Descartes: Contribuições à Educação Gilma Guimarães Descates é

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Descartes: Contribuições à Educação Gilma Guimarães Descates é
Descartes: Contribuições à Educação
Gilma Guimarães
Descates é considerado pela historiografia filosófica como um dos maiores pensadores
modernos. Foi ele quem lançou as bases da filosofia e da ciência modernas.
Discuto aqui algumas questões abordadas por Descartes que ainda hoje nos tocam. Em
face dos problemas e inquietações vividos por nós educadores do século XXI, o que Descartes
tem a nos dizer? Como analisar as concepções contemporâneas de educação, ainda presas às
idéias utilitaristas, mecanicistas e de reprodução do instituído, a partir das contribuições de
descartes? Na trilha sugerida por Granger1, interrogá-lo sobre a sua maneira peculiar de
colocar alguns de nosso problemas e de esclarecer talvez nossas próprias contradições.(1994).
A toda obra de cultura pode-se atribuir as origens dos problemas que se colocam como
desafios para o pensamento atual, assim como encontrar nela as fontes para a transformação e
criação de novas formas de pensar. Pois todo grande clássico do pensamento criou novas
formas de pensar a realidade de seu tempo, contribuindo para a constituição de uma nova
mentalidade social e é clássico porque continua sendo fonte de novas possibilidades de leitura
e compreensão da realidade de novos tempos. Como afirma Merleau-ponty, “a obra de
pensamento é como a obra de arte, pois nela há muito mais pensamento do que aqueles que
cada um de nós pode abarcar”. (Apud, Chauí,1994, p. 21 )
A obra de Descartes, enquanto um clássico do pensamento ocidental traz estas
contradições e possibilidades que podem contribuir para a elucidação, clareza,
problematização e ou superação de alguns de nossos problemas atuais. Pois, Descartes
edificou um sistema filosófico e o alcance da sua obra ainda encontra-se por ser explorado.
Descartes pode ser conhecido pelas implicações do sistema cartesiano. Uma dessas
implicações é a visão idealista da relação sujeito/objeto. Sujeito e objeto são componentes
autônomos, não é a relação que os constitui. O sujeito é sempre independente do objeto. Isto
porque para o autor existe uma separação entre a consciência e o mundo da materialidade,
considerados como substâncias independentes e autônomas, ou seja, a consciência é um
substância, uma res cogitans, independente do mundo dos objetos, da res extensa.2 Outra
implicação da concepção cartesiana que se apresenta problemática é a idéia de que o método
1
Introdução a Obras Escolhida de Descartes, que nos proporciona uma melhor compreensão das obras desse
filósofo.
2
Coelho, Ildeu M.A liberdade em Sartre (2003)
2
deve se impor no processo de investigação. Com essa idéia estabelece-se uma exterioridade
entre o sujeito e o objeto e entre o método e a verdade. E o saber não é algo a ser produzido,
mas um conjunto de regras a ser seguidas, e, é produto do controle, da razão metódica.
Mas estes são alguns dos aspectos do pensamento do filósofo. Descartes criou o
Cogito, e com ele iniciou a concepção de homem enquanto consciência; instituiu a dúvida
como método de busca da verdade; e, imprimiu a radicalização das formas racionais de
constituição do conhecimento. Com isso Descartes iniciou a construção de uma nova
mentalidade social. A reflexão que proponho aqui será feita a partir dos fundamentos da
filosofia de Descartes que fazem dele um revolucionário e contestador da ordem social e do
pensamento estabelecidos. Os aspectos do filósofo que serão lembrados aqui são do Descartes
revolucionário, inquieto, contestador e comprometido com o seu tempo, com a ciência e com
o pensamento de sua época. É com a ilustração desse espírito do filósofo que serão buscadas
as contribuições deste à educação.
Segundo Granger (1994) e Châtelet (1994) “Descartes é um homem do seu tempo” e
ocupou-se das ciências nos seus mais diversos ramos. Dedicou-se à medicina, à matemática, à
física e à astronomia. Foi principalmente um grande filósofo. Travou polêmica com os
intelectuais de sua época na busca de encontrar um fundamento que validasse o conhecimento
e foi acima de tudo um grande estudioso da filosofia antiga e medieval, das quais ele parte
para erigir seu sistema. Dedicou sua vida principalmente aos estudos da filosofia. Na
construção do seu sistema filosófico Descartes foi crítico e ousado demolindo com o
pensamento medieval, estabelecendo um novo modo de pensar o homem, a ciência, a cultura
e a realidade social de seu tempo. Enfim, inaugura uma nova forma de pensar, de interpretar e
mudar a realidade. Lançou as bases da modernidade.
René Descartes3 nasceu em 1596 na Fraca, em uma família de burgueses enobrecidos
pelo exercício dos ofícios. Estudou num dos melhores colégios instituídos pelos jesuítas, o
Colégio La Flèche, fundado em 1604, onde Descartes entrou em 1606. Morre em 1650, junto
a sua amiga, a rainha Cristina da Suécia.
