os direitos das mulheres e o direito à alimentação

Transcrição

os direitos das mulheres e o direito à alimentação
editorial
1
Editorial
Desejamos aos leitores as boas-vindas a esta edição de
cional. Ela também inclui experiências positivas para a
lançamento da revista sobre o Direito à Alimentação da
garantia do direito à alimentação, assegurando o direito
ActionAid International, a qual esperamos que inspire
à terra e a recursos naturais (incluindo comunidades de
você a se mobilizar em prol desses direitos, a criar novos
pesca artesanal) ou assegurando o direito ao trabalho e
exemplos e a compartilhar suas valiosas experiências e
outras subsistências.
lições, mais amplamente.
A seção Dossier enfoca os projetos e as conquistas
A Food Files, nascida e nomeada no última reunião
da Rede Internacional de Segurança Alimentar (IFSN) e de
sobre o direitos alimentares, realizada em Coimbra, Por-
outras redes. Nesta edição, nós oferecemos uma breve
tugal, está sendo lançada ao mesmo tempo que a nossa
apresentação do projeto da IFSN, suas principais ações
campanha pelo Direito à Alimentação, que reivindica um
internacionais na Organização das Nações Unidas para a
comprometimento mais explícito dos governos para er-
Agricultura e Alimentação (FAO) e os processos de con-
radicar a fome através da implementação de políticas
tinuidade da Conferência sobre Reforma Agrária e Desen-
concretas de desenvolvimento destinadas a promover e
volvimento Rural (ICARRD) e um estudo de caso sobre o
respeitar o direito à alimentação. Como uma organização
potencial da agricultura urbana e dos processos de for-
de desenvolvimento que adota uma abordagem baseada
mação de redes, baseados na experiência de Gana.
nos direitos, a ActionAid está trabalhando em conjunto
A seção Post-it destaca nosso trabalho atual sobre
com grupos da sociedade civil, movimentos de agricul-
os direitos alimentares e visa a dar suporte a organiza-
tores, consumidores, organizações de mulheres e outras
ções parceiras e a programas nacionais da ActionAid para
organizações nacionais e internacionais não só para res­
compartilhar informações e melhores práticas. Nós nos
ponsabilizar os governos, mas também para promover e
concentramos nas iniciativas atualmente em curso dos
implementar agendas de desenvolvimento alternativas.
membros, tais como a proteção da terra pelas mulheres
Mas por que uma revista? Porque boletins informativos, e-mails e a intranet não seriam a melhor forma de
Maasai no Quênia, grupos de ajuda mútua em Bangladesh e iniciativas agroecológicas no Brasil.
alcançar o que temos em mente; a saber, fornecer a nos-
A seção Clips é um espaço para trabalhos inter-
so pessoal, organizações parceiras e a outros públicos,
temáticos e para a exploração de conexões entre o direito
o acesso à informação sobre questões relacionadas ao
à alimentação e outros temas. Nessa edição, nós apre-
direi­to à alimentação.
sentamos o debate sobre o direito das mulheres à terra e
O formato revista é ao mesmo tempo bastante detalha­
do para ser uma ferramenta de capacitação efetiva e aces-
a outros recursos naturais e dividimos com o leitor algumas experiências das comunidades de base.
sível o suficiente para se partilhar lições e experiências de
Finalmente, a seção Agenda apresenta reportagens
modo eficaz. Ele pode oferecer mensagens coerentes so-
curtas sobre eventos próximos e questões emergentes.
bre as questões acerca da agenda do direito à alimentação
Nesta edição de lançamento, nós destacamos nossa
e ajudar a pôr em circulação informações úteis e interes-
campanha HungerFREE.
santes sobre eles. Ele pode também ajudar a delinear o
Nós gostaríamos de congratular todos os nossos
perfil do trabalho da ActionAid sobre direitos alimentares e
colegas que atuam sobre o tema Direito à Alimentação
fornecer um espaço para nossos parceiros, atores-chave
que contribuíram para este novo empreendimento, espe-
e doadores para partilhar suas opiniões e conquistas no
cialmente os autores e o “conselho editorial”, e particu-
tema.
larmente Renata Neder e Marta Antunes por seus incan-
Nas páginas que seguem, nós visamos a compartilhar
sáveis esforços.
com você projetos de pesquisa inovadores e inspiradores,
Suas opiniões sobre esta e futuras edições serão
idéias, campanhas e experiências de base. A seção File
muito bem-vindas. Estamos ansiosos para ouvir suas
oferece artigos de formação que visam à capacitação na
­idéias sobre como nós podemos melhorar a qualidade e
área da organização e para melhorar a qualidade de nosso
a utilidade desta publicação. Por favor entrem em contato
trabalho. Nessa edição de lançamento, nós abordamos as
através de [email protected]
verdadeiras causas da fome e o direito à alimentação e
fornecemos um estudo de caso sobre a violação do direi­
to à comida, perpetrado por uma corporação transna-
Francisco Bendrau Sarmento
file
Francisco Bendrau Sarmento
2
Coordenador Internacional do Tema de Direito à Alimentação
As raízes da atual
situação de fome
podem ser encontradas
no modo como os
países do sul foram
integrados à economia
mundial entre os
séculos XVI e XX
Investigando a fome
no Atlântico
Introdução
É preciso que as instituições financeiras internacionais e os governos
­reconheçam que o modelo de desenvolvimento voltado para o mercado reproduz as causas da fome e da desnutrição, o que significa que a segurança
alimentar não pode ser alcançada através de um crescimento econômico
baseado nas vantagens comparativas das nações e seus respectivos
mercados. Para uma reação, é crucial reconstruir a soberania do Estado
e fortalecer as novas relações entre a política, a economia e a sociedade
necessárias para o século XXI.
A mobilização da sociedade civil é uma dimensão fundamental desse
processo, assim como a crescente troca de conhecimentos entre as organizações da sociedade civil, particularmente os movimentos de pequenos
agricultores, já que todos contribuem para novas experiências políticas no
hemisfério sul, especialmente na região das Américas. Um grande número
de pessoas responsáveis pela elaboração de políticas públicas e também
ativistas sociais estão atualmente discutindo a promoção de novos modelos
de cooperação mútua entre os países do sul. Com o presente artigo visamos a contribuir para este debate, examinando o fundo histórico como um
modo de conquistarmos um entendimento mais claro das possibilidades e
limitações desta abordagem.
As raízes da atual situação de fome podem ser encontradas no modo
como os países do sul foram integrados à economia mundial entre os séculos XVI e XX. Embora a desigualdade e a fome estejam intrinsecamente relacionadas à presente racionalidade econômica, pode-se também identificar
Gideon Mendel / Corbis / ActionAid
o potencial para construir novas crenças, visões e interesses partilhados
como uma maneira de fortalecer a mobilização e a ação conjuntas. Uma
análise histórica das relações estabelecidas no passado entre os países afri­
canos e a região das Américas (particularmente o Brasil) nos fornece um
exemplo interessante.
Tendo isso em vista, descrevemos abaixo as verdadeiras causas da vulne­
rabilidade na África. Reconhecendo a situação atual encontrada em ambos
os lados do Atlântico, exploramos as diferentes limitações e possibilidades
de se partilhar o conhecimento a fim de construir um futuro comum.
file
3
CONSTRUINDO DESVANTAGENS COMPARATIVAS
Para diversos autores, a Revolução Industrial e o
“Libambo” em Quimbundo (uma língua africana
crescimento econômico no hemisfério norte podem
tradicional) significa uma fila de escravos
ser atribuídos, em grande parte, ao comércio atlântico
acorrentados. Atualmente, o termo “libombo”
de escravos.1 Enquanto essa abordagem institucional
é usado no Nordeste do Brasil para designar
do desenvolvimento capitalista baseado na escravidão
as ondas migratórias dos habitantes da região
cada vez mais aceita, é importante analisar também as
em direção ao sul para escapar da insegurança
conseqüências que este regime teve para as econo-
alimentar.
mias periféricas de ambos os lados do Atlântico.
A primeira sociedade escravocrata baseada no
cultivo da cana de açúcar foi fundada em São Tomé e
Príncipe. Com a entrada do Brasil no mercado açucareiro, estas ilhas foram transformadas em uma plataforma para o comércio atlântico de escravos, especialmente a partir de 1600.
Viajando pela costa oeste da África, do Senegal
até Angola, os comerciantes de escravos fizeram das
marchas libambo uma característica constante por três
séculos. Nenhuma alternativa econômica era dada a ou­
tros reinos africanos, tais como o Congo, por exemplo.
O número total de escravos que chegaram (vivos) ao
Brasil entre 1551 e 1860 é entorno de 4 milhões,2 uma
quantidade muito maior do que os que foram trazidos
para a América Espanhola e para as Antilhas Britânicas
(aproximadamente 1 milhão e 600 mil, res­pectivamente).3
Cumpre observar que as taxas de mortalidade durante
a captura, o transporte e a travessia do Atlântico eram
altas. O número de escravos capturados foi muito
maior que 4 milhões, provavelmente algo próximo a 10
­milhões se considerarmos o intenso nível de violência
empregada no processo, o resultado da concentração
Jenny Matthews / ActionAid
econômica e os níveis mais altos de produtividade envolvidos na atividade. O comércio escravo entre a África
e as Américas foi provavelmente a atividade econômica
legal mais lucrativa da história do capitalismo.
Na África, a evolução demográfica esperada e os
tradicionais sistemas políticos baseados na agricultura
foram em alguns casos sistematicamente interrompidos por mais de três séculos. A insegurança Alimentar e os conflitos internos ajudaram os comerciantes a
A fome e a situação de pobreza na África
diminuir custos e a fornecer abastecer escravos para
Subsaariana é alarmante. Mesmo com
um crescente mercado internacional. Posteriormente,
taxas de crescimento econômico anual de
dinâmicas técnicas, sociais e econômicas estavam
aproximadamente 7%, 48 países africanos
fortemente condicionadas por esta herança, visto que
precisariam de 50 anos para obter uma renda per
a escravidão foi substituída por vários acordos insti-
capita suficiente para lhes permitir escapar da
tucionais elaborados para fornecer força de trabalho
pobreza – e isso numa perspectiva considerando
para uma das primeiras áreas nas quais o capital acu-
projeções conservadoras de crescimento
mulado com a escravidão foi investido: o plantio, prin-
demográfico futuro. O crescimento econômico,
cipalmente de café e cacau.
portanto, deve lidar com o principal problema do
Por conseguinte, as condições para desenvolver e
consolidar os pequenos agricultores, para desenvolver
continente: a pobreza.
(Fonte: Robert Kappel 2001, The end of the great illusion,
University of Leipzig)
file
Francisco Bendrau Sarmento
4
a pesquisa e possibilitar a industrialização subse-
cação e vulnerabilidade por mais de 200 anos e a partir
qüente de matérias-primas para abastecer o mercado
de então continua a ser uma “moeda” alternativa em
doméstico somente apareceram – e de forma bastante
vários países africanos.8
aca­nhada – perto do final do século 20, ainda seve­
Devido a seu relacionamento anterior com a África,
ramente limitadas em seu desenvolvimento devido ao
três quartos da população brasileira no final do século
fato de que a maior parte da população não tinha poder
XIX estava ocupada na produção para consumo próprio,
de compra e à ausência de tecnologias de nível médio
para o mercado interno ou mercados locais. A expansão
adaptadas aos trópicos. As vantagens comparativas
do mercado doméstico induziu um processo de industria­
foram também responsáveis pelo desenvolvimento
lização inicialmente baseado em pequenos fabricantes.9
histórico do capitalismo nas Américas.
A maioria dos escravos africanos eram adquiridos com produtos agrícolas americanos (brasileiros):
O desenvolvimento agrícola promoveu investimentos na indústria metal-mecânica, cujo objetivo era produzir equipamentos para a agroindústrias.10
mandioca (diversos tipos), tabaco (Nicotiana sp), milho
A principal preocupação deste setor era o proces-
(Zea Mays), diversas frutas americanas e finalmente
samento e a comercialização de produtos alimentí-
cachaça, ou rum de cana de açúcar. Inicialmente, a
cios tradicionalmente consumidos pelas populações
mandioca era o principal produto de troca. Hoje em
urba­nas com baixo poder aquisitivo. Este era um
dia, a mandioca é cultivada desde o sul do deserto do
setor natu­ralmente protegido: por um lado, não havia
Saara até a ponta sul de Angola, onde ainda é uma im-
nenhu­ma competição com produtos importados e, por
portante fonte de calorias nas áreas rurais. Ao contrário
outro lado, as matérias-primas eram, em sua origem,
da mandioca, que precisa de um ano para ser colhida,
exclu­sivamente nacionais. Essas indústrias desenvolve­
4
o milho ou “masa mputo” pode ser transportado na
ram a maquinaria e as tecnologias nacionais, menos
forma de grão. Levando essa comida sul-americana
sofisticadas tecnicamente, mas melhor adaptadas às
consigo em seus ataques, os guerreiros Java da África
necessidades econômicas e sociais locais – uma base
Central conseguiram aumentar sua mobilidade e desse
tecnológica e agentes e categorias sociais relaciona-
modo aumentar o número de escravos capturados e
das que não conseguiram emergir na maior parte dos
enviá-los para as Américas.
países africanos.
Os processos de produção de refeições a base de
Após a 2ª Guerra Mundial, as relações capitalistas
milho e mandioca foram aperfeiçoados nas Américas,
tornaram-se hegemônicas no Brasil rural, onde o capi-
particularmente no Brasil, onde os níveis crescentes de
tal monopolista foi estabelecido e o Estado engajou-se
consumo de alimentos para seres humanos e animais
no apoio à “revolução verde”. Até 1968, as empresas
resultaram na adaptação e na melhoria das técnicas de
multinacionais já eram proprietárias de 35% do setor
processamento. Contudo, a cachaça (ou jeribita)5 foi o
alimentício brasileiro. Enquanto isso, a sociedade civil
produto responsável pela compra da maior parte dos
estava contestando o regime militar.
escravos6 e entre 1699 e 1703 chegou a representar
Na década de 1980, o Movimento dos Trabalha-
78,4% das bebidas alcoólicas legalmente importadas
dores sem Terra (MST) surgiu no sul do Brasil, uma
na África. Ela aumentou a oferta de escravos7 e teve
região onde pequenos proprietários de terra estavam
um impacto dramático nas economias rurais africanas
mais consolidados e organizados. Juntamente com
ao contribuir, mais adiante, para uma maior desertifi-
outros movimentos rurais e urbanos, o MST contribui
A mandioca é originária das Américas e era o
principal produto cultivado pelos Guarani. Os
portugueses levaram a mandioca para a África.
Cultivada em Angola desde o final do século
XVI, supõe-se que ela chegou inicialmente em
São Tomé e Príncipe. O extremo leste da África
estava ainda importando mandioca do Brasil no
século XIX. A mandioca forma a base da dieta
africana. Angola, Costa do Marfim, Níger, Zaire
e Gana eram os principais produtores mundiais,
mas não exportadores. O Brasil pertence ao
grupo dos principais exportadores de mandioca.
A mandioca tem um alto teor de energia, rica em
dextrose e glucose e possui uma série de usos
não alimentares (cola, papel, etc.).
fortemente para o papel da sociedade civil na luta pela
implementação do direito à alimentação.
CONSTRUINDO UM FUTURO COMUM
Historicamente, os processos do modelo de desenvolvimento voltado para o mercado gerou a desigualdade
entre o Norte e o Sul e dentro do Norte e do Sul. A
atual situação global de pobreza e fome, assim como
as lutas sociais e as políticas públicas relacionadas
que tiveram a intenção de mudar esta situação, são
também o resultado de um fluxo de pessoas, plantas,
rituais e padrões sociais que surgiram com a expansão do mercantilismo e a consolidação das relações
file
5
capitalistas na agricultura. Isso se aplica, em particu-
importante selecionar territórios com sistemas ecocul-
lar, a casos como o do Brasil, nas Américas, e vários
turais comuns como ponto de partida.
países africanos incluindo a Guiné, Benin, Gâmbia, An-
Já é hora de contestarmos a história e construirmos
gola, São Tomé e Príncipe, República Democrática do
novas relações entre os países do sul, englobando a
Congo e Moçambique. O comércio escravo foi respon-
sociedade civil e outros atores relevantes incluindo os
sável em diversos níveis pelo subdesenvolvimento do
estados nacionais. Temos que fazê-lo guiados por uma
pequeno agricultor e a subseqüente vulnerabilidade
racionalidade diferente, reconhecendo as limitações
alimentar em diversos países africanos. Contudo,
históricas do modelo de “vantagem comparativa”.
ela também foi responsável pelo desenvolvimento
Nossa luta pela erradicação de “libambos” e “libom-
econômico e a desigualdade nas Américas, particular-
bos” tanto na África quanto nas Américas é também
mente no Brasil, onde ajudou a plantar as sementes da
uma luta pela solidariedade, respeito e relações ho­
mobilização social atual.
nestas entre iguais.
Aprendendo com esta história comum, a sociedade
1 INIKORI, Joseph, (2002) Africans and the Industrial Revolution in
England, Cambridge University Press.
2 ALENCASTRO, Luís Felipe, O trato dos viventes: Formação do
Brasil no Atlântico Sul, Séculos XVI
e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
3 Durante o período considerando nas colônias britânicas de 1626 a
1840, e na América Espanhola de 1526 a 1870.
4 Em Kicongo, “masa mputo” significa espinho (spike) de Portugal.
O grão africano sorgo é conhecido como “masa mbela” ou espinho
da aldeia.
5 Jeribita é o nome dado à bebida em Angola.
Em Tupi, “jeribá” significa um tipo de palmeira usada pelos povos
indígenas do Brasil para produzir uma bebida fermentada
6 ALENCASTRO, Luís Felipe, O trato dos Viventes: Formação do
Brasil no Atlântico Sul, Séculos XVI
e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
7 A partir de 1660, o preço relativo do escravo africano comparado
ao da cachaça, permaneceu baixo até a última década do séc. XVII.
8 No início do século 20, o território tinha a capacidade de produzir
aproximadamente 150 mil toneladas de açúcar. Contudo, somente
mil toneladas eram produzidas. 90% da cana de açúcar plantada
era desperdiçada divido ao fato de que a produção de bebidas
alcoólicas era controlada por burgueses locais. Quase 100 anos
após a independência do Brasil, a cachaça conservou seu valor
como moeda em Angola (Torres 1991).
9 SINGER, Paul ‘Interpretação do Brasil: uma experiência histórica
de desenvolvimento,’ in Fausto, Boris (ed.); O Brasil Republicano, 4th
volume, Tome III, São Paulo: Difel, 1984.
10 No Brasil, em 1889, 60% do capital industrial era investido no
setor têxtil e 15% no setor alimentício. Em 1907, 26,7% estava no
setor de alimentos e 27,6% na indústria têxtil. SIMONSEN, Roberto,
C.
A evolução industrial do Brasil, São Paulo: Federação das Industrias
de São Paulo, 1939.
11 A maior parte deles composta de afro-descendentes.
12 O mesmo se aplica às lutas sociais e políticas africanas e a
experiências tais como a luta pela independência, socialismo ou
contra o apartheid.
Isso será analisado em outro artigo.
13 O atual ministro brasileiro responsável pelo programa Fome Zero,
Patrus Ananias, reconheceu publicamente a dívida histórica e social
do Brasil com a África, particularmente com os países lusófonos.
