deles. 36 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit., p. 43, nota 59. 37 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª edição. São Paulo: Atlas, 2004, p.67. 38 Loc. cit. 39 VALENTIM. Op. cit., p.122, nota 6. 40 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios do direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. 3 ed. São Paulo, Editora LTr, 2000. p.441. 26 Tal distinção revela que as pessoas devem ser tratadas de forma igual quando se encontram em situações semelhantes e não em situações diferentes. Fala ainda que tratar situações iguais diferentemente é tão injusto quanto tratar igualmente situações diferentes. Américo Plá Rodriguez41 enfatiza ainda que a aplicação do princípio da igualdade não se traduz em conceder a todos os empregados um benefício que certo empregado recebe por ser mais eficiente, por exemplo, mas em evitar que algum dos empregados seja prejudicado em relação aos demais. O fato de empregado ser tratado especialmente não fere o princípio constitucional, mas quando algum é tratado de forma desfavorável em relação à generalidade dos empregados o princípio da igualdade é desobedecido. Sobre o direito à igualdade, a Declaração Universal de Direitos Humanos42 dispõe da seguinte maneira: Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Assim, observa-se que o princípio da igualdade, além de ser um dos principais mandamentos do nosso ordenamento jurídico, tem extrema relevância no âmbito internacional. Hilário Valentim43 alerta que o princípio da igualdade possui correlação com o princípio da proteção, sobre o qual trataremos mais à frente, visto que muitas vezes a efetivação do primeiro se dará com a efetivação do segundo, ou seja, com a concessão de proteção ao indivíduo que se encontra em situação desigual em relação aos demais, para que se dê a efetiva igualdade entre eles. Na questão do empregado portador do vírus HIV, o princípio da igualdade é de extrema relevância, visto que deve ser dado a ele tratamento diferenciado em relação aos outros, 41 Loc. cit. ONU. Op. cit., nota 74. 43 VALENTIM. Op. cit., p.126, nota 6. 42 27 inclusive em relação aos com outras doenças, pois a AIDS além de debilitar o corpo até levar o indivíduo à morte, estigmatiza-o cruelmente. Infelizmente, mesmo com a informação sobre a AIDS cada vez mais difundida na sociedade e a divulgação de que não existem grupos de risco, mas comportamentos de risco, ainda é muito recorrente a associação dos indivíduos soropositivos à prostituição, ao uso de drogas e ao homossexualismo, motivando atitudes discriminatórias. Assim, a proteção do empregado soropositivo mediante o princípio da igualdade é necessária, diante das dificuldades por ele enfrentadas desde o momento do resultado positivo do exame de detecção do HIV e que se aumentam com a evolução da doença, inclusive sendo necessárias, muitas vezes, medidas de adaptação da jornada de trabalho, da função ocupada, do local de trabalho. Entretanto, se o indivíduo soropositivo possui a capacidade laborativa intacta, podendo exercer suas atividades com a eficiência de qualquer outro empregado, deve ser garantido a ele as mesmas condições de acesso ao emprego, deve ser tratado como igual, pois igual é. Além disso, exercer uma atividade laboral é de extrema importância para a melhora da saúde e manutenção da qualidade de vida do portador do vírus HIV, pois o trabalho aumenta o sentimento de satisfação pessoal, a integração em sociedade, o sentimento de realização profissional. Já a humilhação, a incompreensão, a discriminação, o estresse causado por tais atitudes e pela própria condição de ser soropositivo colaboram com o agravamento da doença, aumentando a vulnerabilidade a infecções, como explica Hilário Valentim44. Em vista disso, ao empregado soropositivo deve ser proporcionado um ambiente laboral livre de discriminações, onde se sinta acolhido e possa exercer suas funções da melhor forma possível, tendo assim melhores condições de manter sua subsistência digna, sua saúde e sua vida. 2.5 Princípio da Não Discriminação Muitas vezes o princípio da não discriminação e o principio da igualdade são confundidos, sendo algumas vezes o princípio da igualdade denominado de princípio da não discriminação, entretanto existe diferença entre eles. 44 Loc. cit. 28 O princípio da igualdade, conforme Américo Plá Rodriguez45, é mais amplo e mais ambicioso, também chamado de princípio da equiparação, visa conceder a todo trabalhador vantagem ou benefício igual ao percebido por outro trabalhador que realiza a mesma atividade ou atividade equivalente, entretanto deve servir para igualar a condição de desvantagem de certo indivíduo em relação aos demais. Já o princípio da não discriminação é, para Américo Plá46, a versão mais modesta do princípio da igualdade, que visa à proibição de introdução de diferenciações sem razões admissíveis. Tem o objetivo de eliminar as diferenciações que colocam o indivíduo em situação desfavorável sem motivo legítimo. Discriminação, para o Dicionário Houaiss47 é: Ato ou efeito de discriminar. 1 Faculdade de discriminar, distinguir; discernimento. 2 Ação ou efeito de separar, segregar, pôr à parte. 3 Tratamento pior ou injusto dado à alguém por causa de características pessoais, intolerância, preconceito. 4 Ato que quebra o princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas. Assim, discriminação significa separar indivíduos, segregá-los, dando-lhes tratamento desfavorável por motivos injustificáveis, como raça, religião, cor ou qualquer outra condição. Pode-se dizer ainda que é um conjunto de práticas adotadas por certos grupos que, por razões inadmissíveis, querem se afastar de outros grupos, causando-lhes um sentimento de inferiorização, conforme Henry Moore48, citado por Hilário Valentim. A Convenção Internacional nº. 11149, da Organização Internacional do Trabalho, adotada em Genebra, em 1958, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão, ratificada no Brasil através do decreto 62.150/68, define discriminação como: Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; Esta definição apresentada pela Convenção da OIT é bastante adequada, visto que engloba grande número de práticas discriminatórias e deixa espaço para enumeração de 45 RODRIGUEZ. Op. cit., p.442-444, nota 81. Loc. cit. 47 HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.1053. 48 MOORE (Apud VALENTIM, 2003). 49 GDDC – DIREITOS HUMANOS –INTRUMENTOS E TEXTOS UNIVERSAIS - Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textosinternacionais-dh/tidhuniversais/pd-conv-oit-111-emprego.html>. Acesso em: 21/03/2008. 