Investigações Sobre a Expressão Cultural no Desenho
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Investigações Sobre a Expressão Cultural no Desenho
EDUCAÇÃO INFANTIL E GÊNERO: INVESTIGAÇÕES SOBRE A EXPRESSÃO CULTURAL NO DESENHO Andressa Rezende Boel1 Elsieni Coelho da Silva Comunicação – Relato de pesquisa RESUMO Neste trabalho investiga-se as influências culturais na produção gráfica dos alunos na educação infantil. Em trabalhos de campo foram observados o comportamento durante as aulas e a produção de desenhos por crianças entre três e cinco anos de uma escola municipal localizada na cidade de Uberlândia. Durante as brincadeiras de “faz de conta” das crianças, percebe-se que elas tentam se comportar como adultos e com isso reproduzem preconceitos de variados tipos. Nos desenhos produzidos pelas crianças notam-se marcas de valores de gênero, adquiridos provavelmente por estarem imersos na cultura adulta, apesar de que em alguns casos veem-se marcas de cultura infantil inocente e sem o pudor adulto. Estudos defendem que as meninas em sua maioria utilizam e gostam mais da cor rosa em seus desenhos, apresentam quase sempre a mesma forma de estruturá-los e representam normalmente o espaço residencial ou próximo de casa, enquanto os meninos não utilizam tanto o rosa e predominam no uso de cores frias, variam em sua forma de estruturar o desenho e utilizam temas como futebol, espaços afastados de casa, aventuras, entre outros. Foi possível perceber no trabalho de campo a predileção masculina pelas brincadeiras com armas e guerra enquanto meninas preferem brincar de casinha e simular a maternidade. Palavras-chave: educação infantil, gênero, desenho. Introdução Essa pesquisa tem como objeto de estudo observações feitas durante aulas de artes em turmas de educação infantil, as observações se deram em uma escola municipal localizada na cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Foram estudadas seis turmas com alunos de três anos, três turmas com alunos de quatro anos e três turmas com alunos de cinco anos. Os escritos de Ivone Richter (2002) apontam sua preocupação em multiculturalizar o ensino e promover a integração entre o indivíduo, independente de suas diferenças culturais e sociais, suas deficiências e seu gênero. Apesar de não despertar tanto interesse dos PCN’s, o gênero é de fundamental importância. Afinal, os padrões estéticos de arte das crianças são ensinados pelos pais, assim, se tornam importantes as relações familiares e atividades desenvolvidas por eles. Durante observações das aulas de artes na escola infantil foram feitos estudos dos comportamentos de alunos com relação ao gênero, tomando como foco principal a ação tida como natural e incoerente no que diz respeito à cultura, e a ação que é fruto de uma cultura internalizada na criança. A partir de estudos e revisões de pesquisas feitas anteriormente por 1 Graduanda em Artes Visuais pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]. especialistas foi possível uma “conversa” entre o que essas autoras, como Montagna (2001) e Gobbi (1999), percebiam e o que foi observado nessa experiência. Formação cultural das crianças Segundo Borges e Salomão (2003), antes mesmo de aprender a falar, a criança escuta as conversas de adultos e absorvem valores, crenças e regras da cultura vigente. Com o passar do tempo, a criança vai desenvolvendo seu aparato sensorial, responsável por possibilitar o desenvolvimento da compreensão da linguagem e elevar o entendimento cognitivo. Quando a criança inicia sua vida escolar, esse desenvolvimento possibilita um superávit no campo da socialização permitindo melhor interação com os colegas. Quando estão reunidas, as crianças tendem normalmente a interagir entre si e a criar brincadeiras de “faz de conta”. De acordo com os estudos de Finco (2004), tanto os meninos quanto as meninas, quando em grupo, mantém seu comportamento livre dos padrões préestabelecidos, utilizando os brinquedos e criando formas de brincar diferentes das impostas pela sociedade. Finco (2004) ressalta que os brinquedos possuem em sua construção estética elementos culturais, são portadores de significados na cultura em que essas crianças participam, a todo momento, significando e ressignificanado o propósito explicitado no brinquedo. Consoante Queiroz, Maciel e Branco (2006), a partir das frequentes e diárias interações entre os colegas, a criança vai formando sua subjetividade. Valsiner (1989) acrescenta que o mundo adulto, dependendo de seus valores culturais, oferece