0 universidade potiguar – unp alquimy art pós

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0 universidade potiguar – unp alquimy art pós
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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UNP
ALQUIMY ART
PÓS-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA
A PINTURA EM PORCELANA COMO RECURSO EXPRESSIVO
NA ARTETERAPIA COM PÚBLICO DA TERCEIRA IDADE
LIANA SANTOS DE SOUZA
NATAL/RN
2004
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LIANA SANTOS DE SOUZA
A PINTURA EM PORCELANA COMO RECURSO EXPRESSIVO
NA ARTETERAPIA COM PÚBLICO DA TERCEIRA IDADE
Monografia apresentada à Universidade
Potiguar – RN e ao Alquimy Art, de São
Paulo como parte dos requisitos para
obtenção do título de especialista em
Arteterapia.
Orientadora: Profª Mest. Regina F. Chiesa
NATAL/RN
2004
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LIANA SANTOS DE SOUZA
A PINTURA EM PORCELANA COMO RECURSO EXPRESSIVO
NA ARTETERAPIA COM PÚBLICO DA TERCEIRA IDADE
MONOGRAFIA APRESENTADA PELA ALUNA LIANA SANTOS DE SOUZA
AO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA EM 26/01/2005 E
RECEBENDO A AVALIAÇÃO DAS PROFESSORAS.
___________________________________________
Profª Mest. Regina Fiorezze Chiesa, Orientadora.
_________________________________________________________
Profª Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização
___________________________________________
Profª Mest. Deolinda M. C. Fabietti, Co-Orientadora
3
“A arte não existe para reproduzir o visível,
mas para tornar visível àquilo que está além
dos olhos”.
Paul Klee
“A arte é uma fada que transmuta
e transfigura o mau destino”.
Manuel Bandeira
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AGRADECIMENTOS
Agradeço este trabalho a todos os que acreditam e me apoiaram nos bons
momentos durante esse percurso de transformação, amadurecimento e ganho de
conhecimento.
Agradeço aos meus familiares que direto ou indiretamente me ajudaram e
tiveram paciência comigo neste período.
A Coordenadora do Curso Professora Doutora Cristina Dias Allessandrini da
Alquimy Art de São Paulo que teve a brilhante idéia de abrir está pós-graduação em
Natal. Pela sua dedicação, respeito e valorização do grupo como pessoa e
passando seus conhecimentos.
A Professora Mestra Regina Fiorezze Chiesa, meus agradecimentos pela sua
dedicação, paciência e seriedade ao me orientar na maior parte do trabalho.
A minha filha Beatriz Cristine Santos de Souza e minha nora Luceara Alves
de Araújo de Souza pela disponibilidade em me ajudar no que era necessário.
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RESUMO
A proposta deste estudo é revelar como se processa a arteterapia, através da
pintura em porcelana, como alimento terapêutico, vivenciado a partir das atividades
realizadas por pessoas da Terceira Idade no espaço de um atelier. Essa experiência
é relatada tomando como base o trabalho que a autora desenvolve dentro de um
atelier com pessoas da idade. Baseado na criação artística com essa parcela da
sociedade, procura-se observar, através de vivências, como a arteterapia contribui
para a valorização da auto-estima e uma melhor qualidade de vida nessa fase da
vida, fazendo uso de terapias expressivas na pintura em porcelana. Enfim, o que se
pretende revelar é que a pintura em porcelana é mais um material diferente que
surge na arteterapia, proporcionando bem-estar às pessoas, sendo um grande
parceiro nas áreas de doenças mentais, como também um tipo de fazer artístico,
onde o ser pode entrar em contato com seus sentimentos mais íntimos, restaurando
assim a sua alegria de viver.
Palavras-chaves: arteterapia – pintura em porcelana – terceira idade
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ABSTRACT
The proposal of this paper is to expose how does the art therapy works, through the
painting in porcelain, as therapeutical stoke, lived deeply from the activities carried
through for elderly in the area of an atelier. This experience is related based on the
task that the author develops inside of an atelier with elderly people. Based on the
artistic creation with this parcel of the society, it aims to observe, through
experiences, how the art therapy contributes to the valuation of self-esteem and a
better quality of life in this stage of life, using expressive therapies in the painting in
porcelain. At last, this paper what if it intends to disclose that the painting in porcelain
is a different material that appears in the art therapy, providing well-being to the
people, and to be a great partner in the areas of insanities, and also a type of artistic
occupation, where people can be in contact with its closer feelings, thus restoring its
joy of living.
Word-keys: art therapy - painting in porcelain - elderly
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –
A sensibilização................................................................................. 45
Figura 2 –
Verbalização ..................................................................................... 45
Figura 3 –
1º encontro – pintura livre ................................................................. 47
Figura 4 –
2º encontro – risco e rabisco ............................................................. 48
Figura 5 –
3º encontro – brincando com a bucha .............................................. 49
Figura 6 –
4º encontro – pintar o que mais gosta .............................................. 50
Figura 7 –
5º encontro – pintar como eu me percebo......................................... 51
Figura 8 –
6º encontro – colcha de retalhos ....................................................... 52
Figura 9 –
7º encontro – continuação da colcha de retalhos (sensibilização
dança com as cangas)....................................................................... 53
Figura 10 – 7º encontro – continuação da colcha de retalhos.............................. 53
Figura 11 – 8º encontro – linha da vida (sensibilização)....................................... 54
Figura 12 – 8º encontro – linha da vida ................................................................ 55
Figura 13 – 8º encontro – linha da vida....................................................................... 55
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SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................
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2. A ARTE ..............................................................................................................
12
2.1 Arte...................................................................................................................
12
2.2 Arteterapia .......................................................................................................
14
2.3 Atelier Terapêutico ..........................................................................................
19
3. ATELIER DE ARTE EM PORCELANA ..............................................................
25
3.1 História da Porcelana .......................................................................................
28
3.2 Relação da Pintura em Porcelana com a Arteterapia ......................................
33
4. TERCEIRA IDADE.............................................................................................
40
5. METODOLOGIA ................................................................................................
43
5.1 Apresentação...................................................................................................
43
5.2 Coleta de Dados...............................................................................................
46
5.3 Resultados Observados ...................................................................................
55
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................
58
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................
60
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1. INTRODUÇÃO
Diante de um mundo tão conturbado, como o de hoje, cada vez mais as
pessoas vivem buscando meios de aliviar o estresse e os problemas de depressão,
e muitas delas encontram nas artes o instrumento ideal para aliviar suas angústias.
Essa preocupação, também, tem se evidenciado na Terceira Idade. O processo de
aposentadoria e doenças preexistentes, juntamente com a ociosidade, estão
fazendo com que essa parcela da população busque uma melhor qualidade de vida
ou algo em que se possa ocupar de forma prazerosa, para fugir da ociosidade e
depressão próprias dessa idade.
Nesse sentido, a proposta deste estudo é revelar como se processa a
arteterapia, através da pintura em porcelana, como forma de terapia, vivenciado a
partir das atividades realizadas por pessoas da Terceira Idade no espaço de um
atelier.
Essa experiência é relatada tomando como base o trabalho que desenvolvo
dentro de um atelier com pessoas da Terceira Idade.
No processo de criação artística com meus clientes, procuro observar, através
de vivências, como a arteterapia contribui para a valorização da auto-estima e uma
melhor qualidade de vida nessa fase da vida, fazendo uso de terapias expressivas
na pintura em porcelana.
Além disso, tenho observado, durante as vivências, que as atividades de
pintura em porcelana, ajudam na saúde mental desses clientes, visto que as terapias
expressivas contribuem para estimular sua criatividade, fazendo-os se sentirem
motivados, recuperando a sua auto-estima. Nesse sentido, percebe-se que a pintura
em porcelana, pode vir a auxiliar muitas pessoas nessa idade, especialmente as se
encontrem deprimidas ou ociosas.
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Sabe-se também que num contexto tão conflitante como é o da vida moderna,
que todo ser humano experimenta, de diferentes maneiras, as várias crises de sua
existência à medida que evolui e as enfrenta. Assim, quanto mais capaz de enfrentar
e sobrepujar essas crises, menos sintomas desenvolverá.
Diante disso, a arteterapia oferece oportunidades para o desenvolvimento de
potencialidades pessoais por meios verbais e não-verbais, através da reequilibração
dos recursos físicos, cognitivos e emocionais em experiências terapêuticas com
linguagens artísticas variadas. Ao se utilizar a arte, através da pintura em porcelana,
como terapia, pode-se realizar um processo criativo, que pode tanto reconciliar
conflitos emocionais como facilitar a auto-percepção e o desenvolvimento humano.
Há várias formas de se realizar tal atividade, no entanto, os meios mais
utilizados são as artes plásticas (pintura, desenho, modelagem), as artes corporais
(dança e teatro), a música (com utilização de instrumentos musicais, voz/canto ou
audição musical), os fantoches/marionetes, contos de fadas, a escrita livre e criativa,
entre outros.
De acordo com o que se lê na literatura sobre o assunto, há algum tempo, a
arteterapia vem sendo aplicada com sucesso no campo das profilaxias em clínicas
de reabilitação de saúde mental e física, hospitais, empresas e escolas. E, nessas
últimas
décadas,
vem
crescendo
muito
sua
aplicação
junto
a
equipes
multidisciplinares, na clínica e na educação, nas artes, com o objetivo de prevenção
e tratamento de distúrbios emocionais.
Alguns benefícios da arteterapia já são conhecidos mundialmente como:
aumento da criatividade e senso estético, melhor integração consigo e com a
realidade externa, aumento da auto-estima, desenvolvimento pessoal e estética da
singularidade-restituidora do equilíbrio emocional.
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Dessa forma, o sentido da pesquisa em questão, tem o objetivo de “fazer arte”
possibilitando o auto-conhecimento, a resolução dos conflitos pessoais, além de
favorecer a desinibição das pessoas, levando-as a canalizarem seus sentimentos
para o conhecimento de si mesmas e o desenvolvimento de sua criatividade. Tal
sensação pode brotar na interação do ser com o mundo, valorizando a sua autoestima.