14 Naturalmente, através de produção local e não somente através
de importações.
civil e outros atores podem fortalecer e compartilhar
conhecimentos a fim de trabalharem junto para contestar esta racionalidade econômica ultrapassada e lutar pela implementação legislativa imediata do direito
à alimentação. Isto é particularmente importante para
os movimentos de pequenos agricultores e para aqueles encarregados da elaboração de políticas públicas
e também no que se refere à necessidade de apoiar
sistemas agrícolas sustentáveis de pequena escala
como um mecanismo para um crescimento econômico mais eqüitativo.
Desse modo, há duas lições a serem consideradas:
A luta histórica da sociedade civil nas Américas, particularmente a dos grupos mais desfavorecidos11 levou
a mudanças políticas e institucionais significantes em
países tais como o Brasil, a Bolívia e a Venezuela. Contudo, essas mudanças não podem simplesmente ser
“transferidas” para os países africanos.12 As trocas de
conhecimentos dentro da África precisam ser promovi­
das, ao passo que as trocas com as Américas devem
ser avaliadas a fim de unir os grupos sociais com
­semelhanças culturais resultantes de processos históricos. Esses os grupos têm o claro potencial para parti­
lhar e construir as novas crenças, interesses e visões
comuns mencionadas na introdução deste artigo.13
O desenvolvimento e os encarregados da elaboração de políticas públicas não devem esquecer que as
“economias populares e informais” são a base da maioria dos sistemas econômicos africanos. Isto significa
que uma estratégia de desenvolvimento que promova
e assegure a direito à alimentação deve promover técpara aumentar o acesso a bens e serviços localmente
produzidos a um preço mais baixo e a um número
mais alto de pessoas.14 Sobre este aspecto particular,
trocas técnicas de conhecimentos entre os países do
sul, como por exemplo, o Brasil e outros países latino-americanos devem consideradas e estimuladas. É
Marion Khamis / ActionAid
nicas de produção, fornecimento e difusão adaptadas
file
Flavio Luiz Schieck Valente/FIAN
6
Secretário Geral da FIAN International, Ex-relator do
Direito Humano à Alimentação Adequada, Água e Terra na
Plataforma Brasileira dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais
Direito Humano
à Alimentação Adequada
Promovendo o
para pôr fim à fome e à desnutrição
É inaceitável que parcelas significantes da população mundial, especialmente
aquelas que vivem em áreas rurais do hemisfério sul, continuem a enfrentar
o flagelo da fome e da desnutrição em caráter diário. As últimas estimativas
da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO),
divulgadas em 2006, mostram que o número de pessoas subnutridas cresceu
de 8541 para 869 milhões2 nos últimos anos. A ampla maioria são camponeses, pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem terra, povos indígenas e
populações tradicionais (80%), embora a proporção de pessoas desnutridas
esteja crescendo mais rapidamente nas regiões urbanas. Aproximadamente
70% destes são mulheres. É também inaceitável que:
• mais de 2 milhões de seres humanos, na maioria mulheres e crianças,
­sofram de anemia nutricional,
• 146 milhões de crianças estejam abaixo do peso,3
• 182 milhões de crianças tenham seu crescimento normal significantemente
afetado,4
• mais de 120 milhões de crianças apresentem deficiência de vitamina A,
• a cada ano, 20 milhões de crianças nasçam com um peso abaixo do mínimo”
•18 milhões de crianças nasçam, a cada ano, devido à deficiência de iodo, 5
com distúrbios mentais que podem ser facilmente evitados.
Por conseguinte, mais de 5,6 milhões de crianças abaixo de 5 anos morrem todos os anos em decorrência de doenças que poderiam perfeitamente
ser evitadas, quase sempre associadas à desnutrição e a complicações a
ela relacionadas.6 Os sobreviventes, por outro lado, sofrem apresentando deficiências de aprendizado e desenvolvimento, assim como problemas emocionais e afetivos que afetam severamente sua capacidade de levarem uma
vida digna. Eles têm, acima de tudo, um risco significativamente mais alto de
desenvolver e morrer de doenças degenerativas crônicas, tais como obesidade, diabetes e complicações cardiovasculares.
É importante destacar que isto está acontecendo num mundo que produz
mais comida que do que é preciso para alimentar de forma adequada toda a
população global e que tem recursos econômicos e conhecimentos técnicos
e científicos suficientes para lidar e resolver as causas da fome e da desnutrição. Então, por que isso não é feito?
AS CAUSAS DA FOME E DA DESNUTRIÇÃO
Muitas das diversas conferências intergovernamentais realizadas ao longo
dos últimos anos, inclusive a World Food Summit: Cinco Anos Depois (Roma,
2002), atribuiu o fracasso na redução da fome no mundo à “falta de vontade
política e investimentos da parte dos governos”.
Georgina Cranston / ActionAid
As estimativas
mais recentes da
Organização das
Nações Unidas para
a Agricultura
e a Alimentação
(FAO), divulgadas em
2006, mostram que
o número de
pessoas subnutridas
cresceu de 854 para
869 milhões nos
últimos anos.
file
7
Mais de 5,6 milhões de crianças
abaixo de 5 anos morrem,todos
os anos, em decorrência
de doenças que podem ser
evitadas, o que está associado
à desnutrição e outros quadros
relacionados.
file
Flavio Luiz Schieck Valente
8
Nós pensamos de forma diferente. Na verdade, a maior
parte dos governos – especialmente aqueles dos países
ricos e poderosos – tomaram a decisão política de usar
sua “vontade e recursos” para implementar um mode­
lo de desenvolvimento voltado para o mercado que
reproduz as causas da fome e da desnutrição e que,
em muitas instâncias, agrava ainda mais esses problemas. Muitos governos do sul foram obrigados a praticar
ações similares por tratados de ajuste estrutural e de
liberalização comercial, ou procederam desta forma em
aliança com as elites nacionais. Os poucos governos
que tentaram adotar uma abordagem diferente estão
sujeitos a pressões de organizações intergovernamentais e governos economicamente poderosos para que
Liba Taylor / ActionAid
mudem suas políticas.
Todavia, os Estados e governos, assim como os organismos internacionais, não só têm a obrigação moral
de reduzir esses números, mas também têm a obrigação
legal de fazê-lo. A grande maioria dos Estados do mundo aprovou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (156 países), no qual se com-
demonstraram claramente o que ele envolve: privilégios
prometeram a respeitar, proteger, promover, facilitar e
cada vez maiores para poucos; o fortalecimento político
oferecer o direito humano à alimentação comida ade­
das corporações transnacionais (TNCs); uma crescente
quada, dentre outros direitos, para todos os habitantes
concentração de riqueza e terra, num nível tanto global
de seus territórios. O direito à alimentação adequada é
quanto nacional; degradação do meio ambiente com
um direito humano em pé de igualdade com todos os
conseqüências críticas para o clima, biodiversidade e
outros direitos humanos. O direito à alimentação está
a qualidade de vida na terra; destruição progressiva de
inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos
práticas agrícolas sustentáveis e de populações tradi-
(Artigo 11), assim como em alguns Direitos Humanos
cionais; aumento das desigualdades; redução na quali-
regionais – tais como a Declaração Interamericana dos
dade da comida disponível; e deslocamento de milhões
Direitos Humanos – e diversas cons­tituições nacionais.
de famílias em todas as partes do mundo, devido aos
É importante destacar que a Declaração Universal dos
assim chamados “mega-projetos de desenvolvimen-
Direitos Humanos é uma conquista da luta contínua
to”. Estas são, na verdade, as mais importantes cau-
atra­vés dos séculos de grupos sociais e pessoas contra
sas por trás das já mencionadas violações em escala
a opressão e a discriminação de todos os tipos e pela
mundial do direito humano à alimentação adequada.
regulação do poder econômico, político e religioso. Foi
Muitos desses processos são realizados com o apoio
esta luta que forçou os Estados a se comprometerem
e o incentivo de organizações intergovernamentais de
com o cumprimento dos Direitos Humanos. E será so-
comércio e financiamento, tais como o Banco Mundial,
mente através de mais luta e mobilização social que
o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mun-
seremos capazes de garantir que os direitos humanos
dial do Comércio (OMC).
sejam assegurados para todas as pessoas.
Enfrentamos atualmente – em escala global, regio­
A LUTA POR UM MUNDO DIFERENTE
nal e nacional – a disputa entre dois campos opostos:
A sociedade civil, os movimentos sociais e os governos
um que acredita que o mercado livre e a economia são
preocupados com a questão têm intensificado sua mo-
as únicas forças capazes de promover “desenvolvimen-
bilização contra esta hegemonia e suas conseqüências
to” e um dia reduzir a fome e a pobreza, e a outra que
negativas. Um exemplo é o ativismo crescente dos mo­
defende a idéia de que as pessoas devem ser coloca-
vimentos camponeses em todas as partes do mundo em
das no centro de quaisquer políticas decisórias e que o
busca da Soberania Alimentar, um fenômeno que já con-
mercado deveria ser regulado pela primazia dos direitos
seguiu conquistar o apoio de governos de várias partes
e da dignidade humana. Os últimos 20 anos da hege-
do mundo, como o da Bolívia, Mali e Nepal e continua a
monia galopante do modelo voltado para o mercado
se expandir sob a liderança de La Via Campesina.
file
9
CG12: “O direito à alimentação adequada é
conquistado quando cada homem, mulher e criança,
sozinhos ou em comunidade com outros, têm
quada tanto preventiva quanto curativa. Isso também
sempre acesso físico e econômico à alimentação
significa que governos têm a obrigação de proteger
adequada ou a meios para sua aquisição”
o direito à alimentação contra possíveis abusos por
parte de terceiros, especialmente interesses econômi-
Um outro exemplo é a mobilização social que –
cos privados como os do agronegócio e das TNCs.
junto com o processo da World Food Summit levou à
O Comentário Geral e as Diretrizes para o Direito
elaboração do Comentário Geral 12 sobre a promoção
à Alimentação oferecem recomendações para o esta-
do direito à alimentação do Comitê da ONU para os Di-
belecimento de uma estratégia nacional coerente e in-
reitos Econômicos, Sociais e Culturais e a aprovação
tegrada de nutrição e segurança alimentar, promovida
por 189 Estados Membros da FAO das Diretrizes Vo­
dentro de uma abordagem baseada no direito humano
luntárias para a promoção e progressiva realização do
à alimentação, com uma total participação da socie-
Direito à Alimentação Adequada. Esses dois documen-
dade civil e sem discriminação, em quaisquer níveis
tos estabelecem recomendações claras sobre como
de elaboração, tomada de decisões, implementação e
os governos devem trabalhar para garantir o direito à
monitoramento, e a criação de mecanismos indepen­
alimentação a todos os seus cidadãos através de to-
dentes para reivindicar direitos humanos.
7
dos os mecanismos necessários, incluindo legislação
As organizações da sociedade civil e os movimen-
específica, políticas públicas, programas e instituições
tos sociais em todos os países devem se apropriar des-
responsáveis pelo monitoramento da implementação e
sas ferramentas e usá-las para pressionar os governos
por investigar as violações deste direito.
para que implementem políticas nacionais que visem à
Não se pode superestimar a importância da documentação das violações e da responsabilização dos
erradicação da fome e à promoção do Direito à Alimentação Adequada.
Estados a fim de resolver as violações e evitar que
Ao mesmo tempo, os movimentos da sociedade civil
novas surjam e também a importância de se monitorar
devem aumentar seus esforços para expor e documen-
a implementação efetiva de atividades governamen-
tar as violações já existentes ao Direito à Alimentação
tais referentes à promoção do direito à alimentação.
Adequada em seus países e reivindicar ações de autori-
A sociedade civil deve portanto continuar a exercer a
dades públicas locais, regionais e nacionais nos níveis
função de cão-vigia mantendo apoio às vítimas das
legislativo, executivo e judiciário, para que se possa su-
violações através do trabalho de defesa e para ava­liar a
perar essas violações. Paralelamente a esse trabalho,
performan­ce/desempenho estatal com relação ao direi­
as violações documentadas deveriam ser incluídas nos
to à alimentação, monitorando as políticas de estado.
relatórios da sociedade civil para o Comitê das Nações
Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Cultu­
USANDO INSTRUMENTOS EXISTENTES PARA
rais (UN CESCR) e para sistemas regionais de direitos
RESPONSABILIZAR OS GOVERNOS POR SUAS
humanos. Esta é uma outra maneira de pressionar os
OBRIGAÇÕES
governos a promover políticas nacionais que conduzam
De acordo com esses tratados, os governos têm a
mais efetivamente à erradicação da fome e à promoção
obrigação não só de usar imediatamente todos os mei-
da dignidade humana.
os disponíveis para erradicar a fome e a desnutrição,
Já existe em curso um esforço para estabelecer um
mas também de promover as condições necessárias
mecanismo de apelação internacional que permitiria
para garantir o direito à comida adequada para todos
reclamações contra a violação de direitos econômicos,
os cidadãos através de políticas públicas. Isso signifi-
sociais e culturais (ESCR) a serem arquivadas direta-
ca, por exemplo, garantir acesso a recursos produtivos
mente no UN CESCR. O protocolo opcional seria uma
de modo que as pessoas possam produzir sua própria
ferramenta adicional na nossa luta, complementando o
comida (terra, água, assistência técnica, sementes,
protocolo existente para direitos civis e políticos.
crédito, etc); gerando empregos, assegu­rando a disponibilidade de comida de qualidade a preços ade­
OS GOVERNOS também TÊM OBRIGAÇÕES
quados e de acordo com padrões alimentares e cultu­
INTERNACIONAIS nOS DIREITOS HUMANOS
rais; garantido a segurança e a qualidade da comida;
Os governos também têm a obrigação de assegurar
assegurando o acesso a água potável limpa e a sa-
que as políticas nacionais ou as decisões políticas nas
neamento; promovendo e criando condições para o
organizações intergovernamentais não atrapalhem a
a amamentação como alimentação exclusiva até os 6
capacidade de outros governos de garantir o direito à
meses de idade e oferecendo assistência médica ade­
comida para seus próprios cidadãos.
file
Flavio Luiz Schieck Valente
10
Os subsídios agrícolas distribuídos
pelos Estados Unidos e pela União
Européia reduzem significativamente
o preço dos bens agrícolas que
exportam, levando em muitos casos
à destruição da produção agrícola
local no sul e à incapacidade de
pequenos agricultores de continuar
se alimentando. Essa prática vem
sendo contestada como uma
violação da obrigação extraterritorial
de respeitar o direito à alimentação.
Um questionamento similar tem sido feito sobre as
decisões tomadas pelos governos junto à diretoria das
Instituições Financeiras Internacionais em apoio a prosem as medidas compensatórias necessárias para garantir que continuem desfrutando do direito à alimentação e outros EDCRs.
Finalmente, os governos são cada vez mais recrutados pelo Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais para regular as atividades das TNCs baseadas em seus países de modo
a assegurar que elas não infrinjam a capacidade das
populações a fim de que outros países usufruam de seu
Tom Pietrasik / ActionAid
jetos de desenvolvimento que desalojam populações
nossa capacidade de responsabilizar governos e orga­
nizações internacionais, de pressioná-los a honrar com
compromissos que assumiram e de reivindicar mais co-
direito à alimentação.
erência nas políticas públicas nacionais e interna­cionais.
CONCLUSÃO
das respeitando a primazia dos Direitos Humanos que
No presente momento, estamos numa importante
encruzilhada na história da humanidade, e a luta con-
Essas políticas deveriam ser elaboradas e implementaestabelecem a promoção da dignidade humana para
todos como a prioridade central da humanidade.
tra a fome e a desnutrição está em seu centro. O modelo de desenvolvimento voltado para o mercado já
demons­trou suas limitações para garantir a qualidade
de vida para a maior parte de humanidade. Sua atividade contínua certamente trará mais desigualdades,
menos biodiversidade, mais agricultura intensiva e irá
acelerar o já evidente aquecimento global, com possíveis conseqüências calamitosas para o meio-ambiente, produção e qualidade dos alimentos. Mesmo as
alternativas propostas, tais como a crescente utilização de biocombustíveis, podem agravar, mais adiante,
a situação global se não estiverem associadas a um
processo decisório baseado nas pessoas, levando a um
futuro desalojamento de agricultores e a uma redução
ainda maior da qualidade – e talvez da quantidade – da
comida produzida.
A sociedade civil deve intensificar sua mobilização
contra a fome e por um mundo novo. Usar os instrumentos de direitos humanos existentes pode fortalecer
1 FAO. The State of Food Insecurity in the World - SOFI 2006. Rome,
FAO, 2007.Texto integral disponível em http://www.fao.org/docrep/009/
a0750e/a0750e00.htm (consultado em junho de 2007)
2 Em: http://www.fao.org/es/ess/faostat/ foodsecurity/Files/
NumberUndernourishment_en.xls
3 UNICEF. Progress for Children. A report card on nutrition. New York.
UNICEF. 2006.
4 Barbara Macdonald, Lawrence Haddad, Rainer Gross, and Milla
McLachlan, “Nutrition: Making the Case.” In: Nutrition: A Foundation for
Development, Geneva: ACC/SCN, 2002.
5 UN SCN The critical role of nutrition for reaching the Millennium
Development Goals and success of the Millennium Development
project. SCN meeting in ECOSOC. 7 Junhe 2005. Em: http://www.
unsystem.org/SCN/Publications/ecosoc/RS6%20SCNECOSOC.doc
6 UN SCN Participants statement, SCN 33rd. Annual session , Geneva,
Switzerland, Março 2006.
7 Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário
Geral 12. O direito à alimentação adequada (Artigo 11). UN Doc. E/C
1999/5. Genebra: CESCR, 12/05/99.
8 No início do século 20, o território tinha a capacidade de produzir
aproximadamente 150 mil toneladas de açúcar. Contudo, somente
mil toneladas eram produzidas. 90% da cana de açúcar plantada
era desperdiçada divido ao fato de que a produção de bebidas
alcoólicas era controlada por burgueses locais. Quase 100 anos após a
independência do Brasil, a cachaça conservou seu valor como moeda
em Angola (Torres 1991).
9 SINGER, Paul, “Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de
desenvolvimento”, in FAUSTO, Boris (ed.), O Brasil Republicano, 4o
volume, tomo 3, São Paulo: Difel, 1984.
file
Pedro Avendaño/WFF
Srikanth Kolari / ActionAid
As comunidades
de pesca artesanal
na discussão sobre a soberania alimentar
As comunidades de pesca artesanal formam uma parte da memória da humanidade e o peixe constitui um elemento insubstituível na dieta de mi­
lhões de lares, especialmente nos países em desenvolvimento e também
em alguns países desenvolvidos. As estatísticas da FAO (Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e de outras organizações
especializadas revelam a importante contribuição dessas comunidades para
a segurança alimentar mundial com uma presença crescente nos mercados
nacionais e internacionais. Elas também revelam seu papel relevante de
substituição e complementação dos tradicionais produtos agrícolas.
Um bilhão de pessoas no mundo dependem do peixe como sua fonte
primária de proteínas. Enquanto o consumo anual de peixe per capta nos
países industrializados (29 quilogramas) é mais do que o dobro do consumo
em países em desenvolvimento, pelo menos três quartos dos recursos são
capturados em mar aberto (de acordo com o peso) em países em desenvolvimento, que também fornecem 9 de cada 10 peixes oriundos da piscicultura.
Assim, o peixe é uma das matérias primas mais amplamente comerciali­
zadas. 75% dos produtos de origem marinha é vendido a cada ano nos
mercados internacionais e avaliado aproximadamente em 56 bilhões de
dólares americanos, de acordo com as exportações de 2002. Japão, Estados Unidos e a União Européia são os principais importadores, trazendo o
peixe capturado em mares estrangeiros ou criado em outras regiões para
seus mercados, e enviando também sua frota pesqueira industrial para esvaziar os países costeiros em desenvolvimento. Na costa oeste da África,
por ­exemplo, os grandes navios europeus e japoneses desalojam embarcações menores, deixando poucos peixes para alimentar a população local.
