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Niterói Que belas homenagens esta publicação faz! A maior delas é a da ABL por ter se espalhado pelos quatro cantos do Estado do Rio de Janeiro em busca de “vínculos de paixão” entre as cidades e seus cidadãos‐autores. A geografia das fronteiras cedeu lugar a sentimentos e emoções em pessoas que se encantaram e se emocionaram diante de patrimônio humano e material tão provocador do desejo de eternização. E, nessa obra, encontramos eternizados flagrantes ímpares de um cotidiano presente ou passado que darão ao leitor a possibilidade de imaginar e de sonhar com eles. Assim, prazerosa e orgulhosamente, compartilhamos com a professora Ismênia de Lima Martins, autora do texto, a sua memória afetiva com a cidade de Niterói. Ismênia, durante a sua narrativa, desconstrói mitos e reverencia a cidade, colocando em destaque a sua força econômica, sua vocação cultural, suas belezas naturais, seu patrimônio histórico e sua arquitetura contemporânea. Parabenizando o Professor Arnaldo Niskier por tão relevante iniciativa literária, manifestamos nosso agradecimento pelo seu afeto com o Estado do Rio de Janeiro e, em especial, com Niterói. Maria Inês Azevedo de Oliveira Secretária Municipal de Educação de Niterói 1 MEMÓRIA, HISTÓRIA E UFANISMO Ismênia de Lima Martins 1 Nos meus anos de juventude, sentia grande desconforto quando minhas amigas cariocas referiam-se a Niterói, com menosprezo, como “a cidade em que até o urubu voa de costas”, influenciadas pelo deboche do mais famoso cronista do período. Quando aluna do curso de História da Universidade Federal Fluminense, descobri, em documentos antigos, a origem mais remota deste registro, na expressão “bandas d’além”. Ou seja, o que estava além do Rio de Janeiro, sede do governo colonial, da corte e capital da República! Já professora universitária, nas minhas pesquisas e de meus orientandos, percebi a construção da memória oficial em Niterói marcada pelo mesmo sentimento de periferia e inferioridade. Sabe-se que, deste lado da baía, terras foram doadas, ainda no século XVI, ao chefe indígena Araribóia, que as recebera dos portugueses como recompensa pela sua participação na luta contra os franceses. A fundação de um aldeamento indígena, sob a supervisão dos jesuítas, iniciou-se em 1568 e, em 22 de Novembro de 1573, Araribóia, que recebeu o nome cristão de Martim Afonso de Sousa, foi investido solenemente na posse de sua sesmaria. A aldeia, localizada no alto de uma colina, recebeu o nome de São Lourenço e desenvolveu-se nos primeiros anos. No entanto, suas possibilidades de expansão eram limitadas por localizar-se em um lugar elevado e cercado por terrenos pantanosos. Após a morte do famoso cacique iniciou-se um processo de estagnação da aldeia. Durante os séculos XVII e XVIII, a cultura açucareira desenvolveu-se em fazendas, localizadas nas terras da sesmaria dos índios e ao seu redor, dando origem a pequenos povoados, como São Domingos, Praia Grande, São João de Icaraí, São Sebastião de Itaipu e São Gonçalo. Com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, a cidade do Rio de Janeiro e outras localidades no entorno da Baía de Guanabara vivenciaram grande prosperidade. Luccock, comerciante inglês, descrevendo São Domingos e a Praia Grande, em 1808, dizia que “eram lindas aldeias pequeninas constituídas de um punhado de casitas dispersas e mergulhadas no seio da floresta”. Em 1813, o mesmo autor afirmava que “a região era populosa e que talvez nenhum dos pontos vizinhos da 1Doutora pela USP e Professora do Programa de Pós-Graduação da UFF 2 capital passou por tão vantajosas transformações”. Em 1819, por propositura de José Clemente Pereira, foi criada a Vila Real da Praia Grande. Após a independência política em 1822, a cidade do Rio de Janeiro e seu entorno continuaram a experimentar grande desenvolvimento. O Ato Adicional de 1834 tornou-a Município Neutro da Corte e separou-a da Província do Rio de Janeiro, tendo sido Niterói elevada à condição de capital, com o título de Imperial Cidade. O exame de uma planta de 1844, de autoria de Jacob Conrado Niemeyer, mostra o arruamento dos planos de 1820 e o de 1840, que caracterizam a expansão da cidade a partir da Praia Grande, ou seja, no caminho oposto ao da antiga aldeia de São Lourenço. São muito