à criança uma variedade de sugestões e modos de interação semioticamente marcados pelos modelos sexuais, muitas vezes estereotipados como masculino, feminino ou indiferenciado. Esta é uma das sugestões sociais que levam a criança a brincadeiras marcadas pelo gênero, de acordo com a cultura coletiva, o que freqüentemente ocorre naqueles em que o menino só pode brincar de carrinho, e menina, de casinha de boneca. As famílias canalizam as ações, as percepções e representações da criança na direção de assumir um papel social provado de acordo com suas crenças e valores (apud QUEIROZ, MACIEL e BRANCO, 2006, p. 6). Recebendo essas informações do mundo adulto, ou sociedade em geral, e formando sua subjetividade, o pequeno artista desenvolve sua produção gráfica e reproduz o pensamento coletivo. O ambiente em que o indivíduo está imerso o influencia fazendo com que, de acordo com Gombrich (1986 apud SILVA, 1998, p.2), a arte não seja somente “a expressão de uma visão pessoal”, mas uma associação ou interpretação entre o pensamento da criança-artista e do contexto em que está inserida. Nos estudos de Branco e Mettel (1995, apud DIAS e ALMEIDA, 2009) é destacado o desenvolvimento das crianças pela interação entre elas. Trabalhar em grupo pode superar o egocentrismo, desenvolver comportamento pró-sociais, tem oportunidade de conflito sóciocognitivo, capacidade de empatia, variar em seu padrão de comportamento, atitudes e valores, julgamento moral e auto-conceito. As aulas de artes observadas foram ministradas, em grande parte, em ambientes abertos, seja em quiosque com os alunos agrupados em mesas, seja no exterior da sala riscando a parede negra com giz; a interação possibilita grande troca de informações entre si. Além disso, os alunos têm que se acostumar com a divisão dos materiais, pois se trata de uma escola municipal e os materiais são doados e divididos, tendo os alunos que negociar o uso de suas cores preferidas. O agrupamento das crianças mesmo sendo para trabalho sempre é motivo para agitação e conversa, ou seja, interação social. Conforme Montagna (2001), quando socializadas, trabalhando o desenho, as crianças fazem exercícios de treino simbólico, superando a dificuldade de conseguir desenhar algo que seja identificado pelo outro, para isso ela deverá desenvolver sua coordenação motora e sua percepção visual, passando por exercícios cada vez mais rigorosos, com cores e proporções mais próximas do real ou da simbologia usada por adultos. De acordo com os estudos de Finco (2004), ainda antes de sofrer a influência adulta, as crianças brincam em grupo livremente, não se importando com que tipo de brinquedo e sem constrangimento. Os meninos brincam de cuidar da casa, cozinhar, passar roupa, cuidar dos filhos e outras funções que são vistas como função de mulheres, assim como as meninas brincam com carrinhos, navios de guerra e naves espaciais. As crianças não possuem práticas sexistas, mas com a imersão cultural aprendem com o adulto: a posição e a hierarquia dos sexos. A autora diz ainda que a cultura das crianças não é totalmente marcada pelo sexismo, mas, com o crescimento e a assimilação da cultura adulta, adquirem os estereótipos dos papéis sexuais, comportamentos pré-determinados, preconceitos e discriminações. Foi observado nas aulas que as crianças já absorviam comportamentos adultos: as meninas seguiam as “regras” de como elas devem se portar em relação aos meninos e viceversa. Esse contato diferenciado entre os alunos influenciava frequentemente as temáticas desenhadas e as brincadeiras entre o grupo. A censura das posturas adversas fazem com que as crianças as encarem como erradas ou desvios de comportamento. Vigotsky (1988, apud SILVA, 1998) argumenta que as funções psicológicas superiores são edificadas nas relações entre os humanos e que muitas vezes a cultura se mistura ao que chamamos de biológico nos atos. A introdução do signo, muito presente em nossa cultura, faz com que a criança no início possa não compreender seu significado, quando ainda está em nível interpsíquico, mas quando o apreende passa a usá-lo intrapsiquicamente. Os signos e valores da cultura de gênero aprendidos por imersão ou imposição fazem com que a criança fortaleça os conceitos estereotipados de masculinos e femininos. Posteriormente isso poderá determinar as condutas das crianças fora da escola. Marcas dos valores adultos nos desenhos infantis Segundo Mèredieu (1997), os desenhos produzidos pelas crianças antes de entrar na idade pré-escolar são mais autênticos, pois