Um bilhão de pessoas
no mundo dependem
do peixe como sua
fonte primária de
proteínas.
Michael Amendolia / Network / ActionAid
11
Diretor do Fórum Mundial de Pescadores e Trabalhadores da Pesca – WFF
file
12
A ironia é que os governos subsidiam a destruição
dos recursos oceânicos com aproximadamente 15 a
30 bilhões de dólares por ano. Em 2001 os subsídios
pagos à indústria pesqueira no Japão alcançaram o
valor de 2,5 milhões, o que é equivalente ao valor de
1/4 do peixe capturado. Os subsídios à pesca nos Estados Unidos somam 1,2 milhões de dólares, superando o valor de 30% do pescado norte-americano.
Estima-se que a força de trabalho total das comunidades de pescadores artesanais alcance 100
­milhões de pessoas em todo o mundo. Supõe-se que,
para cada pescador, haja três pessoas trabalhando
em atividades relacionadas, o que mostra o valor
político, econômico, social e ambiental das áreas de
pesca de pequena escala. Permitindo uma exploração
mais racional e eqüitativa dos recursos pesqueiros, a
pesca artesanal contribui para a preservação da biodiversidade dos ecossistemas marinhos, favorecendo a
reprodução social de grupos que dependem deles.
file
13
O conhecimento ecológico dos pescadores é um
de todos os subsídios à pesca a 5% dos todos os pesca-
traço específico de sua cultura, possibilitando um
dores. Este é claramente um caso de desigualdade que
manejo adequada dos recursos pesqueiros.
dificulta o desenvolvimento de um comércio livre e justo.
David San Millan / ActionAid
Dessa forma, é necessário preservar os aspectos
sócio-culturais mais relevantes presentes nas comu-
A PERDA DE DIREITOS DE PESCA
nidades de pesca artesanal, mantendo sua conexão
Anteriormente, o acesso aos recursos marinhos do
com o exercício da soberania alimentar em seu as-
mundo era aberto ou seguia normas regulamentadas
pecto marinho.
pelo tradicional uso habitual. Contudo, durante as 2
A pesca de pequena escala cria proporcionalmente
últimas décadas, houve uma tentativa de regular o
mais riqueza que a pesca industrial devido a uma in-
acesso a estes recursos através da Convenção das
versão menor na exploração de custos e ao maior
Nações Unidas sobre o Direito Marinho, em 1982, e
valor unitário das espécies capturadas. Em diversos
também através de vários acordos subseqüentes. A fi-
países africanos, do Pacífico e Caribe, a exploração
nalidade era superar conflitos entre os países e dentro
dos produtos da pesca, em sua maioria vindos de
do próprio setor pesqueiro (pesca industrial contra a
áreas de pesca de pequena escala, excede o valor das
pesca artesanal, pesca para exportação contra a pes-
exportações de chá, café e cacau. Praticamente, 99%
ca de subsistência) e evitar a exploração excessiva das
de todo o pescado artesanal tem uso comercial ou é
reservas de peixes marinhos. Embora esses acordos
imediatamente direcionado para o consumo humano.
tivessem o objetivo de proteger a igualdade de acesso
Esta questão é particularmente relevante pois, desde
à pesca marítima e a finalidade de alguns deles fosse
1882, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
salvaguardar a subsistência de pescadores artesanais,
Marinho (UNCLOS) reconhece a importância dos ecos-
na verdade, isso nem sempre funcionou. Na prática,
sistemas marinhos na biodiversidade oceânica, sua
a desigualdade ainda persiste entre os países desen-
fragilidade e a necessidade de preservá-los e prote-
volvidos e os países em desenvolvimento.
gê-los da pesca de larga escala (Agenda 21, UNCED).
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
Na verdade, diversos países já estabeleceram mode­
Marinho garante aos países o direito de explorar seus
los de gestão da pesca baseados nos ecossistemas
próprios recursos pesqueiros em suas águas territo-
e reco­nhecem o importante papel das comunidades
riais e em suas zonas econômicas exclusivas. Atual-
de pescadores artesanais, embora não o suficiente.
mente, quase 99% destes recursos no mundo estão
Entretanto, a tendência imposta pelas políticas neo-
sob jurisdição nacional. Cada país é obrigado a efetuar
liberais fomenta práticas industriais que usam estraté-
um controle de capturas por meio de quotas (nível de
gias e técnicas de extração não-seletiva.
pesca sustentável) e evitar a exploração excessiva
Estas, por sua vez, afetam o fundo do mar e as
de seus recursos. Se um país não é capaz de pescar
reservas de peixes, ao capturarem peixes muito jo-
até o nível máximo permitido pelas quotas, ele está
vens e outras espécies não-comerciais (o chamado
obrigado, então, a permitir o acesso de outros países.
bycatch), que são posteriormente lançadas de volta
Entretanto, está pressuposto que as condições desse
ao mar. A mortalidade de peixes devido ao bycatch às
acesso estão regulamentadas de tal forma que a
vezes excede 90% do pescado, como é o caso das
primeira coisa a se levar em consideração são os inter-
áreas de pesca do camarão no Golfo do México. Para
esses nacionais e os modos de vida locais; depois, as
as comunidades de pescadores de todas as partes do
necessidades das países da região, particularmente os
mundo, a globalização imposta pelas políticas neolibe­
países que não têm litoral e países com uma localiza-
rais significa uma drástica redução dos direitos de
ção geográfica desfavorável; e finalmente as necessi-
acesso aos recursos pesqueiros e a áreas de pesca e
dades de outros países. A finalidade da Convenção é
territórios tradicionais nas zonas costeiras. Apesar da
fortalecer os direitos dos países sobre seus próprios
crescente dinâmica dos mercados internacionais dos
recursos pesqueiros.
produtos de pesca, os quais na maioria vêm de áreas
Visto que países muito pobres não são capazes de
de pesca de pequena escala, 95% de todos os pesca-
controlar as áreas de pesca em suas águas territoriais,
dores artesanais vive com menos de 2 dólares por dia.
a pesca ilegal (operações de pequena e grande escala)
Os pescadores dos países em desenvolvimento pes-
freqüentemente os priva de seus próprios recursos.
cam 2/3 de todos os recursos pesqueiros do mercado
De acordo com a FAO, a pesca ilegal não-declarada
mundial. Os governos dos 10 países mais ricos do mun-
e não regulamentada está crescendo tanto em intensi-
do concedem aproximadamente 20% ($US 15 bilhões)
dade quanto em diversidade, “dificultando seriamente
file
Pedro Avendaño
14
esforços nacionais e regionais para o manejo susten-
comunidades tradicionais ou pescadores de pequena
tável dos recursos pesqueiros”. A incapacidade dos
escala estão estabelecidos. Desse modo, o princípio da
países controlarem suas águas deve-se parcialmente
soberania alimentar nas áreas de pesca contesta a insu-
a políticas econômicas globalizadas que limitam a ca-
ficiência do presente modelo pesqueiro de crescimento
pacidade do Estado de assumir atividades de controle,
e desenvolvimento econômico baseado exclusivamente
supervisão e monitoramento.
nos processos extrativos. Esses processos, por um lado,
Em escala local, as políticas mundiais que visam
dificultam o manejo sustentável dos oceanos; por outro
à privatização e à exploração da pesca marítima oca­
lado, e como são exclusivamente determinados pela
sionalmente terminam com as populações locais sen-
eficiência econômica, exercem uma grande pressão
do privadas de seus direitos tradicionais de acesso
sobre os recursos pesqueiros a fim de satisfazer as de-
aos recursos pesqueiros. Anteriormente, o acesso das
mandas do mercado. Esse modelo não lida com os re-
populações locais a estes recursos era aberto ou regu-
cursos enquanto alimento para a vida humana, mas sim
lamentado por sistemas de acesso tradicionais ou da
como mercadoria ou produto, ignorando todas as suas
comunidade, mas estes direitos não foram estabeleci-
dimensões culturais, políticas e ambientais.
dos oficialmente. Todavia, algumas tentativas recentes
Pode-se dizer que a soberania alimentar na esfera
para evitar esses sistemas de acesso aberto, com o
dos direitos humanos e do direito básico à alimentação,
argumento de que eles permitiram a superexplora-
no que diz respeito às áreas de pesca, remonta à afir-
ção, acabaram por restringir o acesso de pescadores
mação na Lei Romana que considerava o mar como res
tradicionais, prejudicando, assim, suas comunidades
communes omnium. Ser res communes pressupunha
– embora a pesca de larga escala seja freqüentemente
que fosse um bem destinado a ser usado por todos os
a principal responsável por este problema. Se, no pro-
homens e que fosse excluído do comércio. A pesca era
jeto primário, os pobres não forem incluídos nem pro-
um dos usos do mar, e ela era considerada um uso livre
tegidos, as comunidades tradicionais de pesca podem
de um bem comum. Por sua vez, o Título 28 da Terceira
ser privadas de seu acesso a seus próprios recursos
Partida, Lei n. 3, inclui o mar como res communes, es-
marinhos. O sistema de quota individual transferível
tipulando que “as coisas que pertencem em comum a
tem sido sistematicamente adotado para transferir o
todas as criaturas viventes do mundo são o ar, a chuva,
controle sobre os recursos pesqueiros dos pobres para
a água, o mar e os litorais, para que cada ser vivo possa
os ricos. As comunidades de pescadores do mundo
usá-los, de acordo com sua vontade. E para que cada
inteiro têm denunciado que grupos de negócios (cor-
homem possa se beneficiar do mar e de seus litorais,
porações) reivindicam uma parte desproporcional dos
pescando ou navegando...”
recursos pesqueiros para si. E isso não se deve mera-
De fato, do ponto de vista do exercício da soberania
mente ao fato de que os ricos podem contribuir para
alimentar, os recursos pesqueiros são uma propriedade
o mercado com mais dinheiro do que os pobres. Isso
comum de uma nação. Portanto, o Estado tem a obriga-
também se deve ao fato de que os ricos controlam
ção de assegurar o manejo sustentável desses recursos,
uma grande parte dos processos de abastecimento,
incorporando a visão das comunidades de pescadores
particularmente sua regulamentação.
artesanais, com o propósito de garantir a soberania alimentar e as maiores vantagens econômicas e sociais
A SOBERANIA ALIMENTAR NAS ÁREAS DE
possíveis para a população nacional. Assim, o princípio
PESCA E O DIREITO À ALIMENTAÇÃO
da soberania alimentar nas áreas de pesca deveria ser
O princípio da soberania alimentar no contexto das
observado nos poderes exercidos sobre um recurso ou
áreas de pesca está diretamente associado aos direi­
em relação a um espaço. Desse modo, deve-se distin-
tos de pesca, em duas perspectivas que convergem em
guir entre a domínio sobre espaços marinhos, que é uma
direção a um lugar comum: por um lado, a perspec-
questão para a lei internacional; o direito de apropria-
tiva dos direitos de pesca dos Estados costeiros, as-
ção dos produtos pesqueiros, uma tema reservado à lei
segurados pela Convenção das Nações Unidas sobre
comum, e o direito à pesca, uma questão para agenda
o Direito Marinho – UNCLOS (1982); por outro lado, a
pública e econômica. É importante considerar o direito
perspectiva dos direitos de acesso das comunidades
à pesca não meramente como a transformação final
de pescadores, que historicamente vêm desenvolvendo
dos recursos destinados à alimentação, mas sim como
profundas relações culturais, econômicas, ambientais e
um princípio que integra toda a cadeia produtiva, pro-
políticas com os recursos pesqueiros e mares, incluin­
tegido por direitos pesqueiros gerais e particularmente
do direitos territoriais nas áreas costeiras, onde estas
conside­rando o direito à alimentação.
file
Umi Daniel
15
Tom Pietrasik / ActionAid
Coordenador do Tema Direito à Alimentação e Subsistência / ActionAid India
O movimento pelo
direito ao trabalho
e emprego
na India
O Parlamento Indiano decretou o histórico Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural (NREGA) em 5 de setembro de 2005. O NREGA é considerado o
programa emblemático do governo indiano em seu esforço para criar uma rede
de segurança econômica para os 40 milhões de trabalhadores rurais da Índia.
Durante as 6 últimas décadas, os governos indianos formularam inúmeros esquemas para aumentar o emprego rural assalariado e também puse­
ram fim a um número igual de esquemas por conta de performances globais
pobres e outras falhas.
Depois da independência, um ataque direto à pobreza parecia essencial
na Índia, especialmente com a introdução de planos nacionais de garantia
do emprego rural. Esses planos deram origem a diversos programas, tais
como o Programa Nacional do Emprego Rural (NREP, iniciado em 1977 e
ainda popularmente conhecido como Food for Work Programme, mas oficialmente renomeado em 1980) e o Programa de Garantia de Emprego para
os Trabalhadores Rurais Sem-Terra (RLEGP, iniciado em 1983-84) que se
propõe especialmente a empregar os pobres do meio rural. O Food for Work
Programme foi introduzido para atenuar a agonia das populações durante
situações severas de seca, uma iniciativa de ajuda humanitária que fez uso
de reservas de alimentos excedentes disponíveis durante o período. Também houve outros programas, tais como o Programa de desenvolvimento
Rural Integrado (IRDP, iniciado em 1978-79) que foi criado para estimular iniciativas de autonomia entre os pobres do campo, fornecendo-lhes recursos
para iniciarem seus próprios negócios.
Enquanto programas para o desenvolvimento do emprego rural, como
o Food for Work e o Cash for Work ajudaram a aumentar o poder aquisitivo
do povo e a segurança alimentar, assim como construíram bens produtivos para as pessoas pobres do campo, as vantagens do IRDP na forma
de gado e aves experimentaram um grande fracasso por causa da falta de
experiência dos camponeses em lidar com tais recursos e a falta de apoio
e colaboração do governo.
O emprego assalariado nas obras públicas emergiu, portanto, como um
meio mais efetivo de reduzir a pobreza das zonas rurais. O melhor exemplo é o Esquema de Garantia de Emprego (EGS) oferecido pelo estado de
Depois da
independência,
um ataque direto
à pobreza parecia
essencial na Índia,
especialmente com a
introdução de planos
nacionais de garantia
do emprego rural.
file
Umi Daniel
16
Moradores de Sahariya trabalhando na escavação de um lago como
parte do Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural
verno central quanto pelo estatal, o programa obteve
uma resposta fraca das populações rurais, enquanto
as despesas globais eram baixas se comparadas com
Tom Pietrasik / ActionAid
as do programa de emprego assalariado precedente.
O papel dos movimentos de massa e dos
grupos da sociedade civil
A Constituição Indiana de 1950, refere-se ao direito ao
trabalho nos Directive Principals of State Policy (Princípios Diretivos para Políticas Públicas Estatais). O artigo
Maharastra desde 1974. Ele foi concebido com uma
39 exige o Estado a assegure que “Cidadãos, homens
resposta estatal à tendências econômicas e demográ-
e mulheres de forma igual, têm o direito a meios ade­
ficas adversas causadas pela falta de modernização
quados de subsistência”. Além disso, o artigo 41 res-
da agricultura em Maharastra, onde o emprego não foi
salta que “o Estado irá, dentro dos limites de sua ca-
capaz de fornecer um padrão de vida adequado.
pacidade econômica e desenvolvimento, efetivamente
A resposta dos assalariados foi excelente e o
assegurar o futuro do direito ao trabalho”. Embora o
programa conseguiu manter o pagamento do salário
governo Indiano tenha criado programas de obras ru-
mínimo, lidando com a questão da agonia rural, migra­
rais de trabalho intenso, estes não estão baseados no
ção e a criação de bens duráveis para os pobres e,
direito ao trabalho, melhor dizendo, eles simplesmente
sobretudo, atraindo o apoio dos partidos políticos para
se somam às oportunidades adicionais de emprego
manterem o esquema a longo prazo.
oferecidas pelo Estado como e quando é possível.
Em 1993, o governo indiano introduziu o Esquema
A Índia enfrentou uma de suas piores secas em
de Certeza do Emprego (EAS) para áreas tribais, de-
2001. Um grande número de mortes por inanição foi
sérticas e montanhosas com propensão à seca em al-
relatado de um lado a outro do país. Movimentos pop-
gumas das mais remotas regiões da Índia. O principal
ulares em vários lugares apelavam ao governo para
­objetivo desse esquema era garantir 100 dias de em-
que fornecesse ajuda com alimentos e emprego as-
prego manual casual durante a estação agrícola magra
salariado para as populações afetadas. Enquanto isso,
a salários mínimos estatutários. Sob esse esquema, 875
uma petição do PIL (Litígio pelo Interesse Público) foi
milhões de dias de trabalho foram gerados entre 1993
entregue na Suprema Corte pela PUCL (União Popular
e 1994, chegando a um pico de 1,232 milhões de dias
pelas Liberdades Civis) em 9 de Maio de 2001, sobre a
no período de 1995-96. Contudo, o EAS também está
questão do direito à alimentação e ao trabalho. A pe-
sendo gradualmente abolido, por várias razões, inclu-
tição chamou a atenção para o fato de que 50 milhões
indo seu fracasso para fornecer os 100 dias garantidos
de toneladas de grãos alimentícios estavam repousan-
de emprego para as famílias, reduzir a pobreza rural
do em ócio na FCI (Corporação Alimentícia da Índia)
e fornecer salários mínimos e/ou justos, e a alocação
em contraste com um pano de fundo de fome gener-
de um percentual mais alto dos recursos orçamentários
alizada em todas as partes do país, especialmente nas
em materiais e do que na geração de empregos.
áreas afetadas pela seca.
Em 2001, o governo inventou ainda um outro es-
Os principais argumentos da PIL eram: 1) Artigo
quema chamado JRY (Jawahar Rozgar Yojona, um
21 – o direito à vida – inclui o direito à alimentação e
programa de geração de emprego que recebeu o
à água como direitos humanos básicos fundamentais;
nome do Primeiro Ministro da Índia). O esquema JRY
2)este direito está ameaçado em tempos de escassez;
foi posteriormente incorporado ao EAS e recebeu uma
3)é dever do Estado evitar a escassez e fornecer aju-
nova sigla, SGRY (Sampoorna Gramina Rojgar Yojona:
da imediata quando esta ocorrer. Como medidas de
programa abrangente de emprego na aldeia) Dessa
alívio, a petição exigia a liberação imediata das reser-
vez, a ênfase está mais na criação de infraestrutura
vas de comida para amenizar os efeitos da seca e para
econômica no campo, do que em investimentos em
outros fins relacionados. A Suprema Corte aceitou
estradas e na construção, dando responsabilidade
a Petição e orientou todos os governos estaduais a
aos panchayats das aldeias (órgãos rurais locais) para
implementarem esquemas alimentares em sua totali-
implementar o programa. O programa alcançou resul-
dade e a introduzirem medidas de alívio em caráter
tados mistos. Embora fundos bastante substanciais
de urgência, relatando periodicamente seu progresso.
tenham sido alocados para o esquema tanto pelo go­
Além do mais, a Suprema Corte também indicou um
file
17
comissário para monitorar os trabalhos relacionados
O Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural
ao direito à alimentação e para nomear consultores
de 2005 é uma lei pela qual qualquer adulto
em todos os estados indianos para fazer cumprir as
disposto a fazer trabalho manual não qualificado,
medidas. Desde então, os movimentos pelo direito à
recebendo um pagamento mínimo tem o direito de
alimentação tem conquistado o apoio dos movimen-
ser empregado em obras públicas em no máximo
tos sociais indianos mais importantes e dos grupos
15 dias após a candidatura. Se o emprego não for
da sociedade civil possibilitando uma mobilização co-
oferecido no prazo de 15 dias, o trabalhador terá
munitária mais difundida e uma política de defesa do
direito a um auxílio desemprego.
direito à alimentação para os pobres e excluídos. En-
Os aspectos-chave do Ato são descritos abaixo:
quanto a campanha para tornar o governo responsável
pela garantia dos direitos do povo indiano através de
1. Ninguém abaixo de 18 anos, ainda que resida
sua ampla gama de esquemas alimentares se mostrou
em áreas rurais, terá direito a se candidatar para
bem-sucedida, o movimento pelo direito ao trabalho
o trabalho.
também estava sendo impulsionado por vários movimentos, organizações acadêmicas e da sociedade
2. O candidato terá o direito de começar a
civil que faziam lobby junto à UPA (Aliança Progres-
trabalhar dentro de 15 dias, durante o período
siva Unida), a coalizão dominante que veio ao poder
para o qual se candidatou, respeitando o limite de
em 2004. Em resposta, a UPA elaborou o Programa
100 dias por domicílio por ano.
