os direitos das mulheres e o direito à alimentação
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os direitos das mulheres e o direito à alimentação
editorial 1 Editorial Desejamos aos leitores as boas-vindas a esta edição de cional. Ela também inclui experiências positivas para a lançamento da revista sobre o Direito à Alimentação da garantia do direito à alimentação, assegurando o direito ActionAid International, a qual esperamos que inspire à terra e a recursos naturais (incluindo comunidades de você a se mobilizar em prol desses direitos, a criar novos pesca artesanal) ou assegurando o direito ao trabalho e exemplos e a compartilhar suas valiosas experiências e outras subsistências. lições, mais amplamente. A seção Dossier enfoca os projetos e as conquistas A Food Files, nascida e nomeada no última reunião da Rede Internacional de Segurança Alimentar (IFSN) e de sobre o direitos alimentares, realizada em Coimbra, Por- outras redes. Nesta edição, nós oferecemos uma breve tugal, está sendo lançada ao mesmo tempo que a nossa apresentação do projeto da IFSN, suas principais ações campanha pelo Direito à Alimentação, que reivindica um internacionais na Organização das Nações Unidas para a comprometimento mais explícito dos governos para er- Agricultura e Alimentação (FAO) e os processos de con- radicar a fome através da implementação de políticas tinuidade da Conferência sobre Reforma Agrária e Desen- concretas de desenvolvimento destinadas a promover e volvimento Rural (ICARRD) e um estudo de caso sobre o respeitar o direito à alimentação. Como uma organização potencial da agricultura urbana e dos processos de for- de desenvolvimento que adota uma abordagem baseada mação de redes, baseados na experiência de Gana. nos direitos, a ActionAid está trabalhando em conjunto A seção Post-it destaca nosso trabalho atual sobre com grupos da sociedade civil, movimentos de agricul- os direitos alimentares e visa a dar suporte a organiza- tores, consumidores, organizações de mulheres e outras ções parceiras e a programas nacionais da ActionAid para organizações nacionais e internacionais não só para res compartilhar informações e melhores práticas. Nós nos ponsabilizar os governos, mas também para promover e concentramos nas iniciativas atualmente em curso dos implementar agendas de desenvolvimento alternativas. membros, tais como a proteção da terra pelas mulheres Mas por que uma revista? Porque boletins informativos, e-mails e a intranet não seriam a melhor forma de Maasai no Quênia, grupos de ajuda mútua em Bangladesh e iniciativas agroecológicas no Brasil. alcançar o que temos em mente; a saber, fornecer a nos- A seção Clips é um espaço para trabalhos inter- so pessoal, organizações parceiras e a outros públicos, temáticos e para a exploração de conexões entre o direito o acesso à informação sobre questões relacionadas ao à alimentação e outros temas. Nessa edição, nós apre- direito à alimentação. sentamos o debate sobre o direito das mulheres à terra e O formato revista é ao mesmo tempo bastante detalha do para ser uma ferramenta de capacitação efetiva e aces- a outros recursos naturais e dividimos com o leitor algumas experiências das comunidades de base. sível o suficiente para se partilhar lições e experiências de Finalmente, a seção Agenda apresenta reportagens modo eficaz. Ele pode oferecer mensagens coerentes so- curtas sobre eventos próximos e questões emergentes. bre as questões acerca da agenda do direito à alimentação Nesta edição de lançamento, nós destacamos nossa e ajudar a pôr em circulação informações úteis e interes- campanha HungerFREE. santes sobre eles. Ele pode também ajudar a delinear o Nós gostaríamos de congratular todos os nossos perfil do trabalho da ActionAid sobre direitos alimentares e colegas que atuam sobre o tema Direito à Alimentação fornecer um espaço para nossos parceiros, atores-chave que contribuíram para este novo empreendimento, espe- e doadores para partilhar suas opiniões e conquistas no cialmente os autores e o “conselho editorial”, e particu- tema. larmente Renata Neder e Marta Antunes por seus incan- Nas páginas que seguem, nós visamos a compartilhar sáveis esforços. com você projetos de pesquisa inovadores e inspiradores, Suas opiniões sobre esta e futuras edições serão idéias, campanhas e experiências de base. A seção File muito bem-vindas. Estamos ansiosos para ouvir suas oferece artigos de formação que visam à capacitação na idéias sobre como nós podemos melhorar a qualidade e área da organização e para melhorar a qualidade de nosso a utilidade desta publicação. Por favor entrem em contato trabalho. Nessa edição de lançamento, nós abordamos as através de [email protected] verdadeiras causas da fome e o direito à alimentação e fornecemos um estudo de caso sobre a violação do direi to à comida, perpetrado por uma corporação transna- Francisco Bendrau Sarmento file Francisco Bendrau Sarmento 2 Coordenador Internacional do Tema de Direito à Alimentação As raízes da atual situação de fome podem ser encontradas no modo como os países do sul foram integrados à economia mundial entre os séculos XVI e XX Investigando a fome no Atlântico Introdução É preciso que as instituições financeiras internacionais e os governos reconheçam que o modelo de desenvolvimento voltado para o mercado reproduz as causas da fome e da desnutrição, o que significa que a segurança alimentar não pode ser alcançada através de um crescimento econômico baseado nas vantagens comparativas das nações e seus respectivos mercados. Para uma reação, é crucial reconstruir a soberania do Estado e fortalecer as novas relações entre a política, a economia e a sociedade necessárias para o século XXI. A mobilização da sociedade civil é uma dimensão fundamental desse processo, assim como a crescente troca de conhecimentos entre as organizações da sociedade civil, particularmente os movimentos de pequenos agricultores, já que todos contribuem para novas experiências políticas no hemisfério sul, especialmente na região das Américas. Um grande número de pessoas responsáveis pela elaboração de políticas públicas e também ativistas sociais estão atualmente discutindo a promoção de novos modelos de cooperação mútua entre os países do sul. Com o presente artigo visamos a contribuir para este debate, examinando o fundo histórico como um modo de conquistarmos um entendimento mais claro das possibilidades e limitações desta abordagem. As raízes da atual situação de fome podem ser encontradas no modo como os países do sul foram integrados à economia mundial entre os séculos XVI e XX. Embora a desigualdade e a fome estejam intrinsecamente relacionadas à presente racionalidade econômica, pode-se também identificar Gideon Mendel / Corbis / ActionAid o potencial para construir novas crenças, visões e interesses partilhados como uma maneira de fortalecer a mobilização e a ação conjuntas. Uma análise histórica das relações estabelecidas no passado entre os países afri canos e a região das Américas (particularmente o Brasil) nos fornece um exemplo interessante. Tendo isso em vista, descrevemos abaixo as verdadeiras causas da vulne rabilidade na África. Reconhecendo a situação atual encontrada em ambos os lados do Atlântico, exploramos as diferentes limitações e possibilidades de se partilhar o conhecimento a fim de construir um futuro comum. file 3 CONSTRUINDO DESVANTAGENS COMPARATIVAS Para diversos autores, a Revolução Industrial e o “Libambo” em Quimbundo (uma língua africana crescimento econômico no hemisfério norte podem tradicional) significa uma fila de escravos ser atribuídos, em grande parte, ao comércio atlântico acorrentados. Atualmente, o termo “libombo” de escravos.1 Enquanto essa abordagem institucional é usado no Nordeste do Brasil para designar do desenvolvimento capitalista baseado na escravidão as ondas migratórias dos habitantes da região cada vez mais aceita, é importante analisar também as em direção ao sul para escapar da insegurança conseqüências que este regime teve para as econo- alimentar. mias periféricas de ambos os lados do Atlântico. A primeira sociedade escravocrata baseada no cultivo da cana de açúcar foi fundada em São Tomé e Príncipe. Com a entrada do Brasil no mercado açucareiro, estas ilhas foram transformadas em uma plataforma para o comércio atlântico de escravos, especialmente a partir de 1600. Viajando pela costa oeste da África, do Senegal até Angola, os comerciantes de escravos fizeram das marchas libambo uma característica constante por três séculos. Nenhuma alternativa econômica era dada a ou tros reinos africanos, tais como o Congo, por exemplo. O número total de escravos que chegaram (vivos) ao Brasil entre 1551 e 1860 é entorno de 4 milhões,2 uma quantidade muito maior do que os que foram trazidos para a América Espanhola e para as Antilhas Britânicas (aproximadamente 1 milhão e 600 mil, respectivamente).3 Cumpre observar que as taxas de mortalidade durante a captura, o transporte e a travessia do Atlântico eram altas. O número de escravos capturados foi muito maior que 4 milhões, provavelmente algo próximo a 10 milhões se considerarmos o intenso nível de violência empregada no processo, o resultado da concentração Jenny Matthews / ActionAid econômica e os níveis mais altos de produtividade envolvidos na atividade. O comércio escravo entre a África e as Américas foi provavelmente a atividade econômica legal mais lucrativa da história do capitalismo. Na África, a evolução demográfica esperada e os tradicionais sistemas políticos baseados na agricultura foram em alguns casos sistematicamente interrompidos por mais de três séculos. A insegurança Alimentar e os conflitos internos ajudaram os comerciantes a A fome e a situação de pobreza na África diminuir custos e a fornecer abastecer escravos para Subsaariana é alarmante. Mesmo com um crescente mercado internacional. Posteriormente, taxas de crescimento econômico anual de dinâmicas técnicas, sociais e econômicas estavam aproximadamente 7%, 48 países africanos fortemente condicionadas por esta herança, visto que precisariam de 50 anos para obter uma renda per a escravidão foi substituída por vários acordos insti- capita suficiente para lhes permitir escapar da tucionais elaborados para fornecer força de trabalho pobreza – e isso numa perspectiva considerando para uma das primeiras áreas nas quais o capital acu- projeções conservadoras de crescimento mulado com a escravidão foi investido: o plantio, prin- demográfico futuro. O crescimento econômico, cipalmente de café e cacau. portanto, deve lidar com o principal problema do Por conseguinte, as condições para desenvolver e consolidar os pequenos agricultores, para desenvolver continente: a pobreza. (Fonte: Robert Kappel 2001, The end of the great illusion, University of Leipzig) file Francisco Bendrau Sarmento 4 a pesquisa e possibilitar a industrialização subse- cação e vulnerabilidade por mais de 200 anos e a partir qüente de matérias-primas para abastecer o mercado de então continua a ser uma “moeda” alternativa em doméstico somente apareceram – e de forma bastante vários países africanos.8 acanhada – perto do final do século 20, ainda seve Devido a seu relacionamento anterior com a África, ramente limitadas em seu desenvolvimento devido ao três quartos da população brasileira no final do século fato de que a maior parte da população não tinha poder XIX estava ocupada na produção para consumo próprio, de compra e à ausência de tecnologias de nível médio para o mercado interno ou mercados locais. A expansão adaptadas aos trópicos. As vantagens comparativas do mercado doméstico induziu um processo de industria foram também responsáveis pelo desenvolvimento lização inicialmente baseado em pequenos fabricantes.9 histórico do capitalismo nas Américas. A maioria dos escravos africanos eram adquiridos com produtos agrícolas americanos (brasileiros): O desenvolvimento agrícola promoveu investimentos na indústria metal-mecânica, cujo objetivo era produzir equipamentos para a agroindústrias.10 mandioca (diversos tipos), tabaco (Nicotiana sp), milho A principal preocupação deste setor era o proces- (Zea Mays), diversas frutas americanas e finalmente samento e a comercialização de produtos alimentí- cachaça, ou rum de cana de açúcar. Inicialmente, a cios tradicionalmente consumidos pelas populações mandioca era o principal produto de troca. Hoje em urbanas com baixo poder aquisitivo. Este era um dia, a mandioca é cultivada desde o sul do deserto do setor naturalmente protegido: por um lado, não havia Saara até a ponta sul de Angola, onde ainda é uma im- nenhuma competição com produtos importados e, por portante fonte de calorias nas áreas rurais. Ao contrário outro lado, as matérias-primas eram, em sua origem, da mandioca, que precisa de um ano para ser colhida, exclusivamente nacionais. Essas indústrias desenvolve 4 o milho ou “masa mputo” pode ser transportado na ram a maquinaria e as tecnologias nacionais, menos forma de grão. Levando essa comida sul-americana sofisticadas tecnicamente, mas melhor adaptadas às consigo em seus ataques, os guerreiros Java da África necessidades econômicas e sociais locais – uma base Central conseguiram aumentar sua mobilidade e desse tecnológica e agentes e categorias sociais relaciona- modo aumentar o número de escravos capturados e das que não conseguiram emergir na maior parte dos enviá-los para as Américas. países africanos. Os processos de produção de refeições a base de Após a 2ª Guerra Mundial, as relações capitalistas milho e mandioca foram aperfeiçoados nas Américas, tornaram-se hegemônicas no Brasil rural, onde o capi- particularmente no Brasil, onde os níveis crescentes de tal monopolista foi estabelecido e o Estado engajou-se consumo de alimentos para seres humanos e animais no apoio à “revolução verde”. Até 1968, as empresas resultaram na adaptação e na melhoria das técnicas de multinacionais já eram proprietárias de 35% do setor processamento. Contudo, a cachaça (ou jeribita)5 foi o alimentício brasileiro. Enquanto isso, a sociedade civil produto responsável pela compra da maior parte dos estava contestando o regime militar. escravos6 e entre 1699 e 1703 chegou a representar Na década de 1980, o Movimento dos Trabalha- 78,4% das bebidas alcoólicas legalmente importadas dores sem Terra (MST) surgiu no sul do Brasil, uma na África. Ela aumentou a oferta de escravos7 e teve região onde pequenos proprietários de terra estavam um impacto dramático nas economias rurais africanas mais consolidados e organizados. Juntamente com ao contribuir, mais adiante, para uma maior desertifi- outros movimentos rurais e urbanos, o MST contribui A mandioca é originária das Américas e era o principal produto cultivado pelos Guarani. Os portugueses levaram a mandioca para a África. Cultivada em Angola desde o final do século XVI, supõe-se que ela chegou inicialmente em São Tomé e Príncipe. O extremo leste da África estava ainda importando mandioca do Brasil no século XIX. A mandioca forma a base da dieta africana. Angola, Costa do Marfim, Níger, Zaire e Gana eram os principais produtores mundiais, mas não exportadores. O Brasil pertence ao grupo dos principais exportadores de mandioca. A mandioca tem um alto teor de energia, rica em dextrose e glucose e possui uma série de usos não alimentares (cola, papel, etc.). fortemente para o papel da sociedade civil na luta pela implementação do direito à alimentação. CONSTRUINDO UM FUTURO COMUM Historicamente, os processos do modelo de desenvolvimento voltado para o mercado gerou a desigualdade entre o Norte e o Sul e dentro do Norte e do Sul. A atual situação global de pobreza e fome, assim como as lutas sociais e as políticas públicas relacionadas que tiveram a intenção de mudar esta situação, são também o resultado de um fluxo de pessoas, plantas, rituais e padrões sociais que surgiram com a expansão do mercantilismo e a consolidação das relações file 5 capitalistas na agricultura. Isso se aplica, em particu- importante selecionar territórios com sistemas ecocul- lar, a casos como o do Brasil, nas Américas, e vários turais comuns como ponto de partida. países africanos incluindo a Guiné, Benin, Gâmbia, An- Já é hora de contestarmos a história e construirmos gola, São Tomé e Príncipe, República Democrática do novas relações entre os países do sul, englobando a Congo e Moçambique. O comércio escravo foi respon- sociedade civil e outros atores relevantes incluindo os sável em diversos níveis pelo subdesenvolvimento do estados nacionais. Temos que fazê-lo guiados por uma pequeno agricultor e a subseqüente vulnerabilidade racionalidade diferente, reconhecendo as limitações alimentar em diversos países africanos. Contudo, históricas do modelo de “vantagem comparativa”. ela também foi responsável pelo desenvolvimento Nossa luta pela erradicação de “libambos” e “libom- econômico e a desigualdade nas Américas, particular- bos” tanto na África quanto nas Américas é também mente no Brasil, onde ajudou a plantar as sementes da uma luta pela solidariedade, respeito e relações ho mobilização social atual. nestas entre iguais. Aprendendo com esta história comum, a sociedade 1 INIKORI, Joseph, (2002) Africans and the Industrial Revolution in England, Cambridge University Press. 2 ALENCASTRO, Luís Felipe, O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, Séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 3 Durante o período considerando nas colônias britânicas de 1626 a 1840, e na América Espanhola de 1526 a 1870. 4 Em Kicongo, “masa mputo” significa espinho (spike) de Portugal. O grão africano sorgo é conhecido como “masa mbela” ou espinho da aldeia. 5 Jeribita é o nome dado à bebida em Angola. Em Tupi, “jeribá” significa um tipo de palmeira usada pelos povos indígenas do Brasil para produzir uma bebida fermentada 6 ALENCASTRO, Luís Felipe, O trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, Séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 7 A partir de 1660, o preço relativo do escravo africano comparado ao da cachaça, permaneceu baixo até a última década do séc. XVII. 8 No início do século 20, o território tinha a capacidade de produzir aproximadamente 150 mil toneladas de açúcar. Contudo, somente mil toneladas eram produzidas. 90% da cana de açúcar plantada era desperdiçada divido ao fato de que a produção de bebidas alcoólicas era controlada por burgueses locais. Quase 100 anos após a independência do Brasil, a cachaça conservou seu valor como moeda em Angola (Torres 1991). 9 SINGER, Paul ‘Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento,’ in Fausto, Boris (ed.); O Brasil Republicano, 4th volume, Tome III, São Paulo: Difel, 1984. 10 No Brasil, em 1889, 60% do capital industrial era investido no setor têxtil e 15% no setor alimentício. Em 1907, 26,7% estava no setor de alimentos e 27,6% na indústria têxtil. SIMONSEN, Roberto, C. A evolução industrial do Brasil, São Paulo: Federação das Industrias de São Paulo, 1939. 11 A maior parte deles composta de afro-descendentes. 12 O mesmo se aplica às lutas sociais e políticas africanas e a experiências tais como a luta pela independência, socialismo ou contra o apartheid. Isso será analisado em outro artigo. 13 O atual ministro brasileiro responsável pelo programa Fome Zero, Patrus Ananias, reconheceu publicamente a dívida histórica e social do Brasil com a África, particularmente com os países lusófonos. 