O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro aborda
os pressupostos teóricos sobre a arte, arteterapia, atelier terapêutico; o segundo
trata do atelier de arte em porcelana, a história da porcelana e relação da pintura em
porcelana com a arteterapia. No terceiro capítulo trata-se das vivências através dos
resultados com o grupo da Terceira Idade, e no último capítulo uma abordagem
sobre a metodologia utilizada e os resultados das oficinas criativas com os
participantes.
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2. A ARTE
2.1 Arte
Para que se possa compreender a dimensão que tem o mundo das artes na
vida da humanidade e, para o estudo em análise, é preciso fazer uma travessia por
alguns teóricos, e perceber a concepção de cada um sobre o assunto.
Tal passeio visa, neste sentido, a estabelecer uma ligação entre o teórico e o
prático, no espaço dedicado ao exercício da arte de modo amplo, no caso o atelier
de pintura, que foi utilizado para essa experiência com pessoas da Terceira Idade.
As expressões artísticas têm seu valor conhecido dentro das culturas
humanas, uma vez que ela possibilita expressar e perceber os significados
atribuídos à vida com o meio circulante. É através dela que o homem pode sair de
sua individualidade e partir para uma experiência coletiva, tomando-se das
experiências de outras pessoas.
O ser humano precisa da arte para conhecer e transcender o mundo através
de um sonho, desejo ou intuição. Como é estimulada a liberar os sentimentos e
emoções, através da música, pintura e outros meios, a arte passa a ter uma função
terapêutica, visto que todos os métodos do psiquismo humano advêm da
simbolização.
De acordo com Morais, (2001):
A arte é o que eu e você chamamos de arte. A arte com mais de quarenta
mil anos de história, a pintura continua sendo, neste final de século, um
espaço aberto à reflexão e ao prazer (MORAIS, 2001, p.17).
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Ainda, segundo Morais (2001), não se pode matar uma tradição pictórica. O
homem tem necessidade da arte para se libertar de suas limitações, opressões e dar
vazão aos seus desejos mais secretos.
Assim, as manifestações artísticas convivem no plano da eternidade, não
havendo progresso, nem decadência. Na dinamicidade de uma sociedade, o que
muda são as técnicas, os materiais empregados pelo artista, as formas de
representação e os meios de expressão, mas as artes permanecem.
A história da arte remonta da pré-história. Naquela época, como o homem
não dominava a escrita, ele utilizava-se de símbolos para se expressar, ou seja, se
comunicava através de imagens. Os estudos que se fazem, atualmente, sobre as
inscrições rupestres que os pré-históricos inscreviam nas cavernas são verdadeiras
obras de artes. Percebe-se desse modo, que arte é uma necessidade vital para o
homem. Como produto da ação do homem, ela apresenta mudanças e com o passar
dos tempos, apresenta características próprias.
A arte é um leque de opções. Ela está presente em tudo, na sociedade, na
filosofia, na política, na natureza, na religião e, principalmente, na inconsciência e no
inconsciente do mundo. Nesse sentido, de acordo com Mário Pedrosa Apud Morais,
(2001, p. 154).
Uma das funções mais poderosas da arte é a revelação do inconsciente e
este é tão misterioso no normal como no chamado anormal. As imagens do
inconsciente são apenas uma linguagem simbólica que o psiquiatra tem por
dever decifrar. Mas ninguém impede que esta imagem ou sinais sejam,
além do mais harmoniosas, sedutoras, dramáticas, vivas ou belas,
construindo em si verdadeiras obras de artes.
Diante do exposto, observa-se a importância da arte na vida do homem, pois
é através do belo, da perfeição, da expressão e da espontaneidade dos traços, das
tintas e das mil formas, que pode se expressar o mundo do seu inconsciente. O
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estudo da arte pode ser canalizado para diversos fins e, entres estes, há a
arteterapia.
2.2 Arteterapia
A arteterapia é uma área bastante recente, que cresce a cada dia. O seu
surgimento ocorreu no pós-guerra, dando uma conotação diferente à arte-ofício na
qual a beleza e a perfeição eram o ideal.
Há várias formas para conceituar arteterapia. Uma delas é a de considerá-la
como um processo terapêutico resultante da utilização de modalidades expressivas
e criativas que servem à materialização de símbolos. Tais criações simbólicas
expressam e representam níveis profundos e inconscientes da psique. Outra forma
de dizer pode ser apenas terapia através da arte. No entanto, nesse caso, a arte
deve ser entendida como um processo expressivo de forma mais ampla e
abrangente, pois não deve, aqui, enfatizar a preocupação estética e técnicas, porém
deve se privilegiar o acesso à expressão, à comunicação, e o resgate da ampliação
de possibilidades criativas.
Desde 1940, a expressão estética, como o desenho, dança e dramas, já era
usada no diagnóstico e no trabalho psicoterápico na Psicologia Clínica Brasileira.
Afirmações como as de Carvalho (1995) e Andrade (2000), Apud Chiesa, (2003),
mostram que as primeiras pesquisas sobre arte usada como terapia tiveram início no
século XIX. Já no final do século passado, psiquiatras começaram a olhar para as
obras de arte de seus pacientes com mais interesse. Ao mesmo tempo, pedagogos
começaram a incentivar nas crianças o uso da expressão criadora.
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Sabe-se que a arte quando adequadamente estimulada, desperta as mais
diversas sensações no indivíduo, melhorando a sua auto-estima, equilíbrio e
desenvolvimento psicomotor. Maria de Andrade faz uso da expressão “a arte abre
um dos caminhos”, constante na obra de Frederico Morais, (2001, p.10), no sentido
de que, na verdade ela oferece ao ser humano a possibilidade de criar, de enxergar
o mundo de outra maneira. Uma maneira onde o feio torna-se belo, causando uma
sensação de bem-estar e dissolvendo as angústias provocadas pelo dia-a-dia do ser
humano.
O seu interesse pela arte reside no fato de compreender a emoção que ela
provoca como um elemento transformador do quadro clínico do paciente.
Nesse sentido, Freud afirma que:
O artista pode estar em contato com um “conhecimento”, “inconsciente” e
simbolizá-lo concretamente em sua produção, retratando conteúdos de seu
psiquismo, bem como expressando e condensando aspectos de sua
contemporaneidade (ANDRADE – 2000, p.37).
Já de acordo com Jung, no tratamento psicoterápico era usada a linguagem
artística, pois, para ele, a criatividade é uma função psíquica natural usada tanto na
compreensão intelectual quanto na emocional, possibilitando ao cliente uma
organização de seu caos interno. (Carvalho, 1995; Andrade, 2000 Apud Chiesa,
2004).
A arteterapia foi utilizada, pela primeira vez, como processo clínico por
Margaret Naumburg em 1941, quando esta pôs em prática com seus pacientes a
observação de Freud: desenhar os sonhos ao invés de contar, isto é, verbalizá-los.
Outra que usou esse método foi Edith Kramer, em 1958 Apud Andrade (2000)
observando, nos trabalhos de seus pacientes, o processo de fazer arte sem
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verbalização. A função do arteterapeuta é a de transformar a interpretação do
produto na compreensão da linguagem plástica, tomando como base o produto
realizado e a compreensão do processo criativo.
Nesse sentido, o fundamento do trabalho de Edith Kramer Apud Andrade
(2000) é a sublimação dos instintos através de processos criativos na arte
(ANDRADE, 2000, p.53,55).
Já Natalie Rogers, filha de Carl Rogers, desenvolveu um trabalho de terapia
expressiva,
em
1974,
com
mais
cinco
colaboradores
em
“Workshops”.
Gradativamente, ela foi criando um estilo próprio mesmo dentro dos princípios da
abordagem rogeriana do pai (ANDRADE, 2000).
Neste trabalho Natalie Rogers criou novas opções dentro da arteterapia
possibilitando, assim, o surgimento de novas técnicas como a arte, a dança, o teatro,
bem como a pintura em porcelana, fazendo uma complementação na parte verbal.
Através disso, a terapeuta estimulava os participantes a revelarem suas emoções,
seus pensamentos, gerando o relacionamento entre si. O trabalho de Natalie Rogers
é bem diverso das demais terapeutas, visto que propõe uma integração entre
movimentos e escrita. De acordo com Rogers, (1989), a Terapia Expressiva ou
Terapia da Arte Expressiva é uma forma de terapias não-verbais.
Nesse processo, a pintura em porcelana faz combinação com diversos
processos de psicoterapia, onde são aplicadas dentro de uma estratégia a conduta
pertinente aos princípios teóricos da abordagem centrada na pessoa, (ANDRADE
2000).
Nas artes plásticas, a abordagem é focalizada na pessoa, usando um trabalho
de psicoterapia onde a linguagem utilizada é uma forma de expressão.
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Sob esse aspecto, o arteterapeuta apenas ajuda o indivíduo a liberar suas
energias criativas. Para Andrade (2000),
Um propósito da arteterapeuta é ajudar ao indivíduo a liberar sua energia
criativa, daí para frente à escolha é sua, até mesmo a habilidade e disciplina
necessárias tornando esta criatividade um produto profissional (NATALIE
ROGERS - 1989, p.18 Apud ANDRADE).
Tal técnica vem sendo usada há vários anos. Nos Estados Unidos, por
exemplo, existem cursos isolados de arteterapia com a finalidade de desenvolver o
potencial criativo do indivíduo, utilizando as diversas formas de expressão artística.
O uso dessa arte vem, a cada dia, atraindo mais adeptos, especialmente porque as
experiências desenvolvidas nesse campo com pacientes têm mostrado resultados
bastante positivos.
Ainda, de acordo com Rogers Apud Andrade, (2000).
O que uma terapeuta expressiva faz é ajudar as pessoas a abrir o
hemisfério direito de seu cérebro, que é a parte que nos permite ser
intuitivos, holísticos, emocionais, subjetivos (ROGERS Apud ANDRADE,
2000, p.139).
Já na visão de Allessandrini, (1999):
Criar é tocar a essência mais profunda do ser humano. É sentir a beleza do
sutil, em um espaço onde antes era nada, e que de repente passa a ser
uma forma, um contorno, enfim, a expressão de um sentimento presente
dentro de nós. É redimensionar o que existia em direção a algo que passa a
ser, conectado com os valores internos e constituintes do ser
(ALLESSANDRINI, 1999, p.31).