Mínimo Comum, estabelecendo um série de políticas
públicas de diminuição da pobreza, administração e
3. O trabalho será fornecido, se possível, num
desenvolvimento voltadas para os pobres. Este pro-
raio de 5km a partir da residência do candidato
grama colocou pela primeira vez na agenda um Ato
e sempre dentro de sua região. Se a oferta de
Nacional garantindo 100 dias de emprego assalariado
trabalho estiver a uma distância maior que 5km,
para pessoas vivendo nas regiões menos desenvolvi-
um auxílio transporte terá que ser pago.
das da Índia.
Durante as 6 últimas décadas, as práticas e as
4. Os trabalhadores terão direito a um pagamento
políticas elaboradas para fornecer emprego aos cam-
mínimo estatutário aplicável a trabalhadores
poneses pobres foram canalizadas através de diversos
rurais no estado, a menos e até que o Governo
esquemas. Nenhum desses esquemas foi sustentado
Central “notifique” um salário diferente. Caso o
por um longo período ou obtiveram êxito em cor-
governo Central notifique, o salário estará sujeito
responder às expectativas iniciais. Baseando-se na
a um mínimo de Rs 60 por dia.
experiência prévia do Programa de Garantia de Emprego do Estado de Maharastra, um grande processo
5. Os trabalhadores deverão ser pagos, se
se desenvolveu para a introdução em escala nacional
possível, semanalmente e nunca com um intervalo
de um programa de garantia de emprego legalmente
maior que uma quinzena. O pagamento deverá
comprometido. Finalmente, a dominante UPA consti-
ser feito diretamente à pessoa em questão
tuiu um Conselho Consultivo Nacional composto de
na presença de pessoas independentes da
acadêmicos, ativistas e representantes dos movimen-
comunidade em datas pré-anunciadas. Se o
tos de massa para esboçar um Ato Nacional sobre a
trabalho não for oferecido no prazo de 15 dias, os
garantia do programa de direito ao emprego na Índia.
candidatos terão direito a um auxílio desemprego:
O Ato, que foi amplamente discutido e deliberado, en-
1 terço do salário para os primeiros 30 dias, e
contra-se resumido no quadro seguinte.
metade em seguida.
Além disso, o Ato também estabelece instruções
operacionais estritas para sua implementação. Essas
6. Os trabalhadores terão direito a vários recursos
diretrizes detalhadas enfatizam a necessidade de tra-
no local de trabalho, tais como água potável
balhos capazes de assegurar soluções duráveis para a
limpa, sombra para períodos de descanso,
subsistência através da provisão de irrigação, desen-
assistência de saúde de emergência e creche.
volvimento agrário, conservação da água e a criação
de bens comunitários. O Ato também prevê a partici-
7. Empreiteiros e máquinas que substituem o
pação de mulheres e da comunidade como um todo
trabalho humano estão proibidos.
no planejamento, monitoramento e na condução de
file
Umi Daniel
18
auditorias sociais do programa. O NREGA se benefi-
participativo e a promoção das uniões de trabalha-
ciou consideravelmente do recém-introduzido Ato so-
dores para os pobres e excluídos.
bre o Direito à Informação, que dá ao cidadão comum
A ActionAid foi um dos principais colaboradores do
o poder de reivindicar informação e transparência das
movimento pelo direito à alimentação e trabalho na Ín-
instituições governamentais responsáveis pela imple-
dia. O NREGA também ofereceu muitas oportunidades
mentação deste programa nas áreas rurais.
para seus parceiros e membros da comunidade para
O NREGA foi implementado em 200 distritos em
trabalhar em estreito contato na implementação efe-
27 estados na Índia. Até hoje, 20 milhões de lares exi-
tiva do programa através de uma abordagem baseada
giram emprego baseando-se no Ato. Dentre estes, 10
na questão dos direitos. A ActionAid e seus parceiros
milhões pertencem às categorias tribos e castas e 8
estão ativos em aproximadamente 60 dos 200 distritos
milhões são mulheres. Sob o NREGA, 391.651 tipos
onde o programa foi lançado. Ela ajudou o Governo
de obras foram realizadas até agora. Destas, 183.402
do Estado de Andhrapradesh a elaborar e implemen-
se relacionam à conservação da água, 27.461 ao de-
tar processos-pilotos de auditoria social, fornecendo
senvolvimento de plantações resistentes a secas,
treinamento e capacitação aos voluntários das aldeias.
6.694 ao controle de inundações e 92.904 à conec-
Iniciativas similares foram implementadas nos estados
tividade rural. No que se refere ao distrito, foi dado um
de Uttar Pradesh (UP), Jharkhand, Rajasthan e Orissa.
treinamento específico a 84.822 membros dos órgãos
Além disso, campanhas nas aldeias, oficinas, pesqui-
locais, a 30.859 autoridades administrativas, a 1.803
sa e mobilizações de larga escala foram adotadas em
funcionários técnicos e a 11.476 membros dos comitês
várias partes da Índia com o suporte ativo da Action-
de monitoramento das aldeias. O governo liberou 200
Aid. O governo da Índia também reconheceu a Action-
milhões de Rupees (dinheiro local) durante 2006, para
Aid como uma das agências nacionais de recursos que
a implementação do NREGA.
facilitam a auditoria social em UP e Bihar.
A primeira fase do NREGA ofereceu excelentes
A próxima fase da implementação do NREGA irá
oportunidades de aprendizado no que diz respeito
envolver um desafio específico para os movimentos da
ao declínio da incidência da migração devido à an-
Índia e a sociedade civil como um todo, a saber, garantir
gustia gerada pela seca, melhoria das extensões de
que o benefício dos 100 dias do direito ao emprego re-
água, uma consciência mais elevada da remuneração
munerado alcance tanto homens como mulheres, per-
mínima, aumentos nos ganhos e um aumento da par-
mitindo-lhes melhorar suas condições de vida, através
ticipação das mulheres – um fator crucial para a sus-
da criação de bens de produção e de oportunidades
tentabilidade do programa.
de modos de vida sustentáveis. Há também uma forte
Seguindo o sucesso inicial do programa, o NREGA
reivindicação da sociedade civil para expandir o pro-
está sendo expandido para outros 130 distritos, to-
grama para todos os distritos da Índia e aumentar o
talizando 330 distritos, desta vez, com um orçamento
número de dias para 200. Já que o NREGA foi desen-
maior, de 1.600 Rupees.
volvido como um meio de reduzir a pobreza, um forte
apoio político, parcerias comunitárias e a garantia da
O papel dos movimentos de massa e dos
transparência e da responsabilidade são todos fatores
grupos da sociedade civil
cruciais para seu sucesso.
Fazer o Estado garantir o emprego como um direito do
cidadão é uma das maiores conquistas dos movimentos de massa, uniões comerciais, órgãos populares e
das organizações da sociedade civil indiana, que tive­
ram que se esforçar durante décadas para atingir este
objetivo.
um grande número de grupos da sociedade civil se
empenhou para educar as pessoas sobre o ato, estimular sua proatividade e ajudar as comunidades a acessar os 100 dias de emprego garantidos pelo governo.
Algumas organizações até mesmo começaram a
discutir a questão da transparência e da responsabilidade, ao facilitar as auditorias sociais, o planejamento
Tom Pietrasik / ActionAid
Logo após o lançamento do programa em 2006,
Moradores de Sahariya trabalhando na escavação de um lago como
parte do Ato Nacional de Garantia do Emprego Rural.
file
19
A AUDITORIA SOCIAL COMO FERREAMENTA DE EMPOWERMENT
Uma auditoria social no âmbito do NREGA foi organizada no quarteirão Manatu do
distrito de Palamau em maio de 2006 por uma equipe de pesquisadores liderados
pelo eminente economista e ativista social Jean Dreze, com o apoio ativo de uma
organização local, Vikas Sahayong Kendra, uma organização participante do Gram
Swaraj Abhiyan, Palamau. O objetivo principal da auditoria social era apontar
as dificuldades iniciais para o NREGA in Palamau depois de seu lançamento em
fevereiro. Inicialmente, a auditoria enfrentou a oposição do MLA local, Bidesh Singh,
que ameaçou os moradores da aldeia e os membros da equipe de pesquisa com
terríveis conseqüências. A equipe de pesquisa e o pessoal da VSK prosseguiram
sem se preocuparem excessivamente com a ameaça. Aproximadamente 1.500
pessoas de 45 aldeias incluindo 7 panchayats participaram da auditoria social.
As pessoas afetadas partilharam suas preocupações e a equipe de pesquisa
apresentou as conclusões da auditoria social às autoridades do locais e ao MLA.
As principais conclusões da auditoria social foram as seguintes:
Uma habitante de Sahariya empregada na
escavação de um lago como parte do Ato
Nacional para a Garantia do Emprego Rural
(NREGA) na Índia.
i.O funcionário do panchayat estava se
recusando a aceitar requerimentos de registro
sem fotografias, apesar da resolução do
NREGA que estipula que o custo da foto
deve ser arcado pelo governo e não pelo
candidato.
ii.Os cartões não foram distribuídos aos
candidatos,
embora
estes
já
tivessem
solicitado os cartões meses antes.
iii.O pagamento dos salários estava com um
atraso de 2-3 meses.
iv.Nenhum esforço sincero havia sido feito pelas
autoridades locais para ampliar a consciência
sobre o NREGA. Essas autoridades, de um
modo geral, e o funcionário do panchayat –
que foi efetivamente o primeiro contato para
as aldeias em relação ao NREGA – não tinham
pleno conhecimento das cláusulas deste
programa.
Apresentadas estas conclusões, o MLA e as
autoridades locais não tiveram outra opção
senão aceitar as exigências dos moradores
das aldeias. O resultado imediato da auditoria
social foi que o panchayat sewak pagou aos
trabalhadores das aldeias de Pakariadih, Tillo
atrasados. Se a auditoria social não tivesse
acontecido, esse dinheiro teria sido apropriado
indevidamente por um grupo de autoridades
e empreiteiros locais. Um outro panchayat
sewak de Padma Gram foi suspenso por seu
envolvimento com corrupção.
Fonte: Estatísticas do Governo da Índia sobre o NREGA, o livro do Gopal KS sobre o NREGA e atualizações
do Centro para a Ciência e o Meio Ambiente e da Comissão de Planejamento da Índia.
Tom Pietrasik / ActionAid
e Kerdih 27.000 Rupees referentes a salários
file
Susana Gauster and Alberto Alonso Fradejas
20
Instituto de Estudos Agrários e Rurais - CONGCOOP
Gruma-Maseca
o imperador translatino da tortilha
na América Central
A FORMAÇÃO DO GRUPO MASECA
Fundado em 1949, o Grupo Maseca (GRUMA) é um dos maiores produtores
e distribuidores de farinha de milho e tortilhas do mundo. O GRUMA opera
principalmente nos EUA, Europa, México, América Central, Venezuela, Ásia e
Oceania e exporta para 50 países em todo o mundo. A sede da empresa encontra-se em Monterrey, México e conta com 16.582 funcionários e 86 fábricas. Em 2005, o total de vendas em rede do GRUMA foi de $2.500 milhões.
Até o final de 2006, somente 1 família controlava direta ou indiretamente
mais 50% das ações do GRUMA. A Archer-Daniels-Midland (ADM), uma
das 3 maiores corporações agrícolas dos Estados Unidos controlava 27%
das ações do GRUMA e os 23% restantes eram controlados por outros
acionários. Além desse forte laço corporativo com a ADM, o GRUMA mantém relações com uma das corporações mais poderosas e polêmicas do
agronegócio no mundo: a norte-americana MONSANTO, conhecida pelo
seu trabalho de pesquisa, desenvolvimento e comercialização agressiva
de sementes geneticamente modificadas. O ex-diretor de uma empresa de
produção de sementes comprada pela MONSANTO, era ao mesmo tempo,
diretor do GRUMA, o que revela claramente a participação da indústria de
biotecnologia alimentar na administração do GRUMA.
O GRUMA tem empresas subsidiárias em diversas regiões o mundo,
motivo pelo qual ele pode ser considerado como uma companhia “translatina”, como foi definido pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Uma dessas empresas subsidiárias está localizada
na América Central. No início dos anos 70, o GRUMA entrou no mercado
costa-riquenho. Em seguida, ele estabeleceu fábricas em Honduras (1987),
El Salvador (1993) e na Guatemala (1993). O GRUMA da América Central,
baseado na Costa Rica, é 100% propriedade do GRUMA Group. Ele possui
11 manufaturas de farinha de milho e tem a capacidade de produzir 126 mil
toneladas de farinha por ano.
A partir da análise da documentação do GRUMA, do trabalho de campo
realizado para que se pudesse tomar conhecimento de suas práticas e de
seu poder de mercado em diferentes países da América Latina e da análise
do seu compromisso em promover o Direito à Alimentação para suas populações, foi possível estabelecer o seguinte:
O papel do Estado: neoliberalismo X protecionismo
• Há um discurso duplo acerca do papel do Estado na economia: por um
lado, políticas de mercado “livre” e desregulamentação são impostas; por
outro, o apoio público é ativamente buscado através de incentivos diretos
(como a eliminação da VAT – Taxa de Valor Agregado – na aquisição do
milho) ou indiretos (tais como o subsídio para o consumo da tortilha; subsídios ou incentivos para a produção de milho, etc.)
ActionAid
Fundado em 1949,
o Grupo Maseca
(GRUMA) é um dos
maiores produtores e
distribuidores de
farinha de milho e
tortilhas do mundo.
file
21
• Da mesma forma, enquanto as vantagens do
ros (número estimado) 8.000 MT aos quais ganhou
“livre” comércio são aceitas com prazer, em certos
acesso através de uma forma legal diferencial (ou
momentos, as medidas protecionistas são bem-
seja, do MINSA, atualmente fundido ao MASECA).
vindas: por exemplo, o embargo às exportações
Essas economias constituem um subsídio indireto
de milho em Honduras, imposto para assegurar o
de aproximadamente $ 450.000, gerando uma dívi-
acesso ao milho nacional a preços estáveis pelas
da na Receita Federal e atrapalhando sua capaci-
agroindústrias.
dade de Inversão social.
• O DR-CAFTA (Acordo de livre comercio entre a
O poder do mercado: vencedores e perdedores
República Dominicana e a América Latina) bene­
• O fato de que uma só corporação concentra o
ficiou diretamente essas indústrias, abrindo con-
total das importações de milho, como é o caso
tingentes de importação com isenção total de
do GRUMA-DEM-AGUSA na Guatemala (95%),
tarifas. Somente na Guatemala, o MASECA pôde
ou a maioria delas, como é o caso do GRUMA na
economizar bastante, por não ter pago a tarifa de
América Central, confere a ela um poder de mer-
20% sobre 8.000 MT que lhe cabia nem sobre out-
cado excessivo, que é usado de modo abusivo.
file
Susana Gauster e Alberto Alonso Fradejas
22
Com tal poder, estas empresas podem determinar preços
custo das matérias primas (no caso, o milho) que, segundo
tanto para produtores e produtoras locais (especialmente in-
estima-se, será bem menor após a modificação genética.
diretamente, enquanto os preços baixos tornam-se referência
Portanto, o fato de que os consumidores podem se opor aos
local) e para os consumidores da tortilha industrial (as classes
GMOs é visto como uma ameaça. Esse fato demonstra tão
média e operária urbanas). Os preços baixos que recebem
pouca consciência acerca do direito à alimentação adequada
produtores e produtoras, afetando diretamente sua renda, e
quanto aquele revelado pela “cruzada” contra os produtores
os preços relativos altos cobrados dos consumidores e con-
comunitários tradicionais de tortilha nixtamalizada, consid-
sumidoras comprometem a obrigação de proteger o direito à
erados pelo GRUMA com seu principal concorrente. Se le-
alimentação das populações vulneráveis.
varmos em consideração que o valor nutricional da tortilha
• Além de poder de mercado excessivo, há também um des-
nixtamali­zada é muito mais alto do que o da industrializada
respeito pela política de competição, que ainda não foi desen-
– e a tortilha é a base da dieta das camadas mais pobres da
volvida o suficiente, tanto no México, como em outros países
população – logo, deve-se agir com cautela ao se desencora-
da América Central. O GRUMA foi legalmente acusado e pro-
jar o consumo da tortilha mais nutritiva.
cessado por práticas anti-competi­tivas no México. Dessa forma, foi possível estabelecer que essas corporações têm en-
A regulamentação da TNCS:
curralado os mercados ao aces­sarem mais fatias de mercado
protegendo o direito à alimentação
do que lhes é permiti­do por diversas formas legais, criando
Através da análise do caso do GRUMA – que é somente um
novas empresas e/ou incorporando ou comprando outras
dos muitos exemplos de como as poderosas empresas de
companhias (tal como a aquisição da MINSA, na Guatemala).
agronegócio atuam – a necessidade de uma intervenção
A tentativa – bem-sucedida – de ilegitimamente controlar os
pública decisiva torna-se ainda mais evidente. Tal intervenção
mercados e obter, assim, o poder de manipular os produtores
deve penalizar e pôr fim aos monopólios, oligopólios e cartéis
e consumidores viola o Direito à Alimentação destes.
em geral, especialmente se suas atividades comprometem
• Nem mesmo o GRUMA tenta dissimular seus interes­ses
a realização de direitos humanos fundamentais, tais como o
nada democráticos sobre esse assunto. Ele orgulho­samente
direito à alimentação adequada. A cruzada neoliberal contra
confirma a “integração vertical na cadeia de produção da
empresas estatais de comercialização deveria se preocupar
farinha de milho para tortilha, a qual repre­senta importantes
mais com as corporações locais e/ou empresas subsidiárias
vantagens competitivas”; uma integração que claramente
de corporações transnacionais que obtêm um poder de mer-
constitui uma ameaça direta ao ­desenvolvimento de uma
cado excessivo (de acordo com setores e países). Daí a ne-
competição saudável no mercado das tortilhas.
cessidade de se desenvolver políticas domésticas comerciais
• A política da falta de transparência e responsabilidade que
e agrícolas voltadas para a conquista e a defesa da soberania
caracteriza o GRUMA-MASECA, mais do que seus acionári-
alimentar, que facilita o cumprimento do direito das popula-
os, é especialmente preocupante no caso de uma empresa de
ções à alimentação adequada. Para que esse objetivo seja al-
agronegócio cujos lucros vêm da alimentação da população.
cançado, nós propomos associar entidades públicas que: ga-
Tal empresa deveria facilitar o acesso a informações públicas
rantam preços justos e estáveis tanto para produtores rurais
que deveriam estar disponíveis para instituições públicas e
quanto para consumidores comuns (enfrentado o papel da
para a população em geral.
agricultura como um regulador de preços); abasteçam mer-
O meio-ambiente: discurso e prática
cados públicos institucionais através de sistemas de transfor-
• Embora digam que esperam que “a tendência para uma
mação e produção baseados nos camponeses; mantenham
maior regulamentação e aplicação das políticas ambientais
reservas de alimentos apropriados em lugares estratégicos
continuem”, eles estão envolvidos num processo legal mov-
para uso em casos de emergência e para auxílio-alimentação
ido pela Comissão Nacional da Água do México contra uma
para municípios vulneráveis ou altamente vulneráveis à inse-
empresa subsidiária do GRUMA (GIMSA) por um suposto
gurança alimentar.
despejo de águas residuais de 5 de suas usinas. Portanto,
Finalmente, e levando em consideração os dados apre-
eles informaram a seus acionários: “a promulgação de novas
sentados, nós reafirmamos a necessidade de excluir da
regulamentações ambientais ou de um maior nível de aplica-
agricultura e da nutrição tratados comerciais internacionais
ção pode nos afetar negativamente”. Dessa forma, enquanto
multilaterais ou bilaterais futuros ou atualmente vigentes. En-
forjam uma preocupação com o meio ambiente, na prática,
quanto isso, mecanismos de responsabilização deveriam ser
eles buscam flexibilidade na legislação ambiental, de acordo
criados no que se refere à alocação de contingentes, tarifas
com seus interesses de lucratividade. Esta política corpora-
adicionais deveriam ser pagas por importadores e o total de
tiva está claramente em contradição com o direito humano a
recursos, alocados às empresas de agronegócio via subsí-
um ambiente saudável.
dios diretos ou indiretos. Estes subsídios deveriam ser trans-
OGMs: por quê?
feridos das empresas de agronegócio para os programas de
• A questão dos organismos geneticamente modificados
fomento da produção agrícola camponesa.