14 Naturalmente, através de produção local e não somente através de importações. civil e outros atores podem fortalecer e compartilhar conhecimentos a fim de trabalharem junto para contestar esta racionalidade econômica ultrapassada e lutar pela implementação legislativa imediata do direito à alimentação. Isto é particularmente importante para os movimentos de pequenos agricultores e para aqueles encarregados da elaboração de políticas públicas e também no que se refere à necessidade de apoiar sistemas agrícolas sustentáveis de pequena escala como um mecanismo para um crescimento econômico mais eqüitativo. Desse modo, há duas lições a serem consideradas: A luta histórica da sociedade civil nas Américas, particularmente a dos grupos mais desfavorecidos11 levou a mudanças políticas e institucionais significantes em países tais como o Brasil, a Bolívia e a Venezuela. Contudo, essas mudanças não podem simplesmente ser “transferidas” para os países africanos.12 As trocas de conhecimentos dentro da África precisam ser promovi das, ao passo que as trocas com as Américas devem ser avaliadas a fim de unir os grupos sociais com semelhanças culturais resultantes de processos históricos. Esses os grupos têm o claro potencial para parti lhar e construir as novas crenças, interesses e visões comuns mencionadas na introdução deste artigo.13 O desenvolvimento e os encarregados da elaboração de políticas públicas não devem esquecer que as “economias populares e informais” são a base da maioria dos sistemas econômicos africanos. Isto significa que uma estratégia de desenvolvimento que promova e assegure a direito à alimentação deve promover técpara aumentar o acesso a bens e serviços localmente produzidos a um preço mais baixo e a um número mais alto de pessoas.14 Sobre este aspecto particular, trocas técnicas de conhecimentos entre os países do sul, como por exemplo, o Brasil e outros países latino-americanos devem consideradas e estimuladas. É Marion Khamis / ActionAid nicas de produção, fornecimento e difusão adaptadas file Flavio Luiz Schieck Valente/FIAN 6 Secretário Geral da FIAN International, Ex-relator do Direito Humano à Alimentação Adequada, Água e Terra na Plataforma Brasileira dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais Direito Humano à Alimentação Adequada Promovendo o para pôr fim à fome e à desnutrição É inaceitável que parcelas significantes da população mundial, especialmente aquelas que vivem em áreas rurais do hemisfério sul, continuem a enfrentar o flagelo da fome e da desnutrição em caráter diário. As últimas estimativas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), divulgadas em 2006, mostram que o número de pessoas subnutridas cresceu de 8541 para 869 milhões2 nos últimos anos. A ampla maioria são camponeses, pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem terra, povos indígenas e populações tradicionais (80%), embora a proporção de pessoas desnutridas esteja crescendo mais rapidamente nas regiões urbanas. Aproximadamente 70% destes são mulheres. É também inaceitável que: • mais de 2 milhões de seres humanos, na maioria mulheres e crianças, sofram de anemia nutricional, • 146 milhões de crianças estejam abaixo do peso,3 • 182 milhões de crianças tenham seu crescimento normal significantemente afetado,4 • mais de 120 milhões de crianças apresentem deficiência de vitamina A, • a cada ano, 20 milhões de crianças nasçam com um peso abaixo do mínimo” •18 milhões de crianças nasçam, a cada ano, devido à deficiência de iodo, 5 com distúrbios mentais que podem ser facilmente evitados. Por conseguinte, mais de 5,6 milhões de crianças abaixo de 5 anos morrem todos os anos em decorrência de doenças que poderiam perfeitamente ser evitadas, quase sempre associadas à desnutrição e a complicações a ela relacionadas.6 Os sobreviventes, por outro lado, sofrem apresentando deficiências de aprendizado e desenvolvimento, assim como problemas emocionais e afetivos que afetam severamente sua capacidade de levarem uma vida digna. Eles têm, acima de tudo, um risco significativamente mais alto de desenvolver e morrer de doenças degenerativas crônicas, tais como obesidade, diabetes e complicações cardiovasculares. É importante destacar que isto está acontecendo num mundo que produz mais comida que do que é preciso para alimentar de forma adequada toda a população global e que tem recursos econômicos e conhecimentos técnicos e científicos suficientes para lidar e resolver as causas da fome e da desnutrição. Então, por que isso não é feito? AS CAUSAS DA FOME E DA DESNUTRIÇÃO Muitas das diversas conferências intergovernamentais realizadas ao longo dos últimos anos, inclusive a World Food Summit: Cinco Anos Depois (Roma, 2002), atribuiu o fracasso na redução da fome no mundo à “falta de vontade política e investimentos da parte dos governos”. Georgina Cranston / ActionAid As estimativas mais recentes da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), divulgadas em 2006, mostram que o número de pessoas subnutridas cresceu de 854 para 869 milhões nos últimos anos. file 7 Mais de 5,6 milhões de crianças abaixo de 5 anos morrem,todos os anos, em decorrência de doenças que podem ser evitadas, o que está associado à desnutrição e outros quadros relacionados. file Flavio Luiz Schieck Valente 8 Nós pensamos de forma diferente. Na verdade, a maior parte dos governos – especialmente aqueles dos países ricos e poderosos – tomaram a decisão política de usar sua “vontade e recursos” para implementar um mode lo de desenvolvimento voltado para o mercado que reproduz as causas da fome e da desnutrição e que, em muitas instâncias, agrava ainda mais esses problemas. Muitos governos do sul foram obrigados a praticar ações similares por tratados de ajuste estrutural e de liberalização comercial, ou procederam desta forma em aliança com as elites nacionais. Os poucos governos que tentaram adotar uma abordagem diferente estão sujeitos a pressões de organizações intergovernamentais e governos economicamente poderosos para que Liba Taylor / ActionAid mudem suas políticas. Todavia, os Estados e governos, assim como os organismos internacionais, não só têm a obrigação moral de reduzir esses números, mas também têm a obrigação legal de fazê-lo. A grande maioria dos Estados do mundo aprovou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (156 países), no qual se com- demonstraram claramente o que ele envolve: privilégios prometeram a respeitar, proteger, promover, facilitar e cada vez maiores para poucos; o fortalecimento político oferecer o direito humano à alimentação comida ade das corporações transnacionais (TNCs); uma crescente quada, dentre outros direitos, para todos os habitantes concentração de riqueza e terra, num nível tanto global de seus territórios. O direito à alimentação adequada é quanto nacional; degradação do meio ambiente com um direito humano em pé de igualdade com todos os conseqüências críticas para o clima, biodiversidade e outros direitos humanos. O direito à alimentação está a qualidade de vida na terra; destruição progressiva de inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos práticas agrícolas sustentáveis e de populações tradi- (Artigo 11), assim como em alguns Direitos Humanos cionais; aumento das desigualdades; redução na quali- regionais – tais como a Declaração Interamericana dos dade da comida disponível; e deslocamento de milhões Direitos Humanos – e diversas constituições nacionais. de famílias em todas as partes do mundo, devido aos É importante destacar que a Declaração Universal dos assim chamados “mega-projetos de desenvolvimen- Direitos Humanos é uma conquista da luta contínua to”. Estas são, na verdade, as mais importantes cau- através dos séculos de grupos sociais e pessoas contra sas por trás das já mencionadas violações em escala a opressão e a discriminação de todos os tipos e pela mundial do direito humano à alimentação adequada. regulação do poder econômico, político e religioso. Foi Muitos desses processos são realizados com o apoio esta luta que forçou os Estados a se comprometerem e o incentivo de organizações intergovernamentais de com o cumprimento dos Direitos Humanos. E será so- comércio e financiamento, tais como o Banco Mundial, mente através de mais luta e mobilização social que o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mun- seremos capazes de garantir que os direitos humanos dial do Comércio (OMC). sejam assegurados para todas as pessoas. Enfrentamos atualmente – em escala global, regio A LUTA POR UM MUNDO DIFERENTE nal e nacional – a disputa entre dois campos opostos: A sociedade civil, os movimentos sociais e os governos um que acredita que o mercado livre e a economia são preocupados com a questão têm intensificado sua mo- as únicas forças capazes de promover “desenvolvimen- bilização contra esta hegemonia e suas conseqüências to” e um dia reduzir a fome e a pobreza, e a outra que negativas. Um exemplo é o ativismo crescente dos mo defende a idéia de que as pessoas devem ser coloca- vimentos camponeses em todas as partes do mundo em das no centro de quaisquer políticas decisórias e que o busca da Soberania Alimentar, um fenômeno que já con- mercado deveria ser regulado pela primazia dos direitos seguiu conquistar o apoio de governos de várias partes e da dignidade humana. Os últimos 20 anos da hege- do mundo, como o da Bolívia, Mali e Nepal e continua a monia galopante do modelo voltado para o mercado se expandir sob a liderança de La Via Campesina. file 9 CG12: “O direito à alimentação adequada é conquistado quando cada homem, mulher e criança, sozinhos ou em comunidade com outros, têm quada tanto preventiva quanto curativa. Isso também sempre acesso físico e econômico à alimentação significa que governos têm a obrigação de proteger adequada ou a meios para sua aquisição” o direito à alimentação contra possíveis abusos por parte de terceiros, especialmente interesses econômi- Um outro exemplo é a mobilização social que – cos privados como os do agronegócio e das TNCs. junto com o processo da World Food Summit levou à O Comentário Geral e as Diretrizes para o Direito elaboração do Comentário Geral 12 sobre a promoção à Alimentação oferecem recomendações para o esta- do direito à alimentação do Comitê da ONU para os Di- belecimento de uma estratégia nacional coerente e in- reitos Econômicos, Sociais e Culturais e a aprovação tegrada de nutrição e segurança alimentar, promovida por 189 Estados Membros da FAO das Diretrizes Vo dentro de uma abordagem baseada no direito humano luntárias para a promoção e progressiva realização do à alimentação, com uma total participação da socie- Direito à Alimentação Adequada. Esses dois documen- dade civil e sem discriminação, em quaisquer níveis tos estabelecem recomendações claras sobre como de elaboração, tomada de decisões, implementação e os governos devem trabalhar para garantir o direito à monitoramento, e a criação de mecanismos indepen alimentação a todos os seus cidadãos através de to- dentes para reivindicar direitos humanos. 7 dos os mecanismos necessários, incluindo legislação As organizações da sociedade civil e os movimen- específica, políticas públicas, programas e instituições tos sociais em todos os países devem se apropriar des- responsáveis pelo monitoramento da implementação e sas ferramentas e usá-las para pressionar os governos por investigar as violações deste direito. para que implementem políticas nacionais que visem à Não se pode superestimar a importância da documentação das violações e da responsabilização dos erradicação da fome e à promoção do Direito à Alimentação Adequada. Estados a fim de resolver as violações e evitar que Ao mesmo tempo, os movimentos da sociedade civil novas surjam e também a importância de se monitorar devem aumentar seus esforços para expor e documen- a implementação efetiva de atividades governamen- tar as violações já existentes ao Direito à Alimentação tais referentes à promoção do direito à alimentação. Adequada em seus países e reivindicar ações de autori- A sociedade civil deve portanto continuar a exercer a dades públicas locais, regionais e nacionais nos níveis função de cão-vigia mantendo apoio às vítimas das legislativo, executivo e judiciário, para que se possa su- violações através do trabalho de defesa e para avaliar a perar essas violações. Paralelamente a esse trabalho, performance/desempenho estatal com relação ao direi as violações documentadas deveriam ser incluídas nos to à alimentação, monitorando as políticas de estado. relatórios da sociedade civil para o Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Cultu USANDO INSTRUMENTOS EXISTENTES PARA rais (UN CESCR) e para sistemas regionais de direitos RESPONSABILIZAR OS GOVERNOS POR SUAS humanos. Esta é uma outra maneira de pressionar os OBRIGAÇÕES governos a promover políticas nacionais que conduzam De acordo com esses tratados, os governos têm a mais efetivamente à erradicação da fome e à promoção obrigação não só de usar imediatamente todos os mei- da dignidade humana. os disponíveis para erradicar a fome e a desnutrição, Já existe em curso um esforço para estabelecer um mas também de promover as condições necessárias mecanismo de apelação internacional que permitiria para garantir o direito à comida adequada para todos reclamações contra a violação de direitos econômicos, os cidadãos através de políticas públicas. Isso signifi- sociais e culturais (ESCR) a serem arquivadas direta- ca, por exemplo, garantir acesso a recursos produtivos mente no UN CESCR. O protocolo opcional seria uma de modo que as pessoas possam produzir sua própria ferramenta adicional na nossa luta, complementando o comida (terra, água, assistência técnica, sementes, protocolo existente para direitos civis e políticos. crédito, etc); gerando empregos, assegurando a disponibilidade de comida de qualidade a preços ade OS GOVERNOS também TÊM OBRIGAÇÕES quados e de acordo com padrões alimentares e cultu INTERNACIONAIS nOS DIREITOS HUMANOS rais; garantido a segurança e a qualidade da comida; Os governos também têm a obrigação de assegurar assegurando o acesso a água potável limpa e a sa- que as políticas nacionais ou as decisões políticas nas neamento; promovendo e criando condições para o organizações intergovernamentais não atrapalhem a a amamentação como alimentação exclusiva até os 6 capacidade de outros governos de garantir o direito à meses de idade e oferecendo assistência médica ade comida para seus próprios cidadãos. file Flavio Luiz Schieck Valente 10 Os subsídios agrícolas distribuídos pelos Estados Unidos e pela União Européia reduzem significativamente o preço dos bens agrícolas que exportam, levando em muitos casos à destruição da produção agrícola local no sul e à incapacidade de pequenos agricultores de continuar se alimentando. Essa prática vem sendo contestada como uma violação da obrigação extraterritorial de respeitar o direito à alimentação. Um questionamento similar tem sido feito sobre as decisões tomadas pelos governos junto à diretoria das Instituições Financeiras Internacionais em apoio a prosem as medidas compensatórias necessárias para garantir que continuem desfrutando do direito à alimentação e outros EDCRs. Finalmente, os governos são cada vez mais recrutados pelo Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais para regular as atividades das TNCs baseadas em seus países de modo a assegurar que elas não infrinjam a capacidade das populações a fim de que outros países usufruam de seu Tom Pietrasik / ActionAid jetos de desenvolvimento que desalojam populações nossa capacidade de responsabilizar governos e orga nizações internacionais, de pressioná-los a honrar com compromissos que assumiram e de reivindicar mais co- direito à alimentação. erência nas políticas públicas nacionais e internacionais. CONCLUSÃO das respeitando a primazia dos Direitos Humanos que No presente momento, estamos numa importante encruzilhada na história da humanidade, e a luta con- Essas políticas deveriam ser elaboradas e implementaestabelecem a promoção da dignidade humana para todos como a prioridade central da humanidade. tra a fome e a desnutrição está em seu centro. O modelo de desenvolvimento voltado para o mercado já demonstrou suas limitações para garantir a qualidade de vida para a maior parte de humanidade. Sua atividade contínua certamente trará mais desigualdades, menos biodiversidade, mais agricultura intensiva e irá acelerar o já evidente aquecimento global, com possíveis conseqüências calamitosas para o meio-ambiente, produção e qualidade dos alimentos. Mesmo as alternativas propostas, tais como a crescente utilização de biocombustíveis, podem agravar, mais adiante, a situação global se não estiverem associadas a um processo decisório baseado nas pessoas, levando a um futuro desalojamento de agricultores e a uma redução ainda maior da qualidade – e talvez da quantidade – da comida produzida. A sociedade civil deve intensificar sua mobilização contra a fome e por um mundo novo. Usar os instrumentos de direitos humanos existentes pode fortalecer 1 FAO. The State of Food Insecurity in the World - SOFI 2006. Rome, FAO, 2007.Texto integral disponível em http://www.fao.org/docrep/009/ a0750e/a0750e00.htm (consultado em junho de 2007) 2 Em: http://www.fao.org/es/ess/faostat/ foodsecurity/Files/ NumberUndernourishment_en.xls 3 UNICEF. Progress for Children. A report card on nutrition. New York. UNICEF. 2006. 4 Barbara Macdonald, Lawrence Haddad, Rainer Gross, and Milla McLachlan, “Nutrition: Making the Case.” In: Nutrition: A Foundation for Development, Geneva: ACC/SCN, 2002. 5 UN SCN The critical role of nutrition for reaching the Millennium Development Goals and success of the Millennium Development project. SCN meeting in ECOSOC. 7 Junhe 2005. Em: http://www. unsystem.org/SCN/Publications/ecosoc/RS6%20SCNECOSOC.doc 6 UN SCN Participants statement, SCN 33rd. Annual session , Geneva, Switzerland, Março 2006. 7 Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral 12. O direito à alimentação adequada (Artigo 11). UN Doc. E/C 1999/5. Genebra: CESCR, 12/05/99. 8 No início do século 20, o território tinha a capacidade de produzir aproximadamente 150 mil toneladas de açúcar. Contudo, somente mil toneladas eram produzidas. 90% da cana de açúcar plantada era desperdiçada divido ao fato de que a produção de bebidas alcoólicas era controlada por burgueses locais. Quase 100 anos após a independência do Brasil, a cachaça conservou seu valor como moeda em Angola (Torres 1991). 9 SINGER, Paul, “Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento”, in FAUSTO, Boris (ed.), O Brasil Republicano, 4o volume, tomo 3, São Paulo: Difel, 1984. file Pedro Avendaño/WFF Srikanth Kolari / ActionAid As comunidades de pesca artesanal na discussão sobre a soberania alimentar As comunidades de pesca artesanal formam uma parte da memória da humanidade e o peixe constitui um elemento insubstituível na dieta de mi lhões de lares, especialmente nos países em desenvolvimento e também em alguns países desenvolvidos. As estatísticas da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e de outras organizações especializadas revelam a importante contribuição dessas comunidades para a segurança alimentar mundial com uma presença crescente nos mercados nacionais e internacionais. Elas também revelam seu papel relevante de substituição e complementação dos tradicionais produtos agrícolas. Um bilhão de pessoas no mundo dependem do peixe como sua fonte primária de proteínas. Enquanto o consumo anual de peixe per capta nos países industrializados (29 quilogramas) é mais do que o dobro do consumo em países em desenvolvimento, pelo menos três quartos dos recursos são capturados em mar aberto (de acordo com o peso) em países em desenvolvimento, que também fornecem 9 de cada 10 peixes oriundos da piscicultura. Assim, o peixe é uma das matérias primas mais amplamente comerciali zadas. 