46 29 outras, não sendo taxativa. Assim é totalmente possível a adequação deste conceito de discriminação ao caso do portador do vírus HIV, pois em 1958, momento da adoção da Convenção, a AIDS não era conhecida, nem repercutia na sociedade e no âmbito do trabalho como hoje o faz. O art. 3º, IV da Constituição Federal50 elenca entre os objetivos fundamentais de nossa República Federativa o de promover o bem de todos, sem preconceitos, sejam eles de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. No caso, ao utilizar a expressão quaisquer outras formas de discriminação, o legislador deixou clara a possibilidade de o indivíduo soropositivo ser incluído no rol dos protegidos de discriminação, visto que infelizmente a condição de infectado pelo vírus HIV é estigmatizante, devido à falta de informação e à insistente associação dos infectados a pessoas de vida desregrada. A discriminação no âmbito do trabalho deve ser combatida da forma mais ampla possível, seja ela no momento da admissão do indivíduo ao emprego, seja durante o vínculo empregatício, seja no momento da dispensa. Assim, no caso do portador do vírus HIV, o acesso ao emprego deve ser possível da mesma forma que aos demais indivíduos, visto que a pessoa quando infectada pode passar anos sem desenvolver a doença, podendo laborar como qualquer outra. No caso de doente de AIDS, deve-se analisar apenas se a pessoa está apta a desenvolver certa atividade no estágio evolutivo em que a infecção se encontra e não se fundar em discriminação pelo fato da pessoa portar o vírus HIV. Se o candidato a emprego está debilitado pela doença, não podendo desenvolver bem trabalho que exija demasiado esforço físico, é justificável que para tal emprego não seja admitido, entretanto se a atividade é intelectual e o indivíduo, mesmo debilitado fisicamente, pode realizá-la, sendo qualificado para tal, não deve ser rejeitado apenas por ser soropositivo. A exigência de exame de detecção de AIDS como requisito para ingresso no emprego configura atitude discriminatória, devendo ser coibida, para que seja proporcionada uma maior igualdade entre candidatos infectados pelo vírus HIV ou não. Na constância do vínculo empregatício são muitas as práticas discriminatórias ou que afrontam os direitos do empregado soropositivo, como a exigência de testes de detecção de 50 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit., p. 43, nota 59. 30 HIV, para mantimento do vínculo empregatício, a divulgação do estado de saúde do empregado. A imposição de óbice à promoção do empregado para cargo mais elevado ou mais bem remunerado, devido ao fato dele ser soropositivo, caracteriza a discriminação vertical, conforme explica Thereza Cristina Gosdal51. A humilhação e exposição a situações de constrangimento são completamente vedadas, pois além de afrontarem o princípio da não discriminação e da igualdade, vão contra a dignidade da pessoa do empregado soropositivo. No tocante à dispensa, esta não é vedada quando o empregado dá motivos para tal, agindo com desídia, não cumprindo suas funções, faltando constantemente sem motivos ou se enquadrando no rol do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho52 que enumera situações que constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. Entretanto, a dispensa imotivada do portador do vírus HIV tem sido entendida na maioria das vezes pelos Tribunais como discriminação indireta, modalidade em que não é exigida a prova da intenção com a qual o ato foi praticado. A discriminação ocorre indiretamente quando aquela prática, aparentemente neutra, acarreta efeito diferente ao recair sobre indivíduo que faz parte de grupo discriminado historicamente, conforme explica Luiz de Pinho Pedreira da Silva, citado por Hilário Valentim53, enquadrando-se perfeitamente neste caso o empregado soropositivo. A discriminação direta, entretanto, ocorre quando o empregador trata alguns empregados desfavoravelmente por se enquadrarem em certos grupos com um histórico de discriminação, como o de negros, o de mulheres e o de soropositivos, sendo exigida para incriminação do empregador prova da intenção de discriminar. Importante dizer que deve ser desassociada a idéia de infecção pelo vírus HIV à falta de perspectiva de vida, pois, com as inovações científicas, os tratamentos de combate à manifestação do vírus estão cada vez mais eficazes, proporcionando uma vida mais longa e com mais qualidade, além da doença em muitos casos demorar vários anos para começar a se manifestar. 2.6 51 Direito ao Trabalho GOSDAL. Thereza Cristina. Preconceitos e discriminações nas relações de trabalho. Disponível em: <www.prt18.mpt.gov.br/eventos/2006/preconceito/Preconceitos_e_Discriminacao_nas_relacoes_de_trabalho.do c>. Acesso em: 5/03/2008. 52 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit., p. 769, nota 59. 53 SILVA (Apud VALENTIM, 2003). 31 Conforme explica Alice Monteiro de Barros54, o termo trabalho deriva do latim tripaliare, significando martirizar com o tripalium, um instrumento romano de tortura, composto por três paus cravados no chão, em forma de tripé, onde os escravos eram torturados. Assim, inicialmente o trabalho teve sentido de dor, sofrimento, pena a ser paga pelos que infringiam regras. Na Renascença, o homem passa a ser engrandecido pela atuação livre e racional, o trabalho passa a ser visto como a verdadeira essência humana. A doutrina Cristã também denota o trabalho como atividade de valor, dando-lhe sentindo de reconstrução, pois visa resgatar a dignidade que o homem perdeu ao comer o fruto proibido por Deus, devendo ganhar o pão com o suor do seu trabalho conseguindo assim ser digno aos olhos do Criador. Assim, Alice Monteiro de Barros55, conclui falando que o trabalho tem caráter pessoal, constitui ato de vontade livre do ser humano, atua como meio de subsistência, de acesso à propriedade e cumpre um conjunto de funções sociais, reclamando, por isso, do ordenamento jurídico uma especial atenção. A Declaração Universal dos Direitos Humanos56 aborda o direito ao trabalho em seu texto da seguinte forma: 1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. Do mesmo modo, nossa Magna Carta, atrelou a dignidade do homem à execução de uma atividade laboral, enfatizando a importância do trabalho para subsistência digna do indivíduo e de sua família e a necessidade de proteção do direito ao trabalho, sem discriminações. O art. 1º de nossa Constituição Federal57 estabelece que um de seus fundamentos é o valor social do trabalho, define em seu art. 6º que o direito ao trabalho é um dos direitos sociais do homem e o protege da despedida arbitrária, no inciso I do art. 7º. 54 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p.49. Loc. cit. 56 ONU. Op. cit., nota 74. 