(GMO) está sendo abordada de um ponto de vista meramente
econômico, ou seja, a única preocupação é em relação ao
file
Sam Moyo
23
Diretor Executivo do Instituto Africano de Estudos Agrários, sediado em Harare, Zimbabwe
A reforma agrária
NO ZIMBABWE E O CAMINHO A SEGUIR
Os desequilíbrios e critérios na distribuição colonial e racial da terra no Zimbabwe foram injustos e a situação precisava de uma reparação. Aproximadamente 4 mil fazendas comerciais de larga escala localizadas nas áreas mais
apropriadas para a agricultura eram de propriedade de indivíduos brancos
e empresas proprietárias de terra, em propriedades que tinham, em média,
mais de 2 mil hectares, contra 1 milhão de famílias de camponeses e mi­
lhares de sem-terra em áreas comunitárias superlotadas, caracterizadas por
solo pobre e baixo índice pluviométrico. A questão agrária foi, portanto, também uma questão racial, pois a maior parte da terra redistribuída era de propriedade dos poucos fazendeiros brancos. Antes da implementação do mais
rápido programa de reforma agrária no Zimbabwe em 2000, nem mesmo
diversas políticas e leis de regulamentação da reforma e do mercado agrários
e a intervenção internacional conseguiram transformar de modo adequado
essa herança.
Este programa oficial começou com o fracasso de compromissos e negociações anteriores a 1999. Anos de diálogos desde 1990 sobre os métodos de aquisição da terra e financiamento para a reforma agrária não foram
capazes de gerar confiança e cooperação entre as várias partes envolvidas,
tais como os doadores, o governo britânico e o governo do Zimbabwe (GoZ).
Entre 2000 e 2007, portanto, o governo do Zimbabwe agiu sozinho para
desapropriar 90% das fazendas comerciais de larga escala (LSCF) de uma
maneira surpreendente. A aquisição da terra foi perturbada por um amplo
movimento de ocupações, litígio generalizado da parte dos proprietários e
despejos esporádicos com uso de força em áreas de propriedade de brancos. Este processo foi acompanhado por perdas significativas na produção e
na reserva de capital. O aumento das indenizações pagas pela aquisição das
terras, implementado em obediência à política governamental, estava muito
abaixo do esperado.
Marion Khamis / ActionAid
INTRODUÇÃO
O aumento das
indenizações pagas
pela aquisição
das terras,
implementado em
obediência à política
governamental,
estava muito abaixo
do esperado.
A evolução da distribuição de terras e do tamanho das propriedades (milhões ha/1980-1996) Fonte: Moyo (1999; 2000; 2003)
Tipo de propriedade
1980 (independência)
Nº de famílias/propriedades
Hectares
(milhões)
Número de famílias /
propriedades
Hectares
(milhões)
Pequeno Agricultor
700,000
8,000
6,000
14.4
1.4
15.5
1,000,000
8,000
4,500
960
16.4
1.4
7.7
2.04
Comercial de pequena e média escala
Comercial de grande escala
Propriedades Empresariais
file
24
Sam Moyo
As ocupações de terras lideradas pelos veteranos
da luta pela libertação forneceram o impulso para a
radicalização da desapropriação de terras a partir do
final do ano 2000, que viu uma demanda crescente por
terras em várias classes (camponeses, classe operária
urbana e as elites negras em geral), enquanto o GoZ
expandia sua definição de beneficiários e mais pessoas
se juntavam à ocupação “ilegal” da terra ou se candidatavam oficialmente entre 2000 e 2002. A questão da
redistribuição de terras estava incrustada nas política
eleitorais e sua legitimidade contestada tornou-se tema
de várias eleições mesmo depois de 2005.
O contexto da crescente demanda por terras
pode ser atribuído à adoção do Programa de Ajuste
Econômico Estrutural nos anos 90.
Isso levou à marginalização da maior parte das
populações negras, junto com um crescimento na
produção agrícola para exportação que só enriqueceu
poucas pessoas. A desindustrialização, uma retração
em massa e erosão salarial aconteceram em seguida.
Toda uma geração de jovens formados não conseguia encontrar empregos mais significativos. Negros
aspirantes a capitalistas fracassaram ao competir com
as empresas e fazendas de brancos já estabelecidas.
As desigualdades de renda e riqueza aumentaram.
A dívida nacional cresceu, assim como a dependência de auxílios e fluxos financeiros externos bastante
irregulares, reforçando o modelo de desenvolvimento
controlado e estratégias de reforma agrária. A renda e
a segurança alimentar dos pequenos agricultores que
tinham sido aumentadas durante os anos 80 pela intervenção do Estado e pela regulação dos mercados agrícolas, tornou-se precária. As condições para o trabalho
rural se deterioraram. Os sem-terra do campo e da cidade e o descontentamento social se intensificaram.
Essas contradições polarizaram as perspectivas
sobre o desenvolvimento, democratização e reforma
agrária, levando à reativação da política de aproveitamento da terra até 1997, e oposição a ela. Influências
externas na política, economia e na aquisição de terras
exerceram um forte impacto no processo da reforma
agrária.
Esse rápido caminho para a reforma agrária implicou a interação de vários fatores políticos e sociais e
contestações que contribuíram para a atual política de
confronto. Os debates sobre estes motivos, resultados,
impactos e o caminho a seguir foram não foram nada
imparciais.
FATOS SOCIAIS SOBRE A REFORMA AGRÁRIA
Enquanto os resultados da reforma agrária permane­
cem sendo contestados pelos antigos proprietários, os
“fatos sociais” referentes à atual distribuição de terras
indicam que ela, por um lado, compensou o desequilibrado legado racial, mas, por outro, disseminou novas
desigualdades, embora menos acentuadas.
A reforma agrária transformou a estrutura rural e
agrária ao aumentar substancialmente o acesso à terra
para mais de 150.000 famílias, e ao reduzir significativamente o tamanho médio das propriedades comer­
ciais. Uma estrutura irregular de propriedade ainda
existe, mas com desigualdades raciais e de tamanho
menos agudas. Mais de 120.000 famílias beneficiárias
possuem menos de 100 hectares cada. Aproximadamente 12.000 novas fazendas de média escala agora
existem com um média de 200 hectares cada.
A nova desigualdade tem a ver com o fato de que
aproximadamente 4.000 proprietários ainda detêm
grandes extensões de terra, que possuem, em média,
700 hectares cada. Aproximadamente 260 desses são
estrangeiros. Mais de 30 propriedades agro-industriais
e reservas de preservação têm mais de 1.500 hectares
cada, em média. Mais de 700 fazendeiros são brancos, possuindo mais de 1 milhão de hectares em propriedades de diferentes tamanhos, metade das quais
estão dentro do tamanho prescrito. Os agricultores
negros neste tipo de propriedade somam aproximadamente 3.000, entre novatos e veteranos.
Menos de 10% dos beneficiários são ex-agricultores. A maior fonte de exclusão diz respeito aos
aproximadamente 200.000 trabalhadores rurais, a
maioria dos quais continua a residir como inquilinos
nas terras redistribuídas, sem direitos agrários assegurados e a aqueles deslocados para áreas comunais
e outras localidades. Um número significante de camponeses pobres, mulheres e outras populações menos
favorecidos, assim como grupos de classe média também dizem terem sido excluídos do processo de redistribuição. Embora muitos dos proprietários originais,
empresas ou fazendeiros brancos individuais, permaneçam em suas terras, o futuro da propriedade nas
mãos dos brancos continua sendo contestado. Além
desses grupos, outros dizem terem sido excluídos,
ainda que estivessem dispostos a aceitar a inclusão
dentro dos tamanhos de terra prescritos.
A reforma agrária alterou as relações agrícolas e
de propriedade ao estender a propriedade estatal e ao
expandir o arrendamento e formas diferentes de propriedade e ocupação da terra, embora tenha reduzido
substancialmente os sistemas de terras comunais. A
confiança nas formas atuais de arrendamento entre os
novos e os antigos agricultores comerciais e financiadores é limitada. Contudo, os pequenos agricultores
geralmente consideram sua propriedade como segura.
file
25
Tendências para a safra de produtos-chaves : ftlrp comparado à média da década de 1990
Produção (000 toneladas)
% mudança em relação
à década de 1990
Produto
Milho
Trigo
Pequenos grãos
Tabaco
Algodão
Soja
Raízes
Girassol
Cana de açúcar
Chá
Café
Média Anos 90
1,668.6
219.3
50
197.6
214.1
95.5
92
36.4
438.9
10.6
8.4
2000
1,476.2
225
83.5
202.4
286.1
175.1
171.8
15.8
513.6
21.8
7.5
2004/5
750
135
2005/6
945.0
120
73.4
198
72
135
20
430
21.2
10
55
270
72
57.7
14.0
446.6
16.7
3.6
2000
-11
3
67
2
34
84
87
-57
17
105
-10
2000
-55
-38
-62
-8
-25
-47
-45
-2
101
19
2004/5
-55
-38
-62
-8
-25
-47
-45
-2
101
19
2005/6
-43
-45
-72
26
-25
-37
-62
2
58
-57
*estimativas da AIAS baseadas em várias estatísticas de produção do
Governo do Zimbabwe e da FAO
O litígio por parte dos fazendeiros brancos continua a
ser uma ameaça à estabilização dessas novas formas
de ocupação e propriedade.
O acesso à terra e à sua propriedade foi, de um
modo geral, democratizado, embora a contínua politização da reforma agrária, por parte tanto das forças
dominantes quanto das de oposição, mine o debate
sobre o caminho a seguir.
PRINCIPAIS IMPACTOS DA NOVA ESTRUTURA
AGRÁRIA NA PRODUÇÃO
O principal impacto da reforma agrária foi transformar
as relações sociais e de trabalho no meio rural, assim
como a utilização da terra. As reformas aumentaram o
grau de propriedades operadas por indivíduos ou famílias, algumas das quais usam mão-de-obra contratada.
Houve também uma queda no número de empregos
agrícolas de tempo integral assim como níveis reduzidos
de regularidade de salários, visto que a produção agrícola permanece até o presente momento em declínio.
Desde 2001, a produção agrícola caiu aproximadamente 50% em volume, com uma estrutura mais complexa do que visões polarizadas sugerem. A produção
de alimentos (milho, trigo e pequenos grãos) caiu mais
de 50% tanto em propriedades comuns quanto comer­
ciais. A produção comercial de laticínios e carne de
boi caiu mais de 50%. A produção de tabaco e de sementes para óleos vegetais (soja, girassol e amendoim)
caiu mais de 65%. Estes números mudaram um pouco
recentemente. A horticultura caiu muito menos (aproximadamente 30%), enquanto culturas como cana de
açúcar, café e frutas cítricas e a produção de algodão
foram as que menos caíram (aproximadamente 20%).
AS CAUSAS DO DECLÍNIO NA PRODUÇÃO
A disputa sobre as causas do declínio é se ele resultou
principalmente das transferências e mudanças nos modos de ocupação e propriedade da terra ou se outros
fatores foram mais determinantes. De fato, a produção
decaiu por várias razões, incluindo a transferência de
terras, o que sugere que a recuperação é viável.
A produção de milho nas áreas comunais, que
costumava abastecer 75% do mercado e do consumo
próprio, sofreu severamente, não por causa das transferências da terra, mas devido a secas freqüentes e
à escassez de insumos. As secas afetaram principalmente a produção do pequeno agricultor cuja produtividade foi reduzida pelo acesso limitado a insumos
e pelos baixos preços do milho, assim como políticas
de apoio social e agrícola fracas, incluindo a falta de
apoio internacional para a recuperação.
O tabaco, o trigo e a produção de sementes para
óleo caíram devido à redução de áreas plantadas nas
terras transferidas, às finanças limitadas dos novos
agricultores e suas limitadas habilidades na produção
imediata e especializada de mercadorias. A perda e a
retirada da maquinaria rural e do equipamento de irrigação afetou as plantações das principais culturas.
Uma produção pecuária reduzida resultou do rápido
abate do gado, reservas de criação limitadas e competências limitadas. Um outro fator crítico foi o declínio
no financiamento privado à agricultura, devido a índices negativos de risco de crédito, à sensação de insegurança do sistema de arrendamento à e instabilidade
macro-econômica.
Uma queda na capacidade agroindustrial para fornecer insumos, largamente relacionada ao forex (câm-
Sam Moyo
bio estrangeiro), escassez e controle de preços, também afetaram a produção como um todo.
Os incentivos requeridos pelos agricultores foram
limitados pela regulamentação dos mercados de insumos e produções agrícolas. Lucros mais altos estavam
sendo obtidos através de investimentos não-agrícolas,
particularmente no forex paralelo e nos mercados de
produtos. Os subsídios estatais à agricultura e outras
intervenções foram limitadas por restrições de recursos, escassez no forex e uma gestão discordante de
políticas. Estas, por sua vez, também foram minadas
pela corrupção.
Sanções internacionais e/ou isolamento, especialmente a retirada de auxílios e empréstimos a tarifas
reduzidas e o acesso ao mercado instigou e/ou exa­
cerbou as deficiências no financiamento agrícola que
afetaram a produção agrícola em geral. O acesso do
mercado internacional e os preços mais baixos especificamente afetaram a horticultura, o algodão e os
usos da terra para fins turísticos e para a preservação
da fauna e flora.
O CAMINHO A SEGUIR
A produção agrícola pode ser recuperada
a médio prazo através de uma estratégia de
acomodação em termos de uma inclusão,
segurança proprietal e incentivos maiores à
produção. Uma mudança radical na redistribuição de terras no Zimbabwe não é nem
politicamente viável nem um pré-requisito para
a superação do problema. Uma utilização sustentável da terra requer medidas e políticaschaves no que se refe­re à terra, economia e
agricultura a fim de aumentar a produtividade
agrícola, investimentos e exportações e trazer
estabilidade e confiança aos novos direitos de
propriedade e leis relacionadas.
A aquisição de terras deveria ser concluída.
O processo de aumento das indenização pelas
terras adquiridas deveria andar mais depressa
através da elaboração de políticas específicas.
As negociações com o colonizador original devem
permanecer aber­tas. A redistribuição de terras deveria
ser completada, alocando terra para os excluídos. Isso
inclui acomodar agricultores brancos na base da paridade e não do privilégio, a saber, através da política
“uma pessoa, uma fazenda”. Propriedades protegidas
por acordos bilaterais de investimentos devem ser
rapidamente desimpedidas para que haja uma otimização da produção, conforme esperado pelo programa.
A segurança do sistema de arrendamento entre os
agricultores comerciais pode ser melhorada tornando
os contratos transferíveis dentro de um mercado de
terras regulamentado e possibilitando que instituições
financeiras garantam seus empréstimos. As políticas de
ocupação e propriedade da terra deveriam visar a garantir a segurança proprietal para todos os proprietários
atuais e para aqueles que ainda serão incluídos.
A agricultura pode ser sustentável se uma estratégia
coerente de reforma agrária for implementada de forma
consistente, enfocando o objetivo principal de melhorar
as condições de vida da maioria. Os pequenos agricultores podem desempenhar um papel crítico na produção
futura, se as políticas públicas os apoiarem. O controle
de preços dos produtos agrícolas, os subsídios, o apoio
ao agricultor e à agroindústria devem ser racionalizados
para melhorar os incentivos à produção. O gerenciamento do câmbio estrangeiro também deve ser racionalizado
e financiamentos externos diversos mobilizados.
Tratar da questão da reforma agrária do Zimbabwe
deve implicar um diálogo de inclusão nacional na busca
de justiça social e reconciliação, baseada em direitos
agrários eqüitativos, leis de proteção, instituições acessíveis de manejo da terra com o objetivo de construir um
futuro democrático e o desenvolvimento nacional.
Marion Khamis / ActionAid
26
Marion Khamis / ActionAid
file
DO S S IER
Marta Antunes
28
A Rede
Internacional
de Segurança
Alimentar (IFSN)
e a continuidade
da ICARRD
Desde 2004, a ActionAid International
vem implementando a IFSN – Rede
Internacional de Segurança Alimentar
– um projeto em parceria com mais de
450 organizações locais e nacionais
da sociedade civil do hemisfério sul,
principalmente da África, junto com a
colaboração da Ayuda en Acción, FIAN
International e outras organizações
internacionais.
Este projeto começou oficialmente em
2004, e depois de 3 anos já existem
20 redes nacionais trabalhando juntas
nessa iniciativa:
Americas Guatemala (REDSSAG),
El Salvador (REDSSAE), Haiti (RENHASSA), Honduras (SARAH), Nicarágua
(GISSAN) e Bolívia (ASSAN-BO)
Africa Angola (RSAA), Burkina
Faso (ROSSAD), Etiópia (CFS), Gana
(FoodSPAN), Guiné-Bissau (PLACONGB), Malawi (FOSANET), Moçambique
(ROSA), Uganda (FRA) e Gâmbia
(IFSNTG)
Asia Afeganistão (IFSNA), Bangladesh
(IFSNBC), Cambodja (CNFSC), Nepal
(NAFOS) e Vietnã (CIFPEN)
Tom Pietrasik / ActionAid
Coordenadora Global do Projeto Rede Internacional de Segurança Alimentar e membro da Equipe
de Direito à Alimentação da ActionAid International. Este artigo também contou com a colaboração
de Francisco Sarmento (Coordenador Internacional do Tema de Direito à Alimentação) e Magdalena
Kropiwnicka (Consultora de Políticas Públicas e Direito à Alimentação)
IFSN: O QUE É ISSO?