75% dos produtos de origem marinha é vendido a cada ano nos mercados internacionais e avaliado aproximadamente em 56 bilhões de dólares americanos, de acordo com as exportações de 2002. Japão, Estados Unidos e a União Européia são os principais importadores, trazendo o peixe capturado em mares estrangeiros ou criado em outras regiões para seus mercados, e enviando também sua frota pesqueira industrial para esvaziar os países costeiros em desenvolvimento. Na costa oeste da África, por exemplo, os grandes navios europeus e japoneses desalojam embarcações menores, deixando poucos peixes para alimentar a população local. Um bilhão de pessoas no mundo dependem do peixe como sua fonte primária de proteínas. Michael Amendolia / Network / ActionAid 11 Diretor do Fórum Mundial de Pescadores e Trabalhadores da Pesca – WFF file 12 A ironia é que os governos subsidiam a destruição dos recursos oceânicos com aproximadamente 15 a 30 bilhões de dólares por ano. Em 2001 os subsídios pagos à indústria pesqueira no Japão alcançaram o valor de 2,5 milhões, o que é equivalente ao valor de 1/4 do peixe capturado. Os subsídios à pesca nos Estados Unidos somam 1,2 milhões de dólares, superando o valor de 30% do pescado norte-americano. Estima-se que a força de trabalho total das comunidades de pescadores artesanais alcance 100 milhões de pessoas em todo o mundo. Supõe-se que, para cada pescador, haja três pessoas trabalhando em atividades relacionadas, o que mostra o valor político, econômico, social e ambiental das áreas de pesca de pequena escala. Permitindo uma exploração mais racional e eqüitativa dos recursos pesqueiros, a pesca artesanal contribui para a preservação da biodiversidade dos ecossistemas marinhos, favorecendo a reprodução social de grupos que dependem deles. file 13 O conhecimento ecológico dos pescadores é um de todos os subsídios à pesca a 5% dos todos os pesca- traço específico de sua cultura, possibilitando um dores. Este é claramente um caso de desigualdade que manejo adequada dos recursos pesqueiros. dificulta o desenvolvimento de um comércio livre e justo. David San Millan / ActionAid Dessa forma, é necessário preservar os aspectos sócio-culturais mais relevantes presentes nas comu- A PERDA DE DIREITOS DE PESCA nidades de pesca artesanal, mantendo sua conexão Anteriormente, o acesso aos recursos marinhos do com o exercício da soberania alimentar em seu as- mundo era aberto ou seguia normas regulamentadas pecto marinho. pelo tradicional uso habitual. Contudo, durante as 2 A pesca de pequena escala cria proporcionalmente últimas décadas, houve uma tentativa de regular o mais riqueza que a pesca industrial devido a uma in- acesso a estes recursos através da Convenção das versão menor na exploração de custos e ao maior Nações Unidas sobre o Direito Marinho, em 1982, e valor unitário das espécies capturadas. Em diversos também através de vários acordos subseqüentes. A fi- países africanos, do Pacífico e Caribe, a exploração nalidade era superar conflitos entre os países e dentro dos produtos da pesca, em sua maioria vindos de do próprio setor pesqueiro (pesca industrial contra a áreas de pesca de pequena escala, excede o valor das pesca artesanal, pesca para exportação contra a pes- exportações de chá, café e cacau. Praticamente, 99% ca de subsistência) e evitar a exploração excessiva das de todo o pescado artesanal tem uso comercial ou é reservas de peixes marinhos. Embora esses acordos imediatamente direcionado para o consumo humano. tivessem o objetivo de proteger a igualdade de acesso Esta questão é particularmente relevante pois, desde à pesca marítima e a finalidade de alguns deles fosse 1882, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito salvaguardar a subsistência de pescadores artesanais, Marinho (UNCLOS) reconhece a importância dos ecos- na verdade, isso nem sempre funcionou. Na prática, sistemas marinhos na biodiversidade oceânica, sua a desigualdade ainda persiste entre os países desen- fragilidade e a necessidade de preservá-los e prote- volvidos e os países em desenvolvimento. gê-los da pesca de larga escala (Agenda 21, UNCED). A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito Na verdade, diversos países já estabeleceram mode Marinho garante aos países o direito de explorar seus los de gestão da pesca baseados nos ecossistemas próprios recursos pesqueiros em suas águas territo- e reconhecem o importante papel das comunidades riais e em suas zonas econômicas exclusivas. Atual- de pescadores artesanais, embora não o suficiente. mente, quase 99% destes recursos no mundo estão Entretanto, a tendência imposta pelas políticas neo- sob jurisdição nacional. Cada país é obrigado a efetuar liberais fomenta práticas industriais que usam estraté- um controle de capturas por meio de quotas (nível de gias e técnicas de extração não-seletiva. pesca sustentável) e evitar a exploração excessiva Estas, por sua vez, afetam o fundo do mar e as de seus recursos. Se um país não é capaz de pescar reservas de peixes, ao capturarem peixes muito jo- até o nível máximo permitido pelas quotas, ele está vens e outras espécies não-comerciais (o chamado obrigado, então, a permitir o acesso de outros países. bycatch), que são posteriormente lançadas de volta Entretanto, está pressuposto que as condições desse ao mar. A mortalidade de peixes devido ao bycatch às acesso estão regulamentadas de tal forma que a vezes excede 90% do pescado, como é o caso das primeira coisa a se levar em consideração são os inter- áreas de pesca do camarão no Golfo do México. Para esses nacionais e os modos de vida locais; depois, as as comunidades de pescadores de todas as partes do necessidades das países da região, particularmente os mundo, a globalização imposta pelas políticas neolibe países que não têm litoral e países com uma localiza- rais significa uma drástica redução dos direitos de ção geográfica desfavorável; e finalmente as necessi- acesso aos recursos pesqueiros e a áreas de pesca e dades de outros países. A finalidade da Convenção é territórios tradicionais nas zonas costeiras. Apesar da fortalecer os direitos dos países sobre seus próprios crescente dinâmica dos mercados internacionais dos recursos pesqueiros. produtos de pesca, os quais na maioria vêm de áreas Visto que países muito pobres não são capazes de de pesca de pequena escala, 95% de todos os pesca- controlar as áreas de pesca em suas águas territoriais, dores artesanais vive com menos de 2 dólares por dia. a pesca ilegal (operações de pequena e grande escala) Os pescadores dos países em desenvolvimento pes- freqüentemente os priva de seus próprios recursos. cam 2/3 de todos os recursos pesqueiros do mercado De acordo com a FAO, a pesca ilegal não-declarada mundial. Os governos dos 10 países mais ricos do mun- e não regulamentada está crescendo tanto em intensi- do concedem aproximadamente 20% ($US 15 bilhões) dade quanto em diversidade, “dificultando seriamente file Pedro Avendaño 14 esforços nacionais e regionais para o manejo susten- comunidades tradicionais ou pescadores de pequena tável dos recursos pesqueiros”. A incapacidade dos escala estão estabelecidos. Desse modo, o princípio da países controlarem suas águas deve-se parcialmente soberania alimentar nas áreas de pesca contesta a insu- a políticas econômicas globalizadas que limitam a ca- ficiência do presente modelo pesqueiro de crescimento pacidade do Estado de assumir atividades de controle, e desenvolvimento econômico baseado exclusivamente supervisão e monitoramento. nos processos extrativos. Esses processos, por um lado, Em escala local, as políticas mundiais que visam dificultam o manejo sustentável dos oceanos; por outro à privatização e à exploração da pesca marítima oca lado, e como são exclusivamente determinados pela sionalmente terminam com as populações locais sen- eficiência econômica, exercem uma grande pressão do privadas de seus direitos tradicionais de acesso sobre os recursos pesqueiros a fim de satisfazer as de- aos recursos pesqueiros. Anteriormente, o acesso das mandas do mercado. Esse modelo não lida com os re- populações locais a estes recursos era aberto ou regu- cursos enquanto alimento para a vida humana, mas sim lamentado por sistemas de acesso tradicionais ou da como mercadoria ou produto, ignorando todas as suas comunidade, mas estes direitos não foram estabeleci- dimensões culturais, políticas e ambientais. dos oficialmente. Todavia, algumas tentativas recentes Pode-se dizer que a soberania alimentar na esfera para evitar esses sistemas de acesso aberto, com o dos direitos humanos e do direito básico à alimentação, argumento de que eles permitiram a superexplora- no que diz respeito às áreas de pesca, remonta à afir- ção, acabaram por restringir o acesso de pescadores mação na Lei Romana que considerava o mar como res tradicionais, prejudicando, assim, suas comunidades communes omnium. Ser res communes pressupunha – embora a pesca de larga escala seja freqüentemente que fosse um bem destinado a ser usado por todos os a principal responsável por este problema. Se, no pro- homens e que fosse excluído do comércio. A pesca era jeto primário, os pobres não forem incluídos nem pro- um dos usos do mar, e ela era considerada um uso livre tegidos, as comunidades tradicionais de pesca podem de um bem comum. Por sua vez, o Título 28 da Terceira ser privadas de seu acesso a seus próprios recursos Partida, Lei n. 3, inclui o mar como res communes, es- marinhos. O sistema de quota individual transferível tipulando que “as coisas que pertencem em comum a tem sido sistematicamente adotado para transferir o todas as criaturas viventes do mundo são o ar, a chuva, controle sobre os recursos pesqueiros dos pobres para a água, o mar e os litorais, para que cada ser vivo possa os ricos. As comunidades de pescadores do mundo usá-los, de acordo com sua vontade. E para que cada inteiro têm denunciado que grupos de negócios (cor- homem possa se beneficiar do mar e de seus litorais, porações) reivindicam uma parte desproporcional dos pescando ou navegando...” recursos pesqueiros para si. E isso não se deve mera- De fato, do ponto de vista do exercício da soberania mente ao fato de que os ricos podem contribuir para alimentar, os recursos pesqueiros são uma propriedade o mercado com mais dinheiro do que os pobres. Isso comum de uma nação. Portanto, o Estado tem a obriga- também se deve ao fato de que os ricos controlam ção de assegurar o manejo sustentável desses recursos, uma grande parte dos processos de abastecimento, incorporando a visão das comunidades de pescadores particularmente sua regulamentação. artesanais, com o propósito de garantir a soberania alimentar e as maiores vantagens econômicas e sociais A SOBERANIA ALIMENTAR NAS ÁREAS DE possíveis para a população nacional. Assim, o princípio PESCA E O DIREITO À ALIMENTAÇÃO da soberania alimentar nas áreas de pesca deveria ser O princípio da soberania alimentar no contexto das observado nos poderes exercidos sobre um recurso ou áreas de pesca está diretamente associado aos direi em relação a um espaço. Desse modo, deve-se distin- tos de pesca, em duas perspectivas que convergem em guir entre a domínio sobre espaços marinhos, que é uma direção a um lugar comum: por um lado, a perspec- questão para a lei internacional; o direito de apropria- tiva dos direitos de pesca dos Estados costeiros, as- ção dos produtos pesqueiros, uma tema reservado à lei segurados pela Convenção das Nações Unidas sobre comum, e o direito à pesca, uma questão para agenda o Direito Marinho – UNCLOS (1982); por outro lado, a pública e econômica. É importante considerar o direito perspectiva dos direitos de acesso das comunidades à pesca não meramente como a transformação final de pescadores, que historicamente vêm desenvolvendo dos recursos destinados à alimentação, mas sim como profundas relações culturais, econômicas, ambientais e um princípio que integra toda a cadeia produtiva, pro- políticas com os recursos pesqueiros e mares, incluin tegido por direitos pesqueiros gerais e particularmente do direitos territoriais nas áreas costeiras, onde estas considerando o direito à alimentação. file Umi Daniel 15 Tom Pietrasik / ActionAid Coordenador do Tema Direito à Alimentação e Subsistência / ActionAid India O movimento pelo direito ao trabalho e emprego na India O Parlamento Indiano decretou o histórico Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural (NREGA) em 5 de setembro de 2005. O NREGA é considerado o programa emblemático do governo indiano em seu esforço para criar uma rede de segurança econômica para os 40 milhões de trabalhadores rurais da Índia. Durante as 6 últimas décadas, os governos indianos formularam inúmeros esquemas para aumentar o emprego rural assalariado e também puse ram fim a um número igual de esquemas por conta de performances globais pobres e outras falhas. Depois da independência, um ataque direto à pobreza parecia essencial na Índia, especialmente com a introdução de planos nacionais de garantia do emprego rural. Esses planos deram origem a diversos programas, tais como o Programa Nacional do Emprego Rural (NREP, iniciado em 1977 e ainda popularmente conhecido como Food for Work Programme, mas oficialmente renomeado em 1980) e o Programa de Garantia de Emprego para os Trabalhadores Rurais Sem-Terra (RLEGP, iniciado em 1983-84) que se propõe especialmente a empregar os pobres do meio rural. O Food for Work Programme foi introduzido para atenuar a agonia das populações durante situações severas de seca, uma iniciativa de ajuda humanitária que fez uso de reservas de alimentos excedentes disponíveis durante o período. Também houve outros programas, tais como o Programa de desenvolvimento Rural Integrado (IRDP, iniciado em 1978-79) que foi criado para estimular iniciativas de autonomia entre os pobres do campo, fornecendo-lhes recursos para iniciarem seus próprios negócios. Enquanto programas para o desenvolvimento do emprego rural, como o Food for Work e o Cash for Work ajudaram a aumentar o poder aquisitivo do povo e a segurança alimentar, assim como construíram bens produtivos para as pessoas pobres do campo, as vantagens do IRDP na forma de gado e aves experimentaram um grande fracasso por causa da falta de experiência dos camponeses em lidar com tais recursos e a falta de apoio e colaboração do governo. O emprego assalariado nas obras públicas emergiu, portanto, como um meio mais efetivo de reduzir a pobreza das zonas rurais. O melhor exemplo é o Esquema de Garantia de Emprego (EGS) oferecido pelo estado de Depois da independência, um ataque direto à pobreza parecia essencial na Índia, especialmente com a introdução de planos nacionais de garantia do emprego rural. file Umi Daniel 16 Moradores de Sahariya trabalhando na escavação de um lago como parte do Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural verno central quanto pelo estatal, o programa obteve uma resposta fraca das populações rurais, enquanto as despesas globais eram baixas se comparadas com Tom Pietrasik / ActionAid as do programa de emprego assalariado precedente. O papel dos movimentos de massa e dos grupos da sociedade civil A Constituição Indiana de 1950, refere-se ao direito ao trabalho nos Directive Principals of State Policy (Princípios Diretivos para Políticas Públicas Estatais). O artigo Maharastra desde 1974. Ele foi concebido com uma 39 exige o Estado a assegure que “Cidadãos, homens resposta estatal à tendências econômicas e demográ- e mulheres de forma igual, têm o direito a meios ade ficas adversas causadas pela falta de modernização quados de subsistência”. Além disso, o artigo 41 res- da agricultura em Maharastra, onde o emprego não foi salta que “o Estado irá, dentro dos limites de sua ca- capaz de fornecer um padrão de vida adequado. pacidade econômica e desenvolvimento, efetivamente A resposta dos assalariados foi excelente e o assegurar o futuro do direito ao trabalho”. Embora o programa conseguiu manter o pagamento do salário governo Indiano tenha criado programas de obras ru- mínimo, lidando com a questão da agonia rural, migra rais de trabalho intenso, estes não estão baseados no ção e a criação de bens duráveis para os pobres e, direito ao trabalho, melhor dizendo, eles simplesmente sobretudo, atraindo o apoio dos partidos políticos para se somam às oportunidades adicionais de emprego manterem o esquema a longo prazo. oferecidas pelo Estado como e quando é possível. Em 1993, o governo indiano introduziu o Esquema A Índia enfrentou uma de suas piores secas em de Certeza do Emprego (EAS) para áreas tribais, de- 2001. Um grande número de mortes por inanição foi sérticas e montanhosas com propensão à seca em al- relatado de um lado a outro do país. Movimentos pop- gumas das mais remotas regiões da Índia. O principal ulares em vários lugares apelavam ao governo para objetivo desse esquema era garantir 100 dias de em- que fornecesse ajuda com alimentos e emprego as- prego manual casual durante a estação agrícola magra salariado para as populações afetadas. Enquanto isso, a salários mínimos estatutários. Sob esse esquema, 875 uma petição do PIL (Litígio pelo Interesse Público) foi milhões de dias de trabalho foram gerados entre 1993 entregue na Suprema Corte pela PUCL (União Popular e 1994, chegando a um pico de 1,232 milhões de dias pelas Liberdades Civis) em 9 de Maio de 2001, sobre a no período de 1995-96. Contudo, o EAS também está questão do direito à alimentação e ao trabalho. A pe- sendo gradualmente abolido, por várias razões, inclu- tição chamou a atenção para o fato de que 50 milhões indo seu fracasso para fornecer os 100 dias garantidos de toneladas de grãos alimentícios estavam repousan- de emprego para as famílias, reduzir a pobreza rural do em ócio na FCI (Corporação Alimentícia da Índia) e fornecer salários mínimos e/ou justos, e a alocação em contraste com um pano de fundo de fome gener- de um percentual mais alto dos recursos orçamentários alizada em todas as partes do país, especialmente nas em materiais e do que na geração de empregos. áreas afetadas pela seca. Em 2001, o governo inventou ainda um outro es- Os principais argumentos da PIL eram: 1) Artigo quema chamado JRY (Jawahar Rozgar Yojona, um 21 – o direito à vida – inclui o direito à alimentação e programa de geração de emprego que recebeu o à água como direitos humanos básicos fundamentais; nome do Primeiro Ministro da Índia). O esquema JRY 2)este direito está ameaçado em tempos de escassez; foi posteriormente incorporado ao EAS e recebeu uma 3)é dever do Estado evitar a escassez e fornecer aju- nova sigla, SGRY (Sampoorna Gramina Rojgar Yojona: da imediata quando esta ocorrer. Como medidas de programa abrangente de emprego na aldeia) Dessa alívio, a petição exigia a liberação imediata das reser- vez, a ênfase está mais na criação de infraestrutura vas de comida para amenizar os efeitos da seca e para