55 32 Assim, o direito ao trabalho é um dos pilares que deve sustentar a organização econômica e social, ao lado da livre iniciativa, por mais contraditório que pareça, conforme o art. 170 de nossa Magna Carta58. Hilário Valentim59 explica, entretanto, que não existe contradição de fundamentos, nem dúvida sobre a interpretação do dispositivo constitucional, visto que os defensores do capitalismo poderiam interpretar como fundamento principal a livre iniciativa. Antes de elencar os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o legislador inscreveu a dignidade humana, optando em dar a ela mais importância, por estar acima no rol dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Ainda no caput do art. 170, nossa Constituição determina que a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa têm por fim assegurar a dignidade da pessoa humana, sendo o trabalho considerado em nosso Estado um elemento que dignifica a vida do homem, diferentemente do que ocorria na Antiguidade Clássica, quando o trabalho era sinônimo de pena, sofrimento. A associação do trabalho à vida digna decorre do fato de que o ser humano deve trabalhar para garantir sua sobrevivência, assim através do trabalho poderá conservar sua vida e a de sua família da melhor forma possível, além do trabalho ser importante para toda a coletividade, visto que o homem também depende do trabalho de outros para sobreviver. Fica clara a importância do trabalho para a coletividade se analisarmos uma sociedade sem médicos, sem professores, sem agricultores, sem engenheiros, sem pedreiros, apenas com advogados. O trabalho do advogado é de suma importância, mas sem a função do médico para garantir a saúde, sem professor para garantir a educação, sem agricultores para garantir a alimentação básica, sem engenheiros para projetarem obras e pedreiros para desenvolvê-las, seria difícil vislumbrar uma sociedade em funcionamento harmônico. Assim, o trabalho além de ser atividade que dignifica o homem, é bastante importante para a coletividade, sendo não apenas um direito, mas também um dever social, devendo ser protegido prioritariamente, antes mesmo do direito à livre iniciativa. A importância do trabalho se configura ainda maior para o indivíduo soropositivo, pois o faz se sentir útil e importante para a sociedade, aumentando sua auto-estima e ocupando sua mente, tão afligida pelo conhecimento de ser portador de um vírus que até o presente causa uma doença incurável. 57 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit. p. 43, nota 59. 58 Ibidem, p. 85. 59 VALENTIM. Op. cit., p 88, nota 6. 33 Logo, o direito ao trabalho também deve ser assegurado ao indivíduo soropositivo, como o é aos demais, pois o vírus HIV não é transmissível de trabalhador para trabalhador na maioria absoluta das ocupações laborais, não existindo risco de contaminação. O indivíduo soropositivo deve ter igual acesso ao trabalho, sendo vedadas condutas discriminatórias na admissão, na constância do contrato de trabalho e no momento da rescisão contratual. Além do direito ao acesso e manutenção do trabalho, deve haver medidas protetivas em vista da condição hipossuficiente e estigmatizante do soropositivo, como o direito a saídas para exames e consultas médicas e conscientização sobre a AIDS no local de trabalho, a fim de que os preconceitos sejam minados e o comportamento dos demais empregados seja menos discriminante, proporcionando melhor convivência no ambiente laboral. Em atenção ao direito fundamental ao trabalho como meio dignificante da vida, o portador do vírus HIV não deve ser despedido arbitrariamente, podendo tal conduta ser caracterizada como discriminatória. 2.7 Princípio da Proteção Luiz de Pinho Pedreira da Silva60 explica que para o Direito do Trabalho o princípio da proteção é o mais relevante e mais geral, de onde emanam os demais, constituindo simples derivações deste. Ressalta ainda que a proteção do trabalhador é a causa e a finalidade do direito do Trabalho, sendo fundadora desse direito. O Princípio da proteção é critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, conforme explica Américo Plá Rodriguez61·, que visa estabelecer amparo preferencial ao trabalhador, criando em torno dele uma teia de proteção, para atenuar no plano jurídico o desequilíbrio existente no plano do contrato de trabalho, alcançando uma igualdade substancial e verdadeira, como define Maurício Godinho Delgado62. Américo Plá63 entende que este princípio se manifesta através de três formas distintas, sendo elas: a regra in dúbio pro operário, a regra mais favorável e a regra da condição mais benéfica. 60 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p.26-27. RODRIGUEZ. Op. cit., p. 83, nota 81. 62 DELGADO. Op. cit., p.171, nota 58. 63 RODRIGUEZ. Op. cit., p. 107, nota 81. 61 34 A regra in dúbio pro operário é aquela que deve ser observada pelo aplicador da lei ou intérprete, devendo optar pelo sentido mais favorável ao trabalhador dentre aqueles possíveis. Já a regra da norma mais favorável é aplicável no caso de haver mais de uma norma pertinente ao caso concreto, devendo o operador da lei escolher a mais favorável, mesmo que não seja a mais clássica. Por fim, a regra da condição mais benéfica é o critério que determina que a aplicação de uma norma trabalhista não deve ocorrer a fim de deixar o trabalhador em situação pior ou menos benéfica do que a que se encontrava antes de sua aplicação. No caso do empregado portador do vírus HIV, fica evidente a necessidade da aplicação desse princípio no regimento do contrato de trabalho, visto que além de ser parte hipossuficiente por compor o lado mais fraco da relação contratual, é mais exposto a condutas discriminatórias por sua condição de soropositivo. Como foi dito, o princípio da proteção visa equilibrar a relação entre empregado e empregador, pois a simples igualdade jurídica não seria suficiente para equilibrar tal relação, onde um pólo é evidentemente mais fraco e carente de proteção. O empregador possui ao seu lado o fator financeiro, o poder econômico, o conhecimento técnico, o acesso fácil à informação, já o empregado geralmente se encontra em situação de inferioridade no que tange a esses aspectos. Assim, se juntarmos a tudo isto a condição do empregado portar o vírus HIV teremos um quadro de indiscutível hipossuficiência que precisa de proteção do nosso ordenamento jurídico. Em vista disso, o operador da lei deve aplicar o princípio trabalhista da proteção ao analisar as situações fáticas envolvendo empregados soropositivos, pois estes se encontram em situação de desequilíbrio, tanto por comporem o pólo hipossuficiente do contrato de trabalho, quanto pelo sofrimento físico e psicológico acarretado pela infecção do vírus HIV e pelas manifestações discriminatórias da sociedade. 35 CAPÍTULO III DA DESPEDIDA DO EMPREGADO SOROPOSITIVO: aspectos polêmicos 3.1 Da Despedida Arbitrária de Empregado Soropositivo por Motivo de Discriminação O trabalho dignifica o homem que o realiza e beneficia toda a sociedade, visto que os seres humanos nasceram para a vida em coletividade, necessitando uns dos outros, ou seja, as mais diversas atividades laborais são imprescindíveis para a harmônica sobrevivência dos empregados, empregadores e da sociedade como um todo. Neste contexto, a importância do trabalho se torna ainda maior para o indivíduo soropositivo, pois sua convivência em um ambiente laboral sadio colabora sensivelmente para a estabilização de sua saúde física e mental, pois desperta o sentimento de colaboração e utilidade, além de garantir seu sustento digno. Em certo período, como explica Américo Plá Rodriguez64, acreditou-se que o contrato de trabalho de trato sucessivo, por se prolongar no tempo, geraria o perigo de ressurgirem alguns meios de escravidão ou servidão, por isso o Código Civil Napoleônico, seguido como influência por grande parte dos códigos do mundo latino, dispôs ser proibida a contratação de serviços pessoais que não fossem prestados temporariamente. Notou-se, posteriormente, que o perigo estava exatamente no inverso, na instabilidade dos contratos temporários, pois, como diz Américo Plá Rodriguez65, a conservação da fonte de trabalho do indivíduo, além de transmitir tranqüilidade para o próprio empregado, é benefício para a empresa, pois contribui com o aumento do lucro, além de melhorar as relações sociais entre os contratantes. A CLT66·, de 1943, em seu art. 492, disciplinou o instituto da estabilidade, determinando que todo empregado que completasse dez anos de serviço na mesma empresa 64 RODRIGUEZ. Op. cit., p. 239, nota 40. Ibidem, p. 240. 