O processo de criação é fonte fundamental do homem; criar é colocar para
fora o que está sentindo, é esvaziar o inconsciente de tudo aquilo que está
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guardado, passando pelo consciente em forma de expressão em suas múltiplas e
variadas formas.
No Brasil, a utilização da arteterapia como curso é bastante recente. O
surgimento aconteceu em 1990, no Instituto Sedes Sapientiae, por Selma Ciornai,
que estudou com Jane Rhyne. O fato ocorreu com um curso de abordagem
gestáltica que impulsionou o crescimento da arteterapia nas outras áreas, como na
psicopedagogia, na reabilitação, na saúde e nos ateliês terapêuticos, (CHIESA
2003).
Os principais nomes brasileiros que se destacaram nessa área foram Osório
César e Nise da Silveira.
Osório César (1972) realizou um trabalho de arte no
hospital do Juqueri, com seus pacientes. Esse autor afirmava que a arte por si só já
cura. A técnica utilizada por ele era a de usar a arte com os alienados de forma
espontânea (CHIESA, 2004).
A psiquiatra Nise da Silveira realizou um trabalho de grande importância em
arte com seus pacientes no hospital de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Em
1946, no centro psiquiátrico de Engenho de Dentro, ela contesta os tratamentos
vigentes na terapêutica psiquiátrica e adota outro procedimento, o da terapia
ocupacional, percebendo que, dentre as várias atividades, a pintura e a modelagem
permitiam mais fácil acesso ao mundo interno do esquizofrênico (SILVEIRA , 1992).
A autora, em suas pesquisas, verificou que desde 1948, já se havia
observado que a pintura e a modelagem tinham em si mesmas qualidades
terapêuticas, pois davam forma às emoções tumultuosas, despotencializando-as e
resultando-se em forças autocurativas que se moviam em direção à consciência.
Diante disso, a pintura em porcelana é mais uma forma de expressão na qual a
arteterapia pode ser utilizada de maneira criativa dando oportunidade ao grupo de se
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expressar artisticamente usando a técnica adequada. Por isso a pintura e a
modelagem permitem mais fácil acesso ao mundo interior do esquizofrênico.
Além disso, é importante observar, ainda, que a arteterapia vem sendo
utilizada em outros espaços como atelier terapêutico e atelier de arte.
Segundo Allessandrini (1996), Apud Chiesa, (2004), o atelier terapêutico é um
espaço onde o participante expressa de maneira criativa uma imagem interna por
meio de uma atividade artística, um processo de descoberta, de sensibilização, de
expressão, de elaboração e de avaliação.
No caso do atelier de arte, além de sua função social, passa a desempenhar,
também, uma função terapêutica, em que o cliente exterioriza o seu mundo interior e
o expressa por símbolos seus pensamentos, seus sentimentos através da expressão
e da criatividade.
É nesse espaço de um atelier, em princípio de arte, e posteriormente
terapêutico que esta pesquisa será conduzida. Isso se realizará através da
observação das atividades e transformação de um grupo de alunas da Terceira
Idade. Antes de relatar a experiência dos clientes, no contato com a pintura e suas
transformações, será exposta a minha trajetória pessoal no encontro com a arte.
2.3 Atelier terapêutico
O trabalho no atelier terapêutico é de grande importância para o terapeuta.
Ele é o responsável pelo acompanhamento e pelo processo do paciente ou do
grupo. O trabalho é desenvolvido de maneira que o terapeuta tenha domínio teórico
e técnico que lhe permitam observar os comportamentos de cada paciente ou do
grupo.
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Andrade (2000, p.142), assim definiu sobre o papel do profissional que atua
em atelier terapêutico:
O terapeuta visa criar uma atmosfera suficientemente acolhedora onde o
cliente possa experimentar uma comunicação direta com a cor, a linha, o
movimento.
Diante dessa definição, fica bem claro que o papel do terapeuta é
acompanhar o processo do cliente, ajudar a superar os obstáculos encontrados,
observando-os de um modo objetivo e subjetivo. Para isso, é necessário que haja
normas para que o terapeuta possa intervir oportunamente no que foi proposto neste
encontro. O objetivo principal de um atelier terapêutico é a criatividade. Nele, são
encontradas condições para que seus clientes tenham possibilidades de expressar,
de se construir e se comunicar .
O atelier terapêutico difere de um Atelier de arte. Neste último, tanto o
professor como o aluno têm necessidade de buscar e desenvolver a expressão
artística, a sensibilidade, a percepção e a criatividade através das técnicas.
Segundo Alessandrini (1996), as oficinas criativas são um espaço onde o
participante expressa criativamente uma imagem interna por meio de uma atividade
artística, um processo de descoberta, de sensibilização, de expressão, de
elaboração e de avaliação.
Já Chiesa (2004, p.39) descreveu o atelier terapêutico como sendo
um local onde o terapeuta oferece ao grupo o material escolhido, a técnica
de acordo com a necessidade do grupo e facilita o despertar para o criativo.
É por meio do diálogo com o material e a técnica que o grupo toma posse
de sua potencialidade e de seu estilo próprio quando se percebe na
corporificação de sua obra.
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Este processo se dá no atelier de pintura em porcelana quando esta é pintada
de modo criativo e expressivo.
Geralmente, nos ateliês, os clientes descobrem como utilizar o material que
chega às suas mãos. Outro ponto interessante é mandar pintar sem fazer antes um
desenho, pois isso geralmente surpreende o cliente deixando-o mais à vontade, sem
a obrigatoriedade de mostrar que não é necessário saber pintar para fazer
arteterapia, onde ali não é valorizada a estética.
Na pintura ou em qualquer outra atividade plástica, a condição necessária
para um desenvolvimento da percepção do conhecimento de si mesmo é o silêncio.
De acordo com Pain e Jarreau (1996), o silêncio relativo que poderá ser
também fonte de angústia, torna-se plenamente suportável uma vez que cada um
sente-se visto seguido e acompanhado em seu processo. Quando o grupo é grande,
a tensão criativa diminui. A quantidade ideal para uma sessão em grupo é de no
máximo oito pessoas, pois assim o arteterapeuta tem condições de observar com
mais cuidado e carinho o desenvolvimento do grupo. Esse profissional deve poder
seguir os diferentes processos de elaboração das imagens como também as
atitudes de cada um, os monólogos e diálogos do grupo.
Ainda
segundo
Pain
e
Jarreau
(1996),
as
pinturas
modernas
e
contemporâneas são trabalhos aparentemente simples, mas são, às vezes, uma
“depuração”, ou melhor, uma reflexão que o cliente está fazendo. A abstração pode
parecer espontaneidade. A pessoa que procura sempre fazer abstração está
evitando mostrar dificuldades psicológicas, isto é, esconder-se através da abstração.
Nesse tipo de atelier, o grupo trabalha as imagens internas por meio da arte
de forma expressiva e criativa.
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Allessandrini (1996, p. 43), diz que,
nas oficinas criativas, mostra o processo terapêutico que inicia-se com uma
sensibilização onde o indivíduo faz uma relação diferenciada de contato
com o mundo, apoiando-se na sensibilidade e na percepção de seu eu.
Trabalhando o seu mundo INTRA - o valor do ser, a relação dele consigo,
como também estabelece uma relação com o INTER, com a qualidade do
TRANS.
O desenvolvimento das oficinas criativas foi feito a partir de estudos
desenvolvidos por Kagin e Lusebrink (1978), sobre o contínuum das Terapias
Expressivas (ETC), modelo construído para ser utilizado no campo de psicoterapias
artísticas e expressivas.
De acordo com Fagali (1987) Apud Alessandrini (1996, p.42), na prática da
sensibilização, há de se considerar alguns aspectos importantes no ponto de vista
psicológico e metodológico, os quais são:
proporcionar a integração das sensações sensoriais, intelectuais e
emocionais;
possibilitar a observação de estímulos dinâmicos - isto é, o indivíduo
observa um objeto aparentemente parado de uma forma não passiva;
favorecer na sensibilização várias formas de comunicação, introversão e
extroversão;
enfocar nas sensibilizações, conteúdos ou imagens que vem dos
sentimentos.
Numa segunda fase, o indivíduo expressa através de uma vivência artística
seus sentimentos e pensamentos. Neste momento, o indivíduo ou o grupo externa
as imagens internas por meio da expressão artística, dá forma aos conteúdos
internos por meio de uma linguagem não-verbal.
Em um atelier terapêutico, a criatividade é estimulada de maneira que deixa
emergir a ação de um potencial criador na qualidade do “ser-sentir-fazer e
aprender." Allessandrini (1996, p.51).
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Na abordagem de Rogers (1989), o enfoque no ser, quando se trata de
trabalho de psicoterapia onde a linguagem utilizada é uma forma de percepção do
cliente, usam-se atividades agradáveis nas quais seja possível descarregar os
sentimentos, emoções consideradas positivas ou negativas. Sobre isso, Rogers
(1989) assim se pronuncia:
Um propósito da arte terapia é ajudar ao indivíduo a liberar sua energia
criativa (daí para frente a escolha é sua até mesmo adquirir as habilidades
necessárias tornado esta criatividade um produto profissional). A perda da
inibição pelo uso de materiais de arte é um grande passo. Fomos
condicionados, por muitos anos para nos tornarmos inibidos, principalmente
por nossos professores que nos graduaram em trabalhos de arte ou que
nos disseram que não poderíamos desenhar. Agora leva tempo desatar
estes fios apertados que nos amarraram. Algumas pessoas arrebentam
esses fios, outras vão se desenvolvendo lentamente (NATALIE ROGERS,
1989, p.18 Apud ANDRADE).
Acrescentando mais sobre o conceito de criatividade, Guilford (2002) mostrou
o importante papel que traços de personalidade desempenham na expressão
artística. Destacou, também, a importância de se estar aberto, ser tolerante às
ambigüidades e de ser sensível às novas informações, características essas, de
acordo com o autor, ligadas à personalidade criativa.
Assim, o trabalho de um atelier terapêutico é representado pelo ato de criar
forma terapêutica. No momento em que é realizada a expressão, o cliente, integral,
compreende e vivencia aspectos do mundo interior e exterior ao mesmo tempo, e
durante esse processo, permite-se fazer algo que o represente e lhe faça sentido.