econômica no campo, do que em investimentos em outros fins relacionados. A Suprema Corte aceitou estradas e na construção, dando responsabilidade a Petição e orientou todos os governos estaduais a aos panchayats das aldeias (órgãos rurais locais) para implementarem esquemas alimentares em sua totali- implementar o programa. O programa alcançou resul- dade e a introduzirem medidas de alívio em caráter tados mistos. Embora fundos bastante substanciais de urgência, relatando periodicamente seu progresso. tenham sido alocados para o esquema tanto pelo go Além do mais, a Suprema Corte também indicou um file 17 comissário para monitorar os trabalhos relacionados O Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural ao direito à alimentação e para nomear consultores de 2005 é uma lei pela qual qualquer adulto em todos os estados indianos para fazer cumprir as disposto a fazer trabalho manual não qualificado, medidas. Desde então, os movimentos pelo direito à recebendo um pagamento mínimo tem o direito de alimentação tem conquistado o apoio dos movimen- ser empregado em obras públicas em no máximo tos sociais indianos mais importantes e dos grupos 15 dias após a candidatura. Se o emprego não for da sociedade civil possibilitando uma mobilização co- oferecido no prazo de 15 dias, o trabalhador terá munitária mais difundida e uma política de defesa do direito a um auxílio desemprego. direito à alimentação para os pobres e excluídos. En- Os aspectos-chave do Ato são descritos abaixo: quanto a campanha para tornar o governo responsável pela garantia dos direitos do povo indiano através de 1. Ninguém abaixo de 18 anos, ainda que resida sua ampla gama de esquemas alimentares se mostrou em áreas rurais, terá direito a se candidatar para bem-sucedida, o movimento pelo direito ao trabalho o trabalho. também estava sendo impulsionado por vários movimentos, organizações acadêmicas e da sociedade 2. O candidato terá o direito de começar a civil que faziam lobby junto à UPA (Aliança Progres- trabalhar dentro de 15 dias, durante o período siva Unida), a coalizão dominante que veio ao poder para o qual se candidatou, respeitando o limite de em 2004. Em resposta, a UPA elaborou o Programa 100 dias por domicílio por ano. Mínimo Comum, estabelecendo um série de políticas públicas de diminuição da pobreza, administração e 3. O trabalho será fornecido, se possível, num desenvolvimento voltadas para os pobres. Este pro- raio de 5km a partir da residência do candidato grama colocou pela primeira vez na agenda um Ato e sempre dentro de sua região. Se a oferta de Nacional garantindo 100 dias de emprego assalariado trabalho estiver a uma distância maior que 5km, para pessoas vivendo nas regiões menos desenvolvi- um auxílio transporte terá que ser pago. das da Índia. Durante as 6 últimas décadas, as práticas e as 4. Os trabalhadores terão direito a um pagamento políticas elaboradas para fornecer emprego aos cam- mínimo estatutário aplicável a trabalhadores poneses pobres foram canalizadas através de diversos rurais no estado, a menos e até que o Governo esquemas. Nenhum desses esquemas foi sustentado Central “notifique” um salário diferente. Caso o por um longo período ou obtiveram êxito em cor- governo Central notifique, o salário estará sujeito responder às expectativas iniciais. Baseando-se na a um mínimo de Rs 60 por dia. experiência prévia do Programa de Garantia de Emprego do Estado de Maharastra, um grande processo 5. Os trabalhadores deverão ser pagos, se se desenvolveu para a introdução em escala nacional possível, semanalmente e nunca com um intervalo de um programa de garantia de emprego legalmente maior que uma quinzena. O pagamento deverá comprometido. Finalmente, a dominante UPA consti- ser feito diretamente à pessoa em questão tuiu um Conselho Consultivo Nacional composto de na presença de pessoas independentes da acadêmicos, ativistas e representantes dos movimen- comunidade em datas pré-anunciadas. Se o tos de massa para esboçar um Ato Nacional sobre a trabalho não for oferecido no prazo de 15 dias, os garantia do programa de direito ao emprego na Índia. candidatos terão direito a um auxílio desemprego: O Ato, que foi amplamente discutido e deliberado, en- 1 terço do salário para os primeiros 30 dias, e contra-se resumido no quadro seguinte. metade em seguida. Além disso, o Ato também estabelece instruções operacionais estritas para sua implementação. Essas 6. Os trabalhadores terão direito a vários recursos diretrizes detalhadas enfatizam a necessidade de tra- no local de trabalho, tais como água potável balhos capazes de assegurar soluções duráveis para a limpa, sombra para períodos de descanso, subsistência através da provisão de irrigação, desen- assistência de saúde de emergência e creche. volvimento agrário, conservação da água e a criação de bens comunitários. O Ato também prevê a partici- 7. Empreiteiros e máquinas que substituem o pação de mulheres e da comunidade como um todo trabalho humano estão proibidos. no planejamento, monitoramento e na condução de file Umi Daniel 18 auditorias sociais do programa. O NREGA se benefi- participativo e a promoção das uniões de trabalha- ciou consideravelmente do recém-introduzido Ato so- dores para os pobres e excluídos. bre o Direito à Informação, que dá ao cidadão comum A ActionAid foi um dos principais colaboradores do o poder de reivindicar informação e transparência das movimento pelo direito à alimentação e trabalho na Ín- instituições governamentais responsáveis pela imple- dia. O NREGA também ofereceu muitas oportunidades mentação deste programa nas áreas rurais. para seus parceiros e membros da comunidade para O NREGA foi implementado em 200 distritos em trabalhar em estreito contato na implementação efe- 27 estados na Índia. Até hoje, 20 milhões de lares exi- tiva do programa através de uma abordagem baseada giram emprego baseando-se no Ato. Dentre estes, 10 na questão dos direitos. A ActionAid e seus parceiros milhões pertencem às categorias tribos e castas e 8 estão ativos em aproximadamente 60 dos 200 distritos milhões são mulheres. Sob o NREGA, 391.651 tipos onde o programa foi lançado. Ela ajudou o Governo de obras foram realizadas até agora. Destas, 183.402 do Estado de Andhrapradesh a elaborar e implemen- se relacionam à conservação da água, 27.461 ao de- tar processos-pilotos de auditoria social, fornecendo senvolvimento de plantações resistentes a secas, treinamento e capacitação aos voluntários das aldeias. 6.694 ao controle de inundações e 92.904 à conec- Iniciativas similares foram implementadas nos estados tividade rural. No que se refere ao distrito, foi dado um de Uttar Pradesh (UP), Jharkhand, Rajasthan e Orissa. treinamento específico a 84.822 membros dos órgãos Além disso, campanhas nas aldeias, oficinas, pesqui- locais, a 30.859 autoridades administrativas, a 1.803 sa e mobilizações de larga escala foram adotadas em funcionários técnicos e a 11.476 membros dos comitês várias partes da Índia com o suporte ativo da Action- de monitoramento das aldeias. O governo liberou 200 Aid. O governo da Índia também reconheceu a Action- milhões de Rupees (dinheiro local) durante 2006, para Aid como uma das agências nacionais de recursos que a implementação do NREGA. facilitam a auditoria social em UP e Bihar. A primeira fase do NREGA ofereceu excelentes A próxima fase da implementação do NREGA irá oportunidades de aprendizado no que diz respeito envolver um desafio específico para os movimentos da ao declínio da incidência da migração devido à an- Índia e a sociedade civil como um todo, a saber, garantir gustia gerada pela seca, melhoria das extensões de que o benefício dos 100 dias do direito ao emprego re- água, uma consciência mais elevada da remuneração munerado alcance tanto homens como mulheres, per- mínima, aumentos nos ganhos e um aumento da par- mitindo-lhes melhorar suas condições de vida, através ticipação das mulheres – um fator crucial para a sus- da criação de bens de produção e de oportunidades tentabilidade do programa. de modos de vida sustentáveis. Há também uma forte Seguindo o sucesso inicial do programa, o NREGA reivindicação da sociedade civil para expandir o pro- está sendo expandido para outros 130 distritos, to- grama para todos os distritos da Índia e aumentar o talizando 330 distritos, desta vez, com um orçamento número de dias para 200. Já que o NREGA foi desen- maior, de 1.600 Rupees. volvido como um meio de reduzir a pobreza, um forte apoio político, parcerias comunitárias e a garantia da O papel dos movimentos de massa e dos transparência e da responsabilidade são todos fatores grupos da sociedade civil cruciais para seu sucesso. Fazer o Estado garantir o emprego como um direito do cidadão é uma das maiores conquistas dos movimentos de massa, uniões comerciais, órgãos populares e das organizações da sociedade civil indiana, que tive ram que se esforçar durante décadas para atingir este objetivo. um grande número de grupos da sociedade civil se empenhou para educar as pessoas sobre o ato, estimular sua proatividade e ajudar as comunidades a acessar os 100 dias de emprego garantidos pelo governo. Algumas organizações até mesmo começaram a discutir a questão da transparência e da responsabilidade, ao facilitar as auditorias sociais, o planejamento Tom Pietrasik / ActionAid Logo após o lançamento do programa em 2006, Moradores de Sahariya trabalhando na escavação de um lago como parte do Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural. file 19 A AUDITORIA SOCIAL COMO FERREAMENTA DE EMPOWERMENT Uma auditoria social no âmbito do NREGA foi organizada no quarteirão Manatu do distrito de Palamau em maio de 2006 por uma equipe de pesquisadores liderados pelo eminente economista e ativista social Jean Dreze, com o apoio ativo de uma organização local, Vikas Sahayong Kendra, uma organização participante do Gram Swaraj Abhiyan, Palamau. O objetivo principal da auditoria social era apontar as dificuldades iniciais para o NREGA in Palamau depois de seu lançamento em fevereiro. Inicialmente, a auditoria enfrentou a oposição do MLA local, Bidesh Singh, que ameaçou os moradores da aldeia e os membros da equipe de pesquisa com terríveis conseqüências. A equipe de pesquisa e o pessoal da VSK prosseguiram sem se preocuparem excessivamente com a ameaça. Aproximadamente 1.500 pessoas de 45 aldeias incluindo 7 panchayats participaram da auditoria social. As pessoas afetadas partilharam suas preocupações e a equipe de pesquisa apresentou as conclusões da auditoria social às autoridades do locais e ao MLA. As principais conclusões da auditoria social foram as seguintes: Uma habitante de Sahariya empregada na escavação de um lago como parte do Ato Nacional para a Garantia do Emprego Rural (NREGA) na Índia. i.O funcionário do panchayat estava se recusando a aceitar requerimentos de registro sem fotografias, apesar da resolução do NREGA que estipula que o custo da foto deve ser arcado pelo governo e não pelo candidato. ii.Os cartões não foram distribuídos aos candidatos, embora estes já tivessem solicitado os cartões meses antes. iii.O pagamento dos salários estava com um atraso de 2-3 meses. iv.Nenhum esforço sincero havia sido feito pelas autoridades locais para ampliar a consciência sobre o NREGA. Essas autoridades, de um modo geral, e o funcionário do panchayat – que foi efetivamente o primeiro contato para as aldeias em relação ao NREGA – não tinham pleno conhecimento das cláusulas deste programa. Apresentadas estas conclusões, o MLA e as autoridades locais não tiveram outra opção senão aceitar as exigências dos moradores das aldeias. O resultado imediato da auditoria social foi que o panchayat sewak pagou aos trabalhadores das aldeias de Pakariadih, Tillo atrasados. Se a auditoria social não tivesse acontecido, esse dinheiro teria sido apropriado indevidamente por um grupo de autoridades e empreiteiros locais. Um outro panchayat sewak de Padma Gram foi suspenso por seu envolvimento com corrupção. Fonte: Estatísticas do Governo da Índia sobre o NREGA, o livro do Gopal KS sobre o NREGA e atualizações do Centro para a Ciência e o Meio Ambiente e da Comissão de Planejamento da Índia. Tom Pietrasik / ActionAid e Kerdih 27.000 Rupees referentes a salários file Susana Gauster and Alberto Alonso Fradejas 20 Instituto de Estudos Agrários e Rurais - CONGCOOP Gruma-Maseca o imperador translatino da tortilha na América Central A FORMAÇÃO DO GRUPO MASECA Fundado em 1949, o Grupo Maseca (GRUMA) é um dos maiores produtores e distribuidores de farinha de milho e tortilhas do mundo. O GRUMA opera principalmente nos EUA, Europa, México, América Central, Venezuela, Ásia e Oceania e exporta para 50 países em todo o mundo. A sede da empresa encontra-se em Monterrey, México e conta com 16.582 funcionários e 86 fábricas. Em 2005, o total de vendas em rede do GRUMA foi de $2.500 milhões. Até o final de 2006, somente 1 família controlava direta ou indiretamente mais 50% das ações do GRUMA. A Archer-Daniels-Midland (ADM), uma das 3 maiores corporações agrícolas dos Estados Unidos controlava 27% das ações do GRUMA e os 23% restantes eram controlados por outros acionários. Além desse forte laço corporativo com a ADM, o GRUMA mantém relações com uma das corporações mais poderosas e polêmicas do agronegócio no mundo: a norte-americana MONSANTO, conhecida pelo seu trabalho de pesquisa, desenvolvimento e comercialização agressiva de sementes geneticamente modificadas. O ex-diretor de uma empresa de produção de sementes comprada pela MONSANTO, era ao mesmo tempo, diretor do GRUMA, o que revela claramente a participação da indústria de biotecnologia alimentar na administração do GRUMA. O GRUMA tem empresas subsidiárias em diversas regiões o mundo, motivo pelo qual ele pode ser considerado como uma companhia “translatina”, como foi definido pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Uma dessas empresas subsidiárias está localizada na América Central. No início dos anos 70, o GRUMA entrou no mercado costa-riquenho. Em seguida, ele estabeleceu fábricas em Honduras (1987), El Salvador (1993) e na Guatemala (1993). O GRUMA da América Central, baseado na Costa Rica, é 100% propriedade do GRUMA Group. Ele possui 11 manufaturas de farinha de milho e tem a capacidade de produzir 126 mil toneladas de farinha por ano. A partir da análise da documentação do GRUMA, do trabalho de campo realizado para que se pudesse tomar conhecimento de suas práticas e de seu poder de mercado em diferentes países da América Latina e da análise do seu compromisso em promover o Direito à Alimentação para suas populações, foi possível estabelecer o seguinte: O papel do Estado: neoliberalismo X protecionismo • Há um discurso duplo acerca do papel do Estado na economia: por um lado, políticas de mercado “livre” e desregulamentação são impostas; por outro, o apoio público é ativamente buscado através de incentivos diretos (como a eliminação da VAT – Taxa de Valor Agregado – na aquisição do milho) ou indiretos (tais como o subsídio para o consumo da tortilha; subsídios ou incentivos para a produção de milho, etc.) ActionAid Fundado em 1949, o Grupo Maseca (GRUMA) é um dos maiores produtores e distribuidores de farinha de milho e tortilhas do mundo. file 21 • Da mesma forma, enquanto as vantagens do ros (número estimado) 8.000 MT aos quais ganhou “livre” comércio são aceitas com prazer, em certos acesso através de uma forma legal diferencial (ou momentos, as medidas protecionistas são bem- seja, do MINSA, atualmente fundido ao MASECA). vindas: por exemplo, o embargo às exportações Essas economias constituem um subsídio indireto de milho em Honduras, imposto para assegurar o de aproximadamente $ 450.000, gerando uma dívi- acesso ao milho nacional a preços estáveis pelas da na Receita Federal e atrapalhando sua capaci- agroindústrias. dade de Inversão social. • O DR-CAFTA (Acordo de livre comercio entre a O poder do mercado: vencedores e perdedores República Dominicana e a América Latina) bene • O fato de que uma só corporação concentra o ficiou diretamente essas indústrias, abrindo con- total das importações de milho, como é o caso tingentes de importação com isenção total de do GRUMA-DEM-AGUSA na Guatemala (95%), tarifas. Somente na Guatemala, o MASECA pôde ou a maioria delas, como é o caso do GRUMA na economizar bastante, por não ter pago a tarifa de América Central, confere a ela um poder de mer- 20% sobre 8.000 MT que lhe cabia nem sobre out- cado excessivo, que é usado de modo abusivo. file Susana Gauster e Alberto Alonso Fradejas 22 Com tal poder, estas empresas podem determinar preços custo das matérias primas (no caso, o milho) que, segundo tanto para produtores e produtoras locais (especialmente in- estima-se, será bem menor após a modificação genética. diretamente, enquanto os preços baixos tornam-se referência Portanto, o fato de que os consumidores podem se opor aos local) e para os consumidores da tortilha industrial (as classes GMOs é visto como uma ameaça. Esse fato demonstra tão média e operária urbanas). Os preços baixos que recebem pouca consciência acerca do direito à alimentação adequada produtores e produtoras, afetando diretamente sua renda, e quanto aquele revelado pela “cruzada” contra os produtores os preços relativos altos cobrados dos consumidores e con- comunitários tradicionais de tortilha nixtamalizada, consid- sumidoras comprometem a obrigação de proteger o direito à erados pelo GRUMA com seu principal concorrente. Se le- alimentação das populações vulneráveis. varmos em consideração que o valor nutricional da tortilha • Além de poder de mercado excessivo, há também um des- nixtamalizada é muito mais alto do que o da industrializada respeito pela política de competição, que ainda não foi desen- – e a tortilha é a base da dieta das camadas mais pobres da volvida o suficiente, tanto no México, como em outros países população – logo, deve-se agir com cautela ao se desencora- da América Central. O GRUMA foi legalmente acusado e pro- jar o consumo da tortilha mais nutritiva. cessado por práticas anti-competitivas no México. Dessa forma, foi possível estabelecer que essas corporações têm en- A regulamentação da TNCS: curralado os mercados ao acessarem mais fatias de mercado protegendo o direito à alimentação do que lhes é permitido por diversas formas legais, criando Através da análise do caso do GRUMA – que é somente um novas empresas e/ou incorporando ou comprando outras dos muitos exemplos de como as poderosas empresas de companhias (tal como a aquisição da MINSA, na Guatemala). agronegócio atuam – a necessidade de uma intervenção A tentativa – bem-sucedida – de ilegitimamente controlar os pública decisiva torna-se ainda mais evidente. Tal intervenção mercados e obter, assim, o poder de manipular os produtores deve penalizar e pôr fim aos monopólios, oligopólios e cartéis e consumidores viola o Direito à Alimentação destes. em geral, especialmente se suas atividades comprometem • Nem mesmo o GRUMA tenta dissimular seus interesses a realização de direitos humanos fundamentais, tais como o nada democráticos sobre esse assunto. Ele orgulhosamente direito à alimentação adequada. A cruzada neoliberal contra confirma a “integração vertical na cadeia de produção da empresas estatais de comercialização deveria se preocupar farinha de milho para tortilha, a qual representa importantes mais com as corporações locais e/ou empresas