ainda não foram influenciadas pelos professores e a escola não impôs ao aluno o comum repertório de signos. A partir dos desenhos produzidos pelas crianças é possível descobrir muito de sua realidade vivida, pois os traços e representações refletem as influências sofridas da vivência com os adultos, em questões de respeito ao gênero, etnia, variadas deficiências, classes etc. Os desenhos feitos pelas crianças revelam parte dos elementos culturais adultos, que são absorvidos pela cultura do “mundo” infantil e que também poderão fundamentar a formação dos seus próprios valores no futuro. Além da relação familiar, os brinquedos e livros, o meio como um todo conspira por moldar a postura das crianças e criar nelas o que a sociedade precisa ou que elas precisam para se inserir no meio social. Produzindo desenhos com esse conteúdo, as crianças contribuem para a formação de sua cultura reafirmando esses conceitos, absorvendo-os e os recriando, sendo assim agentes de disseminação entre sua família e colegas. Atentando-nos à estrutura gráfica para a produção de desenhos normalmente escolhida por meninas e por meninos, podemos perceber a preocupação deles e delas, as influências sociais recebidas por elas e eles, o que os levou a pensar e retratar dessa forma sua realidade no desenho e o lugar em que se veem, sendo do sexo masculino e feminino. ... desenhar a casa é também desenhar a família. Uma parte privilegiada nos desenhos das crianças - meninas e meninos - foi a cozinha. A presença feminina ocupa este lugar na maior parte dos desenhos. Ao contrário da constatação de Bellotti, para quem apenas meninas desenhavam a mãe e os afazeres domésticos, o que pude perceber é que atualmente tanto meninos como meninas os retratam (GOBBI, 1999, p.10). Tomando como base estudos feitos em Pirituba, por Gobbi (1999), e na Itália, por Belotti (1975, apud GOBBI, 1999), observa-se que o pai está desenvolvendo alguma atividade de trabalho ou ação, tanto em casa quanto fora de casa, e a mãe, normalmente, está tratando de seus afazeres domésticos. A diferença é que nos desenhos estudados por Belotti os meninos desenham homens e as meninas desenham mulheres, já nos estudados por Gobbi isso não é regra. Na dissertação de Montagna (2001), onde estuda o desenho infantil baseado na diferenciação dos gêneros, em geral, as meninas se preocupam em representar um cenário que está de acordo com sua vivência. Nesses desenhos, era representado uma “linha de base” ou “linha terra”, onde estão fichados arbustos, árvores, de acordo com o cenário. Acima dessa linha são desenhados os elementos do “ar”, por exemplo, borboletas e pássaros. Na parte superior são representados elementos do “céu”, nesse caso, sol, lua, arco-íris. Na maioria das vezes todos os desenhos estão representados lado-a-lado na “linha de base” e voltados para frente, encarando o observador. A cena representada marca um instante de toda a ação que o personagem desenhado percorreu. Esse tipo de desenho é chamado de “narrativa simbólica”. De acordo com as pesquisas, a figura feminina é representada comumente por cílios longos, boca com batom vermelho ou rosa, longos fios de cabelo saindo da cabeça, saia, vestido e laços rosa. Quando representam uma pessoa mais velha, como a mãe, as roupas podem se tornar mais sérias, como uma blusa de mangas, saia comprida e menos enfeites, laços ou maquiagem. O espaço representado comumente é o doméstico ou as proximidades da residência. As cenas são frontais e estáticas. Os desenhos possuem grande quantidade de detalhes decorativos e colorísticos, predominando cores variadas, quentes e vibrantes. De acordo com Montagna (2001), o desenho dos meninos na maioria das vezes tem começo em um elemento central, seja ele um personagem principal ou uma linha de divisão da folha, podendo esta ser o meio de um campo de futebol com personagens distribuídos. Enquanto o campo é visto de cima, os jogadores estão de frente para o espectador com o corpo inteiro a mostra, esse recurso é chamado de “visão simultânea”. Às vezes, pode estar presente a “narrativa sucessiva”, em que é representada a trajetória percorrida por um personagem ou um objeto. A figura masculina geralmente é composta por formas geométricas com uma circunferência para a cabeça, sem cabelos, os olhos feitos com pontos e boca com linha, braços musculosos (muitas vezes essa representação é feita deles mesmos e a fisionomia não corresponde ao real) e calças largas. Pode ser observada a influência dos desenhos televisivos. Nas