Co-fundado pela Comissão Européia
(EC), o principal objetivo desse projeto
é criar ou fortalecer as redes nacionais
de segurança alimentar que facilitam
um diálogo amplo e inclusivo com
diferentes organizações da sociedade
civil que estão trabalhando para
construir um lobby comum e defender
propostas (em escala regional, nacional
e internacional) para a implementação
do direito humano à alimentação nos
países do sul. Esta implementação
envolve a criação de estruturas legais e
institucionais e a elaboração de políticas
nacionais interministeriais coordenadas
de segurança alimentar que favoreçam
os mais pobres. Nesse sentido, as
redes nacionais estabelecem pontes
com os governos nacionais e doadores
internacionais como uma maneira
de negociar e monitorar as políticas
relacionadas à segurança alimentar e
influenciar a elaboração de leis, assim
como aumentar a voz dos governos do
sul nas negociações internacionais.
Com o objetivo de criar um diálogo
amplo com diferentes setores ligados
ao tema da segurança alimentar, as
redes nacionais da IFSN incluem
movimentos e organizações de
mulheres e de pequenos agricultores,
ONGs e organizações PLHA, grupos de
jovens, organizações de consumidores,
grupos de igreja e centros de pesquisa.
Na África, Ásia e na região das
Américas, vários outros países estão
se juntando ao projeto e iniciando
seus próprios processos nacionais de
criação e fortalecimento de redes.
Dentre esses países destacamos: Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe, Senegal,
África do Sul, Peru, Paraguai, Equador,
Índia, Colômbia e Paquistão.
Em escala nacional, muitas redes
criaram sub-redes ou identificaram
organizações importantes para
reforçar e facilitar os elos entre as
esferas micro/macro necessários para
assegurar que as vozes das pessoas
afetadas pela insegurança alimentar
e pela fome sejam ouvidas e que
experiências e tecnologias inovadoras
e adaptadas possam ser identificadas.
Esse conhecimento acumulado
pode, então, ser dividido nacional e
internacionalmente dentro das redes
e com os governos nacionais afim de
influenciar e melhorar a segurança
alimentar e políticas e programas
relacionados.
Tirando proveito das experiências
dos diferentes países envolvidos, este
projeto tem um forte componente do
aprendizado compartilhado entre os
países do sul, redes sub-regionais e
ações de lobby internacionalmente
coordenadas.
Desde 2006, um forte movimento em
relação ao fortalecimento da esfera
regional tem sido feito através de
iniciativas para aumentar os elos
entre as esferas micro /macro na
região da América Central em estreita
colaboração com Ayuda en Acción e
La Via Campesina, uma rede subregional foi criada – RedCASSAN – que
inclui redes na Guatemala, Nicarágua,
DO S S IER
29
El Salvador e Honduras. Na África, a
rede dos países de Língua Portuguesa
foi recentemente lançada e os países
do sul da África estão começando a
desenvolver também vários projetos
de associação. Na região dos Andes,
negociações em curso visam a
estabelecer redes sub-regionais de
segurança alimentar.
Internacionalmente, diversas ações
coordenadas têm se desenvolvido para
traduzir as exigências locais e regionais
em propostas concretas nos fóruns
internacionais.
Aqui, nós gostaríamos de destacar em
particular a intervenção feita na FAO
(Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação) acerca do
acesso e controle sobre os recursos
naturais e desenvolvimento rural.
Trabalhando principalmente com o
sistema da ONU, nós estendemos
nossas iniciativas de cooperação e
diálogo com movimentos de pequenos
agricultores como a Via Campesina
e o IPC (Comitê Internacional de
Planejamento) a fim de fortalecer as
vozes do sul.
RENHASSA / Haiti
PORQUE A FAO COMO UM FOCO DA
AÇÃO DA IFSN?
A FAO foi criada em 1945 com a
incumbência de elevar os níveis de
nutrição, melhorar a produtividade
agrícola e as condições de vida das
populações rurais e contribuir para
o crescimento da economia mundial
(http://www.fao.org/UNFAO/about/
mandate_en.html). Devido às políticas
da economia neoliberal implementadas
nas décadas de 80 e 90, o sistema da
ONU tornou-se claramente ineficaz.
No caso do comércio agrícola, por
exemplo, a UNCTAD e a FAO quase
perderam inteiramente seu papel em
termos de regulação internacional. O
mesmo aconteceu no que se refere à
promoção de programas e políticas de
apoio a pequenos produtores rurais e a
luta contra a fome – ironicamente, uma
parte clara do mandato da FAO desde
sua criação.
Reconhecendo esta situação,
movimentos de pequenos agricultores
e outras organizações da sociedade
civil, sempre estiveram engajados
nas discussões da FAO. É importante
observar que esta organização ainda
é uma arena para a construção de
acordos internacionais entre os mais de
180 estados membros com o objetivo
de promover a segurança alimentar
e melhores condições de vida, em
particular para as áreas rurais, onde
estão localizadas 70% das pessoas
afetadas pela fome.
Considerando o tipo de apoio que a
FAO pode dar aos países, oferecendo
informações, assistência técnica, assim
como aconselhamento aos governos
nacionais sobre questões relacionadas
à segurança alimentar e ao direito à
alimentação, desde 2004, a ActionAid
está usando essa organização da
ONU como um espaço para trazer
para o primeiro plano as exigências e
propostas das redes nacionais da IFSN,
assim como as de outras organizações
parceiras do mundo. Como o “acesso
à terra” foi um grave problema comum
identificado em todos os países
participantes da IFSN, nós baseamos
nosso trabalho inicial com a FAO,
acerca deste tema. A prioridade para
o nosso trabalho envolvendo políticas
públicas era clara: trazer a questão
da terra de volta para as discussões
políticas internacionais e para a agenda
governamental.
O PAPEL DO IFSN NO ICARRD E SEU
PROCESSO DE CONTINUIDADE
Em 2004, a Rede Internacional de
Segurança Alimentar organizou um
seminário em Valência, na Espanha,
onde a Conferência Internacional sobre
a Reforma Agrária e Desenvolvimento
Rural (ICARRD) foi anunciada
e discutida. Como é sabido, a
Conferência foi organizada no Brasil,
em maio de 2006, mais de 20 anos
depois da conferência anterior sobre
essas questões.
Em conseqüência do seminário,
uma plataforma agrária específica foi
criada – www.land.tenure.info - e a
IFSN foi convidada a co-organizar a
ICARRD, apresentando 4 estudos de
caso (Moçambique, Etiópia, Uganda
e Nepal) na conferência oficial. As
redes nacionais com o apoio dos
escritórios da ActionAid em seus
países envolveram-se num profundo
processo de consulta em escala local
e nacional para produzir esses estudos
de caso. Uma atenção especial foi dada
à mobilização de grupos de mulheres
e suas principais preocupações sobre
propriedade e controle da terra e dos
recursos naturais.
Antes da conferência, a ActionAid e
o Ministério Brasileiro da Agricultura
organizaram um seminário para analisar
a proposta para a declaração final da
ICARRD e fazer várias recomendações
destinadas a garantir que o direito das
mulheres ao acesso e controle da terra
fossem assegurados na declaração
final. A ActionAid Internacional foi a
única ONG especialmente voltada
para os direitos das mulheres à terra
a participar da conferência: nós
conduzimos o Seminário sobre o Direito
da Mulher à Terra durante o Fórum
Paralelo da Sociedade Civil. Tanto
os seminários quanto os estudos de
caso contribuíram para a geração de
uma ampla aliança para a formação
de lobby junto à questão do direito
da mulher à terra a aos recursos
DO S S IER
Marta Antunes
30
naturais e foram cruciais para o que
nós consideramos ser uma declaração
muito boa do ponto de vista dos
direitos das mulheres. Uma delegação
da IFSN e da ActionAid estavam
presentes na ICARRD, envolvendo
14 países: Paquistão, Gâmbia, África
do Sul, Malawi, Uganda, Índia, Nepal,
Moçambique, Etiópia, Bolívia, Brasil,
Nicarágua, Honduras e Senegal. Esse
equilíbrio regional mostrou-se crucial
quando foi necessário fazer lobby junto
a representantes regionais do comitê de
elaboração da declaração da ICARRD.
O QUE É RELEVANTE NESSA
DECLARAÇÃO?
A declaração final da ICARRD foi
provavelmente a mais progressiva
jamais alcançada numa conferência da
FAO. A declaração afirma claramente
que a reforma agrária é necessária
para combater a pobreza e a fome,
e reconhece a existência de diversas
formas de ocupação e propriedade da
terra, assim como as relações entre o
desenvolvimento rural, o meio-ambiente
e os direitos tradicionais dos povos
indígenas, extrativistas e comunidades
de pesca. Ela também reafirmou o
importante papel desempenhado pelas
mulheres e a necessidade de se acabar
com todas as formas de discriminação
de gênero.
A relação entre a reforma agrária e
a luta pela segurança alimentar e a
redução da pobreza
“Nós, Estados-Membros, reunidos
na Conferência Internacional sobre
Reforma Agrária e Desenvolvimento
Rural (ICARRD) da Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e
a Alimentação (FAO), apresentada
pelo governo do Brasil, acreditamos
fortemente no papel essencial da
reforma agrária e do desenvolvimento
rural na promoção de desenvolvimento
sustentável, que inclui, inter alia, a
realização dos direitos humanos,
segurança alimentar, erradicação
da pobreza, e o fortalecimento da
justiça social com base no domínio
democrático da lei.” (Declaração final da
ICARRD, parágrafo 1, Março 2006)
A relação entre o acesso a recursos
naturais a redução da fome e da
pobreza
“Nós afirmamos que um acesso mais
amplo, seguro e sustentável à terra,
água e a outros recursos naturais
relacionados à subsistência das
populações rurais, especialmente, inter
alia, mulheres, indígenas, marginalizados
e grupos vulneráveis, é essencial para
a erradicação da fome e da pobreza,
contribui para o desenvolvimento
sustentável e deveria ser, portanto,
parte inerente das políticas nacionais”
(Declaração Final da ICARRD, parágrafo
6, Março de 2006)
Direitos eqüitativos à terra e a outros
recursos naturais
“Nós reconhecemos que as leis
deveriam ser elaboradas e revisadas
para garantir que às mulheres das
áreas rurais sejam concedidos direitos
plenos e iguais à terra e a outros
recursos, inclusive através do direito à
herança, e reformas administrativas e
outras medidas necessárias deveriam
ser tomadas para dar às mulheres os
mesmos direitos que os homens têm a
crédito, capital, trabalho, documentos
de identificação legal, tecnologias
adequadas e acesso a mercados e à
informação.” (ICARRD Final Declaration,
para. 7, March 2006)
Diversidade de grupos (outros
recursos naturais)
“Nós reconhecemos que as políticas
e as práticas para ampliar e assegurar
o acesso sustentável e eqüitativo à
terra e o controle sobre ela e recursos
naturais relacionados e a provisão de
serviços rurais deveria ser analisado
e revisado de uma maneira que
respeite integralmente os direitos e as
aspirações das pessoas do campo,
mulheres e grupos vulneráveis,
incluindo as florestas, áreas de pesca,
comunidades tradicionais indígenas e
rurais, possibilitando que eles defendam
seus direitos, obedecendo as estruturas
nacionais legais” (Declaração final da
ICARRD, parágrafo 14, Março 2006)
Participação de todos os grupos
““Nós enfatizamos, portanto, que tais
políticas e práticas devem promover
direitos econômicos, sociais e
culturais, em particular das mulheres,
marginalizados e grupos vulneráveis.
Nesse contexto, as políticas de reforma
agrária e de desenvolvimento rural e
as instituições devem considerar as
partes envolvidas, incluindo aqueles
que produzem em sistemas de terras
comunais, assim como comunidades
de pesca e da floresta, entre outras, em
processos administrativos e judiciais
relevantes de implementação e tomada
de decisão, em obediência às estruturas
legais nacionais.” (Declaração final da
ICARRD, parágrafo 15, Março de 2006)
Por que o processo de
continuidade da ICARRD é tão
importante?
Apesar dos parágrafos apresentados
acima, as ações de continuidade não
foram claramente definidas nessa
declaração, e o processo agora
denominado como continuidade da
ICAARD foi transferido para a próxima
seção do Comitê sobre segurança
alimentar (CFS) realizado em 2006.
Em novembro de 2006, nove meses
depois da declaração da ICAARD ter
sido assinada por 96 Estados-Membros
da FAO, o Comitê de Segurança
Alimentar se reuniu em Roma na sede
da FAO, dez anos depois da World
Food Summit. Na reunião de Roma,
os Estados-Membros reconheceram
que não é provável que a fome caia
pela metade até 2015, apesar de seus
compromissos anteriores, devido à
falta de vontade política. Eles também
reconheceram a necessidade de
introduzir políticas públicas nacionais
concretas para reduzir o número de
pessoas sofrendo de fome no mundo.
Contudo, nesta mesma reunião, os
mesmos Estados-Membros que
assinaram a declaração da ICAARD
em março de 2006 no Brasil, não
conseguiram dar prioridade a esta
discussão, apesar da evidência clara de
que negar acesso e controle sobre os
recursos naturais e a falta de políticas
de desenvolvimento rural adequadas
constitui uma das principais causas
para a prevalência da fome nos países
do sul, e de seu aumento em alguns
deles, assim como constitui uma das
principais violações do direito humano à
alimentação nessas regiões.
Depois de tentar tirar a ICAARD
da agenda, o presidente da
sessão transferiu a questão da sua
continuidade para outra reunião da FAO
– o Comitê sobre Agricultura (COAG).
As redes nacionais ligadas à IFSN
DO S S IER
31
O resultado foi que o texto final do
COAG relativo à ICAARD é:
“Considerando o resultado e a
continuidade da ICAARD, o Comitê
relembra a importância da reforma
agrária e do desenvolvimento rural e o
papel significante da FAO neste assunto.
Decidindo:
•Solicitar que o Secretariado (ou
seja, a FAO) forneça, enquanto
estiver apresentando o relatório da
20a sessão do COAG para a 132a
Sessão do Conselho em junho de
2007, informações sobre o tratamento
intersetorial dado pela FAO à questão
da reforma agrária e desenvolvimento
rural, com responsabilidades funcionais
claramente definidas e pontos de
contato.
•Solicitar ao Secretariado que forneça
uma descrição geral:
a)das atividades existentes e em curso
da FAO sobre a reforma agrária e o
desenvolvimento rural;
b)da capacidade dos escritórios
regionais para lidar com a questão da
reforma agrária e do desenvolvimento
rural;
c)dos programas de cooperação técnica
da FAO sobre essa questão;
d)das estimativas de custo para uma
possível implementação pela FAO das
recomendações contidas no Parágrafo
30 da Declaração da ICAARD (ou
seja, como a FAO irá auxiliar os países
membros a revigorar os centros de
desenvolvimento rural e reforma agrária).
A descrição geral deverá ser
apresentada como um documento
informativo à Conferência em novembro
de 2007 e ser considerada pela 134a
sessão do Comitê sobre Segurança
Alimentar (CFS) em 2008.
•Solicitar que o secretariado proponha
a inclusão da questão da reforma
agrária, do desenvolvimento rural
e da continuidade da ICAARD na
versão preliminar das Agendas das
Conferências regionais como e onde for
apropriado.”
Devemos deixar esta agenda
morrer?
Embora sejam assinadas pelos
Estados-Membros, muitas declarações
e resoluções internacionais demasiado
sensíveis terminam “na gaveta”. Isso
é o que aconteceu com a “Carta
Campesina” de 1979, 23 anos antes da
ICAARD quando a última conferência
da FAO lidando com esta questão foi
realizada.
Em relação ao texto final do COAG, está
claro que a inclusão da continuidade da
ICAARD nas Agendas das Conferências
Regionais está aberta à negociação. A
IFSN e a ActionAid estão trabalhando
para a construção de alianças regionais
a fim de “manter a continuidade da
ICAARD viva”. Para que isso aconteça,
um diálogo com atores importantes
como ROPPA, La Via Campesina,
World March of Women e organizações
de mulheres dentro de movimentos
e organizações sociais mistas está
acontecendo, assim como uma
sensibilização realizada pelas redes
nacionais sobre a importância de se
manter esta agenda viva.Embora essas
conferências não tenham nenhum poder
de comprometer, é importante mobilizar
ações em direção a elas para manter
a continuidade da ICAARD como um
ponto de discussão em suas agendas.
Então, por favor, mantenha estas datas
na sua agenda também:
Além das conferências, o trabalho
em escala nacional, em particular
nos países do G-77 que mantêm
uma posição mais clara em favor da
continuidade da ICAARD, é crucial no
que se refere às várias reivindicações de
sua continuidade. Usando a declaração
para fortalecer as reivindicações
atuais de diversos grupos no que
diz respeito ao acesso aos recursos
naturais é uma maneira de garantir
o apoio da FAO a esses países em
particular. Uma outra frente de batalha
da continuidade da ICAARD localizase em Roma, na FAO: nesse ponto, a
participação da sociedade civil é crucial
para a manutenção do nosso papel de
“cão-vigia” e para negociar propostas
concretas naqueles espaços abertos à
nossa participação. O trabalho diário
em Roma é essencial para o avanço
da agenda estabelecida na declaração,
especialmente no contexto da reforma
da FAO e da pressão feita por alguns
Estados-Membros para a redução de
custos.
• Para baixar a declaração final da
ICAARD, por favor, visite
www.icaard.org
• Para saber mais sobre o projeto
IFSN, por favor visite
www.ifsn-actionaid.net
29.a Conferência Regional para o Oriente Próximo (NERC)
1 > 5 Março 2008
Egito
25.a Conferência Regional para a África (ARC)
31 Março > 4 Abril 2008
Quênia
30.a Conferência Regional para a América Latina e Caribe (LARC)
14 >18 Abril 2008
Brasil
29.a Conferência Regional para a Ásia (APRC)
19 > 23 Maio 2008
Paquistão
26.a Conferência Regional para a Europa (ERC)
23 > 27 Junho 2008
Áustria
ROSA / Mozambique
uniram forças para manter a questão
da continuidade da ICAARD viva na
agenda do COAG e em alguns dos
países do sul onde ligações e alianças
com delegações nacionais da EC e
os representantes da FAO já haviam
sido estabelecidas. Algumas cartas
foram enviadas para exigir que a EC e
a FAO mantivessem essa questão na
agenda e colocassem em prática ações
concretas de continuidade. Ministros
da agricultura – os representantes dos
governos nacionais na sede da FAO em
Roma – também foram visitados pelos
coordenadores nacionais das redes a
fim de sensibilizá-los sobre o seu papel
de influenciar este comitê e assegurar
que suas intervenções fortaleçam as
reivindicações da rede nacional.
DO S S IER
Miguel Malta
32
Construindo
redes em prol
da segurança
alimentar
nas cidades:
colocando a
agricultura urbana
na agenda política
Embora possa parecer pouco usual,
é comum encontrar fazendeiros e
atividades agrícolas na maior parte
das cidades do mundo. As fazendas
urbanas podem alimentar a si próprias
e disponibilizar alimentos para outros,
promovendo a segurança alimentar nas
cidades. Esta atividade pode ajudar
a dar conta das situações de crise
alimentar e contribuir para a economia
doméstica. As fazendas urbanas estão
mais próximas dos mercados, uma
vantagem nítida em países que carecem
de meios adequados de conservação
de produtos alimentícios e infraestrutura
de transportes. A agricultura urbana
pode fornecer aos domicílios produtos
frescos, melhorando as dietas, tanto em
quantidade como em qualidade.
