a leitura de imagens escolares na escola santa teresinha do menino

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a leitura de imagens escolares na escola santa teresinha do menino
A LEITURA DE IMAGENS ESCOLARES NA ESCOLA SANTA
TERESINHA DO MENINO JESUS
STORTI, Wanessa Margotti Ramos
Eixo Temático: História da Educação
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Esse estudo compreende a leitura de fotografias escolares referentes à Escola Santa Teresinha
do Menino Jesus, na cidade de Curitiba, no período das décadas de 1960 a 1970. A
delimitação do tempo corresponde às duas décadas seguintes de fundação da instituição de
ensino, no qual já apresenta a adaptação das irmãs clelianas na cidade paranaense. Com base
em um acervo de cinco álbuns catalogados e arquivados na escola, contendo classes de
alunas, atividades escolar, o que acabou por construir a história da mesma. As imagens
fotográficas são capazes de revelar a cultura escolar de uma instituição, evidenciando sua
rotina e a maneira pela qual enxerga o processo educacional, além de deixar transparecer seus
valores e crenças. Para isso, foi necessário entender o processo de instalação da instituição de
ensino construída pela congregação italiana feminina católica das Apóstolas do Sagrado
Coração de Jesus. As irmãs missionárias chegaram a Curitiba no início do século XIX, com a
função de divulgar a fé de sua fundadora, Madre Clélia Merloni. Na cidade, fundaram
instituições de caridade e algumas escolas, mantendo uma estreita relação com a colônia de
imigrantes italianos que encontraram. O texto destaca a relevância do uso de imagens para o
estudo da História da Educação, sendo uma forma de compreender a trajetória do ensino
católico na capital paranaense. A fotografia é uma mensagem significativa que se processa
através do tempo, dialogando com os elementos da cultura material que a produz. As imagens
contam histórias, atualizam memórias, inventam vivências e imaginam a história.
Palavras-chave: Escola Santa Teresinha do Menino Jesus, fotografias escolares, História da
Educação, instituições religiosas.
Introdução
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Alunas da Escola Santa Teresinha do Menino Jesus, no pátio da instituição, 1966.
FONTE: Escola Santa Teresinha do Menino Jesus.
Desde o início da colonização, houve a influência das instituições religiosas em
diversos setores da vida brasileira. Logo após a proclamação da República, estabeleceram-se
na diocese de São Paulo várias congregações femininas. Duas congregações femininas foram
de origem italiana, a “Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeu” e a
“Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus”, sendo os desdobramentos educacionais desta o
objeto de estudo.
O Brasil se apresentava como um terreno bem preparado para receber a divulgação e a
devoção à fé católica (WERNET, 1999). Isso se efetuou com a vinda das Apóstolas do
Sagrado Coração de Jesus, fundadas por Madre Clélia Merloni, em 1894, que se estabeleceu
no Brasil a partir do ano de 1900.
Clélia Merloni: um chamado, uma resposta
Clélia Merloni nasceu no dia 10 de março de 1861, na cidade de Forli, centro-norte da
Itália. Em um misterioso sonho, viu um crucifixo de tamanho natural com Cristo a olhando
com severidade. Jesus disse-lhe: “Vem, espero-te”. Em 1888, Clélia iniciou em Gênova, um
pequeno orfanato financiado pelo pai, Joaquim Merloni. Após a experiência ter fracassado,
em 1892, entrou na Congregação das Filhas de Santa Maria da Divina Providência, na cidade
italiana de Como. Em quatro de março de 1894, Clélia curou-se de uma tuberculose após
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começar a novena em honra do Imaculado Coração de Maria. A partir disso, deixou a
congregação e deu os primeiros passos para fundar uma nova família religiosa.
Em trinta de março do mesmo ano, com as obras financiadas novamente pelo pai,
funda o Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, na cidade italiana de Viareggio,
província de Lucca. O instituto possuía caráter eminentemente missionário.
Em 1900, foram enviadas as primeiras irmãs para o Brasil em três missões: um
grupo para a cidade de São Paulo, um segundo grupo para Santa Felicidade (Paraná) e um
terceiro grupo para Santa Catarina1. Essas missionárias vinham para trabalhar nas escolas de
imigrantes italianos com o objetivo de conservar a cultura do povo através da fé católica. Os
primeiros anos no Brasil foram de aprendizagem nas atividades pastorais e missionárias.
O início da expansão foi dado com a fundação do Colégio Sagrado de Jesus, em
Curitiba, em 1915. Nas pequenas escolas paroquiais, nas colônias italianas, as aulas eram
dadas em italiano, enquanto que no colégio, desde sua origem, as aulas eram ministradas em
português. No começo, era misto, mas com o passar do tempo tornou-se um colégio feminino.