Bem informado, faz curso de direito, aperfeiçoa-se na matemática e na física e por
fim resolve se dedicar à filosofia. Participa da revolução científica e busca revolucionar o
saber através da Filosofia. Faz simultaneamente, pesquisas metodológicas, estudos de física e
de filosofia.
3
Sua primeira obra, as Regras para a direção do espírito, suscita controvérsia entre os
estudiosos sobre a data em que foi redigida. Várias opiniões situam a sua redação entre 1623 e
1635. Obra incompleta que só foi publicada no século XVIII. Em 1637 publica o Discurso do
Método. O Discurso do método é a introdução que acompanha a publicação de três opúsculos
científicos: um de geometria, um de ótica e um de astronomia, em que trata dos meteoros. O
Discurso do método condensa os fundamentos do pensamento cartesiano, pois se volta para
explicar os caminhos por ele percorrido para a construção do seu sistema. Em 1641, escreve
em latim, as Meditações metafísicas, onde são estabelecidos os princípios que validam as
ciências; em várias passagens do texto Descartes se refere à metafísica como fundamento para
a Física. Publica em 1644 os Princípios da Filosofia e em 1649 o Tratado das paixões.
Duas questões são centrais em todas as obras do filósofo. A preocupação com a
elaboração de um método, sendo este concebido como o único caminho seguro para se chegar
à verdade; e a idéia de construir uma filosofia que fosse capaz de fundamentar a ciência.
Os autores, Châtelet (1994) e Japiassu (1994) vinculam a fundação do pensamento
moderno por Descartes a partir da sua busca pela construção de um sistema filosófico que
validasse a revolução científica de seu tempo.
Châtelet (1994) explica o surgimento do pensamento moderno a partir da revolução
científica realizada por Galileu e da administração dessa revolução, no plano filosófico,
empreendida por Descartes. “A grande revolução da física, começada no século XVI e
continuada no século XVII, corresponde à elaboração do sistema de Galileu e à administração
desse sistema por René Descartes”.(p. 51). Galileu afirma que a realidade sensível é sempre
inteligível desde que se façam as análises necessárias e que se aperfeiçoe o instrumento
matemático para que se possa, por abstração mental entender e explicar a realidade. Ou seja,
por mais por complicado que seja um objeto sensível, sempre é possível, por abstração
mental, por esforço de análise, reduzir essa forma complicada a uma forma inteligível. Galileu
defendeu o racionalismo matemático como base do pensamento científico.
Embora tenha nascido em 1564, Galileu é um homem de mentalidade moderna. Com sua luneta,
explora cientificamente os céus, desde há milênios, um domínio reservado aos astrólogos. Observado os
satélites girando em torno de Júpter, compreende que o mesmo ocorre com a lua, com a Terra e com o
Sol. Trata-se de uma revolução. Doravante, ficam banidas, do campo de investigação científica, as
simpatias e antipatias, as afinidades e as analogias sobre as quais se fundava a operação dos mágicos. A
pesquisa se submete inteiramente `a disciplina da Razão. Ficam proscritas, do domínio científico, a
3
As referencias sobre a biografia do autor foram retiradas, na sua maioria, das próprias obras citadas e ainda
com as contribuições da obra de Chatêlet.
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imaginação e a sensibilidade. O universo se apresenta sob a forma de um contínuo físico de extensão
indefinida, no sei do qual os fenômenos físicos se condicionam uns aos outros, em função de
necessidades puramente materiais e demonstráveis. Impõe-se, assim um novo tipo de ciência. (Japiassu,
1994, p. 49-50).
Galileu busca demonstrar que as idéias heliocêntricas de Copérnico estavam corretas.
Supera a concepção sublunar aristotélica afirmando que o mundo é uno, que todas as
realidades obedecem ao mesmo princípio. Por isso ele entra em choque com as autoridades da
Igreja Católica. Levado ao tribunal da Inquisição em 1633, é obrigado a renunciar à
concepção de mundo que desenvolvia e condenado à prisão domiciliar.
Châtelet (1994) afirma que Descartes teria sentido muito a condenação de Galileu e
procurou desenvolver uma filosofia que validasse a física deste.
O grande interesse de Descartes pelas ciências está expresso na sua obra Metafísica, na
qual ele diz que o seu objetivo é ver aprovada a sua física. Antes de publicá-la, divulga-a para
recolher as objeções e respondê-las. Sua intenção era convencer os doutores da Sorbonne de
que não havia motivos de preocupação com relação à fé em sua metafísica. Assim como
Galileu, Descartes também desenvolver uma física para a explicação do mundo, esclarece
Gerard Lebrun, em texto nota da obra de Descartes (1994) “A fim de facilitar a publicação de
sua física é que Descartes pede o imprimatur da Sorbone para a sua Metafísica [...] Em outros
termos: se aprovasse a Metafísica, a Sorbone desdizer-se-ia condenando a Física.” (Gérard
Lebrun, p. 112).