(ANDRADE, 2000).
Existem
várias
formas
de
se
trabalhar
em
atelier.
Tem
ateliês
multidisciplinares, onde cada participante escolhe sua técnica, já outros oferecem
atividades artísticas diversificadas, pois acham difícil prever quais as melhores
técnicas de arteterapia que se adaptam para cada paciente. Por outro lado, existem
24
ateliês que são especializados em uma só técnica. No caso da pintura em porcelana,
o atelier utiliza várias técnicas que podem ser aplicadas dependendo de cada grupo.
Para Pain e Jarreu (1996), os ateliês pertencem a três categorias: a das
técnicas das atividades plásticas, a da psicologia e da representação da expressão
e, por último, a da arte com sua significação e sua história.
Diante disso, a criatividade deve ser sempre o principal fator dentro do atelier,
ela deve estar presente do começo ao fim de cada encontro, permitindo ao menos a
produção.
Atelier terapêutico ou oficinas criativas, conforme Allessandrini (1996, p.49)
em seu livro “Oficinas Criativas”, representa um lugar que deve favorecer à criação
onde o “imaginário cria formas, adquire cor, aproximando-se de um real
personalizado, sentido e vivido com alegria, como se fosse um mundo mágico, onde
o limite é a própria criação". Constitui-se em um lugar diferente dos demais. Lá, o
cliente cria e se recria a cada encontro.
De acordo com Arieti (1979) Apud Allessandrini (1996, p.53):
No momento em que uma pessoa está realizando uma atividade criativa,
sua mente está estabelecendo um diálogo entre duas áreas corticais
específicas e o restante do córtex cerebral. Essas áreas seriam as
responsáveis pelo desencadeamento do ato criador.
Nos encontros realizados nesse atelier, o cliente realiza a sua criatividade de
forma sutil sem que se perceba. Daí, começam a participação, o desenvolvimento do
cliente no atelier terapêutico. É importante perceber como o participante se integra e
se permite aos desafios, quando entra em contato com as técnicas e os materiais
propostos a cada encontro.
25
3. ATELIER TERAPÊUTICO E A PORCELANA
O atelier de arte em porcelana é um local onde o cliente se delicia, pintando
as peças brancas, dando um colorido, criando históricos, usando estilos mais
variados, além de expressar imagens internas através de atividades artísticas. O
espaço desse tipo de atelier deve ser amplo, ventilado, com cadeiras, mesas, com
uma pequena biblioteca de livros, revistas de pinturas, história da porcelana e
história da arte, enfim, um local onde os clientes sintam-se à vontade e seguros.
Na realização de suas atividades, cabe ao arteterapeuta oferecer os materiais
e orientar qual a técnica usada, dependendo da necessidade do cliente.
No atelier de porcelana os alunos passam três horas conversando, trocando
idéias, pintando o que deseja com a orientação do professor. O grupo é pequeno, no
máximo seis alunos por turma. Sempre antes da primeira aula, o professor deve ter
uma conversa em particular, onde pergunta a razão que levou ao aluno a procurar
um atelier de pintura em porcelana e o que pretende aprender .
Diante dessas perguntas, existe uma variação de desejos. Uns procuram por
estarem em depressão; outros, para passarem o tempo, outros porque o médico
indicou. Há ainda aqueles que procuram por querer aprender a técnica e ganhar
dinheiro pintando de forma profissional. Além disso, há aqueles que querem pintar
para se integrar em um grupo, conhecer pessoas, fazer amizades. Especialmente,
pessoas idosas, quando se aposentam ou se sentem solitárias.
Durante o processo criativo, cada participante escolhe sua técnica, sendo
mediado pelo professor. Alguns fazem suas próprias criações, outros pedem
orientações das cores, qual estilo que deve ser usado, se o formato da peça é
adequado para pintar este ou aquele desenho. Há ainda questões sobre se o
26
desenho está bom para aquela peça. No caso do estilo, quem deve orientar é o
professor. Embora haja outros dependentes que aguardam, exclusivamente, pelo
orientador (professor) para escolher as técnicas, as cores, desenhos, enfim, tudo
que deseja fazer. Eles pedem até os pincéis que pretendem usar. Essa parcela
caracteriza-se pela insegurança e dependência. Tais comportamentos, também,
ocorrem nas vivências realizadas com alunos de Terceira Idade no atelier de pintura
em porcelana. Alguns apresentam muita dependência e insegurança na hora de
realizar as atividades artísticas.
Para essa clientela, o professor deve se dedicar de maneira especial,
ajudando e percebendo quais as técnicas, os desenhos e o formato das peças que
por ele pode ser usado. Isso possibilita ao aluno perceber que deve iniciar seus
trabalhos com técnicas mais simples para que haja uma seqüência e aprimoramento
para uma pintura de quantidade no futuro próximo. Os alunos que praticam a técnica
da pintura em porcelana com paciência, amor e dedicação, podem construir
gradativamente a sua cura. Com isso os alunos vão de descobrindo e se construindo
por meio das técnicas da pintura em porcelana.
Sobre essa postura, Gropius (Bauhaus) Apud Pain, (1996, p.17) comenta que:
“todo artista deve ter uma competência técnica. É lá que está a verdadeira fonte da
imaginação criadora". É no sentir a beleza ou a expressão criadora em um espaço
antes liso e branco e que, de repente, passa a ter forma, cor, contorno surgindo de
um sentimento dentro do ser humano.
Na visão de Allessandrini (1999, p.31-32), criar é tocar a essência mais
profunda do ser humano. E redimensionar o que existia em direção a algo que possa
ser, comentado com os valores internos e constituinte do ser". Sabe-se que o ser
humano é criativo por natureza. Diante disso, é necessária a realização de um
27
exercício orientado no fazer arte que, gradativamente, revelará o potencial criador
que está no inconsciente adormecido.
Nesse clima, o grupo vai crescendo, na troca de conhecimento, amizade,
aprendendo a se concentrar, a ter sensibilidade, a usar gradativamente a
criatividade, usando a imaginação, contando seus problemas e percebendo que o
grupo sabe escutar, entende e, às vezes, dá opiniões nas quais são aceitas e
agradecidas com um sorriso, um abraço e um olhar.
Todos esses momentos são vividos intensamente por todos que formam
aquele grupo. Outro ponto muito interessante é a ajuda mútua, percebida quando o
professor está orientando um aluno em alguma técnica e eles se ajudam entre si.
Portanto, o atelier é um lugar onde todos respeitam e zelam por ele. Lugar
que todos eles sentem bem. O lugar, segundo Allessandrini, (1996), onde a
expressão artística pode proporcionar ao homem condições para que estabeleça
uma relação de aprendizagem diferenciada com o seu semelhante e com o mundo
que o rodeia.
Percebe-se que a pintura ou qualquer forma plástica possibilita o ser humano
a relaxar, a se soltar das amarras do consciente, ou melhor, da realidade. No
entanto, desde que a atividade consciente descanse sobre a estabilidade básica dos
instintos e dos arquétipos, representa grande utilidade para a saúde psíquica,
estabelecendo, assim, diálogo entre consciente e inconsciente.
A pintura em porcelana faz parte de uma das técnicas usadas na arteterapia,
em função da cura. O material e a técnica desperta um diálogo entre o material, o
criativo, o processo do fazer e por fim a forma final de sua pintura, retratando o que
realmente sentiu no momento.
28
3.1 História da Porcelana
Considerando que a pesquisa, aqui desenvolvida trata-se da pintura em
porcelana como arteterapia, faz-se necessário realizar uma breve travessia sobre
sua origem e evolução.
O surgimento da porcelana só aconteceu depois de ter sido descoberta a
cerâmica, a argila sob a designação genérica de “barro” onde são agrupamos
corretamente inúmeros de misturas de argila com as mais variadas espécies de
impurezas.
Entre 5000 a 4000 a.C., numa região situada entre os rios Tigre e Eufrates, a
Mesopotâmia, já se produzia uma cerâmica de forma globular, que se decorava com
desenhos lineares, geométricos ou incisos. Nos anos de 4500 e 4000, a.C. foi
descoberta a técnica de cozer a peça, isto é, levá-la ao forno, para evitar que a peça
com o tempo ficasse negra.
No Egito, entre 5000 a 4000 a.C., também se fabricava uma cerâmica de
paredes finas que era decoradas com incisões lineares e em seguida polida. Para
confecção desta peça, usava-se a argila do Nilo.
Aproximadamente entre 2700-2100 a.C., começou a se usar o torno,
permitindo, assim, uma preparação mais elaborada da argila para obtenção de
peças mais perfeitas e finas.
A cerâmica ibérica estende-se desde a Andaluzia até o Mediterrâneo, como
também à Península até o sul da França. Porém, é na Grécia que a cerâmica irá
alcançar um enorme desenvolvimento artístico, com decorações de grande beleza.
Assim, a cerâmica foi desenvolvendo-se, os estilos foram aparecendo em cada
lugar, cada época.
29
Um dos modelos ocorreu com a descoberta do caulim pelos chineses em que
se permitiu a criação de peças alvas e transparentes. Durante muitos séculos, eles
esconderam o segredo dessa arte, pois só no século XV os japoneses, através dos
coreanos, tomaram conhecimento desse segredo e passaram a fabricar objetos em
porcelana.
A porcelana, produto cerâmico de massa muito fina, vitrificado e translúcido,
comumente recoberto de esmalte incolor e transparente, branca ou com as mais
variadas pinturas e desenhos, teve sua origem na China, entre os anos 618 e 900
d.C., durante a dinastia T’ang.
O continente europeu passou a conhecer a porcelana em 1295, no século
XIII, através de Marco Pólo, que descreveu as peças que lá conheceu, no entanto,
só no século XVI a porcelana começou a chegar à Europa através da Rota das
Sedas e depois pelo caminho marítimo para as Índias.
No século XVI, em Rouen, na França, teve início a fabricação da porcelana
azul e branco imitando a porcelana chinesa. Em 1707, na Alemanha, na fábrica de
Meissen foi fabricada a porcelana dura. Daí, surgiram várias fábricas como: Viena
em 1918, em 1735 surgiu a fábrica de Sèvres, na França, onde fabricavam
porcelanas finas de pasta forte translúcida, composta principalmente de caulim,
feldspato e quartzo queimado em alta temperatura. Surgiram várias fábricas como
Limorges, em Paris, em Nápolis (Itália), Vista Alegre (Portugal) e várias outras.