subsidiárias vantagens competitivas”; uma integração que claramente de corporações transnacionais que obtêm um poder de mer- constitui uma ameaça direta ao desenvolvimento de uma cado excessivo (de acordo com setores e países). Daí a ne- competição saudável no mercado das tortilhas. cessidade de se desenvolver políticas domésticas comerciais • A política da falta de transparência e responsabilidade que e agrícolas voltadas para a conquista e a defesa da soberania caracteriza o GRUMA-MASECA, mais do que seus acionári- alimentar, que facilita o cumprimento do direito das popula- os, é especialmente preocupante no caso de uma empresa de ções à alimentação adequada. Para que esse objetivo seja al- agronegócio cujos lucros vêm da alimentação da população. cançado, nós propomos associar entidades públicas que: ga- Tal empresa deveria facilitar o acesso a informações públicas rantam preços justos e estáveis tanto para produtores rurais que deveriam estar disponíveis para instituições públicas e quanto para consumidores comuns (enfrentado o papel da para a população em geral. agricultura como um regulador de preços); abasteçam mer- O meio-ambiente: discurso e prática cados públicos institucionais através de sistemas de transfor- • Embora digam que esperam que “a tendência para uma mação e produção baseados nos camponeses; mantenham maior regulamentação e aplicação das políticas ambientais reservas de alimentos apropriados em lugares estratégicos continuem”, eles estão envolvidos num processo legal mov- para uso em casos de emergência e para auxílio-alimentação ido pela Comissão Nacional da Água do México contra uma para municípios vulneráveis ou altamente vulneráveis à inse- empresa subsidiária do GRUMA (GIMSA) por um suposto gurança alimentar. despejo de águas residuais de 5 de suas usinas. Portanto, Finalmente, e levando em consideração os dados apre- eles informaram a seus acionários: “a promulgação de novas sentados, nós reafirmamos a necessidade de excluir da regulamentações ambientais ou de um maior nível de aplica- agricultura e da nutrição tratados comerciais internacionais ção pode nos afetar negativamente”. Dessa forma, enquanto multilaterais ou bilaterais futuros ou atualmente vigentes. En- forjam uma preocupação com o meio ambiente, na prática, quanto isso, mecanismos de responsabilização deveriam ser eles buscam flexibilidade na legislação ambiental, de acordo criados no que se refere à alocação de contingentes, tarifas com seus interesses de lucratividade. Esta política corpora- adicionais deveriam ser pagas por importadores e o total de tiva está claramente em contradição com o direito humano a recursos, alocados às empresas de agronegócio via subsí- um ambiente saudável. dios diretos ou indiretos. Estes subsídios deveriam ser trans- OGMs: por quê? feridos das empresas de agronegócio para os programas de • A questão dos organismos geneticamente modificados fomento da produção agrícola camponesa. (GMO) está sendo abordada de um ponto de vista meramente econômico, ou seja, a única preocupação é em relação ao file Sam Moyo 23 Diretor Executivo do Instituto Africano de Estudos Agrários, sediado em Harare, Zimbabwe A reforma agrária NO ZIMBABWE E O CAMINHO A SEGUIR Os desequilíbrios e critérios na distribuição colonial e racial da terra no Zimbabwe foram injustos e a situação precisava de uma reparação. Aproximadamente 4 mil fazendas comerciais de larga escala localizadas nas áreas mais apropriadas para a agricultura eram de propriedade de indivíduos brancos e empresas proprietárias de terra, em propriedades que tinham, em média, mais de 2 mil hectares, contra 1 milhão de famílias de camponeses e mi lhares de sem-terra em áreas comunitárias superlotadas, caracterizadas por solo pobre e baixo índice pluviométrico. A questão agrária foi, portanto, também uma questão racial, pois a maior parte da terra redistribuída era de propriedade dos poucos fazendeiros brancos. Antes da implementação do mais rápido programa de reforma agrária no Zimbabwe em 2000, nem mesmo diversas políticas e leis de regulamentação da reforma e do mercado agrários e a intervenção internacional conseguiram transformar de modo adequado essa herança. Este programa oficial começou com o fracasso de compromissos e negociações anteriores a 1999. Anos de diálogos desde 1990 sobre os métodos de aquisição da terra e financiamento para a reforma agrária não foram capazes de gerar confiança e cooperação entre as várias partes envolvidas, tais como os doadores, o governo britânico e o governo do Zimbabwe (GoZ). Entre 2000 e 2007, portanto, o governo do Zimbabwe agiu sozinho para desapropriar 90% das fazendas comerciais de larga escala (LSCF) de uma maneira surpreendente. A aquisição da terra foi perturbada por um amplo movimento de ocupações, litígio generalizado da parte dos proprietários e despejos esporádicos com uso de força em áreas de propriedade de brancos. Este processo foi acompanhado por perdas significativas na produção e na reserva de capital. O aumento das indenizações pagas pela aquisição das terras, implementado em obediência à política governamental, estava muito abaixo do esperado. Marion Khamis / ActionAid INTRODUÇÃO O aumento das indenizações pagas pela aquisição das terras, implementado em obediência à política governamental, estava muito abaixo do esperado. A evolução da distribuição de terras e do tamanho das propriedades (milhões ha/1980-1996) Fonte: Moyo (1999; 2000; 2003) Tipo de propriedade 1980 (independência) Nº de famílias/propriedades Hectares (milhões) Número de famílias / propriedades Hectares (milhões) Pequeno Agricultor 700,000 8,000 6,000 14.4 1.4 15.5 1,000,000 8,000 4,500 960 16.4 1.4 7.7 2.04 Comercial de pequena e média escala Comercial de grande escala Propriedades Empresariais file 24 Sam Moyo As ocupações de terras lideradas pelos veteranos da luta pela libertação forneceram o impulso para a radicalização da desapropriação de terras a partir do final do ano 2000, que viu uma demanda crescente por terras em várias classes (camponeses, classe operária urbana e as elites negras em geral), enquanto o GoZ expandia sua definição de beneficiários e mais pessoas se juntavam à ocupação “ilegal” da terra ou se candidatavam oficialmente entre 2000 e 2002. A questão da redistribuição de terras estava incrustada nas política eleitorais e sua legitimidade contestada tornou-se tema de várias eleições mesmo depois de 2005. O contexto da crescente demanda por terras pode ser atribuído à adoção do Programa de Ajuste Econômico Estrutural nos anos 90. Isso levou à marginalização da maior parte das populações negras, junto com um crescimento na produção agrícola para exportação que só enriqueceu poucas pessoas. A desindustrialização, uma retração em massa e erosão salarial aconteceram em seguida. Toda uma geração de jovens formados não conseguia encontrar empregos mais significativos. Negros aspirantes a capitalistas fracassaram ao competir com as empresas e fazendas de brancos já estabelecidas. As desigualdades de renda e riqueza aumentaram. A dívida nacional cresceu, assim como a dependência de auxílios e fluxos financeiros externos bastante irregulares, reforçando o modelo de desenvolvimento controlado e estratégias de reforma agrária. A renda e a segurança alimentar dos pequenos agricultores que tinham sido aumentadas durante os anos 80 pela intervenção do Estado e pela regulação dos mercados agrícolas, tornou-se precária. As condições para o trabalho rural se deterioraram. Os sem-terra do campo e da cidade e o descontentamento social se intensificaram. Essas contradições polarizaram as perspectivas sobre o desenvolvimento, democratização e reforma agrária, levando à reativação da política de aproveitamento da terra até 1997, e oposição a ela. Influências externas na política, economia e na aquisição de terras exerceram um forte impacto no processo da reforma agrária. Esse rápido caminho para a reforma agrária implicou a interação de vários fatores políticos e sociais e contestações que contribuíram para a atual política de confronto. Os debates sobre estes motivos, resultados, impactos e o caminho a seguir foram não foram nada imparciais. FATOS SOCIAIS SOBRE A REFORMA AGRÁRIA Enquanto os resultados da reforma agrária permane cem sendo contestados pelos antigos proprietários, os “fatos sociais” referentes à atual distribuição de terras indicam que ela, por um lado, compensou o desequilibrado legado racial, mas, por outro, disseminou novas desigualdades, embora menos acentuadas. A reforma agrária transformou a estrutura rural e agrária ao aumentar substancialmente o acesso à terra para mais de 150.000 famílias, e ao reduzir significativamente o tamanho médio das propriedades comer ciais. Uma estrutura irregular de propriedade ainda existe, mas com desigualdades raciais e de tamanho menos agudas. Mais de 120.000 famílias beneficiárias possuem menos de 100 hectares cada. Aproximadamente 12.000 novas fazendas de média escala agora existem com um média de 200 hectares cada. A nova desigualdade tem a ver com o fato de que aproximadamente 4.000 proprietários ainda detêm grandes extensões de terra, que possuem, em média, 700 hectares cada. Aproximadamente 260 desses são estrangeiros. Mais de 30 propriedades agro-industriais e reservas de preservação têm mais de 1.500 hectares cada, em média. Mais de 700 fazendeiros são brancos, possuindo mais de 1 milhão de hectares em propriedades de diferentes tamanhos, metade das quais estão dentro do tamanho prescrito. Os agricultores negros neste tipo de propriedade somam aproximadamente 3.000, entre novatos e veteranos. Menos de 10% dos beneficiários são ex-agricultores. A maior fonte de exclusão diz respeito aos aproximadamente 200.000 trabalhadores rurais, a maioria dos quais continua a residir como inquilinos nas terras redistribuídas, sem direitos agrários assegurados e a aqueles deslocados para áreas comunais e outras localidades. Um número significante de camponeses pobres, mulheres e outras populações menos favorecidos, assim como grupos de classe média também dizem terem sido excluídos do processo de redistribuição. Embora muitos dos proprietários originais, empresas ou fazendeiros brancos individuais, permaneçam em suas terras, o futuro da propriedade nas mãos dos brancos continua sendo contestado. Além desses grupos, outros dizem terem sido excluídos, ainda que estivessem dispostos a aceitar a inclusão dentro dos tamanhos de terra prescritos. A reforma agrária alterou as relações agrícolas e de propriedade ao estender a propriedade estatal e ao expandir o arrendamento e formas diferentes de propriedade e ocupação da terra, embora tenha reduzido substancialmente os sistemas de terras comunais. A confiança nas formas atuais de arrendamento entre os novos e os antigos agricultores comerciais e financiadores é limitada. Contudo, os pequenos agricultores geralmente consideram sua propriedade como segura. file 25 Tendências para a safra de produtos-chaves : ftlrp comparado à média da década de 1990 Produção (000 toneladas) % mudança em relação à década de 1990 Produto Milho Trigo Pequenos grãos Tabaco Algodão Soja Raízes Girassol Cana de açúcar Chá Café Média Anos 90 1,668.6 219.3 50 197.6 214.1 95.5 92 36.4 438.9 10.6 8.4 2000 1,476.2 225 83.5 202.4 286.1 175.1 171.8 15.8 513.6 21.8 7.5 2004/5 750 135 2005/6 945.0 120 73.4 198 72 135 20 430 21.2 10 55 270 72 57.7 14.0 446.6 16.7 3.6 2000 -11 3 67 2 34 84 87 -57 17 105 -10 2000 -55 -38 -62 -8 -25 -47 -45 -2 101 19 2004/5 -55 -38 -62 -8 -25 -47 -45 -2 101 19 2005/6 -43 -45 -72 26 -25 -37 -62 2 58 -57 *estimativas da AIAS baseadas em várias estatísticas de produção do Governo do Zimbabwe e da FAO O litígio por parte dos fazendeiros brancos continua a ser uma ameaça à estabilização dessas novas formas de ocupação e propriedade. O acesso à terra e à sua propriedade foi, de um modo geral, democratizado, embora a contínua politização da reforma agrária, por parte tanto das forças dominantes quanto das de oposição, mine o debate sobre o caminho a seguir. PRINCIPAIS IMPACTOS DA NOVA ESTRUTURA AGRÁRIA NA PRODUÇÃO O principal impacto da reforma agrária foi transformar as relações sociais e de trabalho no meio rural, assim como a utilização da terra. As reformas aumentaram o grau de propriedades operadas por indivíduos ou famílias, algumas das quais usam mão-de-obra contratada. Houve também uma queda no número de empregos agrícolas de tempo integral assim como níveis reduzidos de regularidade de salários, visto que a produção agrícola permanece até o presente momento em declínio. Desde 2001, a produção agrícola caiu aproximadamente 50% em volume, com uma estrutura mais complexa do que visões polarizadas sugerem. A produção de alimentos (milho, trigo e pequenos grãos) caiu mais de 50% tanto em propriedades comuns quanto comer ciais. A produção comercial de laticínios e carne de boi caiu mais de 50%. A produção de tabaco e de sementes para óleos vegetais (soja, girassol e amendoim) caiu mais de 65%. Estes números mudaram um pouco recentemente. A horticultura caiu muito menos (aproximadamente 30%), enquanto culturas como cana de açúcar, café e frutas cítricas e a produção de algodão foram as que menos caíram (aproximadamente 20%). AS CAUSAS DO DECLÍNIO NA PRODUÇÃO A disputa sobre as causas do declínio é se ele resultou principalmente das transferências e mudanças nos modos de ocupação e propriedade da terra ou se outros fatores foram mais determinantes. De fato, a produção decaiu por várias razões, incluindo a transferência de terras, o que sugere que a recuperação é viável. A produção de milho nas áreas comunais, que costumava abastecer 75% do mercado e do consumo próprio, sofreu severamente, não por causa das transferências da terra, mas devido a secas freqüentes e à escassez de insumos. As secas afetaram principalmente a produção do pequeno agricultor cuja produtividade foi reduzida pelo acesso limitado a insumos e pelos baixos preços do milho, assim como políticas de apoio social e agrícola fracas, incluindo a falta de apoio internacional para a recuperação. O tabaco, o trigo e a produção de sementes para óleo caíram devido à redução de áreas plantadas nas terras transferidas, às finanças limitadas dos novos agricultores e suas limitadas habilidades na produção imediata e especializada de mercadorias. A perda e a retirada da maquinaria rural e do equipamento de irrigação afetou as plantações das principais culturas. Uma produção pecuária reduzida resultou do rápido abate do gado, reservas de criação limitadas e competências limitadas. Um outro fator crítico foi o declínio no financiamento privado à agricultura, devido a índices negativos de risco de crédito, à sensação de insegurança do sistema de arrendamento à e instabilidade macro-econômica. Uma queda na capacidade agroindustrial para fornecer insumos, largamente relacionada ao forex (câm- Sam Moyo bio estrangeiro), escassez e controle de preços, também afetaram a produção como um todo. Os incentivos requeridos pelos agricultores foram limitados pela regulamentação dos mercados de insumos e produções agrícolas. Lucros mais altos estavam sendo obtidos através de investimentos não-agrícolas, particularmente no forex paralelo e nos mercados de produtos. Os subsídios estatais à agricultura e outras intervenções foram limitadas por restrições de recursos, escassez no forex e uma gestão discordante de políticas. Estas, por sua vez, também foram minadas pela corrupção. Sanções internacionais e/ou isolamento, especialmente a retirada de auxílios e empréstimos a tarifas reduzidas e o acesso ao mercado instigou e/ou exa cerbou as deficiências no financiamento agrícola que afetaram a produção agrícola em geral. O acesso do mercado internacional e os preços mais baixos especificamente afetaram a horticultura, o algodão e os usos da terra para fins turísticos e para a preservação da fauna e flora. O CAMINHO A SEGUIR A produção agrícola pode ser recuperada a médio prazo através de uma estratégia de acomodação em termos de uma inclusão, segurança proprietal e incentivos maiores à produção. Uma mudança radical na redistribuição de terras no Zimbabwe não é nem politicamente viável nem um pré-requisito para a superação do problema. Uma utilização sustentável da terra requer medidas e políticaschaves no que se refere à terra, economia e agricultura a fim de aumentar a produtividade agrícola, investimentos e exportações e trazer estabilidade e confiança aos novos direitos de propriedade e leis relacionadas. A aquisição de terras deveria ser concluída. O processo de aumento das indenização pelas terras adquiridas deveria andar mais depressa através da elaboração de políticas específicas. As negociações com o colonizador original devem permanecer abertas. A redistribuição de terras deveria ser completada, alocando terra para os excluídos. Isso inclui acomodar agricultores brancos na base da paridade e não do privilégio, a saber, através da política “uma pessoa, uma fazenda”. Propriedades protegidas por acordos bilaterais de investimentos devem ser rapidamente desimpedidas para que haja uma otimização da produção, conforme esperado pelo programa. A segurança do sistema de arrendamento entre os agricultores comerciais pode ser melhorada tornando os contratos transferíveis dentro de um mercado de terras regulamentado e possibilitando que instituições financeiras garantam seus empréstimos. As políticas de ocupação e propriedade da terra deveriam visar a garantir a segurança proprietal para todos os proprietários atuais e para aqueles que ainda serão incluídos. A agricultura pode ser sustentável se uma estratégia coerente de reforma agrária for implementada de forma consistente, enfocando o objetivo principal de melhorar as condições de vida da maioria. Os pequenos agricultores podem desempenhar um papel crítico na produção futura, se as políticas públicas os apoiarem. O controle de preços dos produtos agrícolas, os subsídios, o apoio ao agricultor e à agroindústria devem ser racionalizados para melhorar os incentivos à produção. O gerenciamento do câmbio estrangeiro também deve ser racionalizado e financiamentos externos diversos mobilizados. Tratar da questão da reforma agrária do Zimbabwe deve implicar um diálogo de inclusão nacional na busca de justiça social e reconciliação, baseada em direitos agrários eqüitativos, leis de proteção, instituições acessíveis de manejo da terra com o objetivo de construir um futuro democrático e o desenvolvimento nacional. Marion Khamis / ActionAid 26 Marion Khamis / ActionAid file DO S S IER Marta Antunes 28 A Rede Internacional de Segurança Alimentar (IFSN) e a continuidade da ICARRD Desde 2004, a ActionAid International vem implementando a IFSN – Rede Internacional de Segurança Alimentar – um projeto em parceria com mais de 450 organizações locais e nacionais da sociedade civil do hemisfério sul, principalmente da África, junto com a colaboração da Ayuda en Acción, FIAN International e outras organizações internacionais. Este projeto começou oficialmente em 2004, e depois de 3 anos já existem 20 redes nacionais trabalhando juntas nessa iniciativa: Americas Guatemala (REDSSAG), El Salvador (REDSSAE), Haiti (RENHASSA), Honduras (SARAH), Nicarágua (GISSAN) e Bolívia (ASSAN-BO) Africa Angola (RSAA), Burkina Faso (ROSSAD), Etiópia (CFS), Gana (FoodSPAN), Guiné-Bissau (PLACONGB), Malawi (FOSANET), Moçambique (ROSA), Uganda (FRA) e