A grande preocupação com ciências, a busca por um fundamento filosófico que
assegurasse a verdade do conhecimento científico, levou Descartes a construir uma nova
indagação filosófica. Antes dele a pergunta que os filósofos faziam se dirigiam ao ser. O que é
o ser?
Como ele é?
Descartes pergunta: Que é o conhecimento? Com essa pergunta
Descartes opera um deslocamento decisivo na representação do real, faz a pergunta crucial da
natureza do sujeito cognoscente e da natureza do objeto conhecido. A partir de Descartes o
mais importante é o conhecer, é saber se o homem é capaz de conhecer a verdade. A questão
do conhecimento ganha relevância e é previa à metafísica. A questão do conhecimento precisa
ser resolvida para se chegar à metafísica. Isso, de acordo com Châtelet, equivale a validar o
trabalho de Galileu, a mostrar em que condições gerais o trabalho se torna inteligível. “O
novo objeto principal da filosofia será o sujeito cognoscente. Descartes havia centrado a
interrogação filosófica sobre o homem, considerado segundo a ordem da consciência, sendo
esta a medida e a forma do ser”. (Japiassu, 1994, p. 20).
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Descartes procurou estabelecer em que circunstâncias é possível o conhecimento
verdadeiro, confiável e aceitável. Sua obra está voltada para o conhecimento, sobre como o
homem pode chegar a conhecer a realidade, ou as coisas que são possíveis de serem
conhecidas. Para isto Descartes apresenta um método, um caminho seguro que leva à certeza
do conhecimento. O método corresponde ao caminho percorrido para se chegar à verdade, a
uma visão clara e distinta sobre a realidade. E o método é também a construção de seu sistema
filosófico. “A filosofia do sujeito pensante nasce no século XVII, com Descartes, é
desenvolvida por Kant e vai encontrar seu coroamento em Hegel”. (Japiassu, 1994, p. 35).
O que é verdadeiro é aquilo que passou pelo crivo da certeza, que é o sujeito. Para que
o sujeito chegue ao conhecimento são necessárias regras que orientem a razão. Descartes
elaborou um método pelo qual esse conhecimento pode ser alcançado. Esse método é
constituído e constituinte da dúvida. Lívio Teixeira ao expressar a importância da dúvida no
sistema filosófico de Descartes, diz que
A dúvida assinala o nascimento do espírito crítico e da crítica das possibilidades do espírito, que faz de
Descartes o primeiro dos modernos. Assim, surge também o espírito científico moderno,visto que o
sábio é aquele que sabe duvidar. Há enfim, a quebra do regime de heteronomia da Idade Média, que
pressupõe a existência de uma ciência que se impõe. Com Descartes, ao contrário, há um ato de vontade
à base da ciência, que proclama a autonomia do espírito e diz que tudo é incerto. (Apud, Marques, 1993,
p. 74-75).
Sobre este aspecto da autonomia do sujeito face à ciência ou ao conhecimento
cientifico e à grande contribuição de Descartes, a afirmação de Japiassu é bastante ilustrativa.
“Enfim liberado de toda a tutela, o homem se torna, se não o criador, pelo menos o mestre das
significações do universo. È a descoberta, iniciada pelo Cogito cartesiano, do sujeito
cognoscente autônomo, hoje chamado de sujeito epistêmico”. (Japiassu, 1994, p.19).
Contra o ceticismo, que representa a descrença no poder da razão, Descartes radicaliza
a dúvida, dá-lhe um sentido positivo, o sentido de fundamento seguro para atingir o
conhecimento verdadeiro.
Em suas Meditações, apresenta o caminho pelo qual constrói seu sistema através da
dúvida metódica.A dúvida como ponto de partida para a construção do método e da
metafísica, a dúvida posta em ação engendrada por uma decisão. Descartes decidiu não
confiar, tomar como verdadeiro, nada que já tivesse o enganado uma única vez. O processo
da dúvida inicia com a decisão de não confiar em nada que pudesse apresentar a menor
dúvida.
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[...], mas por desejar então ocupar-me sòmente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário
agir exatamente ao contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar
a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria algo em meu crédito, que fosse inteiramente
indubitável. (1994, p. 66).
A partir dessa decisão ele vai demonstrar a inconsistência das verdades sobre o saber
constituído, colocando em dúvida o que parecia certo e inquestionável. A dúvida metódica é
um criterioso e rigoroso método de investigação que vai colocando à prova a impossibilidade
de se confiar nas sensações, na imaginação, nos sonhos e, por fim, por meio da radicalização
da dúvida, é colocado em dúvida até as verdades mais simples que são as verdades
matemáticas.