As melhores porcelanas até hoje são das fábricas Meissem e Sèvres.
Desde então, a porcelana vem adquirindo características baseadas nos
estilos de arte que predominam em cada época e lugar, surgindo novas técnicas
dentro dos movimentos.
30
Por ser uma superfície branca e lisa, a porcelana pode ser decorada em todos
os estilos, em todas as épocas e, a cada dia surgem técnicas que se adequam a
todos os conhecimentos artísticos que vão do clássico ao abstrato, podendo criar e
expressar artisticamente, revelando sentimentos.
As pessoas que têm o conhecimento da porcelana pode utilizar esse saber
como forma de crescimento interno, pois ela adapta-se a toda criação.
No caso estético, a arte da decoração é o resultado da união entre a técnica
e a expressão, a criação e a estética. A decoração começa uma vez terminada a
forma e decidida a função a que se destina. Nesse sentido, encontramos em cada
porcelana as características próprias de sua época, sua religião e sua cultura.
As
primeiras
decorações
em
porcelanas
eram
feitas
com
motivos
geométricos, símbolos ou de caráter religioso, ou apresentavam figuras que
encorajavam poderes maléficos.
Desde a pré-história, o homem expressava suas necessidades em mostrar o
que sente, o que está passando naquele momento, e assim expressar seu mundo e
sua vida. E isso ele realizava através de algum tipo de arte como a pintura nas
cavernas, as inscrições rupestres. Com relação à pintura grega, são mostradas
figuras negras lutando e como também os deuses.
A pintura em porcelana é uma arte milenar. Na China, essa arte foi
desenvolvida passando das mais antigas peças, classificadas como “portoporcelanas” até as peças ricamente decoradas da Dinastia Ming.
A sua evolução ocorreu simultaneamente em áreas diferentes na China,
porém, todas na parte Oeste e Sudeste daquele país.
Em Samarra, foram encontradas peças tipo casca de ovo, atribuídas à época
da Dinastia Tang (de 618 a 960 d.C.). Também, nesta época, foram atribuídas às
31
primeiras peças com vidrados verde-jade - “celadon” - obtidas pela adição de óxido
de ferro ao vidrado (AGOSTI, 1995)
As peças com vidrados azuis e violeta são datadas da Dinastia Sung (960 a
1279 d.C.) às quais são as mais belas.
No começo da fundação da porcelana de Dresden, predominava o estilo
oriental, principalmente o dos chineses, e o estilo Kakiemon – japonês. Em 1719,
iniciou-se uma nova fase, os estilos mais nacionais, onde gradativamente a
sensibilidade européia se faz mais evidente. Foi a partir de 1730, que se completou
o grau de transformação, surgindo as famosas flores “germânicas”, ou melhor, flores
de “Dresden” – sua origem se deu da estilização oriental das flores através de seus
diferentes estilos.
O estilo de Sèvres teve sua origem na fábrica de Vicens (França), fundada em
1738, no castelo de Vicens. Em 1753, a fábrica ficou sob a proteção de Madame
Ponpadour. Em 1756, a fábrica foi transferida para Sèvres, arredores de Paris. Em
1768, a decoração se desenvolve formando seu próprio estilo fundamentado no
Rococó (TOLEDANO1987).
De acordo com Toledano, (1987): no estilo Rouen as cores são azul e branca
chegando até cinco cores ou tons de azul e vermelho tendo surgido no século XVI
na província de Normandia. O estilo japonês – suas rosas de cerejeira contornadas
em tinta preta, em seguida pintadas no centro – fica em floral bem harmonioso, e no
estilo egípcio – seu desenho é o frontilismo com seus símbolos.
A criação do concretismo, um movimento essencialmente poético e literário, é
manifestado na porcelana através do uso de todas as técnicas possíveis, a
combinação das cores foscas ou brilhantes pode fazer parte do jogo estético final
(TOLEDANO, 1987).
32
No entanto, as técnicas em porcelanas foram evoluindo e apresentam
bastante diversidade, indo desde o pontilhismo tracejado no bico de pena,
espatulado, aquarela, natureza morta, impressionismo, clássico, moderno, até o
expressionismo no qual a porcelana faz parte com a arteterapia, onde trabalha a
criatividade, percepção, coordenação motora e o conhecimento de si mesmo,
quando faz descobrir o que se tem de mais belo em nós mesmos, o nosso interior ou
melhor, o inconsciente que trabalha também com sentimentos nos quais são
colocados para fora. Gouveia, (1989, p. 25) diz que: “A imaginação diz respeito ao
âmago de ser, ao self, às entranhas do ser que se cria em si mesmo”.
A pintura na porcelana dá ao indivíduo possibilidade de criar novas técnicas,
dependendo do que se quer criar. Como Gouveia (1989) diz: o encontro do
desconhecido que é o material se funde com o homem e traz à tona uma nova vida,
uma nova imagem, uma eterna imagem. Esse encontro é a criação.
Nesse tipo de pintura, a facilidade de criar meios que possibilite a criação do
homem criador é grande. Basta saber como usar seus materiais.
A porcelana é como a cerâmica que vem da terra, possuindo, dessa forma, os
quatro elementos terra, ar, água e fogo.
A entrada da porcelana no Brasil ocorreu, inicialmente, através da Companhia
das Índias. Essa denominação foi recebida pela antiga porcelana chinesa fabricada
no Sul da China, comercializada e transportada do Oriente para o Ocidente através
de empresas de navegação (companhia de comércio), que passou a ser conhecida
como Companhia das Índias Orientais ou Ocidentais, no final do século XVI.
Historicamente, foram os portugueses que iniciaram o comércio de porcelana
quando, no início do século XVI, venderam com facilidade, em Portugal, todas as
peças trazidas da China. No caso da técnica de aplicação do vidrado sobre a
33
decoração é característica da porcelana da Dinastia Ming, que até hoje é usada para
se pintar e em utensílios de porcelana - Porcelana Portuguesa.
A sua presença no Brasil, segundo alguns historiadores, ocorreu na Bahia e
em Pernambuco, onde chegaram os primeiros exemplares, procedentes da Índia,
em fins do século XVI, mas foi nos fins do século XVIII, quando o espírito inventivo
de João Mando Pereira se mostrou capaz de fabricar com argilas do país “obras
semelhantes às da Saxônia e de Sèvres”, tendo produzido três medalhões ovais
com as figuras da nobreza reinante.
A primeira fábrica no Brasil foi inaugurada em 1913, em São Paulo, no bairro
da Água Branca, denominada “Fagundes e Ranzin”.
3.2 Relação da pintura em porcelana com a arteterapia
O trabalho que se desenvolve na pintura em porcelana tem uma relação muito
estreita com a arteterapia. Essa relação já vem sendo exposta em capítulos
anteriores, pois se tem observado, durante as vivências terapêuticas que muitos
clientes com problemas psicológicos têm encontrado, nessa arte, a cura para seus
males. Especialmente aqueles problemas ligados ao estresse e depressão,
esquizofrenia, entre outros.
Assim, pode-se observar, neste tópico, o que grandes estudiosos da mente
humana expressam a esse respeito.
Freud, Apud Carvalho, Andrade (1995), por exemplo, durante suas
experiências psicanalíticas junto a seus pacientes, observou através das obras de
artistas que “o inconsciente se manifesta por meio de imagens, tendo essa uma
comunicação simbólica com função catártica e que tais imagens escapam da
34
censura da mente com mais facilidade que as palavras, transmitindo mais
diretamente seus significados”.
Nesse sentido, os autores supracitados comungam na mesma linha de
pensamento:
O artista pode estar em contato com um conhecimento inconsciente e
simbolizá-lo concretamente em sua produção, retratando conteúdos de
seus psiquismo, bem como expressando e condensando aspectos de sua
contemporaneidade (CARVALHO e ANDRADE 1995 p. 28).
Retomando a teoria freudiana, o que caracteriza o artista a realizar a atitude
de criar arte é que: “A arte é uma forma não neurótica de satisfação substitutiva”,
Freud também percebeu que os recursos artísticos ou expressivos do ser humano
eram uma forma de comunicação do inconsciente, como a linguagem dos sonhos.
Para esse psicanalista, “toda obra feita ou sonhada é sempre uma tentativa de
resolução de conflitos do autor em relação às figuras importantes de sua vida”.
(ANDRADE E CARVALHO,1995, p. 29).
Tal descoberta, do indivíduo representar o inconsciente através de uma
imagem simbólica sem medo de qualquer censura do consciente, foi de grande
importância para o desenvolvimento na arteterapia ou terapias expressivas, que
englobam todas as atividades artísticas.
Para Jung, Apud Andrade e Carvalho (1995), a arte deve ser usada como
componente de “cura”, pois a criatividade, segundo ele, é uma função psíquica
natural e tem função estruturante. Diante disso, esse processo natural se realiza por
intermédio de símbolos, que está presente em todas as expressões artísticas, como
também nos sonhos e fantasias do ser humano.
35
Andrade
e
Carvalho
comentam
que
Jung,
em
seus
tratamentos
psicoterápicos, usava a expressão artística pedindo a seus clientes que
desenhassem imagens de sonhos, situações conflitantes, entre outros, sendo que
ele usava as duas linguagens: a expressão verbal e a não-verbal em que uma
auxiliava a outra. Assim, todas as imagens desenhadas eram consideradas como
simbolização do inconsciente individual e do inconsciente coletivo, que dependiam
da cultura humana e das civilizações. Sendo assim, para ele, a linguagem
expressiva representa a verbalização e ajuda ao cliente a se organizar interiormente.
Cita:
Todas as expressões humanas na cultura, como a religião, os mitos, as
crenças, as ciências são formas de o ser humano organizar os dados
oferecidos pelo mundo ao seu sistema perceptual (JUNG Apud CARVALHO
e ANDRADE 1995, p.32).
As atividades plásticas, junto ao trabalho de compreensão intelectual e
emocional, facilitam o processo de evolução da personalidade como um todo.