Gâmbia (IFSNTG) Asia Afeganistão (IFSNA), Bangladesh (IFSNBC), Cambodja (CNFSC), Nepal (NAFOS) e Vietnã (CIFPEN) Tom Pietrasik / ActionAid Coordenadora Global do Projeto Rede Internacional de Segurança Alimentar e membro da Equipe de Direito à Alimentação da ActionAid International. Este artigo também contou com a colaboração de Francisco Sarmento (Coordenador Internacional do Tema de Direito à Alimentação) e Magdalena Kropiwnicka (Consultora de Políticas Públicas e Direito à Alimentação) IFSN: O QUE É ISSO? Co-fundado pela Comissão Européia (EC), o principal objetivo desse projeto é criar ou fortalecer as redes nacionais de segurança alimentar que facilitam um diálogo amplo e inclusivo com diferentes organizações da sociedade civil que estão trabalhando para construir um lobby comum e defender propostas (em escala regional, nacional e internacional) para a implementação do direito humano à alimentação nos países do sul. Esta implementação envolve a criação de estruturas legais e institucionais e a elaboração de políticas nacionais interministeriais coordenadas de segurança alimentar que favoreçam os mais pobres. Nesse sentido, as redes nacionais estabelecem pontes com os governos nacionais e doadores internacionais como uma maneira de negociar e monitorar as políticas relacionadas à segurança alimentar e influenciar a elaboração de leis, assim como aumentar a voz dos governos do sul nas negociações internacionais. Com o objetivo de criar um diálogo amplo com diferentes setores ligados ao tema da segurança alimentar, as redes nacionais da IFSN incluem movimentos e organizações de mulheres e de pequenos agricultores, ONGs e organizações PLHA, grupos de jovens, organizações de consumidores, grupos de igreja e centros de pesquisa. Na África, Ásia e na região das Américas, vários outros países estão se juntando ao projeto e iniciando seus próprios processos nacionais de criação e fortalecimento de redes. Dentre esses países destacamos: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Senegal, África do Sul, Peru, Paraguai, Equador, Índia, Colômbia e Paquistão. Em escala nacional, muitas redes criaram sub-redes ou identificaram organizações importantes para reforçar e facilitar os elos entre as esferas micro/macro necessários para assegurar que as vozes das pessoas afetadas pela insegurança alimentar e pela fome sejam ouvidas e que experiências e tecnologias inovadoras e adaptadas possam ser identificadas. Esse conhecimento acumulado pode, então, ser dividido nacional e internacionalmente dentro das redes e com os governos nacionais afim de influenciar e melhorar a segurança alimentar e políticas e programas relacionados. Tirando proveito das experiências dos diferentes países envolvidos, este projeto tem um forte componente do aprendizado compartilhado entre os países do sul, redes sub-regionais e ações de lobby internacionalmente coordenadas. Desde 2006, um forte movimento em relação ao fortalecimento da esfera regional tem sido feito através de iniciativas para aumentar os elos entre as esferas micro /macro na região da América Central em estreita colaboração com Ayuda en Acción e La Via Campesina, uma rede subregional foi criada – RedCASSAN – que inclui redes na Guatemala, Nicarágua, DO S S IER 29 El Salvador e Honduras. Na África, a rede dos países de Língua Portuguesa foi recentemente lançada e os países do sul da África estão começando a desenvolver também vários projetos de associação. Na região dos Andes, negociações em curso visam a estabelecer redes sub-regionais de segurança alimentar. Internacionalmente, diversas ações coordenadas têm se desenvolvido para traduzir as exigências locais e regionais em propostas concretas nos fóruns internacionais. Aqui, nós gostaríamos de destacar em particular a intervenção feita na FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) acerca do acesso e controle sobre os recursos naturais e desenvolvimento rural. Trabalhando principalmente com o sistema da ONU, nós estendemos nossas iniciativas de cooperação e diálogo com movimentos de pequenos agricultores como a Via Campesina e o IPC (Comitê Internacional de Planejamento) a fim de fortalecer as vozes do sul. RENHASSA / Haiti PORQUE A FAO COMO UM FOCO DA AÇÃO DA IFSN? A FAO foi criada em 1945 com a incumbência de elevar os níveis de nutrição, melhorar a produtividade agrícola e as condições de vida das populações rurais e contribuir para o crescimento da economia mundial (http://www.fao.org/UNFAO/about/ mandate_en.html). Devido às políticas da economia neoliberal implementadas nas décadas de 80 e 90, o sistema da ONU tornou-se claramente ineficaz. No caso do comércio agrícola, por exemplo, a UNCTAD e a FAO quase perderam inteiramente seu papel em termos de regulação internacional. O mesmo aconteceu no que se refere à promoção de programas e políticas de apoio a pequenos produtores rurais e a luta contra a fome – ironicamente, uma parte clara do mandato da FAO desde sua criação. Reconhecendo esta situação, movimentos de pequenos agricultores e outras organizações da sociedade civil, sempre estiveram engajados nas discussões da FAO. É importante observar que esta organização ainda é uma arena para a construção de acordos internacionais entre os mais de 180 estados membros com o objetivo de promover a segurança alimentar e melhores condições de vida, em particular para as áreas rurais, onde estão localizadas 70% das pessoas afetadas pela fome. Considerando o tipo de apoio que a FAO pode dar aos países, oferecendo informações, assistência técnica, assim como aconselhamento aos governos nacionais sobre questões relacionadas à segurança alimentar e ao direito à alimentação, desde 2004, a ActionAid está usando essa organização da ONU como um espaço para trazer para o primeiro plano as exigências e propostas das redes nacionais da IFSN, assim como as de outras organizações parceiras do mundo. Como o “acesso à terra” foi um grave problema comum identificado em todos os países participantes da IFSN, nós baseamos nosso trabalho inicial com a FAO, acerca deste tema. A prioridade para o nosso trabalho envolvendo políticas públicas era clara: trazer a questão da terra de volta para as discussões políticas internacionais e para a agenda governamental. O PAPEL DO IFSN NO ICARRD E SEU PROCESSO DE CONTINUIDADE Em 2004, a Rede Internacional de Segurança Alimentar organizou um seminário em Valência, na Espanha, onde a Conferência Internacional sobre a Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (ICARRD) foi anunciada e discutida. Como é sabido, a Conferência foi organizada no Brasil, em maio de 2006, mais de 20 anos depois da conferência anterior sobre essas questões. Em conseqüência do seminário, uma plataforma agrária específica foi criada – www.land.tenure.info - e a IFSN foi convidada a co-organizar a ICARRD, apresentando 4 estudos de caso (Moçambique, Etiópia, Uganda e Nepal) na conferência oficial. As redes nacionais com o apoio dos escritórios da ActionAid em seus países envolveram-se num profundo processo de consulta em escala local e nacional para produzir esses estudos de caso. Uma atenção especial foi dada à mobilização de grupos de mulheres e suas principais preocupações sobre propriedade e controle da terra e dos recursos naturais. Antes da conferência, a ActionAid e o Ministério Brasileiro da Agricultura organizaram um seminário para analisar a proposta para a declaração final da ICARRD e fazer várias recomendações destinadas a garantir que o direito das mulheres ao acesso e controle da terra fossem assegurados na declaração final. A ActionAid Internacional foi a única ONG especialmente voltada para os direitos das mulheres à terra a participar da conferência: nós conduzimos o Seminário sobre o Direito da Mulher à Terra durante o Fórum Paralelo da Sociedade Civil. Tanto os seminários quanto os estudos de caso contribuíram para a geração de uma ampla aliança para a formação de lobby junto à questão do direito da mulher à terra a aos recursos DO S S IER Marta Antunes 30 naturais e foram cruciais para o que nós consideramos ser uma declaração muito boa do ponto de vista dos direitos das mulheres. Uma delegação da IFSN e da ActionAid estavam presentes na ICARRD, envolvendo 14 países: Paquistão, Gâmbia, África do Sul, Malawi, Uganda, Índia, Nepal, Moçambique, Etiópia, Bolívia, Brasil, Nicarágua, Honduras e Senegal. Esse equilíbrio regional mostrou-se crucial quando foi necessário fazer lobby junto a representantes regionais do comitê de elaboração da declaração da ICARRD. O QUE É RELEVANTE NESSA DECLARAÇÃO? A declaração final da ICARRD foi provavelmente a mais progressiva jamais alcançada numa conferência da FAO. A declaração afirma claramente que a reforma agrária é necessária para combater a pobreza e a fome, e reconhece a existência de diversas formas de ocupação e propriedade da terra, assim como as relações entre o desenvolvimento rural, o meio-ambiente e os direitos tradicionais dos povos indígenas, extrativistas e comunidades de pesca. Ela também reafirmou o importante papel desempenhado pelas mulheres e a necessidade de se acabar com todas as formas de discriminação de gênero. A relação entre a reforma agrária e a luta pela segurança alimentar e a redução da pobreza “Nós, Estados-Membros, reunidos na Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (ICARRD) da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), apresentada pelo governo do Brasil, acreditamos fortemente no papel essencial da reforma agrária e do desenvolvimento rural na promoção de desenvolvimento sustentável, que inclui, inter alia, a realização dos direitos humanos, segurança alimentar, erradicação da pobreza, e o fortalecimento da justiça social com base no domínio democrático da lei.” (Declaração final da ICARRD, parágrafo 1, Março 2006) A relação entre o acesso a recursos naturais a redução da fome e da pobreza “Nós afirmamos que um acesso mais amplo, seguro e sustentável à terra, água e a outros recursos naturais relacionados à subsistência das populações rurais, especialmente, inter alia, mulheres, indígenas, marginalizados e grupos vulneráveis, é essencial para a erradicação da fome e da pobreza, contribui para o desenvolvimento sustentável e deveria ser, portanto, parte inerente das políticas nacionais” (Declaração Final da ICARRD, parágrafo 6, Março de 2006) Direitos eqüitativos à terra e a outros recursos naturais “Nós reconhecemos que as leis deveriam ser elaboradas e revisadas para garantir que às mulheres das áreas rurais sejam concedidos direitos plenos e iguais à terra e a outros recursos, inclusive através do direito à herança, e reformas administrativas e outras medidas necessárias deveriam ser tomadas para dar às mulheres os mesmos direitos que os homens têm a crédito, capital, trabalho, documentos de identificação legal, tecnologias adequadas e acesso a mercados e à informação.” (ICARRD Final Declaration, para. 7, March 2006) Diversidade de grupos (outros recursos naturais) “Nós reconhecemos que as políticas e as práticas para ampliar e assegurar o acesso sustentável e eqüitativo à terra e o controle sobre ela e recursos naturais relacionados e a provisão de serviços rurais deveria ser analisado e revisado de uma maneira que respeite integralmente os direitos e as aspirações das pessoas do campo, mulheres e grupos vulneráveis, incluindo as florestas, áreas de pesca, comunidades tradicionais indígenas e rurais, possibilitando que eles defendam seus direitos, obedecendo as estruturas nacionais legais” (Declaração final da ICARRD, parágrafo 14, Março 2006) Participação de todos os grupos ““Nós enfatizamos, portanto, que tais políticas e práticas devem promover direitos econômicos, sociais e culturais, em particular das mulheres, marginalizados e grupos vulneráveis. Nesse contexto, as políticas de reforma agrária e de desenvolvimento rural e as instituições devem considerar as partes envolvidas, incluindo aqueles que produzem em sistemas de terras comunais, assim como comunidades de pesca e da floresta, entre outras, em processos administrativos e judiciais relevantes de implementação e tomada de decisão, em obediência às estruturas legais nacionais.” (Declaração final da ICARRD, parágrafo 15, Março de 2006) Por que o processo de continuidade da ICARRD é tão importante? Apesar dos parágrafos apresentados acima, as ações de continuidade não foram claramente definidas nessa declaração, e o processo agora denominado como continuidade da ICAARD foi transferido para a próxima seção do Comitê sobre segurança alimentar (CFS) realizado em 2006. Em novembro de 2006, nove meses depois da declaração da ICAARD ter sido assinada por 96 Estados-Membros da FAO, o Comitê de Segurança Alimentar se reuniu em Roma na sede da FAO, dez anos depois da World Food Summit. Na reunião de Roma, os Estados-Membros reconheceram que não é provável que a fome caia pela metade até 2015, apesar de seus compromissos anteriores, devido à falta de vontade política. Eles também reconheceram a necessidade de introduzir políticas públicas nacionais concretas para reduzir o número de pessoas sofrendo de fome no mundo. Contudo, nesta mesma reunião, os mesmos Estados-Membros que assinaram a declaração da ICAARD em março de 2006 no Brasil, não conseguiram dar prioridade a esta discussão, apesar da evidência clara de que negar acesso e controle sobre os recursos naturais e a falta de políticas de desenvolvimento rural adequadas constitui uma das principais causas para a prevalência da fome nos países do sul, e de seu aumento em alguns deles, assim como constitui uma das principais violações do direito humano à alimentação nessas regiões. Depois de tentar tirar a ICAARD da agenda, o presidente da sessão transferiu a questão da sua continuidade para outra reunião da FAO – o Comitê sobre Agricultura (COAG). As redes nacionais ligadas à IFSN DO S S IER 31 O resultado foi que o texto final do COAG relativo à ICAARD é: “Considerando o resultado e a continuidade da ICAARD, o Comitê relembra a importância da reforma agrária e do desenvolvimento rural e o papel significante da FAO neste assunto. Decidindo: •Solicitar que o Secretariado (ou seja, a FAO) forneça, enquanto estiver apresentando o relatório da 20a sessão do COAG para a 132a Sessão do Conselho em junho de 2007, informações sobre o tratamento intersetorial dado pela FAO à questão da reforma agrária e desenvolvimento rural, com responsabilidades funcionais claramente definidas e pontos de contato. •Solicitar ao Secretariado que forneça uma descrição geral: a)das atividades existentes e em curso da FAO sobre a reforma agrária e o desenvolvimento rural; b)da capacidade dos escritórios regionais para lidar com a questão da reforma agrária e do desenvolvimento rural; c)dos programas de cooperação técnica da FAO sobre essa questão; d)das estimativas de custo para uma possível implementação pela FAO das recomendações contidas no Parágrafo 30 da Declaração da ICAARD (ou seja, como a FAO irá auxiliar os países membros a revigorar os centros de desenvolvimento rural e reforma agrária). A descrição geral deverá ser apresentada como um documento informativo à Conferência em novembro de 2007 e ser considerada pela 134a sessão do Comitê sobre Segurança Alimentar (CFS) em 2008. •Solicitar que o secretariado proponha a inclusão da questão da reforma agrária, do desenvolvimento rural e da continuidade da ICAARD na versão preliminar das Agendas das Conferências regionais como e onde for apropriado.” Devemos deixar esta agenda morrer? Embora sejam assinadas pelos Estados-Membros, muitas declarações e resoluções internacionais demasiado sensíveis terminam “na gaveta”. Isso é o que aconteceu com a “Carta Campesina” de 1979, 23 anos antes da ICAARD quando a última conferência da FAO lidando com esta questão foi realizada. Em relação ao texto final do COAG, está claro que a inclusão da continuidade da ICAARD nas Agendas das Conferências Regionais está aberta à negociação. A IFSN e a ActionAid estão trabalhando para a construção de alianças regionais a fim de “manter a continuidade da ICAARD viva”. Para que isso aconteça, um diálogo com atores importantes como ROPPA, La Via Campesina, World March of Women e organizações de mulheres dentro de movimentos e organizações sociais mistas está acontecendo, assim como uma sensibilização realizada pelas redes nacionais sobre a importância de se manter esta agenda viva.Embora essas conferências não tenham nenhum poder de comprometer, é importante mobilizar ações em direção a elas para manter a continuidade da ICAARD como um ponto de discussão em suas agendas. Então, por favor, mantenha estas datas na sua agenda também: Além das conferências, o trabalho em escala nacional, em particular nos países do G-77 que mantêm uma posição mais clara em favor da continuidade da ICAARD, é crucial no que se refere às várias reivindicações de sua continuidade. Usando a declaração para fortalecer as reivindicações atuais de diversos grupos no que diz respeito ao acesso aos recursos naturais é uma maneira de garantir o apoio da FAO a esses países em particular. Uma outra frente de batalha da continuidade da ICAARD localizase em Roma, na FAO: nesse ponto, a participação da sociedade civil é crucial para a manutenção do nosso papel de “cão-vigia” e para negociar propostas concretas naqueles espaços abertos à nossa participação. O trabalho diário em Roma é essencial para o avanço da agenda estabelecida na declaração, especialmente no contexto da reforma da FAO e da pressão feita por alguns Estados-Membros para a redução de custos. • Para baixar a declaração final da ICAARD, por favor, visite www.icaard.org • Para saber mais sobre o projeto IFSN, por favor visite www.ifsn-actionaid.net 29.a Conferência Regional para o Oriente Próximo (NERC) 1 > 5 Março 2008 Egito 25.a Conferência Regional para a África (ARC) 31 Março > 4 Abril 2008 Quênia 30.a Conferência Regional para a América Latina e Caribe (LARC) 14 >18 Abril 2008 Brasil 29.a Conferência Regional para a Ásia (APRC) 19 > 23 Maio 2008 Paquistão 26.a Conferência Regional para a Europa (ERC) 23 > 27 Junho 2008 Áustria ROSA / Mozambique uniram forças para manter a questão da continuidade da ICAARD viva na agenda do COAG e em alguns dos países do sul onde ligações e alianças com delegações nacionais da EC e os representantes da FAO já haviam sido estabelecidas. Algumas cartas foram enviadas para exigir que a EC e a FAO mantivessem essa questão na agenda e colocassem em prática ações concretas de continuidade. Ministros da agricultura – os representantes dos governos nacionais na sede da FAO em Roma – também foram visitados pelos coordenadores nacionais das redes a fim de sensibilizá-los sobre o seu papel de influenciar este comitê e assegurar que suas intervenções fortaleçam as reivindicações da rede nacional. DO S S IER Miguel Malta 32 Construindo redes em prol da segurança alimentar nas cidades: colocando a agricultura urbana na agenda política Embora possa parecer pouco usual, é comum encontrar fazendeiros e atividades agrícolas na maior parte das cidades do mundo. As fazendas urbanas podem alimentar a si próprias e disponibilizar alimentos para outros, promovendo a segurança alimentar nas cidades. Esta atividade pode ajudar a dar conta das situações de crise alimentar e contribuir para a economia doméstica. As fazendas urbanas estão mais próximas dos mercados, uma vantagem nítida em países que carecem de