A cadeia das razões apresentada por Descartes constitui-se na forma pela qual o
entendimento deve ser conduzido para chegar à verdade. Corresponde ao caminho para
superação da dúvida e, portanto de construção das certezas, ou seja, da possibilidade de
afirmar um conhecimento certo. Constitui também, pelo processo de radicalização da dúvida,
o caminho para se chegar a uma primeira certeza, o cogito, que funda a possibilidade de
outras certezas até chegar à prova da existência de Deus pela luz da razão. Pede ao leitor que
se quer entender o modo como ele chegou às verdades deve seguir a cadeia das razões. E não
se pode passar da primeira certeza para a terceira, sem passar pela segunda ordem das razões,
ou seja, ordem das certezas.
Essas longas cadeias de razões, tôdas simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para
chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam-me dado ocasião de imaginar que tôdas as coisas
possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira e que,
contanto que nos abstenhamos sòmente de aceitar por verdadeira qualquer que não o seja, e que
guardemos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver quaisquer tão
afastadas a que não se chegue por fim, nem tão ocultas que não se descubram. ( idem, p. 55).
A primeira reflexão que ele faz é sobre de onde provem nosso modo de pensar. Ao que
ele chega a evidência de que são das nossas sensações. Então começa a pesquisar sobre as
possibilidades de ser enganado pelas sensações. Na medida que as sensações são a base de
formação do conhecimento, Descartes decide começar sua investigação a partir destas. “[...]
dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas antigas opiniões
estavam apoiadas”. (Descartes, 1994, p.118). Convicto de que as concepções que formou da
realidade são incorretas e sendo este conhecimento adquirido pelas sensações decide que
nelas não pode confiar, nem em nada que apresente a menor dúvida. Como os sentidos
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muitas vezes nos enganam deve, pois , ser tomado sempre como enganador. Por meio dos
sentidos não se pode chegar a nenhuma certeza. “Tudo o que recebi, até presentemente, como
o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos: ora, experimentei
algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente
em quem já nos enganou uma vez”. (Idem, p.118).
Assim Descartes estabelece a dúvida sobre as sensações, mas não pode duvidar de
todas as percepções sensíveis. Nada o prova ainda. Só depois de enumerar e demonstrar o
quanto são enganosas as percepções internas, os sonhos, a imaginação, fica estabelecido o
segundo grau da dúvida, estendida, então, a todo conhecimento sensível. E se nada que vem
do conhecimento sensível é certo, não posso ter certeza de que existo. “Supondo, portanto,
que todas as coisas que vejo são falsas; persuado-me de que nada jamais existiu de todo
quanto minha memória referta de mentiras me representa; penso não possuir nenhum sentido;
creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas ficção do meu
espírito”.(Idem, p. 125).
Depois de colocar em dúvida todo conhecimento sensível, ele parte para verificar se
seriam realmente certas as verdades matemáticas. Pelo processo de radicalização da dúvida
até as verdades mais simples, como as verdades matemáticas, são colocadas em dúvida
mediante a hipótese da existência do Gênio Maligno.
Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua industria
em enganar-me sempre. Não há, pois dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me
engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte
que, após ter pensado nisto e ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir
cuidadosamente que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira, todas as vezes que
a enuncio ou que a concebo em meu espírito. (Idem, p. 125-126).
Com a radicalização da dúvida surge o cogito, eu sou, eu existo. O cogito surge como
uma verdade clara e distinta sobre a qual não há nenhuma dúvida, como uma intuição4. E com
o cogito a primeira certeza, sou uma coisa que pensa. Minha natureza é puro pensamento.
“Que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega,
que quer, que não quer, que imagina também e sente”. (Idem, p. 130). Esses modos não
pertencem à minha natureza (imaginar, sentir, querer), mas não podem ser postos em dúvida,
na medida que se beneficiam do cogito. Ao responder o que é uma pessoa que pensa,
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Descartes reintegra o que antes fora excluído da essência do ser, na medida que se beneficiam
da certeza do cogito. Com o cogito, a primeira certeza funda a possibilidade da garantia das
demais certezas. Como o próprio Descartes afirma, lembrando Arquimedes. “Arquimedes,
para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá-lo para outra parte, não pedia nada mais
exceto um ponto que fosse fixo e seguro. Assim terei o direito de conceber altas esperanças,
se for bastante feliz para encontrar sòmente uma coisa que seja certa e indubitável”.(1994, p.
124).
Ao sair da dúvida o indivíduo se afirma enquanto sujeito pensante consciente de seu
objeto de pensamento e de si mesmo, estando pronto para reconstituir parcialmente o objeto
de seu pensamento: a partir de uma “metafísica” baseada num pensamento intelectualmente
certo, pode-se “procurar a verdade das ciências”. (Japiassu, 1994, p. 35).