Ao realizar essas atividades, desde que o ser humano dê livre curso às
expressões das imagens internas, ele vai se transformando, vai conhecendo
aspectos próprios que se recria, se educa e, sobretudo, reorganiza a sua ordem
interna, ao mesmo tempo em que reconstrói a realidade.
De acordo com Silveira (1986), os estudos de Jung ajudaram Bleuber, diretor
do famoso hospital de Zurique – Burgholzli, onde Jung era seu assistente, a
descobrir que o distúrbio comum é a dissociação psíquica que deu o nome de
esquizofrenia.
Bleuber se pronunciava desta forma, segundo Silveira “toda a existência
psíquica do passado e do presente em todas as suas experiências e lutas, reflete-se
36
na atividade associativa. Essa atividade é, portanto, índice de todos os processos
psíquicos que necessitamos decifrar a fim de conhecer o homem total” (SILVEIRA,
1986, p.30).
Jung continuou realizando vários estudos sobre o distúrbio psicológico. Com
base nesses estudos, Bleuber descobriu que tal distúrbio era o resultado de uma
dissociação psíquica. A essa dissociação, ele deu o nome esquizofrenia. Este termo
vem do grego e significa separar ou fender (SILVEIRA 1986, p. 31).
Esses conceitos são bastante relevantes para a atividade que exerço no
campo da arte. Ao me propor a usar a pintura em porcelana como mais uma
atividade plástica na arteterapia, percebo que a pintura na porcelana, superfície lisa
e delicada, possibilita a pessoa relacionar-se, entregar-se, descobrir-se, sentir e
transformar, pintando seus desejos, suas alegrias, suas tristezas, suas esperanças e
também seus sonhos.
Sobre isso, Gouveia (1989) expressa que o barro é como um corpo presente
nas mãos e por meio dele é possível entrar em contato com o seu mundo interno,
expressando-se com as mãos sem precisar verbalizar.
Essa sensação, também, é liberada quando se pega uma peça de porcelana
e procura decorá-la. Nessa atividade, você pode expressar seus pensamentos,
liberar seu estresse, uma vez que seu inconsciente trabalha jogando para fora tudo
sem precisar verbalizar. A porcelana tem a mesma função de uma folha de papel ou
uma tela. Suas técnicas são várias. Estudando seu formato, observa-se as inúmeras
possibilidades que existem ao usá-las, adequadamente, dentro das possibilidades
de cada cliente.
Nesse sentido, usar a pintura em porcelana como processo criativo permite
descobrir significados da vida, ajudando, assim, a expandir a consciência.
37
Quando se trabalha com a pintura em porcelana de forma criativa revela-se o
caminho para descobrir o grau de potencialidades que cada indivíduo tem,
possibilitando expandir os seus conhecimentos.
De acordo com Pain e Jarreau (1996, p.100), “as cores dentro de uma
qualidade específica dão a sensação correspondente a função exclusivamente
psicológica, participa da construção do pensamento e do comportamento”.
A pintura em porcelana permite acessar o processo criativo, fazendo
descobrir
significados
da
vida,
ajudando
na
expansão
da
consciência,
proporcionando um conhecimento tanto pessoal quanto cultural. Na medida em que
se tem um conhecimento melhor de suas técnicas, seus materiais, suas queimas,
percebe-se a surpresa que temos ao tirá-la do forno.
Tudo isso faz parte de um conhecimento que, lentamente, vai levando o
indivíduo a se construir, a se perceber, buscando conteúdos guardados no seu
inconsciente.
Ao pegar a porcelana nas mãos, senti-la, uma superfície lisa, translúcida e
dura, mas convidativa a pintar, ela é suave, lisa e fácil de colocar a tinta. A cor
branca não se usa, é da própria peça. O deslizar da tinta na peça provoca uma
sensação de leveza, como se tudo fosse tão fácil e sem problema.
Daí, você vai brincando com as cores, as formas vão surgindo. Tudo que se
pinta, realça. O medo desaparece no momento em que se tem consciência de que,
não gostando, pode ser desmanchado e recriar tudo novamente.
A paciência é o fio condutor da criação, da percepção, do significar e
ressignificar, chegando até a transformação, tanto do indivíduo que pinta como da
porcelana após a queima. A queima faz com que haja uma transformação das cores,
e essa modificação leva o indivíduo a pensar e refletir sobre o processo vivenciado
38
visando a uma mudança interior. Existem alguns deslumbramentos, tais como:
algumas cores mudam, as peças podem quebrar, rachar, tudo isso faz com que
surja um desafio do indivíduo e da peça. As peças de porcelana têm várias funções:
A utilitária, aquela que é usada para alimentação, uso doméstico. A artística
serve para decoração. As miniaturas servem para lembranças de casamento,
aniversário, bodas de ouro e prata, nascimento de bebês, chá de panela. As
bijuterias servem para fazer colar, pulseiras, brincos e adornos.
Crianças, adultos e idosos podem se beneficiar com a técnica de pintar
porcelana. O canetado é uma técnica na qual é feita com bico de pena. Serve para
concentração e coordenação motora. A técnica de riscar a porcelana consiste em
usar um lápis adequado ou pintar diretamente na peça. Todo esse processo vai
abrindo novos horizontes e possibilidades no ser humano como pessoa criativa.
O pincel serve para usar as tintas como se fosse na tela, no papel ou na
parede. A técnica é a mesma, porém quando se pinta a porcelana, a sensibilidade
tátil, sem querer, vai à flora, pois a superfície é lisa convidando-nos a brincar, uma
vez que a tinta desliza com muita suavidade, fazendo com que desperte o desafio
entre você e a pintura.
A pintura desperta um diálogo interno, isto é, quando toca você, então, nesse
momento, promove o que há de mais sublime: a verdade de si mesmo.
Segundo Gowan, Apud Wechsler (2002 p.34), durante a criação artística, as
fases de conflitos iniciais passam e se manifestam um sentimento de amor.
Oaklander (1980), Apud Chiesa (2004) explica que devido à flexibilidade da
argila, ela pode ser adaptada a um número variado de necessidades. Assim, a
pintura na porcelana proporciona um número variado de necessidade, devido às
39
suas inúmeras técnicas que podem e devem ser aplicadas em indivíduos diferentes
com problemas diferentes.
Quando Oaklander (1980) afirma que a argila pode ser um elo, que ajuda
crianças que não falam, como também as que falam demais, isso acontece na
porcelana. Todo indivíduo, seja ele criança, adolescente ou adulto, ao pintar uma
peça de porcelana, a pintura proporciona-lhe uma sensação de calma.
Essa atividade artística proporciona criatividade ao indivíduo. No primeiro
momento cria-se a dúvida; em seguida, desperta o desafio; depois, a descoberta
que pode pintar, surgindo, assim, a criatividade, trabalhando a paciência, o equilíbrio
e, por fim, a transformação de si mesmo.
Na verdade, a finalidade dessa atividade é estimular os clientes (alunos) a
soltar a imaginação, permitir a expressão de pensamento e sentimento, apurar a
percepção, a coordenação motora se percebendo através da pintura, da beleza, das
cores e na harmonia dos tons, suas nuances e seus encontros.
40
4. TERCEIRA IDADE
Ser velho é um processo extremamente complexo e quase desconhecido,
tendo várias implicações tanto para quem vivencia o processo como para a
sociedade que o assiste.
A idade do indivíduo é uma das duas grandes variáveis nas quais regulam
tanto o comportamento social como as relações entre indivíduo e grupo em todas as
sociedades.
O drama da condição do idoso dentro da sociedade atual está dividido em
três partes: dentro da perspectiva econômica, a aposentadoria faz com que diminua
o padrão de vida, pois é o momento que as doenças aparecem e as condições
sócio-econômicas diminuem.
Dentro da perspectiva social, os velhos são sujeitos ao isolamento, pois a
estrutura de nossa sociedade é para os jovens (trabalho, lazer, etc).
Dentro da perspectiva familiar, o fato de conviver gerações diferentes em uma
mesma residência faz com que os conflitos sejam grandes e o velho fica sem o
apoio.
Na saúde, a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas de
saúde, é de esperar que a velhice se torne cada vez mais doente.
Platão, assim, verbalizou: “Por que a velhice não vem sozinha. Os idosos são
pessoas, enquanto o envelhecimento é um processo”.(DEEPAK CHOPRA, M.D.
2004, p. 31 Apud FABIETTI).
Já Simone de Beauvoir, Apud Fabietti & Chiesa (1997, p.76), afirma que:
“uma sociedade desvenda seus princípios e fins, ao revelar de que modo se
comporta em relação aos seus velhos”.
41
Sabe-se que o Brasil sempre foi considerado um país de jovens. No entanto,
de algumas décadas para cá esse quadro tem mudado. Hoje, nos deparamos com
um país com um número acentuado de idosos. Essa parcela da população é pouco
assistida em sua afetividade, tanto no ambiente familiar quanto no social. Além do
processo de aposentadoria, que deixam os idosos inativos, padecendo de sintomas
como estresse, solidão.
No entanto, observa-se que, para fugir desse círculo vicioso, muitos têm
procurado outros mecanismos de defesa como ginástica, pintura, música e outras
atividades artísticas ou físicas para melhorar suas qualidades de vida.
Segundo Dangott e Nallia, (1999) Apud Chiesa e Fabietti, (1997), nos dias
atuais, há um reflexo mais positivo da imagem da velhice; em busca desses
mecanismos, o idoso tem procurado viver de forma mais dinâmica e criativa no
desenvolvimento humano.
Diante disso, vamos perceber que a inteligência, por exemplo, permanece
imutável em você. E não há barreiras para a aprendizagem, pois em qualquer
momento da vida sempre pode se aprender. A capacidade para a atividade física
pode permanecer constante durante a vida, dependendo mais do estilo de vida e de
fatores culturais e ambientais do que propriamente da idade. A criatividade ocorre
em qualquer idade e é facilitada pela maturidade. Nesse sentido, quanto maior o
nível educacional, maiores as chances de gozar de boa saúde e capacidade de
adaptação; a personalidade não muda; o senso de realização sexual aumenta com a
experiência; a idade é um indicador pobre de diferenças interpessoais quanto à
capacidade de reencontrar prazer e ser feliz (FABIETTI, 1997, p.77).