Hoje, na cidade de Curitiba, além do colégio citado acima, existem três instituições de ensino
fundadas pelas apóstolas do Sagrado Coração: Escola Imaculada Conceição, Escola Social
Madre Clélia e Escola Santa Teresinha do Menino Jesus, esta objeto central do artigo.
Desenvolvimento
A fotografia como fonte histórica
A fotografia tornou-se uma rica fonte de informações para a compreensão do passado.
O que a foto reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete o que nunca mais poderá
acontecer, transformando o sujeito em objeto (BARTHES, 1984).
Ela é sempre um referencial do passado. Para fazer sua interpretação, é preciso um
esforço analítico, dedutivo e comparativo. Acaba confundindo-se com a memória de um
determinado grupo ou instituição. As diferentes faces que a fotografia apresenta muitas vezes
permanecem ocultas, invisíveis, sem explicação, mas com possíveis interpretações, formam o
1
Em 1902, foi enviada uma missão para os Estados Unidos.
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outro lado do espelho (KOSSOY, 1998). A realidade apresentada na fotografia é imutável, o
que se modifica conforme o olhar do espectador é sua interpretação. Como afirma Kossoy, a
fotografia é formada por verdades explícitas e de segredos implícitos.
A fotografia mostra algo material, um espaço físico, pessoas, objetos. Além disso,
revela um passado, uma visão de mundo que mereceu ser guardado para o futuro. Cabe ao
pesquisador, traduzir o seu contexto e as diversas mensagens que ela quer transmitir.
Todos sabemos que imagens fotográficas de outras épocas, na medida em que,
identificadas e analisadas objetiva e sistematicamente com base em metodologias
adequadas, se constituirão em fontes insubstituíveis para a reconstrução histórica
dos cenários, das memórias de vida (individuais e coletivas), de fatos do passado
centenário, assim como do mais recente. (KOSSOY, 1998, p. 42).
Será no oculto da imagem fotográfica, nos atos e circunstâncias à sua volta, na própria
forma como foi empregada que, talvez, pode-se encontrar a senha para decifrar seu
significado. Resgatando o ausente da imagem compreende-se o sentido do aparente, sua face
visível. Cada imagem sintetiza informações de um determinado momento histórico, um
fragmento do real. Não reúne todo o conhecimento em seu conteúdo, devendo recuperar as
particularidades do momento retratado, percebendo o que está “nas entrelinhas”. Um
prolongamento de um instante do passado.
A fotografia ou um conjunto de fotografias não reconstituem os fatos passados. A
fotografia ou o conjunto de fotografias apenas congelam, nos limites do plano da
imagem, fragmentos desconectados de um instante de vida das pessoas, coisas,
naturezas, paisagem urbana e rural. Cabe ao intérprete compreender a imagem
fotográfica enquanto informação descontínua da vida passada, na qual se pretende
mergulhar. (KOSSOY, 2001, p. 114).
O uso de fotografias escolares como fonte de pesquisa colabora na compreensão do
ambiente educacional e nas relações de hierarquia existentes dentro das instituições.
No domínio investigativo da história da educação o uso de imagens fotográficas da
escola tem-se ampliado, ainda que os resultados careçam, nas mais das vezes, de
análise mais sistemática desses textos fotográficos. Além da ausência de
metodologia mais apropriada na análise, a falta de arquivos específicos dificulta a
localização e identificação dessas imagens. (BENCOSTTA, 2004, p.24).
Nas escolas, as fotografias representam acontecimentos significativos para
professores, alunos e funcionários. Ela torna-se um instrumento de memória institucional e de
recordação. Dentre os temas de imagens encontradas nos arquivos da escola, o que se
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sobressai é a foto de classe, seguida de atividades escolares, cenas em salas de aula e do corpo
docente. São representações simbólicas que mantém vínculos entre a memória escolar e a
memória familiar. Muitas vezes, possuem significados afetivos e emocionais, como instantes
congelados de uma trajetória institucional (SOUZA, 2001).
A memória escolar fotográfica nas décadas de 1960 a 1970 na Escola Santa Teresinha do
Menino Jesus
A fundação da escola aconteceu em 21 de janeiro de 1956, denominando-se
“Externato Santa Terezinha do Menino Jesus”. De 1964 a 1973, a escola manteve o Curso
Normal. Em 1974, recebeu o atual nome “Escola Santa Teresinha do Menino Jesus”. Em
1986, a escola deixou de ser exclusivamente feminina.