Contribuições de Descartes à Educação
Vivemos uma época em que ainda aparecem os questionamentos a respeito da
diversidade cultural, dos direitos humanos, da necessidade de superação dos preconceitos e
das relações de exploração e de dominação. A educação neste contexto é chamada a contribuir
na construção de uma nova mentalidade social, cultivando espíritos mais humanos. Nesta
perspectiva são submetidos à crítica a razão instrumental, tida como uma das causas do
processo de afirmação da formação técnica.
Contra a razão instrumental se colocam os educadores que trabalham com a concepção
de uma educação emancipadora, reflexiva, crítica e autônoma. Todas essas perspectivas de
educação envolvem a ação do sujeito autônomo e que está numa postura de busca. Se
tomarmos a educação nessas perspectivas, Descartes tem muito a nos dizer.
Descartes não escreveu sobre a educação, mas ao pensar sobre as possibilidades do
conhecimento, abordou muitas questões que ainda são desafios para os educadores. O
compromisso com a verdade, o sentido do saber, o passado como ponto de partida para pensar
a realidade, a reflexão sobre si mesmo como parte do processo do conhecimento, a reflexão
sobre os valores e os costumes, a relação entre o desejo, a vontade, as emoções e a razão são
questões fundamentais para a educação e foram abordadas por Descartes. Como superar o
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“Por intuição entendo, não a convicção flutuante fornecida pelos sentidos ou o juízo enganador de uma
imaginação de composições inadequadas, mas o conceito da mente pura e atenta tão fácil e distinto que nenhuma
dúvida nos fica acerca do que compreendemos”. Descates, René. Regras para a direção do espírito. 2002
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senso comum e alcançar o pensamento cientifico, como superar o que é apenas verossímil, ou
acaso e conduzir a razão como um ato de vontade foi o desígnio a que ele se propôs.
Na construção do seu pensamento, em especial nas obras Discurso do Método e
Meditações metafísica, Descartes apresenta várias condições que devem ser observadas para
se chegar à verdade, distinguindo o verdadeiro do falso. Dentre elas vou considerar a
recomendação que ele faz sobre a necessidade de evitar a precipitação, os preconceitos e a
prevenção; sobre a importância da ousadia e da dúvida como constituintes do processo de
aproximação da verdade; e sobre a imprescindível relação de busca e de consciência em que
deve se colocar o sujeito na ação de aprender e de construir algo de novo.
A primeira orientação de Descartes a nós educadores do século XXI talvez seja a
leitura da vida. Sempre se guiando pela razão, Descartes fez viagens a vários países com a
finalidade de aprender sobre os diversos modos de vida dos homens, e agir sem preconceito
em relação a estes. “É bom saber algo dos costumes de diversos povos, a fim de que
julguemos os nossos mais sãnamente e não pensemos que tudo quanto é contra os nossos
modos é ridículo e contrário à razão, como soem proceder os que nada viram.” (Descartes,
1994, p. 44) Devemos evitar sempre o preconceito e a precipitação, advertia Descartes. Assim
ele fazia tratando com muito cuidado todas as coisas, sem se deixar levar pelos costumes ou
pela tradição, constituídos sem o uso da razão, mas ao mesmo tempo tendo por estes muito
respeito.
No caminho da busca pela verdade o preconceito e a precipitação são barreiras que
devem ser superadas, pois “não posso dar meu juízo senão a coisas que me são
conhecidas”.(Idem, p.129). E porque a verdade não se encontra no plano do imediato, do
aparente e do sensível, mas no plano da essência, do universal e do inteligível.
Como, por exemplo, encontro em meu espírito duas idéias do sol inteiramente diversas: uma, toma sua
origem nos sentidos, (...), e pela qual o sol me parece extremamente pequeno; a outra é tomada nas
razões da astronomia, (...) e pela qual o sol me parece muitas vezes maior do que a terra inteira. Por
certo, essas duas idéias que concebo do sol não podem ser ambas semelhantes ao mesmo sol; e a razão
me faz crer que aquela que vem imediatamente de sua aparência é a que lhe é mais dessemelhante.
(Idem, p.142).
Portanto, conhecer implica numa postura radical em face da ordem estabelecida “de
modo que era necessário tentar seriamente uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as
opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se
quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências”(Idem, p. 117).
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Em vários momentos dos textos a questão do preconceito sempre retorna. Numa
época, como a nossa em que virou moda falar que é preciso aprender a conviver com a
diversidade, Descartes já apresentava esta questão e de modo bastante radical. “De sorte que a
luz natural nos mostre claramente que a conservação e a criação não diferem senão com
respeito à nossa maneira de pensar, e não em efeito”.(Idem, p. 154) Para ele a superação do
antigo se dá pelo profundo conhecimento deste, pela crítica e pela construção de novos
fundamentos para a compreensão da realidade. E ainda com esta citação pode-se entender que
o novo não se constitui numa realidade superior, pois, não difere da anterior em efeito, mas
apenas no nosso modo de pensar.