Essa parcela da população já se encontra muita limitada pela escola da vida.
Os idosos não se julgam capazes de ressurgir. Diante disso, pretende-se, através da
42
arte, exercitar a habilidade ainda existente nos idosos, de julgar e de formular
significados, de reencontrar o sentido da vida. O universo está em constante
transformação, recriando-se a cada instante. Relacionar-se amorosamente e
ludicamente com a vida é estar conectado com a alma criativa. Uma vida plena e
saudável é uma vida criativa. Para isso surgiu uma maneira saudável e criativa de
ocupação e em entretenimento para idosos e que se aposentam e não sabem o que
fazer, ou melhor, em que ocupar.
43
5. METODOLOGIA
5.1 Apresentação
A experiência, aqui, relatada, aconteceu em forma de oficinas criativas
durante oito encontros. Tais encontros eram sistematizados em um por semana no
espaço de um atelier de pintura em porcelana. O universo escolhido para este
estudo foi de um grupo de oito pessoas da Terceira Idade.
A metodologia utilizada seguiu o modelo da utilizada nos encontros de
Oficinas Criativas.
Tal modelo baseou-se no que Allessandrini (1996) define sobre o tema: “as
oficinas criativas de psicopedagogia são compostas de três etapas. Em primeiro
lugar, a sensibilização; no segundo momento, a expressão livre e no terceiro
momento, a verbalização ou escrita criativa”.
Neste contexto, o objetivo das oficinas é buscar o indivíduo de seu mundo
escondido nas sombras do inconsciente, através da pintura em porcelana com uma
variedade de técnicas, em que o indivíduo vai se descobrindo, a partir de sua
criação, trazendo à tona toda riqueza bloqueada como um universo de
possibilidades e descobertas.
Este trabalho visa um estudo com a arte em porcelana como um instrumento
dinâmico e eficaz. Sob essa perspectiva, as Oficinas Criativas em porcelana
proporcionam lazer e ao mesmo tempo contribuem para o auto-conhecimento do
idoso. O lazer é caracteristicamente uma procura de um estado de satisfação. O
indivíduo se concentra somente naquilo que o interessa, despendendo grande
quantidade de energia na conquista de certos estados de satisfação. O indivíduo se
44
lança na ação como ele é, reconquista seu estado biológico, libertando-se da fadiga
física, dá asas à imaginação, liberando-se das limitações impostas pela rotina das
atividades parceladas e dos estereótipos.
A arte tem como função a busca de expressões de algo mais elevado do que
o comum. As pessoas se tornam, através do fazer artístico, conscientes de si
mesmas e do processo no qual estão envolvidas, desejando participar do processo
de evolução. Não se pode esquecer que somos transformadores e criadores.
Através da arte, vamos perceber que “a criatividade e a atividade artística podem ser
facilitadoras e catalisadoras no processo de resgate de qualidade de vida, do sentido
mais humano do viver” (CIORNAI, 1994, p.60).
A representação plástica visual ajuda à comunicação verbal. É fundamental,
nessa proposta, que ocorra a internalização da ação cognitiva ao fazer artístico.
Emoção e cognição interagem. Através dos recursos expressivos e artísticos, o
indivíduo vai concretizar sua imagem interna de modo significativo. Ao fazer arte há
uma significação do ser humano, ao encontrar o equilíbrio de suas emoções. Os
conteúdos que se apresentam são ligados a experiências já vividas, possuindo uma
força simbólica porque traçam o caminho do consciente para o inconsciente
(FABIETTI & CHIESA, 1997).
Antes do fazer artístico se dá início a uma sensibilização do grupo e uma
percepção dos objetos que cercam seu universo. Em seguida, realiza-se a vivência
artística, onde o grupo trabalha sentimentos perceptivos, concentração, auto-estima
e criatividade. Essa atividade segue de uma elaboração da expressão, onde o
sujeito trabalha o conteúdo emergente e depois de uma transposição para a
linguagem verbal, ressignificando o processo (ALLESSANDRINI, 1999/2002).
45
Figura 1 – A sensibilização
No terceiro momento, vem a verbalização. Nessa etapa, o grupo expressa
como se sentiu fazer arte de maneira tão singular. Esse processo trabalha o autoconhecimento. O grupo
descobre de forma especial o “aprender” para a vida,
apostando na sua força interna para crescer e construir um mundo melhor de
afetividade e ações.
Figura 2 - Verbalização
Esta oficina, expressa abaixo, deu oportunidade de mostrar a experiência
vivida em um grupo da Terceira Idade, retomando esses conceitos para as oficinas
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criativas, no sentido de canalizá-los ao estudo da arteterapia.
Sob essa visão, a experiência a ser relatada faz com que a pintura em
porcelana seja um meio ou veículo de expressão e criatividade na arte terapia. Os
encontros foram organizados voltados para a autopercepção e a criatividade.
Para entrar num universo das vivências, inicialmente o cliente passa por um
processo de sensibilização. Esse processo é realizado através de várias dinâmicas
que vão de exercícios respiratórios à mentalização. Só após essa dinâmica, é que o
cliente é estimulado a expressar suas sensações através da pintura.
5.2 Coleta de dados
Após essa atividade de apresentação, são desenvolvidas as oficinas criativas.
1º encontro: “Pintura livre” foi assim vivenciado: coloquei o material na
frente de cada uma e pedi para que pintassem o que quisessem, ou melhor, o que
estavam pensando naquele momento. Antes, foi feita uma sensibilização através de
respiração e movimentos de relaxamento. Essa abordagem foi realizada com a
intenção de vivenciar livremente o material.
A oficina foi realizada através da
expressão da criatividade, liberando a imaginação do grupo numa pintura feita sem a
preocupação com a estética. A ênfase dada a esse processo é a de que a pessoa
possa expressar as suas sensações de pintar algo vindo de seu próprio interior.
Através disso, o ser humano vai liberando as suas angústias e encontrando o seu
equilíbrio.
47
Figura 3 – 1º encontro – pintura livre
Para Lesner & Hillman Apud Wechsler (2002), a criatividade se desenvolve
em três fases:
a) enriquecimento criativo interno, que vai da infância a adolescência. Nessa
etapa, o ser desenvolve o senso de identidade, e o instinto criativo está direcionado
ao eu;
b) enriquecimento criativo externo, que estende-se da adolescência até a
idade madura. É nessa fase que o indivíduo utiliza o sentimento da identidade para
enriquecer tanto a si quanto ao outro; e
c) auto-avaliação criadora que se inicia na velhice até a morte. Nesse
estágio, a criatividade se volta para o enriquecimento interno, visando à autoavaliação.
Esse retorno ao universo interior é algo que pode ser mais utilizado nas
vivências em prol de uma melhor qualidade de vida para as pessoas idosas.
Depois disso, houve o 2º encontro: “Risco e Rabisco”. Inicialmente, foi
feita a sensibilização, ao som de uma música clássica. Após, solicitei que andasse
pela sala respirando e sentido a música. Tal atividade provocava nos mesmos uma
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sensação de calma e relaxamento. Em seguida, fizeram um grande círculo, onde
cada um tocava a si mesmo. Nesse momento, eles iam se percebendo e
descobrindo as suas formas. Ao terminar, o grupo ficou em posição de ground,
dando início a um relaxamento por todo corpo. Silenciosamente, formaram uma
dupla. E ambas expressavam entre si algo que mais gostasse. Após essa etapa,
fizeram um círculo onde todos expressavam o que sua dupla havia dito. O resultado
da dinâmica foi transferido em forma de arte para a pintura em porcelana. A técnica
utilizada foi realizada através de um palito sob um azulejo pintado, onde o grupo
retirava a tinta e criava o desenho imaginado.
A finalidade terapêutica dessa oficina era expressar o momento vivenciado
nas vivências através dos desenhos criativos. Ao experienciar tal atividade, o grupo
passava suas expressões artísticas liberando seus problemas, angústias e
frustrações sem a preocupação estética.
Para se Ciornai, Apud Chiesa (2004 p.10), a pessoa se sente bem com o que
cria, mesmo achando feio os desenhos. Ela se sente feliz no momento da criação.
"Ao expressar raiva, revolta, indignação, a pessoa percebe a força de seu poder
pessoal.” (Chiesa, 2000, p 10).
Figura 4 – 2º encontro – risco e rabisco
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Passamos para o 3º encontro: “Brincando com a bucha”. Essa vivência foi
direcionada para o grupo sentir o poder de criar movimento com as cores. Para isso,
a vivência que o grupo realizou foi através do som de uma música infantil. Foi pedido
que eles andassem em círculos, cantando e procurando se sentir como crianças.
Durante a atividade, muito riam, cantavam felizes como crianças, retomando a idade
infantil sem medos. De posse dos azulejos pintados nas cores que desejavam, com
a bucha na mão fizeram movimentos sob os azulejos de onde foram saindo formas
difusas diversificadas. Esses movimentos são dados pelo consciente, mas à medida
em que cada uma deseja algum desenho, o inconsciente se revela produzindo
formas inesperadas. É uma pintura bem relaxante.
Nesse sentido, Jung, Apud Bello (2003), acredita que o inconsciente reflete as
potencialidades do indivíduo e seu propósito de vida.
Figura 5 – 3º encontro – brincando com a bucha
O 4º encontro: “Pintar o que mais gosta”. Nessa oficina, o objetivo é a
percepção. Nela, o grupo percebe que a pintura com técnica e preocupação da
estética é bem diferente da pintura feita através da expressão. Observa-se, ainda,
que o processo criativo é mais importante que o resultado final. Foi isso que o grupo
50
sentiu quando pintou, numa porcelana, uvas, frutas, porta-jóias com barrados,
canecas e flores.
Figura 6 – 4º encontro – pintar o que mais gosta
Essa experiência, usando as técnicas, não foi bem aceita pelo grupo, e muitos
preferiram pintar o que vinha na sua imaginação. Eles sentiam-se melhor
expressando-se livremente.
Comentários:
J… “Percebo que criar algumas coisas não é fácil, em alguns minutos me
sinto perdida, mas quando começo não quero parar, pois me sinto bem”.
M.J, “Gostei, achei melhor pintar sem técnica, pensei que não ia conseguir
pintar o que imaginei, mas consegui, sinto-me livre e leve. Estou feliz”. (Apêndice D).