É importante enfatizar que não existem
somente vantagens nessa atividade:
visto que a terra é um recurso escasso
nas cidades, os fazendeiros urbanos
tendem a intensificar seus sistemas de
produção e esta intensificação pode
trazer sérias conseqüências para a
saúde humana.
Água de qualidade é difícil de se
encontrar em contextos urbanos no
hemisfério sul e a maior parte dos
fazendeiros da cidade usam fontes de
água contaminadas, assim como água
de esgoto para irrigar seus pequenos
terrenos. A agricultura urbana pode
contribuir para disseminação de
doenças bem conhecidas como a
malária e a diarréia; a concentração
de aves (galinha caipira) e gado perto
dos propriedades urbanas e o uso de
formas extensivas de exploração agrava
ainda mais esses problemas.
Independente desses aspectos
negativos, o desenvolvimento de
atividades agrícolas sustentáveis pode
ser altamente efetivo na promoção da
Miguel Malta
Escola Superior Agrária de Coimbra, Portugal
segurança alimentar nas cidades. O
problema é que a agricultura urbana
é freqüentemente ignorada pelos
governos, organizações e políticas
públicas enquanto uma ferramenta
importante de garantia da segurança
alimentar. Isso limita seu sucesso
no combate à fome e na melhoria
da vida do pobre nas cidades em
rápido crescimento dos países em
desenvolvimento.
Há uma necessidade urgente de se
discutir a segurança alimentar nas
cidades, colocando a agricultura
urbana na agenda política. Isso poderia
ser feito através do estabelecimento
oportunidades para a promoção de
análises, discussões e atividades
de defesa em vários níveis (local,
nacional e global) com o envolvimento
de agricultores e agricultoras e suas
organizações, ONGs, governos locais
e outras instituições interessadas,
cobrindo tópicos tais como as
dimensões políticas, econômicas,
sociais e ambientais da agricultura
urbana; o acesso à terra, à água e a
outros recursos agrícolas; o acesso a
mercados e tecnologias apropriadas;
boas práticas agrícolas urbanas;
segurança alimentar, nutrição e saúde;
questões de gênero; e os riscos e as
potencialidades da agricultura urbana.
Em Tamale, uma pequena, porém
crescente, metrópole no norte de
Gana, um grupo de organizações
iniciou um processo que culminou no
desenvolvimento de uma rede regional
de apoio a iniciativas relacionadas à
agricultura urbana. O principal objetivo
da URBANET-NG é “contribuir para a
redução da pobreza entre agricultores e
populações urbanas através de práticas
agrícolas e ambientais sólidas e
sensatas”. Trata-se de uma rede aberta
e diversificada que inclui 18 membros:
associações de agricultores, instituições
de ensino e pesquisa, agências do
governo e ONGs. Essa experiência
inovadora tem um enorme potencial
de se reproduzir em outros contextos
do mundo em desenvolvimento.
Baseada nessa experiência, uma série
de estratégias estão sendo propostas
para promover a disponibilidade e
a segurança alimentar e um melhor
ambiente urbano.
Uma pesquisa completa foi publicada
e pode ser acessada através da
plataforma IFSN.
post it
Alex Diang’a
33
Coordenador de Comunicações / ActionAid Kenya
quénia
Alex Diang’a / ActionAid
As mulheres
maasai
unem forças
para proteger a terra
e melhorar a segurança
alimentar
Kiteileki Muntet (left) and Naimodu Taki
Durante anos, as Maasai nunca
puderam ser donas de terras.
Os homens são os chefes dos lares,
embora sejam as mulheres que lidem
com as questões reais. A cultura Maasai
discrimina enormemente as mulheres.
Os homens podem vender suas
terras sem consultar suas esposas,
abandonando suas mulheres e filhos,
deixando-os sofrer.
Quando o governo do Quênia
empreendeu a redistribuição das terras,
foram os outsiders e homens Maasai
que receberam as propriedades.
Portanto, as mulheres são obrigadas a
andar longas distâncias para apanhar
água e criar seus animais, pois as
fazendas mais próximas são de
propriedade privada.
Em 2004, um grupo de mulheres tomou
conhecimento de que seus maridos
estavam planejando vender suas terras.
Os 960 acres de terra eram
regulamentados por 80 atos de
titulação, cada um com 120 acres de
tamanho. Foi estabelecido que cada
acre seria vendido por Ksh 30.000,00.
Com o auxílio da ActionAid, as mulheres
conseguiram obter aconselhamento
legal de advogados e então procuraram
ajuda do governo, o que significa que
a venda foi de fato impedida. Desde
então, a campanha de defesa da
terra continuou a crescer, levando à
formação de um comitê da terra.
Este comitê requisitou ao governo
que permitisse que as mulheres
participassem das reuniões dos
proprietários de terras para monitorar
as vendas. O comitê e o tribunal da
terra emitiram então uma declaração
afirmando que a terra não poderia ser
vendida, a menos que a esposa legal
esteja presente.
Logo após a declaração, um grupo
de mulheres Maasai uniram-se e
registraram o Grupo das Mulheres
Nchulla, que luta pelos direitos das
mulheres, incluindo a questão da
terra. Com um total de 16 associadas
o grupo foi e continua a ser treinado
pela ActionAid acerca do direito das
mulheres, direitos das crianças e a
importância da terra como um recurso.
Naimodu Taki, de 28 anos, está entre os
membros do Grupo de Mulhres Nchulla.
Quando seu marido vendeu árvores na
terra deles para produtores da carvão
sem o seu conhecimento, ela “perdeu
as palavras”, pois sabia que, enquanto
os produtores de carvão estivessem
trabalhando nas terras do casal, ela
não seria capaz de usá-las para criar
animais ou para o cultivo.
“Meu marido recebeu Ksh 500 (US$ 7)
pelas árvores, enquanto o produtor de
carvão faturou Ksh 6000 (US$ 85) e nós
permanecemos com fome, sem comida
nem terra para criar os animais por
quase 6 meses”, diz a mãe de 6 com
sua voz doce.
Mas quando ela dividiu seus problemas
e sua situação difícil com outras
mulheres do grupo, ela tomou coragem
e mobilizou suas companheiras para
enxotar os produtores de carvão de
suas terras. Juntas, ela e sua coesposa, as duas mulheres agora já
podem criar animais e cultivar a terra.
“A ActionAid elevou nossa consciência.
Agora nós sabemos dizer não quando
nossos direitos são infringidos”, diz
Taki acrescentando “Nós agora somos
capazes de proteger nossa terra e
cultivá-la sempre que quisermos”
Mas Taki não e a única mulher a
enfrentar problemas relacionados à
terra em Narok. O marido de Kiteleki
Muntet, uma jovem de 20 anos, queria
vender a propriedade de 25 hectares do
casal quando ela tomou conhecimento
disso. Tendo passado pelo treinamento
de conscientização fornecido pela
ActionAid, ela e sua co-esposa
conseguiram barrar a transação.
“Estou feliz que a transação tenha sido
interrompida, pois nós conseguimos
produzir comida para nossa família”, diz
a mãe de quatro.
“A consciência da questão foi
despertada e as mulheres agora são
capazes de protestar com seus maridos,
sempre que eles fazem coisas fora do
comum que possam vir a afetar sua
subsistência, a subsistência da família”,
diz Magdalene Setia, Coordenadora do
Programa Kenya em Narok.
post it
Faria Selim
34
Coordenadora Associada - Identidade / ActionAid Bangladesh
Bangladesh
A jornada
“A liquidez econômica não somente
fornece alimento para se ganhar a vida,
mas também incrementa a dignidade
social de um indivíduo. A independência
econômica confere a este indivíduo a
devida importância e respeito, tanto
na família quanto na sociedade. Eu
percebi isso a partir da minha própria
experiência de vida,” diz Munjila
Begum do grupo de ajuda mútua
Rajanigandha em Satkhira. Há poucos
anos atrás, as mulheres que fazem
parte do grupo não tinham sequer
condições de custear duas refeições
por dia; agora elas são um exemplo
único de um grupo de mulheres
empreendedoras. Munjila começou
seu pequeno negócio de criação de
camarões com um empréstimo de
uma cooperativa, formada em uma
aldeia afastada de Satikhira, em 2004.
Atualmente, ela é um ícone de sucesso
e ocasionalmente uma conselheira para
outras participantes do grupo.
Ela está considerando a idéia de
candidatar-se para as próximas eleições
da UP (um organismo local do governo)
e trabalhar pelos direitos das pessoas
em sua região.
Com uma abordagem inovadora do
empowerment, o grupo introduziu
uma notável dimensão em uma era
dominada pelo micro-crédito em
Bangladesh. ActionAid inicialmente
lançou a idéia dos grupos de ajuda
mútua em 2004, percebendo que onde
há uma falta de serviços adequados,
a promoção dos direitos das pessoas
deve incluir uma iniciativa abrangente
em direção à erradicação da pobreza.
Stephen Hiley
em direção aos grupos
de ajuda mútua
Munjila Begum, do grupo de auto-colaboração Rajanigandha (um círculo de mulheres)
Assim, o objetivo era fornecer aos
pobres e marginalizados um modo
de vida economicamente sustentável
através de acesso cada vez maior
ao emprego e ao treinamento para
o trabalho, enquanto se elevava o
entendimento deles das questões
envolvidas. A ActionAid implementou
o projeto em 3 áreas (os distritos
de Satkira, Kurigram e Patuakhali)
através de suas organizações parceiras
(Uttaran, Zibika e a Speed Trust).
O projeto cobre 1.200 lares, divididos
em 48 grupos, dentre os quais, 31 são
grupos de mulheres.
Sérias adversidades existem nos
programas atuais de concessão
de micro-crédito para os pobres
e experiências passadas de sues
usuários, ou seja, pessoas que se
beneficiaram desses programas,
estão longe de serem consideradas
felizes. A ActionAid trabalhou para
facilitar o processo de construção
de organizações de pessoas pobres,
convencida de que estes podem
criar opções de modos de vida
sustentáveis para seus membros,
enquanto estabelecem seu espaço
político, desenvolvem suas habilidades
e potencial e asseguram seus direitos
sobre recursos. Tais organizações
podem também ajudar a aumentar o
poder de barganha das pessoas e, de
fato, podem ajudar a criar empresas
altamente bem sucedidas.
Sua singularidade está no fato de
que elas são dirigidas pelos próprios
membros do grupo, fazendo dessas
organizações verdadeiros exemplos
de organização democrática com
participação igual de mulheres nos
processos decisórios.
A ActionAid incentiva a participação
ativa das pessoas com as quais
ela trabalha, acreditando que as
populações diretamente afetadas têm
o melhor conhecimento a respeito
da situação, uma consciência mais
profunda da crise e um know-how para
resolver seus dilemas.
Agindo de acordo com esta crença,
a ActionAid e seus parceiros
desempenham o papel de facilitadores
na implementação do conceito de
empowerment nos grupos de ajuda
mútua e consideram os membros
desses grupos como atores principais.
Começando com a seleção das aldeias
e dos lares-alvos para associação
aos grupos, usando ferramentas
de avaliação rural participatória,
os membros do programa tomam
a dianteira em cada passo. Estes
incluem: identificar os perfis dos modos
de vida através da classificação da
riqueza; identificar as opções de modo
de vida; promover o treinamento de
capacitação, empreendedorismo,
apoio de mercado e gerenciamento;
desenvolver relações com os
mecanismos de suporte aos modos
post it
35
Tirando as iniciativas de subsistência,
os grupos analisam e identificam
abusos dos direitos que restringem as
opções das pessoas por um modo de
vida sustentável, assim como atividades
Depois de completarem uma fase
de nove meses, os grupos são
estabelecidos para formar federações
que adquirem registro individual. O
Monisha Biswash / ActionAid
Ao contrário das altas taxas de juros
praticadas pelos programas de microcrédito, os membros do grupo pagam
somente 5% de juros e programam o
pagamento do empréstimo de acordo
com sua própria conveniência.
Além do capital inicial, cada grupo
guarda uma certa soma como fundo de
reserva ou seguro contra calamidades
futuras ou contratempos. Os membros
do grupo estão envolvidos com
agricultura, comércio de pequena
escala, criação de camarão e aves e
assim por diante. E como grupo, eles
também tomam iniciativas de negócios
em conjunto. “Como uma iniciativa
conjunta, nós pegamos um contrato de
aluguel de 4 anos de um extensão de
água medindo 21.000 m2 e começamos
a criação de camarões e sivicultura”,
diz um membro do grupo masculino
Shapla. Foi perceber a importância do
acesso aos direitos à terra que os levou
a tomar esta iniciativa.
O Círculo Shapla ganhou o prêmio de
melhor círculo dentre 21 círculos e é
citado como um excelente exemplo de
um grupo comprometido de pessoas
cujo trabalho estimula outros a repetir
suas experiências. Eles perceberam
que o empowerment político permitiria
que se tornassem parte dos processos
decisórios da sociedade e decidiram,
portanto, concorrer nas próximas
eleições da UP. Se o representante
deles for eleito como presidente,
eles ganharão a oportunidade de se
envolverem no desenvolvimento de sua
região e, mais adiante, promover o bem
estar de seu povo. “Nós estávamos
na escuridão e agora fomos expostos
à luz da esperança. Nós desejamos
prosseguir com isso e construir nosso
próprio destino. A pobreza nos cobriu
dos pés à cabeça e nós fomos capazes
de nos libertar através do nosso próprio
esforço. Agora nós nos sentimos
confiantes para lutar com força para ter
nosso representante no órgão local do
governo”, diz Gobinda Prashad Majhhi
do Círculo Shapla.
principal objetivo da federação é
melhorar a condição sócio-econômica
e a posição de cada grupo de ajuda
mútua, criando relações entre eles
próprios para que sejam autosuficientes e sustentáveis como uma
organização autônoma. Uma rede de
“Prantajan” (as pessoas marginalizadas)
também foi formada para promover
e praticar a idéia do grupo de ajuda
mútua. Os membros dos grupos de
ajuda mútua e das federações que
vivem em partes remotas do país e
estão privados da luz da alfabetização
confirmaram as palavras de Confúcio:
“A humanidade é tão grande quanto sua
esperança.”
Círculo de homens Shapla
Pabitra Kumar Basu / ActionAid
A ActionAid aliviou as dívidas dos
membros do grupos ao oferecer a cada
um deles uma certa quantia que foi
depositada em uma conta bancária. O
grupo é o dono desse fundo, gerencia
seu capital, empresta dinheiro para seus
membros, guarda as economias de
seus membros e reinveste de acordo
com seu próprio regulamento interno. É
oferecido a eles treinamento em gestão
financeira para realizarem o trabalho
de forma competente. Analisando as
propostas de membros individuais do
grupo, as equipes executivas aprovam
empréstimos e providenciam cursos
de treinamento cobrindo as várias
atividades geradoras de renda.
que destroem a biodiversidade e a
ecologia, e trabalham para assegurar
a disponibilidade de serviços públicos,
tais como o fornecimento de água e
eletricidade, projetos de infraestrutura
e a promoção de trabalhos ligados
à defesa de direitos. As conquistas
dos grupos são enormes em todas as
áreas. “Até pouco tempo atrás, 95%
das crianças da aldeia não iam para
escola. Agora, todas elas vão. Nós
criamos um escritório com as primeiras
economias do grupo e alocamos uma
parte delas para a escola. Nós lhe
demos o nome de Pathshala”, diz Amal
Krishna Majhhi, presidente do Círculo
de Homens Shapla. Serviços de esgoto
e saneamento estão disponíveis em
todas as casas da aldeia de Burigoalini
Kachhari, o que antes não passava
de um sonho utópico. Os membros
do grupo também reconstruíram
as estradas da região e obtiveram
da União Parishod (UP) fundos
para o desenvolvimento de grupos
considerados vulneráveis, assim como
pensões para pessoas idosas e viúvas.
Criação de camarões no distrito de Satkhira
Pabitra Kumar Basu / ActionAid
de vida existentes; e implementar
iniciativas de defesa de direitos.
As pessoas foram incentivadas a
identificar e a analisar seus próprios
problemas em vez de receberem
indicadores pré-estabelecidos
e componentes alternativos de
subsistência. Os domicílios nas áreas
selecionadas estavam amplamente
endividados junto a várias organizações
e instituições de crédito locais.
Rahela Begum, do Círculo Chotabalia, no distrito de Munshiganj
post it
Ana Paula Lopes Ferreira
36
Assistente do Programa de Segurança Alimentar / ActionAid Brazil
Brazil
Ana Paula Lopes Ferreira / ActionAid
ActionAid
estimula
a troca de experiências
entre agricultores
e agricultoras familiares
Em um cenário no qual a degradação
sócio-ambiental tornou-se evidente e
as preocupações com a questão da
sustentabilidade desempenham um
importante papel nos debates atuais, a
busca de alternativas que acentuem a
superação das desigualdades sociais e
da depredação dos recursos naturais é
considerada como uma questão central
desse debate.
A ActionAid acredita que a superação
dessas dificuldades não será
conquistada meramente através do
conhecimento convencional, como
foi postulado pelos defensores das
novas tecnologias, que consideram
os organismos geneticamente
modificados e a revolução verde como
a saída para os problemas sociais e/
ou agrícolas. Nós acreditamos que, se
os atuais processos de exclusão social
e a degradação da base de recursos
naturais que sustenta a agricultura
persistirem, a segurança alimentar
da sociedade como um todo pode
ficar comprometida dentro de um
período relativamente curto. Dessa
forma, a ActionAid vem aumentando
seus investimentos em agroecologia,
pois nós acreditamos que, dentre as
alternativas reproduzidas no Brasil
e também internacionalmente que
se opõe ao modelo de degradação
agrícola, uma orientação agroecológica
contribui para reduzir e/ou superar parte
dos problemas sociais e ambientais
através de métodos produtivos,
técnicas e processos mais compatíveis
com os objetivos de um modelo
agrícola sustentável.
Este modelo não é estabelecido
através de pacotes econômicos e
tecnológicos. Em vez disso, ele é
estabelecido através de experiências
construídas baseadas nas práticas
locais de agricultores familiares.
Portanto, as iniciativas agroecológicas
trazem consigo a valorização e a
incorporação do know-how acumulado,
conhecimentos e experiências de
agricultores e agricultoras, cominandoos ao conhecimento acadêmico
envolvido com a agricultura sustentável.
O PROJETO “De Agricultor
para Agricultor” VALORIZANDO
OS PROCESSOS DE TROCA DE
EXPERIÊNCIA
Durante os dois últimos anos, a
ActionAid implementou o projeto
“Farmer to farmer knowledge
dissemination: exchanging experiences
and strengthening the agroecological
movement” com a ajuda de suas
organizações parceiras nas áreas
rurais com o propósito de contribuir
para a ampliação da perspectiva
agroecológica.
O principal objetivo do projeto é
fortalecer os processos agroecológicos,
ao incrementar e valorizar as trocas
de experiências entre agricultores e
agriculturas e entre estes e os técnicos.
Existem 12 entidades rurais envolvidas
“Eu sou agricultora e tenho muito
orgulho disso, e poder falar sobre minhas
experiências com outros agricultores e
organizações é muito importante para
mim. É por isso que eu estou gostando
muito dessas reuniões. Através delas eu
aprendo e ensino. Eu me sinto fortalecida
conhecendo pessoas que têm os mesmos
problemas que eu tenho e que buscam
soluções”.
Severina Dias, 60 anos, agricultora em
Pernambuco
nesse processo, que são parceiras
da ActionAid: AS-PTA, no estado da
Paraíba; SASOP e MOC, na Bahia; CTA
e CAA, em Minas Gerais, COMSEF,
CONVIVER e AQCC, em Pernambuco;
ESPLAR, no Ceará e ASSEMA, MIQCB
e MST, no Maranhão.