frágeis os nexos históricos entre o povoamento de São Lourenço e o crescimento e expansão da vila e da cidade e, no entanto, nos registros oficiais, nos livros didáticos, no senso comum, Araribóia aparece como seu fundador e não José Clemente Pereira. Em 1900, quando se comemorava o IV Centenário do Descobrimento do Brasil, depois de séculos de esquecimento, os mitos fundadores se reelaboraram. O vereador Olavo Guerra propôs homenagear o chefe indígena, perpetuando sua memória através da aquisição de um quadro para compor a sala de sessões parlamentares. Tal proposta, que a ele se referia como “imortal fundador da cidade de Niterói e proto-herói da nacionalidade”, revelava uma intenção de associar a imagem de Araribóia, e consequentemente Niterói, ao passado nacional. A “Comissão Glorificadora de Araribóia” apresentou grande capacidade de mobilização e ressonância junto à sociedade local. No ano de 1906, no dia 22 de Novembro, data do 333o aniversário da posse da sesmaria, sua imagem ilustrou todas as notícias. Desde então as comemorações da fundação de Niterói, atribuída a Araribóia, passaram a ter como referência aquela data. Assim, a identificação da data do aniversário oficial da fundação de Niterói foi, na verdade, uma construção político-ideológica elaborada no século XX. A população atual do Morro de São Lourenço, em sua maioria, descende de migrantes internos e imigrantes europeus, sobretudo portugueses e espanhóis, mas mesmo assim, é consciente da historicidade que reveste o local e do poder simbólico do busto de Araribóia, assim como da igreja de São Lourenço. Recente pesquisa de campo revelou como estão habituados com visitas de turistas, pesquisadores e excursões escolares. Dona Custódia Lessa, 67 anos, aproximou-se da equipe na praça e foi logo dando muitas indicações. Parecia que já 3 sabia o que interessava aos pesquisadores. Indicou depoentes, destacando dona Gilda, que também se encontrava no local, como descendente de , e comentou para os presentes: “repara bem se ela não parece com a estátua”!!! No presente, ainda persiste o tom jocoso dos nossos vizinhos que, quando não maldosamente afirmam que Niterói é uma “cidade sorriso numa boca sem dentes”, apresentam-na como aquela que tem “a mais bela vista do mundo” referindo-se, naturalmente, ao lado carioca da Guanabara. Além disso, Niterói aparece sempre, sobretudo no discurso memorialístico, referenciada como a capital da velha província, ou ainda, do antigo estado do Rio de Janeiro. Na verdade, essas menções encobrem uma ideia de decadência, de perda de prestígio e de poder político como espaço polarizador da vida da região. Examinando as estatísticas atuais, Niterói não aparece como “a cidade em que o urubu voa de costas”. Pelo contrário! Evidencia-se um desenvolvimento considerável nas ultimas décadas, com expansão dos padrões urbanos e uma qualidade de vida que tem atraído antigos moradores da cidade do Rio de Janeiro. Se, realmente, Niterói tem uma das mais belas vistas do mundo, no entorno da Guanabara, tem também suas próprias belezas como o Campo de São Bento, o simpático Horto do Fonseca, as bucólicas Barcas cruzando a baía ao lado de modernos Catamarãs, o Mirante da Boa Viagem, o Parque da Cidade e as Praias Oceânicas. Por outro lado, se o espaço urbano revela através de muitos registros as marcas de sua história, como a Capela de São Lourenço na antiga sesmaria de Araribóia, a Igrejinha de São Francisco, a Fortaleza de Santa Cruz e os grandes casarões como o Solar do Jambeiro, as marcas do presente são também fortes e expressivas. O MAC – Museu de Arte Contemporânea – debruçado sobre a Baía da Guanabara, num diálogo instigante com a Igrejinha da Boa Viagem do século XVII, o sofisticado comércio da rua Moreira César e os palpitantes Shoppings do Centro, atestam o vitalidade cultural e econômico-financeira da cidade. Assim, não há por que vincular Niterói a um discurso saudosista! Além dos seus valores específicos, Niterói sedia uma grande Universidade Federal, bem como renomados estabelecimentos particulares de ensino superior, e permanece como um espaço polarizador de toda a Região Norte, Centro-Norte e Noroeste do Estado. Isto tudo sem falar da Ponte Rio-Niterói que integra fisicamente as duas cidades! 4
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