66 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit., p. 770, nota 59. 65 36 não poderia ser despedido, exceto por prática de falta grave ou circunstância de força maior, devendo haver em ambos os casos a devida comprovação. A Lei 5.10767 de 1966 instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e, após ela, a Constituição Federal de 1967 estabeleceu um sistema em que o empregado poderia optar pela estabilidade conferida pela CLT ou pelo sistema de FGTS da Lei 5.107/66, no momento da contratação. Em 1988, nossa Constituição Federal68 acabou com a estabilidade do empregado ao inscrever no art. 7º, e inciso I de seu texto o seguinte: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; Ao redigir desta forma, o legislador passou a utilizar o pagamento de verbas rescisórias como meio de coibir a despedida arbitrária, não havendo mais a estabilidade decenal antes conferida ao empregado pelo nosso ordenamento jurídico. Assim, o empregador pode fazer uso de seu poder diretivo para despedir o empregado mesmo sem justificativa, bastando para isso que pague a indenização compensatória. Entretanto, com o advento da Lei 9.029/9569, a despedida arbitrária motivada por discriminação passou a ser proibida, passando a existir a possibilidade da reintegração do empregado vítima do ato discriminatório ou de sua justa indenização, estando exposto na lei da seguinte forma: Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, faculta ao empregado optar entre: I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais; II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais. Saliente-se primeiramente que, para o Direito, readmissão e reintegração não são institutos sinônimos. A readmissão gera efeitos ex nunc, assim o empregado retorna ao emprego sem receber salários relativos ao período em que o contrato de trabalho esteve 67 BRASIL. Lei 5107/66. Disponível em: < http://www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID=101342>. Acesso em: 14/04/2008. 68 BRASIL. Constituição (1988). In: Vade Mecum acadêmico de direito, Op. cit., p. 46, nota 59. 69 BRASIL. Op. cit., nota 74. 37 extinto, além de tal período não ser computado como tempo de serviço, conforme explica Arnaldo Süssekind70. Na reintegração os efeitos são ex tunc, pois além de o empregado retornar ao emprego, receberá os salários correspondentes ao período de inexecução do contrato e tal período será computado como tempo de serviço, como se nunca houvesse ocorrido a resolução do contrato de trabalho. Em vista disso, a Lei 9.029/95, ao tratar da readmissão do empregado com o pagamento das remunerações correspondentes ao período integral de afastamento, na verdade se remete ao instituto da reintegração. Ao formular esta lei, o legislador ponderou o poder diretivo do empregador e a dignidade da pessoa humana, optando logicamente pela proteção desta última, visto que é um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, como já foi dito oportunamente. A interpretação da Lei 9.029/95 pela maior parte dos Tribunais tem sido feita analogicamente e extensivamente, no sentido de enquadrar entre os motivos de discriminação a condição de soropositividade, tornando possível a aplicação do art. 4º da referida lei ao caso de despedida arbitrária de empregado soropositivo. Para fins de concessão da reintegração ao empregado com HIV, além da dignidade da pessoa humana, tem sido destacado o princípio da continuidade do emprego e da importância do trabalho para o indivíduo soropositivo. Sabendo-se que o contrato de trabalho é caracterizado por ser de trato sucessivo, como já foi dito anteriormente, a relação empregatícia, como destaca Américo Plá Rodriguez71, não deve ser efêmera, pois pressupõe uma vinculação que se prolonga, garantindo a tranqüilidade tanto do empregador quanto do empregado, que pode fazer um melhor planejamento de suas finanças e organizar sua vida familiar e em sociedade. Para o portador do vírus HIV, a continuidade do emprego tem importância ainda maior, visto os benefícios a ele conferidos pelo desenvolvimento de atividade laboral, estando esta diretamente ligada à manutenção da saúde e da dignidade humana do soropositivo. Assim, pela interpretação analógica da lei 9.029/95 e visando assegurar a dignidade humana e da continuidade do emprego, mostra-se viável e justa a possibilidade de reintegração do portador do vírus da AIDS. Entretanto, a reintegração do empregado soropositivo não pode ser concedida sem parâmetro algum, devendo ser considerados alguns aspectos na análise da situação fática. 70 71 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. 14 ed. São Paulo: LTr, 1993, p. 652/653. RODRIGUEZ. Op. cit., p.239, nota 40. 38 Primeiramente, a despedida, conforme determina o art. 4º da lei supracitada, deve se dar por motivo discriminatório e não por justa causa do empregado, pois tal dispositivo visa proteger o pólo mais fraco do contrato de trabalho da discriminação por parte do empregador e não amparar possíveis comportamentos desidiosos e irresponsáveis do empregado que se aproveita de sua condição de soropositivo. Os Tribunais têm entendido que para que seja caracterizada a discriminação, a constatação da infecção pelo vírus HIV deve se dar antes do rompimento do vínculo empregatício, devendo o empregador ser ciente da condição de soropositividade de seu empregado. 3.2 - Análise de Jurisprudências: o embate de correntes Nossos Tribunais tem caminhado no sentido de considerar discriminatória a despedida imotivada do empregado soropositivo, concedendo a ele a reintegração, entretanto ainda não é pacífico o entendimento por falta de lei reguladora. A seguir, analisaremos alguns julgados tratando da temática: RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO HIV. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. REINTEGRAÇÃO. A ordem jurídica pátria repudia o sentimento discriminatório, cuja presença na volutas que precede o ato da dispensa implica a sua ilicitude, ensejando a sua nulidade. O exercício do direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho encontra limites na hipótese de ato discriminatório, assim em função do princípio da função social da propriedade (art. 170, III, da CF), bem como da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF), por incompatibilidade dessa prática com a prevalência e a realização desses princípios. A jurisprudência desta Corte Superior evoluiu na direção de se presumir discriminatória a dispensa sempre que o empregador tem ciência de que o empregado é portador do HIV, e não demonstrou que o ato foi orientado por outra causa. Recurso de embargos não conhecido. (Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 76089/2003-900-02-00. Ministra Relatora Rosa Maria Weber Candiota da Rosa. Julgamento em 06/08/2007. DJ 30/11/2007.) Na decisão acima, a reintegração do empregado soropositivo foi concedida com base principalmente nos princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho, tendo sido requisito para tal o empregador ter ciência prévia da condição de soropositividade do empregado. Logo, se é provado que o empregador sabia que seu empregado encontra-se em tal condição no momento da demissão arbitrária, é presumida a atitude discriminatória. 39 Com o mesmo direcionamento, outra decisão do Egrégio TST: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO.PORTADOR DO VÍRUS HIV DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. I- Ciente o empregador de que o empregado é portador do vírus HIV, presume-se discriminatório o exercício do direito potestativo de dispensa. Ademais, ainda que inexista norma legal específica que determine a reintegração do empregado, não há dúvida de que o ordenamento jurídico repudia o tratamento discriminatório e arbitrário. II - Agravo a que se nega provimento. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento. Recurso de Revista nº 206/2001-261-02-40.9. Ministro Relator Barros Levenhagem. 4ª turma. Julgado em 25/04/2007, DJ 11/05/2007) Entretanto, há quem entenda, por excessivo apego ao formalismo, que por não haver lei específica conferindo estabilidade ao empregado soropositivo, não cabe a reintegração do mesmo no caso de despedida arbitrária, mesmo que havendo flagrante e comprovada atitude discriminatória. É o caso do douto doutrinador Sérgio Pinto Martins, conforme ressalta Rafael Francisco França72, que defende que o empregador detém o direito potestativo para despedir o empregado soropositivo, desde que o indenize com as cabíveis verbas rescisórias, não havendo direito algum à reintegração para este empregado, visto que não há lei regulamentando direito à estabilidade para o portador do vírus HIV. O julgado a seguir confirma a informação acima: REINTEGRAÇÃO - Incabimento - Portador do vírus HIV - AIDS - Inexistência de PROVA. Reintegração. Portador do vírus HIV. Reintegração. No momento, não existe norma legal que assegure garantia de emprego para o doente de AIDS. Não houve prova nos autos de que o reclamante foi discriminado no emprego para ter direito à reintegração. Pedido de reintegração improcedente. (TRT - 2.ª. Reg. - RO20010087421 - Ac. 20020092738 - 3.ª. T. - Rel: Juiz Sérgio Pinto Martins - Fonte: DOESP, 05.03.2002). Assim, temos aqui a expressão de uma corrente contrária à defensora dos direitos do empregados portadores do vírus HIV que, ressalte-se, antes de soropositivos, são humanos e merecem ter sua dignidade protegida e seus demais direitos assegurados. Não obstante pensamentos do gênero supracitado, em que, data vênia, praticamente não são considerados princípios de extrema relevância, como o da dignidade da pessoa humana e o da não discriminação, além da falta de sensibilidade à questão difícil do empregado soropositivo, a jurisprudência está se consolidando no sentindo de proteger o portador do vírus HIV de atitudes de segregação no âmbito do trabalho. Corroborando esta afirmação, temos: 72 MARTINS Apud. FRANÇA. Op. cit., nota 77. 40 16116 - AIDS - Portadora de HIV tem direito à estabilidade no emprego. Dispensa imotivada presumida discriminatória. Reintegração determinada. Os direitos à vida, à dignidade humana e ao trabalho, levam à presunção de que qualquer dispensa imotivada de trabalhadora contaminada com o vírus HIV é discriminatória e atenta contra os princípios constitucionais insculpidos nos arts. 1.º, incs. III e IV, 3.º inc. IV, 5.º, caput e inc. XLI, 170, 193. A obreira faz jus à estabilidade no emprego enquanto apta para trabalhar, eis que vedada a despedida arbitrária (art. 7.º, inc. I, da Constituição Federal). Reintegração determinada enquanto apta para trabalhar. Aplicação dos arts 1º e 4º inc. I, da Lei n.º 9.029, de 13 de abril de 1995 (cf. CLT, art. 8.º c/c CPC, art. 126 c/c LICC, art. 4.º). O riscos da atividade econômica são da empresa empregadora (CLT, art. 2.º), sendo irrelevante eventual queda na produção, pois a recessão é um mal que atinge todo o país. (TRT 15.ª R. - RO 004205/1999 (29.060/00) - 3.ª T. - Rel. Juiz Mauro César Martins - DOESP 15.08.200008.15.2000) Um ponto bem levantado no julgado acima é o de que a reintegração deve se dar pelo tempo em que o empregado estiver apto para desenvolver plenamente suas atividades, pois conforme já vimos, nas fases em que a AIDS ainda não se desenvolveu, o portador do vírus HIV é totalmente capaz de trabalhar, como qualquer outro indivíduo. Assim, por tudo que foi visto, acredita-se que devido à importância da atividade laboral para manutenção da vida, da saúde e da dignidade do indivíduo soropositivo, deve haver de fato a interpretação analógica da Lei 9.029/95 a fim de abranger entre os motivos de discriminação vedados por ela o da condição de portador do HIV, para que este possa ser protegido da despedida arbitrária com cunho discriminatório. 3.3 Da Possibilidade de Indenização por Danos Morais Como explica Enoque Ribeiro dos Santos73, a palavra dano, que deriva do latim damnum, é o prejuízo material ou moral que afeta o patrimônio de outrem. Entende ainda como patrimônio o somatório de bens patrimoniais e morais de certa pessoa, ou seja, dos bens aos quais pode ser aferido valor econômico e dos intangíveis, correspondentes à honra, pudor e caráter. Assim, conclui que o dano moral é aquele que atinge interesses que não se representam mediante expressão econômica, aqueles que formam o chamado homem interior, a parte que não é visível, que é privativa do indivíduo e só ele a conhece na profundeza de sua alma. 73 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano moral na dispensa do empregado. 3 ed.rev. e ampl. com enxertos sobre os direitos da personalidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 55. 