AS-PTA: Assistência e serviços para projetos
agrícolas alternativos
SASOP: Assistência e serviços para
organizações rurais
MOC: Movimento de Organização
Comunitária
CTA: Centro de tecnologia alternativa
CAA: Centro para a agricultura alternativa
COMSEF: Comunidade Semeando o Futuro
CONVIVER: Vivendo Junto no Sertão
AQCC: Associação Quilombola de Conceição
das Crioulas
ESPLAR: Centro de Pesquisa e Assistência
ASSEMA: Assistência em áreas de
assentamento no Maranhão
MIQCB: Movimento Interestadual de
Quebradoras de Coco Babaçu
MST: Movimento dos trabalhadores rurais
sem terra
post it
37
Todas essas organizações trabalham
com uma perspectiva agroecológica,
apesar de suas diferentes localizações,
temas e formas. Cada uma delas têm
diferentes experiências metodológicas,
técnicas e práticas que estão sendo
implementadas pela agricultura familiar.
A troca dessas experiências com
organizações e outros agricultores
e agricultoras fortalece o trabalho
daqueles que estão diretamente
envolvidos nos processos
agroecológicos, assim como daqueles
que participam de experiências
similares.
aprendemos que as trocas de
experiências favorecem a disseminação
do conhecimento entre agricultores e
agricultoras aumentando sua autoestima e o empowerment coletivo e
individual em um contexto de maior
eqüidade social.
Embora tenha ainda um longo caminho
a percorrer, o projeto “De Agricultor
para Agricultor” contribuiu para reforçar
o movimento agroecológico brasileiro,
já que ele possibilita a reflexão coletiva
e momentos de troca de conhecimentos
e experiências envolvendo agricultores
e agricultoras, movimentos sociais e
entidades engajadas na construção da
agroecologia.
LIÇÕES APRENDIDAS
Este e outros encontros promovidos
pelo projeto nos ensinaram que,
ao promoverem o contato entre
pessoas e seus trabalhos, as trocas
de experiências contribuem para
a construção de identidades, o
fortalecimento do sentimento de
pertencimento a um grupo e para a
extinção do isolamento. Nós também
Ana Paula Lopes Ferreira / ActionAid
O projeto é realizado através de
encontros para a troca de experiências
técnicas e organizacionais entre
agricultores e agricultoras e entre estes
e técnicos e técnicas especialistas. Em
maio de 2007, a ActionAid conduziu
uma atividade no semi-árido da Paraíba
envolvendo 70 pessoas, incluindo
agricultores e agricultoras e técnicos de
organizações parceiras. A importância
dessas trocas para as partes envolvidas
foi o objeto de reflexão dessa atividade.
Todas as organização explicaram
as maneiras como elas realizam os
encontros de troca e apresentaram seus
resultados. Outra parte desta atividade
foram as visitas de campo, através
das quais os participantes tiveram a
chance de conhecer as experiências
de agricultores que gerenciam hortas
comunitárias, barragens subterrâneas,
cultivo de produtos orgânicos e
pequenas criações de animais. Os
visitantes também conhceram uma
feira de produtos agroecológicos e
tomaram conhecimento de experiências
organizacionais das uniões de
trabalhadores rurais da região.
“Eu estou muito contente de poder
compartilhar minhas experiências nessas
reuniões. Eu também fico muito animado em
ouvir as experiências de outros agricultores. Eu
aprendo muito com isso. Eu me sinto realizado
através disso e ansioso para participar mais
e aprender mais. Eu também aprendi muito a
partir da documentação de outros agricultores
e agricultoras.”
Ismael de Souza, 19 anos, agricultor em
Pernambuco.
clips
38
Vamos
reinventar
nosso mundo
Alejandra Scampini
Coordenadora dos Direitos das Mulheres nas Américas / ActionAid
O pessoal é político
Stuart Freedman / ActionAid
os direitos das mulheres e o direito à alimentação
As ações referentes ao Direito à Alimentação deveriam
incluir algumas reivindicações específicas que vêm
sendo feitas pela ActionAid no que diz respeito aos
Direitos das Mulheres. Nós estamos trabalhando de
forma conjunta com o tema Direito à Alimentação
em escala nacional e regional numa abordagem do
direito das mulheres a recursos naturais desde 2005.
A questão do acesso à terra é um componente-chave
em nossas políticas e reivindicações.
Os recursos naturais são hoje considerados um
elemento crucial nas lutas políticas e sociais, afetando
especialmente uma “nova ruralidade”.Rever o conceito
de identidade rural como parte da luta para reforçar
os direitos de agricultores e agricultoras é um aspecto
muito importante deste debate. Na agricultura rural é a
mulher quem seleciona, armazena e troca as sementes
com outras mulheres a fim de experimentá-las em
casa.
A questão do acesso e controle sobre os recursos
naturais tem criado espaço para um trabalho
simultâneo sobre o tema do direito à alimentação e
o direito das mulheres. O mercado da terra está se
desenvolvendo de diversas formas em quase todos os
países da América Latina. Em Honduras, por exemplo,
o Projeto de Acesso à Terra (PACTA), um programa
que surgiu como parte da Estratégia de Combate à
Pobreza pelo Governo Hondurenho, está atualmente
sendo implementado. O custo do projeto por família
beneficiada é de US$ 12,844 e ele inclui crédito para
a aquisição de terras, fundos para a capitalização da
companhia e o fornecimento de assistência técnica.
A falta de apoio e acompanhamento ao
desenvolvimento da capacidade produtiva e a possível
ausência de conexões com a economia nacional como
um todo são obstáculos que estão dificultando, em
muitos casos, a redução da pobreza entre homens e
mulheres beneficiários.
Cumpre reconhecer que há estruturas e atitudes
patriarcais muitos fortes que impedem as mulheres de
terem acesso à propriedade da terra.
Em muitas culturas, as esposas e as filhas são
vistas, elas próprias, como propriedades. Assim, o
desafio não é somente denunciar publicamente tais
desigualdades, mas também recuperar em nossa luta
a idéia de um órgão de mulheres que defenda suas
capacidades, seus valores, suas contribuições, suas
vozes, seus testemunhos. É necessário recuperar os
processos que criaram espaço para a mulher falar
mais alto e por si própria, para fazer suas próprias
escolhas e para ser capaz de transformar sua própria
sociedade.
Reivindicações internacionais pelo direito à
alimentação adequada devem ser um instrumento para
fortalecer os direitos cívicos e políticos das mulheres e
consolidar o cumprimento da legislação que promove
igualdade para as mulheres nas esferas pública e
privada.
A mulher é discriminada no que se refere a heranças
e viuvez, o que tem terríveis conseqüências em sua
dignidade e bem-estar e também de seus filhos e
filhas. Em um nível mais amplo, a discriminação contra
as mulheres no que diz respeito ao acesso a recursos
naturais está contribuindo para uma perspectiva
de insegurança humana e alimentar, violência e
degradação ambiental.
No trabalho pelos direitos das mulheres, nós
enfren­tamos diversas formas de resistência e/ou
indiferença por parte de líderes políticos, legisladores,
funcionários públicos do setor administrativo e também
das organizações e movimentos da sociedade civil. A
eliminação dessas formas de discriminação nos levou
a fazer análises pontuais e reivindicações específicas.
Mas além dessas realidades mais concretas, é
especialmente interessante apreender os símbolos
que permanecem no mundo rural e que nós
deveríamos também desafiar através de nossas ações
e campanhas internacionais. Minha participação em
um diálogo de agricultor para agricultor, organizado
pela ActionAid em Maio de 2007 na Paraíba (Brasil),
foi importante para aprofundar o entendimento comum
sobre como fortalecer os direitos das mulheres em
iniciativas ligadas ao tema do direito à alimentação.
A sexualidade desempenha um papel importante
na entrada da mulher no mundo do trabalho. A idéia
de lascívia está enraizada no imaginário de homens e
mulheres e isso afeta as possibilidades das mulheres
se organizarem, participar e agregar mérito ao seu
próprio trabalho. “Se eu saio para uma reunião,
então meu marido acha que eu estou saindo para me
divertir” – disse uma companheira agricultora sobre
sua impossibilidade de participar de eventos, reuniões
e campanhas.
clips
39
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40
Alejandra Scampini
Em diversas ocasiões, eu pude perceber o orgulho
das mulheres quando falavam sobre seu salário e seu
poder. As mulheres sentem orgulho de seu salário,
porque ele lhes fornece mais autoridade diante
dos membros de seu grupo, seja da família ou da
comunidade. Algumas argumentam que trabalham
por necessidade, já que seus filhos migraram para a
cidade ou porque seus maridos morreram ou estão
doentes.
Este argumento não desafia a incapacidade dos
homens, e o salário das mulheres é, em grande parte,
usado para cobrir essas necessidades e serviços que
antes eram fornecidos pelo estado.
O que é interessante é que mais mulheres estão
falando como agentes no que se refere a certas formas de
controle e poder quando elas dizem “Eu compro isso. Eu
traz consigo sérios custos. Muitos agricultores
admitem terem problemas para se acostumar a ver
suas esposas fora do ambiente doméstico. Dona Rosa
disse: “Eu só comecei a trabalhar quando meu marido
morreu, mas agora, minha filha e seu marido não têm
esses problemas”. Nós pudemos observar que as
novas gerações começam a entender a situação de
modo diferente e a mudar os papéis tradicionais.
Finalmente, nós esperamos que essas reflexões
possam nos ajudar a construir uma nova consonância
cultural no que diz respeito a um mundo alternativo
onde não haja nenhuma desigualdade de gênero.
Como membros de um grupo de ativistas sociais, nós
todos devemos colocar em nossas pautas a questão
do direito das mulheres aos recursos naturais.
Jacob Silberberg / PANOS / ActionAid
“As piores realidades da nossa era
são as realidades fabricadas.
É portanto nossa tarefa, como
participantes criativos do universo,
re-sonhar nosso mundo. O fato de
possuirmos imaginação significa
quetudo pode ser re-sonhado.
Cada realidade pode ter suas
possibilidades alternativas. Os
seres humanos foram abençoados
com a necessidade de
transformação”.
(Ben Okri, A Way of
Being Free.
Guernsey Press.
Channel Islands
1997)
planto aquilo. Nós conseguimos, etc.”. Em Queimadas,
no estado brasileiro da Paraíba, para onde fomos para
um visita de campo, a união dos trabalhadores era
liderada por mulheres. Elas não fornecem assistência
somente em seus lares e comunidades, mas também
saem para trabalhar, gerenciam as sementes, o
crédito, etc. Elas freqüentemente adquirem mais
direitos nas comunidades do que em seus próprios
lares. Isso redefine as relações de poder entre homens
e mulheres. A nostalgia da mulher do lar e o peso
da família também foram questões recorrentes. A
introdução massiva das mulheres no campo produtivo
As reivindicações internacionais pela segurança
alimentar e a campanha HungerFREE nos permitem
desenvolver o aspecto intersetorial desses elementos,
mas ainda há um longo caminho a se percorrer a fim
de fazer deste um tema central na agenda pública. O
desafio é criar espaço para os direitos das mulheres
em cada uma das áreas nas quais trabalhamos, para
transversalizar esta questão nas nossas campanhas
e pautas e para encorajar outros companheiros e
companheiras a conduzir análises de gênero em seus
trabalhos.
agenda
Carlos Gaio
41
Advogado dos Direitos Humanos, Consultor da ActionAid International
para o Tema Direito à Alimentação
A campanha
HungerFREE
A campanha HungerFREE foi lançada!
Nos últimos meses, lançamentos
nacionais aconteceram na Índia,
Senegal, Nepal, Serra Leoa, Brasil,
HungerFree Campaign / ActionAid
Paquistão, Gâmbia, Tailândia, Nigéria,
Moçambique, Bangladesh e muitos
outros países. Milhares de pessoas têm
se engajados nesses lançamentos, com
passeatas, marchas, festivais de música
e oportunidades para as pessoas se
unirem pelo direito à alimentação.
Nós também lançamos a campanha
internacionalmente na ONU. Em julho,
apresentamos a campanha a oficiais
de governo e diplomatas que estavam
Assembléia Geral da ONU, fornecendo
este centro de ação on-line e encorajar o
participando da Revisão Ministerial
estudos de caso e representantes.
maior número possível de pessoas a se
Anual do Fórum Econômico e Social
As atividades da HungerFREE também
unirem à nossa campanha.
da Organização das Nações Unidas
são planejadas em escala nacional e
(AMR). Até mesmo o secretário geral
nossa esperança é que os programas
No que se refere à frente de batalha
da ONU, Ban Kimoon, foi informado
dos países sejam capazes de fazer
doméstica, a ActionAid se envolve
sobre nossa campanha! Os colegas da
campanha e divulgar informações nas
em atividades de capacitação. Nosso
ActionAid de Bangladesh, Etiópia, Gana
capitais nacionais durante a Assembléia.
objetivo é mobilizar as pessoas acerca
e Combodja seguiram a apresentação
A ONU, como um conjunto de Estados,
de seu direito à alimentação e reivindicar
dos relatórios de seus governos. Nós
presidiu o fracasso global em relação ao
que os Estados cumpram suas
também participamos no Fórum de
direito à alimentação. Se as tendências
obrigações através de todos os meios
Desenvolvimento da Sociedade Civil e
atuais persistirem, haverá 950 milhões
possíveis, incluindo novas políticas
introduzimos a campanha para platéias
de pessoas subnutridas no mundo
públicas especialmente elaboradas para
extremamente interessadas.
até 2015, 440 milhões a mais do que
este fim.
à época da promessa da World Food
Nosso trabalho internacional em 2007
Summit, em 1996 e 280 milhões a mais
Um dos principais objetivos da
irá enfocar a Assembléia Geral das
do que a Declaração do Milênio havia
ActionAid é dar suporte às organizações
Noções Unidas (setembro-dezembro),
prometido.
da sociedade civil dos países em
onde nós estamos lutando por uma
Dada essa situação escandalosa, nós
desenvolvimento, ajudando esses
resolução mais forte sobre o direito
estamos convidando partidários e
organismos a contribuir efetivamente
à alimentação e para que muito mais
simpatizantes do direito à alimentação a
para assegurar a realização do direito à
atenção seja dispensada por parte dos
escreverem uma mensagem em pratos
alimentação adequada. As organizações
Estados-Membros à situação global
de papel que serão apresentados ao
da sociedade civil estão muito próximas
de fome. O texto provisório para uma
secretário geral da ONU Ban Ki-Moon.
dos grupos mais vulneráveis que sofrem
resolução mais fortalecida foi enviado
Os pratos de papel foram enviados a
diretamente as conseqüências do
aos programas nacionais que foram
programas nacionais de todos os países.
fracasso governamental em garantir o
convidados para um encontro com seus
Além disso, há um site dinâmico da
este direito.
respectivos departamentos de Relações
HungerFREE em www.hungerfreeplanet.
Esta abordagem é compartilhada pela
Exteriores para fazer lobby em prol
org, onde os visitantes podem interagir,
Unidade de Direito à Alimentação da
dessas melhorias.
enviando mensagens para reivindicar
FAO, cuja coordenadora, Barbara Ekwal,
o direito à alimentação, que serão
enfatizou que “o ponto forte principal
Mais de 10 programas nacionais estão
posteriormente entregues a Ban K
­ i-
das organizações da sociedade civil
diretamente envolvidos no trabalho na
Moon. Para nós, é importante promover
está no seu poder de mobilização, seus
agenda
Carlos Gaio
42
vínculos com a base e sua legitimidade
ao falar em nome daqueles cujos direitos
humanos são violados. As organizações
da sociedade civil desempenham
um papel essencial na construção
da consciência sobre o direito à
alimentação e na criação da vontade
política necessária para provocar
mudanças. Conforme compromissos
HungerFree Campaign / ActionAid
políticos são feitos, essas organizações
têm um papel crucial em assegurar que
estes se traduzam em ações concretas.
Elas chamam a atenção dos governos
e das partes interessadas sobre as
Diretrizes do Direito à Alimentação
aceitas pelos membros da FAO em
2004, que é uma ferramenta prática para
este fim. Finalmente, as organizações
da sociedade civil devem introduzir a
perspectiva do direito à alimentação em
a performance do Estado na questão do
de defesa de direitos, aconselhamento
seu próprio trabalho de desenvolvimento,
direito à alimentação e o cumprimento
sobre políticas públicas, informações,
pilotando uma mudança de paradigmas
de obrigações relacionadas; estabelecer
treinamento e capacitação. Uma
da assistência para uma abordagem
reivindicações específicas referentes
participação ativa das organizações
voltada para a questão dos direitos
a casos concretos de violação deste
da sociedade civil nesses esforços
humanos.”
direito a fim de pôr-lhes um ponto final
é indispensável. As metodologias
e incentivar a mudança de atitude das
bastante abrangentes desenvolvidas
autoridades nacionais.
pela FAO, como por exemplo o
A ActionAid está apoiando várias redes
Legislation Framework , a avaliação
da sociedade civil através do projeto
Rede Internacional de Segurança
No final do programa de treinamento da
do direito à alimentação, os guias
Alimentar (IFSN) para oferecer a
ActionAid e com a experiência prática
sobre monitoramento e orçamento,
seus parceiros locais o treinamento
adquirida durante este exercício, as
podem ser – e algumas estão de fato
e suporte necessários para que se
organizações e redes da sociedade civil
sendo – adaptadas pelas organizações
comprometerem a fazer avaliações
estarão mais preparadas e motivadas
da sociedade civil para seu próprio
sobre o cumprimento do direito à
para monitorar a realização do direito
uso. Maiores informações sobre
alimentação adequada em seus países,
á alimentação pelas autoridades do
esta e outras questões relacionadas
e posteriormente contribuir para a
Estado em caráter contínuo.
ao direito à alimentação podem ser
encontradas no site www.fao.org/
mobilização global através da campanha
Informações adicionais sobre a
righttofood. Finalmente, as organizações
campanha podem ser encontradas
da sociedade civil podem tirar proveito
Uma avaliação completa envolve
no site www.hungerfreeplanet.org.
da estrutura global fornecida pelas
a revisão de políticas públicas e
Para saber mais sobre os treinamentos
Diretrizes para o Direito à Alimentação,
instituições estatais junto com o
e as iniciativas da IFSN, visite
que refletem um consenso internacional
cumprimento de suas obrigações para
www.ifsn-actionaid.net
e podem servir de base para a interação
HungerFREE.
entre governos.”
proteger, promover e implementar o
direito à alimentação. Isso inclui avaliar
A UNIDADE DE DIREITO À
se o Estado toma providências imediatas
ALIMENTAÇÃO DA FAO E AS
“Este treinamento foi como um
para respeitar, proteger e fazer cumprir
ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE
despertar de consciência de nossos
este direito e se as políticas públicas
CIVIL
direitos, não somente o direito
e instituições contribuem para sua
Barbara Ekwal: “A Unidade de Direito à
à alimentação mas também de
realização progressiva.
Alimentação da FAO apóia os Estados-
outros direitos. Ele aumentou minha
Uma vez que a avaliação seja realizada,
Membros em seus esforços para realizar
responsabilidade de conscientização
as organizações da sociedade civil terão
o direito à alimentação e implementar as
sobre a questão e também de melhoria
informações e documentos que podem
Diretrizes para o Direito à Alimentação.
do direito à alimentação.” (Participante
ser usados pela campanha HungerFREE
Nossas atividades abrangem a
de Moçambique na avaliação anônima
para elevar a consciência pública sobre
elaboração de métodos e ferramentas
do treinamento.)