observações de campo foram também encontradas ilustrações que nos remetem ao mundo dos desenhos animados, como por exemplo, um personagem, criado por um aluno, o qual saia fumaça de sua nuca. Existem também desenhos de meninos que representam o espaço muito semelhante aos espaços femininos, com a “linha de base”, porém, na maioria das vezes, os meninos se desenham em espaços distantes de casa, sozinhos ou acompanhados pelos pais. Esses desenhos, provavelmente, são frutos da convivência e passeios com seus pais, e a observação dos cenários e objetos diferenciados que ajudam na criação ilustrativa diversificada. As cores são predominantemente frias, mas isso não impede que algum aluno use o rosa. Apesar de ser ensinado que o rosa é uma cor exclusivamente feminina, alguns meninos que ainda desconhecem essas “leis” a utilizam. Segundo Belotti (1979, apud MONTAGNA, 2001), as diferenças entre os meninos e meninas na fase inicial são muito pequenas. Durante as observações do presente trabalho foi possível observar semelhanças dos atuais alunos com as crianças estudadas por Belotti (1979, apud MONTAGNA, 2001): meninas, principalmente, têm por cultura adquirida em casa, predileção por uma cor específica, o rosa. Alguns meninos aprendem que o rosa é uma cor feminina, mas outros que não possuem esse “conhecimento” e por simples disputa também querem concorrer pelo uso da cor, isso, quando é possível escolher a cor. Provando que sem a influência adulta a cor não tem significado e que meninos ou meninas fazem uso indiferente. Ainda com as informações coletadas nos estudos de campo, observa-se que os meninos preferem usar brinquedos como armas e brincar de guerra e ação, enquanto as meninas preferem brincar de casinha e simular a maternidade. Durante as observações dos desenhos percebeu-se a grande influência que a criança sofre do meio e a traz para seus desenhos, era frequente ver ilustrações referentes a músicas aprendidas na escola, e também a tentativa de desenhar letras sem antes ter aprendido o alfabeto. O que as crianças vivem em suas casas também entram no universo do desenho. As relações entre os membros da família, por exemplo, a doença paterna pode ser inserida no cenário dos contos de fadas, músicas e objetos de uso do aluno. Durante os estudos de campo, dentre as representações da família, uma menina desenhou seu pai nu, isso é um fato que confirma a teoria de Gobbi (1999) que as meninas não se restringem a desenhar só mulheres e também ratifica que as crianças possuem sua própria cultura e pelo menos na fase inicial de suas vidas negam o pudor adulto. Considerações finais Por meio desses estudos e observações de campo foi possível concluir que as crianças não nascem com pensamentos sexistas, mas a partir do seu crescimento e convívio social os adquire e, até mesmo antes de falar, internalizam opiniões, que apesar de talvez não pensar antes a respeito delas, as têm internalizadas em sua mente e as reproduz em seu discurso. Muitas vezes essa cultura é transmitida pelas próprias mães, que teoricamente tem como função educar e cuidar das crianças em casa. A confirmação é dada pela postura dos pais, sendo crucial para fortificar o que os filhos aprendem da cultura patriarcal. Dentro de casa, contribuem também para a formação cultural sexista os objetos pessoais de uso cotidiano, vestimentas, brinquedos e até mesmo livros. Mais tarde, quando a criança começa a frequentar a escola, dependendo da prática educativa, esse aprendizado pode ter continuidade. Nas aulas de artes, o desenho é responsável por variados tipos de interação entre os alunos, sendo no empréstimo de materiais, tentativa de desenvolver um traço que o colega compreenda, discussões temáticas, reinterpretação do próprio desenho a partir da opinião do colega, e, por isso, pode ser visto como facilitador do desenvolvimento do educando. Com as pesquisas de campo, conclui-se que além de influenciar nas vestimentas, no uso de cores, nos tipos de ficções das brincadeiras, a cultura em que estamos imersos é responsável também por incutir as crianças na criação dos desenhos, sendo na ação e caracterização dos personagens, temas escolhidos, dentre outros, mas também há momentos em que a criança se desliga dessa cultura e, neste caso, não há “regras” em seu desenho. Bibliografia BORGES, L. C.; SALOMÃO, N. M. R. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicol. Reflex. Crit. 2003, vol.16, n.2, p. 327-336. Disponível em: <http://www.scielo.br>. 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