41 Existe uma corrente que defende a inadmissibilidade da reparação do dano moral, entretanto é majoritário no Direito brasileiro o pensamento de que havendo o dano moral, este deverá ser ressarcido, mesmo que de forma imperfeita, devido o patrimônio moral ser de natureza subjetiva, íntima e pessoal e quando este é violado, acarreta a dor, com repercussão espiritual. Além do apoio majoritário da doutrina, a reparação do dano moral é garantida em nossa Constituição Federal74, no art. 5º, incisos V e X, que dizem respectivamente: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Segundo Enoque Ribeiro dos Santos75, o dano moral para ser caracterizado necessita da prova da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre esta e o dano, assim nasce para quem lesa o dever de indenizar e para o lesado o direito de pleitear indenização em juízo. O contrato de emprego, já abordado anteriormente, por ser caracterizado pela pessoalidade da prestação de serviço, realizado com subordinação ao empregador, enseja várias oportunidades para a ocorrência de dano moral, que ataca a honra e a dignidade do empregado, pólo mais fraco da relação contratual. Em vista disso, a possibilidade de ocorrência de dano moral contra empregado soropositivo se torna ainda maior, devido à discriminação e estigma que infelizmente acompanham a pessoa infectada pelo vírus HIV. A situação do indivíduo soropositivo é bastante complicada, na maioria das vezes ocorrendo, como diz Robson Antão de Medeiros76, a morte social, visto que a pessoa passa a ser discriminada pela sociedade, por colegas no âmbito do trabalho, por amigos e até mesmo pela família. Logo, se a pessoa portadora do vírus da AIDS sofre algum preconceito, discriminação ou é submetida a tratamento vexatório que agrida sua honra, imagem, caráter ou boa-fama, na admissão, na constância do vínculo empregatício ou no momento da rescisão contratual, deverá ser devidamente indenizada por danos morais. 74 BRASIL. Constituição Federal. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Op. cit. , p. 43, nota 59. SANTOS. Op. cit., p. 97, nota 90. 76 MEDEIROS. Robson Antão de. A proteção do trabalhador portador do HIV/AIDS: abordagem jurisprudencial. Disponível em: <http://www.revistaacademia.ccjs.ufcg.edu.br/anais/artigo8.swf>. Acesso em: 08/04/2008. 75 42 Saliente-se que os maus tratos ao indivíduo soropositivo só contribuem ainda mais com o seu distanciamento da sociedade, aumentando seu sentimento de solidão e acarretando depressão e outras doenças psicológicas, além das naturalmente derivadas do vírus HIV. Infelizmente, o ambiente de trabalho é um dos locais onde mais ocorrem atos ilícitos configuradores do dano moral, visto que o empregador se aproveita da condição de inferioridade econômica e de subordinação do empregado, conforme explica Enoque Santos77. Além de enfrentar as complicações psicológicas e posteriormente físicas provenientes da doença, a estigmatização e as conseqüentes atitudes de segregação, o indivíduo soropositivo ainda esbarra na dificuldade de comprovar quando foi vítima de discriminação ou quando foi exposto a situação vexatória por sua condição. Conforme defende Firmino Alves Lima78, tanto os candidatos a cargo empregatício, quanto os empregados na constância do vínculo e após a ruptura do contrato possuem imensa dificuldade de provar que foram submetidos a situações que ensejam dano moral, devido ao restrito acesso a dados e a testemunhas, a maioria colegas de trabalho subordinados ao empregador. Na visão de Firmino Alves, exigir a prova cabal da discriminação ou da situação ensejadora do dano moral, como alguns magistrados fazem, chega a ser cruel e um verdadeiro obstáculo à proteção dos direitos do indivíduo que sofreu a violação. Defende ainda que o empregador detém uma maior vantagem na produção de provas e maior capacidade de arregimentar testemunhos, em virtude de seu poder de coerção sobre os empregados, por isso deveria ser invertido o ônus da prova. Utiliza como outro argumento, o posicionamento da Suprema Corte dos Estados Unidos, que já adota a inversão do ônus da prova e da Diretiva 97/80 da União Européia, que prevê que tal ônus seja transferido ao empregador em casos de atitudes discriminatórias. Assim na visão de Firmino Alves, ao empregador deve caber a comprovação sólida de que não houve discriminação ou tratamento humilhante e vexatório, pois assim estará sendo assegurada a dignidade do soropositivo e a proteção de seus direitos da personalidade. As decisões de nossos Tribunais têm sido no sentido de conceder a indenização por dano moral nos casos de despedida arbitrária, quando o empregador é ciente da condição de soropositivo do empregado. Analise-se a seguinte decisão do nosso Egrégio Tribunal Superior do Trabalho: 77 78 SANTOS. Op. cit., p.98, nota 130. LIMA. Op. cit., nota 116. 43 1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DANOS MORAIS. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO APÓS O EMPREGADO COMUNICAR SER PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS. Na hipótese "sub judice", a Corte de origem, por intermédio do acórdão recorrido, traz dados demonstrando o nexo de causalidade entre o ato da Empresa e o dano sofrido pelo Autor. A rescisão do contrato de trabalho sem justa causa ocorreu após a comunicação pelo Reclamante de ser portador do vírus da AIDS. Vê-se, portanto, que o ato lesivo do empregador de ordem moral ocorrido na constância do contrato de trabalho guarda pertinência com a relação de emprego. 2. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEXO CAUSAL ENTRE O ATO DE DEMISSÃO E A DOENÇA DO AUTOR. Considerando que no quadro fático probatório delineado pelo Tribunal Regional se confirmou a comprovação de que a doença do Reclamante foi motivo da sua despedida, evidencia-se, pois, indispensável o revolvimento do conjunto probatório para se afastar o nexo causal entre a despedida e a doença do Autor. Incidência da diretriz jurisprudencial sedimentada no Enunciado nº 126 do TST. 3. Recurso de revista não conhecido. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. R.R 499048. Ministro Relator Emmanoel Pereira. 1ª Turma. Julgado em 17/09/2003, DJ 28/11/2003.) No caso em tela, o aplicador da lei considerou ocorrido o nexo causal entre o ato do empregador e o dano sofrido pelo empregado, visto que este foi despedido após a comunicação de ser portador do vírus HIV, logo ocorreu ato lesivo de ordem moral, cabendo a devida indenização diante da flagrante conduta discriminatória. Existe ainda o caso destacado por André Luiz Souza Aguiar79, julgado pelo Egrégio TRT do estado da Bahia, em 10 de outubro de 2000, de uma bancária que ajuizou ação de indenização por danos morais por ter sido obrigada a se afastar de sua ocupação de operadora de caixa por ser portadora do vírus da AIDS. Segundo a descrição do caso, a bancária ficou impossibilitada de participar do rodízio de caixas por ser soropositiva, sendo conhecido pelos colegas de trabalho o motivo de seu afastamento da função que antes exercia. Assim, como a função de operadora de caixa não oferece ameaça de contágio pelo vírus HIV, o afastamento da bancária desta função configurou atitude discriminatória, além da divulgação de seu estado de saúde aos colegas de trabalho violar seu direito à intimidade e causar situação vexatória, em conseqüência do inegável estigma que se associa ao vírus HIV. Neste caso concreto, o Tribunal Regional do Trabalho determinou a indenização por danos morais à autora a fim de ressarcir ao menos em parte o dano ocasionado ao seu patrimônio moral. 