No 5º encontro, a oficina era:
“Pintar como eu me percebo”. Este
exercício deu continuidade ao anterior. O objetivo era o de realizar uma pesquisa
interior de cada um, através de um diálogo de como fui, como sou e o que pretendo
ser. Nessa vivência, eles tiveram a oportunidade de começar a se perceber como
pessoa, estabelecendo uma conversa interna a partir dos sentimentos, das
sensações através das imagens que lentamente iam surgindo na pintura do azulejo.
51
De acordo com Toro, Apud Bello, (2003), a gente não entra em contato
profundo com o outro e que precisamos expandir a percepção de quem somos… e
sentir a intensidade de cada momento.
Esse fato gera muitos conflitos internos, por isso é sempre saudável o uso de
uma terapia através da arte que leve o ser humano a se conhecer e perceber o
outro.
Figura 7 – 5º encontro – pintar como eu me percebo
O 6º encontro chamado “Colcha de Retalhos” foi realizado num prato
grande, onde foi sugerido que pintassem uma colcha de retalho, mas que fosse
utilizado apenas a metade do prato. A finalidade dessa atividade era a de juntar
todos os momentos bons e ruins da vida. Eles fizeram uma retrospectiva de coisas
que ficam guardadas no inconsciente. No momento de pintar a colcha de retalhos, o
grupo passou a resgatar e avaliar os tempos vividos.
Jung Apud Bello (2003, p.35) “acreditava que o inconsciente reflete as
potencialidades do indivíduo e seu propósito de vida”.
52
Para Ciornai (1994), a pintura é um tipo de linguagem um pouco regressiva,
no entanto é mais facilitadora de contato, é mais individual onde símbolos e signos
são criados pelo indivíduo.
Figura 8 – 6º encontro – colcha de retalhos
Por isso que ao usar tal técnica, o grupo teve a possibilidade de resgatar
momentos vividos, visando à auto-avaliação. Esse encontro só foi finalizado numa
etapa seguinte. Porém, ao final desse, pedi que comentassem como haviam se
sentido.
J.., “Estou me sentindo bem em poder viver momentos que jamais tive
coragem de dizer. E hoje consigo expressar através da pintura em porcelana.” Vou
revelar quando terminar de costurar a minha colcha”.
I.., “Isto me faz perceber o quanto eu fiquei a minha vida toda emendando os
pedaços para os outros. Estou cansada. Ao emendar cada pedacinho, fui
percebendo que minha vida não era linear, tinha muitos coloridos que eu não
gostava”.
53
O 7º Encontro: “Continuação da Colcha de retalho”.
J.., (senhora de 60 anos, três filhos). “Ao terminar esta colcha tão cheia de
cores, me vi fazendo a estamparia da fronha do travesseiro de minha mãe, quando
ela foi embora, abandonando a casa, a qual guardo até hoje. Eu tinha seis anos
quando ela se foi e a única coisa que eu vi em cima da cama foi a fronha. Hoje, saiu
um peso muito grande dentro de mim. Estou me sentindo leve”.
Figura 9 – 7º encontro – continuação da colcha de retalhos (sensibilização dança com as
cangas)
Figura 10 – 7º encontro – continuação da colcha de retalhos
54
E, finalmente, o 8º Encontro: “A linha da Vida”, que foi feita na outra
metade do prato. Nessa vivência, foi solicitada que o grupo fizesse, de modo criativo
e expressivo, a linha da vida relatando o passado, o presente e o futuro. O resultado
desse trabalho foi bastante significativo. Na verdade, este oitavo encontro foi a soma
dos outros, no sentido de que, nesse momento, o grupo podia expressar tudo que
havia vivenciado e qual o tipo de transformação que havia sido operada em cada
um. O trabalho de cada um revelava, para mim, a resposta às vivências realizadas.
Com vistas a isso, a satisfação foi muito grande, pois as pinturas criadas, tomando
como base a linha da vida, ficaram encantadoras e bastante significativas.
Nelas, o grupo manifestou suas impressões e sensações, de forma positiva.
Percebi que esses exercícios fizeram com que essas pessoas da Terceira Idade
adquirissem auto-estima e valorizassem mais sua vida em sociedade.
Vale ressaltar que todas as vivências foram iniciadas com uma sensibilização.
Essa técnica é bastante eficaz no ramo da arteterapia, visto que prepara a mente do
indivíduo para aquisição de novos conhecimentos.
Figura 11 – 8º encontro – linha da vida (sensibilização)
55
Figura 12 – 8º encontro – linha da vida
Figura 13 – 8º encontro – linha da vida
5.3 Resultados Observados
Durante o trabalho realizado nesses encontros, pude observar como essa
técnica contribui para as pessoas que me procuram. Como já foi relatada, essa
vivência são capazes de proporcionar momentos de relaxamento, concentração,
delicadeza
nos
transformações.
gestos,
trazendo
paz
interior
às
pessoas,
promovendo
56
No caso da experiência com um grupo da Terceira Idade, um desses
momentos foi efetivado, quando uma cliente (J.) revelou um segredo que havia
guardado há 53 anos. Essa memória veio à tona na hora em que estava pintando
uma colcha de retalho na porcelana. É a partir de fatos como esse que se pode
perceber a dimensão que a pintura em porcelana pode ter na vida das pessoas. Isso
porque, na ação de pintar, de forma expressiva, algo que está adormecido no
inconsciente de cada um desperta, e libera para o mundo exterior, provocando no
ser, muitas vezes, sensações de alívio.
De acordo com Bello (2003), é importante desenvolver programas de
educação emocional, aumentando as potencialidades humanas e da personalidade
criativa. A pintura como forma de expressão permite atingir uma dimensão potencial
da mente não controlada pelo conhecimento racional.
Nesse sentido, esses oito encontros tiveram a finalidade de trabalhar a
concentração, a percepção, a ajudar a auto-estima dessas pessoas, usando a
criatividade através da expressão.
Além disso, no trabalho com várias oficinas criativas, percebi como se
processam as transformações internas dos clientes. Nessa hora, observa-se como a
arte desperta e mobiliza os sentimentos. Durante esse processo, duas clientes
chamaram, particularmente, a minha atenção. Isso posto, por essas pessoas
demonstrarem mudanças bem visíveis de comportamentos. Além disso, em suas
próprias falas, elas relataram suas experiências diante do grupo. Os encontros
fizeram com que elas percebessem pontos importantes de sua vida na qual elas não
tinham ainda despertados.
Isso
foi
constatado
através
dos
vários
testemunhos.
Esses
foram
acontecendo, à medida que fui percebendo que havia uma energia no grupo, na qual
57
a confiança, a possibilidade de sentir-se capaz de fazer pintura sem compromisso
com a estética. Senti que o grupo foi adquirindo a confiança em si mesmo. Isso tudo
sendo resgatado através da arte. A partir deste estímulo, eles descobriam novos
caminhos para seu auto-conhecimento.
Outro
aspecto
importante
ocorrido
durante
os
encontros,
foi
que
gradativamente o grupo foi se integrando, havendo, assim, mais sociabilização e
troca de idéias, aumentando a confiança entre os mesmos. Nesse ponto, os
depoimentos iam surgindo com a maior naturalidade. Uma senhora (J, 59 anos)
disse: ds “Estes encontros estão me fazendo muito bem”. “Sempre fui muito
complicada, sofro de síndrome do pânico, estou aprendendo a conviver comigo e
com o outro.” “Aprendi a não ficar mais só e encontrei aqui carinho, compreensão, e
o que é mais importante, encontrei alguém que sabe me escutar”.
Nas sensibilizações, por exemplo, eram usados os movimentos. A água
representava a forma de música da natureza. Cada encontro era estudado e
trabalhado de modo que todas percebessem o carinho, o poder que cada uma tem
dentro de si, e que nada é impossível, só dependia de cada uma ver o mundo com
outros olhos.
Assim, as vivências iam acontecendo, num clima de segurança, percepção, a
sensibilidade e a criatividade, contribuindo para o bem-estar dos envolvidos nesse
processo.
58
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, percebe-se que a arteterapia em pintura em porcelana
pode servir como alimento terapêutico para aquelas pessoas que se encontram num
mundo solitário, ocioso ou vivendo outros problemas emocionais que, às vezes,
tiram o gosto pela vida. Isso ocorre porque toda forma de arte contribui para o ser
humano liberar, livremente, as suas angústias e preocupações, de forma lúdica.
No caso em estudo, observou-se que a criação artística levou um grupo da
Terceira Idade a encontrar-se consigo mesmo, recuperando a sua auto-estima e
valor pela vida. Muitas das atividades realizadas suscitaram nelas sentimentos de
delicadeza, paciência, emoção e sensibilidade através da criação livre, onde o
objetivo era a percepção do próprio conhecimento e valorização de si mesmo.
Essas vivências se processam terapeuticamente, na medida em que
despertam no ser humano à vontade de expressar seus sentimentos mais íntimos,
indo ao encontro de si mesmo e do outro através da aquisição de uma percepção
mais profunda sobre as coisas que o cerca.
Na verdade, o ser passa por uma transformação, onde a humanização de
sentimentos e valores são peças fundamentais porque, no processo de pintura em
porcelana, são trabalhados todos os sentidos do ser humano. Observa-se que essa
atividade mexe com as sensações táteis, visuais, perceptivas, expressivas e até
gustativas. A tinta quando colocada no pincel ou mesmo com o dedo, desperta no
indivíduo sensações diversas, onde a energia do indivíduo é transformada em
expressão com o movimento das tintas, das cores, tanto com pincel na porcelana ou
com o próprio movimento dos dedos em contato com a tinta em porcelana. Mas é
preciso ressaltar que um dos níveis mais importantes é o afetivo, pois é este que
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garante o equilíbrio emocional do indivíduo. É esse nível que motiva o ser a ir em
busca de seus sonhos ou projetos de vida.
Enfim, o que se pretende mostrar, nesse trabalho, é que a pintura em
porcelana é mais um material diferente que surge na arteterapia, proporcionando
bem-estar às pessoas, sendo um grande parceiro nas áreas de doenças mentais,
como também restituindo alegria de viver para a Terceira Idade.
60
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