Há em Descartes um grande compromisso com a verdade. No momento histórico em
que vivemos em que tudo está sendo relativisado, particularizado banalizado em que
predomina o desencanto e a indiferença, é importante escutar Descartes, se deixar envolver
por seu otimismo, radicalidade e coragem, ele que, em plena inquisição, foi capaz de construir
e estabelecer uma nova concepção sobre Deus e o mundo e, com cuidado e critério, pensar
todas coisas. Nutrindo um grande respeito às tradições e aos valores estabelecidos, mas ao
mesmo tempo com um forte sentido critico, ele demole e reconstrói o edifício social.
Não deixava, todavia, de estimar os exercícios com os quais se ocupavam nas escolas. Sabia que as
líguas que nelas se aprendem são necessárias ao entendimento dos livros antigos; que a gentileza das
fábulas desperta o espírito; que as ações memoráveis das histórias o alevantam, e que, sendo lidas com
discrição, ajudam a formar o juízo; que a leitura de todos os bons livros é qual uma conversação com as
pessoas mais qualificadas dos séculos passados, que foram seus autores, e até uma conversação
premeditada, na qual eles nos revelam tão-sòmente os melhores de seus pensamentos; que a eloqüência
tem fôrças e belezas incomparáveis; que as matemáticas têm invenções muito sutis, e que podem servir
muito, tanto para contentar os curiosos, quanto para facilitar todas as artes e diminuir o trabalho dos
homens; que os escritos que tratam dos costumes contêm muitos ensinamentos e muitas exortações à
virtude que são muito úteis; que a Teologia ensina a ganhar o céu; que a Filosofia dá meio de falar com
verossimilhança de todas as coisas e de se fazer admirar pelo menos eruditos; que a Jurisprudência, e a
Medicina e as outras ciências trazem honras e riquezas àqueles que as cultivam; e, enfim, que é bom têlas examinado a tôdas, mesmo as mais supersticiosas e as mais falsas, a fim de conhecer-lhes o justo
valor e evitar ser por elas enganado. (Descartes, 1994, p. 44).
Descartes faz uma crítica à escolástica e a toda a filosofia anterior, mas nestas
passagens é importante entendermos como situa a finalidade de cada estudo. Aqui ele faz uma
ironia com o passado, afinal foi contra a escolástica que Descartes construiu seu sistema
filosófico e, expressa a dúvida sobre a validade do conhecimento, porque também este é o
ponto de partida da sua filosofia; mas para além desses dois aspectos, essas passagens
expressam uma compreensão do saber, e uma relação com o conhecimento que pressupõe um
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sentido ético e estético, do necessário, do belo, do prazer e também um sentido da crítica e da
dúvida, que devem constituir o conhecimento.
O texto citado acima deixa antever, por um lado, a idéia da necessidade do
conhecimento do passado, a dimensão estética do saber e o sentido de fruição proporcionado
pelo saber, sem o desprezo por uma outra dimensão do conhecimento, que é o de facilitar a
vida do homem. E por outro, faz uma crítica ao saber puramente interessado na honra, na
riqueza ou na vaidade.
Para Descartes, os estudos devem servir à felicidade do individuo, à saúde e ao cultivo
do espírito, para isso deve orientar-se pela busca da verdade. O aprender faz-se necessário ao
homem para que este possa agir na sociedade, sem preconceitos e sem cometer injustiças. “A
finalidade dos estudos deve ser a orientação do espírito para emitir juízos sólidos e
verdadeiros sobre o que se lhe depara”.
A perspectiva de Descartes coloca para nós professores uma reflexão sobre o sentido
do saber. O saber para ele deve orientar-se para a vida, pelo desejo e a busca da verdade. Não
se trata de uma utilidade para o mercado, ou para uma obter uma profissão. O controle é
somente do sujeito que se coloca na busca, não é externo nem é comandado por outro, mas
unicamente pela razão, pelo entendimento da mente pura e atenta, não devendo ser regido por
ninguém externo ao próprio sujeito.
Ainda que Descartes preconize o método como direção e ponto de partida para o
conhecimento, trata-se de um método prescrito pelo sujeito que realiza a busca pelo saber.
“Cultivei um certo método para resolver toda a sorte de dificuldade nas ciências”. O sentido
do aprender está associado à felicidade do individuo, que se efetiva quanto mais
racionalmente este trilhe seu caminho, ou seja, na medida que ele se guie pela luz da razão. “E
eu sempre tive um imenso desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro
nas minhas ações e caminhar com segurança nesta vida”.(Descartes, 1994, p.47).