79 AGUIAR, André Luiz Souza. Assédio moral nas organizações: estudo de caso dos empregados demitidos e em litígio judicial trabalhista no Estado da Bahia. Dissertação ( Mestrado em Administração Estratégica) – UNIFACS, Bahia, 2003, p. 11. Disponível em http: <//www.anicleide.com.br/art4assediomoral.pdf>. Acesso em: 09/04/2008. 44 Temos ainda a seguinte decisão do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina80: DANOS MORAIS. PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA ARBITRÁRIA. DISCRIMINAÇÃO. É devida indenização por danos morais ao empregado dispensado por motivo evidentemente discriminatório. (TRT, RO-V 00767-2005012-12-00-6, 1ª Turma, Rel. Min. MARCUS PINA MUGNAINI, julgado em 08/09/2006) Vê-se nessa última decisão a preocupação do aplicador da lei em punir a dispensa arbitrária quando esta se deu por motivo evidentemente discriminatório, aplicando a indenização por danos morais, para que seja reparada a ofensa à dignidade do empregado soropositivo. No voto do relator do processo supracitado81, em destaque o seguinte trecho: O conjunto probatório dos autos inclina-se totalmente para a conclusão de que a dispensa arbitrária se deu por motivo discriminatório, afrontando o princípio constitucional da igualdade, preconizado no art. 5º, caput, da Carta Magna. A data dos exames acostados apresenta proximidade significativa com a data da dispensa, e a reclamada não alega o desconhecimento, à época, da moléstia do autor, fatos que levam à conclusão de que agiu de forma discriminatória. Não se exige, no caso, prova robusta por parte do ofendido, pois beira o impossível esse tipo de incumbência. Verifica-se, deste modo, que o relator optou por conceder a indenização por danos morais ao autor da demanda, graças à proximidade da data de realização do teste anti-HIV com a data da dispensa e também porque a reclamada não alegou desconhecimento da infecção pelo vírus HIV, assim foi presumida a dispensa discriminatória, enfatizando-se a desnecessidade de prova robusta, pela dificuldade existente em produzi-la em casos do gênero. Além do arbitramento de danos morais no caso de dispensa discriminatória, pode este ocorrer no momento da admissão, se o candidato a emprego for humilhado por ser portador do vírus da AIDS, for exposto a situação vexatória e impedido de concorrer ao cargo por ser soropositivo. Do mesmo modo ocorrerá na constância do vínculo empregatício se forem comprovados os maus tratos ao empregado por ser portador do vírus HIV, como humilhação, piadas de mau gosto e associações a comportamento desregrado. 80 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário nº 00767-2005-012-12-00-6. Ministro Relator Marcus Mugnaini. 1ª Turma. Julgado em 08/09/2006. 81 Loc. cit. 45 Algumas vezes o empregador pode não dispensar o empregado soropositivo, mas provocar situações insustentáveis a fim de fazê-lo pedir demissão para se isentar do pagamento das verbas indenizatórias devidas numa dispensa sem justa causa, caracterizando, do mesmo modo, atitude discriminatória e desumana que deve ser rechaçada. Em suma, havendo dano à honra, à moral, ao caráter e boa-fama do indivíduo soropositivo, seja no momento da admissão, rescisão ou na constância do vínculo empregatício, deve haver reparação por danos morais, na tentativa de aliviar o sofrimento imposto a muitos portadores do vírus da AIDS. 3.4 Da Não Utilização do Termo Aidético: dignificação do portador do vírus HIV Este tópico, inspirado no ponto levantado por Hilário Valentim82 em seu livro AIDS e Relações de Trabalho, a priori pode parecer singela discussão, mas revela-se imprescindível no trato dos portadores do vírus HIV, seja no âmbito social, familiar ou no ambiente de trabalho, ao qual damos maior ênfase na presente pesquisa. Como diz Luiz Otávio Linhares Renault83, a sociedade cultua o belo e o perfeito, mesmo sendo repleta de defeitos, tendendo a discriminar tudo e todos que não se enquadram dentro deste padrão preconcebido de beleza e perfeição; os inadequados devem ser postos de lado. Fala ainda que, no tocante às doenças, estas sempre serviram como motivo de discriminação e que quando não se manifestam exteriormente, por poderem ser escondidas, os doentes continuam convivendo normalmente em sociedade, disfarçados de saudáveis e assim adequados ao padrão estipulado. Entretanto, quando tais doenças passam a se manifestar aos olhos alheios, não podendo mais ser escondidas, escolhe-se esconder os próprios doentes, separando-os do convívio social, marginalizando-os. Como ocorreu com a lepra nos séculos XIII e XIV, ocorre agora com os portadores do vírus HIV, sendo eles discriminados pela sociedade, pelo fato da doença ter atingido inicialmente pessoas consideradas de vida reprovável. 82 83 VALENTIM. Op. cit. p. 90-92, nota 6. RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Discriminação: estudos. São Paulo: Ltr, 2000. p. 128. 46 Do mesmo modo que Hilário Valentim, acredita-se que o termo aidético não deve ser utilizado para denominar a pessoa infectada pelo vírus HIV, pois tal denominação tem caráter pejorativo, negativo, associando o indivíduo soropositivo ao transmissor de uma praga, ao detentor de uma doença fatal, a um morto em vida. A pessoa soropositiva é portadora de uma enfermidade como qualquer outra, não devendo ter o nome aidético a ela associada, pois isto só contribui para o alastramento da discriminação. Importa destacar a visão de Michael Pollak, citado por Hilário Valentim84·: Um dos primeiros passos, portanto, é parar de chamar as pessoas portadoras do vírus de aidéticos. A gente não fala o canceroso, o colérico, o meningítico ou o hepatético. É preferível pessoa com AIDS ou pessoas com HIV positivo. Ao evitarmos o termo aidético, paramos de reforçar a idéia de morto-vivo, um Frankenstein agressivo e violento que representa a morte contagiosa e que vai nos pegar. Em concordância com este pensamento, em nenhum momento deste trabalho monográfico foi utilizado o termo aidético, exceto neste tópico com o fim de criticar a tal denominação discriminatória. Preferiu-se utilizar termos como soropositivo, portador do vírus HIV, portador do vírus da AIDS ou pessoa doente de AIDS, no caso da doença já manifestada. No ambiente de trabalho, do mesmo modo, o termo aidético não deve ser utilizado, pois esta denominação, em conjunto com a falta de conhecimento de grande parte dos empregados sobre o vírus HIV, tolhe a manutenção de um ambiente mais acolhedor e sadio ao convívio do empregado soropositivo. Além disso, o empregado não deve ter sua identidade associada à condição de portar o vírus da AIDS, até mesmo porque tal informação lhe é privativa, está na esfera do íntimo e só deve ser divulgada com sua expressa autorização, sob pena de afronta ao direito fundamental da intimidade. Deve, portanto, ser identificado pelo cargo que ocupa, pela função que desempenha, por suas qualidades e até imperfeições profissionais, mas nunca pelo fato de ser portador do vírus da HIV. Conclui-se então que o termo aidético não deve ser utilizado para denominar o indivíduo que porta o vírus da AIDS, pois antes mesmo deste ser soropositivo, é pessoa com direitos que devem ser respeitados e protegidos de atitudes discriminatórias, provenientes de 84 POLLACK (Apud VALENTIM, 2003). 