meios adequados de conservação de produtos alimentícios e infraestrutura de transportes. A agricultura urbana pode fornecer aos domicílios produtos frescos, melhorando as dietas, tanto em quantidade como em qualidade. É importante enfatizar que não existem somente vantagens nessa atividade: visto que a terra é um recurso escasso nas cidades, os fazendeiros urbanos tendem a intensificar seus sistemas de produção e esta intensificação pode trazer sérias conseqüências para a saúde humana. Água de qualidade é difícil de se encontrar em contextos urbanos no hemisfério sul e a maior parte dos fazendeiros da cidade usam fontes de água contaminadas, assim como água de esgoto para irrigar seus pequenos terrenos. A agricultura urbana pode contribuir para disseminação de doenças bem conhecidas como a malária e a diarréia; a concentração de aves (galinha caipira) e gado perto dos propriedades urbanas e o uso de formas extensivas de exploração agrava ainda mais esses problemas. Independente desses aspectos negativos, o desenvolvimento de atividades agrícolas sustentáveis pode ser altamente efetivo na promoção da Miguel Malta Escola Superior Agrária de Coimbra, Portugal segurança alimentar nas cidades. O problema é que a agricultura urbana é freqüentemente ignorada pelos governos, organizações e políticas públicas enquanto uma ferramenta importante de garantia da segurança alimentar. Isso limita seu sucesso no combate à fome e na melhoria da vida do pobre nas cidades em rápido crescimento dos países em desenvolvimento. Há uma necessidade urgente de se discutir a segurança alimentar nas cidades, colocando a agricultura urbana na agenda política. Isso poderia ser feito através do estabelecimento oportunidades para a promoção de análises, discussões e atividades de defesa em vários níveis (local, nacional e global) com o envolvimento de agricultores e agricultoras e suas organizações, ONGs, governos locais e outras instituições interessadas, cobrindo tópicos tais como as dimensões políticas, econômicas, sociais e ambientais da agricultura urbana; o acesso à terra, à água e a outros recursos agrícolas; o acesso a mercados e tecnologias apropriadas; boas práticas agrícolas urbanas; segurança alimentar, nutrição e saúde; questões de gênero; e os riscos e as potencialidades da agricultura urbana. Em Tamale, uma pequena, porém crescente, metrópole no norte de Gana, um grupo de organizações iniciou um processo que culminou no desenvolvimento de uma rede regional de apoio a iniciativas relacionadas à agricultura urbana. O principal objetivo da URBANET-NG é “contribuir para a redução da pobreza entre agricultores e populações urbanas através de práticas agrícolas e ambientais sólidas e sensatas”. Trata-se de uma rede aberta e diversificada que inclui 18 membros: associações de agricultores, instituições de ensino e pesquisa, agências do governo e ONGs. Essa experiência inovadora tem um enorme potencial de se reproduzir em outros contextos do mundo em desenvolvimento. Baseada nessa experiência, uma série de estratégias estão sendo propostas para promover a disponibilidade e a segurança alimentar e um melhor ambiente urbano. Uma pesquisa completa foi publicada e pode ser acessada através da plataforma IFSN. post it Alex Diang’a 33 Coordenador de Comunicações / ActionAid Kenya quénia Alex Diang’a / ActionAid As mulheres maasai unem forças para proteger a terra e melhorar a segurança alimentar Kiteileki Muntet (left) and Naimodu Taki Durante anos, as Maasai nunca puderam ser donas de terras. Os homens são os chefes dos lares, embora sejam as mulheres que lidem com as questões reais. A cultura Maasai discrimina enormemente as mulheres. Os homens podem vender suas terras sem consultar suas esposas, abandonando suas mulheres e filhos, deixando-os sofrer. Quando o governo do Quênia empreendeu a redistribuição das terras, foram os outsiders e homens Maasai que receberam as propriedades. Portanto, as mulheres são obrigadas a andar longas distâncias para apanhar água e criar seus animais, pois as fazendas mais próximas são de propriedade privada. Em 2004, um grupo de mulheres tomou conhecimento de que seus maridos estavam planejando vender suas terras. Os 960 acres de terra eram regulamentados por 80 atos de titulação, cada um com 120 acres de tamanho. Foi estabelecido que cada acre seria vendido por Ksh 30.000,00. Com o auxílio da ActionAid, as mulheres conseguiram obter aconselhamento legal de advogados e então procuraram ajuda do governo, o que significa que a venda foi de fato impedida. Desde então, a campanha de defesa da terra continuou a crescer, levando à formação de um comitê da terra. Este comitê requisitou ao governo que permitisse que as mulheres participassem das reuniões dos proprietários de terras para monitorar as vendas. O comitê e o tribunal da terra emitiram então uma declaração afirmando que a terra não poderia ser vendida, a menos que a esposa legal esteja presente. Logo após a declaração, um grupo de mulheres Maasai uniram-se e registraram o Grupo das Mulheres Nchulla, que luta pelos direitos das mulheres, incluindo a questão da terra. Com um total de 16 associadas o grupo foi e continua a ser treinado pela ActionAid acerca do direito das mulheres, direitos das crianças e a importância da terra como um recurso. Naimodu Taki, de 28 anos, está entre os membros do Grupo de Mulhres Nchulla. Quando seu marido vendeu árvores na terra deles para produtores da carvão sem o seu conhecimento, ela “perdeu as palavras”, pois sabia que, enquanto os produtores de carvão estivessem trabalhando nas terras do casal, ela não seria capaz de usá-las para criar animais ou para o cultivo. “Meu marido recebeu Ksh 500 (US$ 7) pelas árvores, enquanto o produtor de carvão faturou Ksh 6000 (US$ 85) e nós permanecemos com fome, sem comida nem terra para criar os animais por quase 6 meses”, diz a mãe de 6 com sua voz doce. Mas quando ela dividiu seus problemas e sua situação difícil com outras mulheres do grupo, ela tomou coragem e mobilizou suas companheiras para enxotar os produtores de carvão de suas terras. Juntas, ela e sua coesposa, as duas mulheres agora já podem criar animais e cultivar a terra. “A ActionAid elevou nossa consciência. Agora nós sabemos dizer não quando nossos direitos são infringidos”, diz Taki acrescentando “Nós agora somos capazes de proteger nossa terra e cultivá-la sempre que quisermos” Mas Taki não e a única mulher a enfrentar problemas relacionados à terra em Narok. O marido de Kiteleki Muntet, uma jovem de 20 anos, queria vender a propriedade de 25 hectares do casal quando ela tomou conhecimento disso. Tendo passado pelo treinamento de conscientização fornecido pela ActionAid, ela e sua co-esposa conseguiram barrar a transação. “Estou feliz que a transação tenha sido interrompida, pois nós conseguimos produzir comida para nossa família”, diz a mãe de quatro. “A consciência da questão foi despertada e as mulheres agora são capazes de protestar com seus maridos, sempre que eles fazem coisas fora do comum que possam vir a afetar sua subsistência, a subsistência da família”, diz Magdalene Setia, Coordenadora do Programa Kenya em Narok. post it Faria Selim 34 Coordenadora Associada - Identidade / ActionAid Bangladesh Bangladesh A jornada “A liquidez econômica não somente fornece alimento para se ganhar a vida, mas também incrementa a dignidade social de um indivíduo. A independência econômica confere a este indivíduo a devida importância e respeito, tanto na família quanto na sociedade. Eu percebi isso a partir da minha própria experiência de vida,” diz Munjila Begum do grupo de ajuda mútua Rajanigandha em Satkhira. Há poucos anos atrás, as mulheres que fazem parte do grupo não tinham sequer condições de custear duas refeições por dia; agora elas são um exemplo único de um grupo de mulheres empreendedoras. Munjila começou seu pequeno negócio de criação de camarões com um empréstimo de uma cooperativa, formada em uma aldeia afastada de Satikhira, em 2004. Atualmente, ela é um ícone de sucesso e ocasionalmente uma conselheira para outras participantes do grupo. Ela está considerando a idéia de candidatar-se para as próximas eleições da UP (um organismo local do governo) e trabalhar pelos direitos das pessoas em sua região. Com uma abordagem inovadora do empowerment, o grupo introduziu uma notável dimensão em uma era dominada pelo micro-crédito em Bangladesh. ActionAid inicialmente lançou a idéia dos grupos de ajuda mútua em 2004, percebendo que onde há uma falta de serviços adequados, a promoção dos direitos das pessoas deve incluir uma iniciativa abrangente em direção à erradicação da pobreza. Stephen Hiley em direção aos grupos de ajuda mútua Munjila Begum, do grupo de auto-colaboração Rajanigandha (um círculo de mulheres) Assim, o objetivo era fornecer aos pobres e marginalizados um modo de vida economicamente sustentável através de acesso cada vez maior ao emprego e ao treinamento para o trabalho, enquanto se elevava o entendimento deles das questões envolvidas. A ActionAid implementou o projeto em 3 áreas (os distritos de Satkira, Kurigram e Patuakhali) através de suas organizações parceiras (Uttaran, Zibika e a Speed Trust). O projeto cobre 1.200 lares, divididos em 48 grupos, dentre os quais, 31 são grupos de mulheres. Sérias adversidades existem nos programas atuais de concessão de micro-crédito para os pobres e experiências passadas de sues usuários, ou seja, pessoas que se beneficiaram desses programas, estão longe de serem consideradas felizes. A ActionAid trabalhou para facilitar o processo de construção de organizações de pessoas pobres, convencida de que estes podem criar opções de modos de vida sustentáveis para seus membros, enquanto estabelecem seu espaço político, desenvolvem suas habilidades e potencial e asseguram seus direitos sobre recursos. Tais organizações podem também ajudar a aumentar o poder de barganha das pessoas e, de fato, podem ajudar a criar empresas altamente bem sucedidas. Sua singularidade está no fato de que elas são dirigidas pelos próprios membros do grupo, fazendo dessas organizações verdadeiros exemplos de organização democrática com participação igual de mulheres nos processos decisórios. A ActionAid incentiva a participação ativa das pessoas com as quais ela trabalha, acreditando que as populações diretamente afetadas têm o melhor conhecimento a respeito da situação, uma consciência mais profunda da crise e um know-how para resolver seus dilemas. Agindo de acordo com esta crença, a ActionAid e seus parceiros desempenham o papel de facilitadores na implementação do conceito de empowerment nos grupos de ajuda mútua e consideram os membros desses grupos como atores principais. Começando com a seleção das aldeias e dos lares-alvos para associação aos grupos, usando ferramentas de avaliação rural participatória, os membros do programa tomam a dianteira em cada passo. Estes incluem: identificar os perfis dos modos de vida através da classificação da riqueza; identificar as opções de modo de vida; promover o treinamento de capacitação, empreendedorismo, apoio de mercado e gerenciamento; desenvolver relações com os mecanismos de suporte aos modos post it 35 Tirando as iniciativas de subsistência, os grupos analisam e identificam abusos dos direitos que restringem as opções das pessoas por um modo de vida sustentável, assim como atividades Depois de completarem uma fase de nove meses, os grupos são estabelecidos para formar federações que adquirem registro individual. O Monisha Biswash / ActionAid Ao contrário das altas taxas de juros praticadas pelos programas de microcrédito, os membros do grupo pagam somente 5% de juros e programam o pagamento do empréstimo de acordo com sua própria conveniência. Além do capital inicial, cada grupo guarda uma certa soma como fundo de reserva ou seguro contra calamidades futuras ou contratempos. Os membros do grupo estão envolvidos com agricultura, comércio de pequena escala, criação de camarão e aves e assim por diante. E como grupo, eles também tomam iniciativas de negócios em conjunto. “Como uma iniciativa conjunta, nós pegamos um contrato de aluguel de 4 anos de um extensão de água medindo 21.000 m2 e começamos a criação de camarões e sivicultura”, diz um membro do grupo masculino Shapla. Foi perceber a importância do acesso aos direitos à terra que os levou a tomar esta iniciativa. O Círculo Shapla ganhou o prêmio de melhor círculo dentre 21 círculos e é citado como um excelente exemplo de um grupo comprometido de pessoas cujo trabalho estimula outros a repetir suas experiências. Eles perceberam que o empowerment político permitiria que se tornassem parte dos processos decisórios da sociedade e decidiram, portanto, concorrer nas próximas eleições da UP. Se o representante deles for eleito como presidente, eles ganharão a oportunidade de se envolverem no desenvolvimento de sua região e, mais adiante, promover o bem estar de seu povo. “Nós estávamos na escuridão e agora fomos expostos à luz da esperança. Nós desejamos prosseguir com isso e construir nosso próprio destino. A pobreza nos cobriu dos pés à cabeça e nós fomos capazes de nos libertar através do nosso próprio esforço. Agora nós nos sentimos confiantes para lutar com força para ter nosso representante no órgão local do governo”, diz Gobinda Prashad Majhhi do Círculo Shapla. principal objetivo da federação é melhorar a condição sócio-econômica e a posição de cada grupo de ajuda mútua, criando relações entre eles próprios para que sejam autosuficientes e sustentáveis como uma organização autônoma. Uma rede de “Prantajan” (as pessoas marginalizadas) também foi formada para promover e praticar a idéia do grupo de ajuda mútua. Os membros dos grupos de ajuda mútua e das federações que vivem em partes remotas do país e estão privados da luz da alfabetização confirmaram as palavras de Confúcio: “A humanidade é tão grande quanto sua esperança.” Círculo de homens Shapla Pabitra Kumar Basu / ActionAid A ActionAid aliviou as dívidas dos membros do grupos ao oferecer a cada um deles uma certa quantia que foi depositada em uma conta bancária. O grupo é o dono desse fundo, gerencia seu capital, empresta dinheiro para seus membros, guarda as economias de seus membros e reinveste de acordo com seu próprio regulamento interno. É oferecido a eles treinamento em gestão financeira para realizarem o trabalho de forma competente. Analisando as propostas de membros individuais do grupo, as equipes executivas aprovam empréstimos e providenciam cursos de treinamento cobrindo as várias atividades geradoras de renda. que destroem a biodiversidade e a ecologia, e trabalham para assegurar a disponibilidade de serviços públicos, tais como o fornecimento de água e eletricidade, projetos de infraestrutura e a promoção de trabalhos ligados à defesa de direitos. As conquistas dos grupos são enormes em todas as áreas. “Até pouco tempo atrás, 95% das crianças da aldeia não iam para escola. Agora, todas elas vão. Nós criamos um escritório com as primeiras economias do grupo e alocamos uma parte delas para a escola. Nós lhe demos o nome de Pathshala”, diz Amal Krishna Majhhi, presidente do Círculo de Homens Shapla. Serviços de esgoto e saneamento estão disponíveis em todas as casas da aldeia de Burigoalini Kachhari, o que antes não passava de um sonho utópico. Os membros do grupo também reconstruíram as estradas da região e obtiveram da União Parishod (UP) fundos para o desenvolvimento de grupos considerados vulneráveis, assim como pensões para pessoas idosas e viúvas. Criação de camarões no distrito de Satkhira Pabitra Kumar Basu / ActionAid de vida existentes; e implementar iniciativas de defesa de direitos. As pessoas foram incentivadas a identificar e a analisar seus próprios problemas em vez de receberem indicadores pré-estabelecidos e componentes alternativos de subsistência. Os domicílios nas áreas selecionadas estavam amplamente endividados junto a várias organizações e instituições de crédito locais. Rahela Begum, do Círculo Chotabalia, no distrito de Munshiganj post it Ana Paula Lopes Ferreira 36 Assistente do Programa de Segurança Alimentar / ActionAid Brazil Brazil Ana Paula Lopes Ferreira / ActionAid ActionAid estimula a troca de experiências entre agricultores e agricultoras familiares Em um cenário no qual a degradação sócio-ambiental tornou-se evidente e as preocupações com a questão da sustentabilidade desempenham um importante papel nos debates atuais, a busca de alternativas que acentuem a superação das desigualdades sociais e da depredação dos recursos naturais é considerada como uma questão central desse debate. A ActionAid acredita que a superação dessas dificuldades não será conquistada meramente através do conhecimento convencional, como foi postulado pelos defensores das novas tecnologias, que consideram os organismos geneticamente modificados e a revolução verde como a saída para os problemas sociais e/ ou agrícolas. Nós acreditamos que, se os atuais processos de exclusão social e a degradação da base de recursos naturais que sustenta a agricultura persistirem, a segurança alimentar da sociedade como um todo pode ficar comprometida dentro de um período relativamente curto. Dessa forma, a ActionAid vem aumentando seus investimentos em agroecologia, pois nós acreditamos que, dentre as alternativas reproduzidas no Brasil e também internacionalmente que se opõe ao modelo de degradação agrícola, uma orientação agroecológica contribui para reduzir e/ou superar parte dos problemas sociais e ambientais através de métodos produtivos, técnicas e processos mais compatíveis com os objetivos de um modelo agrícola sustentável. Este modelo não é estabelecido através de pacotes econômicos e tecnológicos. Em vez disso, ele é estabelecido através de experiências construídas baseadas nas práticas locais de agricultores familiares. Portanto, as iniciativas agroecológicas trazem consigo a valorização e a incorporação do know-how acumulado, conhecimentos e experiências de agricultores e agricultoras, cominandoos ao conhecimento acadêmico envolvido com a agricultura sustentável. O PROJETO “De Agricultor para Agricultor” VALORIZANDO OS PROCESSOS DE TROCA DE EXPERIÊNCIA Durante os dois últimos anos, a ActionAid implementou o projeto “Farmer to farmer knowledge dissemination: exchanging experiences and strengthening the agroecological movement” com a ajuda de suas organizações parceiras nas áreas rurais com o propósito de contribuir para a ampliação da perspectiva agroecológica. O principal objetivo do projeto é fortalecer os processos agroecológicos, ao incrementar e valorizar as trocas de experiências entre agricultores e agriculturas e entre estes e os técnicos. Existem 12 entidades rurais envolvidas “Eu sou agricultora e tenho muito orgulho disso, e poder falar sobre minhas experiências com outros agricultores e organizações é muito importante para mim. É por isso que eu estou gostando muito dessas reuniões. Através delas eu aprendo e ensino. Eu me sinto fortalecida conhecendo pessoas que têm os mesmos problemas que eu tenho e que buscam soluções”. Severina Dias, 60 anos, agricultora em Pernambuco nesse processo, que são parceiras da ActionAid: AS-PTA, no estado da Paraíba; SASOP e MOC, na Bahia; CTA e CAA, em Minas Gerais, COMSEF, CONVIVER e AQCC, em Pernambuco; ESPLAR, no Ceará e ASSEMA, MIQCB e MST, no Maranhão. AS-PTA: Assistência e serviços para projetos agrícolas