Orientar-se pela razão é inseparável da constituição dos meios que asseguram essa
possibilidade. Descartes desenvolve um método e se sente bastante satisfeito por ter
conseguido grande progresso no conhecimento da verdade. Mas não propõe que todos devam
seguir o seu método. “Assim o meu desígnio não é ensinar aqui o método que cada qual deve
seguir para bem conduzir sua razão, mas apenas mostrar de que maneira me esforcei por
conduzir a minha”. (Idem, p. 42).
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Aos educadores de hoje, tão afeitos a oferecer meios de solução de problemas e a dar
modelos de como ensinar, Descartes sugere outro caminho pois, seu desígnio é apenas
mostrar de que maneira se esforçou por conduzir sua razão e não ensinar o método que cada
um deve seguir.
Outra grande contribuição do autor é a relação que estabelece entre senso comum e
saber científico. Ele situa o trabalho intelectual como a atividade que institui o saber
científico. E o trabalho intelectual exige rigor, dedicação e coragem para superar o que é
apenas aparência e chegar a essência do objeto. É constituído pela negação do que está posto e
pela criação de algo ainda não existente. O trabalho intelectual é, portanto, por natureza uma
ação contestadora e criativa, e requer para sua realização liberdade e autonomia.
Mas esse designio é árduo e trabalhoso e certa preguiça arrasta-me insensìvelmente para o ritmo da vida
ordinária. E, assim como um escravo que gozava de uma liberdade imaginária, quando começa a
suspeitar de que sua liberdade é apenas um sonho, teme ser despertado e conspira com essas ilusões
agradáveis para ser mais longamente enganado, assim eu reincido insensìvelmente por mim mesmo em
minhas antigas opiniões e evito despertar dessa sonolência, de mêdo de que as vigílias laboriosas que se
sucederiam à tranqüilidade de tal repouso, em vez de me propiciarem alguma luz ou alguma clareza no
conhecimento da verdade, não fossem suficientes para esclarecer as trevas das dificuldades que acabam
de ser agitadas. (Descartes, 1994, p. 123).
Aqui Descartes assina a necessidade de romper com o comodismo e com as ilusões
para enfrentar o laborioso trabalho que é a busca da verdade, a compreensão da realidade na
sua concreticidade, contraditória, complexa e de múltiplas determinações, como afirma Marx.
Com este texto podemos afirmar que o trabalho intelectual encontra-se no plano do mais alto
grau de dificuldade e, para realizá-lo, é preciso possuir o desejo de aprender, a autonomia de
pensamento e assumir uma perspectiva de busca e criação. Pensar a educação a partir dessa
perspectiva aponta para a necessidade de recuperar o que é constitutivo do trabalho do
professor que é a dimensão intelectual, inseparável também, da dimensão contestatória.
A Meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de tantas dúvidas que doravante não está em meu
poder alcançar esquece-las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia resolve-las; e, como se de
súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal modo surpreso que não posso nem firmar
meus és no fundo, nem nadar para me manter à tona. Esforçar-me-ei, não obstante, e seguirei
novamente a mesma via que trilhei ontem, afastando-me de tudo em que poderia imaginar a menor
dúvida, da mesma maneira como se eu soubesse que isto fôsse absolutamente falso, e continuarei
sempre nesse caminho até que tenha encontrado algo de certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for
possível, até que tenha aprendido certamente que não há nada no mundo de certo. ( Descartes, 1994, P.
124)
13
O que é constitutivo da natureza do homem é a razão. E o aspecto da reflexão sobre si
mesmo se impõe no pensamento de Descartes. “O bom senso é a coisa melhor partilhada, pois
cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar
em qualquer outra coisa, não costumam desejar tê-lo mais do que o têm”.(p. 41). Ele chama a
atenção para o quanto podemos nos enganar sobre nos mesmos. E que a consciência sobre nós
mesmos é um dos aprendizados mais difíceis.
Ao pensarmos a educação hoje, encontramos inúmeros exemplos, dentre nós
professores, do quanto nos conduzimos levados pela ilusão, presos ao fetichismo do mercado,
à autoridade (Capes, SAEB, ENEM) e aos conceitos de quantidade, de gestão e de controle do
processo.
Na crença de desenvolver uma práxis, muitas vezes estamos no mais completo engano.
Reproduzindo esquemas pré-concebidos, ditando regras e modos de agir, acreditamos
transformar a realidade, com uma práxis emancipadora, mas o que ocorre é a afirmação da
perspectiva que consiste justamente na confirmação da ordem estabelecida. O trabalho do
professor só se encontra no plano da práxis se se desenvolver como um trabalho autônomo.
Pois, é inerente ao trabalho intelectual a autonomia. E a escola, em qualquer etapa do
processo, tem que ter um sentido nela mesma. A escola não pode estar submetida a nenhum
controle externo sem perder sua característica essencial, que é a criação e que se constitui na
ação e não no resultado. Aqui, vale lembrar que em Descarte a crítica à tradição é a recusa da
autoridade do saber passado.