47 pessoas insensíveis ao sofrimento humano. É pessoa que como qualquer outra merece ser dignificada, e não marcada por um termo que só remete a pensamentos negativos e degradantes. 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho monográfico procurou enfatizar a necessidade de mecanismos jurídicos que viabilizem a proteção do indivíduo portador do vírus HIV no âmbito das relações de emprego, diante da clara situação de hipossuficiência deste, destacando o caso da dispensa arbitrária do soropositivo. A AIDS, doença que tomou maiores proporções no início da década de oitenta, trouxe consigo, devido à falta de informação e a má veiculação de informações, uma série de teorias, especulações, mitos, gerando preconceitos na sociedade e manifestações discriminatórias. Entretanto a condição de ser portador do vírus da AIDS não deve ser encarada como um castigo imposto pelo Criador aos que vivem no pecado, ou como o fruto de uma vida desregrada, muito menos como uma situação de morte em vida ou como um motivo para discriminação. Sabemos que o vírus HIV acarreta sérios problemas ao organismo humano com o passar do tempo, geralmente culminando na morte, mas não é por este fato que a pessoa infectada deixa de ser sujeito de direitos que devem ser assegurados pelo nosso ordenamento jurídico. Por isso, a aplicação da lei deve ser norteada pelos princípios e direitos fundamentais do homem, devendo ser assegurado o direito à vida e à saúde do soropositivo, devendo esta vida ser revestida de dignidade. Deve ser observado o princípio da igualdade, na medida de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, para que haja o equilíbrio nas relações sociais e jurídicas. Do mesmo modo o direito ao trabalho, deve ser garantido, devido a importância deste para a dignidade e sobrevivência do indivíduo, especialmente quando este é portador do vírus HIV e o princípio da proteção deve ser norteador da relação de emprego, especialmente quando envolve o soropositivo, pela flagrante hipossuficiência. É sabido que o período entre a infecção pelo vírus HIV e a manifestação efetiva da AIDS pode ser longo, até maior que dez anos, devendo ser assegurada a qualidade de vida da pessoa soropositiva em todas as fases anteriores e posteriores à manifestação da doença. Durante o período em que o indivíduo é apenas portador do vírus da AIDS e a doença ainda não se manifestou, as atividades sociais e laborais podem ser desenvolvidas normalmente, devendo inclusive ser estimuladas como meio de combate à evolução da doença. 49 Neste contexto, temos a especial importância do acesso ao emprego e de sua manutenção para o portador do vírus HIV, pois além de garantir sua subsistência digna, aumenta sua auto-estima, o sentimento de utilidade, além de proporcionar uma maior integração com a sociedade, pois a maioria dos soropositivos tende a se isolar, se tornando depressivos e desestimulados. Constantemente empregados são demitidos de forma arbitrária por serem portadores do vírus da AIDS, na verdade a maioria das vezes a dispensa é apenas aparentemente desmotivada, pois a discriminação do empregador é a responsável pelo fim do vínculo empregatício. Nos casos em que o motivo é apenas a discriminação por parte do empregador, os nossos magistrados têm entendido que por interpretação analógica a Lei 9.029/95 pode ser aplicada, cabendo a reintegração do empregado e muitas vezes a indenização por danos morais. Salientemos que para a caracterização da conduta discriminatória o requisito necessário é apenas a prova de que o empregador era ciente da condição de soropositividade do empregado. Mesmo sendo esta a corrente dominante, há quem entenda que, por não haver a expressa menção à situação do soropositivo em lei garantindo sua estabilidade, não cabe a reintegração, devendo ser pagas apenas as verbas rescisórias pela despedida arbitrária, mesmo que se evidencie a discriminação, é o pensamento de Sérgio Pinto Martins. Entretanto, tal pensamento não é compartilhado pela maioria dos magistrados e doutrinadores, demonstrando ainda insensibilidade à situação do soropositivo, que além de ser vítima de um vírus que causa uma doença incurável e alvo de condutas discriminatórias, ainda muitas vezes perde o emprego que lhe provê a digna sustentação, sem motivos relevantes, apenas pela sua condição de portar o vírus. Assim, quando o empregado é apenas portador do vírus HIV deve ter assegurado seu direito de exercer função laboral, devendo ser coibidas as condutas que, por mera discriminação à sua condição de soropositivo, visem impedi-lo de exercê-la, cabendo a aplicação de danos morais no caso de humilhações, de tratamentos vexatórios e da despedida discriminatória do soropositivo. Por fim, concluímos ser melhor a não utilização do termo aidético como denominação da pessoa que porta o vírus HIV, pela carga pejorativa e discriminante tal termo possui. Assim, os termos: soropositivo, HIV positivo, portador do vírus HIV e doente de AIDS são mais pertinentes, inclusive para promover a dignificação do indivíduo soropositivo. 50 Infelizmente não são poucas as manifestações de discriminação contra os soropositivos, pois parece estar intrínseco à sociedade o ato de segregar os diferentes, os que não se encaixam nos parâmetros cada vez mais altos por ela impostos. Entretanto, a divulgação de informações sobre o vírus HIV, sobre a AIDS e sobre os meios de contágio e prevenção, além da conscientização da sociedade e dos empregadores, especificamente, da necessidade de se oferecer um ambiente social e laboral acolhedor são meios viáveis de combate à discriminação. A sensibilidade da sociedade e dos empregadores deve ser aflorada no trato das pessoas portadoras do vírus HIV, mas também deve nortear as decisões de nossos magistrados, pois estes não devem se apegar estritamente à letra da lei, mas adequá-la às situações fáticas, que mesmo que não estejam especificadas legalmente, não podem ser tuteladas com o descaso, o desinteresse e o rigor formal. Não foi o interesse deste trabalho monográfico o de esgotar o assunto da recorrente despedida arbitrária do soropositivo, mas de contribuir com a pesquisa sobre o tema, devido a sua relevante importância na seara trabalhista e em outros ramos do Direito, pois trata da ameaça de direitos fundamentais de empregados, mas antes de tudo de pessoas em latente situação de sofrimento, que precisa ser atenuado. REFERÊNCIAS ABRAMO, Lais. HIV/AIDS e o mundo do trabalho: A Missão da OIT no Combate à Epidemia. 2006. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/news/artigos/ler_artigos. php?id=1600>. Acesso em: 27/02/2008. AGUIAR, André Luiz Souza. Assédio moral nas organizações: estudo de caso dos empregados demitidos e em litígio judicial trabalhista no Estado da Bahia. Dissertação. (Mestrado em Administração Estratégica.) – UNIFACS, Bahia, 2003, p. 11. Disponível em: http://www.anicleide.com.br/art4assediomoral.pdf. Acesso em: 09/04/2008. 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