São imagens em preto e branco, armazenadas em um total de cinco álbuns, de boa
conservação. Esses álbuns são datados, com a maioria das fotografias identificadas. Dividi a
pesquisa em três partes. A primeira parte mostra as fotos de classes de alunos, a segunda parte
de eventos escolares e a terceira parte com as imagens feitas nas salas de aula.
Primeira parte: classes de alunos
A maior parte do acervo é constituída de fotografias de classes de alunos. Essas
classes eram exclusivamente femininas. Tiradas geralmente ao ar livre, na escadaria da escola
que leva à capela. As irmãs aparecem ao centro, como se fossem as guias das meninas. Quase
todas as alunas estão sorrindo, vestindo o uniforme padronizado da escola, em fileiras
sucessivas, sobrepondo-se umas as outras. Ao contrário do que normalmente é vista em fotos
de classe, não há o acompanhamento de professores. A disposição das alunas demonstra uma
expressão da ordem escolar.
Para Souza (2001), a classe recria a própria escola e o sentido de ser aluno. A
recordação da imagem faz com que cada um se reconheça como parte da dimensão simbólica
do universo educacional.
Segunda parte: eventos escolares
As fotografias de eventos escolares – exposições, feiras, festas, peças de teatro –
contribuem para a consolidação da memória institucional. Percebe-se o envolvimento e a
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satisfação dos alunos durante esses acontecimentos. Cria-se, através desses eventos, uma
ligação do discente com a escola, como um sentimento de pertencimento.
Em alguns fotografias,
ocorre um festa de despedida das alunas.. Nota-se a descontração
das meninas. Os vestidos são mais curtos que os tradicionais uniformes, apresentando que a
festa foi feita fora do horário de aula. Em outras imagens de despedida, percebe-se a boa
relação existente entre as alunas e as irmãs.
Na instituição eram realizadas peças de teatro, festa folclórica e exposições de
trabalhos.
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Terceira parte: salas de aula
As salas de aulas foram bastante retratadas. Elas podem representar a disciplina e
organização de uma escola. A postura correta, o silêncio, o olhar atento (SOUZA, 2001). Na
sala, uma irmã observa as alunas durante a aula. Percebem-se alguns olhares para a câmera no
momento da fotografia, por mais que a maioria da turma permanecesse concentrada na
atividade. As carteiras são encostadas umas nas outras, feitas de madeira com a lousa à frente.
Em outras imagens, continua-se encontrando uma ou duas irmãs no fundo da sala,
observando as meninas. Algumas fotografias mostram as alunas vestindo um uniforme
branco, como um jaleco. Primeiramente, pode-se desconfiar de tratar-se de uma aula de
ciências, mas com a ajuda das outras fotografias, conclui-se que representa um treinamento
para aquelas que seguiam a carreira de normalistas. Alunas fazendo o papel de professoras
frente às colegas de classe.
Uma das disciplinas presentes no currículo escolar era a aula de Religião. Tratando-se
de uma instituição de ensino católica, as meninas eram ensinadas sobre os valores cristãos, É
possível perceber ao fundo, na lousa, imagens da via sacra de Jesus. Uma irmã observa a
aluna que analisa e comenta sobre essas imagens. A mesa da professora é instalada ao centro
da sala, com as carteiras das alunas já distribuídas separadamente. As alunas estão prestando
atenção na explicação da colega, sendo a última estudante da fileira à esquerda debruça-se
sobre a carteira.
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Considerações finais
O acervo aqui reunido representa uma parte da história da instituição escola Santa
Teresinha do Menino Jesus. São acervos de memória que constituem o passado educacional
de Curitiba, como testemunhas de acontecimentos passados. A imagem consegue trazer esses
momentos congelados do passado e os transforma em documentos históricos.
REFERÊNCIAS
BARTHES, R. A câmara escura: nota sobre fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984.
BENCOSTTA, M. L. A. Memória e Cultura Escolar: a imagem fotográfica no estudo da
escola primária de Curitiba. Revista Brasileira de História, 2004.
KOSSOY, B. Fotografia e imagem: reconstituição por meio da fotografia. In: SAMAIN, E.
(Org.). O Fotógrafo. São Paulo: Hucitec, 1998.
_____________. Iconologia: caminhos da interpretação. In: _______. Fotografia e História –
2º Edição. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
LISSOVSKY, M. Sob o signo do “clic”: fotografia e história em Walter Benjamin. In:
FELDMAN-BIANCO, B.; LEITE, M. L. M. (Orgs.). Desafios da imagem: fotografia e vídeo
nas Ciências Sociais. Campinas: Papirus, 2001.
SOUZA, R. F. Fotografias escolares: a leitura de imagens na história da escola primária.
Educar em Revista, 2001, n. 18.
WERNET, A. Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus: 100 anos a serviço do amor. Bauru:
Edusc, 1999.