alternativos SASOP: Assistência e serviços para organizações rurais MOC: Movimento de Organização Comunitária CTA: Centro de tecnologia alternativa CAA: Centro para a agricultura alternativa COMSEF: Comunidade Semeando o Futuro CONVIVER: Vivendo Junto no Sertão AQCC: Associação Quilombola de Conceição das Crioulas ESPLAR: Centro de Pesquisa e Assistência ASSEMA: Assistência em áreas de assentamento no Maranhão MIQCB: Movimento Interestadual de Quebradoras de Coco Babaçu MST: Movimento dos trabalhadores rurais sem terra post it 37 Todas essas organizações trabalham com uma perspectiva agroecológica, apesar de suas diferentes localizações, temas e formas. Cada uma delas têm diferentes experiências metodológicas, técnicas e práticas que estão sendo implementadas pela agricultura familiar. A troca dessas experiências com organizações e outros agricultores e agricultoras fortalece o trabalho daqueles que estão diretamente envolvidos nos processos agroecológicos, assim como daqueles que participam de experiências similares. aprendemos que as trocas de experiências favorecem a disseminação do conhecimento entre agricultores e agricultoras aumentando sua autoestima e o empowerment coletivo e individual em um contexto de maior eqüidade social. Embora tenha ainda um longo caminho a percorrer, o projeto “De Agricultor para Agricultor” contribuiu para reforçar o movimento agroecológico brasileiro, já que ele possibilita a reflexão coletiva e momentos de troca de conhecimentos e experiências envolvendo agricultores e agricultoras, movimentos sociais e entidades engajadas na construção da agroecologia. LIÇÕES APRENDIDAS Este e outros encontros promovidos pelo projeto nos ensinaram que, ao promoverem o contato entre pessoas e seus trabalhos, as trocas de experiências contribuem para a construção de identidades, o fortalecimento do sentimento de pertencimento a um grupo e para a extinção do isolamento. Nós também Ana Paula Lopes Ferreira / ActionAid O projeto é realizado através de encontros para a troca de experiências técnicas e organizacionais entre agricultores e agricultoras e entre estes e técnicos e técnicas especialistas. Em maio de 2007, a ActionAid conduziu uma atividade no semi-árido da Paraíba envolvendo 70 pessoas, incluindo agricultores e agricultoras e técnicos de organizações parceiras. A importância dessas trocas para as partes envolvidas foi o objeto de reflexão dessa atividade. Todas as organização explicaram as maneiras como elas realizam os encontros de troca e apresentaram seus resultados. Outra parte desta atividade foram as visitas de campo, através das quais os participantes tiveram a chance de conhecer as experiências de agricultores que gerenciam hortas comunitárias, barragens subterrâneas, cultivo de produtos orgânicos e pequenas criações de animais. Os visitantes também conhceram uma feira de produtos agroecológicos e tomaram conhecimento de experiências organizacionais das uniões de trabalhadores rurais da região. “Eu estou muito contente de poder compartilhar minhas experiências nessas reuniões. Eu também fico muito animado em ouvir as experiências de outros agricultores. Eu aprendo muito com isso. Eu me sinto realizado através disso e ansioso para participar mais e aprender mais. Eu também aprendi muito a partir da documentação de outros agricultores e agricultoras.” Ismael de Souza, 19 anos, agricultor em Pernambuco. clips 38 Vamos reinventar nosso mundo Alejandra Scampini Coordenadora dos Direitos das Mulheres nas Américas / ActionAid O pessoal é político Stuart Freedman / ActionAid os direitos das mulheres e o direito à alimentação As ações referentes ao Direito à Alimentação deveriam incluir algumas reivindicações específicas que vêm sendo feitas pela ActionAid no que diz respeito aos Direitos das Mulheres. Nós estamos trabalhando de forma conjunta com o tema Direito à Alimentação em escala nacional e regional numa abordagem do direito das mulheres a recursos naturais desde 2005. A questão do acesso à terra é um componente-chave em nossas políticas e reivindicações. Os recursos naturais são hoje considerados um elemento crucial nas lutas políticas e sociais, afetando especialmente uma “nova ruralidade”.Rever o conceito de identidade rural como parte da luta para reforçar os direitos de agricultores e agricultoras é um aspecto muito importante deste debate. Na agricultura rural é a mulher quem seleciona, armazena e troca as sementes com outras mulheres a fim de experimentá-las em casa. A questão do acesso e controle sobre os recursos naturais tem criado espaço para um trabalho simultâneo sobre o tema do direito à alimentação e o direito das mulheres. O mercado da terra está se desenvolvendo de diversas formas em quase todos os países da América Latina. Em Honduras, por exemplo, o Projeto de Acesso à Terra (PACTA), um programa que surgiu como parte da Estratégia de Combate à Pobreza pelo Governo Hondurenho, está atualmente sendo implementado. O custo do projeto por família beneficiada é de US$ 12,844 e ele inclui crédito para a aquisição de terras, fundos para a capitalização da companhia e o fornecimento de assistência técnica. A falta de apoio e acompanhamento ao desenvolvimento da capacidade produtiva e a possível ausência de conexões com a economia nacional como um todo são obstáculos que estão dificultando, em muitos casos, a redução da pobreza entre homens e mulheres beneficiários. Cumpre reconhecer que há estruturas e atitudes patriarcais muitos fortes que impedem as mulheres de terem acesso à propriedade da terra. Em muitas culturas, as esposas e as filhas são vistas, elas próprias, como propriedades. Assim, o desafio não é somente denunciar publicamente tais desigualdades, mas também recuperar em nossa luta a idéia de um órgão de mulheres que defenda suas capacidades, seus valores, suas contribuições, suas vozes, seus testemunhos. É necessário recuperar os processos que criaram espaço para a mulher falar mais alto e por si própria, para fazer suas próprias escolhas e para ser capaz de transformar sua própria sociedade. Reivindicações internacionais pelo direito à alimentação adequada devem ser um instrumento para fortalecer os direitos cívicos e políticos das mulheres e consolidar o cumprimento da legislação que promove igualdade para as mulheres nas esferas pública e privada. A mulher é discriminada no que se refere a heranças e viuvez, o que tem terríveis conseqüências em sua dignidade e bem-estar e também de seus filhos e filhas. Em um nível mais amplo, a discriminação contra as mulheres no que diz respeito ao acesso a recursos naturais está contribuindo para uma perspectiva de insegurança humana e alimentar, violência e degradação ambiental. No trabalho pelos direitos das mulheres, nós enfrentamos diversas formas de resistência e/ou indiferença por parte de líderes políticos, legisladores, funcionários públicos do setor administrativo e também das organizações e movimentos da sociedade civil. A eliminação dessas formas de discriminação nos levou a fazer análises pontuais e reivindicações específicas. Mas além dessas realidades mais concretas, é especialmente interessante apreender os símbolos que permanecem no mundo rural e que nós deveríamos também desafiar através de nossas ações e campanhas internacionais. Minha participação em um diálogo de agricultor para agricultor, organizado pela ActionAid em Maio de 2007 na Paraíba (Brasil), foi importante para aprofundar o entendimento comum sobre como fortalecer os direitos das mulheres em iniciativas ligadas ao tema do direito à alimentação. A sexualidade desempenha um papel importante na entrada da mulher no mundo do trabalho. A idéia de lascívia está enraizada no imaginário de homens e mulheres e isso afeta as possibilidades das mulheres se organizarem, participar e agregar mérito ao seu próprio trabalho. “Se eu saio para uma reunião, então meu marido acha que eu estou saindo para me divertir” – disse uma companheira agricultora sobre sua impossibilidade de participar de eventos, reuniões e campanhas. clips 39 clips 40 Alejandra Scampini Em diversas ocasiões, eu pude perceber o orgulho das mulheres quando falavam sobre seu salário e seu poder. As mulheres sentem orgulho de seu salário, porque ele lhes fornece mais autoridade diante dos membros de seu grupo, seja da família ou da comunidade. Algumas argumentam que trabalham por necessidade, já que seus filhos migraram para a cidade ou porque seus maridos morreram ou estão doentes. Este argumento não desafia a incapacidade dos homens, e o salário das mulheres é, em grande parte, usado para cobrir essas necessidades e serviços que antes eram fornecidos pelo estado. O que é interessante é que mais mulheres estão falando como agentes no que se refere a certas formas de controle e poder quando elas dizem “Eu compro isso. Eu traz consigo sérios custos. Muitos agricultores admitem terem problemas para se acostumar a ver suas esposas fora do ambiente doméstico. Dona Rosa disse: “Eu só comecei a trabalhar quando meu marido morreu, mas agora, minha filha e seu marido não têm esses problemas”. Nós pudemos observar que as novas gerações começam a entender a situação de modo diferente e a mudar os papéis tradicionais. Finalmente, nós esperamos que essas reflexões possam nos ajudar a construir uma nova consonância cultural no que diz respeito a um mundo alternativo onde não haja nenhuma desigualdade de gênero. Como membros de um grupo de ativistas sociais, nós todos devemos colocar em nossas pautas a questão do direito das mulheres aos recursos naturais. Jacob Silberberg / PANOS / ActionAid “As piores realidades da nossa era são as realidades fabricadas. É portanto nossa tarefa, como participantes criativos do universo, re-sonhar nosso mundo. O fato de possuirmos imaginação significa quetudo pode ser re-sonhado. Cada realidade pode ter suas possibilidades alternativas. Os seres humanos foram abençoados com a necessidade de transformação”. (Ben Okri, A Way of Being Free. Guernsey Press. Channel Islands 1997) planto aquilo. Nós conseguimos, etc.”. Em Queimadas, no estado brasileiro da Paraíba, para onde fomos para um visita de campo, a união dos trabalhadores era liderada por mulheres. Elas não fornecem assistência somente em seus lares e comunidades, mas também saem para trabalhar, gerenciam as sementes, o crédito, etc. Elas freqüentemente adquirem mais direitos nas comunidades do que em seus próprios lares. Isso redefine as relações de poder entre homens e mulheres. A nostalgia da mulher do lar e o peso da família também foram questões recorrentes. A introdução massiva das mulheres no campo produtivo As reivindicações internacionais pela segurança alimentar e a campanha HungerFREE nos permitem desenvolver o aspecto intersetorial desses elementos, mas ainda há um longo caminho a se percorrer a fim de fazer deste um tema central na agenda pública. O desafio é criar espaço para os direitos das mulheres em cada uma das áreas nas quais trabalhamos, para transversalizar esta questão nas nossas campanhas e pautas e para encorajar outros companheiros e companheiras a conduzir análises de gênero em seus trabalhos. agenda Carlos Gaio 41 Advogado dos Direitos Humanos, Consultor da ActionAid International para o Tema Direito à Alimentação A campanha HungerFREE A campanha HungerFREE foi lançada! Nos últimos meses, lançamentos nacionais aconteceram na Índia, Senegal, Nepal, Serra Leoa, Brasil, HungerFree Campaign / ActionAid Paquistão, Gâmbia, Tailândia, Nigéria, Moçambique, Bangladesh e muitos outros países. Milhares de pessoas têm se engajados nesses lançamentos, com passeatas, marchas, festivais de música e oportunidades para as pessoas se unirem pelo direito à alimentação. Nós também lançamos a campanha internacionalmente na ONU. Em julho, apresentamos a campanha a oficiais de governo e diplomatas que estavam Assembléia Geral da ONU, fornecendo este centro de ação on-line e encorajar o participando da Revisão Ministerial estudos de caso e representantes. maior número possível de pessoas a se Anual do Fórum Econômico e Social As atividades da HungerFREE também unirem à nossa campanha. da Organização das Nações Unidas são planejadas em escala nacional e (AMR). Até mesmo o secretário geral nossa esperança é que os programas No que se refere à frente de batalha da ONU, Ban Kimoon, foi informado dos países sejam capazes de fazer doméstica, a ActionAid se envolve sobre nossa campanha! Os colegas da campanha e divulgar informações nas em atividades de capacitação. Nosso ActionAid de Bangladesh, Etiópia, Gana capitais nacionais durante a Assembléia. objetivo é mobilizar as pessoas acerca e Combodja seguiram a apresentação A ONU, como um conjunto de Estados, de seu direito à alimentação e reivindicar dos relatórios de seus governos. Nós presidiu o fracasso global em relação ao que os Estados cumpram suas também participamos no Fórum de direito à alimentação. Se as tendências obrigações através de todos os meios Desenvolvimento da Sociedade Civil e atuais persistirem, haverá 950 milhões possíveis, incluindo novas políticas introduzimos a campanha para platéias de pessoas subnutridas no mundo públicas especialmente elaboradas para extremamente interessadas. até 2015, 440 milhões a mais do que este fim. à época da promessa da World Food Nosso trabalho internacional em 2007 Summit, em 1996 e 280 milhões a mais Um dos principais objetivos da irá enfocar a Assembléia Geral das do que a Declaração do Milênio havia ActionAid é dar suporte às organizações Noções Unidas (setembro-dezembro), prometido. da sociedade civil dos países em onde nós estamos lutando por uma Dada essa situação escandalosa, nós desenvolvimento, ajudando esses resolução mais forte sobre o direito estamos convidando partidários e organismos a contribuir efetivamente à alimentação e para que muito mais simpatizantes do direito à alimentação a para assegurar a realização do direito à atenção seja dispensada por parte dos escreverem uma mensagem em pratos alimentação adequada. As organizações Estados-Membros à situação global de papel que serão apresentados ao da sociedade civil estão muito próximas de fome. O texto provisório para uma secretário geral da ONU Ban Ki-Moon. dos grupos mais vulneráveis que sofrem resolução mais fortalecida foi enviado Os pratos de papel foram enviados a diretamente as conseqüências do aos programas nacionais que foram programas nacionais de todos os países. fracasso governamental em garantir o convidados para um encontro com seus Além disso, há um site dinâmico da este direito. respectivos departamentos de Relações HungerFREE em www.hungerfreeplanet. Esta abordagem é compartilhada pela Exteriores para fazer lobby em prol org, onde os visitantes podem interagir, Unidade de Direito à Alimentação da dessas melhorias. enviando mensagens para reivindicar FAO, cuja coordenadora, Barbara Ekwal, o direito à alimentação, que serão enfatizou que “o ponto forte principal Mais de 10 programas nacionais estão posteriormente entregues a Ban K i- das organizações da sociedade civil diretamente envolvidos no trabalho na Moon. Para nós, é importante promover está no seu poder de mobilização, seus agenda Carlos Gaio 42 vínculos com a base e sua legitimidade ao falar em nome daqueles cujos direitos humanos são violados. As organizações da sociedade civil desempenham um papel essencial na construção da consciência sobre o direito à alimentação e na criação da vontade política necessária para provocar mudanças. Conforme compromissos HungerFree Campaign / ActionAid políticos são feitos, essas organizações têm um papel crucial em assegurar que estes se traduzam em ações concretas. Elas chamam a atenção dos governos e das partes interessadas sobre as Diretrizes do Direito à Alimentação aceitas pelos membros da FAO em 2004, que é uma ferramenta prática para este fim. Finalmente, as organizações da sociedade civil devem introduzir a perspectiva do direito à alimentação em a performance do Estado na questão do de defesa de direitos, aconselhamento seu próprio trabalho de desenvolvimento, direito à alimentação e o cumprimento sobre políticas públicas, informações, pilotando uma mudança de paradigmas de obrigações relacionadas; estabelecer treinamento e capacitação. Uma da assistência para uma abordagem reivindicações específicas referentes participação ativa das organizações voltada para a questão dos direitos a casos concretos de violação deste da sociedade civil nesses esforços humanos.” direito a fim de pôr-lhes um ponto final é indispensável. As metodologias e incentivar a mudança de atitude das bastante abrangentes desenvolvidas autoridades nacionais. pela FAO, como por exemplo o A ActionAid está apoiando várias redes Legislation Framework , a avaliação da sociedade civil através do projeto Rede Internacional de Segurança No final do programa de treinamento da do direito à alimentação, os guias Alimentar (IFSN) para oferecer a ActionAid e com a experiência prática sobre monitoramento e orçamento, seus parceiros locais o treinamento adquirida durante este exercício, as podem ser – e algumas estão de fato e suporte necessários para que se organizações e redes da sociedade civil sendo – adaptadas pelas organizações comprometerem a fazer avaliações estarão mais preparadas e motivadas da sociedade civil para seu próprio sobre o cumprimento do direito à para monitorar a realização do direito uso. Maiores informações sobre alimentação adequada em seus países, á alimentação pelas autoridades do esta e outras questões relacionadas e posteriormente contribuir para a Estado em caráter contínuo. ao direito à alimentação podem ser encontradas no site www.fao.org/ mobilização global através da campanha Informações adicionais sobre a righttofood. Finalmente, as organizações campanha podem ser encontradas da sociedade civil podem tirar proveito Uma avaliação completa envolve no site www.hungerfreeplanet.org. da estrutura global fornecida pelas a revisão de políticas públicas e Para saber mais sobre os treinamentos Diretrizes para o Direito à Alimentação, instituições estatais junto com o e as iniciativas da IFSN, visite que refletem um consenso internacional cumprimento de suas obrigações para www.ifsn-actionaid.net e podem servir de base para a interação HungerFREE. entre governos.” proteger, promover e implementar o direito à alimentação. Isso inclui avaliar A UNIDADE DE DIREITO À se o Estado toma providências imediatas ALIMENTAÇÃO DA FAO E AS “Este treinamento foi como um para respeitar, proteger e fazer cumprir ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE despertar de consciência de nossos este direito e se as políticas públicas CIVIL direitos, não somente o direito e instituições contribuem para sua Barbara Ekwal: “A Unidade de Direito à à alimentação mas também de realização progressiva. Alimentação da FAO apóia os Estados- outros direitos. Ele aumentou minha Uma vez que a avaliação seja realizada, Membros em seus esforços para realizar responsabilidade de conscientização as organizações da sociedade civil terão o direito à alimentação e implementar as sobre a questão e também de melhoria informações e documentos que podem Diretrizes para o Direito à Alimentação. do direito à alimentação.” (Participante ser usados pela campanha HungerFREE Nossas atividades abrangem a de Moçambique na avaliação anônima para elevar a consciência pública sobre elaboração de métodos e ferramentas do treinamento.)