Chauí, ao falar sobre a perda da autonomia da universidade, que carrega consigo o fim
do trabalho intelectual, afirma que sem autonomia não existe práxis. Ela denomina a atual
universidade pública de universidade operacional.
Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a
universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e,
portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos. Definida e estruturada por
normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em
microorganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao
trabalho intelectual. A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de
horas-aula, a diminuição do tempo para mestrado e doutorados, a avaliação pela quantidade de
publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios etc. Virada para seu
próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso
mesmo não age. Não surpreende, então, que esse operar co-opere para sua contínua desmoralização
pública e degradação externa. (1999, p. 220- 221).
14
A autora alerta para a irracionalidade da universidade operacional que se constitui ela
mesma em um mecanismo de sua destruição. Ao abrir mão da condição de produtora do
conhecimento, da liberdade do exercício de pensamento e da autonomia científica, intelectual
e administrativa a universidade perde sua capacidade de ação. A docência fica reduzida à
transmissão e ao adestramento, perdendo sua marca essencial que é a formação. E a docência
na perspectiva de formação refere-se a um trabalho intelectual.
Para indicar a docência como um trabalho de crítica, Chauí resgata o conceito de
trabalho intelectual estabelecendo uma indissociabilidade entre trabalho intelectual,
universidade e autonomia. A universidade instituída para a produção do conhecimento se
legitima através do trabalho intelectual. E trabalho intelectual, no âmbito de uma
universidade, corresponde a atividades de reflexão, criação, crítica e formação, inseparáveis,
portanto, da autonomia e relações democráticas para serem efetivadas.
O sentido que a autora atribui ao trabalho é o de práxis.5 Nesta perspectiva, o trabalho
intelectual possui como correlato o trabalho manual, ambos são práxis, objetivam criar e
transformar, são ações conscientes dos homens, o oposto, portanto, de operar. Operar é
atividade mecânica. Só há ação na autonomia, condição e fim último da ação. O seu contrário
é a operação.
Uma reflexão sobre o tempo para a realização do trabalho intelectual pode ser feita a
partir de Descartes. Para ele o trabalho intelectual só é possível com liberdade e, por tratar-se
de um trabalho de reflexão, demanda tempo e tranqüilidade. Manifesta-se contra aqueles que
pensavam que podiam dominar num só dia aquilo que ele tinha demorado doze anos a pensar.
“As maiores almas são capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os
que só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem o caminho reto, do
que aquêles que correm e dêle se distanciam”. ( Descartes, 1994, p. 41).
Recuperar a dimensão de trabalho intelectual na atuação do professor hoje implica na
superação da concepção arraigada de que educação se faz com controle. Não faz sentido criar
inúmeros mecanismos de controle do processo de ensino/aprendizagem, pois é da natureza da
5
A expressão práxis refere-se, em geral, a ação, a atividade, e no sentido que lhe atribui Marx, à atividade livre
universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu
mundo humano, que torna basicamente diferente de todos os outros seres. Bottomore, Tom. Dicionário do
pensamento marxista.
15
educação a não previsibilidade. E situar a ação do professor no campo da práxis é recuperar a
temporalidade do trabalho intelectual.
Uma última contribuição de Descarte é a fidelidade que ele mantém aos seus
princípios. Mantém-se fiel ao que ele acredita. Afirma a existência de Deus sem submeter a
verdade científica e filosófica à autoridade teológica.
Vou finalizar com uma citação de Granger, na qual ele nos indica o modo como
devemos ler Descartes.
É preciso, pois, em primeiro lugar, ler Descartes, levando a sério o encadeamento de suas razões,
acompanhando seus passos, como êle quis que se fizesse. E esta conversação com um grande espírito de
outro século, mesmo quando suscita em nós espantos e reticências, é sem dúvida o primeiro e principal
exercício em que consiste as Humanidades. (1994, p.10).
Referencias Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2001.
CHÂTELET, François. Uma história da razão. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994.
CHAUÍ, Marilena. A universidade em ruínas.In: Trindade, Helgio (organizador) Universidade
em ruínas: na república dos professores. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
_______. Os trabalhos da memória.In: BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de
velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
COELHO, Ildeu Moreira. A liberdade em Sartre. In: Peixoto, Adão José (organizador)
Concepções sobre fenomenologia. Goiânia, Editora UFG, 2003.
DESCARTES, René. Obras escolhidas. Introdução Gilles-Gaston Granger. 3o. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
______. Regras para a direção do espírito. Edições 70, 2002.
JAPIASSU, Hilton. Introdução às Ciências Humanas. São Paulo, editora Letras& Letras,
1994.
MARQUES, Jordino. Descartes e sua concepção de homem. São Paulo: Edições Loyola,
1993.

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